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Resumo
Introdução
No dia 23 de março de 2010, o Jornal GLOBO/TV Verdes Mares noticia que a colheita do
pequi é encerrada com festa. “Pequi” e “festa” são as palavras utilizadas para evocar imagens
que são chaves para esse trabalho que tem como foco a relação do consumo e produção de
pequi no Cariri, tendo como ponto de partida a indagação: Por que comemorar a colheita do
Pequi na região?
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I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS
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Não há festa sem comida. Na Festa do Pequi, o centro da atenção é o fruto colhido pelos
catadores que partilham a comida com os amigos, familiares. Segundo Carneiro (2003, p.5) “a
alimentaçao revela a estrutura da vida cotidiana, do seu núcleo mais íntimo e mais
compartilhado, como, por exemplo, as memórias, receitas e a identidade da cultura local.
Fernández-Armesto (2004) explica o significado da comida:
A revolução que começou com a descoberta de que a comida serve para algo
mais alem da alimentação ainda continua. Estamos sempre descobrindo
meios de utilizar o alimento socialmente: para formar laços com os
semelhantes, que comem as mesmas coisas; para nos diferenciar dos
estranhos que ignoram nossos tabus alimentares; para nos reconstruir, dar
novas formas a nossos corpos, refazer nossos relacionamentos com as
pessoas, com a natureza, com os deuses (p.94).
O pequi faz parte do alimento tradicional da região como o saber e como experiência
culturalmente construída que envolve o paladar. Nesse sentido, podemos dizer que o pequi
representa o patrimônio imaterial do Cariri, considerando a afirmação de Cascudo (1967,
p.34) que o “alimento é um fixador psicológico no plano emocional. Comer certos pratos é
ligar-se ao local do produto”.
Este trabalho teve como objetivo investigar a participação do pequi como alimento tradicional
no Cariri Cearense, especificamente no município do Crato, Ceará. Este projeto enquadra-se
nos estudos históricos da alimentação no Brasil e terá complementaridade de outras áreas,
como, por exemplo, a visão antropológica da alimentação humana e a metodologia está
apoiado na pesquisa qualitativa e os dados foram coletados a partir da observação participante
e entrevista.
1. Caracterização da região
Ao sul do estado do Ceará está localizado o Cariri, palavra originária dos índios Kariris que,
significa tristonho, calado, silencioso (PINHEIRO, 2010). O Vale do Cariri está situado na
região do Araripe, e possui a segunda maior concentração populacional do Ceará, com 577
mil habitantes (7,1% da população Total). O polo dinâmico da região é o CRAJUBAR,
formado pelas cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. (CEARÁ, 2005).
Crato, foi um dos primeiros municípios criados no sopé da Chapada do Araripe, no extremo
sul do estado e na Microrregião do Cariri também conhecido como o "Oásis do Sertão". Faz
fronteira com o estado de Pernambuco, constituindo também um entroncamento rodoviário
que interliga ao Piauí, Paraíba, além da capital do Ceará, Fortaleza (WILSON, 2007).
Segundo o IBGE, em 2010, Crato tinha uma população de 121.428 habitantes, em uma área
de 1.157,914 Km² da unidade territorial e uma densidade demográfica de 104,87 hab/Km². O
município é dividido em dez distritos: Crato (sede), Baixio das Palmeiras, Belmonte, Campo
Alegre, Dom Quintino, Monte Alverne, Bela Vista, Ponta da Serra, Santa Fé e Santa Rosa.
O levantamento revelou que, entre os alimentos tradicionais que caracterizam a região estão a
rapadura, mel, pequi, mandioca e macaxeira. O trabalho iniciou-se com um mapeamento dos
alimentos regionais no limite espacial do município do Crato, identificando aqueles que
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Partimos então para a pesquisa de campo, antes porém estivemos na Empresa de Assistência
Técnica e Extensão Rural do Ceará - EMATERCE, no dia 30/08/2011, para conhecer a
produção de alimentos tradicionais no município de Crato e foi confirmado que não existe
mais engenho para a produção da rapadura, apenas alambique para a cachaça.
