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A Proteção da Natureza no Brasil: evolução e conflitos de um modelo em


construção

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3 authors, including:

Irene Garay
Federal University of Rio de Janeiro
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Ano VI • Nº 9 • Semestral • Janeiro de 2004 • Salvador, BA

Departamento de Ciências Sociais Aplicadas


Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano
INDEXAÇÃO:

A Revista de Desenvolvimento Econômico – RDE é indexada por:

– GeoDados: Indexador de Geografia e Ciências Sociais < http//www.geodados.uem.br >


– Universidad Nacional Autónoma de México CLASE Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y
Humanidades: < http://www.dgbiblio.unam.mx >

A RDE foi classificada pelo QUALIS da CAPES como Nacional B pelas áreas de Planejamento Urbano e
Regional/Demografia (área do Programa responsável pela sua edição) e Arquitetura e Urbanismo.

Depósito legal junto à Biblioteca Nacional,


conforme decreto nº 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

Ficha Catalográfica – Sistema de Bibliotecas da Unifacs

RDE – Revista de Desenvolvimento Econômico. – Ano 1, n. 1, (nov. 1998).


– Salvador: Departamento de Ciências Sociais Aplicadas 2./ Uni-
versidade Salvador, 1998–

v.; 30 cm.
Semestral
ISSN 1516-1684

Ano 1, n. 1 (nov. 1998), Ano 1, n. 2 (jun. 1999), Ano 2, n. 3 (jan.


2000), Ano 3, n. 4 (jul. 2001), Ano 3, n. 5 (dez. 2001), Ano 4, n. 6 (jul.
2002), Ano 4, n. 7 (dez. 2002), Ano 5, n. 8 (jul. 2003), Ano 6, n. 9 (jan.
2004).

1. Economia – Periódicos. II. UNIFACS – Universidade Salvador –


UNIFACS.

CDD 330

Pede-se permuta
On demande l´échange
We ask for exchange
Pede-se canje
Si rischiede lo scambo
Mann bitted um austausch

2 Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO


A PROTEÇÃO DA NATUREZA NO
BRASIL: EVOLUÇÃO E CONFLITOS DE
UM MODELO EM CONSTRUÇÃO

Rodrigo Medeiros1 , Marta Irving2 e Irene Garay3

Resumo to management. A protectionistic antagônicas: a natureza a serviço do


No Brasil, a institucionalização polí- view in the legal and institutional homem ou o homem subordinado a
tica e administrativa da proteção da apparatus only began to be consoli- ela? Em síntese, a natureza como
natureza se processou de forma len- dated throughout the Republic externalidade ou internalidade?
ta e gradual, se consolidando somen- which favored the creation of several Ora,em que medida a evolução e o
te na primeira metade do século XX. protected areas all over the country. debate político incorporam ou supe-
Enquanto nos períodos colonial e Such consolidation and evolution as ram esse antagonismo e, ainda,
imperial a visão predominante de we analyze and discuss in this work como o traduzem operacionalmente?
proteção era tipicamente gerencial é were results of different facts and Questões à base, elas perpassam
somente na República que se inicia circumstances, among them: a) the os principais aspectos envolvidos
um processo de consolidação de um strengthening and equipment of the numa prática, socialmente definida
ideário protecionista no aparato jurí- State; b) the participation and in- e normatizada como proteção da na-
dico-legal e institucional brasileiro fluence of different segments of the tureza, que o presente trabalho visa
que favoreceu a criação de áreas pro- society; c) the international context. apresentar e discutir focalizada no
tegidas no país. Tal consolidação e caso brasileiro.
evolução, grosso modo, como se pro- Key words: Protected areas; Conser- No escopo aqui proposto, a pro-
cura analisar e discutir neste traba- vation units; Environmental policy; blemática central “proteção da na-
lho, foi decorrência de uma série de Public policies; Geopolitic. tureza” se congrega essencialmente
fatos e circunstâncias, dentre eles: a) em torno do referencial “área prote-
o fortalecimento e aparelhamento do gida” que representa, hoje, uma das
Estado; b) a participação e influência
Introdução principais estratégias de conserva-
de diferentes segmentos da socieda- A proteção da natureza tem se ção. Área protegida que, no presente
de; c) o contexto internacional. constituído em um dos desafios mais contexto, define-se como “uma área
antigos das sociedades humanas terrestre e/ou marinha especialmen-
Palavras-chave: Áreas protegidas; cuja premência se acentua nos dias te dedicada à proteção e manuten-
Unidades de conservação; Política de hoje. No entanto, a rede comple- ção da diversidade biológica e dos
ambiental; Políticas públicas; Geo- xa de motivações e contradições se recursos naturais e culturais associ-
política. exprime num apaixonante jogo, ali- ados, manejados através de instru-
ás de difícil solução, que se resume mentos legais ou outros instrumen-
Abstract em abordagens com perspectivas tos efetivos” (IUCN, 1984).
In Brazil, the political and admi-
nistrative institutionalization of the 1
Doutor em Geografia. Pesquisador do Laboratório de Gestão da Biodiversidade e do Núcleo de
nature protection occurred in a slow Ciências Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: medeiros@bio-
logia.ufrj.br.
and gradual way, with its consoli-
2
dation in the first half of the XXth Doutora em Ecologia. Professora do Instituto de Biologia da UFRJ/Laboratório de Gestão da
Biodiversidade. Pesquisadora Convidada no Depto. de Ecologia e Gestão da Biodiversidade
century. The predominant vision of do Museu Nacional de História Natural de Paris (França). E-mail: mirving@mandic.com.br.
protection, during the colonial and 3
Doutora em Oceanografia. Professora do Instituto de Psicologia/Programa EICOS. E-mail:
imperial periods, was tipically turns garay@biologia.ufrj.br.

RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA 83


Para nortear a análise desta pro- maioria dos Estados imperialistas sileiro, que pregava a criação de áre-
blemática e ponderar a sua comple- europeus e suas colônias -, todas as as protegidas para a preservação da
xidade, optou-se ainda por uma nar- iniciativas estavam focadas, em ge- natureza – uma tendência interna-
rativa essencialmente historiográfi- ral, sobre a proteção de recursos cional - encontrou terreno fértil.
ca, estabelecendo os contrapontos e renováveis de reconhecida relevân- A consolidação deste novo ideá-
debates pertinentes, a fim de possi- cia econômica, principalmente, ma- rio de desenvolvimento para o Bra-
bilitar uma interpretação seqüencial deira para a construção civil e naval sil ficou registrada na segunda cons-
de como esta prática surgiu e se con- e minérios. Todavia, essa prática era tituição republicana brasileira de
solidou no cenário brasileiro. exercida de maneira incipiente e de- 1934. Nela, pela primeira vez, a pro-
É importante enfatizar que este sarticulada, por meio de poucos ins- teção da natureza figurava como um
trabalho representa, além uma sín- trumentos legais, por vezes sem princípio básico para o qual deveri-
tese, um convite à reflexão sem pre- vinculação a uma política de Estado am concorrer o Governo Federal, Es-
tender esgotar debates e desdobra- ou mesmo a uma estratégia geral cla- tados e municípios. Em seu texto fi-
mentos portanto essenciais à com- ra e definida. cou definida como responsabilida-
preensão do rol das áreas protegi- Por fim, no século XX, a década de da União “proteger belezas natu-
das para a proteção da natureza em de 30 representa um marco haja vista rais e monumentos de valor históri-
território brasileiro. da criação de um conjunto mais am- co e artístico”4.
plo de instrumentos legais e de uma Com a incorporação na Consti-
estrutura administrativa no aparelho tuição de 1934 de um ideário que
A Construção de um do Estado voltada especificamente outorgava à natureza um novo va-
Modelo Brasileiro de Áreas para a gestão das áreas protegidas. lor, i. e., ela passa a ser considerada
Protegidas Estes avanços institucionais, aconte- como patrimônio nacional a ser pre-
cidos cerca de 40 anos após a procla- servado, sua proteção ganha um
O Brasil, país de megadiversi- mação da República, se processaram novo status na política nacional, con-
dade biológica, é portanto conside- precisamente em função de um cená- sistindo em tarefa ou dever a serem
rado país estratégico no âmbito dos rio favorável marcado por uma im- cumpridos e fiscalizados pelo poder
desdobramentos da Convenção da portante mudança no quadro políti- público. Desta forma, proteger a na-
Diversidade Biológica. Contudo, o co e social brasileiro até então domi- tureza entra definitivamente na
processo de elaboração e definição nado pelas elites rurais pois, com a agenda governamental brasileira,
de uma política para os espaços Revolução de 30, inicia-se o processo passando a configurar um objetivo
territoriais considerados de alto va- de transição do país para um cenário complementar da política de desen-
lor em recursos renováveis é de fato dominado pela industrialização e volvimento nacional.
muito recente. urbanização crescentes, principal- Com conseqüência disto, ainda
Durante os seus mais de 500 anos mente na região sudeste (CUNHA & em 1934, os principais dispositivos
de existência, o país passou por di- COELHO, 2003). Na esteira das mu- legais de proteção da natureza, que
ferentes formas de administração danças em curso, a questão ambien- levariam inclusive à criação dos pri-
política – colônia portuguesa entre tal se impôs na agenda de reformas meiros Parques Nacionais, são cria-
os séculos XVI e XVIII, um curto que visaram o fortalecimento do Es- dos no Brasil. Entre eles destacam-
Império monárquico do século XVII tado e de suas instituições, sendo in- se o Código Florestal (1934), o Códi-
ao XIX e, finalmente, República Fe- corporada no aparato jurídico e go de Caça e Pesca (1934), Código de
derativa a partir do final do século institucional brasileiro. Águas (1934) e o Decreto de Prote-
XIX - experimentando diversas es- Um fator preponderante foi, sem ção dos Animais (1934).
tratégias de apropriação e gestão dos dúvida, o ambiente político propício De todos eles, o Código Florestal
seus recursos renováveis. ao processo de modernização que se tornou um dos mais importantes
Porém, a instituição de áreas pro- caracterizou o país nessa época. A instrumentos da política de proteção
tegidas, que é entendida como a deli- partir dos anos 30, com Getúlio da natureza da época, pois definiu,
mitação de parcelas do território nacio- Vargas, diversas estratégias políti- em bases sólidas e concretas, um pro-
nal para a preservação e/ou conservação cas foram adotadas com o intuito de jeto brasileiro com este enfoque. Além
da natureza, pelo ou com o aval do Esta- colocar o Brasil rumo à moderni- disso, o Código Florestal está cultu-
do, foi um fenômeno típico do perío- dade: novas leis trabalhistas, incen- ral e historicamente relacionado à
do republicano, sobretudo no decor- tivos à industrialização e à expan- tradição brasileira de proteção da
rer do século XX. Antes disso, nos são e ocupação do oeste brasileiro natureza, uma vez que nele são esta-
períodos Colonial e Imperial, tal ditaram o ritmo das mudanças. Nes- belecidos, pela primeira vez, os crité-
como vinha ocorrendo em outras te cenário de ambiciosas transforma-
4
partes do mundo - notadamente na ções, o movimento ambientalista bra- Capítulo I, artigo 10.

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rios para a proteção dos principais Tabela 1: Categorias de Manejo e dispositivos legais com relação à
ecossistemas florestais e demais for- criação de Áreas Protegidas no Brasil, anteriormente ao Sistema
mas de vegetação naturais do país Nacional de Unidades de Conservação em 2000 (Lei 9985/2000) .
além de introduzir a idéia de catego-
rias de manejo em função dos objeti-
vos e finalidades da área criada 5
(MEDEIROS, 2003). A partir dele hou-
ve, portanto, um cenário favorável
para a formalização da criação dos
primeiros Parques e Florestas Nacio-
nais do Brasil, o que ocorreu três anos
mais tarde, em 1937, com a criação
do Parque Nacional de Itatiaia.
A tradição brasileira de criação
de espaços protegidos seguindo a
lógica da categorização em função
dos objetivos e finalidades da área
criada, estabelecida pelo Código Flo- tão bem definidas - genericamente sos biológicos cuja exploração é in-
restal de 1934, foi uma de suas he- denominadas de Unidades de Con- terdita, quanto para conter os exces-
ranças mais importante. Todos os servação (UCs) - e que fazem parte sos na exploração e ocupação em
instrumentos legais de proteção pos- do SNUC (Lei 9985/00); e b) espaços áreas de vegetação nativa. Tal prin-
teriores, apesar de criados segundo protegidos através de instrumentos cípio se mantém efetivo, até a atuali-
dinâmicas e contextos específicos, legais pelos seus atributos e serviços, dade, na política de proteção brasi-
seguiram essa mesma tendência, o sobretudo ecológicos, mas sem uma leira e é uma de suas principais mar-
que resultou, no país, em quase uma prévia delimitação territorial (como cas, como discutiremos em maiores
dezena de dispositivos voltados a ocorre no caso anterior) – as Áreas detalhes a seguir.
criação de tipologias distintas de de Preservação Permanente (APPs) Porém, antes disso é preciso ain-
espaços protegidos (Tabela 1). e as Reservas Legais (RL) – incluí- da salientar que, em certa medida, a
Como conseqüência, instituiu-se das na segunda versão do Código iniciativa brasileira de institucionali-
no país até o início dos anos 90, um Florestal de 1965 (Lei 4771/65). zação do tema de criação e gestão de
sistema de criação de áreas protegi- Tal distinção, deriva de uma idéia áreas protegidas se inseriu e foi pres-
das complexo e desarticulado, cuja presente, desde o primeiro Código sionada pelo crescente movimento
conseqüência mais perversa era a sua Florestal de 1934, reforçada na ver- internacional de criação de Parque
precária gestão, com enorme desper- são de 1965, a qual enfatiza que, no Nacionais, segundo a ideologia
dício de recursos e oportunidades. Pais, a proteção da natureza seria preservacionista de proteção do
Esta situação fez com que, a par- tarefa ou função executada solidari- “wilderness” que, iniciada nos Es-
tir do final dos anos 70, se iniciasse amente entre o Estado e a sociedade. tados Unidos da América, no final
uma reflexão sobre a necessidade de Desta forma, caberia, não somente ao do século XIX, já havia influenciado
concepção de um sistema mais inte- Estado, instituir áreas protegidas sob outros países da América Latina, vi-
grado para a criação e o gerencia- sua gestão em território estritamente zinhos ao Brasil, como a Argentina
mento das áreas protegidas. Entre- de domínio público ou em áreas por (1903) e o Chile (1927).
tanto, esse sistema só se efetivou ele adquiridas, materializadas inici- Entretanto, apesar de inspirado
aproximadamente 20 anos mais tar- almente sob a forma de Parques Na- nestas iniciativas e integrado ao es-
de, em 2000, com a aprovação da Lei cionais e Florestas Nacionais e, em forço global de diversos países das
9985/2000, que instituiu o Sistema seguida, pelas diversas outras cate- Américas de criação de áreas prote-
Nacional de Unidades de Conserva- gorias de manejo criadas. Mas essa gidas, o modelo de proteção desen-
ção da Natureza (SNUC). responsabilidade caberia também ao volvido no Brasil não se resumiu à
O resultado prático deste proces- conjunto da sociedade, nas áreas de “cópia” do modelo norte-americano,
so de construção resultou, hoje, num domínio privado, onde a proteção se como alguns autores pretenderam
modelo brasileiro que é composto fizesse necessária, justificada tanto demonstrar6. Em grande parte, isto
basicamente por duas tipologias dis- pela presença de sistemas e recur- se deu em resposta a diversos fato-
tintas de espaços destinados à prote- 5
O Código Florestal de 1934, declarava de “interesse comum a todos os habitantes do país” o
ção dos recursos naturais: a) as áreas conjunto das florestas existentes e demais formas de vegetação, classificando-as em quatro
protegidas territorialmente demar- categorias: protetoras, remanescentes, modelo e de rendimento.
6
cadas e com dinâmicas de uso e ges- Entre eles destacam-se Diegues (2001), Ribeiro (2001) entre outros

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res, dos quais podem ser destacados: nais). Uma outra característica im- uma expansão do sistema, quantita-
1) a lógica da conservação e uso, com portante do modelo brasileiro, já nes- tivamente, em termos do número de
participação da sociedade civil, pa- ta fase, é que este vislumbrava o novas áreas criadas e, qualitativa-
ralela à lógica da preservação; 2) a compartilhamento entre o poder pú- mente, com relação a novas catego-
preservação – conservação como ins- blico e a sociedade, na responsabili- rias de manejo, atingindo assim di-
trumento geopolítico e, por fim, 3) a dade pela proteção dos recursos ferentes regiões e biomas, segundo
necessidade de adequar o sistema de renováveis. Esta concepção se conso- as suas singularidades e demandas.
áreas protegidas à dimensão conti- lidou, inicialmente, pela figura jurí- Com isto, novas categorias de mane-
nental, pluri-cultural e megadiversa dica das Reservas Legais, instituída jo, que não encontram equivalentes
do Brasil. Como corolário emerge um pelo novo Código Florestal de 1965 e, em outros países, acabaram sendo
modelo caracterizado pela diversi- em vigor até os dias atuais. As Reser- criadas. Neste sentido, a diversida-
dade de tipos de áreas protegidas, vas Legais, que representam porcen- de de biomas que se distribui pelo
que é inclusive um instrumento tagens definidas das propriedades território brasileiro, em termos de
geopolítico e que se expande ainda privadas para a proteção dos recur- biodiversidade e sócio-diversidade,
hoje por conta da singularidade do sos renováveis, compulsoriamente contribuiu para conformar o atual
País. determinadas pelo Estado, deve ter, mapa brasileiro de proteção dos re-
em tese, a sua manutenção garantida cursos renováveis, tornando-o úni-
1) Uma lógica diversificada de pelos proprietários das terras onde co e singular e, estabelecendo eixos
preservação – conservação elas se encontram. Nessa seqüência, e tendências prioritários. A Mata
Em sua gênese, o modelo brasi- somente muitos anos mais tarde, a Atlântica, recobrindo boa parte das
leiro já expressava, desde seu primei- criação das denominadas Reservas regiões nordeste, sudeste e sul, foi o
ro instrumento legal, o Código Flo- Particulares de Patrimônio Natural primeiro grande eixo nacional de
restal de 1934, a idéia de criação de (RPPN’s) viria a estabelecer que a proteção dos recursos renováveis,
espaços protegidos que atendessem “proteção privada” também pode se basicamente em função de sua his-
aos objetivos não só de preservação realizar, de maneira voluntária, pela tória de devastação. Mas, sem dúvi-
dos recursos renováveis, tal como sociedade com o reconhecimento do da, a Floresta Amazônica, este imen-
privilegiava o modelo norte ameri- Estado. so cobertor verde de floresta tropical
cano, mas também vinculados à sua sobre a região norte, ponto focal de
conservação, englobando já a pers- 2) A conotação geopolítica disputas e valorização internacio-
pectiva de uso sustentável. Neste Um outro fator importante é que nal, se consolidou como eixo princi-
sentido, o modelo em evolução no o país passou por diversas mudan- pal das intervenções de proteção
país não rompia totalmente os laços ças políticas e sociais que alteraram adotadas no país, pós década de 70,
que o ligavam a uma noção de prote- a política de proteção dos recursos e tem atraído os principais investi-
ção mais voltada ao manejo dos re- renováveis, condicionando-a a ou- mentos externos até o momento.
cursos, típica daquela criada pelos tros interesses internos, subordina-
Estados Europeus e exportada para dos principalmente ao Estado. Nes-
as suas colônias. Isso aconteceu, te sentido, a proteção da natureza As duas faces do processo de
uma vez que grande parte da comu- adquiriu uma forte conotação geopo- proteção no Brasil: as
nidade intelectual brasileira, tanto lítica, sobretudo durante os 20 anos Unidades de Conservação e
no período colonial quanto imperi- em que o país viveu sob uma ditadu- as Áreas de Preservação
al, como aponta Pádua (2002), teve ra militar (1964-1984). Durante este Permanente/Reservas Legais
sua formação em escolas européias, período, o expediente de criação de
sobretudo em Portugal (Lisboa e áreas protegidas compôs o instru- A terminologia “Unidades de
Coimbra) e na França (Paris). Em mental estratégico utilizado pelo Conservação” vem sendo historica-
função deste contexto, a instituição Estado nas ações de expansão, mente utilizada no Brasil para de-
de espaços protegidos que se inicia- integração e controle do território signar todas as diferentes áreas pro-
va no país, contemplava duas tradi- nacional. tegidas criadas no país, à exceção de
ções distintas: uma, na qual os re- terras indígenas, seja pelo Poder
cursos renováveis poderiam ser ex- 3) A singularidade territorial, Público ou pela sociedade civil, para
plorados sob a concessão e controle biológica e sócio-cultural atender aos objetivos específicos da
do Estado (Florestas Nacionais), e Finalmente, dadas às dimensões proteção dos recursos renováveis.
outra, que privilegiava a noção de continentais e à grande heteroge- Mas, apenas recentemente, através
uma natureza sacralizada e “into- neidade espacial, ecológica e cultu- da Lei 9985 de 2000, essa terminolo-
cada”, que deveria ser mantida sob ral do país, o modelo brasileiro foi gia teve a sua conceituação legal de-
proteção do Estado (Parques Nacio- pressionado, progressivamente, a finitivamente estabelecida. Conside-

