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DE
PERSEVERANÇA.
v. .
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,
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UATECISMO
DE
PBBSBVIB.lNC!º ou
EXPOSIÇÃO HISTORICA , DOGMATICA , MORAL , LITURGICA , APOLOGETICA ,
PHILOSOPHICA E SOCIAL
DA RELIGIÃO~
Desde a origem do m.undo a1é nossos dias
tpdo tpa'b'rt '). ~amnt,
l'IGARIO GER~L DA DIOCESE DE NEVERS, CAVALLEIRO DA ORDEM DE S. SILVESTRE,
llEMBRO DA ACADEMIA DA RELIGIÃO CATHOLICA DE ROMA, ETC.
TOMO V.
PORTO:
TYP. DE FRANCISCO PEREIRA D'AZEVEDO
Rua à'Almada n.0 388~
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., -
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CATECISMO
DE
XXXVIJI! LICÃO.
- .
DE NOSSA. U:Nl.IO VOII O NOVO ADA.ltl
PELA. ESPER1'.:NÇA.•
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pedio-lhe encarecidamente que lhe désse outra vez a Sagrada Com-
munhão. - De muito boa vontad~e,. meu filho, lhe tornou o Missio-
nario ; mas é preciso que primeiro confesses os peccados que possas
ter commettido; não temas, eu le ajudarei. --- Que! meu pai, res-
ponde o selvagem admirado, é possivel peccar depois de ter sido ba-
ptizado e de ter commungado l Graças a Deus, eu não creio eslar
culpado de peccado algum voluntario. Elle se confessou comtudo
banhado em lagrimas , accusando-se de algumas leves imperfei-
ções. (1)
Este doce engano do virtuoso Indio devia ser uma verdade : ·
depois do Baptismo, da Confirmação e Communhão , o peccado, so-
bre ludo o peccado mortal, não devia ser confiecido entre os Chris-
tãos. Mas, 6 miseria ! tal é a· fragilidad'e humana , que a adinira-
vel união conlrahida com o Salvado/ muitas vezes se rompe. Que
seria de nõs se nos não houvesse deixado um meio de reparar a
nossa desgraça.? Por isso- instihtio elle o Sacramento da Peniten-
cia. Admiremos pois não só a paciencia infinita do novo Adam :t
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DE PERSEVERANÇA.
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8 CATECISMO
do Sacramento da Penitencia , atten.dendo a que este Sacramento foi
inslituido por Nosso Senhor Jesu-Christo em forma de tribunal de
reconciliação entre os homens e Deus. Ora, n'esta qualidade de tri-
bunal, é preciso de necessidade: 1. º que o culpado conheça o seu
peccado, e que tenha dor d'elle; 2. º que o confesse ; 3. º que pro-
ponha satisfazer pela offensa que commetteu: eis aqui precisamente
o que deve fazer o peccador. E' tambem preciso que intervenha
uma sentença do Juiz competente, que perdoe a offensa, e dê uma
segurança disto ao culpado : eis precisamente o que succede , como
adiante explicaremos.
Se o Concilio de Trento diz simplesmente que a contrição, a
confissão e a satisfação são como que a materia do Sacramento da
Penitencia, isto não significa que ellas não sejam a verdadeira ma-
teria , mas que estes actos do penitente não são do mesmo genero que
a materia dos outros Sacramentos, a qual é toda externa em rela-
ção áquelle que os recebe , como a agua no Baptismo o o Santo
Chrisma na Confirmação : no Sacramento da Penitencia a materia
é uma cousa moral, quando nos outros é uma cousa natural ou
artificial. (1) Expliquemos agora cada um dos sobreditos actos.
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DE PERSEVERANÇA. g
Exame. - Para ter contriç.ão dos peccatlos é preciso conhe-
cel-os; e d,aqui a indispensavel necessidade do exame de conscien-
cia. O exame de consdencia é uma diUgente i"ndagação dos pec.ca-
dos qtM se commetteram depois da ultima confissão, se esta foi bem
feita. As principaes qualidades que deve ter o exame, e ·os meios
de o fazer são os seguintes : _
1. º O exame de consciencia deve ser cxaclo , considerando
attenlamente todos os peccados por pensamento, palavra .ou obra em
que temos incorrido contra os mandamentos de Deus e da Igreja ,
e particularmente contra os deveres do nosso eslauo, desde a ulti-
ma confissão ; mas releva antes de tudo examinar se a ullima confis-
são foi boa , isto é, se fizemos antes della sufficiente exame, se ti-
vemos dor sobrenatural e sincera , com firme e verdadeiro proposito
de nos emendarmos ; pois, ao contrario, ·.se o exame foi ligeiro, con-
tentando-nos com o que nos vinha naturalmente á memoria , quan-
do tinhamos graves rasões para examinar alléntamente a nossa cons-
ciencia ; se não houve sinceridade em confessar qualquer peccado
grave, ou duvidavamos se o era; emfim, se logo depois tornamos
a cahir com facilidade , ou ainda muitas vezes nos mesmos pec-ca-
dos mortaes , então a nossa confissão foi má; porque se não hou' e
emencla, diz nm Padre da Igreja, foi falsa a penitencia. (1)
Para dar ao exame a exactidão necessaria, é preciso proporcio-
nal-o já á medida do tempo que decorreu depois da ultima confis-
são, já á mulliplicidade dos negocios em que andamos envolvidos,
já emfim á variedade das occasiões que temos tido d'offeoder a Deus.
Importa rêcordar-nos dos lugares que temos frequentado; das pes-
soas com quem havemos tratado; em summa, imitemos a mulher do
Evangelho, que , para achar a sua drachma perdida , procura por
lodos os cantos da casa, revê todos os moveis, dá traclos á memo-
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10 Cv\'l'ECIS~IO
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DE PERSEVERA~ÇA. 11
v~ssemos apparerer n'aquella hora diante de Deus. E não ó isto ,.~
supposição ; porque depois de nos Lermos examinado, apparecemos com
effeilo dianl.e de' Deus, representado pelo seu ministro no tribunal
da _Penitencia ; alli se nos dá sentenç~ a favor ou contra, segundo
as nossas disposições ; pois se são boas e sinceras , a sentenç.a é
justa, e Deus a ratilica no Cco ; se porem são falsas e imperfeitas,
a sentença é injusta, e não nos servirá senão de condemnaç.ão , por
termÕs profanado e tornado inutil o sangue de Christo. Lembremo~
nos que um <lia o mesruo Deus fará o nosso exame de consciencia,
quando nos levar , não ao tribunal da sua misericordia , mas ao
dá sua justiça. Felizes seremos então , se nos houvermos julgado
antes com j usliça e equidade ! (1)
O recollzimento. Para nos examinarmos cumpre procurarmos ,
quanto nos seja possivel, um lugar commodo e retirado <lo bu1icio ,
afim de evitar toda a distracção. Quanto ao mais, ha um excellen-
le meio de facilitar o exame , que é o util costume de o fazer to-
das as noutes. Os mesmos pagãos aconselham esta practica. Que
digo eu? n'islo seguimo..s o exemplo do mesmo Deus. A semana
da creação representa a duração do mundo, assim como a duração
da vida ; Deus obrando seis dias, para descançar no setimo , é o
nosso modelo. Assim yemos que este Deus infinitamente perfeito
examina, cm cada dia da creaç.ão , as obras que ia produzindo.
Depois , no fim desta grande semana, passou pelos olhos todas as
suas creaturas e as achou dignas de si. Que m~lhor podia elle ad-
vertir-nos que quem é zeloso da sua salvação, deve examinar a sua
consciencia e a sua ,·ida, antes de adormecer ; e muito mais , antes
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éATECJSMO
<1) Conlrilio, qure primum locum inter diclos Prenilenlis aclus ba-
bel, animi dolor ac detestatio. est de peccato commisso , com proposilo
noo peccaudi de cretero. Sess. XIV, e. 4.
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DE PERSEVERANÇA. 13
Ira vós pequei, e na vossa presença obrei o mal : Fatigado estou
com o meu pranto, com lagrz"rnas lavarei o meu leito todas as nou-
tes: Diaute de vós tenlw recordado lodos os meus amws com amar-
gura d'alma: quem se lembrar, digo, d'eslas e muitas outras ex-
pressões do mesmo genero , comprehenderá perfeitamente que estes
gemidos nascem d'um odio violento contra a vida passada, e d'uma
geral deles lação do peccado. >> (1) Tal é lambem a linguagem com-
mum dos Padres. (2)
A Contrição refere-se igualmente ao passado e ao futuro.
Quanto ao passado , é o pesar de ter offendido a Deus ; pelo que
respeita ao futuro , é a vontade firme de nunca mais o offender.
Com effe_ilo, seria ridículo dizer que estamos arrependidos <l'uma ac-
ç.ão, se não temos a resolução firme de 11unca mais a praclicar.
Alem disso, a contrição encerra lres actos particulares : 1. º uma
dor superior a toda a dor, ja por ter offendido a Mageslade de
Deus, por elle ser Deus , e por consequencia, digno de ser prefe-
rido a tudo ; já por ter perdido a sua amizade, que excede todo o
outro bem ; já emfim, por ter merecido o inferno e a escra'' idão
eterna <lo demonio ; 2. º uma vontade firme de nunca mais offender
a Déus, nem por amor d·algum bem, nem por temor d'algum mal,
por maior que seja; e esta vontade inclue em si a de reparar o
damno que se tem feito contra Deus ou contra o proximo, evitar
as occasiões do mal, e cumprir a penitencia sacramental; 3.º uma
grande confiança na- misericordia divina, crendo que hade obter o
perdão de todos os seus peccados , e a graça de se corrigir e per-
severar até o fim. Esta confiança deve ser fundada na bondade de
Deus, e nos merecimentos de Nosso Senhor.
Ha duas qualidades de contrição ; perfeita e imperfeita : a con-
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CATEf.ISMO
trição perfeita é a dor t.le ter offendido a Deu~. por elle ser ioíl-
mtamenle bom. Esta contrição só de per si, incluindo o voto de
receber o Sacramento da Penitencia, basta para perdoar os peccados.
A contrição imperfeita, que lambem se chama allriç,ão , é a dor
de ler offendido a Deus, pelo motivo de ter perdido ao mesmo Deus,
- e a bemaventurança, e ter merecido o inferno ; ou considerando a
torpeza e fealdade sobrenatural , mas particular ào peccaclo : esta
contrição suppõe algum principio d'amor de Deus. (1) Para o per-
dão dos peccados, a contrição imperfeita deve estar junta ao Sa-
cramento da Penilenc.ia . Quereis conhecer a differença que ha en-
tre estas duas qualidades de contricções e o temor puramente ser-
''il? Escu_tai a parabola seguinte :
Um pai Linha tres filhos que mandava todos os dias a um pra-
do, pastorear tres pequenos cordeiros, cuja guarda lhes confiara.
Um dia porem adormeceram os pastores, e, em quanto dormiam ,
vieram os lobos d'um bosque ,·isinbo , e comsigo levaram os cor-
deiros. Aos lastimosos balidos das ovelhas despertaram os tres mo-
ços, e vendo ao longe os lobos com a presa se pozeram a chorar,
enchendo aquell~s lugares com gemidos e queixas. Estavam todos
inconsolaveis. Mas eis aqui a causa do seu pezar. O mais velho
dizia : Eu choro porque meu pai me baterá, e me castigará por ter
deixado · levar o meu cordeiro; se não fosse isso não choraria. O
segundo dizia: Quanto a mim , eu choro por causa dos açoutes que
~ apanharei , e lambem pela dor que meu pai terá quando souber
que os Jobos levaram o meu cordeiro. O- mais moço porem , que
chorava mais amargamente, dizia debulhado em Jagrimas : Que afflic-
ção será a de meu bom pai .... antes eu queria ser açoutado toda
a minha vida do que ter-lhe causado um tal pesar. (!) O primei-
ro destes filhos é o cbrislão que não tem mais que um temor ser- ·
vil ; o _segundo, é aquelle que tem contrição imperfeila; o tercei-
ro, é o que tem a contrição perfeita.
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DE PERSEVER!~ÇA. 15
Por aqui se vê que a Conlrição perfeita e a attrição leem de
commum o serem ambas uma dor sobrenatural de ler offendido a
Deus~ mas são differentcs nos seus motivos e elfeilos. Nos moti-
Yus, porque a pr!meira nasce d'um sentimento d'amor , e se refe-
re ao mesmo Deus, sem mistura de inleresse pessoal. Nos effeitos,
porque a primeira justifica a alma , isto é, põe-a em estado da gra-
ça. e apaga os pecrados ; com tanto que seja acom panbada do voto
ou drsejo de se confessar , pois sem isso não seria contrição per-
feita. A segunda dispõe a alma para a justificação mas não per-
doa os pecca<.los senão com o actual Sacramento da Penitencia. Aquel-
la pessoa· pois que está cm artigo de morte, e não podé confessar-
se, de\'e fazer um aclo ae contrição perfPila , Lendo juntamente o
desejo de se confessar logo que possa~ e isto bastará para se sal \'31'.
Não será o mesmo se se contentar com um acto d'allriçãÓ. Nolc-
se quanto uitrere da attrição um aclo <le contrição perfeita ! A
contrição, como dissemos, é absolulamenle necessariil : nunca sem
ella , t'm nenhum caso se alcança o peràão dos peccados. Mas como
esta contrição 1rnde ser falsa , e só apparente, importa muito
nos não deixemos illudir ; l~ para não cahi rmus em lal desgraça
rPparemos quaes são as qualidades da verdadeira conlri~Jo. A
eonlrição deve ser inlrrior, suprema , sobrenatural , e uni..
wrsa 1.
1. º Deve ser interior. Que faz quem perca? Prefere a e rea-
tura a Deus, apropria vontade, o seu capricho, o S('U prazer á von-
la<le de Deus. Esta desordem é um aclo que nasce do coração e
se verílica pela vonla<le : tal é a origem do mal, tal a sua essen_
ria. Por tanto a contrição, que é o remedio do mal , deve estar
no coração para alli destruir o amor desordenado da crealura , e
subsliluil-o pelo amor do Creador. Não podo restabelecer-se a ordem
senão aonde foi violada. Por consequencia , as Jagrimas, as protes-
tações , o.s gemidos , lorlas as demonstrações exteriores elo arrepen-
di menlo não são mais que illusões e mentiras, se a vontade não es-
tá mutlada. Deu~ não se contenta, ou antes não se illude com isso;
o que elle qner é um coração conlricto e humilhado. Corwertei-t·os
a- mim, nos diz elle em muitos lugares das Santas Escripluras, não
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CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 17
contriçâo suprema ! ~~ilhos dos mart1res , sirva-nos de lição o ex-
emplo de nossos pais t S. Clemente Papa, sendo preso e levado pe-
rante o juiz, este, esperando fazei-o apostatar, mandou trazer para
alli ouro e prata, pttrpuras e pedrarias , promettendo ao Santo que
tudo lhe daria , se quizesse renunciar a Jesu-Christo. O Santo, po-
rem, ao ouvir tal proposta, mortificado de ''er comparar o seu Deus
a todas aquellas cousas, não pôde responder mais que curvar a ca-
beça para o chão , e arrancar do peito um profundo gemido.
Viram-se nos seculos de Fé grandes peccadorcs morrer de dor
aos pés do Sacerdote, a quem acabavam de confessar os seus pec-
cados. Um destes robustos Christãos, ten~o a desgraça de commet-
ter um crime enorme, correu logo a procurar o Arcebispo de Sens,
para que o confessasse. Depois de se ter confessado com muita dor
e lagrimas, perguntou se podia esperar o seu perdão. Sim , res-
pondeu o Santo Arcebispo, se estaes prompto a cumprir a peniten-
cia que eu vos impozer. --- Todas as que quizerdes , tornou o pe-
nitente , ser-me-hia preciso soffrer mil mortes. - Eu vos dou sele
annos de penitencia , disse o Arcebispo. - Que são · sete annos,rneu
pad.l'e? quando eu fizesse penitencia até o fim do mundo , ainda is-
so seria pouco. --- Bem , jejuareis somente tres dias a pão e agoa .
.._ Meu padre; meu padre, lhe tornou o peccador soluçando , e de-
bulhando-se em lagrimas, peço-vos que me deis uma penitencia conve-
niente. O AFcebispo, vendo-o tam contricto : Ordeno-vos, lhe disse,
que rezeis só um Padre Nosso , e asseguro-vos que o vosso peccado
será perdoado. A ·estas palavras compenetrou-se o penitente d'uma
tal compunção que, arrancando do peito um profundo suspiro, cahio
alli redondamente morto. O Santo Arcebispo, enternecido a ponto
de chorar, assegurava depois que este pobre pe~cador linha lido uma
tal contrição, que subio ao Ceo sem passar pelo Purgalorio. To-
davia, para que a Contl'ição se eleve ao- gráo de suprema não é
necessar10 que seja a mais sensivel de todas as dores , isto é , que
nos cause por exemplo as mesmas impressões de pena, que derra-
memos as mesmas lagrimas , e soltemos os mesmos gemidos , que
na perda dos nossos parentes : e porque? - porque em quanto a
alma está unida ao corpo, commove-se mais pelos objectos sensíveis
que por aquelles que não operam sobre os sentidos. Basta pois que
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18 CATECISMO
(1) lia pessoas timoratas que, não sentindo aclttalmente esta disposi-
ção para soffrcr tudo, a morle, por exemplo, anles do que commetlcr um
peccauo mortal, perturbam-se e Lemcru não ter çontrição. Importa fazer·
lhes notar que, niio lhes sendo acfoalmente necessaria a graça do sof-
frcr estas tcmivcis provas , não é do admirar se não sin lam dispostos
para isso. O que cumpre, sim, é que se achem com a nccessaria dis-
posição para fazer lodos os sacrificios que Deus lhes exige actualmrnte,
e quanto aos outros, tenham firme confiança qnc, na occasião lhes não
faltará a graça. Fiel é Deus, e não pcrmiUirá que 5ejaes lentados alem
· das vo&sas forças. ,
(2) Auclor lib. de Vera ct Falsa Pmnitent. inlor opera D Aug. J;.
O. - Aü valorem Sacramcnli rcquirilur. dolor supcrnaturalis et universa-
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DE PERSEVERANÇA. 19
4. º A contrição deve ser sobrenatural. Á.rrPpendermo-nos dos
peccados por causa dos desgostos qÚe dell'es nos resultam, da ver-
gonha ou dos castigos que tememos da parte dos homens , ou dos
males lemporaes que se lhes podem seguir , é ter uma dor inteira-
mente natural e humana ; a qual está mui longe de ser sufficienle
para obter de Deus o perdão dos peccados. E" necessaria uma dor
sobrenatural , islo é , produzida por um movimento da grªça ; que
se funde nos motivos revelados ; que tenha a Deus por fim , e nos
faça detestar o peccado por ser offcnsa sua. A contrição é pois um
dom de Deus ; de sorte que o homem não pode arrepender-se co-
mo lhe convem senão por inspiração e auxilio do Espírito Sanfo.
Uma vez . que o peccado deu a morte á alma , é impossivel que
ella p0ssa resuscitar sem o auxílio de Deus, que é o author da vi-
da. (1)
Dissemos que a Contrição se refere igualmenle ao passado e ao
füturo. Quanto ao passado, ella consiste no pezar de ter offendido
a Deus ; quanto ao futuro, é a resolução de o não offender mais :
esta resolução chama-se firme proposito ; o firme propos1to · é pois
uma parle· essencial da contrição, e lÍade ter, por consequencia ,
as mesmas qualidades, ou para fallar mais exactamente, o firme pro-
posilo não é outra cousa que a mesma conlrição em relação a·o fu-
tu rn. Por isso, como dizem os theologos, o proposito deve ser ab-
~oluto, e não condícional ; firme, e não vacillanle ; erncaz , e não
especulativo; universal, abrangendo todos os . peccados morlaes, e
não limitando-se somente a alguns ; explicito , e não indelermina-
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20 CATECISMO
elo ; formal , e não vago e implicito. (1) Esta disposição de não tor...
nara offender a Deus, e mudar para melhor theor de ''ida,é d'absolula ue ..
cessidade, pois sem ella, o que faz por se persuadir que eslá arn~...
pendido ou quer illndir-se, ou iJludir a Deus, e é como se dissrsse:
Tenho grande pezar de ter offendido a Deus, e disso lhe peço per...
dão ; mas o que não estou resolvido é a não tornar a fawr o rnes . .
mo. » Se um vosso inimigo vos fallasse deste modo , não tomaríeis
as suas <lesculpas por zombaria, e o seu arrependimento por dissi-
mulação? Logo é evidente, que a Contrição, tanto em relação ao
futuro como ao passado, deve ser interior, suprema, universal e so ...
brenatural. Teremos em nós uma consoladora prova de que tal foi
a nossa contrição, se cuidamos em fugir não só ao peccado mas ás 1
occasiões delle.
Quanto aos motivos do . arrependimento, propõe-nos a Fé dous
principaes, qu-e são o temor e o amor de Deus. Eis aqui a· manei-
ra por que um Santo Bispo do seculo passado empregava esles mo.,
tivos. Depois de fazer o seu exame de consciencia, c.lirigia a Deus
fervorosas supplicas , pedindo-Jhe a contrição. _ N'isto seguia o exem . .
pio de S. Carlos, arcebispo de :Milão, que eslava algumas vezes tres
lloras de joelhos antes de se confessar, implorando a Deus o arre...
-pendimento de suas culpas.- Assiin devemos nós fazer ~ a contri...
ção é um dom de Deus :· se a queremos obter é preciso pedil-a.
Depois de haver orado, fazia o nosso santo Ilispo tre~ estações~
a primeira no inferno , a segunda no Ceo, a terceira i:io Calvario.
Entrava cQm o pens~menlo no logar dos tormentos, e, oom os olhos
da Fé, considerava o lagar que suppunha ter merecido, no meio
de eternas e abraz.adoras chamrnas, em companhia dos demonios e
dos reprobos. Agradecia ao Senhor pelo não ter já aJli precipitado,.
pedia-lhe usa$se ainda de misericordia, e lhe desse a· graça de que
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DE PERSEVERANÇA. 21
carecia para não cahir n'aquelle abysmo. Subia depois ao lugar da
gloria e da bemavenlurança. Ao considerar a celeste Jerusalem to-
da radiante de luz , toda innundada de delicias , suspirava por \'er
que o peccado lhe tinha fechado as portas, e entrava a pedir a Deus
que de novo ·lh'as abnsse, e para este fim recorria á intercessão de
todos os Santos penitentes, taes como David, S. Pedro , S. Paulo ,
Sl.ª Maria Magdale11a, S. Agostinho.
Estas duas primeiras estações tinham por fim excitar em sua
alma um vivo temor de Deus. Do temor passava ao amor. Era pa-
ra isto que fazia a terceira estação sobre o Calv~rio. Ahi , consi-
derando a Nosso Senhor crucificado , dizia lá comsigo : Eis o que
- eu fiz ; fui eu a causa das dores que Jesu-Christo soffreu ; cooperei
com os peccadores que cobriram <l'escarros e de chagas ao meu
Salvador e Pai, que nunca me fez senão bem ; cooperei com elles
em coroai-o d'espinhos, e crucifical-o, e dar-lhe a morte. O' Jesus,
que mal me fizestes vós ? como pude tratar-vos assim, a vós que·
me tendes amado tam excessivamente, a vós a quem cu deveria
amar com um amor infinito ~ se pudesse amar infinitamente? E'
por serdes infinitamente amavel que eu yos amo e me peza , Se-
nhor, de vos ter offendido. No exemplo deste santo Bispo , temos
não só os motivos da contrição, mas tarnbem os meios de a exci-
tar em nós. Irnitemol-o fielmente, pois se\. o fizermos poderemos
contar que nunca nos faltará esta condição indispcnsavel para a
remissão dos nossos peccados.
Não é somente por ser a conlriç.ão ·à parte essencial , e muitas
vezes a ma~s desprezada do Sacramento da Penitencia , que aqui
fallamos della em primeiro lugar ; senão porque lambem. ella deve
preceder a confissão, afim de a tornar f armada ou dolorosa, como
dizem os theologos. Para isto não é de necessidade que o acto for ...
mal de contrição preceda a confissão , mas hasta que a confissão se
faça com intenção d' obter a absolvição, e que a contrição se ·mani-
feste depois, ao menos no aclo de pedir ou d'esperar a absolvição (1)
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CATECISMO
..
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. DE PERSEVERANÇ!. !3
que, quando a Religião as não tornasse um dever, a mesma rasão as
tornaria necessarias. Destas cond_icções urnas são de rigorosa ne-
cessidade, outras porem só de utilidade. A confissão hade ser sim-
ples, humilde, ingenua, prudente; isto pelo que respeita á sua
perfeição: hade ser dolorosa , sincera, e inteira; isto quanto ao in-
dispensavel.
1. º A con_fissão deve ser si'mples. A simplicidade oppõe-se á
duplicidade. Ora, ba tres especies de duplicidade que importa mui-
to evitar na confissão. A duplicidade de espirilo , de coração e de
lingua.
A duplicidade d'espirito consisle em não crer com a simplicida-
de d'um menino, em tudo o que o confessor nos diz para nossa sal-
vaç.ão. Estas almas refolhadas só querem crer o que lhes faz con-
ta , o que lisongea o seu genio, as suas ideias e inclinações parti-
culares. Por exemplo, dá o confessor alguns conselhos ou preceitos,
para nos guiar no bem, ou desviar-nos do mal ; e na occasião pa-
recemos dispostos a aceitai-os ; porem depois achamos mil razões
para não obedecer ; entramos a· discutir e a regalear ; ó duplicida-
de d'espirito ! grandemenle conclemnadà na Escriptura. (1) A s.im-
plicidade d'espirito, pelo contrario, consiste em ver na pessoa do
Sacerdote o mesmCl Jesu-Christo ; receber com infantil confiança, sem
discutir nem objectar , as regras d'àcções que nos elle der; e. cum-
pril-as com pontualidade e submissão.
A duplicidade de coraç~o consiste em querer e não querer, em
<1uerer o fim e. não querer os meios, ou no todo ou ein parte ; em
querer ir para o Ceo sem renunciar ao peccado e ás occasiões do
peccado ; sem se vigiar a si mesmo , nem reprimir o seu genio e
as suas paixões, nem fazer penitencia , nem practicar a virtude. E'
isto ler dous corações ; é assimilhar-se a uma porta , que se abre
e fecha vinte vezes ao dia, e no fim do anno -ainda está no mes-
mo lugar, girando nos mesmos gonzos. Deus aborrece esta dupli-
(1) Vir duptex animo inconstans est in omnibus viis sois. J>rot'.
Vlll.
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CATECISMO
(1) Vult et non vull piger. -Sicut ostium verlltur in cardine suo1
sicut piger in leclulo suo. Vre duplici corde t Prov. XXVI, 14.
(~) Os biliogué deLestor. Prov. VIII, 13.
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ft'IU
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2G CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 27
engano ; antes ficará muito vosso amigo e "ºs estimará tanto mais,
quanlo por uma parte lhe dais com isso uma prov~ de confianç.a ,
que o honra muito , e o enche d'alegria, por se tornar o instru-
mento da vossa salvação ; e por outra parle , p~rque vê que tendes
um bom caracter, e juntamente a operação interior da graça. Mas
dtreis ainda : se eu occultar os meus peccados ninguem o saberá ... '!
Grande loucura. Se .os occultaes, lá ficará a consciencia a repre-
hender-vos ; parecer-vos-ba que todos vol-os eslam lendo no rosto ;
e o que mais é1 no dia de juizo, apparecerão diante de todas as
nações juntas , na presença de vossos parentes , amigos, e conheci-
dos : pelo contrario, se os confessardes, ninguem os saberá depois.
Deus se esquecerá delles; o vosso confessor não podera nunca pu-
blicai-os , esquecel-os-ha lambem; vós mesmo os esquecereis. De
sorte que o melhor -meio de sepultar os peccados em um esqueci-
mento eterno e completo é accusal-os ao confessor.
Posto que os peccados veniaes não sejam rnateria necessaria ela
confissão, é comtudo mais ulil e seguro dizei-os, porque mais facil-
mente se perdoam , e lambem porque nos não expomos a tomar
por venial o que é mortal. Se lemos só a confessar peccados ve-
uiaes, e~ige a prudencia que façamos recahir a contrição e o fir-
me proposito principalmente sobre algum pecca<lo particular pre-
sente ou passado • ou se os não ha, sobre algum mais notavel dos
veniaes; afim de conceber a dor necessaria para a validade do Sa-
cramento , o qual, sem verdadeira contrição será nullo. N'este caso
convem accusar-nos desse lal peccado no fim da confissão. Por
exemplo : Accnso-me em particular d'nma grande murmuraç.no, ou
de peccados nolaveis que commelli contra a castidade, a pureza , ou
contra tal ou lal mandamento de Deus ou da lgre1a ; porque não é
neccssario explicai-o mais, se já de tudo isto nos havemos confes-
sado ." Quanto ao mais, o verdadeiro meio de não faltar nem á con-,
lrição, nem á sinceridade, é fazer cada uma das nossas confis-
soens como se fosse a ullima. Praza a Deus nos não esqueçamos de
tam prudente regra ! Ah, que pela não seguir , sncccdeu aquelle
horroroso caso, que refere o illu~Lre Arcebispo de Florença • Santo
Antonino. Aqui o registramos para servir a todos d'exemplo , e
de remedio contra a vergonha na confissão. Uma menina , diz este ·
•
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28 CATECISMO
grande Santo, que tinha sido educada com summa modeslia, sendo
um dia v10lenlamenle lentada, cahio no peccado. Apenas o com-
metteu ficou cheia de confusão e despedaçada de remorsos. Como
lerei valor, dizia ella, para declarar o meu peccado a um confessor?
Desgraçada l a vergGnha a fez cahir em um crime mais vergonhoso
ainda. Quando chegou ao confessionario não ousou declarar o seu
peccado. Esle sacrilegio Hte augmenlou os remorsos. Par(lceu-lhe
que podia apaziguai-os pelas austeridades da penitencia. Entrou em
um convento, espe.rando confessar o seu crime na confissão geral
que é costume fazer-se anles dos votos ; e de facto, alguns esforços
fez para abrir o seu coração , mas não acabou nada, antes escon-
deu de tal sorte o seu pecca<lo, que o confessor não póde conhecer
que ella tivesse cabido n'elle. Entretanto morreu a superiora do
convento ; e como esta joven tinha uma vida mui edificante, as
religiosas, enganadas pelas apparencias, a escolheram para prelada.
Não o foi por muito tempo; pois cahio Jogo n'uma tloença mor-
tal. Ella esperava sempre declarar o seu peccado no arl1go da
morte, inas a vergonha ainda enlão lhe tapou a boca.
Recebeu os ullimos Sacramentos com grande apparencia de pie-
dade ; profanou-os. Sentindo-se a braços com a morte , cuidava em
explicar-se emfim; mas, ó terrivel Ju1zo de Deus! sobreveio-lhe
o delirio , e morreu no seu peccado. As grandes ausleridades que
tinha practicado , juntas á sua exemplar regularidade , não permit-
tiam duvidar de que se Hvesse salvado; mas quanáo pediam por
ella , quiz Deus que, para instrucção de lodos os seculos, appa-
recesse a infeliz ás religiosas, no estado da mais terri vel consterna-
ção, e lhes disse que cessassem de pedir por ella ; porque linha si-:
do co~demnada por ter escondido um peccado na confissão. (1)
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DE PERSEVERANÇA.
O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graç.as
por haverdes instiluido o Sacramento da Penitencia ; perdoai-me ,
Senhor, o tel-o eu recebido tantas v.ezes com pouca pn~paração e
pouco proveito.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e, em ieslemunho deste amor,
..
farei cada uma das minhas confisssões como se fosse a ultima.
XXXIX.e LIÇÃO.
. ;.
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ao C!TEClillO
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nE PEnstvERANÇA. 31
e por consequencia o unico meio d'obler a rem1ssao cJo.s peccados,
commellidos depois do Baptismo : é mesmo absurdo suppor que ha-
ja algum outro meio de remittir os peccados.
Com etfeito, se houvesse na Religião ou l.ro meio mais que a
Confissão, para o homem se restabelecer na graça de Deus ; se bas-
tasse, por exemplo, humilhar-se na sua p1'esença. jejuar, orar, dar
esmolas, e confessar-lhe os nossos peccados no silencio do coração,
qut~ havia de acontecer~ - que ninguem mais se confessava. Pois
qual srria o parvo que se iria ajoelhar aos pés d'um confessor, e,
com ar e gesto supplicante, implorar-lhe uma graça, que tam facil-
mente podia obter por si mesmo , e sem depender de ninguem ~ Jul-
gue-se pelo que se passa mesmo enlre nós. Apesar da certeza de
qnc a Confissão é o unico meio tl'obter a remissão dos peccados ,
muitos e muitos ha que recus3m apprornitat-se d'esse meio; logo,
qne seria se exif'.-ilisse oulro mais commoclo e· não menos efficaz ?
Quem deixaria de reconer antes a um meio que, sendo mais facil,
conciliasse ao mesmo tempo os interesses da salvação e os do amor
proprio? E nesse ca~o, em que viria a parar a confissão , eslabe-
lecida pelo mesmo Jesu-Chrislo? Acabaria, pois ficaria sem honra
e sem effcito no mundo. Que seria do magnifico poder que elle
deu a seus ministros de perdoar e reler os peccados? Não é evi-
dente que este poder lam maravilhoso e divino se tornaria nm poder
ridículo, e complelamC'nle illusorio, visto que nunca teriam de o exercer?
· D'aqui este dilemma, a que se não foge : ou todos os peccadores
tcem obrigação de confessar seus peccados aos sacerdotes , ou alias
quiz o Salvador enganar a seus Apostolos, quando lhes disse: A'quel-
les a quem perdoardes os peccados, ser-lhes-hão perdoados; e áquel-
les a quem os reti"verdes, ser-lhes-hão retidos. E da mesma sorte
ao chefe dos Apostolas teria Jesus enganado, quando lhe disse :
Eii te darei as chaves do reino dos Ceos. Pois de que servira a
Pedro ler as chaves do reino dos Ceos, se nelle podesse qualquer
entrar sem que Pedro lhe abrisse as portas? (1) .Mas se altribuirdes
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3! CATECISMO
(1) Confcssio pure facicnda cst: quia non cst pars una peccatorum
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DE PERSEVERA~ÇA.
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31 CATECISMO
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.
OE PERSEVERANCA.- 3ã
um ritual para uso das igrejas do Oriente, n{) qual o Sacerdote fal-
Ja assim ao penilcnle: « Não sou eu, meu filho, que te concedo a
remissão dos teus peccados; é Deus quem te absolve pelo meu mi-
nisterio, como elle mesmo disse : Tudo o que desligardes na ter·-
rn, etc. Confessa pois e declara-me na presença dos santos Anjos,
sem dissimular nadá, todos os teus peccados , ainda os mais occul-
tos que tenhas comrnettido : é este o meio d'obler o per<lão del-
Jes. » (1)
No quinto seculo enconLramos no Oriente S. Chrisostorno , e no
Occidenle S. Agostinho : o primeiro, fallecido , em 404 , exprime-se
t.1esle modo : « Receberam os homens de Deus um poder, que se
não concedeu nem aos Anjos, nem ainda aos Archanjos. Nunca se
disse ás celestes iptolligencias: Tudo o que desligardes, etc. Ora ,
o poder dos Sacerdotes abrange a mesma alma , a qual p.oqem des-
ligar... Imitemos pois a Samaritana , e não nos envúgonhemos de
declarar os nossos peccados. Aquelle que se envergonha de confes-
sar os seus peccados ao Sacerdote, vel-o~-ha publicados ' no dia- de
j\Jizo, não na presença d'uma ou duas testemunhas, mas na de to-
das as nações. » ('2) O segundo, fallecido em 430, dizia aos Fieis :
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3G CATEClS1\IO
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DE PERSEVERANÇA. 37
mos lermos : « E' preciso abso1ulamenle diz el1e, declarar os pec-
1
(1) Nccessario , iis pccrala aperin clchent, <]Uibus credita esL dis·
pensalio mysteriorum Dei. · Regttl. Bm,1iorib. in'errog. 288.
