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rRINCPIOO

BEST-SELLER:
A LITERATURA
DE MERCADO
Direção
Benjamin Abdala Júnior Sumário
Samira Youssef Campedelli
Preparação de texto
Cecília Bittencourt Thesbita 1. O texto de grande consuma
Arte
Coordenação e projeto gráfico (miolo) Duas literaturas.
Antônio do Amaral Rocha Barroco continuado.
Arte-final
O caso do Brasil — .11
René Etiene, Ardanuy
Joseval Souza Fernandes O folhetinista .12
Capa
Como fazer a diferença. .13
Ary Normanha

2. A persistência do mito .18

Presença do herói .18

As façanhas .19

Solaridade e soberania. .21

Na modernidade .22

Na indústria cultural — .24

25
3. Identificar e punir-
A questão dos gêneros .25

Decifrar o enigma .26


Os primeiros detetives. _29

Cérebro e atmosfera _32

Os sucessores _34

Violência e alma .38

ISBN 85 08 02808 3 40
4. Da selva às estrelas
1988
O romance de aventuras. _40
Todos os direitos reservados O romance de terror 44
Editora Atica S.A. — Rua Barão de Iguape 110 47
Tal.: ÍPABX) 278-9322 - Caixa Postal 8656 O romance sentimental—
End. Telegráfico "Bomlivro" — São Paulo A ficção científica 49
5- Caminhos
Mi'e umaplásticos.
formas de best.se.ler
°caso de Tubarão.
Outros modelos.
1
* Ficcíonal/zação do real
Rádio/teledrama 0 texto de
Vitória da telenovela __
Características ^0^ grande consumo
7. Conclusões
8" v°cabulárfo crítico
9" Bíb,í°grafia comentada Duas literaturas

das prateleiras Jenrf. Perceber que a arrumação


De «M Ír esS roír3 T discrim««íâ° «terárTa.
Rosa, Machado aTTÍ'- 8 S ^°'^' Guimarães
"clás ico77uXrtL 6 °Utr0S' ^"hecidos como

na vida, e,c fSfS? £ C°m° tor SUCeSSO ou subir


-«/ter ou lie « ' 'da"Se COm ProdWores de fcw-
na"ativo com aT "*' qUand0 Se «*• d° **«•
«.m m^us^a) feS * "'" * "~ <des* vez,
•adoyrcl?UeCer' eDt,:e,ant0' maiuscu,as e-ntaúsculas
Produto erL?HreSen,atÍVaS * fcnÔmenos difere«« *
ratura^u,, ™trr'°
desta úítoa „nH.
í teX'°S " eXPressões "«"-
ra "* massa" ^o sinônimas
Wüma, poderemos usar também as expressões best-
-seller e "folhetim". São termos às vezes intercambiáveis. Para melhor esclarecermos tudo isso, vamos fazer
Mas é evidente que uma obra de literatura culta pode breve análise de um texto modelar da literatura de massa
tornar-se um best-selier (isto é, ter grande receptividade — Os mistérios de Paris, de Eugène Sue. Grandes pensa
popular), assim como um livro "de massa" pode ter sido dores como Marx, Engels, Gramsci, debruçaram-se sobre
escrito por alguém altamente refinado em termos culturais esse livro, que, no entanto, julgado pelos guardiães da
e mesmo consumido por leitores cultos. estética literária consagrada, não passaria de mera "sub
Apesar disso, podemos falar ém duas literaturas (dei literatura popularesca".
xando-se de lado as velhas simplificações do tipo "litera Os mistérios de Paris
tura" e "subliteratura"), com regras distintas de produção Primeira metade do século XIX. Eugène Sue era
e consumo. Dificilmente se formulará a respeito de um
texto da literatura de massa um juízo crítico dessa ordem: então um homem culto, algo excêntrico, um dandy que
"O tema desse escritor não é só a decadência; é, talvez escrevia romances marítimos (Atar-Gull, A salamandra,
acima de tudo, o temor da dissolução, da perda de identi e outros), temperados com reflexões político-filosóficas.
dade, o horror ao vazio ontológico, a angústia de uma Convertido ao socialismo, passa a publicar, a partir de
consciência a ponto de se extinguir". Este discurso é típico 1842, no Le Journal des Débats, um romance {Os mistérios
de crítico literário e costuma dirigir-se apenas a obras em de Paris) que o tornaria famoso. O romance, ou, mais
circulação numa esfera socialmente reconhecida como culta, precisamente, anovela, provocaria reações jamais sonhadas
que pode ser a escola, o salão, a academia, o círculo de' por Sue.
leitura, etc. Do produto da literatura de massa, costuma-se Em linhas gerais, a história é a seguinte: Rodolfo de
dizer que "é envolvente", "emocionante", etc. São juízos Gerolstein é um príncipe alemão, muito rico, que trata seus
que partem diretamente do mercado consumidor. súditos com justiça e bondade. Grandes males, porém, o
afligem — seu infeliz amor pela aventureira Sarah Mac
É importante ter em mente o seguinte: o circuito Gregor e a suposta morte da filha nascida desse amor. O
ideológico de uma obra não se perfaz apenas em sua pro eixo da intriga consistirá na busca dessa filha (que mais
dução, mas inclui necessariamente o consumo. Em outras tarde se revela como a prostituta Flor de Maria) e em sua
palavras, para ser "artística", ou "culta", ou "elevada", redenção. Para tanto, Rodolfo enfrentará situações dificí
uma obra deve também ser reconhecida como tal. Os textos limas e personagens horrendos como o Assassino, Jacob
que estamos habituados a considerar como cultos ou de Ferrand, a Coruja, além de evitar as armadilhas de Sarah
grande alcance simbólico assim são institucionalmente reco Mac Gregor ou de perversos como o jovem Saint-Rémy
nhecidos (por escolas ou quaisquer outros mecanismos e, ain'da por cima, salvar pessoas de bom coração como
institucionais), e os efeitos desse reconhecimento realimen- a senhora de Fermont, restituir valores roubados a gente
tam a produção. A literatura de massa, ao contrário, não pobre, etc.
tem nenhum suporte escolar ou acadêmico: seus estímulos Toda essa armação imaginária tem como cenário prin
de produção e consumo partem do jogo econômico da cipal a cidade de Paris com seu bas-fonds, caracterizado
oferta e procura, isto é, do próprio mercado. A diferença por situações miseráveis e grotescas, em que se entrecruzam
das regras de produção e consumo faz com que cada uma ladrões, assassinos e mendigos. É o tipo de matéria narra
dessas literaturas gere efeitos ideológicos diferentes. tiva capaz de encantar um público burguês sequioso de
*-?

• — vTifr
teencereMaTeà°meed!7ÇÕeS *=*• ISt° emente acon- Através daí vislumbra-se a ideologia do autor, que é a de
proletari»! acaba
proletariado t se qUC 3VanÇa a nas
reconhecendo narrati™. o próprio
descricõef feita, um socialdemocrata com pendores esquerdistas, preocupa
do com a fraternidade entre as classes sociais e convencido
de que uma mudança de atitudes dos ricos ajudaria a com
bater efetivamente a miséria. O pedagogismo é uma tenta
oTursosTT*i
Discursos em prol T ^^ P°r
da salvação COnd*õ«
coletiva através^da frateros tiva de resposta a questões reais (a cidade e suas injustiças)
levantadas pelo romancista. O que ensina, portanto, Os
d» ^raf" ^ ref0nna Pe"al e~™d- mistérios de Paris? Resposta: doutrinas de reforma social.
4. Retórica culta ou consagrada — O livro retoma
uma retórica literária, isto é, um modo de escrever, já
experimentado ou consagrado pela literatura anterior. Não
causas prováveis da insurreição de 1848 na França existe inovação a nível da língua nacional (o emprego da
seguint^Tector3' atenÇâ° "° "* de »» - gíria é apenas uma "novidade"), nem renovação estilís
tica de frases. Reavivam-se estereótipos da literatura ro
mântica, como o herói divino, o vilão satânico, a virgem
imaculada, a mulher fatal, etc. Além da literatura culta,
registra-se a influência do próprio mercado na organização
da narrativa. Assim, a estrutura romanesca baseada no
esquema tensão/afrouxamento, nova tensão/novo afrouxa
mento, etc, deve-se à necessidade de prolongar a história
em função do êxito popular.

Barroco continuado
™ ,Z.A""''"iade '"íormativo-jornalística —Transparece
em todos os relatos do livro a necessidade de™0™ar Os mistérios de Paris, paradigma da literatura de
massa futura e exemplo perfeito do romance-documento ou
ST «aT
Tl7 •' COrremeautDr'
d0tProPno dC graDdeS
s^ íatOprópria
da S> 'eoriasépoca
eT0u:
- documento romanceado da primeira metade do século XIX,
de uma mane.ra fácil eacessível, aexemplo da lingua-em é na verdade a retomada de uma longa tradição narrativa,
iniciada no século XIV europeu. Esta data assinala a
dência"1'
dencla , "- ETPl0S:
de ajudaraCriaÇã°
os *^ Um "banco da8prov™
Pov. transcrição em prosa e a seriação de relatos épicos versi-
ficados — Tristão e 1solda, O ciclo do Santo Graal, lendas
* - f-nda-mode,o, semelhante ao falanstérioTZ- místicas e nacionais. Heróis todo-poderosos, feitos notáveis,
gmado pelo soc.ahsta Fourier; projetos de prevenção de peripécias inverossímeis, multiplicam-se.
cnmes, de reforma penitenciária; pregação sociahsa etc Todo esse material, recontado e reelaborado, redunda
ensinar
™nar Pf"g0g,smo
alguma çolsa,~ist0™'é, «um
mbémexp]ídto
a i„tençã0
p?ed claaae
^ no romance barroco do século XVII, que utiliza as lendas
medievais e os conteúdos dos romances de cavalaria (com-
10
11

bate e amor) em função do imaginário da época para


agrada, ,a„t0 a0 public0 burguês-aristocráticoTuamo ao trializada francesa do século XIX, pelo uso mais racional
da publicidade e de técnicas avançadas de impressão. A
povo, que entra em cena desde então como público leitor essa imprensa de grande tiragem, germe da moderna indús
Esse romance caracteriza-se por um excesso de imaginação tria cultural, nasce atrelado o folhetim — aquilo que
sem quatsquer pretensões de pintura de realidadf Nele' Flaubert chamaria (em Bouvard et Pécuchet) de "litera
sarracenos, bárbaros, cruzados, romanos, comba em ou
amam actma das leis da verossimilhança ese expiem tura industrial". Trata-se, na verdade — vale acentuar —,
de uma literatura não legitimada pela escola ou por insti
num lmguajar insipidamente aristocrático exPnmem
tuições acadêmicas, mas pelo próprio jogo de mercado.
IendJ2iUmHeT Í1USÓri°' além da atn,osfera vitalista das
loha atf ^ í fÍXad3S P6,a ,radi«a° °ral d° Povo
quando ao mTraf° ^ que
quando, ao mesmo tempo "^renasce
Ba"a*aa no -cu.oépico
osentimento XIX O caso do Brasil

g°c~:
gica e se earaddo por umasocial.
quer documento espédeSãode outras
PaÍXa° anora
"s°^as A história da grande literatura romanesca do século
cond.çoes de produção: esse "documento" realista tem no XIX é indissociável da do folhetim. Dickens era folheti-
nista. O próprio Dostoievski, genial analista da alma, das
C a°irT« -amÍn!;0 natUra' * Publica^ esÓfr po° angústias e contradições humanas — artista renovador da
Ca^o rC'a Pr0dUÇã° ÍOrna"'StÍCa <Preo«es forma romanesca — era também um folhetinista, de olho
STda oZl em
ágil das c01sas), ' C°m
que°conta
colo<luiaIism°. «™ adescrição
muito o gosto do público no modelo de Eugène Sue. Folhetinistas foram também os
escritores românticos brasileiros.
srs-Escritor e— £—-~ De escritores como Sue, Alexandre Dumas, Paul de
Mas era preciso entreter, divertir, para conquistar e Kock, Charles Dickens, Walter Scott, Ponson du Terrail e
manter leitores de jornais, don'de o recurso ao Inve so outros, partiram "receitas", importadas e adaptadas pela
ri^n0rha rva;do
ao longo dos séculos. asua entretenimento
Apalavra efícáda ^°«*s écapital
literatura brasileira. E nesta linha enquadram-se romances
de Joaquim Manuel de Macedo (A moreninha, que se tor
em ma«^
em massa a°^
partir de^1830d°nar^^^ton,
França (embora prodS
o fíênero
naria uma espécie de fórmula para o autor; O moço loiro,
Vicentina, Nina), Bernardo Guimarães (O ermitão de Mu-
ja exIstisse na Inglaterra desde. 1719, com apublicaçlodo quêm, O garimpeiro, A escrava Isaura, O seminarista),
Robwon Crusoe, de Daniel Defoe). Esta forma de contar Visconde de Taünay {O encilhàmento), Franklin Távora
h^tónas respondia às necessidades do público urbano de (O cabeleira), José de Alencar {A pata da gazela, Encar-
amainar as agruras do dia-a-dia e projetar-se como herói nação, Diva) e outros.
de aventuras insólitas.
Quem eram os leitores dessas narrativas românticas?
rodando''" é' ^^
rodapé dos jornais, por °suaÍm'vez
CÍO' vendidos
° romancea preços
Publicado no
baixos Deixemos responder Alfredo Bosi: "Moços e moças pro-
vindos das classes altas e, excepcionalmente, médias; eram
fiina^no t 'T^' » ^^^ ^^'^leton) ori- os profissionais liberais da Corte ou dispersos pela pro
voltadel&Tn
volta de 1836. OLa? ^Presse simboliza
de Êmile adeimprensa
Girardin-indus-
^ víncia. Era o tipo de leitor em busca de entretenimento".
{História concisa da literatura brasileira, Cultrix, p. 141-2.)
12

^^^^^^^
™ W «o Brasil, muitas Vez«P! " PreCÍS° particula- «..< ^tn, ,°COrrer que escritores conhecidos por
13

