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DIRETORIA OAB SP

CAIO AUGUSTO SILVA DOS SANTOS


PRESIDENTE OAB SP

RICARDO LUIZ DE TOLEDO SANTOS FILHO
VICE-PRESIDENTE OAB SP

AISLAN DE QUEIROGA TRIGO
SECRETÁRIO-GERAL OAB SP

MARGARETE DE CÁSSIA LOPES
SECRETÁRIA-GERAL ADJUNTA OAB SP

RAQUEL ELITA ALVES PRETO
DIRETORA TESOUREIRA OAB SP

2
CONSELHEIROS EFETIVOS: ROSANA DE SANT’ANA PIERUCETTI PATRÍCIA HELENA MASSA
ROSANA MARIA PETRILLI PAULO HENRIQUE DE ANDRADE MA-
AILTON JOSÉ GIMENEZ ROSELI OLIVA LARA
ALESSANDRO BIEM CUNHA CARVALHO ROSINEIDE MARTINS LISBOA MOLITOR PEDRO RENATO LÚCIO MARCELINO
ALEXANDRE CADEU BERNARDES RUBENS ROCHA PIRES PEDRO RICARDO BOARETO
ALEXANDRE COTRIM GIALLUCA SIDNEI ALZÍDIO PINTO PEDRO VIRGÍLIO FLAMÍNIO BASTOS
ALEXANDRE LUÍS MENDONÇA ROLLO SÍLVIA HELENA MELGES RAFAEL OLÍMPIO SILVA DE AZEVEDO
ANA AMÉLIA MASCARENHAS CAMAR- SÔNIA MARIA PINTO CATARINO RAQUEL BARBOSA
GOS SUZANA HELENA QUINTANA RENATA LORENZETTI GARRIDO
ANA CAROLINA MOREIRA SANTOS TAYON SOFFENER BERLANGA RITA MARIA COSTA DIAS NOLASCO
ANA CRISTINA ZULIAN THIAGO TESTINI DE MELLO MILLER RODNEI JERICÓ DA SILVA
ANA LAURA SIMIONATO VICTOR WALFRIDO JORGE WARDE JÚNIOR RODRIGO DE MELO KRIGUER
ANE ELISA PEREZ ROSÂNGELA FERREIRA DA SILVA
ANTÔNIO CARLOS CHIMINAZZO RUBENS EDUARDO DE SOUSA AROUCA
ANTÔNIO CARLOS DELGADO LOPES CONSELHEIROS SUPLENTES: RUTINALDO DA SILVA BASTOS
CARLOS FERNANDO DE FARIA KAUF- RUY JANONI DOURADO
FMANN ACYR MAURICIO GOMES TEIXEIRA SÉRGIO MARTINS GUERREIRO
CELSO FERNANDO GIOIA ANA PAULA MASCARO JOSÉ IZZI SÉRGIO QUINTERO
CLARISSA CAMPOS BERNARDO ANDRÉ LUIZ SIMÕES DE ANDRADE SIDMAR EUZÉBIO DE OLIVEIRA
CLÁUDIA PATRÍCIA DE LUNA SILVA ANNA LYVIA ROBERTO CUSTÓDIO SIMONE HENRIQUE
CRISTIANO ÁVILA MARONNA RIBEIRO STELLA VICENTE SERAFINI
DANIELLA MEGGIOLARO PAES DE AZE- ANTÔNIO JOSÉ KAXIXA FRANCISCO SUELI DIAS MARINHA
VEDO ARNALDO GALVÃO GONÇALVES SUELI PINHEIRO
DANYELLE DA SILVA GALVÃO AUGUSTO GONÇALVES SULIVAN REBOUÇAS ANDRADE
DIVA GONÇALVES ZITTO MIGUEL DE CARLOS ALBERTO DOS SANTOS MAT- TAÍSA CINTRA DOSSO (LICENCIADA)
OLIVEIRA TOS THAIS JUREMA SILVA
EDSON ROBERTO REIS CARLOS EDUARDO BOIÇA MARCONDES THAYS LEITE TOSCHI
FABIANA DAS GRAÇAS ALVES GARCIA MOURA THIAGO PENHA DE CARVALHO FERREI-
FABRÍCIO DE OLIVEIRA KLÉBIS CÉSAR PIAGENTINI CRUZ RA
FLÁVIO OLÍMPIO DE AZEVEDO CLÁUDIA ELISABETE SCHWERZ CAHALI THIAGO RODOVALHO DOS SANTOS
GABRIELLA RAMOS DE ANDRADE MO- CRISTIANO MEDINA DA ROCHA WAGNER FUIN
REIRA EDUARDO SILVEIRA MARTINS WILLEY LOPES SUCASAS
GISLAINE CARESIA ÉLIO ANTÔNIO COLOMBO JÚNIOR WILLIAM NAGIB FILHO
GLAUCO POLACHINI GONÇALVES ÉRYKA MOREIRA TESSER
GUILHERME MIGUEL GANTUS EUGÊNIO CARLO BALLIANO MALAVASI
IRMA PEREIRA MACEIRA FÁBIO GINDLER DE OLIVEIRA MEMBROS HONORÁRIOS VITALÍCIOS:
IVAN DA CUNHA SOUSA FABRÍCIO AUGUSTO AGUIAR LEME
JOÃO EMÍLIO ZOLA JÚNIOR FERNANDO BORGES VIEIRA ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEI-
JOSÉ MEIRELLES FILHO FERNANDO FABIANI CAPANO RA
JOSÉ PABLO CORTÊS FERNANDO MARIANO DA ROCHA CARLOS MIGUEL CASTEX AIDAR
JOSÉ PASCHOAL FILHO ÍRIS PEDROZO LIPPI JOSÉ ROBERTO BATOCHIO
JOSÉ ROBERTO MANESCO ISABELA GUIMARÃES DEL MONDE JOÃO ROBERTO EGYDIO PIZA FONTES
JULIANA MIRANDA ROJAS ISABELLA AITA MACIEL DE SÁ LUIZ FLÁVIO BORGES D’URSO
JÚLIO CÉSAR FIORINO VICENTE JOÃO BATISTA MUÑOZ MARCOS DA COSTA
KEILLA DIAS TAKAHASHI VIEIRA JORGE PINHEIRO CASTELO MARIO SERGIO DUARTE GARCIA
LEANDRO SARCEDO JOSÉ LUIZ DA SILVA
LETÍCIA DE OLIVEIRA CATANI KÁTIA DE CARVALHO DIAS
LUCIANA GERBOVIC AMIKY LEANDRO RICARDO DA SILVA CONSELHEIROS EFETIVOS PAULISTAS
LUCIANA GRANDINI REMOLLI LIA PINHEIRO ROMANO DE CARVALHO NO CONSELHO FEDERAL:
LUÍS AUGUSTO BRAGA RAMOS LIAMARA BORRELLI BARROS
LUÍS HENRIQUE FERRAZ LUCIANA ANDRÉA ACCORSI BERARDI ALEXANDRE OGUSUKU
LUIZ EUGÊNIO MARQUES DE SOUZA LUIZ CARLOS ZUCHINI GUILHERME OCTÁVIO BATOCHIO
LUIZ FERNANDO SÁ E SOUZA PACHECO LUIZ DONATO SILVEIRA GUSTAVO HENRIQUE RIGHI IVAHY
LUIZ GONZAGA LISBOA ROLIM LUIZ GUILHERME PAIVA VIANNA BADARÓ
MARCO CÉSAR GUSSONI MAITÊ CAZETO LOPES
MARCOS ANTÔNIO DAVID MARCEL AFONSO BARBOSA MOREIRA
MARCOS RAFAEL FLESCH MARCELO KAJIURA PEREIRA CONSELHEIROS SUPLENTES PAULISTAS
MARIA DAS GRAÇAS PERERA DE MELLO MARCELO TADEU RODRIGUES DE NO CONSELHO FEDERAL:
MARIA HELENA VILLELA AUTUORI ROSA OMENA
MARIA SYLVIA APARECIDA DE OLIVEIRA MARCOS ANTÔNIO ASSUMPÇÃO CA- ALICE BIANCHINI
MARINA ZANATTA GANZAROLLI BELLO DANIELA CAMPOS LIBÓRIO
MARISA APARECIDA MIGLI MARCOS FERNANDO LOPES FERNANDO CALZA DE SALLES FREIRE
MILTON JOSÉ FERREIRA DE MELLO MARCOS GUIMARÃES SOARES
ODINEI ROGÉRIO BIANCHIN MARIE CLAIRE LIBRON FIDOMANZO
ORLANDO CÉSAR MUZEL MARTHO MÁRIO LUIZ RIBEIRO
REGINA MARIA SABIA DARINI LEAL MARISTELA SABBAG ABLA ROSSETTI
RENATA SILVA FERRARA MYRIAN RAVANELLI SCANDAR KARAM
ROBERTO PEREIRA GONÇALVES NILSON BÉLVIO CAMARGO POMPEU
ROGÉRIO LUÍS ADOLFO CURY ODILON LUIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR
RONALDO JOSÉ DE ANDRADE OZÉIAS PAULO DE QUEIROZ TRIÊNIO 2019/21

3
DIRETORIA ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA DA OAB SP

JORGE CAVALCANTI BOUCINHAS FILHO


DIRETOR ESA OAB SP

LETÍCIA DE OLIVEIRA CATANI


VICE-DIRETORA ESA OAB SP

CONSELHO CURADOR ESA OAB SP

EDSON ROBERTO REIS


PRESIDENTE DO CONSELHO CURADOR ESA OAB SP

SUELI APARECIDA DE PIERI


VICE-PRESIDENTE DO CONSELHO CURADOR ESA OAB SP

SILVIO LUIZ DE ALMEIDA


SECRETÁRIO DO CONSELHO CURADOR ESA OAB SP

CONSELHEIROS:
MARCOS ANTONIO MADEIRA DE MATTOS MARTINS
LUIZ HENRIQUE BARBANTE FRANZE
LUCIANO DE FREITAS SANTORO
PATRÍCIA ROMERO DOS SANTOS WEIZ

REPRESENTANTE DO CORPO DOCENTE


ANA LAURA SIMIONATO VICTOR

COORDENADOR DE CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO


EDUARDO ARANTES BURIHAN

REPRESENTANTE DO CORPO DISCENTE


RICARDO CARAZZAI AREASCO

ADRIANO FERREIRA
COORDENADOR GERAL ESA OAB SP

4
REVISTA CIENTÍFICA VIRTUAL
DIREITO DAS MULHERES

DIRETORIA OAB SP....................................................................... 02 Revista Científica Virtual da


CONSELHO OAB SP...................................................................... 03 Escola Superior de Advocacia
DIRETORIA ESA OAB SP.............................................................. 04 OAB SP

PREFÁCIO......................................................................................... 07 DIREITO DAS MULHERES

Coordenação:
AS DESIGUALDADES NO ACESSO À EDUCAÇÃO DE
Taís Nader Marta
MULHERES PARA A PREVENÇÃO DA GRAVIDEZ E A
EVASÃO ESCOLAR POR GESTAÇÃO PRECOCE.................... 08
Nº 34
São Paulo, OAB SP - 2020
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA............................................................ 16

PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL Jornalista Responsável:


ATRAVÉS DA LEI DO MINUTO SEGUINTE............................. 38 Marili Ribeiro

O DIREITO SOCIAL AO TRABALHO DAS MULHERES NA Coordenação Geral:


SOCIEDADE PÓS-MODERNA: DESIGUALDADE E Adriano Ferreira
DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NO BRASIL........................... 48
Coordenação Acadêmica:
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E OS OBSTACULOS PARA Erik Gomes
O ACESSO À JUSTIÇA................................................................... 60
Arte e Diagramação:
Felipe Lima
A (SUB)REPRESENTATIVIDADE FEMININA NO PODER PÚ-
BLICO: ESFORÇOS PARA GARANTIA, PROMOÇÃO E AM-
PLIAÇÃO DOS DIREITOS DAS MULHERES POR MEIO DE Fale Conosco
POLÍTICAS PÚBLICAS................................................................... 70 Largo da Pólvora, 141 -
Sobreloja
DIREITO DAS MULHERES À IGUALDADE TRIBUTÁRIA Tel. +55 11.3346.6800
(PINK TAX)’....................................................................................... 84
Publicação Trimestral
FEMINICÍDIO COMPARADO: BRASIL E ARGENTINA NO ISSN - 2175-4462. Direitos -
COMBATE À MORTE VIOLENTA DE MULHERES...............102 Periódicos.
Ordem Dos Advogados do
O MACHISMO ENRAIZADO NA SOCIEDADE Brasil Seção São Paulo
BRASILEIRA E A INCORPORAÇÃO DA LEI DO FEMICICÍDIO
(LEI 13.104/2015) NO ORDENAMENTO JURÍDICO COMO
INSTRUMENTO DE PENALIZAÇÃO.......................................116

DIREITOS DAS HUMANAS: O PASSADO IMPERFEITO E O


FUTURO DO PRESENTE............................................................134
A NECESSIDADE DA IGUALDADE E EMPODERAMENTO DA
MULHER NA RECOLOCAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO
NOS CASOS DE DOENÇAS GRAVES......................................152

AS MULHERES NA ONU - RETRATOS DO CAMINHO......162

A PROTEÇÃO DA MULHER E O PAPEL DO DIREITO DO


TRABALHO....................................................................................176

CRIMES CONTRA A HONRA NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA


DOMÉSTICA..................................................................................192

ASSÉDIO MORAL E SEXUAL NO AMBIENTE


DE TRABALHO.............................................................................210

6
PREFÁCIO
A Revista Científica Virtual é um periódico destinado à divulgação da produção científica
da comunidade jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB de São Paulo – ESA OAB-SP,
– que registra o crescimento e desenvolvimento da sua produção científica.
Esta publicação atesta a seriedade, a maturidade de seu comitê editorial e a senioridade
em pesquisa dos seus representantes, que preservam a memória da produção apresentada em
seus eventos científicos.
Nesta edição, de número 34 da Revista, os conteúdos retratam a produção produzida
para o “I Congresso Regional de Direito das Mulheres”, promovido pela “21ª Coordenaria Regio-
nal da Comissão da Mulher Advogada” (presidida pela Dra. Gabriela Cristina Gavioli Pinto e
composta pelas Comissões da Mulher Advogada da OAB de Agudos, Avaré, Bariri, Barra Boni-
ta, Bauru, Botucatu, Cafelândia, Cerqueira Cesar, Dois Córregos, Ibitinga, Jaú, Lençóis Paulista,
Lins, Pederneiras, Pirajuí e São Manuel), com apoio da OAB de Bauru, da Secional Paulista da
Ordem, da ESA OAB-SP e da ABMCJ (Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica)/
SP. São temas relevantes sobre o Direito das Mulheres e abrangem os seguintes conteúdos:
Sexualidade, Violência - Doméstica, Obstétrica -, Desigualdade, Mercado de Trabalho, Tráfego
de Mulheres, Igualdade Tributária, dentre outros. Assim, a Revista oficializa as publicações aca-
dêmico-práticas em torno dos Direitos das Mulheres com o intuito de levar à reflexão dessa
temática já que “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”, conforme diz Simone de Beauvoir,
e ainda há muitos preconceitos a serem superados, pois “época triste a nossa, em que é mais
difícil quebrar um preconceito do que um átomo” (Einstein).
Com essa publicação, a Revista Científica Virtual da ESA SP aproxima suas relações com
outros centros de pesquisa, do Brasil e do exterior, através da participação da sua comunidade
jurídica e indica o acerto do caminho traçado e, ao mesmo tempo, os compromissos da “21ª
Coordenaria Regional da Comissão da Mulher Advogada” com a pesquisa séria e dedicada. So-
nhamos e ultrapassamos a meta que nos propusemos. “Para que precisamos de pés quando
temos asas para voar? “ (Frida Kahlo)
Os artigos foram selecionados, levando-se em consideração o rigor que caracteriza a
produção científica da ESA-SP, pertinência com a sua linha editorial, pela qualidade, clareza
de ideias, estruturação, abordagem e, ao mesmo tempo, pela relevância científica deles. Todo
este esforço é resultado de um processo laborioso da Comissão Editorial e de todos colabora-
dores, leitores e autores que contribuíram com suas críticas e sugestões.

Me. Taís Nader Marta


Coordenadora Científica

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AS DESIGUALDADES NO ACESSO À EDUCAÇÃO DE
MULHERES PARA A PREVENÇÃO DA GRAVIDEZ E A
EVASÃO ESCOLAR POR GESTAÇÃO PRECOCE

Geórgia Aparecida de Oliveira Antunes


Estudante do 2º ano de Direito na Faculdade Iteana de Bo-
tucatu

Nuno Augusto Pereira Garcia


Advogado, graduado em Direito pela Faculdade de Direi-
to de Bauru (ITE), mestrando na Universidade Estadual Julio de
Mesquita Filho (UNESP/Botucatu)

SUMÁRIO

1. Introdução
2. Do Direito À Educação
3. A Prevenção da Gravidez na Adolescência
4. Da Evasão Escolar por Gestação Precoce
5. Considerações Finais
Referências Bibliográficas

8
RESUMO
A presente pesquisa busca abordar e analisar as desigualdades no acesso à educação no
que tange a prevenção de gravidez precoce e a capacitação das gestantes adolescentes em
face da incidência de prenhez na adolescência. A questão da gestação na adolescência gera di-
versos problemas, demonstrando as adversidades do Poder Público no quesito saúde pública
e educação fundamental. Tal crescimento propiciou o caráter de legislação simbólica da norma
que trata da aplicação justa e igualitária de ensino a todos. Com isso, o princípio da igualdade
de ensino educacional não é atingido pela sociedade brasileira.

PALAVRAS-CHAVE
Gravidez na Adolescência. Direito à Educação. Prevenção da Gravidez Indesejada. Acesso
à Capacitação.

ABSTRACT
This research seeks to address and analyze inequalities in access to education with re-
gard to the prevention of early pregnancy and the training of pregnant adolescents in the face
of the incidence of pregnancy in adolescence. The issue of teenage pregnancy generates seve-
ral problems, demonstrating the adversities of the Public Power in terms of public health and
basic education. Such growth provided the character of symbolic legislation of the norm that
deals with the fair and equal application of teaching to all. As a result, the principle of equal
educational education is not achieved by Brazilian society.

KEYWORDS
Teenage Pregnancy. Right to education. Prevention of Unwanted Pregnancy. Access to
Training.

9
1. INTRODUÇÃO

A gravidez na adolescência tem sido derativa do Brasil que versa sobre os direitos
um fenômeno com grande crescimento no e as garantias fundamentais sobre os direitos
Brasil, e já demonstra níveis altos de recém- sociais da educação se mostra com o caráter
-nascidos de mães jovens. Atualmente, vis- de “Legislação Simbólica” dado a falta de efeti-
lumbra-se que o Brasil aponta o maior índice vidade à aplicação da norma em garantir esse
de grávidas adolescentes, segundo dados da direito do cidadão juntamente com o artigo
ONU (Organização das Nações Unidas)1 e, 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente
além disso, consoante relatório da Organiza- que trata do mesmo assunto, visando a prote-
ção Mundial de Saúde (OMS) o país possui ção da educação e a qualificação de crianças
68,4 bebês nascidos de mães adolescentes e adolescentes.
a cada mil meninas de 15 a 19 anos.2
Por estes motivos acentuados, as me-
Segundo a disposição do artigo 2º do ninas são vítimas frequentes, antes mesmo
Estatuto da Criança e do Adolescente, con- de engravidar, de um déficit de ensino que
sidera-se criança, para os efeitos desta Lei, a não as prepara para a vida sexual ativa. Sen-
pessoa até doze anos de idade incompletos, do perceptível as falhas do Poder Público em
e adolescentes aquela entre doze e dezoito muitos quesitos ao não garantir uma educa-
anos. ção de qualidade e igualdade de condições
para o acesso à capacitação integral para a
Dessa forma, nota-se que a gravidez na
prevenção de gravidez indesejada.
adolescência tem se tornado um grave pro-
blema de saúde pública, educação básica e Além disso, ao ocorrer essa gestação
capacitação de meninas adolescentes. A fal- precoce, os dados levantados pelo movimen-
ta de informação decorrente, como principal to Todos Pela Educação mostraram que, em
causa de gestação precoce, demonstra que 2015, apenas uma em quatro adolescentes
as meninas não são educadas de forma justa que tiveram gravidez precoce retornou aos
e igualitária para entender e compreender a estudos.3
melhor forma de se prevenir de uma gravidez
O estudo realizado se norteará através
indesejada e de doenças sexualmente trans-
da legislação vigente, de artigos e revisão bi-
missíveis.
bliográfica.
Neste contexto, cuidar-se-á da compro-
vação de que o Artigo 6º da Constituição Fe-

2. DO DIREITO À EDUCAÇÃO

O direito à educação é norma nos con- traz o seguinte texto:


siderados direitos sociais, haja vista que este
São direitos sociais a educação, a saúde,
direito foi considerado entre as garantias fun-
a alimentação, o trabalho, a moradia, o trans-
damentais do cidadão, consagrado no artigo
porte, o lazer, a segurança, a previdência so-
6º da Constituição Federativa Brasileira, que
cial, a proteção à maternidade e à infância, a
1 ONU alerta para alto índice de gravidez na adolescências no Brasil. 2019. Disponível em https://www.metropoles.
com/saude/onu-alerta-para-alto-indice-de-gravidez-na-adolescencia-no-brasil.
2 G1. Brasil tem gravidez na adolescência acima da média Latino-Americana, diz OMS. 2018. Disponível em:
https://g1.globo.com/bemestar/noticia/brasil-tem-gravidez-na-adolescencia-acima-da-media-latino-americana-diz-oms.
ghtml.
3 FOLHA HEB. Apenas uma em cada quatro adolescentes grávidas conclui a Educação Básica. 2015.
Disponível em: https://folhabv.com.br/noticia/Apenas-uma-em-cada-quatro-adolescentes-gravidas-conclui-a-Educacao-
Basica/6964.

10
assistência aos desamparados, na forma des- não trabalham, sendo a maioria do sexo fe-
sa Constituição. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, minino (TPE e PNDA, 2012 e 2013).6
1988).
Art 53- A criança e o adolescente têm di-
Logo, a educação posta como garan- reito à educação, visando ao pleno desenvol-
tia fundamental a partir deste artigo, cons- vimento de sua pessoa, preparo para o exercí-
titui uma categoria jurídica voltada para a cio da cidadania e qualificação para o trabalho,
proteção da dignidade humana em todas as assegurando-se-lhes:
dimensões (ARAUJO e NUNES JÚNIOR,
I-igualdade de condições para o acesso e
2014, p.151).4
permanência na escola.
Nesse aspecto, os direitos sociais assu-
(ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADO-
mem uma dimensão institucional, definindo
LESCENTE, LEI N.
a forma em que o Estado deve ser e atuar
para garantir e reconhecer, direta ou indire- 8.069, 1990).
tamente, esses direitos à todos os cidadãos,
Entretanto, os direitos sociais presentes
para possibilitar melhores condições de vida
no artigo 6º da Carta Magna e os direitos à
e equalizar as situações sociais desiguais
educação no ECA se mostram como legislação
(FARIAS, 2017, p.375).5
simbólica no que tange o direito à educação,
Sobre este assunto, o artigo 53 do Esta- haja vista os altos índices de pessoas que não
tuto da Criança e do Adolescente demonstra possuem educação digna.
o mesmo déficit na aplicação da norma, já
que os índices demonstram que 1,3 milhão
de crianças e adolescentes não estudam e

3. DA PREVENÇÃO DA GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

Conforme salientado acima, a baixa es- adolescência, 35,8% moravam no Nordeste e


colaridade está conectada com o alto índice 69% se declaram pretas ou pardas. A média
de gravidez na adolescência. De acordo com de escolaridade era de 7,7 anos (85% não
o estudo realizado pela Organização Pan- completaram o ensino médio); somente 20,1
-Americana de Saúde (OPAS), em parceria ainda estudavam; 59,7% não estudavam
com o Fundo das Nações Unidas para a In- nem trabalhavam; e 92,5% cuidavam dos
fância (UNICEF) publicado em 2018, aponta afazeres domésticos por uma média de 27,1
que a gravidez na adolescência ocorre com horas semanais, ou seja, a gestação precoce
maior frequência entre meninas com menor atinge, em sua grande maioria, adolescen-
escolaridade e menor renda, o que as torna tes que possuem baixa escolaridade e não
mais vulneráveis por terem maiores dificulda- possuem acesso a sua capacitação integral
des no acesso a serviços públicos.7 (UOL - Draúzio Varella).8
Dessas meninas que tiveram filhos na A educação é um dos principais fatores

4 ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 19ª Edição,
Revista e atualizada até a EC 84 de 2 de dezembro de 2014.
5 FARIAS, Thélio Queiroz. Constituição Federal Interpretada, Atualizada com a Emenda Constitucional nº 93.
6 FOLHA HEB. Apenas uma em cada quatro adolescentes grávidas conclui a Educação Básica. 2015.
Disponível em: https://folhabv.com.br/noticia/Apenas-uma-em-cada-quatro-adolescentes-gravidas-conclui-a-Educacao-
Basica/6964.
7 Prevenção de gravidez na adolescência é tema de campanha nacional. 2020 Disponível em: https://saude.gov.
br/noticias/agencia-saude/46276-prevencao-de-gravidez-na-adolescencia-e-tema-de-campanha-nacional
8 VARELLA, Mariana. Desigualdade social e gravidez na adolescênia. Disponível em: https://drauziovarella.uol.
com.br/para-as-mulheres/desigualdade-social-e-gravidez-na-adolescencia/

11
da prevenção da gestação precoce. Dessa adolescentes (Instituto Pensi).10
forma, faz-se necessário abordar a sexuali-
Dessa forma, destaca-se que, os ado-
dade e a saúde reprodutiva, juntamente com
lescentes iniciantes na vida sexual ativa não
a aplicação igualitária da educação e acesso
possuem conhecimento nem amparo para
à capacitação integral, visando o pleno de-
que tenham uma relação sexual saudável e
senvolvimento de crianças e adolescentes.
protegida, tornando-se assim, desastroso a
De acordo com pediatras, a educação prevenção da gravidez precoce e afastando
sexual integrada e compreensiva faz parte a capacitação integral de crianças e adoles-
da promoção do bem-estar dos adolescentes centes nestes quesitos.
e jovens, realçando o comportamento sexual
Apesar disto, um ponto positivo deste
responsável, o respeito mútuo, a igualdade
assunto foi a implementação do caput no ar-
e equidade de gênero, assim como a prote-
tigo 8º-A pela Lei n.13.798 de 3-1-2019 que
ção da gravidez inoportuna, prevenção de in-
possui a seguinte redação:
fecções sexualmente transmissíveis, defesa
contra violência sexual incestuosa e outras Art 8-A- Fica instituída a Semana Nacio-
violências e abusos (Guia Prático de Guia nal de Prevenção da Gravidez na Adolescên-
Prático de Atualização sobre a Prevenção cia, a ser realizada anualmente na semana que
da Gravidez na Adolescência, Departamen- incluir o dia 1º de fevereiro, com o objetivo de
to Científico de Adolescência da Sociedade disseminar informações sobre medidas pre-
Brasileira de Pediatria - SBP).9 ventivas e educativas que contribuam para a
redução da incidência da gravidez na adoles-
Além disso, a pesquisa Mosaico 2.0
cência.
realizada em 2017, coordenada por Carmi-
ta Abdo da Faculdade de Medicina da USP, Parágrafo único- As ações destinadas a
consultou mais de três mil internautas entre efetivar o dispositivo no caput ficarão a cargo
18 e 80 anos para analisar o comportamento do Poder Público, em conjunto com organiza-
sexual dos brasileiros, tendo como resulta- ções da sociedade civil, e serão dirigidas prio-
dos a iniciação da vida sexual na faixa entre ritariamente ao público adolescente. (ESTA-
13 e 17 anos de idade e, também, que o uso TUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE,
de preservativos é muito baixo e a utilização LEI N.8.069, 1990).
adequada é apenas por cerca de um terço de

4. DA EVASÃO ESCOLAR POR GESTAÇÃO PRECOCE

A gravidez na adolescência é um obstá- abandono dos colégios, ou seja, deixar de


culo para a implementação do descrito no ar- frequentar a escola e não acessar a capa-
tigo 6º da Constituição Federal Brasileira de citação que é oferecida nas instituições de
1988 em conjunto com o artigo 53 do Estatuto ensino. Dessa forma, por causa da gravidez
da Criança e do Adolescente, haja vista que precoce, muitas mães adolescentes deixam
é um fator que causa um alto nível de evasão de frequentar as escolas durante a gestação
escolar de meninas adolescentes. e não retornam após o parto.
A evasão escolar é qualificada como o No Brasil, cerca de 75% de adolescen-

9 Medidas Preventivas e Educativas podem reduzir a incidência de gravidez precoce. 2019. Disponível em:
https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/medidas-preventivas-e-educativas-podem-reduzir-a-incidencia-de-
gravidez-precoce/
10 SETÚBAL, José Luiz. Como prevenir gravidez indesejada na adolescência. 2019. Disponível em: https://
institutopensi.org.br/blog-saude-infantil/gravidez-indesejada-adolescencia/

12
tes que têm filhos não frequentam a escola leva três em cada dez meninas, nessa faixa
(G1 - Globo)11, além de que entre as meninas etária, a abandonar a escola é a maternida-
e mulheres na faixa etária de 15 a 29 anos, de. (G1 - Globo).13
as que deixaram o ensino médio e não têm
Conforme demonstrado, a gravidez pre-
filhos são 13,7%. As que têm filhos, não com-
coce prejudica inúmeras meninas adolescen-
pletaram o ensino médio e estão fora da es-
tes que abandonam a escola e sua educação
cola são 29,6% (Gênero Número).12
para criar um filho, o que acarreta adversida-
Um grande exemplo da evasão escolar des a ser enfrentada pelo Poder Público para
de gestantes adolescentes é demonstrado que assegure uma educação digna e justa a
pela chamada “Geração Nem-Nem”, que se todas após o parto, para que as mesmas não
refere à população jovem que não estuda abandonem o ensino.
e nem trabalha. As meninas representam a
maioria entre os adolescentes que não es-
tão nem trabalhando, nem estudando. O que

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação, quando garantida a todos formação e, dessas mesmas, a evasão escolar


de forma justa e igualitária, é a principal aliada após o parto.
para a prevenção de gravidez e o melhor meio
Portanto, em tese, a falta de capacitação
de capacitação integral de crianças e adoles-
de meninas pela educação tem como conse-
centes.
quência a evasão escolar e altos índices de
O presente artigo buscou relacionar o di- gravidez precoce, quadro que precisa ser mo-
reito à educação e os altos índices de gravidez dificado para garantir uma condição melhor
na adolescência, já que com a falha em sua ga- de vida de meninas adolescentes.
rantia e acesso a todos, faz com que muitas
meninas adolescentes não possuam conheci-
mento à respeito de métodos preventivos de
gravidez e de doenças sexualmente transmis-
síveis.
As desigualdades no acesso à educação
prejudica, de forma geral, milhares de crian-
ças e adolescentes. Neste trabalho, buscou-se
comprovar que as adversidades enfrentadas
pelo Poder Público gera, para as meninas e
mulheres, falta de capacitação integral.
Conforme a falta de implementação do
direito à educação e de capacitação de me-
ninas e mulheres, gera um aumento na possi-
bilidade de gravidez precoce por falta de in-

11
G1. Brasil tem gravidez na adolescência acima da média Latino-Americana, diz OMS. 2018. Disponível em: https://
g1.globo.com/bemestar/noticia/brasil-tem-gravidez-na-adolescencia-acima-da-media-latino-americana-diz-oms.ghtml.
12 FERREIRA, Lola. Meninas são mais que o dobro dos meninos entre jovens que não completaram ensino médio
e não exercem atividade remunerada. 2015. Disponível em: http://www.generonumero.media/meninas-sao-mais-do-
que-o-dobro-dos-meninos-entre-jovens-que-nao-completaram-ensino-medio-e-nao-exercem-atividade-remunerada/
13 BOM DIA BRASIL. G1. Meninas são maioria da geração “nem-nem”, aponta pesquisa. 2016. Disponível em:
http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2016/03/meninas-sao-maioria-da-geracao-nem-nem-aponta-pesquisa.html

13
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FERREIRA, Lola. Meninas são mais que o dobro dos meninos entre jovens que não comple-

14
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-aponta-pesquisa.html. Acesso em: 17 fev. 2020.

15
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

Isabela de Fátima Miálich


Cursando Bacharel em Direito pela Faculdade ITEANA de
Botucatu

Juliana Maria Corvino de Araújo


Bacharel em Direito pela Faculdade ITEANA de Botucatu,
Mestre pela Universidade Estadual Paulista - UNESP, Professora
de Sociologia, Filosofia e Antropologia Jurídica da Faculdade ITE-
ANA de Botucatu, Professora de Direito Civil e Direitos Humanos
da Faculdade Marechal Rondon

SUMÁRIO

1. Introdução
2. Caracterização da Violência Obstétrica
2.1 Violência Obstétrica e Suas Formas
2.1.1 Violência Obstétrica nas Situações de Abortamento
2.2 Relação entre Violência Obstétrica e Violência Sexual
2.3. Violência de Gêneros
3. Aplicação Constitucional
3.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
3.2 Princípio da Autonomia da Vontade
3.3 Demais Princípios Aplicáveis
4. Aspectos Legais
4.1 Aspectos Penais
4.2 Demais Legislações
5. Aspectos Sociais e Éticos
5.1 Diferença (Social) Quanto à Rede Pública e Privada de Saúde
5.2 A Ética dos Profissionais de Saúde
6. A Relação Entre o Tipo de Parto com a Violência Obstétrica
7. Conclusão

16
RESUMO
Violência obstétrica é uma expressão utilizada para conceituar as inúmeras ações de vio-
lência durante a prática obstétrica profissional. Sendo caracterizados como violência obsté-
trica, maus tratos físicos, psicológicos e verbais, e também procedimentos desnecessários e
invasivos a mulher, durante a gravidez, no parto e puerpério (logo após o parto) e também no
atendimento em situações de abortamento.
A violência obstétrica pode ocorrer na forma física, psicológica, verbal, simbólica e/ou
sexual, além atos de negligência, discriminação e/ou condutas excessivas ou desnecessárias.
Um fator importante para o crescente número de casos de violência obstétrica é a falta de
informação às mulheres (gestantes, durante o parto ou em situações de abortamento).
São recorrentes as situações de violência obstétrica no Brasil, onde mulheres, gestantes,
durante o parto, ou no atendimento em situações de abortamento, sofrem abusos, desrespei-
to, negligência e maus tratos.

PALAVRAS-CHAVE
Violência. Obstétrica. Gestante.

ABSTRACT
Obstetricviolenceisanexpressionusedtoconceptualizethenumerousactionsofviolence-
duringprofessionalobstetricpractice. Beingcharacterized as obstetricviolence, physical, psy-
chologicaland verbal abuse, andalsounnecessaryandinvasive procedures towomenduringpreg-
nancy, childbirthandpostpartum (soonafterdelivery) andalso in care in situationsofabortion.
Obstetricviolencemayoccur in physical, psychological, verbal, symbolicand / or sexual
form, as well as actsofnegligence, discriminationand / orexcessiveorunnecessaryconduct. An-
importantfactor for theincreasingnumberof cases ofobstetricviolenceisthelackofinformation-
towomen (pregnantwomen, duringchildbirthor in abortionsituations). Obstetricviolencesitu-
ations are recurrent in Brazil, wherewomen, pregnantwomen, duringchildbirth, or in care in
abortionsituations, suffer abuse, disrespect, neglectand abuse.

KEYWORDS
Violence. Obstetric. Pregnant.

17
1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem a finalidade de violações e as situações narradas.


apresentar e esclarecer sobre as formas de
A violência obstétrica ocorre de três for-
violência obstétrica, bem como abordar sobre
mas distintas, sendo elas, violência obstétrica
a violação dos direitos das mulheres, gestan-
física, violência obstétrica psíquica ou vio-
tes. O presente trabalho ainda abordará sobre
lência obstétrica sexual. Os exemplos são di-
o princípio da dignidade da pessoa humana,
versos como: xingamentos, agressões físicas,
trazendo também os aspectos legais, bem
torturas psicológicas, comentários abusivos
como aspectos sociais quanto às condutas
e também discriminação racial, como forma
médicas.
frequente de atos de violência obstétrica co-
Abordará também sobre tal violência, ou metidos por profissionais de saúde contra as
seja, violência obstétrica, sendo um tipo de vítimas.
violência de gênero.
As vítimas da violência obstétrica são
Pode ser caracterizado como violência gestantes e também seus bebês.
obstétrica, dentre outras condutas, maus tra-
Tal violência pode ocorrer durante a ges-
tos físicos, psicológicos e verbais, e também
tação propriamente dita, durante ou logo após
procedimentos desnecessários e invasivos a
o parto (puerpério), e também em situações
mulher, durante a gravidez, no parto e puer-
de abortamento.
pério (logo após o parto) e também atendi-
mento em situações de abortamento. A violência obstétrica pode ser atrelada
também, a violência institucional, uma vez
As mulheres durante sua gestação, du-
que é exercida pelos serviços de saúde, e é
rante o trabalho de parto ou em situação de
caracteriza por negligência e maus-tratos dos
abortamento, possuem direitos, sendo que
profissionais com os usuários.
estes devem ser respeitados por todos os pro-
fissionais da área de saúde. A violência obstétrica, também afronta
princípios constitucionais, entre outros, o da
Existem inúmeras situações recorrentes
dignidade da pessoa humana e o da autono-
de abuso, desrespeito, maus tratos e negligên-
mia, também quanto aos aspectos sociais,
cia vivenciada por gestantes, durante a gesta-
pode-se chegar à conclusão que os casos de
ção, durante o trabalho de parto ou durante o
violência obstétrica podem ocorrer tanto no
atendimento em casos de abortamento. Tais
setor público, quanto no setor privado de saú-
situações narradas podem ocorrer em qual-
de.
quer período (gestação, parto ou abortamen-
to), durante o parto é comum que as mulheres
encontrem-se mais frágeis e susceptíveis as

2. CARACTERIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

A violência obstétrica é caracterizada tamento.


pela prática de inúmeras violaçõescontra a
A violência obstétrica envolve os três
mulher durante a prática obstétrica profissio-
momentos diferentes durante a realização do
nal. Podem ser caracterizados como violência
atendimento da gestante no serviço de saú-
obstétrica, maus tratos físicos, psicológicos e
de, quais sejam eles,pré-parto, parto e pós-
verbais, e também procedimentos desneces-
-parto. Tem que se levar em consideração
sários e invasivos a mulher, durante a gravi-
os aspectos relevantes, como por exemplo,
dez, no parto e puerpério (logo após o parto)
a possibilidade de participação da mulher no
e também atendimento em situações de abor-

18
processo decisório durante esses três mo- dimentos desnecessários e invasivos como
mentos vivenciados, existem estudos que episiotomias, restrição ao leito no pré- parto,
demonstram que a mulher que não foi infor- tricotomia, ocitocina de rotina e ausência de
mada sobre as decisões tomadas, tem o sen- acompanhante5.
timento de insatisfação1.
Ainda, segundo Pereira; et al (2016), so-
O termo “violência obstétrica” foi criado bre os índices de cesárea no Brasil:
pelo Dr. Rogelio Pérez D’Gregorio presidente
da Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia da O Brasil é um país que apresenta altos
Venezuela, e desde então nomeou as lutas do índices de cesárea. Segundo Ministério da
movimento feminista pela eliminação e pu- Saúde, em 2010, aproximadamente 52% dos
nição dos atos e procedimentos tidos como partos realizados foram cirúrgicos e essa taxa
violentos realizados durante o atendimento e cresce a cada dia, sendo mais prevalente na
assistência ao parto2. rede privada. No entanto, pesquisas mostram
que a maioria das mulheres que realizam ce-
Ainda segundo Mariani, Neto (2016): sáreas não participam do processo de decisão
de qual procedimento será utilizado, e ainda
Enquadram-se no conceito de violência
afirmam ter preferência pelo parto normal.
obstétrica todos os atos praticados no corpo
Muitas são as queixas relatadas sobre os efei-
da mulher e do bebê sem o consentimento da
tos desse procedimento cirúrgico e sua ina-
mulher, a3lém de procedimentos já superados
dequada realização, e esse fato o torna uma
pela medicina, porém ainda muito utilizados,
violência contra as mulheres quando os recém
principalmente no atendimento realizado pelo
nascidos são afastados de suas mães após o
SUS, como a episiotomia (corte na região do
procedimento, impossibilitando o estabe-
períneo) e a manobra de Kristeler (quando a
lecimento de um vínculo mãe - filho após o
barriga é empurrada por enfermeiras), o ene-
parto, além de que a anestesia é insuficiente
ma (lavagem intestinal) uso da ocitocina sin-
em alguns casos, o que torna o processo em
tética (hormônio acelerador das contrações),
algo traumático para a mulher. Vale lembrar
da anestesia, do fórceps, o jejum de comida
a existência de outras complicações que po-
e água, exames de toque frequentes (usados
dem levar a morte tanto da mulher quando da
para conferir a dilatação e a descida do bebê),
criança6.
o rompimento artificial da bolsa e a posição
horizontal da mulher4. Sobre a violência obstétrica destaca Ma-
riani e Neto (2016):
A violência obstétrica é aquela que ocor-
re no período da gestação, durante o trabalho Desta forma caracteriza-se pela inter-
de parto e puerpério (logo após) e também venção institucional indevida, não autorizada
pode ocorrer durante o atendimento em situ- ou sequer informada, até mesmo abusiva, so-
ações de abortamento. bre o corpo ou processo reprodutivo da mu-
lher, que violam sua autonomia, informação,
A expressão “violência obstétrica” (VO)
liberdade de escolha e participação nas deci-
é utilizada para descrever e incluir inúmeras
sões sobre o seu próprio corpo. Apresenta-se
ações de violência durante a prática obsté-
pela intervenção institucional indevida, não
trica profissional. Agrupa maus tratos físicos,
autorizada ou sequer informada7.
psicológicos, e verbais, assim como proce-
1 MARIANI, Adriana Cristina; NETO, José Osório Do Nascimento. Violência obstétrica como violência de gênero
institucionalizada: breves considerações a partir dos direitos humanos e do respeito às mulheres. 2016.
2 IBIDEM
3 IBIDEM
4 MARIANI, Adriana Cristina; NETO, José Osório Do Nascimento. Violência obstétrica como violência de gênero
institucionalizada: breves considerações a partir dos direitos humanos e do respeito às mulheres. 2016.
5 PEREIRA, Jéssica Souza; et al. Violência obstétrica: ofensa a dignidade humana. 2016.
6 IBIDEM
7 MARIANI, Adriana Cristina; NETO, José Osório Do Nascimento. Violência obstétrica como violência de gênero
institucionalizada: breves considerações a partir dos direitos humanos e do respeito às mulheres. 2016.

19
A violência obstétrica é também consi- na assistência. A maioria dos integrantes da
derada como uma violação dos direitos das Rehuna era, reconhecidamente, formada por
mulheres grávidas em processo de parto, que profissionais da saúde, atuando na implemen-
inclui perda da autonomia e das decisões so- tação de serviços ou na pesquisa acadêmica,
bre seus corpos. especialmente enfermeiras e médicos das
áreas da obstetrícia e saúde pública. Assim,
No decorrer de toda a gestação e duran-
embora também estivessem presentes outros
te o trabalho de parto as mulheres possuem
atores sociais, o fato de serem os profissionais
direitos, os quais devem ser respeitados pelos
da saúde os principais envolvidos neste deba-
profissionais de saúde para que assim se te-
te fez com que apenas uma pequena parcela
nha um atendimento integral e de qualidade.
da informação a respeito das violentas condi-
Ou seja, o Ministério da Saúde possui políticas
ções da assistência ao parto chegasse, de fato,
que visam garantir os direitos sexuais, de ci-
às mulheres usuárias dos sistemas de saúde,
dadania e reprodutivos das mulheres, a fim de
as quais representam o principal grupo de
que elas conheçam seus direitos para que as-
interessadas, uma vez que são ou poderiam/
sim possam exigi-los e se prevenirem de abu-
deveriam ser as protagonistas do evento do
sos e a falta respeito contra a sua dignidade8.
nascimento9.
A humanização do parto também é en-
Outro ponto sobre a violência obstétri-
tendida como um direito, para que as mães e
ca consiste no desrespeito do direito ao acom-
bebês sejam respeitados, desde o pré-natal
panhante, o fato de não conferir a gestante o
até o pós-parto, com cuidado e acolhimento.
direito ao acompanhante, também dificulta o
O movimento pela humanização do par- controle da violência obstétrica.
to no Brasil se iniciou de maneira descentra-
A Agência Nacional de Saúde Suplemen-
lizada, por meio de diferentes iniciativas em
tar, através da RN nº 36829, dispõe sobre o
diversos Estados brasileiros, todas focadas em
direito de acesso à informação das benefici-
ressignificar a assistência e atuar de acordo
árias aos percentuais de cirurgias cesáreas e
com diferentes modelos, menos tecnocráticos
de partos normais, por operadora, por estabe-
e mais centrados na figura da mulher. Neste
lecimento de saúde e por médico, e sobre a
contexto, a fundação da Rede pela Huma-
utilização do partograma, cartão da gestante
nização do Parto e do Nascimento (Rehuna)
e da carta de informação à gestante no âmbi-
possui papel de destaque, especialmente em
to da saúde suplementar. Além disso, a Lei Nº
função de sua carta de fundação, a “Carta de
11.108 de 7 de abril de 2005, obriga os servi-
Campinas”. Este documento representou uma
ços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS),
forma de denúncia das circunstâncias violen-
da rede própria ou conveniada, ficam obriga-
tas da assistência ao parto, caracterizando-
dos a permitir a presença, junto à parturiente,
-as como pouco humanas, constrangedoras
de 01 (um) acompanhante, de sua indicação,
e marcadas pela ocorrência de intervenções
durante todo o período de trabalho de parto,
desnecessárias e violentas, que transformava
parto e pós- parto imediato. As parturientes,
a experiência de parir e nascer em uma vivên-
ainda, devem ser submetidas a procedimentos
cia aterrorizante, onde as mulheres se sentiam
com requisição prévia de sua opinião, evitan-
alienadas e impotentes. A atuação da Rehuna
do expô-las a sofrimentos desnecessários. O
na década de 1990 promoveu debate relevan-
Brasil desenvolveu algumas políticas públicas,
te a respeito da qualidade da assistência ao
segundo SPM (Secretaria de Política Públicas
parto no Brasil, bem como evidenciou, tanto
para as Mulheres), que visam um atendimento
entre as diferentes categorias profissionais
integral e de qualidade às mulheres durante
envolvidas quanto dentro da gestão, a exis-
a gestação, parto e puerpério de forma a de-
tência de condições degradantes e violentas
senvolver ações de prevenção e assistência à
8 PEREIRA, Jéssica Souza; et al. Violência obstétrica: ofensa a dignidade humana. 2016.
9 SENA, Ligia Moreiras;TESSER,Charles Dalcanale. Violência obstétrica no Brasil e o ciberativismo de mulheres
mães: relato de duas experiências. 2017.

20
saúde10. cia é o descumprimento da lei 11.108/2005 -
Lei do acompanhante, que apesar de estar em
Observa Mariani e Neto(2016), sobre o
vigor é descumprida principalmente no âmbi-
desrespeito a lei 11.108/2005 na saúde pú-
to da saúde pública11.
blica:
Outro problema comumente citado pelas
mulheres que são vitimas desse tipo de violên-

2.1 VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E SUAS FORMAS

São recorrentes as situações de violên- Violência obstétrica durante a gestação


cia obstétrica no Brasil, onde mulheres, ges- consiste na violência sofrida à mulher, durante
tantes, durante o parto, ou no atendimento o atendimento do pré – natal.
em situações de abortamento, sofrem abusos,
A violência, seja de ordem física, emocio-
desrespeito, negligência e maus tratos.
nal ou simbólica, é produtora de elevado grau
Além disso, xingamentos, comentários de sofrimento sendo, por vezes, apresentada
abusivos, agressão física, tortura psicológi- de forma tão sútil que chega a ser difícil en-
ca e discriminação racial e socioeconômica xergá-la e, consequentemente, dar maior no-
são relatados com frequência pelas mulheres toriedade a temática. Nesse contexto a violên-
agredidas por alguns profissionais da saúde. cia obstétrica compreende qualquer ação que
Procedimentos invasivos como a manobra de produza efeitos negativos de caráter físico e
Kristeller, episiotomia, restrição da posição do psicológico durante o processo parturitivo na-
parto e intervenções de verificação e acelera- tural. Na maioria das vezes, sua materialização
ção do parto são classificados como VO12. ocorre por meio de um tratamento desumani-
zado oriundo dos profissionais de saúde14.
Existem diversas formas de violência
obstétrica como: abuso físico, cuidado indig- A violência obstétrica pode ocorrer como
no, abuso verbal, imposição de intervenções uma negligência, e também pode ocorrer nas
muitas vezes não consentidas, abandono, ne- formas física, psíquica ou verbal.
gligência ou recusa da assistência por parte do
A violência obstétrica por negligência é
profissional de saúde. Além disso, a violência
caracterizada quando há a negação ao aten-
obstétrica também inclui a recomendação de
dimento ou colocar dificuldades para que a
cirurgias cesáreas que ultrapassam o limite da
gestante receba os serviços que são seus por
normalidade13.
direito. Essa violência ocasiona uma peregri-
Pode ser caracterizado como violência nação por atendimento durante o pré-natal e
obstétrica, dentre outras condutas, maus tra- por leito na hora do parto, diz respeito tam-
tos físicos, psicológicos e verbais, e também bém a privação do direito da mulher em ter
procedimentos muitas vezes considerados um acompanhante.
desnecessários e invasivos a mulher, durante
O que define a violência obstétrica não
a gravidez, no parto e puerpério (logo após o
são apenas os procedimentos realizados,
parto) e também durante o atendimento em
como também a forma como estes são con-
situações de abortamento.
duzidos.

10 PEREIRA, Jéssica Souza; et al. Violência obstétrica: ofensa a dignidade humana. 2016.
11 MARIANI, Adriana Cristina; NETO, José Osório Do Nascimento. Violência obstétrica como violência de gênero
institucionalizada: breves considerações a partir dos direitos humanos e do respeito às mulheres. 2016
12 PEREIRA, Jéssica Souza; et al. Violência obstétrica: ofensa a dignidade humana. 2016.
13 IBIDEM
14 CARVALHO, Isaiane da Silva; BRITO,Rosineide Santana. Formas de violência obstétrica vivenciadas por puér-
peras que tiveram parto normal. 2017.

21
A violência obstétrica física ocorre quan- Segundo ZANARDO; et al (2015) apud
do há práticas e intervenções na maioria das Ministério da Saúde (2015):
vezes desnecessárias e violentas, que inúme-
São consideradas desnecessárias aquelas
ras vezes sem o consentimento da mulher.
operações que ocorrem quando não há situa-
Como exemplo de violência obstétrica física,
ção que coloque em risco a saúde da gestante
podemos citar a aplicação do soro com oci-
ou do bebê e, portanto, exigiriam intervenção
tocina, lavagem intestinal, privação da in-
através de procedimento. Sem a indicação
gestão de líquidos e alimentos, exames de
correta, a realização da cirurgia pode levar
toque em excesso, ruptura artificial da bolsa,
ao aumento do risco de complicações graves
raspagem dos pelos pubianos, imposição de
para a díade17.
uma posição de parto que não é a escolhida
pela mulher, não oferecer alívio para a dor, Já a violência obstétrica psíquica ou vio-
seja natural ou anestésico, episiotomia sem lência obstétrica psicológica ocorre com ações
prescrição médica, “ponto do marido”, uso verbais ou comportamentais que possam cau-
do fórceps sem indicação clínica, imobilização sar na mulher sentimentos de inferioridade,
de braços ou pernas, manobra de Kristeller. vulnerabilidade, abandono, medo, instabilida-
de emocional e também insegurança.
Outro ponto que deve ser levado em con-
sideração é o parto cesárea, que uma vez rea- VO psíquica: refere-se ao tratamento
lizadosem prescrição médica e sem o consen- desumanizado, grosseiro, humilhação e dis-
timento da mulher, é caracterizada como uma criminação. Além disso, cabe nesta classe a
prática de violência obstétrica, neste caso a omissão de informações sobre a evolução do
mulher perde a autonomia nas decisões sobre parto18.
seu parto e submete-se a orientações que não
são compreendidas em sua totalidade. Por outro lado a violência obstétrica ver-
bal se dá quando há comentários constran-
VO física: quando são realizadas práticas gedores, ofensivos ou até humilhantes à ges-
invasivas, administra-se medicações não jus- tante, quer seja inferiorizando a mulher por
tificadas pelo estado de saúde da parturiente sua raça, idade, escolaridade, religião, crença,
ou de quem irá nascer, ou quando não se res- orientação sexual, condição socioeconômica,
peita o tempo ou as possibilidades de parto número de filhos ou estado civil, quer seja por
biológico15. ridicularizar as escolhas da paciente para seu
parto, como a posição em que quer dar à luz.
O crescente número de parto cesárea no
Brasil indica a relevância da atual discussão a
respeito do tema violência obstétrica, princi-
palmente quando se fala na ocorrência de ci-
rurgias cesáreas desnecessárias16.

2.1.1 VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NAS SITUAÇÕES DE ABORTAMENTO

A violência obstétrica, embora seja mais diversas maneiras, sendo elas: negação ou
comum nas situações de parto, ocorre com demora no atendimento, questionamento e
inúmeras mulheres em situações de abor- acusação da mulher sobre a possível causa do
tamento também podem ser vítimas de tal aborto, procedimentos invasivos sem explica-
violência. Podendo, por exemplo, ocorrer de ção, consentimento ou anestesia, culpabiliza-

15 PEREIRA, Jéssica Souza; et al. Violência obstétrica: ofensa a dignidade humana. 2016.
16 ZANARDO, Gabriela Lemos de Pinho; et al. Violência Obstétrica No Brasil: Uma Revisão Narrativa. 2015.
17 IBIDEM
18 PEREIRA, Jéssica Souza; et al. Violência obstétrica: ofensa a dignidade humana. 2016.

22
ção e denúncia da mulher. tucional, há concordância que esse fenômeno
causa sofrimento para a mulher, que influencia
Mulheres que necessitam de tratamento
negativamente a qualidade do cuidado pres-
por aborto incompleto esperam apoio, priva-
tado e que atua como barreira para a utiliza-
cidade, confidencialidade e respeito durante
ção do serviço de saúde no futuro. No Brasil,
seu atendimento. Entretanto, principalmen-
o Ministério da Saúde estabeleceu a definição
te nos países onde o aborto não é permitido,
de violência institucional como sendo “aquela
muitas mulheres podem sofrer desrespeito e
exercida nos/pelos próprios serviços públicos,
abusos nos serviços de saúde. Termos como
por ação ou omissão”, englobando tanto atos
“violência obstétrica”, “tratamento desuma-
praticados por profissionais durante a assis-
no” e “desrespeito e abuso” têm sido utiliza-
tência como condições estruturais do sistema
dos por autores e organizações diversas para
de saúde19.
caracterizar maus-tratos durante a assistência
em saúde. Embora não haja consenso sobre
o melhor termo e conceito de violência insti-

2..2 RELAÇÃO ENTRE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E VIOLÊNCIA SEXUAL

A violência obstétrica se constitui como internacionais como exemplo de violação do


sendo uma grave violação à autonomia das direito humano das mulheres à sua dignidade
mulheres, também aos seus direitos humanos e à sua integridade corporal20.
e aos seus direitos sexuais e reprodutivos.
A violência obstétrica sexual é toda ação
Em que pese o tema ser comumente imposta à mulher que tende a violar sua inti-
abordado como direito humanos das mulheres midade ou pudor, podendo incidir sobre seu
a dignidade e a integridade corporal o tema senso de integridade sexual e reprodutiva,
também aborda aspectos dos direitos sexuais podendo ainda ter acesso ou não aos órgãos
e reprodutivos. A assistência como tema de sexuais e partes íntimas do seu corpo21.
direitos humanos tem sido levada a tribunais

2.3 VIOLÊNCIA DE GÊNEROS

A violência obstétrica é definida como tece em todo o mundo e atinge mulheres de


um tipo de violência de gênero, uma vez que todas as idades, raças, etnias, classes sociais
somente ocorre com mulheres, em situações com orientação sexual ou não, e é também
específicas, ou seja, durante a gravidez, no tratada como violência contra a mulher. O seu
parto e puerpério (logo após o parto) e tam- principal ponto é ligado ao poder e como isso
bém atendimento em situações de aborta- demonstra o predomínio dos homens sobre as
mento. mulheres ou também apenas como uma ideo-
logia dominante, não sendo necessariamente
Segundo Queiroz; et al (2017) apud Bra-
entre uma relação de ambos os sexos, mas de
sil (2003):
posições sociais22.
A violência de gênero é algo que acon-

19 MADEIRO, Alberto Pereira; RUFINO, Andréa Cronemberger. Maus-tratos e discriminação na assistência ao abor-
to provocado: a percepção das mulheres em Teresina, Piauí, Brasil. 2017.
20 MARIANI, Adriana Cristina; NETO, José Osório Do Nascimento. Violência obstétrica como violência de gênero
institucionalizada: breves considerações a partir dos direitos humanos e do respeito às mulheres. 2016.
21 PEREIRA, Jéssica Souza; et al. Violência obstétrica: ofensa a dignidade humana. 2016.
22 QUEIROZ, Thayná Caixeiro; et al. Violência obstétrica e suas perspectivas na relação de gênero. 2017.

23
Por ser praticada contra mulheres e tam- detentores de conhecimentos e habilidades
bém seus nascituros, a violência obstétrica é técnicas naquela situação específica.
também uma violência de gênero23.
Segundo Mariani e Neto (2016):
A violência de gênero no momento do
Em que pese o tema ser comumente
parto é tão perpetrada e interligada na estru-
abordado como direito humanos das mulheres
tura social, que muitas mulheres nem sequer
a dignidade e a integridade corporal o tema
percebem sofrer abuso. É nesse ambiente de
também aborda aspectos dos direitos sexuais
reconhecimento e maximização dos direitos
e reprodutivos. A assistência como tema de
humanos que a mulher pode e deve ser pro-
direitos humanos tem sido levada a tribunais
tagonista: cabe a ela decidir sobre seu próprio
internacionais como exemplo de violação do
corpo. No caso do parto, por exemplo, a esco-
direito humano das mulheres à sua dignidade
lha deve ser dela! Ela é quem deve escolher se
e à sua integridade corporal26.
vai consentir (ou não) com os procedimentos
a serem realizados (ou não) em seu corpo24. Com relação à violência de gênero, esta
é tida como a violência física, sexual ou psi-
A violência obstétrica diz respeito a uma
cológica contra a mulher, ela se manifesta por
forma específica da violência de gênero, uma
meio de relações de poder, histórica e cultu-
vez que há utilização arbitrária do saber por
ralmente desiguais ocorridas entre homens e
parte de profissionais da saúde no controle
mulheres (Wolff; Waldow, 2008)27.
dos corpos e da sexualidade das parturientes.
Acerca da violência obstétrica como vio-
Segundo Queiroz; et al (2017) apud Mi-
lência institucional e de gênero, Queiroz; et al
nayo (2014):
(2017) trazem:
O gênero então passa a ser trabalhado
Existem vários tipos de manifestações de
em um tipo de violência, quando se trata da
violência, porém, no presente trabalho, será
opressão construída socialmente nas relações
abordada uma análise investigativa sobre as
de poder dentro de um ambiente institucio-
questões de violência institucional e de gêne-
nal. Nesse sentido, a análise a ser estudada é
ro, pois estas perpassam diretamente sobre
o poder, visto que relações desiguais de po-
a violência no parto, traduzida como violên-
der, de gênero e relação profissional de saúde
cia obstétrica. A relevância do estudo sobre
e paciente estão embutidas na violência insti-
esse tema é justificada pela necessidade de se
tucional25.
compreender questões referentes à violência
Já a violência institucional obstétrica está institucional e de gênero, com foco na vio-
relacionada como uma violência praticada por lência obstétrica, para analisar as relações de
equipes de saúde e são consentidas pelas mu- gênero, além de avaliar como a humanização
lheres durante o trabalho de parto, seja este da assistência ao parto e nascimento contribui
cesárea ou parto natural, tal fato esta atrelado para uma mudança nesse contexto28.
com vários fatores como: o desconhecimento
A violência acarretada nos corpos de mu-
do processo fisiológico e práticas de assistên-
lheres acaba gerando traumas, tal violência
cia durante o trabalho de parto e parto por
acaba também ferindo os direitos humanos,
estas mulheres; e também por acreditarem
em categorias universais como, por exemplo:
que o médico e/ou a equipe de saúde sejam
igualdade, dignidade, respeito, justiça e valor
23 MARIANI, Adriana Cristina; NETO, José Osório Do Nascimento. Violência obstétrica como violência de gênero
institucionalizada: breves considerações a partir dos direitos humanos e do respeito às mulheres. 2016.
24 IBIDEM
25 QUEIROZ, Thayná Caixeiro; et al. Violência obstétrica e suas perspectivas na relação de gênero. 2017.

26 MARIANI, Adriana Cristina; NETO, José Osório Do Nascimento. Violência obstétrica como violência de gênero
institucionalizada: breves considerações a partir dos direitos humanos e do respeito às mulheres. 2016.
27 WOLFF, Leila Regina;WALDOW, Vera Regina. Violência consentida: mulheres em trabalho de parto e parto. 2008.
28 IBIDEM

24
da pessoa humana29. exercendo sua autonomia sexual de acordo
com sua autonomia existencial e direito per-
O direito ao próprio corpo é o ponto de
sonalíssimo ao corpo com fundamento na dig-
partida de uma sociedade democrática que
nidade da pessoa humana30.
dê aos indivíduos igual valor, assim a mulher
pode abster-se da maternidade ou busca-la

3. APLICAÇÃO CONSTITUCIONAL

No Brasil existem, além da constituição maternidade.


federal, a qual prevê os direitos fundamen-
O artigo 196 também da Constituição
tais em seu artigo 5º, leis que dispõe sobre os
Federal, traz a saúde como sendo um direito
direitos de gestantes assistidas pelo sistema
de todos.
único de saúde (SUS).
Existem princípios, leis e fundamentos
Os direitos fundamentais estão estabe-
que baseiam as ações médicas, e estes são
lecidos na Constituição Federal, e devem ser
norteados pelo Código de Ética Médica, os
assegurados e protegidos pelo Estado.
quais devem respeitar a decisão dos pacientes
As garantias fundamentais são uma for- e valorizar a vida dos mesmos. Assim sendo,
ma ou um remédio constitucional, os quais os princípios médicos, como o da autonomia,
visam garantir tais direitos, para que estes se- beneficência, não maleficência e justiça, em-
jam colocados em prática. basam as práticas médicas e visam proporcio-
nar a valorização da vida humana31.
A constituição Federal traz no artigo 6º,
além de outros direitos sociais, a proteção à

3.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A dignidade da pessoa humana está rela- O Ministério da Saúde têm políticas, as


cionada aos direitos fundamentais, tais como quais visam garantir os direitos sexuais, de
direito à vida, à igualdade, à integridade física, cidadania e reprodutivos das mulheres, para
moral e psíquica, ocorre a violação de tais di- que assim elas possam conhecer seus di-
reitos com a prática de atos que caracterizem reitos para que possam assim exigi-los e se
a violência obstétrica. prevenirem de futuros abusos e desrespeito
contra a sua dignidade33.
A violência obstétrica também atinge o
princípio da autonomia da vontade, uma vez Segundo Mariani e Neto (2016) apud
que mulheres não podem tomar decisões Ana Paula Pelegrinello (2014, p. 97-114):
sobre seu parto, e também se submetem a
O critério para verificação se a mulher
orientações quem não conseguem compreen-
tem uma vida digna, é objetivo e se traduz
der em sua totalidade32.
pela disponibilização de serviços essenciais. A
Ainda segundo o mesmo autor: reprodução é fruto da autonomia da mulher e
29 MARIANI, Adriana Cristina; NETO, José Osório Do Nascimento. Violência obstétrica como violência de gênero
institucionalizada: breves considerações a partir dos direitos humanos e do respeito às mulheres. 2016.
30 PELLEGRINELLO. Ana Paula. Reprodução humana assistida: a tutela dos direitos fundamentais das mulheres. Curitiba:
Juruá, 2014.
31 PEREIRA, Jéssica Souza; et al. Violência obstétrica: ofensa a dignidade humana. 2016.

32 PEREIRA, Jéssica Souza; et al. Violência obstétrica: ofensa a dignidade humana. 2016.
33 IBIDEM

25
direito da personalidade, qualquer decisão no Cuida-se de conjunto de direitos fun-
sentido de interesses estranhos ao da mulher damentais indeterminados; por exemplo, o
significaria lesão, assim “o direito da mulher – mínimo existencial e a proteção do Estado a
e somente da mulher – de decidir ter filhos se sofrimentos evitáveis. Vale dizer que os direi-
apresenta como um direito da personalidade tos fundamentais são plausíveis de renúncia
física e, mais precisamente, como um direito à desde que não se ofenda a dignidade dessa
liberdade corporal” 34. pessoa36.
Tal violência afronta também a dignidade Segundo e Neto (2016) apud Ana Paula
da pessoa humana, quando, por exemplo, há a Pelegrinello (2014, p. 97-114):
realização de procedimentos de natureza in-
O direito ao próprio corpo é o ponto de
vasiva sem a devida indicação e consentimen-
partida de uma sociedade democrática que
to da mulher.
dê aos indivíduos igual valor, assim a mulher
No mundo inteiro, são constantes os pode abster-se da maternidade ou busca-la
relatos sobre maus-tratos sofridos pelas mu- exercendo sua autonomia sexual de acordo
lheres não só durante o parto, mas em todo o com sua autonomia existencial e direito per-
processo da gestação, parto e puerpério, que sonalíssimo ao corpo com fundamento na dig-
violam a dignidade e respeito a elas35. nidade da pessoa humana37.
Nesse sentido, descreve o autor Vascon-
celos (2016):

3.2 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE

A autonomia de vontade está ligada à ticas que visam garantir os direitos sexuais, de
capacidade de autodeterminação, ou seja, diz cidadania e reprodutivos das mulheres, a fim
respeito ao individuo poder decidir de forma de que elas conheçam seus direitos para que
livre sobre suas escolhas. possam exigi-los e se prevenirem de abusos e
desrespeito contra a sua dignidade39.
A violência obstétrica pode estar atrela-
da também a escolha das mulheres pelo parto No Brasil existem, além da constituição
Cesárea, uma vez que a mulher optando por federal, que prevê os direitos fundamentais
este perde autonomia nas decisões sobre seu em seu artigo 5º, leis que dispõe sobre os
parto e submete-se a orientações que muitas direitos de gestantes assistidas pelo sistema
vezes não compreendem totalmente. único de saúde.
A violência obstétrica, também atinge o No Brasil, desde 27 de dezembro de
princípio da autonomia da vontade, uma vez 2007, a Lei nº 11.634, em que dispõe sobre o
que mulheres não podem tomar decisões so- direito da gestante ao conhecimento e a vin-
bre seu parto, e submete-se a orientações culação à maternidade onde receberá assis-
quem não conseguem compreender38. tência no âmbito do Sistema Único de Saúde
(SUS), e a partir do conhecimento e a vincula-
Ainda segundo o mesmo autor:
ção da maternidade de referência, os serviços
Assim, o Ministério da Saúde possui polí- de saúde maternos devem garantir à mulher o
34 MARIANI, Adriana Cristina; NETO, José Osório Do Nascimento. Violência obstétrica como violência de gênero
institucionalizada: breves considerações a partir dos direitos humanos e do respeito às mulheres. 2016.
35 PEREIRA, Jéssica Souza; et al. Violência obstétrica: ofensa a dignidade humana. 2016.
36 VASCONCELOS, Clever. Curso De Direito Constitucional. E-book. São Paulo: Saraiva 2016.
37 MARIANI, Adriana Cristina; NETO, José Osório Do Nascimento. Violência obstétrica como violência de gênero
institucionalizada: breves considerações a partir dos direitos humanos e do respeito às mulheres. 2016.
38 PEREIRA, Jéssica Souza; et al. Violência obstétrica: ofensa a dignidade humana. 2016.
39 IBIDEM

26
leito obstétrico no momento de seu processo suas escolhas pessoais, devam ser tratados
parturitivo, evitando a peregrinação durante o com respeito pela sua capacidade de decisão.
anteparto e parto40. As pessoas têm o direito de decidir sobre as
questões relacionadas ao seu corpo e à sua
Segundo Santos (2016) apud CREMESP
vida. Quaisquer atos médicos devem ser au-
(2004, p. 18).
torizados pelo paciente41.
O princípio da autonomia requer que os
indivíduos capacitados de deliberarem sobre

3.3 DEMAIS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS

O conceito de direitos sexuais e repro- entre os cidadãos de gozar de tratamento iso-


dutivos traz à tona os quatro princípios éticos nômico pela lei. Por meio de tal princípio são
inegociáveis que estes direitos envolvem: a vedadas as diferenciações não justificáveis
igualdade, a diversidade, a autonomia pessoal pelos valores constantes na Constituição Fe-
ou princípio da pessoalidade, e a integridade deral, e tem por finalidade limitar a atuação do
corporal. Cada um destes princípios pode ser legislador, do intérprete ou autoridade pública
violado por atos de invasão ou abuso – por e do particular.
governos, médicos, maridos, parceiros ou
membros da família – ou resultar da omissão,
da negligência e da discriminação42.
Princípio da igualdade - tal princípio pre-
vê a igualdade de aptidões e de possibilidades

4. ASPECTOS LEGAIS

Durante toda a gestação e o trabalho direitos sexuais, de cidadania e reprodutivos


de parto as mulheres possuem direitos que das mulheres, a fim de que elas conheçam
devem ser respeitados pelos profissionais da seus direitos para que possam exigi-los e se
saúde para que se tenha um atendimento in- prevenirem de abusos e desrespeito contra a
tegral e de qualidade. Assim, o Ministério da sua dignidade43.
Saúde possui políticas que visam garantir os

4.1 ASPECTOS PENAIS

A expressão violência obstétrica elen- contextoexistemalguns aspectos relevantes


ca três momentos diversos do atendimen- podendo citar, por exemplo, que é a possibi-
to no serviço de saúde, os quais sejam eles: lidade de participação da mulher no processo
pré-parto, parto e pós-parto. Diante de tal decisório durante esses momentos narrados,

40 RODRIGUES, Diego Pereira; et al. A peregrinação no período reprodutivo: uma violência no campo obstétrico. 2015.
41 SANTOS, Rafael Cleison Silva dos; SOUZA,Nádia Ferreira de. Violência institucional obstétrica no Brasil: revisão siste-
mática. 2015.
42 PROGIANTI, Jane Márcia; ARAÚJO, Luciane Marques de; MOUTA, Ricardo José Oliveira. Repercussões Da
Episiotomia Sobre A Sexualidade. 2008.
43 PEREIRA, Jéssica Souza; et al. Violência obstétrica: ofensa a dignidade humana. 2016.

27
existe aindaalguns estudos demonstram que te das suas possibilidades de vir a ser sujeito
o sentimento de a mulher não ser informada e plenamente potente, isto é, de deter plena-
não ter tido a oportunidade de participar nas mente autodomínio e soberania de decisões,
decisões foram associados à insatisfação por daí que se perpetue a noção da mulher como
parte da mesma. Também se pode destacar um sujeito incapaz, à semelhança das crian-
que tal pratica descrita se enquadra na cate- ças, dos doentes... ou dos loucos, em maior
goria de crime, e existem vários movimentos grau! Incapaz de decisões, incapaz de pleno
sociais, principalmente movimentos feminis- domínio de si... então necessitaria de eternos
tas que tentam demonstrar o caráter violento “tutores”! Ora, esta é a própria construção
dos procedimentos acima citados, um exem- social do feminino denunciada e repudiada
plo comum é a episiotomia, que realizada na pelo movimento de mulheres e que constrói
maioria dos casos sem autorização pode ser a concepção das mulheres como eternos “de-
interpretada como crime contra a integridade pendentes”. Pode do ponto de vista histórico,
física, lesão corporal, artigo 129 do Código Pe- explicar, sem eticamente justificar, tanto a
nal brasileiro. Outro ponto que se deve levar cultura da “proteção” necessária (passando as
em consideração é sobre tal violência agredir próprias mulheres a se conceberem da mes-
os direitos não apenas da mulher, mas tam- ma forma e conceberem seus companheiros
bém do nascituro que também é tido sujeito como “os provedores”), proteção que não se
de direitos 44. confunde com “cuidado”, quanto a cultura de
que os sujeitos dependentes, sempre infantili-
Segundo Mariani e Neto (2016) apud Tim
zados como sujeitos sociais, precisam de eter-
(2012) p. 185-189:
na vigilância e educação rigorosa, o que em
As contradições raça/etnia, classe social passado já bem próximo, significava punições
se conectam com o gênero e majora a vulne- físicas e sanções morais, para o aprendizado
rabilidade das mulheres frente à estrutura de da adequada conduta social46.
poder hierárquica e patriarcal, esse sistema
No caso de violência obstétrica, cabe
expressa valorização desigual atribuída pela
também a tipificação prevista no artigo 146
sociedade e legitimada pela cultura patriarcal
do Código Penal em que diz “Constranger al-
aos corpos e às subjetividades das pessoas,
guém, mediante violência ou grave ameaça,
isso demonstra a estrutura da violência contra
ou depois de lhe haver reduzido, por qual-
mulheres embasadas em modelos patriarcais
quer outro meio, a capacidade de resistên-
e desiguais45.
cia, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer
Ainda segundo o mesmo autor apud o que ela não manda. Pena - detenção, de
Schraiber; Lilia; D’oliveira, (1999), p. 13-26: três meses a um ano, ou multa”. Ressalta-se
também, que neste caso, os direitos sexuais
Mas é preciso explicar que colocar a mu- e reprodutivos da mulher constituem, funda-
lher como vítima de um tipo penal como a vio- mentalmente, direitos humanos. É da mesma
lência de gênero é diferente de vitimá-la: forma comum o crime de ameaça previsto no
No campo jurídico todas as pessoas em artigo 147 do Código Penal. A ameaça, per-
conflito, sejam homens ou mulheres, serão ou petrada nos casos de violência moral obs-
réus ou vítimas. Já nas esferas, por exemplo, tétrica, é aquela que visa intimidar e ame-
da saúde, da assistência social ou outras for- drontar as gestantes mediante promessa de
mas de atuação, a tomada de qualquer sujeito causar-lhe mal injusto e grave. O mal injusto
na condição de “vitima” é significá-lo de saída é aquele que a vítima não está obrigada a
como sujeito de “menor potencialidade” dian- suportar, podendo ser ilícito ou simplesmente
imoral. Já o mal grave é o capaz de produzir
44 MARIANI, Adriana Cristina; NETO, José Osório Do Nascimento. Violência obstétrica como violência de gênero
institucionalizada: breves considerações a partir dos direitos humanos e do respeito às mulheres. 2016.
45 IBIDEM
46 MARIANI, Adriana Cristina; NETO, José Osório Do Nascimento. Violência obstétrica como violência de gênero
institucionalizada: breves considerações a partir dos direitos humanos e do respeito às mulheres. 2016.

