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I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS

Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012

ALIMENTOS TRADICIONAIS DO CARIRI CEARENSE: O PEQUI NOSSO DE


CADA DIA NO MUNICÍPIO DO CRATO

Ariza Maria Rocha,URCA


arizarocha2000@yahoo.com.br

Cicero Antonio Mariano dos Santos, UFC


anttony_ms@hotmail.com

José Arimatea Barros Bezerra, UFC-


HYPERLINK "mailto:Bezerra-UFCja.bezerra@uol.com.br"
ja.bezerra@uol.com.br; AGOSTOS

GT01 - A Produção de Alimentos Tradicionais nos Territórios Rurais e Urbanos

Resumo

Este trabalho teve o objetivo de investigar a participação do pequi na produção de alimentos


tradicionais no Crato-CE. Este projeto enquadra-se nos estudos históricos da alimentação no
Brasil e terá complementaridade de outras áreas, como, por exemplo a visão antropológica da
alimentação humana.A metodologia está apoiado na pesquisa qualitativa e os dados foram
coletados a partir da observação participante e entrevista. Nesse espaço, identificou-se um
conjunto de alimentos tradicionalmente produzidos e consumidos pela população rural local,
dentre os quais o pequi que é usado como tempero para o arroz, feijão e a pesquizada, além da
produção do óleo do pequi que é apreciado na região e produzido por apenas algumas famílias
do meio rural, no entanto, a comercialização do óleo tem o custo elevado. Os saberes ligados
a essas preparações fazem parte das receitas familiares que são transmitidas pela oralidade e
possuem significados próprios das relações da população com a terra e com o meio ambiente
da região.

Palavras-chave: Pequi, Produção, Alimentos Tradicionais, Crato.

Introdução

No dia 23 de março de 2010, o Jornal GLOBO/TV Verdes Mares noticia que a colheita do
pequi é encerrada com festa. “Pequi” e “festa” são as palavras utilizadas para evocar imagens
que são chaves para esse trabalho que tem como foco a relação do consumo e produção de
pequi no Cariri, tendo como ponto de partida a indagação: Por que comemorar a colheita do
Pequi na região?

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Comemorar a safra, no caso o pequi, é comemorar comida na mesa, fartura na alimentação,


que vai desde a sobrevivência como também representa dinheiro extra que ajuda no sustento
da família. Del Priore (1994,p.13) explica a relação da festa com a colheita, pois, “As festas
nasceram das formas de culto externo, tributando geralmente a uma divindade protetora das
plantações, realizado em determinados tempos e locais”.

Não há festa sem comida. Na Festa do Pequi, o centro da atenção é o fruto colhido pelos
catadores que partilham a comida com os amigos, familiares. Segundo Carneiro (2003, p.5) “a
alimentaçao revela a estrutura da vida cotidiana, do seu núcleo mais íntimo e mais
compartilhado, como, por exemplo, as memórias, receitas e a identidade da cultura local.
Fernández-Armesto (2004) explica o significado da comida:

A revolução que começou com a descoberta de que a comida serve para algo
mais alem da alimentação ainda continua. Estamos sempre descobrindo
meios de utilizar o alimento socialmente: para formar laços com os
semelhantes, que comem as mesmas coisas; para nos diferenciar dos
estranhos que ignoram nossos tabus alimentares; para nos reconstruir, dar
novas formas a nossos corpos, refazer nossos relacionamentos com as
pessoas, com a natureza, com os deuses (p.94).

O pequi faz parte do alimento tradicional da região como o saber e como experiência
culturalmente construída que envolve o paladar. Nesse sentido, podemos dizer que o pequi
representa o patrimônio imaterial do Cariri, considerando a afirmação de Cascudo (1967,
p.34) que o “alimento é um fixador psicológico no plano emocional. Comer certos pratos é
ligar-se ao local do produto”.

Este trabalho teve como objetivo investigar a participação do pequi como alimento tradicional
no Cariri Cearense, especificamente no município do Crato, Ceará. Este projeto enquadra-se
nos estudos históricos da alimentação no Brasil e terá complementaridade de outras áreas,
como, por exemplo, a visão antropológica da alimentação humana e a metodologia está
apoiado na pesquisa qualitativa e os dados foram coletados a partir da observação participante
e entrevista.

