Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Abstract
The article proposed here has as its objective to analyze the way
in which the concepts of difference and diversity have been used
in the contemporary Brazilian debate on education and in public
policies in this area. We have tried to identify the theoretical
conditions, the practices and policies that have contributed to the
rise of the concept of diversity. Used as a slogan during the first
presidential term of Luiz Inácio Lula da Silva, particularly with
respect to education, the theme of diversity has undergone various
processes of appropriation within the public policies. In order to
study these policies we have employed as primary sources official
documents such as: the 2003-2010 Government Assessment; the
2004-2007 Pluriannual Plan; the budget laws of the 2003-2006
period; and the management reports of the federal government. We
also show, in a summarized manner, how the debate on difference
and diversity has been carried out in education, with the objective
of understanding the distinctions between the pedagogical
proposals denominated multiculturalism, interculturalism, and
cultural pluralism. To this end, we have carried out a survey of
articles published in academic journals between 1990 and 2007.
The assessment has shown that these actions were concentrated in
the Ministries of Culture, Health and, mainly, Education, which
reaffirms the centrality of education as a process and of the school
as a social institution in the approach and/or mediation of the
dilemmas faced by the Brazilian society at the start of this century.
In summary, we have made an effort to analyze the various
theoretical and practical streams that debate and compete for the
concepts of diversity and difference in the area of education.
Keywords
18 Tatiane Cosentino RODRIGUES; Anete ABRAMOWICZ. O debate contemporâneo sobre a diversidade e a diferença...
Na língua alemã do século XVII, Kultur identidade, ora a diferença e o diverso; ora é
parece ser a transposição exata da palavra fran- aquilo que significa eu, ora é o outro. Ora a
cesa. Porém, segundo Cuche, a noção alemã de cultura é a síntese e o comum de todas as cultu-
Kultur vai tender cada vez mais, a partir do sé- ras, em uma vertente do interculturalismo, por
culo XIX, para a delimitação e a consolidação exemplo; ora é um conjunto, um mosaico de
das diferenças nacionais. Trata-se, então, de culturas, como no multiculturalismo em uma de
uma noção particularista que se opõe à noção suas ramificações. É esse uso generalizado da
francesa universalista de civilização, que é a palavra cultura, associado ao diverso, à diversi-
expressão de uma nação cuja unidade nacional dade e/ou à diferença, mas também ao uno, ao
aparece como conquistada há muito tempo. universal, ao comum e ao local, que tem sido
A antropologia vinculou-se mais lar- objeto de disputa não só teórica, mas também
gamente a tal conceito, mas este se difundiu e na prática social, contribuindo para a impre-
passou a ser disputado por outras áreas, entre cisão e o esvaziamento conceitual de cultura,
elas a educação, na qual há muitas definições. diversidade e diferença. Diz-se cultura e já não
Se na base do conceito de cultura está a ideia se sabe mais qual é o sentido atribuído.
de que ela é um repertório simbólico de experi- Nas últimas décadas, esse debate inten-
ências – materiais e imateriais – da história de sificou-se com a globalização e com todas as
um grupo de pessoas e se caracteriza por ser um mudanças tecnológicas e do capital, as quais,
conceito que guarda certa noção de mobilida- de certa forma, aboliram as fronteiras não só
de, pois a cultura se modifica e, portanto, seu territoriais, mas também subjetivas, do incons-
caráter local e móvel parece ser-lhe intrínseco, ciente, pois a lógica do capital passou a atuar
isso não é e nem foi suficiente para impedir a em áreas antes invioláveis. Se o virtual nos uni-
disputa e o debate sobre seu caráter universal, ficou acima de cada nação, em uma espécie de
sobre seu caráter multi e, ao mesmo tempo, lo- império, sobrepondo-se à própria identidade do
cal e específico. povo, que foi construída num plano imaginário
Da forma como vem sendo utilizada, a no qual escondia e/ou eliminava diferenças, e
ideia de cultura tem servido como tropo de raça, se isso correspondeu, na prática, à subordina-
como diversidade, como diferença, como respos- ção racial e à purificação social, agora, com a
ta curricular dada pelas políticas públicas aos globalização, é a própria nação/povo que passa
movimentos sociais que reivindicam reparação a reivindicar uma cultura. Portanto, não é fácil
e/ou representação cultural (dos sentidos singu- realizar teoricamente o debate que está subja-
lares que atribuem às coisas e ao mundo), como cente a essa disputa entre cultura, diversidade
clave genérica que se atribui às coisas (as múlti- e diferença, disputa que, evidentemente, não é
plas possibilidades de sentido dadas por grupos somente semântica.