(2) Coll. Selcrt. Patr: L. IX..
(3) Sola igitur catholica _ Ecclcsia cst qure ''erum rultum rctinet ...
Sed quia srnguli quiqnc rretus hrercticorum se potissimnm esse Chrislia-
uos, ct suam esse calholicam Ecclcsiam pulant, sciendum esL iliam esse
yeram rn qua cst confessio et Pmnilcolia, qnre peccala ct vulnera, qu1- .
bus subJCcla cst imbcc1ll1las carnis, salubritcr curaL. lnslil. lib. IV e.
17 ct 30.
(i) Si revelal'erimus pccceta noslra non ~olum Dco, scd his qui pos-
sunt mcueri vulnerillus nostris atquc pecratis, dclebuntur pcccata ooslra.
l/omil. 32 in Levit. et 17 ili Luc.; 1<1. llomil 2 in Ps. . 37.
(5) Plerosque lamcn hoc confessionis opus ut publicalioncm sm aut
su!Tugcrc, aut de <l1e in dieur difTcre prmsumo , pu<l~ris magis memores
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38 CATECISMO
.-
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DE PERSEVEhANÇA. 39
verdes, ser..lhes-luio retidos. , Bem vê<les, pois, que nem foi no Con-
cilio de Latrão, nem em nenhum outro, mas sim no Ceo, no seio
do mesmo Deus, que teve origem a Confissão sacramental. \1) Jul-
gai agora da boa fé, e da sciencia Jos ímpios que dizem : que foi
lnnocencio III quem a inventou !
O mesmo Voltaire, de melhor fé que os seus discipulos, con-
fessa que a confissão· se remonta á origem do mundo. » A confis-
são, diz e11e, é uma instituição divina. que não leve prmcipio se~
não na misericordia infinita do seu Author.... A obrigação, que o
ho~m tem de se arrepender , começa do dia em que se tornou cul·
pado (é o proprio Voltaire que falia), o arrependimento dos pecca-
llos f~z as vezes da innocencia ;· mas para nos mos Irarmos arrepen-
didos dos peccados é de mister começar por confessai-os. » .As-
sim, pois, d'accordo com todas as tradkções, reconhece Voltaire que
a Confissão era usada entre os Judeos. « Adam foi o primeiro pe-
nitente ; pois se confessou quando disse do fructo prohib1do : Eu co-
mi delle. A cada pagina dos livros santos achamos a confissão, se-
ja particular , seja publica. » (2) O mesmo Voltaire reconhece que
a confissão se usava entre os pagãos. « Accusavam-se, diz elle, nos
rnyslerios d'Orpheo , d)lsis, de Cerns , de Samolracio. A historia
nos diz que l\larco Aurelio , associando-se aos myslel'ios de Ceres
Eleusina , foi obrigado a confessar-se a liierophante. »
E' bem notavel que a Confissão seja um dos nossos deveres ,
_do qual se encontram vesligios os mais \'isiveis no paganismo. En-
tre um sem numero de provas que poderíamos citar , e que se po-
dem ver cm outra parle, (3) -contentar-nos-hemos com fazer men-
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CATECISMO
ção do que :se passava entre os Parses. O uso qtrn vamos descre•
ve~ acha-se consignado no Zend-A vesta , obra cuja antiguidade se
remonla, na opi~iâo dos eruditos, a mais de quatrocentos annos an-
tes da _era chrislã. Havia pois, entre os Parses, o que chamavam
Paletes, palavra que significa propriamente arrependimento. Os
Paletes são as confissões que especificam todos os peccados , que o
homem pode commelter. Eis aqui de que maneira se faziam estas
confissões : 1. º Apresentava-se o penilenle ao Deslour , isto é , o
doutor da Lei ou o sacerdote; 2.º Começava por uma oração a
Ormuzd, e ao seu ministro na t.erra; 3. º Acompanhava esta oração
da resolução de fazer lotlo o bem que pudesse e da dedicação do
seu ser a Deus. -
Eis aqui a ConfJssão : (( Eu me arrependo de todos os meus
peccados, e os aborreço ; ó meu Deus ! tende pi~dade do meu cor.;.
po e da minha alma n'este mundo e no outro. Eu deixo todo o
·mal de pensamento , todo o mal de palavra , tado o mal d'acção.
O' justo Juiz ! eu espero ser superior ao auclor do mal , a Ah ri-
mam ; e espero que na resurreição, o que se passar a meu respei.;.
to será suave e· favoravel. E' deste mollo que me arrependo dos
meus peccados e os renuncio. )) Depois disto, passam ' a fazer a es-
pecial accusação dos peccados commeltidos contra Deus, conlra o
proximo e contra si mesmos ; e logo ~ o penitente conclue : « Peç<r
perdão dos peccados, que Ormuzd me tem feito conhecer nà lei ,
com pureza de pensamento, na presença d'01:muzd , justo juiz, ele-
vado acima de todo o mundo e do Ceo ; na presença de Sosiosch,
e em presença do doutor da lei. Eu me arrependo dos peccados
contra pai, mãi, irmãos, irmãs e filhos; contra o meu ·chefe, os
meus proximos, e companheiros no bem; os meus visinhos , e con-
cidadãos :· peza-me de todas as injustiças que possa ler commetlido
co9tra estas pessoas; e em fim, tle toda a especie de peccados , fra ·
quezas, e crimes commellidos com reflexão. » A esta confissão li-
gavam os Parses a remissão de todas as suas culpas, se é que a
podiam fazer antes de morrer; e quando não podiam, ordenavam
que se fizesse por elles depois da sua morte. (1)
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DE PERSEVE~ANÇA. H
t Lendo estes e mil outros documentos, não se pode duvidar
da antiguidade e universalidade da Confissão. Mas como se teriam
combinado todos os povos n'este ponto , se não constasse, por uma
revelação primitiva , que só o arrependimento obtem o perdão da
culpa, e que a prova essencial do . arrependimento é a confissão ,
ou declaração franca e sincera dos proprios peccados ~ Quando Je-
su-Christo- veio ao mundo estan estabelecida a confissão ; e quando
impoz a seus Discipulos a obngação de se confessarem, não lhes
· impoz uma nova lei, senão que só confirmou e aperfeiçoou a já
existente : Non veni solvere legem , sed adimplere. (1) Assim, pois,
da mesma sorte e ao mesmo tempo que o con'tracto do matrimonio
se elevou a Sacramento, subio á mesma dignidade o rito da con-
fissão , tomando-se parte essencial do sacramento da Penitencia,- ao
qual se ligaram novas e especiaes graças. E' lambem por isso que
o preceito da Confissão não excitou murmuração, nem entre os Ju- .
deos, nem entre os Gentios ; pois Jª antes a conheciam e usavam ;
nem havia cousa que lhes parecess-e mais natural , sendo que por
uma tradição constante e universal sentiam a indispensavel necessida-
de della. » (2) Desobedecer pois a esta lei não seria só desprezar
a auctorldade de Jesu-Christo e da Igreja , mas lambem o senso
commum. Alem disso, importava suffocar a voz da consciencia ,
que parece clamar e dizer a ·todos os culpados : não ha perdão sem
arrependimento , nem arrependimento sem confissão da· culpa.
Para darmos a conhecer a maleria do Sacramento da Peniten-
cia resta-nos agora fa1lar da
Satisfação. A Penitencia é um segundo Baptismo , mas é um
Baplismo laborioso. (3) Differcnte do primeiro, no qual Deus nos
·'
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CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA.
vição. Nos primeiros seculos eram estas penitencias mui prolonga-
das e rigorosas, como em oulra parle veremos, afim que tivessem
alguma proporção com o ultrage, que o peccador faz a Deus, revol-
lando-se contra elle.
·Esta obrigação de fazer penitencia, mesmo depois da remissão
da pena eterna , é ainda uma prova da bondade d~ Deus e da sol-
Jicitu de com que attende á nossa salvação.
1. º Quer o Senhor por este meio inspirar-nos o devido horror
ao peccado, e dar-nos a conhecer quanto é profunda a ferida que
faz em nossas almas ; pois não ha cousa que melhor inculque a
grandeza da enfermidade que a difficuldade da cura. ·
2. º Quer o Senhor refrear a impetuosidade das nossas paixões,
e precaver-nos contra as occasiões do peccado , que n'esta ''ida se
offerecem a cada instante.
3.º Quer 1gualmenle curar em nós os restos do peccado , que
são certas frouxidões ·espirituaes, corno o fastio da virtude , o ape--
go desrngrado aos bens temporaes, a difficuldade em obrar o bem;
tristes disposições que permanecem muitas vezes , depois da remis-
são da culpa .
.i. º Quer destruir em nós os má os babilos, pe1a practica das
virtudes conlrarias , e fazer-nos pagar as nossas dividas , antes de
nos chamar ao seu tremendo tribunal.
õ.º Quer, emfim, tornar-nos conformes a Nosso Senhor . Jesu-
Christo, que passou a vida em meio de trabalhos e soffrimentos (1);
pois se queremos participar da sua gloria, justo é que antes par-
ticipemos da sua cruz.
Em quanto á forma do Sacramento da Penitencia, ella consi3-
_te nas palavras do Sacerdote : Ego te absolvo, ele. Assim o en-
sina expressamente o sagrado Concilio ele Trento, d'accordo com o
Papa Eugenio IV, no seu decreto aos Armcnios. (:2) D'uma parle,
esta" palavras exprimem perfeitamente tutlo o que Jesu-Christoc d'eu
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CATECISMO
poder aos Apostolos de fazer , quando lhes disse : Tudo o que desli-
gardes na terra será desUgado no Ceo; por outra parte, mostram
claramente estas palavras o proprio effeitõ do. Sacramento da Peni-
tencia, que é o de perdoar os peccados, horrendas prisões que leem
agrilhoadas as almas. O ministro da Penitencia é pois o Sacerdote
ou o Bispo, com exclusão d'outro qualquer. Só a elles, e não aos
simples Fieis, linha Jesus na mente, quando disse a seus Aposlo-
los; Recebei o Espirito Santo, aqttelles a quem perdoardes os pcc-
cados, ser-lhes-luio perdoados. Tal é a doutrina constante da Igreja
Calholica. (1) A aclminislração do Sacramento da Penitencia é cou-
sa tam delicada e em si mesma tam grave, que exige evidentemen-
te, alem deste poder legitimo, cerlas garantias de virtude, illuslra-
ção e prudencia, que com rasão se não devem de esperar em homens
do mundo , ·por mais honrados que sejam. Só os sacerdotes, e sa-
cerdotes votados ao celibato, podem ser adornados dessas requisitas
qualidades. Se bem seJa o Presbylero o unico ministro legiL1mo do
Sacramento da Penitencia, todavia não póde absolver validamente
sem estar approvado para ouvir confissões : lambem é doutrina cons...
tante da lgreJa, (2) e que bem mostra a maravilhosa ordem que pr&-
siue a esta divina sociedade. Assim como no exerci lo , os chefes
dos corpos não teem auctoridade senão em os seus respectivos sol-
dados; assim na Igreja, cada Bispo tem a sua diocese , cada paro.-
cbo a sna parochia , de geito a cultivar em toda a sua extensão a
vinha do pai de familia,- sem se embaraçarem ou tolherem uns aos
outros. Assim, para que a absolvição seja valida, cumpre recebei-a
d'um sacerdote approvado pelo Prelado da diocese, para ouvir con-:
fissões.
3.º lnstituiçao do Sacramento da Peni_tencia. Havia Jesus, co..
mo já dissemos, reunido na vespera . da sua morte os seus Aposto . .
cipue ipsius vis sita cst, in illius minislri vcrbis positam esse : Ego te
ubsolrn, etc. Sess. XIV, e. 3.
(1) Sess. XIV, cap. VI, e. 10.
(2) Sess. XIV, e. 7.
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DE PERSEVERANÇA.
ORA.VÃ.O.
O' meu Deus 1 que sois todo amor , eu vos dou graças por
haverdes instituido o Sacramento da Penitencia. Que s-eria de mim,
depois do naufragio da minha innocencia, a nâo ser esta charidosa
taboa de salvação ?
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus; e; em testemunho deste amor,
serei sempre fiel ao preceito da Confissão.
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CATECISMO
XL.ª LIÇÃO.
(1) Non enim (opera per peccatum mortificata) habent vim perdu-
cendi in vitam retemam solum secundam quod actu existunt , sed eliam
postquam actu esse des:nunl , secundum quod remanent in acccptatione
divina. D. Thom. p. 3, q. 89, art. ã.
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DE PERSEVERANÇA. fi
mesma alma; (1) 5.º restabelece o homem em sua alta dignidade
de filho de Deus e herdeiro de seu reino. (2) O' abysmo de mi-
sericordia !
5.º Disposirões para receber o Sacramento da Penitencia. As
disposiç.ões necessarias, para receber o Sacramento da Penitencia ,
são a inslrucção sufficiente, e os mesmos actos do penitente , asa-
. ber: a contrição , quando mais não seja, a imperfeita ; a confissão
e a satisfoçãõ , ou ao menos o desejo de satisfazer. Quanto ás dis-
posições que dão direito a receber maior abundancia de graças,
podem todas reduzir-se a uma fé viva em a cfficacia do Sacramen-
tu, uma grande confiança na misericordia de Deus, e uma profunda
humildade acompanhada de gratidão sincera.
6. Sua necessidade. O Concilio de Trento diz que : a Peni-
0
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{8 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA.
redor do culpado, ao qual podem sim punir, mas não perdoar. Cer-
cam-no os guardas , as testemunhas, e os accusadores ; sobre a· sua
cabeça, se se prova o crime, pende já um instrumento de sàngue.
E ainda que o crime não seja de pena ultima, lá está diante delle
um quadro ignominioso de penas affronlosas, de duros ferros que
talvez haja de arrastrar toda a sua vida ; a deshonra , a s~paração
perpetua ou temporaria de tudo o que tem de mais charo no mun-
do. E tudo isto tornal-o-ha melhor ? Ah , não. Pois eis ahi a
justiça humana.
E' outra cousa a Jusliça divina.
Em quanto castiga sobre a terra, Deus nunca se esquece que é
Pai. Assim que · um homem, isto é, um de seus filhos, o tem of-
fendido, elle lhe envia o remorso. Este mensageiro de ·Deus en-
tra no coração do -culpado 1 ahi se estabelece, e com seu aguilhão
o persegue, sem lhe dar um momento de- dt"scanço. Fatiga-se o cul-
pado a pouco e pouco , suspende ernfi'in o passo, torna em si. En-
tão ouve elle uma voz mais suave ; é a voz do arrependimento.
Ternas recordações se lhe despertam·, d'envolta com o tnste pensa-
mento do seu estado presente ; a vergonha e o temor se apoderam
de sua alma , e preparam o caminho a uma tloce esperanç.a. l)e"
repente retinem em seu coração palavras ternas e-orno as 'd'uma mãe.
d'uma mãe que geme e chora: Vinde a m{m, vós que estaes oppri·-
midos ; vinde, que eu, vos allimarei : e estas palavras sabem da bo-
ca do seu mesmo Juiz. (1) Então já elle não teme, que é o pe-
zar, o arrependimento e a esperança quem o conduz á casa do
Senhor.
No tribunal que ahi se lhe offerece, lê elle com os olhos da
fé esta consoladora inscripção : Eis a misericordia. (2) Aqui não
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50 . ·CA'l'ECISMO
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HE PERSEVER-A.NÇA. 51
Meu Pai , vós que por _-ventura me destes a vida da -graça
no -dia do meu llaplismo, ; que pela primeira vez na minha ''ida me
alimen tasles com o Pão dos Anjos ; Meu Pai , abençoai-me. E o
Sacerdote , aceitando este Iam amoroso titulo se mostra verdadeira-
mente pai. No mesmo momen~o, commovido pela supplica de seu
iilho, diz-lhe , fazendo sobre e11e o signal da cruz. O Scnlwr seja
rw teu coração e nos teus labios , para que faças uma sincera e
frlleira confis.~ão dos teus peccados ; em Nome do Padre, e do Filho,
e do .Espinio Santo.. Assim seja! Amen.
O penitente começ.a por cumprir uma obrigação taro antiga co-
mo a exislencia do mundo. Faz a confissão que fez Adam, primei- ·
ro culpado , e que 1.eem feito e devem fazer lodos, em todo o de-
Ctlrso dos seculos, e entre todos os povos da terra , para receberem
o perdJo de suas culpas. Esta confissão, elle a faz a Deus, como
logo declara, dizendo : Eu peccador me confesso a Deus Todo Po-
deroso - e não só a Deus ; pois sabe que os Anjos e os Santos
são lambem sabedores das suas desordens, e por isso lh'as confessa,
já para se humilhar, já para os commover. Endereça-se pois à Bem-
avenlurada Virgem Maria, ã. mais amavel, pura, e misericordiosa
habitadora do Ceo ; ao Bemvenlurado S. Miguel Archanjo, qne é de
Lodos os anjos o mais terrivcl ao demonio, cujo pesado jugo prelen-
de agora sacudir; ag Bemaventurado ~· João Baplis l:l , o mais san-
to que jamais nasceu entre os homens , e cuja santidade deseja pôs-
sa compensar pelos seus crimes, e mover o coração do seu Juiz;
ao Bemaventuràdo S. PPdro e S. Paulo , os mais poderosos sohre
a terra , revestidos do poder de ligar e desligar as consciencias ;
em summa , enJ.)errç.a-se á Santissima ·virgem, a S. Miguel Archan-
jo, a todos os sanLos, e por ulli mo, tendo já convocada toda a Igre-
ja do Ceo, convoca tambem a da terra, representada no Sacerdo-
te, accrescentando: E a ·vós Padre, confesso ... mas de que se con-
fessa elle? que- tam interessante cousa é essa, que, .para dizei-a, cha-
ma por Deus e pelas creaturas, convor.a o Ceo e a terra ? ouçamos
o que elle diz : Eu peccador 'me confesso ... que pequei por mui' tas
vezes; isto é, que fui um traidor e um ingrato ! Oh , e não res-
peitou elle ao menos algumas das potencias. da sua alma e do seu
corpo? Não, antes abusou de -tudo ; diz que prccou por mui las
•
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CATECIS~IO
. cousa, que não tenha servido á injquidade ! Acaso seria possi \'el
pôr na boca do peccador uma oração mais propria a excitar o pe-
JO , a humildade, o arrependimenlo, todas as disposições d'urna sin-
cera penilencia ?
. Ent~o o penitente, para mostrar ao Sacerdote que nada exag-
gerou , dizendo : Pequei por pensamentos, palavras e obras, enlra
na exposiç.ão circumslanciada das suas culpas. E que eKposjção. ! ó
Deus , quanto sois misericordioso ! Se um vassallo se declarasse
culpado, contra o seu Principe, de metade dos allenlados de gue o ho-
mem se confessa culpado para com Deus, a vingadora espada cahi-
ria sem m1sericordia sobre sua odiosa cabeça ; nias ''Ós , ó grande
Deus ! ludo ouvis com paciencia, que digo? com bondade summa !
- Depois , acabada a confissão, que Yai fazer o penitente ? Des-
graçado ! que hade fazer senão confundir-se , e indignar-se contra .
si mesmo, declarando'-se altamente culpado? E' isto pois. o que
elle faz, batendo nos peitos, e dizendo : Por minha culpa ·' minha
culpa. Quantos motivos e quantos meios não / tive eu para não
peccar , e todos desprezei ! Que é o que me faltou ? Que cousa
deveria o Senhor fazer por amor de mim, que não tenha feilu?
.. Pequei pot min!ta culpa, e só por minha culpa. Não foi a occasião,
nem a tentação , nem a malícia alheia, mas só a miQha malicia pro-
pria, que operou tantas iniquidades ; · eu as commelli por minha
grande culpa ; sim, porque eu sou Cluistão, filho amado de Deus ,
cumulado de seus preciosos favores, e isso com preferencia a mui-
tos outros.
Curvado ao peso da sua vergonha, como fica e_lle ? desespera-
do talvez? Ah ! a Religião inspira outros pensamentos ; manda-lhe
<1ue óre, e elle ora dizendo: Por tanto peço e rogo á .Bemaventu-
rrada sempre Yfrgem 1'larfo - não ousa dirigir-se a Deus, mas pe-
de a todos os Santos do Ceo e da terra , tcste~unhas dos séus pec-
cados e das suas miserias , que sejam seus intercessores junto d'aquel-
le, a quem tam indignamente tem offendido e ultrajado. Dirige-se
tarnbem ao Sacerdote ; e este terno pai, este amigo fiel, ouve a
Yoz de seu filho penitente. Elle lhe diz! com fervoroso amor :
O Deus Todo-Poderoso tenlta piedade de ti, e pet·doando-te os teus
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UE PEMEVERANÇA. 53
71rccados, te conduza- á vida eterna. Amen, assim seja. E como te-
mendo que esta primeira oração não baste, para abrandar o Senhor,
e socegar o culpa<lo, accrescenla logo outra : O Senhor T.odo-Pode-
rnso e misericordioso te conceda o perdão, a absolviçao e a remis-
são de todos os léus peccados. Assim seja.
O Sacerdote, como habil medico, indica então ao pénilcnle o
rcmedio que hade empregar na cura ele sua alma ; as precauções que
deve tomrtt', para e,~itar novas quedas ; e Jogo lhe impõe penilen-
cia, ]eye e suav1ssima em comparação· dos seus pcccados; pois não
se esquece de que é este o Tribunal da Misericordia. :Mais um ins-
- lanle, e o filho prodigo será r~slabelecido em todos os seus direi-
tos. (( Meu filho, lhe diz o Sacerdote, arrepende-te, humilha-te, o
sangue expiador- vai derramar-se e1n Lua alma ; )) o penitente incli-
na-se e pronuncia, na amargura elo seu coração, o acto de contri-
ção. O Sàcerdolr, pela sua parle , invoca1Hlo o Deus de infinita
bondade , de quem faz as wzes, e, levantando a mão , pronuncia
as poderosas palanas da absolvição sacramental.
Que se passa n'eslc instanle solemne ? despedaçam-se as infer-
naes cadeas, que prendiam o peccador ; retira-se o demoniü da sua
alma ; fecha-se o inferno debaixo de seus pés ; abre-se o Ceo sobr.e
sua cabeça; outra ·vez se escreve o seu nome, com letras d'ouro,
em o li no da gloria ; reslilue-se-lhe a vesle da innocencia , com to-
dos os seus mere cimenlos passados ; olha-o com complacencia a Trin-
dade Sanlissima,; exullam de prazer os anjos: é uma alma, que re-
apparece bella e pura como no dia do seu Baptismo ; que tem tu-
do a esperar da bondade suprema. Já seus olhos, humidos de la-
grimas, veem, a pouca distancia, o banquete eucharistico , e mais
adiante o banquete eterno das Nnpcias do Cordeiro. O Sacerdote,
feliz por ba ver restituido uma ovelha ao- Divino Pastor, invoca so-
bre elle, para assegurar a sua perseverança , a virtude e as bençãos
do alto, por esta oração : A Paixão de .I\Tosso Sen!tor Jesu-Cliristo,
os .fllerecimentos da Bemaventurada Y1rgem. ~Maria, e de todos os
Santos, todo o bem que fizeres, e as penas qtte supportares, sirvam .
a te obter a remissão dos teus peccados, mtgmentar em ti a grará,
e merecer-te a- recompensa eterna. Assim seja.
Que resta ao Sacerdote? . Pois que com~çou por urna oração ,
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CATECISMO
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D~ PERSEVERANÇA.
devassos; por isso mesmo que ella é iaqueslionavelmenle o mais
, efficaz meio de refrear as paixõ~s e reformar os costumes. Isto é
evitlente. O que sinceramente se arrrpende ou que dese1a viver
chrislãmtlnte, ret:ol'fe á confissão. O que porem quer viver á redea
solta, satisfazer-se sempre , esse foge e aborrece o confessionario.
E' á Conlissão que se deve em grande parle toda a santidade, pie-
dade e religião, · que Deus, por sua infinita bondade, se t~m ainda
digilado conservar na sua Igreja. Assim é para ver como lodos os
'icios e paixões ruins se colligaram _com o inimigo do genero hu-
mano, para destruir f'sle dogma, que é como a lrincheira das vir-
tudes chrislãs ! A violencia dos seus ataques . é a melhor prova da
utilidade , efficacia e necessidade da confissão. (1)
' Sim, a confissão é necessaria prime iro . que tudo ao homem~ 1.•
porque é o remedi o da sua natureza depravada. A soberba é o
primeiro de lodos os ,, icios 1 a origem de todos os mais peccados,
o principio das nossas desgraças. ~Ias este mal não pode curar-se
senão pela humildade, e não ha humildatle sem humiliação. Ora,
o acto mais humiliante para o homem depravado é a uarração
aberta e sincera da Sll<! vida, de seus pensamentos, desejos e pala-
vras : pois a confissão é esta narraç.ão mesma. Logo , de torlos os
meios ele abater a nossa· soberba, o mais efficaz, é a conrissão. Que-
ria-nos tanto o novo Adam , tanto desejava a nossa regeneração sin-
cera, qtie nos deixou por toda a parte o rernedio facil e infalJivel
de curar-nos. Tal é o designio e o fim da confissão.
2. º porque nos instrue . . Depois de consagrado o homem pelo
Baptismo , a Confirmaç.ão e Eucharistia ; depois de inslruido ácerca da
nob1:eza do seu ser, e de seus destinos ; conlinn_a a Igreja calholica
a instrml-o no tribunal secreto da Penitencia. « Filho , lhe diz el-
la ao ouvido, tu és um misto de grandeza e baixeza. Se elevas a
cabeça aos Ceos, tocas com os pés a terra : ha em li os germens
de todos os vicios , e a semente de todas as virtudes. Ha dous ho-
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56 CATECISMO
(1) Marmontel.
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DE PERSEVEni\.NÇA. 51
da.. virtude (! (< Oh l sem duvida , escrevia ha pouco Sílvio PeJico,
cada vez que na minha prisão acabava de ouvir as ternas repre-
henções, e os nobres conselhos do meu confessor, sentia-me abraza-
do" d'amor pela virtude , não linha odio a péssoa alguma, chlria a
minha vida pelo menor de meus similhantcs, e bemdizia .a Deus
por me ler feito homem. Ah! desgraçado d'aquelle que ignora a
sublimidade da confissão ! desgraçado d'aquelle que, para se incul-
car superior ao vulgo, se crê obrigado a olhal-a com desprezo !
Pode-se saber o que é preciso para ser virtuoso ; mas não é menos
verdade que é util ouvil-o repetir ; que não bastam as nossas refle-
xões e boas leituras ; mas que o discurso vivo d'um homem tem ou-
tro poder que não as leituras e as reflexões proprias. Aquelle com-
move mais a alma; as impressões que ella recebe são mais profun-
das~ No irmão que falia ha uma vida , uma conveniencia, que mui-
tas vezes se procuraria debalde nos livros e nos proprios pensamen-
tos. (1)
3. º porque o rehabilita. Não só a confissão instrue o homem
~a arle de combater seus inimigos , mas rehabilita-o a seus proprios
olhos quando se torna culpado, e lhe dá o valor da _virtude. Vede
o que se passa no -coração d'um mancebo, sobre tudo no momento
em que commelleu o, primeiro , peccado : quanto é amargoso, ó Deus !
o fructo que acaba de pro,·ar ! « Eis-me deshonrado ! Faltei a
todas as mi n·has promessas ; manchei o vestido do meu Baplismo , e
quebrei a alliança da minha primeira Communhão. · Jesu-Christo não
está já no meu coração , já não sou seu filho, estou deshonrado
aos olhos dos Anjos. )) Desgraçado ! elle lambem o está a seus pro-
prios olhos ; não · pode des~er . ao fundo do seu interior sem enver-
gonhar-se·. Eil-o triste, afflicto, pesado a si e ao pí·oximo : mal
cabe a noute, já leme de morrer; \'olta o dia, e despertam os re-
morsos. Eis o que se passa no homem, a primeira vez que commet-
te peccado grave, mormente depois da sua primeira communhão.
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08 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 59
feita a Deus, sem o soccorro do tribunal da penitencia , nem <las
formas sacramentaes ; mas ahi não ba uma efficacia ' que falle aos
sentidos, que penetre o e.spirito e o coração .Qe religiosa confiança.
Nessa confissão não ha mais que um auxilio , que ja lemos na ora-
. ção ; falta-lhe uma cousa essencial, que é o acto da jurisdicção di-
vina, á qual o Ceo ligou a graça do perdão. Nem a sentença da re-
missão é pronunciada diante do cnlpado. Não lhe é possivel , por
mais que faça, dizer comsigo mesmo : Hoje Deus me perdoou , e se
esquece.u dos meus primeiros erros ; hoje torno eu á vida do ho-
mem immortal , que recomeça em mim pura e santa ; já posso · as-
pirar á virtude , e á perfeição. - Não, o protestante não dirá ja-
mais isto comsigo , não se nutrirá destas consoladoras ideas , nem
receberá o valor e a coragem para a virtude. Elle conhece que foi
culpado, mas quem lhe assevera que o não é já ? Quem, revestido
da legiHma auctoridade , lhe deu a boa nov;i do seu perdão? Quem
lhe intimou isso? Ningue~. Oh, que triste incerteza ! Que pre-
judicial oscillação para quem hade emprebender a reforma de si
mesmo ! Por isso, ainda ha pouco, alguns dos nossos irmãos sepa-
rados, soJtavam do peito este lastimoso arranco : (< Quanto sois fe-
lizes, nos diziam elles, quanto sois felizes em poderdes confessar
os vossos peccados 1 » Nada pode dar melhor a entender a nulli-
dade da confissão protestanle.
Em verdade, é bem differenle a sorte do joven c~lholico. Que
digo, do joven catholico? de todos os Cal.holicos, e de todas as ida-
des, por mais culpados que sejam. Elles sabem que se estabeleceu
na terra- um tribunal de misericordia, onde o mesmo Deus, <> mes-
mo Deus offendido e desejoso da reconciliação,. está presente na pes-
soa do seu ministro ; sabem que este Deus lhes promelleu a paz e
um inteiro perdão de suas iniquidades, sejam ellas quaes forem ;
e teem a consolação .certa , de que a palavra de paz, que alli lhes
for dirigida , será ratificada no Ceo. Não ha aqui duvida nem in-
quietaQão para o calholico ; que recebe o perdão e a rehabilitação
de seus pcccàdos , com toda a certeza que pode moralmente obter-
se. Esta certeza é a causa da sua alegria ; é ella que lhe dá for-
ças, para poder começar uma vida nova : o seu coração anima-se,
rébentam-lhe dos olhos suavíssimas lllgrimas ; é um exemplo edifi·
•
. , /
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60 CATECISMO
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' DE PERSEVERANÇA. 61
conJuzio como pela mão ; pois não linha a menor i<lea de fazer o
que fiz, exhortado e dirigido por Yós. Jamais me esquecerei -de
quanto vos devo , e rogo-vos, meu Padre, que peçaes ao Senhor
que m'e d~ tempo para fazer penilencia : parece-me que fiada me
custará, se Deus me sustentar pela sua graça. » Nada me custa-
rá ! ! eis o effeito d'aquellas palavras: Estás perdoado l Comprehen-
deis quanto pode no coração <lo homem a cerleza da sua rehabili-
tação ? Que energia para a virtude l Chega a tanto esla força, es~
te ardor para o bem, que muiias vezes se vê o confessor obrigado
a moderal-o, por não ultrapassar os limites da prudencia. Taes são
os milagres da Confissão ; e destes milagres , não ha padre que não
possa referir algum ainda dos nossos dias , deste mesmo seculo, em
que a confissão é tam mal conhecida e apreciada.
Concluamos que· a Confissão, embora pareça ardua , é um be-
neficio immenso ; que tem estado e eslá sempre em perfeita harmo-
- nia com todas as necessidades do coração humano , em todos os se-
culos e entre todos os povos. De facto, que cousa mais natural do
que abrir o homem o seu coração a um coração amante? O infe-
Jiz, torturado pela dor ou os remorsos, de nada carece ·tanto como
d'um amigo; d'um confidente que o escute, console e dirija talvez
com o bom conselho. « Um peito envenenado pelo crime inquie-
ta-se , comprime-se, atormenta-se, em quanto não tem o· desabafo
d'um amigo , ou d'um homem ao menos, que o ouç.a com benevo-
lencia. » (t) Ora, a confissão é o sigiHo iuviolavel, é a confiden-
cia sagrada , sellada com úm sello divino.
Taes são pois alguns dos beneficios da confissão a respeito do
individuo. Que diremos das suas vantagens relativamente á socieda-
de? Donde nascem todos os crimes que inundam a Lerra, pertur-
bam as familias e subvertem os imperios? Não é do coração. do
homem ? não é abi ·q ue rebentam, crescem e amadurecem as iniqui-
dades todas~ de que todo~ os dias estamos sendo victima5? Para
salvar a _sociedade~ fazenuo que nella reine a boa fé, a justiça , o
(1) M. de Alaislrc.
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CATECISMO
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• DE PERSEVERANÇA. 63
tuosa, e por consequencia social. Conhecendo o estado do penitente,,
. prodigaliza-lhe conselhos acertados, e capazes de precaver um cora-
ção ainda debil na ,·irlude, contra novas recahid;ls. E' assim que a
confissão applica e apropria a Religião ás necessidades individuacs ;
e dest'arte, arraigando-a no coração de cada individuo, a implanla
no coração da sociedade mesma. E' assim que no tribunal da. Pe-
nitencia o Sacerdote é o homem civilisador, o mais ulil defensor
dos interesses sociaes, e reparador dos males da r epubJica.
Qual é o interesse publico ou privado , moral ou material , que
a Confissão não proteja infinitamente mais, que todas as leis huma-
nas, e todos os magistrados JUnlos '! Aqui protege-se a auclorida-
de sanla dos pais e dos reis contra a insubordinação dos filhos e
dos povos; a vida moral e ainda pbysica dos filhos , contra a ne- '
gligencia e máo comportamentÕ dos pais; a innocencia, o credito ,
a propriedade, a vida , a tranquiltidade de todos , contra as crimi-
nosas paixões que a todos ameaçam , e que todos nutrem em si ,
como depravados filhos do primeiro homem criminoso. Sim, homens
. feridos de cegueira, que tendes a desgraça de já vos não ·confessar-
des ; pais, mãis, negociantes, ricos e pobres, jamais 'Sabereis quan-
to deveis a uma instituição, CUJOS beneficios são incalculaveis. A
~ não ser a confissão, já tie ha muito que a Jeshonra leria opprimido
tudo que vos é mais charo ; a calumnia , enxovalhado a vossa re-
putação ; a injustiça , abalado a vossa fortuna; teriei3 provado a lar-
gos tragos todas as amarguras da vida. Que digo~ A não ser a
confissão, quantos e quantos, que a despresam e insultam, não teriam
chegado a ver a Juz do dia ! Vós , leitor , quem quer que sejaes,
podêreis dizer acaso : Eu não sou do numero desses?