«*>• em jornal devida U^lTWCet "^ pub,i- lelament T btaUm


lelamente uma obra de massa
com pretensões ^envolvam
"sérias". para
Conan Dovle
fção de livros. Como não rara or' téCnÍCaS Para a por exemplo, desdenhava as aventuras de Sherlock Hotaes
do País (Lisboa, Porto até Z? 7° Ma imPress° fora - que lhe granjearam renome - e dedicava-se a roman
sentava-se como solução R„T Ptós)' ° 'oraal «P»- ces h.stoncos, praticamente desconhecidos. Casos ZZ
folhetinesco em mu^J^TT,qUe nada tinha™ "e sao numerosos. Étambém digno de registro ofato de q™
Pecados em jornal p™ " 7S*™- aSS™- « um escntor possa produzir romances com um projeto de
* ** CU., de Machadole Ã^,-"'"
sucesso de público.
PÓStumas
SS,s) e nao 'er nenhum largo alcance popular, em bases folhetinescaTe dZ° £
suas obras reconhecidas como "cultas". Éo que Te d'u
com Dickens, por exemplo. q eu
O folhetinista Ofolhetinista tem, porém, a sua marca própria Ê a
ele que recorreu, os editores quando querem vendi. Trinta
anos depois de Os mistérios do povo (1844-1856) segun
entre^S0-^ « Jja ***» adiferença
-Wnsecas de um moT^ZT™,* "^cas
do grande sucesso de Sue, os editores foram buscar outto
folhe,mista Paul FévaI> para escrever Mia J£££
«c«tor, com projeto mais "cX-
nâo quer dizer que oTexto nn ,
" " hÍStÓrias ~ •
maiS "ele™do". Ist0
l™nzt vrer' *"
afaçanha
um Umconcorreme *•*> - ^*-
b°m ÍO,hetinis,a Pa'a «alL
namente facilidade J*S?T° faP,ÍqUe necessa"
depoimento do romancTs^oW *"**">• "ale citar o
* q«e Viriato Corrêa°^?« **"••«*>: "Lembro-me Como fazer a diferença
homem imaginoso, foi cnamado nf ^ ex^ênctí,
de rádio para que ,ra„Ss/em?3 í D0« esta^ enfr»QUr marCa prÓpria é essa? c°m° fazer a diferença
»bre a Batóa<il. Aceitou oTrah^,^ ° Seu roma»ee
">esa de escritor efo escrevei ' Debruc°»-se àsua Z sVtaT CU'
"ofjl™ em,aco»s.deração
6*•? maSSa?os Nâ° é'-fa
aspectos semp
destacados
confessou-me, já com ânoZ**"«"«*'• ^ fim,
c'a: '- Apanhei como nunca Não gra"de audiê°- 2 ,n,TJ de P"ns- veremos 1ue cada um deles pode
tivo escnCef-e?
dos "f"' ^° men°r
asPectoÍn,enSÍdade'
"atualidade°°* "*°
™gênero dificflimo CoT uma me met0 noutra- E fo™»rf ,fIe.vados informa-
modo de escrever' - n„Z T*™? técnica- E outro
Ofato éque na onTÍ "*"' 22/n/83.) BaSH TJ ,mUÍ,° freqÜeme- P°r exemplo,™m
-se encontrar textosentrado? "T eSCritor- Pa asoc^dadew
círc?r í
7"° ' CheÍa de ^«s sobre
gUeSa da época: con>° f™r carreira nos
totas de natureza dSSSÍSlí?0 'ÍteratUra culta" e
OJosé de Alencar Ts^hlt * °U "de massa" óbr? idtTmor! T° í°"!" 3S "^ pr«-
«** assim como oM^ó £°a °meSm° de ^ «** ^JddVtors;c1ea,.,nd,iStnas-e,c-Bakac étamb-
- <omesmo de E^X^*" C~ Dicküf r^ confunde. entretanto, o romance de Balzac
D«*e„s, Dosto,evski, Hugo, com o de um folhetSsU
14 15
stricto sensu. Cada um desses grandes escritores não pre por fatos reais da história, por conteúdos informativos ou
tendia apenas contar uma história, para comover ou infor pedagógicos que pretendam chegar como "verdadeiros" à
mar, mas produzir um sentido de totalidade com relação consciência do leitor. A história irrompe das malhas do
ao sujeito humano, fazendo entrecruzarem-se autonoma- próprio texto, autônomo na geração de seu universo.
mente, no texto, história, psicologia, metafísica. As minú Tal autonomia implica oim distanciamento com relação
cias "jornalísticas" de Balzac não se acham no texto para ao real histórico, isto é, à realidade que vivemos cotidiana-
agir didaticamente a respeito da realidade, mas para simbo mente. Por isso surgem do romance-arte questionamentos
lizar uma certa realidade social e moral. O romance busca às vezes radicais das ideologias que sustentam a nossa
exprimir uma totalidade, e o autor ergue-se como um deus realidade habitual. O sujeito humano é apreendido em to
acima de seus personagens. Em Balzac, isto é bastante das as suas variações culturais, políticas, psicológicas, não
evidente: ele se comparava a Napoleão —aquele que "vi através de um discurso explicativo ou utilitário, mas de
veu a vida da Europa" _ e pretendia "levar uma socie uma ficcionalização lingüística que desestabiliza a língua-
dade inteira dentro da cabeça". -suporte das ideologias estabelecidas. A própria intriga
A partir de Gustave Flaubert — autor de Madame romanesca pode ser posta em questão. Nos romances sim-
Bovary, Salammbô —, o escritor, mais do que nunca, reve bolistas (André Gide, Mareei Schwob e outros), quase
la-se como artista. Ele deixa de escrever por uma causa nada se passa ou se conta. O leitor depara-se com uma
externa e valoriza fortemente o próprio ato de escrever. atmosfera irônica, evocações patéticas e fatos imprecisos.
O escritor é agora um virtuose, sua arte é maior do que Não é todo leitor que pode fruir plenamente as cria
a história contada, ele se confunde com seu próprio ato ções de autores como Gide, Proust, Huxley, Faulkner,
criador ("Eu sou um homem-pena", dizia Flaubert). Não Joyce, que se abstêm de explicar ou fornecer qualquer
se trata tanto de observar onipotentemente a sociedade chave interpretativa para seus personagens. De algum
(Balzac), mas de descrevê-la a partir de um estilo pessoal. modo, é preciso que o leitor seja também produtor (e não
Importa — e importará muito desde então — a técnica apenas consumidor) do texto, reconhecendo-lhe as sutile
romanesca. O leitor será convidado a fruir o bem narrar, zas, os lirismos, as metafísicas. Para tanto, é forçoso ini
ou seja, o ritmo, a ourivesaria do período, a boa imbri- ciar-se — através da escola, de outras instituições de natu
cação dos planos narrativos, as imagens. reza acadêmica ou do autodidatismo excepcional — numa
O estilo culto implica uma intervenção pessoal do linguagem diferenciada: a das letras. A literatura culta,
escritor tanto na técnica romanesca corrente como na lín apesar de si mesma, vive de uma diferença de classes
gua nacional escrita. Isto quer dizer que o escritor de culturais.
certo modo cria uma língua própria quando escreve. De Com a literatura de massa, a coisa muda de figura.
fato, ninguém fala ou escreve como faz um grande escritor, Não está em primeiro plano a questão da língua nem da
liste encena uma língua (e aí está a primeira e grande reflexão sobre a técnica romanesca. O que importa mesmo
ficção da literatura), em que não aparecem as contradições são os conteúdos fabulativos (e, portanto, a intriga com
sociais implicadas nos diversos falares de um mesmo idio sua estrutura clássica de princípio-tensão, clímax, desfecho
ma. E tal encenação implica criar um mundo imaginário, e catarse), destinados a mobilizar a consciência do leitor,
com história própria e efeitos particulares (a fabulação ou exasperando a sua sensibilidade. É o mercado, e não a
diegese narrativa). O texto não é comandado, portanto, escola, que preside às condições de produção do texto.
16

lue o",e^^i^TmaÍa-rd° ^ *~ —
social. Vimos como Eugène S^h! nao.Possa fazer crítica constantes, associados a informações trazidas no bojo das
17

injustiças. Muitos outroTtomeTnií -^ 3"*** eas novidades técnico-científico-culturais. Esses conteúdos (sig
mente temas como d cadêtóa d? T"" ab°rdado <***• nificados constantes e informações atualizadas) associados
cia, de família, etc. Acrtica arÍr, ^ dramaS de infân- as imagens suscitadas pelo emprego do mito —responsável
discurso da histôrU, isto é IT;*'*' COm° ™ por toda uma gama de identificações projetivas — consti
tuem o material de consumo dò leitor.
que penetra no texto com fó™7 f eX,erno a ficca°. Dizemos "leitor", mas também poderíamos usar o
Écomo se fosse um dTur^efo' "P"™*** ladeira
-.ura: pode até «^^^^^o de lite- termo "espectador". Com efeito, a narrativa de massa não
se restringe ao texto escrito, podendo estender-se a outros
ta coisa alguma à própria aZu, ™' ES nao acrescen-
meios de expressão ou canais (para usar um termo da
'forma,
écnicas isto é, a Cua „Zl TT' ^ Se dei™ P^a
econUlí^E^ ^"^ada, gerando teoria da comunicação), como o rádio, o cinema, a tele
visão, a história em quadrinhos, a fotonovela, etc. Grande
parte da narrativa folhetinesca de nossa época transferiu-se
de -srman,r°v-^lírS
nagens fortemente SZLZZZT" T^ ""*•
"**"* °«"*°
perS°- para esses meios {mass-media), tornados possíveis pela
diálogos (capazes de permítír um!> h"^ abundancia de revolução tecnológica das comunicações.
'dade
ei>or do
àtrama) Apassagem para outros meios implica outros códigos
público.ede uma^IT-
exPloraÇao' ststemática
Sa° maÍS da
intensa do
curiosi- (regras de organização dos conteúdos), mas não muda a
Curiosidade A ™».n estrutura básica da literatura de massa. No cinema ou no
-have. Com efeito', TlZ"^^*
urbano do Ocidente defina.
pa'a-
hoje' ° hon>em
livro, uma história permanece fundamentalmente a mesma
porque o mais importante são os conteúdos (mito e infor
mações).
"ser-voltado-paraTprt "" t T^T™™* cc™ » Com a literatura culta, é diferente: a transposição do
dal (cada vez mat to«e Soh ^ f "' Um Ímperati™ *o- livro para um outro meio altera a natureza da obra origi
sumo): ele deve sTtisfeer se 1 X° *" °rdem do c°"-
'ência pelo uso sistemadf*e ™ximalizar asua exis- nal, porque esta se acha comprometida com a língua escri
Prazer.Daí, uma curlosid^ h "^ 3S virtualidades de ta. Nao se trata de afirmar que o livro será melhor do
-sâ-lo. Diz apro^rBaÍdÍlaT"^ 'Ud°deVe ^ que o filme, mas que são duas coisas diferentes, quando
nem mesmo 'o gosto' ou a ür
- ao emais ° desejo se trata de literatura culta e literatura de massa
e^ jogo, é"maTutsiLe getrradeaSPmffiCda
obsessão difusa — é a im f ,.ll2ada> movida**
por "^
uma
se divertir, de explorar a flTf?' °U ° Cativo de
«brar, gozar ou grtó&ar^WTp ™possibi«dades de
* consommatiol GauSard,' ^T ^ U"**"
-• -rpo, aventura, etc, são £?±X£Z
19
2. Em sentido figurado: aqueles que se distinguem
por um valor extraordinário ou por feitos brilhantes na
2 guerra.
3. Todo homem que se distingue pela força de cará
ter, grandeza de alma, virtude elevada.
A persistência do mito 4. Termo de literatura: personagem principal de um
poema, de um romance, de uma peça de teatro.
5. O herói de uma coisa, aquele que brilha de uma
maneira excelente por bem ou por mal. .. O herói do
dia, o homem que, num certo momento, atrai para si toda
a atenção do público.
Destaquemos algumas das palavras usadas nestas defi
nições: brilhante, elevada virtude, deus. Tudo isto perten
ce à terminologia dos mitos, fala de uma indistinção radical
Presença do herói entre real e imaginário, exalta a luminosidade ou a solari-
dade dos seres. Na identificação com o herói aparece o
Como pode haver refinamento técnico-estilístico nos desejo humano de ser deus, de alçar vôo na direção do
textos de massa, nem sempre é fácil determinar teorica sol ou da luz. E como verseja o poeta João Cabral de
mente se se trata ou não de "grande" literatura. A prática, Melo Neto: "Mas o sol me deu a idéia/De um mundo
entretanto, não oferece maiores problemas: o público é claro um dia..." (Cf. o Auto do frade.)
mais numeroso quando o produto folhetinesco é verdadeiro, A louvação ou a manifestação do sonho heróico cons
isto é, quando o texto obedece às características intrínsecas titui, desde a mais remota Antigüidade, um gênero literá
do gênero. E o traço principal, aquele capaz de gerar emo rio próprio, denominado epopéia. Textos completos ou
ções e projeções junto ao leitor, é a permanência do mito fragmentos épicos do passado informam-nos sobre a ge-
heróico. Vimos a propósito de Os mistérios de Paris como nealogia do herói. Este nasce, em geral, de pais famosos,
o protagonista Rodolfo de Gerolstein sintetizava caracte seja de origem divina ou aristocrática. Hércules, o herói
rísticas do herói romântico _com as de velhos arquétipos mais popular de toda a mitologia clássica, era filho de Zeus
míticos e como apareciam dualismos do tipo bom/mau, e de Alcmena. Já Rodolfo de Gerolstein, o herói de Sue,
santa/pecadora, forte/fraco, etc, para os quais havia sem era príncipe, portanto filho de nobres ou de reis.
pre uma solução heróica.
O que é o herói? A resposta pode muito bem começar
pelo dicionário: As façanhas
1. Nome dado, em Homero, aos homens de coragem
e mérito superiores, favoritos dos deuses; e, em Hesíodo, Textos míticos, lendários, épicos, indicam, além da
àqueles considerados filhos de um deus e uma mortal, ou origem semidivina ou nobre, as condições gerais de forma
de uma deusa e um mortal. ção do herói, dentre as quais se destacam as façanhas. A

jr~- ._.
20 __ 21
mais comum é a luta contra o monstro, que mantém cativa constantes da llíada. Nas ações de pirataria ou saque con
uma donzela, guarda um tesouro ou aterroriza uma região. tra as ilhas e cidades da Ásia Menor, Aquiles converte-se
Vencer, realizar a façanha, significa passar pela "prova" em herói célebre. Ele é tão poderoso que basta a sua pre
necessária à "iniciação" do sujeito como herói. sença para infundir terror aos inimigos. Depois, que seu
Vejamos brevemente a lenda de Aquiles — uma das amigo Pátroclo émorto em combate, torna-se um vingador
mais ricas e antigas da mitologia grega — celebrizada pela implacável: de uma só vez, aprisiona vinte jovens troianos
llíada, poema épico de Homero. Vale dizer que essa epo e manda sacrificá-los sobre o túmulo de Pátroclo. Mais
péia foi a mais lida em toda a Antigüidade, o que contri tarde, mata Heitor, herói troiano, e arrasta o cadáver com
buiu para popularizar as façanhas de Aquiles. Além disso, seu carro durante doze dias. Aquiles aparece na Odisséia,
outros poetas, outras lendas populares, apropriaram-se do mas desta vez entre os mortos.
personagem e da temática, inventando episódios e inci O percurso heróico de Aquiles — nascimento semi-
dentes, exatamente como a indústria cultural (principal divino, presságios, sinais de origem, feitos extraordinários
mente o cinema) faz hoje com personagens célebres, como ou epifania heróica _ mantém as linhas de um modelo
Drácula. Já existe um "ciclo cinematográfico do Drácula", que se reencontra em outros personagens celebres (Ciro,
assim como houve um "ciclo de Aquiles", que inspirou Ulisses, Teseu, Hércules, Gilgamesh, Tristão, Sansao e
poetas trágicos e épicos até a época romana. tantos outros), com pequenas variações. Por exemplo
Aquiles, contam os mitógrafos, era filho de Peleu, Aquiles não se defronta com nenhum monstro terrível,
descendente de Zeus, e de Tétis, uma deusa, filha de como a Esfinge, a Górgona, a Hidra, o Minotauro. Mas
Oceano. Era mortal, mas tinha uma propriedade divina, um grande número de inimigos pode ser relacionado com
a invulnerabilidade. Diz uma lenda que, na infância, Aqui o monstruoso. E em face dele, o herói triunfara sempre.
les foi banhado pela mãe no Stix, rio que corre no inferno,
cuja água tinha o poder de tornar invulnerável quem nela
mergulhasse. Entretanto, o calcanhar, pelo qual Tétis segu Solaridade e soberania
rava a criança, não foi tocado pela água, permanecendo
vulnerável. Ao crescer, Aquiles aprendeu a caçar, domar O herói tem a mesma invencibilidade do sol, que entra
animais, praticar a medicina, tocar a lira, desprezar os e sai das sombras sem que nada possa alterar o poder de
bens terrenos e não temer as dificuldades. seu brilho. Tal é a solaridade de que falamos: o herói
Na llíada, Aquiles resolve participar da expedição a (solar) opõe-se ao universo das trevas. E esta caracterís
Tróia, depois de um convite feito por Nestor, Ulisses (per tica transparece às vezes em traços físicos do personagem,
sonagem talvez ainda mais famoso que Aquiles) e Pá- como olhos claros, beleza do rosto, sinais nobres no pertii.
troclo. No momento da partida, Tétis previne o filho da Os olhos de Hércules, conta a lenda, "lançavam chamas ;
sorte que o espera: se for a Tróia, terá grande fama, mas Aquiles, por sua vez, tinha "olho cintilante". Já omonstro,
sua vida será curta; se ficar, viverá muito tempo, mas sem ou o grande inimigo do herói, tem olhar sombrio, rosto
glória. Aquiles, sem hesitar, escolhe a vida curta e glo "noturno" (feio, mal barbeado, sujo, etc), e disforme.
riosa. Outros traços "solares":
Os gregos ficam em frente a Tróia durante nove anos, a) Oherói não peca jamais contra a lealdade, a fran
antes de começarem os relatos propriamente homéricos, queza, a determinação. Sua coragem costuma ser também
23
22