28
ao ofendido um prejuízo relevante 47. pressas, muitas parturientes estão suscetíveis
a sofrerem crimes que violem que sua honra,
  Destaca Lima e Albuquerque, 2019:
tais como o crime de injúria (art. 140, Códi-
Outra forma comum, nos relatos de vio- go Penal). Manifestam-se das mais diversas
lência moral obstétrica, é pertinente aos maus- maneiras, expondo a paciente a sofrimentos
-tratos previsto no art. 136, Código Penal. O desnecessários e que pode trazer consequên-
crime é de forma vinculada, pois a conduta so- cias drásticas e irreparáveis a saúde. Consti-
mente se admite nos modos de execução ex- tui, ainda, circunstância que sempre agrava a
pressamente previstos em lei, amoldando-se, pena quando não constituem ou qualificam o
neste caso, expor a perigo de vida ou saúde crime, vez que o crime é praticado contra mu-
da parturiente sob sua autoridade para fim de lher grávida (art. 61, inciso II, alínea h, CP)48.
acompanhamento do processo gestacional,
do parto e pós-parto. Além das condutas ex-

4.2 DEMAIS LEGISLAÇÕES

Um fator também considerado impor- O desrespeito a lei do acompanhante


tante para os casos de violência obstétrica é pode estar atrelado aos casos de violência
o impedimento da presença de um acompa- obstétrica.
nhante durante o parto. Tal fator é tido como
Muitas vezes essas mulheres estão
fundamental, uma vez que os acompanhantes
sozinhas, pois são impedidas de ter um
poderiam sinalizar de forma enfática aos pro-
acompanhante, o que fere a Lei Federal nº
fissionais de saúde qual é o estado clínico da
11.108/2005, a RDC 36/2008 da ANVISA, as
paciente, além de dar também apoio emocio-
RNs 211 e 262 da ANS e o Estatuto da Crian-
nal à mãe nos cuidados com o bebê e demais
ça e do Adolescente, no caso das adolescen-
necessidades 49.
tes grávidas (DO PRINCÍPIO, R. P., 2012)51.
Ainda neste sentido, destaca o mesmo
Lei do acompanhante, lei nº 8.080, de
autor:
19 de setembro de 1990, com alterações da-
Toda mulher tem o direito, assegurado das pela lei nº11.108, de 7 de abril de 2005.
pela Lei n° 11.108/2005, de ter um acompa-
Segundo Zanardo; et al (2015) apud Di-
nhante de sua livre escolha no acolhimento,
niz e Chacham (2006) Leal et al.(2014); Pas-
pré-parto, parto e pós-parto imediato. Os pla-
che; etal (2010); Tornquist, (2002):
nos privados de saúde são obrigados a cobrir
as despesas de um acompanhante por todo o A realidade brasileira é caracterizada por
período de internação. Porém, ainda que seja um atendimento com abuso de intervenções
assegurado por lei, esse direito, muitas vezes, cirúrgicas, muitas vezes humilhante, em que
não é respeitado50. há falta de informação às mulheres e até a
negação ao direito ao acompanhante, o que
O código de ética médica em seu capí-
é considerado um desrespeito aos direitos re-
tulo V disciplina a relação entre médicos exis-
produtivos e sexuais das mulheres, além de
tente não somente com os pacientes, como
uma violação dos direitos humanos52.
também com os familiares.
47 LIMA, Anne Caroline Amaral de;ALBUQUERQUE,Ricardo Tavares de. A Violência Moral Obstétrica No Proces-
so Gestacional, De Parto E Abortamento E O Amparo Da Mulher No Ordenamento Jurídico Brasileiro. 2019.
48 IBIDEM
49 BARROS DE SOUZA, Amandaetal. Fatores associados à ocorrência de violência obstétrica institucional: uma
revisão integrativa da literatura. 2016.
50 IBIDEM
51 REDE parto do princípio. Violência obstétrica “parirás com dor”. 2012.
52 ZANARDO, Gabriela Lemos de Pinho; et al. Violência Obstétrica No Brasil: Uma Revisão Narrativa. 2015.

29
Há a lei nº 10.778, de 2003, que dispõe como violência obstétrica, como por exemplo,
sobre a violência contra a mulher atendida no projeto lei 7.633/2014.
setor público ou privado de saúde:
No Estado de São Pau-
Também há a lei 11.634, de 27 de de- lo, há em tramitação o Projeto lei nº
zembro de 2007,que dispõe sobre os direitos 1130/2017, onde traz em seu corpo diretri-
das gestantes assistidas pelo SUS. zes que tipificam as condutas caracterizadas
como violência obstétrica, sendo na seara civil
Existem alguns projetos lei em andamen- ou criminal
to na Câmara dos Deputados.
Por sua vez o Estado de Santa Catarina
Sendo o projeto lei nº 7.867/2017, que sancionou uma lei contra a violência obsté-
dispõe sobre as medidas de proteção contra a trica em todo seu estado, sendo esta a lei nº
violência obstétrica. 17.097, de 2017.
Há também o projeto lei nº 8.219/2017, O Estado do Tocantins também se en-
que dispõe sobre violência obstétrica pratica- quadra na lista de Estados que sancionaram
da por médicos e/ou profissionais de saúde leis contra a violência obstétrica (Lei n. 3.385,
contra mulheres em trabalho de parto ou logo de 27 de julho de 2018).
após o parto.
Além de outros projetos leis, que tam-
bém disciplinam as condutas enquadradas

5. ASPECTOS SOCIAIS E ÉTICOS

O Código de ética médica disciplina en- (2012) sobre a humanização no atendimento


tre outras matérias, a responsabilidade dos À saúde:
profissionais, sendo que seu artigo primeiro
A ênfase na humanização do atendimen-
diz respeito aos danos praticados contra o pa-
to à saúde integra uma política positivista, de
ciente, dentre outras condutas, por ação de
modo que o termo tem sido empregado há
tais profissionais.
muitas décadas, sob diversas perspectivas. A
Capítulo III humanização já foi usada, por exemplo, para
RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL justificar procedimentos como a narcose,
É vedado ao médico: emprego de instrumentos mecânicos, inter-
venções bioquímicas e fisiológicas e, por fim,
Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão,
caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.
procedimentos cirúrgicos de relativa comple-
xidade e risco53.
Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre
pessoal e não pode ser presumida. Um atendimento humanizado é aquele
que diz respeito a todo um contexto de rea-
O Código de Ética traz vedação ao médi-
lidade e a um posicionamento profissional,
co que desrespeitar o direito do paciente ou
em que se compreende a gestante, ouvindo
de seus familiares de poderem escolher den-
sempre o que ela tem a dizer, valorizando as-
tre as práticas diagnosticadas ou terapêutica
sim: suas dúvidas, medos, anseios, desejos e
conforme dispõe artigo 31, e em seu artigo
buscando a melhor maneira de oferecer um
33 consta as situações emergenciais o médico
atendimento respeitoso e de qualidade para a
não pode omitir cuidados.
mesma durante toda a gestação e parto54.
Descreve Rede de Parto do Princípio

53 REDE parto do princípio. Violência obstétrica “parirás com dor”. 2012.


54 QUEIROZ, ThaynáCaixeiro;et al. Violência obstétrica e suas perspectivas na relação de gênero. 2017.

30
A falta de humanização durante o aten- nal de saúde não respeite o pudor, e também
dimento às gestantesdurante o processo deixe de respeitara individualidade de cada
de parto faz com que a experiência seja em paciente, deixando assim de entendersuas
suma, traumática e negativa para elas. Nesse dificuldades e limitações. Com isso, o médico
contexto a autonomia deixa de ser respeitada, tem o dever de prestar a integral assistência
visto que suas decisões e desejos, na maioria à paciente, não deixando de esclarecer suas
das vezes, são ignorados por meio de práticas dúvidas e também a de seus familiares, agindo
que não maximizam os benefícios, de forma a com o máximo de zelo e melhor da sua capaci-
não exercer o consagrado “primum non noce- dade profissional, priorizando o bem-estar da
re” (primeiro não prejudicar), e ainda o desca- parturiente e a valorização da vida55.
so e a impaciência fazem com que o profissio-

5.1 DIFERENÇA (SOCIAL) QUANTO À REDE PÚBLICA E PRIVADA DE


SAÚDE

Segundo Zanardo; et al (2015): so fisiológico do parto, por não serem infor-


madas pelos profissionais de saúde sobre as
O descaso e o desrespeito com as ges-
melhores práticas de assistência, por temerem
tantes na assistência ao parto, tanto no setor
pela vida do bebê e pelo mau atendimento,
público quanto no setor privado de saúde,
pela condição de desigualdade entre médico
têm sido cada vez mais divulgados pela im-
e paciente (o médico é o detentor do conheci-
prensa e pelas redes sociais por meio de rela-
mento, da habilidade técnica) ou simplesmen-
tos de mulheres que se sentiram violentadas.
te por acreditarem que “é assim mesmo”57.
Da mesma forma, esses dados têm sido ana-
lisados pela ouvidoria do Ministério da Saúde Em um estudo realizado, foi apontado
(2012) que computou que 12,7% das queixas como sendo uma das possíveis causas para a
das mulheres versavam sobre o tratamento ocorrência da violência obstétrica institucio-
desrespeitoso, incluindo relatos de terem sido nal o ritmo de trabalho alienante dos profis-
mal atendidas, não serem ouvidas ou aten- sionais de saúde, associado à precariedade de
didas em suas necessidades e terem sofrido recursos, resultando não só no esgotamento
agressões verbais e físicas. No mesmo senti- físico e emocional de tais profissionais, mas na
do, Venturini e colaboradores (2010), através dificuldade de refletir sobre sua prática (BAR-
da pesquisa “A mulher brasileira nos espaços ROS DE SOUZA; et al, 2016).
público e privado”, mostraram que 25% das
Segundo Queiroz; et al (2017), apud
mulheres entrevistadas relataram ter sofrido
Aguiar e D’Oliveira, (2011):
algum tipo de violência nos serviços de saú-
de durante a atenção ao parto, tanto públicos A violência institucional – mais precisa-
quanto privados56. mente sobre as violências ocorridas em mater-
nidades públicas – tem sido um tema bastante
Segundo Santos, Souza (2015) apud Wol-
discutido em diversos países. A partir disso, as
ff e Waldow (2008):
pesquisas vêm demonstrando que, além das
A violência institucional obstétrica é re- questões econômicas e estruturais, os maus
lacionada como uma violência praticada pelas tratos sofridos pelas pacientes também têm
equipes de saúde e consentida por mulheres sido questões vivenciadas nos serviços públi-
em trabalho de parto, que se submetem a ela cos, observando-se uma prática discriminató-
principalmente por desconhecerem o proces- ria em relação ao gênero, classe social e raça/

55 PEREIRA, Jéssica Souza; et al. Violência obstétrica: ofensa a dignidade humana. 2016.

56 ZANARDO, Gabriela Lemos de Pinho; et al. Violência Obstétrica No Brasil: Uma Revisão Narrativa. 2015.
57 IBIDEM

31
etnia58. gados a essa relação também tem sido visto
no consumo abusivo das tecnologias, possi-
Segundo Mariani e Neto (2016), apud
bilitando cada vez mais um afastamento en-
HIRSCH (2014):
tre esses agentes e favorecendo um processo
De grosso modo é um dado importante hierárquico da assistência61.
no estudo de gênero o fato de que no serviço
Sobre a humanização da relação profis-
público brasileiro de saúde as mulheres aten-
sional entre os profissionais e usuários de saú-
didas são, em sua grande maioria, provenien-
de, destaca BARROS DE SOUZA; et al (2016):
tes de camadas populares e a relação entre
paciente e médico, é no mais uma relação de Humanizar a relação profissional de saú-
classe, onde o médico acaba adotando uma de-usuário e os serviços de saúde exige pro-
atitude diferente conforme a classe social da fundas transformações da formação e da va-
paciente59. lorização de novos saberes; aquisição de uma
postura mais dialógica da equipe com os usu-
Ainda segundo os mesmos autores:
ários; rediscussão do modelo excessivamente
Nas relações de poder, pode-se perceber biológico da medicina; e adoção de maior res-
que, dentro dessa hierarquia, os profissionais ponsabilidade política e ideológica dos ges-
de saúde assumem bastante espaço, porém, tores. Entretanto, o grande desafio, especial-
devido às questões culturais que enfrenta- mente no âmbito do Sistema Único de Saúde
mos, o médico se enquadra no topo dessa (SUS), tem sido o fomento dos debates acerca
pirâmide e obtém não só uma autoridade em da humanização nos processos de reformula-
função do conhecimento científico e tecno- ção curricular, de modo a permitir a formação
lógico, mas também em relação à cultura e à de profissionais com uma visão mais abran-
moral, dominando muitas vezes a conduta, os gente do processo de promoção, prevenção e
valores e as crenças de cada pessoa. Com isso, assistência à saúde [26]. Além da teoria, a hu-
a dependência dos sujeitos passa a ser verda- manização deve ser praticada na relação entre
deira, já que estes compreendem que a não professores e alunos e alunos e instituição de
obediência a determinada autoridade gerará ensino, assim, é possível não só garantir a hu-
uma consequência desagradável para si60. manização na prática, mas também no decor-
rer do ensino62.
Segundo Queiroz; et al (2017) apud Leão;
et al (2013):
Cabe ressaltar que um dos aspectos li-

5.2 A ÉTICA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE

Outra explicação para a ocorrência da Segundo Queiroz; et al (2017) apud Rat-


violência contra mulheres no atendimento à neer (2009):
saúde está atrelada a precária formação ética
Humanização diz respeito a uma aposta
do profissional que a atende. Primeiramente,
ético-estético-política: ética porque implica a
haverá a discussão do assunto a partir do cur-
atitude de usuários, gestores e trabalhadores
so de ensino superior de saúde (GIL)63.
de saúde comprometidos e corresponsáveis;

58 QUEIROZ, Thayná Caixeiro; et al. Violência obstétrica e suas perspectivas na relação de gênero. 2017.
59 MARIANI, Adriana Cristina; NETO, José Osório Do Nascimento. Violência obstétrica como violência de gênero
institucionalizada: breves considerações a partir dos direitos humanos e do respeito às mulheres. 2016.
60 IBIDEM
61 QUEIROZ, Thayná Caixeiro;et al. Violência obstétrica e suas perspectivas na relação de gênero. 2017.
62 IBIDEM
63 GIL, SuelenTavares.Breve análise sobre a violência obstétrica no Brasil.

32
estética porque relativa ao processo de pro- e interdependente, que permitem ofertar uma
dução de saúde e de subjetividades autôno- atenção contínua e integral a determinada
mas protagonistas; política porque se refere àpopulação, coordenada pela atenção primária
organização social das práticas de atenção e à saúde prestada no tempo e no lugar certos,
gestão na rede do SUS64. com o custo e a qualidade certos e de forma
humanizada, e com responsabilidades
O maior desafio dos profissionais que
sanitárias e econômicas por esta população66.
atuam na área da saúde, sejam eles médicos
ou enfermeiros, é o de prestar uma assistên- Durante a gestação e também no tra-
cia adequada com intuito de minimizar o so- balho de parto as mulheres possuem direitos
frimento das mulheres/ gestantes vítimas da que devem ser respeitados pelos profissio-
violência obstétrica, podendo proporcionar a nais de saúde para que assim possa haver um
elas uma vivência distinta durante o trabalho atendimento integral e também de qualidade
de parto. Outro ponto relevante é a partici- para essas mulheres durante o período acima
pação ativa tanto da mulher quanto de seu citado. O Ministério da Saúde possui políti-
acompanhante, favorecendo um suporte físi- cas, que tem a finalidade de garantir os direi-
co e emocional com uso de técnicas para alí- tos sexuais, de cidadania e reprodutivos das
vio da dor e garantindo também um protago- mulheres, para que assimelas conheçam seus
nismo durante toda essa vivência, respeitando direitos e assim possam exigi-los e também se
suas escolhas e posicionamentos65. prevenirem de abusos e desrespeito contra a
sua dignidade67.
O atendimento à mulher deve ser deter-
minado por uma rede de atenção de serviços à
saúde, compostas por organizações poliárqui-
cas de conjuntos de serviços de saúde em que
todos os pontos de atenção à saúde são igual-
mente importantes e se relacionam horizontal-
mente; implica em um continuum de atenção
nos níveis primário, secundário e terciário;
são vinculados entre si por uma missão única,
objetivos comuns e por uma ação cooperativa

6. A RELAÇÃO ENTRE O TIPO DE PARTO COM A VIOLÊNCIA OBSTÉTRI-


CA

A violência obstétrica ocorre, dentre ou-


rea. A mulher perde autonomia nas decisões
tras formas, quando as gestantes sofrem in- sobre seu parto e submete-se a orientações
tervenções que em sua grande maioria não que não compreende totalmente, o que faz
são desejadas e nem consentidas por elas, du-
que profissionais esqueçam que é a mulher
rante o trabalho de parto. quem está com dor e que vai parir (Ministé-
rio da Saúde, 2001). O parto, então, tornou-se
Segundo Zanardo; et al (2015) apud
amedrontador para as mulheres e asséptico
Aguiar (2010):
para os profissionais de saúde. Dessa forma,
A violência obstétrica também se rela- a mulher pode se tornar um objeto de mani-
ciona com a escolha das mulheres pela cesá- pulações sem consentimento ou sem a infor-

64 QUEIROZ, ThaynáCaixeiro;et al. Violência obstétrica e suas perspectivas na relação de gênero. 2017.
65 IBIDEM
66 RODRIGUES, Diego Pereira; et al. A peregrinação no período reprodutivo: uma violência no campo obstétrico. 2015.

67 PEREIRA, Jéssica Souza; et al. Violência obstétrica: ofensa a dignidade humana. 2016.

33
mação suficiente sobre os processos a serem acontece nas maternidades brasileiras é o uso
realizados68. indiscriminado dessa técnica, na maioria das
vezes realizadas sem o consentimento da par-
Podem ser questionados os motivos pe-
turiente, que tem seu órgão genital mutilado
los quais um médico ou qualquer outro pro-
e enfrenta sequelas físicas e psicológicas por
fissional de saúde praticam atos de violência,
muitos anos, ou permanentemente. Por vezes,
porém não é negável quearealização de vá-
a sutura da episiotomia é feita com o “ponto
rios partos cesáreas, por exemplo, é finan-
do marido”, que deixa o canal vaginal mais es-
ceiramente mais interessante do que realizar
treito para aumentar o prazer do parceiro du-
partos normais. Muitas vezes são atitudes de
rante as relações sexuais – justificativa dada
profissionais da rede privada de saúde, que
por alguns médicos –, enquanto a mulher tem
realizam esse procedimento sem o consenti-
sua vida sexual prejudicada, além da saúde70
mento da gestante e sem esta apresentar uma
gestação com risco, o que tornaria o partoce- Ainda segundo Zanardo; et al(2015),
sárea viável. apud Diniz &Chacham (2006):
Segundo Zanardo; et al (2015), apud Mi- Com o intuito de aumentar a qualidade
nistério da Saúde (2015). da assistência, tem-se medicalizado o par-
to, utilizando em larga escala procedimentos
O crescente número de cesáreas no Bra-
considerados inadequados e desnecessários,
sil indica a relevância da atual discussão a res-
que muitas vezes podem colocar em risco a
peito do tema, principalmente da ocorrência
saúde e a vida da mãe e do bebê, sem avalia-
de cirurgias cesáreas desnecessárias. São con-
ção adequada da sua segurança e sem base
sideradas desnecessárias aquelas operações
em evidências71.
que ocorrem quando não há situação que co-
loque em risco a saúde da gestante ou do bebê Sobre a escolha das mulheres ao tipo de
e, portanto, exigiriam intervenção através de parto, destaca o mesmo autor:
procedimento. Sem a indicação correta, a re-
A mudança mais recente nessa direção
alização da cirurgia pode levar ao aumento do
foi a aprovação da Resolução n. 2.144/2016
risco de complicações graves para a díade69.
do Conselho Federal de Medicina – CFM, que
As intervenções realizadas durante o par- resolve que cesariana a pedido da gestante,
to são em sua grande maioria dolorosas, o que nas situações de risco habitual, somente po-
ocasiona para as mulheres o medo do parto derá ser realizada a partir da 39ª semana de
vaginal, além de haver pensamentos de que gestação, visando a garantir a segurança do
seu trabalho de parto não terá um resultado feto. A medida assegura o direito da mulher
positivo. Pode-se citar, que dentre os efeitos de optar pela cesariana, garantindo sua auto-
indesejados das intervenções podem gerar nomia, desde que a gestante tenha recebido
novas cesáreas e episiotomias desnecessárias. todas as informações referentes ao parto va-
ginal e à cesariana, incluindo seus benefícios e
Segundo Gil apud Kondo; Werner, p. 142:
riscos. Segundo o CFM (2016), dentre os mo-
O parto natural ou vaginal, por outro tivos para implementação dessa medida estão
lado, também é desumanizado. Muitas vezes, o reconhecimento do direito cidadão da mu-
os obstetras fazem uso do fórceps, da mano- lher e sua autonomia ao decidir, juntamente
bra de Kristeller e da episiotomia. A necessi- ao médico, pelas opções de tratamento, assim
dade desta técnica é discutida há anos e já foi como a reafirmação da necessidade de escla-
condenada, quando não apresentada indica- recer e proteger a população, informando o
ção precisa, pelo Ministério da Saúde através paciente com base na melhor evidência cien-
da Portaria nº 1.067 de 2005. Porém, o que tífica, nesse caso desmistificando temores
68 ZANARDO, Gabriela Lemos de Pinho; et al. Violência Obstétrica No Brasil: Uma Revisão Narrativa. 2015.
69 IBIDEM
70 GIL, SuelenTavares.Breve análise sobre a violência obstétrica no Brasil.
71 ZANARDO, Gabriela Lemos de Pinho; et al. Violência Obstétrica No Brasil: Uma Revisão Narrativa. 2015.

34
em relação ao parto e assegurando o direito tais até o pósparto. Questões como o acesso
da mulher de escolher a via de parto, sendo à saúde, a qualidade da assistência e a parti-
necessária concordância entre o médico e a cipação da mulher no processo de cuidado,
gestante, a explicitação do desejo da mesma considerando as informações repassadas às
e a assinatura de Termo de Consentimento gestantes e seu consentimento (sobre a sua
Livre e Esclarecido pela dupla, onde constemsituação de saúde, as condutas e procedimen-
as informações anteriormente prestadas pelo tos com seus ganhos e riscos e ao seu direito
médico, assim como as vantagens e desvanta- de escolha frente a isto) e a garantia do direito
gens potenciais da operação72. de ter um acompanhante nesse processo de-
vem ser foco de uma política de humanização
Segundo Zanardo, et al (2015) apud Mi-
do atendimento73.
nistério da Saúde (2008, 2014; Portaria n.
1.459/2011).
Considerando a prevalência de partos
hospitalares e o aumento do número de cesá-
reas registradas no Brasil, assim como o atual
cenário de práticas e intervenções descrito,
verifica-se a importância de analisar a assis-
tência à gestação e ao parto, compreendendo
todo o período, desde as consultas pré-na-

7. CONCLUSÃO

A violência obstétrica se constitui, por- Tal violência também se correlaciona


tanto, como uma violação ao corpo da mulher, com a violência sexual, uma vez que se consti-
podendo ocorrer durante a gestação (no aten- tui como uma grave violação à autonomia das
dimento ao pré natal), durante o processo de mulheres, também aos seus direitos humanos
parto ou em situações de abortamento. Esta e aos seus direitos sexuais e reprodutivos.
se caracteriza por práticas abusivas e desres-
A violência obstétrica, também é enten-
peitosas contra mulheres.A violência obsté-
dida como um tipo de violência de gênero
trica pode ser considerada uma violência de
vez que ocorre com mulheres, em situações
gênero, uma vez que ocorreapenas mulheres,
específicas, quer seja a gravidez, no parto e
gestantes, durante o parto, ou no atendimen-
puerpério (logo após o parto) e também aten-
to em situações de abortamento, que são víti-
dimento em situações de abortamento.
mas de tal violência.
Há também a violência institucional obs-
Contudo podemos concluir que há três
tétrica que esta relacionada como uma violên-
formas distintas de violência obstétrica, sen-
cia praticada pelas equipes de saúde.
do, violência obstétrica física, violência obsté-
trica psíquica ou violência obstétrica sexual. Os direitos fundamentais estão, portanto
Tendo como exemplo, xingamentos, agres- estabelecidos na Constituição Federal, e de-
sões físicas, torturas psicológicas, comentá- vem ser assegurados e protegidos pelo Esta-
rios abusivos e também discriminação racial, do. As garantias fundamentais são uma forma
como forma frequente de atos de violência ou um remédio constitucional que visam ga-
obstétrica cometidos por profissionais de saú- rantir tais direitos para que sejam colocados
de contra as vítimas. em prática.

72 IBIDEM
73 ZANARDO, Gabriela Lemos de Pinho; et al. Violência Obstétrica No Brasil: Uma Revisão Narrativa. 2015.

35
Portanto, a violência obstétrica ocorre
quando as gestantes sofrem intervenções que
em sua grande maioria não são desejadas e
nem consentidas por elas.
As intervenções utilizadas durante o par-
to são em sua grande maioria dolorosas, o que
ocasionando as mulheres o medo do parto va-
ginal, além de haver o pensamento de que o
trabalho de parto não terá resultado positivo.
Dentre os efeitos indesejados das interven-
ções podem gerar novas cesáreas e episioto-
mias desnecessárias.

36
37
PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL
ATRAVÉS DA LEI DO MINUTO SEGUINTE

Izabela Aquino Santos Gregório


Graduada em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE),
concluído em 2019. Aprovada na OAB/SP XXIX. Qualificada em
serviços bancários e administrativos. Estágio de direito no Insti-
tuto Nacional do Seguro Social de 2015 a 2016. Estágio de direito
no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Departamento
Estadual de Execuções Criminais de 2018 a 2019.

Tainá Corrêa Belizario Ferreira


Graduada em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE),
concluído em 2019. Aprovada na OAB/SP XXIX. Técnica em in-
formática pelo Colégio Técnico Industrial (CTI) concluído em
2016. Estagio de informática na empresa Pack Forte Comércio
de Embalagens de 2016 a 2017. Estagio de direito no Ministério
Público Estadual de 2017 a 2019. Estágio de direito no Ministério
Público Federal de 2019 a 2020.

SUMÁRIO

Resumo
Abstract
1. Introdução
2. Violência Sexual
3. Lei 12.845/13
4. Maria Da Penha
4.1 Órgãos De Proteção
4.2 Medidas De Proteção
5. Considerações Finais
Referências

38
RESUMO
Os aspectos abordados neste artigo procuram esclarecer o direito das mulheres em situ-
ação de violência sexual ao atendimento obrigatório, integral e emergencial em hospitais; com
foco na chamada Lei do Minuto Seguinte (Lei nº 12.845/2013) que trouxe algumas inovações
ao ordenamento jurídico ao tratar da importância do atendimento emergencial para tratamen-
to das vítimas de violência sexual. Ademais, também são tratados outros direitos inerentes
às vítimas de violência sexual, como os previstos na Lei Maria da Penha. E ainda, dos meios e
órgãos de proteção dos direitos da vítima, criados para atendê-la em todas as suas particulari-
dades que lhe são essenciais, especialmente nos casos de violência sexual.

PALAVRAS-CHAVE
Mulher. Violência. Proteção.

ABSTRACT
The aspects addressed in this article seek to clarify the right of women in situations of
sexual violence to mandatory, comprehensive and emergency care in hospitals; focusing on
the so-called Next Minute Law (Law 12.845 / 2013) that brought some innovations to the le-
gal system when dealing with the importance of emergency care for the treatment of victims
of sexual violence. In addition, other rights inherent to victims of sexual violence are also dealt
with, such as those provided for in the Maria da Penha Law. And yet, of the means and organs
for the protection of the victim’s rights, created to assist her in all her particularities that are
essential to her, especially in cases of sexual violence.

KEYWORDS
Woman. Violence. Protection.

39
1. INTRODUÇÃO

Infelizmente, a cada minuto uma pessoa médico, psicológico e social, a administração


é vítima de agressão sexual no Brasil1. Essa de medicamentos contra gravidez e doenças
realidade só confirma a necessidade de uma sexualmente transmissíveis, a coleta de ma-
preocupação e proteção especial com essas terial para a realização do exame de HIV, a
vítimas que muitas vezes sofrem uma reviti- facilitação do registro da ocorrência e o for-
mização em consequência da burocratização necimento de orientações sobre seus direitos
para que o atendimento hospitalar seja reali- legais e os serviços sanitários.
zado.
A conscientização acerca dos direitos as-
Para garantia de um atendimento digno, segurados faz com que a vítima saiba como
foi criada a Lei 12.845/13, que não era muito agir, bem como busca assegurar um procedi-
conhecida até que foi realizada uma campa- mento humanitário e eficaz nos centros de
nha pelo Ministério Público Federal em diver- tratamento, evitando traumas e assegurando
sos estados, inclusive em São Paulo em par- a aplicação de todos os medicamentos neces-
ceria com a Associação Brasileira de Agências sários.
de Publicidade para veiculação e divulgação
da lei nos meios de comunicação.
As garantias que a Lei 12.845/13 trou-
xe não se limitam ao diagnóstico e ao trata-
mento emergencial de lesões causadas pelo
agressor. As vítimas devem ter acesso a um
atendimento completo que inclui o amparo

2. VIOLÊNCIA SEXUAL

A violência pode ser conceituada como atividade sexual não consentida.


ato praticado por uma ou várias pessoas que
A violência sexual é fenômeno universal
utiliza a força física ou o poder para ignorar,
que atinge indistintamente mulheres de todas
ofender, humilhar, oprimir, explorar, ferir e até
as classes sociais, etnias, religiões e culturas.
mesmo matar2.
Ocorre em populações de diferentes níveis
A violência sexual é definida pela OMS de desenvolvimento econômico e social, em
como “todo ato sexual, tentativa de consumar espaços públicos ou privados, e em qualquer
um ato sexual ou insinuações sexuais indese- etapa da vida da mulher3.
jadas; ou ações para comercializar ou usar de
A forma mais comum de atos de assédio
qualquer outro modo a sexualidade de uma
ou violência em espaços privados, infelizmen-
pessoa por meio da coerção por outra pessoa,
te, ocorre dentro de casa, local onde a vítima
independentemente da relação desta com a
deveria sentir-se protegida, e o incesto (vio-
vítima, em qualquer âmbito, incluindo o lar e o
lência entre parentes) é uma das manifesta-
local de trabalho”.
ções mais perversas deste tipo de violência,
A Lei nº 12.845, de 1º de agosto de 2013, em especial quando praticado contra grupos
considera violência sexual qualquer forma de extremamente vulneráveis (crianças, adoles-

1 https://www.osul.com.br/a-cada-minuto-uma-pessoa-sofre-abuso-sexual-no-brasil/
2 ALBERTON, 2005.
3 Prof. Dr. Jefferson Drezett - texto adaptado de: “PROFILAXIA PÓS-INFECCIOSA DE MULHERES ESTUPRA-
DAS” - apresentado para a IV Conferência Internacional sobre Infecção pelo HIV em Mulheres e Crianças – Rio de
Janeiro, abril de 2002. - Medidas e Intervenções para Tratar do Problema - http://www.ipas.org.br/violencia_antes.html

40
centes, idosos, pessoas com deficiência) e, mais importante para caracterizar esse crime
ainda, quando acompanhado de gravidez pre- é a ausência de consentimento da vítima. Por-
coce. tanto, forçar a vítima a praticar atos sexuais,
mesmo que sem penetração, é estupro.
É importante lembrar que o crime de
estupro, nos termos do Código Penal, é qual-
quer conduta, com emprego de violência ou
grave ameaça, que atente contra a dignidade
e a liberdade sexual de alguém. O elemento

3. LEI 12.845/13

A Lei nº 12.845, de 1º de agosto de 2013, virais e não virais devem ser administrados.
também chamada de Lei do Minuto Seguinte Assim, a garantia que traz a Lei do Minuto
possui apenas quatro artigos, mas que são de Seguinte ao garantir o atendimento indepen-
suma importância. dente do registo de boletim de ocorrência é
questão de saúde, de assegurar a aplicação
Vigente há sete anos, a Lei garante que
dos remédios, bem como dos tratamentos psi-
o atendimento das vítimas de violência sexu-
cológicos.
al deverá ser realizado sem a necessidade de
boletim de ocorrência ou qualquer outro re- Em entrevista para a UOL, Sheylli Caleffi5,
gistro da violência sofrida, bastando a palavra coordenadora do grupo de apoio “As Incríveis
da vítima. Mulher que vão Morrer Duas Vezes” explica
que “o atendimento em delegacias é chamado
O objetivo de garantir o atendimento ne-
por muitas vítimas de “segundo estupro”. Isso
cessário à vítima sem a exigência de boletim
ocorre porque, muitas vezes, as vítimas pas-
de ocorrência ocorre para evitar que a víti-
sam por situações machistas ao ir até a dele-
ma passe por situações constrangedoras que,
gacia primeiro, pois, na maioria das vezes, são
muitas vezes, torna o momento mais difícil de
submetidas as perguntas que as levam a pen-
ser superado. É por esse motivo que a palavra
sar que são culpadas ou que, até mesmo, não
da vítima deve ser suficiente.
houve estupro e quando acreditam, as fazem
Nesse escopo, não basta apenas o aten- provar a prática do estuprador.
dimento, mas sim a rapidez e a humanização,
Por isso, a Lei do Minuto Seguinte esti-
pois a vítima já passou por um momento trau-
mula que a vítima vá primeiro ao hospital, pois
mático e merece um serviço empático e de
ela deve priorizar a sua própria saúde.
qualidade.
O atendimento em 72h é crucial. Existe
A legislação assegura assistência emer-
um protocolo medicamentoso contra doen-
gencial gratuita 24 (vinte e quatro) horas por
ças e gravidez e ele deve estar disponível em
dia, devendo ser o atendimento imediato e
todas as redes do SUS. Isso para evitar que a
emergencial.
tragédia seja agravada no futuro com uma do-
A primeira coisa que a vítima deve fazer ença. Isso também dá apoio para a vítima que
é procurar o atendimento de saúde, explica a optar por um aborto legal, um direito garan-
advogada Ana Lúcia Dskeunecke4. Isso ocor- tido à gestante em caso de estupro, em caso
re porque as 72 (setenta e duas) horas após a de risco de vida e anencefalia fetal. Garantir
violência são decisivas. É nesse período que o direito do atendimento imediato também
os remédios necessários para combater ISTs gera um impacto orçamentário no SUS. É mui-
to mais barato para o Estado e também muito

4 Jus Mulier, 2018


5 https://www.uol.com.br/universa/reportagens-especiais/lei-do-minuto-seguinte/#tematico-2

41
menos traumático para a vítima.6 taria Política Mulheres, Ministério da Saúde e
Justiça) estabelece orientações para a organi-
O BO não prova nada, é apenas uma notí-
zação e integração do atendimento às vítimas
cia do fato. Não se pode confundir assistência
de violência sexual pelos profissionais de se-
médica com inquérito policial. “Ninguém pede
gurança pública e pelos profissionais de saú-
para uma pessoa que foi quase assassinada
de do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto à
uma prova de que sofreu tentativa de homi-
humanização do atendimento e ao registro de
cídio. ”José Henrique Torres, juiz de Direito,
informações e coleta de vestígios8.
titular da 1ª Vara do Júri de Campinas/SP7.
As disposições relativas à prevenção e ao
combate à violência sexual são complementa-
das por outras normas, como, por exemplo, a
Lei nº 13.431/2017, que instituiu o “Sistema
de Garantia de direitos da criança e do ado-
lescente vítima ou testemunha de violência”,
demandando a elaboração e implementação
de uma política pública específica com tal fi-
nalidade. A lei estabelece medidas de assis-
tência e proteção à criança e ao adolescente
em situação de violência e cria mecanismos
para prevenir e coibir a violência. E a Portaria
Interministerial nº 288, 25/03/2015 (Secre-

4. MARIA DA PENHA

Conforme a Lei Maria da Penha (Lei nº coibir a violência no âmbito de suas relações”.
11.340/2006), configura-se como violência
A violência cometida contra a mulher é
doméstica contra a mulher “[...] qualquer ação
dada pelas relações de poder e dominação e
ou omissão baseada no gênero que lhe cause
nas relações de gênero que evidenciam a hie-
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psi-
rarquia e as desigualdades sexuais. É neste
cológico e dano moral ou patrimonial.”9. Desta
quadro que acontece a violência de gênero,
forma, a Lei Maria da Penha refere-se apenas
afetando principalmente a mulher, indepen-
à violência baseada no gênero.
dente de sua classe social, raça, religião, etnia,
Sancionada em sete de agosto do ano de grau de escolaridade ou idade.
2006, com o fim de atender milhares de mu-
São inúmeras as formas de violência co-
lheres que sofrem algum tipo de violência, a
metidas contra as mulheres, seja ela física, psi-
Lei nº 11.340, denominada Lei Maria da Pe-
cológica, moral, patrimonial e a sexual.
nha, “cria mecanismos para coibir [...] prevenir,
punir e erradicar a violência contra a mulher”. Segundo o disposto no Art. 7º da Lei nº
11.340/2006:
Esta lei foi criada com respaldo no arti-
go 226, parágrafo 8º da Constituição Federal A violência sexual, entendida como qual-
de 1988, que dispõe que “o Estado assegurará quer conduta que a constranja a presenciar, a
a assistência à família na pessoa de cada um manter ou a participar de relação sexual não
dos que a integram, criando mecanismos para desejada, mediante intimidação, ameaça, co-

6 https://www.uol.com.br/universa/reportagens-especiais/lei-do-minuto-seguinte/#tematico-2
7 https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencias/violencia-sexual/
8 http://www.leidominutoseguinte.mpf.mp.br/
9 Lei nº 11.340, 2006, art.5º.

42
ação ou uso da força; que a induza a comer- de coagir ou intimidar a vítima, também pra-
cializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua tica outros tipos de violência e é assim que
sexualidade, que a impeça de usar qualquer surge a importância de um atendimento ime-
método contraceptivo ou que a force ao ma- diato, emergencial e integral, para que a re-
trimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostitui- vitimização e constrangimento posterior da
ção, mediante coação, chantagem, suborno ou vítima sejam evitados.
manipulação; ou que limite ou anule o exercí-
cio de seus direitos sexuais e reprodutivos.
A violência sexual não ocorre de forma
isolada, o agressor, muitas vezes na tentativa

4.1 ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO

Os órgãos de proteção de mulheres que e assessoria jurídica.


são vítimas de violência são as Delegacias es-
Assim, é garantido a assistência às víti-
pecializadas no atendimento policial especia-
mas em qualquer hospital do Sistema Úni-
lizado para mulheres, que desenvolvem ativi-
co de Saúde (SUS), público ou conveniado.
dades de acolhimento à população feminina
É importante salientar que a Lei do Minuto
vítima de violência, e atividades de educação,
Seguinte também obriga os planos médicos
prevenção, investigação e repressão dos deli-
a cobrir os procedimentos necessários em
tos praticados contra a mulher.
instituições privadas.
Ainda, os centros de referência de aten-
Já se a vítima for criança ou adolescente,
dimento às vítimas de violência sexual, que
o hospital é obrigado a apresentar a denúncia
são compostos por equipes multidisciplina-
ao Conselho Tutelar e à Vara da Infância.
res, contando com médicos de especialidades
próprias para esse atendimento, enfermeiros,
farmacêuticos, psicólogos, assistentes sociais

4.2 MEDIDAS DE PROTEÇÃO

Uma das formas de coibir a violência e testemunhas por meio de qualquer meio de
proteger a vítima assegurada pela norma é a comunicação.
garantia das chamadas medidas protetivas.
A medida cautelar de afastamento do
Para as mulheres que sentem-se seguras para
agressor do lar, domicílio ou local de convi-
denunciar a violência sofrida são oferecidas
vência com a ofendida, visa impedir ou difi-
medidas protetivas, enquanto que, para o
cultar que as agressões sejam perpetradas ou
agressor, existem medidas punitivas.
reiteradas no lar conjugal, bem como afastar
As medidas para auxiliar e amparar a ví- as pressões e ameaças contra a vítima e seus
tima de violência estão reguladas no art. 23 e dependentes ou familiares. Manter o suposto
24 da Lei Maria da Penha, como a recondução agressor sob o mesmo teto que a vítima, é uma
da ofendida e de seus dependentes ao respec- forma de submeter à mulher a uma constante
tivo domicílio, após afastamento do agressor. pressão psicológica e até ao desconforto mo-
Já as medidas protetivas de urgência que obri- ral, porque ela corre o risco de ser agredida
gam o agressor estão previstas no artigo 22 a qualquer momento, principalmente por ter
da referida lei, como por exemplo, a proibição chegado ao conhecimento do poder público a
de contato com a ofendida, seus familiares e agressão praticada contra ela. O afastamento

43
do lar possibilita que a vítima e os demais fa-
miliares se sintam, pelo menos aparentemen-
te, seguros. A saúde física e psicológica é pre-
servada, porque inexistirá o risco iminente de
agressão, uma vez que o agressor não estará
dentro de casa. O patrimônio da vítima será
preservado, já que os objetos do lar não pode-
rão ser destruídos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência é um problema que atinge to-


das as camadas da sociedade, ocorre em to-
dos os lugares, dentro e fora de casa. Assim,
é importante que todos tenham consciência
dos poderes e dos deveres que possuem ao
presenciarem ou tomarem conhecimento de
qualquer forma de violência.
É fato que atualmente as mulheres
sofrem com as diferenças que a sociedade
trata seus direitos. Infelizmente, isso decorre
de uma questão antiga e cultural, pois todos
os direitos e conquistas para as mulheres
foram a base e através de lutas e batalhas.
Em virtude da diferença de tratamento
para com as mulheres seus direitos merecem
atenção, pois muitas não os conhecem e por
isso deixam de exigi-los. Por essa razão a Lei
do Minuto Seguinte se faz tão importante.
Ainda, de extrema importância é a conscienti-
zação acerca dos direitos e garantias tratados
pela lei. 
A luta é de todas as mulheres. É um de-
ver das mulheres se apoiarem e lutarem ainda
mais para garantir a aplicação correta dos di-
reitos conquistados.
Devemos ser vozes umas das outras,
por isso sempre a voz da mulher deve ser su-
ficiente e a Lei do Minuto Seguinte deve ser
rigorosamente aplicada, ensejando o devido
tratamento legal para as vítimas de violência
sexual de forma imediata e segura.

44
REFERÊNCIAS

ALBERTON, Mariza Silveira. Violação da infância crimes abomináveis: humilham, machu-


cam, torturam e matam. Porto Alegre: Age, 2005. Disponível em: <https://books.google.com.
br/books?id=aumqMgVOP6QC&pg=PA105&dq=viol%C3%AAncia+contra+crian%C3%A-
7as+e+adolescentes&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwiW49uVxIjcAhUHF5AKHVTMAKw-
Q6AEITTAI#v=onepage&q=viol%C3%AAncia%20contra%20crian%C3%A7as%20e%20ado-
lescentes&f=false>. Acesso em: 05 fev. 2020.

MPF. Lei do minuto seguinte. Ministério Público Federal. Disponível em: <http://www.leido-
minutoseguinte.mpf.mp.br/>. Acesso em: 05 fev. 2020.

ANTUNES, Leda; MARTINELLI, Andréa. O que é a ‘Lei do Minuto Seguinte’ e como ela prote-
ge vítimas de violência sexual. Compromisso e atitude. 2018. Disponível em: < http://www.
compromissoeatitude.org.br/o-que-e-lei-do-minuto-seguinte-e-como-ela-protege-vitimas-
-de-violencia-sexual/>. Acesso em: 05 fev. 2020.

Fim da violência contra mulheres. ONU Mulheres Brasil. Disponível em: <http://www.onu-
mulheres.org.br/areas-tematicas/fim-da-violencia-contra-as-mulheres/>. Acesso em: 05 fev.
2020.

Lei completa 5 anos, mas atendimento no SUS à vítimas de estupro ainda enfrenta problemas.
JusMulier. 2018. Disponível em: < https://www.jusmulier.com.br/lei-completa-5-anos-mas-
-atendimento-no-sus-a-vitimas-de-estupro-ainda-enfrenta-problemas/>. Acesso em: 05 fev.
2020.

Violência sexual. Dossiê Violência contra as mulheres. Disponível em: <https://dossies.agen-


ciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencias/violencia-sexual/>. Acesso em 06 fev. 2020.

DUARTE, Elisa. Basta a palavra da mulher. UOL. 2018. Disponível em: <https://www.uol.com.
br/universa/reportagens-especiais/lei-do-minuto-seguinte/#tematico-2>. Acesso em 09 fev.
2020.

45
O DIREITO SOCIAL AO TRABALHO DAS MULHERES NA
SOCIEDADE PÓS-MODERNA: DESIGUALDADE E
DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NO BRASIL

Letícia Vieira Mattos


Graduada em Direito- UEL; Pós Graduada em Direito do
Trabalho e Previdenciário- UNIVEM; Presidente da Comissão da
Jovem Advocacia da Subseção de Marília-SP; Vice-presidente da
Comissão de Direito Previdenciário da Subseção de Marília-SP;
Advogada da Associação de Agentes Penitenciários de Marília-
-SP;

SUMÁRIO

Introdução
1. Desenvolvimento
1.1 O Direito Social ao Trabalho como Direito Fundamental;
1.2 Análise do Princípio da Igualdade e o Gênero na Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988
1.3 Os Direitos Trabalhistas das Mulheres no Ordenamento Jurídico Brasileiro.
1.4 Reflexões Acerca Da Desigualdade e da Discriminação do Gênero Feminino-Julgados
Sobre o Tema
Conclusão
Referências

46
RESUMO
A efetivação da garantia ao direito fundamental ao trabalho, conforme consagrado no
texto constitucional brasileiro de 1988, representa um importante mecanismo para a garantia
dos demais direitos fundamentais. Em relação às questões de gênero, a isonomia assegurada
pelo mesmo diploma garante que as mulheres tenham as mesmas condições de ingresso e per-
manência no mercado de trabalho que os homens. A partir da sua inserção no mercado laboral,
vislumbra-se a possibilidade de ampliação da sua participação no espaço público, porque, após
romper com as fronteiras do espaço privado e doméstico, passa a atuar como protagonista
dos processos de produção, bem como da vida pública. A presente pesquisa em por escopo
tecer ponderações acerca da inserção da mulher no mercado de trabalho com a ampliação da
sua participação social no espaço público. Para uma melhor compreensão do tema, o trabalho
aborda uma retrospectiva do papel da mulher no âmbito privado para, em seguida, apresentar
de que forma ocorreu a sua inserção no mercado de trabalho, trazendo o direito ao trabalho
como direito fundamental e a igualdade de gênero na Constituição Federal . Por derradeiro,
traz um estudo dos principais direitos das mulheres na lei brasileira e reflete acerca da discri-
minação e desigualdade de gênero com exemplos práticos recebidos pelos tribunais pátrios.
Para realização do presente, emprega-se o método de abordagem dedutivo e o método de
procedimento analítico, com técnica de pesquisa bibliográfica e documental.

PALAVRA CHAVE
Gênero. Feminino. Trabalho. Mulher

ABSTRACT

The implementation of the guarantee of the fundamental right to work, as enshrined in


the Brazilian constitutional text of 1988, represents an important mechanism for the guaran-
tee of other fundamental rights. In relation to the questions of gender, the isonomy assured
by the same diploma assures that the women have the same conditions of entrance and per-
manence in the labour market as the men. From their insertion in the labour market, we can
see the possibility of expanding their participation in the public space because, after breaking
with the boundaries of the private and domestic space, they start to act as protagonists of pro-
duction processes as well as of public life. The present research by scope weaves reflections
about the insertion of women in the labour market with the enlargement of their social parti-
cipation in the public space. For a better understanding of the subject, the work approaches
a retrospective of the woman’s role in the private sphere to then present how her insertion in
the labour market occurred, bringing the right to work as a fundamental right and the equality
and gender in the Federal Constitution. Finally, it brings a study about women rigths in brazi-
lian law e reflection about the discrimination and inequality of gender with practical examples
of the country courts. In order to accomplish the present, the method of deductive approach
and the method of analytical procedure is used, with bibliographic and documentary research
technique.

KEYWORD
Gender. Female. Work. Woman

47
1. INTRODUÇÃO

Em que pese a Carta Magna de 1988 pensamento dominante acerca do direito social
preconize o direito social ao trabalho sem das mulheres ao trabalho no Brasil, ou seja,
qualquer distinção de gênero, trazendo como trata-se de uma cultura jurídica positivista, de
grandes pilares o Estado Democrático de Di- inspiração patriarcal e neoliberal que autoriza o
reito e Estado Social, na sociedade pós-mo- discurso da igualdade formal mas não a projeção
singular feminina para além da esfera privada,
derna o cenário se apresenta bem desafiador,
restando claro uma era de inefetividade.
com uma realidade diferente, evidenciando
uma “ilusão constitucional” perpetuada até os Ante a complexidade e importância da te-
mática de gênero nas relações laborais, mister
dias atuais, caracterizada por uma desigualda-
de e sexismo substanciais que é ainda muito se faz trazer à baila as origens de tal situação en-
latente nas relações laborais. frentada há tempos cotidianamente pelas mulhe-
res, buscando-se por meio de dados históricos
O direito fundamental ao trabalho e sua onde esta opressão no trabalho à figura feminina
efetivação pelas mulheres se depara com um se originou.
enorme hiato nas relações de trabalho da pós- Historicamente o papel da mulher sem-
-modernidade, podendo ser aferido na práti- pre fora moldado através da associação à
ca por situações atinentes ao assédio moral e maternidade e ao casamento em espaços públi-
sexual, direito à maternidade, revista íntima, cos, em locais onde havia representação do Es-
plano de carreira e de salário, sexualidade, tado com a sociedade, sendo representados de
dentre outros, inserindo as mulheres em uma maneira majoritária por homens, restringindo a
situação depreciativa não apenas vinculada atuação e papel da mulher em relação aos direi-
ao quesito direito social ao trabalho, mas so- tos sociais na sociedade.
bretudo à dignidade humana, que resta dire- Em Roma as mulheres desempenhavam
tamente afetada quando as mulheres se vêem atividades diversas: “Os registros mais antigos,
submetidas a certas situações. como, por exemplo as inscrições tumulares, fa-
lam de lavadeiras, bibliotecárias e médicas, par-
Ante tal celeuma, não remanescem dúvi-
teiras, costureiras, cabeleireiras por todo o mun-
das de que a efetivação do direito social das do romano” 1.
mulheres ao trabalho necessita da aplicação
do princípio da igualdade para além da mera Avançando mais a frente na história, nota-
positivação no texto constitucional, tendo por -se que, enquanto a figura masculina é exaltada,
escopo, coibir desigualdades e discriminações em períodos como os de grandes guerras, des-
injustas, bem como trazer uma contribuição cobertas de novos mundos, migrações com fina-
lidades de povoar tais novos mundos, mulheres,
essencial para o reconhecimento das diferen-
ao exemplo de Joana D’Arc, são condenadas a
ças em franca oposição a concepções igualitá- fogueira apenas pelo fato de usar trajes masculi-
rias massificadoras. nos, ou apenas sendo compreendidas como irre-
Desta feita, refletir acerca da questão da levantes para a história.
desigualdade de tratamento em relação aos As mulheres não se queixavam do excesso
gêneros, passa pela tensão que sempre exis- de trabalho, sendo que este era excessivo tendo
tiu entre o texto constitucional proposto e o em vista a má distribuição de tarefas. Em nenhum
sentido que alcança a sua aplicação em situa- momento era levado em consideração as duplas
ções concretas. Isso coloca o Direito diante de jornadas para as mulheres, onde exerciam seus
vários caminhos e posturas a serem tomadas, papeis de mães, esposas e donas de casa, o que
todas ligadas, no entanto, às condições de implicava em desproporcionalidade em diversos
acesso da mulher ao trabalho. âmbitos: emocional, educativo, médico, domésti-
co, social e sexual.
É precisamente a conjugação da
desigualdade com a discriminação que define o Com o passar dos anos e a tradição judeu-

1 MILES, Rosalind. A história do mundo pela mulher. Rio de Janeiro: Casa / LTC Livros Técnicos e Científicos, 1989.p 176

48
-cristã trouxe a cultura de trancar as mulheres odo colonial a prática de casamentos arranjados
em casa e controlar rigidamente qualquer pos- era comum, não tendo a mulher direito à esco-
sibilidade de acesso das mesmas à vida pública lha. Nos anos de mil e oitocentos, além da aboli-
2
. As mulheres passaram a exercer grande parte ção da escravatura e o advento da República do
de suas atividades no ramo doméstico, tendo em Brasil, também se passou a ter mais liberdade, a
vista o patriarcalismo, que se fundamentava nas “escolha” de seu companheiro iniciou a advir do
relações sociais de reprodução, organizadas na amor.
família e que designam à mulher o trabalho re-
produtivo. Nessa época também, como traz a autora,
a mulher tem dois “deveres” principais: o primeiro
A partir da primeira Revolução Industrial, ser uma mãe dedicada, preocupada com a edu-
principalmente na Europa, temos a introdução da cação de seus filhos, sem mais recorrer às amas
mão-de-obra feminina, o que passou a trazer so- de leite e, o segundo, ligado a ser uma esposa
brecarga para mulheres. que respeitasse seu marido e que fosse submis-
sa a esse.
Em decorrência desta sobrecarga e de-
sigualdade exacerbadas, este período ficou Tais premissas, são necessárias para apon-
marcado por manifestações oriundas de movi- tar que, em um primeiro momento, é possível ve-
mentos operários do final do século XIX e início rificar que as mulheres passaram por diversas
do século XX, nas quais milhares de operárias “fases de trabalho”, encerrando tal explanação
entraram em greve em prol de melhores condi- com a confinação do gênero no espaço privado,
ções de trabalho, bem como em prol do reco- principalmente a fim de exercerem tarefas do-
nhecimento de sua igualdade material com os mésticas, em seus lares, criando e educando os
homens e a busca pelo voto universal, tendo filhos para que estes estejam aptos para o mer-
surgido inclusive neste período a instituição do cado de trabalho, claro, filhos homens, enquanto
dia 8 de março, data comemorativa do Dia Inter- as mulheres eram educadas para, futuramente,
nacional das Mulheres. servirem a seus maridos e cuidarem do lar.
Analisando a sociedade brasileira, tem-se
que, conforme preconizado por Scott 3, no perí-

1.1 O DIREITO SOCIAL AO TRABALHO COMO DIREITO


FUNDAMENTAL

O direito fundamental social ao trabalho, favorece o desenvolvimento humano, bem


na teoria jurídica, emana do direito constitu- como o seu potencial de superação.
cional, inserido na seara dos direitos sociais, e
Corrobora neste sentido o sociólogo AN-
se apresenta com um discurso jurídico consis-
TUNES ao afirmar que
tente mas que, no entanto, revela sua insufici-
ência pelo que silencia. Ao mesmo tempo em [...] o trabalho tem a possibilidade de
que é um importante direito positivado, é um favorecer ao homem o seu desenvolvimento
dos menos efetivados, em especial no que se como ser criativo e de desenvolver a sua po-
refere às mulheres. tência. [...] Pelo trabalho, o ser social produ-
z-se a si mesmo como gênero humano; pelo
Contudo, as diferentes associações fei-
processo de auto-atividade e autocontrole o
tas à abrangência do direito social ao traba-
ser social salta da sua origem natural basea-
lho certamente que se vinculam ao princípio
da nos instintos para uma produção e repro-
da dignidade da pessoa humana, à realização
dução de si como gênero humano, dotado de
pessoal e, consequentemente, à sobrevivên-
autocontrole consciente, caminho imprescin-
cia. O ato de trabalhar é um dos recursos que

2 MILES, Rosalind. A história do mundo pela mulher. Rio de Janeiro: Casa / LTC Livros Técnicos e Científicos, 1989. P.182
3 SCOTT, Ana Silvia. O caleidoscópio dos arranjos familiares. In: PINSKY, C. B.; PEDRO, J. M. (Orgs). Nova história das
mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013, p. 15-42.

49
dível para a realização da liberdade. 4 sual, sendo estes prescritos nos artigos 136 a
140, contidos no texto da ordem econômica.
Em um retrospecto dos textos constitu-
cionais tem-se que da Constituição Política Na Constituição de 1946, a quinta do
do Império do Brasil, de 1824, se destacam os Brasil, os direitos sociais trabalhistas foram
incisos XXIV e XXV do artigo 179, inseridos mantidos no âmbito da ordem econômica e
no Título 8º, que tratava “Das Disposições Ge- social, e a Justiça do Trabalho foi incorporada
rais, e Garantias dos Direitos Civis, e Políticos ao Poder Judiciário fazendo parte do Título da
dos Cidadãos Brazileiros”, organização federal, tendo sua estruturação
prescrita nos artigos 122 e 123.
[...] Artigo 179. A inviolabilidade dos Di-
reitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazi- A Constituição de 1967, em relação aos
leiros, que tem por base a liberdade, a segu- direitos trabalhistas, praticamente manteve
rança individual, e a propriedade, é garantida semelhante redação ao texto da Constituição
pela Constituição do Imperio, pela maneira anterior.
seguinte.
A constituição ora debatida possuía ca-
[...] ráter autoritário e ditatorial a fim de institu-
cionalizar o golpe militar e legitimar os Atos
XXIV. Nenhum genero de trabalho, de
Institucionais publicados. Para complemen-
cultura, industria, ou commercio póde ser
tar, em 1969 a Emenda Constitucional n. 01
prohibido, uma vez que não se opponha aos
– para alguns doutrinadores considerada uma
costumes publicos, á segurança, e saude dos
nova constituição – concentrou ainda mais os
Cidadãos. 5
poderes nas mãos dos militares.
Referida constituição fez referências à
No que se refere ao âmbito dos direitos
liberdade de trabalho e à eliminação das “cor-
trabalhistas, não houve grandes avanços no
porações de ofícios”, cujo contexto foi adap-
plano constitucional. Entretanto, a legislação
tado ao regime escravista, monocultural e la-
infraconstitucional proporcionou algumas al-
tifundiário então vigente.
terações à CLT, a exemplo, o Decreto-Lei 229
Verifica-se na Constituição da Repúbli- de 1967, que tratava de tópicos como a medi-
ca dos Estados Unidos do Brazil, de 1891, a cina do trabalho, equipamento de segurança,
implantação de uma democracia meramente carteira de trabalho e normas processuais.
“decorativa” haja vista que, através do voto de
Fruto de um processo de redemocratiza-
cabresto, o que se instituiu no Brasil foi uma
ção do Brasil, a Constituição Federal de 1988,
verdadeira oligarquia, dominada pelos Esta-
fora promulgada, alterando por completo o
dos de Minas Gerais e São Paulo.
sistema de proteção do direito do trabalho em
Na Constituição da República dos Esta- seu viés constitucional.
dos Unidos do Brasil, de 1934, já sob a influ-
Notou-se por parte do legislador consti-
ência da Constituição de Weimar, de 1919,
tuinte uma grande preocupação em proteger
houve a inserção de uma democracia social.
o trabalho, especialmente, pelo grande núme-
A nova Constituição outorgada, em 10 ro de dispositivos constitucionais reservados
de novembro de 1937, marca uma fase inter- à matéria trabalhista na Carta Magna.
vencionista do Estado, decorrente do golpe
de Getúlio Vargas. O presente texto constitu-
cional trouxe os Direitos sociais trabalhistas,
tanto no âmbito coletivo, individual e proces-

4 ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editoral,
1999, p. 145.
5 BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso
em 11/02/2020

50
1.2 ANÁLISE DO PRINCÍPIO JURÍDICO DA IGUALDADE E O GÊNERO
NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

As mulheres ao longo da história, confor- 5º, I, que trata da igualdade entre os sexos; do
me já aduzido anteriormente, foram submeti- artigo 5º, inciso VIII, que versa sobre a igual-
das a uma posição de inferioridade na socieda- dade de credo religioso; do artigo 5º, inciso
de. As civilizações baseavam em muitas vezes XXXVIII, que trata da igualdade jurisdicional;
suas leis em dispositivos discriminatórios e do artigo 7º, inciso XXXII, que versa sobre a
exclusivistas que serviram de instrumento de igualdade trabalhista; do artigo 14, que dis-
consolidação da desigualdade e assimetria na põe sobre a igualdade política ou ainda do ar-
relação entre homens e mulheres. tigo 150, inciso III, que disciplina a igualdade
tributária.
As sociedades estabeleceram um pata-
mar de inferioridade e submissão em relação Embora a CRFB/1988 estabelecer ex-
ao homem, não somente na seara doméstica, pressamente que homens e mulheres são
no direito familiar, mas no cenário público, iguais em direitos e obrigações, dado o expos-
como, por exemplo, no mercado de trabalho, to até aqui é evidente a dificuldade de convi-
através do pagamento de remuneração infe- vência do direito com a cultura estabelecida.
rior à percebida pelos homens pelo exercício Certamente que não se está diante de uma
de funções semelhantes ou da dupla jornada forma unívoca de pensamento ou de práticas
de trabalho. A discriminação também foi sen- jurídicas homogêneas. A questão da discrimi-
tida nos espaços públicos e privados de poder nação em relação ao gênero feminino é um lu-
que refletiam a tímida participação política gar de debates entre pensamentos e opiniões
das mulheres, quase sempre limitada ou proi- divergentes com uma histórica e complexa
bida. vinculação às diferentes experiências concre-
tas de vida.
Atinente ao ordenamento jurídico atu-
al dispõe a Constituição Federal de 1988 Nos dizeres da professora ALICE MONTEI-
em seu artigo 5º,  caput, sobre o princípio RO DE BARROS 7destaca que: Esses posiciona-
constitucional da igualdade, perante a lei: mentos refletem uma estrutura cultural arraigada
em estereótipos sexistas, que atribuem à mulher
Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem dis-
apenas o “papel” secular de mãe e dona de casa,
tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
fortalecendo o mito da fragilidade feminina e o
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
preconceito do homem, no tocante às atividades
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes.6 familiares e domésticas. Frise-se, o sexo não po-
derá constituir critério para atribuições de encar-
O princípio da igualdade prevê a igualda- gos à mulher e ao homem na família, no trabalho
de de aptidões e de possibilidades virtuais dos e na sociedade; do contrário, a igualdade almeja-
cidadãos de gozar de tratamento isonômico da jamais será atingida.
pela lei. Por meio desse princípio são vedadas
as diferenciações arbitrárias e absurdas, não
justificáveis pelos valores da Constituição Fe-
deral, e tem por finalidade limitar a atuação do
legislador, do intérprete ou autoridade pública
e do particular.
O princípio da igualdade na Constituição
Federal de 1988 encontra-se representado,
exemplificativamente, no artigo 4º, inciso VIII,
que dispõe sobre a igualdade racial; do artigo
6 BULOS, Uadi Lammego. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 2017.
7 BARROS, Alice Monteiro de. Proteção do trabalho da mulher e do menor apud in VOGEL NETO, Gustavo Adolpho (Co-
ord.). Curso de Direito do Trabalho em homenagem ao professor Arion Sayão Romita. Rio de Janeiro, Forense, 2000, p. 311

51
1.3 OS DIREITOS TRABALHISTAS DAS MULHERES PREVISTOS NO OR-
DENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Ao analisar os direitos trabalhistas espe- positivos de proteção às trabalhadoras, o que


cíficos para as mulheres, se observa que no se passa a estudar adiante.
arcabouço jurídico brasileiro há inúmeros dis-

GESTAÇÃO

A gravidez, na grande maioria dos casos, Toda gestante tem o direito de tirar a li-
não impede a mulher de exercer normalmente cença-maternidade a partir de seu oitavo mês
suas funções laborais até o início de sua licen- de gestação, sem prejuízo de seu emprego e
ça-maternidade (salvo casos especiais de ges- salários, que devem ser pagos integralmente
tação ou trabalho). durante os 120 dias de licença.
A própria constituição brasileira asse- Caso a empregada receba salário variá-
gura à gestante o direito de estabilidade no vel, o valor a ser recebido mensalmente será
emprego, desde a confirmação de sua gra- a média de seus seis últimos rendimentos,
videz até cinco meses após o nascimento assim como as vantagens e benefícios ineren-
da criança. Além disso, a mulher  pode ser tes ao cargo. Além disso, empresas que fa-
dispensada durante seu horário de trabalho zem parte do programa Empresa Cidadã  (Lei
para a realização de suas consultas médicas e 11.770/08) podem ampliar o período da
exames. licença-maternidade por mais 60 dias.
A empregada poderá ser transferida de Mães que adotam crianças também têm
função, se for necessário, sendo assegurada a direito garantido à licença-maternidade, assim
retomada do posto anterior logo após o retor- como as gestantes, respaldadas pelo Artigo
no da licença-maternidade. 71-A da Lei 12873.  Para esses casos, licença é
pelo período de 120 dias, independentemente
A gestação ainda que esteja apenas no
da idade do adotado.
início — não pode ser um motivo para a nega-
tiva de uma admissão.
*Licença-maternidade (filho natural ou
por adoção)

PERÍODO DE AMAMENTAÇÃO

O aleitamento materno é mais um dos ter um local apropriado para que as emprega-
direitos da mulher garantidos pela lei. A partir das possam dar assistência a seus filhos du-
do nascimento da criança até os seus 6 meses rante o período da lactação.
de idade  (período que pode ser prorrogado
a partir de um atestado médico), a funcioná-
ria tem direito a dois intervalos de descanso
durante a jornada de trabalho, cada um com
trinta minutos de duração, para amamentar o
bebê.
Além disso, nas empresas que possuem
a partir de 30 profissionais do sexo femini-
no acima dos 16 anos de idade, é obrigatório

52
LIMITE DE CARREGAMENTO DE PESO

Outra proteção que a lei dá à mulher é CLT Art. 390 — Ao empregador é vedado
o limite de carregamento de peso permitido empregar a mulher em serviço que demande o
durante a execução de suas atividades. Por emprego de força muscular superior a 20 (vinte)
motivos óbvios, uma funcionária do sexo fe- quilos para o trabalho contínuo, ou 25 (vinte e
minino não pode carregar a mesma carga que cinco) quilos para o trabalho ocasional.
um homem, devido à diferença de força física
entre ambos.

DESCANSO PARA REALIZAÇÃO DE HORAS EXTRAS

Toda empregada tem o direito a um in- do período extraordinário do trabalho.


tervalo de 15 minutos antes de iniciar uma
O empregador que não cumprir o inter-
jornada extraordinária (hora extra), respaldada
valo previsto deverá fazer o seu pagamento
pelo artigo 384 da CLT:
como hora extra, além de seus reflexos nas
CLT Art. 384 — Em caso de prorrogação do demais verbas trabalhistas, que podem ser
horário normal, será obrigatório um descanso de bastante significativos, caso o episódio seja
15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início recorrente.

APOSENTADORIA

No que tange à aposentadoria por idade, as regras de transição.


as mulheres antes da Reforma da Previdência
Já em relação à aposentadoria por tem-
precisam ter 60 anos de idade e 15 anos de
po de contribuição, antes da reforma a regra
tempo de contribuição, os homens 65 anos de
era de 30 anos para as mulheres e 35 anos de
idade e o mesmo tempo de contribuição.
trabalho para os homens, sendo quem no tex-
Após a Reforma, a idade mínima exigida to da reforma não há previsão de continuação
passou a ser de 62 anos de idade, observadas desta espécie de aposentadoria.

LICENÇA PARA ABORTO NATURAL ALÉM DA LICENÇA-MATERNIDADE

A lei trabalhista também protege os di- No Brasil, a mulher ganha cerca de 30%
reitos da mulher que sofreu aborto espontâ- a menos que o homem, ainda que execute as
neo ou acidental, garantindo a ela  duas se- mesmas atividades inerentes ao cargo, te-
manas de repouso remunerado em razão do nham qualificação profissional equivalente e
problema sofrido. experiência, o que não justifica a diferença
salarial.
CLT Artigo 395 —  Em caso de aborto não
criminoso, comprovado por atestado médico Para tentar fazer a equiparação salarial,
oficial, a mulher terá um repouso remunerado a CLT adotou medidas que reforçam o direito
de 2 (duas) semanas, ficando-lhe assegurado o da mulher, com a intenção de coibir os casos
direito de retornar à função que ocupava antes de discriminação e aumentar o acesso femini-
de seu afastamento. no ao mercado de trabalho, com a proteção à
maternidade e assuntos específicos.
*A igualdade salarial na CLT

53
Acerca da igualdade salarial, o artigo 377 Logo,  a profissional não pode ter sua
da CLT afirma: remuneração reduzida ou inferior ao ho-
mem. Empresas que não obedecerem a lei po-
CLT Artigo 377 — A adoção de medidas de
dem ser penalizadas com multas e até mesmo
proteção ao trabalho das mulheres é considera-
com reclamações trabalhistas.
da de ordem pública, não justificando em hipóte-
se alguma, a redução de salário.

1.4 REFLEXÕES ACERCA DA DESIGUALDADE E DA DISCRIMINAÇÃO


DO GÊNERO FEMININO- JULGADOS SOBRE O TEMA

O Estado Democrático de Direito traz em tratados temporariamente quando tal coletivo


seu âmago a proposta da superação da igual- é predominantemente composto pelo gênero
dade formal rumo à igualdade material, o que feminino, bem como a normas que restringem
implica em assumir a defesa do preconizado direitos de contratos para tempo parcial de
na CRFB/1988 para fins do estabelecimento trabalho, já que o público feminino é o maior
de uma convivência que repousa na supera- interessado por conta de demais afazeres co-
ção de práxis desiguais e discriminatórias em tidiano, em geral atribuídos às mulheres.
relação ao gênero feminino.
No tocante à discriminação negativa,
É precisamente a conjugação da esta é o tratamento desigual que cria um des-
desigualdade com a discriminação que define favor ao indivíduo, negando-lhe o exercício de
o pensamento dominante acerca do direito seus direitos de pessoa humana, o excluindo
social das mulheres ao trabalho no Brasil, ou da vida social, tendo como efeito provocar
seja, trata-se de uma cultura jurídica positi- desigualdades injustificadas. É um fenômeno
vista, de inspiração patriarcal e neoliberal que social, constatado em todas as fases do de-
possibilita apenas o discurso da igualdade for- senvolvimento das sociedades, mas de rele-
mal em relação ao gênero feminino. Sabe-se vância significante nas sociedades atuais dada
que a possibilidade de se projetar nos espa- a intolerância com o diferente.
ços públicos e no trabalho representam fontes
Por outro lado, também conhecida como
de empoderamento para o ser humano, dos
ação positiva, em oposição ao ato negati-
quais o gênero masculino logra um histórico
vo de discriminar, a discriminação positiva é
de maior participação por conta de práticas
concebida como um conjunto de estratégias,
desiguais vivenciadas desde a educação até a
iniciativas ou políticas, que buscam favorecer
divisão sexual de trabalho.
pessoas ou grupos sociais que se encontram
No que tange à discriminação do gênero em condições desfavoráveis, em razão, geral-
feminino, tal conduta consubstancia-se em di- mente, da prática de discriminação negativa.
ferenciar, distinguir e restringir a participação Entretanto, é medida que deverá ser observa-
das mulheres no momento da procura por tra- da em caráter excepcional, até que se neutra-
balho e no momento da ascensão profissional lizem os efeitos das desigualdades sociais.
e financeira nas organizações.
Diante do exposto vê-se que a garantia
Ressalta-se que não é uma prática discri- efetiva à igualdade de oportunidades no tra-
minatória nítida. Nem sempre o motivo é dis- balho sempre exigirá dos poderes públicos
criminatório, mas sim os meios utilizados para proteções legais, além de ações afirmativas,
a contratação ou para a promoção de mulhe- de natureza pública ou privada, que venham a
res. A autora traz como exemplos a exigência beneficiar aqueles trabalhadores que enfren-
de disponibilidade para variação de horários, tam desigualdades sociais. Esses mecanismos
que afeta, geralmente as mulheres, a desigual terão fundamento no princípio da igualdade,
retribuição para trabalhadores que sejam con- uma vez que seu conteúdo material impõe o

54
dever d dispensar tratamento equânime às Mas, apesar das grandes conquistas, as
pessoas. ações ajuizadas na Justiça do Trabalho reve-
lam que a mulher moderna ainda enfrenta dis-
Contudo, a discriminação é tão antiga
criminação no mercado, em relação aos níveis
quanto as relações de poder e as exclusões
salariais observados nas empresas. São práti-
sociais. Dessa forma, a visão preconceituosa
cas patronais que violam o artigo 7º, XXX, da
do exercício do direito social ao trabalho por
Constituição Federal, o qual proíbe diferença
parte das mulheres é perpetuada pelas for-
de salários, de exercício de funções e de cri-
ças econômica, políticas, sociais e jurídicas,
tério de admissão, por motivo de sexo, ida-
frequentemente monopolizadas pelo gênero
de, cor ou estado civil. Colacionam-se alguns
masculino, em detrimento do existir do seg-
exemplos de julgados com suas respectivas
mento feminino.
explanações:
A história da discriminação dos direitos
das mulheres no Brasil apresenta-se assim
segmentada: primeiramente, tem-se o perío- *caso da bancária discriminada e
do de transição entre a proibição e a proteção dispensada simbolicamente no Dia In-
do trabalho da mulher, do início da República ternacional da Mulher-(Processo nº
até o Estado Novo (1889-1937); após, num 00917-2011-057-03-00-0-RO-MG)
segundo momento, verifica-se o surgimento
de certa proteção e vai até algumas tentativas
de promoção da igualdade, ainda que somen- Este caso fora protocolado na 1ª Vara do
te no âmbito formal, período compreendido Trabalho de Divinópolis, pois uma bancária
entre o Estado Novo e o início dos trabalhos foi dispensada por justa causa, ou seja, exata-
dos constituintes originários de 1988 (1937- mente no Dia Internacional da Mulher. Após
1988); por fim, num terceiro momento se examinar o conjunto de provas, o juiz decidiu
observa, efetivamente, com positivação de que tal situação fazia crer que a dispensa da re-
inúmeros dispositivos legais que evidenciam clamante exata e simbolicamente em 08/03/11,
a orientação para uma concreta promoção da Dia Internacional da Mulher, de fato não foi por
igualdade entre o trabalho da mulher e o do acaso, mormente porque, pela tese de defesa,
homem que tem início com a CRFB/1988 até poderia a dispensa ter ocorrido antes ou depois.
os dias de hoje.
Indubitavelmente que as mulheres evo-
luíram muito em sua trajetória de superação *Trabalhadora impedida de participar de
da cultura machista e patriarcal e na conquista seleção interna por ser mulher será indeniza-
do merecido espaço no mercado de trabalho. da- Processo: 0001371-54.2017.5.11.0007-
TRT 11ª Região
Atualmente elas exercem profissões que
antes eram reservadas aos homens, como, por Neste processo, as empregadas que pre-
exemplo, as de motorista de caminhão, poli- tendiam participar da seleção interna solicita-
ciais, segurança e profissionais da construção ram reunião com o superior hierárquico para
civil. Essas eram profissões tipicamente mas- questionar os motivos de terem sido prete-
culinas porque exigem força física e envolvem ridas. Ele teria informado que somente cola-
violência. No entanto, cada vez mais a so- boradores do sexo masculino poderiam con-
ciedade se rende à competência profissional correr, pois haveria necessidade de carregar
feminina, reconhecendo que a mulher conta paletes (estrados utilizados para organização
com armas poderosas, como inteligência, de- e movimentação de carga) com materiais de-
licadeza, técnica e até, para muitas, um bom feituosos.
preparo físico mesmo, para apagar a velha O Tribunal entendeu que os atos de dis-
imagem do sexo frágil. Nesse sentido, a luta criminação no ambiente de trabalho nem
da mulher trabalhadora se confunde com a sempre se manifestam de forma direta e evi-
própria história do Direito do Trabalho. dente. Às vezes, como no caso em apreço, apre-

55
sentam-se sutis e velados, quando a empresa ou sexualidade. Ela foi admitida na empresa em
seus prepostos criam desigualdades em relação julho de 2013 na função de técnica em eletrô-
a determinado grupo de pessoas, a exemplo das nica e dispensada sem justa causa em abril de
empregadas que desempenham função eminen- 2016.
temente técnica.