sociais) que não se conhece exatamente, como
capaz de, por essa via, equalizar os problemas A ascensão do social
das desigualdades/diferenças presentes na esco-
la. Cultura ora é vista como local e singular, ora Se, para Lazzarato (2011, p.16), o “social
como o comum e universal de um povo. Ou seja, é introduzido como modo de governo desde que
ora é singular, ora é plural; ora é comum, ora é a relação entre a economia capitalista e a polí-
universal; ora é específico, ora é local. tica se tornou problemática”, a educação como
Na área da educação, a explosão se- uma ramificação do campo social é o local
mântica tem produzido propostas na clave da onde é possível uma intervenção de maneira a
cultura que se distinguem e que se denomi- produzir, conciliar e/ou responder aos confli-
nam como multiculturalismos, interculturalis- tos que estão colocados na sociedade, pela base
mos, culturalismos etc. Ora cultura designa a material e nas relações sociais.
20 Tatiane Cosentino RODRIGUES; Anete ABRAMOWICZ. O debate contemporâneo sobre a diversidade e a diferença...
mito da democracia racial num país onde o O elo entre educação e cultura estabele-
preconceito racial era e ainda é um fato. ceu-se com a função de unificação, por meio da
Uma das principais controvérsias sobre assimilação como um dos pilares da educação.
a obra de Gilberto Freyre refere-se justamente à Tal assimilação, no projeto de erradicação de
dúvida sobre até que ponto ele logrou ser efetiva- culturas como a africana e a indígena, consistiu
mente um bom discípulo de Franz Boas e da tra- em um mecanismo em prol da formação e da
dição culturalista norte-americana, tendo aban- produção de um sujeito universal.
donado por inteiro o referencial teórico racialista. A retomada das discussões sobre edu-
O trabalho de Dávila (2003) revela como cação e cultura traz para o debate o questio-
a opção culturalista no Brasil velou o referencial namento da suposta universalidade, que está
racialista impresso principalmente nas políticas assentada na cultura ocidental e europeia, con-
educacionais; o autor realizou estudo histórico siderada como portadora da universalidade. A
e documental sobre algumas das reformas edu- proposta de erradicação de determinadas cultu-
cacionais realizadas no Brasil, mostrando como ras resultou na afirmação, por parte de alguns
o processo de criação e expansão do ensino grupos, de sua particularidade cultural.
público brasileiro está relacionado à questão Foi nos anos 1960, com o trabalho de
racial, na forma como o pensamento eugênico Lévi-Strauss e Roland Barthes, na França, e de
esteve enraizado na história da educação e no Raymond Williams e Richard Hoggart, no Reino
pensamento educacional de nosso país em um Unido, que a virada cultural começou a ter
período importante para muitos projetos públi- maior impacto na vida intelectual e acadêmica,
cos de transformação da sociedade brasileira. e que um novo campo interdisciplinar de estudo
Ao analisar as políticas públicas brasi- organizado em torno da cultura como conceito
leiras que expandiram e reformaram o sistema central – os estudos culturais – começou a to-
educacional, particularmente no Rio de Janeiro, mar forma, estimulado em parte pela fundação
na primeira metade do século XX, Dávila argu- de um centro de pesquisas de pós-graduação,
menta que essas reformas foram elaboradas e o Centro de Estudos Culturais Contemporâneos,
executadas tendo como pressuposto a existên- na Universidade de Birmingham, em 1964
cia de desvantagens brutais entre os brasileiros (HALL, 1997).
não brancos e pobres, desvantagens estas que Segundo Hall (1997), a virada cultural
os inferiorizavam e atrasavam o país. refere-se a uma abordagem da análise social
Em seu estudo, Dávila recorre a numero- contemporânea que passou a ver a cultura como
sas fontes documentais primárias, como depoi- uma condição constitutiva da vida social, e não
mentos, fotografias, artigos de jornais, e examina mais como uma variável dependente. Para o au-
minuciosamente arquivos brasileiros e interna- tor, a revolução cultural no século XX deve-se
cionais. Com apurado cuidado metodológico, ele às insustentabilidades da velha distinção que o
faz uma articulação dessas fontes, evidenciando marxismo clássico fazia entre a base econômica
que tais políticas eram dirigidas por uma lógica e a superestrutura ideológica, já que, nas atuais
que refletia o pensamento médico e sociológico circunstâncias, a mídia é uma parte crítica da in-
das elites brancas. O autor encontra evidências de fraestrutura material das sociedades modernas.