inabalável. Opõe-se, assim, a tipos de caráter marcados pela j reara da "cortesia" que o cavaleiro pusesse a sua dama
dissimulação, traição e covardia. ] acima de Deus edo soberano. E, para conquistar aamada,
o cavaleiro devia passar pela iniciação heróica, isto e,
b) O herói costuma associar-se a animais de alguma í submeter-se às duras provas de fidelidade e coragem em
maneira relacionados ao sol, tais como a águia e o leão.
Combate, portanto, bichos "noturnos", como a serpente,
busca da recompensa amorosa final.
a aranha, o dragão. Em "romances corteses" como Tristão e Isolda, Os
romances da Távola Redonda (século XII), ou em textos
c) O herói coloca-se no grupo social como uma indi como Amadis de Gaula e Orlando Furioso (inicio do sé
vidualidade solidária e redentora, isto é, como um salvador culo XVI), entrecruzam-se heróis invencíveis esentimentos
ou um justiceiro. Distingue-se daqueles que se integram na galantes. Essa temática mantém-se com o advento do ro
sociedade por caminhos escusos ou impuros. mance barroco no século XVII, quando também se ampha
Este último traço reforça a natureza soberana ou de- opúblico leitor, incorporando as camadas plebéias da po
miúrgica do personagem heróico. Este é alguém sempre pulação. Ogrande público caminhava imaginanameme na
disposto a salvar o mundo ou transformá-lo de algum modo mesma direção do herói. E foi assim que, no século XIX,
através de seus poderes extraordinários. Como representan-' o folhetim firmou-se como sucessor dessa literatura em
te de uma ordem sobrenatural ou aristocrática, o herói que predominavam aimaginação livre eos heróis com suas
freqüentemente entra em conflito com os delegados do aventuras.
poder temporal ou mesmo com príncipes e reis não ungidos Existiu também a crítica erudita desse culto popular
pelas divindades míticas. Assim é que Aquiles choca-se,
na llíada, com Agamemnon, chefe dos exércitos aqueus e
ao herói. O D. Quixote, de Cervantes, '*^™!?**
à ilusão cavaleiresca da época. Igualmente, o Cândido ou
intitulado "rei dos reis", mas sem a proteção dos deuses o Zadig de Voltaire, constituem paródias (imitações satí
olímpicos.
ricas) do personagem heróico todo-poderoso.
Mesmo assim, o romance não consegue livrar-se intei
Na modernidade
ramente da força mítica do herói. De fato, ao cnticar a
ilusão romanesca, o autor pode agir com tanta verve e
A imaginação heróica exprimiu-se em obras literárias
espírito que ele próprio se destaca como um ser solar .
(epopéias, fragmentos épicos) tanto na Antigüidade como
Preparava-se desta forma ocaminho para ademmrgia do
nos tempos modernos. Canção de gesta era o nome gené
autor, tipificada em romancistas do século XIX como
rico dos relatos, em geral versificados, de feitos heróicos.
Charles Dickens, Victor Hugo, Honoré de Balzac Sao
Ê, como já dissemos, a partir do século XIV que os poemas escritores que transformam em epopéia o universo burguês
épicos passaram a ser escritos em prosa (os romances)
instaurado pela indústria e pela glória napoleômca. Busca
e lidos principalmente por pessoas de origem nobre. Esses
vam o "romance total", capaz de enfeixar o drama, o
romances costumavam misturar guerra e amor. Já desde
diálogo, oretrato, apaisagem, o maravilhoso, overdadeiro.
o século XII, a luta e o sentimento amoroso eram as
Para fazê-lo com grandeza, convertiam-se em heróis do
duas grandes motivações do herói romanesco {Romance espírito. Esse é o heroísmo que, ainda no século XX,
de Tróia e Romance de Tebas são exemplos). Mandava a
escritores, cientistas e políticos têm procurado incorporar.
24

Na indústria cultural
3
A indústria cultural — teatro, rádio, cinema, disco,
televisão, literatura best-seller, histórias em quadrinhos, Identificar e punir
fotonovelas, fascículos — tem retomado neste século toda
a temática heróica do passado, orientando a imaginação
no sentido do consumo. A figura do herói tradicional —
valente e sedutor — domina o texto literário de grande
consumo. Não há romance policial, de ficção científica ou
de aventuras que deixe de apresentar ao público um perso
nagem heróico todo-poderoso, embora adaptado à lingua
gem da época, para gozar de credibilidade. A isto os teó
ricos da literatura dão o nome de verossimilhança o
conjunto de regras de credibilidade a que o texto tem de A questão dos gêneros
obedecer para ser aceito.
Tome-se ao acaso um personagem qualquer de histó Antes de abordar a narrativa policial como uma das
ria em quadrinhos. Nele, reencontram-se, com aparências mais prestigiadas ou de maior público no interior da lite
sempre novas, exigidas pelas regras da verossimilhança, os ratura de massa, impõem-se algumas palavras sobre a pro
mesmos traços mitológicos dos heróis da Antigüidade: a blemática dos gêneros. Esta é uma das questões mais anti
solaridade, a resistência ao universo feminino (a mulher gas na análise literária, tendo sido objeto das preocupações
sempre foi apresentada como um obstáculo à realização do de Platão e Aristóteles. Para simplificar, entretanto, vamos
percurso heróico; são raros os casos de "heroínas"), a nos ater à explicação de René Wellek: "Deve entender-se
defesa do bem contra o mal. A invulnerabilidade relativa, gênero como o agrupamento de obras literárias baseado
a nobreza de caráter, o combate ao monstruoso são fenó^ teoricamente tanto na forma exterior (metro ou estrutura
menos comuns aos protagonistas das formas contemporâ específicos) como na interior (atitude, tom, propósito; em
neas da epopéia, isto é, dos romances e filmes de espiona termos mais toscos: tema e público)". (Cf, René Wellek
gem, histórias de faroeste, de terror, suspense, etc. Mesmo & Austin Warren em Teoria literária. Gredos, 1959, p.
em narrativas que não poderiam ser chamadas de "épicas", 278.)
persistem traços do herói tradicional. Basta observar com Tradicionalmente, reconhece-se a seguinte classifica
atenção os personagens principais de uma telenovela. ção tripartite dos gêneros:
Hoje, como no passado, o leitor projeta-se nas aven a) Lírico (soneto, balada, ode, rondo, etc);
turas heróicas, dando vazão ao seu desejo de potência, de
aproximar-se dos deuses, ede poder, como oherói, escapar b) Épico (epopéia, romance, conto, novela);
as leis do cotidiano repetitivo e monótono. c) Dramático (tragédia, comédia, tragicomédia, farsa).
Os textos de massa são predominantemente épicos,
isto é, são relatos que apresentam alguma coisa ou alguém.
26 27

Neles, o autor distancia-se do objeto (atitude contrária à um sujeito. Vamos nos explicar. No romance policial o
da lírica), para registrar ou mostrar algo, segundo um que está quase sempre em jogo éidentificar epunir alguém
determinado ponto de vista. Para melhor apresentar o que rompeu o ordenamento jurídico, ameaçando a ordem
objeto, o autor pode muitas vezes recorrer a elementos social. O relato vai, assim, pôr em cena um personagem
líricos ou dramáticos, mas a essência de seu texto perma heróico (mito) que, munido de conhecimentos tecmco-cien-
nece vinculada à épica. Trata-se sempre, na velha epopéia tíficos, oferecerá soluções (ideológicas): identificação e
ou no moderno romance, de narrar. prisão do culpado. Nesse processo identificatóno, constroi-
Na literatura de massa, o que chamamos de gêneros -se segundo parâmetros de formações ideológicas em cir
são as subdivisões, por temática e público leitor, da narra culação, a imagem do sujeito humano, do indivíduo social,
tiva romanesca. É fácil reconhecer tais gêneros pela natu da pessoa, desejada pela ordem. Desde os pnmordios, o
reza da atualidade informativo-jomalística veiculada. Senão romance policial tem divulgado técnicas que permitem che
vejamos: gar à identidade de alguém —acompanhamento de pistas,
Romance policial — Informações de natureza crimi- impressões digitais, deduções, etc. Por sua vez, o leitor
nológica, psicológica, judiciária, etc. "vê" desenhar-se a imagem individualizada do bem ou
do mal. . _ .
Ficção científica ~- Vulgarização e antecipação de Ver espiar, são verbos que definem a posição do
grandes descobertas científicas ou então conjeturas sobre leitor ou do espectador da narrativa policial. Bastante
o relacionamento entre o homem e a tecnociência. ilustrativo disto é o filme A janela indiscreta {Rear Win-
Romance de terror — Conhecimentos biológicos ou dow), de Alfred Hitchcock, baseado no conto policial It
antropológicos em torno dos padrões de "normalidade" Had To Be Murder, de Cornell Wollrich.
humana.
Vejamos a sinopse (cf. revista da Gaumont Publici
Romance sentimental — Doutrina ou informações de dade) do filme:
natureza ética relativas aos fenômenos do amor ou da "O cenário é um edifício de apartamentos em Green-
sexualidade. wich Village, em Nova Iorque. O personagem central,
Qualquer outro "gênero" poderá ser determinado da Jeff, é um fotógrafo profissional que está com as pernas
mesma maneira, através de um exame atento de seu "pro e quadris imobilizados em conseqüência de um acidente
jeto informativo". É preciso deixar bem claro, porém, que sofrido durante um trabalho que estava realizando.
as informações não devem jamais pecar por excesso Há algumas semanas ele vem quebrando a monotonia
(Marshall McLuhan chegava a afirmar que um best-seller de sua vida, espiando através de uma luneta o que se passa
não pode ter mais de 10% de informações novas), sob nos apartamentos vizinhos: é a Miss Coração Solitário,
pena de cansar o público. que janta sempre à luz de velas com seu amante imaginá
rio; é o casal de meia-idade sem filhos, que vive em função
de seucão de estimação; é o jovem casal que passa o tempo
Decifrar o enigma todo fazendo amor; é a dançarina que se contorce toda
nos exercícios diários, excitando a vizinhança.
Pode-se afirmar que, de uma maneira geral, todos Sua luneta passa também pela escultora, pelo compo
esses gêneros articulam-se em função da identificação de sitor frustrado e pelo vendedor ambulante de jóias, sempre
28
_2?

às turras com a mulher inválida. Certa noite, porém, ele enfermeira diz numa certa hora, referindo-se à teleobjetiva:
ouve um grito. De luneta em punho, Jeff enfoca um homem "Dê-me aqui esse buraco de fechadura portátil". Vale re
que faz repetidas caminhadas para a rua, carregando uma cordar que, em inglês, detetive particular se diz private eye,
valise de alumínio. Ele vê que o homem limpa a valise, ou seja, "olho particular".
lava as paredes de seu banheiro e esconde uma faca. Há, de fato, algo do prazer de "olhar pelo buraco da
Jeff procura convencer sua noiva de que houve um fechadura" em toda narrativa policial. O detetive atualiza
crime e ali está um assassino. Nem a noiva acredita na — através de sua atividade de preenchimento do vazio
história, nem o melhor amigo do fotógrafo e tampouco os entre um acontecimento (o crime) e sua causa — a anti-
vizinhos. Jeff descobre outros indícios, sempre através da qüíssima figura do decifrador de enigmas (Édipo). Espiar
luneta, como um cachorro cheirando o jardim e o suposto a ação explicativa de um personagem, desde o par amoroso
assassino mexendo nas jóias da mulher. do romance sentimental até o aguerrido investigador poli
Quando o cachorro aparece morto, aí sim as pessoas cial, é algo que se faz na esteira do desejo de aplacar a
se convencem de que um crime foi cometido. Trata-se angústia advinda da falta de um porquê. E aí reinstala-se
agora de pôr as mãos no assassino, que se prepara para a motivação edipiana — o inexplicável encontra, por ins
matar outra vez. E agora a vítima visada é o próprio Jeff, tantes, um termo.
o fotógrafo que se habituou a invadir a privacidade alheia Trata-se efetivamente do inexplicável para o senso
para espiar o que acontece na vida dos outros..." comum e que, antes da literatura folhetinesca, fazia longo
Essa narrativa fílmica dosa genialmente (graças à curso na forma de crimes e prodígios veiculados pela lite
mestria de Hitchcock) os elementos estruturais da litera ratura de cordel {pliegos sueltos, na Espanha; littérature
tura de massa: de colportage, naFrança) ou pelas fabulações mítico-popu-
a) Mito — O antiqüíssimo "prazer de ver" ou de lares da tradição oral. Através da literatura de massa, o
espiar é retomado através da presença de câmaras foto inexplicável da lenda ganha, aos olhos do senso comum,
gráficas, da tensão entre o real e o ilusório e da própria soluções ideologicamente propiciadas pela Modernidade.
questão do relacionamento entre leitor/espectador e as E, em todos os gêneros folhetinescos, ajuda-se edipiana-
imagens cinematográficas. Além disso, há todo o "heroís mente o sujeito a se reconhecer, a se identificar nos termos
mo" do fotógrafo. da ideologia dominante.
b) Informação —A ação dramática suscita junto ao
espectador discussões sobre violação de privacidade e sobre
os limites da lei, isto é, em que momento se justifica uma Os primeiros detetives
intervenção policial. Discute-se também no filme a questão Em face do exposto, é compreensível que se tenha
do relacionamento amoroso.
Muita coisa poderia ser dita sobre a presença no filme querido ver em Êdipo-Rei, de Sófocles, o início glorioso
de uma certa retórica culta (as ironias hitchcockianas) ou do romance policial. De fato, Édipo empreende o que hoje
de algum pedagogismo (nas falas da enfermeira/arruma- se poderia chamar de um "inquérito judicial" sobre a sua
deira). Mas o filme interessa-nos aqui principalmente pela origem, confrontando com as suas as informações dos adi
questão do "espiar", do voyeurismo explicitado no texto, vinhos e dos escravos. Mas se trata de coisas diferentes,
nas recriminações da noiva ao fotógrafo. Além disso, a como explica Roger Caillois. (Cf. Le roman policier — ou
/
PBB

31
30
"comme 1'intelligence se retire du monde pour se consa- A "excitação" é provocada pela já mencionada "curio
crer à ses jeux et comme Ia société introduit ses problèmes sidade" exacerbada nos tempos modernos. Aatividade judi
dans ceux-ci". Edition des Lettres Françaises, 1941.) Diz ciária sempre despertou interesse e, em face dela, as massas
ele: "Não há nada de intelectual em Edlpo, nenhum efeito tiveram atitudes variadas. A propósito, diz o pensador
de surpresa, senão o próprio Édipo, e esta tragédia não marxista Antônio Gramsci (em Literatura e vida nacional):
tem outro tema além daquele de que trata incansavelmente "O grande malfeitor foi representado muitas vezes como
o teatro grego: os golpes do destino atingindo a virtude, a superior ao aparelho judiciário; mais: como o represen
justiça e a prosperidade, e fazendo dos heróis, dos reis e tante da 'verdadeira' justiça". Assim, Os bandidos, de
dos grandes vencedores criminosos e infelizes suplicantes, Schiller, influência romântica que se sentiria mais tarde;
cada vez maiores" (p. 13).
os contos de Hoffmann, de Anne Radcliffe; o Vautrin, de
Balzac O tipo Javert em Os miseráveis é muito interessante
De fato, embora a figura do detetive evoque a de do ponto de vista da psicologia popular. Javert equivoca-se
Édipo, o gênero tragédia visa a comover e não a demons quanto à "verdadeira" justiça, mas Victor Hugo apresenta-o
trar, como o romance policial. Este, como diz Caillois, como uma pessoa simpática, como "homem de caráter",
"vem das condições novas de vida no início do século XD£. fiel a um dever abstrato, etc De Javert nasce talvez uma
Fouché, instaurando a polícia política, coloca com um mes tradição capaz de admitir inclusive que a polícia pode ser
mo golpe o mistério e a astúcia no lugar da rapidez e da "respeitável".
força. Antes, o uniforme estampava o representante da Hoffmann, citado por Gramsci, é o famoso conüsta
ordem. Este corria atrás do malfeitor e procurava atingi-lo. e músico alemão E. T. A. Hoffmann, autor de Elixires do
O agente secreto substitui a perseguição pela investigação, Diabo. Hoffmann — muito apreciado pelo grande poeta
a velocidade pela inteligência, a violência pela dissimula francês Baudelaire, o mesmo que revelou Edgar Allan Poe
ção. Um romance de Balzac, Um caso tenebroso, assinala à Europa — deu uma certa continuidade a um gênero
o instante da mudança: consegue-se perceber aí o tipo de florescente no século XVIII, chamado de romance gótico
perturbação que lança nos costumes essa inovação diabó {gothic novel, roman noir, Schauerroman). O gótico defi
lica — a polícia invisível — e, finalmente, o ar de estra ne-se por histórias passadas em castelos abandonados e
nheza, o mundo de desconfiança e de insegurança que ela
conventos misteriosos, com a intervenção de malfeitores
traz consigo" (p. 14).
e espectros. Os mistérios de Udolfo, de Anne Radcliffe, e
O castelo de Otranto, de Horace Walpole, são obras repre
Infere-se que o aperfeiçoamento de um aparelho de sentativas desse gênero que antecipava muitas das caracte
Estado (a polícia) — aliado a técnicas novas (oriundas da rísticas do romance policial.
antropometria, da química, da psiquiatria criminal, da lógi Mas, sem dúvida nenhuma, Edgar Allan Poe pode ser
ca) que possibilitavam se chegar de um simples indício até apontado como o principal criador do romance policial, na
o criminoso — engendra, sempre com a ajuda da atração medida em que suscitou processos de detecção ainda hoje
mítica, o romance policial. Nessa genealogia, é preciso vigentes. Poe era um poeta de grandes qualidades, que
sublinhar também a importância dos "processos célebres" nutria também verdadeira paixão pela arte detetivesca.
romanceados, que excitavam a imaginação popular no que Tanto assim que apresentou a solução para um crime mis
diz respeito às questões de administração da justiça. terioso realmente ocorrido na França. Munido apenas das