Nesse município, identificou-se um conjunto de alimentos tradicionalmente produzidos e


consumidos pela população rural local, dentre os quais o pequi que é usado como tempero
para o arroz, feijão e a pequizada e a produção do óleo do pequi que é apreciado na região e
produzido por apenas algumas famílias do meio rural. Nessa direção, “pode-se pensar a
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cozinha (e a culinária) como um vetor de comunicação, um código complexo que permite


compreender os mecanismos da sociedade a qual pertence , da qual emerge e a qual lhe dá
sentido” (MACIEL, 2004, p. 26).

1. Caracterização da região

Ao sul do estado do Ceará está localizado o Cariri, palavra originária dos índios Kariris que,
significa tristonho, calado, silencioso (PINHEIRO, 2010). O Vale do Cariri está situado na
região do Araripe, e possui a segunda maior concentração populacional do Ceará, com 577
mil habitantes (7,1% da população Total). O polo dinâmico da região é o CRAJUBAR,
formado pelas cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. (CEARÁ, 2005).

Crato, foi um dos primeiros municípios criados no sopé da Chapada do Araripe, no extremo
sul do estado e na Microrregião do Cariri também conhecido como o "Oásis do Sertão". Faz
fronteira com o estado de Pernambuco, constituindo também um entroncamento rodoviário
que interliga ao Piauí, Paraíba, além da capital do Ceará, Fortaleza (WILSON, 2007).

Segundo o IBGE, em 2010, Crato tinha uma população de 121.428 habitantes, em uma área
de 1.157,914 Km² da unidade territorial e uma densidade demográfica de 104,87 hab/Km². O
município é dividido em dez distritos: Crato (sede), Baixio das Palmeiras, Belmonte, Campo
Alegre, Dom Quintino, Monte Alverne, Bela Vista, Ponta da Serra, Santa Fé e Santa Rosa.

Esta pesquisa foi realizada no município de Crato, especificamente, no distrito de Santa Fé e


na localidade Baixio dos Maracujás com agricultores rurais para investigar a biodiversidade
alimentar na região, identificando alimentos tradicionais que possam ser recompostos como
potenciais de geração de segurança alimentar e nutricional.

Em agosto de 2011, iniciamos a pesquisa realizando o levantamento socioeconômico e a


produção/produtos da agricultura da região. Assim, recorremos ao Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística - IBGE, Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará -
EMATERCE e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Município do Crato.

O levantamento revelou que, entre os alimentos tradicionais que caracterizam a região estão a
rapadura, mel, pequi, mandioca e macaxeira. O trabalho iniciou-se com um mapeamento dos
alimentos regionais no limite espacial do município do Crato, identificando aqueles que
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podem ser apropriados, em suas formas tradicionais, como instrumentos indutores de


fortalecimento da agricultura familiar e possibilitem a geração de renda em função de sua
utilização no Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE.

No levantamento identificamos o pequi (pequizada, pequi no arroz), mandioca (goma, farinha,


beiju, tapioca, biscoito), macaúba (coco, suco, pão), rapadura (mel, melado, caldo), milho
(cozido, assado, bolo, canjica, pamonha, cuscuz, pipoca), fubá (bolo), mungunzá (salgado e
doce), coco de babaçu (óleo, sequilho e bolo), doce de buriti, macaxeira (cozida e assada,
bolo, mangaba (suco, doce, sorvete), andu (baião de dois).

Partimos então para a pesquisa de campo, antes porém estivemos na Empresa de Assistência
Técnica e Extensão Rural do Ceará - EMATERCE, no dia 30/08/2011, para conhecer a
produção de alimentos tradicionais no município de Crato e foi confirmado que não existe
mais engenho para a produção da rapadura, apenas alambique para a cachaça.

A pesquisa continuou no Sindicato dos Trabalhadores Rurais, onde tivemos a indicação para
visitar o Sítio Malhada; Baixa do Maracujá e Santa Fé e focalizamos a mandioca produzida
nas Casas de Farinha, o coco de babaçu (o óleo e o sequilhos), a mangaba e o pequi
compondo os principais alimentos regionais no limite espacial do município do Crato.