Para resumir em poucas palavras este arrasoado sobre a neces-
sidade social da confissão, digo que : não ha sociedade sem crencas
e bons costumes ; não ha crenQas nem bons costumes sem rc1igiã~ ;
não ba religião verda-Oeiramenle efficaz sem que seja applicada á so-
ciedade ; não ha applicação real e verdadeiramente efficaz · de Reli-
gião á sociedade se19 confissão. A prova é que o primeiro dever
que deixam de cumprir aqueltes, que pretendem sacudir o jugo da
Religião, é o dever de confessar-se. Ninguem poderá negar que é
ella que põe o Christianismo em contacto real e efficaz com o nos-
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64 - CATECISMO
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6G CATECISMO
(1) Tolam hoc inslilulum divina sapienlia dignum esse negari non
potcst, et si quid aliud hoc ccrle in christiana religione prreclarum et
Jaudabilc est, quod et Sioenscs ac Japoncnses suot admirali: nam et à
~ peccatis mulLus detcrret confilcndi necessitas, cos maxime qui nondum
obdurati sunt, ct lapsis mago'am consolationem prreslat' ut adco pulem
pi um, gravem ct prudcntem confessarium MAGNUl\I DEI ORGANUM ·esse ad
animarum salutem ; prodest cnim consilium ejus ad rcjendos affectus, ad
animadvertenda vitia nostra, ad vitandas peccatorum occasiones, ad resll-
tueodum ablatum, et reparandum damnuru datum , ad dubia eximenda,
ad erigendam mentem aITlictam, acl omnia denique mala aut tollenda aut ,
mitigenda; et cum fideli amico vix quidquam in rcbus humanis prccstan-
~us reperiatnr quanti cst , - curo ipsa sacramcnti diYini inviolabilc reli-
g1ooe, ad lidem scrvandarn opemquc fcrendam adstringi.
(LEJDNITZ , Systema tl1eologicum, de Confessione.)
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DE PERSEVERANÇA. ' 67
a vwlenias agitações e aos transportes da desesperação. Julgou u
medico que e.ste novo abalo lhe abbreviaria ainda os dias da vida,
e declarou, segundo o seu _costume , que não havia tempo a perder~
para lhe administrar os soccorros da Religião. Cham~ pois um
Sacerdote , a doente o escuta, e recebe , como o unico bem que lhe
resta, as palavras de consolação que sabem de sua boca. Elia se
tranquilliza, occupa-se de Deus e de seus jnteresses espirituaes, re-
cebe os Sacramentos com grande edificação , e na manhã seguinte,
visitando-a o medico , ficou pasmado do estado de quietação em que
a vio. Tinha abatrdo ·a febre, offereciam-se melhores symptomas,
e em pouco tempo cedeu a molestia. Tissol contava depois o caso,
e exclamava com admiração : Qiial é pois o poder da coTifissão en-
tre os Catholicos ? (1) ,
Perguntaes qual é o poder da Confissão I Ahi estam patentes
os effeilos. Dando ao homem a consoladora certeza de que torna a
entrar na amizade de Deus, restitue subitamente a paz · á alma, tur-
bada pelo remorso. A vida, que parecia não dever ser mais . que
um Ioógo supplicio, torna-se aprazivel e tranquilla, e a morle mes-
ma perde os seus terrores. Oh ! quanto é aprazivel poder o homein
confiar a um amigo fiel , incorruptivel , dedicado, os penosos segre-
dos da sua consciencia ; sua-s duvidaa, perplexidades, temores , pe-
zares , todas as magoas do seu coração, que o mundo não poderia
nem comprebender nem alliviar ! Opprobrio aos Catholicos, que leem
abandonado a Confissão 1 este dogm~. de cuja falta mais se .lamen-
tam os Protestantes.
Escutemos agora os philosophos impios.
, « Não ha talvez inslituição mais sabia que a da Confissão, diz -
, « Voltaire. A maior parle dos homens, quando cabem em gran-
« des crimes , teem naturalmente remorsos delles : os legisladores ,
cc qu,e estabeleceram os mysterios e as expiações , quizeram igual-
« mente impe<lit· que os culpados se entregassem á desesperação, e
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68 CATECISMO
.
« recahissem em seus crimes... A confissão é uma cousa excel~
« lente, um freio aos vícios inveterados : na antiguidade mais re-
« mola confessavam-se na celebração de todos os antigos mysterios.
<< Nós temos- imitado e santificado esta sabia practica ; que é uti-
<< líssima , para mover os corações ulcerados do odio a perdoar , e
« fazer com que os ladrões tornem ao seu proximo o que lhe rou-
« baram... Os inimigos. da Igreja Romana , que se leem revoltado
« contra uma instituição lam salutar , tiram aos homens o melhor
cc fr_eio, que se podia pôr aos- seus crimes. · Os mesmos sabios da
cc antiguidade conheceram a imporlancia da Conf.ssão ; e supposto a
« não impozessem como um dever a todos os homens, elles a es...
« tabelec~am como practica para aquelles , que desejavam seguir
« uma vida mais pura; era a primeira expiação dos iniciados , en·
« tre os Egypcios , nos mysterios de Ceres Eleusina. Desl'arle a
cc Religião Chrislã consagrou as cousas , das (fUaes Deus permiilio que
« a sabedori'tt humana descobrisse a utili"dade , e abraçasse as- som-
<r bras ... )) (1)
O author da Ilistori'a philosophica e politica do comm.ercio das
"/ndias , posto que inimigo declarado de toda a Religião, não pôde
deixar de prestar elogios á Confissão. a: Os Jesuitas estabeleceram
cc no Paraguay o governo theocratico, mas com uma vantagem par..
« ticula1• p!ra a Religião, que é sua base, quero dizer,a praclica da Confis..
a: são._ Elia occupa o Iogar das leis penaes, e vela sobre a pureza
<e dos costumes. No Paraguay, a Religião, mais poderosa que a
(1) Não foi imitando os pagãos que o·Filho de Deus instituio a Con- ,
fissão. Os vestigios deste dever, conservados no paganismo , eram restos
d'umâ revelação primitiva , pois se encontram em todas as nações. A
Confissão é uma lei da humanidade cu1pada. Nosso Senhor a proclamou
de novo, santificando-a e elevando-a á dignidade de Sacramento. Elle
não se servio de cousa nenhuma dos pagãos ; os pagãos é que receberam
primitivamente de Deus esta pratica salutar, que tam infielmente conser-
varam. Não foi pois a sabedoria humana que descobrio a primeira ne-
- cessidade da confissão ; o homem não descobre senão o .que Deus lhe
mostra: a verdade vem do Ceo e não dos homens.
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DE PERSEVERANÇA. 69
« força armada, conduz o culpado aos pés do magistrado. E' alli
« que, longe de encobrir a grandeza de seus crimes, o arrependi-
« mento lh'os faz parecer mais graves do que são ; em vez de
« procurar ílludi r o castigo , vem pe<lil-o de joelhos : quanto mais
cc o castigo é severo e publico, maior socego dá á consciencia do ·
a: criminoso. Dest'arle, o castigo que em outra qualquer parte hor-
. « rorisa os culpados, aqui faz a sua consolação, extinguindo os re-
« morsos pela expiação dos crimes. Os povos do Paraguay não leem
«. leis civis, porque não conhecem propriedade ; não leem leis cri-
<C minaes, porque cada um se accusa e castiga voluntariamenle : to-
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70 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 71
ORA.VI.O.
O' meu Deus 1 que sois todo amor , eu . vos dou graças por
me haverdes tantas vezes admiltido á Penitencia- com tam grande
misericordia ; permilli, Senhor, que eu persevere até o ultimo da vi-
da na innocencia em que me restabelecestes.
Eu protesto amar a Deus, sobre todas as cousas, e. ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho deste amor,
cumprz'rei com todo o fervor a penitencia que me for fmposta. ·
XLl. LIÇÃO.
2
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72 CATECISMO
(1) Iodulgcnlia cst gratia, qua certo aliquo opere, quod concedens
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DE PERSEHRANÇA. 73
Para comprehentler a natureza das indulgeneias , e os effcitos
que produzem, cumpre saber 1.º que lodo o pecca<lo deve ser pu-
nido nesta ou na outJ'a vida. Se o peccado é mortal, hade ser pu-
nido na outrà vida com penas eternas, sem prejuízo das penas lem-
poracs ; se é só venial , hade ser punido com uma pena temporal
neste mundo ou no Purgalorio. 2. que depois da remis~ão, no
11
pré'escrihit, prrostito, debita Deo prena temporalis (non autcm culpn) extra
Sacrameolnm, sacrilicium ct marlyrium, per applicalioneni satisfnrtionum
Christi et Saactorum remittilur. S. Alph. lib. VI, Trnct. IV, n. t;31;
l 1crraris, art lndulg.
10 V
. ..
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CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA.
,..,.
N
(1) 1 Cor. V.
(2) . II Cor. II, 1O.
*
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76 CATECIS!'tfO
{1) Ellcs estavam auctorisados para isso pelos Canones dos Concilios
_ de Nicca, Ancyra, Lerida ele. i S. Basilió , S. Çhrysostomo, e outros ap-
provarnm este µroccdcr.
PJ cyp. cp . x, x1, XII, xm, xxm.
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DE PERSEVERANÇA. ·77
tlulgencias. Pelo que o Sagrado Concilio de Trento, orgão infalli-
''el da verdade, ferio d'anathema todos aquelles que ousassem dizer,
que as .Indulgencias são inuleis, ou que a Igreja não tem poder de
as conceder. (1)
Qual é a utilidade das indulgencias? - E' certo que as inllnl-
gencias, concedidas com a discrição que caracterisa sempre tam emi-
nentemente a Esposa· infallivel de Jesu-Chtisto, revertem necessaria-
mente em proYcito dos fieis. São ellas , para os Santos que estam
na terra, um grande meio de multiplic.arem suas boas obras ; para
os peccadores; um motivo de confiança na communhão dos Santo§, e
mais um incentivo para evitarem todos os peccados, a que está an-
nexa a excommunhão ; para os justos e peccad·ores , são admiraveis
la~os de fraternal charidade. Pelo que é um erro suppor que as
indulgencias dão causa á relaxação e depravação dos fieis; porque
nunca auctorisaram o penitente a não cumprir a penitencia que lhe
impõe o Confessor; nem a eximir-se da restituição, ou reparação
que pode e deve fazer. (2) O objecto das inuulgéncias foi sempre sup-
prir as penitencias omillidas , mal cumpridas, ou umito pequenas em
proporção dos peccado~. A Igreja diz pouco mais ou menos , ao
peccador com quem usa de· indulgencia : « Tu deves tanto , e não
tens nada ou quasi nada com que pagues ; mas se fizeres esta ou
aquella boa obra, serás alliviado de tudo. >> E' um pai, ou .um Rei,
que commuta a pena a um filho desobedienle, ou a um subdilo re-
belde. Obrando assim , a Igreja não faz mais que seguir o exem-
plo do me'3mo Deus. Que outra coµs~ é, tornamos a dizer, o Chris-
tianismo todo? Que é a RedempÇão tle Jesu-Cbristo, primeiro fun- _
<lamento da nossa fé , senão uma grande indulgencia-concedida ao ·ho-.
roem culpado, em consideração da Viclima innocei1Le? Em sum-
ma, o homem e culpado ; e deixµtlo a si, não pode satisfazer nem
ainda pela mais pequena offensa ; a Justiça divina rPclama porem
todos os seus direitos ; logo sem indulgencia, isto é, sem o~ mereci-
mentos t.lo Justo, applicat!os ao peccador, e recebidos em satisfação
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78· CATECISMO
. -
(1) Ag. lib. III de Lib. Arbitr. e. 9 et 10; id. de Natur. Boni, e.
7. Nec sulliciL solummodo reddere qnod ahlalum esl, scd pro conlumclia
illala pios deb'et reddere quam abstulit. .. - Ansdm. lib. 1, Cur Deus
homo, e. li. .
Vidcamus utrum sola misericordia, sine omni solulione ablali sibi
,. honoris deceal Deum peccata dimittere? Sic dimillere peccatum non esL
al"ud quam non pnnire; el qnoniam rcctc ordiaarc pcccalurn, non est ni-
- si punire, si non punitur inordinatum dimitlilur. ' Secundum mCllSUFam
peccati oportet saLisfactionem esse. Aliter aliquatenns inordinatum mane-
ret pcccatum ; quod cssé non potcst, si Deus nihil rclinquit inordinatum
in rcgno suo . . Sed hoc est praistitum , quia quamlib~t parvum inconve-
nicns in Deo impossihilc cst. ld. e. !O. Veja-se lambem cap. 13 e 24.
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DE PERSEVERANÇA. 79
superabundantes. Com effeilo, todas as boas obras feitas em esta-
do de graça são ao mesmo tempo impetralorfos, merilorias, e satis-
factorias ; elias obtem a graça ' merecem a gloria e e~piam o pec-
cado. E' assim que as acções de Nosso Senhor, modelo das · boas.
obras de lotlos os Santos , lhe alcançaram para os homens as gra-
ças da salvação, para a sua humanidade santa o mais alto grau de
gloria , e ao mesmo tempo apagaram lodos 'OS peccados do mundo.
Da mesma sorte um Justo, que está em estado de graça, e faz uma
boa obra, ajunta mais uma perola á sua coroa, obtem mais uma
graça, emfim expia alguns peccados que possa ter commettido. Ma$ ·
se este Justo não tem peccados a expiar~ ou se a sua divida é me-
nor que o merilo da boa obra que fez, é claro que esta só oblem
uma parte da sua recompensa ; pois quanto á parte expiatoria fica
privada do seu effeito. Ora, diante de Deus, que é a Justiça mes-
ma, não pode perder-se este genero de merecimento.
- Isto supposlo , é certo 1. º que as satisfações de Nosso Senhor
excederam muito os p(lccados do mundo. D'aqui e~as memoraveis
palavras. do Papa Clemente IV, que muito bem explicam o senlir da
lgr('lja ácerca das indulgencias : « O Salvador·, irnmolado no altar
da Cruz, não derramou somente uma. gota de san.gue , o que com-
tudo, por causa da dignidade da sua naturéza. teria bastado para a
redempção do genero humano ; mas sim o derramou todo. Logo,
para que tantos merecimentos não sejam inuteis , quarn grande de-
ve de ser o lhesouro das graças, que elle adqmriu á Igreja mili-
tante 1 Pois não ficou sotterrado o thesouro do Senhor; antes e1le
deu ao Principe dos Apostolos ,, e a seus succe.ssores, o poder ·de
distnbuit· aos fieis as suas riquezas. >) (1)
{t) Unigenitus Dei Filius .•. prelioso sanguine nos redemit ~ quem io
ara Crucis iooocens immolatus, non guttam sanguiois modicam, qure la-
men propter unionem ad Verbum pro redemptione &olius humani gcncris
suffecissct , sed-copiose , vclut. quoddam profluvium noscitur elfudisse ...
Quantum ergo ·cxiode ut oec supenacua, inanis ct sti'perllua lant<D cffu-
sionis wiseralio rcd<.leretur, lhesaurum miliLanti Ecclcsiill acquisivit , volcns
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80 CATECISMO
suis lhesaurizarc filiis pins Patei:, ul sic sit infinitas thesaurus hominibu's
qno qui usi sunt, Dei nmicitire participes sunt affecti: Quem quidem
thesaurum, non in sudario repositum, non in agro absconditum , scd per
B. Petrum Creli clavigerum , ejusque successores, suos m terris v1carios,
éommisit fidclibus salubriler dispensandum, ct propriis et· ralionalibus cãu-
sis, nunc pro totali, nunc pro parliali remissione prenre temporalis pro pec-
catis debitre, tam gencralitcr, quam specialiter (prout com Deo expcdirc
cogooscerenl) Ycre prenileotibus ct coofessis 1uisericorditer applicandum.
Extraiiag. Unige11itus, ele.
(1) Extravag. Cnigcnilus, clc.
1
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DE PERSEVERANÇA. 81
Jes que carecem delles , e é isto o que Deus fez <.lesdc o princ1p10
do mundo , e o que _faz ainda. No Paraizo terrestre , aceilou a
intercessão de seu Filho em favor do homem culpado; na antiga
alliança, perdoou aos maiores peccadores, posto que só fizessem le-
ves penitencias, quando algum santo ofTerecia por e1les as suas sa-
tisfações proprias. Assim perdoou aos Israelitas rebeldes, em consi·
deração de seu servo .Moisés ; assim teria perdoado ás cinco infa-
mes cidades, se nellas houvesse apenas dez justos ; assim perdoou
ao profanador Heliodoro , em consideração do Summ~ Sacerdote Oni-
as. Na Lei nova, multiplica Deus igualmente pela sua graça os mereci-
mentos dos Santos , que se nos applicam por meio das indul-
gencias. ,
6. º Que se deve entender por indulgencia plenaria e indulgen-.
eia parcial ? - A remissão da pena temporal, devida aos peccaclos,
nem sempre se nos concede em igual proporção : algumas vezes é
inteira e plena ; outras , não. Daqui vem a differença de in-
dulgencias plenarias e indulgencias parciaes : por exemplo, a de se-
te arrnos e sete quarentenas, e outras mais ou me..nos conside-
raveis.
A indulgencia plenaria remitte não só todas as penitencias sa-
cramentaes e canonicas, mas lambem todas as penas do Purgato-
rio. (1) Por tanto o Christão que é tam feliz que a alcança em
'
(1) ltidulgentia plenaria ea est quae non tantum poenitwtiam in ...
junctam per confessarium, vel canones, aut secundum hos injungi debi·
tam, sed eliam omnem Purgatorii poenam lollil. -S. Alph. lib. VI, Tract ..
IV, n. õ3fS. p. 26'. ~ Effectus indulgeot1re est remissio prenre temporalis
ex peccatis quoad culpam dimissis , residure, ct reslaatis: comm1mis.
Prena aulcm .temporalis relicta, ct rcstaos ex peccatis condonatis Jaenda
ab homiee, est duplex: una ad quam persolvendam homo obligatur ex sa-
cramenlali prenitentia a eonfessario injuncta ; altera, ad quam persolvcn-
dam in hoc mundo vel in Purgatorio est obligatus a justitia . Dei : com- ·
muois. Unde indulgeoti<e plenarire eO'ectus es t rémittere omnem preaam
debitam in foro sacramentali , seu liberarc totalilcr prenitenlem ab obliga-
'iooo implendi quamlibet preniLentiam , elia1n medicinalem sib4 impositam
· 11 V
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8! CATECISMO
toda a ·sua plenitude , fica puro como um menino que sahe das agou
do Baplismo : se morrer nesle feliz estado, sobe immediatamente ao
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DE PERSEVERANÇA. 83
Ceo, sem passar pelo Pul'gatorio. (1) Conheceis acaso verdade mais
C-Onsotadora ?
~las , perguntareis _talvez, aquelle que ganha em toda a sua
plenitude uma indulgencia plenaria em fayor dos mortos fica por ven-
tura ·seguro de que livrou do Purgatorio a alma por quem a appli-
cou? Não, ninguem pode ter es a certeza ; e a rasão é , que uma
alo;ia pode estar retida no Purgatorio ou por peccados veniaes , que
não foram perdoados ; ou para soffrer as penas devidas , não só a
estes, como lambem aos mortaes perdoados no Sacramento da Peni-
tencia. Ora, se a alma está retfda no Purgator10 por peccados ve-
niaes, que não foram perdoados, a indulge9cia nã~ a livrará , vis-
to que (não vos esqueça isto) a indulgencia não perdoa o peccado
mortal , nem o venial , mas tamsomente a pena que lhe é devida.
Dest.'arte, quando lerdes, na formula ou concessão da indulgencia,
estas palavras : aquell.e .que a ganhar receberá a remissão de h>dos
os seus peccados, remis.sionem omnium peccatorum, cumpre ..enten-
der todas as penas temporaes devidos aos seus peccados. (2) Se a
alma poi está relida no Purgatorio só para soffrer penas lemporaes,
é certo , segundo S. Agostinho, S. Chrysoslomo, S. Thomaz e os
principes da Theologia, que a alma fica inteiramente livre (3), a
menos que Deus não julgue convemen!e, nos conselhos da sua Justi-
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8i CATECISMO
ça, não Jhe applic~r o beneficio em toda a ·sua extensão. (1) Ac-
crescentemos a isto que é difficilimo saber (2) se por ventura lucra-
mos em toda a sua plenitude a indulgencia pJenaria ; e é por isso
que, sem pretendermos prescrutar os mysterios de Deus, muito bom
será que appliquemos o maior numero que pudermos de indulgencias
ás almas que nos são charas.
Quanto ás indulgencias parciaes de sete annos, por exemplo,
sete quarentenas , estas perdoam a pena que se sallsfaria por sete
ta l5upra.
0 TRADUCTOB.
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DE PERSEVERANÇA. 85
aunos, ou quarenta drns de penitencia publica ou canoníca, impos-
ta nos' primeiros secnlos da Igreja ; mas isto não quer dizer que el-
1as. <liminnam sete annos ou sele "eze~ quarenta dias as penas do
Purgatorio. (1) Para flxcit~r em nós o mais vivo empenho em as
ganhar para estas bemditas almas, basta saber que por r-Jlas se lhes
diminuem as penas em tal propÕrção qual a que determina em sua
misericordiosa sabedoria o ·soberano Juiz. E' tempo de passarmos
a selima pergunta, á qual _responderemos em poucas palavras.
Que cumpre fazer pa·ra ganhar as indulgencias? - As lndul- -
gencias,. como acabamos de ver, são um immenso benericio , seja pa-
ra nós , seja para as a·lmas do Purgalorio. O que realça o seu pre-
ço, manifestando admiravelmente a infinita bondade do nosso Pai ce-
leste, é a facilidade das condições com que as podemos obter: _
Facilidade nos actos que se requerem ; porque alguma$ vezes
é uma curla oração, outras, a visita d'uma Igreja . ou a posse de
uma cruz ou medalha , acompanhada de certas devoções, que o
sabio e o ignorante, o menino e o velho podem igualmente cum-
prir. Assim, corno lodos sabem, ganham indulgencias os que fazem
aclos das Yirludes theologaes, os que resam o Rosario, as Ladainhas
do Santissimo Nome de Jesus e ela Sanlissima Virgem, o Angelus e
mil outras orações, que ordinariamente se sabem de cór, ou estam escri-
ptas em livros , que andam nas m.ãos de tod_os. Tambem se conce-
dem índulgencias ás differentes· confrarias de Nossa Senhora, do San-
tissimo Sacramento~ Sanlissimo Coração de Jesus, Immaculado Cora-
ção de Maria, Catechesis, Almas do Purgalorio, Rosario , escvpula-
(1) Indulgenlia alia esl partialis , qualis est unias, vel aliquot an-
norum ; item septenre, quadrageam, etc. Per quas non significalur tom
tantam durationem Purgatorii , sed tantam prenam remilli , quanta delcre-
tur per jejuoium unius, aut aliquot annorum, _aut quacl!'agiota dierum iu
pane et aqua~ secunduni canooes olim impooi solitum. S. Alph. n. l>3ã;
Ferraris, 223. - Note-se com S. Antonino que o numero sete se vê mui-
tns vezes empregado· nas indulgencias, cm opposição aos sete peccados
mortacs.
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86 CATECISMO
(1) Ferra ris, p. H8. - ELsi in opere p~stiLe non habucris ·iolen ...
tionem coosequendi iodulgentias ... ct Tidetur ccrtum si habueris inlerpre-
taLivam. S. Alph. n. 5, Si, p. 261. - A intenção iote~pretativa consis-
te na disposição em que se está de ganhar as indulgencias , ainda que
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DE PEISEVERANÇA. 87
esta ullima condição basta formar a intenção 1ogo de Il)anhã, dizen-
do, por éxemplo : Meu Deus, tenho intenção de lucrar neste dia to-
das as indulgencias, concedidas ás oraç.ões e boas obras que eu fi-
zer no decurso delle. -
E' aqui 'lugar de fazer quatro observações imp ortanles a respei-
to da Confissão, Communhão, orações e mais obras com que se ga-
nham indulgencias. 1. º As pessoas que teem o santo costume de se
confessar tollos os _oito dias, podem ganhar 'todas as indulgencias que
occorrerem em toda a semana , com tanto que perseverem em esta-
do de graça. Exceptuam-se sornente as indulgencias do Jub1ileo ,
uo qual a confissão é prescripta como uma parte essencial das boas
obras que se devem fazer. (1) 2.º Quando se prescreve a Commu-
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CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA•
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90 CATECISMO
..
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DE PERSEVERANÇA. 91
de ao lumiar do Pnrgalorio , e vede nas abrazadas cbammas vosso
pai, mãi, irmão ou irmã, que estendem para vós as mãos suppli-
cantes , pedindo-vos soccorro. Alli estam tlelidos não ba quatro
dias, mas talvez ha muitos mezes ; alli estar~o, condemnados a pe-
nar talvez ·dez, vinte ou mais annos. Bem podeis ·vós alliviar seus
males, abreviando-lhe o tempo, reduzindo-o talvez a um instante ;
pois basta alcançar-lhes e applicar-lhes as indulgencias que a Igre-
ja vos concede com tanta liberalidade, e a condições tam faceis.
Oh, acaso lhes recusareis isto, ao mesmo tempo que ides ostenlat·
por to<la a parte as vossas dores e os 'vossos pezares , cobrir-vos de
lucto, e fallal' do vosso amor para com aquelles que perdestes ! Dor
pagã, 'lucto hypocrita, affecto mentiroso ! O verdadeiro amor, diz o
Salvador, não consiste em palavras vãs ; mas sim em actos positi-
vos : se amaes aos vossos defuntos, corrorrei-os; alias mostraes que
não tendes charidade , e que nem lam pouco tendes fé ; porquan-
to, se nos recordarmos da prodigiosa influencia , que o dogma das
indulgencias exerceu nos seculos chrislãos, que chegou ' algumas ve-
zes a abalar-se a Europa inteira , com os · seus reis , e guerreiros ,
ao receber a nova d'uma indulgencia ; se nos recordarmos que o
mais grandioso templo do mundo foi concluido por uma indulgen-
cia (1 ), e que fui igualmente por meio das indulgencias que os pai-
zes chrislãos se pornaram de mosteiros, igrejas, e monumentos gran-
diosos; se nos recordarmos que S. Francisco Xavier não conhecia
meio mais poderoso, para arrancar do abysmo do vicio aos chris-
tãos da India, do que a promessa <l'urna indulgencia ; e compara-
mos ludo isto com a mortal indiffercnça em que hoje temos Iam in-
extimaveis favores , quebra-se-nos o coração, e rasão temos para per-
guntar ~ sem ousar responder : Por vcnlnra ainda ba fé no mundo?
Supponde que enlraes por uma vasta prisão , aonde estam afer-
rolhados muitos infelizes~ carregados de ferros ·, condemnados a pe-
nas terriv~is, uns por dez, outros por vinte, e outros por quarenta
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92 CA l'ECISlUO
annos ; e que lhes dizeis : l\landa El-Rei , por sua alta clemencia,
que se abrevie a duração das vossas penas , e alé que se perdoem /
inteiramente, com a condição que fareis taes orações ou taes obras
pias , alias bre,·es e faceis de cumprir-se~ Se assim o fizerdes ,
abrir-se-hão as portas desta prisão, ; ireis ver de novo os vossos pa-
rentes e amigos ; tornareis ao seio de vossas familias. Qual dos en-
carcerados, ao ouvir istQ, recusará cumprir a condição proposta ? Pois
esles prisioneiros som~s nós mesmos; nós, que devemos á Justiça
de Deus dividas insoluveis. .A prisão é o Purgalorio ; em compa-
ração de cujas penas, as que soffremos neste mundo são nada. Pro-
Jlôe-se-nos livrar-nos dellas com · condições facillimas; e não as acei-
tamos, ou as cumprimo~ com escandalosa negligencia ! Não é isto
rematada loucura? Se formos depois penar muil0s annos no fogo do Pur-
galorio não será por nossa grande culpa?
Fallemos, por ultimo, da grande indulgencia da Igreja Calholi-
ca, chamada o Jubileo.
O Jubileo é uma indulgencia plenaria, a que se juntam muitos
e exlraordinarios privilegios. '1.º E' mais extenaa ; pois abrange a
Igreja universal , quando as outras indulgencias plena rias só se re-
ferem a uma parte do rebanho de. Je_sn-Christo. 2.º Dá jurisdicção
aos confessores approvados para absolver de todas as ceusuras e ca-
sos reservados ; commutar votos, e ainda mesmo as obras prescri-
ptas, para ganhar o Jubileu, áque11es que as não podem -cumprir.
Ordinariamente são estas obras em numero de sele : a procissão ,
a visila das Igrejas , a oração nas igrejas , a confissão , a commu-
nhão, o jejum e a esmola. Durante o Jubileo suspendem-se as mais
indnlgencias, com poucas excrpções, como são, entre outras, as
indulgencias concedidas no artigo de morte , na rec_itação do Ange-
lus e na piedosa acção de acompanhar o Sagrado Viatico , as dos
altares privilegiados para os defuntos, as ~irectamenle concedidas
para os defuntos. (1)
Este J ubileo, propriamente dito, ou o grande Jubileo, é o que
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• o'
üE PERSEVERANÇA. !l3
se dá em cada vinte e cinco annos, que por isso se chama o ~11-
no Santo. Oh! sim, anno santo por exccllencia i já porque nelle nos
faz a Igreja uma- singular applicação dos merecimentos de Jesu-
Chnsto, fontes inexgolaveis de toda a santidade , já porque é este,
mais que nenhum outro, o tempo da graça, das liberali11ades e cle-
mencia do Senhor. Os Summos Pontitices, quando sobem ao Thro-
no de S. Pedro, costumam lambem conceder um Jubileo, mas 'tião
é deste que ra'11amos aqui.
A palavra Jubileo quer dizer ''olla, ou remissão. Dava-se es-
·re nome entre os Judeos ao quinqu:igesimo anno ; pois na volla des-
te ditoso anno todos os presos e escravos eram postos em liberdade,
as herdades vendidas tornavam a seus antigos donos, as llividas fi-
cavam remidas, as terras sem cultura :. era um anno de graça e
descanço. (1) Ora, o Jubileo da Lei antiga era a figura do da Lei
ela G1·aça ; pois esle perdoa as dividas espiTiLuaes dos pecc:adores;
livra os prrsos e escravos do dernonio ; restabelece-nos na posse dos
bens espiriluaes que perderamos pelo peccado; emfim, na intenção
da Igreja , de,'e ser o anuo do santo ocio, no qual, pondo de par-
te os cuidados da terra , só nos havemos cJc occupar em silencio
com o negocio da salvação. Desl'arle o Jubileo recorda aos Chns-
tãos que a sua Religião data dos primeiros dias do mundo ; que clla
é o cumprimento das figuras da Lei antiga ; que elles são os filhos
do Deus d'lsrael , e os verdadeiros herdeiros das promessas feitas
a Abraham , Isaac e Jacúb. Tambem nos traz á memoria as lem-
branças da piedade antiga ; pois se remonta esta admiravel insti-
tuição a uma epocha muito mais remota do que commummente se
pensa. O Papa Bonifacio Vlll , ao qoal o allribuem no começo do
seculo Decimo quarto , não fez mais que regular um antigo costu-
me; porque a historia nos diz que, nos primeiros dias do mesmo
anno, em que aq uelle Ponlifice deu a sua Ilulla do J ubi1eo, os ha-
. bilantes de Roma, e depois delles, os estrangeiros, se deram pressa,
de seu molu proprio, em visitar a Basilica do- Vaticano , para ga-
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CATECISMO
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DE PERSEVER.lNÇA. 95
que o mundo catholico mandava de vinte e cinco em vinte e cinco
annos, ao Vigario de Jesu-Christo, afim de lhe render homenagem ,
proteslar-1he a sua fé e respectuosa .união , receber sua benção , e
, levai-a a todos os paizes, habitados pela sua grande familia.
Nada mais edificante que a peregrinação destas piedosas cara-
vanas. Saiam ao romper do dia, entoando canticos em louvor do
Senhor e dos Santos, patronos dos viajantes ; ou, qual o marinhei-
ro perdido no 1mmenso occeano, invocavam Nossa Senhora do Bom ·
Soccorro, dirigindo-lhe a Saudação Angelica~ da qual lodo o divino
encanto só o comprehende o homem que está longe da palria. A'
noute iam bater á porta . d'um mosteiro. Alli achayam em seus hos-
pedes irmãos que nunca viram, mas que a Religião breve lhes da-
va a conhecer. Por seus ternos e sollicitos cuidados se refaziam de
forças os peregrinos. Nem haviam que ter saudades da familia que
deixaram , pois em tam longes terras deparavam com verdadeiros
pa1~entes e amigos ~ E' que a fé emprehendia a jornada, e a cha-
ridade corria com as despezas. ·
Assim se avisinhavam da cidade eterna, que alfim começava a
desenhar-se no borisonte . . De longe a saudavam os peregrinos com _
altas acclamações, em quanto não chegava o desejado momento de
se prosternarem em seu solio, e beijarem seus sagrados monumen-
tos. Alli de fac Lo , naquella palria . comrnum de todos os Christãos,
esperava-os o mais cordeai acolhimento. Edificios immensos estavam
preparados para os receber. Eram filhos e irmãos que de ha mui-
to se esperavam. Então, que espectaculo ! que mil p~nsamentos di-
versos se offereciam á alma commovida ! Hom~ns de todas as na-
ções se encontravam sentados á mesma mesa. O habitante da Eu-
ropa , o da Africa, o da Asia, homens que nunca se tinham visto,
nem esperavam ver-se, comiam gratuitamente o mesmo pã'o , ama-
vam-se, comprehendiam-se , não vendo por toda a parte senão ir-
mãos reunidos na casa de seu pai. O Pai commum de tantos Chris-
tãos punha as suas delicias em visitar aquella numerosa familia ; e,
para recordar o exemplo do Divino Mestre, servia-os. . com suas pro-
prias mãos, conlernp1ando com amor, e apertando ao seu coração
estes filhos, que nunca tinha visto , e que nunca mais tornaria
a ver.
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96 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 97
lhos ! O Vigario de Jesu-Christo , o successor dos pescadores da
Galilea, collocado sobre o mesmo circo, onde o cruel Nero fez im-
molar tantas victimas ao seu odio do nome Christão ! Que trium-
pho ·para a Religião ! Que consolação para a Fé ! Reina em a as-
semblea um profundo silencio: então do alto da cadeira aposLolica,
sustentada nos ares com magnificencia, o Successor de Pedro consi-
dera de relance e com olhar benevolo esta immensa 'familia , seu
coração se commove , elle se levanta magestosamenle , cingida a
fronte com o triplice diadema, e as mãos cheias de ternura e os olhos
scintillando de fé parecem exhaurir do Ceo _as graças que prodiga-
lisa a Roma e ao Universo, urbi et ofbi. (1) D
Um dos nossos philosophos, presenceando esta indisivel ceremo-
nia , exclama : cc Neste momento era eu Chrislão. )) Esta palavra
diz tudo.
Temos-nos demorado neste objecto, para mostrar quanto são in-
justas as declamações que os impios não cessam de fazer contra o
Jutiileo, as peregrinações e o esplendor da Igreja de .Roma.
· ORA.Çi.O.
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98 CATECISMO
XLII.i LIÇÃO.