T7T.=V5S**
32

informações de jornal e do método psicológico por ele 33

dSouiT
desvendou todo o°mistério.
dupí° assassina'°da ™««££
Daí saiu Omistério de Maria
Roge Acrescen,ando-se a esta novela Acarta rouba£ orai privilegiada: raciocínio, informação eênio P n ™2
T2h n g'a P°IÍCÍal de Poe' Atrav« de seu detetive
Tan^S d<! eStabCleCe " ^ defiDÍtíVaS «° -
muitoAinterpretação psicanalí(ica de Sigmund Freud tem
do método psicológico de Poe. Nãoli à,oque 2
dSicou°umv ranalÍf"
ro^Z "P0™
Seusxfamosos seminários aoJacqueslac^
texto Acarta
"O ^ ' ", propósito de «*H» em geral, dizia Poe-
,„ P°der a°allt'c° "ao deve confundir-se com a simples
engenhosidade, porque, se bem que o analista seja «ces
sanamente engenhoso, muitas vezes acontece que o homem
engenhoso é notavelmente incapaz da análte eZo
engenho eahabilidade analítica existe uma diferença muito
maior na verdade, do que entre afantasia e aünaginaçfc,
So ouTo heStritameme aná,°S0- Verificar-se^ com
f os v,?L "S enSenhos°s °a° ^mpre fantasistas
lr?Z^rn'e ma8ÍnatÍTOS Sã°- P- »» vez, sem-
Cérebro e atmosfera

Dartírar„0 V* da ^ ^ P*™»*»*» eromântica


S^ScSTír
.va pohcial. MasC0Tbuições para afonnasao
e bom não esquecer da na™"
Eugène Sue (que criados por Poe e Gaboriau, mas afirmava ter transplan
literatura de massa): em Os mistérios de Paris ele oronõe
todo um sistema de repressão ao crime. teTprZoTtZ £5 7J%*£ Holmes os traços de p«-SIadno
deMeaiZHfpHT qUem tÍVCra que
aulasoDr.na Bell
Faculdade
amploaapontar
que prevêàcomun;dade
até uma "polícia de Medicina de Ed.mburgo. Conta-se costu
nada seus para os bon
a,os ^ ^°- de ^tí-
ver o reconhecimento público. mas
micos e0xo mT-r p;ssoasde em
modo de andar, falar,gera,
de> vestir
°s detaih« «££•dn
e à custa
Allan^r-31110' DU?Ín'grande
Persona8em raciocínio dedutivo, obtinha espantosas conclusões.T^
Allan Poe, e o primeiro detetive<*ado pordaEdgar
moderno lite- crimes ^ " colab°raía° no esclarecimento de

J
35
34
Dizia o Dr. Bell: "A maioria das pessoas vê, mas não caso de O mistério da estrada de Sintra, escrito alternada-
sabe observar". E nisto consistia o segredo do fascínio mente por Eça de Queirós e Ramalho Ortigão. No Brasil,
exercido pelo personagem Sherlock Holmes sobre milhões escritores como Coelho Neto e Viriato Corrêa "brincaram"
de leitores, isto é, numa observação penetrante, reforçada com o gênero. Luís Lopes Coelho impôs-se como autor de
por seus conhecimentos de toxicologia, química, botânica, boas narrativas policiais. Recentemente, Rubem Fonseca
etc. Mas, diferentemente do Dupin de Poe, Sherlock aliava brindou os aficionados com um excelente romance: A
a atividade cerebral à ação: era capaz de disfarçar-se, de grande arte.
lutar boxe e de muitas outras habilidades físicas. Depois de Doyle com seu Sherlock Holmes, pode-se
Doyle terminou criando um personagem tão forte na falar de muitos outros fenômenos no campo da literatura
imaginação popular quanto um D. Quixote ou um Tartufo. policial. Na França, por exemplo, vale mencionar o caso
A fama do personagem era tão grande que provocou o de Fantômas, personagem criado por Allain e Souvestre,
em 1911. Dele, disse o poeta Apollinaire: "A leitura dos
despeito do próprio criador. Este decidiu um dia matar
romances populares de imaginação e de aventuras é uma
Sherlock, fazendo-o cair num abismo, durante uma luta
ocupação poética do mais alto interesse. Já me dediquei a
com o Prof. Moriarty, seu lendário inimigo. A reação do ela de vez em quando, mas completamente, oito, dez dias
público foi pronta e indignada: Doyle recebeu cartas ofen seguidos. Chegam a ser, acredito, mais ou menos os únicos
sivas e ameaças. Mas foi mesmo a oferta de um milhão livros que eu li bem, e tenho tido o prazer de encontrar
de dólares por parte dos editores que o levou a ressuscitar muitos bons espíritos que dividem esse gosto comigo...
o genial detetive. Fantômas é, do ponto de vista imaginativo, uma das obras
mais ricas que existem".
Na verdade, Fantômas não obedece às regras clássicas
Os sucessores do gênero policial, cotejando bastante o romance de aven
turas. Trata-se de um bandido encapuzado, uma espécie
A tríade clássica do romance policial — Poe, Gabo- de personificação do mal capaz de também praticar algum
riau e Doyle — lança ps elementos básicos, ainda hoje bem, sempre em luta contra um policial chamado Juve,
vigorantes, do gênero: o enigma do crime, a estrutura acompanhados por um jornalista e uma lady. Entre 1911
psicológica do criminoso e a inteligência do detetive. A e 1948, foram escritos 42 volumes de aventuras de Fantô
partir daí, autores norte-americanos, ingleses e franceses, mas, com uma tiragem de quatro milhões de exemplares
principalmente, vêm alimentando um filão até hoje inesgo- em língua francesa e traduções em mais de vinte línguas.
tado. Entre os ingleses, tornaram-se célebres as contribui O personagem ganhou as telas muitas e muitas vezes, tanto
ções de Edgar Wallace, Chesterton, Agatha Christie e no cinema francês quanto no norte-americano.
outros. Entre os franceses, Maurice Leblanc, Gaston Le-
Apollinaire não foi o único grande escritor entusiasta
roux, Mareei Allain, Pierre Souvestre, Georges Simenon e
de Fantômas. Surrealistas como Max Jacob e Aragon tam
outros. Entre os norte-americanos, S. S. Van Dine, Dashiell
Hammett, Mickey Spillane, Raymond Chandler, James bém proclamaram a sua admiração pelo que se chamava
Cain, Ed McBain e tantos outros. Em língua portuguesa, de "rei do terror folhetinesco". Faziam-se várias interpre
registram-se apenas algumas experiências. Há, assim, o tações sobre o simbolismo de Fantômas: neo-satanismo,
37
36 .
inversão absoluta de valores, mito da coligação das forças Wolfe, de Rex Stout, ou no Hercule Poirot, de Agatha
Christie, mas Vance é um caso excepcional nas narrativas
do mal contra os impulsos ordenados do ser humano.
anglo-saxônicas do gênero policial. Ele guarda algo do
O fato é que se firmou na França uma certa tradição velho Sherlock Holmes, como o recurso do disfarce ou
de narrativas policiais escritas a partir do ponto de vista o que dele conta seu próprio criador: "Eu, pessoalmente,
do ladrão ou do malfeitor, apresentado como um herói creio que Vance gostava mais das investigações criminais
elegante e cavalheiresco. Outro grande exemplo é Arsène do que dos estudos escolásticos a que sempre se achava
Lupin, personagem criado por Maurice Leblanc. Com Lu- dedicado; pois embora sua mente estivesse sempre ocupada
pin, não se sabe onde acaba o ladrão e começa o detetive. com as mais abstrusas elucubrações, encontrava seu gran
Ele saqueia milionários, escapa de prisões fortificadas, mas de recreio intelectual nos problemas intricados, mas alheios
também concorre com Sherlock Holmes (há mesmo uma à ciência pura. A criminologia não só satisfazia um desejo
história em que ele enfrenta o detetive inglês), identifi de sua natureza, como punha em jogo seus conhecimentos
cando criminosos. É um dandy, que oscila entre a margi de fatos recônditos e um misterioso instinto das sutilezas
nalidade e a justiça. da natureza humana".
É possível até que Arsène Lupin seja o último grande Essas "sutilezas" são de natureza cerebral e não emo
dandy do universo romanesco francês. O dandy, sabe-se, tivas ou psicológicas como aquelas trabalhadas por Geor-
é uma individualidade burguesa caracterizada pela inde ges Simenon através de seu famoso personagem, o comissá
pendência ou pela ousadia original. "É um ousado que rio Maigret. Este é indissociável da atmosfera física e afe
tem tato", explica Barbey d'Aurevilly, "que sabe parar a tiva de Paris, e de uma certa identificação com a mente
tempo e que encontra, entre a originalidade e a excentrici criminosa. É o que se evidencia neste parágrafo: "Entre
dade, o famoso ponto de intersecção de Pascal". perseguidor e perseguido, entre o homem da barba inci
É também o fenômeno do dandismo que vai definir o piente e roupa amarrotada, e Maigret, incapaz de deixar
detetive Philo Vance, criação de S. S. Van Dine, pseudô a pista nem por um instante, estabeleceu-se uma curiosa
nimo do filólogo norte-americano Willard Huntington intimidade. Dava-se inclusive um pormenor gracioso. Tan
Wright. Este pôs em prática a tese de que o crime deve to um como outro haviam apanhado um resfriado, e ambos
ser tratado como uma obra de arte e por espíritos sofisti tinham o nariz avermelhado. Quase em uníssono viam-se
cados e intrépidos. Assim Van Dine definia o seu perso obrigados a tirar o lenço do bolso, e, em uma ocasião, o
nagem: "Vance é afável, carinhoso, superficialmente cínico. homem, apesar de tudo, sorriu vagamente ante uma série
Amateur competente em questões de arte, demonstra pelos
ininterrupta de espirros de Maigret".
sérios problemas morais ou sociais um interesse impessoal".
Simenon já foi, aliás, considerado por André Gide
Um diálogo entre Vance e seu criado exemplifica seu
um dos maiores escritores do século XX. O mesmo dizia
dandismo:
Gide de Dashiell Hammett, norte-americano, também autor
"— Ouça, Currie, um cavalheiro importante acaba de
de romances policiais. Mas Hammett pertence a uma cor
ser assassinado na vizinhança, e vamos ver o cadáver. Apa
nhe o meu terno cinza-escuro, sem esquecer o Bangkok... rente bastante diferente tanto da de Simenon quanto da
Sim, gravata escura, naturalmente". quela em que se banharam os clássicos anglo-saxões e
Encontra-se também dandismo nos personagens Nero franceses.

J&^-— - —
38 39

Violência e alma do mito originário da civilização norte-americana. Através


dele, representa-se a utopia de uma individualidade podero
Nos Estados Unidos, desde os anos 20 (desde que sa, capaz de abalar as hierarquias e as relações de força
Hemingway escreveu Os assassinos, segundo alguns), o estabelecidas pelo poder.
thriller, variante do .gênero policial, tem sido fonte cons Como nas mais remotas epopéias, o detetive do thriller,
tante de inspiração à indústria cinematográfica e, sem dú geralmente um private eye, atravessa as provas de iniciação
vida nenhuma, fonte de conhecimento dos bastidores do do herói. Seus obstáculos costumam ser a vida cotidiana, o
poder nos grandes centros urbanos. A propósito da classi dinheiro, a impossibilidade de se comunicar (logo, a soli
ficação, Raymond Chandler, um dos "papas" desse tipo de dão), a violência. Testemunhas privilegiadas e incorrup
narrativa, escrevia (em 20 de maio de 1949): "O problema tíveis de uma perigosa dinâmica social (o gangsterismo, a
de terminologia é complexo — thriller (de thrill: sensação) luta pelo poder), esses heróis suscitam uma nova mitologia
e shocker (que dá um choque) são ambos pejorativos, e do espaço (está em questão o território urbano com seus
assim não dá, mesmo se são justificados no momento... complicados mapeamentos simbólicos), que expressa o de
Mystery é realmente um nome infeliz. Em suma, é o termo sejo norte-americano de manter perenes os mitos de sua
que melhor convém, pois é o que mais engloba e o que fundação, de não os deixar afogarem-se na grande maré
menos exclui..." do progresso. A claustrofobia e o isolacionismo latentes
Thriller, shocker, mystery ou roman noir (como que da grande Nação transparecem na ação purificadora e utó
rem os franceses), o fato é que essa variante narrativa — pica do herói.
em que pontificaram escritores como Dashiell Hammett, Muitos dos elementos desse tipo de narrativa trans
Raymond Chandler, Chester Himes, David Goodis, William ferem-se para outra variante do gênero policial, que é o
Irish, Don Tracy — caracteriza-se por uma rejeição de romance de espionagem. Neste, trata-se de identificar ou
quase tudo aquilo que fez a glória do romance policial- capturar alguém que ameaça a segurança do país como
-enigma. No thriller, que abrange a popularíssima "história um todo. O detetive (o contra-espião. agente de um orga
de gangster", não se trata mais de apenas identificar o nismo de inteligência do Estado) pode lançar mão tanto
criminoso, mas principalmente de "agarrá-lo", tanto fisica do cerebralismo inglês quanto da ação pura e simples no
mente quanto através da descrição de comportamentos, estilo norte-americano. Intensificam-se aí o humor e a irri-
capazes de revelar o funcionamento de um grupo ou de sào, a sofisticação erótica, o pitoresco tecnológico, o paté
uma estrutura. tico da condição humana. Autores do gênero, como Eric
Os heróis do thriller não têm nada da civilidade ou Ambler, John le Carré, Granam Greene, compõem hoje o
do cerebralismo dos elegantes investigadores europeus (ou primeiro time da literatura de massa, às vezes apagando as
mesmo de norte-americanos europeizados como Philo Van fronteiras com a literatura culta. E são avaliados em termos
ce, Perry Mason, Nero Wolfe e outros). Têm mais a exem- de milhões (de dólares e de leitores), como os grandes
plaridade e a solidão do herói mítico da Antigüidade, alia folhetinistas do passado.
das à violência dos colonizadores do Oeste norte-america
no. De fato, o paradigma heróico do thriller — seja o Sam
Spade de Hammett, seja o Phillip Marlowe de Chandler —
contém muito da alma do pioneiro do far-west, grande herói