*Mulher na Construção Civil: JT-MG


concede indenização a trabalhadora que não
tinha acesso a banheiro feminino e sofria as-
sédio sexual
A ação julgada pela juíza Maria Irene Sil-
va de Castro Coelho, na 1ª Vara do Trabalho de
João Monlevade. Ao analisar os fatos e provas
do processo, a julgadora constatou que uma
empresa de engenharia não disponibilizava
banheiros femininos e em boas condições de
higiene nos locais de trabalho e, ainda, que a
empregada, operadora de pá carregadeira, so-
fria assédio sexual por parte de um superior
hierárquico.
Diante disso, a julgadora condenou a
empresa ao pagamento de indenização por
danos morais no valor de R$10 mil. A decisão
foi confirmada pelo TRT-MG.
*Empresa é condenada a indenizar ex-
-funcionária discriminada por ser mulher-
-Processo nº 0001172-50.2017.5.11.0001
A Primeira Turma do Tribunal Regional do
Trabalho da 11ª Região - AM/RR (TRT11) fixou
em R$ 10 mil a indenização por danos morais
a ser paga pela Companhia de Saneamento do
Amazonas (Cosama) a uma ex-funcionária que
comprovou ter sofrido discriminação por ser
mulher.
Em julgamento unânime, o colegiado
acompanhou o voto da desembargadora rela-
tora Valdenyra Farias Thomé e entendeu que
as provas dos autos confirmam o assédio mo-
ral praticado por empregado da empresa con-
tra a reclamante e demais mulheres do quadro
funcional, configurando discriminação de gê-
nero.
Na ação ajuizada em junho de 2017, a
autora alegou que o supervisor a ofendia com
palavras impróprias e desdenhava da impor-
tância de seu trabalho, além de questionar sua
competência e fazer insinuações sobre sua

56
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar dos avanços legislativos e juris- os méritos, regras e procedimentos que


prudenciais, ainda são necessárias políticas determinam a seleção de pessoas para funções
públicas e o fortalecimento dos movimentos de direção e liderança. Devemos desenvolver,
que buscam a efetivação da igualdade mate- ainda, a chamada “democracia paritária”, ou
rial entre os gêneros, seja no âmbito social, seja, buscar a criação de um modelo político
sexual ou trabalhista, proporcionando o de- que permita a representação igualitária e
senvolvimento de uma sociedade mais justa, eqüitativa de todos aqueles que fazem parte
empática e igualitária. da sociedade: os homens e as mulheres.
O capitalismo atual exige a participação Para que essas propostas sejam concre-
das mulheres no mercado de trabalho e na tizadas, as mulheres precisam que lhes seja
política. Portanto, deve-se buscar a criação confiado um sistema efetivamente igualitário,
de um pacto, em que os homens e as mulhe- marcado pela concessão das mesmas opor-
res, em condições de igualdade real (material, tunidades de felicidade, se comparado com
substancial, e não meramente formal), assu- aquele concedido aos homens, o que apenas
mam uma repartição eqüitativa e recíproca se torna possível com a concessão dos mes-
em todas as espécies de atividades e traba- mos direitos políticos. Deve-se sempre exigir
lhos (inclusive, dentro do lar). o desenvolvimento de novos espaços políti-
cos onde a participação de todos, ou seja, sem
O que se pretende é a criação de um
a exclusão de homens e mulheres, seja uma
novo pacto político e social em que todos os
realidade, para que, então, possa-se alcançar
sujeitos (homens e mulheres) estejam pre-
ou, pelo menos, promover consensos políticos
sentes com igualdade de voz e com a mesma
justos que reduzam a violência e promovam a
autoridade para decidirem sobre os diversos
democracia.
âmbitos de uma vida. Aceitar as mulheres na
vida social, política e laboral, sem concedê-las, Avanço na educação também é uma
porém, a participação paritária, seria apenas medida que se impõe, como forma legítima
legitimar as decisões adotadas contra as mu- de demonstrar aos futuros cidadãos os erros
lheres, o que colaboraria com a produção de cometidos pela sociedade patriarcal. A socie-
um retrocesso em matéria de igualdade, fre- dade precisa evoluir para que conceitos arrai-
ando e irracionalizando a luta política e social gados sejam, de fato, superados. O papel da
apresentada pelos movimentos feministas. educação, nesse contexto, é, no mínimo, fun-
damental.
É necessário explicar as razões pelas
quais a mulher sofre constante violência na
sociedade, os motivos pelos quais é excluída
do mundo do conhecimento e da cultura,
apesar de possuir igual, ou até mesmo, superior
currículo, se comparado com o dos homens. E,
para que isso possa ocorrer, é necessário levar
adiante um profundo debate político sobre as
instituições que socializam os indivíduos, para
despojá-los dos estereótipos “masculino” e
“feminino”, ainda presentes (principalmente,
perante a família); precisamos aprofundar,
ainda, o desenvolvimento do princípio da
igualdade de oportunidades, que leva a cabo
a correta distribuição dos bens materiais e
imateriais necessários para a obtenção de
uma vida digna, em tempo de intervir sobre

57
REFERÊNCIAS

MILES, Rosalind. A história do mundo pela mulher. Rio de Janeiro: Casa / LTC Livros Técnicos
e Científicos, 1989.p 176

BARROS, Alice Monteiro de. Proteção do trabalho da mulher e do menor apud in VOGEL
NETO, Gustavo Adolpho (Coord.). Curso de Direito do Trabalho em homenagem ao professor
Arion Sayão Romita. Rio de Janeiro, Forense, 2000, p. 311

BULOS, Uadi Lammego. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 2017.

BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br. Acesso em 11/02/2020

ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do traba-


lho. São Paulo: Boitempo Editoral, 1999, p. 145.

SCOTT, Ana Silvia. O caleidoscópio dos arranjos familiares. In: PINSKY, C. B.; PEDRO, J. M.
(Orgs). Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013, p. 15-42.

58
59
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E OS OBSTACULOS PARA
O ACESSO À JUSTIÇA

Lívia Navarro Silva Hortelan


Estudante de Direito das Faculdades Integradas de Bauru
(FIB), matriculada no terceiro semestre do curso. Participou do
19º Congresso Nacional de Iniciação Científica (CONIC), na cida-
de de São Paulo em 2019, ISSN 2357-8904, com o trabalho “O
combate à alienação parental através da guarda compartilhada”.

Maria Cláudia Zaratini Maia


Advogada, Professora das Faculdades Integradas de Bauru
(FIB), Mestre em Direito pela Instituição Toledo de Ensino – ITE,
Bauru e Doutora em Educação pela Universidade Federal de São
Carlos – UFSCAR.

SUMÁRIO

1. Introdução
2. Breve Abordagem Histórica Sobre O Acesso A Justiça No Brasil
3. O Acesso À Justiça
4. A Desigualdade De Gênero
5. Atendimentos A Mulher Em Situação De Violação De Seus Direitos
6. Obstáculos Enfrentados Pelas Mulheres Ao Recorrer À Justiça
7. Considerações Finais
Referências

60
RESUMO

Esse trabalho possui caráter bibliográfico e descritivo, tendo como base de estudo de
obras literárias, artigos e a legislação nacional e versa sobre os pontos relevantes acerca da
desigualdade de gênero no acesso à justiça e se justifica pela necessidade de igualdade de
gênero no acesso pleno da justiça. Uma vez que a desigualdade e a violência de gênero estão
naturalizadas na sociedade atual, é necessário espaço para discussão e analise do tema. A
Função da sociedade como um todo é garantir que todas as pessoas estejam em situação de
igualdade e que tenham pleno acesso de seus direitos. Por meio dessa pesquisa é possível ca-
racterizar e perceber que a desigualdade de gênero é produto de um processo histórico e por
essa razão interfere em todos os aspectos da vida em sociedade, inclusive no acesso à justiça.
Além do mais a desigualdade produz obstáculos às mulheres, quando essas tentam recorrer á
justiça, por exemplo, a falta de informação, medo, vergonha, dependência financeira e afetiva,
além da falta de políticas públicas e capacitação profissional dos responsáveis pelo atendimen-
to das vítimas. Uma vez encontrados os fatores determinantes pela desigualdade no acesso à
justiça, é importante o levantamento das condutas e mudanças que possibilitem a igualdade
entre homens e mulheres no acesso judicial, como a garantia dos serviços existentes, criação
de novos serviços, a capacitação dos funcionários que atuam no atendimento das mulheres e
a criação de mecanismos que atendam as mulheres de forma mais sensibilizada.

PALAVRAS-CHAVE
Desigualdade; gênero; mulheres; violência; acesso à justiça.

ABSTRACT

This work has a bibliographic and descriptive character, based on the study of literary
works, articles and national legislation, and deals with relevant points about gender inequality
in access to justice. This work is justified by the need for gender equality in the full access to
justice. Since gender inequality and violence are naturalized in today’s society, space is nee-
ded for discussion and analysis of the issue. The role of society as a whole is to ensure that all
people are on an equal footing and have full access to their rights. Through this research it is
possible to characterize and realize that gender inequality is the product of a historical process
and therefore interferes in all aspects of life in society, including access to justice. Besides,
inequality produces obstacles to women, when they try to resort to justice, for example, lack
of information, fear, shame, financial and affective dependence, besides the lack of public
policies and professional training of those responsible for attending victims. Once found the
determining factors for the inequality in the access to justice, it is important the survey of the
conducts and changes that make possible the equality between men and women in the judicial
access, as the guarantee of the existing services, the creation of new services, the qualification
of the employees that act in the attendance of the women and the creation of mechanisms
that attend the women in a more sensible way.

KEY WORDS

inequality; gender; women; violence; access to justice.

61
1. INTRODUÇÃO

Não basta apenas que a sociedade re- dio se agrava quando é relacionado com algum
conheça que a desigualdade exista entre ho- tipo de violência, muitas mulheres ao serem
mens e mulheres, é necessária a criação de vítimas, acabam se calando frente à prática
métodos que a combata. No decorrer do arti- pelo medo de serem julgadas como culpadas,
go, realizado por meio de pesquisa bibliográfi- ou por dependerem financeira e afetivamente
ca, serão exemplificados os elementos estru- do agressor, uma vez que a maior parte dos
turais que geram e agravam a desigualdade agressores são seus companheiros e pais de
entre homens e mulheres no acesso à justiça. seus filhos. Outro ponto a ser abordado nesse
Ponto importante de discussão sobre o aces- trabalho é a falta de capacitação e de recursos
so da mulher à justiça é a visão que a socieda- para o atendimento às mulheres, os responsá-
de tem dessa discriminação. veis por esses atendimentos em muitos casos
não receberam capacitação para exercer suas
Muitas vezes a mulher é julgada e ainda
funções.
colocada no lugar de culpada quando recorre à
justiça para reclamar seus direitos. Esse episó-

2. BREVE ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O ACESSO A JUSTIÇA NO


BRASIL

As primeiras investigações sobre o direi- pouco mais da metade da população brasi-


to no Brasil se localizam no campo dos bacha- leira, ainda assim, elas são consideradas uma
réis da área direcionados sociologicamente, minoria quando se trata de acesso a oportu-
do modo em que o objeto de estudo era o nidade e direitos em igualdade de condições
acesso à Justiça. com os homens. Porque o que faz com que
esse grupo seja considerado minoria, não é o
Porém, o enfoque inicial dos estudos não
número de pessoas, mas sim, qual a represen-
envolvia os novos direitos conquistados pelas
tatividade, poder e acesso a direitos que tal
“minorias”, mas sim a necessidade de acesso
grupo possui.
aos direitos básicos dos quais a maioria ainda
não tinha acesso1. É indiscutível a necessida- Segundo Junqueira1, as produções aca-
de de enfatizar os direitos básicos de todo ser dêmicas brasileiras e as mudanças jurídicas
humano, porém já é histórico o processo do durante os anos 80 do Século XX visavam
esquecimento das minorias quando se trata sobre os direitos coletivos, não pela crise do
de seus direitos. Estado pelo bem-estar social, mas sim pela ex-
clusão da grande maioria da população ao se
Importante ressaltar que apesar de as
tratar de direitos básicos1.
mulheres serem praticamente a metade, ou

3. O ACESSO À JUSTIÇA

Acesso à justiça não deve ser confun- acesso ao justo, o direito de se ter um pro-
dido com o acesso ao Poder Judiciário, o já cesso justo do qual não sofra nenhuma impar-
mencionado acesso à justiça refere-se ao cialidade, seja ela por incapacidade do poder

1 JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo.. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 9,
n. 18, p. 389-402, dez. 1996. ISSN 2178-1494. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2025>.
Acesso em: 10 Jan. 2020.

62
judiciário ou por estereótipos da sociedade. É não se pode pleitear o que não se tem conhe-
importante ainda se lembrar de que a noção cimento.
de justo vária de pessoa para pessoa, dessa
A descrença por parte do Poder Judici-
forma o sistema deve amparar de forma igua-
ário ocorre pelo desconhecimento, o número
litária a todos que a ele recorre, superando os
de demandas cada vez maior e a demora en-
obstáculos que dificultam as parcelas menos
frentada nos processos, desse modo grande
favorecidas da sociedade.
parte da população acaba nutrindo a sensa-
O acesso à justiça é um direito constitu- ção de ineficiência da justiça. O obstáculo do
cional de todos no Brasil, está expresso no art. Direito e serviço existe uma vez a sociedade é
5º, XXXV da Constituição Federal de 1988: “a dotada do mercantilismo, transformando o ju-
lei não excluirá da apreciação do Poder Judi- diciário em um serviço ao consumidor. A falta
ciário lesão ou ameaça a direito” (CF/1988)2. de defensores públicos para a população que
Esse dispositivo enfatiza que todos sem qual- não tem condições de pagar pelos honorários
quer distinção tenham o direito de recorrer é um dos obstáculos pelo qual o Estado não
à justiça. Mas a simples existência por escri- consegue garantir o acesso à justiça, que por
to de um direito não significa que o mesmo sua vez é um direito.
é disponível, a realidade em que se encontra
O distanciamento da justiça pode se
o judiciário brasileiro é muito distante de uma
dar de duas formas, física ou hierárquica, a pri-
noção de justiça e igualdade.
meira ocorre devido às condições geográficas,
Desse modo cabe destacar que é dever onde as grandes dimensões do Brasil acabam
do Estado garantir que todos os cidadãos te- por dificultar que todos tenham perto locais
nham o pleno acesso igualitário à justiça, afim destinados ao judiciário. E a segunda forma
de não se instaurar o caos social e jurídico e é devido à intimidação causada nas pessoas,
evitando a realização da justiça pelas próprias às estruturas imponentes, as formalidades
mãos. de linguagem e vestimenta, acabam por fazer
com que as pessoas tenham medo e vergonha
Massula em seu trabalho enfatiza cinco
de recorrer à justiça. E a pobreza está ligada
pontos chaves no processo de obstaculização
diretamente a todos os outros fatores.
para o acesso à justiça: eles seriam o desco-
nhecimento, descrença, direito e serviço, dis- Esses obstáculos estão presentes em
tanciamento e pobreza . 3
toda sociedade, porém as minorias são afe-
tadas de forma mais severa. Nesse estudo o
O desconhecimento está presente em
ponto a ser desenvolvido é o acesso à justiça
grande parte da população que não tem no-
por parte das mulheres, essas por sua vez são
ção de seus direitos. No Brasil não se pode
um dos grupos mais afetados pelos obstácu-
alegar desconhecimento da lei para se exi-
los acima mencionados.
mir de seu descumprimento, segundo “Art. 3º
Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando É importante relacionar a questão de jus-
que não a conhece” (LINDB/1942) . Porém, o tiça com cidadania, uma vez que ambas andam
4

desconhecimento dos direitos é um problema lado a lado, e a desordem causada em uma das
enfrentado na realidade, sendo assim grande duas podem levar ao caos social, como pode-
obstáculo para o acesso à justiça uma vez que mos notar na fala de Cavalcante5:

2 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de


1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em: 11 Jan. 2020
3 MASSULA, Letícia. A violência e o acesso das mulheres à justiça: O caminho das pedras ou as pedras do (no)
caminho. In: Vinte e cinco anos de respostas brasileiras em violência contra a mulher: Alcances e Limites – São Paulo:
Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, 2006, pp. 140-167. Disponível em: http://www.observatoriodeseguranca.org/
files/leticiapdf.pdf. Acesso em: 11 Jan. 2020.

4 BRASIL, Decreto – Lei nº. 4.657, de 4 de setembro de 1942 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm. Acesso em: 11 Jan. 2020.
5 CAVALCANTE, Tatiana Maria Náufel. Cidadania e Acesso à Justiça. Disponível em: file:///E:/novo%20artigo/

63
O acesso a uma ordem jurídica justa está reito como também promover a sua cidadania
intrinsecamente atrelado à questão da cida- e garantir a efetividade de seus direitos. Po-
dania, sobretudo porque o direito de acesso rém, no decorrer deste artigo serão elencados
à justiça é um direito garantidor de outros di- os obstáculos enfrentados pelas mulheres no
reitos e uma maneira de assegurar efetividade decorrer do caminho pelo acesso à justiça.
aos direitos de cidadania..
De esse modo assegurar a igualdade das
mulheres na justiça, é garantir não só esse di-

4. A DESIGUALDADE DE GÊNERO

Os valores patriarcais se perpetuam des- É indispensável lembrar que a luta das


de a antiguidade até os dias atuais. Tendo o mulheres produziu conquistas, como, por
masculino como sujeito e o feminino como exemplo, a Declaração Universal dos Direitos
seu objeto, assim o homem é detentor da Humanos, traz que todas as pessoas nascem
ação, decisão e o provedor material6. livres e iguais em direitos e dignidade. Apesar
da previsão de igualdade, na prática isso não
Na Roma Antiga as famílias eram cen-
ocorria.
tradas no homem e as mulheres eram apenas
figuras coadjuvantes. O pater familiar dava ao Desse modo é possível concluir que a de-
homem o poder sobre seus filhos e esposa, do sigualdade é fruto de um processo histórico
qual era unilateral e prevalecia até mesmo ao enraizado e naturalizado nos dias de hoje. É
Estado.7 necessário que essa visão de normatização da
desigualdade seja revista. A desigualdade pai-
E, esse poder do homem sobre a mu-
ra sobre todos os aspectos da vida social, mas
lher, institucionalizado pela Estado perdurou
como enfoque desse trabalho será enfatizado
ao longo dos Séculos, sendo abrandado gra-
a desigualdade ao acesso à justiça e seus des-
dativamente a partir do final do Século XIX
dobramentos.
e somente no Século XX é que podemos fa-
lar em direitos das mulheres8. Com todo esse Como antes mencionado o acesso à jus-
processo histórico de pré-conceito e privação tiça é uma questão de cidadania, e por mui-
de acesso a direitos não é surpresa que a so- tos anos as mulheres, assim como outras mi-
ciedade trate de forma desigual os gêneros. norias, não eram vistas como cidadãos. A luta
travada pelos direitos das mulheres é um ca-
A organização social do Brasil apresenta
minho longo e árduo que se perpetua há anos.
resquícios da organização escravocrata agrá-
As mulheres são parcela da população que
ria, conduta social que legitima a violência e
mais sofrem violações de seus direitos. Nos
objetificação às minorias, como as mulheres.
dias atuais pode considerar que a maior parte
Essas eram tidas como figura de criação e de
das violações ocorre por meio da violência, e a
educação os filhos, além de serem tratadas
mulheres como consequência são os maiores
sexualmente como objetos9.
alvos dessas práticas.

Cidadania_e_Acesso_a_Justica.pdf. Acesso em: 13 Jan. 2020.


6 MINAYO, Maria Cecília de Souza. Laços perigosos ente machismo e violência. 2005. Disponível em: https://
www.scielosp.org/scielo.php?pid=S141381232005000100005&script=sciarttex t&tlng=pt. Acesso em: 15 Jan. 2020.
7 NARVAZ, Martha Giudice e KOLLER, Sílvia Helena. Famílias e patriarcado: da prescrição normativa à subversão
criativa. Psicol. Soc. [online]. 2006, vol.18, n.1, pp.49-55. ISSN 0102-7182. Disponível em: http://www . scielo.br/pdf/
psoc/v18n1/a07v18n1.pdf. Acesso em: 15 Jan. 2020.
8 TELES, Maria Amélia de Almeida. O que são direitos humanos das mulheres. São Paulo: Brasiliense, 2007.
9 LACERDA, Isadora Almeida. O conceito de violência contra a mulher no direito brasileiro. 2014. Disponível em:
http://www.pucrio.br/pibic/relatorioresumo2014/relatorios_pdf/ccs/DIR/DIRIsadora%20Almeida%20Lacerda.pdf. Acesso
em: 13 Jan. 2020.

64
Outro ponto que deve ser destacado so- tão em 104º lugar. As mulheres brancas bra-
bre a desigualdade entre homens e mulheres é sileiras estão em 69º lugar, enquanto as afro-
a raça, somado esse fator se obtém resultados -descendentes estão em 114º. Ou seja, existe
alarmantes. Segundo dados apontados por uma diferença de 63 pontos entre os homens
Massula, os homens brancos brasileiros estão brancos e afro-descendentes e as mulheres
em 41º lugar no Índice de Desenvolvimento apresentam uma diferença de 45 lugares10.
Humano, enquanto os afro-descendentes es-

5. ATENDIMENTOS A MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLAÇÃO DE SEUS


DIREITOS

As conquistas no amparo judicial às mu- violência por medo de não ter um local para a
lheres aconteceram com maior intensidade a sua moradia e a de seus filhos.
partir da década de 80 do Século XX. É nesse
Ainda como conquista da luta das mu-
período em que surgem as primeiras Delega-
lheres pode elencar a Lei Maria da Penha que
cias Especializadas de Atendimento à Mulher
prevê que o agressor seja afastado do lar; A lei
e também é nessa década que ocorre a cria-
11.340/06 traz que a mulher só pode renun-
ção do SOS Mulheres, primeiro serviço de
ciar à ação em audiência realizada pelo Juiz,
atendimento jurídico, social e psicológico para
ponto que sem dúvida evita que as mulheres
as mulheres em caso de violência11.
desistam da ação por ameaça do agressor,
Já na década de 90 o Ministério da Saúde além do mais com a lei houve a impossibilida-
criou a norma técnica “Prevenção e Tratamen- de de transação penal nos casos de violência
to dos Agravos Resultantes da Violência Sexu- doméstica. Com a referida lei houve a quebra
al contra Mulheres e Adolescentes” que além do silêncio de milhares de mulheres frente a
de prever o atendimento integral à saúde de violências sofridas.
mulheres e meninas vítimas de violência sexu-
A garantia do atendimento físico e psi-
al, regulamenta o artigo 128 do Código Penal
cológico a vítimas de violência pelo SUS e o
Brasileiro, em seu inciso II, ao permitir o abor-
enfrentamento da violência com medidas de
to de gravidez resultante de estupro. A partir
prevenção, erradicação e sanção, são outros
de então a violência contra a mulher passou a
exemplos das conquistas na luta das mulheres
vigorar como questão de saúde pública.
contra a violência.
Outras formas de atendimento às mu-
Apesar de todos os avanços obtidos nas
lheres vítimas de violência são as casas-abri-
últimas décadas, em especial com a Lei Maria
gos e aluguéis sociais, esse último é utilizando
da Penha, é certo que ainda assim, as mulhe-
quando na cidade em que a mulher reside não
res enfrentam obstáculos no acesso à justiça.
existe casas-abrigos. Esses dois mecanismos
proporcionaram que as mulheres ao denun-
ciar o caso de violência tenham a possibili-
dade de se afastar do local onde a violência
ocorre, muitas mulheres não denunciavam a

10 MASSULA, Letícia. A violência e o acesso das mulheres à justiça: O caminho das pedras ou as pedras do (no)
caminho. In: Vinte e cinco anos de respostas brasileiras em violência contra a mulher: Alcances e Limites – São Paulo:
Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, 2006, pp. 140-167. Disponível em: http://www.observatoriodeseguranca.org/
files/leticiapdf.pdf. Acesso em: 11 Jan. 2020.
11 Cruz, Madge & Costa, Francisco. Os Direitos Humanos das Mulheres e os Crimes Sexuais: Realidade
e Possibilidades da Produção da Prova para o Pleno Acesso à Justiça. (2006). Revista da Faculdade de Direito
UFPR. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/265920431_OS_DIREITOS_HUMANOS_DAS_
MULHERES_E_OS_CRIMES_SEXUAIS_REALIDADE_E_POSSIBILIDADES_DA_PRODUCAO_DA_PROVA_
PARA_O_PLENO_ACESSO_A_JUSTICA. Acesso em: 15 Jan. 2020.

65
6. OBSTÁCULOS ENFRENTADOS PELAS MULHERES AO RECORRER À
JUSTIÇA

Mesmo com os mecanismos existentes Nos casos em que as mulheres preci-


para o atendimento a mulher, muito ainda fal- sam apresentar provas materiais da violência,
ta para que possa ser considerado um atendi- como é o caso da violência sexual, são encon-
mento digno e eficiente. Anteriormente foram trados outros obstáculos. O reconhecimen-
citados os obstáculos enfrentados quando se to da materialidade deve ser feita exclusiva-
recorre à justiça, porém analisando na pers- mente por médicos peritos do IML (Instituto
pectiva da mulher outras pedras no caminho Médico Legal), o número de médicos peritos
são encontradas. Como antes mencionada, disponíveis no sistema do IML são menores
a pobreza desempenha grande obstáculo, e que a demanda por atendimento e a espera
esse fator que atinge grande parte da socie- necessária para o atendimento faz com que as
dade, afeta as mulheres de forma despropor- mulheres vítimas do crime fiquem impossibili-
cional12. tadas de serem periciadas para a produção de
provas, esses fatores fazem com que ocorram
Um ponto importante de se destacar
muitos arquivamentos de inquéritos policias
é que a justiça apesar de pregar a igualdade
por falta de prova15.
de todos em seus dispositivos, não apresenta
meios para que essa igualdade seja exercida, A condição exigida da materialidade é
uma vez que seus aparatos não reconhecem algo muito questionável, uma vez que resis-
a existência da desigualdade e muito menos tência da vítima teria de estar marcada em seu
possuem meios para minimizar essa discrimi- corpo para caracterizar o consentimento ou
nação. não da prática. A palavra da vítima em muitos
casos não é elemento essencial, sendo que as
As mulheres são o grupo social que mais
autoridades em muitos casos acabam colo-
enfrenta a violência em sua vida. A Conven-
cando o depoimento da vítima em dúvida. Por
ção Interamericana conhecida como Conven-
esses motivos muitas mulheres não procuram
ção do Belém do Pará, define a violência como
a justiça para denunciar.
“qualquer ato ou conduta baseada no gênero
que cause morte, dano ou sofrimento físico, Outros obstáculos impostos às mulheres
sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfe- são a visão que a sociedade tem da violação
ra pública como na esfera privada”. (1994, cap. de direitos seus direitos, muitas mulheres ao
I, artigo 1°)13. sofrer alguma violação não buscam a justiça
por sentirem vergonha ou culpa, se colocan-
Segundo a plataforma Evidência sobre
do assim no lugar de responsável pela práti-
Violências e Alternativas para mulheres e me-
ca. Muitas mulheres vítimas de violência têm
ninas (EVA) no período compreendido entre
como agressor seu marido ou pai de seus fi-
2010 e 2017, 1,23 milhões de mulheres re-
lhos, esse é outro fator que interfere na de-
portaram casos de violência14.
núncia, uma vez que existe a relação afetiva

12 Conforme OXFAM Brasil as mulheres estão mais vulneráveis a viver na pobreza. https://oxfam.org.br/noticias/
por-que-ha-mais-mulheres-que-homens-pobres-no-mundo/ Acesso em 03-02=2020
13 CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A
MULHER, “CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ”. 9 Jun. 1994. Disponível em: http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/m.
Belem.do.Para.htm
14 EVA: Evidências sobre Violências e Alternativas para mulheres e meninas. Instituto Igarapé. 2019. Disponível em:
https://eva.igarape.org.br/?utm_source=eurio.com.br&utm_medium=referral&utm_content=portal_primenews&utm_
campaign=hotfixpress#/. Acesso em: 14 Jan. 2020.
15 Cruz, Madge & Costa, Francisco. Os Direitos Humanos das Mulheres e os Crimes Sexuais: Realidade
e Possibilidades da Produção da Prova para o Pleno Acesso à Justiça. (2006). Revista da Faculdade de Direito
UFPR. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/265920431_OS_DIREITOS_HUMANOS_DAS_
MULHERES_E_OS_CRIMES_SEXUAIS_REALIDADE_E_POSSIBILIDADES_DA_PRODUCAO_DA_PROVA_
PARA_O_PLENO_ACESSO_A_JUSTICA. Acesso em: 15 Jan. 2020.

66
entre as partes. a atender as mulheres também é um empeci-
lho enfrentados, segundo a pesquisa realizada
A sociedade infelizmente possui uma vi-
pelo Instituto de Pesquisa DataSenado, “Rede
são naturalizada da violência contra a mulher,
de Enfrentamento à Violência contra as Mu-
em muitos casos quando a violência ocorre no
lheres - DEAMs”, 35% das DEAMs não pos-
convívio marital, as mulheres continuam com
suem orientação por escrito que a equipe uti-
o companheiro, dessa forma se propaga o sen-
liza para padronizar o atendimento. Segundo
so comum de “em briga de marido e mulher
a mesma pesquisa apenas 38% encaminham
ninguém mete a colher” ou “mulher gosta de
as mulheres para o Sistema Especializado (Ca-
apanhar”, essa visão acaba por justificar a vio-
sa-Abrigo) e 24% encaminham para Centros
lência e impede que mais mulheres venham a
Especializados de Atendimento à Mulher (CE-
denunciar os casos.
AMs). Nessa pesquisa foram entrevistados os
A falta de capacitação do pessoal que funcionários responsáveis pelo atendimento
atende as mulheres que procuram ajuda é nas Delegacias Especializadas, e 47% deles
outro obstáculo, uma vez que ao procurar afirmaram não ter recebido treinamento es-
ajuda e amparo as mulheres acabam sendo pecifico para atender mulheres vitimas de vio-
revitimizadas. O funcionamento precário e lência16.
com baixos recursos dos Órgãos destinados

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É evidente que a desigualdade de gêne- que faz com que as mulheres não adotem as
ro afeta o acesso à justiça, como foi demons- condutas necessárias para a conservação das
trado ao longo desse artigo, porém, para que provas até o momento em que serão recolhi-
haja a solução desse problema muitas medi- das, e o mais importante que é a falta de es-
das devem ser criadas. trutura e de médicos peritos do IML para as
perícias. Desse modo devem ser adotadas as
As medidas defendidas nesse trabalho
condutas de conscientização das mulheres, e
para que exista acesso igualitário à justiça é
a criação de uma parceria para que mais mé-
o aperfeiçoamento e garantia dos serviços já
dicos especializados em perícias possam atuar
existentes para o atendimento das mulheres,
no recolhimento de provas matérias para in-
uma vez que é necessário que ao acionarem
quéritos, uma vez que a quantidade disponi-
o sistema jurídico mulheres tenham a certeza
bilizada pelo IML é insuficiente. Além do mais
que sua efetividade.
a avaliação psicológica e a palavra da vítima
E ainda, que sejam divulgadas informa- devem ganhar maior destaque nos rol das pro-
ções de forma pública sobre os direitos das vas.
mulheres e os sistemas especializados para
Todas essas condutas devem ser vistas
seu atendimento, além de que, deve haver ca-
como fundamentais, uma vez que a falta de
pacitação profissional para um atendimento
informação e a não denúncia pela violação
mais humano e de qualidade. Além da criação
dos direitos das mulheres acabam por criar
de novas políticas públicas para o atendimen-
um circulo vicioso de violação e desrespeito,
to, e a criação de locais para o acolhimento de
dificultando, e muitas vezes até impedindo, o
mulheres vítimas de violência.
acesso à justiça.
Outro ponto importante é sobre a falta
de provas materiais para o prosseguimento
dos processos. A falta de provas é influencia-
da por dois motivos, pela falta de informação
16 Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres – DEAMs Pesquisa DataSenado. Senado Federal. 2016.
Disponível em: https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arquivos/rede-de-enfrentamento-a-violencia-
contra-as-mulheres-deams. Acesos em: 17 Jan. 2020

67
REFERÊNCIAS

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada


em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
Constituiçao.htm. Acesso em: 11 Jan. 2020.

BRASIL, Decreto – Lei nº. 4.657, de 4 de setembro de 1942 – Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657com-
pilado.htm. Acesso em: 11 Jan. 2020.

CAVALCANTE, Tatiana Maria Náufel. Cidadania e Acesso à Justiça. Disponível em: file:///E:/
novo%20artigo/Cidadania_e_Acesso_a_Justica.pdf. Acesso em: 13 Jan. 2020.

CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA


CONTRA A MULHER, “CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ”. 9 Jun. 1994. Disponível em:
http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/m.Belem.do.Para.htm. Acesso em: 14 Jan. 2020.

CRUZ, Madge & COSTA, Francisco. Os Direitos Humanos das Mulheres e os Crimes Sexu-
ais: Realidade e Possibilidades da Produção da Prova para o Pleno Acesso à Justiça. (2006).
Revista da Faculdade de Direito UFPR. Disponível em: https://www.researchgate.net/publica-
tion/265920431_OS_DIREITOS_HUMANOS_DAS_MULHERES_E_OS_CRIMES_SEXUAIS_REALIDA-
DE_E_POSSIBILIDADES_DA_PRODUCAO_DA_PROVA_PARA_O_PLENO_ACESSO_A_JUSTICA. Acesso
em: 15 Jan. 2020.

EVA: Evidências sobre Violências e Alternativas para mulheres e meninas. Instituto Igarapé.
2019. Disponível em: https://eva.igarape.org.br/?utm_source=eurio.com.br&utm_medium=refer-
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JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo. Revista Estudos His-
tóricos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 18, p. 389-402, dez. 1996. ISSN 2178-1494. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2025>. Acesso em: 10 Jan.
2020.

LACERDA, Isadora Almeida. O conceito de violência contra a mulher no direito brasileiro.


2014. Disponível em: http://www.pucrio.br/pibic/relatorioresumo2014/relatorios_pdf/ccs/
DIR/DIRIsadora%20Almeida%20Lacerda.pdf. Acesso em: 13 Jan. 2020.

MASSULA, Letícia. A violência e o acesso das mulheres à justiça: O caminho das pedras ou
as pedras do (no) caminho. In: Vinte e cinco anos de respostas brasileiras em violência contra
a mulher: Alcances e Limites – São Paulo: Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, 2006, pp.
140-167. Disponível em: http://www.observatoriodeseguranca.org/files/leticiapdf.pdf. Acesso
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MINAYO, Maria Cecília de Souza. Laços perigosos ente machismo e violência. 2005. Disponí-
vel em: https://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S141381232005000100005&script=sciart-
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NARVAZ, Martha Giudice e KOLLER, Sílvia Helena. Famílias e patriarcado: da prescrição nor-

68
mativa à subversão criativa. Psicol. Soc. [online]. 2006, vol.18, n.1, pp.49-55. ISSN 0102-
7182. Disponível em: http://www . scielo.br/pdf/psoc/v18n1/a07v18n1.pdf. Acesso em: 15
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do Federal. 2016. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arqui-
vos/rede-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres-deams. Acesos em: 17 Jan de 2020.

TELES, Maria Amélia de Almeida. O que são direitos humanos das mulheres. Coleção Primei-
ros Passos. São Paulo: Brasiliense, 2007.

69
A (SUB)REPRESENTATIVIDADE FEMININA NO PODER PÚBLICO:
ESFORÇOS PARA GARANTIA, PROMOÇÃO E AMPLIAÇÃO DOS
DIREITOS DAS MULHERES POR MEIO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Natália Dozza
Bacharel em Direito pela PUC/SP, especialista em Direito
Constitucional pelo COGEAE PUC/SP e Mestre em Direito Cons-
titucional pela PUC/SP. Advogada com vasta especialização em
Direito Constitucional, Administrativo, Civil e Contratual, além de
atuante nos projetos OAB Elas por Elas e Mapa do Acolhimento

SUMÁRIO

Introdução
1. Breve histórico da participação feminina no processo democrático
1.1 Surgimento e desenvolvimento do ideal democrático e do voto feminino
1.2. A evolução do voto feminino no Brasil
2. Divisão de Poderes e participação feminina nas esferas de poder
2.1. Participação feminina nos Poderes Legislativo e Executivo
2.2. Participação feminina no Poder Judiciário
3. Desdobramentos da subrepresentação feminina nas esferas do Poder Público
4. Conclusões
Referências bibliográficas

70
RESUMO
O presente trabalho tem por escopo avaliar a participação das mulheres no jogo democrá-
tico, não só no que diz respeito ao reconhecimento do seu direito de votar e ser votada, mas,
principalmente, em face do número de assentos ocupados nos poderes legislativo, executivo
e judiciário. Com base em uma breve análise de conceitos de representatividade e alternância
de poder diante dos números e percentuais de participação das mulheres em cada esfera de
poder, discutir-se-á se a democracia está conseguindo exercer sua função contramajoritária,
assegurando às mulheres um espaço para discussão e tomada de políticas públicas essenciais
à garantia e promoção de uma agenda pública voltada para interesses da população feminina.
Em termos de desenvolvimento do trabalho, a pesquisa se debruça sobre informações
empiricamente levantadas, cotejando-as com o atual cenário de representação feminina no
processo democrático, sugerindo, ao final medidas propositivas de mudanças estruturais e
culturais para melho recepção das mulheres no Poder Público.

PALAVRAS-CHAVES
Democracia – função contramajoritária da democracia – voto feminino – separação de
poderes – ações afirmativas

ABSTRACT
The present work aims to evaluate the participation of women in the democratic game,
not only with regard to the recognition of their right to vote and to be voted, but mainly, in
view of the number of seats occupied in the legislative, executive and judicial branches. Based
on a brief analysis of concepts of representativeness and alternation of power in view of the
numbers and percentage of participation of women in each sphere of power, discuss whether
democracy is managing to exercise its countermajoritarian role, ensuring in women a space for
discussion and decision-making. essential public policies to guarantee and promote a public
agenda geared to the interests of the female population.
In terms of work development, a survey shows details about empirically raised informa-
tion, such as the current scenario of female representation in the democratic process, sug-
gesting, and the final proposed measures of strategic and cultural changes for the return of
women in the Public Power.

KEYWORDS
Democracy - democracy against majority - female vote - separation of powers - affirma-
tive actions

71
INTRODUÇÃO

Quando Simone de Beauvoir diz que Público, ainda se vê profunda resistência ao


“ninguém nasce mulher, torna-se mulher” de- ingresso de mulheres na vida pública, manten-
certo não estava se referindo às mudanças do-se a esmagadora maioria dos cargos públi-
trazidas com a puberdade, tampouco com os cos nas mãos dos homens.
rituais envolvendo os já ultrapassados bailes
Ao longo dos anos, ações afirmativas
de debutante. A essência do pensamento vol-
assecuratórias da participação de mulheres
tava-se, sem dúvida, ao fato de que enquanto
no processo eleitoral permitiram um tímida,
o homem, simplesmente por ser homem, era
porém, constante inserção feminina nas elei-
titular de uma gama de direitos, prerrogativas
ções, no entanto, ainda são poucas as que
que lhe garantia posição de destaque e poder
conseguem se eleger. No mais, a eleição em
na sociedade, a mulher, por sua vez, teria que
si também não é garantia de exercício de um
galgar e lutar por idêntico espaço e respeito
mandato feminino, eis não estar a pauta legis-
em seu seio social.
lativa aberta à discussão de uma agenda femi-
Trocando em miúdos, à mulher eram nina.
reservadas as atribuições domésticas e ma-
Assim, ainda que hoje tenhamos um nú-
ternas, enquanto ao homem eram garantidos
mero de congressistas muito mais expressivo
amplos caminhos e opções. Após anos de ba-
do que aquele verificado no início da redemo-
talha, as mulheres conseguiram relativa posi-
cratização, as políticas públicas seguem pou-
ção de destaque, ocupando, hoje, lugares de
co voltadas à defesa dos direitos e interesses
chefia, tanto no ambiente de trabalho como
femininos.
dentro do lar, sendo responsáveis pela ge-
rência e comando de diversas empresas, bem Além da resistência e preconceito da par-
como pelo sustento de suas famílias. te de outros parlamentares – os quais insistem
em diminuir a posição das colegas eleitas -, as
Não obstante sejam inegáveis os avan-
congressistas acabam não conseguindo apro-
ços conseguidos em um curto espaço de
var e ou mesmo dar seguimento a projetos de
tempo, a participação feminina em cargos do
interesse feminino, seja por falta de repercus-
Poder Público ainda é bastante reduzida, si-
são eleitoral, seja porque assuntos relativos
tuação esta que produz efeitos diretos sobre
à agenda feminista acabam por resvalar em
as futuras conquistas feministas, eis que, sem
tabus sociais (tais como discriminalização do
representatividade nos órgãos responsáveis
aborto, igualdade salarial e recrudescimento
pelas tomadas das decisões que ordenam e
da legislação envolvendo violência domésti-
disciplinam os caminhos do Estado, a vida pú-
ca).
blica seguirá sem a oitiva das vozes de tantas
mulheres, as quais permanecerão distantes De qualquer modo, é preciso analisar a
dos meios e ferramentas para efetiva promo- representatividade feminina no Poder Público
ção dos mudanças tão indispensáveis ao es- e como esta tem interferido na produção de
tabelecimento de uma real igualdade entre os políticas públicas para mulheres, avaliando-se,
gêneros. também, meios para promoção do aumento
no número de assentos ocupados por mulhe-
Em outras palavras, para que o movi-
res com vistas à garantia de uma pauta verda-
mento feminista possa seguir seu rumo para o
deiramente feminista.
futuro e assim buscar as mudanças que ainda
pendem de realização é indispensável o pre-
enchimento de cargos por mulheres também
junto ao Poder Público.
Malgrado seja inegável a necessidade de
maior representatividade feminina no Poder

72
1. BREVE HISTÓRICO DA PARTICIPAÇÃO FEMININA NO PROCESSO
DEMOCRÁTICO

De princípio, é preciso derrubar a definição tam resistência nos orgãoes de cúpula e de poder,
de democracia como sendo o governo da maio- sendo, em termos de participação política, a mi-
ria. Considerada a elevada posição ocupada pe- noria. Logo, e dada essa histórica subrepresenta-
los direitos fundamentais no atual ordenamento tividade, o modelo democrático hoje adotado no
constitucional, tem-se que estes funcionam como Brasil funciona, como preconiza a doutrina, como
um núcleo substantivo de competência negativa1, um trunfo contra a maioria, devendo, portanto,
assegurando a minoria derrotada área livre de in- ser exercido de forma a permitir a maior partici-
terferência da vontade democrática e, portanto, pação possível dos diversos grupos sociais, espe-
protegida de supressões ou alterações que po- cialmente, das mulheres.
deriam acabar tolhendo por completo a partici-
pação, interesses ou direitos de um determinado Para melhor compreensão do raciocínio
grupo minoritário. defendido, fundamental o breve estudo do
conceito de democracia e do ingresso femini-
Curiosamente, as mulheres não são – nem no do jogo democrático.
no Brasil, nem no mundo – a minoria dos gêne-
ros, entretanto, por terem sido por tantos anos
excluídas do processo político, ainda hoje enfren-

1.1. SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DO IDEAL DEMOCRÁTICO E


DO VOTO FEMININO

O berço da democracia remota à Grécia An- decisões propostas e votadas pela maioria desta
tiga – anos 508-507, a. C. -, mais especificamente, assembleia.
à Atenas, de Clístenes, surgindo como uma opção
antagônica à oligarquia e à aristocracia, até então Não se pode olvidar que a democracia ate-
únicas formas de organização das cidades-Estado niense era, a bem da verdade, bastante exclu-
(pólis)2. Ao revés da formas de governo precurso- dente, vez serem cidadãos – e, portanto, aptos a
ras, o modelo democrático aristotélico, propunha participar do processo democrático -, apenas os
uma reorganização das forças políticas, cabendo homens, com mais de 20 anos e proprietários de
ao povo o poder de decidir os rumos políticos da terras, sendo tolhidos de qualquer processo de-
pólis ateniense3. mocrático mulheres, escravos e estrangeiros.

Com efeito, a palavra democracia advém do Assim, o governo do povo era, na verdade,
grego dèmokratia, no qual demos = povo, e kratos de uma determinada parcela deste, retiradas as
= força, poder; unindo-se ambos, tem-se, literal- minorias que, se somadas, ultrapassavam conside-
mente, o “poder do povo”, a soberania popular, a ravelmente o número de pessoas da dita maioria.
qual era exercida pela ocupação dos poucos car- Para se ter uma ideia da concentração de poder
gos administrativos e judiciais por cidadãos alea- então permitida pelo primeiro modelo democráti-
toriamente escolhidos e por uma assembleia com- co implantado, estima-se que dos entre 200.000
posta por todos os cidadãos atenienses, aos quais e 400.000 habitantes atenienses nos primórdios
eram garantidos tanto o direito à palavra como ao da democracia, algo entre 30.000 e 60.000 eram
voto. Assim, o poder de tomada das decisões polí- tidos como cidadãos, cabendo a estes poucos a
ticas da pólis e a elaboração das leis era fruto das determinação dos rumos políticos de toda aquela

1 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 22.
2 RAAFLAUB, Kurt A.; OBER, Josiah; e WALLACE, Robert W. Origin of Democracy in Ancient Greece, University of California Press,
2007, pp. 105-107.
3 ARISTÓTELES, A Política, 15ª ed., São Paulo, Ed. Escala, pp. 70-71.

73
sociedade4. homens. A descoberta da sua força de trabalho e
revolta em face das injustiças as quais eram sub-
Introduzida a base do ideal democrático, a metidas no ambiente de labor, despertaram nas
noção de representatividade vem com John Lo- mulheres o desejo de participação no jogo políti-
cke, nos idos do século XVII5. Para este, o processo co, até mesmo como forma de combate às desi-
político seria melhor organizado se cidadãos dele- gualdades de gênero dentro das fábricas.
gassem esta tarefa a representantes previamente
escolhidos, podendo, dessa maneira se dedicar às O primeiro país democrático a reconhecer
suas atividades privadas. Vale ressaltar que, além o direito ao sufrágio feminino foi a Nova Zelân-
do conceito de representatividade, Locke também dia, no ano de 1893, após uma intensa luta lide-
já pensava na alternância entre eleitos, decerto rada pela feminista neozelandesa Kate Sheppard.
por vislumbrar a necessidade de uma constante Seguindo o caminho neozeolandês, um intenso
“reciclagem” de ideias. movimento pelo sufrágio feminino surgiu na In-
glaterra no ano de 1897, sendo o direito ao voto
Surge assim, o embrião do que seria a demo- feminino conquistado no ano de 19186.,
cracia atual, modelo político este a guiar a maioria
dos governos mundiais e que, mesmo tendo fa- Paulatinamente, mulheres de todo o mundo
lhas, segue aparentando ser a melhor alternativa passaram a reivindicar o seu direito ao voto em
política para organização das diversas sociedades, seus países e, mais do que isso, à efetiva parti-
em toda sua complexidade. ciapção democrática, com a garantia de assentos
em órgãos públicos e pautas legislativas femini-
Impende lembrar que, neste ponto, a parti- nas. Esta luta foi impulsionada pela IV Conferência
cipação das mulheres no processo democrático Mundial sobre a Mulher, a qual ficou conhecida
ainda era vedada e o seguiria sendo por muitos como a “Conferência de Beijing” e foi um marco
anos, sendo questionáveis, portanto, as idéias de no tema de mulheres na política7. A Conferência
representatividade e alternância de poder, eis que foi a quarta organizada pela ONU para debater
um grupo considerável de pessoas estava sendo igualdade de gênero (Cidade do México, 1975;
tolhido por completo das tomadas de decisão, Copenhague, 1980; Nairóbi, 1985) e, depois dela,
permanecendo o Poder Público e a soberania po- passaram a ter revisões a cada 5 anos8.
pular na mão de um grupo determinado e fechado
de cidadãos: os homens. O último país a reconhecer o direito das mu-
lheres como eleitoras e candidatas foi a Arábia
O movimento sufragista feminino começa a Saudita, em 20159.
ganhar força com a Revolução Industrial, a qual in-
troduz a mulher no mercado de trabalho, em con-
dições infinitamente desvantajosas em relação os

1.2. A EVOLUÇÃO DO VOTO FEMININO NO BRASIL

Fato curioso: não obstante fosse inegável a tinção de gênero10.


intenção de manter-se voto como evidentemen-
te censitário, a Constituição Federal de 1981 traz Tão logo algumas senhoras se mostram an-
em seu bojo previsão ambígua quanto à possibi- siosas com a expectativa de participarem efetiva-
lidade de participação das mulheres no processo mente dos rumos da República, o Congresso Na-
eleitoral, haja vista prever apenas serem eleitores cional, pela via legislativa, cuidou de especificar
aptos todos aqueles maiores de 21 anos, sem dis- que o direito de votar e ser votado permanecia
apenas com os homens11.

4 RAAFLAUB, Kurt A.; OBER, Josiah; e WALLACE, Robert W. Op. cit., pp. 125.
5 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil e outros escritos. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 50.
6 Disponível em https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-foi-o-movimento-sufragista/ - Acesso em 13/02/2020.
7 SOUZA, Fernanda Thomazella de. Representação feminina no Poder Legislativo: cotas eleitorais de gênero e a função do partido polí-
tico. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019, p. 32.
8 Portal da ONU Mulheres: http://www.unwomen.org/en/how-we-work/intergovernmental-support/world-conferences-on-women Acesso
em 13/02/2020
9 Disponível em http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/12/mulheres-votam-pela-primeira-vez-em-eleicoes-na-arabia-saudita.html -
Acesso em 13/02/2020
10 Art 70. São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei.
11 LISBOA, Silvia, 70 mulheres que mudaram o mundo. Dossiê Superinteressante. São Paulo, 2019, p. 35.

74
Mas a manobra parlamentar não seria sufi- mente correta, do direito das mulheres de votar e
ciente para barrar o início do movimento sufra- ser votada, cabendo a Bertha Lutz participação no
gista brasileiro, o qual teve em Leolinda Daltro grupo de pesquisadores e elaboradores do novo
seu maior expoente. Em 1910, a baiana radicada Código Eleitoral.
no Rio de Janeiro fundou e liderou, clandestina-
mente, o Partido Republicano Feminino. Inspira- Já em fevereiro de 1932, foi instituído, de
das em Leolinda, a paulista Bertha Luz organizou forma facultativada, o direito das brasileiras de
o primeiro congresso feminista do país (Federa- poder participar da escolha dos seus candidatos,
ção Brasileira pelo Progresso Feminino), enquanto o qual já valeu para a Assembleia Constituinte em
Celina Guimarães Viana, em 1927, se tornaria a todo o país. Somente em 1934, o direito ao voto
primeira mulher a se registrar para votar, aprovei- feminino foi transformado em dever, permane-
tando uma lacuna na Constituição Estadual do Rio cendo desta forma até os dias de hoje14.
Grande do Norte12. Em uma última nota histórica, Leolinda Dal-
Infelizmente, o voto de Celina e de outras tro chegou a se candidatar para concorrer ao cargo
mulheres potiguares acabaria sendo anulado pelo de deputada federal na Constituinte convocada
Senado Federal, sob o pretexto de ser necessá- por Getúlio Vargas, no entanto, um atropelamen-
ria alteração normativa mais profunda, de modo a to lhe ceifaria a vida antes que pudesse colher os
disciplinar a matéria a nível federal13. frutos da sua militância.

Em 1930, foi iniciada a discussão do o pro-


jeto que acabaria por resultar na previsão, formal-

2. DIVISÃO DE PODERES E PARTICIPAÇÃO FEMININA NAS ESFERAS


DE PODER

A Revolução Francesa, enquanto movimen- Pois bem, são três os poderes reconhecidos:
to político e social, pretendeu a completa ruptura (i) o legislativo, o qual, formado pelo Parlamento,
com as bases do Antigo Regime, sendo parte in- e o responsável pela confecção das normas de di-
dissolúvel deste o Estado Absolutista. A concen- reito de abrangência geral ou individual a serem
tração de todas as facetas do poder na mão de um aplicadas à sociedade e ao Estado; (ii) o executivo,
único representante havia se mostrado terreno a quem compete de governar o Estado, adminis-
fértil para desmandos e tiranias, bem como para trando os interesses e as coisas públicas, no es-
a instituição de privilégios para poucos em detri- trito cumprimento das suas atribuições e funções
mento do bem-estar de muitos. legalmente estabelecidas; e (iii) o judiciário, em
linhas gerais, cabe a função de apaziguar conflitos
Neste contexto, propõe Montesquieu a se- e dizer o direito aplicável em situações envolven-
paração dos poderes estatais em três partes dis- do discussões entre particulares ou mesmo entre
tintas, harmônicas e independentes, porém, in- o Estado e particulares17.
terligadas15. Modernamente, reconhece-se que,
muito embora sejam independentes um dos ou- No Brasil, os componentes dos poderes le-
tros, os poderes se controlam mediante o exercí- gislativos e executivo são eleitos pela população,
cio de mecanismos de checks and balances16, en- enquanto os membros do poder judiciário são
tretanto, como tais conceitos são de pouca valia aqueles aprovados em concurso público especí-
para os fins deste artigo, não serão explicados de fico para tanto.
forma mais pormenorizada.
Feita esta breve explanação, passa-se a ex-

12 Disponível em https://www.politize.com.br/conquista-do-direito-ao-voto-feminino/ - Acesso em 13/02/2020.


13 Idem.
14 LISBOA, Silvia. Op. cit.
15 MONTESQUIEU, Complete Works, vol. 1 (The Spirit of Laws). oll.libertyfund.org. Consultado em 15/02/2020.
16 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Tradutor Nelson Boeira, coleção Justiça
e direito, p. 152.
17 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Poder judiciário: crises, acertos e desacertos. Trad. Juarez Tavares. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1995, p. 220.

75
plicar como se dá a participação das mulheres em à defesa de uma pauta feminina – legislativa, exe-
cada esfera de poder e as razões pelas quais a su- cutiva e judiciária – de fato eficiente.
brepresentação feminina dentro de cada uma das
facetas alhures indicadas é extremamente nociva

2.1. PARTICIPAÇÃO FEMININA NOS PODERES LEGISLATIVO E


EXECUTIVO

Conforme dados colhidos pelo IBGE em tramajoritária da democracia, eis assegurar voz às
2018, a população brasileira – formada por apro- minoriais e seus interesses, protegendo-os de mu-
ximadamente 210 milhões de habitantes – é com- danças que, ainda que apoiadas por uma maioria,
posta da seguinte forma: 51,7%, de mulheres; e possam tolher por completo direitos fundamen-
48,3%, de homens. Logo, são quase 6 milhões a tais do grupo minoritário.
mais de mulheres, o que torna o grupo, indubita-
velmente, a maioria dos habitantes18. Contudo, para que a democracia possa de
fato funcionar como um trunfo contra a maioria,
Se tomarmos os números de eleitores, as um mínimo de representatividade deve ser garan-
mulheres seguem sendo maioria. Na década de tido, situação esta que, dos dados empíricos já
70, apenas 35% do eleitorado era composto por apresentados, evidentemente não se verifica.
mulheres, no entanto, em 2006, as mulheres ul-
trapassaram a marca dos 50%, quebrando a he- Da mesma forma, a necessária alternância
gemonia do eleitorado masculino. Em 2018, o de representantes não se faz presente, permane-
percentual de mulheres no eleitorado brasileiro cendo nas cadeiras legislativas os mesmos par-
cresceu para 52%19. lamentares – ou grupos de parlamentares – que
há anos estão no Parlamento, o que dificulta so-
Não obstante o percentual de mulheres siga bremaneira a ascensão de novas pautas e ideias,
crescendo no eleitorado brasileiro, o número de especialmente aquelas encapadas por um grupo
mulheres eleitas não ascende na mesma propor- minoritário e que por décadas foi sumariamente
ção. Destarte, ainda que as mulheres sejam a excluído dos eixos de tomada de decisão.
maioria da população e do eleitorado, o número
de número de candidaturas femininas alcançou Melhor situação não se verifica na escolha
apenas 31,6% do total de registros para as últimas dos membros do Poder Executivo. Dos 38 Pre-
eleições20. sidentes da República, apenas um deles foi uma
mulher, valendo lembrar não ter esta conseguido
Considerado o número geral de parlamenta- concluir o seu mandato, tendo sido afastada do
res eleitos, apenas 16,20% das vagas foram pre- cargo em decorrência da sua submissão a um du-
enchidas por candidatas mulheres, sendo a parti- vidoso processo de impeachment.
cipação das mulheres na Câmara dos Deputados
é de 9% e, no Senado, de 10% do total de eleitos. Nas últimas eleições, o número de governa-
Logo, é evidente a subrepresentação feminina nas doras eleitas também foi irrisório. O Rio Grande
Casas Legislativas, as quais seguem sendo ocupa- do Norte, berço da primeira mulher eleitora do
das majoritariamente por homens21. Brasil, foi o único Estado a eleger uma mulher para
a função de Chefe do Poder Executivo Estadual22.
Conforme já salientado alhures, a represen-
tatividade é elemento característico dos governos Cabe ressaltar haver no Brasil ação afirmati-
democráticos modernos, especialmente por ser o va para a inclusão de mulheres no meio político, a
grande garantidor do desempenho da função con- qual se encontra consubstanciada no artigo 10, §

18 Disponível em https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18320-quantidade-de-homens-e-mulheres.html - Acesso em


15/02/2020.
19 Disponível em http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Marco/mulheres-representam-52-do-eleitorado-brasileiro - Acesso em
15/02/2020.
20 Disponível em http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2019/Marco/numero-de-mulheres-eleitas-em-2018-cresce-52-6-em-relacao-
-a-2014 - Acesso em 15/02/2020
21 RIBEIRO, Paulo Silvino. Participação da Mulher na vida política; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/socio-
logia/participacao-mulher-na-vida-politica.htm. - Acesso em 17/02/2020.
22 Disponível em https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/10/28/veja-quem-sao-os-27-governado-
res-eleitos-nas-eleicoes-deste-ano.ghtml - Acesso em 17/02/2020

76
3º da Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições)23, a qual próprio partido. Como não são raros os casos de
prevê a reserva de uma cota de candidaturas para candidatas-laranjas, a desconfiança e preconceito
mulheres dentro dos partidos políticos, sendo o com relação às candidaturas femininas crescem
atendimento a esta, inclusive, condição para a dis- entre o eleitorado, o qual acaba se vendo cada vez
ponibilização e fruição do Fundo Partidário. menos interessado na eleição de mulheres, quer
seja para cargos no Parlamento, quer seja para a
Malgrado tenham as cotas servido de incen- chefia do executivo.
tivo à participação de candidatas mulheres nas
eleições, vê-se que a ação afirmativa ainda não Vale anotar que, consoante dados Inter-Par-
conseguiu alcançar efeitos práticos significativos, liamentary Union, o Brasil é um dos piores países
haja vista o reduzido número de participantes efe- em termos de representatividade política femi-
tivamente eleitas. nina, ocupando o 3º lugar na América Latina em
menor representação parlamentar de mulheres.
Parte do problema se dá ao fato de ainda Conforme apurado, a taxa brasileira é de aproxi-
haver muito preconceito ao ingresso de mulheres madamente 10 pontos percentuais a menos que
na vida política, seja por parte dos partidos, seja a média global, estando praticamente estabilizada
por parte do próprio eleitorado. Assim, muitas das desde a década de 194025.
que conseguem vencer as barreiras internas e gal-
gar, pelas cotas, um lugar na disputa, acabam não Isto posto, por mais que algumas mudanças
tendo o apoio interno necessário para converter tenham sido notadas no percentual de participan-
sua candidatura em eleição. tes femininas e de eleitas, tais alterações ainda
não pouco signifiativas em termos de expectativa
No mais, muitos partidos acabam se apro- de representatividade das mulheres para os car-
veitando das cotas para conseguirem, por meio de gos públicos sujeitos ao processo eleitoral.
candidatas-laranjas24, burlar a legislação eleitoral e
levantar fundos para candidaturas masculinas ou
mesmo para propinas e outras ilicitudes dentro do

2.2. PARTICIPAÇÃO FEMININA NO PODER JUDICIÁRIO

Conforme pontuado alhures, para ocupação curso público, era de se esperar que a participa-
dos assentos perante poderes legislativo e exe- ção de homens e mulheres fosse mais igualitária,
cutivo, as mulheres devem, tal como os homens, especialmente por serem as mulheres maioria no
se submeter ao trâmite democrático de eleição cursos jurídicos26.
de representantes. Dada a histórica exclusão das
mulheres do processo de tomada de decisões, No entanto, não é esse o quadro que se vê
mesmo com a existência de ações afirmativas a na prática.
garantir uma cota de participantes femininas nas Consoante dados levantados, em 2019, por
elaições, o Brasil ainda está longe de um número pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de
adequado e proporcional de eleitas, sendo evi- Justiça (CNJ), as mulheres são 56,6% do total dos
dente a subrepresentação feminina no Parlamen- servidores atuantes no Poder Judiciário nos últi-
to e na chefia do executivo. mos 10 anos.
Considerando serem os assentos perante Em contrapartida, os cargos de confian-
o poder judiciário preenchidos por meio de con- ça acabam sendo preenchidos, em sua maioria

23 Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Le-
gislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:
[...]
§ 3o Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o
máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.
24 Conforme Malu Gatto e Kristin Wyllie, em pesquisa feita sobre candidatas laranja e disponível em https://www.bbc.com/portuguese/
brasil-47446723 - Acesso em 17/02/2020
25 REZENDE, Daniela Leandro. Desafios à representação política de mulheres na Câmara dos Deputados. Estudos Feministas, Florianó-
polis, v. 23, n. 3, p. 1199-1218, set. 2017
26 Disponível em https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/participacao-de-mulheres-nas-
-carreiras-juridicas-07112017 - Acesso em 17/02/2020

77
(56,8%), por homens, assim como os postos na escolha de candidatos, sempre que houver espaço
magistratura são majoritariamente preenchidos para uma seletiva calcada em aspectos pessoais, a
por homens. Pontuados os últimos 10 anos, ape- questão de gênero acaba sendo um fato de discrí-
nas 37,6% dos juízes e desembargadores são mu- men a pesar de forma negativa às mulheres28.
lheres27.
Entre os magistrados, a disparidade, confor-
Do exposto, vê-se que o acesso feminino me já colocado, é ainda mais gritante. Ainda com
a posições de poder também é restrito no poder base na pesquisa realizada pelo CNJ, a Justiça
judiciário, não servindo o concurso público como do Trabalho (50,5%) e a Justiça Estadual (37,4%)
um seletor igualitário de participantes. são as com maiores percentuais de mulheres na
magistratura em atividade. Por outro lado, nos
No que tange a distribuição dos servidores Tribunais Superiores (19,6%) e na Justiça Militar
públicos, chama especial atenção o fato de que Estadual (3,7%) estão os menores índices de par-
mesmo sendo feminina a maioria dos atuantes, os ticipação feminina.
cargos de chefia – portanto, de poder e melhor
remunerados – são em grande parte ocupados A fim de melhor ilustrar a destoante pre-
por homens, a reforçar a perpetuação da histó- sença de homens e mulheres no Poder Judiciário,
rica exclusão das mulheres dos postos de maior veja-se o mapa abaixo, o qual indica o percentual
prestígio e reconhecimento. Trocando em miúdos, de desembargadoras nos Tribunais de Justiça da
mesmo quando há meios, em tese, isonômicos de federação29:

Voltando as atenções ao Tribunal de Justiça cipação feminina se deu somente no 146º Con-
do Estado de São Paulo (TJSP), a primeira parti- curso de Ingresso na Magistratura, quando dos 71

27 Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/05/cae277dd017bb4d4457755febf5eed9f.pdf - Aces-


so em 15/02/2020.
28 MELO, Mônica de; NASTARI, Marcelo; MASSULA, Letícia. A participação da mulher na magistratura brasileira. Revista Jurídica
Virtual - Brasília, 6(70), 2005.
29 Disponível em https://www.conjur.com.br/2019-ago-27/dificuldade-mulher-avancar-magistratura-independe-regiao - Acesso em
17/02/2020

78
aprovados 68 eram homens (95,77%) e três eram posição mais elevada já ocupada por uma mulher
mulheres (4,23%)30. dentro do TJSP data do recente ano 2018, quando
a desembargadora Maria Cristina Zucchi foi eleita
Vale destacar datar a existência do TJSP aos para compor o Órgão Especial31.
idos de 1874, não tendo nunca sido eleita uma
desembargadora para a Presidência do Tribunal. A

3. DESDOBRAMENTOS DA SUBREPRESENTAÇÃO FEMININA NAS


ESFERAS DO PODER PÚBLICO

De todo o exposto, vê-se de forma clara a Prova do que se alega está no conjunto de
subrepresentação feminina nas diversas esferas políticas públicas adotadas para coibir a violên-
do Poder Público. Não obstante as mulheres se- cia domésticas. Conquanto tenha sido a Lei nº
jam maioria da população e do eleitorado, não 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) um marco, in-
conseguem garantir maioria nos assentos do Par- clusive mundial, no combate às agressões prati-
lamento, tampouco nas cadeiras de chefe do Po- cadas contra as mulheres, suas previsões encon-
der Executivo. tram-se ultrapassadas, seja pela complexidade
das relações interpessoais e familiares, seja por-
Corolário lógico desta falta de representati- que sua aplicação pura e simples, desassociada de
vidade feminina é a pouca visibilidade e efetivida- medidas educativas e de conscientização, pouco
de dada à agenda de preocupações efetivamente faz em termos de prevenção e redução das taxas
feministas, sendo discussões e proposições - tan- de violência.
to legislativas como executivas - voltadas à ga-
rantia de direitos e prerrogativas dos direitos das Da mesma forma, tem-se ser essencial uma
mulheres constantemente ignoradas ou tratadas maior participação feminina no poder judiciário.
sem a devida atenção. Número significativo das demandas levadas à
apreciação dos magistrados são ajuizadas por mu-
Não se nega a possibilidade de parlamenta- lheres e envolvem assuntos estritamente relacio-
res homens tratarem com eficiência de assuntos nados com a agenda feminina e que não se rela-
legislativos interessantes ao eleitorado feminino, cionam somente com a Lei Maria da Penha (ações
entretanto, a própria essência do debate se perde de guarda e alimentos, indenização por danos mo-
se o grande público alvo da medida não tiver re- rais e outras).
presentantes nas câmaras legislativas, comissões
e demais grupos de estudo atinentes ao projeto. No mais, aspectos comumente tidos como
contrários à participação das mulheres na ativida-
Da mesma forma, e lembrando-se que o ide- de judiciária (sensibilidade e aproximação com o
al democrático moderno tem na representativida- jurisdicionalizado), são, a bem da verdade, pontos
de e alternância de poder suas pedras de toque, favoráveis e que tornam a participação femininina
é indispensável uma maior presença feminina nas no poder judiciário essencial a uma prestação ju-
cadeiras do poder executivo, seja este a nível fe- risdicional e equilibrada, seguindo uma tendência
deral, estadual ou municipal, justamente para que por um posicionamento mais humano nas deci-
seja garantida uma efetiva troca de ideias e de sões judiciais32.
pontos de vista na administração pública.
Hodieranamente, o que se percebe das ações
do poder parlamentar, bem como daquelas oriun-
das do poder executivo, é uma constante desídia
e desconhecimento das reivindicações e necessi-
dades feministas, sendo que muito deste descaso
decorre do preconceito decorrente da simples fal-
ta de empatia e ciência dos direitos, dificuldades e
da atual situação das mulheres no Brasil.

30 Disponível em https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=55993 – Acesso em 17/02/2020.


31 Disponível em https://www.tjsp.jus.br/QuemSomos/ExPresidentes/P1874a1900 - Acesso em 17/02/2020.
32 SADEK, Maria Tereza. Magistrados: uma imagem em movimento. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 45.

79
4. CONCLUSÕES

a) as mulheres foram historicamente ex- res;


cluídas do processo de tomada de decisões
h) para além dos poderes legislativo e
desde os primórdios do ideal democrático,
executivo, as mulheres também seguem su-
passando pela Revolução Francesa até os idos
brepresentadas no poder judiciário, ainda que
da Revolução Industrial;
a seleção para este se dê por meio de concur-
b) no período pós Revolução Industrial e so público.
pós inserção das mulheres na atividade ope-
i) muito embora sejam maioria nos cur-
rária, as diferenças nos tratamentos entre
sos jurídicos, as mulheres não conseguem
homens e mulheres, tanto nas fábricas como
ocupar a maioria dos cargos da magistratura,
nos demais âmbitos sociais, se faz ainda mais
tampouco ocupam o maior número de cargos
perceptível e passa a incomodar um grupo
de chefia e/ou de confiança nos Tribunais, fi-
de mulheres que passa a perceber e a buscar
cando renegadas à posição de servidoras pú-
maior participação no jogo democrático;
blicas sem maiores reconhecimentos, poder
c) o movimento sufragista evolui de for- ou remuneração, em situação que em muito
mas diferentes a depender do local no qual se se aproxima daquela verificada na carreira pri-
encontra, momento político do país e caracte- vada;
rísticas sociais, econômicas e culturais daque-
j) assim, as mulheres seguem excluídas
la sociedade. A Conferência de Beijing é, den-
do processo de tomada de decisões, eis não
tro deste contexto, um esforço coletivo pela
conseguirem traduzir em representação pe-
promoção dos direitos das mulheres, inclusive
rante quaisquer dos poderes a sua maioria em
no âmbito político;
termos de número de habitantes, o que fere
d) no Brasil, o movimento sufragista se de morte a função contramajoritárida da de-
aproveita de lacunas normativas para se orga- mocracia, bem como inviabiliza a adoção de
nizar e exercer pressão política pelo reconhe- uma agenda pública calcada em políticas que
cimento do direito ao voto feminino, o que de fato atendam aos anseios, interesses e pre-
acaba ocorrendo durante a Era Vargas; ocupações femininas dos dias de hoje;
e) malgrado não tenha sido o Brasil um l) para correção do problema apontado,
dos últimos países a reconhecer e garantir além da manutenção e melhor desenvolvi-
proteção constituicional ao voto feminino, mento e fiscalização das políticas públicas já
ainda é um dos países com menor representa- existentes, também se faz necessária adoção
tividade feminina no Poder Público; de medidas afirmativas e propositivas por uma
mudança cultural quanto ao papel da mulher
f) logo, vê-se que as ações afirmativas
na sociedade e no jogo político, reconhecen-
adotadas com vistas à promoção da necessá-
do seu protagonismo e a indispensabilidade
ria representatividade e alternatividade entre
de lhe serem conferidas iguais assentos em
os representantes democraticamente eleitos
todas as esferas do Poder Público.
ainda não surtiu os efeitos práticos espera-
dos, permanecendo as mulheres (maioria em
habitantes e em eleitorado) subrepresentadas
no jogo democrático;
g) o preconceito e as barreiras históricas
e sociais são grandes entraves à aceitação de
mulheres no Parlamento e na chefia do poder
executivo, o que afasta das mesas legislativas
temas da agenda feminista, essenciais à pro-
moção de direitos e garantias para as mulhe-

80
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A) Livros

ARISTÓTELES, A Política, 15ª ed., São Paulo, Ed. Escala.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Tradutor Nel-
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Conforme Malu Gatto e Kristin Wyllie, em pesquisa feita sobre candidatas laranja e disponível
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tratura-independe-regiao - Acesso em 17/02/2020

Disponível em https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=55993 – Acesso em


17/02/2020.

Disponível em https://www.tjsp.jus.br/QuemSomos/ExPresidentes/P1874a1900 - Acesso em


17/02/2020.

82
83
DIREITO DAS MULHERES À IGUALDADE TRIBUTÁRIA
(PINK TAX)
Sintia Salmeron
Sócia da Leite Melo & Camargo Sociedade de Advogados.
Professora de Direito Tributário no AdLege Curso Jurídico em
Bauru. Monitora do curso de Especialização “Lato Sensu” em
Direito Tributário da Fundação Getúlio Vargas - FGVLAW - em
Bauru. Presidente da Comissão de Direito Constitucional da
OAB, Subseção de Bauru. Conselheira Suplente do Conselho de
Contribuintes do Município de Bauru. Mestre em Direito Cons-
titucional pelo Centro Universitário de Bauru mantido pela Insti-
tuição Toledo de Ensino. Especialista em Direito Tributário pelo
Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Graduada em
Direito pela Faculdade de Direito de Bauru da Instituição Toledo
de Ensino - ITE Bauru

Omar Augusto Leite Melo


Sócio da Leite Melo & Camargo Sociedade de Advogados.
Especialista em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Uni-
versitária – CEU. Mestrando em Direito Constitucional pelo Cen-
tro Universitário de Bauru mantido pela Instituição Toledo de En-
sino. Presidente da Comissão de Análise Econômica do Direito e
Jurimetria, Subseção de Bauru. Graduado em Direito pela Facul-
dade de Direito de Bauru da Instituição Toledo de Ensino - ITE
Bauru.

SUMÁRIO

1. Introdução
2. Análise da Igualdade Tributária de Gênero a Partir da Classificação dos Tributos de Acordo
com a sua Base Econômica de Incidência
3. Desigualdade na Tributação do Consumo de Produtos e Serviços Femininos
4. Desigualdade na Tributação da Mão de Obra Feminina, Especificamente com Relação à
Licença Maternidade
5. Conclusões
Referências

84
RESUMO

A Constituição Federal apregoa que homens e mulheres são iguais perante a lei, não
sendo, portanto, admitida nenhuma forma de discriminação. O Sistema Tributário Nacional
traz disposição semelhante afirmando, em seu artigo 150, inciso II, que é proibido a instituição
de tratamento desigual entre os contribuintes. Em que pese a existência destes dispositivos
constitucionais, o que se verifica é que, na realidade, esta igualdade não vem sendo praticada.
A discriminação com relação às mulheres tem se apresentado de várias formas, sendo a tribu-
tária uma delas. Com fundamento nisso e considerando a existência de inúmeros movimentos
pelo mundo visando ao combate à discriminação tributária das mulheres, faz-se necessário
um estudo sobre o tema levando em consideração a realidade e o sistema tributário brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE
Direito tributário. Tributação das mulheres. Direitos femininos. Pink tax. Tax woman. Gen-
der bias. Princípio da igualdade. Discriminação tributária entre homens e mulheres nos tributos
incidentes sobre consumo e salário.

ABSTRACT
The Federal Constitution preaches that men and women are equal before the law, the-
refore, no allowing forms of discrimination. The National Tax System has a similar prevision, in
its article 150, item II, there is no permission by law a institution of unequal treatment among
taxpayers. In spite of this existence of all constitutional provisions, nowadays, in reality, this
equality is not a practice. There is a discrimination against women in many forms, with taxation
being one of them. For this reason and considering the existence of numerous movements
around the world aiming for combat a tax discrimination against women, the study of this sub-
ject is important, and necessary also, considering the reality of the Brazilian tax system.

KEYWORDS
Tax law. Taxation of women. Women’s rights. Pink tax. Tax woman. Gender bias. Principle
of equality. Tax discrimination between men and women in taxes on consumption and wages.

85
1. INTRODUÇÃO

“Homens e mulheres são iguais em direi- Eis o propósito do presente trabalho: pro-
tos e obrigações” apregoa a Constituição Fe- pagar essa relevante temática e colaborar com
deral de 1988, logo no inciso I do seu artigo essa discussão acerca da tributação discrimina-
5º. Especificamente no campo tributário, o tória contra as mulheres no ordenamento brasi-
artigo 150, inciso II, do Texto Constitucional, leiro.2
reforça a vedação contra a instituição de “tra- Para tanto, serão apresentados dados que
tamento desigual entre contribuintes que se relatam o tratamento da legislação tributária bra-
encontrem em situação equivalente”. sileira sobre alguns produtos e serviços consumi-
dos exclusiva ou preponderantemente pelas mu-
A Constituição Federal, sem sombra de lheres, bem como o tratamento desigual contra a
dúvida, assegura o tratamento isonômico en- mão de obra feminina.
tre homens e mulheres, inclusive na tributa-
ção. Dito de outra maneira, não deve haver Neste diapasão, serão abordadas as tribu-
tações sobre o consumo (de produtos ou servi-
discriminação tributária em razão do gênero
ços femininos) e o salário (das empregadas do
da pessoa, de tal forma que os contribuintes, sexo feminino), com apresentação de argumen-
independentemente do seu sexo, merecem tos visando à supressão de tais inconstitucionali-
receber o mesmíssimo tratamento. dades, além de elogios às medidas tributárias já
Isso é, pelo menos, o que consta na Cons- encontradas em vigor no sistema tributário bra-
tituição da República Federativa do Brasil. Mas, sileiro.
na prática, será que a igualdade tributária entre
mulheres e homens está sendo respeitada pela
legislação infraconstitucional?
No Brasil, diante da inexistência de um tra-
tamento discriminatório explícito,1 ou seja, au-
sência de uma legislação que expressamente
tribute de modo diferente um contribuinte tão-so-
mente em razão do sexo, tal investigação precisa
ser mais profunda, no sentido de diagnosticar as
desigualdades implícitas encontradas no sistema
tributário nacional, que mascaram um peso tribu-
tário majorado contra as contribuintes femininas.
Esses estudos voltados à detecção e re-
moção da tributação desigual imposta contra as
mulheres, tratados como “pink tax”, “woman tax”
ou “gender bias”, têm crescido no mundo inteiro,
com avanços pelo menos no que concerne ao
apontamento de alguns tratamentos discrimina-
tórios inconstitucionais, além de despertar esse
debate até então adormecido.
1 “O mesmo não ocorre, por exemplo, na Argentina: os rendimentos de bens comuns ao casal são, como regra
geral, atribuídos ao homem – a discriminação é evidente, portanto” (PISCITELLI, Tathiane et al. Tributação e gênero.
Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/tributacao-e-genero-03052019. Acesso em: 30 jan. 2020).
2 Heleno Taveira Torres assim discursou acerca dos estudos envolvendo o tema da “tributação das mulheres”:
Portanto, estudar a tributação das mulheres e a repercussão da desigualdade tributária como fator prejudicial à
concretização do desenvolvimento, segundo os princípios do Direito Financeiro e do Estado Democrático de Direito,
a partir de uma metodologia interdisciplinar, numa exegese teleológica das normas fiscais, inclusive à luz do direito
comparado, assume-se como um dos temas mais ricos e atuais deste momento histórico. Quanto mais as oportunidades
sejam iguais e os custos do viver em sociedade sejam equilibrados, maior será a atividade econômica das pessoas
e melhor e mais favorável será o desenvolvimento de toda a sociedade (TORRES, Heleno Taveira. Desigualdade de
gênero e na tributação da mulher prejudicam desenvolvimento. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jun-12/
consultor-tributario-desigualdade-tributacao-mulher-prejudicam-desenvolvimento. Acesso em: 30 jan. 2020).