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rando as especificidades das diferen- Tabela 2: Tipologias e Categorias de Unidades de Conservação Previstas
tes categorias de manejo – Parques pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei 9985/2000) -
Nacionais, Reservas Biológicas, Áre- SNUC, 2000
as de Proteção Ambiental, Florestas
Nacionais, entre outras – o princi-
pal objetivo das designadas Unida-
des de Conservação é a instituição
de uma nova dinâmica de proteção
territorial nos espaços destinados à
sua implementação, no processo que
vai desde a sua criação/delimitação
até a sua gestão. Portanto, as Unida-
des de Conservação constituem uma
terceira via de percepção e apropria-
ção do espaço pela sociedade. A par- em dois grandes grupos: as Unida- apresenta as tipologias e categorias
tir dessa lógica, juntamente à dinâ- des de Conservação de Proteção In- de manejo previstas atualmente pelo
mica do “espaço urbano” e do “es- tegral e as Unidades de Conserva- Sistema Nacional de Unidades de
paço rural/agrícola”, soma-se ou ção de Uso Sustentável, o que mais Conservação.
acomoda-se o espaço natural espe- uma vez ilustra a integração de per- Por outro lado, as denominadas
cialmente protegido pelo Estado. Isto cepções distintas da sociedade com Áreas de Preservação Permanente e
ocorre, como argumenta Derani relação ao significado da natureza: as Reservas Legais, como anterior-
(2001:240), porque “onde há unida- a percepção e a ideologia dos deno- mente discutido, não se enquadram
de de conservação, ou não há urba- minados “preservacionistas”, inspi- nas tipologias de Unidades de Con-
nização ou agricultura (unidades de rada na intocabilidade dos recur- servação previstas no SNUC pois
proteção integral), ou estas ativida- sos renováveis e, a concepção de in- respondem a uma dinâmica de ges-
des antrópicas submetem-se a limi- clusão social na gestão das áreas tão diferente e foram instituídas por
tes e zoneamentos específicos (uni- protegidas, originária do grupo dos um outro instrumento legal, o Códi-
dades de uso sustentável)”. denominados “socioambientalis- go Florestal de 1965.
Inicialmente objeto de diferentes tas” (ver IRVING, op. cit.). Inúmeras vezes modificado atra-
leis, criadas em distintos momentos Pelo SNUC são previstas 12 cate- vés de emendas e medidas provisóri-
como resposta às demandas nacio- gorias de manejo distintas: – cinco de as, o Código Florestal foi um instru-
nal e internacional de proteção, as Proteção Integral e sete de Uso Sus- mento criado com o objetivo de esta-
categorias de manejo de Unidades tentável. A responsabilidade pela cri- belecer os marcos regulatórios da ex-
de Conservação foram, em 2000, re- ação, manutenção e gestão destas ploração dos recursos florestais em
conceituadas, agrupadas e apresen- áreas é realizada majoritariamente solo brasileiro. Entretanto, seguindo
tadas segundo uma visão estratégi- pela União, através do Governo Fe- uma tradição já iniciada em outros
ca e sistêmica, dirigida à gestão, em deral, estados e municípios (11 das países, ele também trata da proteção
um único instrumento legal, o “Sis- 12 categorias existentes atualmente), destes recursos e dos espaços onde
tema Nacional de Unidades de Con- mas pode ser exercida voluntaria- os mesmos ocorrem, em determina-
servação da Natureza (SNUC)”, re- mente pela sociedade civil, através das circunstâncias, e em função de
sultado de aproximadamente dez das Reservas Particulares do Patri- alguns atributos específicos. No tex-
anos de discussões entre governo e mônio Natural – RPPNs. Entretanto, to de 19658, as “Áreas de Preserva-
sociedade, conforme discute Irving é importante salientar que a criação ção Permanente” e as “Reservas Le-
(2002). Segundo o SNUC, o princi- de novas categorias de manejo é tam- gais” são definidas como instrumen-
pal objetivo das Unidades de Con- bém garantida no texto do SNUC, que tos de proteção das “florestas existen-
servação é atender, de maneira pre- reconhece, inclusive, aquelas criadas tes no território nacional e as demais
cisa, a determinados imperativos da por estados e municípios, através de formas de vegetação, reconhecidas de
proteção como, por exemplo, a pro- legislações específicas. A Tabela 2 utilidade às terras que revestem”.
teção de ecossistemas e espécies
7
ameaçadas de extinção ou ainda de São comuns as dissonâncias no emprego dos termos “proteção”, “conservação” e “preserva-
ção” quando aplicados à questão das áreas protegidas. Enquanto “proteção” deve ser emprega-
paisagens singulares, contemplan- do como um conceito integrador e agrupador de diversas práticas e estratégias voltadas para
do estratégias tanto de preservação a criação e implementação de espaços protegidos que gozam de um regime especial de uso e
quanto de conservação7. demarcação, “conservação” e “preservação” são entendidas como estratégias diferenciadas de
proteção dos recursos naturais, visando exatamente estabelecer a práxis da proteção - (parcial,
O SNUC divide as Unidades de no primeiro caso e, integral, no segundo).
Conservação no território nacional, 8
Artigos 1°, 2°, 16 e 44.

RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA 87


Porém, diferentemente de uma
Unidade de Conservação, que prevê
a intervenção sobre um espaço pre-
viamente delimitado e definido, com
uso e fins específicos, visando a sua
proteção através de um ato do Poder
Público (lei, decreto, etc), as Áreas de
Preservação Permanente e as Reser-
vas Legais são decorrentes de um
único instrumento legal, que colocou
sob um regime de intocabilidade
grandes parcelas do território brasi-
leiro. Estas áreas são conceitualmen-
te aquelas que ocorrem nas margens
de cursos d’água, lagos, lagoas, re-
servatórios, montes e encostas (Áre-
as de Preservação Permanente), ou
que consistem em parcelas (expres-
sas em percentuais por bioma) de
floresta nativa9, presentes no interi- Figura 1: Esquema da proteção pública e privada no Brasil em resposta
or de propriedades privadas e que aos dois principais dispositivos legais (Código Florestal e Sistema
têm o corte e a exploração limitados Nacional de Unidades de Conservação)
(Reserva Legal). Toda a área que
tipifica essas condições, segundo o
ria constituíam áreas públicas, o gais – o SNUC (Lei 9985/2000) e o
Código Florestal, tem seu uso direto
Poder Público impôs à sociedade, a Código Florestal (Lei 4771/1965) –
interditado pelo Poder Público, não
proteção da natureza através de es- apesar da existência de diversos ou-
havendo a necessidade de nenhum
paços territoriais de domínio priva- tros dispositivos legais que tratam
outro instrumento normativo espe-
do, através das Reservas Legais, pe- da proteção dos recursos renováveis
cífico para sua instituição. Os objeti-
las quais os proprietários de terra e da gestão ambiental que devem ser
vos desta iniciativa eram prioritaria-
são obrigados a manter preservados, também considerados relevantes no
mente assegurar que não houvesse
no mínimo10 50% de suas proprie- cumprimento desta função.
a sobre-exploração do recurso ma-
dades (nas regiões Norte e parte da Dentre eles, chama a atenção a
deireiro ou a substituição de ecossis-
Centro-Oeste)11, e 20%, no restante questão das Áreas Indígenas brasi-
temas ou biomas originais por áreas
do país12. No total, a sua abrangência leiras que estão subordinadas a um
de pasto ou cultivo, sobretudo em
geográfica, em termos quantitativos, outro arcabouço legal e institucional.
áreas críticas para a manutenção de
acaba sendo, em teoria, muito maior Atualmente recobrindo cerca de 12%
estoques de água e a integridade dos
do que o total do território protegido do território nacional (20% se consi-
solos, e também garantir a preserva-
sob a forma de Unidades de Conser- derada apenas a Amazônia), estas
ção de significativas parcelas territo-
vação. áreas não estão integradas formal-
riais dos diversos biomas existentes
Assim, conforme esquematizado mente à política de proteção da na-
no Brasil.
na Figura 1, pode-se afirmar que o tureza expressa pelo Sistema Nacio-
Do ponto de vista preventivo ou
modelo atual de proteção da nature- nal de Unidades de Conservação,
da precaução, o Código Florestal, em
za, no Brasil, está praticamente apesar de sua inegável contribuição
tese, parece ter representado um bom
centrado nestes dois dispositivos le- nesse sentido.
instrumento para a preservação de
biomas relevantes, já que colocou e
vem mantendo sob proteção integral 9
Para fins de melhor diferenciação, no texto do Código Florestal de 1965, a idéia de floresta
e permanente significativa parcela nativa é colocada apenas como contraposição às florestas plantadas ou cultivadas para o
corte de madeira.
do território nacional. No entanto,
10
ele tem sido alvo de inúmeras dis- Estes valores são os que constam no texto original da Lei que institui o Código Florestal em
1965 e são sistematicamente alterados por medida provisória pelo governo em resposta a
cussões pela sociedade brasileira, diferentes pressões – como exemplo, a dos ruralistas, que sistematicamente buscam sua
uma vez que afeta diretamente a di- diminuição e, a dos ambientalistas, que frente aos crescentes índices de desmatamento
em determinadas regiões, militam pelo seu aumento.
nâmica das áreas produtivas.
11
Assim, além das Áreas de Preser- Leia-se Floresta Amazônica.
12
vação Permanente, que em sua maio- Leia-se Floresta Atlântica, Cerrado, Caatinga e os Campos Sulinos.

88 Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO


Figura 2: Evolução da área acumulada das Unidades de Conservação por tipo de uso por quinqüênio.

O Mapa da Proteção no em torno de 6% do território, sendo, domínio privado, registradas sob a


Brasil portanto, a parcela mais significati- forma de RPPNs, que hoje somam
va do atual patrimônio nacional efe- cerca de 300 unidades, representam
Desde a criação da primeira Uni- tivamente protegido sob a forma de ainda uma pequena porcentagem
dade de Conservação federal no Bra- Unidades de Conservação (Tabela deste total mas tendem a um aumen-
sil, após um longo período de dis- 3). As Unidades de Conservação de to progressivo.
cussão e de frustradas tentativas em
anos anteriores, a instituição destes Tabela 3: Número e área total (ha) de Unidades de
espaços passou a se tornar uma es- Conservação Federais criadas no Brasil segundo a tipologia
tratégia contínua e crescente, confor- de uso e as categorias de manejo1
me ilustrado pela Figura 2. Na atua-
lidade, não há uma só unidade da
federação que não possua uma área
protegida legalmente instituída pelo
Poder Público.
Coube essencialmente ao Estado
a tarefa de criar e implementar áreas
protegidas no país. Atualmente, se-
gundo as estimativas mais recentes
(IBAMA, 2003a), o total de Unida-
des de Conservação apenas sob con-
trole e gestão do Poder Público (fe-
deral, estadual ou municipal) reco-
bre o equivalente a cerca de 8% do
território nacional. As Unidades de
Fonte: Diretoria de Ecossistemas do IBAMA, dados atualizados em 15/06/2004
Conservação federais, que somam 1
Classificação segundo o SNUC, 2000; 2 área expressa em hectares. As sobreposições entre as UCs
256 áreas protegidas, correspondem foram processadas incluindo-as na categoria de maior restrição; 3 baseia-se na malha municipal
a mais de 85% deste total, ou seja, digital do Brasil de 1996, fornecida pelo IBGE. Não inclui ilhas oceânicas.

RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA 89


Entretanto, a maior extensão do na com a instituição do primeiro 6938/81), que estabelece um Siste-
território dirigida à proteção dos re- Parque Nacional do país em Itati- ma Nacional de Meio Ambiente
cursos renováveis, de domínio pú- aia/RJ, sinaliza um marco institu- (SISNAMA) e cria a figura do Con-
blico ou privado no país, expressa cional. Como conseqüência, outras selho Nacional de Meio Ambiente
pelas Reservas Legais e Áreas de Unidades de Conservação são gra- (CONAMA), com participação pre-
Preservação Permanente, não está dativamente criadas no país. Esta vista da sociedade civil.
quantificada ou sistematizada com evolução ocorre, basicamente, em
precisão13, nem tampouco dispõe de resposta aos movimentos que, des- c) O período pós 1985
um sistema de gestão ou monitora- de o período imperial, se mobilizam A redemocratização do país, a
mento integrado, à exceção de algu- em torno da defesa de biomas, partir de 1985, e a posterior crise do
mas experiências pontuais, como é notadamente a Mata Atlântica, de- Estado brasileiro, originaram uma
o caso do Estado de Mato Grosso e gradados pelo processo de coloniza- nova fase de expansão e re-estrutu-
outros da Amazônia Legal, que vem ção e ameaçados pelo avanço do es- ração da questão ligada à proteção
desenvolvendo esforços para o paço urbano e rural. Estes movimen- da natureza no país, com uma ten-
mapeamento e controle de desmata- tos, liderados por personalidades dência clara à “simplificação” da
mento em Reservas Legais. Uma con- públicas, políticas e a elite científica política, mas com alguns avanços
seqüência perversa dessa dinâmica da época, apóia-se no movimento evidentes: i) a nova Constituição Bra-
é que os ecossistemas que se encon- internacional de criação de áreas sileira (1988), com um capítulo es-
tram nestas áreas, e não são protegi- protegidas e seus discursos tradici- pecificamente dirigido à temática
dos através da existência formal de onais. Contudo, sua expansão pelo ambiental; ii) a criação de um único
uma Unidade de Conservação, são território é limitada e fortemente con- órgão vinculado ao Estado para
os que mais sofrem com a degrada- centrada no eixo sul-sudeste. implementação e administração das
ção, desmatamento, extinção de es- áreas protegidas (IBAMA); iii) o up
pécies e fragmentação. Esses espa- b) O período que compreende a grade da temática ambiental sob a
ços certamente deverão ser melhor ditadura militar (1964-1984) ótica político-institucional, através
incorporados às Políticas Públicas, É sobretudo na década de 70, da criação do Ministério do Meio
principalmente no âmbito da Políti- quando os instrumentos políticos Ambiente (MMA); iv) a criação de
ca Nacional de Áreas Protegidas, em criados no período anterior são revi- um sistema integrado de áreas pro-
construção no país. sados e outros novos são instituídos. tegidas (SNUC), em 2000, com o ob-
A criação de novas áreas protegidas jetivo simultâneo de reduzir as
toma uma dimensão nacional, fruto sobreposições e antagonismos da
Marcos históricos da da estratégia do Estado de integrar e política anterior mas também expan-
construção de áreas desenvolver todas as regiões do país. dir os objetivos da proteção. Neste
protegidas e debate atual Nesta fase, a proteção dos recursos cenário, cresce a participação dos
renováveis adquire um sentido geo- movimentos ambientalistas - nacio-
Na lógica da retrospectiva para a político mais intenso, já que a cria- nais e transnacionais - na vida polí-
projeção de cenários futuros, de ma- ção de áreas protegidas é de forma tica nacional que, progressivamente
neira resumida e em linhas gerais, a recorrente utilizada e justificada pelo se tornam importantes agentes, tan-
materialização das áreas protegidas Estado nas ações de controle do ter- to no planejamento quanto na exe-
no território brasileiro se expressou ritório. Este período marca também cução e gerenciamento de ações vol-
como o resultado de um longo e len- a criação de organismos governa- tadas à política de proteção dos re-
to processo de aparelhamento e mentais, i. e., o Instituto Brasileiro de cursos renováveis. A cooperação
estruturação do Estado, o que con- Desenvolvimento Florestal e a Secre- internacional adquire nova face e se
duziu ao gradativo desenvolvimen- taria de Meio Ambiente, instituídos fortalece através de programas e pro-
to de uma Política Pública voltada especificamente para implementar e jetos bilaterais ou multilaterais de
para a proteção da natureza. Esta gerir a política ambiental. A crescen- desenvolvimento, num primeiro
política teve pelo menos três momen- te mobilização internacional em tor- momento, e de conservação de recur-
tos marcantes: a) a década de 30, b) o no da questão ambiental, que se re- sos renováveis, posteriormente, atra-
período da ditadura militar (1964- flete no país, é também um impor- vés da negociação de complexos pro-
1984), c) o período pós 1985. tante ponto de pressão. Ironicamen- jetos/programas, entre os quais po-
te, nessa fase, se estrutura a Política dem ser citados o Plano de Desen-
a) A década de 30 Nacional de Meio Ambiente (Lei volvimento Agroambiental de Mato
O surgimento dos primeiros ins-
trumentos legais voltados para a cri- 13
Pelas informações disponíveis é possível estimar que elas recubram cerca de 30% do
ação de áreas protegidas, que culmi- território

90 Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO


Quadro 1: Síntese do processo político-institucional de construção e consolidação da política brasileira de
proteção da natureza