Neste trabalho apresentaremos o pequi apreciado por muitos e que foi cantado nas músicas de
Luiz Gonzaga, entre elas, Eu vou pro Crato:

Eu vou pro Crato. Vou matar minha saudade


Ver minha morena. Reviver nossa amizade
Eu vou pro Crato. Tomar banho na nascente
Na subida do Lameiro. Tomo uns trago de aguardente
Eu vou pro Crato. Comer arroz com pequi
Feijão com rapadura. Farinha do Cariri(...)

2. Apresentação do Pequi

O pequi é uma fruta apreciadíssima na região. Seu nome científico é Caryocar


brasiliense; Caryocaraceae e provem de uma árvore encontrada na floresta-FLONA-Floresta
Nacional do Araripe. A época da colheita é de dezembro a fevereiro, período em que o

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agricultor espera que o fruto caia para que ele possa ser coletado para ser consumido e
vendido nas ruas e mercados da cidade.

Foto 2: Tabuleiro de Venda do pequi

A árvore é protegida por lei, segundo a Portaria nº. 54 de 03.03.87 – IBDF - que impede seu
corte e comercialização em todo o Território Nacional. Com um cheiro forte, o pequi pode ser
consumido no arroz e no feijão, como, também, fazer a pequizada com os caroços. Apesar de
apreciado na comida da região, é preciso ter cuidado com os espinhos que ficam no caroço. A
foto, abaixo, apresenta os frutos abertos para a extração do caroço

Foto 3: Pequi depois de aberto é retirado o caroço

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Do pequi também é feito o óleo que serve para o consumo doméstico e também na medicina
caseira para desinflamar e retirar corpos estranho do corpo. Em torno dessa árvore também
surgem as lendas, como, por exemplo, a lenda de Nossa Senhora e o pé de pequi:

Diz a lenda que Nossa Senhora passou pela Serra do Araripe carregando o
Menino Jesus que na ocasião estava com muita fome. Pra sua alegria, Nossa
Senhora encontrou um pé de pequi. Então ela serviu ao menino uma papa de
pequi numa panelinha de barro que sempre carregava. Depois enterrou a
panelinha no chão e nesse lugar nasceu e cresceu um enorme pé de pequi
(Dona Rosa, entrevista, 2011).

As receitas mais comuns do uso do pequi na região são: pequi cozido no arroz, pequi no feijão
e a pequizada. A receita é bem simples, basta retirar a casca do pequi e colocar o caroço para
ser cozido juntamente com o arroz e com o feijão. Segundo a Empresa de Assistência Técnica
e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais -EMATER/ MG, o pequi é rico em Vit. A e C,
principalmente.(http://www.emater.mg.gov.br/site_emater/Serv_Prod/Livraria/Fruticul.). A
pequizada também é simples e é gostosa e nutritiva. Retiram-se as cascas e cozinha-se com as
verduras preferidas. Algumas pessoas colocam leite, outras, preferem somente o cozimento na
água. Apesar de muito apreciado, o óleo de pequi é muito caro (meio litro custa 10 reais).

3. O Processo de Coleta do Pequi

Entre os meses de novembro a janeiro, o pequi começa a ficar em condições de coleta. A


colheita é feita nos meses de janeiro a março. Os catadores de pequi transferem sua moradia
para acampamentos provisórios na Serra do Araripe. Lá várias famílias se reunem para catar o
fruto e vender nas estradas e nas feiras. O preço varia de acordo com a oferta. Se a safra for
boa, o preço do pequi é baixo, caso contrário, o preço sobe, a mesma coisa ocorre com o
preço do óleo de pequi, que é feito da seguinte forma:

1-Depois de catar os pequis no alto da Serra do Araripe, o catator corta, abrindo no meio e
tirando os caroços e já colocando na panela;

2-tira-se a casca e retira a castanha que vai ao fogo (de 50minutos-60min);

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3- Na panela (tacho que comporta 4mil-7mil caroços de pequi) fervendo, vai ralando
(amassando, espremento o pequi), aproxidamente, 50min-60min. Para fazer um litro de óleo
precisa-se de um milheiro de pequi.