que, durante a Velha República e a Era Vargas, A expressão centralidade da cultura, tal
as políticas educacionais reformistas, que se es- como afirma o autor, indica a forma como a
tabeleceram primariamente na cidade do Rio de cultura penetra em cada recanto da vida social
Janeiro, embora tenham ampliado o acesso à edu- contemporânea, fazendo proliferar ambientes
cação aos segmentos marginalizados socialmente, secundários, mediando tudo (HALL, 1997). Nessa
estabeleceram formas diferenciadas de tratamento perspectiva, as identidades são formadas cul-
às crianças desses segmentos. turalmente, o que significa dizer que devemos
22 Tatiane Cosentino RODRIGUES; Anete ABRAMOWICZ. O debate contemporâneo sobre a diversidade e a diferença...
Brasil encontra-se entre os multiculturalistas e do currículo para a construção de um mundo
interculturalistas, e nas vertentes pós-estrutu- que aceita as diferenças, mas que combate as
ralista e pós-colonialista. Com base na análise desigualdades sociais e econômicas” (LOPES;
dos trabalhos selecionados, é possível elencar MACEDO, 2011, p. 191).
alguns pontos comuns, ou pontos de partida, Por fim, Moreira sugere que a preocu-
utilizados por um número expressivo de pes- pação com a desigualdade social seja preser-
quisadores em referência ao processo ou à pas- vada e aprofundada nos estudos sobre multi-
sagem de uma educação homogênea para uma culturalismo. Já que desigualdades e diferenças
educação que considera a diversidade. encontram-se inextricavelmente associadas na
Em uma síntese rápida e preliminar, realidade brasileira, é importante que a pesqui-
podemos apontar diferenças de concepção no sa nos auxilie a compreender a complexidade
interior do que vem sendo chamado de mul- inerente a essa articulação, bem como a for-
ticulturalismo. Alguns pesquisadores que se mular estratégias de luta. Ao mesmo tempo, o
colocam no campo intercultural crítico veem o autor ressalta ser importante evitar, nas análi-
multiculturalismo no interior da fenomenolo- ses, reducionismos que sugiram simples subor-
gia como circunscrito à aceitação e à experi- dinações ao econômico. Se raça e gênero são
ência dos sujeitos e consideram que a proposta processos sociais vitais que se conectam a ou-
multicultural seria uma proposta de mosaico de tros processos sociais que operam na educação
culturas, uma feira de culturas que manteria in- e na sociedade, não há como considerar que a
tactas as hierarquias de poder, de saber e econô- economia dá conta de todas as relações sociais
micas (CANEN, 2000). No multiculturalismo, a existentes na sociedade. Não cabe, assim, re-
tolerância seria o valor, a finalidade, o ponto de duzir o antagonismo racial a uma simples ex-
partida e de chegada do processo educativo. Há, pressão da contradição entre trabalho e capital.
nessa perspectiva, uma tentativa de integração O desafio talvez seja, como argumenta Apple
cultural, uma cidadania universal. O multicul- (1999), desenvolver teorias e práticas que incor-
turalismo que se vincula ao debate racial não é porem tanto o reconhecimento das diferenças,
aprofundado pela vertente intercultural na qual como o compromisso com a redistribuição da
se encontra (RODRIGUES, 2011). riqueza (MOREIRA, 2001).
Há também o multiculturalismo crítico, Os interculturalistas críticos apoiam-
cujo maior expoente é Peter McLaren, que tra- -se em vários autores, retirando de suas obras
balha na perspectiva marxista e incorpora raça e reinterpretando alguns conceitos – tais como
em sua analítica. No Brasil, Candau e Moreira diálogo ético, de Habermas; entrelugares, de
se alinhariam a essa vertente. Lopes e Macedo Homi Bhabba (1998); e identidade híbrida, de
(2011) notam que, nos anos 2000, Moreira pas- Stuart Hall – para propor uma concepção que
sa a defender explícita e fortemente a primazia garanta uma unidade cultural comum a todos e,
das discussões sobre conhecimento no campo portanto, universal, como uma síntese das múl-
do currículo, desqualificando a centralidade das tiplas culturas locais. Essa síntese – dialética –
discussões sobre cultura que ajudara a introdu- seria o hibridismo, que não é mais nem uma
zir uma década antes entre os temas centrais e nem a outra cultura; são todas, diferentes,
do país. Nesse sentido, Moreira passa a advogar híbridas. No Brasil, Canen, Franco e Oliveira
em favor de conteúdos básicos que permitam (2000) fariam parte dessa concepção.