Grosso (PRODEAGRO), o Plano de mas ambientais, sustentada em pes- ticas ambientais e ganham “interlo-
Desenvolvimento Florestal de Ron- quisas realizadas por diferentes gru- cutores” capazes de gerar uma forte
dônia, o Projeto de Desenvolvimen- pos de cientistas, contribui para o influência sobre os processos decisó-
to Turístico do Nordeste (PRODE- surgimento de uma nova “ordem rios. No Brasil, tais organizações
TUR), o Programa Piloto para a Pro- ambiental”, pós década de 70, que começam a adquirir um relevante
teção de Florestas Tropicais (PPG7) impõe uma agenda ambiental pla- espaço de atuação a partir da déca-
e, mais recentemente, o Projeto ARPA netária, que se sobrepõe aos interes- da de 80, com a abertura política, se
(Áreas Protegidas da Amazônia). Por ses nacionais e locais, com metas e tornando influentes atores no pro-
meio destas cooperações, novos estratégias comuns a vários países, cesso, tanto de elaboração quanto de
aportes de recursos são destinados na qual a questão da proteção dos execução de políticas de proteção da
ao país e novas exigências são recursos renováveis se apresenta natureza, em parceria com o Estado.
formatadas em direção ao fortaleci- como central. Tal percepção, tam- Em alguns casos, estes se transfor-
mento da política de proteção de re- bém gera, em todo o mundo (e no mam em “poder paralelo”, em fun-
cursos naturais renováveis (IRVING, Brasil, de maneira significativa), o ção de seus meios, sua agilidade e
2002 a). surgimento de movimentos organi- capacidade operacional.
A construção deste arcabouço zados em torno da questão ambien- Neste cenário de mudanças, o
político-institucional que hoje, no tal. Estes movimentos, cuja expres- Estado assume cada vez mais o pa-
país, funciona de maneira mais in- são jurídica mais evidente são as pel de “arbitro”, tendo em vista a
tegrada e concentrada no que tange ONGs, contribuem para estabelecer necessidade de serem contempladas
às ações voltadas para a proteção dos uma nova via de comunicação e re- todas as demandas e expectativas
recursos renováveis, não foi decor- presentação da sociedade frente aos dos diferentes segmentos da socie-
rente apenas de uma ação isolada poderes políticos constituídos. Eles dade. No caso das Unidades de Con-
ou imposição do Estado. Diversas se organizam, inicialmente, em al- servação, esse papel se traduz numa
foram as exigências, setores e atores guns países europeus e nos Estados complexa rede de negociação com
que se somaram, formando uma Unidos, mas rapidamente internaci- diferentes agentes atuantes no pro-
imbricada rede de interesses e de- onalizam suas atividades promo- cesso. O resultado prático de todo
mandas, atuando em diferentes ní- vendo alianças com organizações esta dinâmica, em cada um dos perí-
veis (nacional e internacional) e es- locais e movimentos sociais distin- odos indicados acima, é sintetizado
calas (local, regional, nacional e pla- tos, em diversas partes do mundo. no Quadro 1.
netária). Em pouco tempo, a questão das mi- Assim, desde a criação da primei-
No cenário internacional, a cres- norias e os temas sociais passam a ra Unidade de Conservação federal
cente percepção mundial dos proble- ser incorporados, assim, pelas polí- no país e, ao longo dos últimos 70

RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA 91


anos, houve uma mudança gradati- perdas e ganhos, e se concretiza num estabelecem em função da dissonân-
va no papel exercido pelo Estado desafio sem precedente para os pró- cia de Políticas Públicas, que resul-
com relação à política de proteção ximos anos. Apesar de toda a evolu- ta, freqüentemente, no direciona-
dos recursos renováveis. No início ção empreendida no plano institu- mento de uso do mesmo espaço geo-
do processo, o Estado era responsá- cional, legal e de Políticas Públicas, gráfico e apropriação da terra para
vel pela concepção da política e prin- o que resultou indiretamente na mul- diferentes formas de uso (cultivo,
cipal implementador das diversas tiplicação e expansão das áreas pro- extrativismo, caça, exploração da
ações propostas (gestão, fiscaliza- tegidas pelo território nacional, são madeira, implantação de assenta-
ção, projetos experimentais, educa- inúmeros os condicionantes históri- mentos e áreas indígenas, constru-
ção etc). Mas, gradativamente, seu cos e indefinições que impedem o seu ção de estradas, exploração mineral,
eixo de atuação passou a se concen- efetivo funcionamento e interferem etc), formas estas que contrariam o
trar na concepção e coordenação de em tendências futuras. Em particu- estatuto de proteção da área em ques-
políticas e projetos voltados às Uni- lar, merecem ser destacados, em pri- tão. Além disso, temáticas recentes,
dades de Conservação, delegando a meiro lugar, as limitações financei- como o uso e acesso à biodiversidade
execução de algumas das ações lo- ras e de recursos humanos e, em se- e sua exploração, por meio da biotec-
cais para diferentes parceiros institu- guida, os problemas ligados à inte- nologia ou usos industriais diversos,
cionais (ONG’s, associações locais, gração da dimensão local e global. tem inspirado novas formas de con-
Fundações, Universidades, entre A falta de recursos humanos e fi- flitos e disputas, à medida que con-
outras). nanceiros constitui um problema ferem uma tripla valorização, em al-
Este processo resultou do enten- crônico no modelo brasileiro que guns casos, aos espaços protegidos,
dimento das dificuldades – sobretu- impôs sérias restrições ao funciona- expressa tanto em função do preço
do financeiras e estruturais - que se mento de muitas Unidades de Con- da terra quanto pelo valor dos recur-
impuseram ao Estado na execução servação. Muitas sobreviveram ape- sos renováveis presentes ou, ainda,
de todas as ações necessárias ao fun- nas “no papel”, sem que qualquer pelo patrimônio em saber acumula-
cionamento e manutenção das uni- intervenção fosse realizada ou mes- do pelas populações tradicionais
dades de conservação. A situação mo que seus Planos de Manejo fos- que ali residem. No entanto, apesar
pode ser paulatinamente equaciona- sem elaborados. Com isto, gerou-se destes conflitos gerarem, freqüente-
da com o estabelecimento, em níveis um enorme passivo no sistema, tra- mente, efeitos perversos à consolida-
nacional e internacional, de diver- duzido sob a forma de áreas protegi- ção do Sistema Nacional, eles tem
sas parcerias com organismos e ins- das em mal estado de conservação, contribuído também para o estabe-
tituições de apoio ao desenvolvi- recentemente objetos de um enorme lecimento de uma “agenda positiva”
mento, que passaram a colaborar e esforço do Estado, visando sua re- para a proteção da natureza no país,
garantir um maior aporte de recur- cuperação e reaparelhamento. Co- que vem produzindo resultados sig-
sos à proteção da biodiversidade mo conseqüência, apesar dos recur- nificativos, tais como: 1) o incremen-
(BID, BIRD, PPG7, GEF, Comunida- sos para a proteção da natureza te- to do processo participativo na cria-
de Européia, etc). Esta nova estraté- rem aumentado significativamente a ção e gestão da Unidades de Con-
gia política de proteção se consoli- partir de anos 80/90, provenientes servação, 2) a definição de novas
da, de maneira mais evidente, a par- de fontes externas (Projetos e progra- categorias de manejo mais flexíveis
tir dos anos 90 e se materializa, de mas bilaterais e/ou multilaterais ) e diante das demandas sociais, 3) o de-
forma definitiva, com a Lei 9985, que também oriundas do próprio orça- senvolvimento de modelos inovado-
estabeleceu o SNUC e, posteriormen- mento da União, boa parte destes res de gestão e parceria, 4) a articu-
te, com a Política Nacional de Biodi- teve que ser investida na recupera- lação progressiva de Políticas Públi-
versidade (Decreto 4339/02). O mai- ção deste passivo. cas, manifesta nas noções de “trans-
or desafio em Políticas Públicas, no A inexistência de uma estratégia versalidade” e “internalização” da
momento atual, se refere à constru- clara de integração da Unidade de Política Ambiental pelos demais mi-
ção participativa e democrática da Conservação à dinâmica local e às nistérios. É importante assinalar,
Política Nacional de Áreas Protegi- questões globais, ligadas aos princi- também, que a Política Nacional de
das, prevista para 2005. pais acordos internacionais, gerou e Áreas Protegidas, a ser formalmente
gera diversos conflitos, em distintas instituída em 2005, pelo Ministério
localidades, conseqüentes, em geral, do Meio Ambiente é decorrência do
Conclusões à criação e implementação de áreas “amadurecimento” da sociedade
protegidas, de forma autoritária e brasileira, da difusão e discussão
O histórico de proteção da natu- pouco negociada com os diferentes pública do Sistema Nacional de Uni-
reza, no caso brasileiro, reflete uma segmentos locais pelo Estado. Estes dades de Conservação e dos desdo-
dinâmica de avanços e recuos, de conflitos, em sua grande maioria, se bramentos políticos e institucionais

92 Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO


da Política Nacional de Biodiversi- do aperfeiçoamento do sistema em FBCN. 1986. Legislação de Conservação
dade. A elaboração e consolidação termos conceituais e operacionais, da Natureza. Rio de Janeiro: Fundação
Brasileira para a Conservação da Na-
desta futura Política Nacional de da integração harmônica de Políti- tureza – FBCN. 720p.
Áreas Protegidas certamente dará cas Públicas mas, sobretudo, do for-
IBAMA. 2003a. Análise Estatística Es-
uma sustentação maior aos esforços talecimento de canais de diálogo pacial das Unidades de Conservação
empreendidos com esse objetivo. entre os diferentes setores nacionais Federais do Brasil. Disponível em
Efetivamente, o Estado, a partir e internacionais, e da compreensão http://www2.ibama.gov.br/unida-
dos anos 90, vem procurando desen- da perspectiva social associada à des/geralucs/estat/metodologia.htm.
volver, de forma mais consistente, proteção da natureza. Este é um pro- Acessado em 23/06/2003.
uma série de iniciativas nesta dire- cesso em franca construção, com des- IBAMA. 2003b. Lista das Unidades de
ção, ainda que, em pequena escala e, fecho imprevisível, mas que pode vir Conservação Federais. Disponível em
http://www2.ibama.gov.br/unida-
freqüentemente em caráter demons- a estabelecer ou fortalecer modos de
des/geralucs/fr_tabl.htm. Acessado
trativo – como os projetos apoiados ação pautados cada vez mais na de- em 23/06/2003.
pelo FNMA14, o PROBIO15 etc, com mocracia e eqüidade política e soci-
IRVING, M.A. 2002. Ecoturismo em
resultados bastante satisfatórios e al. Nesse contexto, certamente o mo- áreas protegidas: um desafio no con-
promissores. delo brasileiro poderá contribuir com texto brasileiro. In: IRVING, M.A. et
Há ainda que considerar que a lições aprendidas para o modelo glo- AZEVEDO, J. (Org.) Turismo: o desa-
Política de Áreas Protegidas só al- bal de proteção da natureza. fio da sustentabilidade. São Paulo: Fu-
tura, 2002.
cançará seus objetivos se ela for
implementada, de forma integrada IRVING, M.A. 2002a. Participação:
a outras ações do Estado (infra-es-
Referências Questão central na sustentabilidade de
projetos de desenvolvimento. In:
trutura, energia, planejamento, agri- BRASIL. 1965. Lei 4771/65 que Institui IRVING, M.A. et AZEVEDO, J. (Org.)
cultura, questão agrária, saúde, edu- o Novo Código Florestal. Turismo: o desafio da sustentabilidade.
cação etc). Apesar se vincular institu- BRASIL. 1998. Ministério do Meio Am- São Paulo: Futura, 2002.
cionalmente a um único ministério, biente, dos Recursos Hídrico e da Ama- IRVING, M. A. 2004. La conservation en-
o seu desafio maior será o de buscar zônia Legal. Diretrizes para a política de vironnementale et la qualité de vie:
a articulação e a transversalidade conservação e desenvolvimento sustentá- nouveaux défis sur une scène en muta-
vel da mata atlântica. Brasília/DF, 29p. tion. In : ROLLAND,D. Et CHASSIN, J.
necessárias entre os diferentes níveis
BRASIL. 2000. Lei 9985/00 que Institui (Orgs) Pour Comprendre le Brésil de
governamentais (federal, estadual e Lula. Paris : L’Harmattan, 2004.
o Sistema Nacional de Unidade de
municipal) e seus diferentes setores, Conservação da Natureza. MEDEIROS, R. 2003. A Proteção da Na-
aumentando a colaboração e a si- tureza: das Estratégias Internacionais e Na-
CABRAL, N. R. A. J. & SOUZA, M. P.
nergia entre os mesmos, condição 2002. Área de Proteção Ambiental: plane- cionais às demandas Locais. Rio de Janei-
sine qua non para o seu êxito. Da jamento e gestão de paisagens protegidas. ro: UFRJ/PPG. 391p. Tese (Doutorado
mesma forma, essa política não po- São Carlos: Rima Editora. 154p. em Geografia).
derá negligenciar as demandas so- CUNHA, L. H. & COELHO, M. C. N. MMA – Ministério do Meio Ambiente.
ciais e econômicas de um país emer- 2003. “Política e Questão Ambiental”. 2003b. Histórico do Processo de Con-
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Abordagens. CUNHA, S. B. & GUER- mma.gov.br/florestas/doc/historico.
tação, conforme discutido por Irving doc. Acesso em 25/06/2003.
RA, A. J. T. (org.). Rio de Janeiro: Ed.
(2004). Bertrand Brasil.248p. PADUA, J.A. 2003. Um sopro de destrui-
Finalmente, é necessário enfatizar ção – Pensamento político e crítica ambiental
DEAN, W. 2002. A Ferro e Fogo: A Histó-
que a temática da proteção da natu- ria da Devastação da Mata Atlântica Brasi- no Brasil escravista (1786-1888). Rio de
reza no Brasil não pode se ater a leira. São Paulo: Cia das Letras. 484p. Janeiro: Jorge Zahar Editor. 318p.
modelos ou sistemas “importados” PRADO JUNIOR, C. 1987. História Eco-
DERANI, C. 2001. A estrutura do Sis-
ou “pré-fabricados”, uma vez que a tema Nacional de Unidades de Con- nômica do Brasil. São Paulo: Editora
percepção do espaço e os modos de servação – Lei n°9.985/2000. In: Direito Brasiliense. 364p.
uso e apropriação da natureza se Ambiental das Áreas Protegidas: o regime UICN. 1994. Guidelines protected Area
modificam com o tempo e com a jurídico das unidades de conservação. Management Categories. Gland: UICN.
BENJAMIM, A. H. (Org.). Rio de Janei-
complexa dimensão cultural, carac- UICN. 2001. New Directions for the 21st.
ro: Ed. Forense. p. 232-247.
terística de um país de enorme di- Century: results of the world conservation
DIEGUES, A. C. 2001. O mito moderno da congress interactive session. Jeffrey A.
versidade humana.
natureza intocada. São Paulo: Ed. Huci- McNeely (ed). Gland: UICN. 131p.
Assim, o futuro do Sistema Nacio- tec. 161 p.
nal de Áreas Protegidas, em seus di-
ferentes aspectos, vai depender sig-
nificativamente de ações integradas 14
Fundo Nacional do Meio Ambiente
15
e sinérgicas do Governo brasileiro, Projeto de Conservação e Utilização da Diversidade Biológica Brasileira

RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA 93


A DESCENTRALIZAÇÃO DO SETOR
SANEAMENTO DE ITABUNA:
UMA INTERAÇÃO ENTRE ESTADO E MUNICÍPIO,

UMA ABERTURA AOS ATORES SOCIAIS

Angela Gordilho Barbosa

Resumo Resumé sont en train de se développer dans


la région depuis la mise en place du
Este trabalho analisa a descentra- Ce travail analyse la décentralisa- Comité du Bassin de Leste.
lização do setor saneamento de tion du secteur d’assainissement
Itabuna que se traduz pela retomada d’Itabuna qui se traduit par la Mots clés: Secteur d’assainissement;
da exploração dos serviços de água e reprise de l’exploitation des services Conflit de compétence; Relations
esgotamento sanitário, concedida a d’eau et d’assainissement concédée intergouvernementales; Acteurs so-
EMBASA pelo município, desde o à l’EMBASA par la municipalité, ciaux; Comité de bassin.
ano de 1971. O texto discute a transi- depuis 1971. Le texte discute la
ção do modelo centralizado para o transition du modèle centralisé vers
A descentralização do setor
modelo descentralizado da política le modèle décentralisé de la politique
saneamento no Brasil : uma
de saneamento na década de 1990, d’assainissement, dans les années
negociação entre estados e
destacando a interação entre estados de 1990, en mettant en évidence
e municípios e a emergência de ato- l’interaction entre les états fédérés et
municípios
res sociais no debate para a reorgani- les municipalités et l’émergence des A política do setor saneamento,
zação do setor. Este processo de mu- acteurs sociaux dans le débat pour antes centralizada no governo fede-
dança é compreendido a partir de um la réorganisation du secteur. Ce ral pelo PLANASA – Plano Nacio-
referencial de análise que aborda a processus de changement est com- nal de Saneamento Básico é atual-
discussão do conflito de competên- pris à partir d’un référentiel d’analy- mente configurada no PMSS – Proje-
cia na política de saneamento, enfa- se qui aborde le conflit de compé- to de Modernização do Setor Sanea-
tizando-se a redefinição das relações tence dans la politique d’assainisse- mento 1 que avança princípios de
intergovernamentais, considerando- ment, en ressortissant la redéfinition descentralização e flexibilização
se as especificidades do federalismo des relations intergouvernementa- institucional, conferindo aos estados
brasileiro. O estudo de caso demons- les, en considérant les particularités e municípios a possibilidade de es-
tra a consolidação da gestão local do du fédéralisme brésilien. L’étude de colher diferentes formas de explora-
serviço de saneamento de Itabuna e cas montre la consolidation de la ção de seus serviços (IPEA/ PMSS,
salienta os novos pactos políticos que gestion locale du service d’assainis- 1995).
vêm sendo desenvolvidos na região, sement d’Itabuna et met en évidence O setor saneamento sempre im-
a partir da instalação do Comitê da de nouveaux pactes politiques qui plicou o governo federal, o estado e
Bacia do Leste.
1
Define-se aqui “saneamento” como o conjunto de atividades e as respectivas infra-
estruturas para os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Inclui
Palavras-chave: Setor saneamento; também a drenagem de águas pluviais, a gestão dos dejetos e controle de vetores. Mais
Conflito de competência; Relações recentemente este termo passa a considerar os aspectos de meio ambiente, daí sua
conotação mais ampla de saneamento ambiental. No entanto, neste trabalho, nos referi-
intergovernamentais; Atores sociais; mos basicamente aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
Comitê de bacia. * Socióloga (UFBA, 1970); Mestre em Administração (UFBA,1992); Doutora em Urbanismo
(Universidade ParisXII – França, 2004). Técnica da Prefeitura Municipal de Salvador.