Cmuo a união que contrnhimos coµi Nosso Scilhor pela graça san-
tificante se pode romper pelo peccado, deixou elle na sua Igreja o Sacra-
mento da Penilent;ia para reparar este mal ; de sorte que a confissão nos é
necessaria tantas vezes, quantas cahirmos no decurso da vida em pec-
cado mortal. Dest'arle o divino Salvador _está sempret na pes-
soa de seus ministros, assentado no tribunal da misericordia. E'
porem no ultimo da vida que esta união está em maior risco ; por
quanto, o medo da morte, os peccados passad&s, o temor dos Jui-
zos de Deus, tudo conspira a perturbar a alma, e lançai-a na irnpa-
ciencia , no desalento e talvez na desespcr ação. O demonio , por
outra . parte, quer valer-se J}eslas tristes disposições , e vendo que
pouco tempo lhe resta para nos guerrear, redobra esforços, e mul-
tiplica artificios, pa a nos colher em peccado mortal _, e separar-nos
eternamente de Jesu-Christo. Muitas vezes se lem visto este leão
bramitlante apparecer aos enfermos , dar mil vollas em redor do lci-
lo, e pôr Ludo por obra, para os fazer consen lir em alguma ten-
tação. Temos disto uma prova aulhentica na bislo ria de S. l\Iar-
Linho , Arcebispo de Tours. Estando o Santo em artigo de morle.
apparcceu-lhe o demonio cm figura hediouda, com o intui:o de o inti-
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OE PERSEVERANÇA.
midar. Que vens tu aqui fazer, besta cruel 7 lhe perguntou o San-
1o. Nada encontrarás em mim que te pertença ; o seio d' Abraham
eslá aherlo para me receber. )) Oxalá possamos nós lambem dizer
ao demonio, na hora extrema , o que lhe disse o santo Arcebispo !
:Mas não é só para _combater o demonio _, que na hora ul_Lima
carecemos de extraordinarios soccorros ; senão lambem para vencer
as repugnancias da nossa natureza ; pois todos temos horror á mor-
le, como o criminoso ao supplicio. Ao encarar as sombras do tu-
. rnu]o redobram os receios, avivam-se as dores, ~esfa11ece o animo,
é o mais penoso, o mais critico momenl.o da vida. Não desanime-
mos, porem, que se não esquece o Bom Pastor da sua ovelha. (1)
Elle, qual terno pai e fiel amigo, descobrio o meio de afugentar de
nós o horror da morle , e· alé de nol-a fazer aceitar com alegria ; àe
tornar-nos ''icloriosos do demonio, e assegurar a nossa união com
elle por toda a eternidade : este meio é o Sacramento da Extrema-
Uncção, de que agora passamos a traclar.
1. º Sua definição. Define-se a Exlrema-Uncção um Sacramen-
to instillfido 110r 1Yossf! Senlwr Jesu-Cliristo, para o allwio espiritual
e corporal dos en/ermos. Um s1gnal sensivel, que consiste na Unc-
ç,ão e palavras do Sacerdote ; inslituido por Nosso Senhor ; tendo
a virtude de produzir a graça , e o alli\'io espiritual e corporal do
énfermo ; . eis o que é a Extrema-O ncção. Com muita rasão , pois,
os dezoilo seculos chrislãos, que nos precedem, a receberam e trans-
milliram como um verdadeiro Sacramento da Lei nova. Foi como
orgão infalli,'el desta mesma Lei que a Igrr-ja Catholica pronunciou
esla sentença : « Se alguem disser que a Exlrema-Uncção não é um
verdadeiro Sacramento , insliluido por Nosso Senhor Jesu-Chrislo , e
promulgado pelo Apostolo S. Tbiago, seja anathematizado. » (2) Cha-
ma-se-lhe Extrema·Uncção: 1.o porque é a ultima uncção que re-
cebemos pelos Sacramenlos. A primeira dá-se no Baplismo, a se-
gunda ua Confirmação , a terceira na Ordem , e a quarta na enfer-
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100 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 101
3. Sua instituição. E' no co~ação paternal do Novo Adam
0
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102 C.\ l'ECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 103
,·assem a Sagl'ada Eucharislia para suas casas , e commungassem
por suas proprias mãos , já na enfermidade, já em estado de saude;
u <pie porem não podiam era administrar a Exlrema-Uncção a si
mesmos.
Sendo este pois o estado das cousas durante os tres primeiros
seculos , não admira "'que, no quarto seculo, não recebessem muitos
este Sacramento , que alias não era, como os demais, de absoluta
necessidade para a salvação. Porem, logo que se estabeleceu uma
disciplina regular , aproveitaram-se os Fieis de todas as ''anlagcns
da Igreja, e assim no artigo de morte recebiarn a Extrema-Uncção.
Accrescenlemos a isto t1ne nem tudo o que então succedia se deixou
~scriplo , e ainda dos antigos monumentos muitos_se perderam.
Todavia não faltam documentos por onde nos conste que a
Un ção dos enfermos era uma cousa ortliiiaria, e praticada desde os
primeiros seculus da Igreja. Origenes falia deste Sacramento , ao
qual considera como uma co.ntinuação da Penitencia , e um meio
que Deus nos deixou de nos purificarmos de nossos peccados. (1)
S. Eusebio, eleito Papa em 310, falia expressamente da Exlrema-
nr .ão, e ·indica o tempo em que cumpre recebei-a. (2) No fim
do mesmo seculo, o Papa Innocencio 1, contemporaneo de S. João
Chrysostomo, sendo consultado por certo Prelado, para saber se po-
diam os Bispos aurninistrar a Extrema -Uncção, visto que o Aposto-
lo não designava senão os Presbyteros como , ministros deste Sacra-
mento , resolveu o Santo Padre a questão mui facilmente, dizendo
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10i CATECJSMO
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DE PERSEVERANÇA. 105
tanto que se lhe não opponha obstaeulo da parte daquene· que·a-recebe (1 );
e aind~ mesmo quanto á pena temporal , segundo concorrerem para
isso as disposições do enfermo. (2) _
Destruindo . pois a Ex_trema-Uncção as- reliquias do peccado ,
alegra, allivia ·e fortifica · por consequencia o enfermo, seja serenando
as perturbações e temores da consciencia, pela confiança na miseri-
co-rdia de Deus ; seJa augmentando-lhe a · força e resignação para
supportar as dores da doença, res-istir ·ás tentações do demonio, e não
temer mais do que convem os effeilos e as consequencias da morte.
2. º Perdoa os peccados que permanecem algumas vezes depois
da recepção dos outros Sacramentos, isto é, aquelles de que nos não
lembramos ou que não sabemos, e· de que -nos arrependei·iamos e
confessaríamos voluntariamente se delle9 nos recordassemos ou os
conbecessemos. As palavras que o Sacerdote profere ao administrar
este Saéramento sig-nificam . evidentemente que a Extrema-Uncção ré-
mitte os peccados que o doente commetteu · pelos sentidos ; porque
os Sacramentos operam .aquillo que significam. Por isso, o Concilio
de Trento fere d'analhema todos aquelles que disserem que : a Ex-
trema-Uncção não confere a graça , nem perdoa os peccádos. (3)
E' por isso que os · Santos Padres chamam á Extrema-Uncção a per-
feição e consummaçâo da Penitencia, cujo etfeito é perdoar os pec-
cados. BeQl pode uma pessoa, recebida a absolvição e a Com-
munhão , cahir depois em peccado mortal sem o saber, nem por
consequencia o confessar; ou ainda receber mal a absolvição e a
Communbão, sem .ter consciencia ou memoria disso: neste caso, se
receber contricto a Extrema-Uncção, e não põe obice á graça deste
Sacramento, obtem por elle a remissão de suas culpas.
3.º Restabelece a saude do corpo, quando assim convem á sal-
vação do enfermo (i) : assim o ensina a Fé Catholica ; pelo que, se
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106 CATECIS~O
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OE PERSEVERANÇA. 107
cnmmosa repugnaucia , e temor pagão , eYitando o mais tempo pos-
sivel, do leito dos enfermos, este cbaritativo medico?
õ. º D,1sposições para receber a extrema-Uncção. Para que a
:Extrema-U ncção produza os pre.ci.osos effeitos de que acabamos de
fali ar, requerem-se muitàs disposições remotas e proximas. As dis-
posições remotas são : 1. º, ser baplisado ; 2. º , ler uso de rasão ;
3.º, estar perigos.~unente enfermo; 4.º, não ler mcorrido excommu-
nhão. As disposições proximas são ou exteriores ou interiores. As
exteriores consistem no aceio do corpo, que ueve estar lavado,
ao menos na parte que se bade ungir ; cfrcumstancia esla de que
se não esquecerão por certo os que assistem ao doente, se são pes-
soas de religião. ·
As d isp.osi"ções interiores são 1. º não ter consciencia de pecca-
do mortal. E' essencial esta disposição; porque a Extrema-Uncção
é um Sacramento de vivos. Cumpre pois ler-se confessado ; porque
a Confissão é de preceito cm artigo de morte ; e excitado"".se á con-
tricç]o perfeita; porque na hora ultima é mui prudente se faça to-
da a diligencia por assegnrar a salvação ; e ha dous casos em que
se não assegura só pela confissão e attrição : 1. se não foi vali-
0
,
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108 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 109
Extrema-D ncção, por causa das tentações a que os enfermos eslam
· expostos no artigo da morte, e do perigo de cahir nellas se se não
munirem deste Sacramento.
7. º Sua liturg:ia. Não esperavam os nossos maiores que os do-
entes chegassem ao ultimo extremo, para lhes administrar a santa Unc-
ção. ~lles sabiam que este ~acramento fôra inslituido não só para
acabar de purificar e fortificar a alma , mas ainda para dar a san-
de ao corpo, se assim conviesse á salvação da alma. Quando pois enfer-
marnm gravemente, recorriam a este -divmo remedio, sem esperar
pl'lo maior perigo : não tentavam a _Deus exigindo milagres , coprn
presentemente fazerrr. ~
Era antigamente costume ordinario o ir, ou fazer-se conduzirá
Igreja, para receber a Extrema-Uncção. (1) Havia em algumas lu-
gar Já destinado para administrar este" Sacramento (2). Por onde
facilmente se mostra que nem sempre os doentes se ungiam estan-
do deitados, e que, mesmo em suas casas, muitas vezes recebiam
a Uncção de joelhos (3). A esta practica tam respeilavel e confor-
me ao espirito da lgreja, accrescentavam-se outras ceremonias , que
respiram lodos os sentimentos d'um coração ~ontrito e humilhado ;
porque nossos pais criam que a Penitencia era o melhor meio de se
prepararem, para comparecer diante do tribunal tremendo <le Jesu-
. Christo.
Quando pois o · doente tinha recebido os ullimos Sacramentos
cramentum sine quo, ut dicunt sancti, pcriculosu~1 est ex hac vila mi-
grarc, ex quadam aegl1gcntia omittatur. Synod. Andegav. 1293. - Sre-
pe moneant Sacerdotes populum quod priusquam quarlum· decimum an-
nurn complevcrint, maxime Sacramentum Extrcmre Uoctionis pctant, ct
recipinnt rcvcrcnter, si limeatur vcrisimiljtcr de morte ·inlirmorum, quia
uecessarium est ad salutcm istud Sacramentam, si possit haberi. Synod.
llemens. et J'recens. apuâ Saint-Beuve de Extr. Unct.
t1) S. Cesario d' Arles, i1pp. oper. S. Ang. Serm. CCLXXIX.
(2) l\Jonastic. Anglic. t. li, p. 77õ.
(3) D. Marteo, de Antiq. eccl. r'Íf. t. II, e. 7, art. . 4..
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110 CATECISMO
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DE Pll\S:EV ERANÇA. 111
ternas palavras~ c~m que Nosso Senhor saudava seus Discípulos, quan-
do appar~cia no meio delles , dizendo : A paz seja nesta casa e com
todos os que a !tabitam l - tu sobre tudo, pobre doente, não te-
mas; sou eu , teu amigo, ten irmão, teu .Salvador e medico. Logo
o sacerdote depõe sobre a mesa os santos oleos ; e, revestido de so-
brepeliz e estola roixa, toma o Crucifrxo e o dá a beijar ao enfor-
mo. Delicioso osculo l que o amigo celeste dá em o amigo que sof-
fre, para o reanimar , mostrando-lhe ao mesmo · tempo as chagas
que soffreu por seu amor. Ao · voltar á mesa o Sacerdote lança agua
benta sobre os assistentes e sobre o doente , em nome do qual diz
a oração do Rei penitente. Aspergi-me, Senhor, com o liysope e se-
rei· purificado , e rne tornarei mais branco que a ne-ve. Então, vol-
tando-se para o doente, conjura ao Deus Santo e Omnipotente se di-
gne des,·iar delle o espírito das trevas , e enviar-lhe em auxilio os
seus santos Anjos. Depois, feita a Confissão gerai pelo enfermo ,
pede ao Senhor lhe dê a sua graça, e use com elle de sua miseri-
cordia. Porem ainda com islo se não . contenl~ o Sacerdote, mas an-
tes recomme1ida aos assistentes se nfio esqueçàm de seu irmão, que
um grande combate está empenhado; o demonio forceja por levar
e.sta alma , cumpre salvai-a a todo o p_reço.
Purificado o doente com a agua benta , e excitados em seu co-
raÇão os sentimentos de dor e arrependimento, começa o Sacerdote
as sagradas uncções. Elle as faz sue cessivamente em os olhos , ou-
·vidos, nariz , boca, mãos e pés do enfermo ; em uma palavra, em
os cinco sentidos, orgãos de nossas acções, e· desgraçadamente de
nossos peccados t1) 1 A cada uncção diz estas palavras : Por esta
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112 CATECISMO
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DE PERSEVl!!l\ANÇA.
.
113
Offerecer-se os filhos aos pais, para que os abençoem , é dar á auc-
loridade- paterna a sua dignidade e o seu poder.
Se Deus quer chamar a si este filho exilado, se está prestes a
soar a sua ultima hora, o Mimstro de Jesu-Christo acode ao cha-
mamento. Prostrado diante do leito do moribundo , rodeado d'uma
familia enternecida, elle faz por seu irmão as tocantes ~ e sublimes
orações da encommendação da ~lma. Não pode a lingua humana
exprimir Ludo o que ellas encerram de divino ; só o coração é ca-
paz de o sentir : escutai-as.
O Sacerdote, aquelle que recebe o homem ao entrar na vida,
que o sustem no decurso della, que lhe releva suas culpas~ que vi-
gia todos os seus passos , o Sacerdote não o abandona no momento
supremo : elle vê . que o mundo vai terminar para este exilado do
Ceo ; que as portas da eternidade se vão abrir diante delle. Enlao
dirigindo-se a todos os habitantes deste novo mundo, conjura-os com
piedosas litanias, chamando-os a lodos por seus nomes , para que
venham ao encontro de seu charo irmão. Seguro do seu valioso
_patrocínio, elle dá o signal da partida por estas palavras solemnes:
(( Vai alma christã, sabe deste mundo, em nome do ~ Pai Todo-Po-
deroso ·que te creou , em nome de Jesu-Christo, Filho de Deus Vi-
vo que padeceu por , ti, em nome do Espirilo Santo. que sobre ti
desceu, em nome dos Anjos e dos Archanjos, dos Thronos e Domi-
nações, dos Principados e Potestades , dos Cherubins e Seraphins ,
dos Patl'iarchas e dos Prophelas 7 dos Santos Apostolos e Evangelis-
tas , dos Santos Martyres e Coníessores, dos Santos Monges e Ere-
mitas, das Santas Virgens e de todos os Santos e Santas de Deus ;
para que hoje mesmo entres na paz da Jerusalem Santa , pelo mes-
mo Jesu-Christo Nosso Senhor. Amen l »
Tal é a legião formidavel e .JDagnitica, no meio da qual o Cbris-
lão vai transpor os umbraes da eternidade. Qur bacle clle temer ?
Então se dão ao viajante os ·emboras da feliz viagem ; despedidas
mais ternas que as que uma carinhosa mãi costuma fazer ao queri-
do filho. Nada se poupa, já para consolar e confortar o enfermo,
Já para mover e 9omo que abalar as compassivas entranhas de Deus, J
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114 CiTECIS~IO
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OE PERSEVERANÇA. 115
dos fortes , e lhe deu - a beber o vinho que produz as ''irgens. Co-
meça a lucla ; se o combatente sahe ferido, a Igreja o cura mergn:
lhando-o em um banho de Sangue Divino, e reenviando-o ao com-
bale mais animado e valoroso que antes.
Dest'arle, por meio dos Sacramentos, dá a Igreja ao seu athleta
todas as condições da victoria , e o sustem constantemente em gran-
de elevação de pensamentos. A profunda idea , porem, da. sua di-
gnidade nunca lhe é lam necessai'ia como no ultimo momento da
peleja ; ·pois é então que o inimigo reâobra esforços , quando a gran-
deza do homem parece querer submergir-se na sua mesma enfermi-
dade. Si~1, é neste momento que, enfraquecido pela doença, sen-
te já o homem que o seu corpo se dissolve , e breve se reduzirá
ao pó , e ficará no tumulo um não sei que , uma cinza fria , sem
individualidade e sem nome. E' tambcm nesta hora ultima, que os
parentes e amigos, com as lagrimas uos olhos, estam confessando a
sua impotencia e deplorando uma ruina proxima e irreparavel !...
Pois é precisamente neste extremo de desolação , quando o homem
já não é mais que um objecto d'horror, de lastima e enfado, que a
Igreja Calhohca, despregando toda a pompa das suas ceremonias , e
toda a riqueza das suas _graças, Yem engrandecer aos nossos olhos
a dignidade da natureza humana ! Com effeito, nos ritos sacramen-
taes da Extrema-D ncç.ão, tudo tende a engrandecer 'a dignidade do
homem chrislão ; ludo aqui revela symbolicamente o allo destino que
nos aguarda, se morremos em o Senhor. A Igreja. com a sua clo-
quencia divina, ahi nos recorda o que somos, athlelas abatidos, mas
não vencidos ; combalentes sim, que muitas vezes cahiram em ter-
ra , mas que se levantaram, ou podem levantar-se ainda, com noYas
forças moraes e physicas, para vencer e triurnplmr do seu adver-
sario. Eis o que a Igreja faz, ungindo o corpo do homem com di-
~·ersas uncç.ões ; ella quer, por estes signaes misteriosos , dar ao
enfermo uma liç.ão, que lhe será proYeitosa se recuperar a saude ;
ou inspirar-lhe uma grande conlianç.a na misericordia- divina, se está
chegado ao termo da vida. E'_então que o .Christão, mudado em
um novo homem, experimenta quanto o Senhor é bom, para com
aquelles que o amam ; quanto- vai nas tribulações estar na amiza-
-de tle Deus, e poder chamar-lhe pelo doce nome de Pai ; quanto ó
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116 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 117
las vantagens. O homem morrerá sem consolação nem .dignida<le ;
aviltai-o-heis no momento em que e1le mais necessita scnlir altamen-
te de si; a morte Já não será uma escola M v~rludc ; passar-se-ha
1
a vida no esquecimento de Deus , e do seu tribunal terri vel; dos seus
premios e castigos. Ora, quereis saber em que se converte o mun-
do . quando já s~ não lembra da eternidade? Olhai em torno de
vós 1 ensine-vos a funesta experiencia do nosso seculo quanto é soâal
uma cerenrnnia , que recorda a todos, lam energicamente, o dogma
da elernidadt o juizo, o Ceo e o inferno. Tirai do mundo a Ex-
1
,
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118 CATECISMO
nos circumstantes ! Pois que'! não vos entristece que o doente mor-
ra para ahi , sem sacramentos , sem conforto, sem reconcfüação
com Deus? Como podem éonsolar-se estes màos parentes... qne di-
go ! Como não terão remorsos • corno n~o serão perseguidos
d'uma perpetua e irreparavel tristeza _, quando consentiram , on
foram voluntariamente causa de que- um pai , uma ma1 , um
frlho , um· consorte , um_ homem quemquer , desprezando o f~r
midavel pelago da eternidade. fosse cahir nas mcios do Deus
vivo 1 comparecer ant.e o seu lrióunal, iem ter feito as pazes com
o seu Juiz !·
. O morrer chl'islãmente longe de ser motivo de tristeza, pelo
contrario o deve ser de muitas e solidas consolações. Se ha cousa
que possa consolar-nos d'uma separação é a idea de que ella ape-
nas é parcial e temporaria. Oh, quanto é suave a um pai, a uma
mãi, a um filho, a um amigo, o dizer no seu c·oração: Morreu, já
não vive o objeclo <lo meu amor; mas morreu nos braços da Reli-
gião, na amiza~c de Deus ; hwrreu , mas ainrla assim estê1 unido com
aquelles que o amam; passou deste. mundo de miscrias, mas passou
para ·melhor vida; la o posso a_inda ver; lá o verei um dia. Ah,
felizes, sim, os que morreni em_ o Senhor ; mas feliH\s laÍ:nbem os
que lhes procuraram essa preciosa morte ! Se agora se separam ;
se o pai, a mãi, o amigo, deixaram na terra o objeclo da sua lernu-
ra' não é islo para sempre ; r.lles se tornarão a ver um dia ~ pára
nunca mais separar-se : nem elles jamais se separam ; pois teem
sempre a esperança tle estarem unidos em rspiri!o; de se comnrn-
nicarem pela oração ; de se soccorrcm mnluanwnle, com maio1:
promptidão, com maior efficacia·. Em summa~ separaram-se de um
modo material ; mas nem por isso deixam de pertencer á sociedade
dos santos ; a essa sociedade, que na terra é perseguida ~ mas no
Ceo lriumpha. Aquelles, pois, que parliram diante. foram fazer sua
entrada UC'ssa Cidade Santa , a que todos aspiramos ; foram ao en-
contro de novos irmãos, travar amores com elles ; e todavia~ estas
nov~s affeições não os farão esquecer as que deixaram na terra;
antes cada vez nos amarão mais , e com maior fineza : foram unir-
sc á cabeça de que são membros , juntar-se a novos parentes e ami-
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IJE PERS:EVEl\ANÇA. HO
gos ... oh , qual será o rapto deste momento ! o enleio desta vi-
são (1) !
· O' meu Deus . que sois lodo amor , eu vos dou graças
por haverdes instiluido o Sacramento da Extrema-Uncção , afim de
me purificar , consolar e fortificar na minha ultima hora ; permit-
li, Senhor, que en a receba dignamente.
Eu protesto amar a Deus ~obre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho deste amor,
recitarei no ultimo di·a de cada mez as orações da agonia.
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120 CATECISMO
XLIH: LIÇÃO.
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, DE PERSEVERANÇA. 121
uem considerada como um sacramento, como o provam as mais an-
tigas liturgias, mesmo as das seilas separadas da unidade calbolica, desde
os primeiros seculos (1). Os mais illuslres Padres, taes co!Ilo S. Agos-
tinho (2), S. Chrysoslomo (3), S. Jeronymo (4), S. Leão (õ), faliam
da Ordem como d'um verdadeiro Sacramento. A' auctoridade des-
tes Padres ajuntaremos somente o facto seguinte. Vivia no quarto
seculo um santo, chamado l\fartyrius, que , por humildade , não
queria ordenar-se de Diacono, e dizia a Nectario , Patriarcha de
Constantinopla, recem-baplizado e ordenado : Vós acabais de ser
purificado e santificado por dois Sacramentos, a saber, pelo Baptis-
mo e pela Ordem (6). :» Logo cria-se que a Ordem era um sa-
cramento instituído por Jesu-Christo: que linha, assim como o Ba-
ptismo, a virtude de ,conferir a graça. Sobre este· ponto, assim co-
mo sobre todos os mais, fostes vós, ó ' Igreja Catholica, Senhora e
Mãi nossa, infallivel orgão da Tradição e da Escriptura , quando
contra o orgulho da rasão pronunciastes este solemne analhema : « Se
alguem disser que a Ordem ou a Ordenação não é um verdadeiro
Sacramento , instiluido por Nosso Senhor Jesu-Chrislo , seja ana-
thematizado (7) ! » Chama-se Ordem, porque neste Sacramento ha
muilos graos, subordinados un~ aos outros , e tendendo todos para
o mesmo fim, como veremos depois (8).
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122 CATECISMO
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DK ~ERSEVERANÇA. 123
2.º impl'imir um caracter indelevel, de sorte que não pode jamais
exlinguir-se, nem por consequencia restabelecer-se por uma nova or-
denação; 3. conferir o poder de consagrar o corpo de Nosso Se-
0
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1H. CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 125
Ainda mais , supponde que o Redemptor em pessoa desce ,·i-
si velmenle a uma igreja, e se assenta em um confessionario, para ad-
ministrar o Sacramenlo da 'Penitencia, em quanto que l1!11 Padre se
vai assentar em outro. O Filho de Dcns diz : Ezt te absolvo ; e o
Sacerdote da sua parle diz : Ezb te absolvo ; e t.anto por um co-
rno pelo outro o penitente fica igualmente absolvido. Desl'arte
o Sacerdote, poderoso como Deus, pode em um instante arrancar
o peccador do inferno , e fazei-o digno do Paraizo; de escravo do ·
dernonio · fazei-o filho d' Abraham , e Deus mesmo é obrigado ·a eslar
pela sentença _do Sacerdote.; recus~ndo. ou . concedendo o seu
pcr~ião , segundo a recusa ou concessão da absolvição pelo Sa-
cerdote, uma ''ez que o penitente a mereça (1). A sentença do
.. Sacerdote precede , Deus não faz mai.s que subscrevei-a (2). Po-
c.le acaso conceber-se' um poder maior , uma dignidade mais
alta?
Ja me não admiro que o Filho de Deus dirija aos Sacerdotes
esta sublime palavra : Aquelle que vos ouve, · a mim mesmo ouve ;
a'fttelle que ws despfeza, a mim despreza; e fazer a todas as nà-
ções do universo esta adverlencia : Livrai-vos de tocar nos -meus
christo.i; ; aquelle que os loca, toca nas meninas dos meus olhos.
Já me não admiro que, no Concilio de Nicea, o senhor do mundo,
o grande Constantino , não quizesse occupar senão -o uHimo lugar,
abaixo de tocJ"os os Sacerdotes, e recusasse sent<Ar-se adiante , sup-
posto Ih' o permillissem. Já não admiro que s.· Francisco d' Assis ,
recusando toda a sua ' itla, por sua humildade, a honra do Sacer-
1
.'
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126 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 12'7
gue e de sua ,·ida·,· civ1lisa ainda todos os dias as nações selvagens,
como anliguamente civilisou a nossos avôs (1 ).
Por sua charidade. Percorrei as cidades e os campos ; per-
guntai quem foi o fundador, e o suslenlaculo de todas as institui-
ções verdadeiramente uteis á humanidade ; á iofancia , que entra na
vida ; á velhice, que della está prestes a ausentar-se; nomear-vos-
hão um Padre. Descei ao ai vergue do pobre, inquiri quem tem da-
do o pão que ahi se come: é um Padre, ou urna pessoa cujo . ze-
lo ou cbaridade foi excitada por um Padre. Chegai-vos á cabecei-
ra do doente, do doente de quem toda a gente foge, com quem lo-
dos se enfadam : quem é o anjo consolador que verte no seu cora-
ção o balsamo da consolação e da esperança? é um Padre. Pene-
trai na masmorra do prisioneiro, quem é o que allivia o peso dos
seus ferros? é um Padre. Subi ao. palibulo do justiçado, quem
· vedes ao lado d~ victima? é tarnbem um Paure , um Padre que,
com uma das mãos lhe amostra a Cruz, e com a outra o Ceo.
Discorrei por todas as miserias espirituaes e corporaes da triste hu·
manidade, não encontrareis uma só , que o sacerdote não allivie to-
dos os dias, e isto sem fausto, sem ostentação, sem esperança ou
gratificação humana.
Nós somos obrigados a amar os nossos inimigos como a nós
mesmos , porem hoje não se ama o Padre ; hoje o aborrecem l E'
elle o objecto de zombarias sacrilegas, e de um rancor irnpio ! Mas
o Padre não se queixa : o discipulo não é supei-ior ao :Mestre. A
sua boca não se abre senão para perdoar, assim como os seus bra-
ços para abençoar : e áquelles que .se affligem de o ver assim des-
conhecido, ultrajado , perseguido, contenta-se com dizer , como seu
Divino Mestre levando a Cruz para o Calvario: . Filhas de Jerusa-
lem, não choreis sobre mim , chorai sobre vós e sobre vossos fi-
lhos ; o povo que ullraja seus sacerdotes associa-se ao crime dos Ju-
deos : elle terá parte no seu castigo. Prevendo-o , assim como os
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128 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 129
trez, os Sacerdotes vinte e cinco (1 ). Que cousa mais sabia do
que esta disciplina? Se no seculo se requer para empregos publi-
cos idade madura, muito mais deve a Igreja exigil-a naquelles , que
hão de ser elevados ao Sacerdocio. 2. º cumpre não estarem in-
cursos em alguma censura, ou irregularidad~, que os torne indignos
do Ministerio Ecclesiastico, ou inhabeis para exercer as suas func-
ções. 3.º devem ler uma vocação particular pàra o estado sacer-
c.lolal. Pertence a Oeus escolher os seus .Ministros, como ao Rei
escolher os seus servos e ofliciaes.
6. º Necessidade do Sacramento da Ordem. Este Sacramento
é necessario á Igreja e á Sociedade. A não ser e!le , que dá á
Igreja os seus Minislros , e superiores aos fieis, a Igreja deixaria
de ser uma soCiedaue : tudo seria confusão e desordem ; porque
não ha sociedade sem superiores que mandem, e inferiores que obe-
deçam. Mas se a Igreja não existisse, lam pouco existiria a socie-
dade civil, de quem a Igreja é o espirilo e o sustentaculo; por quan-
to, não ha sociedade sem Religião : não ha Religião sem a Igreja ;
não ha Igreja sem Bispos e Sacerdotes ; não ba Sacerdotes sem o
Sacramento da Ordem : logo o Sacramento da Ordem é a alma da
Religião .e do Estado. Admirar-vos-heis á vista disto que antes de
confiar aos homens os poderes e a dignidade do Sacerdocio, o novo
Adam e a Igreja, sua esposa, e'(igissem delles longas provas e gran-
des preparações ? Aqui, sem duvida, é o admirar a sua divina sa-
bedoria. Vejamos isto pelos factos. · O primeiro passo para o San-
ctuario é a recepção da l~nsura.
Os mais antigos e respeitaveis Padres da Igreja dizem que a prima
tonsura é do tempo dos Apostolos; e até referem que o primeiro
que a estabeleceu foi S. Pedro , em memoria da Coroa d'espinhos
de Nosso Senbor (2;. Como quer que fosse, a tonsura era já mui
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. '
130 CATECISMO
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' DE PERSEVERANÇA. 131
tifice, entoa o Psalmo que começa : « Conserva-me, Senhor, porque
eu esperei, em li. » Em quanto o côro continua o P~alma, o Bis-
po corta com as tesouras em forma de cruz os cabellos ao tonsu-
rado, o qual diz ao mesmo tempo esta~ palavras, que exprimem o desejo
que lem de separar-se do mundo e unir-se a Jesu-Chrislo : « O
Senhor é ·a parte que me coube por herança, e a porção que me
foi ass1gnada. Tu és o que me hás de restituir a herança , que
me é propria » (1 ). Então lança o Bispo aos tonsurados a sobre-
peliz, symbolo da rnnocencia em que devem sempre viver , dizen-
do : « Revista-vos o Senhor o homem que _foi feito á _imagem de
Deus, em um estado de justiça e santidade perfeita ! » Desde este
momento já o clerigo não pertence ao mundo, mas a Deus, cujos
habitos vesle: o Novo Adam é d'or::i'vante o seu modelo.
A lonsura não é Ordem, mas tamsomente uma santa ceremo-
nia estabelecida pela Jgreja, para separar do mund-0 aquelles que
ella chama ao estado ecclesiastico. E' uma especie de noviciado,
que faz entrar os ordinandos no clericato, submette-os ás leis ec-
cJrsiasticas, e os dispõe para receber as ordens. Não basta porem
separar do seculo aos que hão de formar a lribu santa , destinada
para ser a luz do mund·o , o sal da tQrra, e cooperadores com Je-
su-Cbristo na obra da Redempção: · Para que um exercito possa ven- ,
cer o inimigo cumpre ser bem disciplinado, ter seus chefes e sol-
.dados , desempenhando cada um sua particular missão. Por isso
estabeleceu Nosso Senhor no c)e1~icato differentes ordens. « Pois
que o Sacerdocio é uma cousa toda divina, diz o sagrado Concilio
de Trento, para que se exercesse com mais dignidade e respeito
convinha que, pai a o bom governo da Igreja, houvesse differenles
e dislinclas ordens de ministros que, em virtude de seus cargos ,
ajudassem os Sacerdoles em sua& funcções, e, ornados primeiramen-
te da tonsura clerical, subissem por estas differentes ordens como
por outros tantos degraos á eminencia do Sanctuario (2). »
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132 CATlsCIS!\10
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I
ºDE PERSEVÉRANÇ .L 1.33
· templo material, ond·e se -hade offerecer o augusto Sacrificio (1). »
Não é islo uma admiravel jerarchia? Vede quanto é util estudar
a R~lig1ão t
ORA.VI.O. ·
O' meu Deus ! que sois todo anior , eu vos dou graças por
haverdes insliluitlo o Sacramento da Ordem , para perpetuar a vossa
presença real entre os homens, e dar Ministros á vossa Igreja ;
permilli, Senhor, que eu lenha grande respeito a este Sacramenlo ,
' . e a todos aquellés que o recebem.
Eu protesto amar ~ a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho deste amor,
rezarei muitas ve.zes pelos Padres .
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13( CATECISMO
XL1V ~ª U ÇAO.
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l>E PERSEVERANÇA. 135
Da mesma sorte lhes incumbia annunciar as horas da oração, guar-
dar fiel mente a Igreja, varrei-a e adornai-a, olhar que nada se des-
encaminhasse, abrir e fechar as portas e a Sachristia ás horas com-
peténtes, emfim , abrir o livro áquelle que prégava. Já se vê que
reunindo tantas obrigações tinham muito que fazer. Dava-se esta
Ordem a pessoas de idade mauu ra (1 ).
A todas estas funccões .
. se, allude nas oracões e ceremonias da sua
..-
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136 CATECISMO
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DE PERSEVER-ANÇA • 137
•
sões do demonio <lepois que Jesu-Christo lhe refreou o poder; e,
para evitar abusos e reprimir imposturas, é de mister haja piedade
e -prudeneia no ministro. Dest'arte a Igreja , conservando os cos-
tumes da sua veneravel antiguidade, restringe o poder d'exorcizar,
e não permille que o exerçam senão Sacerdotes, especialmente au_
ctorisados, e só -depois _de terem feito prudentes e minuciosos exa-
n1es (t). ·
Termina o Bispo as orações da Ordenação fazendo pôr aos Ex-
orcistas a mão sobre o Missal, em quanto elle diz: « Recebe e apren-
de este livro , com o poder de impor as mãos sobre os ·energurne-
nos , sejam baplizados, sejam cathecurnenos. )) Depois supplica fer-
vorosanrnnte ao Senhor que os protr.ja, afim que cumpram santa-
mente as suas. funcções , e que, como rnedicos irreprehensiveis, cu-
rem aos outros apôs de se haverem curado a si mesmos.
