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Ministério da Educação

Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro
Campus Realengo – Curso de Bacharelado em Farmácia

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

BACHARELADO EM TERAPIA
OCUPACIONAL

“O OLHAR DA TERAPIA OCUPACIONAL


EM UMA ENFERMARIA DE CRISE: UM
RELATO DE EXPERIÊNCIA”

Aluna: Jéssica Lourenço Moraes

Orientadora: Profª Roberta Pereira Furtado da Rosa

Rio de Janeiro, 23 de março de 2013


O OLHAR DA TERAPIA OCUPACIONAL EM UMA
ENFERMARIA DE CRISE: UM RELATO DE
EXPERIÊNCIA

THE LOOK OF OCCUPATIONAL THERAPY IN A


NURSING CRISIS: A REPORT OF EXPERIENCE

Jéssica Lourenço Moraes1, Roberta Pereira Furtado da Rosa 2


1. Bacharelado em Terapia Ocupacional – Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – IFRJ – Campus Realengo.
jessicamoraes.to@hotmail.com

2. Bacharelado em Terapia Ocupacional – Instituto Federal de Educação,


Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – IFRJ – Campus Realengo.
robertafur@gmail.com

RESUMO
Este trabalho tem por objetivo comentar a atuação do profissional de terapia
ocupacional na enfermaria de crise de um hospital especializado em psiquiatria
– Hospital Municipal Jurandyr Manfredini, localizado na Colônia Juliano
Moreira, Rio de Janeiro – RJ. Para a realização deste trabalho, foi feito um
histórico sobre a Reforma Psiquiátrica brasileira e as mudanças que vem
acontecendo com este movimento. Foi dado foco neste dispositivo de cuidado
específico – a enfermaria de crise. Abordamos, de um modo geral, sobre a
prática da terapia ocupacional segundo as influências da reforma psiquiátrica
brasileira. Para falar da sua atuação em uma enfermaria de crise, foi realizado
um relato de experiência, enquanto acadêmica do curso de terapia ocupacional
nesta enfermaria, no ano de 2012. A partir disso foram propostas mudanças
que, segundo o olhar do terapeuta ocupacional, podem acarretar benefícios
aos usuários internados nesta instituição.
PALAVRAS CHAVE: Enfermaria de crise, Reforma Psiquiátrica brasileira,
Terapia Ocupacional.

ABSTRACT
This study aims to comment the performance of occupational therapy
professional at the crisis infirmary of a hospital specialized in psychiatry -
Jurandyr Manfredini Municipal Hospital, located at Colonia Juliano Moreira, Rio
de Janeiro - RJ. For this study, was made a historic about the Brazilian
Psychiatric Reform and the changes that are happening with this movement.
The focus was given on this specific care device: the crisis infirmary. In
generally we discuss about the occupational therapy under the influences of the
Brazilian Psychiatric reform. And to talk about its role at a crisis infirmary was

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made a self-experience report while student of Occupational Therapy course in
2012. From this, changes that can lead to benefits to users admitted to this
institution were proposed, according to the specialist's vision.

KEYWORDS: Nursing crisis, Brazilian Psychiatric Reform, Occupational


Therapy.

Dedico este trabalho única e exclusivamente a Deus! Este trabalho não teria sido concluído se não
fosse a sua misericórdia comigo! Toda honra e toda glória sejam dadas a Ti, Senhor!
A todos que me apoiaram nesses quatro anos de lutas intensas.
Agradeço, primeiramente a Deus por ter me dado força para não desistir quando a vontade esteve
presente!
Agradeço a meus pais e minha irmã! Essa vitória não teria sentido se não fossem vocês para
dedicar! Venci apenas por vocês, que amo infinitamente! Obrigada por tudo que fizeram e fazem
sempre por mim!
Agradeço ao meu namorado, amigo e companheiro! Ele esteve presente nos momentos mais
difíceis! Sem você não daria!
Agradeço aos meus professores que colocaram em mim um sentimento de amor e orgulho por ter
escolhido a Terapia Ocupacional como profissão. Cada um de vocês teve seu pedaço fundamental
na minha formação. Obrigada!
Agradeço a minha orientadora Roberta Furtado! Hoje percebo o quanto valeu a pena! Sem ela pra
me dar as direções, este trabalho teria seguido por outro caminho, que não o sucesso! Obrigada
demais pelo apoio! Você foi a escolha mais correta deste trabalho!
Agradeço também aos meus amigos que deram força e entenderam todo o meu estresse e
angústia nesses meses! Finalmente, eu consegui!

INTRODUÇÃO
Este trabalho terá como foco principal os cuidados que hoje são tomados
nas enfermarias de crise a partir da Reforma Psiquiátrica brasileira (RPb).
Abordará, desta forma, as mudanças ocasionadas na assistência psiquiátrica com
esse movimento. Esta análise será baseada no serviço da enfermaria de crise em
um hospital psiquiátrico do estado do Rio de Janeiro. Ao analisar este serviço,
daremos especial atenção aos cuidados sob a ótica da Terapia Ocupacional.
A vontade de fazer um trabalho com este tema surgiu da oportunidade de
atuar diretamente, enquanto estagiária de Terapia Ocupacional, na enfermaria de
crise do Hospital Municipal Jurandyr Manfredini.
No período de estágio de terapia ocupacional, foram observadas algumas
questões, dentre as quais estão a incidência de espaços inutilizados na
enfermaria e a ociosidade de seus usuários, decorrente da falta de espaços
adequados que oferecessem a oportunidade de encontros. Será que nesta
enfermaria não poderia ser construído um espaço que promovesse o encontro
dos usuários para a realização de atividades? O objetivo deste trabalho é refletir
sobre a atuação do profissional de Terapia Ocupacional neste serviço, abordando
quais as dificuldades encontradas e os benefícios da profissão aos usuários com
transtorno mental.

