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Guilherme Marcondes1
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Pós-doutorando (com bolsa PNPD/CAPES) no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da
Universidade Estadual do Ceará (PPGS/UECE). Doutor e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ). Graduado em
Ciências Sociais (bacharelado e licenciatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi
Coordenador de Pesquisa e Memória do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea (mBrac) e assistente
de pesquisa no projeto Difusão e Educação Patrimonial do Acervo Histórico do CPDOC/FGV. Atualmente,
é pesquisador associado ao Núcleo de Sociologia da Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(NUSC/UFRJ), do GRUA - Grupo de Reconhecimento de Universos Artísticos/Audiovisuais:
http://www.grua.art.br (CNPq) e um dos editores associados da revista Horizontes ao Sul.
Aviso: Este texto se inicia com uma introdução que para alguns pode parecer
excessivamente didática e desnecessária, porém, como educador espero que estas
palavras e ideias não circulem apenas entre especialistas.
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Aqueles que são brancos, europeus, cisgêneros, heterossexuais e seus descendentes, além de serem de
preferência homens.
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Sendo estes aqueles todos que não se assemelham ao tipo europeu, historicamente categorizados como
Outros.
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Humanos nem parecem se compreender como animais.
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As quais são extintas pelos humanos, bem como os outros animais e os sub-humanos.
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Que parece clamar por socorro antes de seu colapso e o fim da vida que carrega.
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Propondo uma leitura descolonizada do mito grego de Narciso e Eco, Grada Kilomba, traz a metáfora do
jovem que se torna objeto de amor e idolatria por si próprio com a finalidade de tratar da sociedade branca
e patriarcal. Deste modo, Kilomba argumenta sobre como a inteligência, a beleza e os conhecimentos
tomados como válidos em sociedades coloniais refletem, em geral, única e exclusivamente aqueles criados,
idolatrados e reproduzidos por pessoas brancas (leia-se, homens brancos). Para mais detalhes ver a obra de
Grada Kilomba: Ilusões Vol. I, Narciso e Eco, bem como seu livro, resultado de sua tese de doutoramento,
Memórias da Plantação – Episódios de Racismo Cotidiano ([2008] 2019a).
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O Antropoceno, resumidamente, se trata da nova era geológica em que se encontraria o planeta, em que
os humanos tomaram o papel principal como força ambiental dominante na Terra.
vêm, basicamente, separando o que chamam de humanidade do restante da natureza,
constituindo e reconstruindo um sistema de exploração que tem por base a criação de
capital (num sentido legado por Karl Marx) para alguns(mas) em detrimento de
outros(as/xs) e têm marginalizado e espoliado populações que não se assemelham a si
próprios. Trata-se, assim, de um domínio de homens brancos com capital. Destarte, nesta
cruzada secular pelo poder, aqueles tomados(as/xs) como outros(as/xs) pelos ditos
humanos, constituem um grupo que Krenak chama de sub-humanos:
Os únicos núcleos que ainda consideram se manter agarrados nessa Terra são
aqueles que ficam meio esquecidos pelas bordas do planeta, nas margens dos rios,
nas beiras dos oceanos, na África, na Ásia ou na América Latina. Esta é a sub-
humanidade: caiçaras, índios, quilombolas, aborígenes. Existe, então, uma
humanidade que integra um clube seleto que não aceita novos sócios. E uma
camada mais rústica e orgânica, uma sub-humanidade, que fica agarrada na Terra.
(KRENAK, 2020).
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No Brasil, as travestis têm uma expectativa de vida em torno de 35 anos de idade, enquanto a expectativa
de vida para brasileiros(as/xs), em geral, é em média de 76 anos e três meses. No que se refere à população
negra, esta tem 2,7 mais chances de morrer por causas violentas, no país, relativamente à população branca
Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-
noticias/noticias/26103-expectativa-de-vida-dos-brasileiros-aumenta-para-76-3-anos-em-2018>. Acesso
em 25 de abril de 2020, e, disponível em:<https://exame.abril.com.br/brasil/ibge-populacao-negra-e-
principal-vitima-de-homicidio-no-brasil/>. Acesso em 25 de abril de 2020.
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Já que, como sabemos, nem todas as pessoas puderam se isolar.
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Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/bolsonaro-sobre-coronavirus-alguns-vao-
morrer-lamento-essa-e-a-vida/>. Acesso em 25 de abril de 2020.
Imagem 3: Um Estudo em Vermelho. Batismo #1 * Ventura Profana * Fotografia Digital *
2017.
De fato, creio ser possível dizer que as alianças apresentadas na imagem e nos
discursos do presidente eleito, deixam evidente de quem é o sangue que Profana coloca
na imagem. Efetivamente, o projeto político em questão parece mais uma reatualização
de um modo de comando e existência que aterrisou em terras brasileiras há muito tempo.
Enquanto escrevo este texto, quase um mês após a fala do presidente, os dados
sobre o número de mortes em decorrência do coronavírus, no Brasil, ultrapassam 5.00012
pessoas - nossos pais, mães, avós, filhas, filhos, sobrinhas, sobrinhos, amigos 13. Enfim,
pessoas. Fato é que a fala do atual presidente foi recebida com escândalo por diversas
pessoas que, especialmente nas redes sociais, demonstravam indignação com o que seria
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Durante a edição deste texto para publicação, chega a informação de que as mortes no país ultrapassam
5.000 pessoas, ultrapassando a China, marco zero da doença. E, ao ser questionado sobre o tema, o atual
chefe do Poder Executivo Federal, contrário às medidas de isolamento horizontal, respondeu: “E daí?
Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”. Disponível em:
<https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/28/e-dai-lamento-quer-que-eu-faca-o-que-diz-bolsonaro-
sobre-mortes-por-coronavirus-no-brasil.ghtml>. Acesso em 28 de abril de 2020.