A quarta Ordem menor é a do Acolyto. A palavra acolyto
quer dizer que segue, que acompanha. A Ordem dos Acolytos é
a mais elevada das quatro menores. Eram antigamente os Acolytos ·
mancebos de vinte a trinta annos , destinados a acompanharem o
Bispo, e a estarem sempre debaixo da sua vigilancia. Faziam elles'
suas mensagens , levavam as eulogias e até mesmo a Sagrada Eu-
- charislia, e serviam ao altar debaixo da direcção dos Diaconos. Ho-
je porem, que os tempos são outros, não lhes concede o Pontifical
exercer senão as funcções de levar os castiçaes com vela, acendei-
os, e preparar a agua e o vinho par_a o Sacnfic10.
Acherte o Bispo aos Acolytos , no acto da ~na ordenação, que
resplandeçam na Igreja como filhos da luz. com o esplendor de to-
das as virtudes, afim de edificar seus irmãos com uma vida pura,
e serem dignos de apresentar a agua e o vinho no altar do Senhor.
Depois lhes dá a tocar um castiçal com vela, e uma gaJheta , vasia,
dizendo : « Recebe este castiçal e esta vela , e não te esqueças que
em nome do Senhor foste estabelecido · para acender as toe beiras. na
18 V
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138 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 139
Liga disciplina, já como degraos que devem percorrer, para se san-
tificarem , os Levitas que aspiram ás sagradas ordens (1).
A primeira das Ordens sacras é o. Sub-Diaconato. Elevou-se
a esta dignidade depois que a Igreja impoz a esta Ordem à obri-
gação de guardar caslidade (2). Al1tes disto, o' Sub-Diaconato con-
siderava-se como Ordem menor : os Sub-Diaconos eram os Secreta-
. rios dos Bispos, que os occupavam em jornadas, e negociações ec-
clesiasticas; tinham a seu cargo as esmollas e administração do
temporal. Fora da Igreja exerciam as mesmas funcções que os Dia-
conos. Era d>ordinario aos Sub-Diaconos que a Igreja Uomana con-
fiava a admimstração dos patrz"monios de S. Pedro (3.), nos diversos
territorios da Chrislandade, onde estavam silu~dos. Administrando
estes bens sub a auctoridade dos Papas , executarnm também suas
·ordens em relação a mui importantes negocios ecclesiasticos ; taes
corno a correcção dos abusos, nas Provincias onde estavam estes
palrimonios; a convocação de Concilios, as advertencias que eram
encarregados de fazer aos Bispos, concernentes ao comporlamento
destes, e as informações que davam ao Papa a respeito do que se
passava no paiz em que estavam. Cí)
Hoje, porem, o minislerio dos Sub-Diaconos está reduzido ao
serviço do Altar, e assistir ao Bispo ou ao Sacerdote nas grandes
solemnidades. Cnmprn-lhes preparar os ornamenlos, os sagrados
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-~-------
uo CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 10
sempre , renunciand-0 a todos os seus affeclos e esperanças, deixan-
do os pais, os parentes e amigos, protestam que serão como Mel-
ch isedech, antiga figura do Sacerdocio Chrislão, sem pai, sem mãi,
sem genealogia.
Mas quem _lhes dará a virtude sob rena tu ral, para sustentar to-
da a vida este heroico sacrificio? aque1Ie mesmo que lhPs inspirou
a vonla<le : e assim o Bispo e todo o povo , enternecidos, e como
turvados ao ver os encargqs que sobre si tomam, de joelhos pedem
ao Senhor se digne attender áquelles seus servos, que prostrados
esperam a sua benção. Endereçam-se ás tres Pessoas da Santissima
Trindade, a Maria Sanlissima, aos Anjos, Patriarchas e Prophetas,
aos Apostolos, e Martircs, aos Confessores, e a toda a Corte celes-
te. .Então se levanta o Bispo, e abençoa e êonsagra aquellas vi-
climas. fazendo sobre ellas por tres vezes o signal da cruz.
Está consu mmado o sacrificio-: as vict.imas se levantam , pois é
Yivendo que hão de continuar a immolar-se. O Bispo enlão, diri-
gindo-se aos assistentes, conjura-os a que orr.m por aquelles novos
~Iinislros, que se consagram ao serviço de Deus; e logo passa a
rndicar aos Sub-Diaconos quaes são as funcç,ões da sua Ordem , cu-
j<1s attribuições lhes confore ~ fazendo-lhes Locar o calix e a pate-
na (1).
~·
<1) O toque ou -enlrega do calix e da patena coustitue a materia
da Ordem do Sub-Diaconato na lgi::eja latina. Assim o declara Eugenio
quarto no seu decrclo aos Armenios: Subdiaconalus confertur ptr cali- -
eis vacui cum patena uacua superposita traditionem. Na Igreja grega a
ruateria do Sub-Diaconato é a imposição das mãos, que o Bispo faz SQ-
bre o ordinaodo, e a fórma é a oração que ao mesmo tempo recita.
Nenhuma outra cousa ha nos seus Euchologios, assim antigos como mo-
dernos, a ,que se possa dar o nome de maleria e de forma.
a Não deve isto fazer-nos difriculdade , diz o Conferente de Augers,
« l. XI , p. 229. Como foi a Igreja quem instituio esta Ordem, clla
a mesma tinha a a.uctoridade de assigoar-lhe a materia e a forma que
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1H CATECISMO
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H3
A palavra Diacono quer dizer servo. Os Apostolos ordena1·am
us primeiros Diaconos por occasião das murmurações, que se le-
vantaram entre os Fieis de Jerusalem, . por causa da distribuição das
esmollas. Aos Diaconos pois encarregaram do cuidado das mesas ,
onde as viuvas e os pobres tomavam seu alimento corpora·i ; porque
desde o principio os pobres foram o ob1ecto da lema sollicitude da
Igreja. Assim os Apostolos , entregando aos Diaconos o cuidado
dos pobres, puderam dar-se inteiramente á prégação do Evangelho e
á oração. Todavia, não foi este o unico, nem ainda o principal
fim da sua instituição ; pois os Yemos logo occupados de outras func-
ções mais santas e elevadas. Ao serviço da mesa material juntou-
se lambem o minislerio de sagrada Mesa, onde dislribuiam aos Fieis
a Eucharistia, para alimento da alma. A prégação dff palavra de
Deus e a administração do Baptismo faziam lambem parte das suas
funcções. Assim vemos que Santo Eslevão e S. Filippe se dedica-
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tu CATECISMO
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OE PERSEVÉRANÇA. U5
ra no meio do altar, e o Arcediago lhe diz : « Reverendo Padre,
nossa Mãi, a Santa Igreja catholica, pede que deis a estes Sub-Dia-
conos o cargo do Diaconato. - Sabeis vós se são dignos delle? Eu
o sei, resptmde o Arcediago , e o attesto , tanto quanto a fraqueza
humana o permilte. Graças a Deus, diz o Bispo. Depois dirigin-
do-se ao clero e ao povo diz-lhes : Com o auxilio de Deus e de nos-
so Salvador Jesu-Christo, escolhemos estes Sub-Diaconos para os ele-
var ao Diaconato. Se alguem tem alguma cousa contra elles, adi-
ante-se desembaraçadamente por amor de De~us e o diga ; mas lem-
bre-se do seu caracter : elle se delem um momento para dar tem-
po aos Fieis a responder.
Recorda-nos esta advertencia a antiga disciplina da Igreja, que
consultava nas ordenações o clero e o povo ; hoje porem pertence
aos superiores o examinar os seus subd1los, e conhecer da sua vo-
cação. Entretanto, para conservar quanto é possi \'el a antiga disci-
plina, e tomar conhecimento do merecimento do eleito ~ determinou
a Igreja se fizessem denunciações na Missa Conventual da Parochia,
e bem assim a ceremonia de que acabamos de fallar na ordenação
dos Diaconos e dos Sacerdotes.
Se os Fieis não fazem reclamação alguma, endereça-se o Bispo
aos onlinandos, e lhes traz á memoria a dignidade da Ordem que
vão receber, as funcções que lhe são inherenles , e as virtudes que
para isso se exigem. Começa então um prefacio, que é como intro-
ducção á grande acção que vai fazer. De repente detendo-se no
meio cio prefacio . impõe o Bispo a mão direila sobre a cabeça de
e.ada ordinando, dizendo : cc Recebe o Espirito Santo para teres a
força de resistir ao <lemonio e ás suas tentações. » Não lhe impõe
as duas mãos, para mostrar que os Diaconos não recebem o Espin-
lo Santo com a mesma plenitude que os Sacerdotes.
Acabada esta cercmonia e lido 6 prefacio , dá o Bispo a cada
Diacono a estola, symbolo do poder que lhes confere, dizendo:
« Recebe da mão de Deus esta estola branca·; cumpre o teu minis-
terio ; Deus é Todo-Poderoso, elle augrnentara em ti a sua graça. ))
A estola do Diacono não se veste como a do Sacerdote , para mos-
trar que não tem a mesma dignidade. O Bispo reveste-o depois com
a dalrnatica, pronunciando estas palavras : « Deus lc dê o habito
19 V
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H6 CATECISMO
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DE Pl'!RSEVER.lNÇA. H1
Se ninguem reclama, endereça-se o Ponlifice aos Diaconos. n
lhes lembra a natureza, origem e sublimes funcções do Sacerdul'10.
Diz-lhes que os Sacerdotes são os successores dos setenta e dous
anciãos que, por ordem de Deus, Moysés tinha escolhido para o aju-
darem no seu ministerio, distribuindo a justiça e velando pela ob-
servancia dus dez Mandamentos. Estes anciãos eram a figura dos
selenla e dous Discípulos, que Jesu-Cbri~Lo enviou dous a dons a pré-
gar pela palavra e pelo exemplo. cc Sêde dignos, meus queridos fi-
lhos, accrese.enla o Ponlifiee, de serdes coadjntores de Moysés e dos
• --,-doze Apostolos isto é, dos Dispos Calholicos, figurados por Moysés
1
Bi!'pr}S tinham pela escolha e Yoto tios povos .nas ordcn:içõcs; e como cit-
tcs ahi se oppunham quando percebiam que os or<linandos se propunham
mais por pílixão e intriga, qnc por vcrdaileiro amor dos fieis.
Como fallccesse Euschio, Bispo <le Cesarca, o Clero, segunJtl o co~
tume, escreveu aos Bispos da pro,·inria, os quaes ,·irram para proccdrr
á eleição. Gregorio, o pai dos Theologos, lendo sido rharnado como os
oulros, temeu nfio poder assistir, tanto por sna cxlrf'mn H•lh1cc co11H1
por uma doença que lhe sobre\' cio. Escrc,·eu pois ao Clero e ao J)Q' o
de Ccsarca nestes termos :
« Eu sou nm pequeno pnslor d'um peqneno rebanho, mas :i graça
não se restringe pela pequen<'z dos logar~s, seja pois permillido mesmo
nos pequenos fallar livremente; tracta-se da l~reja, pela qual Jrsu Chris·
to morreu; os olhos são a luz do corpo, os Ilisp('s a luz da Igreja
Vós me rhamastcs, segundo os Canoncs; mas eu c~lou impedido pela
\'Clhire e pela doença. Todavia. se o Esp1rilo Santo me der forças pa-
ra assistir á eleição, porque nada ha impossin!I aos Fieis, isto será o
melhor e o mais agradavcl pnra mim ; mas se a enfermidade me delirnr,
concorrerei tanlo quanto o póde faur um ausenle. Não duvido que, cm
tara grande cidade como Cesnrca , onde tem havido tam grandes Prela-
dos. não haja outras pessoas dignas do primeiro togar ; mas não posso
preferir ninguem ao nosso querido íilho o Padre Basilio. R' um homem.
digo-o diante de Deus, ruja \'ida e doulrrna é pura ; é o unico, ao me-
•
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H8 CATECISMO
nos o mnis i<loneo de todos, para se oppor aos hercjcs.... E' isto o que
cu digo ao Clero, aos Monges, ás Digmdadcs, ao Senado e a Lodo o
povo ; se o meu Yolo for approvado como justo e ,·indo de Deus, estou
presente esj)iritualmcnte, ou antes , tenho já imposto as mãos; se forem
d'outro accordo, se suspeitarem nisto intriga ou interesse de familia , se
o tumulto emíim prcrnlecer contra os canones 1 íazci vós o que rns pa-
recer, eu retiro-me. »
Escrc\'eu lambem o Santo Euzebio de Samosat, 1mplorando-lhe o
seu rnto nesta conjunclura. Veio com effei_Lo S. Euseb10, o a sua pre-
sença foi etlicacíssima para consolar e sustentar os Catholicos; porque
arnda que S. Basilio fosse manifestamente o mais digno de occupar a Sé
de Ccsarea, as primeiras pessoas do paiz se lhe oppunham. Sustentavam
a sua farç.ão com os pcores tl'.enlre o povo , e tinham peitado uma parte
dos Bispos. Dcst'arte quando se reuniram, escreveram ao Bispo de Na-
zianse, con,·idnndo-o a vir, mas de maneira que lhe deu a entender · que
o não desejavam. .Mostrou-lhes este pela sua resposta que hem os en-
ten,lia, e lhes declarou , como unha feito ao clero e ao poro de Cesa-
rea , que dava o seu rnto ao Padre Basilio, como o mais digno; pro-
lcstando contra a eleição que se (izcssc por intriga. Nem se contentou
só com escrcHr; pois sabendo que faltava um voto para fazer a eleição
canonica, não obs~antc a sua avançada idade e os seus achaques, que
o reduziam ao uHimo exlrcmo, levantou-se da cama e se fez conduzir a
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OR PERSEVERANÇA.
cerdotes nesta occasaao as impoem tambem é para se contormar
com o costume da primiliva Igreja : costume veneravel , que nõs
ensina que o Episcopado e o Presbyterado não constituem mais que
um só Sacerdocio. O Bispo põe depois sobre o peito dos -ordinan-
dos, em forma de cruz , a estola que, como Diaconos, traziam so-
bre o hombro esquerdo, e lhes diz : « Recebei o jugo do Senhor';
o seu jugo é suave e o seu pes(} é leve. » Reveste ..os ·da Casula,
dizendo-lhes estas palavras : « Recebei o habito sacerdolal , que de·
signa a cbaridade. » E o Sacerdote fica sendo um homem de cha-
ridade , a charidade personificada. A Casula que o Bispo dá aos
Sacerd<>les está pregada pela parte posterior ; para indicar que ain-
da não receberam . toda a graça do Sacerdocio , e só depois de se
lhes conferir o poder de perdoar os peccados é. que o Bispo lh'a
d~~prende. ·
-Depois d'um bello prefacio que annuncia uma acção sublime ,
.o Bispo entoa o Veni, Creaior, para altrabir sobre os ordinaridos o
Espirito Sanclificador, com todos os seus dons. Em quanto o coro
canta, o Pontifice consagra as mãos dos novos Sacerdotes , por uma
abundante uncção do oleo dos· Cathecumenos ; dizendo : <r Senhor ,
dignai-vos consagrar e santificar estas mãos, por esta uncçã~ e pela
vossa benção. » E fazentlo o signal da cruz, continua : cr. Em no-
me de Jesu-Christo Nosso Senhor, tudo o que ellas abençoarem se-
Cesareil, tendo-se por bem p:igo de acabar a vida por oma boa obra.
Ficou eleito S. Basilio, e foi ordenado canonicamente Bispo de Cesarea.
-A Igreja commemora esta ordeoação a U de Juoho.
Eoccrra esta narração bastantes patticularidades interessantes , e
proprias para dar a conhecer a disciplina d'aquelle tempo a respeito das
eleiçoco~. Yê-se, eolre outras cousas, que os Bispos tinham nellas a
principal auctoridade, que concorriam ainda que ausentes; que a plura-
Jldade dos votos prevalecia; que tinham direito de se oppor quando se
}>ertendia tractar om negocio desta importaocia com intrigas e maquina- _
çoens; que os mesmos Bispos de daffereotes proviocaas assistiarn algumas
vezes por procuração, para manter a paz e a unanimidade. (*)
("') Historia dos Sacramentos, t. V, p. .119 e seg.
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150 CHECISMO
..
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D& Pli:RSEVEIUNÇA .
isso que o Bispo acaba todas estas 'bellas e tocantes cer~monias da'D·
do o osculo da paz a todos os novos Sacerdotes.
Considerai, tornamos a dizer, todas estas magnificas orações e
apparatosas ceremonias, e dizei-nos se o culto ca'lholico não ~atisfaz
ao mesmo tempo a rasão, o coração · e·: os senlidos (1) ! Que dire-
mos agora da imporlancia do Sacramento da Ordem? Uma palavra
basta para provar a sua necessidade social : não ha sociedade sem
Religião, não ha Religião sem Sacerdotes, não ha Sacerdotes sem
o Sacramento da Ordem : logo sem o Sacramento da Ordem não
ha verdadeira sociedade. Digo verdadejr;i sociedade , isto é, uni~o
d'homens entre si para a conservação e perfeiçfo do seu ser phy-
sicol intellectual e moral ; porque as sociedades antigas, exceptuan-
do a Judaica , eram apenas uma agglomeração de individuas, con-
tidos pela força , e sem outro fim mais que a sua existencia e des-
envolvimento material. As sociedades protestantes, a querer assim
chamar-lhes, devem o seu aperfeiçoam~nto, se leem algum, ás tradi-
ções calholicas que conservaram ; porque os povos não podem viver
senão da charidade chrislã, e não ha verdadeiro Cltrislianismo fo-
ra· da Igreja , nem Igreja sem Sacerdocio. · E' pois lambem ·ao Sa-
cerdoc.io Catholico que os nossos irmãos separados são devedó'res ,da
sua vida social, isto é, do que lhes resta em crenças e costumes ·~).
O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças
por haverdes estabelecido, para vossa gloria e minha salv.ação, dif-
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CATECISMO
XLIV .ª LIÇÃO.
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D~ PERSEVERANÇA. 153
De todos os contractos é o casamento o mais antigo , santo e
respeitavel : o mesmo Deus é o seu author ; pois o instituio no Pa-
raizo terrestre , quando , depois de ter creado Adam e Eva
os abençoou, dizendo : Crescei e multiplicai-vos e enchei a terra (1).
Então recebeu A<lam das mãos de Deus a sua inseparavel compa-
nheira, pronuncia!ldo Elstas palavras ,mysleriosas e prophelicas : Eis
'J osso do meu osso, e a carne da minha carne ; por úso o homem
deixará pa,i e mai, para se unir á sua esposa, e ambos não serão
mais qne uma mesma carne ('2). No tempo dos Patriarchas conti-
nuou o Matrimonio a ser o mais sagrado e solemne de todos os
conlraclos , como se mostra da historia <flsaac e Rebeca, de Jacob
e Rachel. Da mesma sorte o foi no tempo da Lei de Movsés, do
que é exémplo o casamento de. Ruth com Boos, de Sara ~om To-
bias·, supposto não passava ainda, como no tempo dos Patriarchas,
do interior do lar domestico, entre parentes e àmigos, no meio das
orações do pai, da. familia e d-0s assistentes , para attrabir a ben-
ção de Dens sobre os novos esposos. Era um simples coo tracto na-
tural e civit. ·
Aproximava se o tempo em que o matnmonio teria por objeclo
dar irmãos ao novo Adam; á Igreja, filhos ; ao mundo\ já não Ju-
deos, mas sim Christãos ; não uma nação carnal , mas santa. Era
preciso pois que o matrimonio , cujo fim se tornava mais nobre e
santo : fosse ennobrecido e- enriquecido das graças necessarias aos
novos esposos. E' o que Nosso Senhor- fez,, elevando o ·Matrimonio
á dignidade de Sacramento.
1. º ·Sua definição. Na Lei nova , o matrimonio é um Sacra-
mento iustituido por Nosso Senhor Jesu-C!tristo , que dá aos qne o
rece'bem dignamente a- graça de se santificar em sei~ estado , educar
ckristamente seus fil!tos, significando a união de Jesu-Chri'sto com
a sua Igreja. O matrimonio dos Catholicos encerr_a todas as qua-
lidades que constituem um verdadeiro Sacramento; é 1.º um signal
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CA n:c1s1t10
-
(1) Tertull. de Monogamia, de Praescript. e. 40; A mbr. Lib. 1 de
i\braliam. é. 7; Aug. lib. de Fide et OperifJ. e. 7; de Dono Conjuy.
e. ~M; Tertull. Ad uxor e. 9; Amhr. Epist. XXV ad Vigil.; Concil. IV
Carlh._ Can. 13; Ori~. Tract. VII in 1Jlatth ; Alh1rn. Epist. aâ Ammo-
nium; Chry~. Romil. LVI in Genes.; Ang. de Nttpfiis et Concupiscenda,
r.. 17. etc.
(2) Divinum Sarrnmcnlnm êss~ a-Lquc unnm ex illis seplem qu~ Chris-
tus ct Aposloli Ecclcsim trndiderunt. Censur orient. eccl. e. Vil.
(3 ) Sess. XXIV.
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DE PERSEn:nAl'iÇA.
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1ã6 t;ATECISMO
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DE PERSK·ViRANÇ·A. 157
reza humana. Por · isso Nosso Senhor , author de todos os Sacra-
mentes, concedeu aos c5lposos tam abundantes graças, . para se tor-
narem dignos delle (1 ). O primeiro dever é vinculo dos casados é
a lidelidafk O esposo e a esposa dão reciprocamente um ao outro
o poder em seu corpo, com 1uramenlo de nunca jamais violar a
sanlà alliança do matrimonio. - O homem, diz Nosso Senhor, deixa-
rá sett pai e sita mãi • e se unirá a sua mulher, e serão dous em
uma só carne ('2). Assim lambem o Apostolo diz que a mulher não
e senhora de seu corpo, mas sim o rnarido ; e que o marido não é
lambem senhor de seu corpo , mas sirn a mulher (3). O dever da
fidelidade é igual a ambos : não ha differença entre marido e mu-
lher. Para facilitar a observancia deste dever ennobrece , fortifica,
aperfeiçoa o Sacramento do Matrimonio o amor natural dos conju-
ges, lra11sformarnlo-o em uma affeição pura, santa , constante, e
bem similhanle á que ha entre Jesu-Christo e a sua Igreja. AfTei-
ç.ão pura ~ne, excluindo tudo o que não seria digno dos Anjos,
IHa· os esposos a viver com sabedoria, honestidade e castidade, co-
mo filhos dos Santos, irmãos e herdeiros do Ceo. Affeição santa,
que , inspirando-se na fé, lhes torn·a suave o seu jugo, e doces os
cuidados que se pro~igalisam. Affeição santa, que, unindo seus co-
rações com indissoluvel laço, apesar da inconslancia natura) da al-
ma e das v icissiludes da vida , os ajuda a su pporlar-se, . a desct.1-
par seus . rnutuos defeitos, e a guardar inv-iolaveis as sagradas pro-.
messas que um ao outro fizeram e juraram ao pé dos santos
Allares.
Desta affrição mutua, produzida pela grJça e ordenada pela Re-
ligião, derirnm os d~vcres particulares dos conjujes a respeito um
do outro. Elia ohriga o marido a tratar sua mulher com suavidade
e (l'uma maneira honrosa, recordando-lhe como Adam linha Eva por
l'Ua companheira, pois disse a ·ne us: .4 mulher que me deste por
'
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158 CAT~:CISlUO
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' OE P~RSEVERANÇA . 159
pregar nos negocios domesticos , afim de que a ftconomia, a ordem,
e bom governo da casa façam que seu marido ache nclla a paz e
feiidade domestica. E'. por es5\a rasão que a mulher chrislã deve
~ de boa vontade viver o mais cio tempo em casa, e sahlr só por
necessidade, e ainda com permissão de seu marido. A esposa que
quer conservar a paz domestica, adquirir uma ascendencia legiti-
ma sobre seu marido, e transformar a sua casa n'um paraizo · ter-
restre , use pois constantemente dos conselhos se~uintes· , usados
com tanto proveito por todas as santas mulheres ; . O ~·ar , trabalhar.,
soffrer e calar-se. -
O segundo dernr das pessoas casadas, e para o cumprimento
do qual lhes dá o Sacramento uma graça especial, é a educação dos
filhos. Esta graça lhes faz desde logo considerar os filhos como uma
benção. S. Paulo faz disto tanto caso que diz : A rnulher será sal- .
va 11elos filhos que der ao rmrndo (1). Isto não deve entender-se
só tia geração d os filhos , mas lambem de sua educação e uo cui-
dado de os formar na piedade ; porque o Apostolo accrescenla logo:
.'ie elles permanecerem 1w fé. Ainda que a educação seja um de-
ver commum dos pais, parece pertencer mais especialmente á mãi.
D'uma parte, é clla que eslá mais frequentemente ·com elles, so-
breludo naquella idade tenra, em que as impressões recebidas dcci-
dPm ordinariamente do resto tia vida ; d'outra parle, porque Deus
a enriquece de mais abundantes meios, para os educar : assim lhe
e bem lH'Cessaria a graça do Sacramento; es la graç.a que lhe dá '
b.em como a seu marido , a prullcncia, a doç.ura, a firmeza, a vi-
gilar.cia, a paciencia de que tanto carecem para desempenhar di-
gnamente. esta especie de sacerdocio . que muito os honra. E' es-
ta gra~·.a que lhes ensina a ·considerar seus filhos como um deposito
sagrado, f!Ue o mesmo · Deus lhes connou e do qual lhes tomará con-
t.a , sangue por sangue, alma por alma ; e com esla consideração
faz que evitem em sua presença toda a palavra ou acção que possa
escandalizai-os ; cm summa, é rsla graça que lbes diz que Deus não
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160 CATll:CISMO
lhes deu filhos para fazer delles sabios , . ricos , felizes no · mundo ,
mas santos. Como succede pois que tantos pais_e mãis querem igno-
rar estes 'primeiros principios de suas obrigações, e em logar <le os
seguir infringil-os conlinuamenle?
O· terceiro dever ou effeito do Matrimonio cllristão, para o qual
o Sacramento confere uma graça particular , é a indissolubilidade.
O vinculo do :Matrimonio entre os Fieis não pode romper-se senão
por morte. A legislação de fodos os povos catholicos , fumlando-se
nos princípios do Evangelho, põe em o numero dos crimes puniveis
o divorcio , lam energicamente chamado o sacramento do adulterio.
A inclissolubihdade é um dos maiores beneficios do Sacramento do
Matrimonio ; porque della depende a honra. das familias , a prolec-
ção da mulher, a garantia dos costumes publicos e domesticos. a
educação e a mesma vitla dos filhos, assim como a força da socie-
dade. Mas este jugo perpetuo pode algumas vezes tornar-se pesa-
do, e é por isso que Nosso Senhor facultou aos esposos, no Sa-
cramento do :Matrimonio , as graças necessarias para o supporlarem.
O cumprimento destes deveres produz a perfeição do Mal ri mo-
nio chnstão, que consiste em representar a união de Jesu-Chrzsto
com a sua Igreja. Nisto consiste o glor10so privilegio e o mais
bello dever dos conjuges, dever que, bem metlitado, inclue lodos
os outros, e que, fielmente cumprido, assegura a felicidade do mun-
do. O úivino Salvador quiz que sua santa e casta união com a
Igreja se representasse e tornasse sensi vel em todas as familias en-
tre o marido e a mulher, afim de que cada familia fosse uma igre-
ja domestica, e desta sorle a sociedade , que não é senão o aJunla-
rnento de totlas as familias , fosse um povo de santos. Foi por is- _
so que elle elevou o M·atrimonio á dignidade de Sacramento. Ora,
os esposos representam a união de Jeau-Christo com a Igreja pelo
modo seguinte : .
Jesu-Christo <leixou seu Pai para unir-se · á Igreja, assim o ho-
mem deixa pai e mãi para unir-se a sua mulher. A Igreja for-
mou-se de JE:su-Christo morto na cruz, assim a mulher se formou
do homem durante o somno. Jesu-Chrislo é chefe da Igreja , o
marido é chefe da mulher. Jesu-Christo protege a lgr~ja e a diri-
ge e conduz ao Ceo ; o marido dt!ve ser o proteclor, o guia de
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DE PERSEVEh.ANÇA. 161
sua esposa, e mostrar-lhe o caminho do Ceo, mais por seus exem-
plos que por suas palavras. Jesu-Christo e .a Igreja fazem um só
corpo, um só espirito os anima ; :o mesmo é o homem e a mulher,
que não são mais que uma só carne , um só espírito deve animal-os.
Jesu-Christo ama ternamente a Igreja , mas o seu amor tem por
fim a sua felicidade eterna ; e a Igreja, da sua parte , respeita a
seu divino Esposo e lhe guarda uma inviolavel fide1idade: da mes-
ma sorte o esposo deve amar sua esposa , mas com o fim da sua
salvação ; e a esposa deve respeitar seu esposo, e guardar-lhe uma
inv-iolavel fidelidade. Je~u-Christo está inseparavelmente unido á
Igreja ; assim o devem estar o esposo e a esposa ; a sua união é
indissoluve1, e só pode romper-se pela morte.
D'aqui se segue que o sagrado vinculo uo Malrimonio não pode
contrahir-se senão entre um só homem e uma só mnlher, e que a
polygamia, isto é, a pluralidade de mulheres, aimla que tolerada na
antiga Lei, para a propagação do genero humano, é absolutamente
prohibida na Lei nova ; pois se fosse ainda practicave1, o Malrimo-
nio deixaria de representar a união do Salvador com a sua Igreja ,
o que lhe dá particularmente ,a dignidade de Sacramento (1). Taes
são os effeitos do Sacramento do Malrimonio.
o.º Disposições para o r_eceber. Para participar deslas graças e
effeitos devem os con1ujes dispor-se com grande cuidado para cele-
brar o Matrimonio. Assim como depois da primeira communhão ,
não ha cousa mais importante que a escolha d'um estado, assim
lambem o l\Iatrimonio é de todos os actos aquelle que mais jnflue
na sorte dos conjujes, das familias e da sociedade : por consequen-
cia não ha outro que requeira mais disposições; mas é desgraça-
damente para o celebrar que de ordinario se levam menos. As
disposições para o Matrimonio são :
-Em primeiro lugar a vocação. A Divina Providencia pondo-
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1
162 CATECIS'10
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OE PERSEVEllANÇA. 163
I
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164 CATECISMO
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ü~ PKRS~YERANÇA. 16õ
jmpios 1 Que vos parece? Se todos os casamenlos se parecessem
· com este , não estaria a sociedade mais feliz e tranquilla ?
Tudo o que acabamos de dizer mostra qual é a santidade do
casamento entre os Chl'istãos. Se elles pude~sem duvidar do cui-
dado com que lhes con vem e são obi·igatlos a preparar-se para este
Sacramento , tarn imporlante para a sociedade cor~o para a Religião,
as mil precauções de que a Igreja faz preceder a sua recepção bas-
tariam para ensinar a todos qual é a importancia da união conjugal,
e com que temor devem contrahir os formillaveis encargos que se
lhe seguem.
Todos os porns, ainda os pagãos, fizeram preceder ao matnmo-
nio os esponsaes, que eram como preparação para elle. Chamam-se
esponsaes a mutua promessa que fazem homem e mulher, para isso
habilitados, de um dia contra/tirem o matrimonio. << Para que os es-
ponsaPs sejam validos e obrigatorios é preciso que a promessa seja
verdadeira e sincera , feita por duas partes com liberdade e deli-
beração, e que se.Ja manifestada por palavras 'ou signaes exteriores.
Os esponsaes leem por fim dar ás duas parles tempo de s~ conhe-
cerem e examinarem , e deliberarem maduramenle, antes de dar um
passo que os une para sempre, e verem se o futuro casamento terá
todas as condições necessanas á sua mutua felicrllade nesta e na
vida futura.
São antiquissimos os espq_nsaes ; já os Judeos os celebravam
quasi com tant~ solemnidade como as nnprias (1). Esla ceremonia
usava-se lambem entre os povos pagãos ~ e como nada tem de con-
tral'ia á Religião conserva-se no Chrislianism•) : a Igreja até mesmo
a santificou pela oração e a presença de seus ministros. Era costu-
me entre os Romanos enviar á fnlnra esposa um annel de ferro sem
ornamento algum de pedrarias ('2). Dest'arlc os esposos faziam sua
mutua promessa, um tlando o annel , o outro aceitando-o (3). Os
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166 CATECIS!\10
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IH: PERSEVERANÇA. 167
sor·Le de pessoas : a mesma natureza o prohibe. Ora, ha duas sor-
tes de impedimentos; uns~ que tornam o matrimonio nullo, e por
isso se chamam dirimentes ; outros, que não annullarn o matrimonio,
mas fazem que se não possa contrahir sem peccado , pelo que se
chamam impedienles.
Os iºmpedimentos dirimentes que aos Fieis mais interessa conhe-
cer são os seguintes :
1. º O erro. Pedro, por exemplo, .quer casar com Tbereza ; iJ-
ludem-o e o fazem contrahir com Catharina.. crendo elle ser There..,.
za: é nullo o matrimonio porque versa sobre erro de pessoa. Este
impedimento é de direito natural, pois a primeira condição de qual-
quer contracto é que as partes conheçam ao que se obrigam.
2.º Voto solemne de castidade. O frade ou freira, ou -0 orde-
nado de ordens sacras não podem casar-se; e se o fizerem é nuJlo
o matrimonio. o que fez voto de castidade contrahio uma alliança
com Jesu-Christo ; a elle se deu e dedicou , e já não pode dispor
do seu eorpo nem do seu cora9ão. Este 1mped1mento é posto pela ·-
Igreja, afim de obrigar os que se dedicaram a Deus a cÚmprir sua
promessa. De facto, nada ha mais sagrado que a solemne promes-
sa feita a Deus~ e naJa dal'ia maiores escandalos qne a infracção e
desprezo deste genero de promessas. Para os evitar estabeleceu pois
a Igreja o impedimento de que traiamos : e ha por ventura cousa
mais prudente e util á sociedade e á Religião?
3.º O parentesco. E' prohibido com pena de nu1Jidade aos pa-
. rentés por linha colJateral até ao quarto gráo o càsarem-se. Para conhe-
cer em que gráo de parentesco estam duas pessoas entre-si a respeito do
trouco commum é esta a regra: são tantos os gráos como pessoas des-
cendem · do pai commum excfosi'vamente. A Igreja p9z este impedi-
mento até o quarto gráo, afim de estreitar os laços da charidade
entre os homens , obrigando-os. a conlrahir aJlianças com outras fa-
·rnilias. O'aqui se vê quam bem ella cornprehende o espirito de seu
divino Esposo, que é faze~ de todos os homens um só povo de ir-
mãos.
Alem deste parentesco de consanguinidade ha lambem o cha-
mado párentesco espiritual , o qual se contrahe pelo Sacramento do
B~plismo e o da Confirmação : 1. º entre o que baptiza e o bapti-
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168 CA'l'ECISMO
zado e o pai e mãi deste, de sorte que a pessoa que baptizou não
· pode casar nem com o baptizado nem com seu pai ou mãi ; 2. en- 0
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- ·~
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170 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 171
casamento feita a uma pessoa, afim que não sejam causa de um sém
numero de desordens, e nem se façam com leviandade ~ inconside-
radamente.
7. º Affinidade. lia duas especies de affinidade ; uma, que re-
sulta de rnalrimonio consummado ; outra de conjuncção illicila en-
tre pessoas não casadas. O impedimento que resulla <lo tracto illi-
cilo faz que nenhuma das partes possa casar com parente da outra
até O segundo gráo inclusivamente, e se O fizeF é DUJIO O matrimonio.