I)
41
No começo, o romance policial misturava-se bastante com
4 o de aventuras: basta levar em consideração as aventuras
de Rocambole, de Ponson du Terrail, ou os feitos de Arsè
ne Lupin, de Leblanc. Por outro lado, a explicação adap
Da selva às estrelas ta-se melhor ao caso do policial-enigma do que às histórias
de thrill.
Ainda assim, a distinção é muito útil, e poderíamos
acrescentar outra: o romance de aventuras, embora possa
contar a mesma história de um romance policial, busca
identificar o sujeito através da conquista de um espaço e
não tanto através da resolução de um enigma. A expressão
Terramarear, título de uma velha coleção de romances
de aventuras mantida por uma editora brasileira, é capaz
de bem caracterizar o gênero: o desdobramento aciden
O romance de aventuras tado de uma ação na terra, no mar, ou no ar. O espaço
é o lugar do sempre possível, é a abertura para um imagi
É Roger Caillois quem sustenta: "Na narrativa de nário sem fronteiras.
aventuras, a narração segue a ordem dos acontecimentos. Desde o Ciclo do Graal, no século XIII, que um herói
Vai do antes para o depois, do prólogo ao desfecho. O é tentado pelo apelo do espaço, por mares, florestas ou
desenrolar da intriga reproduz a sucessão dos fatos; ela vales, em busca de algo que lhe escapa. Tal é o Lancelot
adota o curso do tempo. O romance policial, ao contrário, ou o Perceval, de Chrétien de Troyes. A procura da taça
parece um filme projetado ao inverso. Ele toma o tempo em que Cristo bebeu na última ceia simboliza a aventura
pelo contrário e inverte a cronologia. Seu ponto de partida mística em que se busca o sentido oculto da vida. Mas,
não é nada mais que o ponto de chegada do romance de para o leitor, o percurso se torna atraente porque possibi
aventuras: o crime que põe fim a algum drama que se lita seqüências romanescas, plenas de encantamento.
vai reconstituir em lugar do que se expôs inicialmente. Místicos são, por exemplo, os transportes do capitão
No romance policial, com efeito, a narrativa segue a ordem Ahab, herói de Moby Dick (romance de Herman Melville,
da descoberta. Ele parte de um acontecimento que é uma uma das maiores obras da literatura norte-americana), que
chegada e, desse dado, remonta às causas que precipitaram persegue obsessivamente através dos mares uma baleia
a tragédia. Ele reencontra sucessivamente as diferentes pe branca. Moby Dick não é um simples romance de aven
ripécias que o romance de aventuras teria relatado na or turas, a exemplo das narrativas marítimas de Eugène Sue
dem em que se produziram". ou das histórias de piratas de Robert Louis Stevenson ou
A explicação de Caillois tem o mérito de assinalar de um Rafael Sabattini. Não; Moby Dick é texto que
uma das principais diferenças entre dois grandes gêneros da
adquire uma dimensão trágica ao transfigurar sobrenatural
mente o real, identificando a baleia com o mal. Mas é
literatura de massa. É preciso deixar claro, porém, que
também narrativa de aventuras, e a força predominante do
nem sempre as coisas se deram ou se dão desta maneira.
espaço marítimo está ali para demonstrá-lo.
42 __ 43
Uma verdadeira mística do espaço encontra-se por motivo de furto), impressionante por seus conhecimentos
trás das aventuras de pioneiros, que geraram o ciclo do de geografia das regiões descritas, onde aliás jamais havia
faroeste norte-americano. No início, o avanço sobre as estado. Winnetou, as aventuras de um índio norte-ameri
terras inexploradas motivou textos de louvação à coragem cano, e Old Firehand, Old Shatterhand são exemplos de
dos conquistadores em sua marcha para o Pacífico. Roman romances seus em que a ação transcorre no Oeste dos
ces como O último dos moicanos, de James Fenimore Estados Unidos. Através do deserto e muitos outros de
Cooper, são típicos dessa fase. Depois, uma vez estabele uma mesma linha focalizam a ação romanesca em regiões
cidas as fronteiras, o antagonismo entre pessoas ganhou o da Península Arábica, sempre com descrições geográficas
primeiro plano. E vieram as histórias de cow-boy, escritas minuciosas e precisas.
por autores como Brett Halliday ou Zane Grey. Como é comum na literatura de massa, os heróis de
Nem sempre as histórias de faroeste são escritas por Karl May sobrecarregam-se das projeções ideológicas do
norte-americanos. Merece registro o caso de J. Mallorqui, próprio autor, em geral exaltativas dos valores civilizatórios
bom poeta catalão, que criou nos anos 30 um personagem do Ocidente cristão. No caso de May, é precisamente o
intitulado Coyote, uma espécie de Zorro com revólver, ao cristianismo que está sempre em questão, como material
invés da capa e espada. O Coyote vive na Califórnia, nos pedagógico. Os maus são quase sempre infiéis, enquanto
primeiros tempos da dominação norte-americana, e sua os bons, quando não são cristãos, terminam convertidos.
meia-máscara oculta a identidade de César de Echague, Mesmo um índio, como Winnetou, relaciona-se com o
fazendeiro riquíssimo, descendente de nobres espanhóis. sagrado de uma maneira monoteísta, a exemplo da religião
Através de suas aventuras — muito bem construídas por judaico-cristã. Esse pedagogismo religioso, entretanto, não
Mallorqui —, o leitor se informa de episódios históricos apaga o interesse das narrativas de May, muito apreciadas
reais ligados à tomada da Califórnia pelos Estados Unidos, por gente de todas as idades em vários países do mundo.
entra em contato com o universo ideológico da aristocra
Existe, hoje, na Alemanha, um museu dedicado a Karl
cia espanhola na América. O Coyote foi concebido no calor May.
da crise vivida pela sociedade espanhola na década de 30.
Através do personagem, Mallorqui destilava toda uma pe Outro espaço muito especial foi aquele criado pelo
dagogia relativa ao comportamento ético e cívico de seus norte-americano Edgar Rice Burroughs numa noite de in-
concidadãos, apontando sempre para os valores épicos dos sônia em 1911 (o mesmo ano da aparição de Fantômas),
conquistadores hispânicos do passado. Aos métodos prag ao inventar o personagem Tarzan, o homem sustentado
máticos e mercantilistas dos norte-americanos, opõem-se por macacos na selva africana. Tarzan foi revelado ao
ideais aristocráticos, baseados em critérios de seletividade público através de uma revista popular, a All-Story Maga
por sangue. zine, sem grandes aplausos no início. No entanto, ao ga
O Oeste norte-americano é ainda motivo de inspiração nhar as páginas de um livro, o homem-macaco transfor
para o que muitos consideram as mais emocionantes histó mou-se em best-seller. As 26 histórias escritas por Bur
rias de aventuras já escritas — as do escritor alemão Karl roughs foram traduzidas para cerca de 56 línguas e gera
Friedrich May. Na última década do século passado, come ram mais de 40 filmes, além de um número incontável de
çaram a aparecer os romances desse escritor (consta que histórias em quadrinhos. Burroughs morreu milionário em
escreveu pela primeira vez na prisão, onde se achava por 1950, aos 74 anos.
44

'em sido abordado wptot^ ^ ^ ÍneS«otad°. 45


mentos que vão desde umásuoolV g°S com «**•
dida até apesquisa incomcienTd r! da Ínfância P<*" - m-esX^^ A1,a" *" Sâ° - d<» n^f
nenhuma, oherói podeT?* // ^ ^ dÚVÍda
de individualidade livre emfce T ^ "^ arquétíp°
nas. Tarzan tem algo de ant , PreSSOeS c™lizató- ^s^^s^rr-apenas a~*
-a ^nânci/cC^^,V^ ***> à
cinematográficos. Seguindo a ünhí desdobramentos
esuanãocondição
trai emhumana" Seu íSofn0
última anáhV ^ a°civilizado
! ' no.entant°. 'ad° de determinação dos gênera/nL P°r nÓS adotada para
-vitorianas. 'Se aS suas origens aristocrático- de narrativa pauta** pe^mTh ^ «* 6SSe «PO
corpo biológico epsique r,'Pnh° de identificação do
terraXd:t,:r"e:;bCamP°; ™' f™«° da
como uma extensão abenaTs Wh °°d •*"'** """^
^uações problema' 1'tant 2T ÍTT0- En™°
»co como biológico, orÒmancfdfT "' VÍSta Psicotó-
* Monte Cristo, de Abxandre n aVentUra' ° conde
um grande exemplo dto PoL %%?> "^ ""* C°m° i-comopanodeíund^rt^r^^
«ranscorre em ambiente de d£|CnT ' "* ^ 3Ça°
as aventuras
inglês criado de
porRocambole
E W Hn™:,ou de RaffleTo^ T ladrão
V, ' ° e'egante COm de itóS^SS et J& *" T°***
°s mesmos conteMos macabros fl T **>""»• retoma
aqui os romances!7ra„cê MifhiT?-Va'e 3Pe"a kmbrar romance gótico _ esS™? ,q 'Zeram ° acesso do
The Monk, de GregoTS "*** ^"^ em
da adolescência literán^le^P ^re Em""arratívas
como Os Pardaillan, Fausta AnnZT
°™*-° o antigo com o que havia de™ *"' 3g0ra re,acionando
outras, Zévaco traça um exeL , SUSpÍm' e tantas Ções sobre corpo e Psiqusm0 Al ? ma'éria de c™ceP-
Pa entre ofi„a, £ £™£ ^J*"*?» - Enro psiquiátrico, persisti Ta™racíóe™da ÍnflUênda d° "^
lando a ação romanesca « t ,m Renascunento, cen- Johann Lavater, ainda poderosas 1 V*" d° suíc°
Médici, enas luT^^^.*" ^ d0S inventara o sistema da &Z„ln "'" XIX Lava'er
Dumas de Os três mosoZZ e™cZTde le T ° Poderia conhecer ohomemZ"2Tô SegU"d0 ° ^ se
Ços emarcas fisionômicas medlante oexame de seus tra-
Cristo, o romance de aventura H* „ Monte
momentos de grande ~ * "* eeSpada conneceu - ÍSííS**** *corpo, hálou-
ouco pelo Psiquia,raPSewaadTd»ôr" 'ra'ad° COm°
repanação pelo Dr. Van HelsL) ? '"í""^0 a uma
0 romance de terror
'«« que fazem lembrar â"elhâ ± 3°-m de animalidade,
característica ,a„,0 da demonL
mUÍ,°S de,a"
do J^nl^oZ^T COnStÍ,Ueai "- ™ria- estudos sobre aloucura Lobos l ^ C°m° d° Ínído dos
góricas ou carfc elada oo/ T*** ** 'antasma- freqüência no relato. OpersonL T**" aparecem com
num ensaio ,*. «^^T-J^JS de animais, pássaros einsetos 8 Renf'e'd ChUpa sanê"e
O conde Drácula por s
Opersonagem, segundo indicacõ^Hn^153 SangUe
«'caçoes do propno humana
Stoker, teria
46 47

realmente existido: um obscuro vlad (príncipe) valáquio, O romance sentimental


o Gospodar Vlad IV, muito cruel, que combateu os turcos
no século XV. Drak significa, em romeno, diabo {drak-ul Sabe-se do culto das emoções, das paixões, dos senti
é o masculino, e drak-a o feminino). Não há nada na tra mentos no romance europeu do século XVIII. Isto conti
dição romena que associe qualquer vlad ao demônio, mas nuou até o século XIX, que conheceu bons romances pas
o fato é que Stoker fundiu elementos da história real com sionais, em geral escritos por mulheres (M"16 de Staèl,
lendas sobre vampirismo do folclore da Transilvânia, tudo MM Cottin, Mm* de Genlis e outras). Mas se sabe também
isso no quadro romanesco da literatura de massa. que nessa época era costume proibir que as moças lessem
A estrutura narrativa do romance consta de relatos, romances, para evitar que se deixassem seduzir pelas in
testemunhos, depoimentos e documentos, destacando-se o quietações da alma.
diário do personagem Jonathan Harker e um longo discurso O folhetim procura atenuar esses perigos, modelando
entrecortado de fatos narrados por Lucy, Mina, Jonathan e uma imagem mais confortável (para o universo masculino)
Seward. A ação principal encena o combate do Dr. Van de mulher. Assim, quando a mulher não aparece como
Helsing ao conde Drácula. Nessa luta, reencontra-se a uma feiticeira, capaz de atrair (veja-se a Sarah Mac Gregor
oposição heróica entre o solar (Van Helsing) e o noturno de Os mistérios de Paris, que evoca, aliás, a mítica Circe,
(Drácula), entre o bem e o mal.
da Odisséia), define-se como terna, serena, madona cristã,
O conde Drácula apresenta-se como a negação de to destinada ao repouso do guerreiro. Nas narrativas de ação,
dos os valores cultivados pela ordem social: emprega mal de uma maneira geral, a mulher aparece seja como obstá
o dinheiro, o tempo, o saber; não tem moral; é sexual culo a se vencer, seja como meio de realização dos privi
mente ambíguo; dorme durante o dia; alimenta-se bestial légios masculinos.
mente. A propósito, diz o crítico francês Gérard Stein:
"Drácula não sabe se alimentar: saciando-se exclusivamen
Existe, porém, um gênero específico do elemento femi
te de sangue humano durante a noite, ele nos ensina em
nino, que é o romance sentimental. Seu projeto ideológico
implica a normalização amorosa ou sexual, constituindo o
negativo que é preciso comer para se alimentar e não
apenas beber, e fazê-lo com horário fixo. Por outro lado,
sujeito feminino segundo o estado da legislação ou da moral
essa iniciação nutritiva nos ensina também que é preciso
patriarcais em vigor, com a ajuda de informações sobre
saber ficar no lugar que Deus nos deu; pois o sol, absor ética, moral, casamento, família, felicidade, etc.
vido pela planta, lhe permite fotossintetizar a clorofila. Várias gerações de moças têm-se informado sentimen
Esta, absorvida pelo animal, permite-lhe sintetizar a ca- talmente através de romances como os de M. Dély ou de
seína. Esta, absorvida pelo homem, permite-lhe sintetizar Barbara Cartland. M. Dély é o pseudônimo de dois fran
seu sangue. Esse sangue é absorvido diretamente pelo vam ceses, irmão e irmã, que produzem relatos "açucarados",
piro, sem precisar sintetizá-lo. Na extremidade de uma do tipo O sonho da cinderela, em que a jovem heroína
cadeia que começa, pelo sol, ele representa uma forma mostra as vantagens da virgindade e do puritanismo, ou
superior de consumo". (Em Littérature, n.° 8, dezembro seja, aponta o caminho para se chegar ao casamento pe-
de 1972, Ed. Larousse.) O mito de Drácula, por razões queno-burguês. Já Cartland, hoje com 83 anos, nascida
que demandam análises cuidadosas, continua ainda hoje na Inglaterra, inventa personagens que acreditam no amor
alimentando as bilheterias da indústria cultural. de perdição, no sacrifício nobre.
48

Romances desse gênero são verdadeiras fábricas de A ficção científica


49

dinheiro. Basta dizer que Barbara Cartland, autora de mais


de 380 volumes, já vendeu cerca de 400 milhões de
exemplares. Como Agatha Christie, Georges Simenon e
tantos outros folhetinistas de fôlego, ela é um fenômeno
iornafl^^cV^3VeI V" Wa" S<™ '«urnal, o
dentro do fenômeno chamado best-seller.
O ethos desse gênero romanesco costuma ser o mes
mo do da fotonovela, que tem os seus mandamentos para a década passada e ma » mais™ 175. Durante toda
o sucesso: 1) "só pessoas bonitas' farão os papéis princi
pais; 2) os trajes e os ambientes serão, de preferência
luxuosos; 3) a linguagem, tanto quanto possível, trará ima
gens poéticas, pois é preciso um pouco de literatura- 4) as
^qu^Hr-«-^
h.stonas, sempre românticas, conterão um drama què corra
paralelo. Podem ser incluídos: roubo, revólver, mulher per
versa (madrasta), tentativa de homicídio, etc. Haverá, con humano como Se íX"?™ "****#> do ser
tudo 2/3 de amor (romance) e 1/3 de drama, no máxi próprio planetaTerra) 1 ?T ameaÇad° pode ser °
mo; 5) e proibido falar-se em adultério. Nada que fira a
ei poderá ser estimulado; 6) a história deverá girar em Se oPromPa„cee' oícíaTndtgT^Òbre^m t^a^^i3'
«fica desloca apergunta pari* "nós" ' f'CÇa° C,en"
torno de pessoas que pertençam a níveis sociais diferentes
As mocinhas sonham em se transformar em princesas •
7) cenas mais fortes convencem: briga, rapto, afogamento ^^^zz£^%°í revis,a
e, na parte amorosa, um pouco de cinema: nas cenas de
amor de ma.or intensidade, corpos em pose sensual, mas ~oanrf°rS rr ^*»•&%-£?£
em exageros ; 8) a idéia de grandiosidade: improvisar distinguindo-a dos relltó! T P P $a flcçâo científica,
fe tas ou bailes, colocar muita gente em cena, tudo isso modefo i?AmaZTsZ, T*™ °U de ^^ No
es^L^T^1113^05 9) ° defÍmbeijo,
est Io final feliz, sem precisar dCVe necessariamente;
ser semP'e ^ tamente otinWcneia 1V Ç-° dentffica era «1**
10) sempre será estimulada a vitória do bem sobre o mal reatipos ín7iz?^z:ol:??:mde er
fo" a'mÍt*ndo W»*™ ^ princípios morais duvido^
Céu, 1(9C5f9Jlandamentos da ^novela, da revista Sétimo voiS^em ssrsr r*-^d-
o"modelo «I™ ~ ~defcSe' "a Verdade'
terno das coisas. g "faSe n0 asPecto ex-
rhaJVÍdentem?le' CSSas regras são flexívei*> acompa-
níhnlca^es
publ ~ Ta' -^ ép°Ca-
do gênero MaS °queexame
demonstra «npMcosenti-
a narrativa das em que°amficçt Sc0' fC°S,UmaVa-Se <*<* °de ^lls,
advertênciaAZsT ^"conava como um relato de
uT ir feminino
um arquétipo re nã°de mUda-
naturezaAtravés dela' mantém^
romântico-puritana que es.ilo~afór ~ ^ °Teu1""
resultava em antin.n^ °^^
Aencenação "«
do problema
a ordem estabelecida não deseja esquecer. Pios sio Nós 1 2Ievguem
r 1S'0Zamiatin;
7P,aS' CU,OAdmirável
S mai0res e»m-
ao nos, do russo mun-
50 51