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Para a realização deste trabalho, será feita uma revisão bibliográfica com
publicações nacionais de 1988 a 2012, na base de dados Bireme, Scielo e artigos
do caderno de Terapia Ocupacional UFSCar. Serão utilizados artigos encontrados
com os descritores “terapia ocupacional, saúde mental, crise, reforma psiquiátrica
brasileira”, sendo esses escolhidos por se encaixarem no perfil da pesquisa. Esta
pesquisa tem caráter qualitativo, sendo direcionada à temática do trabalho de
atenção à crise a partir da vivência na prática de um serviço específico. Desta
forma, utilizaremos um relato de experiência a partir do estágio extracurricular em
saúde mental, organizado pela prefeitura do Rio de Janeiro.
No primeiro momento iremos falar sobre a temática da Reforma
Psiquiátrica brasileira, contanto com uma revisão bibliográfica de textos
marcantes que nos norteiam sobre este acontecimento. Será esclarecido de que
forma essa transformação vem acontecendo no Brasil. Será relatado, também, o
grande objetivo da reforma psiquiátrica, que é tratar o usuário com transtorno
mental de maneira mais humanizada, promovendo a desinstitucionalização 1.
Serão também expostas algumas portarias que objetivam garantir os direitos
desses usuários, e como a luta veio surgindo no Brasil, refletida por exemplos de
outros países.
Pretendemos explicitar a grande transformação da lógica manicomial para
uma outra lógica de tratamento humanizado dentro dos hospitais psiquiátricos.
Nomeamos aqui como lógica manicomial a forma de tratamento que visa à
reeducação do usuário, enquanto hospitalizado, a partir de imposições de regras
e condutas disciplinares como, por exemplo, medidas físicas de ‘tratamento’ como
lobotomias e eletrochoques. Como lógica de um tratamento mais humanizado, o
Hospital Psiquiátrico tem o objetivo de tratar o usuário reduzindo o tempo de
internação, tornando seu serviço diferenciado e trabalhando em conjunto com
outros serviços substitutivos ao manicômio.
Após esse histórico, abordaremos especificamente a temática da crise em
saúde mental, ou seja, onde os usuários em momento de crise são tratados e
como é a assistência segundo referenciais teóricos da Reforma Psiquiátrica
brasileira. Falaremos sobre as mudanças ocorridas a partir da RPb e como os
usuários com transtorno mental são tratados atualmente nas enfermarias de crise.
Em seguida traremos o olhar mais aprofundado da Terapia Ocupacional
nos serviços de saúde mental a partir da proposta da desinstitucionalização. A
partir de um relato de experiência, procuramos explicar de forma clara o que é
uma enfermaria de crise e o seu funcionamento. Serão relatadas neste trabalho
algumas atividades realizadas no período de abril a dezembro de 2012, enquanto
estive presente neste hospital. Falaremos especificamente da atuação da Terapia
Ocupacional nesta enfermaria, levantando algumas dificuldades encontradas e
também algumas questões que surgiram em relação a este setor. Discutiremos as
possíveis mudanças, com o objetivo de trazer os benefícios desta profissão a uma
equipe multiprofissional e aos usuários em situação de crise.

1
PÁDUA, F. H. P. e MORAIS, M. L. S. (2010) define como desinstitucionalização não apenas o
ato de desospitalizar, mas de mudar todo o contexto social do paciente com transtorno
psiquiátrico, transformando assim o modo de ver a loucura.

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DESENVOLVIMENTO
I – HISTÓRICO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL
Comecemos o estudo fazendo um breve histórico sobre a Reforma
Psiquiátrica no Brasil e as mudanças que vem acontecendo com esse movimento.
De acordo com Pessotti (1996), na segunda metade do século XVIII nasce
a psiquiatria como especialidade médica, tendo como foco de tratamento os
manicômios. Silva e Ewald afirmam isso no trecho a seguir:
“Somente a partir do final do século XVIII a loucura assumiu o lugar de
doença da mente. Nesse sentido, os loucos deveriam ser tratados em
locais próprios, específicos, calmos e isolados dos conflitos sociais.
Surge assim o hospital psiquiátrico, no qual o “doente mental” seria
tratado pela nascente especialidade médica – a Psiquiatria. Ao retirar as
correntes dos loucos, Philippe Pinel é reconhecido como o libertador. O
tratamento por ele elaborado estava baseado na cura moral, e qualquer
desvio em relação a uma conduta considerada normal deveria ser
vetado.” (2006, p. 9)

A Psiquiatria, junto com Pinel, constrói então um novo olhar sobre a


loucura, entendendo-a como doença mental. Deste modo, surge uma nova
estratégia clínica: o tratamento moral. Ele pode ser definido como o novo modo de
tratar dos usuários com transtornos mentais, de modo que eles fossem
reeducados e levados à realidade. O hospital passa a ser uma instituição
terapêutica.
No Brasil, essa forma de tratamento chega um tempo depois. A Psiquiatria
chega em 1852, e o modelo manicomial passa a ser considerado forma exclusiva
de assistência psiquiátrica a usuários com transtorno mental no país. Segundo
Figueiredo (1988), os primeiros textos escritos no Brasil, que tem como tema a
loucura, remontam ao início do século XIX, apesar de sempre fazerem parte do
pensamento social como afirma Gonçalves (2001, p.3):
“A loucura sempre existiu, bem como o lugar para se tratar dos loucos:
templos, domicílios e instituições, mas a instituição psiquiátrica,
propriamente dita, é uma construção do século XVIII”.