A afílnidade que nasce do matrimonio consummado torna o marido paren-
te de todos os consanguíneos de soa mulher· e vice versa ; de sor-
te que morrendo um, não pode o outro casar-se com seus recípro-
cos consanguineos até o quarto gráo inclusivamente, sub-pena de nul-
li<lade do casamento. ~stes impedimentos tam multiplicados entre
parentes leem por fim já o manter o mutuo respeito e reverencia
entre pessoas que teem entre si facil accesso; já impedir que as ri-
quezas não 'enham pelo -tempo adiante a acumular-se em algumas
poucas familias. Assim alem das rasões moraes e espirituaes, a Igre-
ja attende lambem ao mteresse politico dos Estados.
8. º Rapto. E' o roubo d'uma- pessoa seja contra a· vontade
desta , ou contra a ue seu pai ou mãi , ou - de seus tutores ou cu- ·
radores. Neste caso não pode receber-se a pessoa roubada sub pe-
. na de nullidade , a menos que antes a não posessem em plena li-
- herdade. Que c·ousa mais util á moral que este impedimento~
9.º Clandestinidade. Para que o casamento seja valido, deve
ser feilo em face de Igreja , em presença do Parocbo , ou d'outro
padre por elle commissionado, estando presentes as parles ·e duas ou
trez testemunhas. Este impe~imento tem por fim evitar os enormes
abusos ttne se faziam antes desle decreto do Concilio de Trento.
Os impedimentos impedientes são trez : 1." o voto simples de
castidade, o voto simples de religião, ou de não casar ; !. º espon-
saes valz"dos; commetteria peccado o que, tendo (]ado esponsaes a
uma pessoa, se casasse com outra , subsistindo ainda os esponsaes;
3. º a proltibição da Igreia : não é permittido casar, sem dispensa,
desde o primeiro domingo do Advento até ~o dia de Reis inclusi-
vamente; ~ d_esde a quarta feira de cinza até á oitava da Pascoa
inclusivamente. Sendo este tempo do anno dedicado especialmente
•
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172 CATECISMO
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OE PERSEVERANÇA. 173
ja. Em segundo Jogar , na idade media, quando a Europ~ estava
dividida em um sem numero de pequenos Soberanos, que não co-
nheciam outras leis que as suas paixões , não tinham os Bispos au-
ctomlade bastante para fazer respeitar as leis concernentes ao Ma-
trimonio; e a maior pat"le destes príncipes não se importavam com
suas sagradas obrigações , dando por isso a seus vassallos o mais
pernicioso exemplo. Era pois absolutamente necessario que os Pa-
pas, que não estnam debaixo da dependencia destes priucipes ve-
lassem pela conservação desta parle essencial da disciplina , e re-
servassem a si as dispensas, para que a difficuldade de recorrer a
Romà moderasse a malicia que tinham os particulares de s~ evadi- -
rem ás leis ecclesiaslicas pelo meno1· pretexto.
Pedindo alguma dispensa deve dizer-se a verdade , isto é. fa-
zer conhecer os molivos que ha para a sollicitar. D'outra sorte, a
dispensa será nulla. Quanto á somma exigida, nãÕ será justo que
aquelle que pede dispensa d'uma lei geral , compense esta especie
de infracção por uma boa obra~ Alem disso, o dinheiro que se en-
via a Roma para as dispensas, não é para proveito da Corle Roma- _
na ; mas emprega-se já nas escavações das catacumbas , afim de
tirar d'alli os corpos dos Marlyrns, já na manutenção das Missões ,
para a propagação da Fé. Nas dioceses parliculares, emprega-se
este dinheirn em obras pias.
Tal é em summa a legi~ lação da Igreja a rnspeito do Matrimo-
nio. Para quem a estuda é um verdadeiro e admiravel codigo de
sabias . disposições e seguranças para o acto fundamental da familia
e da sociedade (1).
6. º Sua necessidade. Considerado em· relação á natureza, o ma-
trimonio é necessario para perpetuar o genero humano ; considerado
em r.elação á Igreja e á sociedade christã, é este Sacramento neces-
sario para dar áquelles que o recebem as graças de que tanto ca-
recem para cumprir C<.;m os seus deveres, e dar filhos á Igreja e
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17' CUECISl\IO
Santos ao Ceo. Por isso Nosso Senhor elevou este contracto natu-
ral á dignidade de Sacramento; mas nem lodos são obrigados a re-
cebei-o. Nosso· Senhor collocou a virgindade acima do .Matrimonio,
e o Apostolo nos diz que o joven que se casa não faz mal, mas·
o que se não casa faz ainda melhor (1). Cada um deve seguir a
sua vocação.
7. º Liturgia do J.l'fatrimonio. Que diremos das ceremonias que
acompanham a união solemne dos esposos? O primeiro motivo da
nossa veneração é a sua antiguidade. Desde os primeiros seculos
santificaram os· Christãos a celebração do Matrimonio por meio <!as
orações c~mmuns da Igreja e as bençãos de .seus l\Iinistros (2). Os
casamentos celebravam-se publicamente em face do Bispo que, den-
tro do Santo Sacrificio, encommendava a Deus os futuros esposos /
Faziam elles nella a sua oblação com os demais Fieis , e citavam-se
seus nomes em particular. Consideravam-se as bençãos nupciaes
não como simples ceremoma, mas como origem de graças. A's
bençãos nupciaes accrescentava-se ·a benção do annel, que o esposo
vestia no dedo a sua esposa ; e os noivos offereciam lambem algum
dinheiro para os pobres : sempre nossos pais quizeram que os po-
bres tomassem parte nas suas festas. Filhos da mesma familia, não
queriam que uns sofil'essem, em quanto outros se regosijavam. O
esposo tomava a mão de sua esposa em signal da fé que lhe pro-
mellia (3). Estendia-se um veo sobre á sua cabeça: ceremonia mys-
teriosa, que lhe ensinava que o pudor devia ser a regra das suas
acções. Ora este veo de côr de purpura, para melhor significar aquella
virtude tam conveniente aos casados , <.los quaes é o principal adorno.
Outra ceremonia, não menos antiga que a precedente, é a co-
roação do.s esposos. · Collocava o Sacerdote em sua joven fronte
uma coroa que se conservava na Igreja, como cousa santa ; compu-
nha-se ordinadamenle d'um ramo de oliveira ornado de fitas bran-
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DE PERSEVERANÇA.
cas e incarnadas. Estabeleceu-se esle costume da coroação para
significa~ a innocenria virginal que os esposos levam para o Matri-
monio, e a gloriosa victoria que alcançaram· sobre as paixões (1).
Os tlous esposos commungavam á Missa das bençãos , para cimen-
tar no mesmo sangue do Salvador a união que acabavam de contra-
hir , e receber neste adora vel Mysterio as graças necessarias para o
seu novo estado. Ah ! porque se não' faz hoje o mesm9 : não serão
tam grandes as suas necessidades, ou - estarão elles menos obrigados
á santidade que os primeiros Christãos? Como quer que seja, a
maior parle destas veneraveis cercmonias a'inda com tudo se usam en-
tre nós. Quando os esposos ~ acornpanhados das testemunhas ' che-
gam á Igreja , poem-se de joelhos ao pé do altar , o esposo á di-
rella, e a esposa á esquerda. , O Sacerdote annuncia de novo o
futuro casamento , e interroga os assistentes se sabem de algum im-
pedimento. Se ninguem reclama, manda o Sacerdote aos esposos
que renovem o seu mutuo consentimento , e então se dãc> elles as
mãos direitas , e o Ministro do Altissimo . pronuncia esta oração :
Eu vos ligo em matn"moni'o, em nome do Padre , e do Filho , ele .
.,,. Ao mesmo tempo faz sobre elles o signal da cruz, para lhes recor-
dar que é em nome da Sanlissima Trindade , e pelos merecimentos
da sua morte que Nosso Senhor Jesu-Christo elevou o matrimonio á
dignidade de Sacramento , e que ninguem pode desíazer o nó com
que elle ligou os esposos. 'Depois, para lhes ensinar que sua união
deve ser santa, asperge-o~ com agua benla ; e eil-os unidos para
sempre. Os Anjos do Ceo, a Igreja da terra ouviram seus juramen-
tos : Deus mesmo os aceitou ; já não devem ler mais que um só
coração e uma só alma.
Falta ainda dar á esposa o signal ela sua alliança , e o penhor
do seu sacrificio. O Sacerdote o faz benzendo o anuel : o esposo o
offerece á sua esposa , que o recebe como signal do · vinculo que
acaba de conlrahir. Elia já não pertence -a si mesma , mas sim a
seu esposo como a Igreja a Jesu-Chrislo. O Sacerdofo abençoa
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176 CATECISMO - ·
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DE PERSEVERANCA.
..... 177
elle começa uma nova vida. As palavras da benção nupcial, pa-
lavras que o mesmo Deus pronunciou sobre os primeiros esposos do
mundo , enchendo o marido d'um grande respeito , lhe dizem que
elle cumpre o acto mais importante da vida , porque vai como Adam
tornar-se o chefe d'uma familia, e encarregar-se do peso da condi-
ção humana. A mulher não recebe menos instrucção. A imagem
dos prazeres desapparece a seus olhos -diante do aspecto dos seus
deveres. Uma voz parece exclamar cio meio do altar : O' Eva ! co-
nheces bem o que fazes ? sabes que não ha para li outra liberdade
senão a da sepultura? comprehendes o que é trazer nas tuas en-
tranhas mortaes o homem immortal e feito á imagem de Deus? O
hymeneo enlre os antigos era uma · ceremonia cheia de escandalos ,
celebrad~ com uma alegria turbulenta , que nada exprimia dos gra-
ves pensamentos que o matrimonio i11spira-: só o Cbristianismo .lhe
deu a dignidade que elle eleve ter (1 ).
Depois da Missa entra-se na sachrislia ; escreve-se a acta do
ca.samento nos registros. . Assim era lambem entre os primeiros chris-
tãos : chamavam-se estes registros Taboas matrimoniaes. Ahi se
inscreviam não só as convenções concernentes aos interesses mate-
riaes, mas lambem ás obl'lgações dos casados ; e os Padres da Igre-
ja, na assemblea dos Fieis, serviam-se do que estava escripto nestas
taboas , para lembrar aos esposos a santidade de seus deveres , tra-
zendo-lhes á memoria as obrigaçoes -que contrahiram e os fins que
se propozeram ao tomar aquelle estado. Todos aquelles que tinham
assistido ao casamento assinavam e.stas taboas, e o Bispo, que era
o Pai commum dos Fieis, as subscrevia tambem.
Taes são as orações e as ceremonias que acompanham a cele-
bração do matriI~onio calholico. Quem dirá as vantagens sociaes
deste Sacramento?
8. º Suas vantagens sociaes. Se a familia é a base da socieda-
de, é logo evidente que o Sacramento, que forma a familia , é a
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178 C.lTEC18MO
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DE PERSEVERANÇA. 179
de sublime, é entre elles desconhecida. O pai chrislão, pelo con- /
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18Q CATECISMO
OR_1'.Ç.lO.
O' meu Déus ! que sois todo amor , eu vos dou graças
por terdes elevado o Matrimonio á dignidade de Sacramento ; per-
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'
DE PEllSEVERANÇA. 181
milti, Senhor, que dignamente cumpram com os seus encargos aquel-
Jes que o recebem.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e, em Lestemunho deste amor,
orarei assiduamente por meu pai e minha mcii.
XLYI.ª LIÇÃO.
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182 CATECISMO
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183
do das cousas. A, sociedade actual, ainda considerada pelo lado
purameule material, está reduzida ao ultimo extremo de miseria.
Mas qunl é a cnusa da miseria? A· falta de commercio, e por con-
sequencia de trabalho. Donde procede a falta do trabalho e do
commercio? - da falta de credito. Donde nasce a· falta do credito? -
da falta de confiança. Donde provem a falta de confiança? - da fal- -
ta de charidade, isto é, da divisão da soci~dade em dous campos
inimigos , que ameaçam cada dia vir ás mãos , e derribar ludo por
terrà.
E' tam ·verdade o serem as bases da sociedade as 'mesmas da
Religião, que até leem os mesmQs nomes. A palavra · credito vem
de credere, que significa crer, ler fé: as de confiança e de chari-
dade ou fral.ernidade são identicas na linguagem social e religio-
sa. Notem isto esses cegos contumaces , que se obstinam em se-
parar o que Deus indissoluvelmente unio; em separar_ o sol da luz,
a alma do corpo , a Religião da sociedade ! Sirva isto lambem
para demonstrar cada vez mais a solidez do plano que adoplamos
na ordem e desenvolvimento da Doutrina Christã- !
Já mostramos o que é a l{é , sua dignidade, necessidade, qua-
lidades e objecto ; dissemos lambem o que é a espe.rança , e sua di-
gnidade e necessidade , qualidade3 e obJecto . . Anima<lo, fortificado,
di vinisado pela graça , fructo <la oração e sobre ludo dos Sacra-
mentos , que todos se referem á Sagrada Eucharislia , não resta ao
Christão mais que exercer as suas forças, trabalhar, que é a acção
· natural ao homem depois que torna o seu a-li mento. E quando pelo
exercício se lhe esgotam as forças, elle Yirá, para sustentar-se, re-
parai-as de novo com o alimento divino , o Pão dos fortes e o Vi-
nho das virgens, alé que chegue á montanha elerna , aonde reside
Deus , magnifico salario do seu frabalbo (1 ). Ora, este trabalho é
o amor, é a cbaridade. Não ha virlude ociosa, e muito menos o
pode ser a charidade. Ella é, dizem ·os Padres , essencialmente
acti va. Por sua influencia trabalha o espirilo do homem incessante-
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r
t8i CArnCISMO
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DE PERSEVKRJ\NÇA. 185
da da alma, assim como a alma é a vida do corpo ; e
uma virtu-
de que nos faz pensar , fallar, amar , obrar divinamente, porque
ella nos une inlimamente a Deus na terra, para depois nos unir a
elle na eternidade. Pode dizer-se que ella está em todas as poten-
cias da nossa alma, assim como a nossa alma está em lodos os
membros do nosso corpo, para os vivificar. E' lambem como o fer-
1
ro abrazado ·que, sem deixar de ser ferro, é todavia compenetrado
e identificado com o fogo, que o põe em fusão e mesmo em ebul-
Jição (1 ).
Sendo pois a charidade a vida da nossa alma, segue-se que é
ella a alma de todas as virtudes. Sem charidade ·não ha na alma
verdadeira virtude , isto é, que seja conducente ao nosso fim , que
é a posse de Deus~ Ella é, entre as demais virtudes, como . a raiz
que nutre a arvore, ou como o principe, que dirige e conduz seus
subditos ao ultimo fim a que todos tendem. Isto se entende não
só <las virtudes moraes, mas lambem das outras theologaes , a fé e
esperança. e< De todas as virlud~es , diz S. Thomaz, as theologaes
são as mais excellentes, porque tendem immediatamente a Deus,
regra de toda a perfeição , e, entre as virtudes .theologaes , a mais
excellente é a que mais compelentemenle se dirige a Deus ·, e que
se fixa nelle e por elle; esta é a charidade (2). » Fallando assim,
(1) lpsa esscntía divina charitas cst.. ; ila eliam charitss qua forma-
liter diligimus proximum est quredam participatio divioro charilatis ...
Deus est vila effective et animro per charitatem et corporis per animam ;
sed formaliter charitas est vila animre, sicut et anima '\'ila corporis.
D. Th. 2, 2, q. ~3, art. 2.
(2) Virtus vera simpliciter est ilia quro ordinalur ad priocipale bo-
num hominis ... quod est fieis ultimus ... et sic nu lia vera virlus polcst
esse sine charitate. D. Th. 2, 2, q. 23, art. 7. - Est duplex regula bu-
maoarum acluum , scilicct ralio humana et Deus ; sed Deus cst_ prima
regula, a qua ctiam humana ratio regulanda cst. Et idco virtutes thco-
logicro, qure cons1stuot in attiogendo iliam regulam pri1nam, co quod
caruru objectum est Deus , excellcntiores sunt virtutibus moralibus vcl
intellcctualibus, qure consistunt in attiogeodo ratiooem huruanam. Pro -
u · -· v
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186 CATECISMO
pter quod oportet quod ctiam inter ipsas virtutcs lhcotogicas ilia sit po-
tior qure magis Deurn attingít... l!~ides autcm et spes altinguut quidem
Deum secundam quod ex ipso provenit nobis YCl cognilio \'eri vcl adeptio .
boni, sed charitas altingit ipsurn Dcur~ , ut in ipso sistal , non ut ex
eo a1iqu1d oobis provcniat ; eL ideo charilas est exccllentior fide et spe,
ct per consequens omnibus aliis virtutibus. ld. id. art. 6. ·- Charitas
comparatur fundamento ct radiei , in quantum (ex ca) sustentaotur ct nu-
lriuntur omnes alire virtutes. ld. id. art. 8.
(1) De moribus Eccl Cath. e. XV, n. 25.
(~) I q. 95-, art. 4.
(3) 1 Cor. X Ili, 1: ·
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DE PERSEVERANÇA. 187
nossa charidãde para com Deus ; depois, da charidade para com o
proximo. O primeiro e principal objecto da cbaridade é o mesmo
Deus, considerado como soberana perfeição e soberano Bem. Nisto
mesmo se manifesta a excellencia da charidade : Deus , isto é, Ludo
o que ha de mais bello e amavel é o nobre alimento que o Divino
Reparador offerece ao nosso amor ! Oh ! quam profundo deve ser o
reconhecimento do coração humano á vista do seu glorioso destino !
quanto deve _ser viva a alegria do coração que, em quanto não en-
trou nelle o novo Adam, apenas conhecia os prazeres e affeições de
grosseiras creaturas ! Nascido para participai· do Banquete dos An-
JOS, e nutrir-se com- elles do mesmo Deus, pedia aos vis animaes
aquelle aviltado coração, que repartissem com eJle seus vergonhosos
prazeres : mas debalde ; em vão mendigava e se aviltava, a felici-
dade lhe fugia como foge amda para longe dos povos e dos homens,
a quem não domina o amor ·do Bem soberano. O novo Adam , re-
cordando-lhe o seu fim ultimo , restituiu-lhe a paz e a gloria , por-
que abrio diante de11e a origem pura e sempre fecun<la , onde pode
saciar a sede de amor que o consome.
4.º Sua regra. A regra de amar a Deus, diz S. Bernardo , é
amal-o sem medida. Devemos pois amar a Deus sobre todas as
cousas. Deus não deve ter em nosso coração nem superior nem
igual. Devemos preferil-o a tudo , ás riquezas, honras e reputação;
a nossos pais, parentes e amigos, á nossa saude, á nossa vida , a
todas as creaturas. Devemos estai· sempre promptos a sacrificar tu-
do antes do que perder a Deus pelo peccado mortal, de sorte que
nem a creatura nem o affecto a alguma creatura possa fazer-nos
abandonar a Deus offendendo-o (1). Não devemos tam pouco con-
senlír em nosso coração affeição alguma , que não possamos offere-
cer-lhe ; mas antes todas havemos de referir-lhe, subordinando-as
ao seu amor. Que · cousa mais rasoavel e j usla , sendo Deus, como
é, o noss_o Bem soberano, e nosso fim ultimo! Não seria uma ·ex-
travagante desordem ãmar objecto algum fora de Deus , mais do
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188 CATECISl\10
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DE PERSEVERANÇA. 189
· gado que a filha de Pharaó fosse sua mãi , e isto só ·por o~ter a
vida eterna (1 ). O mesmo Salvador dizia ao doutor que o mterro-
gava: Se queres entrar na vida eterna, guarda os mandamentos (2).
S. Paulo e-xhorta todos os Fieis a que se conduzam pe~o caminho da
virtude, e isto para alcançar o seu premio (3). Emfim o Sagrado
Concilio de Trento fere d'anathema a todo o que disser que um
Justo pecca quando faz o bem para obter a vida eterna (4). Mas
amar a Deus uni·camente como meio de adquirir a vida elerna ou
de evitar o inferno , ·isto é, fazer servir a Deus aos nossos proprios
interesses , é aproximai-o a nós, em vez de nós nos aproximarmos
a. elle ; é franstornar a ordem das cousas, e violar o preceito da
cbaridade (6). ·
O amor da charidade exprime-se por estas palavras : e i'nfipi~
tamente amavel.· Amar a Déus porque elle é infinitamente amâvel,
é amal-o por amor deli e· mesmo 1 feita abstracçãó ·de seus beneficias
I ,
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190 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 191
contar os cabellos da cabeça, do que os beneficios de Deus, -já na
ordem da natureza, já na ordem da graça. 3.º Suas promessas.
S. Paulo, voltando do terceiro Ceo, pegou um dia da penna, para
narrar as maravilhas da cidade santa ; mas não po1lendo achar pa-
lavras nem imagens com que exprimisse aqnelles bens ineffaveis,
não soube mais do que dizer : Que nem o olho vio, nem o ouvido
otwio, nem veio jamais ao coração elo lwmem, o qu-e Deus tem p1·e-
parado para aquelles que _o amam (1 ). 4 .º Seu JJ/andamento. O
l\fandamenlo d'amar a Deus não é um preceito novo ; antes é o
primeiro · de todos por sua antiguidade, dignidade e necessidade.
Funda-se elle na essencia da mesma natureza do homem. Com ef-
feito, que cousa mais natural , e mais sagrada, do que dar o ho-
mem a Deus, como a seu Creador, as homenagens da creatura , o
seu culto soberano~ Ora, sendo Deus o amor, o unico culto que
lhe apraz , diz S. Agostinho, é o amor das suas crealuras (2).
Na verdade, Deus é honrado pela fé e pela esperança ; mas não
é perfeito o nosso culto senão pela charidade. Sempre o amor de
Deus foi o maior preceito da Religião. Na Lei de Moysés está el-
Je expresso nestes termos : « Amarás ao Senhor teu Deus de todo o
« teu coração , de toda a tua alma e com todas as tuas for.-
o: ça5. Este preceito que te dou nõ dia d'hoje , tu o gravarás no ,
« teu coração. Ensinal-o-has a teus filhos , e o meditarás assentado·
« em tua casa, andando o teu caminho, dormindo e acordado. Tu
« o ligarás ao teu braço como a tua insignia (3). » Durante mais
de quinhentos annos não cessaram os prophetas de recordar ao po-
vo este mesmo preceito. O Salvador o proclamou ainda mais alta-
mente, e o dilatou e aperfeiçoou de novG. O amor de Deus, diz
elle a todos os homens sem excepção alguma, é a condição indis-
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192 CATECISMO
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D.G PERSEVERANÇA. 193
· Feliz o que cumpre e'}la doce lei - do divino amor ! Delle se
apartarão as crueis inquietações, e os negros terrores. S. Francis-
co de Sales descançava na divina Providencia, com mais tranquilli-
dade do que um menino no seio de sua mãi. Deus , dizia elle,
prometteu assisti~-nos em todas as nossas tribulações. Que ha que
temer 'l Nada. acontece sem permissão sua. Tendo sido- horrivel-
mente calumniado, nem por isso perdeu a paz da alma; mas es-
creveu dizendo ao Bispo de Belley : Acabam de mrl . avisar de fª ...
fiz que alli me rasgam os vestidos pqr bons modos ; mas eu espe-
ro em Deus que, se assim convier ao seu serviço, m'os hão de
concertar de sorte, que ainda fiquem melhores do que estavam
antes. »
S. Paulo era de tal sorte penetrado do amor de Deus, que no
meio de seus immensos lraba1hos , fadigas e perseguições, eslava
cheio de consolações e inuntludo de alegria. De tal sorte inflam-
mava o seu coração o amor divino , que ousava escrever estas ad-
miraveis palavras : Quem nos separará da cltaridade de Jesu-Chris-
to ? estou certo que nada o poderá, nem a vida , nem a morte,
nem as perseguições, nem a espada, nem a fome, nem a nttdez, nem
o presente. nem o futuro, nem potestade' alguma (1); e em outra
parte: E·u vivo, mas mio sou eu qtw vivo, é Jesu-Cltristo que vi-ve
em mim ('2). Assim falia o amor.
6. º Meios de o obter. Os meias de obter o amor de Deus
são : 1. º pedil-o com grande fervor, dizendo , por exemplo, corno S.
lgnacio : O' meu Deus ! dai-me o vosso amor com a vossa graça,
e eu ficarei bastante rico ; 2. º meditar muitas vezes com admira·
ção e reconhecimento nos beneficios de Deus; 3.º fazer boas obras,
esforçando-nos por cumprir com religiosa fidelidade os 'Mandamentos
da Lei de Deus, tendo sobretudo o maior cuidado em evitar todo o
peccado, por peqmmo que seja, commettido com proposit.o delibera-
do, e em fazer hem as mais pequenl!s cousas; 1.º fazer muitas \'·e-
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CATECISMO
zes aclos de charidade perfeila, dizendo : 1\'leu Deus , é por vós so-
meo te, e por amor das vossas adoraveis perfeições que eu vos amo;
amo-vos porque sois Deus, porque sois o Ser infinitamente perfeilo.
· De ordinario só se chegam a fazer aclos de pura charidade . depois
de ler feito rnmtos de gratidão e esperança.
7. º Peccados oppostos á cbaridade. Todos os pcccados são
oppostos á charidade : os rnorlaes, porque a extinguem ; os venfaes,
porque a esfriam. Entretanto ha peccados que são directamente op-
poslos á charidade : taes como o odio a Deus, e os que de11e deri-
Yam. Aborrece-se a Deus quando se deseja que elle não exis_tisse, ·
ou fosse indifferente ás nossas acções boas ou más ; que é o mes-
mo que aborrecei-o pÔrque é 1usto, · e vingador da iniquidade (1 ).
O odio contra Deus, é o maior e o ...mais tremendo de todos os cri-
mes.
0
8. Segundo objecto da charit1ade , o proximo. Por proxzmo,
não de'\'émos entender somente os nossos parentes, amigos e bem-
feitores ; os habitantes da mesma cidade ou reino ; os discipulos da
mesma Religião. Esta doe~ palavra, introduzitla na lingua humana
pelo Evangelho , cornprchende todos os homens sem distincção nem
excepção alguma : os Chrislãos, os herejes, os Judeos, os idolatras,
os ,,ivos e os mortos, e até os nossos inimigos. A cbaridade deve
ser universal , isto é, catholica como a nossa fé (2). Assim cum-
pre nos consideremos como membros da mesma fami1ia, fiJhos do
mesmo pai ; e por consequencia sorrrer mutuamente as · nossas fra-
quezas, perdoar as injurias, e fazer uns aos outros todo o bem que
pudermos , afim que todos reconheçamos, amemos e honremos como
bons filhos a nosso Pai que está no Ceo. Que nobre alimento offe-
rece lambem aqui Nosso Senhor Jesu-Chrisl.o ao nosso amor ! E
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DE PERSEVERANÇA.
como fulmina ao contrario a lei do odio universal, opprobrio e des-
graça do mundo pagão-, e que é ainda hoje mais ou menos a
causa da abjecção e miseria dos povos , familias e indivíduos infleis
a este preceito fundamental !
9. º Sua regra. A regra com que devemos amar ao proximo é
amal-o como a nós mesmos. Esta regra de charidade bastaria para
provar a divindade do Cbristianisrno. Jamais houve legislador que
a aconselhasse, quanto mais a ordenasse e imposesse ao homem.
Que ba ahi mais terno, social, e capaz de converter a terra em um
anticipado ceo? e, por outra parte, que regra mais infallivel e
menos equivoca? E' impossivel illndil-a, ou sophismal-a com femen-
Üdas interpretações. ' -Amar ao proximo como a nós mesmos é dese-
jar-lhe e fazer-lhe todo o bem qu·e nós rasoavelmenle quere.riamos
que nos desejassem e fizessem, se cstives:;emo·s na posição do nosso
proximo e elle ~a nossa.
Visto que o amor de nós mesmos é a regra e modelo daquel-
le que devemos ter para com o proximo, segue-se 1. º, que somos
obrigados a amar-nos a nós mesmos. Ora, p.ara nos amarmos se-
gundo a vontade do novo Adam, devemos em tudo prefem a alma
ao corpo, a vida eterna á vida temporal , baseando todos os meios
de chegar ao nosso fim ultimo, e evitando tudo aquillo que pode
desviar-nos delle. Da mesma sorte, amar ao proximo como a nós
mesmos , é preferir em todas as cousas a sua alma ao seu corpo •
a sua vida eterna á temporai ; é procurar-lhe, quanto nos é possi,·el 1
os meios de se salvar, e desviar delle tudo o que poderia dar cau-
sa a sua condemnação eterna.
Segue-se 2.º que nós mesmos devemos ser os primeiros e mais
preciosos objectos da nossa charidade (1 ). Cumpre-nos preferir o
nosso beQl ao do proximo , quando estes bens são da mesma or-
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CATECISMO
dem ; por exemplo, a nossa vida á sua_. Tambem não somos obri-
gados a preferir o bem dos outros ao nosso, excepto quando o bem
do proximo é d'urna ordem superior. Ora. a vida da alma é supe-
rior á vida do corpo ; a vida do corpo á reputação, e a _reputação
ás riquezas. Por esta regra, somos obrigados a preferir, a salvação
do proximo á nossa vida temporal, a vida temporal do proximo á
nossa reputação, a reputação ou honra do proximo aos nossos bens .
temporaes. Mas i~to não. tem logar senão quando o proximo está
n'uma grande e extrema necessidade, porque só então somos obri-
gados, para o soccorrer , a renunciar aos nossos bens ainda que se-
jam' d'uma ordem inferior.
Tal é a ordem_ admiravel por que a razão e a fé classificam
os objectos das affeições humanas :
1. º Deus sobre todas as cousas.
2. º Nós mesmos, quanto á alma e aos bens cspirituaes ou da
graç~.
3. º O proximo, quanto á alma e aos. bens espiriLuaes ou da
graça.
4. º Nós mesmos, quanto ao corpo e aos bens da natureza : a
vida e a saude.
5. º Q proximo , quanto ao corpo e aos bens da natureza : a
vida e a saude.
6. º Nós mesmos, quanto aos bens Lemporaes exteriores :, a hon-
ra e a fortuna.
'1.º O. proximo, quanto aos bens lemporaes exteriores: a hon-
ra e a fortuna (1).
·Ainda que devemos amar a Lodos os homens como a nós mes-
mos, ha todavia uma regra que nos cumpre observar em a _nossa
chariclade, relalivarnenle ás pessoas. Ainda nisto a natureza - e a
graça eslam perfeitamente d'accúrdo; pois que a graça não se op-
põe á natureza ou aos seus affeclos, senão que os ennobr~ce e san-
tifica. Quando pois se trata do bem espiritual ou temporal do pro-
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./
DE PERSEVERANÇA. rn1
ximo, devemos attender primeiro a nossos pais , filhos , irmãos e
parentes. Alem disso, havemos de preferir os Christãos aos infleis ;
os Pastores ou aquelles que estam para comnosco no Jogar de pais
ao commum dos Cbrislãos ; os domesttcos aos estranhorr (1 ).
Tal é est'outra regra de charidade a respeito das pessoas.
1. º - Deus sobre todas as cousas.
2. º Nós mesmos.
3.º O proximo.
'·º Filhos.
5.º Pai.
6. Mãi.
0
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198 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 199
Deus seja conhecido, amado , e adorado de todos os homens , fa-
remo_s quanto pudermos por que clle o seja. Logo, o preceito . do
amor do proximo depende e dimana necessariamente do preceito de
amar a Deus. Isto mesmo nos ensina o Salvador , dizendo : O
~ segundo Mandamento é similhante ao primeiro : Amarás ao proximo
como a ti· mesmo (1). E isto pelo amor de Deus ; sim, pelo amor
de Deus : ~entendamos .bem esta palavra ultima do preceito da cha-
ridade.
Admiremos aqui a sabedoria do Divino Legislador , e reconhe-
çamÕs que era impossivel dar á charidade, que hade ligar a todos
os homens , um fundamento mais solido. Tenha o proximo virtu~
des ou vicios, sejam quaes forem os seus teres ou qualidades, ha-
ja-nos feito bom ou mal, nem por isso deixará de ter parte na nossa
affeição , nem a nossa affeição para com elle nade ser menos gene-
rosa , constante , santa, e universal. Quer Deus que amemos ao
proximo como a nós mesmos, e assim o quer sempre. Sabido isto,
não temos mais que obedecer e callar-nos , abraçando-nos mutua-
- mente como irmãos e filhos de Deus.
Este s6 mandamento, bem observado que seja, dispensa todas
as leis humanas ; assim como todas sem elle são insufficientes. Não
nos admiremos, pois, que um imperador pagão, Alexandre Severo, o
mandasse gravar em letras d>ouro nas . paredes do seu pala cio. Oxa-
lá o gravemos todos em nossos corações l
11. º Sua applicação. Para que a. nossa charidade seja sincera
e agradavel a Deus, não hade consistir só em palavras ; mas hade
estar no coração e manifestar-se nas obras. E' ·isto o que nos re-
commenda o Discipulo amado, dizendo : Mens fillzinhos ! não nos
contentemos com amar só de ·palavra e de boca, mas amemos com ver-
dade e com, obras (2). E logo accrescenla : Conheceremos que ama-
mós a Deu.s, se observarmos os stus A/andamentos, e os seus Manda~ _
mentos de nenhüm m.odo são dz'{ficeis (3). Eis qnal deve ser a nos-
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200 CA'fECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 201
os vossos peccados (1). Ao preceito ajunta o exemplo, e morre
perdoando ; que digo ~ implorando o perdão para seus algozes : Pai,
perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem (2), Depois accrescen--
ta : Eu, vos dei o exemplo afim de que f açaes como ett mesmo tenho
. fei·eo (3). Dado este grande exemplo, desde o alto do Calvario, por
um Deus que morre ás mãos de suas creaturas, basta ao Chrislão
lançar os olhos á Cruz, para desarmar sua vingança , e suffocar em
seu coração todo o resenlimenlo. E se isto lhe não basta , esse tal
não é Christão.
D'aqui se v~ claramente em que consiste o perdão evangelico
das injurias. C~nsiste 1. º em não conservar odio, ou desejo algum
de vingança, nem ainda de resenlimento contra qualquer que nos
otfende ; mas, ao contrario, amai-o como irmão , e provar-lhe o
nosso amor pelas nossas obras ; 2. º em dar-lhe exteriormente aquel-
les signaes d'am1zade que são communs entre amigos e parentes ;
por exemplo , responder ás suas cartas ou palavras , se por. elle
formos interrogados ; negociar com e1le vendendo ou comprando ;
não fugir da sua conversação se nos encontrarmos em companhia ;
não o privar dos serviços e esmolas ordinarias. Tudo isto debaixo
de pena de culpa grave ou leve, segundo as circumstancias das
pessoas, tempos e logares (í). Somos lambem obrigados a saudar
os_ nossos inimigos . ao menos a corresponder á sua saudação , mas
se elles são superiores devemos anlicipar-uos saudando-os primeiro.