do novo, do inglês Aldous Huxley; 1984, do inglês George em geral com grande brilho literário, é o norte-americano
Orwell. Mas muitos outros autores trilharam este mesmo Ray Bradbury. Fahrenheit 451 e Crônicas marcianas são
caminho. duas de suas obras mais conhecidas.
Duas correntes — inovadores e tradicionalistas — di Os inovadores (a chamada Nova ficção científica),
videm os autores de FC (ficção científica). Um exemplo de um modo geral, aprofundam a ruptura romântica com
clássico de tradicionalista é o falecido John W. Campbell, a ordem social estabelecida, o que é uma característica
editor da revista Astounding Science Fiction desde 1937 virtual da narrativa de FC. Além disso, costumam realizar
e que se tornou conhecido como escritor de FC nos anos experiências formais com o texto. Alguns dos grandes
30. Suas histórias — exemplos: The Black Star Passes nomes desta corrente: James Blish, Thomas M. Disch,
(1930) e The Mightiest Machine (1934) — são cheias de Philip K. Dick, Harlan Ellison, Philip José Farmer, Ursula
glorificações à ciência/tecnologia, assim como ao uso da LeGuin, Robert Silverberg, Samuel R. Delany. Há também
força na solução de problemas humanos. As doutrinas os que se caracterizam por um excessivo pessimismo, como
acenadas por Campbell iam do racismo ao criptofascismo James Ballard, Brian Aldiss e Michael Moorcock. Mas
puro e simples. De um modo geral, os tradicionalistas todos eles concordam no uso da FC como instrumento de
limitam-se a narrativas baseadas na tecnologia ou em épi crítica social.
cos sobre universos bárbaros. Com o objetivo de estabelecer uma ordem classifica-
Robert A. Heinlein, apesar de tradicionalista e direi tória para a vastíssima temática da FC, o professor norte-
tista, enveredou por uma FC de natureza sociológica, com -americano L. David Allen propõe (em No mundo da fic
pretensões sérias. Em Starship Troopers (1959), ele pro ção científica) as seguintes categorias:
jeta uma sociedade em que apenas veteranos do serviço 1) Ficção científica hard —Baseada na exploração
militar podem votar. Nem sempre seus textos obtinham os de uma das ciências exatas ou físicas, a exemplo da física,
efeitos desejados pelo autor. Basta dizer que, com Estranho biologia, química, astronomia, ou na tecnologia. Os roman
numa terra estranha — uma mistura de misticismo com ces que privilegiam máquinas espaciais e robôs, como
liberação sexual —, Heinlein acabou tornando-se uma es muitos de Isaac Asimov, pertencem a esta categoria.
pécie de guru à distância para hippies. A idéia de "desin- 2) Ficção científica soft — Baseada numa das ciên
corporação" de inimigos, introduzida pelo livro, foi citada cias ditas humanas ou sociais (sociologia, antropologia,
por Charles Manson (o assassino da atriz Sharon Tate e ciência política, psicologia, lingüística, etc). Multiplicam-
de um grupo de pessoas em Hollywood) como fonte de -se os exemplos na nova ficção científica.
inspiração. Os livros de Heinlein costumam obter grande 3) Fantasia científica — Especulação com leis natu
sucesso de público e de vendas. rais diferentes daquelas em que se baseiam as ciências
Há, no entanto, tradicionalistas com posições políticas atuais. Comporta subtipos: histórias alternativas — as que
avançadas (liberais) ou mesmo neutras. Um exemplo de lidam, por exemplo, com telepatia e magia; fantasia contra-
neutralidade é dado por Isaac Asimov, um dos mais conhe científica — a que "utiliza modelos científicos antiquados,
cidos autores de FC, que, em sua famosa trilogia socioló a fim de fazer outras coisas com mais facilidade", como
gica sobre o futuro {Fundação, Fundação e império, Se Uma rosa para Eclesiastes, de Roger Zelazny; espada e
gunda fundação), trata de vários sistemas políticos sem magia — aventuras que combinam armas primitivas com
defender nenhum deles. Quem se posiciona criticamente, e magia. A indústria cinematográfica vem mostrando grande
52 ; 53
preferência por narrativas desse tipo, destinadas a crianças semideus, capaz de expandir e melhor organizar o universo.
e adolescentes. Seja ou não apresentado como mutante, esse herói mantém-
4) Fantasia — Esta categoria, segundo David Allen, -se, como seus outros congêneres de toda a literatura de
é algo controvertida. Tem muito em comum cóm as outras massa, num projeto de busca de melhores parâmetros de
categorias: "ela, também, pressupõe um universo que tem identificação do sujeito humano.
uma ordem e um conjunto de leis naturais descobríveis, No Brasil, têm sido feitas incursões no gênero. Jerô-
apesar de serem diferentes das nossas. Ao contrário da nimo Monteiro, autor de Fuga para parte alguma (história
fantasia científica, onde estas leis são tratadas explicita da conquista da Terra por formigas mutantes), é um exem
mente, na fantasia estas leis são meramente implícitas". plo. Há outros. Mas, em termos de qualidade literária, é
O ciclo das espadas, de Fritz Leiber, é um exemplo de difícil encontrar algo equivalente a Noites mc-^anas, de
fantasia heróica. Fausto Cunha, escritor, crítico literário e grande conhe
Essas categorias não têm, evidentemente, nenhuma cedor de FC.
rigidez classificatória, combinando-se, com freqüência, na
prática. Ajudam, entretanto, a melhor caracterizar a ficção
científica, que às vezes se confunde com outros gêneros.
Na verdade, a FC acomoda-se a todas as formações temá
ticas (policial, de aventuras, terror, capa e espada, etc),
sendo inúmeras as incursões de autores clássicos — Asimov,
Alfred Bester e outros — em territórios habitualmente re
servados a outros gêneros. Vale ressaltar que autores clás
sicos de romances de aventuras foram também criadores
de FC: é o caso de Edgar Rice Burroughs, o "pai" de
Tarzan, que inventou em 1912 o primeiro cosmonauta
aventureiro: John Carter, herói no planeta Marte. Por
outro lado, persiste a influência temática do romance gó
tico, onde a FC deve também pesquisar as suas origens
modernas. Basta evocar Frankenstein ou o Prometeu mo
derno, escrito por Mary Shelley em 1818. A autora desta
obra definiu-a como "científica" e não como "terror". De
fato, em Frankenstein está em jogo a criação de um novo
homem, com fé irrestrita na ciência.
Otimista ou pessimista, a ficção científica continua
atraindo leitores com suas projeções futurísticas, seus trans
portes para universos paralelos ou para o universo de uma
fantasia irremediavelmente marcada pela ciência. Da rup
tura romântica entre o herói e o universo, o gênero tem
caminhado para a transformação do herói romântico num
55

de casos seria monótona. Até mesmo no Brasil já aparecem


5 produtores de best-seller: Marcos Rey, José Antônio Seve
ro, Flávio Moreira da Costa, para não mencionar aqueles
que exploram o filão da literatura infantil. Esta constitui
Mil e uma formas de também um gênero especial da literatura de massa, reco
lhendo os seus fundamentos na esfera do mito — universo
best-seller em que jabutis podem comparecer a festas no céu, onde
príncipes lutam com dragões, gigantes confabulam com
mouras-tortas e se multiplicam os caiporas, os tatus-ma-
rambás e outros personagens fantásticos. Reino do mara
vilhoso, sim, mas também da moral do adulto, que cos
tuma constituir ideologicamente a criança como um "su-
jeitinho" pequeno-burguês.
Mas a polivalência é capaz também de abalar um
Caminhos plásticos pouco a classificação ortodoxa dos gêneros. De fato, os
livros normalmente rotulados como best-seller nos inven
Já se definiu a arte romanesca como protéica. A pala tários de revistas e jornais ou nas prateleiras das próprias
vra vem de Proteu, o mitológico pastor dos rebanhos do livrarias, costumam misturar elementos policiais com aven
mar, objeto de um conto no último livro das Geórgicas, turas, com sentimento ou sexo, com terror, com sagas
de Virgílio. Fugidio e plástico como a água, Proteu é capaz familiares, etc. Pegue-se ao acaso uma lista de êxitos de
de transformar-se em peixe, dragão, fera, fonte, para evitar livraria: O bebê de Rosemary, de Ira Levin; Taipan ou
a revelação dos segredos dos destinos de homens e deuses. Xogum, de James Clavell; Madame Sarah, de Cornelia
O romance moderno, com suas múltiplas intenções — psi Otis Skinner; Os libertinos, de Harold Robbins; Remédio
cológicas, estéticas, metafísicas, sociais, etc. — seria, assim, amargo, de Arthur Hailey; neles, nem sempre o gênero
protéico. se define com muita clareza — são pura e simplesmente
Essa polivalência romanesca assume cores próprias best-sellers, isto é, uma combinação variada dos elementos
na literatura de massa. Esta, para atingir a situação de que compõem a estrutura do texto folhetinesco ou litera
best-seller, torna quase tudo possível. Assim, um escritor tura de massa.
alemão pode retratar o Oeste dos Estados Unidos tão bem
ou melhor do que um norte-americano, como é o caso
de Karl May. Um inglês, caso de James Hadley Chase, O caso de Tubarão
pode escrever thrillers ambientados na paisagem urbana
O romance Tubarão {Jaws), do norte-americano Peter
norte-americana tão bem quanto Raymond Chandler ou
mesmo Dashiell Hammett. O mesmo vale para franceses
Benchiey, que continua repercutindo através do cinema há
quase uma década e provocando desdobramentos temáticos
como Albert Simonin ou Auguste Le Breton, que recriam
(piranhas, etc), pode ser tomado como exemplo da "fa
na França o gangsterismo romanesco ianque. A listagem bricação" de um best-seller. É sabido que Benchiey, na
56 57

época um jovem escritor versado em assuntos de pesca, petrificou) o monstro/levou à morte o monstro marinho,
foi financiado pela editora — especializada em best-sellers (g) e, posteriormente, desposou a princesa/e voltou à tran
— para escrever o romance. O texto era criticado e modi qüila chefia de polícia de sua cidade". Perseu é um herói
ficado pelos editores, à medida que era produzido. O pró considerado ancestral direto de Hércules, suas façanhas
prio título do romance foi concebido no interior de uma dispõem de grande força de atração. Reencontram-se aí
operação de marketing. os elementos constantes do mito heróico e a eterna oposi
A história de Tubarão é muito simples. Personagens ção entre o bem e o mal.
principais: Brody, chefe de polícia; Hooper, oceanógrafo; Atualidade informativo-jomalística — O romance ofe
Quint, pescador profissional; Vaughan, prefeito; Meadows, rece um sem-número de informações sobre oceanografia, o
diretor do jornal. A fabulação gira em torno de um exem comportamento de grandes peixes, o universo da pesca.
plar gigantesco de tubarão branco, que devora uma banhis Informa, além disso, sobre corrupção no setor imobiliário
ta nas proximidades da praia da cidade balneária de Amity. e práticas correntes da Máfia norte-americana. Isto aparece
Brody quer interditar as praias, mas recua diante das pres através do personagem Vaughan (o prefeito), chantageado
sões de Vaughan e Meadows, que temem os prejuízos por um grupo mafioso que pretendia entrar no mercado
causados pelo inevitável afastamento dos veranistas. Em imobiliário da cidade.
face de novos ataques do tubarão, contrata-se um pescador Pedagogismo — Diversas mensagens explícitas e im
profissional, logo devorado. A economia da cidade começa plícitas no texto procuram ajustar ideologicamente o leitor,
a sofrer com o fechamento das praias. Contrata-se o se isto é, encaminhá-lo no sentido de significações doutriná
gundo pescador (Quint) que, juntamente com Brody e rias tranqüilizadoras. A mensagem geral (implícita) é de
Hooper, parte em busca do monstro. Quint nutre um ódio que nada se compara ao american way of life: o inimigo
antigo por tubarões. Termina devorado no combate final, vem de fora, donde a melhor atitude para o cidadão norte-
enquanto se salvam Brody e Hooper. -americano é isolar-se. O isolacionismo, sabe-se, é uma das
Levantemos os elementos estruturais de Tubarão: mais reacionárias ideologias circulantes nos Estados Uni
Mito — Num artigo sobre essa narrativa {Tubarão, dos, veiculada por grupos políticos de direita. Disseminam-
o filho ilegítimo de Moby Dick em Comunicação — Teoria
-se, assim, por todo o romance, advertências contra negros
e Prática, n.° 19), a psicóloga Marina Martins de Carvalho
aventa a hipótese da transposição do mito de Andrômeda.
("costumam estuprar", "retardam o progresso"), imigran
Assim, (a) "para resgatar a culpa de sua mãe que ofendeu tes ("fornecem drogas", "são mafiosos"). Além disso, a
as nereidas/para purgar o crime do seu prefeito que se esposa do chefe de polícia sente-se atraída pelo oceanó
associou ao mal, latinos-russos (b) a princesa Andrômeda, grafo que, embora norte-americano wasp (branco, anglo-
filha do rei da Etiópia/uma cidade americana = filha da -saxão e protestante), é forasteiro. O tubarão branco, ani
cultura americana/ (c) foi amarrada às rochas, a beira- mal estranho e raro, sintetiza todo o mal implicado em
-mar/situada a beira-mar (d) exposta à fúria do monstro ser de fora.
marinho que assolava a região/viu-se exposta à fúria de Presença da literatura culta — Benchiey vai buscar
estranho e monstruoso tubarão branco, (e) mas foi salva seus paradigmas literários em Moby Dick, de Melvüle.
pelo herói Perseu/mas foi salva pelo herói Brody — que, Não há em Tubarão, claro, a profundidade épica e moral
pelo braço do herói Quint em seu barco, (f) matou (ou nem o sentimento de destino que presidem ao texto de
59
58 .
Melville. Tubarão limita-se a reduplicar os efeitos épicos plicar os efeitos de uma grande obra literária anterior,
pode-se "folhetinizar" fatos reais dotados de potencial dra
de Moby Dick.
Vejamos a homologia de algumas seqüências (arrola mático, tendo em vista não apenas a publicação em livro,
mas também a filmagem para cinema ou televisão.
das no artigo supracitado):
a) Hooper diz a Brody {Tubarão): "Não pode ficar Uma ilustração disso é Uma janela para o céu {The
Other Side of the Mountain), drama sentimental baseado
com a idéia fixa de cometer vingança contra um peixe.
O tubarão não é um agente do mal, não é um assassino. numa história real, que gerou um faturamento de quase
Está apenas obedecendo aos seus próprios instintos. Tentar vinte milhões de dólares, só no mercado norte-americano.
vingar-se de um peixe é uma insensatez". Starbruck diz a A principal personagem é Jill Kinmont (hoje, aos 48 anos,
Ahab {Moby Dick): "Vingança contra um monstro mari professora secundária numa escola californiana), uma es
nho que o atacou apenas movido pelo instinto cego! Isso trela de esqui, que, em 1956, aos 20 anos, prepara-se para
é loucura. Ter ódio a um animal até me cheira a blasfêmia". vencer as Olimpíadas americanas de inverno. Na Show
b) Batalha final contra o monstro. Tubarão: "Três Cup Race, nas nevadas montanhas de Alta, no Utah, Jill
dias seguidos encontram o tubarão e tentam arpoá-lo; no sofre um acidente e fica irremediavelmente paralítica do
pescoço para baixo. Outras desventuras lhe acontecem:
terceiro dia, há o combate definitivo; Quint morre porque
a corda do arpão enroscou-se em seu pé; o tubarão ataca sua melhor amiga contrai pólio, seu namorado a abandona.
o barco de Quint, mais tarde cai sobre ele que, em conse Um outro, que depois se apaixona por ela, termina mor
rendo em desastre de avião. Foi (e tem sido) imenso o
qüência, sossobra; salva-se uma única testemunha". Moby
Dick: "Três dias seguidos defrontam-se com a baleia e êxito popular desta história, que, mesmo verídica, em sua
travam combate; no terceiro dia, o combate definitivo; maior parte, enseja um tratamento heróico para a perso
Ahab morre porque a corda do arpão enrosca-se em seu nagem, enfatizando valores individuais de perseverança e
coragem.
pescoço; a baleia ataca o navio Pequod, do capitão Ahab,
que sossobra; salva-se uma única testemunha". Há também o best-seller de boa qualidade técnico-lite-
Há muitas outras reduplicações operadas por Peter rária, que não reduplica diretamente nenhuma outra grande
Benchiey. Utilizando a forma já consagrada de Moby Dick, obra ou o real-histórico, mas que permanece dentro do
ele manipula significações capazes de se ajustarem ao gosto código folhetinesco, mesmo disfarçando-o. Os romances do
de um determinado mercado consumidor. A obsessão mís australiano Morris West servem de exemplo. O advogado
tica do capitão Ahab é substituída pela paranóia conserva do diabo, O embaixador, As sandálias do pescador, A
dora da classe média norte-americana. E tudo termina em filha do silêncio, Os fantoches de Deus e muitos outros,
vendidos aos milhões, são em geral romances de análise
milhões de dólares.
(cujo protótipo poderia ser o Adolfo, de Benjamin Cons
tam), oscilantes entre o realismo e o patético.
Do ponto de vista estilístico, propiciam ao consumidor
Outros modelos
uma leitura leve e corrida, que mal difere às vezes daquela
Outros modelos ou "receitas" de best-seller podem que se faz nos magazines (revistas ilustradas ou de infor
ser utilizados, variando-se apenas o conteúdo dos elementos mação geral, como Paris-Match, Time, Veja). Por exem
da estrutura constante. Por exemplo, ao invés de se redu- plo, West começa o relato de O embaixador com o seguinte
60
parágrafo: "Minha folha de serviços como diplomata é
boa. Na carta protocolar de agradecimento que me enviou,
o presidente lhe chamou carreira destacada e mentóna em
6
que o total de serviços prestados foi de grande proveito
para os Estados Unidos da América. . ." Compare-se esse Ficcionalização do real
tipo de estilo com o das aberturas de revistas semanais ou
das reportagens criativas de jornais e se verá grande seme
lhança no tratamento dado à língua, tudo concorrendo
para se obter objetividade e clareza.
Apesar da proximidade estilística com a "literatura
não-ficcional" da imprensa hebdomadária, esse tipo de ro
mance não abre mão de suas metáforas nem abandona o
universo do folhetim. Em O mundo transparente, um dos
mais recentes sucessos de Morris West, ele romantiza a
relação psicanalítica entre o famoso Carl Gustav Jung e Rádio/teledrama
uma riquíssima cortesã, chamada Magda von G. Misturan Em meados de 1980, as butiques mais sofisticadas
do pessoas e personagens, combinando situações históricas
com dados fictícios, West consegue reconstituir uma certa do Rio de Janeiro congregaram-se num documento dirigido
atmosfera da Europa às vésperas da Segunda Guerra, à Rede Globo de Televisão, em que pediam maior cuidado
assim como encenar angústias e culpas presumidamente com as palavras no vídeo, diante da força de impacto de
suas mensagens. Acontecera simplesmente o seguinte: a
universais.
Uma leitura atenta do romance, entretanto, revela a Globo exibia a novela Água viva, em que uma personagem,
preponderância dos elementos estruturais do folhetim: o empregada de butique, dizia não gostar da cor roxa. Ora,
excessivo contorno heróico dos personagens, buscando a naquele ano, as lojas cariocas haviam decretado a moda
intensificação da faixa projetiva do texto; a premência de do roxo, e, em conseqüência, feito os seus estoques com
informar sobre a vida e a personalidade de Jung, um dos base naquela cor. Depois da frase "fatídica" na novela,
criadores da psicanálise; citações e referências constantes entretanto, os produtos ficaram encalhados nas prateleiras.
à grande literatura ou ao universo da cultura erudita. O Este é apenas um exemplo pitoresco dentre os muitos
pedagogismo de West é mais sutil, mas existe. Existem que se poderia citar em apoio à observação de que, na
também os clichês e os lugares-comuns, bem arranjados era da telenovela — gênero narrativo de maior consumo
para simular profundidade nos temas levantados. na sociedade brasileira —, imaginário e real interpene-
Enfim, os modelos, as receitas se multiplicam. Frede- tram-se com força maior do que nunca no espaço urbano.
rick Forsyth, Robert Ludlum, James Clavell, Harold Se é verdade que o cinema "materializa" o sonho roma
Robbins e muitos outros ampliam os gêneros folhetinescos nesco, a televisão incorpora isto e vai além: ficcionaliza
e o faturamento da indústria cultural. Com eles vale, mais o real, seja dramatizando o cotidiano, seja incorporando
do que nunca, a frase de Truman Capote: "Toda literatura ao drama as pequenezas do dia-a-dia. Dizia o documento
é fofoca".
11
62 __ 63

