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Carolina Fomin1
Carlos Gontijo Rosa2
RESUMO ABSTRACT
O objetivo deste artigo é levantar pontos de dis- This article aims to offer
some points for discussion
cussão sobre como o acesso de surdos em apre- on how theatrical perfor-
sentações teatrais tem sido possibilitado e o diá- mances have been made
logo que as formas artísticas estabelecem com accessible to the deaf and
the dialogue between artis-
as obrigatoriedades impostas por lei. Para tal, tic forms and the obligations
realizamos uma análise crítica do espetáculo tea- imposed by law. To this ob-
tral A golondrina, que contou com interpretação jective, we performed a criti-
cal analysis of the theatrical
para Libras em quatro apresentações. Além da performance A golondrina,
análise das representações, realizamos entrevistas which was interpreted to
Brazilian Sign Language (Li-
com espectadores surdo e ouvinte, mobilizando
bras) in four presentations. In
diferentes vozes e posicionamentos discursivos.
1
Doutoranda e mestre (2018) em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo – PUCSP, São Paulo; Capes no. 88887.314270/2019-00; carolfomin@gmail.com
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Pós-doutorando no Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP; doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade
de São Paulo – USP, São Paulo; carlosgontijo@gmail.com
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A análise que permeia o texto foi tecida com re- addition to the analysis of the
performances, we conducted
flexões teóricas a partir do dialogismo proposto
interviews with deaf and hea-
pelo Círculo de Bakhtin, relacionando os estudos ring spectators, prompting
da linguagem com os estudos das artes da cena e different discursive voices
and positions. This paper is
das línguas de sinais.
permeated by an analysis
woven with theoretical re-
flections from the dialogism
proposed by the Bakhtin’s
Circle, relating language stu-
dies with the studies of the
performing arts and sign
languages.
PALAVRAS-CHAVE
PALAVRAS-CHAVE Theatre; Sign language; Sign
Teatro; Língua de sinais; Interpretação em Libras. language interpreting.
Introdução
O presente artigo parte das seguintes questões: Como está sendo possi-
bilitado o acesso de surdos a apresentações teatrais? E qual o diálogo que as for-
mas artísticas estabelecem com as obrigatoriedades impostas por lei? Enquanto
autores e enquanto participantes do universo das artes da cena, não buscamos
aqui postular respostas ou métodos infalíveis de adequação das formas artísticas
à pluralidade de receptores que cada vez mais ganham voz e espaço na socieda-
de. Mas, sim, objetivamos levantar pontos de discussão que possam levar ambas
as instâncias desta equação a elaborar a priori suas considerações a respeito, e não
a posteriori, como tem se mostrado prática usual desde a obrigatoriedade imposta
por leis e normativas.
Instrumentos legais e normativos têm versado sobre o direito de todas as
pessoas a acessar espaços públicos, tais como a Constituição Federal de 1988, a
Lei 10.098/00, Decreto 5296/04, o Estatuto de Museus da Lei nº 11.904/09, o
Plano Nacional de Cultura (PNC) de 2010 e, mais recentemente, a Lei Brasileira
de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) – Lei nº 13.146/15. Esta última,
a LBI, incluiu na Lei Rouanet (Lei no. 8.313/91) um parágrafo que determina
que os incentivos do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) serão
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Faz-se notar, na fala do entrevistado, a confusão entre dois momentos distintos, pois a fala de Ramón
sobre as últimas palavras de Dani não está atrelada dramaturgicamente ao monólogo em que aquele conta a
morte deste.
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món e Ramón diz “vai ficar tudo bem”, “vai ficar tudo bem!”.
Me arrepiei. (espectador surdo).
considerarmos que o espetáculo não foi primeiramente produzido para contar com a presença do ILS
em cena (ou ao lado dela), mas que foi durante meses cuidadosamente burilado para manter as ações,
entonações e relações estabelecidas no palco completamente sob controle, há verdadeiramente uma
subversão de seu teor original.
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para o surdo, que percebe as relações textuais do poema10, quanto para o ouvin-
te, que capta uma nova expressão artística daquele momento.