86
2. ANÁLISE DA IGUALDADE TRIBUTÁRIA DE GÊNERO A PARTIR DA
CLASSIFICAÇÃO DOS TRIBUTOS DE ACORDO COM A SUA BASE ECO-
NÔMICA DE INCIDÊNCIA

Há vários critérios sugeridos pela doutrina pelo filtro da constitucionalidade.


para se classificar os tributos: em razão da vin-
culação de uma prestação estatal (tributos vin- Todavia, a partir de recentes e importantes
culados e não vinculados); variação da alíquota estudos voltados para essa temática, têm sido
(progressivos ou não); quantidade de etapas de levantadas e questionadas algumas tributações
incidência (monofásicos, plurifásicos); finalidade desiguais contra as contribuintes mulheres.
(fiscal ou extrafiscal); repasse dos encargos (di- Na verdade, o debate em torno do assun-
retos ou indiretos); geração de créditos ou des- to - “tributação e mulheres”, que vem se propa-
contos em função das etapas anteriores (cumu- gado com os termos “pink tax”, “woman tax” ou
lativos e não cumulativos) etc. “gender bias” – não é algo novo. Durante a luta
Para o presente estudo, convém identificar feminista pelo direito ao voto ocorrida sobretudo
a classificação econômica adotada pelo próprio entre o final do século XIX e início do século XX,3
Código Tributário Nacional (CTN) em seu Título um dos argumentos levantados pelo movimento
III, quando separa os impostos sobre “comércio vinha exatamente deste viés tributário: como as
exterior” (artigos 19 a 28), “patrimônio e renda” mulheres poderiam ser obrigadas ao pagamento
(artigos 29 a 45), “produção e circulação” (arti- de tributos sem direito ao voto, violando, assim,
gos 46 a 73). Muito embora essa classificação um clássico fundamento ou pressuposto de legiti-
do Codex se refira apenas à espécie tributária midade da tributação, de que os tributos somente
dos impostos, há total compatibilidade de sua podem ser criados mediante representação po-
extensão também para as contribuições sociais, pular, ou seja, através dos seus representantes
eis que também incidem sobre essas bases eco- políticos que elaboraram e aprovaram a lei que
nômicas que exteriorizam sinais de riqueza e de instituiu o tributo? A tributação sobre as mulhe-
capacidade contributiva dos contribuintes, como res, então, aparecia como uma contradição ao
é o caso do PIS/COFINS-importação (comércio seu status precário e paradoxo de cidadã sem
exterior), CSLL (acréscimo patrimonial), cota pa- direito ao voto.4
tronal, SAT/RAT, terceiros (renda, especialmen- Nos Estados Unidos da América (EUA), a
te o salário), CIDE-combustível e o PIS/COFINS partir da década de 1970 surgiu um movimento
(produção e circulação). de estudo jurídico engajado exclusivamente nas
De acordo com a igualdade tributária ou a desigualdades de gênero, conhecida como teo-
igualdade geral de gênero, não pode haver um ria ou escola feminista do Direito, que participou
tratamento tributário diferenciado em razão do ativamente na legalização do aborto (liberado
sexo, que beneficie ou prejudique a mulher ou em 1973 pela Suprema Corte dos EUA no caso
o homem. Sob o critério do gênero, homens e Roe vs. Wade), na nomeação da primeira minis-
mulheres devem ter os mesmos direitos e deve- tra da Suprema Corte norte-americana em 1981
res tributários. Uma tributação que distorça esse (Sandra Day O’Connor, que ficou no cargo até
princípio constitucional tributário não passará janeiro de 2006), 5
conquista de direitos em favor

3 No Brasil, o sufrágio feminino foi conquistado a partir do Decreto nº 21.076/1932, consolidado na Constituição de
1934 e nas posteriores, inclusive na de 1988 (art. 14). No mundo, os primeiros países a reconhecerem o direito ao voto
para as mulheres foram a Nova Zelândia (1893) e a Finlândia (1906). Nos EUA, as mulheres conquistaram seu direito
de votar em 1919, a partir da Emenda Dezenove. Na América do Sul, o Equador foi o pioneiro nesse reconhecimento,
em 1929.
4 Tathiane Piscitelli, Andréa Mascitto, Raquel Preto, Betina Grupenmacher, Catarina Rodrigues, Daniela Silveira
Lara, Fernanda Ramos Pazello e Renata Correia Cubas explicam: “Sob o mote do lema da revolução civil americana
‘no taxation without representation’, muitas mulheres passaram a se recusar a pagar tributos sobre suas propriedades,
na medida em que a ausência do direito de escolha de seus representantes refletia uma invasão indevida em suas
vidas privadas” (PISCITELLI, Tathiane et al. Tributação e gênero. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/
artigos/tributacao-e-genero-03052019. Acesso em: 30 jan. 2020).

5 Atualmente, a Suprema Corte norte-americana conta com três ministras: Ruth Bader Ginsburg, Sonia
Sotomayor e Elena Kagan. A propósito, recentemente foi produzido um filme sobre a história da Ministra Ruth Bader

87
dos homossexuais, luta contra a pornografia e na
participação militar das mulheres.6
Mais recentemente, no final de 2019, o Fó-
De acordo com Ana Lúcia Sabadell, o estu- rum Econômico Mundial (WEF) divulgou em sua
do analítico e crítico acerca da posição das mu- página eletrônica9 um relatório sobre desigualda-
lheres no direito busca diagnosticar a possível ou de de gênero, ocupando o Brasil a 92ª posição fi-
provável “contribuição do sistema jurídico para nal no ranking mundial. No quesito específico da
a perpetuação dessas violações dos direitos da igualdade salarial, nosso País piora ainda mais
mulher”, através de “[...] leituras internas, relati- sua situação, caindo para 130ª posição!
vas à estrutura do direito positivo”, bem como de
“[...] leituras externas, relativas e às relações en- Ainda que não tenha uma conotação dire-
tre o direito e a cultura, machista/sexista”.7 tamente tributária, a Convenção nº 103 da Or-
ganização Internacional do Trabalho, que versa
Ao tratar da educação jurídica nos EUA, Ri- sobre o amparo à maternidade, ratificada pelo
chard Posner historiou o surgimento e desenvol- Brasil em 18/06/1965 e promulgada pelo Decreto
vimento da teoria feminista do direito: n° 58.820, de 14/07/1966 (poucos meses antes
do nosso CTN), vedou o repasse dos custos da
Até pouco tempo, a advocacia, em to- licença-maternidade para o patrão, com o fim de
das as suas vertentes, era uma profissão to- evitar o encarecimento da mão de obra feminina
talmente dominada por homens. A Faculda- em comparação com a masculina: “em hipótese
de de Direito de Harvard só passou a admitir alguma, deve o empregador ser tido como pes-
mulheres como aunas na década de 1950, soalmente responsável pelo custo das presta-
e a primeira juíza da Suprema Corte só foi ções devidas às mulheres que ele emprega”.
nomeada em 1981. Como resultado da es-
No item 4, do mesmo art. IV, a Convenção
cassez de mulheres em posições influentes nº 103 determina acerca da licença-maternidade:
na profissão e do papel de subordinação que,
via de regra, estas ocupavam na sociedade, 4. As prestações em espécie e a assistên-
o direito não refletia os interesses das mu- cia médica serão concedidas quer nos moldes
lheres, nem a perspectiva delas, a propósito de um sistema de seguro obrigatório quer me-
de um grande número de questões. Entre es- diante pagamento efetuados por fundos pú-
sas questões, estavam as normas probató- blicos, em ambos os casos serão concedidos
rias nos julgamentos por estupro, a venda e a de pleno direito a todas as mulheres que pre-
exibição de pornografia, o assédio sexual no encham as condições estipuladas.
trabalho, a discriminação sexual no trabalho
e nas instituições de ensino, as normas rela-
tivas ao divórcio e à guarda de crianças, as Ao seguir a referida convenção internacio-
restrições legais ao aborto e as adaptações nal, blindou-se o repasse do ônus (financeiro)
a serem feitas no local de trabalho para aco- da licença-maternidade para o empregador, con-
modar mulheres grávidas.8 sistente no custeio da remuneração da mulher
durante o seu período de afastamento licença-

Ginsburg, intitulado de “A Juíza”. Ainda sobre ela, conferir: FERNANDES, João Renda Leal. Notorious R.B.G. e o
poder de um voto divergente. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/notorious-r-b-g-e-o-poder-
de-um-voto-divergente-13022020. Acesso em: 14 fev. 2020. Vale lembrar que, no Brasil, a primeira ministra do Supremo
Tribunal Federal foi Ellen Gracie Northfleet, que atuou entre 2000 e 2011. Atualmente, o STF conta com duas ministras:
Carmen Lúcia Antunes Rocha (desde 2006) e Rosa Weber (2011).
6 A história conta a participação de mulheres no exército norte-americano durante a Guerra da Independência
(1775-1783), porém disfarçadas de homens. Em 1942, as Forças Armadas dos EUA criaram a primeira unidade feminina.
Recentemente, em 2015, as mulheres norte-americanas adquiriram o direito de concorrer por todos os empregos
militares, inclusive os postos de combate. Em 2018, pela primeira vez na história, uma mulher (Tenente-General Laura
J. Richardson) assumiu o maior comando do Exército norte-americano.
7 SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.
229.
8 POSNER, Richard Allen. Fronteiras da teoria do direito. Tradução de Evandro Ferreira e Silva, Jefferson Luiz
Camargo, Paulo Salles e Pedro Sette-Câmara. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011, p. XVI.
9 WORLD ECONOMIC FORUM. Global gender gap report 2020. Suíça, 2019. 371 p. Disponível em: http://www3.
weforum.org/docs/WEF_GGGR_2020.pdf. Acesso em: 12 fev.2020.

88
-maternidade. Esse custo, portanto, deve ser as- zindo a sua renda líquida em comparação com
sumido por um sistema público de seguro obriga- a dos consumidores (e contribuintes) homens.
tório (seguridade social). Agora, para se chegar a essa conclusão, é fun-
damental ter em mente que os tributos sobre
Por isso, a partir da vigência dessa norma consumo são indiretos, é dizer, o ônus tributá-
no ordenamento jurídico brasileiro, o custeio do rio não é economicamente assumido pelo con-
salário-maternidade, nos 120 (cento e vinte) dias tribuinte “de direito” (fornecedor do produto ou
de afastamento da empregada, passou a ficar a serviço), na medida em que é considerado, inclu-
cargo da Previdência Social e não do emprega- ído e repassado dentro no preço do produto ou
dor. A legislação brasileira observa essa regra, serviço, logo, transferido para o consumidor, que
transferindo apenas o pagamento para o empre- atua como um “contribuinte de fato”. Acerca dos
gador, que se credita do montante para fins de tributos indiretos, leciona Leandro Paulsen:
compensação automática (administrativa) com
débitos previdenciários.10 Tratando-se de tributos indiretos, as-
Conforme advertido, muito embora a licen- sim considerados aqueles relativamente aos
ça maternidade não seja um tema ou instituto quais o próprio legislador estabelece que se-
diretamente tributário, há uma evidente reper- jam destacados no domicílio fiscal de venda
cussão de natureza fiscal, na medida em que e que componham o valor total da operação,
o salário-maternidade (benefício custeado pela como é o caso do IPI, do ICMS e, via de re-
Previdência Social) entra na base de cálculo das gra, também do ISS, aplica-se o artigo 166
contribuições sociais incidentes sobre a folha de do CTN. Nesses casos, teremos duas figuras
salários, ou seja, na prática, o empregador acaba a considerar, a do contribuinte de direito e a
arcando com altos encargos tributários que re- do contribuinte de fato.
caem sobre essa licença, a saber: cota patronal
(20%), SAT/RAT (1% a 3%, dependendo do grau Contribuinte de direito é a pessoa que,
de risco da atividade) e terceiros (5,8%). por realizar o fato gerador, é obrigada por lei
ao pagamento do tributo. Contribuinte de fato
Consequentemente, em comparação com o
trabalhador do gênero masculino, a mão de obra é outra pessoa que, não estando obrigada a
feminina sofre um tratamento tributário majorado efetuar o pagamento do tributo perante o fis-
durante o período de licença-maternidade. Daí co, suporta indiretamente o ônus da tributa-
a necessidade de uma abordagem sobre a (in) ção na medida em que a ela é repassada a
constitucionalidade da incidência de contribui- carga tributária.11
ções sociais sobre a licença-maternidade, que
será enfrentada doravante. Dessa forma, uma tributação sobre o
consumo que, em última instância, deságua
Por outro lado, no que concerne à tributa- para renda da consumidora de produtos e ser-
ção sobre o consumo de produtos e serviços, há viços exclusiva ou preponderantemente femi-
pesquisas e estudos que revelam um tratamen- ninos, pode ensejar também um tratamento
to tributário discriminatório contra as mulheres, tributário desigual entre homens e mulheres.
levando ao encarecimento daqueles produtos
e serviços de consumo exclusivo ou preponde- Estudo divulgado pelo INESC – Instituto de
rantemente feminino. Em outras palavras, essa Estudos Socioeconômicos em 201412 expõe a
distorção tributária detectada no consumo tem perversidade da tributação sobre o consumo no
por consequência final uma obrigação tributária País, concluindo que a contribuinte mulher, ne-
majorada contra as contribuintes mulheres, redu- gra e pobre é quem mais paga tributos no Brasil!

10 Assim estatui o art. 72, §1º, da Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios Previdenciários): “Cabe à empresa pagar
o salário-maternidade devido à respectiva empregada gestante, efetivando-se a compensação, observado o disposto
no art. 248 da Constituição Federal, quando do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e
demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço”. O §3º ressalva que
essa regra não se aplica aos empregadores microempreendedores individuais (MEI).
11 PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p.
234.
12 SALVADOR, Evilásio. As implicações do sistema tributário brasileiro nas desigualdades de renda. INESC: Brasília,
2014. Disponível em: https://www.inesc.org.br/wp-content/uploads/2019/04/Sistema_tributario_e_desigualdades_
evilasio.pdf. Acesso em: 30 jan. 2020.

89
Ou seja, o estudo denuncia três graves desigual- da do referido estudo do INESC, demonstra que,
dades simultaneamente geradas pela tributação na base da pirâmide, ou seja, dos 10% mais po-
sobre o consumo em nosso país: contra os po- bres (onde 68,06% são negros), a carga tributá-
bres (que detém menor capacidade econômica, ria atinge 32%. Nesta faixa, as mulheres negras
criando um cenário regressivo diametralmente são o maior grupo contribuinte, 35,59%. No outro
oposto àquele determinado pela Lei Maior),13 extremo, dos 10% mais ricos (83,72% são bran-
contra os negros (discriminação racial)14 e contra cos), a carga é de 21%. Nessa faixa, são os ho-
as mulheres (desigualdade de gênero). mens brancos que predominam, 49%.
A tabela abaixo (Tabela 1 – Título), extraí-

Tabela 1 - Título

Fonte: INESC, 2014.



Nota-se que esses números apontam como da cobrança de contribuições sociais
como a tributação efetivamente funciona e sobre a licença maternidade.
repercute na realidade brasileira, reforçando
ainda mais a importância de novos e mais es-
tudos, pesquisas e sugestões racionais e efi-
cientes para a correção dessas desigualdades
presentes no custeio do Estado. No presen-
te artigo, o enfoque se dará tão-somente em
torno da tributação (des)igual entre homens
e mulheres, a partir da análise da tributação
de produtos e serviços consumidos exclusi-
vamente ou sobretudo pelas mulheres, bem

13 CF, art. 145, §1º, 1ª parte: “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo
a capacidade econômica do contribuinte”. Importante ressaltar, ainda, nos termos do art. 3º, III, da Constituição, que um
dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil consiste na erradicação da pobreza e na redução das
desigualdades sociais.
14 O art. 3º, IV, da CF também elenca como objetivo fundamental “promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

90
3. DESIGUALDADE NA TRIBUTAÇÃO DO CONSUMO DE PRODUTOS E
SERVIÇOS FEMININOS

Nos EUA, há uma campanha liderada pela cias, eis a carga tributária em cima desses pro-
advogada Jennifer Weiss-Wolf intitulada “Igual- dutos: na Itália (21%); Alemanha (19%); África
dade Menstrual”,15 cuja vertente tributária se con- do Sul (14%); Malásia e Austrália (10%); EUA
centra na luta contra a tributação dos absorven- (7%), mas no Estado de Nova Iorque foi con-
tes (“tampon tax”), por se tratar de um produto cedida isenção total; França (era de 20%, mas
exclusivamente feminino e de utilidade necessá-
foi recentemente reduzido para 5,5%); Reino
ria e habitual para todas as mulheres que se en-
contram dentro do ciclo menstrual. Unido (5%). Em 2015, o Canadá zerou a tribu-
tação, com o objetivo de promover a igualda-
No Brasil, sobre o absorvente higiênico re- de da taxação sobre produtos para homens e
cai uma tributação que gira em torno de 25%, ou mulheres, já que o absorvente é um produto
seja, um quarto do preço pago pelas consumido- de higiene básica, de uso não opcional, consu-
ras é só de custo tributário, mais especificamente mido exclusivamente por mulheres. Com efei-
o ICMS. Numa eventual isenção ou desoneração
to, a taxação de um produto com tais pecu-
do ICMS sobre o produto, o preço tenderia a cair
para aproximadamente 75% do valor atualmente liaridades atribui um peso superior e desigual
praticado pelo mercado. sobre a renda das mulheres perante o finan-
ciamento do Estado.
Rodolfo Almeida, Daniel Mariani e Vitória
Ostetti apresentam o seguinte estudo relaciona- Espera-se que essas movimentações ocor-
do ao valor que as mulheres gastam com a tribu- ridas no Canadá e na França cheguem, e em bre-
tação sobre os absorventes: ve, até o Brasil e demais países que ainda não
se atentaram ao tratamento desigual acarretado
O imposto sobre absorventes é uma pelo “pink tax”, seja através de uma alteração le-
taxa que será cobrada de mulheres, em mé- gislativa ou de um posicionamento judicial. Como
dia, dos 12 aos 51 anos de vida. Supondo bem lembra Ana Lúcia Sabadell, muitos avanços
valores médios de um ciclo menstrual de 28 legislativos em prol dos direitos das mulheres se
dias, com a menstruação durando 5 dias e deram em virtude de um empréstimo ou trans-
com o uso de 4 absorventes por dia, o total plante jurídico de leis de um país para o outro,
de imposto que cada cidadã paga ao governo ou, mais ainda, advindos de tratados, declara-
ções ou convenções internacionais, sobretudo
durante a vida irá variar de R$ 852 a R$ 4849,
nas áreas do direito constitucional, de família, do
dependendo do preço e modelo do produto.16 trabalho e penal17.

Dito de outra forma, o direito comparado


Na taxação do absorvente (“tampon tax”), e o direito internacional servem como fatores
infelizmente o Brasil lidera o ranking mundial positivos que podem impulsionar a igualdade
com esse percentual de 25%. Como referên- de gênero, inclusive no campo tributário.

15 “No estado de Nova York (EUA) foi criada uma lei chamada ‘Igualdade Menstrual’, na qual em escolas públicas,
prisões e abrigos os absorventes são distribuídos gratuitamente. Além disso, estes produtos estão sendo incluídos
no orçamento destas instituições assim como o papel higiênico, ou seja, é uma compra básica. O objetivo principal
dessa lei é dar acesso aos absorventes, que geralmente são caros para as pessoas que possuem baixa ou nenhuma
renda”. (SANTOS, Sarah Luisa. Absorvente não é luxo: é hora de lutar pela igualdade menstrual. Disponível em: https://
helloclue.com/pt/artigos/cultura/absorvente-nao-e-luxo-e-hora-de-lutar-pela-igualdade-menstrual. Acesso em: 30 jan.
2020). Recentemente, o Município do Rio de Janeiro aprovou o fornecimento gratuito de absorventes higiênicos para
estudantes da rede pública municipal, através da Lei nº 6.603/2019. No Município de São Paulo houve a tentativa de se
aprovar algo similar por meio do Projeto de Lei nº 55/2013, que foi aprovado pela Câmara Municipal, mas vetado pelo
então Prefeito Fernando Haddad.
16 ALMEIDA, Rodolfo; MARIANI, Daniel; OSTETTI, Vitória. O imposto sobre absorventes no Brasil e no mundo.
Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/grafico/2016/12/05/O-imposto-sobre-absorventes-no-Brasil-e-no-mundo.
Acesso em: 30 jan. 2020.
17 SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.
237.

91
Os questionamentos contra o “tampon tributação entre 22% a 12%, a depender do
tax” têm se estendido para outros produtos bem, como se vê do item 33.04 da tabela do
essenciais de consumo feminino, como se ex- IPI. A justificativa para o nível elevado das alí-
trai do artigo “Tributação e gênero”, op.cit., de quotas está no fato de que cosméticos são
coautoria de Tathiane Piscitelli, Andréa Mas- bens supérfluos e, como tais, devem ser mais
citto, Raquel Preto, Betina Grupenmacher, onerados.
Catarina Rodrigues, Daniela Silveira Lara, Fer-
Porém, ainda que a essencialidade des-
nanda Ramos Pazello e Renata Correia Cubas,
ses bens seja questionável, a imposição de
todas fundadoras e membros do Comitê Exe-
um certo padrão de beleza e comportamento
cutivo do WIT – Woman in Tax Brazil:
para as mulheres é um fato inegável. Ao mes-
Há ainda outras situações no mínimo mo tempo, ainda que o uso de tais produtos
peculiares, que bem evidenciam a tributação esteja na esfera de autonomia das mulheres,
mais onerosa para bens de consumo que são como de fato deve estar, é igualmente ver-
adquiridos majoritariamente por mulheres. dade que o não cumprimento desse padrão,
Veja-se, por exemplo, no caso brasileiro, a tri- especialmente em ambientes profissionais, é
butação respectivamente de ICMS e IPI sobre visto como sinal de descuido e inadequação.
bombas de amamentação (18% ICMS e 5% de Sendo assim, a reflexão sobre as alíquotas
IPI), adaptadores de silicone para seios duran- atualmente vigentes é necessária.
te a amamentação (18% ICMS e 10% de IPI)
Ora, se a seletividade do ICMS é mera-
e os sabonetes íntimos femininos (18% ICMS mente facultativa, consoante a redação literal do
e 10% de IPI), todos eles bens essenciais para artigo 155, §2º, III,18 da CF, o rebaixamento da
as mulheres, únicas consumidoras desse tipo alíquota do imposto estadual pode ser conquis-
de produtos. Isso tudo ao lado da elevadíssi- tado com a invocação do princípio constitucional
ma tributação das fraldas descartáveis (18% da igualdade de gênero, promovendo19 e esta-
ICMS e 15% IPI). belecendo, assim, a igualdade entre mulheres e
homens também no que concerne ao financia-
Obviamente, há outros produtos femi- mento do Estado por via de tributos. Neste caso,
ninos que podem ser estendidos a essa lista a igualdade tributária se concretizaria com a eli-
meramente exemplificativa, como é o caso de minação desses tributos arcados exclusivamente
remédios contra doenças que assolam apenas pelas contribuintes mulheres.
as mulheres.
Por meio de sua teoria funcionalista, Nor-
Essa essencialidade também deveria se berto Bobbio deslocou a interpretação e aplica-
estender para alguns cosméticos femininos ção dos princípios jurídicos (como é nitidamente
que a legislação tributária teima em tratar o caso da igualdade de gênero) sob o enfoque de
como supérfluos e, por conseguinte, aumen- sua função dentro do ordenamento, analisando o
tam a carga tributária sobre tais produtos, direito como instrumento de incentivo para a prá-
tica de condutas desejadas (sanções premiais)
em total desarmonia com a realidade social
ou, inversamente, de desincentivo para as con-
e cultural, culminando numa tributação mais dutas indesejadas (sanções negativas). Acerca
gravosa (logo, desigual) contra as mulheres. dessas sanções, ensina o mestre italiano:
As autoras acima citadas também discorreram
sobre isso: [Sanção é] a resposta ou a reação que
o grupo social manifesta por ocasião de um
Do ponto de vista do ICMS, o padrão comportamento por algum motivo relevante
nacional é a tributação de cosméticos pela de um membro do grupo (relevante no senti-
alíquota de 25%17. Já a União, via IPI, fixa a do negativo ou positivo, não importa).20

18 “Art. 155. omissis. §2º. O imposto previsto no inciso II [ICMS] atenderá ao seguinte: III – poderá ser seletivo, em
função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”.
19 Essa função promocional do Direito é um tema marcante na doutrina de Norberto Bobbio, especialmente na sua
obra “Da estrutura à função: novos estudos de teoria jurídica do direito” (Tradução de Daniela Baccaria Versani. Barueri:
Editora Manole, 2007).
20 BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria jurídica do direito. Tradução de Daniela

92
Com efeito, a função do princípio tri- ral:
butário da isonomia entre homens e mulhe-
O contribuinte que, de forma contumaz
res consiste em repartir a carga tributária de
e com dolo de apropriação, deixa de recolher
forma igualitária entre os contribuintes e isso
o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria
obviamente também deve valer para a tribu-
ou serviço incide no tipo penal do artigo 2º
tação sobre o consumo. Ora, no que tange à
(inciso II) da Lei 8.137/1990.
tributação sobre o patrimônio ou renda, não
há dúvidas de que inexiste qualquer abertura Destarte, ao admitir a constitucionalida-
constitucional para uma tributação diferencia- de e tipificação deste crime tributário, o STF
da em razão do sexo do contribuinte, do tipo ratificou entendimento anterior do STJ de
(pitoresco) das mulheres terem uma alíquota que o ICMS declarado (e embutido no preço
majorada do imposto de renda ou, então, que da mercadoria) é um valor que o consumidor
os proprietários homens tenham uma alíquo- (contribuinte “de fato”) pagou (logo, arcou
ta superior de IPVA ou IPTU! Por certo, nin- com o ônus e teve sua renda diminuída em
guém defenderia a validade de um tratamento razão desse tributo incluído no preço) e que
desigual com relação a esses tributos sobre a o contribuinte “de direito” (vendedor da mer-
renda ou o patrimônio, baseado no gênero do cadoria) recebeu para repassar ao Erário Esta-
contribuinte. dual. Enfim, restou reconhecida a juridicidade,
a relevância jurídica do contribuinte “de fato”.
Mas, então, por que se admitiria uma tri-
No mais, essa consideração já tinha previsão
butação diferenciada no consumo (ICMS, ISS,
no artigo 166 do Código Tributário Nacional:
IPI, PIS, COFINS), quando o produto ou servi-
ço for de utilidade exclusiva ou preponderan- Artigo 166 - A restituição de tributos
temente das mulheres? A função do princípio que comportem, por sua natureza, transfe-
da igualdade deve ser a mesma, independen- rência do respectivo encargo financeiro será
temente da base de incidência tributária, no feita por quem prove haver assumido referido
sentido de evitar uma diferenciação tributá- encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a ter-
ria sob o critério do gênero (gender bias). Ao ceiro, estar por este expressamente autoriza-
tributar um produto exclusiva ou preponde- do a recebê-la.
rantemente de consumo feminino, as consu-
Mais do que isso, o §5º do artigo 150 da
midoras (“contribuintes de fato”) mulheres es-
Carta Magna também atribui direitos tributários
tão nitidamente em situação de desigualdade para os consumidores, ao determinar que a “a lei
com os contribuintes homens, em total des- determinará medidas para que os consumidores
respeito ao princípio da igualdade (arts. 5º, I, sejam esclarecidos acerca dos impostos que in-
e 150, II, CF). cidam sobre mercadorias e serviços”.21
Ademais, atentar-se ao status de “contri- Esse “direito ao esclarecimento” acerca dos
buinte de fato” (consumidoras) é algo que o tributos incidentes sobre os produtos e serviços
Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior deve ser considerado como uma salvaguarda
Tribunal de Justiça (STJ) estão respeitando e constitucional ou meio de concretização do prin-
consagrando, como ocorreu recentemente na cípio da igualdade tributária, eis que os consu-
discussão envolvendo a criminalização da ina- midores (contribuintes de fato) somente poderão
dimplência contumaz do ICMS (“apropriação lutar pelos seus direitos se e quando estiverem
devidamente informados, ainda mais frente a
indébita tributária”) no RHC 163.334, rel. Min.
uma tributação (“disfarçada”) sobre o consumo
Luiz Roberto Barroso, j. em 18/12/2019, com que gera o “efeito ilusionista”22 combatido por Al-
a fixação da seguinte tese em repercussão ge- micare Puviani em seu livro Teoria della ilusione

Baccaria Versani. Barueri: Editora Manole, 2007, p. 29.


21 Esse dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei nº 12.741/2012.
22 “A ilusão fiscal é um fenômeno que envolve a limitação da compreensão dos contribuintes sobre a carga fiscal
real que incide sobre eles e, com isso, propicia o aumento de gastos públicos” (ARAÚJO, Jevuks Matheus. Um estudo
sobre ilusão fiscal no Brasil. 2014. 90 p. Tese (Doutorado em Economia) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife,
2014).

93
finanziaria, publicado em 1903, quando cunhou tabelecido pela Emenda Constitucional nº 20.
pela primeira vez o termo “ilusão fiscal”, definin-
do-o como um No que tange ao IPI, além da igualdade tribu-
tária, a discussão em torno do “pink tax” também
[...] artifício utilizado pelos governantes envolve o princípio da seletividade, de aplicação
para restringir a percepção dos contribuintes obrigatória para este imposto federal,25 forçando
acerca dos tributos e gastos públicos, para uma revisão acerca do devido enquadramento
que os mesmos não demonstrem resistência dos produtos femininos como sendo essenciais
perante os esquemas de tributação.23 ou não essenciais ou, ao menos, uma reclassi-
ficação fiscal que retire alguns cosméticos do
Essa análise econômica do direito apri- status de bens supérfluos com a consequente re-
mora e maximiza a concretização da função dução daquela imposição tributária mais gravosa
do princípio da igualdade tributária, eis que que costuma recair sobre tais produtos.
viabiliza e amplifica a aplicação e extensão Recentemente, a legislação brasileira ga-
do princípio da igualdade aos tributos sobre nhou um exemplo positivo que se aproxima des-
o consumo, corrigindo ou evitando uma so- se respeito com a igualdade de gênero na tribu-
brecarga tributária decorrente do gênero do tação sobre o consumo. A partir da alteração feita
contribuinte (inclusive o “de fato”). pela Lei Complementar nº 155/2016 na Lei Com-
plementar nº 123/2006 (Lei Geral da ME e EPP,
Ademais, importante frisar que essa dis- que versa sobre o regime tributário diferenciado
criminação indireta, talvez até mesmo invo- do Simples Nacional), com vigência iniciada em
luntária ou desapercebida, fomentada pela 1º/01/2018, os valores repassados aos profissio-
tributação do consumo também precisa ser nais que trabalham em salões de beleza, con-
detectada e removida do sistema jurídico, tratados por meio de parceria, não integrarão a
consoante apregoa a chamada Teoria do Im- receita bruta da empresa contratante para fins de
pacto desproporcional, assim apresentada tributação, cabendo ao contratante a retenção e
pelo Ministro Joaquim Barbosa: o recolhimento dos tributos devidos pelo contra-
tado.26 Por consequência, as consumidoras27 dos
Toda e qualquer prática empresarial, po- serviços prestados pelos salões de beleza optan-
lítica governamental ou semigovernamental, tes pelo Simples foram poupadas de um acrésci-
de cunho legislativo ou administrativo, ainda mo da carga tributária que seria provocada com
que não provida de intenção discriminatória a cumulatividade de incidência para o salão de
no momento de sua concepção, deve ser beleza e os profissionais parceiros.
condenada por violação do princípio consti- Ademais, as considerações que foram fei-
tucional da igualdade material se, em conse- tas com relação aos produtos femininos, também
quência de sua aplicação, resultarem efeitos merecem o mesmo tratamento tributário diferen-
nocivos de incidência especialmente despro- ciado no que diz respeito aos serviços consumi-
porcional sobre certas categorias de pesso- dos pelo público feminino, de forma exclusiva
as24. ou preponderante, e suas implicações no ISS
e PIS/COFINS. Exemplos: serviços médicos de
Conforme será mais bem explorado no tó- ginecologia; tratamentos médico-hospitalares de
pico seguinte, na Ação Direta de Inconstitucio- doenças que recaem somente sobre mulheres
nalidade 1946, o Supremo Tribunal Federal re- (ou majoritariamente), como o caso do câncer
conheceu a discriminação indireta às mulheres, de mama, ovários policísticos, cólica menstrual;
ao julgar inconstitucional o limite dos benefícios salões de beleza. Em muitos Municípios, esses
previdenciários sobre o salário-maternidade, es- serviços de consumo exclusiva ou preponderan-

23 MOURÃO, Paulo Jorge Reis. Quatro ensaios sobre a ilusão fiscal. 2009. 185 p. Tese (Doutorado em Ciências
Econômicas) – Escola de Economia e Gestão, Universidade do Minho. Braga, Portugal, 2009.
24 GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade: o direito como
instrumento de transformação social. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 24.
25 Art. 153, §3º, I, CF: o IPI “será seletivo, em função da essencialidade do produto”.
26 Art. 13, §1º-A, da LC 123/2006, acrescentado pela LC 155/2016.
27 Muito embora não seja um serviço de consumo exclusivo de mulheres, estas foram a maior parte da clientela
desse segmento de beleza. Por outro lado, pode-se questionar a respeito da essencialidade do serviço. Neste sentido,
valem os comentários feitos anteriormente a respeito dos cosméticos.

94
temente femininos são tributados com a alíquota produtos e serviços consumidos exclusiva ou
máxima de 5%. preponderantemente por eles, valendo-se das
Por fim, embora o presente trabalho se mesmas considerações aqui desenvolvidas
concentre nos direitos das mulheres, os con- em prol das mulheres, mutatis mutandis.
tribuintes homens também merecerão um
tratamento tributário diferenciado sobre os

4 DESIGUALDADE NA TRIBUTAÇÃO DA MÃO DE OBRA FEMININA, ES-


PECIFICAMENTE COM RELAÇÃO À LICENÇA-MATERNIDADE

O salário-maternidade se apresenta como que é conferida à gestante desde a descoberta


um benefício previdenciário28 concedido às mu- da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto31.
lheres empregadas durante o período em que se
afastam da atividade laborativa para exercerem Como se pode observar, o salário materni-
a sua função mais nobre, a maternidade. dade é um direito constitucionalmente assegura-
do às mulheres empregadas. Acontece que não
O salário-maternidade surgiu pela primeira são raras são as vezes nas quais nos deparamos
vez no bojo de uma Constituição brasileira, na com situações de discriminação das mulheres
Constituição da República dos Estados Unidos por conta deste direito. Dito de outra forma, mui-
do Brasil, de 16 de julho de 193429, sendo, pos- tos empregadores entendem este direito como
teriormente, regulamentado pela Consolidação um ônus que a mulher empregada traz para a
das Leis do Trabalho em 1943. Atualmente, o sua empresa e, em razão disso, acabam por op-
salário-maternidade é um direito assegurado à tar pela contratação de homens. E é sobre este
mulher empregada que encontra fundamento de aspecto que a tributação do salário-maternidade
validade na Constituição Federal de 1988, mais será trabalhada no presente artigo. Em uma so-
especificamente no artigo 7º, inciso XVIII, que ciedade que almeja ser justa, não se pode ad-
assim preconiza: mitir discriminação contra as mulheres durante o
período em que exercem função essencial para a
Artigo 7º - São direitos dos trabalhado- sobrevivência da própria humanidade.
res urbanos e rurais, além de outros que vi-
sem à melhoria de sua condição social: Heleno Taveira Torres pontua que “a nata-
lidade é condição de existência de qualquer so-
[...] ciedade e, por isso mesmo, o Constituinte rea-
firmou, em distintas passagens, as garantias de
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo proteção à família”32. Com efeito, não há como
do emprego e do salário, com a duração de pensarmos em uma sociedade sem a natalidade.
cento e vinte dias; A natalidade é essencial para a evolução e cres-
[...]”30. cimento da sociedade, por isso a preocupação,
desde os primórdios dos textos constitucionais,
Imperioso destacar que a Constituição da com a garantia de um direito em prol das mulhe-
República Federativa do Brasil de 1988 consa- res no momento em que exercem a maternidade.
gra outros direitos com a finalidade de garantir e
permitir que as mulheres possam exercer a ma- Acontece que o direito plasmado no bojo do
ternidade sem que isso lhes cause prejuízos pos- texto constitucional não reflete o que tem aconte-
teriores. É o caso, por exemplo, da estabilidade cido na realidade da sociedade brasileira. Melhor

28 Posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 1946.


29 Artigo 138 - Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas: [...] c) amparar a
maternidade e a infância; [...].
30 Constituição da República Federativa do Brasil.
31 Artigo 10 do ADCT - Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez
até cinco meses após o parto.
32 TORRES, Heleno Taveira. Tributação da mulher na constituição: o caso do salário-maternidade no STF.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jan-22/consultor-tributario-tributacao-mulher-constituicao-salario-
maternidade#_ftn4. Acesso em: 11 fev. 2020.

95
dizendo, as mulheres, infelizmente, são alvo de dora produz e reproduz. Ou seja, há duas
discriminações por conta deste “ônus” que tra- maneiras de lida com esta diferença: ou a
zem para o seu empregador. coletividade arca com a reprodução social –
Os números não mentem. O Instituto Bra- e com o ônus do cuidado a ser dispensado
sileiro de Geografia e Estatística – IBGE – rea- ao recém-nascido – ou as mulheres em ida-
liza um estudo denominado Pesquisa Nacional de reprodutiva não terão o mesmo acesso ao
por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD. trabalho remunerado que seus colegas ho-
Em seu último estudo, que levou em conside- mens.35
ração o período de referência de 01/01/2018 a
31/12/2018, constatou-se que os salários das Argumentos relacionados à igualdade e
mulheres são reduzidos em 24% (vinte e quatro não discriminação foram utilizados pelo Ministro
por cento) aproximadamente quando essas têm Roberto Barroso no julgamento do Recurso Ex-
traordinário nº 576.967/PR afetado pelo instituto
o primeiro filho. A redução fica ainda mais gritan-
te conforme as famílias vão crescendo: mulheres da repercussão geral (tema nº 72). No referido
com três ou mais filhos podem sofrer uma redu- recurso, a Suprema Corte brasileira julgará se é
ção em seus salários de até 40% (quarenta por constitucional ou inconstitucional a incidência da
contribuição social sobre a rubrica do salário-ma-
cento)33, significando dizer que “[...] quantos mais
filhos, menos as mulheres são remuneradas no ternidade. Dito de outra forma, o Supremo Tribu-
mercado de trabalho”.34 nal Federal julgará se o salário-maternidade tem
natureza jurídica de salário e, portanto, suscetí-
Não há, portanto, como se negar um tra- vel de compor a base de cálculo da contribuição
tamento discriminatório contra a maternidade. previdenciária ou se possui a natureza jurídica
As mulheres sofrem, em nossa sociedade atual, de indenização.36
uma discriminação pelo simples fato de gerarem
uma vida, o que não se pode admitir. E não há Importante ressaltar que a carga tributária
como se calar diante de uma “punição” imposta desigual que se pretende afastar atinge aproxi-
também pela legislação tributária às mulheres. madamente 35% do montante pago a título de
Não há como admitir que as mulheres sofram licença maternidade, compreendendo cota pa-
consequências gravíssimas por serem mães. tronal previdenciária (20%), SAT/RAT (1% a 3%,
Não podemos nos esquecer que a reprodução é conforme o grau de risco da atividade), terceiros
um custo a ser assumido por toda a coletividade, ou “Sistema S” (5,8%), além do FGTS (8%). Por-
afinal de contas, conforme já mencionado neste tanto, é uma tributação que eleva em mais de 1/3
artigo, a natalidade faz parte da evolução da so- o custo da mão de obra feminina sobre a base
ciedade. Note-se que, por uma questão divina, do salário maternidade. Ademais, a inclusão do
foi incumbida à mulher a função de gerar uma salário maternidade reflete na base de cálculo
nova vida. Todavia, esta nova vida é essencial da contribuição da própria segurada (retida pelo
para toda a coletividade. Não se pode admitir empregador), com alíquotas de 8%, 9% e 11%,
uma discriminação por conta disso. dependendo do salário-de-contribuição. A partir
de março de 2020, como reflexo da Reforma da
Nesse sentido, os ensinamentos de Jana- previdência, esses percentuais serão de 7,5%,
ína Penalva: 9%, 12% e 14%.

Um trabalhador produz, uma trabalha- Em que pese a discussão travada pelos Mi-

33 TORRES, Heleno Taveira. Tributação da mulher na constituição: o caso do salário-maternidade no STF.


Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jan-22/consultor-tributario-tributacao-mulher-constituicao-salario-
maternidade#_ftn4. Acesso em: 11 fev. 2020.
34 TORRES, Heleno Taveira. Tributação da mulher na constituição: o caso do salário-maternidade no STF.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jan-22/consultor-tributario-tributacao-mulher-constituicao-salario-
maternidade#_ftn4. Acesso em: 11 fev. 2020.
35 PENALVA, Janaína. Salário-maternidade no STF: qual o valor do cuidado? Disponível em: https://www.
jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/salario-maternidade-no-stf-qual-e-o-valor-do-
cuidado-01022020. Acesso em: 11 fev. 2020.
36 O julgamento do Recurso Extraordinário nº 576.967/PR teve início em novembro de 2019, mais especificamente
em 06 de novembro de 2019. Votaram pelo provimento do recurso os Ministros Roberto Barroso (Relator), Edson Fachin
e as Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber. Votaram contrários ao provimento os Ministros Alexandre de Moraes,
Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. O julgamento foi suspenso em decorrência do pedido de vista formulado pelo
Ministro Marco Aurélio. O Recurso Extraordinário será julgado novamente em 02 de abril de 2020.

96
nistros da Corte Suprema ter levado em consi- gualdade das mulheres quando do julgamento
deração a natureza salarial ou indenizatória do da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1946,
salário-maternidade, o Ministro Relator Rober- oportunidade em que reconheceu a discrimina-
to Barroso demonstrou relevante preocupação ção indireta às mulheres, ao julgar inconstitucio-
com a discriminação que este encargo tributário nal o limite dos benefícios previdenciários sobre
pode causar contra as mulheres. Como pontuou o salário-maternidade, estabelecido pela Emen-
o Ministro: “a preocupação fiscal tem que ceder da Constitucional nº 20. Consta em parte do
a uma demanda universal de justiça com as mu- acórdão:
lheres”.37 A questão envolvendo o salário-mater-
nidade vai muito além da discussão acerca da [...]
sua natureza jurídica – salarial ou indenizatória. 3. Na verdade, se se entender que a
A discussão envolvendo a tributação do salário- Previdência Social, doravante, responderá
-maternidade recai nos percalços da efetivação
apenas por R$1.200,00 (hum mil e duzentos
da igualdade tributária, da igualdade de homens
e mulheres perante a lei. reais) por mês, durante a licença da gestan-
te, e que o empregador responderá, sozinho,
Em um sistema constitucional que preza pelo restante, ficará sobremaneira, facilitada
a igualdade, a arrecadação fiscal, a tributação e estimulada a opção deste pelo trabalhador
e o desenho infraconstitucional da segurida- masculino, ao invés da mulher trabalhado-
de social não podem dispensar avaliações ra. Estará, então, propiciada a discriminação
sobre os impactos que causam às minorias.38 que a Constituição buscou combater, quando
Neste aspecto, é louvável e digno de aplau- proibiu diferença de salários, de exercício de
sos o Programa Empresa Cidadã, instituído pela funções e de critérios de admissão, por mo-
Lei nº 11.770/2008 que foi criado com o objeti- tivo de sexo (art. 7º, inc. XXX, da C.F./88),
vo de “[...] prorrogar por sessenta dias a dura- proibição, que, em substância, é um desdo-
ção da licença-maternidade [...].39” dentre outras bramento do princípio da igualdade de direi-
providências. As empresas que se inscreverem tos, entre homens e mulheres, previsto no
neste programa garantirão às suas empregadas inciso I do art. 5º da Constituição Federal41.
uma licença-maternidade de 180 (cento e oiten-
ta) dias, um adicional à licença convencional de Este precedente se encaixa como uma
120 (cento e vinte) dias. Em contrapartida, nos luva contra a tributação do salário-materni-
termos do artigo 5º da lei em comento, a empre- dade, diante das mesmas consequências des-
sa que aderir ao Programa terá uma compensa- vantajosas para as mulheres.
ção tributária, pois poderá deduzir o valor pago à
empregada mulher no período dos 60 (sessenta
dias) de seu Imposto de Renda e Contribuição
Social sobre o Lucro.40 Vale observar que a em-
presa recebe apenas uma restituição fiscal do
benefício concedido à sua empregada.
Outrossim, como bem pontuou o Ministro
Roberto Barroso em seu voto no Recurso Extra-
ordinário nº 576.967, o Supremo Tribunal Fede-
ral já se debruçou sobre essa questão da desi-

37 PENALVA, Janaína. Salário-maternidade no STF: qual o valor do cuidado? Disponível em: https://www.
jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/salario-maternidade-no-stf-qual-e-o-valor-do-
cuidado-01022020. Acesso em: 11 fev. 2020.
38 Ibid.
39 BRASIL. Lei nº 11.770, de 09 de setembro de 2008. Cria o Programa Empresa Cidadã, destinado à prorrogação
da licença-maternidade mediante concessão de incentivo fiscal, e altera a Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11770.htm. Acesso em: 11 fev. 2020.
40 Artigo 5º - A pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá deduzir do imposto devido, em cada
período de apuração, o total da remuneração integral da empregada e do empregado pago nos dias de prorrogação de
sua licença-maternidade e de sua licença-paternidade, vedada a dedução como despesa operacional.
41 Íntegra do acórdão disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266805.
Acesso em: 11 fev. 2020.

97
5 CONCLUSÕES
Diante de todo o exposto, denota-se que as
mulheres sofrem discriminações tributárias, por
conta do consumo de produtos e serviços de uso
exclusiva ou preponderantemente femininos e,
pior ainda, quando exercem a maternidade duran-
te vínculo empregatício.
Essas desigualdades levam à inconstitucio-
nalidade da incidência das contribuições sociais
sobre o salário-maternidade, bem como da tri-
butação sobre o consumo de produtos e serviços
femininos.
A validação ou preservação desses trata-
mentos tributários desiguais em razão do gênero
(“pink tax”, “woman tax”, “gender bias”) destoa dos
direitos que vêm sendo conquistados pelas mu-
lheres ao longo dos anos, às custas de muita luta
e sofrimento.

98
REFERÊNCIAS

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mundo. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/grafico/2016/12/05/O-imposto-sobre-ab-
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100
101
FEMINICÍDIO COMPARADO: BRASIL E ARGENTINA NO
COMBATE À MORTE VIOLENTA DE MULHERES

COMPARED FEMINICIDES: BRAZIL AND ARGENTINA


AGAINST VIOLENT DEATHS OF WOMEN

Patrícia Tuma Martins Bertolin
Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP), com Pós-
-Doutorado na Superintendência de Educação e Pesquisa da Fundação Carlos Chagas (FCC).
Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universida-
de Presbiteriana Mackenzie (UPM). Líder do grupo de pesquisa (CNPq) “Mulher, Sociedade e
Direitos Humanos” e do Projeto de Pesquisa (CNPq) “Feminicídio: quando a desigualdade de
gênero mata. Mapeamento da tipificação na América Latina”. E-mail: ptmb@uol.com.br.

Érica Lene da Silva Santos


Mestranda em Direito e Instituições do Sistema de Justiça – UFMA. Pós-graduada em Di-
reito Penal pela Faculdade Damásio de Jesus. Graduada em Direito pela Universidade Estadual
do Piauí. Advogada. E-mail: ericalene@hotmail.com.

SUMÁRIO
1. Introdução
2. Da Violência de Gênero: um estigma socialmente construído
3. O cenário latino americano do Feminicídio
4. A faces do Feminicídio no Brasil
5. O cenário argentino
6. Conclusão

102
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a qualificadora do homicídio que apena
o assassinato contra a mulher pela condição do sexo feminino, denominado feminicídio, pre-
visto no Código Penal Brasileiro, bem como, analisar à luz do direito comparado, a legislação
argentina sobre o tema. Portanto, busca-se demonstrar a eficácia ou ineficácia do feminicídio
do Código Penal de ambos os países latino-americanos, analisando o questionamento sobre
o feminicídio ser apenas uma alteração simbólica, com o objetivo de alertar a sociedade, ou o
tipo penal criado tem o condão de, de fato prevenir e reprimir o homicídio baseado no gênero.
Com vistas a atingir os fins constitucionais e de tratados internacionais o legislador precisou
repensar a interpretação e aplicação das legislações ordinárias e do Direito Penal de ambos
os países dada a necessidade de ampliação dos seus institutos penalizadores para maior pro-
teção e assistência à mulher. O objetivo desse estudo é trazer conceitos que fundamentam e
reforçam a importância e aplicabilidade dessa alteração legislativa para a proteção da mulher
vítima de violência, e para melhor esclarecimento acerca da temática, utilizou-se a pesquisa
exploratória e a revisão bibliográfica.

PALAVRAS-CHAVE
Violência de gênero. Feminicídio. Direito Comparado.

ABSTRACT
The objective of this study is to analyze the qualifier of the murder that penalizes the
murder against the woman by the condition of the feminine sex, denominated feminicide, fo-
reseen in the Brazilian Penal Code, as well as to analyze, under comparative law, the Argentine
legislation on the subject. Therefore, it is sought to demonstrate the effectiveness or ineffec-
tiveness of the feminicide of the Criminal Code of both Latin American countries, analyzing
the questioning about feminicide to be only a symbolic change, with the purpose of alerting
society, or the type of criminal created has the condemn, in fact, prevent and repress homicide
based on gender. In order to achieve the constitutional and international treaties, the legis-
lator had to rethink the interpretation and application of the ordinary laws and criminal law
of both countries, given the need to expand its penalizing institutions for greater protection
and assistance to women. The purpose of this study is to provide concepts that substantiate
and reinforce the importance and applicability of this legislative change for the protection of
women victims of violence, and for better clarification on the subject, we used exploratory
research and bibliographic review.

KEY WORDS
Gender violence. Feminicide. Comparative law.

103
1. INTRODUÇÃO

Muito se tem discutido acerca da vio- contra as mulheres como uma violação aos direi-
lência física e psicológica perpetrada contra tos humanos foi reconhecida em 1993, na Confe-
a mulher no século XXI, uma vez que, seus rência das Nações Unidas sobre Direitos Huma-
dados são alarmantes. Apesar de termos con- nos2.
quistados diversos direitos, entre eles o de Assim, a violência contra a mulher por ser
igualdade que a própria Constituição Federal substancialmente, uma violação dos direitos hu-
Brasileira nos assegura, vivemos sob a égide manos de caráter pluriofensivo, configura ataque
à liberdade, à igualdade a ao dever de solidarieda-
de uma sociedade patriarcal e discriminatória.
de, tendo reflexos por todas as gerações. Tal as-
A Constituição da República Federativa pecto reforça de sobremaneira a importância de
do Brasil de 1988, assim preleciona: estudos sobre o tema, dado o caráter de rejeição
internacional a tais condutas.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se Sobre a violência que socialmente e histo-
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes ricamente subjugam a mulher por meio de pro-
no País a inviolabilidade do direito à vida, à li- cessos violentos, cita-se Artenira Silva, Almudena
berdade, à igualdade, à segurança e à proprie- García Manso e Rossana Pinheiro :
3

dade, nos termos seguintes: Aun así la violencia contra la mujer – la


I - homens e mulheres são iguais em di- misoginia- sigue persistiendo a modo de heren-
reitos e obrigações, nos termos desta Consti- cia histórica que parece no tener fin, ejemplo de
tuição; (...) ello lo tenemos em el repunte de víctimas que se
vienen dando em esta última década em América
A Constituição da Nação Argentina de 18531 Latina y em España tal y como nos indican las es-
estabelece em seu artigo 8º que “los ciudadanos de tadísticas del observatorio de conocimiento sobre
cada provincia gozan de todos los derechos, privile-
Violencia de Genero.4
gios e inmunidades inherentes al título de ciudadano
en las demás.” Nesta pesquisa, observaremos a importân-
cia de normas específicas para a proteção as mu-
Dessa forma, ao equipar direitos e obriga-
lheres frente o homicídio por razões de gênero,
ções de homens e mulheres, as Constituições nos
uma vez que, por se tratar de tipos específicos de
demonstram que essa igualdade se transfigura em
violência, para que o Poder Judiciário possa pro-
igualdade perante a lei, que vedam discriminações
cessar e julgar com eficácia, e as instituições do
em razão do sexo. Entretanto, os processos discri-
sistema jurídico devem oferecer mecanismos para
minatórios aos quais estão submetidas as mulhe-
prevenir e coibir esse tipo de violência, que são
res latino-americanas, apresentam cenário diver-
necessários para que as mulheres não fiquem à
so do prelecionado em lei, evidenciando assim o
mercê de uma sociedade discriminatória.
grau de vulnerabilidade das mesmas.
O ponto crucial da discussão reside em
Ao incidir sobre as mulheres o título de se-
esclarecer o que prelecionam as leis penais do
res humanos, de tal modo que sua objetificação
Brasil e Argentina sobre o Feminicídio, e tem-se
frente a dominação masculina não é vista como
como ponto de partida do trabalho uma aborda-
justa, a violência contra a mulher constitui fla-
gem panorâmica a respeito do fenômeno social
grante afronta aos direitos humanos. A violência
da violência de gênero, enquanto manifestação
1 Disponível em: http://www.oas.org/juridico/mla/sp/arg/sp_arg-int-text-const.html. Acesso em: 03.07.2019.
2 Naquela Conferência Internacional de Direitos Humanos, foi definitivamente legitimada a noção de indivisibilidade dos
direitos humanos, enfatizou-se os direitos de solidariedade, o direito à paz, o direito ao desenvolvimento e os direitos ambientais.
3 SILVA, Artenira da Silva e; MANSO, Almudena García. PINHEIRO, Rossana Barros. Violencia Contra la Mujer como
Mal Endémico em la Sociedad Contemporánea. Revista Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, 2019, v. 12, n. 1, pp 144-170, jan/jun. 2019,
p. 147-148. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/30064/28024>. Acesso em: 22
fev. 2019.
4 Vide: www. observatorioviolencia.org.

104
de violência contra a mulher. Assim, é salutar es- aplicação da punibilidade em casos de Feminicí-
tabelecer uma análise do conceito de violência de dios em ambos os países, discorrendo assim sobre
gênero do contexto social em que esse fenômeno os pressupostos, limites e alcance jurídico, consi-
é observado. derando as disposições do texto constitucional de
cada país e a legislação específica sobre o tema.
Para isso, parte-se da realidade latino-a- Com o presente estudo comparativo, pretende-
mericana de tratativas para as mulheres vítimas -se contribuir para o conhecimento das causas
de violência doméstica e intrafamiliar, com vistas que envolvem a violência contra a mulher, a fim
a observar os processos socioculturais de onde de que a informação possa ser usada na criação e
partiram e partem, os ciclos discriminatórios que no fortalecimento de políticas de prevenção sob a
subjugam as mulheres e tornam o fenômeno da ótica legal.
violência de gênero um problema social epidêmi-
co e de dimensões continentais, que demandam Assim, pretende-se produzir subsídios
medidas de proteção a nível global. científicos para o desenvolvimento do conheci-
mento jurídico que poderão ser utilizados como
A importância do tema se dá em virtude do
diretrizes para o Sistema de Justiça, com especial
grau epidêmico em que ocorrem as mortes vio-
destaque para o Poder Judiciário e ao Poder Le-
lentas de mulheres nos países latino-americanos
gislativo, com vistas a melhor aplicação da legisla-
quando tratamos de violência contra a mulher:
ção.
Segundo o mapa da violência produzido pelo Ins-
tituto Sangari (2016), das dez primeiras posições Para atingir esses fins, far-se-á uso de pes-
do ranking mundial de homicídio doloso contra quisa bibliográfica nas obras de autores dedicados
mulheres, de um universo de 84 países, em sete ao estudo da violência de gênero, homicídio e fe-
ilustram a países latino-americanos. O Brasil e a minicídio, bem como da pesquisa normativa que
Argentina ocupam, respectivamente, a 7ª e 36ª tenha relação com a legislação afeta ao tema.
posições.
Ao longo desse debate é de crucial im-
portância compreender os critérios e medidas de

2 DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO: UM ESTIGMA SOCIALMENTE


CONSTRUÍDO

A violência contra a mulher, por razão É importante salientar que podemos


de sua condição de mulher, por muito tempo compreender a violência contra a mulher como uma
foi invisibilizada pelo Direito, que tem como das facetas que perpassam pela violência de gênero,
pedra angular a tradição de se pautar por con- uma vez que, é possível visualizar agressões contra
ceitos machistas e patriarcais, através de uma mulheres que não constituem necessariamente episó-
dios de violência de gênero; bem como, é admissível
cultura reforçada por processos discriminató-
a ocorrência violações que consistam em violência de
rios, e socialmente introjetadora de verdadei- gênero que não tenham por alvo as mulheres; e nesta
ros “esforços” na perpetuação desta organiza- oportunidade, apenas as mulheres são objeto deste tra-
ção preconceituosa sob o ponto de vista do balho.
gênero.
Sobre o que entendemos por gênero, para então
De acordo com Marilena Chauí5, em nosso compreendemos sua importância dentro de um cenário
contexto cultural, a violência de um modo geral, é onde são pautadas as desigualdades, Farah observa:
entendida de sobremaneira, como o uso da força física
e do constrangimento psíquico, com vistas à obrigar Gênero é um recurso utilizado para se refe-
alguém a agir de modo contrário a sua natureza, seu rir à construção social desigual baseada na exis-
entendimento e ao seu ser. A violência, é portanto, po- tência de hierarquia entre os sexos e as consequ-
demos assim pontuar, uma violação não apenas da in- ências que daí se originam. Essa diferença não
tegridade física e psíquica de um indivíduo, mas tam- é só conceitual, tem efeitos políticos, sociais e
bém da dignidade humana.6
5 CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12ª ed. São Paulo: Ática, 2000, p. 337.
6 O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no artigo 1º, inciso III, da CRFB de 1988.

105
culturais.7 to de mulheres destacam-se aquelas voltadas
para o enfrentamento da violência doméstica,
E especificamente sobre a violência de
expressão mais radical de um conjunto de dis-
gênero, assim aduz Saffioti:
criminações que, historicamente, tem incidido
Violência de gênero é o conceito mais sobre as mulheres em todo o país. A luta desse
amplo, abrangendo vítimas como mulheres, movimento contra tal violência apontou a ne-
crianças e adolescentes de ambos os sexos. cessidade de elaboração e implementação de
No exercício da função patriarcal, os homens uma política nacional ampla voltada para o en-
detêm o poder de determinar a conduta das frentamento de uma criminalidade especifica
categorias sociais nomeadas, recebendo auto- que recai sobre as mulheres e que limita suas
rização ou, pelo menos, tolerância da socieda- vidas e direitos.9
de para punir o que se lhes apresenta como
Sobre as contribuições emanadas dos
desvio. Ainda que não haja nenhuma tentati-
movimentos feministas, Safiotti pontua:
va, por parte das vítimas potenciais, de trilhar
caminhos diversos do prescrito pelas normas Certamente, a maior contribuição de in-
sociais, a execução do projeto de dominação- terpelações de certas correntes do feminismo
-exploração da categoria social homens exige ou a maior contribuição de corrente expres-
que sua capacidade de mando seja auxiliada siva do feminismo tem sido o ataque às aná-
pela violência. Com efeito, a ideologia de gê-lises dualistas, tão marcantes na ciência dos
nero é insuficiente para garantir a obediênciahomens. Mais do que isto, esta contribuição
das vítimas potenciais aos ditames do patriar-epistemológica tem provocado fissuras neste
ca, tendo este necessidade de fazer uso da edifício tão antigo, ou seja, a ciência oficial,
violência.8 abrindo caminho para um novo tipo de co-
nhecimento, cujo objeto é a sociedade em sua
Desta forma, fundado na hierarquia e
inteireza, com tudo que ela contém: contradi-
desigualdade dos lugares sociais destinados
ções, desigualdades, iniquidades.10
a homens e mulheres, e aos indivíduos tidos
como vulneráveis, e demarcados por proces- O universo da violência, configura-se e
sos violentos de perpetuação do poder pelo funda-se em pilares de dor e opressão, de um gru-
masculino, o feminino foi considerado subal- po tipo como superior a grupos tidos como subor-
terno e vulnerável. Assim, dentro do Direito dinados, e o enfrentamento a esses mecanismos
havia lacunas que legitimavam/legitimam as repressivos, deve pautar-se no enfrentamento
violências praticadas pelos homens, especial- teórico, legislativo, prático e cotidiano, aspectos
mente quando se tratam de gênero, cenário que, em regra, são utilizados como meios revitimi-
zadores e perpetuadores das violências.
este que, com a ascensão dos movimentos fe-
ministas na década de 70, começou a ser mo- Frente as estatísticas pandêmicas, pode-
dificado. mos afirmar que violência contra a mulher é a for-
ma de violação de direitos humanos mais tolerada
Leila Linhares Barsted menciona que no mundo. O assassinato de mulheres em razão de
nesse processo de ascensão do feminismo, a sua condição do sexo feminino, é a ponta do ice-
insurreição contra a violência contra a mulher
berg das violências perpetradas contra a mulher,
é uma de suas principais bandeiras: entretanto, trata-se apenas de mais uma violên-
cia dentre o panorama violento a que as mulhe-
Dentre as novas demandas do movimen- res são submetidas. Trazendo à luz um normativo

7 FARAH, Marta Ferreira Santos. Gênero e Políticas Públicas. Estudos Feministas, Florianópolis, 12 (1): 47-71, jan.-
-abr./2004, p. 48.
8 SAFFIOTTI, Heleieth B. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Cadernos Pagu, n. 16, p. 115-136,
200, p. 115.
9 BARSTED, Leila Linhares. O avanço legislativo no enfrentamento da violência contra a mulher. In: O Desafio de Cons-
truir Redes de Atenção às mulheres em Situação de Violência. Brasília: AGENDE, 2006, p. 67.

10 SAFFIOTTI, Heleieth B. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Cadernos Pagu, n. 16, p. 115-136,
200, p. 136.

106
nacional, podemos mencionar que a Lei Maria da dio são termos mais específicos.
Penha preleciona em seu bojo os diferentes tipos
Lamentavelmente, os assassinatos de mu-
de violência contra a mulher, são elas: a violência
física, sexual, patrimonial, moral e psicológica.11 lheres por questões de gênero, encontra espaço
em todos os espaços da sociedade e são decor-
Mas, o que podemos entender por femini- rentes de uma cultura de dominação e desigualda-
cídio? Podemos compreender o feminicídio como: de nas relações de poder existente entre homens
“o assassinato de mulheres realizado por homens e mulheres, produzindo a inferiorização da condi-
motivado por ódio, desprezo, prazer ou um senti- ção feminina, resultando na forma mais extrema
do de propriedade sobre as mulheres”.12 da violência contra as mulheres, que é ceifar-lhes
a vida.13
Feminicídio é o termo usado para denomi-
nar o homicídio de mulheres cometidos em razão Diante das bases conceituais apresen-
do seu gênero, ou seja, cometidos pelo simples tadas, e do caráter de violação a direitos hu-
fato da vítima ser mulher, e precipuamente trata- manos que a violência contra a mulher perpe-
-se de um crime de ódio, o que deve diferenciar- tra, passaremos pelo cenário latino americano
-se de femicídio, que é o homicídio de uma mulher do homicídio de mulheres, como base para
dentro de um contexto geral. A utilização de con-
compreendermos as legislações em vigor no
ceitos diversos para denominar o homicídio, não
se trata de uma separação de gênero, mas de uma Brasil e Argentina.
especialização semântica, onde o termo “homicí-
dio” é genérico, e os termos feminicídio e femicí-

3 O CENÁRIO LATINO AMERICANO DO FEMINICÍDIO

O Brasil ocupa a expressiva 5º colocação, escolhida para este estudo; a Bolívia (2013); Bra-
quando avaliados dados de 83 países no que diz sil(2015); o Chile (2010); a Colômbia (2008); a
respeito ao assassinatos de mulheres. Essa taxa Costa Rica (2007); o Equador(2014); o El Salva-
só é maior em El Salvador (8,9), na Colômbia (6,3), dor (2012), a Guatemala (2008), Honduras (2013),
na Guatemala (6,2) e na Rússia (5,3), seguidos pelo México (2012), Nicarágua (2012), Panamá (2011),
Brasil, que apresenta taxa de 4,8 homicídios a Peru (2011), República Dominicana (2014) e Ve-
cada 100 mil habitantes. A Argentina encontra-se nezuela (2014).16
em na 28º colocação, com taxa de 1,4 mortes.14
Os países latino-americanos têm tomado
A cifra do assassinato de mulheres na Amé- diferentes legislativos distintos, uma vez que, uns
rica Latina é maior do que de outros continentes. escolheram criar uma lei específica para o femi-
América Latina é considerada a região do planeta nicídio, outros alteraram o código penal ou até
mais letal para as mulheres, e, segundo um relató- mesmo os dois. E apesar dos dados alarmantes,
rio da ONU Mulheres, é o local mais perigoso do ao menos do ponto de vista legislativo, a América
mundo para elas, fora de uma zona de guerra.15 Latina busca avançar na defesa às mulheres, uma
vez que, países como o Brasil e a Argentina apre-
Dos países 20 países que compõem a sentam leis avançadas na proteção às mulheres
América Latina, 15 deles consagraram em sua le- vítimas a violência, como veremos nesse estudo.
gislação o feminicídio, são eles: Argentina (2012),

11 Tipos previstos no artigo 7º da Lei nº 11.340/2006.


12 CAPUTI, Jane; RUSSEL, Diana E. H. Femicide: sexist terrorism against women. In: CAPUTI, Jane; RUSSEL, Diana E.
H. Femicidio: la política de matar mujeres. Nueva York: Twayne, 1992, p. 34.

13 OLIVEIRA, Ana Carolina Gondim; COSTA, Mônica Josy Sousa; SOUSA, Eduardo Sérgio Soares. Feminicídio e vio-
lência de gênero: aspectos sociojurídicos. Revista Tema, v. 16, n. 24/25, jan.- dez. 2015.
14 Disponível em: <https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf>. Acesso em:
09.07.2019.
15 Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/11/24/actualidad/1543075049_751281.html>. Acesso em:
09.07.2019.
16 Disponível em: www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Nucleo_de_Genero/Feminicidio/FemLegislacao/Legislacao%20Inter-
nacional%20da%20America%20Latina%20-%20Quadro%20Comparativo . Acesso em: 09.07.2019

107
A respeito das sanções perpetradas ao fe- quando ocorrem circunstâncias agravantes
minicídio, podendo-se notar que, no que diz res- (artigos 141 e 142 do Código Orgânico Inte-
peito à punição, observa-se variações não só em gral Penal). Outras legislações também vincu-
relação a quantidade de pena privativa de liberda- lam a existência de duas ou mais circunstân-
de, bem como ao tipo de reprimenda, como tam- cias agravantes à pena fixa e mais agravada,
bém nos parâmetros a partir dos quais se baseiam
como o Peru, que prevê prisão perpétua nes-
a aplicação da sanção:
ses casos.17
pena fixa (30 anos, sem direito a indulto,
Cada país escolheu, dentro de seu con-
na Bolívia e perpétua na Argentina); (ii) pena texto político e social, a melhor forma de legislar,
mínima de 15 anos de duração sem previsão publicando legislações com muitas distinções en-
de limite máximo no tipo, tendo a forma agra- tre si, mas cujo objetivo precípuo é a proteção a
vada pena mínima de 25 anos (Peru); (iii) pena mulher vítima de violência. Entretanto, sobre uma
variável entre intervalos fixos (exemplos: de racional perspectiva, em face das estatísticas pan-
20 a 35 anos na Costa Rica e na Venezuela, de dêmicas que se manifestam na América Latina, há
25 a 40 anos na Colômbia, de 30 a 40 anos em que se assinalar que a criação de um normativo,
Honduras, de 30 a 50 anos em El Salvador, de por si só, não tem a força prática de resolver os
25 a 50 anos na Guatemala, de 40 a 60 anos gravíssimos problemas atinentes à implementa-
no México, de pena majorada até a prisão per- ção de direitos humanos das mulheres e sua efeti-
va proteção.
pétua no Chile). No Equador, a pena cominada
é de 22 a 26 anos na hipótese do feminicídio,
mas a lei prevê a aplicação da pena máxima

4. A FACE DO FEMINICÍDIO NO BRASIL

De acordo com dados da PNAD Contí- das as dimensões aqui analisadas, ainda é lon-
nua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domi- go para as mulheres, precipuamente, por ter
cílios Contínua) do ano de 2018, o número de como principal obstáculo os processos cultu-
mulheres no Brasil é superior ao de homens. A rais marcados pela violência.
população brasileira é composta por 48,3% de
Segundo o Atlas da Violência 2019
homens e 51,7% de mulheres, ou seja, a mu-
conforme dados oficiais do Sistema de Infor-
lher representa a maioria absoluta da popula-
mações sobre Mortalidade, do Ministério da
ção brasileira, em um total de 209,3 milhões
Saúde (SIM/MS), em 2017 houve no Brasil,
de habitantes.18
65.602 homicídios o que equivale a uma taxa
Entretanto, em termos de representa- de aproximadamente 31,6 mortes para cada
ção política, das vagas destinadas a Câmara cem mil habitantes. Assim, foi registrado no
dos Deputados do Congresso nacional Bra- corrente ano, maior nível histórico de letalida-
sileiro, por exemplo, apenas 10,5% são ocu- de violenta intencional no país.
pados por mulheres.19 Assim, o caminho a ser
Assim, o Brasil tem segunda maior taxa
trilhado em direção à igualdade de gênero en-
de homicídios da América do Sul, segundo re-
contra percursos tortuosos, pois, a busca por
latório da ONU, ficando neste ranking atrás
um cenário onde homens e mulheres gozem
apenas da Venezuela, com taxa de 56,8 as-
dos mesmos direitos e oportunidades em to-

17 MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. A violência doméstica fatal: O problema do feminicídio íntimo no Brasil -
Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria da Reforma do Judiciário, p. 27. Disponível em http://www.pnud.org.br/arquivos/publica-
cao_feminicidio.pdf Acesso em: 09.07.2019.

18 Disponível em: <https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18320-quantidade-de-homens-e-mulheres.


html.> Acesso em: 03.07.2019.
19 Disponível em: <https://educa.ibge.gov.br/jovens/materias-especiais/materias-especiais/20453-estatisticas-de-genero-indi-
cadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html.> Acesso em: 03.07.2019.

108
sassinatos a cada 100 mil habitantes. No to- Os contextos sociais violentos com o
tal, cerca de 1,2 milhão de pessoas perderam sexo feminino, apresentam-se pelo simples
a vida por homicídios dolosos no Brasil entre fato de se tratarem de mulheres. Assim,
1991 e 2017.20
constata-se que as mulheres foram per-
Com relação à morte de mulheres em seguidas e maltratadas pelo fato de serem
razão de sua condição de mulher, Dados do mulheres, diferentemente do que ocorreu
Núcleo de Estudos da Violência da USP, apon- com os homens, que também foram reprimi-
taram que o Brasil registrou em 2018 4.254 dos e subordinados, mas por razões externas
homicídios dolosos de mulheres, sendo des- e não simplesmente porque eram homens. Os
tes 1.173 casos de feminicídio. Houve assim, jovens, enquanto jovens, eram reprimidos e
um aumento em 16 estados brasileiros no nú- subordinados, mas ao se transformarem em
mero de feminicídio, quando comparados ao velhos, adquiriam status e passavam a ocupar
ano de 2017.21 postos importantes. O mesmo não sucedia
com as mulheres, que se perpetuavam como
Assim, o Brasil é líder em assassina-
seres subordinados.22
tos de mulheres na América Latina. Ao me-
nos 2.795 mulheres foram assassinadas em No que diz respeito a evolução legislativa
2017, por questões de gênero, em 23 países do tratamento da mulher no Brasil, é importante
da América Latina e do Caribe, segundo dados salientar que a primeira previsão legal sobre a pro-
oficiais da CEPAL; em termos absolutos, a lis- teção da mulher festa consagrada na Constituição
ta de feminicídios é liderada pelo Brasil (com Federal, em seu artigo 226, § 8º 23
, tendo como
outro grande marco brasileiro a aprovação da Lei
1.173 vítimas confirmadas em 2017).
nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha ).
24

O feminicídio, manifestado em propor-


Em virtude desse panorama, houve a
ções epidêmicas no Brasil é a expressão mais
necessidade de criar um tipo legal que retra-
extrema da violência praticada contra as mu-
tasse essa figura delituosa peculiar e com ca-
lheres, entretanto a mera tipificação do crime
racterísticas tão determinadas. Surge assim na
não foi suficiente para diminuir tais violências.
legislação brasileira, a figura do Feminicídio,
Ao contrário, é necessário para além disso,
que difere-se do femicídio comum, que tra-
devido as peculiaridades deste tipo de delito.
ta apenas da morte de mulheres (ser do sexo
A dinâmica das mortes das vítimas de feminino), indo além: trazendo em seu bojo o
feminicídio apresenta características distintas caráter da violência de gênero perpetrada.
das mortes violentas praticadas contra os ho-
A Lei de Feminicídio Brasileira25 foi cria-
mens, e por isso, necessitam de políticas de
da a partir de uma recomendação da Comis-
prevenção específicas para a violência contra
são Parlamentar Mista de Inquérito sobre
a mulher, tendo em vista que, o funcionamen-
Violência contra a Mulher (CPMI-VCM)26 que
to eficaz de um sistema de medidas proteti-
teve por objetivo investigar a violência prati-
vas protege essas vítimas e pode interromper
cada contra as mulheres nos Estados brasilei-
desfechos letais.
20 Disponível em: <https://nacoesunidas.org/brasil-tem-segunda-maior-taxa-de-homicidios-da-america-do-sul-diz-relatorio-
-da-onu/>. Acesso em: 03.07.2019.
21 Disponível em: <https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/03/08/cai-o-no-de-mulheres-vitimas-de-homici-
dio-mas-registros-de-feminicidio-crescem-no-brasil.ghtml.> Acesso em: 03.07.2019.
22 TELES, Maria Cunha de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher? São Paulo. Brasiliense, 2002,
p. 30.
23 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 8º O Estado assegurará a assistência à família na
pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
24 A história da farmacêutica bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes deu nome para a Lei nº 11.340/2006 porque ela foi
vítima de violência doméstica durante 23 anos. Em 1983, o marido tentou assassiná-la por duas vezes
25 Lei nº 13.104 de 09 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/
l13104.htm.
26 Relatório final disponível em: https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a-violencia/pdfs/relatorio-final-da-
-comissao-parlamentar-mista-de-inquerito-sobre-a-violencia-contra-as-mulheres.