A pesquisa continuou no Sindicato dos Trabalhadores Rurais, onde tivemos a indicação para
visitar o Sítio Malhada; Baixa do Maracujá e Santa Fé e focalizamos a mandioca produzida
nas Casas de Farinha, o coco de babaçu (o óleo e o sequilhos), a mangaba e o pequi
compondo os principais alimentos regionais no limite espacial do município do Crato.
Neste trabalho apresentaremos o pequi apreciado por muitos e que foi cantado nas músicas de
Luiz Gonzaga, entre elas, Eu vou pro Crato:
2. Apresentação do Pequi
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agricultor espera que o fruto caia para que ele possa ser coletado para ser consumido e
vendido nas ruas e mercados da cidade.
A árvore é protegida por lei, segundo a Portaria nº. 54 de 03.03.87 – IBDF - que impede seu
corte e comercialização em todo o Território Nacional. Com um cheiro forte, o pequi pode ser
consumido no arroz e no feijão, como, também, fazer a pequizada com os caroços. Apesar de
apreciado na comida da região, é preciso ter cuidado com os espinhos que ficam no caroço. A
foto, abaixo, apresenta os frutos abertos para a extração do caroço
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Do pequi também é feito o óleo que serve para o consumo doméstico e também na medicina
caseira para desinflamar e retirar corpos estranho do corpo. Em torno dessa árvore também
surgem as lendas, como, por exemplo, a lenda de Nossa Senhora e o pé de pequi:
Diz a lenda que Nossa Senhora passou pela Serra do Araripe carregando o
Menino Jesus que na ocasião estava com muita fome. Pra sua alegria, Nossa
Senhora encontrou um pé de pequi. Então ela serviu ao menino uma papa de
pequi numa panelinha de barro que sempre carregava. Depois enterrou a
panelinha no chão e nesse lugar nasceu e cresceu um enorme pé de pequi
(Dona Rosa, entrevista, 2011).
As receitas mais comuns do uso do pequi na região são: pequi cozido no arroz, pequi no feijão
e a pequizada. A receita é bem simples, basta retirar a casca do pequi e colocar o caroço para
ser cozido juntamente com o arroz e com o feijão. Segundo a Empresa de Assistência Técnica
e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais -EMATER/ MG, o pequi é rico em Vit. A e C,
principalmente.(http://www.emater.mg.gov.br/site_emater/Serv_Prod/Livraria/Fruticul.). A
pequizada também é simples e é gostosa e nutritiva. Retiram-se as cascas e cozinha-se com as
verduras preferidas. Algumas pessoas colocam leite, outras, preferem somente o cozimento na
água. Apesar de muito apreciado, o óleo de pequi é muito caro (meio litro custa 10 reais).
1-Depois de catar os pequis no alto da Serra do Araripe, o catator corta, abrindo no meio e
tirando os caroços e já colocando na panela;
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3- Na panela (tacho que comporta 4mil-7mil caroços de pequi) fervendo, vai ralando
(amassando, espremento o pequi), aproxidamente, 50min-60min. Para fazer um litro de óleo
precisa-se de um milheiro de pequi.
4- Quando iniciar a fervura, o óleo vai subindo à superfície e com um caneco vai separando
da água e, colocando em uma panela menor para ferver mais um pouco e “apurar”. Depois
quando tiver fervendo vai tirando o óleo que sobe à superficie,separa-o em outra panela para
ferver mais um pouco para apurar (tirar à agua) e depois engarrafar.
Contudo, Maciel (2004) explica que o modo de fazer, é mais do que técnicas de
aproveitamento do alimento, pois,
Conforme explica Maciel, esses modos de fazer estão relacionadas ao estilo próprio da região,
como podemos acompanhar, a seguir, no uso do pequi nas receitas medicinais e na
alimentação do Crato.
