Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
do bate-papo terapêutico
Nicolau Chaud
A despeito do modelo terapêutico que adotamos ou das técnicas que
empregamos em consultório, a maior parte dos resultados terapêuticos que
obtemos parte do bate-papo fluido, natural e pouco estruturado entre terapeuta
e cliente. Descrever os processos comportamentais envolvidos nesse bate-papo
é bastante difícil, porém fundamental se queremos ser capazes de direcioná-lo
de forma mais produtiva, aumentando seu poder interventivo.
O comportamento verbal
O comportamento verbal permeia a riqueza e a complexidade do
funcionamento psicológico humano. Somos capazes de entender
particularidades do funcionamento de um indivíduo quando olhamos para
aquilo que ele fala para outras pessoas e para si mesmo. A fala, seja pública ou
privada, é uma ferramenta que nos auxilia a obter aquilo que nos é importante e
a evitar aquilo que nos faz mal. Funcionalmente, podemos dividir o
comportamento verbal em três subcategorias.
2
Sendo comportamentos, tanto a origem quanto o sentido do
comportamento verbal devem ser compreendidos pelas contingências sociais
nas quais operam, e não por qualquer coisa que poderíamos chamar de
“racionalidade”. Assim, observamos que:
A fala de um indivíduo tende a se assemelhar àquela de indivíduos da
mesma comunidade verbal, pois são essas comunidades que modelam
nosso comportamento verbal. O comportamento verbal é uma ferramenta
de coesão social.
A aprendizagem do comportamento verbal é sempre pública, de modo que
os repertórios verbais privados são apenas repertórios públicos emitidos
em um contexto diferente. Em outras palavras, o pensamento é uma
extensão da fala.
O comportamento verbal “bom” é aquele que gera consequências
reforçadoras, positiva ou negativamente. Fora das contingências, nenhuma
fala faz sentido e pode ser julgada de qualquer maneira.
3
Boa parte das contingências que modelam, dão modelos e fornecem
instruções para nosso comportamento verbal estão em conversas comuns e
interações sociais aparentemente triviais com pessoas afetivamente importantes
para nós.
Em sua maior parte, nosso funcionamento psicológico verbal é
produto do conjunto das conversas que tivemos ao longo da vida.
4
Estratégias
Evocação de falas
No bate-papo clínico, fazer perguntas não serve apenas para obter dados
e informações sobre o cliente, mas também para evocar falas de interesse. O
terapeuta pode fazer perguntas cuja resposta já sabe (ou imagina) apenas para
criar um contexto para que o cliente fale algo.
Como parte de um processo de modelagem, a evocação de falas de
interesse idealmente deve ser seguida pela pontuação do terapeuta sobre os
avanços daquela fala em direção aos objetivos terapêuticos, o que tem caráter
tanto reforçador quanto instrutivo.
Cliente tem uma fala excessivamente “O que você acha que pode fazer na
orientada ao passado, e não próxima semana para tentar lidar com
consegue fazer planos isso?”
5
Perfil do cliente Tendência temática Temática interventiva
Falar de seus
Falar daquilo que ele
Cliente negativo, problemas, explicar por
gosta, buscando
pessimista, desanimado, que as coisas não estão
entender a fundo o
deprimido, desencantado dando certo, e o que
porquê ele gosta
com a própria vida. existe de errado com as
daquelas coisas.
pessoas e com o mundo.
Cliente angustiado,
Falar do passado,
introspectivo,
buscando compreender
autorreflexivo, com
a origem de seus Falar de planos e do
dificuldade de tomar
problemas e descrever futuro.
decisões e preso nos
a própria
mesmos conflitos há
personalidade.
muito tempo.
Modelos
O terapeuta é um modelo para o cliente, inclusive um modelo de fala. É
comum que o cliente absorva falas do terapeuta para si. Sabendo disso, o
terapeuta deve direcionar sua própria fala para aquilo que gostaria que o cliente
aprendesse a falar.
Se o terapeuta quer que o cliente consiga falar de um jeito mais otimista, o
terapeuta deve falar de forma otimista.
Se o terapeuta quer que o cliente seja mais objetivo, o terapeuta deve falar
de forma objetiva.
Se o terapeuta quer que o cliente seja menos inseguro, deve questionar
menos o cliente.
Se o terapeuta quer que o cliente consiga se posicionar de forma mais
firme, deve falar de forma firme.
6
Criando regras para direcionar o diálogo
Em momentos pontuais do diálogo terapêutico, o terapeuta pode dar
instruções específicas para direcionar a fala do cliente de forma a praticar o
repertório de interesse. Isso pode ser feito com instruções do tipo “tente fazer
mais X” ou “tente fazer menos Y”.
“Conte-me o que gostaria de fazer na próxima semana, mas sem antecipar
o que pode dar errado.”
“Diga o que você achou legal nessa viagem, mas tente fazer de forma bem
enfática”.
“Procure me descrever, em sua opinião, o que está errado em seu
casamento em 15 segundos”.
“Tente me explicar o que da atitude do seu amigo te deixou chateado, mas
sem tentar legitimar o comportamento dele”.
7
DANIEL Busquei terapia por causa da minha
37 anos
ansiedade, principalmente na hora de dormir. Tenho
tido muita dificuldade de pegar no sono. Fui a uma
psiquiatra, ela me receitou alguns medicamentos e
sugeriu que eu fizesse terapia. Minha esposa já vinha
dizendo para eu fazer terapia há um tempo. É a
primeira vez que faço.