13 Disponível em: <https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/04/25/casos-de-coronavirus-
e-numero-de-mortes-no-brasil-em-25-de-abril.ghtml>. Acesso em 25 de abril de 2020.
uma banalização da vida por parte do chefe do Poder Executivo Federal. Entretanto, se a
alguns(mas/mxs) choca, a outros corpos a fala em si era apenas a reprodução de um
projeto em curso desde 1500. Afinal, os dados sobre o Covid-19 já têm comprovado quem
têm morrido em maior número pela doença. No caso brasileiro, são as pessoas negras e
de bairros periféricos.
Fortaleza, capital do Ceará, é a cidade que vem ocupando os primeiros lugares em
casos confirmados da doença no país. Enquanto que alguns dos bairros mais abastados
(como Meireles, Aldeota e Cocó) reúnem o maior número de infectados, são os bairros
mais humildes (como Grande Vicente Pinzon, Barra do Ceará e Grande Pirambú) que têm
concentrado maior números de óbitos14. Bairros periféricos, leia-se aqui, bairros com
maior número de pessoas negras, de descendentes de indígenas que tiveram suas
sociedades dizimadas e com vulnerabilidades sociais. O Covid-19, de fato, pode matar a
qualquer um(uma/umx), no entanto, a possibilidade de isolamento em cômodos
separados, com acesso a água etc. não são iguais para todos(as/xs). Em lugares
periféricos, a proliferação de um vírus - como o coronavírus - pode significar (mais) um
genocídio.
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Que a autora traz a partir de Gottfried Wilhelm Leibniz.
pensar memórias do futuro intercaladas com memórias de um passado não tão distante,
refletindo sobre o contexto político contemporâneo ao argumentar acerca da continuidade
dos processos sócio-históricos do genocídio colonial empreendido contra a população
negra. Ao mesmo tempo, pensa sobre caminhos de fuga desse vírus colonial, caminhos
para a seu extermínio e a abertura de novas possibilidades de existir e pensar. Diz
Mombaça:
Tem gente falando de fim do mundo, que fim do mundo é esse? Que porra de
mundo que tá acabando? Estou vivendo o fim do meu mundo, né, o mundo que
fui criada, que é o mundo ocidental. E como sobreviver a ele sendo que a minha
morte de eu, um corpo negro testiculado e feminino, é programada? Está dentro
da agendo. Para esse mundo continuar acontecendo, é preciso que eu morra.
Pessoas bixas precisam morrer, pessoas travestis precisam morrer, pessoas
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Disponível em: <https://jotamombaca.com/texts-textos/veio-o-tempo/>. Acesso em 23 de abril de 2020.
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Aliás, o título de sua primeira exposição individual é O Trauma é Brasileiro, ocorrida entre 11 de junho
e 24 de agosto de 2019, na Galeria Homero Massena, em Vitória, cidade natal da artista.
indígenas precisam morrer, pessoas negras precisam morrer pra que esse mundo
sobreviva. E eu não quero que esse mundo sobreviva. E eu não quero que esse
mundo ocidental sobreviva, eu quero que ele chegue ao fim. E veja: o corpo todo
sente o fim do mundo. (BRASILEIRO, 2019: 16).
Este texto não tem conclusões, mas visa apresentar perspectivas em ação. As
vozes aqui mencionadas vêm combatendo o vírus colonial, buscando rotas de fuga e
indicando caminhos outros para a ação no mundo e juntas parecem conclamar: eliminem
o vírus colonial! Em tempos de Covid-19, muito se tem falado sobre formas de estar
junto, sobre novas possibilidades de vida para o pós-pandemia, entretanto ainda
pertencentes à lógica colonial. Enquanto isso, outros permanecem nos escombros do
mundo moderno-ocidental que se encontra ruindo. Porém, apesar de reformadores e
conservadores, existe quem esteja em outros caminhos, deixando evidentes sinais de que
o que já foi não pode continuar sendo. Ao corpo de trabalhos como os de Ailton Krenak,
Ventura Profana, Achille Mbembe, Jota Mombaça, Denise Ferreira da Silva e Castiel
Vitorino Brasileiro, somam-se outros contemporâneos e anteriores, e todos(as/xs), a partir
da perspectiva daqueles(as/xs) que vêm sendo expropriados(as/xs) não apenas em termos
de capital, mas, igualmente, de suas possibilidades de existência, têm agindo como
anticorpos em combate ao vírus colonial. Indicando, portanto, a necessidade de desmonte
e eliminação efetiva das epistemologias e ontologias moderno-ocidentais. Então fica a
pergunta: você ficará ao lado dos que conservam o mundo moderno ou se somará
àqueles(as/xs) que buscam outros caminhos?
Referências:
BRASILEIRO, Castiel Vitorino. Quando Encontro Vocês – Macumbas de Travesti,
Feitiços de Bixa. Vitória: Editora da Autora, 2019.
FERREIRA DA SILVA, Denise. A Dívida Impagável. São Paulo: Casa do Povo, 2019.
KRENAK, Ailton. Ideias para Adiar o Fim do Mundo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2019.
KRENAK, Ailton. O Amanhã não está a Venda. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação – Episódios de Racismo Cotidiano. Rio de
Janeiro: Cobogó, 2019a.
KILOMBA, Grada. Grada Kilomba: Desobediências Poéticas. São Paulo: Pinacoteca de
São Paulo, 2019b.
MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. Portugal: Antígona, 2014.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: N-1 Edições, 2018.
MOMBAÇA, Jota. Veio o tempo em que por todos os lados as luzes desta época
foram acendidas. Disponível em: <https://jotamombaca.com/texts-textos/veio-o-
tempo/>. Acesso em 23 de abril de 2020.