a formação dos sujeitos como cidadãos ativos. A perspectiva adotada por Habermas de
Aceita a centralidade da cultura e mantém a construção de um universalismo ético agrada
postura de que o currículo precisa favorecer aos autores. Um universalismo ético a posteriori,
o reconhecimento das diferenças e o diálo- fundado na racionalidade argumentativa em
go entre elas. Defende, assim, a “contribuição contraposição ao universalismo ético absoluto –
24 Tatiane Cosentino RODRIGUES; Anete ABRAMOWICZ. O debate contemporâneo sobre a diversidade e a diferença...
Teriam de fazer mais do que incluir temas ou plano de governo de 2002. No plano executivo
conteúdos Queer; ou mais do que se preocupar federal, criou-se, ainda em 2003, a Secretaria
em construir um ensino para sujeitos Queer. Tal Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e
pedagogia não pode ser reconhecida como uma a Secretaria Especial de Políticas de Promoção
pedagogia do oprimido, como libertadora ou li- da Igualdade Racial (SEPPIR), reunindo sob seu
bertária. Ela escapa de enquadramentos, evita domínio um conjunto de ações voltadas para a
operar com dualismos, que acabam por manter população afrodescendente, com destaque para
a lógica da subordinação (LOURO, 2001). a atuação junto a comunidades quilombolas, no
campo da saúde da população negra e também
A ascensão da diversidade na na área do ensino de história e cultura afro-
política educacional brasileira -brasileira nas escolas. No mesmo ano, em 9
de janeiro, foi sancionada a Lei nº 10.639, que
A partir da década de 1990, a referência altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
à diversidade passou a ser cada vez mais pre- Nacional e introduz a obrigatoriedade da temá-
sente no contexto político brasileiro, motivada tica história e cultura afro-brasileira na educa-
pela pressão internacional de cumprimento dos ção básica.
acordos internacionais de combate às desigual- No que diz respeito à educação, em sin-
dades raciais, de gênero e outras, bem como por tonia com as metas e indicações no plano de
um contexto interno de intensas reivindicações. governo por um tratamento específico a deter-
O período de 1995-2002 corresponde à minados grupos em situação de discriminação
gestão de Fernando Henrique Cardoso e carac- no país, especialmente no que diz respeito ao
teriza-se pela consolidação das discussões sobre acesso e à permanência na educação, criou-
políticas focais, de combate à discriminação, ao -se em 2004, na estrutura do Ministério da
preconceito e ao racismo na esfera pública. No Educação, a Secretaria de Educação Continuada,
entanto, como exposto por Jaccoud e Beghin Alfabetização e Diversidade (SECAD).
(2002), o país carece de uma estratégia articu- A SECAD foi construída com a perspecti-
lada e orgânica de enfrentamento da questão. va de contribuir para essa mudança na política
As ações até então desenvolvidas são caracteri- pública: conseguir compatibilizar o conteúdo
zadas como fragmentadas, desordenadas e com universal da educação com o conteúdo parti-
baixa resolutividade. cularista e diferencialista de ações afirmativas
O contexto pós-Durban e a eleição de para grupos, regiões e recortes específicos; dar
Lula, construída em parceria com os movimen- conta, portanto, de colocar no centro da políti-
tos sociais, a partir de um plano de governo ca pública em educação o valor das diferenças
cujas metas contemplavam parte das reivindi- e da diversidade, com seus conteúdos étnico-
cações históricas de tais movimentos – como -racial, geracional, de pessoas com deficiência,
o movimento negro e de mulheres –, criou em de gênero, de orientação sexual, regional, reli-
2003 um cenário de muitas expectativas em re- gioso, cultural e ambiental.