Amarante (2007) nos diz que foi a partir da Segunda Guerra Mundial que a
sociedade passou a olhar mais para os hospícios e analisar as condições de vida
das pessoas que viviam internadas, percebendo que tais lugares muito se
pareciam com os campos de concentração. “Assim nasceram as primeiras
experiências de ‘reformas psiquiátricas’” (2007, p. 40).
Essas experiências de reformas foram importantes para a mudança da
assistência no Brasil.
Wachholz e Mariotti (2009) dizem que alguns países em especial
inspiraram os movimentos de reformulação da assistência psiquiátrica no Brasil,
como a França, a partir de 1945 com movimentos como a Psiquiatria de Setor2, os
2
Surgiu como propostas de criar um tratamento com equipes multiprofissionais, procurando tratar o
paciente junto da comunidade, pensando em internação como uma etapa transitória (RIBEIRO, 2004)

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Estados Unidos, na década de 60 com a Psiquiatria Comunitária 3 e a Itália,
também nesse período, com a experiência de Trieste4 a Psiquiatria Democrática
inspirada por Franco Basaglia.
Quanto à cidade do Rio de Janeiro, Amarante (2010) nos conta que
profissionais de quatro unidades de saúde mental da cidade, o Centro Psiquiátrico
Pedro II (CPPII), Hospital Pinel, Manicômio Judiciário Heitor Carrilho e Colônia
Juliano Moreira (CJM) deflagraram greve no ano de 1978, o que ficou conhecido
como a “Crise da Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM)”.
Sobre isso Amarante diz:
“A crise é deflagrada a partir da denúncia realizada por três médicos
bolsistas do CPPII, ao registrarem no livro de ocorrências do plantão do
pronto-socorro as irregularidades da unidade hospitalar, trazendo a
público a trágica situação existente naquele hospital.” (2010, p. 52)
Esse ato acaba mobilizando profissionais de outras unidades de saúde e
recebe o apoio de movimentos que tinham como objetivo as mesmas
reivindicações.
Segundo Amarante (2010) de 1978 a 1980 foram surgindo movimentos,
reuniões, assembleias e congressos no Brasil, em especial Rio de Janeiro, São
Paulo, Minas Gerais e Bahia, e esses movimentos trouxeram grandes
personagens da luta antimanicomial ao Brasil, como Franco Basaglia, Felix
Guattari, Robert Castel, Erwing Goffman, Antonio Slavich, entre outros. Todos
com o mesmo objetivo, de humanização dos serviços e de obter melhores
condições de assistência à população, propondo então a realização de trabalhos
‘alternativos’ na assistência à psiquiatria.
No ano de 1986, acontece a 8ª Conferência Nacional de Saúde que dessa
vez passa a contar com a participação popular, além de profissionais da saúde.
Em outubro deste mesmo ano acontece o I Encontro Estadual de Saúde Mental
do Rio de Janeiro. Este encontro acontece no Instituto de Psiquiatria da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sobre este Encontro, AMARANTE diz:

“O objetivo deste encontro é o de ‘provocar’ os debates para a I


Conferência Estadual de Saúde Mental. O evento insere-se na linha
geral das discussões e como desdobramento da 8ª Conferência Nacional
de Saúde, realizada em Brasília – de 17 a 21 de março de 1986 – e
incorpora as decisões desta conferência, dentre as quais a de
implantação da Reforma Sanitária, da criação de um sistema único e
público de saúde. Defende, ainda, a conceituação global de saúde, como
conquista de um bem-estar para todos.” (2010, p. 73)

3
Tinha o objetivo de prevenir as doenças mentais – se diagnosticadas precocemente – e
contava também que os pacientes que tinham transtornos mentais poderiam sim viver junto do
restante da sociedade. (SILVA; EWALD, 2006)
4
Visava a desinstitucionalização e com isso a construção de novos serviços substitutivos e
novas formas de tratamento. ( RIBEIRO, 2004)