109
ros, no período de março de 2012 à julho de o Brasil aderiu em 198428; Convenção Interame-
2013. A Comissão apurou denúncias de omis- ricana para prevenir, punir e erradicar a violência
são por parte do poder público com relação contra a mulher, a convenção de Belém do Pará
à aplicação de instrumentos instituídos em de 199429; a Declaração Americana dos Direitos
lei para proteger as mulheres em situação de e Deveres do Homem – DADDH30 e a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos – CADH31.
violência, tendo compilado suas conclusões
em um relatório final, o que culminou na Desse modo, dentro de um contexto histó-
criação da Lei. rico de necessidade de reprimenda as violências
de gêneros perpetradas contra as mulheres, em
Não é possível desconsiderar entre- 09 de março de 2015, a Lei nº 13.104 inseriu no
tanto que a iniciativa do poder legislativo de Código Penal o crime de Feminicídio, tendo esta
sancionar tal lei, é o resultado de anos de em- figura sido inserida como uma espécie de homicí-
poderamento político e social das mulheres, dio qualificado, in verbis:
que passam diuturnamente, a se reconhece-
Homicídio simples
rem como sujeitos de direitos começam a co-
brar tal reconhecimento da própria sociedade Art. 121.
e das Instituições do Sistema de Justiça, que
por força constitucional, não ser negligentes Homicídio qualificado
em face dessa realidade. § 2º
Sobre a luta das mulheres em defesa de Feminicídio
mecanismos legais que tipifiquem condutas
direcionadas a ofensa desses grupos vulnerá- VI - contra a mulher por razões da condi-
veis, assim preleciona Lima sobre a Lei Maria ção de sexo feminino:
da Penha, importante mecanismo nacional de § 2º -A Considera-se que há razões de
combate à violência doméstica e intrafamiliar: condição de sexo feminino quando o crime
A atual Lei Maria da Penha foi também envolve:
baseada em diversos documentos internacio- I - violência doméstica e familiar;
nais, os quais visam, há muito tempo, à elimi-
nação da violência contra a mulher. Isso nos II - menosprezo ou discriminação à con-
mostra que a luta contra a violência domésti- dição de mulher.
ca contra a mulher é antiga, além de nos de- Aumento de pena
monstrar a razão da existência desse diploma
legal. Isso sem falar nos altos índices de vio- § 7º A pena do feminicídio é aumentada
lência de que se tem conhecimento através de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for
das delegacias brasileiras.27 praticado:
Os tratados internacionais de repressão a I - durante a gestação ou nos 3 (três) me-
violência contra a mulher também trazem com- ses posteriores ao parto;
prometimento do estado brasileiro para com o
desenvolvimento de políticas públicas que visem II - contra pessoa menor de 14 (catorze)
coibir e prevenir tais condutas. Temos como des- anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com de-
taques: A Convenção Sobre a Eliminação de Todas ficiência;
as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CE-
III - na presença de descendente ou de
DAW – Convention on the Elimination of All Forms
of Discrimination Against Women)/ ONU – a que ascendente da vítima.

27 LIMA, Marcos Ferreira. Violência Contra a Mulher: o homicídio privilegiado e a violência doméstica. São Paulo. Ed.
Atlas. 2009, p. 63.
28 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4377.htm> . Acesso em: 03.07.2019.
29 Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/belem.htm>. Acesso em:
03.07.2019.
30 Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.Declaracao_Americana.htm> . Acesso em: 03.07.2019.
31 Disponível em:< https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm> . Acesso em: 03.07.2019.

110
Art. 2º O art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de ou seja, quando a vítima tem algum tipo de
julho de 1990 , passa a vigorar com a seguinte vínculo com o agressor.
alteração:
Tal previsão de aumento de pena reflete
Art. 1º mais uma vez, o caráter peculiar do homicídio
cometido contra mulher por questões de gê-
I - homicídio (art. 121), quando praticado
nero, em virtude precipuamente dos espaços
em atividade típica de grupo de extermínio,
sociais destinados a mulher e as pessoas que a
ainda que cometido por um só agente, e ho-
circundam, bem como onde ela eventualmen-
micídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV, V
te sofre as violências.
e VI)
A força da ordem masculina se eviden-
É importante salientar que, uma vez
cia no fato de que ela dispensa justificação: a
que a figura do Feminicídio foi incluída como
visão androcêntrica impõe-se como neutra e
circunstância qualificadora do crime de homi-
não tem necessidade de se enunciar em dis-
cídio, esta passa a ser o incluída também no
cursos que visem a legitimá-la. A ordem social
rol dos crimes hediondos, tendo em vista que
funciona como uma imensa máquina simbóli-
a Lei nº 8.072/90 assim prevê:
ca que tende a ratificar a dominação masculina
Art. 1 São considerados hediondos sobre a qual se alicerça: é a divisão social do
o

os seguintes crimes, todos tipificados no trabalho, distribuição bastante estrita das ati-
Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de vidades atribuídas a cada um dos dois sexos,
1940 - Código Penal, consumados ou tenta- de seu local, seu momento, seus instrumen-
dos: tos; é a estrutura do espaço, opondo o lugar
de assembleia ou de mercado, reservados aos
I – homicídio (art. 121), quando pratica- homens, e a casa, reservada às mulheres; ou,
do em atividade típica de grupo de extermí- no interior desta, entre a parte masculina, com
nio, ainda que cometido por um só agente, e o salão, e a parte feminina, com o estábulo, a
homicídio qualificado (art. 121, § 2o, incisos I, água e os vegetais; é a estrutura do tempo, a
II, III, IV, V, VI e VII). jornada, o ano agrário, ou o ciclo de vida, com
Dessa forma, o agente praticante des- momentos de ruptura, masculinos, e longos
se crime sofre uma série de implicações mais períodos de gestação, femininos.32
danosas, se comparado a figura do homicídio
simples. Entre elas: regime inicial da pena, se-
gunda a lei, obrigatoriamente em regime fe- É importante mencionar a existência
chado, progressão de regime mais dificultosa, de um documento intitulado Diretrizes Na-
prazos mais prolongados para prisão tempo- cionais Feminicídio – Investigar, processar e
rária, entre outros. julgar com perspectiva de gênero as mortes
violentas de mulheres, de 2016): A publicação
A lei também prevê o aumento de pena é resultado do processo de adaptação do Mo-
quando o crime é praticado durante a gestação, delo de Protocolo latino-americano para in-
e nos 3 meses posteriores a esta, bem como vestigação das mortes violentas de mulheres
contra pessoa menor de 14 anos ou maior de por razões de gênero (femicídio/feminicídio) à
60 anos ou com deficiência, na presença de realidade social, cultural, política e jurídica no
descendente ou de ascendente da vítima (art. Brasil. 33
121, par. 7º, Código Penal). É salutar pontuar
que boa parte dos feminicídio ocorridos no Por se tratar de uma lei relativamen-
Brasil são os chamados feminicídios íntimos, te nova, e que para o enquadramento de um

32 BOURDIEU, Pierre, A dominação masculina. 11ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012, p. 18.
33 O documento é uma realização da ONU Mulheres Brasil, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do Ministério
das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos e da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, com
apoio da Embaixada da Áustria. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2016/04/diretrizes_feminici-
dio_FINAL.pdf . Acesso em: 03.07.2019.

111
homicídio nas figuras por ela previstas exigemo propósito de diminuir as práticas discrimina-
uma abordagem multidisciplinar, há relativa tórias ainda presentes no Direito, e especial-
dificuldade de, nos casos concretos, se reco- mente no Poder Judiciário. Assim, o debate
nhecer a prática de feminicídio. Assim, os re-sobre o feminicídio ainda suscita controvér-
gistros de feminicídio podem embutir alguma sias e tensões, pela compreensão de que a
subnotificação, em função da não imputação simples judicialização, ou seja, a tipificação da
do agravante de feminicídio ao crime de ho- conduta violenta como crime não seria o ca-
micídio. minho mais eficaz para a mitigação ou o bani-
mento deste fenômeno da realidade social, é
O tipo penal que prevê como qualifica-
preciso fazer mais.
do o homicídio de mulheres em razão do gê-
nero, busca promover a justiça de gênero com

5. O CENÁRIO ARGENTINO

Na Argentina, em um universo de mais com armas de fogo.37 Os anos 80 na Argenti-


de 45 milhões de habitante, aproximadamen- na, marcaram a publicização e diversos movi-
te 51,1% da população é composta por mu- mentos contra a violência contra as mulheres.
lheres; assim como no Brasil, a população fe- Nesse período foram criados os Conselhos da
minina compõe a maior parte da população34. Mulher, de âmbito provincial e municipal, que
Entretanto quando comparada com o Brasil, deram início à discussão sobre a problemática
em termos de feminicídio, a Argentina se en- da violência de gênero.
contra na 28º posição do país que ocorre mais
Outro passo importante para o avanço da
feminicídio no mundo.35 proteção a mulher na Argentina foi dado em abril
Naquele país, de acordo ao Registro de 2009 quando foi sancionada a Ley 26485/0938,
Nacional de Femicídios da Organização Mu- que, em seu texto, muito se assemelha a lei bra-
lheres da Matria Latino-Americana (MuMaLá), sileira (Lei Maria da Penha)39. Neste normativo
define-se a violência contra a mulher segundo os
de junho de 2015 a maio de 2018, foram re-
princípios e conceitos da Convenção de Belém do
gistrados 871 femicídios e 24 travesticidios. Pará, apresentando diferentes tipos de violência
Isso demonstra que, a violência de gênero cei- contra a mulher, como também estabelecendo um
fa a vida de uma mulher a cada 30 horas nesse protocolo nacional de atendimento as mulheres
país.36 vítimas de violência nas delegacias de polícia.
Na última década, de acordo com dados Tal normativa, como objetivo inicial,
da ONG Casa de Encontro, ocorreram 2.679 visou sensibilizar e prevenir a violência con-
feminicídios na Argentina. Destas, cerca de tra a mulher, bem como desenvolver políticas
66% das vítimas tinham entre 19 e 50 anos, públicas de âmbito interinstitucional, modi-
e, em mais de 62% dos casos os homicidas os ficar padrões socioculturais que promovam
maridos, namorados ou parceiros das vítimas. e sustentem a desigualdade de gênero e as
Esta pesquisa mostrou ainda, que 51% das relações de poder sobre as mulheres e ofe-
mulheres foram mortas em suas casas, e que recer amplo acesso à justiça e assistência in-
um a cada quatro feminicídios foi cometido tegral às vítimas de violência. Esta lei tipifica
34 Disponível em: <https://countrymeters.info/pt/Argentina>. Acesso em: 03.07.2019.
35 Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-11/brasil-concentrou-40-dos-feminici-
dios-na-america-latina-em-2017>. Acesso em: 03.07.2019.
36 Disponível em: <https://www.parlamentomercosur.org/innovaportal/v/15475/1/secretaria/parlasul-recomenda-a-criac%-
C3%A3o-de-um-observatorio-de-viol%C3%AAncia-contra-a-mulher-no-mercosul.html>. Acesso em: 03.07.2019.
37 Disponível em: http://www.lacasadelencuentro.org/. Acesso em: 03.07.2019.
38 Disponível em: <http://www.sipi.siteal.iipe.unesco.org/pt/node/691>. Acesso em: 03.07.2019.
39 A influência da Lei 11.340/06 – Maria da Penha na promulgação da Lei 26.485 pode ser apreendida na leitura da entrevista
dada pela senadora argentina Maria Cristina Perceval ao site Comunidade Segura em 25 de março de 2009 (Entrevista com Maria
Cristina Perceval. Nova lei pode reverter a violência contra as mulheres. Site Comunidade Segura, 25 de março de 2009. Disponível
em: http://www.comunidadesegura.org/pt-br/MATERIAlei-pode-reverter-violencia-contra-mulheres) Acesso em: 03.07.2019.

112
variadas formas de violência contra a mulher Segundo dados da Casa del Encuentro,
(física, psicológica, sexual, econômica e patri- de 2008 a 2015 foram registrados na Argentina
monial, e simbólica) e define as modalidades 2.094 feminicídios e 205 feminicídios vincula-
dessa violência como doméstica, institucional, dos de homens e crianças, ou seja, nesses 8 anos,
laboral, contra a liberdade reprodutiva, obsté- além das vítimas diretas, foram registrados 2.518
vítimas colaterais, filhas e filhos que ficaram sem a
trica e midiática.
mãe decorrente do feminicídio, demonstrando as-
Visando avançar ainda mais no que diz sim que o feminicídio é um tipo criminal que afeta
respeito aos normativos em defesa da mulher para além da vítima efetivamente atingida, uma
vítima de violência, o feminicídio foi regula- vez que esta encontra-se dentro de um contexto
mentado em uma reforma do Código Penal social.
Argentino promulgado em 11 de dezembro de Diante desse cenário, em 2018 foi apro-
2012, in verbis: vada a Lei Brisa na Argentina, que garante assis-
tência aos “filhos do feminicídio”, constituindo-se
ARTICULO 80. - Se impondrá reclusión em uma compensação econômica que deve ini-
perpetua o prisión perpetua, pudiendo apli- ciar desde o momento do julgamento do femicida,
carse lo dispuesto en el artículo 52, al que transfigurado em um valor de um salário mínimo
matare: mensal, destinados aos meninos, meninas e ado-
11. A una mujer cuando el hecho sea per- lescentes até os 21 anos, dependentes da vítimas.
Tem-se assim, mais um avanço.
petrado por un hombre y mediare violencia de
género. Ainda há necessidade de mais avanços
na tipificação dos feminicídios na Argentina,
O Código Penal Argentino é claro ao
entretanto, já não se fala de “crimes passio-
tratar da violência de gênero. Para este país,
nais”, mas de homicídios de gênero. A mudan-
tal reprimenda é necessária em virtude dos
ça de linguagem e tratamento deste tipo de
seus altos índices de violência e feminicídio,
violência representa um importante avanço
perpetrados por conceitos socioculturais de
com vistas a erradicar a cultura de violência
subjugação da mulher, entretanto, seguem re-
contra a mulher.
sistindo.
Assim, é importante mencionar que, ara
A maior mudança está, sem dúvida, no
além de solicitar mudanças do mundo social
fato de que a dominação masculina não se
através das leis, deve-se lutar pela aplicação
impõe mais com a evidência de algo que é in-
das próprias leis, tendo em vista que quanto
discutível. Em razão, sobretudo, do enorme
mais as normas defendem direitos emergen-
trabalho crítico do movimento feminista que,
tes, vulneráveis e populares, maior é a proba-
pelo menos em determinadas áreas do espaço
bilidade de não serem aplicadas.
social, conseguiu romper o círculo do reforço
generalizado, esta evidência passou a ser vis- Outro aspecto relevante a ser mencio-
ta, em muitas ocasiões, como algo que é pre- nado, é a necessidade de constante de apri-
ciso defender ou justificar, ou algo de que é moramento dos agentes do Sistema de Justi-
preciso se defender ou se justificar.40 ça que lidam com tais processos, com vistas
Sobre a reprimenda aplicada, aquele que
ao melhor andamento da persecução penal
comete o feminicídio na Argentina estará sujei- e efetivo combate as violências perpetradas.
to a uma pena de reclusão ou de prisão perpé- Nesse sentido, prelecionam José Márcio Alves
tua. Assim, observa-se a grande diferença quando e Artenira Silva:
comparada a pena aplicada no Brasil. Entretanto, Induvidoso que a garantia dessa máxima efetividade
de acordo com as estatísticas, com o advento do passa pela dotação dos operadores do direito – sobretudo
feminicídio na Argentina, não foi constatada ne- dos que estejam à frente das instituições do sistema de jus-
nhuma diminuição drástica quanto à prática deste tiça – de conhecimentos transdisciplinares que revelem a
tipo de homicídio. verdadeira mens legis da LMP como ferramenta insuflada

40 BOURDIEU, Pierre, A dominação masculina. 11ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012, p. 106.

113
pela rede feminista global acerca da violência doméstica. fique e apene o feminicídio, para que a mor-
Não excluir os operadores do direito do acesso a esse deba- talidade de mulheres seja reduzida. É preciso
te, em forma de qualificação formal e continuada, significa
garantir uma mudança de paradigma para o de deslegitima- se perseguir, incessantemente, o objetivo de
ção da violência doméstica, através do recrudescimento do construção de uma sociedade menos desigual,
discurso sociológico feminista no meio jurídico, para que processo que se inicia com a conscientização
ele migre do abstrato à prática das relações sociais geridas e a capacitação dos diversos atores.
pelo Poder Judiciário.41

Não é suficiente, portanto, que se tipi-

CONCLUSÃO

A violência de gênero contra a mulher, estudo é a mista, ou seja, a pena possui du-
quando praticada em um contexto domésti- pla finalidade: A prevenção e a retribuição a
co, familiar ou mesmo de íntima relação de violência praticada. Assim, a prevenção visa
afeto com o agressor, constitui uma afronta reeducar o criminoso, e em um segundo mo-
aos direitos humanos e direitos de proteção a mento coibi-lo a não mais cometer delitos.
grupos vulneráveis prelecionados nos norma-
Nesse contexto, não é difícil imaginar os
tivos infraconstitucionais e, portanto, merece
percalços que os processos referentes a femi-
receber a devida atenção das instituições in-
nicídio enfrentam no Poder Judiciário, tendo
tegrantes do Sistema de Justiça. Nesse con-
em vista tratar-se de uma causa que exige es-
texto, criar leis é de suma importância, entre-
pecialidade de tratativas, com as quais os ma-
tanto, como vimos, não é suficiente.
gistrados e diversos outros atores do sistema
Constitui-se um grande desafio, nos mais de justiça, em virtude da generalização de sua
diversos países, erradicar os feminicídios, ape- formação, podem não estar familiarizados, o
nar adequadamente os agressores e, sobre- que poderia representar obstáculos no que
tudo, prevenir novos crimes, submetendo-os diz respeito o acesso à justiça. É importante
a um processo de reeducação. Para isso, fa- salientar que os tribunais possuem um acervo
zem-se necessários instrumentos diversos em processual pendente considerável e variado, e
diferentes contextos sociais, para uma efetiva que ocasiona a congestão de processos.
aplicação da lei, podemos citar: a capacitação
Ainda assim, compreendemos que a edi-
constante dos agentes da justiça e policiais,
ção destas normativas representam um im-
para que os procedimentos sejam realizados
portante avanço, que ultrapassa o mero sim-
dentro dos padrões previstos em lei e a edição
bolismo, estabelecendo providências que de
de políticas públicas preventivas.
fato vão resguardar a efetividade dos direitos
Observamos neste estudo, portanto, humanos das mulheres em situação de violên-
que a criação destas qualificadoras nos Códi- cia doméstica e familiar, vítimas de feminicí-
gos Penais do Brasil e da Argentina, são fruto dio. Ás mulheres (e homens) cabe lutar para
uma política criminal que tem como objeti- que um dia todo esse pesadelo de violência
vo dar uma proteção mais vigorosa à mulher, inaceitável e infundada acabe.
frente a sua vulnerabilidade social, bem como
com o intento reprimir de forma mais dura e
específica o homicídio por razão de gênero, e
assim, de fato reeducar o autor do crime.
É importante pontuar que a teoria da
pena adotada nos dois países objeto desse
41 ALVES, José Márcio Maia; SILVA, Artenira Silva e. A tipificação da lesão à saúde psicológica: revisitando o artigo 129, do
código penal à luz da Lei Maria da Penha. In: João Paulo Allain Teixeira, Riva Sobrado de Freitas, Sérgio Antônio Ferreira Victor.
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114
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115
O MACHISMO ENRAIZADO NA SOCIEDADE
BRASILEIRA E A INCORPORAÇÃO DA LEI DO FEMICICÍDIO
(LEI 13.104/2015) NO ORDENAMENTO JURÍDICO COMO
INSTRUMENTO DE PENALIZAÇÃO

Rayfranete Neves Mastriani


Graduanda em Direito pela Faculdade Marechal Rondon –
Campus São Manuel (SP); Oficiala Administrativo na Procurado-
ria Geral do Estado de São Paulo.
E-mail: fran.bneves@gmail.com

SUMÁRIO

1. Introdução
2. Breve História e Cultura no Machismo no Brasil
2.1 Legislações Anteriormente Vigentes que Amparavam as Mulheres Vítimas de Violência
2.2 Da Lei 13.104/2015
3. Direitos e Princípios Aplicados
3.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e sua Abrangência
3.2 Princípio da Isonomia e Igualdade
4 Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015)
4.1 Lei do Feminicídio e suas Nuances
4.2 Diferenças Entre Femicídio e Feminicídio
5. A Qualificadora do Feminicídio e sua Natureza Subjetiva
ConsideraÇões Finais
Referências

116
RESUMO
Este artigo apresenta um estudo acerca da cultura do machismo enraizado na sociedade
brasileira e suas consequências através dos tempos para as mulheres, das lutas empreendi-
das ao longo dos anos para combater a desigualdade entre homens e mulheres, dos avanços
conquistados e das políticas públicas adotadas para deter a grande onda de violência contra a
mulher no ambiente familiar e social, das leis criadas no sentido de proteger a mulher de seus
agressores e do recrudescimento de leis já vigentes, com base em princípios constitucionais.
O objetivo deste trabalho é apresentar um histórico dessa cultura machista/paternalista ar-
caica e sua principiologia, as formas adotadas pelo Estado para combater, erradicar e punir os
agressores de mulheres dentro do ambiente socioafetivo e familiar por questões de gênero,
da criação de leis efetivas e específicas para dirimir e combater a desigualdade entre homens
e mulheres, dentro dos parâmetros de ordem mundial, bem como nos tratados internacionais
e principalmente, em defesa da dignidade da pessoa humana.

PALAVRAS-CHAVE
Machismo cultural. Violência doméstica e social. Homicídio. Princípios constitucionais.
Políticas públicas de combate. Dignidade.

ABSTRACT

This article presents a study about the sexist culture rooted in Brazilian society and its
consequences over time for women, the struggles undertaken over the years to combat in-
equality between men and women, the advances achieved and the public policies adopted
for to stop the great wave of violence against women in the family and social environment,
the laws designed to protect women from their aggressors and the upsurge of laws already
in force, based on constitutional principles. The purpose of this is to present a history of this
archaic sexist/patriarchal culture and its principles, the ways the state has adopted to combat,
eradicate and punish women offenders within the socio-affective and family environment for
gender issues, the creation of effective and specific laws. to resolve and combat inequality
between men and women, within the parameters of world order and based on international
treaties, and especially in defense of the dignity of the human person.

KEYWORDS
Sexist Culture. Domestic and social violence. Murder. Constitutional principles. Public
policies of combat. Dignity.

117
1. INTRODUÇÃO

É notória a caminhada da mulher ao longo A finalidade deste estudo é trazer outra


dos anos, no sentido de romper as barreiras perspectiva acerca do feminicídio, tendo por
arcaicas e patriarcais que a subjugaram enfoque a questão socioeducativa e filosófica,
continuamente em todas as esferas da socie- que abrange não só as estatísticas de morte
dade, principalmente dentro do ambiente fa- por feminicídio, mas, a fim de revelar o proble-
miliar, é o que nos mostra este estudo. ma maior: qual é a diferença de poder entre
homens e mulheres nos diferentes contextos
No primeiro momento, serão destacados
socioeconômicos.
os principais pontos sobre a história da cultu-
ra do machismo enraizado na sociedade bra- A metodologia deste artigo está baseada
sileira, as legislações que buscavam amparar na revisão e discussão de referências sobre o
as mulheres vítimas de violência e como foi tema, como livros, artigos, legislações vigen-
criada a Lei 13.104/2015. tes e demais publicações. O procedimento
técnico empregado foi o estudo bibliográfico,
Logo após, discute-se a luta das mulheres
com a interpretação de textos, leis, jurispru-
através dos anos e as conquistas alcançadas
dências, doutrinas e artigos científicos, com
na legislação brasileira, os princípios nortea-
uma pesquisa abrangente e filosófica sobre
dores aplicados e sua abrangência nos direitos
o assunto, tendo por conclusão o reconheci-
da mulher. Sendo assim, um dos objetivos é
mento da grande falha na educação sobre a
debater a Lei 13.104/2015 e suas nuances, a
violência doméstica e socioafetiva e suas con-
diferença entre femicídio e feminicídio.
sequências sociais para a mulher.
Finalmente, discorre-se sobre a constitu-
O principal objetivo da Lei do feminicí-
cionalidade da lei 13.104/2015, sua eficiên-
dio é tirar o problema da invisibilidade, sendo
cia e alcance, o reconhecimento êquanime da
uma resposta penal a um crime que tem tirado
mulher transgênero dentro da lei do feminicí-
a vida de muitas mulheres, o artigo visa escla-
dio, sua qualificadora e natureza subjetiva. Por
recer e modificar os conceitos já apresentados
fim, análise se constituirá pela ótica crítica de
acerca do feminicídio, possibilitando ao leitor
doutrinadores, por se tratar de assunto novo
uma visão mais reflexiva acerca do assunto.
no meio jurídico o que me proporcionou gran-
de aprendizado.

2. BREVE HISTÓRIA E CULTURA DO MACHISMO NO BRASIL

Ao longo dos anos a mulher tem lutado ra papeis de liderança dentro de sua própria
para conquistar espaço e igualdade de direitos identidade, ocupando lugares de destaque na
e deveres no meio social. Graças às reinvin- sociedade através de movimentos sociais, em
dicações e constantes quebras de tabus, sua lutas organizadas, fugindo das amarras ideo-
trajetória tem apresentado avanços e rompi- lógicas que as confinavam aos cuidados mera-
mentos de paradigmas por várias gerações. mente familiares.
O ideal machista e seu sistema hierárqui- O século XX marca essa quebra de para-
co vem perdendo força tanto no meio econô- digmas de forma categórica, passos importan-
mico, politico mundial, tanto quanto nas religi- tes foram dados para resguardar a dignidade
ões e no núcleo familiar, onde historicamente da mulher, trazendo reconhecimento na lei,
a prática e os abusos contra a mulher são os de direitos igualitários aos homens em todos
mais presentes. A mulher, como coisa, “objeto os sentidos, embora sofrendo ainda os resquí-
sexual” de satisfação e prazer e como repro- cios de uma sociedade marcada pelo patriar-
dutora, explorada e dominada, assume ago- calismo.

118
Caminhando a passos lentos, a evolução ção do patrimônio e a permanência deste no
histórica da condição jurídica da mulher na le- núcleo familiar, formava cidadãos atrelados à
gislação do Brasil, tem sua trajetória marcada consciência de seus antepassados e de seus
por opressão, sofrimento, submissão, conser- valores, deixando os indivíduos com destinos
vadorismo, castigos físicos e até banimentos reservados, restando às mulheres o mesmo
“legalizados”. caminho de suas mães, avós e tias.
O Brasil-Colônia antes do Código Crimi- Com a pseudopreocupação de harmoni-
nal do Império aprovado em 1830 e vigente zar os interesses comuns da família, o legis-
a partir de sua publicação em 1831 era regi- lador manteve a vontade preponderante do
do pelo Livro das Ordenações Filipinas, que cônjuge masculino e os atos relativos à mu-
mesmo não se identificando com os usos, lher ateados à prévia autorização de seu mari-
costumes e tradições do Brasil, traziam em do, de forma geral ou especial, constando em
sua essência o conservadorismo do poder pa- instrumento público ou particular previamen-
triarcal e da Igreja. Conforme o Regime das te autenticado.
Ordenações Filipinas, não era imputado pena
Modificado o Artigo 233 do Código Civil
ao marido por aplicação de castigos corporais
de 1916 pela Lei 4.121/62, O Estatuto da Mu-
à mulher e aos filhos e o pátrio poder era de
lher Casada, acrescentou em seu texto que: “A
exclusividade do homem, não podendo a mu-
função de chefe da sociedade conjugal deve
lher praticar quase nenhum ato sem sua auto-
ser exercida com a colaboração da mulher, no
rização.1
interesse comum do casal e dos filhos”, ame-
O Regime Republicano Brasileiro implan- nizando sua condição de mera servente, para
tado no país veio a diminuir o domínio patriar- o marco de sua mudança social como compa-
cal, onde retirou do marido o direito de infligir nheira e ajudadora e retirou a incapacidade
castigos corporais a esposa e aos filhos, dis- relativa do Artigo 6º.
pondo no Decreto nº 181 de Janeiro de 1890
O Estatuto da Mulher Casada foi um mar-
as regras sobre o casamento civil.
co na história da evolução feminina, trazendo
O Código Civil de 1916 manteve os prin- em seu âmago os ideais e anseios de liberda-
cípios conservadores e o homem como chefe de, embora com ressalvas e ainda competin-
da família, a mulher ainda estava restrita a pe- do ao marido a representação legal da família,
quenos atos e apenas em caso de falecimento conforme Diniz (1994, p.102), “por motivos
do cônjuge ou impedimento legal deste; um práticos, pois seria inconveniente faltar al-
cenário de submissão às regras de liderança guém que defendesse os direitos e interesses
do poderio masculino ainda vigente e imposta. comuns na órbita cível ou criminal”, e que, “o
homem era o representante legal da unidade
A restrição fica notória no Artigo 233
familiar e não de sua mulher”, deixando claro,
da referida lei, que institui em seu texto: “O
portanto, que a lei prescreveria e regulamen-
marido é o chefe da sociedade conjugal...”, ou
taria as relações familiares, retirando do mari-
ainda mais absurdo, tratando com desprezo
do a condição absolutista deste núcleo. 2
a capacidade cognitiva da mulher em tomar
decisões ou resolver questões inerentes à sua
própria vida conjugal, o texto da lei a tornava
relativamente incapaz, Artigo 6º, inciso II.
A Família tradicional voltada à manuten-

1 As Ordenações Filipinas resultaram da reforma feita por Felipe II da Espanha (Felipe I de Portugal), ao Código
Manuelino, durante o período da União Ibérica. Continuou vigendo em Portugal ao final da União, por confirmação de D.
João IV. Até a promulgação do primeiro Código Civil brasileiro, em 1916, estiveram também vigentes no Brasil. In Brasil,
1780 Livro das Ordenações Filipinas. Lisboa- Portugal.
Disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/242733~- acesso em 26 ago. 2019.
2 Informações retiradas de DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. 8ª ed.
São Paulo: Saraiva, 1994, p. 102.

119
2.1 LEGISLAÇÕES ANTERIORMENTE VIGENTES QUE AMPARAVAM AS
MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA

Através da Convenção Americana de Di- ativistas que já crescia em todas as camadas


reitos Humanos, conhecido como “Pacto de sociais. Embora desconhecendo o importan-
San Jose da Costa Rica” (1969/1978), que as- te trabalho desenvolvido pelas mulheres para
segurou em seu texto, direitos civis e políticos modificar o Código Civil, o texto da conven-
a todos, igualando assim as pessoas indepen- ção continha reservas nos Artigos 15, § 4º e
dente de sexo, foi um propulsor dos Direitos 16º, § 1º, alíneas (a), (c), (g) e (h) e referiam-se
Humanos e trouxe para a mulher, identidade, ao status da mulher casada; como escolha de
personalidade jurídica, direito à liberdade de domicílio, igualdade de direitos no casamento
consciência e religião, privacidade, liberdade e em sua dissolução.
de pensamento e expressão, liberdade de mo-
Com a promulgação da Constituição Fe-
vimento e residência, igualdade perante a lei e
deral de 1988, o Itamaraty enviou ao Congres-
proteção judicial, dentre outros.
so Nacional uma proposta de retirada dessas
Pela “Convenção para Eliminação de To- ressalvas.
das as Formas de Discriminação contra a Mu-
Através do Decreto 1.973 de 1º de agos-
lher”, de 1979, o Brasil, através do Decreto Nº
to de 1996 foi promulgada a Convenção Inte-
89.460/84 homologou a referida convenção,
ramericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
trazendo para as mulheres uma verdadeira re-
Violência Contra a Mulher. Conhecida como a
viravolta em diferentes campos.
Convenção de Belém do Pará, esta lei reitera,
Como a própria convenção traz em seu ratifica e afirma que a violência contra a mu-
texto, todo significado de luta empreendi- lher constitui violação dos direitos humanos
da pelas mulheres ao longo dos anos, tendo e liberdades fundamentais consagrados na
como base a igualdade e os direitos humanos, Declaração Americana dos Direitos e Deveres
as liberdades e garantias fundamentais para do Homem e na Declaração Universal dos Di-
sua própria sobrevivência social, até então: reitos Humanos, instrumentos internacionais
nas quais o Brasil teria celebrado acordo.
Artigo 1º
Comprometidos a adotar medidas para
  Para os fins da presente Convenção, prevenir e erradicar todas as formas de violên-
a expressão “discriminação contra a mulher” cia contra a mulher, os Estados Membros da Co-
significará toda a distinção, exclusão ou res- missão Interamericana, ressaltaram a obrigação
trição baseada no sexo e que tenha por ob- dos Estados signatários em promover mudanças
jeto ou resultado prejudicar ou anular o reco- nos setores administrativos, educacional, político
nhecimento, gozo ou exercício pela mulher, e na criação de políticas públicas de prevenção
independentemente de seu estado civil, com e combate à violência e toda forma de discrimi-
base na igualdade do homem e da mulher, nação contra a mulher, bem como promover a
dos direitos humanos e liberdades fundamen- igualdade de gênero.
tais nos campos político, econômico, social, Em 26 de dezembro de 1977 foi promulga-
cultural e civil ou em qualquer outro campo. 3 da a Lei 6.515 que regulou os casos de dissolu-
ção da sociedade conjugal e do casamento, seus
efeitos e respectivos processos, dando aos côn-
A referida convenção que foi produto juges a oportunidade de pôr fim ao casamento e
da Conferência Internacional da Mulher do de constituir nova família. Tal lei deu à mulher a
México em 1975, trouxe para o país modifi- faculdade de escolher usar o sobrenome do ma-
rido e retirou a imposição social de abrir mão de
cações significativas no universo feminino e
seu próprio nome, o que a despersonalizava. A
inaugurou no Brasil uma era de movimentos lei também trouxe efeitos sobre a escolha do re-

3 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4377.htm – acesso em 26 ago. 19.

120
gime de comunhão de bens a que os cônjuges se orientações da Corte Internacional, demorou 19
submeteriam, equiparou os filhos independente- anos e seis meses para que o autor das tentati-
mente de filiação para fins de sucessão heredi- vas de homicídio contra Maria da Penha fosse
tária; estabeleceu a reciprocidade de prestação preso. Dos oito anos de pena, cumpriu um ano
alimentar indistintamente entre homem e mulher, e quatro meses em regime fechado e o restante
vinculando os alimentos ao poder aquisitivo dos em regime semiaberto e aberto, o que não trouxe
pais. 4 alivio a vitima, pois estava paraplégica por conta
das agressões vividas, mas, contribuiu para que
Com a criação dos Juizados Especiais Cri- fosse criada a Lei que levaria seu nome e ajuda-
minais em 1995, através da Lei 9.099/95, com ria milhares de mulheres com histórias iguais a
o intuito de ampliar o acesso à justiça principal- sua.
mente à população mais carente de forma mais
simples e célere, o Estado proporcionou uma for- A Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) foi
ma de administrar conflitos envolvendo os crimes elaborada depois de demorado processo de dis-
considerados de menor potencial ofensivo, com cussões e audiências públicas, análises das pro-
pena máxima não superior a dois anos. Em virtu- postas de leis que tramitavam no Congresso Na-
de das práticas de mediação de conflito ocorridas cional, propostas e acordos ratificados pelo país,
nos Juizados Especiais Criminais, os casos de passando pelo crivo de processualistas cíveis
violência contra a mulher estavam sendo banali- e criminais, para então chegar ao Legislativo e
zados, pois o judiciário buscava conciliar a vítima ser encaminhada para sanção presidencial. Um
com o agressor, sendo isto apenas uma forma de árduo caminho que custou a muitas mulheres,
resolver os conflitos que se apresentavam o que dor, pela omissão do Estado.
contribuía para naturalizar ainda mais a violência
doméstica/familiar.5 A referida lei explicita as ações que devem
ser incluídas no enfrentamento à violência con-
Em 2001, o Brasil foi condenado pela Co- tra a mulher, com punição, proteção, prevenção
missão Interamericana de Direitos Humanos dos e educação.
Estados Americanos (CIDH/OEA) por omissão,
negligência e tolerância em relação aos crimes No campo da punição, temos a instauração
contra os direitos humanos das mulheres. Sen- de inquérito (abolido na Lei 9.099/95); aplicação
tado no banco dos réus pelo caso da biofarma- de medidas de prisão em flagrante delito, pri-
cêutica Maria da Penha, que foi vítima de duas são preventiva ou como decorrente de decisão
tentativas de homicídio em 1983 pelo seu então condenatória; proibição da aplicação de penas
marido, o Brasil iniciava uma longa jornada que alternativas ou pagamento de multa como pena
alteraria a visão da sociedade em relação aos isolada; restrição da representação criminal para
crimes de violência doméstica praticado contra determinados delitos; e o veto da aplicação da Lei
as mulheres. n. 9.099/95 aos crimes que se configurem como
“violência doméstica e familiar contra a mulher”,
A Organização dos Estados Americanos segundo o disposto nos artigos 5º e 7º.
categoricamente afirmou que sendo o Brasil sig-
natário de todos os acordos internacionais, entre O segundo princípio norteador da lei con-
eles a Convenção Interamericana para Prevenir, templa medidas de proteção à integridade física
Punir e Erradicar a Violência Contra as Mulheres e os direitos da mulher; a decretação da prisão
(Convenção de Belém), que asseguram indiscu- preventiva do agressor através de requerimento
tivelmente os direitos humanos das mulheres, do juiz expedido ao Ministério Público, dentre ou-
recomendou ao Brasil a finalização do proces- tras. Integram também esse princípio as medidas
so penal do responsável pelas agressões contra de assistência, de modo que a atenção à mulher
Maria da Penha, bem como indenização moral e em situação de violência se dê de forma integral,
material pelas violações sofridas, assim também contemplando, além do atendimento jurídico ci-
como a adoção de medidas voltadas à preven- vil e criminal, o atendimento psicológico e social.
ção, punição e erradicação da violência contra a E, por fim, temos as medidas de prevenção e
mulher. de educação, compreendidas como estratégias
possíveis e necessárias para coibir a reprodução
Mesmo tendo implementado parte das social do comportamento violento e a discrimina-
4 Brasil Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977 – Lei do Divórcio.
5 Disponível em Conselho Nacional de Justiça – www.cnj.jus.br - acesso em 26 ago.
2019.

121
ção baseada no gênero. (Souza, 2013)6

2.2 DA LEI 13.104/2015

Como objeto de estudo se torna priori- estatal detectada tanto por pesquisas, estu-
dade discorrer sobre o processo de criação da dos e relatórios nacionais e internacionais
Lei 13.104/2015 conhecida por Lei do Femi- quanto pelos trabalhos desta CPMI estão a
nicídio. demonstrar a necessidade urgente de mu-
danças legais e culturais em nossa socieda-
Criada em 2013 para avaliar a situação
de. Conforme mostra a pesquisa intitulada
de violência contra a mulher no país, a Comis-
Mapa da Violência: Homicídios de Mulheres,
são Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da
mais de 92 mil mulheres foram assassinadas
violência doméstica envolveu diversos órgãos
no Brasil nos últimos trinta anos, 43 mil delas
de diversos setores do país, incluindo organi-
só na última década.
zações internacionais, órgãos do poder execu-
tivo e do sistema de Justiça, que se reuniram BALANÇO DOS TRABALHOS DA CPMI
para traçar um mapa da violência contra a mu-
Ao longo de pouco mais de um ano de
lher e realizar um estudo da ineficiência das
trabalho, a Comissão Parlamentar Mista de
políticas públicas já aplicadas para coibir tais
Inquérito da Violência contra a Mulher (CPMI-
atos.
VCM) – criada por meio do Requerimento nº
Em sua nota de apresentação a nobre co- 4 de 2011-CN, “com a finalidade de, no prazo
missão cita em seu texto: de 180 (cento e oitenta) dias, investigar a si-
tuação da violência contra a mulher no Bra-
Superar a violência contra as mulheres
sil e apurar denúncias de omissão por parte
é um dos maiores desafios impostos ao Esta-
do poder público com relação à aplicação de
do brasileiro contemporaneamente. As diver-
instrumentos instituídos em lei para proteger
sas formas de violência – como a praticada
as mulheres em situação de violência” – visi-
no âmbito doméstico por parceiros íntimos
tou dezessete estados brasileiros e o Distrito
ou familiares, a violência sexual, o tráfico de
Federal, sob a presidência da Deputada Fe-
mulheres, a violência institucional, a violên-
deral Jô Moraes (MG) e relatoria da Senado-
cia contra mulheres com deficiência, a violên-
ra Ana Rita (ES).7
cia decorrente do racismo, a lesbofobia e o
sexismo – e o feminicídio são violações aos Os dados do Mapa da Violência 2015 ele-
direitos humanos das mulheres, incompa- varam os clamores sociais para um olhar mais
tíveis com o Estado Democrático de Direito abrangente na legislação, pois o diagnóstico
e com o avanço da cidadania, em boa parte apresentado pela Comissão Parlamentar Mis-
patrocinado pelas conquistas do movimento ta de Inquérito afirmava que a maior parte dos
crimes contra a mulher ocorria no contexto das
feminista e de mulheres nos últimos séculos.
relações afetivas e diversas vezes, os corpos
A curva ascendente de feminicídios (o violentados das mulheres traduziam a crueldade
assassinato de mulheres pelo fato de serem e o barbarismo de seus algozes, refletindo dessa
mulheres), a permanência de altos padrões forma o desprezo e a discriminação dos assassi-
de violência contra mulheres e a tolerância nos às vitimas pela condição de ser mulher.8

6 SOUZA, Suellen André de - Doutoranda em Sociologia Política da Universidade Estadual do Norte Fluminense
– UENF – Pesquisadora do Núcleo de Estudos da Exclusão da Violência NEEV/UENF e pesquisadora do instituto de
Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos – INCT – InEAC. XXVII Simpósio Nacional de História
– Conhecimento histórico e diálogo social – Natal/RN – 22 a 26 de julho de 2013

7 Senado Federal – Secretaria das Comissões – Subsecretaria de apoio às Comissões Especiais e Parlamen-
tares de Inquérito. Disponível em https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a-violencia/pdfs/relatorio-final-
-da-comissao-parlamentar-mista-de-inquerito-sobre-a-violencia-contra-as-mulheres - acesso em 12 set. 2019.
8 Disponível em CNJ (Conselho Nacional de Justiça) Disponível https://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/81764-cnj-

122
Dessa forma, surgiu através da pressão po- qualifica o assassinato de mulheres “em razões
pular a Lei 13.104/2015, Lei do Feminicídio, que da condição do sexo feminino”.

3. DIREITOS E PRINCÍPIOS APLICADOS

Os direitos das mulheres assegurados na finitivamente a isonomia jurídica entre homens e


legislação brasileira é uma verdadeira evolução mulheres especificamente no ambiente familiar,
histórica. Segundo Rocha (2015)9, “as primeiras trazendo regras especiais no ambiente de traba-
Constituições Federais de 1824 e 1891 assegu- lho que proíbem a discriminação no mercado de
raram formalmente o postulado da isonomia”. trabalho por motivo de sexo.
A Constituição Federal de 1934 conferiu o Ainda citando Rocha, as determinações
direito ao voto, bem como vedou expressamente constitucionais foram complementadas nas car-
os privilégios e distinções por motivos de sexo, tas estaduais e pelas legislações infraconstitu-
vedação que se estendia, inclusive, ao paga- cionais, com destaque ao Código Civil que trou-
mento de salários diferenciados. xe mudanças importantes para a mulher; a Lei
8.930/94 que incluiu o crime de estupro no rol
Foi assegurada no Governo de Getúlio Var- dos crimes hediondos; a Lei 9.318/96 que agra-
gas, a assistência médica e sanitária à gestante, vou a pena dos crimes cometidos contra a mu-
antes e depois do parto, sem prejuízo do salário lher grávida; a Lei Maria da Penha 11.340/06 que
e do emprego, que foi estendida nas Constitui- penaliza efetivamente casos de violência domés-
ções Federais de 1937, 1946 e 1967 e emenda- tica e a Lei do Feminicídio 13.104/15, que trouxe
da em 1969. uma maior dureza nos crimes cometidos contra a
Ainda segundo Rocha, a mais exitosa das mulher, em razão de sexo.
Constituições foi a de 1988, que consagrou de-

3.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA


ABRANGÊNCIA

A dignidade da pessoa humana tem ligação e estruturantes, vindo após o preâmbulo, como
íntima e indissociável com os Direitos Humanos sinal de força propulsora das demais garantias
fundamentais, que são reconhecidos e protegi- e direitos outorgados na Carta máxima de nosso
dos na esfera do Direito Internacional e do Direito país (Artigo 1º, inciso III, Constituição Federal),
Constitucional. buscando definir o conteúdo normativo autôno-
mo, seja como princípio de valor, seja estando
Segundo Sarlet (2017), em virtude do reco- em causa a natureza e a intensidade de suas re-
nhecimento relativamente recente da dignidade lações com os direitos fundamentais, traz em sua
da pessoa humana como valor de matriz cons- essência o amparo que o indivíduo necessita e
titucional, “constitui um dos esteios nos quais se pode se valer como garantia de sua própria dig-
assenta tanto o direito constitucional quanto o di- nidade pessoal.
reito internacional dos direitos humanos”.10
Destinada a “assegurar o exercício dos direi-
A Constituição Federal ao inserir a dignida- tos sociais e individuais, a liberdade, a seguran-
de da pessoa humana no elenco dos fundamen- ça, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade
tos do Estado Democrático de Direito brasileiro, e a justiça como valores supremos de uma so-
situou-a no âmbito dos princípios fundamentais ciedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”,
-servico-voce-conhece-a-lei-do-feminicidio - acesso em 19 ago. 2019.

9 ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira. Os direitos da mulher nos 30 anos da Constituição Federal Bra-
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10 SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional. Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e
Daniel Mitidero. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. 263.

123
damental não contém apenas (embora tam-
a Constituição Federal em seu preâmbulo traz o
sentido maior do indivíduo e o reconhecimentobém e acima de tudo) uma declaração de
de que dignidade da pessoa humana é a razão conteúdo ético e moral, mas constitui norma
pela qual o Estado exerce seu poder e tem suajurídico-positiva dotada, em sua plenitude,
finalidade precípua para servir como instrumento
de status constitucional formal e material e,
para garantir e promover a dignidade das pessoas
como tal, inequivocamente dotado de eficá-
individualmente e coletivamente.
cia e aplicabilidade, alcançando, portanto,
Doravante seguindo o mesmo sentido ético também a condição de valor jurídico funda-
e moral, Sarlet cita que: mental da comunidade. 12
Quando se fala em direito a dignidade, Mendes (apud Sarlet, 2018, p.89) nos
se está, em verdade a considerar o direito remete ao mesmo autor, nas considerações
a reconhecimento, respeito, proteção e até inicias de sua obra sobre Direito de Família,
mesmo promoção e desenvolvimento da dig- acrescentando que:
nidade, sem prejuízo de outros sentidos que
se possa atribuir os direitos fundamentais re- A dignidade da pessoa humana é o re-
lativos à dignidade da pessoa humana. 11 duto intangível de cada indivíduo e, neste
sentido, a última fronteira contra quaisquer
No âmbito familiar, a Constituição Fede- ingerências externas. Tal não significa, contu-
ral trouxe no Art. 226, caput, a família como do, a impossibilidade de que se estabeleçam
base da sociedade e tendo a especial proteção restrições aos direitos e garantias fundamen-
do Estado, assegurando assim, conforme en- tais, mas que as restrições efetivadas não
tende Sarlet, que: ultrapassem o limite intangível imposto pela
O Artigo 1º, inciso III, de nossa Lei Fun- dignidade da pessoa humana. 13

3.2 PRINCÍPIO DA ISONOMIA E IGUALDADE

Presente em toda Constituição Federal, o A expressão vem do grego e representa o


princípio da Isonomia e Igualdade garante a to- prefixo “iso”(igual) mais “nomos” (lei) e ganhou
dos os cidadãos brasileiros, perante a lei, trata- notoriedade a partir da noção de “Estado de Di-
mento justo e digno, independentemente de sexo, reito”, onde suas principais características são
idade ou etnia. Trata-se de direito fundamental e soberania popular, democracia representativa e
de reconhecimento mundial inerente à ideia de participativa, Estado Constitucional, ou seja, que
liberdade e dignidade humana, representando o possui uma constituição que emanou da vontade
símbolo da democracia. do povo e um sistema de garantia dos direitos
humanos.
Araújo (2016) cita Kant, que em sua for-
mulação diz que: “Dignidade pode ser apontada Ainda Araújo (2016) explicita em sua tese
como o predicado que faz do ser humano o único citando também Aristóteles, segundo o qual deve
ser dotado de valor não relativo”. Diz com isso haver tratamento “igual aos iguais e desigual aos
que o ser humano é a finalidade que não pode desiguais, na medida dessa desigualdade”, nos
ter seu valor mitigado diante de nenhuma outra trazendo a luz a máxima com a explicação de
circunstância, bem ou valor. 14 que, apesar de correto o sentido da explicação,

11 SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional. Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e
Daniel Mitidero. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. 264.
12 SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional. Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e
Daniel Mitidero. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. 265.

13 MENDES, Stela Maris Vieira. Manual de Direito de Família e Sucessões. Stela Maris Vieira Mendes. 3ª ed.
Campo Grande: Contemplar, 2018. P. 21.
14 Araújo, Luiz Alberto David. Curso de Direito Constitucional. Luiz Alberto David Araújo, Vidal Serrano Nunes
Júnior. 20ª ed. ver. São Paulo: Verbatin, 2016. Pg. 175.

124
a concretização dessa adequação implica na mem e mulher (Artigo 226, § 5º da Constituição
grande dificuldade em determinar em cada caso Federal); nas relações trabalhistas onde, muitas
concreto, quem são os iguais, quem são os desi- vezes, criminaliza discriminações; na proteção
guais e qual a medida dessa desigualdade.15 de vulneráveis, assim como também nas rela-
ções de consumo, na análise de cada caso con-
Aos particulares, segundo Araújo (2016), o creto e de acordo com suas vertentes.16
princípio da isonomia se propaga imediatamen-
te em vários sentidos e com muitos efeitos, no
sentido das relações conjugal e familiar entre ho-

4 LEI DO FEMINICÍDIO (LEI 13.104/2015)

Para que se chegue a uma definição do Dentre as características do feminicídio


conceito jurídico do feminicídio, é necessário estão incluídos as circunstancias de prática do
um estudo mais aprofundado da mencionada crime de assassinato em contexto de violência
qualificadora em face dos demais institutos doméstica/familiar e o menosprezo ou discrimi-
do mesmo tipo penal. nação à condição de mulher e a simbólica des-
truição da identidade da vítima.
Vale ressaltar aqui que a referida lei está
O conceito subjetivo e profundo traz à luz
inserida como condição qualificadora do cri- a definição do crime que carrega traços de ódio
me de homicídio no Artigo 121, do Código que destrói a vítima, combinado com as práticas
Penal, em seu § 2º-A, o que eleva o tipo penal de violência sexual, tortura ou mutilação antes ou
à condição de crime hediondo, segundo Xa- depois do assassinato.
vier (2019), para contextualizar devidamente
a presente discussão, há de se destacar os ter- Barros nos explica que a expressão femi-
nicídio “vai além da compreensão daquilo desig-
mos literais da lei e sua alteração no Código
nado como misoginia” , sendo que o agressor
Penal na redação do crime de homicídio.
origina um ambiente de pavor na mulher, gera a
Xavier cita que vai depender sempre da perseguição e sua morte e constituem as agres-
análise do caso concreto, destacando ser im- sões físicas e psicológicas, espancamentos, tor-
possível a incidência de privilegiadora con- turas, estupro, mutilação genital, intervenções gi-
juntamente com a qualificadora, pois haverá necológicas imotivadas, impedimento do aborto
e da contracepção, esterilização forçada dentre
choque dos motivos que levam o sujeito a
outros atos dolosos que possam gerar a morte
praticar o crime. da mulher.18
Conforme definição de Barros (2019) o A expressão “por razões da condição do
Feminicídio é: sexo feminino” foi fruto de uma emenda substi-
Uma qualificadora do crime de homicí- tutiva apresentada na Câmara dos Deputados e
que altera a expressão “por razões de gênero”
dio motivada pelo ódio contra as mulheres ou
que constava no projeto de lei original, revelan-
crença na inferioridade da mulher, caracteri- do assim a qualificadora do feminicídio, que deve
zado por circunstâncias específicas nas quais restar comprovada segundo o texto legal.
o pertencimento da mulher ao sexo feminino
é central na prática do delito. 17 A substituição tem pouca relevância no con-

15 Araújo, Luiz Alberto David. Curso de Direito Constitucional. Luiz Alberto David Araújo, Vidal Serrano Nunes
Júnior. 20ª ed. ver. São Paulo: Verbatin, 2016. Pg. 176.
16 Araújo, Luiz Alberto David. Curso de Direito Constitucional. Luiz Alberto David Araújo, Vidal Serrano Nunes
Júnior. 20ª ed. ver. São Paulo: Verbatin, 2016. pg. 177
17 Barros, Francisco Dirceu. Feminicídio: controvérsias e aspectos práticos. Francisco Dirceu Barros & Renee
de Ó Souza. Leme, SP: JH Mizuno, 2019. pg. 24.
18 Barros, Francisco Dirceu. Feminicídio: controvérsias e aspectos práticos. Francisco Dirceu Barros & Renee
de Ó Souza. Leme, SP: JH Mizuno, 2019. pg. 25

125
texto da hermenêutica, pois conforme entende crime que envolve violência doméstica e familiar,
Barros, vincula-se igualmente a razões de gê- menosprezo ou discriminação à condição de mu-
nero, devendo-se compreender objetivamente o lher .19

4.1 LEI DO FEMINICÍDIO E SUAS NUANCES

A Comissão Parlamentar Mista de Inqué- va à sociedade de que o direito a vida é uni-


rito, por ocasião da edição da Lei 13.104/2015 versal e de que não haverá impunidade;
centrou-se em cinco (5) razões específicas
V Protege, ainda, a dignidade da vítima,
principais para assentar o correto sentido da
ao obstar de antemão as estratégias de se
qualificadora e modelar uma diretriz normati-
desqualificarem, midiaticamente, a condição
va a ser empregada na sua aplicação e a partir
de mulheres brutalmente assassinadas, atri-
dai analisar as hipóteses de razões de gênero
buindo a elas a responsabilidade pelo crime
prevista no parágrafo 2º-A da lei em questão,
de que foram vítimas. 20
são elas:
Barros explica que o legislador pretendeu
I reconhecer, na forma da lei, que mulhe- deixar clara a norma explicativa do Artigo 121, §
res estão sendo mortas pela razão de serem 2º-A da referida lei, a fim de assegurar “uma apli-
mulheres; cação sistêmica ao regime protetivo em oposi-
II expondo a fratura da desigualdade de ção à violência doméstica contra a mulher”. Dito
isso, depreende-se do texto que o legislador não
gênero que persiste em nossa sociedade, e é
criou uma qualificadora para a morte de mulhe-
social, por: res, pois bastaria dizer claramente “se o crime é
III combater a impunidade, evitando que cometido contra a mulher”, sem a utilização da
feminicidas sejam beneficiados por interpre- expressão “por razões da condição de sexo femi-
tações jurídicas anacrônicas e moralmente nino”, desse modo deduz-se que a qualificadora
não se refere a uma questão biológica, mas a
inaceitáveis, como o de terem cometido ‘cri-
uma questão de gênero, o que nos remete ao
me passional’; que é relativo ao papel que cada sexo desempe-
IV enviar desta forma, mensagem positi- nha no meio social. 21

4.2 DIFERENÇAS ENTRE FEMICÍDIO E FEMINICÍDIO

Torna-se imprescindível conceituarmos e mete à concepção da supressão do bem jurídico


diferenciarmos femicídio de feminicídio para de- da vida, o mais valioso bem do sujeito, tutelado
limitar as abrangências do bem jurídico tutelado pela norma, sendo ela a base de todo direito indi-
e enfocar a proteção devida e indispensável em vidual, pois sem a vida não existe personalidade.
cada caso concreto.
O Feminicídio como nos revela Barros
Femicídio significa praticar homicídio contra (2019) 22, “revela uma desigualdade estrutural
a mulher, matar a mulher. Este conceito nos re- nas relações sociais e de poder entre homens

19 Barros, Francisco Dirceu. Feminicídio: controvérsias e aspectos práticos. Francisco Dirceu Barros & Renee
de Ó Souza. Leme, SP: JH Mizuno, 2019. pg. 25
20 Plenário do dia 09 de fevereiro de 2012. Ação Declaratória de Constitucionalidade 19 – Disponível em http://
www.stf.jus.br – acesso em 17 out. 2019.
21 Barros, Francisco Dirceu. Feminicídio: controvérsias e aspectos práticos. Francisco Dirceu Barros & Renee
de Ó Souza. Leme, SP: JH Mizuno, 2019. pg. 26
22 Barros, Francisco Dirceu. Feminicídio: controvérsias e aspectos práticos. Francisco Dirceu Barros & Renee
de Ó Souza. Leme, SP: JH Mizuno, 2019. apresentação.

126
e mulheres”, sendo, pois, necessário um estudo §2º Se o homicídio é cometido:
profundo sobre “todos os aspectos e consequ-
ências jurídicas do crime misógino, fomentando VI – Contra a mulher por razões do sexo
interpretações que repudiam a impunidade”. feminino:
O Feminicídio é a instância última de con- § 2º-A Considera-se que há razões de
trole da mulher pelo homem, o controle da vida condição de sexo feminino quando o crime
e da morte, como afirmação de posse, como se envolve:
objeto fosse, com a destruição da identidade da
vítima. I – violência doméstica e familiar;
O termo literal da lei contextualiza a quali- II- menosprezo ou discriminação à con-
ficação: dição de mulher. 23
Artigo 121. Matar alguém:

5. A QUALIFICADORA DO FEMINICÍDIO E SUA NATUREZA SUBJETIVA

Barros (2019) entende que a Lei do Femi- A qualificadora do feminicídio assen-


nicídio tem duas qualificações, uma objetiva e ta-se em circunstâncias que, para ser bem
outra subjetiva. “As qualificadoras subjetivas são compreendidas, devem ser conjugadas com
aquelas relacionadas com a motivação do crime, os artigos 5º e 7º da Lei nº 11.340/2006 que
e as objetivas, relacionam-se com as formas de enumera as hipóteses e formas de violência
sua execução”. 24 doméstica e familiar contra a mulher. 25
Para explicar o posicionamento das corren- O autor exemplifica a subjetividade da qua-
tes doutrinárias, Barros explica que: lificadora na motivação do agente, pelas estritas
Segundo essa corrente, a nova qualifi- razões relacionadas à condição de mulher, não
cadora do feminicídio não deve ser compre- havendo assim ligação com os meios ou modos
endida como móvel imediato da conduta, a de execução do crime, a motivação delitiva é a
qualificadora subjetiva do feminicídio, “pela vul-
exemplo de uma discussão banal, adultério,
nerabilidade da mulher tida como frágil, pela cer-
possessividade, desilusão amorosa, ciúmes teza de sua dificuldade em oferecer resistência
excessivos ou inconformismo com o fim do ao agressor machista” 26.
relacionamento afetivo. Em verdade, o tex-
to da qualificadora do feminicídio (inciso VI), Barros conclui sobre a temática que “a rela-
que é complementado pela norma explicativa tivização dos requisitos previstos no §1º do artigo
do § 2º - A, descreve hipóteses fáticas que 121 do Código Penal, produz a banalização da
devem ser aferidas objetivamente, a fim de tutela penal sobre o valor da vida e ofende a proi-
bição da proteção deficiente” 27. Nesta linha de
identificar a existência da violência domésti-
raciocínio, nos surpreende ao valorar a máxima
ca e familiar ou menosprezo ou discrimina- de que (Barros 2019, apud Piedade28 p. 46 2015)
ção à condição de mulher.
23 BRASIL. Lei 13.104/15, de 09 de março de 2015 – Lei do Feminicídio.
24 Barros, Francisco Dirceu. Feminicídio: controvérsias e aspectos práticos. Francisco Dirceu Barros & Renee
de Ó Souza. Leme, SP: JH Mizuno, 2019. Pg. 49.
25 Barros, Francisco Dirceu. Feminicídio: controvérsias e aspectos práticos. Francisco Dirceu Barros & Renee
de Ó Souza. Leme, SP: JH Mizuno, 2019. Pg. 57
26 Barros, Francisco Dirceu. Feminicídio: controvérsias e aspectos práticos. Francisco Dirceu Barros & Renee
de Ó Souza. Leme, SP: JH Mizuno, 2019. Pg. 59
27 Barros, Francisco Dirceu. Feminicídio: controvérsias e aspectos práticos. Francisco Dirceu Barros & Renee
de Ó Souza. Leme, SP: JH Mizuno, 2019. Pg. 62
28 Piedade, Antonio Sergio Cordeiro. Teses atentatórias à dignidade da mulher e o princípio da proporcio-
nalidade na vertente da proibição da proteção deficiente. Cadernos do Júri 3. Associação dos Promotores do Júri
– Confraria do júri. Organizado por César Danilo Ribeiro de Novais. Cuiabá-MT: KCM Editora, 2015. Pg. 46.

127
“o Estado não deve agir de forma arbitrária, as- equiparação dos direitos a todos os transgê-
sim como não poderá agir de forma insuficiente, neros.
na proteção de valores ínsitos ao Estado Demo-
crático de Direito”. Depreende-se então que, medidas le-
gislativas vêm sendo adotadas, de ordem in-
4.1 Eficácia e alcance da Lei 13.104/1529
terna e internacional pelo Brasil em favor das
A Lei 13.104/15 embora tenha incluído mulheres, independentes do sexo biológico, o
o assassinato de mulheres no rol dos crimes que representa um grande avanço para a so-
hediondos, segundo o mapa da violência di- ciedade como um todo, embora a questão de
vulgado pela Organização Mundial da Saúde gênero seja mais abrangente que as caracte-
(OMS), chegou a 13 casos por dia em 2015, rísticas psicológicas e comportamentais, bus-
sendo que o Brasil ocupava o quinto (5º) lugar cando o legislador destacar a vulnerabilidade
no mundo em casos de assassinatos de mu- do gênero que demanda proteção especial do
lheres, perdendo apenas para El Salvador, Co- Estado.
lômbia, Guatemala e Federação Russa, sendo 4.2 Constitucionalidade da Lei 13.104/15
que os maiores casos ocorrem em municípios
de pequeno porte, onde não há delegacias es- A Lei 13.104/15 é um importante marco para
pecializadas e as delegacias comuns não tem efetivação da igualdade entre homens e mulhe-
preparo para lidar com casos desse tipo. res, dado que a violência contra a mulher é uma
questão densa e muito mais complexa do que
Buscou o legislador dar concretude ao tipos penais e cominações legais a elas corres-
Artigo 226, §8º, da Constituição Federal, pondentes, pois envolvem fatores de cunho psi-
criando mecanismos para coibir e prevenir a cossocial e histórico, conforme explicita Barros,
violência doméstica e familiar contra a mu- pois exatamente “em razão dessa complexidade
lher e refrear a reiterada prática de agressão e do conflito que envolve a violência de gênero,
do gênero feminino, que podem se manifestar a mesma resposta não pode ser dada, como o é
para os crimes comuns”. 30
fisicamente, psicologicamente, moralmente,
sexualmente e patrimonialmente. Barros explica que a atual Constituição Fe-
deral concede tratamento mais favorável para as
Admite o presente, a ampliação do su- mulheres justamente por causa da submissão
jeito passivo a mulher transgênero, quando social que ela se encontra, pois “a lei se assenta
demonstrado que o crime foi motivado pelo em pressupostos e determinações convencio-
menosprezo ou discriminação à condição de nais e da Convenção dos Direitos Humanos que
gênero da vítima como nos mostra o ACOR- reconhece a situação de hipossuficiência e hipo-
DÃO 1184804, publicado no Diário Oficial da proteção da mulher” 31, sendo justificada dessa
Justiça do dia doze de julho de 2019, entendi- forma o tratamento penal mais gravoso.
mento já pacificado. Para explicar a constitucionalidade da lei,
Servindo-se da conveniência e oportu- Barros cita a Ação Declaratória de Constitucio-
nidade a Comissão de Constituição, Justiça e nalidade (ADC 19) e a Ação de Inconstituciona-
lidade (ADIN 4424), onde o Supremo Tribunal
Cidadania (CCJ), aprovou no dia 22/05/2019
Federal considerou constitucionais todos os dis-
o Projeto de Lei do Senado (PLS) 191/2017, positivos da Lei 11.340/2006, que estabelecem
que amplia o alcance da Lei Maria da Penha tratamento jurídico diferenciado necessário para
(Lei 13.340/2006), que pretende combater a a proteção da mulher. Assim, reitera-se que a
violência contra pessoas que se identifiquem Constitucionalidade da Lei 13.104/2015 baseia-
como integrantes do sexo feminino, trazendo -se no princípio da igualdade e fundamenta-se

29 Dados retirados do Conselho Nacional de Justiça – Disponível em www.cnj.jus.br. Acesso em 19 ago. 2019; do
Senado Federal – disponível em www12.leg.br. Acesso em 01 nov. 2019 e do Pesquisa Documentos Jurídicos. www.
pesquisajuris.tjdft.jus.br. Acesso em 22 out. 2019.
30 Barros, Francisco Dirceu. Feminicídio: controvérsias e aspectos práticos. Francisco Dirceu Barros & Renee
de Ó Souza. Leme, SP: JH Mizuno, 2019. pg. 46.
31 Barros, Francisco Dirceu. Feminicídio: controvérsias e aspectos práticos. Francisco Dirceu Barros & Renee
de Ó Souza. Leme, SP: JH Mizuno, 2019. Pg. 43

128
na busca por reduzir as diferenças de gênero e a Defensoria Pública, o Ministério Público, a
promover a isonomia entre todos. Polícia Militar e as Delegacias Especializadas,
Vale citar a posição da Ministra Cármen Lú- para que harmoniosamente possam atuar:
cia Antunes Rocha e sua fala na votação da Lei Fala na M.D. Ministra Carmem Lúcia:
11.340/2006:
A paz ou a violência não para nos um-
Por tudo, Senhor Presidente, não quis
brais das portas das casas, ela atravessa a
deixar de fazer essas observações - que vão rua e ganha as praças. Ou temos uma so-
na linha exatamente do que o Ministro Mar- ciedade que pode conviver de forma mais
co Aurélio, mais de uma vez, tem, tanto em pacífica ou vamos ter uma sociedade cada
casos específicos quanto na ação anterior, vez mais violenta e não se sabe onde isso vai
reafirmado - do que representa para a socie- acabar, mas certamente não vai acabar bem.
dade, não apenas para nós mulheres, para 33

toda uma sociedade, uma sociedade que se


quer diferente, para ter direitos efetivos não
de dignidade da mulher, mas para romper Diante de todo exposto e através de todo
as indignidades, que de todas as formas são estudo empreendido até aqui, conclui-se que
tantas vezes cometidas, que esta lei, nesses desde a entrada em vigor da Lei 13.104/2015
três artigos específicos, mais naqueles que não foi suscitado até o momento, qualquer
já examinamos antes, tem uma importância questionamento acerca de sua constituciona-
fundamental para uma sociedade que tem a lidade por meio do controle concentrado de
maioria hoje, como é a sociedade brasileira, constitucionalidade que é de competência do
composta de mulheres, mas de respeito in- Supremo Tribunal Federal, através das ações
tegral ao que põe a Constituição brasileira, específicas de cabimento.
especificamente no seu artigo 5º.
De forma analógica foi observado que a
A igualdade - como o Ministro MarcoLei Maria da Penha foi fortemente questiona-
Aurélio acentuou - é tratar com desigualdade
da sobre a constitucionalidade, especialmente
aqueles que se desigualam e que, no nos-nos dispositivos que davam tratamento mais
so caso, não é que não nos desigualamos,rigoroso aos procedimentos penais, o que deu
fomos desigualadas por condições sociais e
origem a Ação Direta de Constitucionalida-
de estruturas de poder que nos massacraram
de nº 19, o que foi prontamente justificado
séculos a fio. e tiveram como objetivo comum trazer maior
Ponho-me inteiramente de acordo no proteção à mulher.
sentido da procedência da ação. Tal conclusão partiu dos dados elevados
É como voto, Senhor Presidente. 32 constatados através de relatórios e do mapa
da violência anteriormente citados e dos as-
Vale também ressaltar o destaque da Mi- sassinatos de mulheres, especialmente no
nistra Carmem Lúcia durante a abertura da ambiente familiar. O argumento de maior for-
XXI Jornada Maria da Penha de 09 de agosto ça foi a ânsia em enfrentar todo tipo de dis-
de 2018, onde a ministra defendeu uma maior criminação de gênero e de garantir que todos
integração entre todas as instituições envolvi- gozem plenamente de seus direitos humanos.
das na aplicação da lei e na repressão à violên-
cia contra a mulher, como o poder Judiciário,

32 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Plenário do dia 09 de fevereiro de 2012. Ação Declaratória de Constituciona-
lidade 19 - Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 17 out. 2019.
33 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. XII Jornada Maria da penha de 09 de agosto de 2018 – disponível em http://
www.stf.jus.br/portal. Acesso em 13 nov. 2019.

129
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei 13.104/2015, conhecida como a ficas, como livros, artigos, leis e demais pu-
lei do feminicídio, tem a finalidade de enviar blicações sobre o tema. Assim conclui-se que
uma mensagem a sociedade e revelar uma de- os princípios constitucionais como a Igualda-
sigualdade estrutural nas relações sociais e de de, Isonomia e dignidade da pessoa humana
poder entre homens e mulheres, que devem devem balizar e fortalecer as relações sociais
ser interpretados como questão de segurança entre todos, de forma que nós mulheres dei-
e saúde pública, dada a gravidade e a alta inci-xemos de ser estereotipadas pelos papéis que
dência a que chegou a violência sofrida pelas desempenhamos no meio social e passemos a
mulheres ao longo dos anos. ser reconhecidas como seres iguais, dotadas
de capacidades e sentimentos, independente-
A referida lei visa proteger e guardar a
mente de nossas limitações ou força.
integridade física das vítimas de violência do-
méstica ou socioafetivas, diminuir a incidên-
cia de homicídios discriminatórios tanto para
mulheres como para as pessoas identificadas
com o gênero feminino, haja vista a abrangên-
cia das hipóteses do termo utilizado na letra
da lei.
Decerto que um largo caminho ainda
precisa ser percorrido, pois a questão cultural
é muito mais abrangente do que os estudos
revelam, estando enraizados há tanto tempo
na sociedade, que tendem a ser considerados
como parte de uma vivência comum no meio
social brasileiro, é necessário que se faça uma
mudança radical na cultura do nosso país, para
que se mude o cenário em que nos encontra-
mos, mais do que campanhas de conscientiza-
ção, é preciso que se eduquem os jovens que
futuramente serão atuantes no meio social,
de tal forma que se possa erradicar de uma
vez por todas o machismo esmagador a que
estamos sujeitas.
O machismo não pode ser considerado
como algo bom, nenhuma forma de machis-
mo é boa ou tende a proteger a mulher, o ma-
chismo é exercício de poder arbitrário e não
consensual; o respeito, o reconhecimento da
igualdade nas relações, a deslegitimização da
inferioridade a que fomos submetidas histo-
ricamente e a desmistificação da supremacia
masculina sobre todos os gêneros, devem ser
consolidadas como nova ordem social, para
que possamos alcançar um patamar aceitável
de civilidade.
Sendo assim, procuramos recuperar e
rediscutir as principais referências bibliográ-

130
REFERÊNCIAS

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 19 - Plenário do dia 09 de fevereiro


de 2012.- Disponível em http://www.stf.jus.br – acesso em 17 out. 2019

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dal Serrano Nunes Junior. -20ª ed. rev. São Paulo: Verbatin, 2016. ps.175,176,177,178.

ARANTES, Brenda do Nascimento. CAVALCANTE, Patrícia Silva. REVISTA JURÍDICA DO


MPRO, Rondônia, Ano 1, nº 1, jan-jun. 2018. Disponível em ttps://ceafnet.mpro.mp.br/revis-
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BARROS, Francisco Dirceu. Feminicídio: controvérsias e aspectos práticos. Francisco Dirceu


Barros & Renee de Ó Souza. Leme, SP: JH Mizuno, 2019.

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de 1571. Disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/242733 - acesso em 26
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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. 8ª ed. São Paulo:
Saraiva. 1994, p. 102.

Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977 – Lei do Divórcio

Lei 13.104/2015, de 09 de março de 2015 – Lei do Feminicídio

MENDES, Stela Maris Vieira. Manual de Direito de Família e Sucessões. Stela Maris Vieira
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me Marinoni e Daniel Mitidiero. -6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. ps. 263, 264, 265.

XAVIER, Rafael Ricardo. Feminicídio: análise jurídica e estudo em consonância com a Lei Maria
da Penha. Rafael Ricardo Xavier. 2. Ed. – Rio de janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 62

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stf.jus.br/portal - acesso em 13 nov. 2019

XXVII Simpósio Nacional de História – conhecimento histórico e diálogo social – Natal/RN –


22 a 26 de julho de 2013.

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131
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-comissao-parlamentar-mista-de-inquerito-sobre-a-violencia-contra-as-mulheres - acesso
em 12 set. 2019.

https://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/81764-cnj-servico-voce-conhece-a-lei-do-feminicidio -
acesso em 19 ago. 2019.

http://www.stf.jus.br – acesso em 17 out. 2019

https://www.editorajc.com.br/os-direitos-da-mulher-nos-30-anos-da-constituicao-federal-
-brasileira/ acesso em 18 set. 2019.
https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/ - acesso em 22 out. 2019
https://www12.leg.br. Acesso em 01 nov. 2019

132
133
DIREITOS DAS HUMANAS: O PASSADO IMPERFEITO E O
FUTURO DO PRESENTE

Telma Aparecida Rostelato


Mestre em Direito Constitucional (Instituição Toledo de En-
sino – ITE – Bauru/SP). Especialista em Direito Constitucional
(Escola Superior de Direito Constitucional de Sorocaba/SP). Pro-
fessora da Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva/
SP. Procuradora Jurídica Municipal.

Renata Domingues de Oliveira Simão


Mestre em Direito Constitucional (UNIMEP). Especialista em
Direito Constitucional (Instituto Damásio de Direito), com módu-
lo internacional em Direitos Fundamentais (Universidad Rey Juan
Carlos/Iberojur – Espanha). Especialista em Direito Processual
Civil (Instituto Damásio de Direito). Professora da Faculdade de
Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva/SP. Advogada.

SUMÁRIO

1. Introdução
2. As mulheres como sujeitos de direitos humanos fundamentais
2.1 Considerações pontuais acerca de um passado imperfeito
2.2 O presente e o futuro do presente
3. “Cases” de violência contra a mulher no Brasil, um presente infeliz
4. Considerações Finais; Referências.

134
RESUMO
O presente artigo discorre sobre o tema, direitos da mulher, enveredando pela aborda-
gem voltada à batalha encravada ao longo da história, que perpassa os lindes do nosso País,
tencionando com isso, demonstrar a preocupação dispensada por diversificados povos, para
com a salvaguarda dos direitos da mulher, que em virtude do seu enquadramento como sendo
direito fundamental à proteção da dignidade humana da aludida categoria de pessoas, passou
a ser erigido ao patamar de direitos humanos. Destaca-se, todavia, que malgrado os envidados
esforços identificados em múltiplas atuações, praticadas por representantes de diversas Na-
ções, inclusive aderindo a textos de Declarações Internacionais, em que se firmou compromis-
sos para com os resultados deste intento, desditosamente verifica-se a frequente ocorrência
de situações desprezíveis, que denotam episódios de violência, desprezo e preconceito com
mulheres, motivados exclusivamente pelo ranço do ofensor para com o gênero feminino.
Conclui-se que é inconteste a existência de grandioso rol de normatização jurídica, que in-
questionavelmente perpassou por transformações significativas, em âmbito internacional e
nacional, entretanto observa-se que estes não evidenciam suficiência à solução da problemá-
tica, que ostenta muito maior cunho social, que meramente jurídico.

PALAVRAS CHAVE
Mulher; Direitos Humanos; Dignidade Humana.

ABSTRACT
This article discusses the theme, women’s rights, going through the battle-oriented
approach inbetween throughout history, which passes through the lindes of our country, in-
tending to demonstrate the concern given by diverse peoples, to safeguard women’s rights,
which, because of its framework as a fundamental right to the protection of human dignity in
the alluded category of people, has been erected to the level of human rights. It is noteworthy,
however, that the efforts identified in multiple actions, practiced by representatives of several
Nations, including adhering to texts of International Declarations, in which commitments to
the results were made this intention, unditosfully, there is the frequent occurrence of des-
picable situations, which denote episodes of violence, contempt and prejudice with women,
motivated exclusively by the runcid of the offender towards the female gender. It is concluded
that it is undeniable that there is a great list of legal standardization, which has undoubtedly
undergone significant transformations, at international and national level, however it is ob-
served that these do not show sufficiency to the solution of the problem, which boasts much
greater social nature, than merely legal.