4- Quando iniciar a fervura, o óleo vai subindo à superfície e com um caneco vai separando
da água e, colocando em uma panela menor para ferver mais um pouco e “apurar”. Depois
quando tiver fervendo vai tirando o óleo que sobe à superficie,separa-o em outra panela para
ferver mais um pouco para apurar (tirar à agua) e depois engarrafar.

Contudo, Maciel (2004) explica que o modo de fazer, é mais do que técnicas de
aproveitamento do alimento, pois,

(…) essas maneiras de fazer estão relacionadas nos significados atribuídos


aos alimentos e ao ato alimentar, que vem a ser um ato culinário, de
transformação. Assim, a maneira de transformar a substância alimentar, de
fazer a comida, a culinária própria a uma dada cozinha, implica um
determinado estilo de vida, produzindo uma mudança que não é só de estado,
mas de sentido (MACIEL, 2004, p. 26).

Conforme explica Maciel, esses modos de fazer estão relacionadas ao estilo próprio da região,
como podemos acompanhar, a seguir, no uso do pequi nas receitas medicinais e na
alimentação do Crato.

4. O Consumo e a Produção do Pequi no dia a dia no Crato-CE: o Óleo de Pequi, uso


medicinal e as receitas culinárias

A partir do pequizeiro e seus frutos, emergem espaços de sociabilidade como a festa do


pequi. Porém, na região, há ainda outras festas comemorativas de colheita, fartura e boa
safra, como por exemplo, a farinhada, festa na qual os familiares e amigos comparecem
para ajudar a fabricação da farinha, reforçando as relações familiares e de grupo, como bem
lembra a música “Farinhada” na voz de Luiz Gonzaga e composição de Zé Dantas,

Tava na penera
Eu tava penerando
Eu tava de namoro
Eu tava namorando

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Na farinhada
Lá na serra do Teixeira
Namorei uma cabocla
Nunca vi tão feiticeira

A meninada
Descascava a macaxeira
Zé Migué no caititu
Eu e ela na penera

O vento dava
Sacudia a cabelera
Levantava a saia dela
No balanço da penera

Fechei os óio
E o vento foi soprando
Quando deu um ridimuinho
Sem querer tava espiando

De madrugada
Nós fiquemo ali sozinho
O pai dela soube disso
Deu de perna no caminho

Chegando lá
Até riu da brincadeira
Nós tava namorando
Eu e ela na penera.

Retornando ao pequi, existem várias maneiras de consumi-lo, que vão desde o alimento
(Arroz com pequi, feijão com pequi, baião-de-dois com pequi, óleo e sorvete), ao remédio.
Também pode-se usar o pequizeiro no fabrico de alguns objetos domésticos, como, por
exemplo, o coxo utilizado para a prensa da mandioca. O trabalho de Deus (2008) revela que a
extração do pequi também pode ser usado nos produtos cosméticos, emulsões e antioxidantes.
A EMATER-MG complementa:

(...) empregado na alimentação humana, na perfumaria e na


medicina caseira:
Raiz: é toxica e, quando macerada, serve para matar peixes
Madeira: fornece dormentes, postes, peças para carro-de-boi,
construção naval e civil e obras de arte; suas cinzas produzem potassa
utilizada no preparo de sabões caseiros.
Folhas: adstringentes, que estimulam a secreção da bílis.
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Fruto: produz óleo empregado como condimento no preparo de arroz e


carnes, contendo proteínas, açucares, vitaminas A, Tiamina, sais de
cálcio, ferro e cobre. É empregado no combate a gripes e resfriados.
Sementes: fornecem óleo ( manteiga de pequiá ), possuindo ainda
propriedades aromáticas e sendo utilizadas no preparo de licores.
Casca: fornece tinta, de cor acastanhada, utilizada pelos artesãos no
tingimento de algodão e lã.(EMATER-MG,05/02/2012-disponível
em:http://www.emater.mg.gov.br/site_emater/Serv_Prod/Livraria/Fruticul.)