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Em março de 1987 acontece então, no campus da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, a I Conferência Estadual de Saúde Mental do Rio de Janeiro,
cujo foco principal era a ‘política nacional de saúde mental na reforma sanitária’.
Esta Conferência fica marcada por pontos impactantes discutidos, como o
reconhecimento de que se deve oferecer uma promoção da saúde mental da
população com a disponibilização de melhores condições de sobrevivência. É
proposto que seja revisto e atualizado o código civil referente à doença mental.
Propõe-se, também, a revisão do modelo hospitalocêntrico, dando prioridades a
serviços substitutivos ao manicômio, reduzindo desta maneira o número de leitos
psiquiátricos. (AMARANTE, 2010)
Em junho deste mesmo ano é realizada a I Conferência Nacional de Saúde
Mental, propondo que os serviços extra-hospitalares tenham prioridades nos
investimentos, com o objetivo de se contrapor à tendência hospitalocêntrica.
Desta forma, os hospitais psiquiátricos já não assumem a centralidade do
atendimento e passam a trabalhar em conjunto com outros serviços de
assistência psiquiátrica.
A partir da Reforma Psiquiátrica, as internações passaram a ser mais
breves e humanizadas, e o número de leitos e de internações também estava
sendo diminuído progressivamente. Um dos objetivos da Reforma Psiquiátrica
brasileira (RPb) é proporcionar a desinstitucionalização e desconstrução dos
manicômios existentes desde o século XVIII. O manicômio existia para
hospitalizar e isolar os usuários com transtorno mental da sociedade, objetivando
a ‘ética pública’, excluindo-os da sociedade. (AMARANTE, 2010)
Os movimentos da Reforma Psiquiátrica brasileira unem-se aos princípios
do Sistema Único de Saúde (SUS), na Lei 8.080/90, que propõe a criação de
redes de serviços, ações regionalizadas e hierarquizadas, seguindo princípios
como universalidade, equidade e integralidade, comportando, assim,
hierarquização, municipalização, participação e controle social.
A partir dessa união, começam a surgir desafios ao SUS e à Reforma
Psiquiátrica, como por exemplo: a reinserção social da pessoa com transtorno
mental, já que um dos objetivos da reforma é promover a desinstitucionalização.

I.I – SERVIÇOS SUBSTITUTIVOS AO MANICÔMIO


A partir das mudanças na assistência psiquiátrica no Brasil, pautadas no
movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira, foram surgindo Portarias como a
224/92, que tem como diretriz a diversidade de métodos e técnicas terapêuticas
nos vários níveis da complexidade assistencial, garantindo a continuidade da
atenção nos vários níveis como em Unidades Básicas, Centros de Saúde,
Ambulatórios, Núcleos/Centros de Atenção Psicossocial (NAPS/CAPS), Hospital-
Dia, Serviços de Urgência Psiquiátrica em Hospital-Geral, Leito ou Unidade
Psiquiátrica em Hospital-Geral e Hospital Especializado em Psiquiatria.
Outra Portaria importante é a nº 251/02 que incentiva a adequação dos
atendimentos nos hospitais Especializados em Psiquiatria. De acordo com o
artigo 5, parágrafo único, prevê que seja elaborado um projeto de serviços extra
hospitalares que substitua os manicômios, para atendimento de usuários que
tenham algum transtorno psiquiátrico. Essa Portaria surge com o objetivo de

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reclassificar os locais de assistência a esses usuários, determinando a
desinstitucionalização. Cita o Programa Nacional de Avaliação do Sistema
Hospitalar/Psiquiatria (PNASH), que aparece com o intuito de aferir a qualidade
dos hospitais psiquiátricos e verificar se realmente estão funcionando de acordo
com o padrão estabelecido.
Os Hospitais Especializados em Psiquiatria são hospitais que tem como
objetivo tratar do usuário com transtorno mental em momento de crise.
De acordo com Souza (apud ICPRJ, 2008) a resposta à crise é um dos
principais desafios da Reforma Psiquiátrica brasileira. Há uma preocupação sobre
como oferecer serviços que possam responder de forma adequada às situações
conhecidas como momentos de crises dos portadores de transtorno mental. A
Reforma Psiquiátrica trata a crise em liberdade, fugindo do antigo modelo
manicomial. São estes novos modos de tratamento que serão melhor explicados
no decorrer do texto.

I.II – ASSISTÊNCIA À CRISE


Costa define a crise como:

“termo geralmente utilizado no campo da Saúde Mental para designar


um momento individual específico, no qual efervescem questões, afetos,
gestos e comportamentos variáveis e singulares, que afetam graus
variáveis a vida cotidiana da própria pessoa e daqueles de seu convívio,
e costumam ser determinantes das demandas e intervenções em
serviços de Saúde Mental.” (2007, p. 96)

Como já foi dito anteriormente, Maron (apud ICPRJ, 2008) afirma que a
Reforma Psiquiátrica brasileira e todas as mudanças dela decorrentes visavam a
romper o antigo modelo de psiquiatria asilar e a partir disso, contava com a
criação de dispositivos substitutivos. Mas existe um serviço que ainda preocupa:
como tratar as emergências psiquiátricas?
Silva e Maximino (2007) nos faz relembrar que, embora o modelo asilar
venha se rompendo após a Reforma Psiquiátrica brasileira, existe um momento
na vida desses usuários em que os sintomas são agudizados e eles necessitam
de uma atenção especial. Para isso, torna-se necessária a internação psiquiátrica,
que muitas vezes surge voluntariamente. Seguindo a lei 10.216/01, essa
internação deverá acontecer em um curto espaço de tempo, pois o objetivo é
tratar o usuário do território. Nesse caso, a internação só é indicada quando os
serviços extra-hospitalares não são suficientes. Maron (apud ICPRJ, 2008)
deixa claro que a emergência psiquiátrica exige uma intervenção imediata, ou
seja, não pode ser adiada. Para isso, deve-se pensar em um local adequado para
o tratamento da pessoa em crise. Na lei 10.216/01 é colocado que os portadores
de transtornos mentais têm direito à melhor forma de tratamento, segundo as
suas necessidades; é direito dos usuários, também, receber informações sobre
sua doença e seu tratamento; eles tem direito a atendimentos médicos, de
assistência social, psicológicos, terapeutas ocupacionais, de lazer e outros.