KEY WORDS
Woman; Human rights; Human dignity.

135
1. INTRODUÇÃO

Num primeiro momento o presente artigo tados internacionais.


busca questionar o passado para compreender
o presente, indicando possíveis raízes da discri- Na sequência, tenciona-se ilustrar a proble-
minação em face da mulher e a evolução da le- mática que ainda se vivencia no País, mediante
gislação que sacramenta a proteção do gênero demonstração de casos emblemáticos, que co-
feminino. Para tanto, vai demonstrando na seara moveram o mundo, face o requinte de cruelda-
mundial os conflitos havidos e os compromissos de empregado na sua execução, dada a falta de
firmados para a diminuição e eliminação de atos empatia do agressor.
que promovam marginalização desta categoria Por fim, anseia-se fixar reflexões acerca
de pessoas, que tal qual os negros, pessoas com da necessidade em se perseverar no intento de
deficiência, idosos e outros, estão a ocupar real conscientização social, uma vez que o extenso
posição de grupos que sofrem diuturnamente rol normativo não se demonstra suficientemente
preconceito, apenas por serem “diferentes”, per- apto à eliminação do preconceito ainda enfrenta-
tencendo assim, à nominada minorias, que não do pelas mulheres; o ofensor não se inibe peran-
é sinônimo de contingente numérico, mas de ex- te as previsões legais coercitivas, o que atemo-
clusão social. riza a sociedade como um todo, já que mesmo
não sendo uma mulher, tem próximo de si, uma
Aborda-se, com o intuito de salientar a
amiga, uma esposa, uma filha, enfim, alguém do
pesquisa envolta ao imbróglio discriminatório, o
sexo feminino que carece de proteção.
princípio da dignidade humana e o da igualdade,
reconhecidos pelo direito interno vigente e soli-
dificados internacionalmente, alteados à senda
de direitos humanos, consagrados como direitos
fundamentais, diante do reconhecimento em tra-

2. AS MULHERES COMO SUJEITOS DE DIREITOS HUMANOS


FUNDAMENTAIS

As mulheres enquadram-se como sendo “ferindo de morte” o conclamado princípio da


categoria de pessoas que ladeadas às pessoas dignidade humana, tão caro ao direito cons-
com deficiência, às pessoas idosas, aos indíge- titucional pátrio, o que resulta por desaguar
nas, dentre outros grupos vulneráveis, requerem latente afronta ao princípio da igualdade.
uma intervenção estatal, por meio de auxílio a
conceder-lhes condições de equidade1, para a
prática de suas atividades, face as incontáveis
situações de marginalização e discriminação a
que se submetem diuturnamente.
Inolvidável que os atos discriminatórios
a que se sujeitam atentam contra o seu “eu”,

1 O significado das palavras equidade e igualdade são diferentes, porém muitas vezes são utilizados de forma
similares no dia-a-dia das pessoas. Para se falar de mulheres na liderança, o cenário das mulheres no mercado de tra-
balho, e até mesmo sobre etnia, deve-se entender os reais significados dessas duas palavras. No feminismo usamos
o termo “equidade” e não igualdade, elas possuem mensagens diferentes, apesar de terem o mesmo objetivo. Quando
buscamos por equidade de gênero estamos falando de justiça, de oportunidades iguais independentemente do gêne-
ro. Partindo de um pressuposto de que todas não são iguais, as oportunidades são diferentes para homens e mulheres,
assim como para àquelas que são negras, de classe baixa ou com mais idade (...)O discurso de igualdade parte da ideia
de que devemos tratar todos iguais, porém não somos iguais, a palavra acaba com o sentido de pluralidade e de diver-
sidade. A igualdade persiste em uma padronização, homogeneização, o que não podemos mais permitir. Queremos a
diversidade, a equidade, a valorização e a equiparação da mesma.. in https://programaelas.com.br/diferenca-de-equi-
dade-e-igualdade-de-genero/. Acesso em 07. fev 2020.

136
2.1 CONSIDERAÇÕES PONTUAIS ACERCA DE UM PASSADO
IMPERFEITO
Partindo do princípio, muitas são as as- vando que o homem subjugasse a mulher
sertivas lançadas ao longo da história, no sen- (Gênesis 3:16), Ele estava simplesmente
tido de que “Foi pela mulher que começou predizendo as tristes consequências do pe-
o pecado, por sua culpa todos morremos.” cado do primeiro casal. Assim, a discrimina-
Eclesiástico, segundo século AEC (Antes da ção contra as mulheres é resultado direto da
Era Comum). Nesta mesma roupagem, Tertu- natureza pecaminosa dos humanos, não da
liano, de habitu muliebri (sobre a vestimenta vontade de Deus. A Bíblia não apoia a ideia
das mulheres), segundo século EC (Era Co- de que as mulheres devam ser subjugadas
mum), assim pregava: pelos homens, a fim de pagar pelo pecado
original (Romanos 5:12).
Tu és a porta de passagem do diabo. Tu és
a deslacradora daquela árvore proibida. Tu és Deus não criou a mulher inferior ao ho-
a primeira desertora da lei divina... Tu destru- mem, pois  Gênesis 1:27 diz: “Deus passou
íste tão facilmente a imagem de Deus, o ho- a criar o homem à sua imagem, à imagem
mem. de Deus o criou; macho e fêmea os criou.”
Desde o início, o ser humano — tanto o
Assim, nota-se que a começar do pri-
homem como a mulher — foi criado com
meiro século EC (Era Comum), escritores
a capacidade de refletir as qualidades de
como Filo de Alexandria começaram a usar
Deus. Embora Adão e Eva fossem diferentes
a filosofia grega para reinterpretar o relato
em sentido físico e emocional, os dois
de Gênesis. Para Filo, Eva era culpada de
receberam os mesmos direitos e orientações
pecado sexual e assim estava condenada a
de seu Criador (Gênesis 1:28-31).
uma vida que ‘a despojava completamente
de sua liberdade e a sujeitava à dominação Antes de criar Eva, Deus disse: ‘Vou fa-
de seu companheiro’ . Esse desprezo pelas zer para Adão uma ajudadora como comple-
2

mulheres se infiltrou no judaísmo e nos es- mento dele.’ (Gênesis 2:18) Será que a pa-
critos dos dirigentes clericais. lavra “complemento” indica que a mulher é
inferior ao homem? Não, porque no hebraico
Ocorre, entretanto, que esses textos
original essa palavra também pode significar
antigos não são da Bíblia, mas durante sé-
“parte equivalente” ou “ajuda corresponden-
culos, eles têm sido usados para justificar a
te”. Do mesmo modo, Deus criou o homem
discriminação contra as mulheres e ainda
e a mulher para cooperar entre si, não para
nos dias atuais, alguns extremistas citam
competir um com o outro (Gênesis 2:24).
textos religiosos para legitimar a subjugação
das mulheres, alegando que elas são culpa- Prevendo o que os homens fariam em
das pelos males da humanidade. seu estado decaído e pecaminoso, Deus
expressou desde o início sua intenção de
Será que Deus queria que as mulheres
proteger as mulheres, podendo ser verifi-
fossem desprezadas e maltratadas pelos
cado no texto que apregoa deva-se honrar
homens? Para responder a esta indagação,
e respeitar tanto o pai como a mãe. (Êxo-
faz-se necessário enveredar numa análise
do 20:12; 21:15, 17) e também para que se
da própria Bíblia. Pois bem: quem foi amal-
mostrasse a devida consideração às mulhe-
diçoado não foi a mulher, mas o Diabo, “a
res grávidas (Êxodo 21:22). Essas leis de
serpente original” (Revelação [Apocalipse]
Deus são notáveis, pois concediam direitos
12:9; Gênesis 3:14); ao dizer que Adão ‘do-
legais que ainda hoje as mulheres não têm
minaria’ sua esposa, Deus não estava apro-
em muitos lugares do mundo3.
2 ALEXANDRIA, Filon de. Da Criação do Mundo e outros escritos. São Paulo: Filocalia, 2015, p. 64.
3 Disponível em https://bellatodesconhecido.jusbrasil.com.br/artigos/254204838/direito-da-mulher-na-biblia
Acesso em 05. fev 2020.

137
Destarte, com o fito de verificar factualmente tucional, de maneira que a solução de eventuais
as conquistas alcançadas, adentra-se na análise conflitos deve se embasar em mecanismos de
da posição ocupada por esta categoria de pes- ponderação e harmonização dos princípios.
soas, sob o manto protetivo internacional, preci-
samente sob o enfoque dos nominados direitos As características da fundamentalidade,
humanos; para tanto, ressalva-se que os direitos segundo ensinamento de Canotilho “[...] aponta
para a especial dignidade e proteção dos direitos
fundamentais são os direitos, destinados ao ser
num sentido formal e num sentido material”.5
humano, reconhecidos e positivados por cada
Estado, como ocorre com o art. 1º., inciso III da Nesta linha, Ingo Wolfgang Sarlet, sustenta
Constituição Federal que assevera constituir-se que:
encargo do Estado brasileiro, o resguardo da
pessoa humana no que alude à sua dignidade A fundamentalidade formal encontra-se
(princípio constitucional que dá sustentação aos ligada ao direito constitucional positivo e re-
demais), subsumindo-se aqui abarcadas as mu- sulta dos seguintes aspectos, devidamente
lheres, já que o texto constitucional direciona-se adaptados ao nosso direito constitucional pá-
a todas as pessoas. trio: a) como parte integrante da Constituição
escrita, os direitos fundamentais situam-se
Já os direitos humanos transcendem a ór-
no ápice de todo o ordenamento jurídico; b)
bita do direito interno de cada Estado, por serem
reconhecidos universalmente, através de docu- na qualidade de normas constitucionais, en-
mentos de direito internacional. contram-se submetidos aos limites formais
(procedimento agravado) e materiais (cláusu-
Dessa maneira, pode-se dizer que os di- las pétreas) da reforma constitucional (Art. 60
reitos fundamentais são aqueles consagrados da Constituição Federal); c) por derradeiro,
constitucionalmente, enquanto os direitos huma- cuida-se de normas diretamente aplicáveis e
nos são consagrados na esfera de abrangência
que vinculam de forma imediata as entidades
internacional.
públicas e privadas (Art. 5º, § 1º, da Cons-
Vale destacar que os direitos fundamentais tituição Federal). A fundamentalidade mate-
têm um conceito aberto, como consagra a Cons- rial, por sua vez, decorre da circunstância
tituição Federal, podendo ser inseridos no orde- de serem os direitos fundamentais elemento
namento, a qualquer momento, observando-se o constitutivo da Constituição material, conten-
estabelecido no Art. 5º, § 2º. Isto é possível, dada do decisões fundamentais sobre a estrutura
a consideração doutrinária de que a Constituição
básica do Estado e da sociedade.6
é um sistema aberto de regras e princípios, como
pondera Canotilho.4 Os direitos fundamentais são tanto aque-
les previstos no texto constitucional, os direitos
Há uma unidade no sistema dos direitos
fundamentais em sentido formal, quanto aqueles
fundamentais, refletora de lutas históricas, pre-
que, embora não previstos no texto constitucio-
tensoras da afirmação do princípio da dignidade
nal, considerado seu conteúdo e importância a
da pessoa humana, mas há que se sublinhar o
eles se equiparam, classificando-se como direi-
fato de que, outros direitos fundamentais têm
tos fundamentais em sentido material.
aplicabilidade direta e incondicional; tendo-lhes,
inclusive, sido atribuído caráter de cláusula pé- A Constituição vigente, já no segundo Títu-
trea (Art. 60, § 4º, inc. IV da Constituição Fede- lo, enumera os Direitos e Garantias Fundamen-
ral). tais; no Capítulo I enuncia: Direitos e Deveres
Individuais e Coletivos; no Capítulo II trata dos
Apesar da importância que representam,
Direitos Sociais; após, trata de questões voltadas
os direitos fundamentais não podem ser vistos
à nacionalidade, aos direitos políticos e aos par-
como superiores aos demais preceitos consti-
tidos políticos.
tucionais, devendo ao revés, serem analisados
com observância à unicidade do sistema consti- Consigne-se ainda, que em outros pontos

4 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 5ª ed. Coimbra: Alme-
dina, 2002, p. 1146.
5 Idem. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1991, p. 509.
6 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p.
78-79.

138
da Constituição, constam direitos fundamentais, pressamente, consignou a vedação a privilé-
cuja enumeração é meramente exemplificativa, gios e distinções por motivo de sexo, sendo
como pondera Manoel Gonçalves Ferreira Filho,7 que citada vedação se estendia, inclusive, ao
fato que ocorre desde a Constituição de 1891, pagamento de salários diferenciados.
inserido na seção Declaração de Direitos, Título
IV – Dos Cidadãos Brasileiros, em seu Art. 78, in Nas Constituições de 1937, 1946 e 1967
verbis: (emendada em 1969), assegurou-se assistên-
Art. 78: A especificação das garantias e cia médica e sanitária à gestante, antes e de-
direitos expressos na Constituição não exclui pois do parto, sem prejuízo do salário e do
outras garantias e direitos não enumerados, emprego.
mas resultantes da forma de governo que ela Na Constituição em vigor avultam os
estabelece e dos princípios que consigna. êxitos desta laboriosa batalha, cravada pelos
E, na atual, em seu Art. 5º, § 2º, que
militantes do movimento feminista, dada a
estabelece: consagração da garantia de isonomia jurídica
entre homens e mulheres especificamente no
Art. 5º: [...]. âmbito familiar, bem como a proibição de dis-
criminação no mercado de trabalho por moti-
§ 2º – Os direitos e garantias expressos
vo de sexo, havendo proteção à mulher com
nesta Constituição não excluem outros decor-
regras especiais de acesso, além de ter fixado
rentes do regime e dos princípios por ela ado-
resguardo do direito das presidiárias em ama-
tados, ou dos tratados internacionais em que
mentarem seus filhos e também, asseverando
a República Federativa do Brasil seja parte.
proteção à maternidade como um direito so-
Estas normas de direitos e garantias fun- cial, e de igual forma, veio reconhecer o pla-
damentais têm aplicabilidade imediata, com a nejamento familiar como uma livre decisão do
finalidade de torná-las efetivas; é o que prevê casal e, principalmente, instituiu ser dever do
a Constituição, entretanto cumpre destacar Estado coibir a violência no âmbito das rela-
que algumas normas não são completas na ções familiares.
sua hipótese e no seu dispositivo. Sendo as-
As acima citadas são algumas das mais
sim, Manoel Gonçalves Ferreira Filho assevera
relevantes vitórias, existindo outras, constan-
que:
do aqui e acolá, ao longo da Constituição de
Ora, de duas uma, ou a norma defini- 1988.
dora de direitos ou garantia fundamental é
Para conferir aplicabilidade e atingimen-
completa, e, portanto, auto-executável, ou
to à plena efetivação do exercício destes di-
não o é, caso em que não poderá ser apli-
reitos, pelas mulheres, legislações infracons-
cada. Pretender que uma norma incompleta
titucionais foram sendo inseridas no nosso
seja aplicada é desejar uma impossibilidade,
sistema jurídico, merecendo destaque algu-
ou forçar a natureza que, rejeitada, volta a
mas delas, como a Lei 10.406/2002 (Código
galope, como disse o francês.8
Civil) que operou mudanças substanciais na
Infere-se que as normas que não são situação feminina; a Lei no  8.930/94 que in-
auto executáveis ocupam o texto constitucio- cluiu o estupro no rol dos crimes hediondos;
nal, apenas como meras declarações de direi- a Lei no 9.318/96 que agravou a pena dos cri-
tos. Procedendo uma pesquisa, mesmo que mes cometidos contra a mulher grávida; a Lei
perfunctória, denota-se que, com referência no 11.340/06 – a famosa Lei Maria da Penha
às Constituições do Brasil, nas de 1824 e de – que penaliza com efetividade os casos de
1891 formalmente consta o postulado da iso- violência doméstica e a da Lei do Feminicídio
nomia entre os sexos, enquanto a de 1934 – a Lei no 13.104, promulgada em 9 de março
concedeu às mulheres o direito ao voto e, ex- de 2015 (alterou o Código Penal para incluir
7 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 4ª ed. rev. São Paulo: Saraiva,
2000, p. 98.
8 Ibidem, p. 100.

139
mais uma modalidade de homicídio qualifica- Num segundo momento, pode-se pontuar
do, o feminicídio: quando crime for praticado que os Tratados e Pactos Internacionais, antes
contra a mulher por razões da condição de de sua feitura, passaram a encontrar cidadãos
sexo feminino. Todas estas são normas que atentos com a inserção, no seu texto, que deno-
tam verdadeira preocupação com a salvaguarda
ilustram os significativos avanços operados na
de determinados direitos.
proteção dos direitos fundamentais femininos
no cenário da história legislativa pátria. Assim, os diversos tratados internacionais,
protetores de Direitos Fundamentais, passaram
Na seara do direito externo, por sua vez, a conclamar esta proteção a nível de Nações
galgando degraus, verifica-se, na história, de- Unidas, ocupando notória relevância jurídica os
terminadas ocorrências que vieram ocupar Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políti-
lugar de destaque e que engendraram sutis cos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
anotações tendentes a consignar proteções de 1966, além de instrumentos especificamente
diversificadas em favor da igualdade de gêne- criados para proteger temas peculiares (e ten-
ro e da superação de discriminações odiosas. denciosos a proteger as mulheres), como a tor-
tura, discriminação racial, discriminação contra a
A aludida luta pela conquista de tratamen- mulher, violação dos direitos da criança e outros,
to igualitário entre os sexos herda resquícios de de tal maneira que grupos certos e individualiza-
preocupação com a temática, implementada na dos é que passaram a receber a proteção, tanto
França, com discussões voltadas precipuamen- em âmbito interno, quanto externo, em sede de
te ao clamor de atingimento de uma sociedade tratados internacionais.
ideal, por ocasião da revolução francesa (1789)9,
tendo sido de Olímpia de Gouges a voz femini- Em decorrência destas declarações in-
na ativa no processo da Revolução Francesa. Na ternacionais dos direitos das mulheres, é de se
sua militância, “além de reafirmar as reinvindica- salientar que tais desideratos traçados não se
ções relativas aos direitos civis das mulheres, ela demonstraram suficientemente eficazes, pois
tomou consciência da marginalização da mulher tais instrumentos protetivos genéricos, careciam
quanto aos direitos políticos”10; e então, marcan- recorrer à especificação do sujeito de direito,
do a história da luta pelos direitos das mulheres, como assevera Flávia Piovesan11. Considerada
ela publica o documento que foi intitulado “De- a importância do significado e abrangência dos
claração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, de direitos humanos, pode-se valer do escólio de
1791. Antonio Enrique Pérez Luño.12

No que pertine especificamente à salva- Com referência à proteção da mulher, em


guarda dos direitos da mulher em âmbito inter- 1975, ao qual foi atribuído como título “Ano Inter-
nacional, o marco declaratório está presente na nacional da Mulher”, neste mesmo ano realizou-
Declaração Universal dos Direitos Humanos, de -se no México, a 1ª. Conferência Mundial sobre
1948. Entretanto, cabe enfatizar que a expres- a Mulher e tendo sido aprovada pelas Nações
Unidas, em 1989 uma Convenção nominada
são: “os direitos das mulheres são direitos huma-
nos”, foi cunhada nos anos 90, sendo portanto, Convenção à Eliminação de todas as Formas de
bastante recente, apesar de estarmos a come- Discriminação contra a Mulher, também conheci-
morar mais de cinco décadas de existência da da como CEDAW, sua sigla em inglês (ratificada
Declaração Universal da ONU. pelo estado brasileiro, em 1984) daí iniciando-se
os primeiros acontecimentos de valor histórico,
Pois bem, foi então em 1948 que se conso- na seara mundial, versando sobre o tema.
lidou o direcionamento formal à questão da luta
contra o que hodiernamente tem sido nominado Esta Convenção veio impor a obrigatorieda-
como sendo sexismo. de de eliminação da discriminação e da desigual-
dade. Observa-se que seu objetivo visava res-

9 Disponível em http://www.economist.com/node/21591749/print “in” Cultura Francesa: Bleak Chique: The Eco-


nomist 21.dez 2013. Paris. Acesso em 05. fev 2020.
10 DALLARI, Dalmo de Abreu. Os direitos da mulher e da cidadã por Olímpia de Gouges. São Paulo: Saraiva,
2016, p. 114.
11 PIOVESAN, 2003, p. 206.
12 LUÑO, An-
tonio Enrique Pérez. Derechos humanos, Estado de Derecho y Constitucion. 8ª ed. Madrid: Tecnos, 2003, p.

140
saltar que qualquer ato discriminatório à mulher redução de desigualdades e discriminações exis-
repercutia em desigualdade, logo aliado está, o tentes no país, significando que uma ação afir-
anseio de protegê-las, afastando a discrimina- mativa não deve ser vista como um benefício, ou
ção, para em contrapartida, assegurar a igualda- algo injusto, a ação afirmativa só se faz necessá-
de de tratamento. Em julho de 2001, a Conven- ria quando percebemos um histórico de injusti-
ção já contava com 168 Estados-partes13. ças e direitos que não foram assegurados.14
Nos anseios presentes nestes Estados-par- A compreensão da vivência histórica do
tes encontravam-se o resguardo da igualdade País, a respeito do tema que requer a criação
formal perante a lei, abarcado o direito de a mu- de ações afirmativas é o instrumental justificador
lher de decidir sobre o direito de reproduzir-se ou de sua necessidade. A Convenção sobre a Elimi-
não, além do direito de acesso às oportunidades nação de todas as formas de Discriminação Ra-
sociais e econômicas, o direito de dispor de seu cial permite a discriminação positiva, significando
próprio corpo e outros mais. que os Estados podem adotar temporariamente,
técnicas que visem conscientizar celeremente e
Reconhecido no próprio texto da Conven- realizar técnicas para equiparar homem e mulher
ção, que a proibição da discriminação por si só, e tão logo atinja tal intento, as técnicas/medidas
não se bastaria para assegurar esta igualdade cessam. Como consigna Flávia Piovesan15, são
de gêneros. Esta é, mais uma forma de consa- estas “medidas compensatórias para remediar
gração das famigeradas ações afirmativas, que as desvantagens históricas (...)”, posto que re-
podem ser compreendidas como sendo políticas presentam hoje, o cenário discriminatório enca-
públicas feitas pelo governo ou pela iniciativa rado pelas mulheres, a herança do passado dis-
privada com o objetivo de corrigir desigualdades criminatório vivenciado.
presentes na sociedade, acumuladas ao longo
de anos, sejam tais desigualdades consubstan- É possível afirmar que diversos instrumen-
ciadas em raça, sexo, idade, etc. As ações afir- tos jurídicos vieram regulamentar a temática, em
mativas buscam oferecer igualdade de oportuni- 1993, com a Conferência de Direitos Humanos,
dades a todos. realizada em Viena, ocasião em que foram uma
vez mais disseminadas concepções reflexivas,
Em pleno século XXI, por razões eviden- ansiando conscientizar os países membros, para
tes é que a compreensão dos Direitos Fun- que implementassem medidas tendentes à ga-
damentais requer uma interpretação diversa rantir o direito igualitário de gênero, além de ter
daquela que se empregava verbi gratia no mo- sido reivindicada a necessidade de ratificação
mento da Declaração Universal dos Direitos universal da Convenção sobre a Eliminação da
Humanos e mesmo quando da outorga da Discriminação contra a Mulher; disciplinado no
própria Constituição vigente no nosso País, o art. 39 da Declaração de Viena.
que justifica a transmutação dos Direitos Fun- Neste panorama histórico, a proteção das
damentais através de suas dimensões (ou ge- mulheres fora reforçada por ocasião da Decla-
rações, nominadas por alguns doutrinadores) ração e Programa de Ação de Viena, em 1993
porque não se está mais objetivando resguar- e pela Declaração e Plataforma de Ação de Pe-
dar unicamente o direito de existir, mas de se quim, de 1995, após o decurso de duas déca-
assegurar uma existência digna, respeitosa e das desta Declaração, formalizou-se documento,
feliz, a todos. contendo perspectivas, dados, relatórios e resul-
tados demonstrando a realidade que os países
Em 2012, o Supremo Tribunal Federal de- estariam a vivenciar, tendo sido finalizado refe-
cidiu por unanimidade que as ações afirmativas rido relatório e disponibilizado à população, no
são constitucionais e políticas essenciais para a ano de 2018.

109. Tradução livre da autora: “De modo que seja possível se falar sobre direitos humanos, não basta admitir
determinadas faculdades ao indivíduo, porém que as mesmas tenham relação direta e imediata com a sua própria
qualidade de ser humano e se reputem imprescindíveis para o desenvolvimento de suas atividades pessoais e so-
ciais. Daí que a positivação dos direitos fundamentais é o produto da dialética constante entre o desenvolvimento
progressivo no plano técnico dos sistemas de positivação, e o afirmar-se paulatino no terreno ideológico das idéias
de liberdade e dignidade humanas”.
13 Disponível em http://www.unhchr.ch/pdf/report.pdf; [12.07.2001]. Acesso em 05. fev 2020.
14 Disponível em http://www.seppir.gov.br/assuntos/o-que-sao-acoes-afirmativas. Acesso em 05. fev 2020.
15 PIOVESAN, 2003, p. 209.

141
A  Convenção de Belém do Pará, como das mulheres, modificação dos padrões socio-
ficou conhecida a Convenção Interamerica- culturais, fomento à capacitação de pessoal,
na para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência além da criação de serviços específicos para
contra Mulher, adotada na referida cidade, em atendimento àquelas que tiveram seus direi-
9 de junho de 1994, conceitua a violência con- tos violados.
tra as mulheres, reconhecendo-a como uma
A Convenção de Belém do Pará é mais
violação aos direitos humanos, e estabelece
um instrumento que avança na consolidação
deveres aos Estados signatários, com o pro-
de uma sociedade justa e solidária, a partir
pósito de criar condições reais de rompimen-
do respeito amplo e irrestrito aos direitos das
to com o ciclo de violência identificado contra
mulheres.
mulheres em escala mundial. Suas resoluções
ratificam as que foram divulgadas um ano an- Toda mulher poderá exercer livre e ple-
tes, após a Conferência Mundial dos Direitos namente seus direitos civis, políticos, econô-
Humanos, em Viena, na qual a violência de gê- micos, sociais e culturais e contará com total
nero foi considerada uma questão de Estado, proteção desses direitos consagrados nos
rompendo a lógica de que só há desrespeito instrumentos regionais e internacionais sobre
aos direitos humanos na esfera pública. O direitos humanos. Os Estados Partes reconhe-
documento final da Convenção de Belém do cem que a violência contra a mulher impede
Pará, organizado em cinco capítulos e 25 arti- e anula o exercício desses direitos (artigo 5º).
gos, afirma:
A Convenção de Belém do Pará prevê dois
entender-se-á por violência contra a mu- tipos de mecanismos: o Mecanismo de Acom-
lher qualquer ato ou conduta baseada no gê- panhamento da Implementação da Convenção
nero, que cause morte, dano ou sofrimento fí- (MESECVI), um sistema independente, basea-
sico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na do em consenso, para examinar os progressos
esfera pública como na esfera privada (artigo alcançados na implementação dos objetivos da
Convenção, e o Mecanismo de Proteção, que
1º).
consiste na apresentação de petições individuais
No seu artigo 2º declara que a violência e/ou coletivas referentes a violações do artigo 7º
contra a mulher inclui a violência física, sexual da Convenção para a Comissão Interamericana
ou psicológica ocorrida na família, na comuni- de Direitos Humanos e, posteriormente, à Corte
dade ou que seja perpetrada ou tolerada pelo Interamericana de Direitos Humanos.
Estado e seus agentes, onde quer que ocorra. Em 12 de março de 1999, por ocasião da
43ª. Sessão da Comissão do status da Mulher da
Recomenda em seu artigo 9º que, para ONU, foi adotado o Protocolo Facultativo à Con-
adoção das medidas recomendadas, os Esta- venção sobre a Eliminação de todas as formas
dos-parte da Organização dos Estados Ame- de Discriminação contra a Mulher, tendo sido
ricanos (OEA) devem considerar a situação de consignados 2 itens fiscalizatórios de importân-
vulnerabilidade à violência que a mulher pos- cia salutar, quais sejam, o mecanismo de petição,
sa sofrer em consequência, por exemplo, de que permite o encaminhamento de denúncias de
sua condição racial e étnica. Torna-se impor- violação de direitos enunciados na Convenção à
tante, neste sentido, articular com a Conven- apreciação do Comitê sobre a Eliminação da Dis-
ção contra a Eliminação de todas as Formas criminação contra a Mulher e um procedimento
de Discriminação Racial (ONU, 1966), aprova- investigativo, que habilita o Comitê a investigar
da pela Assembleia Geral da Organização das a existência de grave e sistemática violação aos
direitos humanos das mulheres. Pondera Piove-
Nações Unidas (ONU, 1966).
san16 que para acionar aludidos mecanismos de
A Convenção de Belém do Pará ainda monitoramento, faz-se necessário que o Estado
exige dos Estados um compromisso efetivo tenha ratificado o Protocolo Facultativo, que rea-
na erradicação da violência de gênero a par- viva o ideário internacionalmente buscado, que
tir da criação de leis de proteção aos direitos denota a significância dos direitos humanos das
mulheres, constituindo-se uma real garantia vol-

16 Ibidem, p. 206.

142
tada a assegurar o pleno e equânime exercício
dos direitos humanos das mulheres e sua não
discriminação.17

2.2 O PRESENTE E O FUTURO DO PRESENTE

Como pondera Verucci18, o Brasil adota a em todo o mundo desigualdades e discrimina-


corrente jurídica segundo a qual o Direito Inter- ções contra mulheres e meninas, que resultam
nacional e o Direito Interno são dois ramos de em violência e limitam seu acesso ao traba-
um mesmo sistema jurídico, segundo o axioma lho decente, à participação política, à educa-
‘A lei internacional é parte da lei do país.’ Nosso ção e à saúde. Dada a relevância da questão,
país é signatário de tratados que visam tutelar
o 5º dos 17 Objetivos de Desenvolvimento
os direitos das mulheres. Além dos basilares
tratados que regulam os Direitos Civis, Políticos, Sustentável (ODS) apresentados pela Agenda
Econômicos, Sociais e Culturais, no sistema glo- 2030, estipula como meta o alcance da igual-
bal (ONU)19 e no sistema regional interamericano dade de gênero e o empoderamento de todas
(OEA)20, que garantem os direitos fundamentais, as mulheres e meninas. Além dele, outros 12
como igualdade e liberdade de forma geral (in- ODS incorporam explicitamente metas desa-
dependente do gênero), há também os diplomas gregadas por sexo, sendo que todos podem
internacionais específicos: Convenção sobre to- ser lidos a partir da perspectiva de gênero.
das as formas de discriminação contra a mulher A Agenda 2030 reafirma princípios contidos
(1979), Convenção Interamericana para Preve- nas principais normas internacionais relativas
nir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, aos direitos humanos das mulheres, tais como
Plataforma de Ação das Mulheres para a Confe- a Convenção para Eliminar Todas as Formas
rência Mundial da Mulher – Pequim (1995), a res-
de Discriminação contra a Mulher (CEDAW)
peito dos quais fora comentado anteriormente.
e a Plataforma de Ação de Pequim. (...). Dos
A proteção dos direitos da mulher encontra- instrumentos regionais dos quais o Brasil é
-se erigida à senda transnacional, e, no cenário signatário, a Convenção Interamericana para
atual, é de se ressaltar as ponderações e defini- Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra
ções trazidas pela Equipe das Nações Unidas, a Mulher (1994) destaca-se pelos importantes
no Brasil, em julho de 2018, por meio da obra desdobramentos que teve para a legislação
“Direitos Humanos das Mulheres”21, no “item 1.
nacional de enfrentamento à violência con-
Compromissos mundiais/legislação internacio-
nal”, com destaque para os trechos transcritos tra as mulheres. (...) No campo do ensino, há
abaixo: extenso ordenamento jurídico que garante o
compromisso com um ambiente de ensino li-
vre de discriminações e preconceitos, capaz
Por ocasião da revisão dos 20 anos da de atender a todos/as em suas necessidades
Declaração e Plataforma de Ação da IV Con- básicas de aprendizagem (...). (grifo nosso)
ferência Mundial Sobre a Mulher (realizada Isto significa que do levantamento de
em 1995, em Pequim), os Estados reunidos dados e das apurações realizadas, tornou-
constataram que a plena igualdade de gênero -se possível ter uma visão panorâmica,
não é realidade em nenhum país no mundo. envolvendo as mulheres, sob as mais va-
No mesmo ano, a adoção da Agenda 2030 riadas áreas. Evidencia-se a persistente ar-
para o Desenvolvimento Sustentável refletiu ticulação das desigualdades de gênero e ra-
estes achados e a necessidade de combater
17 O Protocolo entrou em vigor em 22 de dezembro de 2000 e foi ratificado pelo Brasil em 28 de junho de 2002.
18 VERUCCI, Florisa. O direito da mulher em mutação: os desafios da igualdade. Belo Horizonte: Del Rey,
1999, p. 31.
19 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais.
20 Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) e Protocolo de San Salvador.
21 Disponível em https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/08/Position-Paper-Direitos-Humanos-das-
-Mulheres.pdf. Acesso em 07. fev 2020.

143
ciais no contexto da educação, do mercado de no ordenamento jurídico. Mulheres e homens
trabalho e renda, da exclusão e da violência.  são titulares dos mesmos direitos. Entretan-
to, infelizmente, há uma aparente disjunção
Segundo divulgado recentemente no “entre norma, aplicação e sociedade, entre
site da Fiocruz22, a organização das Nações as quais encontra-se a realidade das mulhe-
Unidas relaciona os 12 direitos pertencentes res”24, não há verdadeiramente a igualdade
às mulheres, sendo eles: direito à vida, direi- material.
to à liberdade e à segurança pessoal, direito
à igualdade e a estar livre de todas as formas Isso se deve a diversos fatores, tais
de discriminação, direito à liberdade de pen- como história, cultura, educação, ausência
samento, direito à informação e à educação, de normas e políticas públicas, “estrutura so-
direito à privacidade, direito à saúde e à pro- cial fundada na misoginia (...) e na manuten-
teção desta, direito a construir relacionamen- ção de violências simbólicas nas dinâmicas
to conjugal e a planejar sua família, direito à do campo do Direito.”25
decidir ter ou não ter filhos e quando tê-los,
Evidentemente há diferenças biológicas
direito aos benefícios do progresso científico,
entre os gêneros, seja em relação às habi-
direito à liberdade de reunião e participação
lidades, seja em relação às necessidades;
política e direito a não ser submetida a tortu-
todavia, tais diferenças devem ser “reconhe-
ras e maltrato.
cidas e ajustadas, mas sem eliminar da titula-
O UNICEF , por sua vez, define a igual- ridade das mulheres a igualdade de direitos e
23

dade entre os sexos como “nivelar os campos oportunidades”26.


de jogo de garotas e rapazes, assegurando Deve-se ponderar o fato de que avanços
de que todas as crianças tenham oportuni- vem sendo constatados, mas ainda demons-
dades iguais de desenvolver seus talentos.” tram-se insuficientes, a resistência persiste, o
Já o Fundo para as Populações das Nações preconceito ainda se faz presente.
Unidas declarou a igualdade entre os sexos
como “acima de tudo, um direito humano.” A ideia que se tem acerca das mulheres
pode remeter àquela ideia traçada pela famosa
Diante da análise dos importantes even- música Mulher (sexo frágil), lançada em 198127,
tos citados até aqui, denota-se que inexis- de Erasmo Carlos, na letra desta, consta a afir-
te salvaguarda aos direitos humanos acaso mação de que a mulher é o sexo frágil, mas logo
haja insuficiência no respeito aos direitos das em seguida faz a ressalva de que mencionada
mulheres, ou seja, a atribuição do significado afirmação constitui-se uma mentira absurda.
Sem olvidar modéstia é de fato uma inverdade
humano, como gênero; razão porque a busca
compreender o sexo feminino como detendo,
pela salvaguarda à igualdade de gêneros jus- em sua inteireza, fragilidade, eis que, apesar da
tifica-se sob esta conotação, por isso quando aparente delicadeza, as mulheres em sua gran-
a Constituição brasileira reporta-se a todos de maioria desenvolvem jornada laboral tripla (e
(art. 5º, caput) deve-se compreender como com maestria), face a necessidade de gerir as
sendo realmente todos, na acepção jurídica prendas domésticas e familiares (com os filhos e
do termo. marido), paulatinamente trabalhando fora de sua
casa, para auxiliar na renda familiar, elevando-
A desigualdade não encontra guarida -as à categoria de verdadeiras heroínas, porque

22 Disponível em https://portal.fiocruz.br/. Acesso em 16. mar 2019.


23 Disponível em https://www.unicef.org/brazil/. Acesso em 16. mar 2019.
24 MARTINS, Fernanda. Feminismos sem edições: o papel da mulher nos cenários jurídicos. In: GOS-
TINSKI, Aline; MARTINS, Fernanda (orgs.). Estudos feministas por um direito menos machista. Florianópolis: Empório
do Direito, 2016. p. 75-90.
25 CIPRIANI, Marcelli. Dos controles formais aos informais: desconstrução de papéis de gênero e repre-
sentatividade feminina como instrumentos de equidade no campo do Direito. In: GOSTINSKI, Aline; MARTINS,
Fernanda (orgs.). Estudos feministas por um direito menos machista. Florianópolis: Empório do Direito, 2016, p. 105.
26 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2ª. ed. rev. ampl. e atual., São Paulo: Max Limonad, 2003,
p. 206
27 Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Mulher_(%C3%A1lbum). Acesso em 06. fev 2020.

144
é praticamente inexistente o sexo masculino que art. 226 da Constituição Federal. Buscou o
desempenhe as funções acima citadas, conco- legislador colmatar a vergonhosa e reiterada
mitantemente. prática de agressão do gênero feminino, de-
Não se está pregando um discurso feminis- simportando o sexo do agressor, desde que
ta ou sexista, com o intuito de defender as mu- este mantenha o exigido vínculo doméstico
lheres, não se quer colocá-las num patamar aci- ou mantenha ou tenha mantido com a vítima
ma, mas ao lado, em grau de igualdade ao dos vínculo afetivo.
homens, já que em 2020, lamentavelmente ain-
da é necessário falar em direitos humanos das Em realidade, tanto a Lei no  11.340/06
mulheres (ou “direitos das humanas”), devido quanto a Lei do Feminicídio, não criaram ne-
a diversos fatores: os direitos políticos não são nhum tipo penal novo, apenas deram um tra-
plenamente exercidos, pois embora as mulheres tamento distinto à violência cometida contra
representem mais da metade do eleitorado do mulher em todos os vieses, com o agravamen-
país, não ocupam sequer 10% das cadeiras do to apenatório devido ao seu alto grau de in-
Congresso Nacional28. cidência que se reflete em dados estatísticos
Episódios dignos de nota como  “a 1ª mu- assustadores e custa ao país 10,5% do PIB.
lher presidenta”, “a 1ª mulher ministra do STF” Estas normatizações representam leis afir-
são acontecimentos recentes.... e ainda não ti- mativas que buscam resguardar a mulher em
vemos a notícia da 1ª mulher presidenta da Câ- situação de vulnerabilidade, a demandarem,
mara ou do Senado, tampouco na presidência do portanto, proteção especial da estatalidade.
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil. Desditosamente, mesmo após a promul-
gação da Lei Maria da Penha, a taxa de violên-
Pelo demonstrado, conclui-se que me- cia contra a mulher não diminuiu, ao contrário,
didas legislativas vêm sendo adotadas, na aumentou. Estatísticas realizadas demonstra-
ordem interna e internacional, pelo Estado ram que o número de homicídios de mulhe-
Brasileiro em favor das mulheres, o que, sem res por agressões de maridos, companheiros
dúvida, representa conquistas importantes e parceiros – entre 2001 e 2011 – pouco se
da sociedade como um todo, ocupando po- alterou. A taxa média de mortalidade por gru-
sição de relevo, a determinação legislativa de po de 100 mil mulheres entre 2001 e 2006,
combate à violência de gênero, Lei Maria da ou seja, antes da lei, foi de 5,28. Entre 2007
Penha, que completou 13 anos de vigência e e 2011, depois da lei, foi de 5,22. Calcula-se
fez emergir na normatividade uma nova mo- que nesse período ocorreram mais de 50 mil
dalidade de política criminal, aquela que visa feminicídios no Brasil, o que equivale a 5 mil
defender a mulher das agressões sofridas em por ano, 15 por dia e uma mulher morta a cada
âmbito familiar com um rigor maior do que o uma hora e meia. Recentemente o CNJ reve-
previsto anteriormente. Ela resultou de uma lou que em 2016 foram registradas 402.695
recomendação da Comissão Interamericana agressões, número que um ano depois se ele-
de Direitos Humanos, que culminou no rela- vou para 452.988.
tório 54/1, que concluiu pela omissão do Es-
tado Brasileiro com relação ao problema da Para agravar, os dados não são confiáveis
violência contra a mulher de modo geral e, e podem ser piores, pois no Brasil grande é a
em particular, contra Maria da Penha Fernan- dificuldade em mapear as informações sobre
des, advertindo-o a adotar medidas efetivas tais delitos, a demonstrar a invisibilidade do
para implementar direitos já reconhecidos nas problema perante o Poder Público. O fenô-
Convenções Internacionais. meno do feminicídio, pouco estudado no País,
não produz estatísticas oficiais fidedignas de
Esta lei criou mecanismos para coibir e homicídios por sexo, e todos sabem que, dolo-
prevenir a violência doméstica e familiar con- rosamente, a morte tem nome de mulher.
tra a mulher, dando concretude ao § 8o do

28 Dados disponíveis nas estatísticas das eleições 2014, no site do Tribunal Superior Eleitoral: http://www.tse.jus.
br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2014-resultado. Acesso em 06. fev 2020.

145
Dos levantamentos realizados junto às em 2014, o Brasil figurou na 79ª posição dentre
secretarias de segurança pública dos Estados, 187 países do ranking do índice de desigualdade
às polícias e aos movimentos feministas, têm- de gênero do PNUD29, que tem por critérios fato-
-se a notícia de que, em média, 4,6 mulheres res como o acesso à educação e saúde materna
para avaliar as diferenças das condições mate-
são assassinadas por 100 mil habitantes do
riais das vidas de homens e mulheres.
sexo feminino, podendo dobrar em algumas
cidades. Os índices se igualam ou mesmo su- Ocorre que os atos discriminatórios e pre-
peram, sozinhos, a taxa total de homicídios de conceituosos fazem “saltar os olhos”, ocasionan-
países europeus ocidentais – 3 a 4 por 100 do sentimento repulsivo e uma revolta grandiosa
mil, da América do Norte – 2 a 6 e da Austrália assola a sociedade, que também é composta
– 2 a 3. Em relação à América Latina, o Brasil de mulheres filhas, mulheres mães, mulheres ir-
mãs, mulheres avós, mulheres tias, mulheres so-
perde apenas para El Salvador, Guiana e Gua-
brinhas, enfim, mulheres...Aqui ou ali o homem
temala, países onde já atuam grupos de direi- depara-se com um familiar ou amiga, mulher, é
tos humanos para reverter o caos provocado para isso que se está alertando, a luta não é em
por tantas mortes. prol do sexo feminino, mas em prol da sociedade
Os direitos humanos das mulheres care- como um todo.
cem ser reivindicados porque no âmbito dos di-
reitos econômicos, sociais e culturais permane-
cem sendo um desafio a ser cumprido, eis que

3. “CASES” DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL, UM PRE-


SENTE INFELIZ

Conforme demonstrado no capítulo an- tentativa de homicídio por parte de seu en-
terior, não há em nosso ordenamento interno, tão marido, Marco Antonio Heredia Viveiros,
tampouco em tratados internacionais, que atirou contra suas costas enquanto ela
dispositivo que coloque a mulher numa dormia, deixando-a paraplégica. E, como se
posição de inferioridade em relação ao não bastasse, ainda tentou eletrocutá-la no
homem. banho, duas semanas depois; quando en-
tão ela decidiu se separar. O agressor sofreu
Todavia, hodiernamente ainda há muita
duas condenações no Tribunal do Júri do Ce-
discriminação e violência em face da mulher,
ará, em 1991 e 1996; todavia, em que pese a
por ser mulher, tendo havido determinadas
gravidade dos crimes, passados mais de 15
ocorrências que desolaram massas de re-
anos ainda não havia uma decisão definitiva
presentações desta categoria de pessoas; as
no processo e Heredia Viveiros permanecia
mulheres ainda são desrespeitadas e isto se
em liberdade. Então, Maria da Penha, o Cen-
dá, em virtude do preconceito de gênero, eis
tro para a Justiça e o Direito Internacional –
que embora estejamos em pleno século XXI,
CEJIL Brasil e o Comitê Latino-Americano
as conquistas alcançadas e as dezenas de
e do Caribe para a Defesa dos Direitos da
Tratados Internacionais à que se renderam
Mulher - CLADEM-Brasil, enviaram o caso à
diversas Nações são ainda ineficazes.
Comissão Interamericana de Direitos Huma-
Constitui-se um dos casos mais emble- nos da Organização dos Estados America-
máticos e famosos, vivenciado pelo Brasil, o nos, denunciando a tolerância do Brasil para
da farmacêutica-bioquímica Maria da Penha com a violência cometida em face da vítima
Maia Fernandes. Em 1983, ela sofreu dupla e o consequente desrespeito à Convenção

29 Relatório completo do PNUD disponível em: http://www.pnud.org.br/noticia.aspx?id=3909. Acesso em 06. fev


2020.

146
Americana de Direitos Humanos, à Declara- uma das três melhores legislações para en-
ção Americana dos Direitos e Deveres do Ho- frentamento à violência contra as mulheres
mem e à Convenção de Belém.30A Comissão do mundo, é um dos raros exemplos brasilei-
concluiu que: ros de leis construídas para e por mulheres”32.
o Estado violou, em prejuízo da Senhora Outro caso de grande repercussão no País,
Maria da Penha Maia Fernandes, os direitos foi o de Marielle Franco, vereadora do Rio de Ja-
às garantias judiciais e à proteção judicial as- neiro pelo PSOL, assassinada em 14 de mar-
segurados pelos artigos 8 e 25 da Convenção ço de 2018, na região central da capital. Os cri-
Americana, em concordância com a obriga- minosos efetuaram vários disparos no carro da
vereadora, que acabaram também por matar o
ção geral de respeitar e garantir os direitos,
motorista Anderson Gomes. Um caso que até
prevista no artigo 1(1) do referido instrumen- hoje envolve muito mistério, que teve uma série
to e nos artigos II e XVII da Declaração, bem de reveses, e que se arrasta a dois anos. Duas
como no artigo 7 da Convenção de Belém do pessoas foram acusadas de serem os executo-
Pará. Conclui também que essa violação se- res, o policial militar reformado Ronnie Lessa e
gue um padrão discriminatório com respeito a o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz. Mas
tolerância da violência doméstica contra mu- ainda não se sabe os motivos, tampouco quem
lheres no Brasil por ineficácia da ação judi- seriam os verdadeiros mandantes.33
cial. A Comissão recomenda ao Estado que
Recentemente o ex-capitão do Batalhão de
proceda a uma investigação séria, imparcial Operações Especiais (Bope), Adriano Magalhães
e exaustiva para determinar a responsabilida- da Nóbrega, acusado de comandar o grupo de
de penal do autor do delito de tentativa de ho- assassinos de aluguel conhecido como Escritório
micídio em prejuízo da Senhora Fernandes e do Crime, do qual Ronnie Lessa é acusado de
para determinar se há outros fatos ou ações fazer parte, foi morto. Diante de tal ocorrência, a
de agentes estatais que tenham impedido o Procuradoria Geral da República discute a possi-
processamento rápido e efetivo do responsá- bilidade de federalização34 das investigações do
vel; também recomenda a reparação efetiva caso; segundo a jornalista Andréia Sadi, o pro-
e pronta da vítima e a adoção de medidas, curador Augusto Aras considera que “a cada fato
no âmbito nacional, para eliminar essa tole- novo envolvendo personagens ligados ao Es-
rância do Estado ante a violência doméstica critório do Crime, maior é a necessidade de se
conduzir uma investigação afastada do Estado
contra mulheres.31
do Rio.”35
E, assim, Maria da Penha tornou-se a Por ser uma ativista dos direitos huma-
protagonista de um caso de litígio internacio- nos, Marielle Franco foi uma das escolhidas pela
nal, que marcou a história da luta contra a Anistia Internacional para protagonizar, em 2018,
violência doméstica, verdadeiro ícone des- a campanha Escreva por Direitos (Write for Ri-
sa causa, inclusive dando o nome à Lei n.º ghts), que teve por foco a luta de mulheres de-
11.340/2006, que é “considerada pela ONU fensoras de direitos humanos, mobilizando diver-

30 Cf. resumo do relato do caso disponível em: https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.


com/2012/08/cejil_resumorelatocasomariadapenha.pdf. Acesso em 12 fev. 2020.
31 Cf. Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH/OEA. Relatório n° 54/01, caso 12.051, MARIA DA
PENHA MAIA FERNANDES versus BRASIL, de 4 de abril de 2001. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/annualre-
p/2000port/12051.htm. Acesso em 08 fev. 2020.
32 TEODORO, Ilka; GONÇALVES, Laura; LASALVIA, Raquel. 12 Anos de Lei Maria da Penha: Por Políticas
pela vida das mulheres. Disponível em: http://www.justificando.com/2018/09/14/12-anos-de-lei-maria-da-penha-por-
-politicas-pela-vida-das-mulheres/. Acesso em 12 fev. 2020.
33 Disponível em: https://brasil.elpais.com/tag/caso_marielle_franco. Acesso em: 12 fev. 2020.
34 O Incidente de deslocamento de competência, previsto no artigo 109, § 5º, CF, é destinado a resguardar a res-
ponsabilidade do Estado soberano perante a comunidade internacional, em função de tratados de proteção à pessoa
humana firmados pela União. O foco é a redução da impunidade e a concretização da proteção aos direitos humanos.
(cf. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 19. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 731-
740.)
35 Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/caso-marielle-pgr-quer-federalizar-investigacao-apos-morte-de-a-
driano-1-24243629. Acesso em 12 fev. 2020.

147
sos países.36 leva o indivíduo a uma acentuada indiferença
E, ainda, tantos outros casos poderiam afetiva, podendo adotar um comportamen-
ser citados como exemplos da triste realidade to criminal recorrente e o quadro clínico de
de violência e discriminação em face da mu- transtorno de personalidade assume o feitio
lher, que tomaram conta das manchetes dos de psicopatia. A Psicologia contribui então,
jornais nos últimos anos, como o da domés- para com a elucidação comportamental des-
tica Maria Regina Araújo, da advogada Ma- tas pessoas, que são indivíduos clinicamente
rina Spitzner, e, recentemente o da bailarina perversos, com isso pode-se afirmar que se
Magó. Todos crimes praticados por homens, faz necessário esquadrinhar outras ciências,
maridos, namorados, companheiros... conhe- para obter informações acerca do comporta-
cidos, desconhecidos... homens. mento dos agressores em potencial.

Crimes esses que revelam que qualquer Tudo isso conduz à inferência dolorosa
mulher pode ser a próxima vítima, simples- de que trabalhos voltados à conscientização
mente por existir, simplesmente por ser mu- não podem cessar, assim como assenta de
lher. Até quando? igual forma, a plena convicção de que postu-
lados jurídicos não se revestem, infelizmen-
A índole massacrante e cruel do agressor te, de suficiente capacidade para extirpar tão
é, por vezes, mascarada por atos de gentileza, repugnantes atos de desdém, que resultam
num primeiro contato, a fim de seduzir e con- massacres ao gênero feminino, escondidos
quistar inabalável confiança da vítima, esta, num disfarce discriminatório, a abarcar infun-
sem suspeitar que está mediante uma pessoa dado ódio e preconceito. Inúmeras batalhas já
que detém transtorno de personalidade e que foram vencidas pelas mulheres, mas tudo leva
sente prazer em ocasionar o sofrimento alheio. a crer que a guerra ainda não acabou.
Esse tipo de transtorno específico de perso-
nalidade é marcado por uma insensibilidade
aos sentimentos alheios e em se apresen-
tando em grau elevado, essa insensibilidade,

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ser mulher tem sido sinônimo de ser dis- Necessita-se de mais políticas públicas
criminada, de correr perigo diariamente. Em e ações afirmativas para garantir a igualdade
que pesem as conquistas das últimas décadas, material mas, sobretudo, é preciso rever con-
é fato que ainda há muito em que avançar. ceitos, desconstruir a imagem de sexo frágil,
abolir de vez a ideia de patriarcado. Hoje a
Não se pode cair no “clichê” de pugnar
maioria das mulheres trabalham, geram em-
por mais normas protetivas apenas e tão so-
pregos e rendas, pagam tributos... têm as
mente. É preciso ir além do Direito, é necessá-
mesmas obrigações que os homens. Destarte,
ria uma mudança de posicionamentos, menta-
a igualdade de gênero é o caminho para alcan-
lidades, posturas e objetivos na sociedade em
çar o equilíbrio social, tão necessário ao nosso
que vivemos.
País. A preservação da liberdade feminina é o
Trabalhos voltados à conscientização de- caminho para que mais nenhuma mulher seja
vem continuar e a utilização de estudos dis- morta ou enfrente violência unicamente pelo
ponibilizados por ciências, além da jurídica, é fato de enquadrar-se no gênero feminino. As-
fator imperativo; valendo ressaltar a impor- sim, do passado imperfeito poder-se-á se che-
tância da psicologia forense para auxiliar na gar a um futuro ideal.
identificação do perfil do agressor.

36 Disponível em: http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/44649. Acesso em 12 fev.


2020.

148
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151
A NECESSIDADE DA IGUALDADE E EMPODERAMENTO DA
MULHER NA RECOLOCAÇÃO NO MERCADO DE TRABA-
LHO NOS CASOS DE DOENÇAS GRAVES

Rosangela Regina Alves. Advogada. Graduada em 2011.


Membro da Comissão de Direito Contemporâneo da OAB-SBC
triênio 2015/2018. Membro associado da ADFAS - Associação
de Direito das Famílias e Sucessões. Pós-graduanda em Direito
de Família e Sucessões pela Escola Superior de Advocacia OAB/
SP – Núcleo São Bernardo do Campo.

eresinha Maria dos Santos de Oliveira. Advogada. Graduada


em 2014. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário
pela Escola Superior de Advocacia - ESA em parceria com a Uni-
versidade de Santa Cruz do Sul –UNISC em 2018. Pós-graduanda
em Direito de Família e Sucessões pela Escola Superior de Advo-
cacia OAB/SP – Núcleo São Bernardo do Campo.

SUMÁRIO

1. Introdução
2. Princípios na Constituição Federal
3. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
4. Dificuldade na Recolocação
5. Igualdade e Empoderamento
6. Conclusão
Referências.

152
RESUMO

Este artigo objetivou compreender os desafios e as dificuldades das mulheres que en-
frentaram algum tipo de doença grave que as tiraram do mercado, e a dificuldade de retorno e
a recolocação neste mercado mostra diariamente uma evolução constante de tecnologia. Em
um mercado altamente competitivo instante em que encontram a indiferença de colegas, a in-
segurança, a necessidade financeira da família, maior infraestrutura de maneira geral, e nestas,
o desconhecimento da tecnologia, que em evolução constante e que nos mais diversos ramos,
seus conhecimentos precisarão estar bem atualizados para voltar a sua atividade. Os direitos
dessas mulheres precisam ser garantidos para que possam conquistar novamente sua clientela
e o seu lugar como profissional, clientes estes que prezará cada vez mais por credibilidade e
confiabilidade, e que hoje buscam pela qualidade de seu serviço e/ou produto. Um dos meios
de diferenciação está na atribuição de qualidade dos serviços destas mulheres que estão re-
tornando ao mercado. Para tanto, essas mulheres precisam de empoderamento, autoestima
elevada, oportunidades para seu efetivo retorno.

PALAVRAS-CHAVE
Direito das Mulheres. Dificuldade de Recolocação. Trabalho. Câncer. Doenças Graves.
Experiências e Conhecimento.

ABSTRACT

This article aimed to understand the challenges and difficulties of women who faced
some type of serious illness that removed them from the market, and the difficulty of retur-
ning and relocating to this market shows a constant evolution of technology on a daily basis.
In a highly competitive market, when they find the indifference of colleagues, insecurity, the
financial need of the family, greater infrastructure in general, and in these, the ignorance of
technology, which is constantly evolving and in the most diverse fields, their knowledge they
will need to be well updated to get back to their activity. The rights of these women need to
be guaranteed so that they can win over their clientele and their place as a professional again,
clients who will increasingly value credibility and reliability, and who today seek the quality of
their service and / or product. One of the means of differentiation is the attribution of quality
of services to these women who are returning to the market. For this, these women need em-
powerment, high self-esteem, opportunities for their effective return.

KEYWORDS
Women’s Law. Relocation difficulty. Job. Cancer. Serious diseases. Experiences and
Knowledge.

153
1. INTRODUÇÃO

Muito se fala em direitos humanos e no gênero que ainda permanecem em fre-


igualdade, mas pouco se explora quanto a efe- quente discussão e aprimoramento.
tiva concretização desses direitos fundamen-
Implementar as oportunidades é reco-
tais, é o que se pretende analisar no presente
nhecer as responsabilidades em garantir que
artigo.
os direitos das mulheres ao trabalho, após ter
Culturalmente, se tem a ideia de que o passado por tratamento médico invasivo, e
trabalho da mulher somente faz parte de um muitas duradouro possuem caráter de ordem
complemento ao trabalho homem. Contudo pública e por isso é fundamental. Ao cumprir
sabe-se que não é essa mais a realidade apre- a garantia do alcance e manutenção da dig-
sentada em nosso país. nidade humana a estas mulheres o Estado se
consolida como Estado democrático de direi-
Além das desigualdades de valores nas
to, com a devida igualdade a todos.
remunerações entre homens e mulheres que
é uma realidade não só no Brasil. Se faz neces- Por conseguinte, deve implicar no forta-
sário análise de outra vertente tão importante lecimento de um Estado e uma sociedade que
quanto que é a recolocação profissional e de garanta a relevância da proteção da mulher
trabalho de mulheres que passaram por doen- em manter e conquistar um trabalho digno,
ças graves no mercado de trabalho. para se manter e ou voltar a trabalhar mes-
mo tendo passado por doenças graves como
As oportunidades para retorno das mu-
o câncer, depressão, e as doenças autoimunes
lheres após enfrentarem doenças graves, no
garantindo a mulher como titular de direitos
mercado de trabalho dependem de políticas
humanos.
públicas, projetos sociais, plataformas de in-
centivos e parcerias. E para que isso avance é
preciso combater às desigualdades com base

2. PRINCÍPIOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A palavra princípio no dicionário signifi- nia, dignidade da pessoa humana, os valores


ca o início de algo, o que vem antes, a causa, sociais do trabalho e da livre iniciativa. Já no
o começo, um conjunto de leis, definições ou seu artigo 3º, a CF/88 nos traz os objetivos
preceitos utilizados para nortear o ser huma- fundamentais que englobam a construção de
no. É uma verdade universal, aquilo que o ho- uma sociedade mais justa e solidária com a
mem acredita como um dos seus valores mais devida promoção do bem de todos.1
inegociáveis.
Muito embora de difícil definição, o prin-
Por exemplo, ouvimos em diversos luga- cípio da dignidade da pessoa humana é com-
res que: “Todos têm direitos iguais”. Esse tre- posto por um núcleo duro, o mínimo existen-
cho está presente no Artigo 5º da Constitui- cial, consoante o entendimento de Ana Paula
ção Federal. Ele é apenas uma pequena parte de Barcellos2, que oferece a seguinte explica-
da infinidade de benefícios, se pode dizer as- ção:
sim, pertinentes à população.
“(...) O efeito pretendido pelo princípio da
A Constituição Federal, no seu artigo 1º, dignidade da pessoa humana consiste, em ter-
incisos II, III e IV estabelece vários princípios mos gerais, em que as pessoas tenham uma vida
fundamentais principalmente os da cidada- digna. Como é corriqueiro acontecer com os prin-
1 MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 2ª. Ed. São Paulo: Atlas,
2003, p. 2056.
2 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa
humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 304-305.

154
cípios, embora esse efeito seja indeterminado a destaca-se ainda, para a matéria abordada, a
partir de um ponto, há também um conteúdo bá- proteção plena à Igualdade, Liberdade, soli-
sico, sem o qual se poderá afirmar que o princípio dariedade. Dentre os vários há especial des-
foi violado e que assume caráter de regra e não taque para o princípio da dignidade da pessoa
mais de princípio. (...)”. humana e plena proteção ao trabalho que dig-
nifica a pessoa.
Salienta-se a dignidade da pessoa hu-
mana, igualdade e vedação ao retrocesso,

3. OS 17 OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Na agenda 2030 que trouxe como docu- melhor(...)”


mento final da agenda pós-2015 os 17 obje-
Dentre os 17 Objetivos de Desenvolvi-
tivos globais para transformar nosso mundo
mento Sustentável e a 169 metas estabele-
com um plano de desenvolvimento susten-
cidas destacam-se 02 que buscam o atendi-
tável focando no planeta e na prosperidade,
mento das mulheres, são eles objetivo 05 e o
visando fortalecer a paz universal com mais
objetivo 08 e ainda o objetivo 10, vejamos:
liberdade:
Quanto a igualdade3:
“(...) Os 17 Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável e 169 metas que estamos anuncian- Objetivo 5. Alcançar a igualdade de gênero
do hoje demonstram a escala e a ambição desta e empoderar todas as mulheres e meninas
nova Agenda universal. Eles se constroem sobre o
legado dos Objetivos de Desenvolvimento do Mi- 5.1 Acabar com todas as formas de dis-
lênio e concluirão o que estes não conseguiram criminação contra todas as mulheres e meni-
alcançar. Eles buscam concretizar os direitos hu- nas em toda parte.
manos de todos e alcançar a igualdade de gêne- 5.2 Eliminar todas as formas de violência
ro e o empoderamento das mulheres e meninas. contra todas as mulheres e meninas nas esfe-
Eles são integrados e indivisíveis, e equilibram as ras públicas e privadas, incluindo o tráfico e
três dimensões do desenvolvimento sustentável: exploração sexual e de outros tipos.
a econômica, a social e a ambiental. Os Objeti-
vos e metas estimularão a ação para os próximos 5.3 Eliminar todas as práticas nocivas,
15 anos em áreas de importância crucial para como os casamentos prematuros, forçados e
a humanidade e para o planeta: 1 Pessoas Es- de crianças e mutilações genitais femininas.
tamos determinados a acabar com a pobreza e 5.4 Reconhecer e valorizar o trabalho de
a fome, em todas as suas formas e dimensões, assistência e doméstico não remunerado, por
e garantir que todos os seres humanos possam meio da disponibilização de serviços públicos,
realizar o seu potencial em dignidade e igualda- infraestrutura e políticas de proteção social,
de, em um ambiente saudável. (...) Prosperidade bem como a promoção da responsabilidade
Estamos determinados a assegurar que todos os compartilhada dentro do lar e da família, con-
seres humanos possam desfrutar de uma vida forme os contextos nacionais
próspera e de plena realização pessoal, e que o
progresso econômico, social e tecnológico ocor- 5.5 Garantir a participação plena e efe-
ra em harmonia com a natureza. (...) Se realizar- tiva das mulheres e a igualdade de oportuni-
mos as nossas ambições em toda a extensão da dades para a liderança em todos os níveis de
Agenda, a vida de todos será profundamente me- tomada de decisão na vida política, econômi-
lhorada e nosso mundo será transformado para ca e pública.

3 ITAMARATY. Integra dos ODS. Disponível em http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_desenvsust/20160119-ODS.pdf.


Acesso em 29.01.2020.

155
5.6 Assegurar o acesso universal à saúde acesso a serviços financeiros.
sexual e reprodutiva e os direitos reproduti-
8.4 Melhorar progressivamente, até 2030,
vos, como acordado em conformidade com
a eficiência dos recursos globais no consumo e na
o Programa de Ação da Conferência Interna-
produção, e empenhar-se para dissociar o cresci-
cional sobre População e Desenvolvimento
mento econômico da degradação ambiental, de
e com a Plataforma de Ação de Pequim e os
acordo com o Plano Decenal de Programas sobre
documentos resultantes de suas conferências
Produção e Consumo Sustentáveis, com os paí-
de revisão.
ses desenvolvidos assumindo a liderança.
5.a Realizar reformas para dar às mulhe-
8.5 Até 2030, alcançar o emprego pleno e
res direitos iguais aos recursos econômicos,
produtivo e trabalho decente todas as mulheres
bem como o acesso a propriedade e controle
e homens, inclusive para os jovens e as pessoas
sobre a terra e outras formas de propriedade,
com deficiência, e remuneração igual para traba-
serviços financeiros, herança e os recursos
lho de igual valor
naturais, de acordo com as leis nacionais.
8.6 Até 2020, reduzir substancialmente a
5.b Aumentar o uso de tecnologias de
proporção de jovens sem emprego, educação ou
base, em particular as tecnologias de informa-
formação.
ção e comunicação, para promover o empode-
ramento das mulheres 8.7 Tomar medidas imediatas e eficazes
para erradicar o trabalho forçado, acabar com a
5.c Adotar e fortalecer políticas sólidas e
escravidão moderna e o tráfico de pessoas, e as-
legislação aplicável para a promoção da igual-
segurar a proibição e eliminação das piores for-
dade de gênero e o empoderamento de todas
mas de trabalho infantil, incluindo recrutamen-
as mulheres e meninas em todos os níveis.
to e utilização de crianças-soldado, e até 2025
Quanto ao empoderamento : 4
acabar com o trabalho infantil em todas as suas
formas.
Objetivo 8. Promover o crescimento eco-
nômico sustentado, inclusivo e sustentável, em- 8.8 Proteger os direitos trabalhistas e pro-
prego pleno e produtivo e trabalho decente para mover ambientes de trabalho seguros e protegi-
todos dos para todos os trabalhadores, incluindo os tra-
balhadores migrantes, em particular as mulheres
8.1 Sustentar o crescimento econômico per
migrantes, e pessoas em empregos precários.
capita de acordo com as circunstâncias nacio-
nais e, em particular, um crescimento anual de 8.9 Até 2030, elaborar e implementar po-
pelo menos 7% do produto interno bruto [PIB] líticas para promover o turismo sustentável, que
nos países menos desenvolvidos. gera empregos e promove a cultura e os produtos
locais
8.2 Atingir níveis mais elevados de produ-
tividade das economias por meio da diversifica- 8.10 Fortalecer a capacidade das institui-
ção, modernização tecnológica e inovação, in- ções financeiras nacionais para incentivar a ex-
clusive por meio de um foco em setores de alto pansão do acesso aos serviços bancários, de se-
valor agregado e dos setores intensivos em mão guros e financeiros para todos.
de obra.
8.a Aumentar o apoio da Iniciativa de Ajuda
8.3 Promover políticas orientadas para o para o Comércio [Aid for Trade] para os países em
desenvolvimento que apoiem as atividades pro- desenvolvimento, particularmente os países me-
dutivas, geração de emprego decente, empreen- nos desenvolvidos, inclusive por meio do Quadro
dedorismo, criatividade e inovação, e incentivar Integrado Reforçado para a Assistência Técnica
a formalização e o crescimento das micro, pe- Relacionada com o Comércio para os países me-
quenas e médias empresas, inclusive por meio do nos desenvolvidos.
4 ITAMARATY. Integra dos ODS. Disponível em http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_desenvsust/20160119-ODS.pdf.
Acesso em 29.01.2020.

156
8.b Até 2020, desenvolver e operacionalizar civil recolhidos nos eventos “Diálogos Sociais:
uma estratégia global para o emprego dos jovens Desenvolvimento Sustentável na Agenda Pós-
e implementar o Pacto Mundial para o Emprego 2015 – Construindo a Perspectiva do Brasil”
da Organização Internacional do Trabalho [OIT]5. (Rio de Janeiro, 11/02/2014) e “Arena da
Participação Social” (Brasília, 23/05/2014),
O Brasil elaborou o documento chama-
bem como os insumos de representantes das
do Posicionamento do Brasil no qual detalha
entidades municipais articulados em oficinas
a que forma pela qual atingirá cada objetivo e
organizadas pela Secretaria de Relações Ins-
estabelecendo suas metas.
titucionais da Presidência da República e pelo
Este documento foi elaborado com o ob- Ministério das Cidades.
jetivo de orientar os negociadores brasileiros
Assim, a realização de um verdadeiro Es-
nas discussões do Grupo de Trabalho Aberto
tado Democrático de Direito com as garantias
sobre Objetivos de Desenvolvimento Susten-
ali expostas, conforme disposto no preâmbu-
tável (GTA-ODS), constituído no âmbito da
lo da Constituição Federal da República, e o
Assembleia-Geral das Nações Unidas, cujas
preâmbulo da declaração da agenda 2030, só
atividades foram concluídas em julho de 2014.
se efetivará com a preservação da dignidade
O conteúdo deste documento reúne as da pessoa humana e sua consequente obser-
contribuições dos 27 Ministérios e órgãos de vação dos direitos e garantias das mulheres
governo que integram o Grupo de Trabalho In- como um todo inclusive para o trabalho.
terministerial sobre a Agenda Pós-2015. Tam-
bém incorpora os comentários da sociedade

4. DIFICULDADE DE RECOLOCAÇÃO

Para qualquer discussão a respeito dos di- ou sua esposa ou uma irmã, já isso não acontece
reitos humanos inclusive para as mulheres de- quando se trata da mulher.
ve-se começar por uma análise da profunda dos
direitos e garantias trazidas pela nossa constitui- Existem mulheres que enfrentaram do-
ção. No nosso país a cidadania vem em trajetória enças extremamente graves e que precisaram
desistir do seu trabalho para continuar com seu
de difícil percurso e desde 1824, data da primeira
Constituição brasileira. tratamento, e esse acontecimento de forte inten-
sidade emocional, especialmente por estarem vi-
A tempos as mulheres precisam lutar pelo venciando momento difícil da vida, chega a cau-
seu reconhecimento como seres humanos ple- sar depressão na pessoa o que dificulta ainda
nos e pelos seus direitos humanos básicos, esta mais seu retorno ao mercado de trabalho.
luta vem por um longo período e, infelizmente,
continua hodiernamente. Se considerarmos a As consequências que podemos observar
história que as mulheres viveram e vivem até mesmo quando essas mulheres conseguem su-
hoje, pode-se observar que muitas conquistas perar a doença e alcançar a cura, é a dificuldade
foram alcançadas, mais ainda há muito o que re- de retornar ao mercado de trabalho, como por
alizar para que seja encontrado uma verdadeira exemplo quem enfrentou um câncer possui algu-
Igualdade com uma efetiva solução. mas limitações e nenhuma empresa quer contra-
tar uma mulher que já tenha se tratado de câncer
Quando uma mulher passa por uma doen- ou uma doença autoimune. 6
ça de estrema gravidade, por muitas vezes não
tem o apoio do marido ou de seus familiares, o Segundo o Ministério da Saúde “Uma do-
homem quando passa por uma enfermidade de ença autoimune é um mau funcionamento do
grave risco de morte tem ao seu lado ou sua mãe, sistema imunológico, levando o corpo a atacar

5 ITAMARATY. Integra dos ODS. Disponível em http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_desenvsust/


20160119-ODS.pdf. Acesso em 29.01.2020.
6 Casos reais tratamento feito no hospital das clinicas de São Paulo e Icesp São Paulo.

157
os seus próprios tecidos7”, muitas doenças au- decorrência de doenças tais como o câncer,
toimunes são mais frequentes em mulheres e podem sofrer discriminações ainda maiores
não se sabe o que desencadeia as doenças. em virtude da aparência ou pelos períodos de
afastamento, pois em uma entrevista terá que
O Instituto Nacional do Câncer (INCA) do
Ministério da Saúde8 disponibiliza uma cartilha falar o porquê de ter ficado muito tempo fora
com todos os direitos sociais da pessoa com do mercado. Tais discriminações podem ocor-
Câncer. rer no local onde estavam trabalhando mesmo
ou mesmo para iniciar um novo trabalho.
O paciente com câncer possui direitos
especiais na legislação, como auxílio doença, Entretanto ficou fora aparentemente a
tratamento fora de domicílio, saque do Fun- princípio, as possibilidades ou propostas que
do de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS, visem essa necessidade que é uma realidade
e do Pis Pasep, Licença Médica, Isenção do da mulher de todos os níveis sociais. A Con-
Imposto de Renda. Para aqueles que ficaram venção sobre a Eliminação de Todas as For-
com sequelas e invalidez permanente: depen- mas de Discriminação contra as Mulheres,
dendo do contrato de financiamento da casa tem como base o princípio da igualdade, como
própria poderão ter a quitação total, carro uma forma vinculante e também como um ob-
adaptado, transporte público gratuito, dis- jetivo para acabar com toda e qualquer dife-
pensa de rodízio, isenção do imposto de renda rença que seja uma forma de discriminação
na aposentadoria, acréscimo de 25% sobre o contra as mulheres.
benefício previdenciário e prioridade no aten- Mais não seria uma forma de exclusão
dimento no comércio e bancos, amparo assis- e discriminação não ter políticas públicas,
tencial ao idoso e deficiente, cirurgia de re- e a falta de programas sociais de inclusão
construção mamária, reabilitação profissional uma forma de discriminação contra essas
para trabalhador com previdência(reeducação mulheres?
e reabilitação), indenização do seguro de vida
por invalidez, passar a receber renda pela in- A luta dessas mulheres para superar um
validez permanente ou parcial da previdência trauma de uma doença que poderia ter cau-
privada.. sado sua morte, a mutilação em seu corpo
não acaba quando ela não mais necessita de
Entretanto ainda falta pensar em meios tratamento, e como sabemos e sentimos ne-
para atender a necessidade de sustento des- cessário se faz de pensamentos e maneiras de
sas mulheres, muitas vezes marginalizadas e auxiliá-las, não como forma de superioridade
esquecidas, que não querem receber dinheiro de direitos ou exclusividade, o que seria uma
do Estado para sempre, mais sim demonstrar forma de discriminação que todos estamos
sua capacidade e sua contribuição para a so- tentando combater, mais sim como forma de
ciedade além de se auto sustentar para gozar inclusão para que haja um empoderamento
de uma vida digna. efetivo com resgate da autoestima e com a
A Constituição Federal, a Convenção so- certeza que a dignidade da pessoa de direitos
bre a Eliminação de Todas as Formas de Dis- está sendo observada amplamente.
criminação contra as Mulheres, e declaração O Brasil assumiu o compromisso de
da agenda 2030 se fundamenta na dupla obri- “acabar com todas as formas de discriminação
gação de eliminar qualquer tipo de discrimina- contra todas as mulheres e meninas em toda
ção e de assegurar a igualdade. parte” de acordo com a meta 5.1 do ODS5 a
A mulher já enfrenta muitas dificuldades partir da assinatura da Agenda 2030, no en-
para se inserir e se manter no mercado de tra- tanto, apesar da referida Agenda estar em
balho e aquelas que apresentam sequelas em vigor desde 2015, ainda não temos nada em
efetivo para as mulheres portadoras de câncer
7 Ministério da saúde. http://saude.gov.br/saude-de-a-z/cancer-de-mama. Acessado em 03.02.2020
8 Inca. Ministério da Saúde. https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//direitos_so-
ciais_da_pessoa_com_cancer_5edicao.pdf. Acessado em 03.02.2020.