Assim, o pequi cumpre a função socialmente constitutiva da alimentação e a função


identitária da região. Gonçalves (2002, p. 9) explica que:

Desse modo, a exemplo de outros 'itens culturais', a alimentação desempenha


não só uma funçao identitária, mas também, no plano mais inconsciente, uma
função constitutiva. Insisto em que não basta dizer, portanto, que
determinados alimentos são escolhidos para representar uma identidade
nacional ou regional. É preciso responder por que especificamente (seu modo
de obtenção, de preparaçao, de consumo, as ocasiões em que são
consumidos, etc.) são coletivamente celebrados em detrimento de outros.

Assim para compreender os elementos constitutivos do pequi, adotaremos a estruturação de


Mahias (1991 apud GONÇALVES, 2002) de sistema culinário que “desloca nossa atenção
para o caráter estruturado desse sistema e para a interdependência de seus elementos
constitutivos” (GONÇALVES, 2002, p.9). Esses elementos “constituem um lugar de
interação de técnicas, relações sociais e representações, seja qual for a variedade de seu
conteúdo empírico”(Ib.Idem, p.10) e estão distribuídos da seguinte forma:

a) processos de obtenção de alimentos (caça, pesca, coleta, agricultura,


criação, troca ou comércio);
b) seleção de alimentos (sólidos e líquidos, doces e salgados, etc.);
c) processos de preparação (cozimento, fritura, temperos, etc.);
d) saberes culinários;
e) modos de apresentar e servir os alimentos (marcados pela formalidade ou
pela informalidade);
f) técnicas corporais necessárias ao consumo de alimentos (maneiras à mesa);
g) 'refeições', isto é, situações sociais (quotidianas e rituais) em que se
preparam, exibem e consomem determinados alimentos;
h) hierarquias das 'refeições';
i) quem oferece e quem recebe uma 'refeição'(quotidiana ou ritual);
j) classificação de comidas principais, complementares e sobremesas
K) equipamentos culinários e como são representados (espaços, mesas,
cadeiras, esteiras, talheres, panelas, pratos, etc.);
l) classificações do 'paladar';
m) modos de se dispor dos restos alimentares; etc.

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A partir desses elementos, analisamos o pequi como fruto apanhado no chão pelos catatores
na Serra do Araripe. Desde fruto é feito alimentos salgados (arroz com pequi, feijão com
pequi, baião-de-dois com pequi, pequizada) ou doce como o sorvete de pequi. Assim, a
comida varia desde o prato principal, complementar até a sobremesa para muitas famílias. Em
relação aos processos de preparação, o fruto pode ser servido cozido como prato principal
(pequizada), mas também pode ser utilizado como tempero. Os modos de apresentar e servir-
los são marcados pela informalidade podendo ser servido à mesa ou nos acampamentos
provisórios no tempo da coleta. Algumas famílias, que possuem um refrigerador, armazenam
o pequi em sacos (10 caroços por sacos) e separam em duas partes: a primeira é estocada para
o período da entressafra e a segunda parte é vendida. Os restos dos pequis, as cascas, são
jogadas de volta a terra. Assim, seguindo esses passos, aprendemos que não basta identificar o
pequi como alimento tradicional da região, até porque sabemos que esse fruto também
prolifera no Cerrado brasileiro (DEUS, 2008). Neste ângulo, Maciel explica que:

(…) não basta identificar, por exemplo, a mandioca e a farinha enquanto


'traços culturais', enquanto itens individualizados da alimentação brasileira.
Isso seria naturalizar uma determinada percepção ou 'leitura' da sociedade
brasileira. Para que se possam perceber e entender suas funções e seus
significados é preciso considerá-las parte de um sistema de relações sociais e
parte de um 'sistem culinário', o qual põe em foco (ou ritualiza) os valores
mais caros a essa sociedade (MACIEL, 2004, p.29).

Desta forma, o pequi como alimento consumido e produzido na cultura tradicional do Cariri,
principalmente, no Crato, deve ser considerado para além da fronteira territorial, e atentar-se
que esse fruto é marcado por vivências, saberes, emoções, afetos, significados, memórias,
visões de mundo, crenças, valores, maneiras de viver, enfim, permite a criação de espaços de
sociabilidade que extrapola o termo de tradição como “sobrevivência do passado”(2), mas,
respeitando a dinâmica da cultura.