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Segundo Piquet (apud ICPRJ, 2008), nesses locais de atendimento é
necessária uma equipe multidisciplinar para o acompanhamento do usuário e,
além da fundamental presença dessa equipe, Silva e Maximino (2007) nos dizem
ainda que é imprescindível o treinamento especifico aos profissionais que estarão
atuando diretamente nesses casos.
Tendo em vista que “(...) saúde não é ausência de doença, e que não se
responde aos problemas de saúde mental, apenas com serviços médicos”.
(SILVA e MAXIMINO, 2007, p. 1210) entendemos que medicar é apenas uma
parte do trabalho. Essa mudança no modo de pensar a saúde vem, também, com
a Reforma Psiquiátrica brasileira, pois antes a forma de se tratar era apenas com
internações e medicações, como já foi dito anteriormente.
Mas se medicar é apenas uma forma de tratamento, como deve ser o
atendimento ao usuário em crise no primeiro momento da sua internação? Ferrari
(2010) nos diz que os profissionais devem estar preparados para acolher esses
usuários, para permitir que eles articulem através da fala a sua crise, e que,
assim, comece a ser formado o vínculo. Outras ações a serem tomadas no
momento da sua internação é fazer contato com familiares e serviços de
referência desse sujeito, para que seja melhor entendido o seu momento de crise,
tendo em vista que cada usuário vive sua crise de forma distinta.
Ferrari (2010) faz uma ressalva importante em relação ao usuário
internado: o sujeito em crise é, acima de tudo, ser humano, com direitos e
deveres e não apenas objetos de intervenções. Os usuários em crise já se
encontram em constante sofrimento, pelo seu rompimento com a realidade, é
preciso acolhê-los!
Segundo a pesquisa dessa autora, muitos problemas rondam esse serviço
substitutivo, e uma das causas que mais chama a atenção é a falta de
investimentos por parte do governo. Podemos destacar a falta de investimentos
para que mais profissionais sejam contratados; para que recebam o auxílio
necessário na sua especialização na área de saúde mental; para que o local de
internação seja um local apropriado à demanda, entre outros. Para que tudo isso
seja solucionado, o governo precisa investir.
Maron (apud ICPRJ, 2008) diz que as urgências em saúde mental, quando
são tratadas dentro do quadro da emergência psiquiátrica, são destinadas a
serviços especializados, ou seja, Hospital Especializado em Psiquiatria.
A Portaria 224/92 prevê que as urgências psiquiátricas devem ocorrer em
Hospitais Gerais e os usuários podem permanecer no leito de observação por até
72 horas, sendo acompanhado por uma equipe multiprofissional. Se for o caso do
usuário necessitar de um acompanhamento por um tempo maior do que 72 horas,
ele é encaminhado para um Hospital Especializado em Psiquiatria.
Este serviço é definido como “aquele cuja maioria de leitos se destine ao
tratamento especializado de clientela psiquiátrica em regime de internação”
(Portaria 224/92). Essa portaria tem como diretriz propor a multiprofissionalidade
na prestação de serviços aos usuários com transtornos mentais. A equipe
multiprofissional deve conter profissionais das seguintes áreas: médico psiquiatra,
enfermeiro, psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional e/ou outro
profissional necessário à realização dos trabalhos.

[MORAES&ROSA, 2013] Página 15


Esse trabalho terá como foco a atuação do terapeuta ocupacional na
enfermaria de crise de um hospital especializado em psiquiatria, atuando em
conjunto com uma equipe multiprofissional.
Antes de falar da atuação do terapeuta ocupacional nesta enfermaria,
procuramos situar a prática da Terapia Ocupacional neste contexto atual com o
serviço de saúde mental.

II – ATUAÇÃO DO TERAPEUTA OCUPACIONAL


A World Federation of Occupational Therapy (WFOT apud KIRSCH, 2007)
define a Terapia Ocupacional desta forma:

“a Terapia Ocupacional é uma profissão na área da saúde, com base no


conhecimento de que determinadas atividades podem promover a saúde
e o bem-estar em todos os aspectos da vida cotidiana.”

Deste modo, a Terapia Ocupacional atua através das atividades inclusive


com os usuários com transtornos mentais.
Lima fala sobre o início da Terapia Ocupacional na área de Saúde Mental.
Sobre isso, ela diz: “(...) teve suas origens com o nascimento da Psiquiatria no
sec. XVIII, já que o uso de atividades para tratar dos doentes mentais nasceu
junto com esta disciplina médica.” (2006, p. 118).
Antes da Reforma Psiquiátrica brasileira, na época do tratamento moral, a
terapia ocupacional no ambiente asilar era usada de forma a ocupar o tempo dos
usuários, de modo a controlar o tempo, os corpos e as mentes dos internos. Isso
muda com a proposta que chega com a RPb, nos levando a pensar as práticas da
produção de saúde.
Como se pode notar, a Terapia Ocupacional sempre esteve presente nesta
área da saúde mental, mas poucos materiais são produzidos com o conteúdo da
Terapia Ocupacional em atuação na crise psiquiátrica. Este trabalho propõe que
novos documentos sejam escritos abordando este tema.
Ribeiro e Machado falam sobre a atuação do Terapeuta Ocupacional neste
novo ambiente:
“Nesses novos locais de atenção, o profissional de terapia ocupacional
deve levar, por meio de sua especificidade, a ampliação do cuidado e a
possibilidade de resgate dos direitos de cidadania desses sujeitos.”
(2008, p. 73)

Os mesmos autores ainda nos lembram que o papel do terapeuta


ocupacional não deve ser restrito apenas à instituição, ele deve conhecer os
ambientes vividos por esses usuários e saber que o papel deste profissional a
partir deste novo modelo de atenção em Saúde Mental é de se comprometer com
a ética, com o direito, a cidadania destes usuários, e as práticas a serem
utilizadas devem ser embasadas também nestes locais. (RIBEIRO e MACHADO,
2008).