lação a uma reorganização institucional e de De acordo com o levantamento das ações
políticas públicas que contemplassem as ques- desenvolvidas pelo MEC no período entre 2003
tões de gênero, raça, sexualidade e outras, exi- e 2006, verificamos um conjunto de dezeno-
gindo do Estado um tratamento focal das de- ve ações.5 No entanto, notou-se que as ações
sigualdades pensadas durante muito tempo de
5- Para a análise foram considerados: Programa Educação Inclusiva:
forma abstrata. direito à diversidade; Educação em Direitos Humanos; Projeto Milton
A partir de 2003, foram implementadas Santos de Acesso ao Ensino Superior; Programa Incluir; Programa
de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Indígenas (PROLIND);
algumas ações específicas que se coadunam Projetos Inovadores em Educação Indígena; Programa Conexões de
com as metas e os princípios apresentados no Saberes; UNIAFRO; Educação Quilombola; A cor da cultura; Fórum
26 Tatiane Cosentino RODRIGUES; Anete ABRAMOWICZ. O debate contemporâneo sobre a diversidade e a diferença...
amplo espectro que se denominou diversidade Análise semelhante é apresentada por
têm uma participação ínfima em relação ao to- Almeida (2011) no que diz respeito à política
tal do orçamento do MEC: menos de 1%. Isso nacional de direitos humanos. Segundo o au-
significa que as questões relativas à diversidade tor, ocorreu um esvaziamento do tema na esfera
permanecem sem financiamento efetivo para pública, associado ao predomínio de uma visão
reverter qualquer lógica. Estão contidas apenas economicista de gestão.
em um âmbito discursivo e abstrato de cultura/ Uma das principais apostas era quanto
diversidade/diferença. à inserção das 500 ações previstas no II Plano
Por fim, cabe uma análise da dotação Nacional de Direitos Humanos em metas defi-
orçamentária no ano inicial e no ano final do nidas no orçamento federal. Mas o que as aná-
primeiro Governo Lula. Vale a pena ressaltar lises de acompanhamento demonstraram é que,
que o primeiro ano ainda representa reflexo do na revisão do Plano Plurianual 2004-2007, sem
Governo FHC, pois a Lei Orçamentária Anual consulta aos atores civis, o governo revisou sua
(LOA) foi feita no Governo anterior. Os dados a política geral, suprimindo 30 programas dos 87
seguir demonstram qual foi a variação de 2003 voltados para a proteção dos direitos humanos.
a 2006, em termos reais, do orçamento total do Dos 57 programas mantidos, 17 tiveram me-
MEC e do orçamento da diversidade. nos de 10% da execução dos recursos previstos
(ALMEIDA, 2011).
Participação do orçamento da diversidade em relação ao
Por fim, é necessário ressaltar que os
orçamento total do MEC avanços e as mudanças empreendidas no perí-
odo analisado não podem ser desconsiderados,
2003 0,27%
especialmente porque se trata de uma política
2006 0,75%
em movimento e porque a análise de um proces-
so que estamos vivenciando impossibilita uma
Enquanto o orçamento do MEC apre- leitura e uma avaliação com distanciamento.
sentou uma queda de 2,7% em termos reais, o Um dos principais pontos positivos no
orçamento da diversidade cresceu 268,7%. Isso processo que denominamos ascensão da diversi-
demonstra uma mudança de intenção no trata- dade foi a abertura à possibilidade de participa-
mento da questão da diversidade de um gover- ção de grupos que até então não participavam da
no para o outro, algo que se esperava em rela- cena pública, bem como a pressão que tais gru-
ção ao governo Lula, o qual foi construído com pos exercem em prol de outros estilos, critérios e
relações estreitas com os movimentos sociais políticas na construção de outro Estado.
que reivindicavam incremento das políticas pú-
blicas voltadas para a questão da diversidade. Considerações
Apesar de uma variedade sem preceden-
tes de programas dirigidos ao enfrentamento Vale destacar, inicialmente, o esvazia-
dos problemas decorrentes do racismo e dire- mento da cultura como categoria analítica.
cionados para a diversidade, em termos gerais, Pois, ao compreendê-la como um dispositivo,
pode-se afirmar que faltaram coordenação in- pressupomos que ela opera por duas vias: uma
terministerial, coerência e comunicação entre produtiva, no sentido de construir sentidos e o
os programas, e que as responsabilidades aca- real; e outra como espaço utilizado pelas po-
baram encapsuladas na SECAD, na SEPPIR e líticas públicas, espaço que circunscreve a es-
na SPM. A defesa da diversidade e a luta pela fera do social e nela atua como um campo de
igualdade racial passaram a fazer parte da retó- contenção do caráter diruptivo que a diferença
rica do governo, mas ainda não foram, efetiva- anuncia, em sintonia com os movimentos so-
mente, elevadas ao status de política de Estado. ciais em geral. A cultura tem sido um campo
28 Tatiane Cosentino RODRIGUES; Anete ABRAMOWICZ. O debate contemporâneo sobre a diversidade e a diferença...
para efetivamente deslocar a temática do cam- pelo colonialismo. A reconfiguração de tal ética
po da retórica para o campo da ação pública. só é possível a partir desse espaço da diáspora,
Por fim, deve-se entender de que maneira numa retomada das linhas de gênero/raça/etnia
é possível alcançar a ética universal proposta pe- como diferença e não como diversidade, a qual
los interculturalistas, quando ela já foi rompida propôs um apagamento dessas mesmas linhas.