Últimas considerações

O pequi é conhecido no Crato como parte da cultura da região. Seu consumo faz parte da
agricultura familiar que produz alimentos a partir do fruto, como, por exemplo, a pequizada.
Sua colheita ocorre entre os meses de janeiro a março e, dependendo da safra, depois desse
período, organiza-se a Festa do Pequi para comemorar a safra. Dessa forma, o pequi, pode ser
apropriado, em suas formas tradicionais, mas, também como instrumentos indutores de
fortalecimento da agricultura familiar e possibilitem a geração de renda em função de sua
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utilização no Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Desde modo, a inserção


dos citados alimentos na merenda escolar contribuiria para o fortalecimento da agricultura
familiar local e valorização da cultura alimentar local pelos escolares.

Notas

1-Maiores informações em: http://globotv.globo.com/tv-verdes-mares/ne-rural-ceara/v/trabalhadores-


do-cariri-ce-colhem-pequi/176938

2- MACIEL (2004, p. 29) alerta para o uso do termo tradição, pois ”(...) ele implica uma relação entre
o passado e o presente. Cabe observar que, muito frequentemente, a tradição é considerada uma
“sobrevivencia do passado”, transmitida, intocada, de geração a geração. É pensada como algo que
mantém a permanência, do passado ao presente, consevando-se no tempo, ou seja, mantendo
configuração idêntica a um modelo orginal criado num momento distante”.

Referências Bibliográficas

CARNEIRO, Henrique. Comida e Sociedade:uma história da alimentação. Rio de Janeiro:


Elsevier, 2003.

CASCUDO, Luis da Camara. História da Alimentação no Brasil. Vol 1. Trabalho preparado


sob os auspícios da Société D´Études Historiques Dom Pedro II.Companhia Editora Nacional,
São PAULO, 1967.

CEARÁ, Governo do Estado. Programa de Desenvolvimento Regional: Cidades do Ceará.


Fortaleza-CE: SDLR, Out.,2005.

DEL PRIORE, Mary. Festas e Utopias no Brasil Colonial.São Paulo-SP: Brasiliense, 1994.

DEUS, Tatiana Nogueira de. Extração e caracterização de óleo do pequi (CARYOCAR


BRASILIENSISCAMB.) para o uso sustentável em formulações cosméticas óleo/água
(O/A).Dissertação de Mestrado Multidisciplinar da Universidade Católica de Goiás, Goiânia,
2008.

FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe. Comida: uma história. Tradução de Vera Joscelyn, Rio


de Janeiro:Record, 2004.

GONÇALVES, José Reginaldo Santos et al. Alimentação e cultura popular. Rio de Janeiro:
Funarte, CNFCP,2002.

GONZAGA, Luiz e composição de Zé Dantas. Música: Eu vou pro Crato

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GONZAGA, Luiz e composição de Zé Dantas. Música: Farinhada.

JORNAL GLOBO -TV VERDES MARES,.CARIRI - Colheita do pequi é encerrada com


festa , 23 Março 2010. Disponível em http://globotv.globo.com/tv-verdes-mares/ne-rural-
ceara/v/trabalhadores-do-cariri-ce-colhem-pequi/1769383/

MACIEL, Maria Eunice. A culinária e a tradição. In. Estudos Históricos:Alimentação. Rio


De Janeiro, N.33, Janeiro-Junho, .p.30-36, 2004.

MACIEL, Maria Eunice.Uma Cozinha À Brasileira.In. Estudos Históricos:Alimentação. Rio


De Janeiro, N.33, Janeiro-Junho, .p.25-30, 2004.

PINHEIRO, Irineu. O Cariri: Seu Descobrimento, Povoamento, Costumes. Coedição


SECULT, Edições URCA – Fortaleza-CE: Edições UFC, 2010.

SITE da EMATER-MG. Disponível em


http://www.emater.mg.gov.br/doc/intranet/upload//LivrariaVirtual/a%20cultura%20do%20pequi.pdf
acesso no dia 5 de fevereiro de 2012.

Site do IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em


http://www.ibge.gov.br/ acesso no dia 5 de fevereiro de 2012.

SITE: Mapa da região Metropolitana do Cariri. Fonte: Região Metropolitana do Cariri.


http://pt.wikipedia.org/wiki/Regi%C3%A3o_Metropolitana_do_Cariri

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