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202 CATECISMO
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_ DE PERSEVERANÇA. 203
« dizei-o á Igreja; se elle não escutar a Igreja , seja para vós co-
« mo um pagão e um Publicano. :» (1)
Para isto cumpre que cada um purifique bem a sua intenção ,
para não cumprir um dever de charidade por odio ou ressentimen-
to , mas sim e unicamente por procurar o bem · de seus irmãos. O
primeiro meio de ter uma intenção recta, e alcançar bom exilo, é
pergun'lar a si mesmo : Se eu estivesse no caso de receber uma
correcção, como quereria que m'a dessem? Que termos ou manei-
ras desejaria que usassem comigo? Bem meditada esta_ pergunta ,
saberemos logo qual sej'a a aspereza ou brandura conveniente; en-
che.r-nos-ha de verdadeira charidade, e nos inspirará a ·prudencia e
o respeito que devemos Ler ás pes'soas, tempos e logares ; pois que
o velho, por exemplo, ou o superior não hão de reprehender-se do
mesmo modo que o de idade ou cóndição igual (2). Da mesma sor-
te, umas vezes convem que a reprehensão seja cheia de brandura ,
outras de firmeza ou ainda de severidade. Agora se hão de empre-
gar rogos , logo ameaças. l\las em tudo~ como regra invariavel, de.;.
vemos attender ao maior proveito do proximo (3). ·
O segundo meio de fazer com que a correcção ~pproveile é
recorrer a Deus , antes ou depois de a dar , para que nos encha
do seu espírito, e disponha o do proximo a recebei-a e aproveilar-
se della.
Sendo pois o fim da correcção fralerna a emenda espiritual do
proximo , segue-se : 1. que temos obrigação de a empregar Loda
0
a vez que sem ella se não alcança esse fim ; mas nem por isso se
segue que se deva reprehender o proximo em todo o tempo e em
todo o logar (4.) ~ 2.º que estamos dispensados de a dar quando não
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204 CATECISMO
finem : noo autcm ila quod.. quolibet loco vel tcmpore fratcr dclinqucas
corripiatur. D. Th. 2, 2, q. 33, art. li e VI.
(1) A'rerca da correcção fraterna, veja-se Origenes lib IX, in epist.
ad Bom r. U; Aug. Smn. LXXXII de l'erb. Evangel.; Matth. XVIII,
4, o. 7; üJ. Serm, CCCLXXXIII de Amorf1 homrnis; id. epist CCXI, Greg.
Pasl. curae, p. li, e. 6; Exposit. evang. sec. Lucam, lib. VIII; Cbrys ~
in epist. · ad Hebr. XII, homil. XXX eL XXXI ; id. Homil. de profectu
Evaogclii.
(2) Prov. XIV, 3á.
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DE PERSEVERANÇA. 205
meios de suavisar em o nosso corpo as funestas consequencias do
peccado. Cumpre lembrar-nos sempre que Nosso Senhor · Jesu-Chri~..
to é o _Salvador do homem em todo o seu ser ; assim no intelle·
ctual e moral como no phisico. Em tudo foi terno e sollicito bem-
fe1tor. · Eis d' onde provem as obras, com tanta propriedade cha-
madas de misericordia espiritua~s e corporaes , de que nos en-
carregou como d'um dever sagrado _, segundo o nosso estado e con-
dição. São sete as obras de misericordia corporaes, a saber: 1.º
dar de comer a quem tem fome. 2.º dar de beber a· quem tem
sêde. 3. º vestir os nús. 4. º visitar os enfermos e · encarcerados.
ll. º dar pousada a peregrinos. 6. º remir os captivos. 7. º enterrar
os mortos. Nestes preceitos , tam dignos d'um homem-Deus , está
incluída a causa desses inauditos prodígios da cbaridade chrislã, tam
desconhecidos no ornudo pagão, como commuus e .innumeraveis no
christianismo. São elles 'lambem o refugio e a\livio de todas as
miserias, que podem opprimir. a nossa fragil existencia ; porque
nestes deveres da charidade se inclue toda a ''ida ·do homem ; des-
de o berço até á sepultura ; desde a~ mantilhas da infancia até o
lençol da mortalha.
De todas estas obras a mais importanle na economia da Reli-
gião é a esmola. Fallemos primeiro da necessidade da" esmola.,. a
maneira de, a fazer , e as vantagens que della resultam. A esmola
desde que houve pobres na ferra , tornou-se um preceito ; e poucos
ha tam frequentemente repetidos em o Antigo Testamento. (( Dá
« do que tiveres, dizia Tobias a seu filho, ·e não -voltes o rosto ao
a: pobre, afim que o Senhor não volte o seu rosto de ti: Sê mise-
a: ricordioso quanto puderes. Se tiveres muito , muito darás ; se
(( pouco, dá de boa vontade, do pouco·que tiveres (l).)) o precei-
to da esmola pelo qual somos obrigados a <lar o superfluo t.le
nossos bens (~), funda-se em duas , razões muito proprias para nol-
• ·o fazer amar e praticar.
(1) Tob. IV, 7; ·Eccl. IV, 1; Isai .• LXIII, 3; Daniel, IV, 24.
{2) Luc XI, U ; Jacob., II, 13.
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206 CAT&CISMO
bens. Os ricos não são mais que os deposilarios dos bens dos po-
bres; instiluidos por Deus , Pai commum de todos. ·Pois como se-
rá justo que na mesma familia tenham uns tudo, e oul.ros fiquem
reduzidos a apanhar as migalhas que cabem da mesa de seus . ir-
mãos? Não é de rigorosa necessidade, para justificar a Providen-
cia, que a superabundancia· d~uns suppra a indigencia dos outros? .
Ricos do- mundo, escutai o que vos diz S. Agostinho : « Se hou-
vesseis · de lransporlar a vossa fortuna para um paiz remoto, e le- •
rnesseis os ladrões, não ~stimarieis muito que um filho de boa fa-
milia viesse dizer-vos : Meu p·ai habita no ·paiz para onde ides : el-.
le é muito rfoo; deixai-me aqui as vossas riquezas, que tenho ne-
cessidade dellas ; dar-vos-hei letras sobr~ mau pai, e recebereis o · •
importe dellas logo que chegardes? Ah ! este filho de boa familia é
o pobre ; este paiz para onde ides é a eternidade ; este homem ri-
co é Deus. Dai pois ao pobre para que Deus vol-o ' torne. Se que-
reis fianças Q. pqbre vos apreserrtará os seus andrajos ; quanto mais
gastos esli verem, .mais seguro ficareis .de que tudo o" que lhes .entre-
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DE PERSEVlmANÇA. 207
gardes vos será resliluido. « .Talvez direis, accrescenta º '•·Santo
Doutor: Mas eu tenho filhos! Tanto melhor, que assim tereis .,mais
um, e esse é Jesu-Christo. » Em uma palavra , S. Agostinho cha-
ma aos pobres Laturarii, isto é, portadores, que o são dos bens
<los ricos para o Ceo ; empregados de Deus·, que peregrinam no
mundo.
Para cornpréhender toda a extensão deste preceito, desgraçada-
mente tam desprezado, devemos saber 1. º que se chama ,e leip. por
superfluo tudo o qne não é necessario á vida ·nem ao estado. · O
necessario á \·ida é o preciso. para o alimento e vestido. O neces-
sarto ao estado é 'o que convem á nossa posição '. pondo . de parte
tudo o que é luxo. 2.º que o proximo pode estar . em lres quali-
dades de necessidade ; necessidade extrema, se está em ·perigo de \
- perder a vida ; e nesle caso <levemos soccorrel-o ainda com os bens
superfinos á vida: necessidade grave , se está ·em perigo de decahir
do estado que adquirio legitimamente, ou exposto a algum .outro
mal consideravel ; neste caso devemos soccorrel-o com os bens su-
perfinos ao estado. Emfim, necessidade commum, · que é a dos men-
d)gos (1).
, A esmolla, para ser christã, isto é, util e meriloria ., deve fa-
zer-se com diligencia , de boa vontade , por um principio sobrena-
tural e sem oslentação. Cumprindo assim o preceito , a esmolla nos
dará não só uma grande e pura satisfação, mas ainda nos livrará
do ·peccado, e da morte eterna; lornar-nos-ha · o ceo propicio ; sa-
tisfará por nossas culpas á justiça divina , . transformará os nossos
bens caducos em riquezas eterDas; e nos inspirará grande confiança
em nossas ten lações , e na hora <la morte (2).
( 1) S. Affonso de Liguori.
(2) Textos dos Padres sobre a esmola: Aug. Enarr. in Psal. LXXV,
n . 9; id. Enchirid. ad Lattrentium, e. 32, n. 19; id. Serm. LXII de
verb. lJomini, e. 2, n. 12; id. i'ractl in epist. I Joan. o. 12 ·; Chrys.
J/omil. de divite, de Lazaro; CJpr. de Opere et Eleefhosynis ,: Thom. p.
:1, q. 22, art. V; Ambr. lib. II de Officiis, e. 16, n. 36, 77, 78, e.
ao, n. 148, 1~9, 1DQ. 1õ8. - Veja-se tambem Turlot, Catech. p. 549.
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208 C..\TECfSMO
(1) As familias mais prodigas dos seus bens em favor dos pobres ,
e do seu sangue no campo da batalha em defesa da jusliça , tcem sido
sempre as mais honradas, poderosas e de larga existencia. São factos que
darão matcria a uma historia vasta e instructiva. . ·
(2J Sobre a necessidade social da esmolla , veja-se a nossa obra A
Europa -em 1818.
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DE PERSEVERANÇA. 209
mento da maior parte dos ricos do nosso seculo (1) Que admira,
pois, nestes tempos de philantropia, que sejamos condemnados a ou-
vir dizer que a esmolla avilta o homem 1 Que? a esmolla avilta-
nos ! Oh, ella é o preceito f~ndamental do Chrislianismo , e a lei
por onde se pronunciará a sentença do Supremo Juiz. Tereis pois
o arrojo de dizer que o Christianismo é uma religião qu,e avilta o
homem l Ide, dai volta ao mundo ; comparai o homem christão com
todos os homens que leem existido e existem fóra do Christiams-
mo. A esmolla a ninguem avilta, pois que é o verdadeiro laço so-
cial das nações christãs, é a condição indispensavel da liberdade.
A não ser ella, o pobre ou bacle ser escravo ou morrer de fome ;
não tem .outra allernativa. Pelo contrario, o christão sabe que ' o
pedir o não deshonra, que Jesu·Christo tornou infinitamente respei-
tavel a pessoa do mendigo. Os Fieis não vêem nelle um homem ,
mas a pessoa mesma do seu Deus, que faz um contracto com o ri-
co, e todo a favor do rico. A esrnolla não deshonra o que a dá
nem o que a recebe ; porque um contracto de cambio não deshon-
ra as partes que o assinam.
12. º Peccados oppostos ao amor do proximo. Os peccados op- -
postos ao amor do proximo são : 1. º o odio ao proximo ; 2. º inve-
jar o seu bem espiritual ;- 3..º invejar o seu bem temporal; 4. º a
discordia, que se oppõe á uniâo social e domestica ; 5. º o scisma,
que destroe a união religiosa; 6.º a offensa, que é o contrari-0 da
beneficencia : 7." o escandalo, opp9sto á correcção fraterna (2).
Disto fallaremos quando explicarmos o quinto -Mandamento e os pec-
cados mortaes.
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210 CATECISMO
O' meu Deus ! que sois lodo amor , eu vos dou graças
por nos haverdes ensinarlo que o primeiro e o maior de lodos os
Mandamentos é o amar-vos sobre todas as cousas. Permitti, Senhor,
que eu me inflamme no vosso amor , que o comprehenda e o ob-
serve ; afim de que, unindo:-me ao novo Adam, fique o meu cora-
ção livre ~e toda a especie de concupiscencia.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximó
1
como a mim mesmo por amor de Deus ; e, em testemunho deste amor,
farei muitas vezes o neto de Charidade.
- .
O Decalogo. - Sua natureza. - Historia. - Historia · do Decalogo. ·-
Objecto do t. 0 Mandamento, \·irtudc da Religião. - Peccados que lhe
são oppostos. - Culto dos Anjos, dc.s Santos , das reliqmas, das Ima-
gens. - Factos hisloricos. - Vantagem social deste preceito •
•
' -
AiuAR a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo como a nós
mesmos por amor de Deus : eis o grande preceito do Salvador, o
resumo de tudo o que Deus ordenou ao homem por sua boca, ou
pela de seus Prophetas até á vinda do Messias ; eis o que mandou
\·.
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,
I>E PERSEYERANÇA. 211
depois pelo l\fessias mesmo, e por seus. Apostolos ; eis o que orde-
na e ordenará emfim até á consummação dos seculos , pelo orgão
da sua Igreja. - Ora, já dissemos que a cbaridade não é ociosa
mas activa ; opéra e obra grandes feitos; e se assim não fosse, não
seria cJJa mais que uma palavra vã e esteril. De facto, ella não fi-
ca em palavras, antes é por obras que se manifesta.; e estas obras
são as que Deus nos prescreve em seus dez Mandamentos. Se os
observarmos ~ saberemos que amamos a Deus ; mas, para observal-
os, cumpre conhecei-os : passemos pois á exp'licação dos dez man-
rlarnentos da Lei de Deus.
Lembremos-nos primeiramente que estes mandamentos não são
senão a applicação praclica do grande preceito ·do amor de Deus e
do proximo. Com effeito , se seriamente os estudarmos , conhecere-
mos que não tiram a outro fim senão ensinar-nos quaes sejam as
acções pelas quaes exerceremos o nosso amor de Deus e do proximo,
e o defenderemos de tudo, quanto possa esfriai-o ou exlinguil-o.
· D' aqui vem ·o conter o Oecalogo duas espec.ies de preceitos , a
saber: positivos, que nos ordenam practicar certas acções ; e ne-
gatzº,vos , que nos defendem o praclicar outras. Dest'arte, o bello
preceito de amar a Deus e ao proximo é qual uma nascente d'agua
fecunda e christalina ~ que o primeiro · Adam tinha obslrmdo pelo
peccado, e que o segundo Adam de novo ab_rio para adoçar, re-
frescar e fertilizar a terra, afim que produzisse abundantes fructos
de graça e de_ salvação.
Os preceitos posili vos são 'l;oruo outras tantas fontes , que le-
"ªm as aguas do sagrado manancial ás differentes regiõPs da terra ;
os negativos são corno diques , que obstam a que a fervida torren-
te das paixões não venha turvar aquellas límpidas aguas , ou des-
viai-as da sua corrente.
E' debaixo deste aspecto que se hade considerar o Decalogo
para- o comprehender e amar. E' por este lado que penetraremos
o profundo sentido do que o Salvador tantas vezes nos diz ácerca
da deliciosa suavidade da sua lei : por exemplo : « Como eu fui
« amacio de meu Pai, assim vos eu amei. Permanecei no meu amor.
« Se guardardes os meus preceitos permanecereis no meu amor, as-
« sim como lambem eu gnanlm os preceitos lle meu Pai , e per: .
•
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212 - CA Tft~CISMO
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DE PERSE,'ERANÇA. 213
dos pagãos, que prostituiam ás mais indignas creaturas a sua ado-
ração e o seu amor : e ainda nos preserva da desventura dos Chrii~
tãos, que se prendem aos bens da terra ; bens illusorios ~ corru-
plores, que se diss_iparn como fumo , deixando sempre um vacuo
immenso no coração que atormentam.
Prohibindo-nos pelo segundo que não blasphememos o seu san-
to Nome, preserva-nos do desprezo que poderiamos conceber a sua
divina Magestade; e faz que se não esfrie em nosso coração o seu
amor ; pois breve se deixa de amar aquillo que já se nã-o res-
peita.
Prescrevendo-nos pelo terceiro o culto que lhe é devido, pre-
serva-nos Deus das crueis· e ignobeis superstições, com que se avil-
tam e ainda hoje aviltam os idolatras. Obrigando-nos a consagrar-
Jbe um dia da semana, já para descançarmos de nossos trabalhos,
já para agradecer-lhe os passados beneficios e lhe pedir novos ~ já
emfim para reconhecer e confessar com humildade que tudo rece-
bemos delle e. a elle devemos, attende o Senhor igualmente ao nos-
so bem espiritual e corporal. A obrigação de nos occuparmos es-
pecialmente de Deus- em um dia da semana. obsta a que o amor das
creaturas não prevaleça em nossos corações ; conserva e esperta o
desejo do ,nosso ultimo fim; e nos faz anhelar aquella bemaventura-
da patria, onde não haverá mais trabalho nem tlor, mas sim repou-
so e foliciLlade eterna.
Ordenando-nos pelo q-uarto Mandame1Ho a que o vejamos e lhe
obedeçamos na pessoa de nossos superiores, ennobrece Deus a obe-
diencia e basea a sociedade em um fundamento inabalavel. O Chris-
tão só obedece a Deus e não ao homem ; pois a obediencia ao ho-
mem o tornaria escravo e o reduziria ào maior aviltamento. Elle vê
ao mesmo Deus em seus superiores ; e ouve a sua mesma voz quan- •
do elles faliam. Obedecendó-lhes, respeitam a auctoridaâe de Deus
que os manda. Dest'arte a obediencia tem sempre um motivo sa-
grado e divino ; porque Deus , a quem o Christão unicamente obe-
dece, é sempre o mesmo , sempre infinito em poder e bondade , se-
jam embora quaes forem a doçura ou severidade, as virtudes ou os
vícios daquelle, que a sua Providencia poz como superior, inveshdo
da sua anelo ridad"c~. Mas não é só aos inferiores como lambem aos
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2U CArnCISMO
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DE PERSEVERANÇA. 215
ramos os Mandamentos de Deus -como um pesado jugo,_ ou um oh~l
taculo á nossa liberdade , fpi um grosseiro erro, de que devemàs
envergonhar-nos, e pedir perdão a Deus. Porque, não cançamos de
o refJetir, dando-nos o Decalogo, deu-nos Deus uma das maiores
provas do seu amor. N sua Lei é o mais precioso dom que elle
podia dar-nos. Uma comparação nos tornará sensivel esta impor~ ~
lante _verdade.
Uoi viajante caminha para uma- magnifica cidade , aonde~ em
companhia de sua bem ámada familia, espera alcançar brilhan-te for.;..
lona. Entre elle e a desejada cidade ha. um abysmo inso~tlav·el.
Espessas trevas obscurecem o caminho. Ell~ mesmo vai ·sem luz
nem guia. Sobre este abysmo está lançada uma prancha, estreita,
vacillante: cumpre necessariamente atravessar por ella. O infeliz é
de mais a mais sujeito a tropeçar , o que bem o provam -as muitas
quedas que tem dado. Ora, dizei-me : se um charidoso guiã viesse
levai-o pela mão ; se levantasse dous fortes parapeitos de cada lado
desta ponte fatal; se acendesse ahi brilhantes luzeiros,- de. tal ,:sorte
que fosse impossivel ao viajante cahir no s-orvedouro " a menos que
não saltasse voluntariamente por cima dos anlep_aros r chamariéis por
ventura estorvos a estas. defensas do perigo? toinarieis por injuria
estes fachos acesos? alcunharieis lodas estas precauções da. tropeços
e máos serviços prestados ao viajantes ? merecerá o epilhelo de ty-
ranno este charidoso guia· que lhe deu a mão , que o livrou ·das
quedas, que lhe assegurou ·o bom exilo da viagem ?
E' facil ·applicar o exemplo ; este viajante, sujeito a tropeçar ,
é o homem na terra. Esta ditosa cidade, onde espera fortuna, glo-
ria e uma familia querida, é o Ceo. Este negro abysmo é o infer-
no. A estreita prancha, fragil e vadllante, é a vida. O charidoso
. guia, é De9s. Os parapeitos' lévanta.dos de cada lado: da fatal pon-
te, e os fachos que a illuminam, são os mandamentos da sua ·Lei.
Diga pois embora o homem mundano , que só attende 'iÍs suàs pai·
xões desenfreadas, ou ainda o Chrislão ignorante , que os dez Man-
damentos são insupportaveis pêas; quanto a nós, ó meu Deus ! dire-
mos sempre que o Decalogo é um dos Yossos maiores beneficios; e
fugiremos de jamais os violar, para não cahirmos nesta vida sob o
jugo das paixões ; e depois della , no eterno abysmo do inferno. -
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216 CATECISMO
{t) Non erat uode se homo habere dominum cogitaret , nisi al1quid
ei juberetur ct aliqaid prohibcrctur. S. Aug. ln Gen. e. 11, etc., ele.
_,
: ,,
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Dl:: 1>1.rns_~:n:tUNÇA. 217
e: Mas ainda bem , que delles espero me faç,am essa obra de
·misericordia ; que me perdoem as injurias e escandalos que lhes .te-
nho dado. Eu · tenho offendiílo a Lua mãi ; mas a sua piedade, que
me é bem conhecida, assegura-me que ella m~ perdoará como lhe
peço. De muitas negligencias e máos exemplos sou culpado para
com tuas irmãs, outro ponto em que os remorsos me lançariam tal-
vez em desesperação, se por outra parte não considerasse que em
sua idade as impressões são ainda leves, e que tua mãi quererá e
saberá remediar o mal por uma educação solida e chnslã. Tu só,
ó meu filho, tu só, nesle mornenlo em que vou expirar, és o obje-
clo das minhas maiores e mais leniveis inquietações. Muito te le-
nho escandalisado pelo meu procedimento lam pouco religioso e as
minhas tam mundanas maximas ... não me perdoarás tu? não farás
com que Deus me perdoe? não abandonaras os máos principios que
te dei , abraçando de ti mesmo os que eu te de\'era ter dado? Infeliz-
mente, estas entrando em uma idade, em que as paixões são vio-
lentas , e em que tudo tende ao esquecimento dos mais prudentes
cons<?lhos. Poderei eu esperar que só te esqueças d'aquelles qne eu
te lenho dado • e que- agora tanto me alol'mentam ~ Escula , meu
filho. as tardias lições que le dou neste momento. Eu le dou tes-
temunho tlaquelle ·Deus que vou receber, e em cuja prest:'nça esla-
rei em br~ve : declal'o e alteslo que se le lenho pareciuo pouco
chl'istão eru minhas acções , discursos e escriptos, nunca foi por con-
vicção intima ; mas só por humauos respeitos, por mera vaidade ou
por- agradar a taes e laes pessoas.
cc Se alguma confiança tens em teu pai, não te sirva clla senão
para tornar-te mais respeilavel o que hoje te digo. Praza a . Deus
que te fique vfvamente impressa na memoria, e gravada na alma
esta scena ullima da vida de teu pai! Ajoelha-te, meu filho, une
a5 tuas orações ás d'aquelles que me ouvem e te veem a li ; pro-
mette a Deus que te approveitarás dps meus ultimos conselhos ; e
implora-lhe que elle me perdoe. »
O nosso interesse e o do proximo são forlissimos mõtivos para
cumprir o Decalogo ; mas de todos, o mais forte sem duvida é ser
o mesmo Deus o Auctor delle. Deus mesmo é quem deu a Moysés,
do alto do Sinai, os dez mandamentos da sua Lei, rodeando-a , co-
28 V
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218 CATEt:ISMO
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DE PEllSEVF.RANÇA. 219
serão julgados. Da observancia dcsla lei divina pende a gloria , a
paz, e prosperidade dos homens neste rnmHlo, e no outro a sua
eterna bemaventurança. Ai dos povos, qne não tomam o Decalogo
por modelo e regra d~ sua legislação! pois permanecem no _esta-
do barbaro, ou nelle cedo ou tarde se despenham.
Quando Deus deu o Decalogo a l\1oysés, gravou-o, como dissemos,
em duas taboas de pedra. Estavam em uma os tres primeiros Man-
damentos ; na outra os ultimas sete. Dest'arte o Decalogo divide-
se em duas partes; a primeira contem os Mandamentos que designam
os nossos deveres para com Deus ; a segunda , os nossos deveres
para com o proximo. Encerrou Nosso Senhor estes dez l\fandamen-
tos em um resumo Lam simples como sublime, reduzindo-os a dous,
a saber : amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo como
a nós mesmos. Que differença l'ntre este codigo moral , tam sim-
ples e completo, tam sabio e fecundo, e o que leem escripto so-
bre moral os legisladores e os philosophos, que são lidos como os
sabios por excellencia !
Nosso Senhor, enviado de Deus seu Pai, para nos instruir e con-
duzir á perfeição, ajunlou ao Decalogo os conselhos, cuja pratica ,
sem ser obrigatoria, --é todavia mui conducente á observancia dos
Mandamenlos e ao bem estar da sociedade. Com etfeito, os tres
principaes conselhos, oppostos ás tres grandes paixões do homem,
são a pobreza voluntaria, a castidade perpelua, e a obediencia in-
teira. Reunidos em grandes familias, aquelles que fazem voto de
seguir estes conselhos, tornam-se escravos das sociedades cbristãs;
renunciam a tudo, e , contentando-sé com um parco sustento e um
pobre vestido, eslabelecem o serviço publico e gratuito <1a charida-
dé, em favor de todas as miserias humanas ; serviço este , que tem
conservado a paz entre as nações chrislãs, e cuja suppressão é a
principal causa dos terriveis perigos que nos ameaçam (1).
Resta-nos saber se podemos ou não gúardar lodos os l\fanda-
,
ct) Veja-se a prova e desenvolvimento desta yerdade em a nossa
obra A lturopa em 18!8.
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220 C.Hl~CISl\10
(1) Conr. Trid. Scss. VI, cav. II. - Deus juhcndo monct et íacerc
ttuod possi!I et pelcre quod non possis , el ndjuvat ut possis. S. Aug.
lib. de Nat. et Grnt. e. j3. - Nunquam instat prceccpto, quin prcecur-
,r rat auxilio. S. Lco.
('.2) Nos insensali arnb_ulavimu!' vias ditlicilcs, etc. Sap. V.
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DE PERSEH:RA:-<ÇA . • 221
do já neste mundo ; e que todos confessarão no grande dia da ver-
dade. Passemos pois á explicaçãa circumstanciada dos Mandamentos
da Lei · de Deus.
_4 um so Deus adorarás e amarás perfeitamente. Ordena-nos
o primeiro l\fandamento 1. que adoremos a Deus; 2.º, que o ame-
0
,
(1) Ego sum Dominas Deus tuus qui ednxi te de terra JEgypti, de do-
mo servitutis: non hnbebis dcos alienos coram me. B:cod. V, !, 3.
{~) Geo .. XL, 41.
(3) Joh, XXXI, 17.~
(~) Job, XIX, 18.
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222 CATECISMO
-
Magestade , quatro virtudes : a Fé~ a Esperança, a Charhlade e a
virtude da Religião. Pela Fé reconhecemos que Deus • e só Deus ,
é a soberana verdade; pela- Esperança, que Deus e só Deus é a so-
berana bondade ; pela charidade, que e11e e só elle é o mesmo amor,
o bem por excellencia, e o aggregado de todas as perfeições (1 ).
Tal é a homenagem, em espirito e verdadci, que o primeiro manda-
mento nos ordena que tributemos a _Deus , considerado em si
mesmo.
Mas por isso que Deus é a verdade, a bondade, o bem , em
summa, o aggregado de lodas as perfeições ; segue-se que elle é o
Ser por excellencia, o Creauor, o l\lonarcha, o Senhor absoluto de
todas as cousas, assim do homem como dos Anjos e da8 creaturas
materiaes. Se pois o servo deve respeitar e honrar a seu senhor,
o vassallo a seu príncipe , o solllado a seu general , o lilho a seu
pai, é manifesto que lambem o homem deve respeitar e honrar a
Deus. Alem disso, se a honra e o respeito que os inferiores devem
aos superiores hade ser proporcionado á excellencia e auctoridade
maior ou IJlenor desses superiores mesmos ; segue-se lambem evi-
dentemente que a honra e o respeito devido a Deus hade corres-
pon~er á excellencia e auctoridatle de Deus. Ora, sendo Deus, co-
mo é, e já o temos dilo, o Ser por excellencia , o mais poderoso,
e perfeito de todos os seres, o Senhor absoluto de todas as cou-
sas, devemos-lhe por consequencia as homenagens mais profundas ,
as honras maiores e mais absolutas; em uma palavra, devemos-lhe,
como diz a Theologia Calholica~ o culto -de adoração ou de latriu;
(l) Circa actum eharilatis magis mihi arritlet senLcnlia eorum qui
cum requirunl semel iu mense, dum dillicililer obscrvare potcril legcm
divinam, qui frequenler suum erga Dcum a morem aclihus positivis non
exercet . Atlamcn opus non csl ul hi actus reflexc et explicite rianl, cum
inleulione prcecepto satisfaciendi; sed salis csl si exercilale liant, liceL ex
alio fine, ncmpe ad abjiciendam teotalionem, ad eliciendam contril1oôem,
si confileri vclit. lla. elinm aclus charitalis suot ornnes uniformitati;
actus divinm ''olnnlali, et omnes virtutes exercitm ad Dei complacenLiams
ila pariter sunt actus fidci : orarc, rrucifixum adorare, signare se signo
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DE PERSEVERANÇA. H3
e esle nec~sario culto de latria é pela Religião que lh'o tributa-
mos (1).
A virtude da Religião é pois uma parte essencial da justiça, e
a primeira das virtudes rnoraes (2). Seus actos são inlern-0s.ou ex-
ternos. Os actos principaes da virtude da Religião são a devoção
e a oração. A dernção é o acto da vontade que se dedica, isto é,
que se offerece a Deus, para cumprir prompla e voluntariamente
tudo o que é do seu serviço. Em nada se honra melhor a Deus do
que nesta promptidão admiravel, que é uma homenagem prestada á
-sua auctoridade, justiça, e boQdade suprema. Nada ba mais util
para o homem , cuja vontade se aperfeiçoa pela submissão á von-
tade infinitamente perfeita. . Não sabem pois o que dizem aquelles,
que ousam melteÍ' a devoção a ridiculo, ao passo que tanto blaso-
nam da sua devoç.ão· ou dedicação á sua familia, aos seus amigos,
á sua palria, aos seus interesses. Gloriam-se elles pois da sua de-
voção , mas o qne não querem ver, ou ao menos confessar, é que
a devoção do Cbrislão a Deus, ao seu serviço, aos interesses da sua
gloria , que são lambem os interesses da familia e da sociedade , é_
uma devoção incomparavelmente mais honrosa e util (3).
A oração é o segundo aclo interior da vi~lude da Religião. Por
eHa rende o homem homenagem a Deus, reconhecendo-o por Autho1·
de todo o bem e a si pela in<ligencia mesma. A oração pois, bem
como a devoção , é honrosa a Deus,. Elle a exige não só para si,
como homenagem e acção de graças devida á sua bondade ; mas
crucis, ctr. Quare bcnc , aiL rard. de Lugo, quod ille qui semel arnplc-
xus est fidem christianam (aut vixeriL ,. e~o addo, rhrisliaoo saltem prre-
ccpto pascali satisfaciendo), non debet dubitari quín sat1sfccerit prrecepto
spei. S. Alph. llomil . apod. Tract. IV, n. 13.
0) Rcligio est virtus moralis per quam homines exhibenl cultnm et
ho11orem Deo lauquam omnium creaLori cl supremo Domino dchitum. S.
A lph. Tract. IV, n. U.
(2) D. Th. 2, 2, q. 81, arl. 5, 6.
(3) ld. ib q. ~. 2, q. 81, art. 7.
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CA'l'KCJSMO
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DE PERSEVERANÇA •
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226 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 2z1
sos capri'chos ou paixões , em desprezo elas causas secundarias, ou
meios que elle estabeleceu para produzir os effeilos qit-e desejamos;
em uma palavra, a ,tentação de Deus consiste em pedir o que é con-
trario á ordem ; e por isso se oppõe á virtude da Helig1ão , pela
qual devemos sempre pedir segundo a ordem estabelecida por
Deus (1 ).
O sacrilegio é a -profanação de cousa sanlá ; póde ter põr obje-
clo pessoas, Jogares ou cousas. Assim é sacrilegio pessoal o mallra-
lar um clerigo ou religioso ; ou commetter acção deshonesta com
pessoa consagrada pelo voto de castidade. E' sacrilegio local o pro-
fanar lugares santos. . Enlenr1e-s-e por logares santos as igrejas ou
capellas consagradas "º culto devido a Deus , e bem assi~ os cemi-
terios. Os peccados commellidos nestes Jogares alem da sua mali-
cia propria teem a da profanação. O sacrilegio real é aquelle que
nasce da profanação de cousas sanlas. Por exemplo , profanar os
calices, as patenas e os pannos que servem ao allar, conhecidos pe- ,
lo nome de corporaes, sanguinhos e palas, que os simplices fiejs não
podem tocar depois d~ lerem servido ao sacrificio. Mas o mais hor-
ri vel de todos os sacnlegios é receber os Sacramentos estando em
peccado mortal.
A impiedade é o desprezo formal ou affeclado da Religião. DesL'-
arle se tornam culpados d'impiedade, 1.º os que escarnecem das pra-
ticas, manllarnentos ou ceremonias da Igreja ; ou que ultrajam a cruz,
ou as imagens dos Santos; 2.º os que por sua inditferença para
com os deveres da Religião, affeclam e pregam o desprezo de Deus,
da Igreja ~ - de suas leis. Estes, mais perigosos que os- primeiros ,
por ser o máo exemplo o mais perigoso sophisma , são lambem com-
mummenle mais culpados; porque o seu procedimento é um despre-
zo habitual da au cloridade. Aos inc.Jífferentistas cabe a maior parte
· na desmoralisação dos povos, e a mais terrível responsabilidade pe-
rante Deus e a sociedade.' Todo o cuidado é pouco em nos preve-
nirmos contra os escriptos e. discursos dos ímpios e o máo exemplo
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228 CATl~CISMO
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OE PERSEVERANÇ,A. H9
por consultar os deu~es estranhos (1) ! Ainda hoje se encontram
prele-ntlidos adivinhos, e mulheres que se dizem adivinhatleiras, e
que ]cem a buena dicha.
O maleficio é a invocação do demonio com o fi rn rle Jazer mal
aos outros, pronu.nciando contra elles certas palavras, fazendo cer-
tas cousas ou depositando enfre elles secretamente certos objeclos.
Esta praclica,. mais criminosa ainda que as precedentes, é antiquissi-
ma no mundo.
A vã observanciti é a invocação do demonio com desígnio de -
·fazer bem a s1 proprio ou aos oulros. Ha vã observanci'a quando
os meios que se empregam não podem produzir naluralmente o que
se deseja. Dest'arle são culpaveis todas as praticas vãs • de que
usam nas cidades, e principalmente nas aldeas, para curar diversas
enfermidades já dos homens, já dos animaes. Este genero de su-
perslição é tam antigo como os outros. O testemunho da Escriptu-
ra e da historia profana não nos deixam duvida a este respeito (2).
· Sem duvida nos pergunla1·ão o- que devemos crer de todas es-
tas praticas supersliciosas, oppostas á virtude da Religião ? 1. º E'
certo e formalmente nos ensina a Escriplura , que o demonio não
tem poder sobre o homem , senão por permissão expressa de Deus;
2. º é certo que Deus lhe concede algumas vezes esta permissão, seja
para manifestar a sua gloria , _seja para punir os que s.e abandonam
ás suas paixões , do que são testemunho os magicos de Pharaó, os
possessos curados pelo Senhor, , e muitos outros exemplos referidos
nos Livros sagrados; 3.º é certo que o demonio nada deseja lauto
como usurpar a honra de Deus, e por isso mesmo se precipitou no
inferno : roe-se de inveja por ver os homens chamados a subsliluir
o seu lugar no Ceo ; e, não podendo Yingar-se em Deus, vinga-se
nos homens. Por consequencia, não deixa pedra por mover para
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CA 1'F.CIS!\IO
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DE PERSEVERANÇA. 231
ou ainda aos irracionaes; seja para conhecer o futuro, ou sabir-se
bem de alguma empreza.
Peccam lambem por superstição os que botam , ou mandam bo-
lar cartas para adivinhar o que hade succede_r ·; e nem lhes vale di-
zerem. que lhes não dão credito' pois sendo assim é menor o pec-
cado ; mas será verdade qu~ lhes não dão credito e todavia o fazem?