[MORAES&ROSA, 2013] Página 16


Como citado anteriormente, a Portaria 224/92 propõe novas terapêuticas
para o tratamento de usuários com transtornos mentais. Propõe, também, uma
equipe multiprofissional atuando nos vários serviços substitutivos que surgiram
com a proposta da Reforma Psiquiátrica brasileira. Um profissional citado nesta
portaria é o Terapeuta Ocupacional, que pode atuar inclusive em uma enfermaria
de crise de um Hospital Especializado em Psiquiatria – local onde realizaremos o
relato de experiências presente neste trabalho.
Esse trabalho abordará a prática da Terapia Ocupacional a partir de um
relato de experiência enquanto estagiária de Terapia Ocupacional atuando em
uma enfermaria de crise do Hospital Municipal Jurandyr Manfredini.

II.I - A ENFERMARIA DE CRISE DO HMJM – UM RELATO DE EXPERIÊNCIA


Diaz (2008) diz que, o estado do Rio de Janeiro possuía quatro polos de
atendimento à pessoa em crise: Engenho de Dentro, Instituto Philippe Pinel,
Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro e Hospital Municipal Jurandyr Manfredini
(HMJM).
Tive a oportunidade de fazer parte, durante 9 meses, enquanto Acadêmica
Bolsista, de um Hospital Especializado em Psiquiatria, o Hospital Municipal
Jurandyr Manfredini, localizado na Rua Sampaio Correia, s/n - Jacarepaguá Rio
de Janeiro - RJ, 22713-560.
As enfermarias de crise do HMJM contam com uma equipe multidisciplinar
(como psiquiatras, psicólogos, enfermeiras, técnicas de enfermagem, terapeutas
ocupacionais, assistentes sociais). O espaço é dividido em três enfermarias,
chamadas de enfermaria de curta permanência feminina, enfermaria de média
permanência feminina e enfermaria de curta e média permanência masculina,
mas os profissionais da equipe multiprofissional atuam em todas as três
enfermarias. Na enfermaria de crise, existia apenas uma terapeuta ocupacional,
que inclusive fazia parte da equipe multiprofissional relatada neste trabalho.
Em cada uma dessas enfermarias existe um polo de enfermeiros e técnicos
de enfermagem para assistir esses usuários mais de perto, além de aferir a
pressão, medicá-los e estarem atentos aos cuidados aos usuários a todo o tempo.
São quatro enfermeiros e/ou técnicos de enfermagem por plantão.
O hospital atende, em média, 72 usuários incluindo homens e mulheres. O
tempo médio de estadia desses usuários nas enfermarias é de 14 dias, podendo
haver variações para mais e menos dias.
Para atender os usuários internados nessas enfermarias de crise, existem
quatro equipes multidisciplinares. A que participei, contava com um psiquiatra,
uma psicóloga, duas técnicas de enfermagem, uma enfermeira e uma terapeuta
ocupacional – a única terapeuta ocupacional que atua nas enfermarias do HMJM.
Cada equipe fica responsável em avaliar e atender cerca de 18 usuários.
O serviço de emergência desta área, a partir de 2012, começou a ser
realizado em um Hospital Geral, cumprindo a lei 10.216. O hospital de referência
que atende esse serviço emergencial é o Hospital Lourenço Jorge (HLJ), onde o
usuário é medicado e uma equipe multiprofissional o acompanha por até 72
horas. Se for necessário um acompanhamento maior, ele é encaminhado ao