das butiques a propósito de Água viva: "As falas e mo verdadeiros, e assim por diante. Este fenômeno chegou a
dismos de seus intérpretes se repetem nas pessoas, que proporções inauditas com O direito de nascer, na década
assim realizam seus sonhos de sucesso, amor, felicidade". de 50.
Essa interpenetração do real e imaginário é caracte Foi precisamente com O direito de nascer e sob a in
rística do folhetim. Já vimos como problemas reais de fluência de uma agência de publicidade estrangeira que a
Paris (criminalidade, indigência) entravam em Os misté televisão brasileira começou a explorar sistematicamente o
rios de Paris e como Sue apontava soluções. Mas vimos folhetim (telenovela), tornando diários os capítulos. A
também como o público leitor pode interferir na produção intenção de "dar ao público o que ele deseja" já se fazia
da obra: a "ressurreição" de Sherlock Holmes foi provo presente e, em conseqüência, departamentos de marketing
cada pelo clamor popular. É grande a lista de exemplos. ou de pesquisa e mercadologia passaram a integrar a estru
Basta dizer aqui que isso foi aprofundado pelo folhetim ra- tura de produção. Acrescentando-se aos poderes da imagem
diorônico e, mais ainda, pelo "eletrônico" — a telenovela. e do som a força mobilizadora da mercadologia em ex
Com o advento do rádio e da televisão, o marketing pansão, aumentou-se a taxa de participação de um certo
passa a auscultar as preferências folhetinescas do público. real histórico na narrativa folhetinesca.
Já em 1941, um pesquisador, Rudolf Arnheim, observava:
"Os produtores de radionovelas fazem todo o possível para
descobrir o gosto de seu público. Cartas em que os ouvin Vitória da telenovela
tes expressam aprovação ou protesto são estudadas cuida
dosamente. Pesquisas por telefone determinam o tamanho É incontestável que a telenovela se tenha tornado, nas
aproximado da audiência de cada capítulo. Com base últimas duas décadas, o produto mais marcante da narrativa
nesses dados e com muito talento para captar o que agrada, de massa no Brasil, com uma audiência diária de dezenas
são estruturados os enredos, os personagens e as tomadas de milhões de pessoas. Pode-se afirmar que o maior best-
de cena de cada capítulo". seller brasileiro é o roteiro de uma narrativa, pois com
Arnheim falava da realidade norte-americana. Na ele tem início o processo de elaboração textual (a palavra
quele mesmo ano (1941), porém, ia ao ar no Brasil a pri "texto" inclui aqui som e imagem) do folhetim televisivo.
meira radionovela nacional, de Leandro Branco e Gilberto De fato, na rede televisiva hegemônica (Rede Globo),
Martins, intitulada Em busca da felicidade. Durante 25 a telenovela suplantou no chamado "horário nobre" os
meses, o público da Rádio Nacional comoveu-se com os programas importados ou quaisquer outros gêneros nacio
lances desse dramalhão. O sucesso era absoluto: 48 mil nais (programas de auditório, etc). Além disso, num con
cartas de ouvintes só no primeiro mês. E o merchandising texto produtivo que tem cooptado bons autores, atores e
não se fez esperar — a Colgate patrocinava tudo e ainda técnicos, o drama televisivo vem conhecendo um desen
enviava fotos de artistas com resumos da novela. volvimento considerável em termos de criatividade e técni
Fez-se logo sentir também a identificação projetiva ca, o que o torna altamente competitivo no mercado
por parte do público através da confusão entre ator e per externo. Hoje a Rede Globo exporta seus produtos folhe
sonagem. Assim, um "vilão" (o ator que vivia tal persona tinescos para cerca de cem países, entre os quais a França.
gem na novela) foi surrado na rua, um "médico" (igual Um produto de massa só pode florescer no âmbito
mente, o intérprete radiofônico) era procurado por clientes de uma organização industrial qualquer. O desenvolvi-

-. j.|
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. 65
mento do romance policial, por exemplo, nos Estados Uni
completar seu vigésimo aniversário em abril de 1985, ela
dos ou na Europa, tem como pressuposto uma indústria
se consolidava com 49 emissoras no ar e suas imagens
editorial implantada num mercado constituído por um
presentes em dezessete e meio milhões de domicílios loca
público amplamente alfabetizado e ajustado ao consumo. lizados em 3 600 dos 3 991 municípios do País. Com 78
Quando não se dá uma auto-regulamentação "natural"
milhões de espectadores em potencial, nunca o folhetim
(feita pelo próprio mercado) da demanda, é preciso que
encontrou um espaço nacional (com exceção dos Estados
surjam outras situações institucionais capazes de ensejar
Unidos) tão acolhedor. Num país em que os aparelhos de
a expansão de um gênero.
televisão permanecem ligados sete horas por dia, em média,
Assim, o boom da literatura infantil no Brasil, a par
e com uma rede poderosa empenhada na folhetinização da
tir dos anos 70, deve-se em grande parte à Lei de Ensino
narrativa, o panorama da telenovela é todo sorrisos e
de 1971, que obriga professores de 1.° grau a usar quatro vitória.
livros de texto por ano. Medidas desta ordem podem im
pulsionar o mercado, quando este não tem uma dinâmica
auto-reguladora suficiente em termos capitalistas. Isto cria
Características nacionais
uma situação favorável, propiciadora de novos autores e
de elevação da qualidade dos textos.
Os veículos audiovisuais deram, como um todo, grande
A inexistência de uma vasta literatura de massa escrita
impulso quantitativo à narrativa folhetinesca, ampliando
no Brasil explica-se pelas dificuldades da indústria nacional os públicos, realimentando estruturas editoriais já existentes
do livro, que vão desde o reduzido público leitor até a
e reconfirmando, em som e imagens, velhas mitologias. No
sufocação do produto brasileiro pelas multinacionais da
cinema, os westerns, os filmes de gangsters, de detetives,
editoração. A desnacionalização do setor parece acompa de aventuras, de amor, de terror, de suspense, etc, iam
nhar o crescente endividamento da economia brasileira e
buscar seus roteiros em fórmulas preexistentes. No rádio,
sua maior dependência para com centros transnacionais.
novelas e seriados sempre se aproveitaram do filão folhe
Nesse quadro de deficiência do setor impresso, expan
tinesco escrito.
de-se a telenovela como único grande produto da narrativa
de massa brasileira. Sua base organizadora é a indústria A televisão sintetizou, em suas diversas formas de
da televisão comercial, cuja atividade produtiva se vincula, teledrama (seriados, telenovelas, etc), toda a experiência
através da publicidade, às grandes empresas ou monopólios do livro, do cinema, do teatro, do rádio, intensificando a
transnacionais. Na verdade, a base da telenovela "expan fascinação dos efeitos visuais. A despeito das características
siva" (aquela que procura renovar suas fórmulas e que é transnacionais da literatura de massa (universalismo das
melhor aceita como produto de exportação) é a Rede Glo fabulações míticas, atualidades informativo-jornalísticas e
bo — hoje (1984) um conjunto de empresas de comuni repetição de recursos consagrados noutros campos), algu
cação, sob controle de dezenove grupos autônomos que mas televisões nacionais obtêm uma dose razoável de origi
possuem uma relação contratual com a Globo, cobrindo nalidade na produção de seus teledramas, por chegarem a
com seu produto e serviço de comercialização de tempo um certo equilíbrio entre a universalidade da estrutura
publicitário 36% do potencial do mercado de consumo folhetinesca e a peculiaridade cultural dos conteúdos locais
brasileiro. É imenso o poder de penetração da rede: ao acionados.

JJ
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Nos Estados Unidos, por exemplo, exercem fortes se Nem sempre foi assim com a telenovela. No início,
duções os seriados de sagas familiares como Dallas, quando a fórmula básica era aquela de O direito de nascer,
Dinastia e Os milionários. Dallas, que já foi objeto de predominavam os conteúdos melodramáticos, ou seja,
reportagem de capa da importante revista Time ("nenhum suicídios, adultérios, paixões, duelos, etc. As diretrizes
outro programa da televisão norte-americana apresentou semióticas partiam de Cuba, mais especificamente das cen
personagens tão vivos", dizia o texto), é o líder de audiên trais de produção de Goar Mestre, uma espécie de impe
cia da televisão norte-americana e ainda conta com cerca rador do folhetim, que exportava seus radiogramas para
de 300 milhões de telespectadores nos 57 países em que inúmeros países. Depois que Fidel Castro chegou ao poder
vem sendo exibido. em Cuba, a base de Goar Mestre passou a ser Miami, de
No Brasil, entretanto, essas histórias de famílias riquís onde produtores e roteiristas se deslocaram para a Argen
simas em luta desesperada por mais poder e dinheiro como tina, o México e, finalmente, para o Brasil.
vem pouco. Aqui se prefere a fórmula nacional de tele- Por isso, no começo, a telenovela brasileira era um
drama (seja a telenovela, seja a "minissérie" de duas de resultado tão evidente da combinação de conteúdos cubano-
zenas de capítulos), por se ter atingido um índice excelente -argentinos com elementos do soap opera (dramalhão)
de nacionalização dos conteúdos significativos. A fórmula norte-americano. O enredo girava em torno de um triângu
da telenovela — uma mistura folhetinesca temperada pelo lo amoroso, de um herói, de um vilão (eventualmente, de
imaginário da família patriarcal em mutação — é tipica um crime), e as ações costumavam transcorrer longe da
mente brasileira. A abertura do folhetim para o real-histó- realidade brasileira. Rosa rebelde, por exemplo, escrita
rico (para a ideologia) permite a incorporação de infor pela brasileira Janete Clair, tinha a sua ação desenvolvida
mações sobre a dinâmica modernizadora da sociedade no interior da Espanha, porque constava das diretrizes
urbana nacional e relança continuamente ao nível das cubanas a presunção de que "o brasileiro não era român
famílias (grupos receptores naturais da telenovela) doutri tico".
nas e idéias correntes (liberação sexual, novas formas de Aliás, Janete Clair pode ser considerada a mais impor
relacionamento amoroso, novos regimes de casamento), tante autora de telenovelas do País. Ao falecer, em 1983,
assim como "ensina" a consumir. O merchandising desem desapareceu com ela todo um estilo que ainda guardava
penha hoje um papel importante na narrativa. De fato, fortes características folhetinescas dos primeiros tempos da
inserido no contexto dramático, o anúncio atua de forma radionovela e da telenovela. Na opinião de profissionais
subliminar, penetrando as defesas do espectador e levan do gênero, Janete, além de ter sido uma pioneira, conseguiu
do-o a se identificar com determinado personagem através recuperar a linguagem da literatura folhetinesca do século
de seu perfil socioeconômico — desde as roupas que usa passado para a televisão.
até o banco em que guarda o seu dinheiro. Esse tipo de De fato, Janete Clair foi a responsável pela combi
publicidade (também chamado de tic-in pelos norte-ame nação de elementos antigos (tanto do folhetim à maneira
ricanos) é o que os profissionais do ramo classificam como de Eugène Sue quanto da fase cubana da telenovela) com
"mídia de envolvimento", ou seja, aquela em que não se novos, dando início (com o forte apoio de Daniel Filho)
identifica com tanta clareza (como na "mídia de espaço": ' iS
ao abrasileiramento do gênero. Seu primeiro grande sucesso
comercial de tevê, anúncio de jornal ou revista, jingle de foi Irmãos Coragem, em 1970. Mas, já em Véu de noiva
rádio) a intenção de vender. (1969), marco de sua associação com o diretor Daniel
68 69