94 Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO


os municípios, de forma variada se- dos foram questionados, a exemplo experiências passam a constituir
gundo o contexto histórico conside- do PLANASA, que não mais se ade- ameaça ao equilíbrio financeiro das
rado2. No entanto, a posição de titu- quava ao processo de descentrali- CESBs, que é centrado no mecanis-
lar dos serviços é conferida aos mu- zação e de redemocratização que se mo da subvenção cruzada5. Com efei-
nicípios desde a Constituição de instalava no país com a Constitui- to, os municípios que tentavam reto-
1934 que estabelece a competência ção de 1988 (BRASIL, 1988). mar os serviços eram aqueles que
dos municípios para organizar os Neste contexto sobressaem os geravam maior receita e que estavam
serviços públicos de caráter local. A atores (governadores, parlamenta- insatisfeitos por terem que transferi-
Constituição de 1937 confirma a res, empresas privadas, associações las para os municípios deficitários.
competência dos municípios (art.26 profissionais, prefeitos, movimentos Esta questão acaba se constituindo
c), que permanece nas Constituições populares, sindicatos, instituições em um primeiro ponto de conflito na
seguintes (BRASIL, 1934, 1937, 1946, religiosas) e a nova relação de forças relação das CESBs com os municípi-
1967, 1988). que se instala reforça as instâncias os mais rentáveis.
Até o surgimento do PLANASA locais de governo (estados e municí- Neste sentido, observa-se de iní-
em 1971, predominavam os serviços pios) que emergem como responsá- cio uma tensão no processo de
geridos pelos municípios de forma veis pela condução das políticas descentralização do setor sanea-
autônoma ou com o apoio do orga- públicas, devido à grande autono- mento que se manifesta pelo conflito
nismo federal – FSESP Fundação do mia que lhes confere a Constituição entre as concessionárias e os muni-
Serviço de Saúde Pública, já existin- de 1988. cípios concedentes.
do também municípios cuja explo- Com relação aos serviços de água Santos (1993) e Rezende (1993)
ração era feita pelos estados. e esgotamento sanitário a centrali- confirmam esta tendência, pois suge-
O PLANASA conduziu a políti- zação exercida pelas CESBs passa a rem que na medida em que a descen-
ca de saneamento privilegiando a ser questionada pelos municípios e tralização não faz parte de uma ação
ação dos estados, com a criação das pelos grupos organizados da socie- mais ampla, coordenada pelo gover-
CESBs-Companhias Estaduais de dade, uma vez que os prazos dos no federal, a municipalização dos
Saneamento Básico que através de contratos de concessão estavam se serviços públicos permanece como
um contrato de concessão com os expirando, o que possibilitava aos uma sucessão de negócios locais con-
municípios assumiam a gestão dos municípios a retomada da explora- duzidos a partir de negociações en-
serviços de água e esgoto. ção e controle destes serviços. tre estados e municípios.
De acordo com o Censo Demo- Para tanto, os municípios deveri-
gráfico de 2000, observa-se a hege- am cancelar de forma unilateral os
monia das CESBs na prestação do contratos de concessão assinados O conflito de competência:
serviço de abastecimento de água. De com as CESBs, o que provocaria cus- um referencial de análise
um total de 5.507 municípios, as tos financeiros e jurídicos elevados.
CESBs eram encarregadas da explo- Estas dificuldades favoreciam a ma- O enfoque da descentralização
ração de 3.701 municípios, ou seja, nutenção das concessões com estas do setor saneamento, aqui adotado,
67,2%. Esta superioridade era tam- empresas, que por sua vez realizam traduz a mudança de escala territo-
bém sentida com relação às funções investimentos para melhorar os ser- rial das políticas públicas que suge-
de regulação, coordenação e contro- viços, mostrando-se mais eficazes re a redefinição de regras do jogo nas
le dos serviços que as CESBs tam- para disputar a renovação dos con- relações intergovernamentais, tradu-
bém exerciam, dificultando os mu- tratos. zindo o ato de delegar ou transferir
nicípios de exercerem suas prerro- Apesar disto, no início dos anos as competências da União para os
gativas de poder concedente. de 1990, período que coincide com a estados e municípios ou dos estados
Vários autores3 fizeram referên- expiração do prazo da maior parte para os municípios.
cia a este conflito permanente entre dos contratos de concessão, algu- De acordo com Souza (1989) a
os estados e os municípios no mode- mas experiências de municipaliza- experiência do federalismo brasilei-
lo centralizado de governo, que se ção dos serviços são efetuadas, so- ro se caracterizou de um lado, pela
caracterizava pela valorização dos bretudo na região sul do país4. Estas importância dada à competência
estados como prestadores dos ser-
viços, em detrimento dos municípi- 2
Esta análise é detalhada em Barbosa Gordilho (2004).
os enquanto titulares dos serviços. 3
Entre eles: Paula (1990), Peixoto (1994), Costa (1994), Britto (1995), Cordeiro (1995).
4
A partir de 1985 as discussões em Ver o caso do município de Diadema - São Paulo, em Vargas (1996), os casos de Novo
Hamburgo, Carazinho no Rio Grande do Sul e Muriaé em Minas Gerais que são citados por
torno da descentralização das polí- Peixoto (1994) e Mauá - São Paulo e Angra dos Reis - Rio de Janeiro em Granja (1996).
ticas públicas no Brasil se tornaram 5
A subvenção cruzada significa uma margem de benefício obtida nas zonas mais ricas, onde
freqüentes. Os modelos centraliza- as tarifas diferenciadas permitem investir nas zonas mais pobres.

RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA 95


exclusiva principalmente exercida de competência que marcou o deba- da federação. Nesse sentido, é preci-
pela União, e de outro lado, pela prá- te da política de saneamento, duran- so compreender que o conflito exis-
tica da competência comum em que te a década de 1990. tente no setor saneamento, não pode
as três esferas de governo se confun- Vários autores analisaram esta ser harmonizado a partir de uma for-
dem ou se ignoram no nível da pres- questão, a exemplo de Granja (1996) ma de cooperação baseada em as-
tação dos serviços, sobretudo no do- que chama atenção para a importân- pectos estritamente jurídicos, mas
mínio social. cia da articulação entre os níveis de como um pacto político estabelecido
A Constituição de 1988 amplia a governo, que representa um desafio em função de negociação de interes-
lista dos serviços com competência cada vez maior, diante da necessida- ses entre as partes.
comum às três esferas de governo, a de de compatibilizar os Planos Dire- Em resumo, a heterogeneidade
exemplo dos setores de saúde, assis- tores Municipais, aos Planos Regio- das situações econômicas, sociais e
tência social, educação, cultura, ha- nais de Desenvolvimento e Planos de espaciais que caracterizam a federa-
bitação, água e saneamento, meio Bacias Hidrográficas. Isto requer, ção brasileira torna difícil a concili-
ambiente, proteção ao patrimônio portanto, uma nova compreensão das ação entre os diferentes interesses em
histórico, etc. No caso do setor sane- regras do jogo nas relações intergo- jogo, sobretudo quando dizem res-
amento, a Constituição no artigo 23, vernamentais, o que exige uma refle- peito a políticas públicas relaciona-
inciso IX, define como competência xão do princípio da cooperação/con- das aos serviços de interesse coleti-
comum da União, dos Estados, do flito entre os níveis de governo, no vo (IPEA/IBAM, 1994).
Distrito Federal e dos Municípios, sistema federativo brasileiro. Esta visão é reforçada no contex-
“promover programas de constru- Sendo assim é preciso levar em to atual de descentralização das po-
ção de moradias e a melhoria das consideração outro elemento, ou seja, líticas públicas, pois os conflitos se
condições habitacionais e de sanea- as especificidades que configuram a tornam mais visíveis, provocando
mento básico”. No parágrafo único heterogeneidade da federação brasi- ainda maiores disputas de poder
menciona: « Lei complementar fixa- leira, que por sua vez tornam difícil entre as esferas de governo e entre
rá normas para a cooperação entre a a cooperação nas relações intergo- grupos distintos da sociedade. Este
União e os Estados, o Distrito Fede- vernamentais. Partimos do pressu- fato é testado por Guimarães (2000)
ral e os Municípios, tendo em vista o posto, que as normas mencionadas quando analisa os conflitos de deci-
equilíbrio do desenvolvimento e do acima para regulamentar esta coo- são concernentes a transferência de
bem estar em âmbito nacional». peração não são suficientes para recursos entre os estados e os muni-
Nesse sentido, tanto a prestação harmonizar os conflitos de interesse cípios, na implantação da descentra-
dos serviços de água e esgotamento entre a União, os estados e os muni- lização dos serviços de saúde no
sanitário, quanto o exercício de sua cípios. Estado da Bahia.
titularidade, sendo inicialmente de Considerando de modo geral os Esta disputa de poder ultrapas-
competência local, de acordo com a sistemas federativos, Croisat (1995) sa os limites da regulação legal, uma
Constituição atual podem ser exer- considera que esta cooperação re- vez que se referem a afrontamentos
cidos no nível do estado ou no nível pousa na maioria das vezes sobre entre as diferentes esferas de gover-
federal. Isto faz com que exista uma práticas políticas informais, que se no que podem ser complementares,
possibilidade jurídica de que todos situam fora das relações constituci- mas também concorrentes. Os dispo-
os níveis de governo assumam a res- onais em vigor e que variam segun- sitivos legais são utilizados, se ne-
ponsabilidade de estabelecer as me- do as modalidades particulares de cessário, segundo os interesses que
didas normativas e administrativas cada federação. Da mesma forma devem ser reforçados durante a ne-
necessárias para responder à de- Souza (1996) estima que não se pode gociação6.
manda do setor. Esse posiciona- pensar de uma forma estritamente Diante da amplitude do conceito
mento é referendado pelo quadro le- normativa em um sistema federati- de saneamento, que prevê inevitá-
gal - institucional proposto para o vo, como o sistema brasileiro, que veis interfaces com os aspectos liga-
setor saneamento, que considera que apresenta grandes disparidades es- dos a saúde pública, ao meio ambi-
a titularidade deve ser exercida pe- paciais, como também econômicas e ente e a administração de recursos
los estados, quando se trata de pres- sociais. Neste sentido, esta autora hídricos, Barat (1999) considera que
tação de serviços que respondem a considera que a competição no seio a definição de competências entre os
interesses comuns de dois ou mais do federalismo defende interesses níveis de governo se torna ainda
municípios pertencentes a regiões regionais, mas que deve também ser mais complexa, face o inevitável
metropolitanas, aglomerações urba- vista como necessária ao equilíbrio acréscimo de disputas de interesses
nas e micro-regiões (PLS 266/96- art. 6
Esta situação é bem ilustrada na ocasião das discussões dos projetos de lei propostos para
4° inciso III). Diante disto, se justifi- o setor saneamento, cujas opiniões divergiam em torno da titularidade dos serviços. Ver em
ca a discussão em torno do conflito Barbosa Gordilho (2004)

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setoriais. Sendo assim, o autor pro- do, tendo como prazo de validade o de Itabuna, possibilitando a redu-
põe que nos casos de ações governa- período de vinte anos. ção do quadro de pessoal da em-
mentais integradas, seria importan- A discussão favorável em torno presa.
te identificar as complementaridades da municipalização dos serviços de Em defesa da municipalização
e os conflitos para se ter uma idéia água e esgotamento sanitário no Es- ressalta-se a falta de investimentos
mais clara das propostas possíveis. tado da Bahia, durante a gestão dos da EMBASA no sistema de abasteci-
governadores Waldir Pires e Nilo mento de água do município, fato
Coelho, respectivamente nos anos de justificado pelos prefeitos eleitos nos
A descentralização do setor 1987 e 1989, estimula propostas de últimos 20 anos pertencerem a par-
saneamento de Itabuna: retomada dos serviços por parte de tidos contrários dos governadores.
uma interação estado/muni- alguns municípios baianos, fato que Outros motivos se referem à falta de
cípio, uma abertura aos só veio a se concretizar efetivamen- integração dos serviços realizados
atores sociais. te, no caso do município de Itabuna7. pela empresa e a execução de obras
A rescisão do contrato de conces- da Prefeitura, além da aproximação
O contrato de concessão com a
são com a EMBASA se verifica de do usuário com o órgão prestador
Embasa: ruptura e retomada dos
forma amigável, entre o Prefeito de dos serviços, no caso da gestão situ-
serviços
Itabuna, Fernando Gomes e o gover- ar-se no nível local de governo, o que
De acordo com o modelo PLA- nador Nilo Coelho, ambos perten- facilitaria o atendimento das solici-
NASA, a EMBASA – Empresa Baia- centes ao PMDB, voltando o municí- tações e queixas de caráter emer-
na de Água e Saneamento foi criada pio a prestar os serviços de água e gencial da população. “A Embasa era
em 1971, como uma empresa de eco- esgotamento sanitário, contando um ente inatingível, apesar de presente
nomia mista, cujo capital majoritá- com a infra-estrutura que a EMBASA no município”, cita um entrevistado.
rio pertence ao governo do estado possuía no município.
(90%). Através um contrato de con- Logo de início observa-se reação
A consolidação da gestão local dos
cessão, os municípios concedem a contrária ao processo de municipali-
serviços: a criação da EMASA
EMBASA o direito de implantar, de zação dos serviços por parte dos téc-
administrar e de explorar o serviço nicos e dos dirigentes da EMBASA, Apesar das justificativas para a
de saneamento durante o período de além do SINDAE - Sindicato dos Tra- retomada dos serviços não serem
20 anos. balhadores em Água e Esgoto do bem aceitas pelo grupo que criticava
Com a assinatura do contrato, Estado da Bahia. Todos questiona- a municipalização dos serviços, este
primeiramente com o DESEB –De- vam a validade de se transferir para processo se consolida com a assina-
partamento de Engenharia Sanitária o município um patrimônio que na tura do contrato de comodato cele-
do Estado da Bahia a partir da lei nº sua maior parte pertencia a esta em- brado em 15 de agosto de 1989, entre
751, (Art.1) de 15 de setembro de presa, e enfatizavam: a EMBASA e o município de Itabuna.
1966, o Estado passa a ser concessi- • a forma apressada e pouco trans- Este fica autorizado, através do
onário dos serviços de água e esgo- parente na condução deste proces- SAAE - Serviço Autônomo de Água
tamento sanitário de Itabuna. Este so, não se avaliando as condições e Esgoto a utilizar equipamentos e
contrato é transferido porteriormente financeiras, administrativas e téc- instalações de propriedade da EM-
para a SESEB – Superintendência de nicas do município e não se discu- BASA no município, por um prazo
Engenharia Sanitária do Estado da tindo a decisão com os agentes en- de 20 anos, portanto até 2009 (Cláu-
Bahia, autarquia que substitui o volvidos com o setor; sulas 1ª e 2ª).
DESEB, e através da lei nº 822 de 1 • a possibilidade da municipaliza- Este contrato retrata a relação que
de outubro de 1968 ( art.1) é autori- ção facilitar a privatização dos ser- se estabelece entre o estado e o mu-
zada a explorar o serviço de Itabuna viços; nicípio para que os serviços de água
durante o período de 20 anos. A Lei • a preocupação em torno de demis- e esgoto fossem prestados pelo
nº 928, de 11 de novembro de 1971 sões que poderiam vir a ocorrer, SAAE, existente desde 1962.
autoriza o Prefeito Municipal a fir- pois com a municipalização se di- De acordo com as cláusulas 6ª e
mar com a EMBASA, termo aditivo e minuiria o número de sistemas a 13ª, a EMBASA fica assegurado o
de re-ratificação ao contrato de con- serem administrados pela EM- direito de fiscalizar o acervo deixa-
cessão dos serviços de água e esgo- BASA, uma vez que outros muni- do no município, podendo a qual-
tamento sanitário celebrado anteri- cípios poderiam seguir o exemplo quer tempo certificar-se de que o
ormente com a SESEB. Este contrato
7
segue o mesmo modelo do contrato Arretche (1998) constata a reduzida incidência de casos de municipalização da política de
saneamento comparativamente à descentralização das políticas de saúde, habitação e servi-
de concessão firmado pela EMBASA ços sociais nos Estados da Bahia, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Sul e Paraná entre o
com os demais municípios do esta- período de 1987 e 1994.

RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA 97


mesmo está sendo utilizado e man- cedido pelo contrato de comodato. no e a Prefeitura para execução de
tido corretamente, cabendo ao mu- Criada a empresa, em 5 de setembro obras de saneamento em áreas de
nicípio impedir a realização de obras de 1989, a Câmara de Vereadores população de baixa renda (Jornal
que venham por em risco o patrimô- através a Lei nº1456 autoriza o Pre- Oficial de 9 de setembro de 1989).
nio da empresa. feito Municipal de Itabuna a contra- Por este convênio, de acordo com
A EMBASA prestará assessora- tar os empréstimos solicitados. a Cláusula Segunda, caberia ao Es-
mento técnico ao município durante tado oferecer as garantias necessári-
o prazo do contrato através da sua as e exigidas para a contratação do
A continuidade da presença do
unidade de negócios, devendo o financiamento junto à Caixa Econô-
Estado no Município
município ressarcir a EMBASA o mica Federal - CEF, repassando os
valor das despesas correspondentes Constava do plano de municipali- recursos para o município 48 horas
a estes serviços prestados (Cláusula zação dos serviços, a presença da após o recebimento dos mesmos.
7ª - Parágrafo único). EMBASA como órgão fiscalizador e Ao município, de acordo com a
O municipio em nenhuma hipó- de assistência técnica ao município. Cláusula Terceira caberia ser o Agen-
tese concederá isenção ou redução No período anterior à municipali- te Promotor dos Contratos, elaboran-
de tarifas na prestação dos serviços, zação dos serviços, já existia a práti- do os projetos, realizando as licita-
enquanto utilizar os sistemas da ca de assinatura de convênios de ções, gerenciando e fiscalizando a
EMBASA (Cláusula 8ª). cooperação técnica da Embasa com execução das obras e efetuando os
A cláusula 15ª estabelece que no a Prefeitura de Itabuna, a exemplo pagamentos devidos às empresas
caso do contrato ser rescindido ou do Convenio de Cooperação Técni- contratadas. Esta mesma Cláusula
tenha seu prazo extinto, e não seja ca e Administrativa firmado pelo obriga destacar o papel do Estado
concedido novamente a EMBASA o município com a EMBASA em 12/ em qualquer divulgação, inclusive
direito de explorar estes serviços, o 07/89, visando disciplinar a cessão em placas de obras.
acervo será vendido ao município. feita por esta empresa, de técnicos Inicialmente a EMASA foi presi-
de seu quadro de pessoal para exe- dida pelo gerente da unidade de ne-
De acordo com a Cláusula 10ª,
cução de serviços técnicos na Prefei- gócios de Itabuna8. Até maio de 1990
caso o SAAE venha a ser extinto, o
tura, mediante reembolso a Embasa contou também com os técnicos da
município dentro de 30 dias deverá
dos valores correspondentes à remu- EMBASA para assessorar e treinar
criar outro órgão na sua estrutura
neração deste pessoal cedido. (Cláu- o seu corpo técnico para assumir o
organizacional para administrar os
sulas 1ª e 5ª). Este Convênio vigora- sistema.
sistemas de abastecimento de água
ria até março de 1991 (Cláusula 8ª).
e de esgotamento sanitário.
Em 15 de agosto de 1989, na mes-
Após a formalização da transfe- A crise da Emasa um ano depois
ma data, portanto, da assinatura do
rência dos serviços para o municí-
contrato de comodato, outro convê- O início da crise da EMASA vem
pio, o Prefeito através ofício nº 162/
nio de cooperação técnica e finan- à tona pela permanência das condi-
89 convoca a Câmara de Vereadores
ceira é firmado entre a Prefeitura ções precárias dos serviços, refleti-
para apreciar o projeto que cria a Municipal de Itabuna e a EMBASA, das na falta de água em alguns bair-
EMASA - Empresa Municipal de com vistas à normalização da rede ros da cidade e na sua contamina-
Águas e Saneamento S.A e outro pro- de abastecimento de água, compe- ção pela falta de tratamento adequa-
jeto pedindo a contratação de em- tindo a EMBASA repassar recursos do e se agrava pelos problemas de-
préstimos junto a Caixa Econômica, para a compra de equipamentos e correntes das obras de captação da
BIRD e Banco Mundial para a du- máquinas, que integrariam posteri- água no rio Almada9 pertencente ao
plicação do atual sistema de Itabuna. ormente seu acervo no município, município vizinho de Ilhéus.
Em 28 de agosto de 1989, a Câ- além de efetuar a montagem e super- A execução dessas obras trans-
mara de Vereadores através a Lei nº visão da operação do sistema que fi- formou-se numa batalha judicial ao
1.455 autoriza, em substituição ao caria a cargo da Prefeitura. ser revogada a liminar que tinha sido
SAAE, a criação da EMASA – Em- Outro exemplo foi o convênio fir- concedida a Ilhéus, que determina-
presa Municipal de Agua e Esgoto mado entre o Estado, através da Se- va a paralisação das obras, por tra-
de Itabuna, uma sociedade de eco- cretaria do Desenvolvimento Urba- zerem prejuízos ao meio ambiente.
nomia mista por ações, vinculada à
8
Prefeitura Municipal que tem por Vale esclarecer que mesmo a EMBASA não mais prestando serviços à Itabuna, sua sede física
como unidade de negócios da região sul, que se situa neste município, não foi desativada continu-
objeto executar a política de abaste- ando a atuar em 23 municípios através escritórios regionais e em 14 distritos, perfazendo 37
cimento de água e esgotamento sa- localidades da região sul.
9
nitário do município de Itabuna. Esta Para o abastecimento de água da cidade utiliza-se como manancial o Rio Almada, com pontos de
captação no município de Ilhéus nas localidades de Rio do Braço e Castelo Novo, que tem a função
empresa assume o patrimônio da de suplementar a vazão nos períodos de estiagem, ocasião em que a vazão do rio diminui sensivel-
EMBASA deixado no município e mente, necessitando de complemento para alcançar os 500 l/s de vazão nominal do sistema.