Se a língua de sinais interferisse na apreensão da cena apenas no mo-
mento da música, poderíamos imaginar que seria porque não compete à Libras,
enquanto língua cujo modo de produção é gestual, permanecer estática, como
foi a opção cênica para a execução da música dessa montagem. Entretanto,
a presença da ILS no espaço cênico suscita outras imagens no espectador –
imagens que, possivelmente, tenham passado desapercebidas da produção do
espetáculo, pois essa já se encontra com seu olhar fixado na semiologia da cena
previamente preparada. O efeito de “aqui-agora” que as ILS provocam pode ser
visto, por exemplo, numa singela movimentação de cena do ator Luciano, que
ganha significados distintos com a presença da ILS à esquerda do palco. Para
García Barrientos (2007, p. 121), “hay que se destacar ante todo la importancia
radical del espacio como elemento constitutivo de la construcción dramática”.
Ao operar dramaticamente de maneira equivalente à “voz narrativa”, o espaço
coloca ILS e atores em iguais níveis perante o jogo teatral.
As ILS interpretaram o espetáculo ao lado esquerdo do palco, no fosso
ao nível da plateia, de frente para esta (ou seja, de costas para o palco), de pé e
com um foco de luz intermitente sobre elas.11 Em determinada cena, já próxi-
ma ao fim da peça, a personagem Amélia tem uma extensa fala em que ataca a
personagem Ramón que, por sua vez, senta-se numa cadeira à esquerda baixa
do palco, próximo ao local onde se encontra a intérprete, e padece do discurso
da mulher. Nesse momento acontece uma sincronia entre a sinalização da ILS
e a movimentação de Tania (não sabemos se proposital ou não). Ambas, cada
uma por um lado, oprimem com seu discurso a personagem Ramón, que sofre
com as palavras de Amélia. Não houve marcas, em nenhum dos elementos que
compuseram a cena, de intencionalidade nesta composição, ela foi produzi-
da através do discurso que vinha do palco e era recebido pela plateia. Assim,
vem-nos outra indagação: até que ponto a interpretação em Libras poderia
efetivamente interferir na cena? Ou, por outra, se a presença física do ILS no
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A cena em si é relativamente estática, com Amélia tocando piano e Ramón de pé ao lado desse, cantando.
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Para a interpretação desse espetáculo as ILS atuaram em equipe, com revezamento a cada 15-20 minutos.
Enquanto uma delas interpretava para a plateia (intérprete de turno), a outra (intérprete de apoio), sentada de
frente para o palco, apoiava não apenas com questões linguísticas, confirmações e correções, mas principalmente
com aspectos relacionados à visualidade da cena e a orientações quanto à movimentação de palco, etc.
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Para Volóchinov (2017, p. 181), não podemos isolar o signo de suas for-
mas concretas de comunicação e, uma vez que todo signo é ideológico, toda pa-
lavra é repleta de significação ideológica. Assim, cotidianamente compreende-
mos e respondemos a esses signos nas mais diversas esferas nas quais transitamos.
Nesse sentido, Fomin (2018a) faz a relação com os enunciados de uma
apresentação teatral e afirma que, antes de qualquer ação ou palavra proferida
Fomin (2018a) usa a sigla TILS para o profissional Tradutor Intérprete de Língua de Sinais.
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No original: “so what function is the interpreting supposed to serve in these circumstances? Perhaps
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we might characterize it as cosmetic interpreting – just there for show? Who is the interpreter providing a
service for?”
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Como afirma Florence Naugrette, em “Le plaisir du spectateur de théâtre” (2002), o pensamento de um
público geral decorre do pensamento romântico que ainda se mantém arraigado no nosso imaginário.
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Certamente não estamos falando em iniciativas como a descrita por Wesley Leal em “Dança-teatro e a
Libras: a convergência poética entre línguas e linguagens no âmbito da arte” (2018), ou de espetáculos como
“Encontro de dois”, da Quase9 Teatro, dirigido por Mariana Muniz, ou A Princesinha Medrosa, de Carolina
Moreyra com direção de acessibilidade de Paula Lopez.
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