Filho, Janete evidenciava sua capacidade de adaptação aos Tratava-se da história de um "boa-vida" — bem situado
novos tempos, instaurando uma linha definida por uma numa certa mitologia da esperteza brasileira —, narrada
visão atenta da classe média, do sujeito urbano que enfren de forma satírica e bem-humorada. Teatrólogos como Dias
ta a voragem do progresso ou do lucro. A ideologia do Gomes deram também uma contribuição notável.
Sudeste brasileiro penetrava, assim, na trama folhetinesca. Todas essas narrativas televisuais, entretanto, sempre
Tanto que a publicidade de Véu de noiva anunciava uma giraram direta ou indiretamente em torno de uma temática
novela "onde tudo acontece como na vida real". familial. Pode-se mesmo acompanhar a evolução dos enre
A própria Janete explicava seu êxito: "Escrevo sobre dos através do deslocamento dos espaços da casa imagi
aquilo que conheço bem — a classe média. E o faço acom nária em que transcorre a ação telenovelesca. Assim, em
panhando o gosto popular, dando vida aos conflitos do sua primeira fase, a telenovela concentrava-se no quarto
dia-a-dia, não apenas conversando sobre eles". De fato, ela de dormir: dramas de alcova (nascimento, adultério, etc),
jamais parava para falar sobre sentimentos como amor ou que davam ao espectador a sensação de estar olhando pelo
ódio. Simplesmente colocava-os em plena ação — através buraco da fechadura. O modelo semiótico desta primeira
de diálogos escritos com a objetividade do texto jornalís fase foi O direito de nascer.
tico —, com os personagens vivendo ou experimentando Depois, a ação foi-se deslocando para outros cômodos
as situações. da "casa", como a copa-cozinha (por exemplo, Antônio
Como nos grandes folhetins do século passado, a Maria, história que tinha um mordomo português como
coerência podia ser tranqüilamente sacrificada em favor herói), a sala de visitas {Beto Rockefeller), até se chegar
da açãp. O exemplo mais pitoresco é o de Anastácia, à rua, mas sempre sob o ângulo das relações familiares.
uma mulher sem destino, de- Emiliano Queiroz. Janete, Este ângulo tem garantido a continuidade folhetinesca,
ainda no início de sua carreira na Globo, foi chamada a oferecendo o pano de fundo próprio para que as vidas dos
melhorar essa telenovela de quase cem personagens e ne personagens se entrelacem sob o signo do trágico ou, mais
nhum sucesso de público. Solução: um terremoto matava recentemente, da farsa.
todos os supérfluos. O problema é que a produção esque Por seu poder inventivo e pela capacidade de criar
ceu-se de deixar viva a personagem que mantinha o grande tipos e situações cativantes, Janete Clair forneceu a base
segredo da história. para todas as inovações e desdobramentos do gênero (mes
Apesar desta e de outras inverossimilhanças, Janete mo para as minisséries, que rompem os cânones rígidos
conseguia monopolizar as atenções dos telespectadores. da telenovela). Autores como Benedito Ruy Barbosa, Gil
Selva de pedra (1972) deu-lhe o recorde de audiência: berto Braga, Cassiano Gabus Mendes, Manoel Carlos, Síl
100% no Ibope carioca. E a trilogia Pecado capital, vio de Abreu, mesmo sem mergulharem na torrente emo-
Duas vidas e O astro trouxe o reconhecimento geral de tivo-romântica de Janete, são por ela influenciados. Para
que ela era a maior autora de "folhetins eletrônicos" do ela, o inverossímil era algo de muito sedutor. Às vezes,, o
País.
melodramático lhe acorria a partir de relatos pessoais
Outros autores e outras emissoras de televisão foram
escutados ou lidos. Intuía também o ethos algo incestuoso,
também importantes no abrasileiramento do gênero. Beto
Rockefeller, de Bráulio Pedroso (TV Tupi), marcou um estilo Casa grande & senzala, da família patriarcal. "A
momento especial na passagem para a temática nacional. vida real é um folhetim", dizia.
71

uma das melhores fontes para o conhecimento das formas


de poder em jogo nas metrópoles industriais. Ou seja, por
7 trás da teia sedutora das dualidades míticas ou do alie-
nante superficialismo das "curiosidades" — responsáveis
pela fruição edipiana do leitor ou do espectador —, esbo
Conclusões ça-se uma antropologia do cotidiano nas grandes cidades.
A literatura de massa é, na realidade, uma extensão imagi
nosa do texto dos mass-media.
É preciso levar em conta também que esse tipo de
narrativa tende a constituir-se em best-seller porque é uma
poderosa estimuladora de leitura, isto é, tem o poder de
mobilizar o olhar e espicaçar a consciência do consumidor.
O folhetim tem um grande público certo.
O fascínio duradouro dessa literatura indica que não
Vimos que o best-seller, enquanto produto da litera se pode estudá-la com uma visão simplista e redutora,
tura folhetinesca ou de massa, é resultado do processo de limitando-a ao campo de efeitos dos estratagemas merca
industrialização mercantil e efeito da ação capitalista sobre dológicos ou dos subprodutos da literatura culta. Consi
a cultura, inscrevendo sempre, portanto, em sua produção, dere-se o seguinte enunciado: "Diz-se que a novela reflete
as diretrizes ideológicas dominantes de interpelação e reco a alma do povo, porque é assistida pelos setores populares;
nhecimento do sujeito humano. Vimos como o folhetim sendo assim, o sabão em pó também reflete, porque é
oitocentista era determinado pelas exigências industriais e consumido". Ele tem razão, mas apenas em parte, porque
comerciais da imprensa e como isto evoluiu até a fase é um juízo que parte de um modelo culto (a vivência
atual das grandes editoras especializadas em best-sellers e estética do crítico) e vê na novela apenas um consumo
do "folhetim eletrônico", regido por estratégias de progra decadente da cultura dita elevada.
mação ou "marketing de audiência*'. Hoje, como qualquer Entretanto, se deslocarmos o lugar de onde produ
produto de consumo, o texto folhetinesco pode ser sub zimos juízos cultos e assumirmos a perspectiva popular,
metido a controles de qualidade técnica e ter sua pene poderemos enxergar as operações mediadoras através das
tração avaliada sistematicamente por institutos especiali quais a indústria cultural se aproxima do povo (categoria
zados. Do ponto de vista mercadológico, o folhetim tem diferente da classe social). Vai-se poder localizar, então,
dois públicos: o investidor (capitalista) e o leitor. na cultura industrializada para o consumo das massas,
Mas é preciso observar que, ao lado de todos os fato elementos da tradição narrativa e imagística do povo, de
res de racionalização da produção da narrativa em termos um certo ethos nacional que perpassa tanto as populações
de custos de escala e apesar da estereotipia das fórmulas, camponesas como as urbanas. Ao se indagarem sobre os
o folhetim é capaz de ensejar momentos reveladores da usos populares do produto de massa, ao procurarem ir
consciência ocidental. Para nos atermos ao romance poli além das frias avaliações de audiência ou das sondagens
cial, bastaria citar o thriller norte-americano, que tem sido de mercado, professores secundários e universitários pode-
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mate k dT
material apr0Xlmar-se
de ensino - o que d*não'"eratura
tem sido defeitomassa como
até agora Omelodrama folhetinesco, tão explorado pela tele
Ademais, ogosto pela literatura folhetinesca poderá ser a novela, eigualmente algo de muito arraigado em tradições
itô populares do Ocidente. No antiqüíssimo culto grego a
laçoessHe", ;edmertOS
de tradição .letradaS°bre aS ma"dras com
se relacionam c°™a«P^Pu-
situação Dionisio, ocentro energético da festa era dado pelo mete
de leitura ou decodificação do texto escrito o^vtsual (a musica produzida pela flauta). Ali se dava oentusiZmo
dede lulro ou se,a, oarrebatamento que levava ao transe. Ã" à
lucro ee1SH0/âvÍmPÍí,Ca "egar qUeideológico
dispositivos de controle existam in,eresses
no texto deentusiasmo órfico dava-se onome de drama. ModTrZ
Mhetinesco, como ressaltamos ao íongo desfe trabalho O sTasmó Tnt
nas siasmo (nao mais"defÍ",e:Se C°m°é aeXpreSSão
ntualístíco), um texto quede ™entu
pretende
nas isto
isto, eatTS "^ C'ar°mítica
que sua constância é"«(a°^etim
persistêncianãodaétpe
mito públicT8Es^' ÍS,° é' Pr°V0Car ™°<™ arreba^adod6
logia heróica) esua grande penetração em todas as cTma- velhn Mhe rnCOntranOS teXt°S "elodramáticos (do
umaP°PntCir,S velho folhetim lacrimoso às telenovelas de hoje) elementos
? °*" "T dÍferenteS países dec°™"»™ matara? aíe,ÍV°-Cull"al-
os efeitos N«
de luzespetáculos teledr"a
sem/™ eJntend,mento dos modos pensar,
sentir, emocionar-se do Povo. maticos, ate as cores, e de cenários
<™„uS VeZe5' ° Cará'er reacionário do folhetim encontra-se trilha musical, as roupas, podem ser melodramático"
simplesmente com uma certa atitude reacionária ou conser desse
vadora da massa social. Noutro contexto, mas com o me - desse t?nTn
po de*!"\é
texto VaS'
cu,o° autor
° UmVerS°
buscaCulturaI do best-seller,
os grandes públicos
mo sentido, diz o sociólogo francês Michel Maffesoli- "A as multidõesd sembra>se bem
preocupar
samlizaçao ao ^ .com
^ a^ permanência
^ ou â
c:rPodemoVfdH,PKde
certa. Podemos sublinhar, ^nesse3eXpreSSa° de o-»tema"^
sentido, que da Prefiro ser lido muitas vezes por um só, do que uma só
modernidade, do desenvolvimento da novidade, etc.T um vez por muitos". Na esfera da indústria cultural? ondTpon
modo de pensar em termos profanos, omito do parahô Mrça a narrativa de massa, valem juízos como os de
ou ainda um modo de exprimir ofantasma da vida eterna Hitchcock, mestre na arte de sedução das grandes platéias
fou ™h T°™TT de tóÍSaoprOJe«Ões ' de *™doexpressões para quem, se muitos filmes se apresentavam como "fatias
(ou modulações) diversas, recusar aordem sentido de «da os dele não queriam ser mais do que "fatias de
"e ("TeT d° PreSeme Cd° '-Bico que"heé bolo . Para isso, e preciso estar sintonizado com o uni-
da
da massa EvL uma"™
massa. Existe «^ c°at™^'
mvariância das atitudes napopulares
cultura gvrs roppuuab,ic°ou"como e,e dizia: "a° £umar- * °»*>«
nas aparentes modificações. Várias frases, provérbios ób
servaçoes que pontuam aexistência evidenciam essa perrna
nenca do mesmo. Arelação com os valores, av7da sodal"
trahalT TS ™°rte e ° sex°- a atit»dê Pa a com o
áue ?n°' 3hab"aÇâ0 C° Vestuari0- nu™ P"^vra, tudo o
extranM "e 3 a"e dC Viver ou aos "iodos de vida é
sntsTasr"*-"iA conquis,a d°™
75

Literatura culta: conjunto de obras reconhecidas como de


qualidade superior ou pertencentes à "cultura elevada"
8 por instituições (aparelhos ideológicos) direta ou indi
retamente vinculadas ao Estado (escola, academias, cír
culos especializados, etc).
Vocabulário crítico Literatura best-seller: todo tipo de narrativa produzida a
partir de uma intenção industrial de atingir um público
muito amplo. Ê o mesmo que literatura de massa, narra
tiva de massa ou folhetim.

Literatura de massa: vide literatura best-seller, narrativa


de massa e folhetim.
Mito: aqui, o discurso não regido pelas leis da História,
o universo de contato entre homens e deuses. Míticas
são as fabulações e as alegorias relativas às peripécias
Best-seller: todo livro que obtém grande sucesso de público. dos heróis lendários. Nas civilizações "arcaicas" (de
Um romance culto que se vende muito, um romance arché, origem), o mito é ao mesmo tempo explicação
folhetinesco de êxito, um trabalho científico, filosófico de um acontecimento e sua revelação. Há quem conceba
ou religioso que conta com grande público, são best- o romance como um mito "degradado".
-sellefs. Narrar: contar, expor, relatar.
Cenário: espaço em que se movimentam os personagens, Narrativa: discurso capaz de evocar, através da sucessão
em que se desenrola a ação de uma narrativa. temporal e encadeada de fatos, um mundo dado como
Enredo: é o mesmo que intriga: seqüência de fatos ou real ou imaginário, situado num tempo e num espaço
incidentes que compõem a ação de um texto literário. determinados. Na narrativa, distingue-se a narração
(construção verbal ou visual que fala do mundo) da
Folhetim: termo originado do francês roman-feuilleton:
diegese (mundo narrado, ou seja, ações, personagens,
era inicialmente (segunda metade do século XIX) o ro
tempos). Como uma imagem, a narrativa põe diante de
mance publicado por partes, diariamente, no rodapé dos nossos olhos, nos apresenta, um mundo. O romance, o
jornais. Passou a designar mais tarde um tipo específico conto, o drama, a novela, são narrativas.
de narrativa, em que predominam a "imaginação" (o
lendário, o épico, o fantástico, o sentimental) e "curio Narrativa de massa: vide literatura best-seller, literatura de
sidades" (informações, doutrinas) de época. massa e folhetim.
Personagem: é o sujeito representado na narrativa — seja
Ideologia: aqui, o conjunto das representações (valores
individual ou coletivo. É também o papel que se vive
sociais, morais, políticos, etc), que assegura o funciona
na cena teatral. Na literatura de massa, inexiste romance
mento de uma ordem humana. Aparece, portanto, como
sem personagens, enquanto na literatura culta o perso-
um princípio de conservação do status quo.
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nagem pode às vezes apagar-se ou escamotear-se em
favor de uma "atmosfera".
Roteiro: é o texto escrito que serve de guia para a reali
9
zação de um filme, um radiodrama ou um teledrama.
Diferentemente dos outros textos da literatura de massa, Bibliografia comentada
o roteiro é transitório ou descartável, isto é, constitui
apenas um momento na elaboração do produto final,
que se realiza em imagens (visuais ou sonoras). Assim,
o roteiro pretende levar à visualização dos fatos narrados.
Sua natureza é essencialmente informativa.

Allen, David L. No mundo da ficção científica. São Paulo,


Summus Editorial.
Este livro é um bom roteiro para os interessados em
ficção científica, com explicações sobre suas caracterís
ticas e trechos dos mais importantes livros do gênero.
Conta com um apêndice sobre ficção científica no Brasil,
escrito pelo crítico Fausto Cunha.
Barthes, Roland. O prazer do texto. Lisboa, Edições 70,
1974.
O autor debruça-se sobre a relação de prazer entre o
leitor e o texto literário. Infere-se daí alguma explicação
sobre a diferença entre o desfrute de textos folhetinescos
e o prazer obtido com grandes obras cultas.
Bosi, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São
Paulo, Cultrix, 1983.
Esta é uma obra já consagrada, de leitura imprescindível.
Com relação à temática folhetinesca, vale a pena consul
tar o capítulo intitulado "A ficção", da página 139 à
163.

Cândido, Antônio. Monte Cristo ou Da vingança. Serviço


de Documentação do Ministério da Educação e Saúde.
79
78 .
Este é um livro já antigo (1952), constante de uma Observação — Não há muita coisa disponível (não
famosa coleção dirigida pelo prof. José Simeão Leal, esgotada ou fácil de se encontrar) em português sobre o
que se encontra apenas em bibliotecas ou em "sebos". assunto. A maior parte do material teórico por nós utili
Trata-se de uma excelente análise do folhetim de aven zado está publicada em inglês, italiano, alemão, espanhol
e francês. Atualmente os franceses dão a toda essa temá
turas.
tica o nome genérico de "paraliteratura". (Cf. Entretiens
Gramsci, Antônio. Literatura e vida nacional. Rio de Ja sur Ia paralittérature, org. de F. Lecassin, Ed. Plon, Paris.)
neiro, Civilização Brasileira, 1968. Sobre a literatura policial, há, entretanto, inúmeros
Esta é uma coletânea de ensaios do conhecido filó trabalhos esparsos (artigos, pequenos ensaios), inclusive
sofo marxista italiano sobre as relações entre sociedade de grandes críticos literários como Antônio Cândido e Otto
e literatura. Consta do volume um artigo sobre a litera Maria Carpeaux. Exposições sobre os mais diversos gêne
tura policial e sobre o folhetim em geral. ros folhetinescos encontram-se às vezes em meio a ensaios
Lins, Álvaro. No mundo do romance policial. Serviço de sobre o romance policial ou a ficção científica. Quanto à
Documentação do Ministério de Educação e Saúde. telenovela, começam a surgir teses universitárias, sendo
Este é também um livro antigo, não muito fácil de en também freqüentes artigos de natureza ensaística em jor
contrar. Vale a pena procurá-lo, porém, porque é uma nais e revistas.
introdução bastante clara ao universo folhetinesco.
Ries, C. História dos grandes best-sellers; os autores e seu
sucesso literário, Editora Renes.
Trabalho recente (1984) com informações sobre alguns
dos mais famosos best-sellers, incluindo tanto autores de
literatura culta quanto de massa. Thomas Mann, Erich
Maria Remarque e outros aparecem como competidores
em vendas com gente como Edgar Rice Burroughs.
Sodré, Muniz. Teoria da literatura de massa. Tempo Bra
sileiro.
Este livro busca a elucidação teórica das noções de lite
ratura de massa e literatura culta. Contém ainda duas
exposições genealógicas sobre o romance policial e a
Ficção Científica.
. A Ficção do tempo; análise da narrativa de ficção
científica.
Trata-se de uma análise do discurso dessa narrativa, com
a hipótese de que ela se constitui a partir de uma "con
jugação" deslocada do tempo diegético.

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