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De acordo com declarações do Mo- dores que enfrenta dificuldades em de Água, o Sistema de Esgotamento
vimento de Proteção ao Patrimônio consolidar o serviço municipa- Sanitário e um Programa de Desen-
Ecológico e Cultural de Ilhéus – lizado. volvimento Institucional (gerencial/
MOPECI mantendo-se a captação da Os débitos da EMASA continua- operacional) (EMASA, 1996).
água do rio Almada “o mais provável vam a se acumular, basicamente com O projeto técnico foi aceito pelo
é que haja a gradativa salinização do relação ao consumo de energia elé- Banco Mundial, mas o recurso que
rio e não o rebaixamento do seu nível trica e queixas trabalhistas, devido seria repassado através do governo
d’água como vêm colocando algumas à demissão em massa de funcionári- federal não foi aprovado, por falta
pessoas desinformadas” (Jornal Agora os antes pertencentes à gestão do de garantias da EMASA, pois a mai-
14/7 a 20/7/90). antigo prefeito. Para suprir o quadro oria do seu patrimônio pertence a
Com relação às condições de de pessoal da empresa foram con- EMBASA, além de sua elevada dívi-
abastecimento de água são freqüen- tratados 365 funcionários através da com o INSS e o Fundo de Garan-
tes as críticas da falta de água em concurso, aumentando sua despesa tia que torna limitada sua capacida-
alguns locais da cidade, a exemplo com pagamento de salários e obri- de de endividamento, dificuldade
dos bairros de Califórnia, Santa Inês gações trabalhistas, agravando-se a que se agrava com a Lei de Respon-
e Antique, conforme declarações de situação financeira da empresa. sabilidade Fiscal.
um morador, no Jornal Agora de 4/ O problema da captação da água
08 a 10/08 de 1990: “Só temos água do rio Almada se complicava. Em
aqui no Antique quando chove”. Da As tentativas de solução para a 1997 os vereadores promoveram na
mesma forma um morador do bairro crise: via financiamentos, via Câmara uma reunião para tratar do
Califórnia reclama: “Por enquanto aqui privatização dos serviços. assunto, com a participação da Uni-
só chegou a conta; água mesmo só quan- versidade de Santa Cruz – UESC,
do Deus manda”. Fernando Gomes retorna como através o Núcleo de Bacias Hidro-
A credibilidade da EMASA tor- Prefeito de Itabuna para cumprir o seu gráficas - NBH10, além da EMASA e
na-se mais vulnerável com as denún- terceiro mandato (1997 a 2000), des- da EMBASA concluindo-se pela ne-
cias em sessão do dia 24/9/90 na ta vez pertencendo ao PTB e fortale- cessidade de uma solução para um
Câmara de Vereadores sobre a falta cido com o apoio do PFL. Mais uma período de longo prazo. E aí se dis-
de tratamento da água consumida vez mantém um relacionamento fa- cutiu a possibilidade de se puxar
pelos itabunenses, baseadas num vorável com o governo do Estado. água da barragem do Funil (Rio de
relatório da EMBASA que constata A EMASA diante da crise finan- Contas), pois se beneficiaria também
também a falta de cloro na água em ceira busca se habilitar a financia- os municípios de Guaraci, Itajuipe e
alguns bairros da cidade, e a inexis- mentos junto ao Governo Federal, Buerarema. Esta solução porém exi-
tência de um laboratório de análises com recursos do FGTS e também giria um montante de recursos que
na EMASA, estando assim o produ- através convênios com a FSESP e não poderiam ser disponibilizados
to sendo distribuído sem o menor através do Programa Comunidade pelo governo do Estado. Teve-se as-
controle de qualidade. (Jornal Ago- Solidária, já que o município integra sim que adotar soluções paliativas,
ra nº401 de 27/10 a 02/11/90). a lista daqueles selecionados para construindo-se pequenas barragens
No ano anterior, o Jornal Agora serem contemplados por este progra- nas nascentes, para acumular água
de nº 346 de 30/9 a 6/10 de 89 já ma do Governo Federal. e tentar resolver o problema. Segun-
havia publicado: “Na manhã de 3ª fei- Em 1996, a EMASA se inscreve na do um entrevistado: “Deu sorte por-
ra –26 de setembro os técnicos tratadores segunda etapa de financiamentos do que choveu e acumulou água. Mas se
de água da Embasa foram embora para Banco Mundial que estaria disponí- desse uma estiagem de 60 a 90 dias a
Ilhéu”. ...“Deus permita que saiamos vi- vel para empresas de municípios a cidade ficava sem água”.
vos deste transe porque passa a cidade partir de 72.000 habitantes, através o A impossibilidade da EMASA em
de Itabuna”. PMSS II – Programa de Moderniza- continuar assumindo os custos da
A crise da EMASA refletida ago- ção do Setor Saneamento. captação de água do rio Almada foi
ra no conflito EMBASA x EMASA Este projeto de financiamento utilizada como justificativa para
denuncia o conflito maior, que se si- encaminhado ao BIRD com interme- uma proposta de concessão dos ser-
tua no nível da posição contrária à diação do Ministério de Planejamen- viços a uma empresa privada. As
municipalização dos serviços de to e Orçamento tinha como compo- dificuldades de obtenção de finan-
água e esgoto de Itabuna, por parte nentes: o Sistema de Abastecimento ciamentos e os elevados débitos da
dos agentes envolvidos com o setor.
10
Em janeiro de 1993 é eleito para a O Projeto de Recuperação das bacias dos rios Almada e Cachoeira iniciado em 1996 e
elaborado através o convênio UESC-NBH/SRH sugere intervenções nos municípios perten-
Prefeitura de Itabuna, Geraldo Si- centes a estas bacias , a exemplo de ações voltadas para mobilização comunitária e práticas
mões do PT - Partido dos Trabalha- de educação ambiental (SRH/UESC, 2001).

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EMASA, agravados pelo alto nível a mensagem enviada à Câmara pela Surge daí a indagação: Como a
de inadimplência fortaleciam a de- falta de detalhamento técnico do EMASA poderia efetuar a concessão
cisão de mais uma vez transferir os projeto, além da falta do Plano Dire- dos serviços, se a maior parte do seu
serviços. tor da cidade que deveria anteceder patrimônio pertencia a EMBASA?
Em 30 de janeiro de 1998 foi assi- este processo. O PT e o PCdoB de O montante do débito da EMASA
nado um convênio de cooperação imediato se posicionaram contra o não chegou a ficar totalmente escla-
entre o Governo do Estado da Bahia, projeto (Jornal Agora nº 862 de 4 a 10 recido, assim como o detalhamento
o município de Itabuna, a EMASA e de dezembro de 1999). dos ativos, o que dificultava uma
a EMBASA para a realização do for- O presidente da EMASA, convo- avaliação real do valor estipulado
mato da participação da iniciativa cado pela Câmara de Vereadores para a licitação.
privada na prestação de serviços de para justificar o projeto de privati- A população se mobiliza e se
abastecimento de água e esgotamen- zação da empresa, salienta a falta de manifesta com “bate-lata” nas ruas
to sanitário do município, que in- recursos para investimento no siste- contra esta proposta. O SINDAE,
cluía: alocação de recursos para que ma de abastecimento de água, cuja também se manifestou contrário ao
o Estado, através da EMBASA, pu- produção deveria passar de 600 li- processo, assim como os partidos de
desse contratar uma empresa de tros por segundo para 1,2 mil litros oposição.
consultoria para realizar o referido por segundo. O líder do governo na Uma liminar decretada pelo juiz
estudo, além da elaboração do marco Câmara, em defesa do projeto ressal- da 2ª Vara Cível do município sus-
regulatório e a preparação da docu- ta que “não se trata de privatização e pende a licitação para a privatização
mentação necessária à transição, ou sim de concessão por 30 anos e que as dos serviços afim de que alguns pon-
seja, a Lei Autorizativa, o Edital de tarifas, assim como o desempenho do sis- tos da lei fossem melhor explicitados,
Licitação e o Contrato de Concessão. tema serão rigidamente fiscalizados pela provocando por três vezes o adia-
Prefeitura e caso haja alguma insatisfa- mento do prazo de abertura do Edital
ção, o contrato será anulado e o serviço nº 02/2000 referente à licitação dos
A concessão dos serviços à
retornará ao município” (Jornal Agora serviços, o que desestimulou as em-
iniciativa privada: uma questão
nº 863 de 11 a 17/12/99). presas a continuarem participando
polêmica
Apesar da grande polêmica que da concorrência.
Em mensagem enviada à Câma- se instala para a votação do Projeto Por último o Prefeito envia men-
ra para apreciação do Projeto de Lei de Lei para concessão dos serviços, sagem para a Câmara dos Vereado-
para concessão dos serviços de abas- a Câmara de Vereadores em sessão res, acompanhada de um projeto de
tecimento de água e esgoto à inicia- do dia 29 de dezembro de 1999 apro- lei, revogando a lei que autoriza a
tiva privada, o Prefeito enfatiza a va por 11 votos a 6 o projeto de lei concessão dos serviços.
necessidade de investimentos na que autoriza o prefeito conceder a
ampliação do serviço de abasteci- uma empresa privada, por 30 anos,
mento de água, assim como na sua os serviços de água e esgoto do mu- O compromisso com a continuida-
distribuição e captação, despoluição nicípio, que se transforma na Lei de do serviço municipalizado.
do rio Cachoeira, além da necessi- municipal nº 1802 de 29 de dezem-
dade de construção de reservatórios bro de 1999. Pela segunda vez Geraldo Simões
e de trabalhos de represamento de Em seguida, para viabilizar o pro- do PT é eleito Prefeito de Itabuna,
água, concluindo que o município cesso, a Prefeitura contrata, através pelo período de 2001-2006. Como
não teria condições de assumir o carta-convite nº007/2000 a Winners sobreviver à crise dos serviços de
aval de um empréstimo do BIRD di- Engenharia Financeira S/C Ltda para água e esgoto, diante do compromis-
ante de suas condições de endivida- realizar um levantamento dos “ati- so em mantê-lo municipalizado?
mento. vos permanentes” da empresa, cons- A situação financeira da EMASA
Por sua vez, os vereadores mani- tituída basicamente dos equipamen- se agrava diante das dívidas eleva-
festam a importância de ouvir a opi- tos para captação, tratamento e dis- das com a COELBA, como também
nião de seus eleitores a respeito des- tribuição de água, bem como dos equi- face aos impostos devidos ao gover-
ta questão polêmica. O presidente da pamentos para esgotamento sanitá- no federal, ao grave problema de ter
Câmara pertencente ao PMDB decla- rio, incluindo a estação de tratamen- faturas em atraso, além do aumento
ra: “Até agora o povo não sabe pratica- to. Também se levantou o passivo fi- de ligações clandestinas nas comuni-
mente nada sobre o projeto, e teme que nanceiro, correspondente aos débitos dades de baixa renda, tidas como áre-
aconteça com a água o mesmo que vem com a COELBA, INSS, COFINS, FGTS, as de “invasão”. Acresce a estes pro-
ocorrendo com a energia elétrica. O povo PASEP e Ações Cíveis. Com isto se blemas o grande número de imóveis
acha que após a privatização, o serviço estabeleceria um valor mínimo de que não são equipados com hidrô-
da COELBA piorou”. O PSDB critica outorga da concessão. metros, pagando a tarifa mínima.

100 Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO


:Localização da barragem proposta

Figura 1 - Localização da barragem do Rio Colônia


Fonte: UESC/NBH-2001

Os problemas de captação do rio dos Usuários do Rio Colônia e da • pelos organismos públicos dos
Almada assumem maior amplitude, Associação dos Usuários do Rio Sal- tres níveis de governo, ou sejam: o
em virtude sobretudo dos custos ele- gado, interessados em discutir os Ministério da Agricultura, repre-
vados com os gastos em energia. Com problemas de ordem política, econô- sentado pela CEPLAC, a SRH, e
efeito, é necessário bombear água a mica e técnica que o projeto da bar- Prefeituras de Ilhéus, Itabuna, San-
uma distância de 18 km da estação ragem do rio Colônia acarretaria. ta Cruz da Vitória e Una;
de tratamento, distancia à qual é pre- Diante do amplo alcance deste • pelos usuários, ou sejam: a EMBA-
ciso acrescentar 5 km quando é pre- projeto, com impacto previsto para SA, os SAAEs, a EMASA, a NESTLE,
ciso captar água em Castelo Novo. atingir grande número de municípi- a CARGIL (Exportadora de Cacau),
Nestas condições, retoma-se a os, inicia-se a discussão para a for- o Hotel Transamérica , a Colonia de
discussão iniciada no primeiro man- mação do Comitê das Bacias do Les- Pescadores, a Associação dos Usuá-
dato do prefeito Geraldo Simões, te que engloba as bacias dos rios rios dos Rios Salgado e Colônia;
concernente a implantação do pro- Cachoeira, (formada pelas sub-baci- • pelas associações, ou sejam: a OR-
jeto da barragem do rio Colônia no as dos rios Colônia e Salgado), Alma- DEM (Organização de Defesa dos
município de Itapé, próximo à con- da, Santana e Una/Aliança e que Manguezais) e a AMURC entida-
fluência do rio Salgado (FIG. 1). Neste conta com a participação de 24 mu- de que agrupa as prefeituras de
momento a discussão é ampliada nicípios (FIG. 2). Criado em 2002, o 150 municípios da região do ca-
face a mobilização das Associações Comitê tem a estrutura composta: cau e todo o resto da região sul;

RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA 101


• pelos organismos de ensino e pes-
quisa, ou sejam: o Departamento
da Bacia Hidrográfica da UESC e
o Departamento de Engenharia Sa-
nitária e Meio Ambiente da Facul-
dade de Ciência e Tecnologia –
FTC.
Como atividades deste Comitê
destacam-se a realização do 1°Se-
minário que incluiu o « Curso de
Educação Ambiental e Práticas Sus-
tentáveis » e mais recentemente o 2°
Seminário que discutiu as ações es-
tratégicas do Plano das Bacias do
Leste, à partir de um diagnóstico que
aponta o saneamento básico dos
municípios como ação prioritária a
ser discutida e planejada.

Conclusão
A política de saneamento no Bra-
sil sempre esteve associada aos pro-
blemas de saúde pública, envolven-
do portanto as atividades de abaste-
cimento de água e esgotamento sa-
nitário. O avanço da proposta de
articulação do setor saneamento à
causa do meio ambiente, introduz
alguns elementos de reflexão que
nos reporta ao conceito ampliado de
saneamento, que envolve além do Figura 2 - Localização da Bacia do Leste
abastecimento de água e de esgota- Fonte: SRH/GERIN - 2003
mento sanitário, a drenagem de
águas pluviais , os resíduos sólidos, Hidrográficas que representam uma negociação entre municípios, forta-
o controle de vetores e as atividades prática de gestão que vem aproxi- lecido pela defesa de interesses co-
do meio ambiente. Neste sentido o mando as questões do saneamento muns, o que sugere uma cooperação
conceito sugere uma integração básico, do debate da gestão dos re- intergovernamental preferentemente
intersetorial, que prevê interfaces cursos hídricos. De acordo com Ma- horizontal. Constata-se também o
com demais políticas públicas, o que chado (2003) o formato de gestão in- debate em torno da integração inter-
justifica atualmente a utilização da tegrada e colegiada destes comitês setorial, diante dos problemas de
expressão saneamento ambiental em constitui-se em um instrumento de poluição das bacias da região e da
lugar de saneamento básico ou simples- enquadramento institucional de con- crise de abastecimento de água que
mente saneamento. flitos inevitáveis, num país conti- como vimos afeta diretamente o mu-
O reforço a intersetorialidade vem nental com diversidade fisiográfica, nicípio de Itabuna.
sendo inevitável face aos problemas hidrográfica, geomorfológica, hidro- Vale ainda acrescentar que este
de poluição das bacias e de crise de lógica, socio-econômica e de grandes Comitê representa uma mudança na
abastecimento de água que afetam os desigualdades sociais. escala territorial de gestão, cujo for-
municípios brasileiros, sendo respal- Retomando o caso específico do mato vem estimulando a prática da
dada pela existência de financia- Comitê das Bacias do Leste, obser- co-gestão, através a participação dos
mentos dos organismos multilaterais va-se que este abre um espaço de usuários das bacias que tendem a
nos programas de saneamento e de
11
antipoluição dos recursos hídricos11. Este fato é reforçado pelo interesse do setor privado em investir nas Estações de Trata-
mento de Esgotos (ETE’s) que fazem parte do Programa de Despoluição das Bacias
Neste sentido, vale salientar a Hidrográficas (PRODES), criado em 2001, o que confirma a intenção da ANA - Agencia
experiência dos Comitês de Bacias Nacional das Águas de investir na preservação dos recursos hídricos do país.