158
em novos locais de trabalho. movimento foi em 22.08.2019 - aguardando
Parecer do Relator na Comissão de Defesa dos
Por oportuno, frisa-se que está em tra-
Direitos das Pessoas com Deficiência (CPD).
mitação o projeto de Lei PLS14/20179 de au-
toria do Senador Eduardo Amorim (PSDB-SE) O PLS 14/2017 é um projeto de lei que
que acrescenta o art. 118-A à Lei nº 8.213, se mostra adequado e que vem ao encontro
de 24 de julho de 1991, para conceder garan- às metas contidas na ODS05 e ODS08, pro-
tia de emprego ao segurado com câncer que move a não discriminação das mulheres, em
perceber auxílio-doença, acidentário ou não. especial se incluí as acometidas de doenças
graves câncer, garante-lhes a igualdade de
O referido projeto de lei concede a garan-
oportunidades e empoderamento, por meio
tia de estabilidade no emprego por mais um
de recursos financeiros oriundos da manuten-
ano, no mínimo, ao segurado da Previdência
ção de seus empregos.
Social com câncer após o termino do auxílio-
-doença acidentário ou auxilio previdenciário. Assim, poderemos assegurar que todas
as mulheres possam desfrutar de uma vida
A aprovação implicará na alteração da lei
próspera e de plena realização pessoal, e que
8213/91 dos benefícios previdenciários no
o progresso econômico, social e tecnológico
que se refere a garantia de permanência no
ocorra em harmonia com a natureza como dis-
emprego. O projeto de lei foi aprovado por
posto em nossa Carta Magna, Convenção de
unanimidade pela Comissão de Assuntos So-
direitos humanos, Convenção sobre a Elimi-
ciais (CAS), obteve parecer favorável do Rela-
nação de Todas as Formas de Discriminação
tor no Senado e seguiu em 06.07.2017 para a
contra as Mulheres e como previsto na agen-
Câmara dos Deputados, está sendo analisada
da 2030.
juntamente com a PL 8057/201710. O último

5 IGUALDADE E EMPODERAMENTO

A igualdade que se pretende só pode ser criminação contra a Mulher, pela ONU, trou-
garantida pela participação plena e efetiva xe a possibilidade de “discriminação positiva”
das mulheres, em igualdade de oportunidades conhecida como “ação afirmativa”), que visa
em todos os âmbitos sociais, sendo uma das a busca de medidas especiais de proteção ou
metas da ODS 5, que para tanto prevê a ne- incentivo a grupos ou indivíduo em situação
cessidade de realização de reformas na legis- de vulnerabilidade.
lação para dar à mulher recursos econômicos,
As ações afirmativas têm por objetivo
sociais e tecnológicos. Esta é a forma de con-
acelerar todo o processo de igualdade, com
cretizar o empoderamento de todas as mulhe-
o devido alcance da igualdade por parte de
res e meninas.
grupos socialmente vulneráveis, como as mu-
Isto significa ser essencial distinguir di- lheres, dentre outros grupos, respeitando as
ferença de desigualdade. Esta mesma lógica diferenças.
inspirou a definição de discriminação contra a
Por conseguinte, as ações afirmativas de-
mulher, quando da adoção da Convenção so-
vem ser compreendidas não só no sentido de
bre a Eliminação de todas as Formas de Discri-
aliviar a carga de um passado discriminatório,
minação contra a Mulher, pela ONU, em 1979.
mas também de um futuro no sentido de pro-
A possibilidade trazida pela Convenção teção e a transformação social, contemplando
sobre a Eliminação de todas as Formas de Dis- todas as mulheres.
9 Senado Federal. Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/127990. Acesso
em 10.02.2020.
10 Câmara Federal dos Deputados. Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?i-
dProposicao=2144454. Acesso em 10.02.2020.

159
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A implementação do direito à igualdade, em parcerias com instituições e/ou entidades


inclusive para as mulheres que passaram pelo educacionais, plataformas e/ou programas
trauma de uma doença grave é tarefa essen- que tenham parcerias também com empresas
cial a qualquer projeto democrático e a saú- para que possam contratar mulheres capaci-
de de uma sociedade que está em constante tando-as e atualizando-as no mercado de tra-
melhorias. A busca pela Igualdade, Liberdade balho e respeitando as limitações decorrentes
e Sororidade requer fundamentalmente um de ordem pessoal e em virtude das doenças.
exercício contínuo e parcerias eficazes, para
A Convenção confirma a reflexão e con-
que haja igualdade de condições na caminha-
firma a visão de que as mulheres são titulares
da de proteger e garantir os direitos humanos
de todos os direitos e oportunidades que os
elementares para o bem-estar de uma pessoa.
homens podem exercer, logicamente respei-
Houve considerável avanço no Direito tando as habilidades e necessidades que de-
com o amparo legal no que tange às garantias correm de diferenças biológicas entre os gê-
dos direitos das mulheres, e na sociedade neros, que devem também ser reconhecidas
como um todo, porém muito ainda há de ser e ajustadas, mas sem eliminar da titularidade
feito para perseverar pela melhora de normas das mulheres a igualdade de direitos e oportu-
jurídicas nacionais e internacionais, além de nidades com base nas ações afirmativas.
mecanismos que efetivem e tragam eficácia
Portanto o que precisa se buscar é não
no desenvolvimento de políticas públicas e
são privilégios, mais o respeito das diferenças
social para garantir os direitos das mulheres
visando o combate a desigualdade ainda mui-
a recolocação e ao trabalho mesmo após en-
to influente em nosso país.
frentar uma doença grave.
Para resolver o impasse existente, deve
o Estado, em conjunto com as entidades de
classe como a OAB que sempre dá o exemplo,
com a sociedade buscar meios eficazes de ga-
rantia nessas recolocações, para que o direito
fundamental da dignidade das mulheres que
sofreram tanto, muitas vezes marginalizadas
pelas violências físicas, psíquicas enfrentadas
durante o tratamento, possam de forma uni-
versal, ter garantindo, assim, seu retorno ao
mercado de trabalho.
Nesse sentido, a garantia e proteção das
mulheres que enfrentaram doenças graves e
precisam se manter ou voltar ao mercado de
trabalho para que seu direito fundamental
seja aplicado na prática, necessário se faz ter
incentivos, programas e assistência, que re-
fletirá na vida de mulheres que passaram por
tamanha violência física e psicológica depois
dos tratamentos.
Entende-se que um dos meios eficazes
para garantir para essas mulheres o retorno
ao mercado de trabalho, propostas de incenti-
vo através de cursos de atualização gratuitos

160
REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. (trad. Virgílio Afonso da Silva, 5ª. Ed.
Alemã), São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da
dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

Câmara Federal dos Deputados. Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/


fichadetramitacao?idProposicao=2144454. Acesso em 10.02.2020.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2001.

GOTTI, Alessandra. Direitos sociais: fundamentos, regime jurídico, implementação e aferição


de resultados. São Paulo: Saraiva, 2012.

MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São


Paulo: Editora Atlas, 2003.

ONU. Declaração Universal de direitos humanos. https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/


declaracao/. ACESSO EM 29.01.2020.

ONU. Declaração Universal de direitos humanos. https://nacoesunidas.org/wp-content/uplo-


ads/2015/10/agenda2030-pt-br.pdf. ACESSO EM 29.01.2020.

Piovesan, Flávia. Temas de direitos humanos. 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.

Senado Federal. Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/ma-


teria/127990. Acesso em 10.02.2020.

161
AS MULHERES NA ONU - RETRATOS DO CAMINHO

Silvia Cristina Elias Zago


Executiva jurídica, é Mestre em Direito Internacional pela
Universidade Católica de Santos e especialista em Direito Empre-
sarial pela PUC/Cogeae. Ocupou cargos de Diretora e Gerente
Jurídica em empresas de diferentes segmentos do mercado. Pro-
fessora na Escola Superior de Advocacia – ESA/OAB/SP, cursos
de MBAs e workshops corporativos. Vice-Presidente da Comis-
são Especial de Estudos de Contencioso de Volume da OAB/SP.
Palestrante. Consultora jurídica e de negócios.

SUMÁRIO
1. Introdução
2. O Tratamento das Diferenças no Escopo dos Direitos Humanos
3. O Olhar da Onu Sobre as Mulheres – Primeiros Passos
4. Entre Pedras e Espinhos - O Caminho para Criação da Onu Mulheres
4.1 A Declaração Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres  
4.2 A Declaração e a Plataforma de Ação Pequim – 50 Anos de Luta
4.3 A Resolução 1325 do Conselho de Segurança da Onu Sobre Mulheres, Paz E Seguran-
ça (2000)
4.4 A Declaração do Milênio e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio 
5. Onu Mulheres – Um Passo Histórico
6. Conclusões

162
RESUMO

Esse trabalho tem por objetivo identificar o tratamento dispensado pela Organização das
Nações Unidas (ONU) à proteção dos direitos das mulheres e ao refreamento de todo tipo de
desigualdade entre gêneros, bem como analisar os diversos tratados internacionais que in-
duziram e prepararam o caminho para a criação da ONU Mulheres, uma entidade das Nações
Unidas voltada para a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres, que atua sob
o fundamento de que meninas e mulheres têm direito a uma vida sem discriminação, livre de
desigualdades, violência e pobreza, sendo estes elementos determinantes para o desenvolvi-
mento sócio econômico e sustentável das nações. Utilizou-se como metodologia, uma revisão
bibliográfica descritiva, realizada através de pesquisas em diferentes publicações, tais como
livros, artigos científicos e, principalmente, informações via mídia eletrônica, na homepage da
Organização das Nações Unidas (ONU) e ONU Mulheres. Entre os quadros teóricos de autores
de referência encontram-se TELES, que descreveu amplamente sobre a definição de quais são
os direitos humanos das mulheres, bem como sobre a importância da consolidação destes
como requisito para fortalecimento da economia global e desenvolvimento de uma sociedade
mais juta; PIMENTEL, que se dedicou ao estudo da evolução dos direitos da mulher e BOB-
BIO, um dos maiores filósofos do século 20, insuperável em combater os direitos humanos e
toda forma de desigualdade; dentre outros. Para traçar o caminho que culminou na criação
da ONU Mulheres abordou-se os tratados que a antecederam e o impacto que causaram na
comunidade internacional manifestado através da criação de leis, políticas e programas pelos
Estados-Membros dentro de seus territórios, além da adesão de organizações não-governa-
mentais e empresas privadas.
Em razão da crescente consciência e inquietude no tocante ao tratamento desigual dis-
pensado às mulheres e a urgente necessidade de proteção dos direitos das mulheres e meni-
nas, constatou-se a inserção definitiva da problemática da igualdade de gênero na agenda in-
ternacional, cujo conceito foi construído ao longo da década de 80. Na conclusão verificou-se
a expressiva relevância dos intensos e contínuos esforços da Organização das Nações Unidas
refletida na criação da ONU Mulheres, uma entidade com vocação e esforços direcionados
exclusivamente para a defesa dos direitos das mulheres e meninas e completo banimento de
toda forma de desigualdade de gênero.

PALAVRAS-CHAVE

Mulher. Proteção. Gênero. ONU Mulheres. Desigualdade de Gênero. Meninas. Direito


das Mulheres.

ABSTRACT
This work aims to identify the United Nation’s (UN) treatment given to the protection of
women’s rights and the curbing of all types of gender inequality, such as to analyze several
international treaties that induced and prepared the way to create UN Women, a United
Nations entity focused on gender equality and empowerment of women, which works on the
grounds that girls and women are entitled to a life without discrimination, free from inequality,
violence and poverty, those elements are determinants for nations socio-economic and sus-
tainable development . The methodology used was a descriptive bibliographic review, through

163
research in different publications, such as books, scientific articles and, mainly, information via
electronic media, on United Nations (UN) and UN Women homepage. Among the theoretical
references of reference authors are TELES, who described extensively about women’s human
rights and the importance of consolidating these as a requirement for strengthening the glo-
bal economy and developing a fairer society. ; PIMENTEL, who dedicated himself to study the
evolution of women’s rights and BOBBIO, one of the greatest philosophers of 20th century,
unsurpassed in fighting human rights and all forms of inequality; among others.
In order to trace the path that culminated in the creation of UN Women, it was approached the trea-
ties that preceded it and the impact they had on the international community manifested through
laws, policies and programs creations by Member States within their territories, in addition to the
accession of non-governmental organizations and private companies.

Due to the growing awareness and concern regarding the unequal treatment given to women and the
urgent need to protect the women and girls rights, gender equality issue was definitively inserted
in the international agenda, which the concept it was built throughout 1980s. In conclusion, there
was a significant relevance of the United Nation’s intense and continuous efforts that reflected in the
creation of UN Women, an entity with a vocation and efforts aimed exclusively at the defense of the
rights of women and girls and a complete ban of all forms of gender inequality.

KEYWORDS
Woman. Protection. Genre. UN Women. Gender Inequality. Girls. Women’s Rights.

164
1. INTRODUÇÃO

“É dentro de um mundo dado que cabe ao lugar ocupado pelos direitos das mulheres na
homem fazer triunfar o reino da liberdade; para agenda internacional, notadamente no am-
alcançar essa suprema vitória é, entre outras biente da Organização das Nações Unidas
coisas, necessário que, para além de suas dife- (ONU); sua evolução e perspectivas. Consti-
renciações naturais, homens e mulheres afirmem tuirá objeto de análise os principais tratados
sem equívoco sua fraternidade.”1 e convenções internacionais voltados para
proteção da mulher, culminando na criação
(Simone de Beauvoir)
histórica e emblemática da ONU Mulheres,
em 2010, cujos pilares visam promover e ga-
rantir vida digna, com iguais oportunidades de
Em que pese os multifacetados ângu- desenvolvimento e a consequente superação
los presentes no tema do direito humano das dos efeitos perversos da desigualdade e dis-
mulheres, este artigo não pretende trazer criminação, há séculos suportadas.
o resultado de pesquisas e números sobre a
discriminação e desigualdade que permeiam O fato é que o direito de gênero tem
a sociedade, ainda que sabidamente alarman- ocupado longas pautas de discussões no âm-
tes. Tão pouco suscitará questões sociais, po- bito internacional, sob a ótica política, judicial
líticas ou filosóficas sobre a origem e a legiti- e religiosa, cujo reflexo se faz perceber nos
midade desses direitos, mas pretende realizar movimentos de conscientização, luta e resis-
um mapeamento do movimento global desti- tência que permeiam a sociedade pós-moder-
nado a refrear a aniquilação suave e paulatina na e que traçam um caminho de não retorno
daqueles direitos historicamente preteridos, na direção do empoderamento das mulheres
neste artigo circunscritos e representados pe- e consolidação dos seus humanos direitos.
los direitos das mulheres e meninas.
Nesse cenário, este artigo trará à luz o

2. O TRATAMENTO DAS DIFERENÇAS NO ESCOPO DOS


DIREITOS HUMANOS

Para TELES, em razão do processo de Diante dessa premissa, revela-se de sin-


atualização, evolução e momento histórico, gular importância o tratamento dispensado
estamos sob a égide da “terceira geração” pela Organização das Nações Unidas (ONU)
dos direitos humanos. Em retrospectiva, te- às diferenças de gênero, desde sua formação.
mos que os direitos de “primeira geração” Nesse sentido, vale à pena destacar a intro-
contemplavam os direitos individuais, a dução da carta da ONU, assinada em 26 de
emancipação do poder político do Estado junho de 1945 por 50 países, como segue:
e a liberação do poder econômico dos dita-
“NÓS, OS POVOS DAS
mes feudais. Já os de “segunda geração”,
NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS
reafirmados na Declaração de 1948, alber-
gavam em seu bojo os direitos sociais, den- a preservar as gerações vindouras do
tre os quais o direito à saúde, ao trabalho, flagelo da guerra, que por duas vezes, no es-
à educação e econômicos. E, por fim, os de paço da nossa vida, trouxe sofrimentos indi-
“terceira geração”, traduzidos pelo direito à zíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos
autodeterminação dos povos, ao desenvolvi- direitos fundamentais do homem, na dignida-
mento, à paz e ao meio ambiente.2 de e no valor do ser humano, na igualdade de
direito dos homens e das mulheres, assim
1 BEAUVOIR, Simone de – O segundo sexo, 3ª ed., vol II, São Paulo – Rio, ed. Difel, 1975, p. 500
2 TELES, Maria Amélia de Almeida. O que são direitos humanos das mulheres – São Paulo: Brasiliense, 2007, p. 13 e 26

165
como das nações grandes e pequenas, e a peculiaridades e particularidades de cada um.
estabelecer condições sob as quais a justi-
Por seu turno, a Declaração Universal dos
ça e o respeito às obrigações decorrentes de
Direitos Humanos, em seu preâmbulo ratifica a
tratados e de outras fontes do direito inter- “sua fé nos direitos fundamentais do Homem,
nacional possam ser mantidos, e a promover na dignidade e no valor da pessoa humana, na
o progresso social e melhores condições de igualdade de direitos dos homens e das mulhe-
vida dentro de uma liberdade ampla.” (Carta res e se declaram resolvidos a favorecer o pro-
da ONU, 1945)3 gresso social...”4
Assim, além de pioneiro em força e in- Merece destaque o fato de que, quer na
tencionalidade, a Carta das Nações Unidas é Carta da Nações Unidas, quer na Declaração
de fundamental importância para o início do Universal de Direitos Humanos, reside o expres-
movimento de mudança de mindset de dimen- so reconhecimento da centralidade e dignidade
são global, no que se refere ao reconhecimen- do ser humano; da necessidade de igualdade
to das diferenças naturais e sociais como en- dos direitos de homens e mulheres e o respei-
to destes como base para formação e desenvol-
sejadoras de direitos e tratamentos especiais.
vimento de uma sociedade mais justa, social e
Seguindo-se a entrada em vigor da Carta economicamente.
das Nações Unidas, em outubro de 1945, teve Assim, ocupa aqui um bom lugar a reflexão
início não poucos movimentos voltados à ce- de PIMENTEL, quando indaga retoricamente se
lebração de tratados internacionais destina- a evolução dos direitos das mulheres está se-
dos à proteção dos direitos humanos, dentre guindo o mero acaso, ou obedece a imperativos
os quais ocupa papel de destaque e singular de justiça e outros valor5
relevância a Declaração Universal de Direitos
Pelo que se depreende do horizonte histó-
Humanos, celebrada em dezembro de 1948 rico, a evolução dos direitos das mulheres não
O protagonismo da ONU na defesa dos segue o sabor dos ventos e do acaso, mas cons-
direitos humanos e, distintamente, das mulhe- trói-se dia após dia sobre o firme alicerce dos di-
res, acena para a necessidade de especifica- reitos humanos, dos quais é objeto e fundamen-
to.
ção do sujeito de direito, de forma que o trata-
mento dispensado atenda as especificidades,

3. O OLHAR DA ONU SOBRE AS MULHERES – PRIMEIROS PASSOS

MAGALHÃES sustenta que as manifes- mens como um dos requisitos para o progresso
tações iniciadas pelas mulheres no século XIX, social e a melhoria das condições de vida.
deixam de ser privativas no XX e alcançam a
comunidade internacional que também passa a Em que pese a integração dos direitos
aspirar pela igualdade de tratamento num reco- das mulheres no âmbito dos direitos humanos
nhecimento expresso de que a relação de subor- realizada pela Carta da ONU, o documento in-
dinação dos gêneros é um dos grandes entraves ternacional de maior expressão é a Declaração
para o desenvolvimento humano.6 dos Direitos Humanos o qual, segundo MAGA-
LHÃES, espelha as aspirações da comunidade
De fato, a Carta da ONU de 1945, que nor- internacional, o que lhe confere especial efetivi-
teia as relações internacionais, foi a precursora dade, notadamente por conter princípios gerais
em considerar a igualdade de direitos entre ho- de Direito Internacional que se fazem obrigató-

3 Carta das Nações Unidas, 1945. Disponível em https://nacoesunidas.org/carta/. Acesso em 20.01.2020


4 Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.as-
px?LangID=por .Acesso em 27.01.2020
5 PIMENTEL, Silvia. Evolução dos direitos da mulher: Norma, fato, valor – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1978, p.
128
6 MAGALHÃES, José Carlos de. O mundo com empresa global: aspectos da ordem internacional – São Paulo: Grua, 2016,
p 213

166
rios dado seu caráter jus cogens, ainda que sob o grande número de tratados internacionais sobre
a ótica jurídico instrumental, não possua caráter esse tema dá origem ao arcabouço de costumes,
vinculante que obrigue os Estados aos preceitos também denominado direito consuetudinário,
nela elencados. 7 que terminaria por atribuir natureza jus cogentis
a uma significativa gama de normas afetas aos
Por outro lado, GARCIA, destaca o caráter direitos humanos.9
imperativo das normas  jus cogentis, por refletir
padrões consolidados no cenário internacional, É justamente nesse cenário e sob essa
cuja existência e eficácia não dependem do con- natureza que seguiram-se à Declaração Universal
sentimento do sujeitos de direito internacional, dos Direitos Humanos os instrumentos de cará-
mas que dado o caráter erga omnes coloca no ter internacional, no âmbito das nações Unidas,
terreno da ilicitude que as viola. 8 de maior destaque e relevância que a seguir pas-
saremos a analisar.
Assim, conclui GARCIA, uma vez instalada
a impossibilidade de dissociação dos direitos hu-
manos da agenda internacional contemporânea,

4. ENTRE PEDRAS E ESPINHOS - O CAMINHO PARA CRIAÇÃO DA


ONU MULHERES

Nas sábias palavras de HAN, “a vida é algo to, como por exemplo os direitos das crianças,
muito mais complexo que mera vitalidade e saú- das mulheres, dos grupos étnicos, etc., com suas
de.”10 características e demandas distintas e individua-
lizadas. Para esses grupos de sujeitos de direito,
Tal afirmativa vemos refletida no esforço as respostas devem ser específicas e diferencia-
das nações em implementar um sistema norma- das, assim como são as especificidades e pecu-
tivo global que albergasse direitos gerais e es- liaridades de sua condição social que demandam
pecíficos. Conforme sustentado por PIOVESAN, por tratamento especial.11
tratar o indivíduo de forma geral e abstrata não
atende as especificidades dos sujeitos de direi-

4.1 A DECLARAÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS


DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA AS MULHERES

Foi sob essa ótica que em 1967 foi lançada o princípio da não-discriminação.
a pedra fundamental dos programas de proteção
à mulher da ONU, a Declaração sobre a Elimina- Vale dizer que, se de um lado existe a ma-
ção de Todas as Formas de Discriminação contra nifesta preocupação com a discriminação dos
as Mulheres (CEDAW), que contou com assina- direitos das mulheres, de outro a Declaração ex-
tura de 185 países.12 pande essa preocupação para escalas globais
na medida em que reconhece “que a participação
A CEDAW está fundamentada nos valores máxima da mulher, em igualdade de condições
da Carta das Nações Unidas e da Declaração com o homem, em todos os campos, é indispen-
Universal dos Direitos Humanos que reafirmam a sável para o desenvolvimento pleno e completo
igualdade de direitos entre homens e mulheres e de um país, o bem-estar do mundo e a causa da

7 Idem, p 215-216.
8 GARCIA, Emerson. Jus cogens e proteção internacional dos direitos humanos. 2016. Disponível em: http://www.direito-
doestado.com.br/colunistas/emerson-garcia/jus-cogens-e-protecao-internacional-dos-direitos-humanos Acesso em 28.01.2020
9 Idem.
10 HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço; tradução de Enio Paulo Giachini. 2ª ed – Petrópolis, RJ: Vozes, 2017, p 107
11 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos – 5ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2012, p 284
12 ONU MULHERES. Disponível em http://www.onumulheres.org.br/onu-mulheres/documentos-de-referencia/ . Acesso
em 29.01.2020

167
paz.”13 realizada em Viena17. Sobre essa linha intro-
A CEDAW é reconhecidamente um marco
dutória da Plataforma, PIOVESAN afirma tra-
nos esforços da ONU em promover o banimento tar-se do expresso reconhecimento de que,
de todo e qualquer tipo de discriminação entre os sem a observância dos direitos das mulhe-
sexos e, segundo MAGALHÃES, o artigo 1º da res, não há que se falar em direitos huma-
Declaração merece especial destaque uma vez nos,18 como que sem um o outro não existe
que eleva o direito de igualdade à categoria de ou não se completa.
direito humano e não somente uma reivindicação
exclusiva e privativa das mulheres, na medida Sem dúvida, a Plataforma de Ação de
em que aloca a discriminação contra a mulher no Pequim, em seus 361 parágrafos, esforçou-
rol de ofensas a própria dignidade humana.14 -se por discutir, traduzir e consolidar os avan-
ços dos cinquenta anos antecedentes no to-
A Declaração e a Plataforma de Ação cante aos direitos das mulheres, contando
Pequim – 50 anos de luta com a assinatura de 189 países-membros.
Após o lançamento da pedra fundamen- É possível afirmar que a Plataforma
tal dos direitos das mulheres pela ONU e, de Ação é o maior guia para governos e
com o crescente despertar da comunidade sociedade no sentido de implementar progra-
internacional para a necessidade de banir mas para promoção da igualdade de gênero
toda e qualquer forma de discriminação das e extinção da discriminação, sendo notória
mulheres, ocorreram uma série de conferên- sua importância ainda nos dias atuais, quer
cias e convenções as quais deram origem à para inspirar, quer para nortear ações de em-
inúmeros tratados15 determinantes na prepa- poderamento, protagonismo e defesa dos di-
ração do caminho para a Conferência Mun- reitos das mulheres.
dial Sobre a Mulher de 1995, dentre as quais
destaca-se a Conferência Mundial de Direitos O parágrafo 44 do Capítulo III da Plata-
Humanos, realizada em 1993 em Viena, que forma de Ação destaca 12 áreas críticas que
em seu artigo 18 consagra definitivamente os inspiram preocupação e demandam esforços
direitos das mulheres como direitos humanos da comunidade internacional, devendo ocu-
inalienáveis, indivisíveis e universais.16 par posições prioritárias na agenda dos Es-
tados. As áreas encontram-se agrupadas da
Na mesma linha e intencionalidade, a seguinte forma:
Plataforma de Ação de Pequim, realizada
em Pequim no quinquagésimo aniversário de Peso persistente e crescente da po-
fundação das Nações Unidas, em sua Decla- breza sobre a mulher;
ração de Objetivos, reitera e ratifica a inalie- Desigualdades e inadequações na
nabilidade, indivisibilidade e universalidade educação e na formação profissional e acesso
dos direitos da mulher, nos exatos termos desigual às mesmas.
da Conferência Geral de Direitos Humanos,

13 Idem.
14 MAGALHÃES, José Carlos de. O mundo com empresa global: aspectos da ordem internacional – São Paulo: Grua, 2016,
p 219
15 Há um número expressivo de convenções e instrumentos internacionais que tratam da não-discriminação e dos direitos das
mulheres, dentre os quais destacamos: Convenção Americana de Direitos Humanos, São José (1969); Conferência Mundial sobre a
Mulher, Cidade do México (1975); II Conferência Mundial Sobre a Mulher, Copenhague (1980); III Conferência Mundial Sobre a
Mulher, Nairóbi (1985); Conferência das Nações Unidas sobre meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), que reconhece o papel da
mulher na construção e manutenção de um meio ambiente sustentável; II Conferência Mundial de Direitos Humanos, Viena (1993);
Convenção Interamericana para Prevenir, P Declaração de Viena, artigo 18: “os direitos das mulheres e das meninas são inalienáveis
e constituem parte integrante e indivisível dos direitos humanos universais”
ONU Mulheres unir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, Belém do Pará (1994).
16 Declaração de Viena, artigo 18: “os direitos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integrante e
indivisível dos direitos humanos universais”
17 ONU Mulheres. Documentos de Referência. Disponível em http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uplo-
ads/2014/02/declaracao_pequim.pdf Acesso em 31.01.2020
18 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos – 5ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2012, p 290

168
Desigualdades e inadequações em da Plataforma de Ação, “comunidade inter-
matéria de serviços de saúde e outros afins e nacional” compreende os governos, as orga-
acesso desigual aos mesmos. nizações intergovernamentais, as instituições
acadêmicas e de pesquisa e o setor privado.
Todas as formas de violência contra a
Ou seja, existe uma convocação de toda a so-
mulher.
ciedade para envidar seus melhores esforços
Consequências para as mulheres, para erradicar as históricas desigualdades e
principalmente as que vivem em áreas sob preterimento do direito das mulheres.
ocupação estrangeira, de conflitos armados
Desperta a atenção a extensão, robus-
ou outros tipos de conflitos.
tez, especificação, nível de detalhamento e
Desigualdade nas estruturas e políti- amplitude do escopo da Plataforma de Ação
cas econômicas, em todas as atividades pro- e disposições nela constantes, cujo Capítulo
dutivas e no acesso aos recursos. V comporta não menos que 240 parágrafos
destinados exclusivamente a proteção dos di-
Desigualdade entre mulheres e ho- reitos das mulheres, em suas multifacetadas
mens no exercício do poder e na tomada de formas.
decisões em todos os níveis.
Por fim, há que se destacar que a De-
Ausência de mecanismos suficientes, claração e a Plataforma de Ação de Pequim,
em todos os níveis, para promover o avanço além de sua singular importância, inovaram
das mulheres. ao incorporar o conceito de gênero, de em-
Desrespeito de todos os direitos hu- poderamento feminino e a questão da trans-
manos das mulheres e sua promoção e pro- versalidade. Sobre esse viés a ONU posicio-
teção insuficiente. na-se no sentido de que “a transformação
fundamental em Pequim foi o reconheci-
Imagens estereotipadas das mulhe- mento da necessidade de mudar o foco da
res nos meios de comunicação e na mídia e mulher para o conceito de gênero, reconhe-
desigualdade de seu acesso aos mesmos e cendo que toda a estrutura da sociedade, e
participação neles. todas as relações entre homens e mulheres
Desigualdades de gênero na gestão dentro dela, tiveram que ser reavaliados. Só
dos recursos naturais e na proteção do meio por essa fundamental reestruturação da so-
ambiente. ciedade e suas instituições poderiam as mu-
lheres ter plenos poderes para tomar o seu
Persistência da discriminação contra lugar de direito como parceiros iguais aos
a menina e violação de seus direitos.19 dos homens em todos os aspectos da vida.
A partir da eleição das áreas críticas, as Essa mudança representou uma reafirmação
quais desnudam e expõem o desequilíbrio de que os direitos das mulheres são direitos
agudo na relação entre os direitos de gêne- humanos e que a igualdade de gênero era
ro, o documento segue em seu Capítulo IV uma questão de interesse universal, benefi-
com o desmembramento e individualização ciando a todos”.
20

de cada área, traçando os objetivos estratégi-


cos e consequente rol de ações e medidas que
devem ser adotadas pela comunidade interna-
cional para mitigar o problema destacado em
cada uma das 12 áreas de criticidade.
Vale dizer que, à teor das disposições

19 Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher. Disponível em http://www.onumulheres.


org.br/wp-content/uploads/2014/02/declaracao_pequim.pdf Acesso em 01.02.2020
20 Conferências Mundiais das Mulheres. Disponível em : http://www.onumulheres.org.br/planeta5050-2030/conferencias/
Acesso em 01.02.2020

169
4.3 A RESOLUÇÃO 1325 DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU SO-
BRE MULHERES, PAZ E SEGURANÇA (2000)

Sob o argumento do (i) forte impacto que -se em: (i) Erradicar a extrema pobreza e a
os desastres naturais e os conflitos armados fome; (ii) Oferecer educação básica de qua-
causam nas mulheres, quer pela fragilidade lidade para todos; (iii) Promover a igualdade
natural, quer pela falta de recursos para se entre os sexos e a autonomia das mulheres;
proteger, agravando, inclusive, as desigual- (iv) Reduzir a mortalidade infantil; (v) Melho-
dades; (ii) do fato das mulheres e meninas rar a saúde das gestantes; (vi) Combater a
tornarem-se objeto de violências sexuais em Aids, a malária e outras doenças; (vii) Garan-
contextos de guerra; (iii) e da relevância e po- tir qualidade de vida e respeito ao meio am-
tencial das mulheres na construção e manu- biente e, (viii) Estabelecer parcerias para o
tenção de políticas de paz, se tiverem a opor- desenvolvimento.22
tunidade de se manifestar,   o Conselho de
No contexto e sob a ótica do presente
Segurança da ONU, no ano 2000, aprovou a
artigo, merece especial destaque a promo-
Resolução 1325  que versa sobre mulheres,
ção da igualdade entre os sexos e a autono-
paz e segurança. O documento estabelece a
mia das mulheres. Para consecução desses
participação das mulheres na construção da
objetivos a comunidade internacional elenca
paz, na proteção das violações dos direitos
uma série de proposições e medidas, dentre
humanos, e na promoção do acesso à justiça
as quais destacamos: a completa elimina-
e aos serviços para enfrentar a discrimina-
ção de todas as formas de discriminação de
ção.21
mulheres e meninas, bem como toda forma
Na sequência, o Conselho de Seguran- de violência ou práticas nocivas nas esferas
ça da ONU aprovou mais quatro resoluções pública e privada; a valorização do trabalho
sobre o mesmo tema as quais, juntamente doméstico; a participação efetiva das mulhe-
com a primeira, formam um quadro de maior res em todos os níveis de decisão e liderança
proteção das mulheres em cenários de con- nas esferas política, econômica e pública; a
flitos armados. ratificação do direito ao acesso à saúde se-
xual, nos termos da Plataforma de Ação de
4.4 A Declaração do Milênio e os Obje-
Pequim; a implementação de reformas para
tivos de Desenvolvimento do Milênio 
dar direito de acesso às mulheres aos recur-
Por fim, ao final do caminho que culmi- sos financeiros, propriedades, etc. e, por fim,
nou na criação da ONU Mulheres, temos a a promoção do empoderamento das mulhe-
Declaração do Milênio e os Objetivos de De- res através do uso de tecnologia e fortaleci-
senvolvimento do Milênio (ODM), adotada mento das políticas em todos os níveis.
em setembro de 2000, na sede das Nações
Em que pese a proteção dos direitos
Unidas, em Nova York, com prazo para seu al-
das mulheres e a igualdade de gênero es-
cance até 2015.
tar presente somente nos objetivos 3 e 5 da
Frise-se que os Objetivos do Milênio ODM, o Observatório Brasil de Igualdade de
(ODM) são frutos das muitas cúpulas multi- Gênero manifesta-se no sentido de que “...
laterais instaladas durante a década de 90 so- pela sua natureza transversal, a questão de
bre o desenvolvimento humano. A ODM fixou gênero deve ser considerada em cada um
oito objetivos que auxiliaram os países a en- dos demais objetivos do milênio, permitindo
frentarem os desafios do século XXI. acompanhar a presença das mulheres nas
mais diversas áreas setoriais.”23
Os oitos objetivos do milênio resumem-
21 Paz e Segurança. Disponível em http://www.onumulheres.org.br/areas-tematicas/paz-e-seguranca/ Acesso em 04.02.2020
22 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Disponível em https://nacoesunidas.org/tema/odm/ Acesso em 04.02.2020
23 Disponível em: http://www.observatoriodegenero.gov.br/eixo/internacional/compromissos-internacionais/odm-1 Aces-
so em 04.02.2020

170
5. A ONU MULHERES – UM PASSO HISTÓRICO

Após esse longo, árduo e íngreme cami- Além das prioridades estratégicas, a
nho, em 2010 foi cria a ONU Mulheres, uma ONU Mulheres também elegeu um rol de atri-
entidade destinada à promover a igualdade buições que ela chama para si e as considera
de gênero e o empoderamento das mulhe- como seu principal papel. São elas:
res, bem como estimular e apressar o pro-
  Prestar apoio aos organismos
cesso no atendimento das necessidades das
intergovernamentais, tais como a Comissão so-
mulheres em todo o mundo. A ONU Mulheres bre o Status da Mulher, na formulação de políti-
está sediada em Nova York e possui escritó- cas, padrões globais e normas.
rios regionais em todos os continentes.
Auxiliar os Estados Membros na implemen-
  Ao criar a ONU Mulheres, os Estados tação dessas normas, prestando apoio técnico e
Membros da ONU deram um salto rumo à financeiro adequado aos países que a solicitem e
concretização dos objetivos da Organização estabelecer parcerias efetivas com a sociedade
sobre igualdade de gênero e empoderamen- civil.
to feminino. A criação da ONU Mulheres tam-   Dirigir e coordenar o trabalho do sistema
bém surgiu como forma de enfrentar os desa- das Nações Unidas sobre a igualdade de gênero,
fios da falta de financiamento adequado e de bem como promover a prestação de contas, in-
uma equipe específica e vocacionada para clusive por meio de acompanhamento regular
conduzir os trabalhos de fomento da igualda- dos progressos em todo o sistema.25
de de gênero.
Para tanto, a ONU Mulheres apoia os
governos que envidam esforços na erradi-   Há que se reconhecer que ao longo de
cação das desigualdades auxiliando na for- muitas décadas e não sem muito, constante e re-
dobrado esforço, a ONU conseguiu significativos
mulação de leis, políticas e programas que
avanços na implementação de acordos históricos
garantam a implementação dos padrões e de visando a igualdade de gênero, dentre os quais
fato beneficiem as mulheres e meninas. destacamos a  Declaração e Plataforma de Ação
Soma-se ainda um concentrado esforço de Pequim  e a  Convenção sobre a Eliminação
da ONU Mulheres para que os Objetivos do de Todas as Formas de Discriminação contra
as Mulheres  (CEDAW), dada sua relevância e
Milênio tornem-se uma realidade na vida de
impacto, culminando com a criação de um órgão
mulheres e meninas, com foco em algumas exclusivamente vocacionado para proteção dos
prioridades consideradas estratégicas, a se- direitos da mulheres e erradicação de toda forma
guir elencadas: de desigualdade de gênero, cujos objetivos são
As mulheres lideram, participam e se bene- orientados pelos tratados e convenções destaca-
ficiam igualmente dos sistemas de governança; dos no presente artigo.

As mulheres têm segurança de renda, tra- Por fim, vale dizer que os esforços da ONU
balho decente e autonomia econômica; Mulheres para atingir os objetivos de igualdade
de gênero e capacitar mulheres e meninas em
Todas as mulheres e meninas vivem uma todo planeta se estendem até o presente mo-
vida livre de todas as formas de violência; mento e projetam-se para o futuro, à exemplo,
mas não limitado ao Plano Estratégico da ONU
Mulheres e meninas contribuem e têm
Mulheres 2018 -2021, firmado em agosto de
maior influência na  construção da paz e resili-
2017, que “apoia a implementação da Declara-
ência sustentáveis  e se beneficiam igualmente
ção e Plataforma de Ação de Pequim e contribui
da prevenção de desastres e conflitos naturais e
para a implementação sensível à questão de gê-
de ações humanitárias.24
nero da Agenda 2030 para o Desenvolvimento

24 Sobre a ONU Mulheres. Disponível em: https://www.unwomen.org/en/about-us/about-un-women Acesso em 04.02.2020


25 Idem.

171
Sustentável.”26

CONCLUSÕES

A plena implementação dos objetivos revela-se um caminho de não retorno, ain-


estratégicos e prioritários da Plataforma de da que pese o fato de que a execução das
Pequim e da ONU Mulheres, que resumem garantias no tocante às igualdades e direitos
e ampliam todos os avanços das últimas dé- mostre-se morosa e deficitária.
cadas, são de fundamental importância haja
Nesse sentido, vale lembrar a lição do
visto o potencial de transformar relações de-
Ministério Público Federal, em sua cartilha
siguais de poder entre mulheres e homens e
sobre Questões de Gênero e Direitos Hu-
enfrentar barreiras estruturais e culturais que
manos: “Implementação de direitos exige
impedem o progresso. 
postura ativa. Ser cidadã significa agir como
Conforme bem assevera PINHEIRO, sujeito de direitos e obrigações, fazendo de
“as pautas definidas como prioritárias para sua ação a forma de expressão de sua cida-
a promoção dos direitos humanos das mu- dania.”29
lheres traduzem apenas em parte os diver-
Por derradeiro, frise-se que a garantia
sificados aspectos mapeados nas últimas
dos direitos humanos e, em especial das mu-
décadas, contudo revelam com densidade a
lheres e meninas, tem reflexos que extrapo-
relevância das mulheres enquanto sujeitos
lam os limites do campo do indivíduo, mas
políticos na arena de disputa global sobre
ramifica-se e produz frutos para o sistema
os sentidos do que são e do que devem ser
econômico de todas as sociedades. Mulhe-
os direitos humanos e sua função central na
res protegidas e empoderadas produzem
promoção do desenvolvimento e da ´paz.”27
riquezas, participam e suportam processos
Diante do arcabouço de tratados, leis, decisórios; são pilares do desenvolvimento
decretos e políticas implementadas ao lon- sustentável, além de emblemas de uma so-
go das últimas décadas, vale lembrar as sá- ciedade sã, evoluída, justa e humanizada.
bias ponderações de BOBIIO no sentido de
que “... o problema grave de nosso tempo,
com relação aos direitos do homem, não é
mais o de fundamentá-los, e sim o de prote-
gê-los...”28. Assim, ousamos acreditar que de
fato o problema no tocante aos direitos das
mulheres e meninas já não é de justificar ou
fundamentar, mas sim abraçar e implemen-
tar.
Vis-à-vis o hercúleo esforço da ONU no
cenário internacional e das organizações, go-
vernos e setores privados, no âmbito territo-
rial, tirar as mulheres e meninas de situações
de vitimização, submissão e desigualdade
26 Plano Estratégico das Mulheres da ONU 2018-2021. Disponível em https://www.unwomen.org/en/digital-library/publi-
cations/2017/8/un-women-strategic-plan-2018-2021. Acesso em 06.02.2020
27 PINHEIRO, Ana Paula Lobato – Direitos Humanos das Mulheres. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/retrato/
pdf/190327_tema_i_direitos_humanos_das_mulheres.pdf . Acesso em 10.02.2020
28 BOBBIO, Norberto, 1909- A era dos direitos; tradução Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. — Nova ed.
— Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. — 7ª reimpressão; p 17
29 Centro de Direitos Humanos/Ministério Público Federal/ Procuradoria Regional da República – 3ª Região/ Escola Superior
do Ministério Público da União. CDH. 2005; p 13

172
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ção de Celso Lafer. — Nova ed. — Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. — 7ª reimpressão; p 17

- Centro de Direitos Humanos/Ministério Público Federal/ Procuradoria Regional da Repúbli-


ca – 3ª Região/ Escola Superior do Ministério Público da União. CDH. 2005; p 13

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www.ipea.gov.br/retrato/pdf/190327_tema_i_direitos_humanos_das_mulheres.pdf . Acesso
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- TELES, Maria Amélia de Almeida. O que são direitos humanos das mulheres – São Paulo:
Brasiliense, 2007, p. 13 e 26

174
175
A PROTEÇÃO DA MULHER E O PAPEL DO DIREITO DO
TRABALHO

Taís de Souza Manoel


Advogada, formada em Direito (2019), Especialização em
Conciliação e Mediação (2019/2020), ambos pelo Centro Uni-
versitário Eurípedes da Rocha de Marília/ SP – Univem.

Alessandra Carla dos Santos Guedes


Advogada, formada em Direito (2004), Especialização em
Conciliação e Mediação (2019/2020), ambos pelo Centro Uni-
versitário Eurípedes da Rocha de Marília/ SP – Univem; atuan-
te na área de direito previdenciário; advogada do Sindicato dos
Agentes de Segurança Penitenciária do Estado de São Paulo sub-
sede Marília/SP; integrante da Comissão da Mulher Advogada da
Subseção Marília.

SUMÁRIO
Introdução
1. Evolução Histórica Jurídica do Direito da Mulher
1.1 O Papel da OIT na Defesa dos Direitos das Mulheres
1.2 Dos Direitos da Mulher na Constituição Federal de 1988
1.3 As Mulheres e seus Direitos na CLT
2. A da Desigualdade de Gênero no Mercado de Trabalho
2.1 O Assédio Moral Contra a Mulher no Ambiente de Trabalho
2.2 Uma Batalha em Busca do Combate à Desigualdade de Gênero
3. A Inserção das Mulheres no Mercado de Trabalho
Conclusão
Referências Bibliográficas.

176
RESUMO
O presente artigo abordará questões sobre relações entre o gênero feminino, o direito
fundamental social ao trabalho, o princípio jurídico da fraternidade e a pós-modernidade que
precisam ser evidenciadas a fim de se comprovar sobre o poder de igualdade que vivemos
hoje. Trará em pauta as dificuldades que as mulheres enfrentaram para se colocarem no mer-
cado de trabalho em pé de igualdade com os homens e a luta pelos direitos que lhe foram
garantidos em nosso país. Um estudo sobre a obra da autora: Olga Maria Boschi de Oliveira,
em seu livro intitulado de: Mulheres e o Trabalho foram uma inspiração e uma base bem fun-
damentada sobre o tema a ser discutido, pois a mesma nos explica de forma clara e precisa
que mulheres, crianças e negros foram desprezados com a total evidência da desigualdade e
da discriminação, sendo também vítimas de violência e maus tratos. Assim, veremos também o
que nos traz a Constituição Federal de 1988, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) e a
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que relata o momento em que a mulher
ganhou o mesmo direito do homem, no quesito trabalho, no âmbito civil e o que acontece nos
dias atuais.

ABSTRACT
This article will address the relationship between the female gender, the fundamental
social right to work, the legal principle of fraternity and postmodernity that need to be highli-
ghted in order to prove the power of equality that we live today. It will bring to the table the
difficulties that women faced to put themselves on the job market on an equal footing with
men and the struggle for the rights that were guaranteed to them in our country. A study on
the work of the author: Olga Maria Boschi de Oliveira, in her book entitled: Women and Work
were an inspiration and a well-founded basis on the topic to be discussed, as it explains to us
in a clear and precise way that women, children and blacks were despised with the full eviden-
ce of inequality and discrimination, and were also victims of violence and mistreatment. Thus,
we will also see what brings us the Federal Constitution of 1988, the ILO (International Labor
Organization) and the Universal Declaration of Human Rights of 1948, which reports the mo-
ment when women gained the same right as men, in the question of work , in the civil sphere
and what happens today.

PALAVRAS-CHAVE
Mulheres. Igualdade. Trabalho. Fraternidade. Direito Social.

KEYWORDS
Women. Equality. Job. Fraternity. Social Law.

177
INTRODUÇÃO

Antigamente, na época da revolução in- dos conflitos sociais no país, especialmente


dustrial não se pensava em direito do traba- para as mulheres já que trouxe em seu texto a
lho, nem em sua proteção para o trabalhador, tão buscada “igualdade” entre homens e mu-
nessa época, conservava-se a mulher em um lheres.
patamar de inferioridade em relação aos ho-
Essa igualdade, no entanto, encontra-se
mens. Com o tempo a tecnologia foi avançan-
muito distante da realidade feminina já que as
do e as máquinas sendo implantadas para pro-
mulheres, de um modo geral, apesar da pre-
dução. Os trabalhadores viviam em péssimas
visão constitucional de 1988, ainda precisam
condições de trabalho sem qualquer auxílio
lutar para alcançar o seu espaço e a garantia
das empresas que prestavam serviço, então
de oportunidades em pé de igualdade com os
eles se mobilizaram para reivindicar direitos.
homens.
Se para os homens já era difícil, imagina para
as mulheres que sofriam discriminação pelas Feitas essas considerações, o tema pro-
diferenças físicas, a maternidade e a diferença posto para esse trabalho tem como objetivo
no salário que era bem inferior a do homem, as questões relativas à discriminação sofri-
restringindo a mulher apenas aos afazeres do- da pelas mulheres, assunto que cada vez nos
mésticos e tão somente cuidando da casa, fi- mostra que não foi superado, de modo par-
lhos e marido. ticular a proteção da mulher e o papel do di-
reito do trabalho. Demostrar a evolução e as
O trabalho é entendido como conjunto
conquistas do trabalho feminino, bem como
de princípios, regras e instituições atinentes à
seus esforços para acabar com a diferenciação
relação de trabalho subordinado e situações
entre homens e mulheres.
análogas, visando assegurar melhores condi-
ções de trabalho que estão contidos na CLT, A pesquisa busca analisar as atividades
para maioria dos doutrinadores. desenvolvidas pelas mulheres em seu âmbi-
to de trabalho, seus rendimentos em relação
Com o passar do tempo o direito ao tra-
ao homem, a discriminação em que as traba-
balho, inclusive à mulher, foi ganhando força
lhadoras são submetidas, com especial fulcro
e começaram a surgir às primeiras proteções
no art. 5º da Carta Magna, que homens e mu-
aos trabalhadores e a Constituição Federal
lheres são iguais em direitos e obrigações, e a
de 1998 sem dúvida foi um grande marco já
forma que os legisladores tratam o tema.
experimentado na evolução jurídica brasilei-
ra, um modelo democrático de administração

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA E JURÍDICA DO DIREITO DA MULHER

A mulher por muito tempo sempre foi edu- quem decide e ela submissa as suas decisões. A
cada a servir, dentro de sua casa, por seu pai ou ciência não comprovou qual sexo tem superiori-
marido, decorrentemente da herança do nosso dade sobre o outro, tendo eles suas funções para
país na época colonial, em que as igrejas eram reprodução da espécie.
o único lugar para a educação, e as mulheres já
eram excluídas delas, o que era ensinado a elas Sob a Constituição de 1824 havia escolas
eram as tarefas domésticas, para se dedicar ao para mulheres, mas também era para afazeres
seu lar, e as mulheres que não seguiam esse es- domésticos, cânticos e ensino brasileiro de ins-
tilo sofriam discriminação, e tinham certa dificul- trução primária. A mulher não podia frequentar a
dade em manter o casamento ou uma família, ou mesma escola que os homens, pois para a igreja
o mercado de trabalho. Não bastasse a escolha, poderia ocasionar relacionamentos espúrios, e
era tratada com diferença por conta de sua forma só o homem tinha direito de ter um ensino mais
física ser mais frágil que a do homem, sendo ele elevado. Somente no século XX que homens e

178
mulheres puderam estudar juntos. polonesa. O próprio artigo 140 da referida Carta
era claro no sentido de que a economia era or-
O Código Civil de 1916 manteve a ideia ganizada em corporações, sendo considerados
conservadora do homem como chefe, limitando órgãos do Estado, exercendo função delegada
a capacidade da mulher, e quando havia discor- de Poder Público. Instituiu o sindicato um único
dância entre os dois, prevalecia a decisão do ho- imposto por lei, vinculado ao Estado, exercendo
mem. funções delegadas de poder público, podendo
Em seu artigo 242 o CC trata dos atos que haver intervenção estatal direta nas suas atribui-
a mulher não pode praticar sem a autorização do ções. Foi criado o imposto sindical, sendo que
marido, in verbis:1 o Estado participava do produto de sua arreca-
dação. Estabeleceu-se a competência normativa
Art. 242: A mulher não pode, sem autori- dos tribunais do trabalho, que tinha por objetivo
zação do marido: I - praticar os atos que este principal evitar o entendimento direto entre traba-
não poderia sem consentimento da mulher; lhadores e empregadores, A greve e o lockout fo-
II - Alienar ou gravar de ônus real, os imóveis ram considerados recursos antissociais, nocivos
de seu domínio particular, qualquer que seja ao trabalho e ao capital e incompatível com os
o regime dos bens (arts. 263, ns. II, III e VIII, interesses da produção nacional.3
269, 275 e 310); Ill - Alienar os seus direitos Havia várias normas trabalhistas esparsas.
reais sobre imóveis de outrem; IV - Contrair Por isso, foi necessária a sistematização dessas
obrigações que possam importar em alheação regras, por meio de Decreto-lei n° 5.452, de 1°
de bens do casal. de maio de 1943, aprovando a Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT). A CLT não é um código,
Não há dúvidas que a opinião da mulher pois não traz um conjunto de regras novas, mas
sempre ficava em segundo plano, cabendo apenas reúne as já existentes de forma sistema-
apenas ao marido todas as decisões do casal. tizada.
Atualmente, no Código Civil de 2002, a A Constituição de 1946 prevê a participa-
mulher tem os mesmos direitos que seu mari- ção dos trabalhadores nos lucros (art. 157, inciso
do, só não poderá exercer atos que o cônjuge XII), direito de greve (art. 158) e outros direitos
está impedido de realizar sem a assistência da que estavam na norma constitucional anterior.
mulher. A lei n° 605, de 1949, versou sobre o repou-
Em nosso país a política trabalhista bra- so semanal remunerado; a Lei n° 3.207, de 1957,
sileira começa a surgir com Getúlio Vargas em trata das atividades dos empregados 13° salário;
a Constituição de 1967 manteve os direitos tra-
1930. O ministério do Trabalho, Indústria e
balhistas estabelecidos nas Constituição anterio-
Comércio foi criado no mesmo ano, passando res, no artigo 158; a Emenda Constitucional n° 1,
a expedir decretos, sobre profissões, trabalho de 17 de outubro de 1969, repetiu praticamente a
das mulheres (1939) etc. Norma Ápice de 1967, no artigo 165, no que diz
A primeira Constituição a tratar de Direito respeito aos direitos trabalhistas.
do Trabalho foi a de 1934, como nos mostra ga- No âmbito da legislação ordinária foram
rantindo a liberdade sindical, a isonomia salarial,
editadas outras leis: a Lei n° 5.889, de 1973, ver-
o salário mínimo, a jornada de oito horas de tra-
sando sobre o trabalhador rural; a Lei n° 6.019,
balho, a proteção do trabalho das mulheres, o de 1974, tratando do trabalho temporário; o De-
repouso semanal, férias anuais e remuneradas2. creto-lei n° 1.535, de 1977, dando nova redação
A Carta Constitucional de 1 de novembro de ao capítulo sobre férias da CLT.
1937 é decorrente do golpe de Getúlio Vargas. Em 5 de outubro de 1988 foi aprovada a atu-
Era uma constituição corporativista, inspirada al Constituição, que trata de direitos trabalhistas
na Carta del Lavoro, de 1927, e na Constituição
1 Barreto, Ana Cristina Teixeira. Carta de 1988 é um Marco Contra Discriminação. Revista Consultor Jurídi-
co. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2010-nov-05/constituicao- 1988>. Acesso em: 05 jan 2020.

2 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p.10.

3 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p.133-134.

179
nos artigos 7° a 11. Os direitos trabalhistas foram de uma libertação de estereótipo de que as
incluídos no Capítulo II, “Dos Direitos Sociais”, mulheres são sexo frágil e submisso.
do Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamen-
tais”, ao passo que nas Constituições anteriores O trabalho profissional pelas mulheres vem
os direitos trabalhistas sempre eram inseridos no crescendo cada vez mais, porém ainda existe
âmbito da ordem econômica e social, a Constitui- a diferença de salários, entre trabalhadores do
ção de 1988, também igualou os direitos e obri- sexo feminino e masculino, e também no exercí-
gação entre homens e mulheres, acabando com cio das mesmas funções.5
a superioridade masculina ao longo do tempo em Além disso, sabemos que existem sim di-
nosso país, e com a discriminação sofrida pela ferenças biológicas entre homens e mulheres,
mulher.4 mas isso não pode ser usado como forma de
Com a nova constituição veio o direito à preconceito e de incapacidade para desenvolver
licença gestante de 120 dias, sem prejuízo do trabalhos semelhantes, o direito precisa continu-
ar buscando promover a igualdade de gênero, a
emprego ou salário, realização de ações que
luta deve ser por um respeito mútuo entre ho-
visassem à proteção do trabalho da mulher, mens e mulheres, bem como a efetiva aplicação
proibição de diferenças de salários, estabele- dos direitos adquiridos por elas, para um desen-
cimento de critérios de admissão e exercício volvimento social, econômico, real e pleno em
de função em razão do gênero e igualdade de um país que todos ganham.
direitos e obrigações entre homens e mulhe-
res. Os mesmos problemas que afligiam as mu-
lheres no período antes da Revolução Industrial
Hodiernamente, sabe-se que houve vá- continuam a limitá-las na sociedade pós-Revolu-
rios progressos e o avanço é visível, porém ção em diversos aspectos.
tem muitas conquistas a serem realizadas A sociedade moderna evolui a todo instan-
ainda, principalmente porque muitas pessoas te e as alterações normativas devem ser feitas
acham que esse assunto mulher e trabalho já a fim de regulamentar e organizar a sociedade,
foi solucionado e está resolvido, e pelo con- possibilitando o bem estar social e efetivação do
trário ainda existe diferenciação em pleno sé- princípio da igualdade e dignidade da pessoa hu-
culo XXI. Precisamos de mudanças de valores, mana.

1.1.DO PAPEL DA OIT

A OIT foi criada em 1919 como parte do pre promoveu ações para que seu trabalho
Tratado de Versales8, com o final da Primeira seja realizado em igualdade com as normas,
Guerra Mundial, onde foram colocadas nor- incluindo a maternidade e seu papel reprodu-
mas de proteção à mulher, como a proibição tivo. Entretanto a principal divergência para a
do trabalho noturno, a vedação de trabalho aplicação dessas normas na prática é a falta de
em minas subterrâneas, e proteção quando conhecimento de seus direitos, sendo a divul-
estiverem grávidas. O trabalho da OIT é pro- gação um meio para que as mesmas tomem
mover um trabalho digno, produtivo onde não ciência para impulsionar a igualdade de gêne-
tenha nenhuma forma de discriminação e se ro e a justiça social, estando sempre informa-
obtenha um trabalho em igualdade, seguro da e atualizada com as constantes mudanças
com uniformidade aos trabalhadores, seja o que a sociedade tem, moldando seu futuro,
trabalho formal, informal, autônomo, ou em sendo responsável pela aplicação de normas
domicílios privados onde as mulheres predo- internacionais elaboradas pelas convenções
minam. Sempre houve uma preocupação em anuais que, sendo ratificadas, passam a fazer
relação ao trabalho da mulher e a OIT sem- parte do ordenamento jurídico.

4 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 169-201.
5 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 438.
6

180
As Convenções e Recomendações Inter- As normas trabalhistas no Brasil tive-
nacionais do Trabalho desempenham um papel ram lugar nas Constituições brasileiras de
importante na promoção da igualdade porque 1891,1934, e 1937 e também o Código Civil
representam um consenso internacional e tripar- de 1916 garantindo as relações de trabalho.
tido sobre normas mínimas. Embora geralmente
estas normas se apliquem tanto a trabalhadores A Consolidação corresponde a um está-
como trabalhadoras, algumas estabelecem direi- gio no desenvolvimento do processo Jurídico.
tos específicos das mulheres trabalhadoras e da Entre a compilação ou coleção de leis e um
igualdade de gênero, que devem ser respeitadas Código – que são respectivamente, os mo-
e seguidas em todos os programas da OIT. […] mentos extremos de um processo de corpori-
Estas normas respeitam à igualdade de remu-
ficação do direito – existe a consolidação, que
neração, à igualdade de oportunidade e de tra-
tamento entre homens e mulheres no trabalho,
é a fase própria da concatenação dos textos
à proteção da maternidade, aos trabalhadores e da coordenação dos princípios […]. Esse o
com responsabilidades familiares, e ao trabalho significado da Consolidação, que não é uma
a tempo parcial e no domicílio.6 coleção de leis, mas a sua coordenação siste-
matizada.
A OIT tem em sua composição três órgãos:
o Conselho de Administração e a Repartição In- A matéria contida na CLT, após várias modi-
ternacional do Trabalho, a Conferência ou As- ficações ao longo dos anos ainda está em vigor.
sembleia Geral, que faz a deliberação da OIT. As A proteção do trabalho da mulher encontra-se no
reuniões são feitas todo ano, no mês de junho, Capítulo III da Consolidação das Leis do Traba-
em 7Genebra, não sendo uma regra, podendo lho e estabelece no Artigo 372, que “os preceitos
ser realizada em outros países. que regulam o trabalho masculino são aplicáveis
ao trabalho feminino, naquilo que não colidirem
Sendo que na Conferência participa cada com a proteção especial instituída por este Capí-
representante de seu país dos Estados mem- tulo”. (Nesse caso está se referindo ao artigo 5º
bros, e são discutidas diretrizes básicas den- da Constituição Federal que elucida que homens
tro da OIT, a função executiva quem faz é o e mulheres são iguais em direitos e obrigações,
Conselho de Administração que é composto no inciso I); impondo a proteção do mercado de
de empregados e empregadores, e represen- trabalho da mulher, no Artigo 7º, inciso XX); fala
tantes do governo, onde são decididos os dias da proibição de diferença de salário, no exercício
e locais das reuniões. A vigência internacional da função e, de critérios de admissão por motivo
de sexo, idade, cor ou estado civil. A lei nº 7.855
de uma convenção, geralmente de 12 meses,
de 1989 foi alterada devido a novos direitos ad-
após aprovada o governo do estado membro quiridos pelas mulheres com a Constituição de
deve submetê-la no prazo de 18 meses não 1988, que efetivou alterações na CLT.8
podendo tal período ser ultrapassado.
A OIT sempre teve uma preocupação
com as mulheres desde a sua primeira con-
venção em 1919, que tratava sobre a mater-
nidade, no século XX as mulheres eram con-
sideradas mais frágeis que os homens e por
esse motivo não poderiam desempenhar fun-
ções específicas, podendo trazer risco a sua
saúde e futuramente a sua reprodutividade.

6 OLIVEIRA, Olga Maria Boschi Aguiar de. Mulheres e trabalho: desigualdade e descriminalização em razão
de gênero - o resgate do princípio da fraternidade como expressão da dignidade da pessoa humana. Lumen Juris.
2016.
7 O Tratado de Versalhes (1919) foi um tratado de paz assinado pelas potências europeias que encerrou ofi-
cialmente a Primeira Guerra Mundial. Após seis meses de negociações, em Paris, o Tratado foi assinado como uma
continuação do armistício de Novembro de 1918, em Compiégne, que tinha posto um fim aos confrontos.

8 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 618.

181
1.2. DOS DIREITOS DA MULHER NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Ao longo do tempo a superioridade do XXX do artigo 7º da Carta Magna.


homem em relação à mulher era totalmente vi-
O movimento de mulheres, que havia am-
sível e divulgada em nosso país, não somente
pliado seu protagonismo no final dos anos se-
em âmbito doméstico, mas também no cená-
tenta, lutando para a melhoria das condições
rio público com as diferenças de salários, sem
de vida, teve sua atuação política fortalecida
contar a participação política da mulher que
na criação, em 1985, do Conselho Nacional
sempre foi ignorada em nosso país, porém a
dos Direitos da Mulher (CNDM) e na partici-
atual Constituição Federal trouxe a igualdade
pação no processo constituinte de 1988.
de direitos e obrigações, ensejando uma con-
dição de igualdade entre ambos os sexos, no O CNDM tornou-se um marco signifi-
âmbito de trabalho e o familiar também. cativo na trajetória da conquista de direitos
básicos das mulheres e no fortalecimento da
Nossa Constituição Federal de 1988 as-
democracia participativa. Esse processo, pro-
segura em seu artigo 5º, inciso I que a mulher
tagonizado pelo chamado lobby do batom,
tem plena igualdade de direitos e obrigações
formado pelo CNDM, pelas feministas e pelas
como o homem e afirmou essa igualdade no
26 deputadas federais constituintes, obteve
parágrafo 5º do Artigo. 266, sobre a socieda-
importantes avanços na nova Constituição
de conjugal, se tratando de direitos trabalhis-
Federal, ao garantir igualdade de direitos e
tas, com o objetivo de igualdade e não a dis-
obrigações entre homens e mulheres perante
criminação, diferenças salariais, contratações
a lei.
referentes a idade, cor ou sexo e seu inciso

1.3. A MULHER E SEUS DIREITOS NA CLT

Segundo o Tribunal Regional do Tra- 10ª Região, os direitos assegurados na lei ordi-
balho da 10ª Região, mais de 10 milhões de nária (CLT e outros textos correlatos) não são
mulheres desenvolvem algum tipo de ativida- regras estanques e bastantes a garantir as ne-
de remunerada no Brasil, de acordo com da- cessidades da mulher no contexto das relações
dos do IBGE. No Distrito Federal, segundo o de trabalho. Segundo ela a garantia maior está
nos direitos fundamentais previstos na Consti-
Dieese10, elas já são cerca de 590 mil, quase
tuição Federal. Na medida em que o artigo 5º,
a metade de toda a força de trabalho. A par- inciso I, da Constituição Federal, estabelece que
ticipação feminina no mercado cresceu 11% homens e mulheres são iguais em direitos e obri-
nos últimos 10 anos, fruto do avanço cultural gações nos termos desta Constituição, Princípio
iniciado na década de 70, quando as mulheres da Isonomia derivado princípio da Dignidade da
começaram a buscar independência financei- Pessoa Humana (Artigo 1º, inciso III da CF), as
ra e realização profissional. A legislação bra- decisões devem se pautar na concretização das
sileira também acompanhou essa mudança. A normas do direito constitucional.9
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), ape- Ainda podemos verificar nos entendimentos
sar de ser de 1943, destina um capítulo com do artigo publicado no TRT 10 sobre o tema em
27 artigos em vigor, destinados à proteção do questão que: “Quando falamos em gênero, ainda
trabalho da mulher. são muito debatidas nos tribunais, em especial
Para a desembargadora Elaine Vasconce- na Justiça do Trabalho, já estão se pautando por
los (2013), do Tribunal Regional do Trabalho da esta visão constitucionalista, para além das nor-
mas engessantes da lei ordinária. A questão de

9 DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio Econômico) é uma instituição de pesquisa,
assessoria e educação do movimento sindical brasileiro. O DIEESE atua em temas relacionados ao mundo do trabalho
e às políticas públicas, desenvolvendo: Assessoria às negociações e pesquisas, estudos e estatísticas e educação e
formação sindical.

182
gênero vai muito além das questões trabalhistas. essa previsão foi a de 1934 e, em seguida,
É uma concepção cultural”, pontua.10 veio a CLT, em 1943.
Por fim, a juíza do Trabalho Flávia Fraga- Essas afirmações nos mostram que há
le (2013), nos diz que: a criação dessas nor- décadas as mulheres sofreram explorações e
mas específicas para a mulher é fruto de um violências, e quando nosso país foi elaborar
contexto protecionismo que permeou o tex- lei específica que trata sobre o mercado de
to celetista. Esse foi um reflexo das leis que trabalho em relação às mulheres, não come-
surgiram na Europa na época da Revolução teram o erro que houve na Europa, onde as
Industrial quando havia muita contratação e mulheres não tinham seus direitos garantidos
exploração da mão de obra feminina, que aca- e tampouco um trabalho digno, mas houve o
bou por inspirar o legislador brasileiro a pro- cuidado que o assunto requer.
duzir normas semelhantes, a fim de evitar que
os mesmos abusos acontecessem em nosso
País. A primeira Constituição do Brasil a ter

2. AS CONSEQUÊNCIAS DA DESIGUALDADE DE GÊNERO NO


MERCADO DE TRABALHO
Para combater esse problema, é essen- Dessa forma, profissionais do sexo feminino
cial entendermos quais os principais fatores possuem menos oportunidades de seguir a car-
que o precedem. Ele se origina em uma cul- reira que desejam. É necessário um nível de
tura machista que desperta crenças e associa- qualificação mais alto para ocupar o mesmo
ções implícitas nos profissionais, inclusive nas cargo de um homem, uma vez que a capacidade
próprias mulheres. Há uma ideia (obviamen- da mulher é colocada à prova com mais frequên-
te falsa) de que as mulheres são menos com- cia. Além disso, dentro de uma organização elas
prometidas ou não possuem as competências estão mais propensas a sofrerem assédio por par-
exigidas para ocupar cargos de liderança. te dos seus colegas.

2.1 O ASSÉDIO MORAL CONTRA A MULHER NO


AMBIENTE DE TRABALHO

Embora o princípio da igualdade este- ções de gênero continuam prejudicando as


ja positivado tanto na Constituição Federal, mulheres trabalhadoras em termos de salá-
quanto na legislação infraconstitucional e rios, ascensão profissional ou oportunidades
ainda que haja uma vasta legislação visando de trabalho, sendo a trabalhadora constante-
garantir a evolução dos direitos das mulheres mente preterida em razão de suas responsa-
no mundo do trabalho, na prática, a trabalha- bilidades familiares”.
dora brasileira sofre discriminação em razão
Além disso, as relações de gênero tam-
das relações de gênero, de modo que o prin-
bém são o predominante motivo para que a
cípio da igualdade não se materializa, o que
trabalhadora seja a principal vítima de discri-
é demonstrado através de dados estatísticos
minação no ambiente de trabalho.
abordados.11
Nos estudos da autora já acima citada, a
Maria Coutinho entende que: “as rela-

10 B.N. imprensa@trt10.jus.br.2013. Disponível em < http://trt10.jusbrasil.com.br/noticias/100383526/mulheres-


-contam-com-protecao-na-clt > Acesso em 23 de janeiro 2020.
11 COUTINHO, Maria Luiza Pinheiro. Discriminação no Trabalho: Mecanismos de Combate à Discriminação e
Promoção de Igualdade de Oportunidades. OIT Igualdade Racial, 2003, p. 39-40.

183
Organização Internacional do Trabalho sobre O autor ainda ressalta:
os mecanismos de combate à discriminação
e promoção de igualdade de oportunidades, Por inferência lógica, sendo as mulheres
a mesma incluiu o assédio moral como práti- as que ocupam as colocações mais precárias
ca discriminatória em razão de gênero e as- do mercado de trabalho, as que sofrem com
sim o justifica:12 discriminação baseada na ideia de que ho-
mens são mais fortes e que, portanto, podem
Embora estudado como violência moral, impor suas ordens a partir da posição supe-
o assédio moral laboral é incluído neste estu- rior, conclui-se que elas também são as que
do como uma modalidade de discriminação mais usualmente são levadas a suportar os
em face do gênero, não apenas porque este transtornos do assédio moral no transcurso
se manifesta através de relações de gênero, da relação de trabalho.14
como também aparece fortemente articulado
com outras formas de discriminação. Note- Em razão da divisão sexual no trabalho,
-se ainda que a violência moral seja percebida a mulher é vítima mais frequente de assédio
como instrumento por meio do qual se pra- moral, pois é concebida como obstáculo à re-
tica a discriminação. Muitas vezes, fica difícil alização dos fins empresariais por não estar
distinguir uma conduta de assédio moral de integralmente dedicada ao trabalho em razão
uma conduta discriminatória, já que a primei- das tarefas domésticas e familiares que são
ra, além de provocar desigualdades de opor- de sua responsabilidade e diminui o tempo
tunidades e tratamento entre trabalhadores, disponível ao trabalho, o que, não ocorre com
apresenta-se, quase sempre, como um os homens. Nesse sentido, a autora Regina15
modo de manifestação da discriminação. Rufino expõe para um melhor entendimento:

Assim, o Ministério do Trabalho e Empre- Considerando que a mulher trabalhado-


go considera que as trabalhadoras mulheres ra tem que dividir suas responsabilidades no
são o grupo mais atingido pelo assédio moral. trabalho com as tarefas domésticas e de mãe,
Além disso, a violência psicológica da traba- muitas vezes é vista como um “problema” para
lhadora brasileira pode ser aferida também o empregador, um obstáculo à alta produtivi-
em razão de que o número de concessão de dade e disposição necessária ao crescimento
benefícios de auxílio-doença acidentário em da empresa. Com intuito de livrar-se desse
razão de doenças psicológicas às trabalhado- “problema”, muitos empregadores passam a
ras mulheres é superior a este mesmo número agir com violência contra a mulher, impondo
em relação aos trabalhadores homens. metas impossíveis de ser alcançadas, além de
humilhá-las quando não atingem os objetivos
Para Uchôa os trabalhadores homens impostos pela empresa, ou simplesmente iro-
13

também sofrem assédio moral, mas são as nizando quando se ausentam para tratar de
mulheres as vítimas mais frequentes dessa enfermidades dos filhos menores ou outras
prática dada a “sua condição de fragilidade condições fisiológicas peculiares, o que confi-
diante do predomínio da cultura sexista e da gura o assédio moral vertical descendente.
posição vulnerável em que normalmente a
trabalhadora se vê imersa no ambiente labo- Em razão dessa herança cultural, muitas
ral”. trabalhadoras são discriminadas pela simples
condição de ser mulher e, principalmente, por

12 Art 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.
13 UCHÔA, Marcelo Ribeiro. Mulher e Mercado de Trabalho no Brasil: Um Estudo sobre Igualdade Efetiva Ba-
seado no Modelo Normativo Espanhol. São Paulo: Editora Ltr, 2016, p. 102.
14 UCHÔA, Marcelo Ribeiro. Mulher e Mercado de Trabalho no Brasil: Um Estudo sobre Igualdade Efetiva
Baseado no Modelo Normativo Espanhol. São Paulo: Editora Ltr, 2016, p. 94.
15 RUFINO, Regina Célia Pezzuto. Assédio Moral à mulher trabalhadora. Florianópolis: Revista de Psicologia
CESUSC, n. 2, 2008.

184
ser uma mulher trabalhadora transpondo o li- sua chefia de exercer a sua profissão, por esta
mite do espaço público e de carreiras que an- entender que o trabalho a ser realizado não
tes eram privilégios masculinos. A rejeição da era para ela, sendo desqualificada e teve todo
mulher nesses espaços muitas vezes transpa- seu esforço desmerecido por ser mulher.
rece no assédio moral sofrido por essas traba-
O assédio moral sofrido por esta traba-
lhadoras.
lhadora é reflexo direto das relações de gêne-
Para um melhor entendimento sobre o ro que historicamente ditaram que o papel da
assunto pautado, daremos um destaque de mulher era em casa, servindo ao marido e aos
ao acórdão 0000370-84.2013.5.04.013 pro- seus filhos e que por este motivo o mundo do
latado em 2015 pelo Tribunal Regional do trabalho e, principalmente, algumas carreiras,
Trabalho da 4ª Região em uma ação ajuiza- não lhe eram acessíveis, além de lhe atribuir
da por uma trabalhadora da CORSAN16, que um papel inferior e de submissão ao homem,
sofria assédio moral discriminatório por parte ao mesmo tempo em que permitia que o ho-
de sua chefia, então, o chefe a deixava sem mem ditasse a uma mulher o que ela poderia
tarefas para executar por entender que o ser- ou não fazer, e quais eram as suas capacida-
viço a ser realizado não era trabalho para ser des e seus limites.
feito por uma mulher. Além da negativa de
Buscamos então, demonstrar que do
tarefas, a prova testemunhal produzida com-
mesmo modo que as relações de gênero refle-
provou que o chefe frequentemente se refe-
tiram diretamente na inserção da mulher no
ria à obreira como “biscate” (nomes de baixo
mercado de trabalho e refletem nas condições
calão) bem como lhe isolava dos demais co-
de trabalho que a mulher encontra, aferidas
legas de trabalho:
pelos dados estatísticos trabalhados, as rela-
A sentença não comporta reforma. A si- ções de gênero também estão presentes no
tuação que decorre da prova dá conta que dia a dia da trabalhadora brasileira, no modo
o superior hierárquico da autora, Sr. Edson em que a mesma é concebida e tratada em
Terra, agia de forma abusiva e discriminatória seu ambiente de trabalho, refletindo em situ-
com relação à autora, mediante insultos ma- ações de assédio moral.
chistas e isolamento. [...] Confirma que a prá-
Sendo assim, enquanto as desigualda-
tica discriminatória era corriqueira na ré o fato
des persistem, faz-se importante proteger a
de que, além do Sr. Edson Terra não gostar
mulher das discriminações sofridas. Por esse
de mulheres trabalhando na rede, o fato do
ângulo, Marcelo Ribeiro Uchôa 18 defende
gestor José Olímpio referir-se à autora como
que: “as discriminações sofridas pelas mu-
“biscate”, conforme relatou a testemunha ou-
lheres, inclusive no que toca à discriminação
vida á convite da autora. Assim, constatasse
por meio do assédio moral, trazem a neces-
que houve, de fato, violação da honra e da
sidade de conferir à trabalhadora mulher um
imagem da autora, ensejando a indenização
tratamento jurídico diferenciado do dado aos
por danos morais. 17
homens, possibilitando-lhes sanar o proces-
Ou seja, a trabalhadora se especializou so discriminatório sofrido”. Ele esclarece que
para uma carreira, estudou para passar num esse tratamento diferenciado não pode impli-
concurso público, conseguiu assumir um car- car na redução das oportunidades das mu-
go público e, ainda assim, ficou impedida pela lheres no mercado de trabalho, o que tradu-

16 Sociedade de economia mista responsável pelo abastecimento de água tratada no estado do Rio Grande do Sul,
abrangendo a mais de sete milhões de gaúchos. Sua sede está localizada em Porto Alegre, a Rua Caldas Júnior, n°
120, 18° andar.
17 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Acórdão nº0000370- 84.2013.5.04.0131, da 4ª Região do Esta-
do do Rio Grande do Sul 13 dez.2013. Disponivel em: <http:///www.trt4.jus.br/portais/trt4/sistema/consulta-processual/
pagina-Processo?numeroProcesso= 0000370-+84.2013.5.04.0131>. Acessado em 10 nov 2019.

18 UCHÔA, Marcelo Ribeiro. Mulher e Mercado de Trabalho no Brasil: Um Estudo sobre Igualdade Efetiva Ba-
seado no Modelo Normativo Espanhol. São Paulo: Editora Ltr, 2016, p. 105.