[MORAES&ROSA, 2013] Página 17


Hospital Jurandyr Manfredini. Ao chegar ao Manfredini, esse usuário é
direcionado a uma das 4 equipes multiprofissionais, que, no primeiro contato com
o usuário, tenta entender seu momento de crise e a partir disso traçar um plano
terapêutico.
Durante meu período de estágio, participei de atividades como o
acompanhamento/atendimento dos usuários. Os atendimentos podiam ser em
grupos e/ou individuais. Esses encontros tinham o objetivo de escutar o usuário
no momento de crise e a partir disso traçar um projeto terapêutico individual. No
primeiro momento, o ideal era tentar construir um vínculo com o usuário, dando a
ele a oportunidade de contar a sua história, com a possibilidade de
desenvolvimento de certa autonomia, partindo dele, para que ele maneje sua
própria crise, como foi afirmado por Ferrari (2010) anteriormente.
Outra atividade que participei foi o atendimento familiar, que consistia na
disponibilidade em receber e escutar familiares e amigos dos usuários, com o
objetivo de esclarecer a crise vivida atualmente por ele.
Existia também o contato com serviços extra hospitalares, como por
exemplo os CAPS que o usuário seria referenciado no momento de sua alta. A
partir do momento da internação, localizamos o serviço da rede de Saúde Mental
mais próxima da residência do usuário. Se esse já for vinculado ao serviço,
entramos em contato com a equipe e passamos todas as informações sobre o
estado do usuário. Essa equipe será convocada para fazer parte do tratamento
dele enquanto internado. Após sua internação, o usuário retorna ao
acompanhamento extra hospitalar. Não sendo o usuário vinculado ao serviço de
Saúde Mental, começamos a formar o vínculo no momento de sua internação,
com o objetivo de evitar reinternações. Dell’Acqua e Mezzina afirmam isso na
seguinte frase:
“A resposta à crise não pode ser, de fato, desvinculada do trabalho de
prevenção (chamada secundária), que se funda sobre a correta prática
da “tomada de responsabilidade” pelo conjunto de elementos em jogo”
(1988, p. 167).
Também era realizada a discussão de casos clínicos com a equipe técnica.
Havia reuniões para debates sobre cada pessoa internada e, a partir disso, era
traçado um projeto terapêutico personalizado. Em um segundo momento, esse
plano de tratamento era passado ao usuário. A equipe procurava estar sempre
em sintonia, trabalhando de maneira interdisciplinar, para que não houvesse
divergências no tratamento do usuário. Essas reuniões eram semanais e
contavam com todos os profissionais da equipe. No momento da internação de
um novo usuário, algum profissional colhia seus dados e passava para a equipe
através do livro de ocorrências. Este livro tinha o objetivo de escrever a evolução
de cada usuário diariamente, de forma resumida, para a melhor compreensão da
equipe. Este livro era diferente da evolução nos prontuários, pois continha apenas
as condutas a serem realizadas com cada um e como se encontravam naquele
dia. Logo após as reuniões, os usuários eram informados sobre o seu tratamento
e a conduta a ser levada. Caso não estivesse de acordo, em uma próxima reunião
seria de pensada uma nova abordagem.
Para mim, as atividades realizadas mais enriquecedoras foram as visitas
domiciliares.

[MORAES&ROSA, 2013] Página 18


Também existia a evolução em prontuários. Depois de cada atendimento
individual, em grupo ou familiar, era realizada a evolução de cada usuário em seu
prontuário, para que ficasse registrado sua avaliação durante o período de sua
internação.
A equipe que atua na enfermaria de crise trabalha de forma interdisciplinar,
que tem como objetivo desconstruir o papel das especialidades. A terapeuta
ocupacional, portanto, tinha o mesmo trabalho que os outros membros da equipe.
Nas reuniões a terapeuta ocupacional se colocava de forma ativa e propunha
ideias ao plano terapêutico a partir de um olhar focado no cotidiano e/ou nas
atividades de interesse do usuário.
Um assunto muito recorrente nas reuniões era o uso do tempo para os
usuários que estavam internados. Não lhes eram oferecidas opções de atividades
a serem realizadas, o que tornava ocioso o seu tempo. Era um assunto também
abordado por vários profissionais da enfermaria de crise do HMJM. Eles
percebiam que ter opções de atividades dentro da unidade seria importante para
os internos.
Existe uma sala na enfermaria denominada “Sala de Terapia Ocupacional”.
Em contradição ao nome, nenhum terapeuta ocupacional faz o uso do espaço,
que é ocupado por cuidadores que realizam atividades como a barba de usuários
ou, vez ou outra, raspam-lhes a cabeça.
Na fala dos funcionários eram abordadas questões como: ‘Por que não
existem oficinas com o objetivo de tornar o tempo mais útil a esses usuários?’, ‘O
quão importante esse tempo é para os usuários?’, ‘Esse tempo ocioso cronifica os
usuários de longa internação?’, ‘Muitos usuários, antes de sua internação, tem
vida ativa. Como é para esses usuários encarar além de todo o processo de
tratamento, esse longo tempo ocioso?’.
Os usuários já sofrem uma brutal modificação no estilo de vida, tendo em
vista que sua vida é controlada pela organização institucional.
Enquanto estagiária desta instituição, percebi nessas falas uma questão
importante a ser discutida no serviço: A falta de oferta de atividades que faz
daquele espaço um espaço ocioso que, mantido por regras institucionais, não
possui abertura para que os usuários pudessem criar vínculos, construir relações
afetivas e experimentar outros modos de criação.
A Terapia Ocupacional tem como especificidade o uso de atividades na
clínica, e entende-se que as atividades são importantes de modo que permite que
o usuário produza subjetividades.
Mendonça nos fala sobre os benefícios da oficina:

“As oficinas procuram caminhar no sentido de permitir ao sujeito


estabelecer laços de cuidado consigo mesmo, de trabalho e de
afetividade com os outros, determinando a finalidade político-social
associada à clínica. (...) A atividade artística enfatiza o processo
construtivo e a criação do novo através da produção de acontecimentos,
experiências, ações, objetos; "reinventa" o homem e o mundo. Sob essa
perspectiva, as atividades das oficinas em saúde mental passam a ser
vistas como instrumento de enriquecimento dos sujeitos, de valorização
da expressão, de descoberta e ampliação de possibilidades individuais e

[MORAES&ROSA, 2013] Página 19


de acesso aos bens culturais. (...) As oficinas oferecem, como espaço
que possibilita a expressão criativa individual na coletividade da
instituição psiquiátrica, uma alternativa de modificação do cotidiano e
algum enodamento possível desse eu, onde o sujeito psicótico cria
soluções que enlaçam real e simbólico na produção de um objeto
imaginário.” (2005, p. 3)