102 Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO


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pela Internet acessando:
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RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA 103


NEOLIBERALISMO: CONSIDERAÇÕES
ACERCA DA ORIGEM E HISTÓRIA DE
UM PENSAMENTO ÚNICO

Vera Spínola1

Resumo versal paradigm, especially over the logia hegemônica nas duas últimas
O corrente estudo mostra os ca- last two decades of the twentieth décadas do século XX, conquistan-
minhos seguidos pelo neoliberalis- century. It describes its origin since do uma estrondosa vitória teórica e
mo na sua trajetória para se tornar 1944, with the followers of Friedrich ideológica e transformando-se num
um pensamento único, um paradig- Hayek, its differences and similari- senso comum. Uma das razões se
ma mundial, sobretudo nas duas ties with the classic liberalism, in deve à resistência de uma rede qua-
últimas décadas do século XX. Des- opposition with the principle of the se maçônica de intelectuais com idéi-
creve sua origem a partir de 1944 Welfare State; its rise as an alterna- as opostas às políticas keynesianas
com os seguidores de Friedrich tive to the capitalism crisis of the que dominaram o mundo ocidental
Hayek; suas semelhanças e diferen- 1970’s. The ideological and econo- nos vinte anos pós-guerra, caracte-
ças em relação ao liberalismo clássi- mic fundamentals of Milton Fried- rizados pelo prolongado crescimen-
co, em oposição aos princípios do man’s thought are discussed, as well to econômico dos países industriali-
Estado do Bem Estar; sua ascensão as the role of the State under this zados. Os seguidores da corrente
como alternativa à crise do capita- author’s approach. The implementa- neoliberal organizam-se a partir de
lismo dos anos 1970. Discutem-se os tion of the neoliberalism in the Uni- 1947, sob a liderança do economista
fundamentos ideológicos e econômi- ted States is marked by Ronald Friedrich Hayek, reunindo-se pelo
cos do pensamento de Milton Fried- Reagan’s economic policy, also menos duas vezes ao ano por quase
man, bem como o papel do Estado called Reaganomics. The current três décadas, sem nunca abrir mão
na abordagem deste autor. A imple- study deals with the contradictions de suas convicções teóricas e práti-
mentação do neoliberalismo nos Es- of the neoliberal model itself and of cas. Sua trajetória pode ser marcada
tados Unidos é configurada na polí- the Washington Consensus that has por três etapas, a primeira, de acor-
tica econômica de Ronald Reagan. become the liberal paradigm follo- do com o historiador inglês Perry
Reflete-se sobre as contradições con- wed by the Latin American countries Anderson, a da clandestinidade, tem
tidas no próprio modelo neoliberal e towards their embedment in the início nos anos 40; a segunda, a par-
no Consenso de Washington, que se world economy and to fight their tir dos anos 60, é quando suas idéi-
transformou no paradigma liberal chronicle inflation problem. as começam a ganhar espaço acadê-
seguido pelos países da América mico, sobretudo nas universidades
Latina para sua inserção na econo- norte-americanas, com destaque
mia mundial e combate ao crônico Key words: Neoliberalism; Mone- para o trabalho do economista Mil-
problema de inflação. tarism; Milton Friedman: Washing- ton Friedman e de muitos outros; a
ton consensus; Reaganomics. terceira, caracterizada pela passa-
Palavras-chave: Neoliberalismo; gem do campo teórico para a políti-
Introdução
Monetarismo; Milton Friedman; Con- ca quase em efeito dominó, foi inau-
senso de Washington; Reaganomics . O presente trabalho se propõe a gurada pela vitória eleitoral de Mar-
discutir as motivações que levaram garet Thachter em 1979 na Inglater-
Abstract o neoliberalismo a se tornar a ideo- ra, seguida de Ronald Reagan em
The current paper shows the path
followed by the neoliberal doctrine 1
Mestre em Economia pela UFBA; professora de Economia Internacional da UNIFACS;
to become the sole thought, an uni- técnica da Desenbahia. E-mail: vspinola@uol.com.br; vspinola@desenbahia.ba.gov.br.

104 Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO


1980 nos Estados Unidos, e, em al- 1994), escrita em 1944 é considera- bawm (1995), fizeram os “anos dou-
guns aspectos, pela vitória de Helmut da seu ponto de partida. Nela o au- rados”, serem dourados, ao referir-
Kohl na Alemanha em 1982. tor faz uma acirrada crítica ao pen- se aos vinte anos de prosperidade
Além desta introdução, o presen- samento hegemônico de que o pla- por que passou o capitalismo no pe-
te estudo está estruturado em seis nejamento econômico pelo Estado é ríodo pós-guerra. De acordo com esse
itens. O segundo item trata da ori- o caminho para combater as crises autor, ninguém os ouviu na era do
gem do neoliberalismo com a forma- do capitalismo e inclusive salvá-lo ciclo virtuoso de crescimento prolon-
ção do grupo de Mont Pèlerin; o ter- dos regimes autoritários extremos, gado entre os anos 1940 e 1970.
ceiro discute as diferenças e simila- como o nazismo, à direita, e o socia- A chegada da crise é percebida
ridades entre o liberalismo clássico lismo, à esquerda. Hayek via os se- com maior clareza em 1973, com o
e o neoliberalismo, em oposição à guidores dessa corrente, configura- aumento dos preços do petróleo. É
política keynesiana. O quarto tópi- da no Estado do Bem-Estar, a “cami- também no início dos anos 1970 que
co, o mais extenso, discorre sobre o nho da servidão”. Para esse autor, a ocorre o rompimento do acordo de
papel do Estado na visão de Milton real transformação social não deve- Bretton Woods, quando o presidente
Friedman e está dividido em cinco ria ser intencional ou planejada. Nixon declara que o dólar não é mais
subitens: os deveres do Estado; a Qualquer limitação aos mecanismos conversível em ouro. Esse acordo, fir-
(im)possibilidade do Estado em cor- de mercado por parte do Estado re- mado em 1944 entre 44 países não
rigir as falhas de mercado; a (im)pos- presentava uma ameaça letal à liber- socialistas, teve como objetivo esta-
sibilidade do Estado em intervir no dade econômica e política. belecer o equilíbrio econômico inter-
nível de emprego; as políticas soci- O alvo imediato de Hayek, àque- nacional através um sistema mone-
ais e o papel do Estado na Educa- la época, era o Partido Trabalhista tário baseado num regime de taxas
ção; e, finalmente, os fundamentos inglês, provável vencedor nas elei- de câmbio fixas em relação ao dólar,
do monetarismo. O quinto item, O ções gerais de 1945 na Inglaterra, que por sua vez seria conversível em
Neoliberalismo na Prática, trata da como realmente ocorreu. Afirmava, ouro - padrão-ouro-dólar. O Fundo
sua implantação nos Estados Uni- com veemência, que apesar das boas Monetário Internacional – FMI, ins-
dos com a política econômica de intenções, a social-democracia mo- tituição criada no âmbito de Bretton
Ronald Reagan, também conhecida derada inglesa conduziria ao mes- Woods, com cotas dos diferentes paí-
como reaganomics. Além disso, dis- mo desastre que o nazismo alemão – ses, coordenaria o regime de câmbio
cute-se a influência do neoliberalis- uma servidão moderna (Anderson, fixo e financiaria países com proble-
mo no “Consenso de Washington” 1995). Enquanto construíam-se as mas de balanço de pagamentos, que
e no seu receituário. Levantam-se bases do Estado do Bem-Estar euro- seriam monitorados por políticas de
algumas questões sobre sua adapta- peu no período pós-guerra, Hayek ajustes. O Banco Mundial promove-
ção às economias da América Lati- convocou aqueles que compartilha- ria a reconstrução dos países afeta-
na, porém este tema requereria um vam de suas idéias para uma reu- dos pela guerra.
estudo mais longo e aprofundado nião na estação de Mont Pèlerin nos Gastos com a guerra do Vietnam
que foge do escopo do presente tra- Alpes suíços, em 1947. Dentre seus e com o programa espacial dos Esta-
balho. Por fim, tecem-se as conside- seguidores encontravam-se os adver- dos Unidos, além do aumento da
rações finais apontando alguns pa- sários do Estado de Bem-Estar euro- liquidez mundial com a expansão
radoxos do neoliberalismo, na nos- peu e da política de recuperação nor- do mercado de eurodólares, levaram
sa percepção. Uma das característi- te-americana à crise 29 configurada à inflação dos anos 70. A partir de
cas do grupo de Mont Pèlerin foi a no New Deal (Anderson, 1995). Foi 1973, o modelo keynesiano de cres-
disciplina, a organização, e até a assim fundada a Sociedade de Mont cimento econômico do período pós-
paciência em saber esperar o mo- Pèlerin, constituída pelos notórios guerra começa a dar sinais de esgo-
mento certo para colocar suas idéias participantes do evento. Dentre os tamento. O mundo capitalista avan-
em prática. mais destacados estavam Milton çado entra num processo de estag-
Friedman, Karl Popper, Lionel Rob- flação, ou seja, numa longa e profun-
bins, Ludwig Von Mises, Walter Eup- da recessão combinada, pela primei-
Origem
ken, Walter Lipman e Michael Po- ra vez, com altas taxas de inflação.
O neoliberalismo tem origem de- lanyi. Tornou-se um grupo dedicado Segundo Hobsbawn (1995) a maio-
pois da II Guerra Mundial como uma e organizado, voltado a combater o ria dos governos considerava a crise
reação teórica e política contra o Es- keynesianismo e preparar as bases de passageira. Não haveria porque mu-
tado intervencionista de Bem-Estar. um outro tipo de capitalismo, duro e dar políticas que haviam funciona-
A obra do austríaco naturalizado livre de regras para o futuro. do tão bem por toda uma geração.
inglês, Friedrich Hayek (1899-1992), Eles continuavam condenando No fundo, essas concepções se ba-
O Caminho da Servidão (Hayek, as políticas que, segundo Hobs- seavam na crença do poder ilimita-

RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA 105


do de expansão da produção, na atribuídas à sorte e não às condições sicos, não havia desemprego invo-
possibilidade de um crescimento estruturais da sociedade que surgem luntário, pois só ficariam fora do
permanente e linear da acumulação do modo de produção capitalista mercado de trabalho aqueles que não
de capital. (BIANCHETTI, 2001) aceitassem trabalhar no nível de sa-
De acordo com Hobsbawn (1995), A teoria clássica supunha um lário oferecido.
a única alternativa que se vislumbra- estado de equilíbrio econômico per- A título de ilustração, vale lem-
va era oferecida pelo grupo mino- manente, resultante de uma situação brar o efeito Pigou, ou efeito riqueza,
ritário dos seguidores de Hayek. Sua na qual o bem estar coletivo é maxi- como mecanismo de superação da
ideologia agora era reforçada pela mizado quando cada indivíduo age crise defendida pelos clássicos libe-
aparente impotência e fracasso das em seu próprio interesse econômico. rais. O economista inglês Arthur
políticas econômicas convencionais. O próprio Keynes (1983), começa seu Cecil Pigou, contemporâneo de
Assim, Friedrich von Hayek ganha livro, A Teoria Geral do Emprego, do Keynes, explicava que à medida que
o prêmio Nobel de economia em Juro e do Dinheiro, lançado em 1936, a economia entrava em recessão os
1974, e, dois anos depois, em 1976, o com um questionamento ao suposto salários e preços caíam e, à propor-
ganhador é Milton Friedman. equilíbrio clássico: ção que isso acontecia, o valor ou
poder aquisitivo de uma determina-
“Argumentarei que os postulados da quantia de dinheiro aumentava.
Liberalismo Clássico e da teoria clássica se aplicam ape-
As pessoas que haviam retido di-
Neoliberalismo X Keynes nas a um caso especial e não ao
caso geral, pois a situação que ela nheiro verificariam que poderiam
Em geral, autores consideram o supõe acha-se no limite das possí- comprar mais do que podiam antes,
neoliberalismo como um movimen- veis situações de equilíbrio...” e, desta forma passariam a consu-
(KEYNES, 1983)
to político econômico heterogêneo mir mais e, conseqüentemente, a eco-
com uma proposta econômica de re- nomia se reativaria. Em outras pala-
torno aos princípios ortodoxos do O conceito de equilíbrio econômi- vras, não haveria necessidade de cri-
liberalismo, ou seja, às propostas da co pode ser entendido pela “Lei de ar mecanismos de reaquecimento da
economia clássica como única alter- Say”, segundo a qual não poderia demanda, como também diriam os
nativa de superação da crise pela ocorrer escassez de poder de com- neoliberais no final do século XX.
qual passam as sociedades. pra no sistema econômico. Primei- Na visão de Fiori (1997), entretan-
Segundo Fiori (1997) a utopia do ramente porque o processo de pro- to existem diferenças fundamentais
liberalismo de Adam Smith, de 1776, dução capitalista é também o de ge- que singularizam o liberalismo do
é a mesma do neoliberalismo “me- ração de renda (salário, lucros, alu- final de século XX: a) do ponto de
nos de Estado e de política possível”. guéis etc.) e, portanto, de criação de vista metodológico, com os avanços
Busca-se a despolitização total dos fonte de financiamento da deman- da Econometria, o individualismo é
mercados e a liberdade absoluta de da; e segundo, porque dada a exis- configurado em sofisticados mode-
circulação dos indivíduos e dos ca- tência dos mecanismos automáticos los matemáticos e teorias, com base
pitais privados. Defende-se o indi- dos mercados livres, os movimentos no utilitarismo, a exemplo da “teo-
vidualismo. A igualdade social apa- de ajuste espontâneos de salários, ria dos jogos”, em Nash, das “expec-
rece como igualdade de oportunida- preços e juros garantiriam que os tativas racionais”, em Lucas; b) a
des ou mesmas condições iniciais níveis de demanda não ficassem per- ideologia liberal se combinou de for-
para todos, apesar dos indivíduos manentemente aquém dos níveis de ma virtuosa com a revolução da in-
pertencerem a grupos sociais com produção e de pleno emprego (MOU- formação concorrendo para a desre-
diferenças econômicas, sociais, étni- RA DA SILVA, 1983). Em outras pa- gulamentação dos mercados e para
cas, etc., que tornam as condições de lavras a oferta seria sempre igual à a chamada globalização financeira;
partida desiguais. Com base nas di- demanda. c) a derrota comunista contribuiu
ferenças e competências de cada um, Na visão de Keynes o equilíbrio para consolidar a hegemonia do li-
seriam gerados resultados distintos seria uma exceção e não regra, só beralismo; d) o novo liberalismo apa-
e até necessários para a própria di- possível de ocorrer em uma econo- rece como uma vitória ideológica.
nâmica da sociedade capitalista. O mia fechada do tipo Robinson Cru- Este último item, segundo Fiori,
liberalismo, do século XVIII ou do soé, sem moeda, em que o valor de legitima uma espécie de vingança
final do século XX, se coloca contra troca é exatamente igual ao custo de selvagem do capital contra a políti-
a busca da igualdade entre os indi- produção. Na concepção clássica se ca e contra os trabalhadores justa-
víduos ou grupos sociais pela via da houvesse um aumento do desempre- mente logo após uma época em que
intervenção do Estado. Tanto no li- go, ou elevada variação de preços, o as políticas públicas e a luta dos tra-
beralismo quanto no neoliberalismo, próprio mercado se auto-regularia e balhadores haviam conseguido cons-
as causas das desigualdades são a crise seria superada. Para os clás- truir o welfare state.

106 Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO


“ ... muito do
crescimento
uma economia com pouca capacida-
de ociosa, poderá gerar surtos infla-
cionários (KEYNES, 1983).
Friedman (1979), seguindo os
princípios de Smith, admite que os
três principais deveres do Estado
Em contrapartida, a receita de são: 1) proteger a sociedade da vio-
artificialmente Hayek era manter um Estado sufi- lência e da invasão de outras socie-
cientemente forte para romper o po- dades independentes; 2) proteger
induzido nos anos der dos sindicatos e controlar o di- todos os membros da sociedade da
nheiro, através da contração mone- injustiça ou opressão de cada um
dourados representou tária e redução dos gastos sociais. A dos outros membros através do esta-
estabilidade monetária deveria ser a
um desperdício de meta suprema de qualquer governo.
belecimento de regras e leis; 3)
edificar e manter determinadas obras
recursos. As intervenções anticíclicas, basea- públicas, cujo retorno não seja atra-


Segundo Hayek, as raízes da cri-
das nos princípios keynesianos de
demanda efetiva, haviam desviado
o curso normal da acumulação e do
tivo à iniciativa privada.
Segundo Friedman (1979) o ter-
ceiro dever do Estado é o que gera
se dos anos 1970 estavam localiza- livre mercado. mais polêmica e tem sido utilizado
das no poder excessivo e nefasto dos Os adeptos da Sociedade de Mont para justificar uma gama muito am-
sindicatos e, de maneira mais geral, Pèlerin constatavam que muito do pla de atividades. Na sua visão refe-
do movimento operário, que havia crescimento artificialmente induzi- re-se a um dever válido para um Es-
corroído as bases de acumulação do nos anos dourados representou tado voltado à preservação de uma
capitalista com suas pressões reivin- um desperdício de recursos. Para sociedade livre, porém pode ser in-
dicativas sobre os salários com sua eles, a dura verdade é que o mundo terpretado para justificar suas ilimi-
pressão parasitária para que o Esta- ocidental estava levando a vida além tadas dimensões.
do aumentasse cada vez mais os gas- de suas posses (BIANCHETTI, 2001). O quarto dever do Estado, acres-
tos sociais. Esse processo reduziria A solução seria promover uma dis-
centado por Friedman aos três prin-
o lucro das empresas e desencadea- ciplina orçamentária, com a conten-
cípios de Smith, seria proteger os
ção dos gastos como bem-estar e a
ria processos inflacionários. membros da comunidade considera-
restauração da taxa “natural” de
Esta questão constitui-se numa dos incapazes, como crianças e os
desemprego, ou seja, criação de uma
grande contradição do sistema ca- doentes mentais. A responsabilida-
massa de desempregados para que-
pitalista. Para não haver estagnação, de sobre as crianças, a não ser nes-
brar os sindicatos. As reformas fis-
o processo de acumulação de capi- ses casos excepcionais, é das famíli-
cais incentivariam os agentes econô-
tal deve ser contínuo, ou seja, é pre- as. A família deve ser o sustentáculo
micos. Defendiam reduções de im-
ciso que haja reinvestimento cons- da sociedade, mas, segundo Fried-
postos sobre os rendimentos mais
tante do excedente econômico para man (1979), seu papel tem sido en-
altos e sobre as rendas. Uma nova e
manter a geração de lucro. Para que fraquecido pelo crescente papel pa-
saudável desigualdade voltaria a
isso ocorra, as empresas tendem a dinamizar as economias avançadas. ternalista do Estado.
reduzir a proporção dos gastos com Pode-se sintetizar o receituário Como exemplo de Estado liberal
salários em relação aos custos com neoliberal em: contração da emissão bem sucedido, Friedman, escreven-
capital fixo. Acontece que os salários monetária; redução de impostos so- do em 1979, cita Hong Kong, antes
vão perdendo poder de compra no bre rendimentos elevados e abolição de sua incorporação à China. Des-
sistema como um todo, o que se re- de controles sobre os fluxos finan- creve essa cidade-estado como uma
verte em contração da demanda e ceiros. pequena extensão territorial de ape-
queda na taxa de lucro das empre- nas 400 milhas quadradas, com uma
sas. Este tema foi amplamente estu- população de 4,5 milhões de habi-
dado por Marx. Os mecanismos O Papel do Estado na visão tantes, com uma elevadíssima den-
keynesianos visavam manter o em- de Milton Friedman sidade demográfica. Não existiam
prego elevado e a demanda efetiva tarifas ou quaisquer barreiras de co-
Os deveres do Estado
através de políticas fiscais e mone- mércio, a não ser alguns acordos de
tárias, com expansão dos gastos do No pensamento de Friedman o restrição voluntária, impostos pelos
governo enquanto houvesse capaci- Estado é visto como uma forma vo- Estados Unidos. O Estado não tinha
dade ociosa. Provavelmente a inten- luntária de cooperação, um meio uma política econômica ou industri-
ção de Keynes era salvar o capitalis- pelo qual as pessoas de uma socie- al definida. Não havia leis que regu-
mo, ameaçado pelo avanço socialis- dade escolhem para atingir seus ob- lassem o salário mínimo. Os residen-
ta. Keynes reconhece, contudo, que jetivos, porque acreditam na eficácia tes podiam investir onde quisessem,
expansão monetária ou fiscal, em das suas instituições. contratar quem quisessem, trabalhar

RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA 107


“ Seus Estados
autoritários e
desenvolvimento. Não se pode afir-
mar que suas políticas públicas te-
nham seguido o receituário liberal.
co por excelência, reconhece a exis-
tência de falhas, porém não acredita
na capacidade do governo em com-
pensar as falhas de mercado, como
paternalistas, se por A (im)possibilidade do Estado em
na abordagem keynesiana, sem pio-
rar as coisas ainda mais. As políti-
um lado não corrigir as falhas de mercado
cas distributivas direcionadas pelo
Segundo Friedman (1979) o argu- Estado desvirtuariam o funciona-
garantiam direitos mento chave contido na obra de mento dos mecanismos de distribui-
Smith, a Riqueza da Nações, é extre- ção natural.
trabalhistas, mamente simples: a troca voluntá-
investiram ria entre duas partes só ocorrerá se
ambas acreditarem que serão mutu-
A (im)possibilidade do Estado em
intervir no nível de emprego
pesadamente em amente beneficiadas. Na sua visão,
a maioria das falácias econômicas Friedman (1994) acredita que a
educação básica, decorre do fato de se acreditar que, taxa de desemprego cresceu a partir
na troca, uma parte só pode ganhar dos anos 70 nos EUA devido a inter-
pesquisa e às custas da outra. venções governamentais no merca-
Entende-se mercado como um lo- do de trabalho, sobretudo através
desenvolvimento.
para quem quisessem.
” cal abstrato onde se realizam trocas.
Os preços formados nas transações
voluntárias entre compradores e ven-
das chamadas ações afirmativas.
Segundo ele, com a revolução keyne-
siana o tema emprego/desemprego
O Estado se limitava aos quatro dedores num livre mercado podem se tornou uma grande questão polí-
deveres mencionados por Friedman. coordenar as atividades de milhões tica.
Deveria reforçar as leis e a ordem, de pessoas, cada qual buscando seus Uma das contribuições de Keynes
fornecer os meios para se formula- próprios interesses, segundo Fried- à teoria econômica ao estudar o de-
rem regras de conduta, julgar dispu- man (1979). Os preços desempenham semprego prolongado da crise de 29,
tas, facilitar o transporte e comuni- três funções na organização da ativi- foi mostrar a existência de desempre-
cação, e supervisionar a emissão de dade econômica: transmitem infor- go involuntário. A teoria clássica
moeda. Embora o governo de Hong mação; fornecem um incentivo para admitia apenas dois tipos de desem-
Kong houvesse fornecido habitação se adotarem métodos de produção prego, o voluntário e o friccional, que
gratuita aos recém chegados refugia- que otimizem a alocação dos recur- decorre da desinformação do traba-
dos da China comunista, seus gas- sos disponíveis; e se constituem num lhador sobre a oferta de vagas em
tos representavam uma fração ínfi- mecanismo de distribuição de renda, determinadas atividades. O desem-
ma da renda da população. determinando, numa cadeia produ- prego friccional, ou natural, resulta
Obviamente Hong Kong tinha, e tiva, quanto deve ser apropriado para da mobilidade da força de trabalho
tem, suas peculiaridades como cen- cada agente. entre diferentes setores. Pela teoria
tro financeiro da Ásia, como porta Para que os preços se configuras- clássica, um dos meios para aumen-
de entrada para a China, e seu mo- sem num mecanismo perfeito de di- tar o emprego é a melhoria da orga-
delo não pode ser generalizado. Ser- fusão de informações, de coordena- nização e maior eficiência dos canais
ve apenas para ilustrar qual deve ser ção de trocas, de equalização de cus- de informação para diminuir o de-
o papel do Estado na visão de Fried- tos dos fatores, capital e trabalho, semprego friccional. Este ocorre por
man. Vale lembrar que a prosperi- bem como de distribuição de rique- desajuste ou falta de mobilidade en-
dade econômica dos outros Tigres za, seria preciso que toda a cadeia tre a oferta e a procura, quando em-
Asiáticos de primeira geração, como de fornecedores tivesse informação pregadores com vagas desconhecem
Taiwan, Coréia do Sul, Cingapura perfeita sobre o mercado de fatores e a existência de mão-de-obra dispo-
não foi atingida com políticas libe- de bens. nível, enquanto trabalhadores de-
rais. Nesses países, havia elevadas As imperfeições de mercado na sempregados desconhecem a oferta
barreiras comerciais à importação e transmissão de informações são cha- real de postos de trabalho. Um outro
os fluxos financeiros eram rigida- madas falhas de mercado ou assime- meio seria uma redução dos salários
mente regulamentados. Seus Esta- trias. Estas podem ser definidas reais para os quais ainda existe mão-
dos autoritários e paternalistas, se como qualquer situação que desvie de-obra disponível, de modo a dimi-
por um lado não garantiam direitos o mercado do equilíbrio. Embora nuir o desemprego voluntário.
trabalhistas, investiram pesadamen- Friedman (1994) considere o merca- Segundo Keynes os meios clássi-
te em educação básica, pesquisa e do como um mecanismo democráti- cos pressupunham um acordo de-

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clarado ou tácito entre os operários ticas dependem das características cação era um bom investimento pú-
de não trabalhar por menos, e que, do conflito social e da correlação de blico e que aumentaria a produção e
se todos admitissem uma redução forças que nele intervêm. Em uma a renda. Segundo Friedman (1979),
dos salários nominais, maior seria o formação social concreta os setores a implantação do sistema de educa-
volume de emprego atendido. Para dominantes promovem uma deter- ção nos Estados Unidos como uma
que a abordagem clássica fosse ver- minada política social em função de ilha de socialismo num sistema de
dadeira seria necessário que a oferta seus interesses estratégicos, utilizan- livre mercado refletia a desconfian-
de trabalho fosse apenas função in- do, para isso, as estruturas políticas ça dos intelectuais (provavelmente
versa do nível de salário real. Com sobre as quais exercem hegemonia. como Mann) no mercado e na eficá-
muita propriedade, Keynes relacio- Para Hayek, as políticas sociais cia das trocas voluntárias, um dos
na os pressupostos clássicos com a distributivas tendem a enfraquecer argumentos principais da corrente
realidade: as atitudes que promovem de fato a liberal.
liberdade e a contrariar os efeitos Segundo Friedman (1979), a par-
“Não se pode dizer que nos Esta-
dos Unidos, o desemprego de 1932 benéficos da livre sociedade e da li- tir da grande depressão de 29, o pú-
resultou de uma resistência do tra- vre economia. Os neoliberais defen- blico se junta aos intelectuais numa
balhador em aceitar uma redução dem a privatização da saúde, da pre- fé incondicional nas virtudes da in-
de salários nominais ou de uma vidência e da educação. Dentre as tervenção do Estado, sobretudo do
insistência obstinada em conseguir
um salário real superior ao que alternativas oferecidas pelo merca- governo central, na educação. A es-
permitia a produtividade de siste- do, o indivíduo pode optar pelo pla- cola vai se transformando num meio
ma econômico...” (KEYNES, 1983) no de saúde ou de aposentadoria que de promover a mobilidade social, a
lhe for conveniente, contribuindo fi- integração racial e outros objetivos
Friedman (1994) declara que não nanceiramente conforme suas pos- apenas distantemente relacionados
considera útil a distinção entre de- sibilidades. com sua função primordial. Segun-
semprego voluntário e involuntário Segundo Friedman (1979) a edu- do Bianchetti (2001) não é difícil en-
introduzida por Keynes. Isto signifi- cação sempre foi componente prin- tender que, para Friedman, o cresci-
ca ignorar uma das maiores contri- cipal do chamado Sonho America- mento da educação desviou-se do
buições da teoria keynesiana. Fried- no. As escolas estabelecidas pelos caminho originário destinado a for-
man, em 1993, insiste em abordar a primeiros imigrantes no continente mar elites de poder ou a dar a cada
questão do desemprego da mesma americano, no século XVII, eram pri- um o que sua função social destina-
maneira que clássicos do final do vadas e a freqüência era estritamen- va. De fato Friedman (1979) declara
século XVIII, quando o contexto his- te voluntária. Pouco a pouco o go- que a tragédia, e ironia, é que um sis-
tórico do final do século XX é com- verno começou a ter uma participa- tema dedicado a proporcionar às cri-
pletamente diferente. Parece teimo- ção mais efetiva, primeiramente con- anças uma linguagem comum e os
sia de Friedman. tribuindo com apoio financeiro e valores da cidadania norte-america-
Para combater o desemprego este mais tarde administrando escolas na, deveria na prática exacerbar a
autor defende a liberalização do públicas. A freqüência à escola só estratificação da sociedade e forne-
mercado de trabalho; a eliminação passou a ser obrigatória a partir de cer oportunidade educacional desi-
das ações afirmativas, com as quo- 1918. gual.
tas de emprego; a não fixação de sa- O vínculo entre o Estado e a esco- As críticas de Friedman à escola
lário mínimo para que o próprio la ganhou força com as idéias de pública no Estados Unidos demons-
mercado estabeleça as taxas de salá- Horace Mann, secretário de educa- tram claramente sua visão de que ao
rios. ção do Estado de Massachusetts em ser comum, a educação cria obstá-
1837. Durante mais de uma década culos à “seleção natural” da socie-
ele conduziu uma campanha pela dade e limita as possibilidades de
Políticas Sociais e o papel escola custeada pelo governo e con- escolha individual. Seu argumento
do Estado na Educação trolada por educadores profissio- parece uma aplicação direta da teo-
nais. Considerava a educação tão ria da evolução das espécies de
No que se refere a políticas soci- importante que o governo tinha o Charles Darwin nas relações sociais.
ais, Bianchetti (2001) as considera dever de proporcioná-la a todos, que A proposta de Friedman para fi-
como estratégias promovidas a par- as escolas deveriam ser seculares e nanciar a educação primária e se-
tir do nível político com o objetivo de incluir crianças de todas os extratos cundária é a dos “cupons”. Os fun-
desenvolver um determinado mode- sociais, religiosos e étnicos. A escola dos públicos estabelecidos para a
lo social. Constituem as políticas li- livre e universal possibilitaria a su- educação deveriam ser divididos
gadas à saúde, educação, habitação peração dos problema de pobreza entre as pessoas que os solicitassem.
e previdência social. Suas caracterís- dos pais. Ele proclamava que a edu- Com esse instrumento, comprariam

RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA 109


no mercado a oferta educacional que abordagem neoliberal, a estabilida- curto prazo V é constante, ou sofre
mais se adaptasse às suas necessi- de monetária é o maior objetivo eco- alterações imperceptíveis, existe uma
dades e expectativas. Para evitar que nômico que se deve perseguir e con- relação direta entre a quantidade de
a proposta significasse um maior trolar. Política monetária consiste moeda em circulação e o nível de
gasto na educação, seria necessário num conjunto de medidas adotadas preços e de produção.
que o valor do cupom fosse suficien- pelo governo visando adequar os A partir dessa identidade básica,
te menor do que o custo corrente pelo meios de pagamento disponíveis às Friedman, elabora um modelo mate-
aluno da escola pública para man- necessidades da economia do país. mático com a introdução de novas
ter as mesmas despesas públicas to- O Banco Central pode recorrer a di- variáveis, como a taxa de juros (r) e a
tais. A menor quantia gasta numa versas técnicas de intervenção con- taxa de inflação esperada (pe), repre-
escola privada competitiva prova- trolando a taxa de juros pela fixação sentado sinteticamente por Md= f (r,
velmente proporcionaria educação das taxas de redesconto cobradas pe)PY, em que Md é a demanda por
de qualidade mais alta do que a dos títulos públicos, regulando as moeda. Segundo Simonsen (1995) a
quantia maior ora gasta com as es- operações de open market, ou im- equação de Friedman é muito mais
colas públicas. Esse montante bási- pondo aos bancos o sistema de re- sofisticada do que a teoria quantita-
co encontraria, naturalmente, dentro servas obrigatórias (depósitos com- tiva da moeda que não considerava
das leis do mercado, as instituições pulsórios) para garantir a liquidez a taxa de juros como variável, além
privadas ou públicas com disposi- do sistema bancário. de restabelecer a primazia da políti-
ção para aceitar os cupons, e, no caso Friedman é considerado o prin- ca monetária como instrumento de
de o preço da oferta ser maior, os pais cipal teórico da escola monetarista. combate à inflação e de ação anticí-
arcariam com a diferença. De acordo com ele deve-se explicar clica. A política de metas de inflação
O papel subsidiário assumido as variações da atividade econômi- adotada no Brasil com maior preci-
pelo Estado em relação à educação ca pelas variações da oferta de di- são a partir de 1999, quando a taxa
significa também o apoio à iniciativa nheiro, e não pelas variações do in- de câmbio deixa de ser fixada pelo
privada, pois esse investimento sem- vestimento. Considera inútil e pre- Banco Central para se formar no mer-
pre é menor que o requerido para sus- judicial a intervenção do Estado na cado de acordo com as flutuações de
tentação de uma estrutura maior. expansão do desenvolvimento eco- oferta e demanda de divisas, no nos-
O Estado não deve assumir o nômico, por meio de despesas de in- so entendimento, deve ter sido forte-
compromisso de financiar a educa- vestimento. Deve-se dirigir cientifi- mente influenciada pela abordagem
ção superior, sendo esta resultado camente a evolução da massa de di- monetarista. Filgueiras (2003) cha-
das possibilidades familiares ou do nheiro em circulação para obter o ma atenção que a partir de 1999 a
compromisso realizado com institui- desenvolvimento e a estabilidade âncora cambial é substituída pelo
ções de financiamento para devol- econômica: a inflação e outros fenô- regime de metas de inflação.
ver o recebido, uma vez que o aluno menos teriam raízes puramente mo- Segundo Filgueiras (2003) o obje-
tenha terminado seus estudos e se netárias. tivo da política de “metas inflacio-
inserido no mercado de trabalho. O estabelecimento de um total nárias” é o de controlar a inflação
Friedman propõe que haja uma es- monetário, não necessariamente via com menor volatilidade na taxa de
pécie de “bolsa de valores de cére- taxa de juros, é, segundo Friedman, crescimento do PIB e, por conseqü-
bros”, onde os empresários investi- o melhor guia de política econômi- ência, com menor instabilidade e
riam naqueles estudantes que, pelo ca. Deve-se evitar oscilações bruscas flutuação do emprego – quando
desempenho escolar, demonstras- na política monetária para que a comparada com a utilização de “me-
sem ser um investimento lucrativo. população tenha confiança na esta- tas monetárias” que, adicionalmen-
Como quase tudo na lógica libe- bilidade do sistema. Friedman de- te, também são difíceis de se atingir,
ral, a educação é uma mercadoria de senvolve um modelo matemático uma vez que a fluidez do sistema fi-
troca, da qual os indivíduos podem fundamentado na clássica teoria nanceiro inviabilizou, de vez, o con-
apropriar-se de acordo com suas quantitativa da moeda, cujas origens trole dos agregados monetários.
possibilidades e estão livres para remontam ao século XVIII. A teoria
fazer suas próprias escolhas e tro- quantitativa da moeda é representa-
O Neoliberalismo em Prática
cas, contanto que sejam voluntárias da pela identidade MV=PY, em que
(Free to Choose...) M é a quantidade de moeda em cir-
Ronald Reagan: neoliberal
culação; V, a velocidade de circula-
militarista
ção da moeda; P, um índice repre-
O Monetarismo
sentativo dos preços na economia; e Ronald Reagan foi o segundo lí-
Uma das funções do Estado é Y, um índice do volume físico de der do mundo industrializado, de-
monitorar a emissão da moeda e, na transações. Considerando que no pois de Margareth Thatcher a rom-