Tava na penera
Eu tava penerando
Eu tava de namoro
Eu tava namorando
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Na farinhada
Lá na serra do Teixeira
Namorei uma cabocla
Nunca vi tão feiticeira
A meninada
Descascava a macaxeira
Zé Migué no caititu
Eu e ela na penera
O vento dava
Sacudia a cabelera
Levantava a saia dela
No balanço da penera
Fechei os óio
E o vento foi soprando
Quando deu um ridimuinho
Sem querer tava espiando
De madrugada
Nós fiquemo ali sozinho
O pai dela soube disso
Deu de perna no caminho
Chegando lá
Até riu da brincadeira
Nós tava namorando
Eu e ela na penera.
Retornando ao pequi, existem várias maneiras de consumi-lo, que vão desde o alimento
(Arroz com pequi, feijão com pequi, baião-de-dois com pequi, óleo e sorvete), ao remédio.
Também pode-se usar o pequizeiro no fabrico de alguns objetos domésticos, como, por
exemplo, o coxo utilizado para a prensa da mandioca. O trabalho de Deus (2008) revela que a
extração do pequi também pode ser usado nos produtos cosméticos, emulsões e antioxidantes.
A EMATER-MG complementa:
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A partir desses elementos, analisamos o pequi como fruto apanhado no chão pelos catatores
na Serra do Araripe. Desde fruto é feito alimentos salgados (arroz com pequi, feijão com
pequi, baião-de-dois com pequi, pequizada) ou doce como o sorvete de pequi. Assim, a
comida varia desde o prato principal, complementar até a sobremesa para muitas famílias. Em
relação aos processos de preparação, o fruto pode ser servido cozido como prato principal
(pequizada), mas também pode ser utilizado como tempero. Os modos de apresentar e servir-
los são marcados pela informalidade podendo ser servido à mesa ou nos acampamentos
provisórios no tempo da coleta. Algumas famílias, que possuem um refrigerador, armazenam
o pequi em sacos (10 caroços por sacos) e separam em duas partes: a primeira é estocada para
o período da entressafra e a segunda parte é vendida. Os restos dos pequis, as cascas, são
jogadas de volta a terra. Assim, seguindo esses passos, aprendemos que não basta identificar o
pequi como alimento tradicional da região, até porque sabemos que esse fruto também
prolifera no Cerrado brasileiro (DEUS, 2008). Neste ângulo, Maciel explica que:
Desta forma, o pequi como alimento consumido e produzido na cultura tradicional do Cariri,
principalmente, no Crato, deve ser considerado para além da fronteira territorial, e atentar-se
que esse fruto é marcado por vivências, saberes, emoções, afetos, significados, memórias,
visões de mundo, crenças, valores, maneiras de viver, enfim, permite a criação de espaços de
sociabilidade que extrapola o termo de tradição como “sobrevivência do passado”(2), mas,
respeitando a dinâmica da cultura.
Últimas considerações
O pequi é conhecido no Crato como parte da cultura da região. Seu consumo faz parte da
agricultura familiar que produz alimentos a partir do fruto, como, por exemplo, a pequizada.
Sua colheita ocorre entre os meses de janeiro a março e, dependendo da safra, depois desse
período, organiza-se a Festa do Pequi para comemorar a safra. Dessa forma, o pequi, pode ser
apropriado, em suas formas tradicionais, mas, também como instrumentos indutores de
fortalecimento da agricultura familiar e possibilitem a geração de renda em função de sua
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Notas
2- MACIEL (2004, p. 29) alerta para o uso do termo tradição, pois ”(...) ele implica uma relação entre
o passado e o presente. Cabe observar que, muito frequentemente, a tradição é considerada uma
“sobrevivencia do passado”, transmitida, intocada, de geração a geração. É pensada como algo que
mantém a permanência, do passado ao presente, consevando-se no tempo, ou seja, mantendo
configuração idêntica a um modelo orginal criado num momento distante”.
Referências Bibliográficas
DEL PRIORE, Mary. Festas e Utopias no Brasil Colonial.São Paulo-SP: Brasiliense, 1994.
GONÇALVES, José Reginaldo Santos et al. Alimentação e cultura popular. Rio de Janeiro:
Funarte, CNFCP,2002.
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