185
ziria uma nova discriminação por via indireta, a CF/88 nos dá a garantia de igualdade entre
reforçando a repressão à participação femini- homens e mulheres.
na no mercado de trabalho.
Esclarece-se que o ativismo do Judiciá-
O combate à desigualdade de gênero rio possui quatro campos de atuação e pensa-
mento, os chamados ativismos contra majori-
Nos tempos de hoje, ainda vivemos
tário, jurisdicional, criativo e remedial. Assim,
em uma democracia que “tenta” assentar a
o primeiro é compreendido como a negativa
diversidade à participação das mulheres no
dos tribunais em aplicar decisões governa-
mercado de trabalho, pois elas ainda estão
mentais; já o segundo consiste em uma maior
em uma constante luta para que a igualdade
intervenção do Judiciário, visando a atuar de
entre elas e os homens seja reconhecida de
modo a suprir a falta de lei ou determinações;
fato, onde os cargos que eles ocupam pos-
por sua vez o criativo consiste em utilizar-se
sam ser preenchidos também por mulheres
da interpretação das normas jurídicas, objeti-
sem que haja tantas críticas e desvaloriza-
vando a criação de novos direitos; finalmente,
ção.
o remedial traduz-se na obrigação do poder
Segundo Habermas, é essencial a Judiciário de criação de políticas públicas e
19

participação efetiva dos cidadãos na demo- órgãos.


cracia, e somente eles, quando envolvidos,
Podemos observar então que o Direito
poderão lutar pelos seus direitos, e no caso
não é estático, ele deve acompanhar as altera-
das mulheres, pela igualdade. A teoria de Ha-
ções da sociedade, portanto, mesmo que não
bermas, apesar de não considerar a divisão
exista uma determinada norma para aquela si-
sexual do trabalho, é um dos primeiros estu-
tuação excepcional, incumbe ao poder Judici-
dos a propor uma inclusão e uma democracia
ário dar uma resposta e atender aos anseios da
participativa.
população da melhor maneira. Nesse contex-
A função do Estado perante a socieda- to, diante da desigualdade de gênero e pelos
de, como podemos perceber no decorrer do mais diversos modos de violência enfrentados
tempo, modificou-se, e atualmente a ordem pelas mulheres, será função do Estado garan-
econômica é descrita como neoliberal, pos- tir a promoção da justiça social, principalmen-
suindo o Estado o dever de promover e ga- te a eficácia dos direitos fundamentais, não
rantir o bem-estar de todos os cidadãos como apenas na mera previsão no corpo legislativo.
já podemos observar nos tópicos abordados
mais acima nesse trabalho, onde falamos que

3. A INSERÇÃO DAS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO

Neste tópico falaremos da importância Apesar das intensas atividades realiza-


que as mulheres ganharam no mercado de das, de sua contribuição e colaboração nos
trabalho, um cenário do qual elas passam de diversos eventos da história nacional e inter-
filhas, esposas, mães e donas de casa a inte- nacional, as mulheres não foram inicialmente,
grar com muita intensidade funções que até reconhecidas como sujeito titular de direitos,
tempos atrás, somente os homens exerciam. o que limitou a garantia e o exercício do prin-
Hoje, podemos observar que temos mulheres cípio de liberdade e igualdade, principalmen-
até nas boleias de caminhões, tocando a vida te, em relação aos direitos políticos civis que
e promovendo o sustento de sua família com eram quase inexistentes, mesmo com a po-
muito amor e muita garra, mostrando-nos que sitivação dos direitos positivados, que foram
o lugar de uma mulher pode ser alcançado de insuficientes para evitar as desigualdades so-
diversas formas, basta ter oportunidade. ciais, que entre diversos fatores impediram,
19 HABERMAS, Jürgen. Era das transições. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
2003. p. 53.

186
por exemplo, a igualdade entre os gêneros. na maioria das vezes religiosas, o que acabou
Desta forma, podemos analisar que este ce- repercutindo na sua inserção no mercado de
nário também não garantiu de forma efetiva trabalho em condições distintas daquelas ofe-
a igualdade de oportunidade e de tratamento recidas aos homens, o que conhecemos como:
no emprego e na profissão. O direito de aces- divisão sexual no trabalho.
so à educação também era diferenciado, onde
Podemos então dizer, que a possibilidade
meninos e meninas eram tratados de forma
concreta da relação complementar entre am-
diferente privilegiando a superioridade mas-
bos os sexos, juntamente com a formação de
culina.
um núcleo familiar democrático e formação
Com entrada do século XXI, as inovações da sociedade venham garantir a efetivação
tecnológicas, o capitalismo, e em si globali- do clamor de uma sociedade justa que podem
zação vemos a impulsão e especialização das ser trilhados pela recente história cultural de
mulheres para o mercado de trabalho. Atual- nossa sociedade, juntamente, pela produção
mente, podemos acompanhar cada dia mais teórico- conceitual sobre as diferenças e uma
nas lideranças de grandes empresas e em pro- melhor clareza sobre o processo de desigual-
fissões técnicas mulheres ganhando espaço. dade entre bons trabalhadores e trabalhado-
res de sexo opostos que veio acontecer so-
Para Teixeira20 os últimos cinquenta
mente agora no início do novo século. Apesar,
anos o contínuo crescimento da participação
então, de não ser um fato, é sim, uma tendên-
feminina, é explicado por uma combinação
cia de se tornar justo anos a fio em busca de
de fatores econômicos e culturais. “Primeiro,
igualdade profissional.
o avanço da industrialização transformou a
estrutura produtiva, a continuidade do pro- O número de mulheres em cargos impor-
cesso de urbanização e a queda das taxas tantes cresceu bastante nas empresas.
de fecundidade, proporcionando um aumen-
Provavelmente num futuro próximo o
to das possibilidades das mulheres encontra-
perfil etário da População Economicamente
rem postos de trabalho na sociedade”.
ativa feminina será igualado, pois há um cres-
É necessário que a própria mulher en- cimento da taxa de atividade para as mulheres
tenda a necessidade de separar casa e o tra- em todas as faixas etárias. De acordo com as
balho ou até mesmo vida pública e privada, estatísticas há mais mulheres que homens no
valorizando então sua participação constante Brasil, por isso há mais empregos para elas, o
no complemento da renda salarial familiar, in- que se deve também a maior dedicação des-
clusive, em muitos casos, deixam de ser com- tas para desempenhar suas funções.
plementar para se tornarem a única renda que
sua família tem mensalmente, partindo do
princípio de se analisar os grandes índices de
abandono do lar por parte dos maridos e da
falta de ensino e participação dos filhos em
um mercado de trabalho, cada vez mais com-
plexo para jovens que não têm experiência
profissional.
Tradicionalmente, às mulheres, indepen-
dentes de sua classe social ou etnia, sempre
lhes foram impostas atividades domésticas,
ditas naturais, apoiadas em explicações que
buscavam tal justificativa com base em as-
pectos biológicos, no caso, a reprodução e

20 TEIXEIRA, Zuleide Araújo. As Mulheres e o Mercado de Trabalho. Disponível em :<http://www.universia.com.


br/html/materia_daba.html>. Acesso em 11 janeiro 2020.

187
CONCLUSÃO

No decorrer deste artigo, podemos ob- dos como as minorias, que lutam diariamente
servar que a mulher vem ganhando um grande por essa mesma igualdade e pela devida efeti-
espaço no mercado de trabalho e também um vação de seus direitos.
enorme reconhecimento de que trabalhar es-
Foi analisado também que as mulheres
tudar, cuidar da casa, de filhos, é plenamente
ainda são sujeitadas ao assédio moral quan-
possível e ainda ter uma vida social ativa.
do tentam exercer uma função cuja socieda-
Mesmo com todo esse reconhecimento de ainda vê como uma tarefa a ser exercida
ainda há uma constante luta para que haja somente por homens, embora a Carta Magna
igualdade entre homens e mulheres neste proponha em ser artigo 5º que homens e mu-
âmbito, em um mundo que homens ainda gri- lheres são considerados iguais perante a lei,
tam em alto e bom som para uma mulher: - Vá esse aspecto ainda não é efetivado em meia
pilotar um fogão! tentando de todo o modo fa- tanta modernidade em que vivemos hoje.
zer com que ela se sinta inferior a ele, porém,
Para concluir, aduzimos então, que vi-
temos mulheres pilotando sim: caminhões,
vemos uma grande luta para que haja a con-
aviões, submarinos e indo até trabalhar na
cretização das leis e dos princípios que regem
NASA21, mostrando que elas podem sim, ser
todo ordenamento, principalmente em rela-
algueḿ sem necessariamente estar só em
ção à mulher, faz-se imprescindível à atuação
afazeres domésticos. No Brasil, até meados
do Estado por meio do ativismo do Judiciário
do século 20, a mulher não tinha liberdade de
e que, a igualdade de gêneros é um proble-
escolha profissional, devendo o marido auto-
ma de toda a sociedade, que afeta, por conse-
rizá-la a laborar. Conforme a ótica patriarcal,
guinte, não apenas as mulheres, mas também
as mulheres deveriam corresponder às ex-
meninas, meninos, homens e idosos. Trata-se
pectativas masculinas, elas eram educadas
de um impedimento da verdadeira aplicação
para exercer trabalhos domésticos, e foi ape-
dos direitos humanos, fundamentais e traba-
nas a partir da Idade Moderna, com o Renas-
lhistas, visando que a mulher não precisa viver
cimento, que as mulheres começaram a exi-
entre uma constante escolha, como por exem-
gir sua liberdade e autonomia. Foi somente
plo: ser mãe ou trabalhar, ela tem a capacida-
com a Revolução Industrial, no entanto, que
de de cuidar dos filhos e exercer a profissão
a mão de obra feminina foi inserida em gran-
que seja de sua preferência, onde o Direito
de escala, todavia, não por motivos nobres,
deverá procurar essa aproximação para que
como a defesa da igualdade, apenas por ser
a igualdade por fim seja algo na luta contra a
considerada uma mão de obra barata.
cultura machista em que vivemos.
Sendo assim, a igualdade não deve ser
vista em seu aspecto formal, mas sim no ma-
terial, de modo que sejam respeitadas as con-
dições especiais dos grupos sociais considera-

21 NASA é uma agência do Governo Federal dos Estados Unidos responsável pela pesquisa e desenvolvimento de
tecnologias e programas de exploração espacial. Sua missão oficial é “fomentar o futuro na pesquisa, descoberta e
exploração espacial”.

188
REFERÊNCIAS
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190
191
CRIMES CONTRA A HONRA NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA

Tulio Emer Damasceno

SUMÁRIO

1. Introdução
2. Daviolência Moral
2.1 Da Violência Moral na Vida da Mulher
2.2 Das Consequências da Violência Moral para a Vítima
2.3 Dos Tipos de Honra
3 Dos Delitos
3.1 Da Calúnia
3.2 Da Difamação
3.3 Da Injúria
4. Dos Crimes Contra a Honra como Ação Penal Pública
5. Das Medidas Protetivas de Urgência
6. Do Ônus da Prova no Processo Penal
7. Da Aplicabilidade do Juizado Especial Criminal
8. Da Reparação Civil
9. Das Considerações Finais
Referências

192
RESUMO
O presente trabalho visa unificar as previsões legais dos crimes contra a honra a desfavor
da mulher no âmbito doméstico e suas consequências tanto legais para o autor quanto prá-
ticas para a vítima, consequências estas tão ou mais gravosas quanto as dos crimes contra a
vida ou contra a integridade física. Para tanto, trouxemos no presente trabalho as previsões
legais do ordenamento jurídico pátrio, pesquisas da violência moral na prática, doutrina e ju-
risprudências.

PALAVRAS-CHAVE
Crimes, honra, mulher, violência, consequências.

ABSTRACT
The present work aims to unify the legal predictions of crimes against honor to the dis-
advantage of women in the domestic sphere and its consequences, both legal for the author
and practical fot the victim, consequences that are as more serious as those of crimes against
life or against physical integrity. To this end, we bring in this work the legal provisions of the
national legal system, research on moral violence in practice, doctrine and jurisprudence.

KEYWORDS
Crimes, honor, women, violence, consequences

193
1. INTRODUÇÃO

A proteção à mulher tem sido alvo de contra a mulher no âmbito doméstico e fa-
grandes manifestações na sociedade pátria, miliar, bem como suas gravíssimas consequ-
de modo que com a Lei Maria da Penha, se ências. Veremos também quais são os delitos
tem buscado cada vez mais punir os agresso- contra a honra contra a mulher, tanto no nos-
res, prestar assistência à vítima e diminuir o so ordenamento jurídico quanto na doutrina,
índice de agressores contra a mulher no âm- de modo que veremos como são diversos os
bito doméstico, sendo uma, se não a principal tipos de ofensas que são condenadas pelo or-
violência que existe e que traz graves conse- denamento jurídico pátrio, bem como quais
quências para a mulher, a violência moral. são os tipos de honra reconhecidos e como
eles poderiam ser lesionados pelo agressor.
Para tanto, vemos a necessidade de es-
Veremos tambémcomo a jurisprudência e o
tudar a lei pátria, a fim de unificar todos os di-
legislativo têm lidado com essa questão, bem
reitos da mulher com relação à violência moral
como medidas que a mulher pode tomar por
no âmbito doméstico e familiar.
direito tanto para ter a violência como cessada
A fim de atingir o êxito das pretensões e até mesmo a responsabilidade civil do agres-
do presente trabalho, veremos como é eleva- sor em decorrência desse tipo de violência.
do o índice de ocorrências de violência moral

2. DA VIOLÊNCIA MORAL

A Lei Maria da Penha buscou prever to-


dos os tipos de violência doméstica possíveis
em seu artigo 7º, quais sejam violência física,
psicológica, sexual, patrimonial e moral.
A violência moral, muito embora muitas
vezes seja confundida com violência psicoló-
gica até por ter muitas consequências em co-
mum para a mulher como veremos no decorrer
deste trabalho, consiste em qualquer conduta
que configure os crimes contra a honra, quais
sejam calúnia, difamação e injúria, vide inciso
V do mesmo artigo.

2.1 DA VIOLÊNCIA MORAL NA VIDA DA MULHER

Quando pesquisamos a respeito de A verdade, é que a violência moral está,


violência contra a mulher, habitualmente nos se não mais, tão presente quanto as demais
deparamos com informações, seja em traba- violências na vida da mulher.
lhos e pesquisas, focando abarcar a respeito
Veremos a seguir o resultado de um le-
daqueles considerados como crimes de maior
vantamento feito peloG1realizadaem novem-
potencial ofensivo, tais como as violências fí-
bro de 2019 no Distrito Federal, levantamen-
sicas e sexuais, respectivamente feminicídios,
to este disponível em <https://g1.globo.com/
lesões corporais e crimes sexuais, havendo
df/distrito-federal/noticia/2019/11/19/lei-ma-
uma certa escassez quanto a informações so-
ria-da-penha-df-recebeu-129-mil-denuncias-
bre a violência moral.

194
-de-violencia-domestica-nos-ultimos-dez-a- nos.ghtml>1, vejamos:

Como podemos ver, a violência moral co acima é o crime de ameaça, o qual exige o
está extremamente presente na vida da mu- mesmo tipo de conduta executória dos crimes
lher e isso se explica por alguns motivos: contra honra pra se dar como consumado, al-
terando apenas o conteúdo da mensagem di-
1º - São crimes de menor potencial ofen-
rigida do agressor para a vítima. Isto porque,
sivo, consequentemente suas penas são mais
para caracterizar a violência moral, na maioria
baixas;
das vezes, o ato executório compreende ape-
2º - Os atos executórios são simples, exi- nas uma simples mensagem do agressor para
gem menos esforço do agressor do que as de- a vítima, ou seja, uma única palavra do agres-
mais violências. Tanto, que o crime que mais sor pode caracterizar a violência moral.
se aproxima da violência doméstica no gráfi-

2.2 CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA MORAL PARA A VÍTIMA

A violência moral, apesar de exigir um ato denamento jurídico ainda não tem um delito
executório simples de se praticar pelo agres- propriamente dito para tanto, porém, depen-
sor, traz consequência muito graves para a dendo da conduta do agressor, podem estar
mulher, a qual pode se sentir humilhada, des- presentes os crimes contra a honra, qual se-
valorizada e até mesmo desprotegida, pois a jam crimes de calúnia, difamação e injúria, os
agressão viria dentro de seu lar, ou dentro de quais serão estudados no decorrer do traba-
sua família, motivo pelo qual a mulher se viria lho.
acuada por não ter alguém de confiança para
Neste sentido, Almir Garcia Fernandes e
recorrer.
Aline Helen de Resende nos ensinam:
Foi verificada recentemente também a fi- Violência Psicológica é agressão, tão ou mais gra-
gura do assédio moral, figura esta que é capaz ve, que a física. O comportamento típico se dá quando o
até mesmo de mitigar aspectos essenciais da agente ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima, de-
monstrando prazer ao ver o outro sentir-se amedrontado,
personalidade humana. inferiorizado, infeliz e diminuído, denominado a vis com-
pulsiva2.
No tocante ao assédio moral, nosso or-

1 CRUZ, CAROLINA. LEI MARIA DA PENHA: DF RECEBEU 129 MIL DENÚNCIAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NOS ÚLTIMOS DEZ
ANOS. G1 DF, 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2019/11/19/lei-maria-da-penha-df-recebeu-129-mil-denuncias-de-
-violencia-domestica-nos-ultimos-dez-anos.ghtml>. Acesso em: 10 fev. 2020.
2 FERNANDES, Almir Garcia; RESENDE, Aline Helen De. APONTAMENTOS SOBRE O DANO MORAL NAS RELAÇÕES CONJUGAIS SOB
A ÓTICA DA LEI MARIA DA PENHA. RKL Escritório de Advocacia. 2017. Disponível em: <http://www.rkladvocacia.com/apontamentos-sobre-o-dano-
-moral-nas-relacoes-conjugais-sob-otica-da-lei-maria-da-penha/>. Acesso em: 11 fev. 2020.

195
As consequências do assédio moral são malmente desenvolve alguns quadros asso-
diversas, tais como falta de apetite, diminui- ciados à depressão e ansiedade, que podem
ção da libido, crises de choro, palpitações, evoluir para doenças físicas e psicossomáti-
distúrbios digestivos, tremores, tortura e até cas, relata Ralmer Rigoletto. A vítima pode
mesmo sentimentos de inutilidade. também se tornar um agente agressor. “Antes
disso, ela tenta a autoagressão, como o sui-
Nesse contexto, Paula Drummond de
cídio. Se escapa, transpõe um limiar no qual
Castro e Cristiane Bergamini nos ensinam:
consegue culpabilizar ao agressor pela ten-
As implicações de ordem física e men- taria de suicídio e, então, passa a agredi-lo.
tal sofridas são diversas, aponta o estudo Normalmente, a agressão é física, tentando
publicado na Revista Panamericana Salud Pu- até, em casos extremos, o assassinato”, expõe
blica, como depressão, abuso de substâncias Rigoletto3.
psicoativas e em problemas de saúde como
Neste contexto, são vários os motivos
cefaleias, distúrbios gastrintestinais e sofri-
que fazem com que a mulher não denuncie seu
mento psíquico. Além disso, impacta também
agressor, tais como: dependência econômica
na saúde reprodutiva, como no caso de gra-
do agressor, desconhecimento da lei, aumen-
videz indesejada, dor pélvica crônica, doença
to da violência com a denúncia, por selar pela
inflamatória pélvica e doenças sexualmente
preservação do casamento, dentre outras.
transmissíveis. Pode, ainda, relacionar-se à
ocorrência tardia de morbidades como artrite,
problemas cardíacos e hipertensão.
Quem sofre esse tipo de agressão nor-

2.3 DOS TIPOS DE HONRA

Como já vimos, a Lei Maria da Penha, à honra objetiva, que é aquela que se refere
ao trazer o que caracterizaria violência moral à conceituação do indivíduo perante a socie-
contra a mulher, trouxe que tal definição seria dade. É o respeito que o indivíduo goza no
a prática dos crimes de injúria, calúnia e difa- meio social. A calúnia e a difamação ofendem
mação, ou seja, a prática dos chamados Cri- a honra objetiva, pois atingem o valor social
mes Contra a Honra.Desta forma, vemos que do indivíduo. Este, em decorrência da calúnia
é necessário entender quais tipos de honra ou difamação, passa a ter má fama no seio
existem e que são amparados pela lei pátria. da coletividade e, com isso, a sofrer diversos
prejuízos de ordem pessoal e patrimonial. As-
Assim, vemos que a honra é dividida em 6
sim, por exemplo, ao se imputar falsamente
tipos, quais sejam: honra objetiva, honra sub-
a alguém a prática de fato definido como cri-
jetiva, honra dignidade, honra decoro, honra
me, esse indivíduo poderá perder o seu em-
comum e honra profissional.
prego, ser excluído das rodas sociais e sofrer
Com relação à honra dignidade e à honra discriminações. Em tais casos, pese embora a
decoro, a professora Priscilla Moura nos infor- aplicação da sanção penal contra o ofensor,
ma: é possível, inclusive, que o ofendido veja tais
danos reparados na esfera cível por meio da
Honra objetiva: diz respeito à opinião de competente ação de reparação de danos, con-
terceiros no tocante aos atributos físicos, in- forme assegurado constitucionalmente.
telectuais, morais de alguém. Quando falamos
que determinada pessoa tem boa ou má re- Honra subjetiva: refere-se à opinião do
putação no seio social, estamos nos referindo sujeito a respeito de si mesmo, ou seja, seus

3 CASTRO, Paula Drumond de; BERGAMINI, Cristiane. VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA TEM DIFÍCIL DISGNÓSTICO E CAUSA DANOS GRA-
VES. Com Ciência. 2017. Disponível em: <http://www.comciencia.br/violencia-psicologica-causa-danos-graves-ainda-pouco-estudados/>. Acesso

196
atributos físicos, intelectuais e morais; em Honra dignidade: compreende aspectos
suma, diz com o seu amor-próprio. Aqui não morais, como a honestidade, a lealdade e a
importa a opinião de terceiros. O crime de in- conduta moral como um todo.
júria atinge a honra subjetiva. Dessa forma,
Honra decoro: consiste nos demais
para sua consumação, basta que o indivíduo
atributos desvinculados da moral, tais
se sinta ultrajado, sendo prescindível que ter-
como a inteligência, a sagacidade, a de-
ceiros tomem conhecimento da ofensa4.
dicação ao trabalho, a forma física etc5.
A violação da honra objetiva está pre-
sente, por exemplo, quando o marido diz à
Ainda neste sentido, o professor Estefam
sua esposa que a mesma “está tão magra que
nos ensina que a honra decoro, diferente da
parece uma vara de pescar, que está tão feia
honra dignidade que visa a proteção de atri-
que parece uma bruxa”, dentre outras; já um
butos morais de bons costumes e de hones-
exemplo de um episódio em que há a violação
tidade, a honra decoro é definida como o res-
da honra subjetiva da mulher é quando, por
peito dos dotes ou qualidades individuais.
exemplo, a mulher se considera uma boa mãe
por sempre cuidar bem do seu filho, mas o Temos a violação da honra dignidade, por
marido ridiculariza tal colocação, dizendo, porexemplo, quando o cônjuge fala para terceiros
exemplo, que a mesma “não sabe fazer nada, que sua mulher não faz nada direito na casa e
tão pouco ser uma mãe de verdade e que não que todos os lugares onde ela passa fedem;
presta para cuidar de seu filho”, essesdentre já como exemplo da honra decoro, podemos
outros diversos exemplos. assinalar um episódio de alguém espalhar para
terceiros que sua namorada, por ser de deter-
Em ambos os casos, tanto da violação da
minada religião, “irá sofrer muito e não tem
honra objetiva e da violação da honra subjeti-
salvação”, ou até mesmo quando a mulher é
va, não é necessário que a violação chegue a
chamada de “burra” pelo seu marido.
ser conhecida por terceiros. O fato do agente
divulgar a outrem atos desonrosos, verídicos Adiante, temos a honra comum como
ou não da mulher, apenas interferirá na capi- sendo aquela que é comum perante todos de
tulação do delito ou no concurso de crimes, forma indistinta, a exemplo do namorado cha-
mas qualquer desses atos executórios é pre- mar sua namorada de chata, de burra, dentre
visto como crime no nosso ordenamento ju- outras; enquanto que a honra profissional se
rídico, conforme veremos nos capítulos pos- diz a uma determinada categoria profissional
teriores. de cada pessoa, como, por exemplo, a mulher
é aeromoça e o marido a chama de emprega-
Assim sendo, podemos afirmar que a
da de aviões.
honra objetiva faz menção a opinião de ou-
trem a respeito de uma pessoa, enquanto que
a honra subjetiva ou interna é um juízo de va-
lores que a pessoa faz de si mesma de acordo
com suas qualidades e condições.
Muitos doutrinadores, tais como Cezar
Bitencourt e André Estefam, entendem que a
honra subjetiva possui como seus tipos a hon-
ra dignidade e a honra decoro. Neste contex-
to, a professora Moura ensina:

em: 14 fev. 2020.


4 MOURA, Priscilla. UM RESUMO DOS CRIMES CONTRA A HONRA. Jusbrasil., 2019. Disponível em: <https://priscillatgmoura.jusbrasil.
com.br/artigos/658434152/um-resumo-dos-crimes-contra-a-honra?ref=serp>. Acesso em: 10 fev. 2020.
5 MOURA, Priscilla. UM RESUMO DOS CRIMES CONTRA A HONRA. Jusbrasil., 2019. Disponível em: <https://priscillatgmoura.jusbrasil.
com.br/artigos/658434152/um-resumo-dos-crimes-contra-a-honra?ref=serp>. Acesso em: 10 fev. 2020.

197
3. DOS DELITOS

Como já trouxemos no início do trabalho, também previstos.


são três os delitos contra a honra, quais sejam:
Neste capítulo iremos analisar cada um
calúnia, difamação e injúria.
de seus dispositivos, relacionando os mesmos
Destes, o delito que possui uma subdi- com o que vemos no dia a dia das mulheres
visão é a Injúria, a qual possui três tipos: in- no âmbito da Violência Doméstica, sem nos
júria simples, injúria real e injúria qualificada esquecermos do fato de que qualquer desses
pelo emprego de elementos ligados a precon- delitos, quando praticados no âmbito de Vio-
ceitos. Oportuno destacar que o assédio mo- lência Doméstica, ou seja, prevalecendo-se de
ral não possui um delito próprio em nosso or- relações domésticas, familiares ou de qual-
denamento jurídico, mas sua prática, em razão quer relação íntima de afeto contra a mulher,
das condutas exercidas pelo agressor, poderá terão suas penas agravadas conforme alínea
configurar tanto os crimes contra a honra pre- “f”, inciso II do artigo 61 do Código Penal.
vistos no Código Penal como outros crimes

3.1 DA CALÚNIA
alguém não o cometeu, restará presente a ca-
lúnia. Assim sendo, a calúnia protege a honra
Nosso Código Penal prevê o crime de ca-
objetiva, ou seja, o bom nome da mulher, o
lúnia em seu artigo 138, vejamos:
conceito da vítima no meio social.
Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-
Observamos também que a lei se aten-
-lhe falsamente fato definido como crime:
tou tanto para a calúnia que é feita diretamen-
Pena – detenção, de seis meses a dois te para a vítima (caput), ou seja, aquela cuja
anos, e multa. mensagem vai do autor diretamente para a
vítima, quanto para aquela em que a calúnia
§1º - Na mesma pena incorre quem, sa- é cometida pelo autor através de acusações
bendo falsa a imputação, a propala ou divulga. da vítima para terceiros (§1º). Ou seja, não
§2º - É punível a calúnia contra os mor- importa o método ou a quem é direcionada
tos. a calúnia, pois em qualquer das hipóte-
ses e métodos o crime estará configurado.
Exceção da verdade Oportuno salientar que, caso o autor, ao acu-
§3º - Admite-se a prova da verdade, sal- sar falsamente a vítima, não alegue que a ví-
vo: tima cometera um crime, mas sim uma con-
travenção penal, não haverá crime de calúnia,
I – Se, constituindo o fato imputado cri- mas de difamação conforme veremos mais
me de ação privada, o ofendido não foi conde- adiante.
nado por sentença irrecorrível;
Neste sentido, a calúnia estará presente,
II – Se o fato é imputado a qualquer das por exemplo, quando o marido acusa falsa-
pessoas elencadas no nº I do art. 141; mente sua esposa de ter furtado sua carteira,
III – Se do crime imputado, embora de ou de ter maltratado seus filhos.Caso o ma-
ação pública, o ofendido foi absolvido por rido acuse falsamente a esposa de não parar
sentença irrecorrível6. de perturbar sua tranquilidade, faria o mesmo
marido menção à contravenção penal de per-
Em outras palavras, o autor imputar a al- turbação de tranquilidade do artigo 65 da Lei
guém fato definido como crime quando esse das Contravenções Penais, o motivo pelo qual

6 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União.

198
a conduta do marido não se enquadraria no
crime de calúnia, mas sim no crime de difama-
ção que estudaremos a seguir.

3.2 DIFAMAÇÃO

Vejamos que nosso Código Penal prevê Em outras palavras, o tipo penal foi claro
o delito de difamação em seu artigo 139, con- do prever que, para configuração do crime de
forme a seguir: difamação, basta a imputação de fato ofensi-
vo a sua reputação, ou seja, haverá crime tam-
Art. 139 – Difamar alguém, imputando-
bém quando a imputação do fato desonroso
-lhe fato ofensivo à sua reputação:
se der diretamente do autor para a vítima.
Pena – detenção, de três meses a um
Neste sentido, podemos citar como
ano, e multa.
exemplo do crime quando o cônjuge fala para
Exceção da verdade sua mulher que a mesma o traiu, assim como
também haverá crime de difamação quando
Parágrafo único – E exceção da verdade o mesmo marido disser para terceiro que sua
somente se admite se o ofendido é funcioná- mulher lhe traiu. Observa-se que, em ambos
rio público e a ofensa é relativa ao exercício os exemplos, houve a descrição de um fato,
de suas funções7. portanto, caso ao invés de descrever o ato,
o cônjuge a chamasse de “traidora”, não es-
taria presente o crime de difamação devido à
A difamação é crime que busca prote- ausência da descrição do fato, mas não quer
ger, assim como a calúnia, a honra objetiva, dizer que não haverá crime, pois, na verdade,
em razão de proteger a reputação e o bom estará configurado o crime de injúria do artigo
nome da mulher. 140 do Código Penal em razão da ofensa diri-
Em outras palavras, qualquer ocasião gida à mulher, conforme veremos no próximo
em que um indivíduo narra ato desonroso de tópico.
outrem, seja o ato verdadeiro ou não, será
passível de condenação pelo crime de difama-
ção. 3.3 Da Injúria
Muitos confundem este tipo penal,
acreditando que o crime de difamação estará Por fim, chegamos ao último delito dos
presente apenas quando o ato desonroso for crimes contra a honra, qual seja o delito de in-
divulgado a terceiros. Nesse sentido, o profes- júria.Para tanto, vejamos sua previsão no arti-
sor André Estefam nos ensina: go 140 do Código Penal:
Muito embora não exista expressa dispo- Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-
sição no Código Penal a respeito, como há na -lhe a dignidade ou o decoro:
calúnia, quem propala ou divulga a difamação
é tão difamador quanto o que imputou fato Pena – detenção, de um a seis meses, ou
ofensivo à reputação da vítima. Em outras pa- multa.
lavras: propalar ou divulgar a difamação signi-
§1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
fica incorrer no tipo do art. 139 do CP8.
I – quando o ofendido, de forma reprová-
vel, provocou diretamente a injúria;

7 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União.
8 ESTEFAM, André. DIREITO PENAL PARTE ESPECIAL (ARTS. 121 A 234-B), 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 309.

199
II 0 no caso de retorsão imediata, que Há ainda a injúria oblíqua, quando atin-
consista em outra injúria. ge pessoa diversa do ofendido, mas que lhe
é muito querida (ex: “seu filho é um vagabun-
§2º - Se a injúria consiste em violência
do”).
ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo
meio empregado, se considerem aviltantes: A injúria explícitaé a que não dá margem
à dúvida quanto à ofensa e a equivoca, a que
Pena – Detenção, de três meses a um
contém duplo sentido, não sendo claro o ani-
ano, e multa, além da pena correspondente à
mus injuriandi (ex: chamar uma mulher de “ca-
violência.
ra”)11.
§3º - Se a injúria consiste na utilização
Assim, sendo, temos no âmbito da violên-
de elementos referentes a raça, cor, etnia, re-
cia doméstica, temos a injúria imediata quan-
ligião, origem ou a condição de pessoa idosa
do um rapaz pessoalmente chama sua irmã de
ou portadora de deficiência:
“imprestável, irritante, chantagista”, enquanto
Pena – reclusão, de um a três anos e mul- que, na mediata, as mesmas ofensas são le-
ta9. vadas ao conhecimento da vítima através de
outros métodos, tais como um mensageiro.
Já vimos que os crimes de calúnia e di-
famação visam proteger a honra objetiva, já Adiante, no tocante a injúria direta, esta
a injúria, alem de proteger a honra objetiva, estará presente quando a única pessoa ofendi-
também visa proteger a honra subjetiva, como da por aquela para a qual for dirigida a ofensa;
nos ensina o professor André Estefam, veja- se a ofensa atingir terceiros, qualquer ofensa
mos: que seja, restará evidenciada a injúria indireta,
como, por exemplo, um homem falar que sua
Consubstancia-se na honra subjetiva, ou irmã, casada, é “chifruda”.
seja, o autoconceito, a opinião que a pessoa
tem de si, de seus atributos físicos, morais ou No âmbito da violência doméstica, te-
intelectuais. Pode ser que, com a ofensa, exis- mos a injúria obliqua, por exemplo, quando
ta também violação à honra objetiva do sujei- um homem diz para sua prima que ela é “filha
to passivo, mas este efeito não é indispensável de uma galinha”.
à existência do crime e, se presente, implicará
Qualquer injúria pode também pode ser
em reflexos na dosimetria da pena10.
efetuada em diversas formas, envolvendo
Doutrinariamente, além dos tipos penais qualquer ato que ofenda o decoro ou a digni-
que veremos a seguir, temos as chamadas es- dade da vítima, não necessitando, necessaria-
pécies de injúria, como o professor Estefam mente, de ser por palavras, pois gestos deson-
nos ensina a seguir: rosos também a caracterizarão.
Há a injúria imediataquando pra- Oportuno frisar, que poderá estar pre-
ticada pelo próprio agente (o autor xinga al- sente mais de uma espécie de injúria em uma
guém); mediata quando se utiliza de outra coi- única ofensa, por exemplo: o primo ofende
sa para cometê-la, como uma criança ou um sua prima, dizendo que ela é “corna”. Vemos
papagaio. aqui que estão presentes a injúria explícita, a
injúria direta, a injúria imediata e a injúria oblí-
A injúria direta atinge a vítima unicamen- qua, mas, para efeitos de condenação penal, é
te e a indireta ou reflexa, além da pessoa a irrelevante a quantidade de espécies de injú-
quem se dirige a ofensa, atinge terceiro (ex: ria presentes na ofensa, sendo determinante
chamar alguém de “corno” é ofendê-lo e à sua apenas o tipo penal que ela caracteriza.
esposa).

9 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União.
10 ESTEFAM, André. DIREITO PENAL PARTE ESPECIAL (ARTS. 121 A 234-B), 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 311.
11 ESTEFAM, André. DIREITO PENAL PARTE ESPECIAL (ARTS. 121 A 234-B), 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 312.

200
Pra tanto, no nosso ordenamento jurídi- homem cospe na sua namorada, ou mesmo
co penal, o crime de injúria, como já adianta- pega um copo e arremessa o líquido de uma
mos, é dividido em três tipos: bebida em sua cara. Vejamos que, nessas
oportunidades, o homem não teve a intenção
Injúria simples (caput do artigo 140 co
de agredir ou lesionar a mulher, mas sim de
Código Penal);
afetar a sua honra, desmoralizar a mesma e,
Injúria real (§2º do artigo 140 do Código por essa razão, mesmo os atos executórios
Penal); sendo físicos, restará configurado o crime de
injúria real, um dos tipos de injúria qualificada
Injúria qualificada pelo emprego de ele- cuja pena, como vimos em seu tipo penal, é
mentos ligados a preconceitos (§3º do artigo superior à da injúria simples.
140 do Código Penal).
Por fim, como o último dos tipos penais
A primeira, conhecida como injúria sim- do crime de injúria, temos a injúriaqualificada
ples, é aquela tida como mais natural, sem pelo emprego de elementos ligados a precon-
vinculação por com qualquer tipo de precon- ceitos. Por este tipo de injúria, haverá o crime
ceito e sem envolver vias de fato do ofensor à se a ofensa à dignidade ou ao decoro se der
vítima. Assim sendo, temos a injúria simples, através de elementos que se refiram à raça,
por exemplo, quando o marido fala para sua cor, etnia, religião, origem ou a condição de
esposa que a mesma é uma “burra, imprestá- pessoa idosa ou portadora de deficiência.Ou
vel, traidora” (como vimos no tópico anterior), seja, atos de preconceito que visem atingir a
dentre diversas outras ofensas. honra da vítima.Neste sentido, podemos citar
Já a segunda, tida como injúria real, es- como exemplo no âmbito da violência domés-
tará presente quando houver algum tipo de tica o fato do primo dizer que sua prima, de
violência cuja finalidade da mesma não seja etnia negra, “parece uma macaca” ou mes-
necessariamente a agressão física, mas sim a mo quando um pai chama sua filha de “alei-
humilhação da mulher, a ofensa à honra da jada”pelo fatodela ser paraplégica, ou o neto
mulher. que chama sua avó de “velha acabada” dentre
diversos outros exemplos.
Um clássico exemplo da injúria real no
âmbito da violência doméstica é quando um

4 DOS CRIMES CONTRA A HONRA COMO AÇÃO PENAL PÚBLICA

De regra, os delitos são ações penais pú- exceções estas que, se a vítima enquadrasse
blicas, condicionadas ou incondicionadas de- em suas condições, tornariam o crime de ação
pendendo de sua previsão legal. penal privada em ação penal pública. Para tan-
to, vejamos a antiga previsão do artigo 225 do
Mas os crimes contra a honra são exce-
Código Penal:
ção à regra, sendo os únicos tipos penais no
nosso ordenamento jurídico a serem classifi- Art. 225 – Nos crimes definidos nos capí-
cados como ações penais privadas. tulos anteriores, somente se procede median-
te queixa.
Diferente da ação penal pública condicio-
nada, a ação penal privada não dá poderes ao §1º - Procede-se, entretanto, mediante
Ministério Público para oferecer a ação, sendo ação pública:
a vítima a única parte legítima para tanto. Bas-
I – se a vítima ou seus pais não podem
ta lavrar o Boletim de Ocorrência, e oferecer a
prover às despesas do processo, sem privar-se
queixa crime, que a ação penal é movida.
de recursos indispensáveis à manutenção pró-
Ocorre que até pouco tempo a lei trazia pria ou da família;
algumas exceções nos crimes contra a honra,

201
II – se o crime é cometido com abuso do VADA. ILEGITIMIDADE ATIVA ‘AD CAUSAM’
pátrio poder, ou na qualidade de padrasto, tu- DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL.
tor ou curador12. TRANSCURSO DO PRAZO PARA OFERECI-
MENTO DE QUEIXA-CRIME. DECADÊNCIA.
A partir do momento que a vítima pos-
PARECER ACOLHIDO. 1. O Ministério Público
suísse as características previstas nos incisos
estadual, mesmo em se tratando de suposto
I e II do §1º do artigo 225 antigo do Código
delito de injúria simples praticado no âmbito
Penal, a ação poderia ser movida pelo repre-
doméstico contra a mulher, é parte ilegítima
sentante do Ministério Público através de sua
para propor ação penal pública condicionada
requisição, não sendo a vítima parte legítima
à representação, porquanto, no caso, é de ex-
exclusiva para oferecer a ação.
clusiva iniciativa privada, nos termos do art.
Porém tais exceções foram abolidas com 145, ‘caput’, do Código Penal. 2. A ausência do
a nova redação do mesmo artigo 225, veja- oferecimento de queixa-crime no prazo de 6
mos: meses, contado a partir do conhecimento da
autoria do fato, impõe o reconhecimento da
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capí- decadência do direito de tal exercício, como
tulos I e II destes Título, procede-se mediante na espécie. 3. Recurso provido para rejeitar a
ação penal pública condicionada à represen- denúncia quanto ao crime de injúria. Ordem
tação; expedida de ofício, para, declarando a deca-
Parágrafo único. Procede-se, entretanto, dência do direito de apresentar queixa, extin-
mediante ação penal pública incondicionada guir a punibilidade do agente quanto ao delito
se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou em questão.” (RHC 32.593/AL, Rel. Min. SE-
pessoa vulnerável13. BASTIÃO REIS JÚNIOR – grifei) 3. Assinalo,
finalmente, para efeito de mero registro, que
Ou seja, a nova redação do dispositivo a vítima, ela própria, esclareceu “que não tem
deixou claro que os crimes contra a honra não mais interesse” (fls. 11) na concessão das me-
se aplicam à sua previsão, vez que os crimes didas protetivas de urgência a que alude a Lei
contra a honra estão no Título I, Capítulo V da nº 11.340/2006, razão pela qual, quanto a tais
Parte Especial do Código Penal, enquanto que providências, nada há a prover no caso. Sen-
o artigo 225 se encontra no Título IV do mes- do assim, tendo em vista que a vítima, segun-
mo Código e Parte Especial. do ela mesma declarou (fls. 11), compareceu
Não obstante, nosso Supremo Tribunal ao Instituto Médico Legal (IML) para exame
Federal foi provocado no tocante a presente pericial de corpo de delito (Memorando nº
questão, proferindo sua decisão e consequen- 3702/2017 – 1ª Delegacia Policial), ouça-se
te entendimento, vejamos: o eminente Procurador-Geral da República no
que se refere, unicamente, à suposta prática,
Cumpre destacar, de outro lado, por re- pelo ora requerido, do crime de lesões corpo-
levante, que, em relação ao suposto crime de rais. (PETIÇÃO 7115 DISTRITO FEDERAL –
injúria, que constitui uma das modalidades de grifo nosso)14.
delito contra a honra (CP, art. 140), a respec-
tiva ação penal instaura-se mediante queixa Desta forma, prevalece a previsão do ar-
(CP, art. 145, “caput”), ainda que alegadamen- tigo 145 do Código Penal, vejamos:
te cometido, no âmbito doméstico, contra a Art. 145 - Nos crimes previstos neste Ca-
própria mulher ou companheira: “RECURSO pítulo somente se procede mediante queixa,
EM ‘HABEAS CORPUS’. INJÚRIA SIMPLES. salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da vio-
LEI MARIA DA PENHA. AÇÃO PENAL PRI- lência resulta lesão corporal15.

12 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União.
13 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União.

14 STF. PETIÇÃO 7.115 DISTRITO FEDERAL. Relator: Ministro Celso de Mello. DJ: 27 jun. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/
dl/celso-manda-abrir-inquerito-admar.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2020.
15 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União.

202
Se da violência moral resultar lesão cor- agente pelo crime de lesão corporal e injúria
poral, o agente responderá tanto pelo crime real, sendo a injúria real precedida também de
de lesão corporal quanto pelo crime de injúria representação criminal por, nessa hipótese, se
real. É o caso, por exemplo, do marido que dá enquadrar como ação penal pública condicio-
um tapa no rosto de sua mulher, com a von- nada à representação.
tade de denegrir sua honra, mas o tapa cau-
sa lesão na vítima. Neste caso, responderá o

5. DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Oportuno frisar que a violação da moral III – proibição de determinadas condu-


também é causa para que a mulher adquira tas, entre as quais:
as chamadas medidas protetivas de urgência,
aproximação da ofendida, de seus fami-
vez que o artigo 22 da Lei Maria da Penha tor-
liares e das testemunhas, fixando o limite mí-
nou as medidas protetivas possíveis mediante
nimo de distância entre estes e o agressor;
a presença de qualquer tipo de violência.
contato com a ofendida, seus familiares
Vemos que parte das medidas adota-
e testemunhas por qualquer meio de comuni-
das pelas medidas protetivas de urgência são
cação;
contribuidoras para que as agressões morais
se cessem, medidas estas que estão previs- frequentação de determinados lugares a
tas nos incisos II e III do artigo 22 da Lei, pois fim de preservar a integridade física e psicoló-
impedem que o agressor mantenha qualquer gica da ofendida16.
tipo de contato, físico ou a longa distância,
com a vítima, vejamos: Não obstante, a jurisprudência brasileira
firmou entendimento de que, em razão dos
Art. 22. Constatada a prática de violên- crimes de violência doméstica ser cometidos,
cia doméstica e familiar contra a mulher, nos rotineiramente, às escondidas, a palavra da ví-
termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de ime- tima assume total relevância para a concessão
diato, ao agressor, em conjunto ou separada- de medidas protetivas de urgência.
mente, as seguintes medidas protetivas de ur-
gência, entre outras: O descumprimento das medidas prote-
tivas de urgência caracteriza crime do artigo
(...) 24-A da Lei Maria da Penha, com pena de de-
tenção de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.
II – afastamento do lar, domicílio ou local
de convivência com a ofendida;

6. DO ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO PENAL

De regra, no nosso ordenamento jurídico PROCESSUAL PENAL. AGRAVO RE-


penal, sabemos que o ônus da prova pertence GIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ES-
a quem alega, ou seja, se alguém alega que o PECIAL. 
mesmo lhe ameaçou, deve juntar ao judiciário
VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS CONS-
prova inequívoca da ameaça do autor.
TITUCIONAIS. VIA INADEQUADA. DI-
Ocorre que nosso Superior Tribunal de VERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO
Justiça firmou entendimento de que o caso DEMONSTRADA. CRIME DE AMEAÇA.
de violência doméstica é exceção à regra, ve- VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ESPECIAL RE-
jamos: LEVÂNCIA À PALAVRA DA VÍTIMA COMO
16 _____. LEI MARIA DA PENHA. Lei N.°11.340, de 7 de Agosto de 2006.

203
FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO. Neste sentido, Geisa Oliveira Daré nos
INCIDÊNCIA DO ÓBICE DA SÚMULA N. 7 ensina:
DESTA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL
IMPROVIDO. […] 3. A palavra da vítima tem A produção da prova no caso da violên-
especial relevância para fundamentar a con- cia psicológica que gera agravos à saúde da
denação pelo crime de ameaça, mormente mulher  ocorrerá por meio de perícia médica
porque se trata de violência doméstica ou psiquiátrica, a ser requisitada pelo Ministério
familiar. (...) 5. Agravo regimental improvido. Público ou a requerimento dos agentes públi-
(Agravo Regimental no Agravo em Recurso cos da rede de proteção à mulher. As lesões
Especial nº 423707 – RJ 2013/3677705)17. representarão transtornos psiquiátricos tais
como: depressão, estresse pós-traumático,
Em outras palavras, há, na hipótese de síndrome do pânico, transtorno obsessivo-
ação de violência contra a mulher no âmbito compulsivo, anorexia, entre outros18.
da violência doméstica, a inversão do ônus da
prova pela palavra da vítima ter especial rele-
vância na ação penal, mas, para condenação,
é preciso haver nexo entre a palavra da vítima
e outros indícios carreados nos autos.

7. DA INAPLICABILIDADE DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

De regra, por suas penas serem baixas, 106212)19.


consequentemente serem crimes de menor
No mesmo sentido do nosso Supremo
potencial ofensivo, as ações penais envolven-
Tribunal Federal, o professor Renato Brasileiro
do delitos contra a honra são oferecidas no
de Lima vem a nos ensinar:
Juizado Especial Criminal.
Apesar do dispositivo referir-se apenas
Ocorre, que o artigo 41 da Lei Maria da
aos crimes, a vedação diz respeito a toda e
Penha previu a inaplicabilidade do Juizado
qualquer infração penal praticada com violên-
Especial Criminal nos delitos praticados com
cia doméstica e familiar contra a mulher, in-
violência doméstica e familiar contra a mulher
clusive contravenções penais20.
independentemente da pena prevista.
Com efeito, a decisão também tornou
O Supremo Tribunal Federal foi provoca-
impossível a aplicação de institutos despena-
do, e entendeu que o referido artigo não só
lizadores trazidos pela Lei nº 9.099/95, como
é constitucional como também é aplicado nas
a suspensão condicional do processo.
chamadas contravenções penais, vejamos:
Entendeu-se, na oportunidade, que os
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – ARTIGO 41
crimes de violência contra a mulher são gra-
DA LEI Nº 11.340/06 – ALCANCE. O preceito
ves, sendo incompatíveis com o Juizado Espe-
do artigo 41 da Lei nº 11.340/06 alcança toda
cial, vez que este é competente apenas para
e qualquer prática delituosa contra a mulher,
apreciar delitos leves, de menor potencial
até mesmo quando consubstancia contraven-
ofensivo.
ção penal, como é a relativa a vias de fato. (HC

17 STJ. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL: AGRG NO ARESP 423707 RJ 2013/0367770-5 –
REL. E VOTO. 2015. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/153371784/agravo-regimental-no-agravo-em-recurso-especial-agrg-
-no-aresp-423707-rj-2013-0367770-5/relatorio-e-voto-153371787?ref=juris-tabs>. Acesso em: 11 fev. 2020.
18 DARÉ, Geisa Oliveira. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: ANALISE CRÍTICA. 2019. Disponível
em: <http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/62830>. Acesso em 08 fev. 2020.
19 STF. HABEAS CORPUS 106.212 MATO GROSSO DO SUL. Data do Julgamento: 24 mar. 2011. Relator: Ministro Marco Aurélio. Disponível
em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1231117>. Disponível em: 14 fev. 2020.
20 LIMA, Renato Brasileiro de. LEGISLAÇÃO CRIMINAL ESPECIAL COMENTADA, 2. ed: EDITORA JusPODIM. 2014, p. 943.

204
8. DA REPARAÇÃO CÍVIL

Realizada a análise dos crimes contra a bunal de Justiça havia declarado em quais hi-
honra no âmbito da violência doméstica na póteses o dano moral seria presumido, quais
esfera criminal, passamos a analisar suas con- sejam: cadastros de inadimplentes, responsa-
sequências na esfera cível, mais precisamente bilidade bancária, atraso de voo, diploma sem
na ação de reparação de danos. reconhecimento, equívoco administrativo e
credibilidade presumida. Observamos que os
É bastante comum se falar em indeniza-
crimes contra a honra não estão neste rol,
ção de danos morais quando há um episódio
sendo os casos de violência doméstica a ex-
em que envolva os crimes de calúnia, injúria
ceção.
e difamação. O que muitos não sabem é que
o dano moral, mesmo na presença desses cri- Porém, muito se engana quem tem o
mes, de regra não é presumido, devendo ser pensamento de que o dano moral é o único
demonstrado o efetivo prejuízo à honra da ví- possível nos casos de crimes contra a honra.
tima, prejuízo este que pode ser comprovado
Como foi dito no começo do trabalho, os
por testemunhas, laudos psicológicos e psi-
crimes contra a honra tem fortes consequên-
quiátricos ou até mesmo na troca de conver-
cias para a vítima, a qual, devido às ofensas,
sas em que se prove que o que a vítima supor-
pode, por exemplo, não ter condições morais
tara em razão dos fatos não seja tão somente
ou psicológicas para ir trabalhar. É o caso, por
um “mero aborrecimento”.
exemplo, da mulher que é ridicularizada pelo
Porém, no direito vemos que toda a regra seu marido através de ofensas e difamações
tem uma exceção, e, no tocante aos crimes de forma tamanha, que, por estar muito aba-
contra a honra, estamos diante desta exce- lada, com crises de choro e sentindo-se inse-
ção, vez que a matéria foi discutida em nossos gura, não conseguiu ir trabalhar, por exemplo,
tribunais, afinal seriam presumidos os danos no desfile que participaria como modelo na-
morais em razão de violência doméstica? Em quele dia, ou caso em que a mulher desenvol-
resposta, o Superior Tribunal de Justiça, ao ve doenças psiquiátricas e passa a ter gastros
julgar recurso repetitivo, se pronunciou po- para realizar o tratamento médico adequado.
sitivamente, isto é, a ocorrência de violência Vejamos que, nesses casos, não só houve um
doméstica presume os danos morais, os quais enorme abalo como também a vítima teve um
deverão ser expressamente requeridos pela prejuízo financeiro em razão de ter de faltar
vítima sob pena de não serem devidos pelo a um compromisso de trabalho e ter sofrido
agressor. problemas psiquiátricos a ponto de ter de gas-
tar dinheiro com seu tratamento, razões pelas
Neste sentido, se manifestou o Ministro
quais cabe a indenização por dano material,
Rogério Schietti Cruz:
ou seja, indenização sob o prejuízo financeiro
A simples relevância de haver pedido ex- suportado pela vítima em razão da violação de
presso na denúncia, a fim de garantir o exer- sua honra.
cício do contraditório e da ampla defesa, ao
Neste sentido, nos ensina André Barreto
meu ver, é bastante para que o juiz senten-
Lima:
ciante, a partir dos elementos de prova que o
levaram à condenação, fixe o valor mínimo a Dada importância do direito a honra,
título de reparação dos danos morais causa- como um direito inerente à personalidade do
dos pela infração perpetrada21. indivíduo, bem como um direito fundamental
na esfera constitucional, ver-se que a mesma
Oportuno destacar que, antes do refe-
quando ferida pode causar danos imensuráveis
rido pronunciamento, o mesmo Superior Tri-
nas esferas psíquica e moral da pessoa humana,

21 STJ. CONDENAÇÃO POR VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER PODE INCLUIR DANO MORAL MÍNIMO MESMO SEM PROVA
ESPECÍFICA. Jusbrasil. 2018. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/noticias/551503474/condenacao-por-violencia-domestica-contra-a-mulher-

205
de forma que, além disso, referido dano pode a integridade física, a honra e os demais sagra-
impactar até mesmo na órbita patrimonial das dos afetos; classificando-se, desse modo, em
pessoas.Nesse sentido, Cahali, 36 diferencia o dano que afeta a parte social do patrimônio
que é um dano patrimonial do dano moral, este moral (honra, reputação, etc.) e dano que mo-
último que para o referido autor é dado pela: lesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor,
Privação ou diminuição daqueles bens que tristeza, saudade etc.); dano moral que provo-
têm um valor precípuo na vida do homem e ca direta ou indiretamente dano patrimonial
que são a paz, a tranquilidade de espírito, a (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro
liberdade individual, a integridade individual, (dor, tristeza, etc.)22.

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho nos trouxe a pos- deria ter sido alterado, com sua antiga previ-
sibilidade de estudarmos tudo o que diz res- são abolida.
peitoaos crimes contra a honra no âmbito da
Adiante, apesar dos grandes avanços da
violência doméstica.
Lei Maria da Penha, eis que nos deparamos
Vimos que pesquisas comprovaram que com um retrocesso ao analisarmos um dispo-
a violência moral é a violência mais presente sitivo que, apesar de novo, nos parece não ter
no âmbito doméstico contra as mulheres, até acompanhado o entendimento do legislador
porque envolve meios executórios muito fá- e dos tribunais com relação aos crimes con-
ceis de serem praticados, porém que trazem tra a mulher no âmbito da violência domésti-
consequências tão ou até mais gravosas que a ca: o artigo 24-A da Lei Maria da Penha. Isto
violência física para a mulher. porque, entendemos que ridiculamente o dis-
positivo prevê pena de detenção ao agressor
Vemos que, apesar dos crimes contra a
que descumprir as medidas protetivas de ur-
honra ter a sua redação completamente ob-
gência. Ora, quer dizer, que a mulher pode ter
jetiva, nossa doutrina pátria trouxe todos os
sido vítima de qualquer tipo de violência, seja
tipos de honra e injúrias possíveis a fim de que
ela física, sexual, moral e psicológica, terem
qualquer violação contra a honra se caracteri-
sido deferidas as medidas protetivas de ur-
zar crime.
gência, mas o descumprimento destas, após a
Diante da gravidade do âmbito domés- mulher possivelmente ter sofrido com violên-
tico, entendemos nesta oportunidade que foi cias sejam elas quais forem, caracterizar um
um tanto que equivocada a substituição do crime com pena máxima de detenção? Nossos
artigo 225 do Código Penal pela atual reda- tribunais têm entendido que violência no âm-
ção, vez que, apesar dos avanços que tivemos bito doméstico contra a mulher é grave, tan-
com a Lei Maria da Penha, sabemos que mui- to que é incompatível com o Juizado Especial
tas ainda não denunciam seus agressores e, Criminal, logo a punição do descumprimento
dentre as causas, estão o desconhecimento de medidas protetivas de urgência também é
da lei e pelo fato de muitas vítimas depende- completamente incompatível com a punição
rem do agressor, seja devido ao pátrio poder de tão somente detenção, devendo o disposi-
ou mesmo financeiramente, quer dizer, essas tivo ter, portanto, previsto punição em reclu-
mulheres se encontram em um grau de vul- são.
nerabilidade maior, por essa razão, não só os
Portanto, dadas essas observações, con-
fatos são mais graves como viram de interes-
cluímos que a lei se encontra avançada com
se público que o agressor seja punido e, assim
relação aos crimes contra honra no âmbito da
sendo, entendemos que o dispositivo não po-
-pode-incluir-dano-moral-minimo-mesmo-sem-prova-especifica>. Acesso em: 11 fev. 2020.
22 LIMA, André Barreto. O DIREITO À HONRA DO INDIVÍDUO NAS PERSPECTIVAS DOS DANOS MORAL E MATERIAL. 2017. Disponí-
vel em: <https://andrebarretolima.jusbrasil.com.br/artigos/417408178/o-direito-a-honra-do-individuo-nas-perspectivas-dos-danos-moral-e-material>.
Acesso em: 11 fev. 2020.

206
violência doméstica, mas dadas as observa-
ções trazidas acima, não cremos que os legis-
ladores estão atribuindo à violência contra a
mulher no âmbito doméstico a mesma gravi-
dade que nossos tribunais e jurisprudências.

207
REFERÊNCIAS
BARRETO, André. O DIREITO À HONRA DO INDIVÍDUO NAS PERSPECTIVAS DOS DANOS
MORAL E MATERIAL. Jusbrasil. 2017. Disponível em: <https://andrebarretolima.jusbrasil.com.
br/artigos/417408178/o-direito-a-honra-do-individuo-nas-perspectivas-dos-danos-moral-
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BRASIL. Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006.Lei Maria da Penha.

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_____. LEI MARIA DA PENHA. Lei N.°11.340, de 7 de Agosto de 2006.

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ESTEFAM, André. DIREITO PENAL PARTE ESPECIAL (ARTS. 121 A 234-B), 4. ed. São Paulo:
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FERNANDES, Almir Garcia; RESENDE, Aline Helen De. APONTAMENTOS SOBRE O DANO
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tório de Advocacia. 2017. Disponível em: <http://www.rkladvocacia.com/apontamentos-so-
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LIMA, André Barreto. O DIREITO À HONRA DO INDIVÍDUO NAS PERSPECTIVAS DOS DA-
NOS MORAL E MATERIAL. 2017. Disponível em: <https://andrebarretolima.jusbrasil.com.br/
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LIMA, Renato Brasileiro de. LEGISLAÇÃO CRIMINAL ESPECIAL COMENTADA, 2. ed: EDITO-

208
RA JusPODIM. 2014.

MIGALHAS. STJ DEFINE EM QUAIS SITUAÇÕES O DANO MORAL PODE SER PRESUMIDO.
2012. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/158699/stj-define-em-quais-
-situacoes-o-dano-moral-pode-ser-presumido>. Acesso em: 11 fev. 2020.

MOURA, Priscilla. UM RESUMO DOS CRIMES CONTRA A HONRA. Jusbrasil.,


2019. Disponível em: <https://priscillatgmoura.jusbrasil.com.br/artigos/658434152/
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STELATO, Ellisson. CRIMES CONTRA A HONRA. OABSP. Disponível em: <http://www.oabsp.


org.br/subs/santoanastacio/institucional/artigos-publicados-no-jornal-noticias-paulistas/cri-
mes-contra-a-honra>. Acesso em: 10 de fev. 2020.

STF. HABEAS CORPUS 106.212 MATO GROSSO DO SUL. Data do Julgamento: 24 mar. 2011.
Relator: Ministro Marco Aurélio. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pagina-
dor.jsp?docTP=TP&docID=1231117>. Acesso em 14 fev. 2020.

STF. PETIÇÃO 7.115 DISTRITO FEDERAL. Relator: Ministro Celso de Mello. DJ: 27 jun. 2017.
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/celso-manda-abrir-inquerito-admar.pdf>.
Acesso em: 10 fev. 2020.

STJ. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL: AGRG


NO ARESP 423707 RJ 2013/0367770-5 – REL. E VOTO. 2015. Disponível em: <https://stj.
jusbrasil.com.br/jurisprudencia/153371784/agravo-regimental-no-agravo-em-recurso-espe-
cial-agrg-no-aresp-423707-rj-2013-0367770-5/relatorio-e-voto-153371787?ref=juris-ta-
bs>. Acesso em: 14 fev. 2020.

STJ. Condenação por violência doméstica contra a mulher pode incluir dano moral mínimo
mesmo sem prova específica. Jusbrasil. 2018. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/no-
ticias/551503474/condenacao-por-violencia-domestica-contra-a-mulher-pode-incluir-dano-
-moral-minimo-mesmo-sem-prova-especifica>. Acesso em: 11 fev. 2020.

209
ASSÉDIO MORAL E SEXUAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

Yves Patrick Pescatori Galendi


Advogado, Pós Graduado em Direito Civil e Processual Ci-
vil pela Universidade Anhanguera, Pós Graduado em Direito Pre-
videnciário pela Universidade Anhanguera, Pós Graduado em
Direito Penal e Processual Penal pela Escola Paulista de Direito
– Faculdade Estácio e Pós Graduado em Direito do Trabalho e
Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito – Facul-
dade Estácio. Pós Graduado em Direito do Direito Corporativo e
Compliance pela Escola Paulista de Direito – Faculdade Estácio.
Pós Graduado em Direito Imobiliário Aplicado pela Escola Pau-
lista de Direito – Faculdade Estácio. Pós Graduando em Direito
Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Direito.
Pós Graduando em Direito e Processo Tributário.

SUMÁRIO

1. Introdução
2. Problema De Pesquisa
3. Conteúdo Da Pesquisa
4. Conclusão
Referências
Anexos

210
RESUMO
O presente trabalho científico busca proporcionar o encorajamento feminino, na medida
em que contribuí para elucidação dos direitos das mulheres, especialmente no ambiente de
trabalho. Ao longo do estudo são abordados casos práticos de assédio moral e sexual, bem
como utilizada a legislação protetiva combatendo a supremacia machista busca a diminuição
de uma série de abusos presentes no dia a dia feminino. Diversas organizações e instituição
que realizam estudos voltados ao bem estar das mulheres, comprovam a necessidade e a
pertinência do presente tema, que é de interesse público, e diário dos operadores do direito.
Ressalta-se ainda todas as peculiaridades e particularidades do assédio moral e sexual no
ambiente de trabalho, abordando questões de incidência, a regionalidade, a intenção do le-
gislador e ilustrando o tema com dados científicos e estatísticos. Por fim a análise do tema de
forma pertinente, objetiva e concreta, se mostra justa e necessária a formação de opiniões e
diferentes correntes e linhas de pensamento, sempre, em busca da proteção da mulher.

PALAVRAS CHAVE
Assédio moral; Assédio Sexual; Direito das Mulheres; Ambiente de Trabalho.

ABSTRACT
This scientific work seeks to provide female encouragement, as it contributes to elucida-
ting women’s rights, especially in the work environment. Through outth estudy, practical cases
of moral and sexual harassment are addressed, as well as the use of protective legislation to
combat male supremacy seek storeduce a series of abuses present in women’sdailylives. Seve-
ral organizations an dinstitutions that carry out studies focus edonthe well-being of women,
prove the necessity and therelevance of the present theme, whichis of public interest, and the
diary of the operators of the law. It also high light sall the peculiarities and particularities of
moral and sexual harassment in the work place, add ressingissues of incidence, regionality, the
intention of the legislat orand illustrating thet heme with scientificandstatistical data. Finally,
theanalysis of thetopic in a pertinent, objectiveand concrete way, isshowntobejustandneces-
sarytheformation of opinionsanddifferentcurrentsandlines of thought, always in search of the-
protection of women.

KEYWORDS

Bullying; Sexualharassment; Women’sRights; Workplace.

211
1. INTRODUÇÃO

Trata-se de pesquisa jurídica elaborada questões pertinentes e relevantes.


especialmente para o 1º Congresso Regional
O objetivo do trabalho é esclarecer aos
de Direito das Mulheres, buscando o aprimo-
operadores do direito as informações e co-
ramento dos operadores do direito, possibi-
nhecimento necessário, assegurando assim
litando uma representação adequada as víti-
uma prestação jurisdicional mais célere e efi-
mas, bem como, a conscientização de toda a
caz as cidadãs vítimas de assédio moral e/ou
sociedade acerca deste tema de grande rele-
sexual, evitando consequentemente, a apli-
vância, o assédio sexual e moral no ambiente
cação incorreta e prejudicial da legislação, e
de trabalho.
especialmente, um aspecto conscientizados
Embora tratados como fenômenos re- acerca deste tema presente no dia-a-dia de
centes, o assédio moral e sexual no ambiente nossa sociedade.
de trabalho, estão presentes há muito tempo
Quando em questão assunto de interes-
no dia-a-dia das vítimas, em sua grande maio-
se público e de uma classe historicamente frá-
ria, as mulheres.
gil e desprotegida, medidas como a presente
O presente estudo aborda dados científi- se mostram pertinentes e necessárias para
cos da ocorrência dos casos de assédio moral evolução e debate do tema, propicionando e
e sexual, as questões sobre o empoderamento fomentando, não só os operadores do direito,
feminino, os seus princípios, a base legal tan- mas como, o desenvolvimento de toda a so-
to na Constituição Federal, na CLT e também ciedade em que vivemos.
no Código Penal, a distinção entre o assédio
moral e o sexual, bem como, diversas outras

2. PROBLEMA DA PESQUISA

Em virtude das recorrentes práticas in- Por iniciativa e realização do Sindicato


devidas de assédio moral e sexual, tratando das Secretárias do Estado de São Paulo (SI-
essa questão social, como a mais recorrente NESP)foi realizada pesquisa entre as mulhe-
no âmbito trabalhista, perdendo apenas, a dis- res filiadas, e destas, 25% disseram ter sidoas-
tinção salarial entre homens e mulheres. sediadas sexualmente pelos seus respectivos
chefes.
O problema de pesquisa é objetivo, en-
volve especialmente os constantes abusos O Tribunal Superior do Trabalho através
patronais face as trabalhadoras do sexo femi- deseus indicadores, confirma que a maioria
nino. dos processos sobre assédio sexual e moral
são ajuizados por mulheres.
Segundo recentes dados da Organização
Internacional do Trabalho – O.I.T. – mais da Vale ressaltar que ocorre assédio moral
metade de todas as mulheres economicamen- em virtude de estratégias de cumprimento de
te ativas já foram vítimas de assédio sexual no metas extremamente agressivas, que na maio-
ambiente de trabalho. ria das vezes passam do limite e constrangem
funcionários.
Exemplo deste fato é a Companhia de
Vale ainda destacar que segundo a Força
Bebidas das Américas (Ambev) que foi con-
Sindical, ao lado dos baixos salários, oassédio
denada e terá de indenizar um funcionário
sexual e moral no ambiente de trabalho, é o
em danos morais por, supostamente, cons-
maior problema enfrentado pelas mulheres.
trangê-lo a comparecer às reuniões matinais

212
onde também estavam presentes garotas de AMRO Real S/A sofreu condenação poisum
programa, e, também, por submetê-lo a situa- de seus superiores humilhava e ofendia uma
ções humilhantes, indignas e vexatórias, com funcionária, na presença de seus pares e co-
o objetivo de alavancar e proporcionar o cum- legas ao cobrar o cumprimento das metas
primento de metas. estabelecidas pelo banco, para isso, valia-se
inclusive de adjetivos tal qual: “burra”, subme-
Outro exemplo de assédio moral é a
tendo a trabalhadora a tratamento ofensivo à
grande instituição financeira o Banco Santan-
dignidade.
der, que por sua vez, e no mesmo sentido, fora
condenado a pagar indenização por danos Pequenas empresas e seus prepostos
morais a uma funcionária bancária. De acordo também são causadores de assédio moral,
com a matéria, publicada no site do Tribunal como por exemplo, um salão de beleza que
Superior do Trabalho, ela havia se sentido hu- foi condenado a indenizar uma funcionária, da
milhada e constrangida, pois, em determinada função de manicure, que sofreu assédio sexu-
reunião junto ao gerente regional com os su- al do proprietário.
bordinados, a mesma foi instigada a se supe-
Referido assédio sexual foi comprova-
rar e alcançar as metas fixadas pelo Banco sob
dotambém pela prova testemunha, com base
o seguinte argumento de seu superior: “nem
nos depoimentos dos colegas de trabalho que
que fosse necessário rodar bolsinha na esqui-
confirmaram os constrangimentos sofridos
na”.
pela reclamante, entre eles, os constantes elo-
Outro caso clássico, foi decidido pela gios desnecessários e descabidos, e também
Terceira Turma do TST que manteve uma con- os comentários insinuantes do reclamado, seu
denação do Banco Bradesco S/A e outros para proprietário, quando tocava as partes do cor-
efetivamente pagarem quantia indenizatória po dela.
no valor de R$ 5 mil por danos morais, em vir-
Portanto, o problema de pesquisa, resta
tude de assédio moral sofrido por uma fun-
devidamente delimitado, qual seja, o abuso e
cionária que era chamada constantemente de
a fragilidade das mulheres, não somente no
“imprestável” pelo seu supervisor. Através de
ambiente de trabalho, mas em toda socieda-
prova testemunhal, comprovou-se o assédio
de, motivo pelo qual, necessariamente, deve-
sofrido pela reclamante, o que gerou a repa-
mos unir forças e lutar por elas, as mulheres!
ração.
Em outro caso julgado pelo Tribunal
Superior do Trabalho – TST –, o Banco ABN

3. CONTEÚDO DA PESQUISA

Ao longo da pesquisa jurídica são trata- defesa da mulher.


das todas as peculiaridades do assédio moral
Além disso, o trabalho é elaborado de
e sexual no ambiente de trabalho, sua incidên-
forma a elucidar também a população os di-
cia, dados científicos e estatísticos.
reitos das mulheres, agindo desta forma, de
Questões relacionadas a regionalidade e forma conscientizadora, colaborando para a
da intenção do legislador também são anali- diminuição da incidência dos casos de assédio
sadas. moral e sexual.
Conteúdo distribuído de forma progra- Tendo em vista as recorrentes práticas
mática a propiciar aos operadores do direito de assédio moral e sexual, aborda-se de forma
a aplicação das mudanças e avanços trazidos didática e simplificada o conteúdo, proporcio-
pela legislação, refletindo assim, uma justiça nando uma descomplicada e rápida absorção
correta, eficaz e ética, quando em questão, a do conteúdo e mudanças nas formas de pen-

213
sar. Vale ressaltar que o índice mais baixo de
denúncia envolvendo assédio moral e sexual
Discutindo e analisando todos os lados
no ambiente de trabalho entre os profissionais
da questão, tanto a segurança social e o cará-
do sexo masculino tem explicação psicológica.
ter punitivo da legislação penal com o intuito
da diminuição da incidência das práticas de Não é que não ocorra assédio sexual e
abuso moral e sexual, dentro e fora do am- moral entre os homens, mas, para eles, muitas
biente de trabalho, como também, a análise vezes, denunciar um caso de assédio pode de-
criminal em do tipo penal, conferido lacunas monstrar fraqueza — ainda mais se a assedia-
para atuação profissional e indenização na es- dora for mulher.
fera trabalhista, cível e criminal.
Sabemos que em nosso país – Brasil, a
Dados assustadores trazidos pela revista lei que criminaliza o assédio sexual é relativa-
de circulação nacional VOCÊ S/A, em maté- mente recente, não completou ainda nem 10
ria publicada no dia de hoje, 09 de março de (dez) anos,pois entrou em vigor em 2001.
2020, comprovam que 1 a cada 5 profissionais
sofreu assédio sexual no trabalho.

4. CONCLUSÃO

Em se tratando de tema de interesse pú-


blico, especialmente quando em questão a
mulher, por natureza, de ordem pública, perti-
nente se faz a discussão do tema, afim de for-
mar opiniões e diferentes correntes e linhas
de pensamentos quando em questão o assé-
dio moral e sexual no ambiente de trabalho,
nas condições discutidas no presente trabalho
científico.
O fato de propiciar aos operadores do di-
reito de forma ampla a constante atualização
e aprimoramento dos seus conhecimentos,
a possibilidade de atuação técnica e precisa
quando em questão assédio moral e sexual no
ambiente de trabalho, em matéria de interes-
se pública, ser especializada e atualizada em
pequenos detalhes como o estudo em ques-
tão, conferindo maior segurança jurídica e efi-
ciência técnica, e também, por outro lado, a
conscientização da população acerca da gran-
de ocorrência de assédio moral e sexual,mos-
tram-se o caminho para construirmos dia a dia
uma justiça mais eficaz e reduzirmos o índice
de incidência dessa prática abominável, cruel
e absurda.

214
REFERÊNCIAS

BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; Presidência da República.


Subchefia para Assuntos Jurídicos.

BRASIL. Decreto Lei 5.452/43 - Consolidação das Leis do Trabalho; Presidência da República.
Subchefia para Assuntos Jurídicos.

MATHIES, Anaruez. Assédio Moral e Compliance na Relação de Emprego. Dos Danos e dos
Custos e Instrumentos de Prevenção. 1a Edição. São Paulo. Editora Juruá. 1 de Janeiro de
2018.

HELOANI, Roberto; BARRETO, Margarida. Assédio Moral. Gestão por Humilhação. 1a Edição.
São Paulo. Editora Juruá. 1 de Janeiro de 2018.

TEIXEIRA, José Luiz Vieira. O Assédio Moral no Trabalho – Conceitos, causas e efeitos, lide-
rança versus assédio, valoração do dano e sua prevenção. 3a Edição. São Paulo. Editora LTR.
2016.

LFG.Entenda a diferença entre assédio moral, dano moral e assédio sexual. Disponível em:
https://www.lfg.com.br/conteudos/artigos/geral/entenda-a-diferenca-entre-assedio-moral-
-dano-moral-e-assedio-sexual Acesso em: 10 de janeiro de 2020.

EMPÓRIO DO DIREITO.Assédio moral e sexual no ambiente de trabalho. Disponível em:


https://emporiododireito.com.br/leitura/assedio-moral-e-sexual-no-ambiente-de-trabalho
Acesso em: 11 de janeiro de 2020.

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO – TST. TST julgou diversos casos de assédio moral
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fecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&_101_struts_action=%2Fasset_pu-
blisher%2Fview_content&_101_returnToFullPageURL=http%3A%2F%2Fwww.tst.jus.
br%2Fweb%2Fguest%2Finstitucional%3Fp_auth%3DGPLMlIJB%26p_p_id%3D3%26p_p_
lifecycle%3D1%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_state_rcv%3D1&_101_assetEn-
tryId=3414777&_101_type=content&_101_urlTitle=tst-julgou-diversos-casos-de-assedio-
-moral-e-sexual-em-2012&inheritRedirect=true>

215
ANEXOS

216
217
REVISTA CIENTÍFICA DA ESA OAB SP

São Paulo 2020

DIRETORIA OAB SP
Caio Augusto Silva dos Santos
Presidente OAB SP
Ricardo Luiz de Toledo Santos Filho
Vice-Presidente OAB SP
Aislan de Queiroga Trigo
Secretário-Geral OAB SP
Margarete de Cássia Lopes
Secretária-Geral Adjunta
Raquel Elita Alves Preto
Tesoureira

DIRETORIA ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA


Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho
Diretor ESA OAB SP
Letícia de Oliveira Catani
Vice-Diretora ESA OAB SP
Conselho Curador ESA OAB SP
Edson Roberto Reis
Presidente do Conselho Curador ESA OAB SP
Sueli Aparecida de Pieri
Vice-Presidente do Conselho Curador ESA OAB SP
Silvio Luiz de Almeida
Secretário do Conselho Curador ESA OAB SP
Conselheiros
Marcos Antonio Madeira de Mattos Martins
Luiz Henrique Barbante Franze
Luciano de Freitas Santoro
Patrícia Romero dos Santos Weiz
Representante do Corpo Docente
Ana Laura Simionato Victor
Coordenador de Curso de Especialização
Eduardo Arantes Burihan
Representante do Corpo Discente
Ricardo Carazzai Areasco

Adriano Ferreira
Coordenador Geral ESA OAB SP

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