110 Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO


“ Nos
primeiros anos da
da de receitas, o déficit fiscal ameri-
cano explodiu (Ibidem, 1995).
O Tesouro, seguindo a linha mo-
res destacados por Simonsen (1995):
1) política monetária bem controla-
da; 2) queda dos preços internacio-
netarista segundo a qual o melhor nais do petróleo e de outros produ-
década de 80 o guia de política econômica é estabe- tos primários; 3) dado o tamanho do
lecer um total monetário, havia deci- mercado norte-americano, muitos
desemprego atingiu dido suprimir o controle dos juros e preços são fixados em dólar, inde-
implantar o controle dos agregados pendente das oscilações da moeda
10,8% nos EUA, monetários. O primeiro resultado foi norte americana em relação a outras
a explosão dos juros em dólares em moedas.
o mais elevado 1980 e 1981, pois o déficit fiscal au- Em 1984, período da campanha
desde a Grande menta a demanda por dinheiro e con-
seqüentemente o preço do capital
de reeleição de Reagan, o PNB cres-
cia a 6,8% ao ano, e a inflação havia
Depressão... representado pela taxa de juros. Esta caído para 4,3%. Apesar do crash da

per com os princípios do estado do
política teve forte impacto no agra-
vamento das dívidas externas dos
países da América Latina. Houve
bolsa em 1987 o boom continuava
(GIBBS, 2004). Segundo Simonsen
(1995) o trunfo do governo Reagan
Bem-Estar. Segundo Simonsen (1995), uma corrida de capitais internacio- foi ter conseguido aumentar subs-
Ronald Reagan a partir de 1981 nais para os Estados Unidos. A essa tancialmente o prestígio dos Estados
encampou uma das mais exóticas altura o dólar começou a se valori- Unidos como porto seguro do capi-
experiências de política econômica. zar, num processo cumulativo e que talismo, apesar de ter se transforma-
Partiu dos princípios formulados só acaba em setembro de 1985. do, em uma década, de maior credor
pelo economista Robert Mundell Nos primeiros anos da década de em maior devedor internacional,
(1971) no início da década de 50. O 80 o desemprego atingiu 10,8% nos perdendo ativos e acumulando pas-
aumento do déficit público com os EUA, o mais elevado desde a Gran- sivos de trilhões de dólares.
gastos militares provocaria um au- de Depressão, segundo Gibbs (2004). A supremacia político-militar,
mento da taxa de juros, redução da A taxa de pobreza cresceu acelera- conseguida com a queda do muro de
demanda e consequentemente que- damente. Em 1983 o déficit fiscal Berlin em 1989 e a subseqüente
da da inflação. atingiu o marco dos US$ 200 bilhões. implosão da União Soviética, refor-
A inflação havia atingido 13,5% Mas a inflação havia baixado para çou ainda mais o prestígio interna-
nos Estados Unidos no último ano 3,7% em 1982. Em compensação a cional do dólar. O historiador inglês
do governo Carter, mas a economia economia recuperou-se rapidamen- Perry Anderson chama esta experi-
permanecia estagnada. Reagan re- te em 1983 e 1984. ência de keynesianismo militar. No
solve adotar a tese do economista Nesse meio tempo, com o dólar entanto, esta expressão parece redu-
Arthur Laffer, segunda a qual a ar- valorizado, a balança comercial dos cionista e até pejorativa em relação à
recadação fiscal dos Estados Unidos Estados Unidos atingiu enormes contribuição de Keynes à ciência eco-
aumentaria ao se reduzirem as déficits comerciais. Simonsen (1995) nômica.
alíquotas do imposto de renda: indi- comenta que essa era a contra- Segundo Gibbs (2004) os ganhos
víduos e empresas trabalhariam e partida da mistura “aperto monetá- proporcionados pela política econô-
poupariam mais, e o Tesouro arre- rio – expansão fiscal – taxas flutu- mica do governo Reagan não foram
cadaria mais dólares, ainda que co- antes de câmbio”. A maior parte do distribuídos eqüitativamente. Pela
brando menos por unidade de ren- déficit público norte americano foi primeira vez, desde a Grande De-
da do setor privado (SIMONSEN, financiada pelo ingresso de capitais pressão, aparecem nos Estados Uni-
1995). Posto isto em prática, a refor- estrangeiros, sobretudo japoneses e dos, os chamados homeless (sem teto).
ma fiscal de 1981 reduziu a incidên- alemães. O secretário do Tesouro A reestruturação das empresas pres-
cia do imposto de renda, provocan- entra em acordo com os ministros sionadas pela concorrência resultou
do substancial queda na arrecada- das finanças do Grupo dos Cinco numa febre de fusões e reengenha-
ção do Tesouro norte-americano. Ao (Estados Unidos, Japão, Alemanha, rias. Segundo Gibbs (2004) foi caóti-
mesmo tempo, o Presidente Reagan Inglaterra, França) para promover co para as empresas e doloroso para
resolveu aumentar os gastos milita- uma queda gradual do dólar medi- trabalhadores de todos os níveis,
res, esperando compensá-los com ante uma cooperação entre os Ban- mas no fim a economia norte ameri-
um corte nos gastos da Previdência cos Centrais. Com isso a valoriza- cana ficou mais competitiva, com
Social. O Congresso vetou estes últi- ção do dólar de 1981 a 1985 desfez- empresas mais inovadoras e ágeis
mos cortes e, como conseqüência, se nos cinco anos seguintes. A infla- para responder os impulsos do mer-
com o aumento de despesas e a que- ção não se acelerou graças aos fato- cado, ainda que seus trabalhadores

RDE – REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VI • Nº 9 • Janeiro de 2004 • Salvador, BA 111


se sentissem menos seguros ou fos-
sem menos fiéis. As turbulências
dos anos 80 contribuíram para o sal-
tivo intermediário mais realista e
até mesmo mais conveniente no
curto e médio prazos - para evitar
“ O sistema
de mercado requer
to da economia norte-americana em taxas muito elevadas - , procuran-
direção à alta produtividade e ao do o fim de juros privilegiados e que os direitos de
avanço tecnológico, da década se- visando a obtenção de uma taxa
guinte, (Ibid, 2004). de juros real positiva e moderada. propriedade sejam
5. Unificação da taxa de câmbio em
níveis competitivos, como o fim de claramente definidos
O Consenso de Washington
eliminar sistemas de taxa de câm-
O “Consenso de Washington” é bio múltiplos e assegurar o rápido
e que o sistema
a expressão cunhada para resumir
um decálogo de medidas de política
crescimento das exportações.
6. Liberalização comercial, através
jurídico seja
econômica consensuais entre as da substituição de restrições quan- eficiente...
agências norte-americanas e agên-
cias internacionais na capital norte-
americana. Seus dez pontos princi-
titativas por tarifas de importação,
que, por sua vez, deveriam ser re-
duzidas para um nível baixo “...de

modelo chileno de neo-primário-ex-
pais podem ser considerados como 10% ou, no máximo, perto de 20%.” portador, muito vulnerável às osci-
uma síntese das políticas defendi- 7. Abolição das barreiras ao investi- lações do mercado de commodities, ou
das pelo neoliberalismo, que se con- mento externo direto. seja, à demanda e oferta de matérias
figuraram como solução para a in- 8. Privatização. primas do mercado mundial.
flação crônica por que passavam os 9. Desregulamentação. Segundo Filgueiras (2003) a crise
países latino americanos na década 10. Garantia do direito de proprie- da Argentina se constitui num caso
de 80, a exemplo do México, Peru, dade, através da melhoria do sis- paradigmático do profundo fracas-
Bolívia, Argentina, Venezuela e Bra- tema judiciário. so do modelo liberal, no país que
sil. Este foi o último a aderir às polí- O título de livro de Friedman am- mais o implementou e mais se su-
ticas liberais, na década de 90, coro- plamente utilizado no corrente tra- bordinou à sua lógica. A manuten-
adas pelo Plano Real em 1994. balho é Free to Choose no qual o autor ção da Lei da Conversibilidade do
O decálogo do Consenso de Wa- discorre sobre as condições necessá- peso em dólar por mais de dez anos
shington foi sintetizado por Ferraz rias para se construir uma socieda- e os sucessivos ajustes fiscais - com
et al (2002) em: de em que o indivíduo tenha liber- a privatização de todo o patrimônio
1. Disciplina Fiscal – caracterizada dade de escolher. O título do capítu- público, redução do valor dos salá-
por um significativo superávit pri- lo 3 do livro de Stiglitz (2002) Globali- rios e aposentadorias e demissão de
mário e por déficits operacionais zation and its discontents é uma per- um grande contingente de servido-
de não mais de 2% do PIB. gunta: Freedom to Choose? Será que res públicos – “só aprofundaram as
2. Priorização dos gastos públicos, os países latino-americanos escolhe- dificuldades e jogaram a crise para
através de seu redirecionamento de ram o neoliberalismo por livre e es- adiante” (FILGUEIRAS, 2003).
áreas politicamente sensíveis, que pontânea vontade? A pergunta é am- De acordo com Stiglitz (2002) as
recebem mais recursos do que se- bígua. Será que haveria outra alter- políticas do Consenso de Washing-
ria economicamente justificável – nativa? ton estavam baseadas num modelo
como a manutenção da máquina Não cabe no corrente trabalho se simplista de economia de mercado,
administrativa, a defesa ou os gas- fazer uma análise do impacto do o modelo de equilíbrio competitivo,
tos como subsídios indiscrimina- neoliberalismo nas diversas econo- no qual a mão invisível de Adam
dos -, para setores com maior re- mias do mundo em suas diferentes Smith funciona. Segundo esse autor,
torno econômico e/ou com poten- dimensões, pois seria muito exten- embora a teoria da mão invisível de
cial para melhorar a distribuição so. As conseqüências da ideologia Smith tenha sido relevante para os
de renda, tais como saúde, educa- liberal para a economia latino-ame- países industrializados avançados,
ção e infra-estrutura. ricana são inúmeras. O tema tem sido no contexto histórico do final do sé-
3. Reforma fiscal, baseada na ampli- amplamente estudado por seguido- culo XVIII, as condições necessárias
ação da base tributária e na redu- res e opositores desta corrente. O ao seu funcionamento não eram ple-
ção de alíquotas marginais consi- Chile, país que primeiro aderiu ao namente satisfeitas nos países em
deradas excessivamente elevadas. modelo liberal, é considerado um desenvolvimento. O sistema de mer-
4. Liberalização do financiamento, paradigma pelos monetaristas e um cado requer que os direitos de pro-
com vistas à formação de taxas de falso paradigma para Cano (2000), priedade sejam claramente defini-
juros pelo mercado, ou como obje- da corrente cepalina, que chama o dos e que o sistema jurídico seja efi-

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ciente. Em outras palavras, a condi- exemplo da invasão das ilhas Malvi- é válida para aqueles que já possu-
ção 10 (Garantia do direito de pro- nas pela Argentina nos anos 80. De- em capital e qualificação antes de
priedade, através da melhoria do sis- pois do prolongado ciclo de cresci- entrar na luta, pertencentes às clas-
tema judiciário), enumerada no mento ao longo de toda a década de ses sociais mais elevadas, sobretu-
decálogo do Consenso de Washing- 1990, a economia norte-americana do da sociedade americana, seu foco
ton, dificilmente é plenamente aten- começou a dar sinais de desacele- principal. O aumento da concentra-
dida nos países periféricos. O siste- ração. Provavelmente os gastos com ção de capital, inerente à aplicação
ma de mercado requer competição e defesa não vão, por si só, levar a eco- das políticas liberais se dá tanto ge-
informação perfeitas. Porém, a com- nomia norte-americana a uma nova ográfica como setorialmente. Vale
petição é limitada e a informação fase de expansão. lembrar, a título de ilustração, que
está muito longe de ser perfeita, ape- Existem paradoxos no modelo se não fossem os incentivos ficais,
sar do desenvolvimento dos meios econômico liberal no que se refere à considerados uma distorção pelos
de comunicação. Este equilíbrio au- sua política monetária. O estabeleci- liberais, provavelmente a indústria
tomático de mercado provavelmen- mento de um agregado monetário, de transformação não estaria pre-
te nunca existiu, nem nos países de- não necessariamente via taxa de ju- sente na região nordeste do Brasil, e
senvolvidos no século XVIII. ros, é, segundo Friedman, o melhor muito menos na região sul dos Esta-
Parece que nas sociedades sub- guia de política econômica. Deve-se dos Unidos.
desenvolvidas, a sociedade civil não evitar oscilações bruscas na política Sua análise não considera a his-
é suficientemente amadurecida e monetária para que a população te- tória. Friedman quer aplicar indis-
muito menos suas instituições, repre- nha confiança na estabilidade do sis- criminadamente os mesmos princí-
sentadas pelas regras tácitas incuti- tema. Será que o mercado pode diri- pios clássicos válidos numa época
das nos costumes e pelo sistema ju- gir eficientemente a evolução da mas- 200 anos atrás. Ressalta-se que as
diciário. Segundo Stiglitz (2002) bas- sa de dinheiro num sistema que ao políticas públicas sociais voltadas à
ta que uma das condições não seja mesmo tempo promove a desregu- melhoria da educação e saúde, e até
encontrada numa sociedade para as lamentação dos fluxos financeiros, as ações afirmativas, se fazem neces-
políticas do Consenso de Washing- um dos pilares do seu modelo econô- sárias para combater as desigualda-
ton não atingirem seus objetivos no mico? A livre mobilidade do capital, des atávicas, e amenizar a tendên-
longo prazo. sobretudo do capital especulativo, de cia da concentração de capital, re-
curto prazo, tem provocado grandes sultante do ajuste assimétrico do
oscilações desta massa de dinheiro. mercado.
Considerações Finais As crises cambiais ocorridas em paí- O ensino superior, na visão libe-
ses emergentes, a partir da crise me- ral, deve ser privatizado. Sabe-se que
A vitória da ideologia neoliberal xicana de 1994 (efeito tequila), se su- o retorno do investimento em pesqui-
contribuiu para consolidar o poder cederam com muita freqüência, a sa básica é muitas vezes incerto e de
dos Estados Unidos como nação exemplo da Ásia, Turquia, Rússia, longo prazo, por isso dificilmente é
hegemônica no final do século XX e Brasil, Argentina. O equilíbrio do atraente à iniciativa privada. Apa-
início do século XXI. Suas políticas Balanço de Pagamentos dos países rentemente, a maior parte produção
econômicas levam inevitavelmente à latino-americanos tem sido atingido da científica ocorre na universidade
intensificação do processo de con- às custas de recessão interna. Os in- pública. Que seria da pesquisa sem
centração do capital. Nota-se que dicadores da economia brasileira em esta? A plena privatização do ensi-
fortes economias como Japão e Eu- 2003, com superávit primário de no superior poderia ser catastrófica
ropa vêm ocupando cada vez mais a 4,25% do PIB, superávit na conta de num país com tantas desigualdades,
posição de satélites dos Estados transações correntes de US$ 4,5 bi- a exemplo do Brasil.
Unidos. O militarismo de Ronald lhões, em contrapartida à retração de Fazendo uso de sofisticados ins-
Reagan, por mais exótico que pare- 0,22% do PIB e queda na absorção trumentos matemáticos e do arca-
ça, acaba dando certo naquele con- interna (PIB + exportações – impor- bouço teórico do liberalismo clássi-
texto, provavelmente por ter sido tações) de 3,0% em relação a 2002, co, os neoliberais encontram justifi-
aplicado na maior economia do podem ilustrar o trade-off macroeco- cativas para ignorar o crescimento
mundo, que possui um gigantesco nômico das políticas liberais nos pa- da massa de excluídos, decorrente
mercado consumidor e uma moeda íses da América Latina: estabilidade da aplicação de seus princípios. Ali-
conversível, utilizada como meio de monetária e equilíbrio nas contas ex- ás, para estes autores, os desempre-
troca por todas as outras economias ternas versus recessão, desemprego e gados têm a vantagem de contribuir
do mundo. Algumas experiências contração da demanda interna. para manter os salários reais baixos,
militaristas foram desastrosas quan- Friedman parece ignorar que sua já que consideram salários reais ele-
do seguidas por outros países, a propalada liberdade de escolher só vados fatores determinantes para o

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aumento do desemprego. Não se pre- O esgotamento das políticas libe- FRIEDMAN, M. Free to Choose. Har-
ocupam em combater as causas da rais coloca um desafio aos intelectu- court Brace Jovanovich, Inc. New York,
NY, 1979.
violência, mas em aumentar os gas- ais. Encontrar alternativas para pro-
tos com defesa. Neste contexto pare- mover o desenvolvimento local, não FRIEDMAN, M. Interview. Em A Mo-
dern Guide to Macroeconomics. Univer-
ce mais importante construir prisões só com foco na inovação e no apren- sity Press. Cambridge, 1994, p.172-177
que escolas. dizado, como também na renovação
GIBBS, Nancy. The All-American
Outra contradição do modelo li- ideológica. Os opositores do neolibe- President. Em Time magazine. June 14,
beral é que, em princípio, as pesso- ralismo têm a tarefa de oferecer ou- Vol. 163, No. 24, 2004.
as, como os capitais, estão livres para tra ideologia, provavelmente tentan- GONÇALVES, R. et al. A Nova Econo-
se movimentar, para se estabelece- do resgatar valores como solidarie- mia Internacional. Editora Campus.
rem onde lhes for mais conveniente. dade e respeito ao próximo e traba- Rio de Janeiro, RJ, 1998.
No entanto, atualmente a migração lhar diligentemente, como fez o gru- HAYEK, F. The Road to Serfdom. The
internacional é severamente limita- po de Mont Pélerin. University of Chicago Press. Fiftieth
da por leis draconianas (BATISTA Anniversary Edition, 1994.
JR, 1996). A mobilidade do fator tra- HOBSBAWM, Eric. The Age of Extre-
balho fica muito aquém da mobili- Referências mes. Vintage Books. New York, 1995.
dade do fator capital. KEYNES, John Maynard. Teria Geral
ANDERSON, Perry. Balanço do neoli- do Emprego, do Juro e da Moeda. Co-
Numa abordagem gramisciana
beralismo. In Pós-neoliberalismo: As po- leção Os Economistas. Editora Abril
(BECKER, 2002), o intelectual em Cultural. São Paulo, 1983.
líticas sociais e o Estado Democrático.
ação é um criador e suscitador de Emir Sader & Pablo Gentili (org.). Rio MOURA DA SILVA, Adroaldo. Apre-
novas ideologias, sendo a inovação de Janeiro. Paz e Terra 1995 sentação. Em A Teria Geral do Emprego,
ideológica uma estratégia na luta po- BATISTA JR., Paulo Nogueira. O Cír-
do Juro e da Moeda. John Maynard Key-
lítica. São as necessidades sociais e culo de Giz da “Globalização”. Novos nes (autor). Coleção Os Economistas.
econômicas transformadas em pres- Estudos. CEBRAP. N° 49. Março 1996. Editora Abril Cultural. São Paulo, 1983.
sões políticas que impulsionam e di- MUNDELL, Robert. Monetary Theory:
BECKER, Dinizar Fermiano. In Redes
namizam o desenvolvimento local. Interest, Inflation and Growth in the
(Santa Cruz do Sul), vol7, n.3, pp. 35-
World Economy. 1971 www.robert
Comunidades periféricas e pouco or- 59, set/dez 2002.
mundell.net/books
ganizadas, com elevados índices de BIANCHETTI, Roberto Geraldo. Mo- SIMONSEN, M. H. e CYSNE, R. P.
desigualdade, geralmente são inca- delo Neoliberal e Políticas Educacio- Macroeconomia. Editora Atlas. São
pazes de construir um projeto pró- nais. Cortez Editora. São Paulo, 2001. Paulo, 1995
prio e acabam sucumbindo passiva- CANO, Wilson. Soberania e Política SNOWDON, Brian et al. A Modern
mente, e até inconscientemente, a um Econômica na América Latina. São Guide to Macroeconomics. University
movimento ideológico como o neoli- Paulo: Editora UNESP, 2000. Press. Cambridge: 1994
beralismo, orientado pelos interesses FERRAZ, João Carlos et al. Política In- SPÍNOLA, Vera. Let’s Trade in English.
econômico-corporativos globais. A dustrial. Em Economia Industrial. Capí- Chapter 1. Editora Aduaneiras. São
tulo 23. Rio de Janeiro: Editora Campus, Paulo, SP, 2001.
dinâmica de desenvolvimento des- 2002.
tas comunidades fica sendo determi- STIGLITZ, Joseph. Globalization and
FILGUEIRAS, Luís. História do Plano its discontents. London: Penguin
nada pelo mercado, pela economia Real. São Paulo: Boitempo Editorial, Books, 2002.
globalizada. 2a edição, 2003
TROSTER, R. L. e MORCILLO, F. M.
FIORI, José Luís. Os Moedeiros Falsos. Introdução à Economia. MAKRON
Editora Vozes. Petrópolis, RJ, 1997 Books, 1999.

Números anteriores:
Secretaria da Revista: Nara Polino Valverde – Tel.: (71) 273-
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