Referências
ABRAMOWICZ, Anete; RODRIGUES, Tatiane Cosentino; CRUZ, Ana Cristina Juvenal da. A diferença e a diversidade na educação.
Contemporânea: Revista de Sociologia da UFSCar, São Carlos, v. 2, p. 85-97, 2011.
ALMEIDA, Wellington Lourenço de. A estratégia de políticas públicas em direitos humanos no primeiro mandato Lula. Revista
Katálysis, v. 14, n. 2, jul./dez. 2011.
BRAH, Avtar. Cartografia de la diáspora: identidades en cuestión. Madrid: Traficantes de Sueños, 2011.
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis e Gláucia Renata Gonçalves. Belo
Horizonte: UFMG, 1998
CANEN, Ana. Educação multicultural, identidade nacional e pluralidade cultural: tensões e implicações curriculares. Cadernos
de Pesquisa, São Paulo, n. 111, 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
15742000000300007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 02 jul. 2008.
CANEN, Ana; FRANCO, Monique; OLIVEIRA, José Renato. Ética, multiculturalismo e educação: articulação possível? Revista
Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 13, 2000. Disponível em: <http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE13/RBDE13_
08_ESPACO_ABERTO_-_RENATO_ANA_E_MONIQUE.pdf>. Acesso em: 29 jun. 2008.
CONSORTE, Josildeth Gomes. Culturalismo e educação nos anos 50: o desafio da diversidade. Cadernos CEDES, Campinas, v.18,
n. 43, 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32621997000200003&lng=pt&nr
m=iso>. Acesso em: 29 jun. 2008.
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Tradução de Viviane Ribeiro. Bauru: EDUSC, 1999.
DÁVILA, Jerry. Diploma of whiteness: race and social policy in Brazil, 1917-1945. EUA: Duke University Press, 2003.
DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para
o século XXI. 3. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC/UNESCO, 1996.
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 51. ed. rev. São
Paulo: Global, 2006.
HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 22,
n. 2, p. 15-46, 1997.
INGLIS, Christine. Multicuturalism: new policy responses to diversity. Paris: United Nations Educational, Scientific and Cultural
Organization, 1996.
JACCOUD, Luciana B. de; BEGHIN, Nathalie. Um balanço da intervenção pública no enfrentamento das desigualdades
raciais no Brasil. Brasília: IPEA, 2002.
LOPES, Alice C., MACEDO, Elisabeth. Teorias de currículo. São Paulo: Cortez, 2011.
LOURO, Guacira L. Gênero, história e educação: construção e desconstrução. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2,
1995.
______. Teoria Queer: uma política pós-identitária para a educação. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 9, n. 2, 2001. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2001000200012&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 01
jul. 2008
MOEHLECKE, Sabrina. As políticas de diversidade na educação no governo Lula. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 137,
maio/ago. 2009.
MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa. A recente produção científica sobre currículo e multiculturalismo no Brasil (1995-2000):
avanços, desafios e tensões. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 18, 2001. Disponível em: <http://www.anped.
org.br/rbe/rbedigital/RBDE18/RBDE18_08_ANTONIO_FLAVIO_BARBOSA_MOREIRA.pdf>. Acesso em: 01 jul. 2008.
PARAÍSO, Marlucy A. Pesquisas pós-críticas em educação no Brasil: esboço de um mapa. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v.
34, n. 122, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742004000200002&lng=
pt&nrm=iso>. Acesso em: 01 jul. 2008.
RODRIGUES, Tatiane C. A ascensão da diversidade nas políticas educacionais contemporâneas. Tese (Doutorado em
Educação) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2011.
UNESCO. Unesco world report: investing in cultural diversity and intercultural dialogue, 2009.
Tatiane Cosentino Rodrigues é docente do Núcleo de Formação Docente da Universidade Federal de Pernambuco.
30 Tatiane Cosentino RODRIGUES; Anete ABRAMOWICZ. O debate contemporâneo sobre a diversidade e a diferença...