Talvez um pouco da minha ansiedade seja por
questões financeiras, não sei. Ultimamente minhas
despesas mensais estão bem maiores que minha
renda. Sou professor universitário. Minha esposa no
momento não trabalha, há três anos estuda para
concursos. Quando ela trabalhava, nosso orçamento
era mais folgado. Agora eu arco com as despesas da
casa e as despesas pessoais dela. Mas ela é comedida e
não gasta muito. Se ela conseguir passar, nossa
situação vai melhorar muito.
Eu sou doutor, mas na universidade recebo como mestre. Tecnicamente eu
deveria ter tido meu salário ajustado assim que concluí o doutorado, mas a burocracia
na universidade é imensa, e às vezes isso leva anos. Minha esposa vive me cobrando de
entrar com um processo administrativo na universidade. Só que isso poderia me
queimar lá dentro, não acho que compensa. Além do mais, o meu salário como mestre
não é ruim, já que eu tenho muito tempo de casa.
De forma geral, minha rotina é tranquila. Eu trabalho só quatro dias na semana,
folgo às quartas. Quando não estou trabalhando fico em casa, às vezes preparando
aulas e corrigindo trabalhos, às vezes fazendo tarefas domésticas, às vezes vendo TV
ou conversando com minha esposa. Tenho alguns colegas que trabalham em dois
lugares e têm uma rotina muito mais corrida, não têm tempo para nada. Falta de
tempo é uma coisa que não posso reclamar, embora às vezes pense que deveria estar
procurando outro trabalho também.
Antigamente tinha contato com meus amigos com mais frequência, mas muitos
deles tiveram filhos, cada um está cuidando da sua vida. Acho que é o normal, né? Era
bom quando a gente se encontrava mais. Mas minha rotina atual é boa também. O
único problema é que eu tenho comido muito, ganhei um pouco de peso. Minha esposa
diz que eu deveria fazer academia, mas eu tenho um problema no joelho que agrava
quando faço exercícios. Normalmente é uma dorzinha que não me incomoda muito,
mas se eu forçar piora.
Uma coisa que eu gostava bastante era fotografia, mas acabei vendendo meus
equipamentos para pagar dívidas. E como eu mal saio de casa, não tenho o que
fotografar também.
O que espero da terapia? Acho que melhorar minha ansiedade, me conhecer
melhor. Todo mundo precisa de terapia, né? Minha esposa diz que eu sou meio
desligado, que não dou muita atenção a ela, talvez seja algo que eu precise melhorar
também.
8
LARISSA Ando muito estressada, e acho que a
22 anos principal responsável é minha mãe. Minha mãe é
uma criatura insuportável. Sabe aquelas pessoas
que tiveram uma vida frustrada e ficam tentando
controlar a vida dos outros? Essa é ela. Ela tenta
controlar tudo na minha vida! O que eu como, com
quem eu ando, o que eu visto, a hora que eu
acordo, a hora que eu durmo. TUDO!
Eu preciso urgentemente mudar de casa,
mas acho que minha mãe tem tanto medo de que
eu saia e a deixe sozinha que ela me enche de
tarefas domésticas e não sobra tempo para eu
procurar um emprego. Atualmente só estudo, e
nem focar nos estudos tenho conseguido de tanta
pressão em casa.
Faço faculdade de Direito, e este ano estou fazendo meu TCC. Isso é outra
coisa que tem me estressado demais. Eu queria escrever sobre algo ligado à
alienação parental, mas meu orientador acabou me convencendo a falar sobre
violência doméstica, e eu odeio esse tema. É muito mais difícil escrever sobre
algo que você não gosta. Para ser bem sincera, nem de Direito eu acho que gosto.
Eu queria ter feito Letras, mas minha mãe me pressionou a desistir dizendo que
não dava dinheiro, que Direito me daria mais opções. O pior é que, do jeito que o
país está, é muito difícil eu conseguir passar em um concurso público. Eu
poderia advogar também, mas com essa quantidade de faculdades particulares
abrindo cursos de Direito todos os dias, acho que já existem advogados demais
no mundo.
O único lazer que ando tendo é sair com meu namorado Igor, mas até ele
tem me estressado ultimamente. Para você ter uma ideia, ontem eu estava super
grilada porque meu cachorro esbarrou no fio do notebook e eu perdi mais de 2h
de trabalho do meu TCC, e liguei para o Igor para contar. Ele conversou comigo
super rápido e desligou falando que tinha marcado uma partida de não-sei-o-
que com os amigos no computador. Poxa, ele viu que eu estava mal, precisando
dele, e me deixa no vácuo para jogar esse joguinho que ele joga todos os dias?
Achei ridículo, homem é muito insensível.
Acho que o principal motivo pelo qual busquei terapia é porque não sei o
que quero da minha vida. Há momentos em que olho para minha vida e vejo que
moro num lugar que eu não gosto, com uma pessoa que não suporto, faço um
curso com o qual não me identifico, e tenho um namorado que não sei se amo. Às
vezes minha sensação é de que fui trolada por Deus e vim zicada nessa
encarnação. Minha vontade é apertar um botão de reset e começar minha vida
de novo, de preferência num lugar onde eu não esteja cercada de gente sem
noção.