Quando me refiro a oficina, deixo claro que é apenas um modo de atividade


dentre vários outros.
Como o terapeuta ocupacional tem como especificidade o uso de
atividades, me incomodava o fato desse profissional não realizar nenhuma
atividade/oficina para os usuários ali internados. Devido ao fato da instituição
seguir a linha de ações interdisciplinares, outros profissionais poderiam contribuir
com esse novo modo de trabalhar o momento da internação. Esse pensamento
era compartilhado por vários profissionais daquela enfermaria. Eles sentiam-se
incomodados ao ver o ócio daqueles usuários.
Muitas vezes foi relatado, inclusive pelos próprios usuários, o quanto
aquela situação os incomodava, pelo fato de não estarem produzindo ou não
estarem se sentindo úteis.
O que esse profissional poderia acrescentar na vida do usuário, naquele
período de sua internação? E por que não eram realizadas essas atividades?
Seria pela escassez de profissionais de terapia ocupacional naquele setor? Se
porventura fossem contratados mais profissionais dessa área, o rumo a ser
seguido seria diferente? O que seria diferente?
O discurso empregado pela instituição era que não havia investimento por
partes dos administradores, tanto material, quanto em contratação de
profissionais. O espaço existia, mas antes de fazer uso daquele ambiente, era
preciso adaptá-lo com materiais, e seria imprescindível o investimento em novos
profissionais da área de Terapia Ocupacional.
Kebbe, Santos e Cocenas falam sobre a especificidade da Terapia
Ocupacional na realização das atividades em grupo:

“Em Terapia Ocupacional, um grupo de atividades pode ser definido


como aquele em que os participantes se reúnem na presença do
terapeuta ocupacional com o objetivo essencial de realizarem atividades,
em suas diversas modalidades: atividades expressivas, plásticas,
artesanais, de autocuidado, de lazer entre outras, dependendo dos
objetivos estipulados para o tratamento grupal. Um dos princípios
norteadores da prática do terapeuta ocupacional com grupos de
atividades é a ideia de que o fazer junto tem efeito terapêutico.” (2010, p.
78)

Poderíamos citar neste trabalho algumas alternativas de atividades às


enfermarias do HMJM, como por exemplo oficinas de teatro com o objetivo de
trabalhar as formas de expressão do usuário em saúde mental. Oficinas de beleza
pensando na autoestima dos internados, atividades artesanais de cunho até
profissionalizante já pensando em um momento de alta.

[MORAES&ROSA, 2013] Página 20


Mendonça propõe que algumas oficinas sejam realizadas na instituição de
internação e cita atividades que foram realizadas no Hospital Raul Soares como
exemplos, no Centro Cultural Arthur Bispo do Rosário e na enfermaria feminina
(salão de beleza):
“Nas oficinas, os usuários podem apropriar-se do ambiente do hospital e
incrementar as trocas relacionais. O pátio, os jardins, o centro cultural, o
salão de beleza, a biblioteca, lugares do hospital que os usuários não
usam com frequência são ocupados. Oferecem-se atividades
socioculturais, como cinema, música, teatro, partida de futebol entre
instituições, festas comemorativas e outros eventos. Recentemente,
realizou-se o desfile "Moda Primavera-Verão do HRS". Para exibir as
novas roupas dos usuários internos do hospital, confeccionadas pela
divisão de costura da instituição, foi produzido um desfile dos usuários.”
(2005, p. 4)

É importante lembrar que a produção/realização de atividades daria um


novo sentido àquele momento em que o usuário se encontra, pensando que a
Terapia Ocupacional traria grandes benefícios aos usuários de saúde mental em
momentos de internação psiquiátrica, construindo um novo sentido para aquele
espaço e funcionando como bom lugar para trocas relacionais.

CONCLUSÃO

Na produção desta monografia foram encontrados poucos estudos


relacionados a este tema, o que demonstra a necessidade de outros materiais
serem construídos, abordando a atuação da Terapia Ocupacional em usuários em
momento de internação psiquiátrica.
Com a realização deste trabalho, através de referenciais teóricos e da
experiência obtida no HMJM, torna-se clara a importância que a atividade tem
neste ambiente. Através delas, os usuários de saúde mental poderão construir
novos sentidos para este momento de crise e tornar-se autores de sua própria
história.
A atuação do terapeuta ocupacional, trabalhando em conjunto com outros
profissionais, pensando em ações interdisciplinares que surgem com a Reforma
Psiquiátrica brasileira, nos faz pensar o quanto vem sendo ampliada as ações em
relação ao pensar/agir com esses usuários.
Ao participar de uma equipe multiprofissional com ações interdisciplinares,
podemos notar que o terapeuta ocupacional não foca apenas nas atividades, mas
também no cotidiano das pessoas, pensando/agindo de forma que traga
benefícios aos usuários de saúde mental. Quando os profissionais trabalham em
conjunto, eles se permitem a troca de saberes.
Concluímos com este estudo, que é indispensável a presença de
profissionais de Terapia Ocupacional em serviços de internação psiquiátrica,
tendo em vista todos os benefícios que este profissional pode acarretar aos
usuários de saúde mental.

[MORAES&ROSA, 2013] Página 21


A minha participação nesta instituição, enquanto estagiária, acarretou em
um grande amadurecimento profissional e me fez criar um novo olhar do campo
da Terapia Ocupacional. Notei o quanto aprendi em relação aos usuários de
saúde mental e criei em mim um grande amor por esse campo.

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[MORAES&ROSA, 2013] Página 23


ANEXO I

[MORAES&ROSA, 2013] Página 24

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