Não leem nnnr.a estes taes a loucura de se alegrarem ou am~dron
tarem com as suas descobertas 'l
ªº"
Quanto presagios, não são ~lles superstições propriamente
ditas , porque crendo em presagios felizes, a ninguem se rende cul-
to, commummenle fallando, senão a Deus ; todavia consideram-seco-
mo preconceitos e opiniões ridiculas. Desl'arte, não se hão de ter
por peccados graves os pre1uizos das pessoas mais que simplices ,
que temem certos numeros, como acharem-f,e treze á mesa; certos
t.lias , como começar uma cousa, ou emprehender uma viagem á
sexta frira ; certos aconlecimenlos, como entornar-se a almotolia na
· mesa ; certos signaes , como uma faca e um garfo postos em cruz.
Quanto _a sonhos, o crer nelles é uma fraqueza de espirito,em
que ordinariámente só ba peccado venial. Todavia é sempre peri-
goso regular ·alguem por elles o seu procedimento , ainda mesmo que
os não creia (1).
3. º CuLTo ILLEGITll\IO. O culto illegitimo é aquelle que se ren-
de ao Senhor de differente maneira da que deve ser, misturando-
lhe cousas que não pode_!ll agradar a Deus. A Igreja determinou
ludo o que respeita ao santo sacrincio da Missa, á administração dos
{1) Pro regala autem disccraendi, .ªº somnia siot a Deo, vela dre-
mone , observandum an somnium tmpellat ad opus bonum , vel malum,
' aut prresumptuosum. Item an post somnium homo se sentiat perturba-
tum et minus promplum ad opera pielalis, vel alacrcm et promptum, luoc
enim polcsl prudenler ccnsere somnmm esse a Dco. Communitcr cl uL
plurimnm in simi11bus in quibns tacitum tantum est pactum, yeniahtcr
tantum peccari docent doctores. . . Recte tamen notat Delrio esse sem-
~er rem valde periculosam ju:<ta ilia (so1r.nia) actiones suas dirigere, etiam
non credcndo. S. Lig. lr. 1, n. 9.
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CATECISMO
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l>E PERSEVERANÇA.
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C!TECISMO
tas , sabendo que a sua intercessão para com o Eterno nos é muito
saudavel (1). » « Santa Mãe de Deus , exclama . St.º Ephrem, á
vossa protecç.ão recorremos ; guai~dai-nos , e dignai-vos cobrir-no~
com as azas da vossa misericordia e da vossa bondade. Deus,cheio
de misericordia , pela intercessão da Bemavenlurada Virgem Maria,
de todos os Anjos e Santos, vos supplicamos que tenhaes piedade
da vossa creatura (2).. >> - T~riamos de copiar por inteiro as obras
dos Padres da Igreja , se houvessemos ·de referir todas as passa-
gens por onde se prova que o culto dos Santos existio constante-
mente na lgreja.
2. º E' legitimo. Adoplando mesmo os principios dos_protestan-
tes, que fazem á Igreja Romana o obsequio de a ter por Santa e
hvre de todo o erro até o sexto seculo, basta provar, como já fi-
zemos, a antiguidade do culto dos Santos , para demonstrar a sua
inconteslavel legitimidade : todavia daremos disto algumas provas di-
i·ectas. Primeiramente, não queremos de nenhum m9do contrariar
o primeiro mandamento, porque' conhecemos tam bem como os ·pro-
testantes, que lodo o Catholico diz todos os dias : A um só Deus .
adorarás. Com effeito, por isso que um rei prohibe a seus vassal-
los o assumirem as honras reaes, que só pertencem · ao que está
revestido da realeza , não seria insensato aquelle . que ·dahi conc1u- ,
isse que o rei prohibia se honrassem e respeitassem os magistrados?
Pois logo sãó injustos os protestantes que nos accusam de adorar
os Santos, e diminuir, honrando-os, os merecimentos e a gloria de
Nosso Senhor. Nós não adoramos a Santíssima Virgem , nem os
Anjos, nem os Santos ; honramol-os tam somente cóm urn culto se-
cundado, que todo se refere a Deus ; nem destruimos com isso a
unica e omnipotente mediação de Nosso Senhor. Cremos e ensina-
mos que não ba mais que um só Mediador, que é Jesu-C~risto ; que
a sua intercessão é omnipotente; e se rnvocamos os Santos, é para
lhes pedir ~ue unam ás nossas as, suas supplicas, para obter mais
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DE PERSEVERANÇA. 23?)
efílcazmenle desse unico Mediador as graças de que havemos neces-
sidade. E' neste sentido que, desde os Aposto1os até nós, tem sem-
pre a Igreja Catholica honrado e invocado os Anjos e os Santos.
Longe de considerar os Santos como mediadores, no mesmo sentido
que o é Nosso Senhor Jesu-Christo, a Igreja colloca a mediação do
Salvador na vontade que elle tem de nos santificar , e na virlude
infinita do seu Sacrificio : em os Sanlos porem ella não vê mais que _
simples intercessores, 'que podem ~ orar pelos homens, sem que nada
1hes possam dar ; que continuam a ser no Ceo o que foram na terra,
crealuras que offerecem ao Crea<lor acções de graças e lhe fazem suppli-
cas. Daqui os dous modos de fallar de que a Igreja Catholica se serve ;
quando se dirige a Deus, diz absolutamente-: Dai-nos; aos Anjos porem e
aos Santos, diz apenas : Orai por nós , alcançai·-nos. Quanto ao
mais, os protestantes neste particular eslam em contradicção comsi-
go· mesmos; porque se recommendam ás orações uns dos outros , e
não creem por isso enfraquecer a unica e omnipotente mediação de
Nosso Senhor , nem cahir em idolatria; pois logo como temem tanto
recommendar-se ás orações dos Santos?! As supplicas que fazemos
aos amigos de Deus, que estam já no Ceo, são exaclamenle as mes-
mas qu~ os protestantes dirigem sem escrupu]o aos vivos que âincta
estam na terra. A unira differença é, que nós temos mais confian-
ça nas orações dos San'tos, que, já purificados, estam vendo a Deus
face a face na celeste morada. Tal é o culto perfeitamente legilimo
que damos aos Anjos e aos Santos.
3. º E' utilissimo. Em primeiro Jogar , os santos conhecem
as nossas orações , como é incontestavel que Deus lhes pode dar
este conhecimento, e de facto lh'o dá. Esta crença é o fundamen-
to da invocação dos Santos , approvada na Escriptura e sempre
praticada tanto na Synagoga como na lgreJa. De que servi ria, com
effeito, invocar os Santos e os Anjos , se nos elles não ouvissem?
Demais, não nos disse Nosso §enhor expressamente , que a conv,er-
são cl'um só peccador é causa tle maior ·jubilo no Ceo que a" perse-
verança de noventa e nove justos (1)? Logo , a conversão d'um
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236 • CATECISMO
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OE PF.RSF.VRIU:'\ÇA.. 237
Não parece dizer outra cousa S. Thomaz , quando affirma, que o
culto dos· Santos é para nós um dever , visto que é da ordem da
Providencia, que os seres inferiores cheguem ao seu fim .por entre-
meio de seres superiores. Quer Deus, que os que estam na terra
cheguem ao Ceo por mediação dos San~os, obtendo por sua interces-
são as graças necessarias á salvação (1). O Sagrado Concilio de
Trento é pois o orgão da fé e tradicção de todos 05 seculos; fé e
tradicção que nem a impiedade nem a heresia puderam jamais ar-
rancar ou apagar do coraç~o dos povos ; quando ensina qne o cul-
to dos Santos é muito bom. e util aos vivos (2).
4. º E' causa de grande consolação - primeiramente, porque
é grato e aprazivel o lembrar-nos que, longe de diminuir a gloria
do nosso Pai celeste, pelo contrario se augmenta com este culto ;
o qual nos anima a esperança pelo valimento dos Santos e amigos
de Deus, e nos persuade eflicazmenlé a seguir os seus exemplos.
Es"te gratissimo culto vincula, como em suave hymeneo , os habitan-
tes dos dous mundos, a Igreja militante e a trio mphante, os pere-
grinos da terra ainda expostos ás dores e combates do exílio e ~s 1
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238 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA.
vantados sobre os seus sepulcbro!:l? as orações e lagrimas derrama-
das júnto de seus tumulos? o preço inextimavel em que eram tidas
as ossadas e maiormente o sangue dos l\fartyres (1)? Quem se atre-
veria a censurar estas homenagens ! Não se renderam sempre entre
todos os povos honras solemnes aos restos mortaes dos heroes , dos
homens grandes , dos bemfeitores das nações? E que homens gran-
des, que heroes, que bemfeitores dos povos poderão comparar-se aos
no3sos Santos, e aos nossos Marlyres? Alem disso, quem poderia
duvidar da s·anlidade e ulilidaUc deste . veneravel culto , vendo os
milagres operados junto ás sepulturas dos Santos, e pelo contacto de
suas sagradas reliquias? Aqui recupernram cegos a vista , resusci-
taram mortos, e foram os demonios expulsos dos possessos que ator-
mentavam. Milagres estes, que são attestados por testemunhas infi-
nitamente dignas de fé. S. Agostinho e S. Ambrosio (2), 'entre outros,
referem muilos taes, não por os terem lido nas historias ou 011vi--
do-os a outros, mas por os terem visto com seus proprios olhos.
Eis alguns factos referidos por aquelle Santo : Havia em Hyppona
um homem, por nome Bassus, oriundo da Syria ; o qual foi orar di-
ante das reliquias de S. Estevão marlyr, pela saude de sua filha
gravemente enferma. Estando na oração, alguns de seus dom esticos
indo a dizer-lhe que e1fa acabava de expirar, foram detidos no ca-
minho pelos amigos de Brassus , que não consentiram lhe levassem
na occasião a noticia, por medo que elle não chorasse diante de
todo o povo. Ao voltar a casa, _que retumbava com o prantear dos
seus domeslicos, Brassus lançou o vestido de .sua filha, que havia
trazido da Igreja, sobre o seu corpo morto, e no mesmo instante
resuscitou e ficou sã.
Ila em Audure uma unica Igreja, continua o Santo Bispo ,
na qual ha uma capella de S. Estevam. Aconteceu pois , que es-
tando um menino. a brincar em um pateo, uns bois que tiravam um
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.24.0 CAH~CISMO
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U~ PEflS~VERANÇA. 2U
nhor que fosse resr,eitado o escabello de seus pés? Não são lodos
0$ monumentos das catacumbas, imagens santas, veneradas outr'ora
pelos fieis, e que nos ~ecordam todos o~ mysterios da Religião ?
Quanto ao mais, nós -·não cremos que na Cruz ou nas imagens haja
alguma virtude, pela qual se devam honrar. Não, não se lhes pede
nada. não se deposita confiança nellas, corno depositavam os pagãos
em seus ídolos: A honra , que se lhes rende refere-se aos modelos
que representam. Por conseguinte, beijando-as, descobrindo-nos ou
prostrando-nos diante dellas, é à Nosso Senhor que adoramos , são
os Santos· que veneramos representados por -ella§. Da mesma sorte
o filho, que beija o retrato fie seu pai, não emprega o seu respei-
lo nem a sua affeição nas cores e no panno, mas no terno objeclo
que lhe representam ao coração.
Tal é, como deixamos exposto, o culto que a Igreja Catholica
tributa á Santíssima Virgem e aos Santos. 1.º EJla não os adora;
2. º consagra-lhes sim o respeito interior devido á Mãi de Deus , _e
aos principes da corte celeste ; 3. º honra exteriormente seus uomes,
imagens, tumulos, altares, e reliquias ; 4. º a exemplo de toda a an-
tiguidade, auctorisa as peregrinaçoens a seus sepulchros; 5. º pro-
cura a/ sua intercessão; 6.º celebra suas festas, e proclama ao po·
· vo suas heroicas acçoens; 7. º trabalha por imitar suas virtudes.
Que vedes em tudo isto que não seja antiquissimo , summamente
legitimo, ntil, e consolador~
Isto baste sobre o assurnpto ; passemos a outra ordem d'ideas.
, Apraz ao viajante , chegado ao alto da collina , repousar um pouco,
e contemplar o campo que percorreu. Tambem nós , viajantes qtie
procuramos a verdade, paremos um instante, e espraiemos o pensa-
mento pelas matérias que temos tratado. Temos visto, desde o
principio destá obra, que a Religião, em todas as suas partes, é um
immenso beneficio. Deus, amando aos homens,, e mamfeslando-lhes
o seu amo·r, pelo estabelecimento e restabelecimento do sagrado vin-
culo que os une a si; por todos os successos, coordenados e subor-
dinados á vinda e ao reino do Messias ; pela doutrina , acções e
milagr.es deste Divino Redemptor; pela revelação de cada um dos
artigos do Symbolo ; pela promulgação e ratificação dos dez precei-
tos do Decalogo ; pelo e.nsino_dos meios por que nos unimos a el-
31 V
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f.ATECIS~IO
(1} Nihil est tam obsurdi quod noo diratur ah alíquo philosopho.
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l>E PERSlo:HRANÇ,A. 2i3
a~sim dizer material e f)alpavel ; a mesma que a alma exerce cru o
corpo , a raiz em a arvore, o manancial cm o rio., o sol em a
natureza ; de sorte que ltrada a Religião tira-se ao corpo a alma
que o anima ; á arvore, a raiz que a segura e nutre ; ao rio, a
fonte que o alimenta; á natureza., o sol que a esclarece e · vivifica.
Homens do seculo decimo nono, homens do dinhe1ro, que nada ve-
des senão com os olhos do corpo, eis o que vos é facil ver , e pa-
rece milagre que o nã.c» tenhaes ,·isto ainda. Sim, eu vol-o repilo :
totlo o commodo, toda a prosperidade material em que tendes a
mira, e que é o vosso centro, vida , gloria, o vosso tudo, basea-
se na Religião como o edificio no seu alicerce. Tende a paciencia
de olhar para os factos, que nas lições seguintes vos vamos a mos-
trar, e sem duvida ficareis admirados de os não ter visto n1ais -Ce-
do. E começando, sem· mais preambulos, pelo primeiro mandamen-
to do Decalogo, explicallo nas lições precedentes, vede que poder,
que salutar influencia exerce em a sociedade !
Um só Deus adorarás e· amarás de todo o teu coração.
, Talvez accredil~reis que o unico i'esultado ela observancia ou da
violação deste preceíto , é a felicidade ou a desgraça eterna do in-
dividuo . .. Isto sem duvida já é alguma cousa, mas não foliemos ain-
da da eternidade, demoremo-nos um pouco na terra .
.Um só Deus adorarás. E' a este mandamento, nações christãs,
- que deveis a vantagem intellectu:ll- que levais aos povos antigos e
modernos, que não foram illuminados pela luz do :Evangelho. A
esta luz divina deveis o não estardes prostrados aos. pés de Jupi-
ter, o vingativo e corrnplo , como ·os Romanos ; ou "de :Mercurio ,
o ladrão, como os A lhemenses ; ou de Tentates, o comedOT de me-
ninos, como os Gaulos; ou de Venus, a prostituta, como os Corin-
l~ios; ou diante d'um bulbo, um crocodilo ou -um gato , como os
Egypcios; ou d'uma serpente~ como os negros da Africa céntral;
ou d'um regato ou d'uma vacca , como os lndos; ou d'um tronco
d'arvorc, como os .selvagens da Ame1~ica. E para que saibaes que
é a este mandamento, Um só Deus adorarás, que sois devedores
da libertação de tolias essas grosseiras idolatrias, trazei á memoria
o dia U de Novembro de 1793 , e ''ede o que se passa na Igreja
de Noss.\ Sr.NnORA DF. P .\RIZ. Eis ahi um poro inteiro, mais abjc-
•
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CATECISMO
elo que os pagãos antigos, prostrado aos pes de quem ?...• dizei-() ~
YÓs , que me não atrevo a <lizel-o (1) !
Ora, será indifferenle á prosperidade material da sociedade ado-
rar um Deus tres vezes santo , que condemna e castiga até o pen- ·
samento consentido do crime ; ou adorar taes deuses , que não só
permillem todos os vicios, mesmo o adulterio e o roubo, mas até
os auctorisam e divmisam com o seu exemplo? E porque não fará
o adorador o que taes deuses permillem? Não é esta a constante
maxima de lodos os corações corrompidos? Pois bem sabeis quam
avultado é hoje o numero destes.
Um só Deus adorarás e amarás perfeitamente. Dizei-rne : a não
ser este mandamento, qual será o fundamento possível da sociedade'!
O homem não póde mandar a outro homem senão em nome de Deus,
' ou em nome da força ;- mas o imperio da força applicado a seres
livres, é o despolismo; a obediencia é a escravidão ; a revolta, o
mais santo dos deveres aos olhos dos povos : vós sabeis o mais.
Será pois tudo isto indiITerent~ á sociE>dade?
Urn só Deus adorarás. -Sem este mandamento julgaes por ven-
tura que sereis livres? O' homens cegos! não vêdes, que arrogan-
do-vos o direito de ultrajar a Divindade, submelleis a senis ao ju-
go das paixões, e logo depois ao da força bruta ! Oh , que direito
adquiris, o direito dos estultos e dos furiosos ! Como sois · grandes,
abjurando mdo o que eleva a alma e ennobrece a vida !
Só a Deus amarás perfeitamente. Todo o homem carece -do
amor, como do aiimento do coração ; em quanto o não tem vive
inquieto , e por consequencia desgraçádo. · .Deus nos offerece o seu
amor, pede-nos ..•. que digo?.... para animar a nossa timidez,
manda-nos que o aceitemos. A não ser este mandamento que seria
da sociedade? O homêm não amaria mais do que a ·si, porque só
ba dous amores , o amor de Deus e o amor proprio. Ora, o amor
t~xclusivo de si mesmo, ou o egoísmo, é o odio de todos ; mas o
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lH: PERSEVERANÇ.A.
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ORA.VI.O.
•.!
O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças
por nos terdes dado o grande preceito da charidade para comvosco,
e para com -o proximo ; a charidade é o nosso Lhesouro , a origeln
de toda a nossa felicidade. O de~10nio nos havia despojado della , ·
vós porem, Seahor. nol-a restiluistes; e, para que mais proveitosa
nos fossP, nos destes o Decalogo que, ensinando-nos a cnmpril-a pa-
ra comnosco e para com o proximo, é ao mesmo tempo o escudo
que protege ésla admiravel virtude, contra os ataques do demonio e
do vPlho homem corrompido. Permilli, poi~, Senhor, que eu ame
o Decalogo e o cumpra fielmente.
· Eu .protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho deste amor,
darei muitas" graçus a Deus prtr me ter dado o_s seus s~utos man-
damentos.
'
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• l
DE PERSKVERANÇA. 2'7
XLYlll.ª LIÇÃO.
Não jurarás o santo nome· de Deus em vão, nem outra cousa sí-
milhantemenle (1). O primeiro mandamento, que nos ordena honre-
mos a Deus <l'uma maneira santa e respectuosa, necessariamente en-
cerra em si o que se diz· no segundo ; porque mandando adorar e
amar a Deus por isso mesmo manda que delle fallemos com o maior
respeito , e prohibe expressamenté o contrario. Este mandamento ,
bem como o primeiro, redunda lodo igualmen!e em nosso proveito.
Prohibe-nos elle com effeito , tudo o que poderia diminuir o respei-
to, e por consequencia o amor que devemos a Deus. Ora, este amor
é o meio indispensavel da nossa união com o novo Adam , e a con-
(1) Noo assumes nome o Dei tui in vaoum. Ncr cnirn habebiL in-
sontcm Domious eum. qui assumpseril nomcn Domini Dei sui frustra.
Exod. XX. 7.
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1
~-
248 CATECISMO
(1) Q. U in Hxod.
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culpados. Que diríam estas pessoas se vissem outra a quem -- hou-
vessem dado um vestido precioso, servir-se d' elle nas mais grosseiras
occupaçoens? Se temos pois ·iam pessimo costume de- dizer, por ex-
emplo, por Deus que sim , por Deus que não, ou ·outras juras s1rni-
lhanles , tomemos desde Já a resolução sincera de nos corrigirmos,
lembrando-nos do profundo respeito que os Anjos leem ao Nome de
Deus; da profunda reverencia , que Deus mesmo exigia dos Judeos
para com o seu adoravel Nome, e até do respeito não menos pro-
fundo d'um dos maiores homens que houve no mundo , o celebre
_ Newton. Este immo1;tal astronomo nunca pronunciava ou ouvia pro-
nunciar o nome de Deus que não tirasse o chapeo.
Segunda parte : Juramento e perjurio. O Juramento é uma
maneira excellente d'bonrar o nome de Deus (1). Jurar ou fazer
juramento é, com effeilo, chamar a Deus por testemunha do que se
affirma. Ora, é evidente que tomar a Deus por testemunha da ver-
dade , é reconhecer que Deus sabe ludo, que elle é incapaz d~
menlir , que é a mesma \'erdade , e o defensor da verdade ; é logo
honrai-o, e honrai-o com um culto supremo. Tambem vemos no An-
tigo e Novo Testamento, os mais santos personagens fazerem uso do
juramento. O mesmo Deus , para animar a nossa confiança, digna-
·se empregai-o (2), e mandar-nos que o imitemos : Temerás, diz el·
le, ao Senhor teu Deus, e jurarás pelo seu Nome (3).
Não é necessario para jurar chamar direclamente a Deus, mas
basta tomar eri1 testemunho da verdade os Santos Evangelhos , a
Cruz, os Santos, suas reliquias ou nomes , o Ceo, a terra e as
{1} A palavra JÚrar ve~ de jus, que quer dizer direito , porqnc é
de direito que se tenha por verdade o que é ·affirmado pela mrnração de
Deus. - Assu1Lere Deum in testtim d1ct11r 1urare quia quasi pro jure io-
trodnctum ~st, ut qnod sub 10vocatione divini lestimonii dicitur pro \'ero
- habealur. D: Th. 2, 2, q. 89 , art. 1.
(2) Gen. XXI, XXlV, XXV, XXXI, XLVIl; Exod. XXIl; Isa ias,
XIX, XLV, LXVI; 1 Cor. XV; II Cor. Rom. 1, IX; Luc. 1; Art. ~I;
Ucb. VI. etc.
(3) Domrnum tuum limebis et per Óomen ejus jurabis.
3~ V
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...
250 ('.ATECIS~lO
(l) .Jurat1oni non assucscat os tuum ; mulLi eoim casns in illa. Vir
mu1tum jurans implebitur iniqnitale, rl non disccdet de domo ejus plaga.
Eccl. XXXlV.
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IH: PERSEVERANÇA. 251
taremos a isto o que diz S. Agostinho e S. Hilario; os quaes fal-
, lando de S. Paulo, dizem, que usando o mesmo Apostolo do jura-
mento em suas Epistolas, nos mostra como devemos entender a sen-
tença de Nosso Senhor : Eu vos digo, que não jureis de modo al-
gum; quer dizer : não porque o jurar seja máo, mas para que não
tenhaes a contrabir o habito de o fazer, do habito - não passeis á ...
_
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2õ2 CATl~ClSMO
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,-
'
DE PERSEVERANÇA. 253
faz Juramento precipitado e temerario, como fazem os que, porcou-
sas leves e até vãs, juram sem precisão, sem reflexão, e só por ef-
feito d'um habifo detestavel. E' este ~ desgraçadamente o vicio quasi
geral dos que compram e yendem ; estes, para -vender mais caro ;
aquelles, para comprar. mais barato ; não temendo empregar o ju-
ramento, para encar-ecer ou depreciar as mercadorias. Para jurar ,
pois, é precisa a reflexão, e porque os meninos não podem ainda
discernir claramente o que é necessario para este tremendo aclo,
deu um decreto o Papa CorneJio , no_ qual probibe se não exij~ ·
juramenlo a creanças, antes de terem quatorze ann1s.
3. º CoIU JUSTIÇA. Requer-se que aquill'l que se prometle com
juramento seja justo e honesto. Se alguem , com juran1ento , pro-
' melle cousa injusta ou deshonesla, como por exemplo, vingar-se,
ou fazer cousa p1·ohibida pela Lei de Deus, commelle um peccado
enorme ; e ainda será maior se cumprir a promessa. Promessas
desta natureza de nenhum modo obrigam ; pois ninguem póde ser .
obrigado a fazer o mal, expressamente prohibido ·pela Lei de Deus.
Por este modo foi Herodes cr:iminoso, mandando dPgolar a S. João
Baptista , por cumprir o juramento que dera. O que dá juramento
para confirmar uma -promessa que fez, ou que se exige delle, de-
ve estar seguro de que esta promessa é justa, isto é, que nada en--
. cerra , e a nada obriga contrario aos mandamentos d~ Deus e da
Igreja, pelos quaes todos seremos julgados. Antes, pois, de promel-
1.er cousa alguma com juramento, cumpre examinar se tal promessa
contem, ou obriga, a cousa contraria aos mandamentos de' Deus e da
Igreja , a que o christão eslá obrigado, com pena de condemnação
eterna ....
Se por este cume , feito na pr~sença de Deus, descobrirmos na
promessa , ,fJ Ue se exigu ele nós, alguma cousa- contraria aos deve-
res de christãos , filhos de Deus e da Santa Igreja Catholica ; de-
veres por onde seremos julgados pelo Juiz Supremo dos vivos e dos
mortos. desde logo devemos ter tal promessa como iJlicita e deles-
lavel ; pois não é permitlido offend_er a Deus em um só ponto que
·seja da sua Lei. O que tal promessa fizesse' seria culpado diante
de Deus ; o que a cumprisse, incorreria ainda mais na sua ira ;
finalmente -o que a confirmasse com juramento, seria perjuro , e
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üE PERSEV~RANÇA.
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256 CATECISJ\10
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l>E P~RSEVERANÇA. 257
nho1• e nosso Pai ; quan.do publicamos o seu poder, justiça e mise-
ricordi~ ; quando proclamamos que Nosso Senhor é o auctor da
nossa salvação ; e celebramos seus louvores, rendendo-lhe acções de
graças particulares e publicas, pelos bens e males que nos succedem.
Dest'arle Job, o admiravel modelo da paciencia, cahindo-na adversidade
a mais horrivel , não cessou de louvar a Deus com Lanto valor co-
mo grandeza d'alma. Assim tan1bem, Õu venham sobre nós tribt1la-
ções d'espirilo , ou sotfrimenlos do corpo , empreguemos -Jogo. todo
o esforço que podermos em lonvar a Deus, dizendo como Job :
]Jfo~ Deus! bemdito seja o vosso santo nome!
__ Ao louvor de Deus, que se nos orde~1a no segundo man_damen-
lo , oppõe-se o silencio e a blasphemia. Desgraça,da a boca que se
não abre, para lou rnr a Deus 1 Será bom filho aquelle que nfo agra-
dece nem louva ao auctor de seus dias e de seus bens? Que jui-
zo faremos de tantos indifferentes e ingratos, cujos labios jamais ·se
abrem para bemdizer o nome de . Deus? Que louvam talvez e agra-
decem o bem que das creaturas recebem , e do que recebem de
Deus, auctor supremo de todos os bens , disso nunca ou quasi
nunca se lembram ? E que se hade julgar tambem daquelles, que
não bemdizem a Deus senão po1' ceremoiiia ou habito , movendo
machinalmente os labios '! Cumprem estes por ve.ntura o segundo
mandamento da Lei de Deus ?
Mas ainrla por 01,1tro modo horrivelmente peccam boje muitos
que, não só não honram a Deus com louvo~es, senão que o ultra-
jam com blasphemias . . Chama-se blasphemia a toda a palavra in-
juriosa a Deus, aos Sanlos ou á Religião (t). Por seis _differentes
modos se commette blasphemia : 1. º atlribuindo a Deus o que lhe
não convem ; por exemplo, a crneldade, a injustiça , 2. º negando-
lhe as suas perfeições ; como é dizer, por exemplo, que não é To-
do-Poderoso, que não sabe ludo ; que não é misericordioso ; que
lhe uão importa o que se faz no mundo ; 3. º allribuindo ás creatu-
ras o que só pertence a Deus ; dizendo do demonio, por exemplo ,
que elle sabe tudo , que pode fazer milagres ; 4. º 'amaldiçoando a
Deus, á Igreja, aos Santos e ás creal-uras em que particularmente
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2iJ8 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA.
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2GO CA1'ECISMO
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DE ~ERSEVERANÇA. 261
messa , e não simples proposilo ou resolução , como a que faz um
infermo dizendo : Se eu sarar heide ir em peregrinação a tal sitio ,
jejuar ao Sabbado , confessar-me todos os mezes. Estas resoluções
não se dirigem a ninguem , e na sua omissão , que é simples resis-
tencia á graça , e inconstancia no bem, não póde haver senão pec-
cado venial. Para o voto é pois uecessario que haja promessa de-
Jiberada feita a Deus , por exemplo : Faço . voto , ou promello fazer
isto ou aquillo ; e hade ser com deliberado conhecimento , com es-
colha e liberdade , em perfeito uso de rasão , com inteira adver-
tencia, e tanto consenfünento da vontacle, quanlo é necessario para
consliluir peccado mortal (1).
D'est'arte, o voto d'uma creança , que ainda não tem uso_ de
rasão, em gráo sufficiente para commeller peccado gra\'e, deve con-
siderar-se como nullo. ·O mesmo se diz do voto d'aquelle que, por
ignorancia , cuictava formar uma simples resolução. Mas o voto ,
feito debaixo da impressão d'um temor puramente natural , é va-
lido • tal como ·9 do navegante que , ameaçado da lempeslade, pro-
metle fazer uma peregrinação ou offerta a q~alquer Igreja on capella
da Santigsima Virgem.
A terceira cousa que cumpre saber a respeito do voto é, que a
promessa tenha por obJeclo uma cousa agrada vel a Deus, tal como
a virgindade ou a pobresa volunlaria. , A pessoa , por tanto, que fi-
zesse. voto de commeller algum peccado , · ou fazer alguma cousa
contraria á honra de Deus , ou ainda uma acção boa , mas que obs-
tasse a outra melhor , lal volo , longe de ser agradavel a Deus e
et sic patct quod ,·ovcrc proprie est artus latrire seu religionis .•. Votum
soli Deo lit ; sed promissio potest etiam fieri homin i ; et ipsa promissio
honi quce fil homini potest caderc sub volo, ia quantum esl quoddam opus
\'irtuosnnÍ. Et per hunc modllm intelligcndum est votum quo quis vo,·et
ali<1uid Sanct1s , vel Prrelalis ; ut ipsa prom1ssio facla Sanctis vel Prrela-
lis cndat sub voto materiahter • in ctuantum sl'illicet homo vovct Deo se
impleturom quod Sanclis vcl l:'rrelatis. prom1ttit. D. Th. 2, 2, q. 88. arl.
,.
a.
(1) Non obligat \'olum fat fom com scrniplena animadversionr, HI dc-
liberalione. S. Alph. lib. _111, o. 196.
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262 C.A.TECISMO
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' D~ PERSEVERANÇA. 263
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264 C.lrnCISMO
ma1 , por morte do pai , tem este mesmo poder , sendo tulOl'a ; e na
falta de pai e mãi passa ao tutor o direito (1). 3.º por dispensa. Esla
hade ser concedida . pelo Papa , ou o proprio Bispo, ou outro de
commissão sua ; pois só estes leem jurisdicçã'o de dispensar votos ,
que a receberam dos Apostolos , a quem Nosso Senhor deu este po-
der , e especialmente a S. Pedro , assim como o de perdoar pecca-
dos , conceder indulgencias , ligar e desligar as consciencias. Os
votos, cuja dispensa é reservada ao soberano Pontífice , são , alem
dos votos solemnes , os cinco votos seguintes, a saber : o voto de
castidade perpetua ; o de ingresso em Religião , e os tias tres cele-
bres peregrinaçoens de Jerusalern, do tumulo ·dos Apestolos em Roma
e Je S. Thiago de Compostella na Hespanha. D'est'arle , pode a
Igreja dispensar em nome de Deus a obrigação de cumprir o que se
votou a Deus ; mas isto só o faz por mo ti vos ponderosos. i. º por
commutação. A commulaç.ão não tira, como a dispensa, a obrigação,
mas só muda em outra a maleria do voto. Esta mudança pode ser
para melhor, para igual ou inda para menor. O partido mais se-
guro, quando se trata de commutar um voto , é submelter a ques-
tão ao confessor ; como lambem é prudente nunca fazer voto sem
primeiro consultar com director sabio e illustrado.
6. Omissão do voto. Se o voto é acto de Religião que honra
D
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HE PEHSEHllANÇA. 2615
7. º Do voto de Religião e do estado religioso. O voto ' de Re-
ligião é a promessa feita a Deus de guardar pobresa voluntaria, cas-
tidade perpetua e obediencia inteira, debaixo d'uma Regra approvada
pela Sanla Sé Apostolica. O estado religioso , de que este voto é
o fundamento, é uma ordem estavel e permanente, approvada pela
Igreja ~ na qual os Fieis se obrigam a viver em communidade e a
aspirar á perfeição , pela observancia dos lres volos que deixa~os
ditos. Promelter estas tres cousas é fazer o voto da Religião, porque
é consagrar-se perfeitamente a Deus , não só no que é de preceito ,
mas ainda no que é só de conselho. Por isso se chamam Reli'giosos
aquelles, que professam este estado , porque se <le~icam pe-rfeila-
mente a Deus , pralicam]o na excellencia a Religião Ch ristã. A
obrigação dos Religiosos não é serem_ já perfeitos, eis que entram na
Religião ; mas sim trabalhar pelo virem a ser , cumprindo a Regra
da sua Ordem, e guardando sobre tudo os solemnes ·votos que fi-
zeram.
E' facil mostrar como conduzem á perfeição chrislã os tres vo-
tos de Religião. O primeiro é o voto .de pobresa, fJUe consiste em
não possuir cousa alguma propria. Aquelle que aspira á perfeição
deve fazer-se pobre ; como ensinou Nosso Senhor,. dizendo : Se que-
res ser perfeüo , vende tudo o que tens ; dá-o aos pobres; .que teras
um thesouro no Ceo; e depois volta , e segue-me (1 ). Elle mesmo
foi o primeiro e o mais perfeito modêlo da pobresa voluntaria : A.s
rapozas , diz elle , teem as suas covas ; e as aves do Ceo, os seus
ninhos; quanto ao Fi'lho do Homem, esse não tem aonde recltnar
a cabeça (2). Sendo Nosso Senhor , como é , a perfeição mesmn ,
segue-se que aquelle, que faz profissão de probresa voluntaria, o imi-
ta neste ponto , e aspira á perfeição : A mesma rasão está dizendo
que assim de\7e de ser ; por quanto o amor dos bens do mundo é
grande obslaculo á virtude, quando a pobresa voluntaria a consegue
de repente , porque lira os instrumentos e. occasiões do peccado ,
c_omo são o fausto, as superfluidades , a altivez , o luxo , e ludo
.
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CATl·:CISMO
mais ']Ue d'elle proced~~; liberta a · alma de lodo o peso que lhe re-
tardaria o vôo , e a não deixaria livremente buscar os bens eter-
nos; merece singulares favore.s de Nosso Senhor, que amou a pobre-
sa ~orno o esposo a sua esposa , e nella viveu sempre desde o Pre-
sepio alé á Cruz ; garante na vida presente e futura f'Slas divinas
promessas : Em tierdade vos digo ; que ·vós outros , que deixastes
tudo para me seguir receberei"s· cento por um n'esle mundo e possui-
reis no outro a vida eterna (1 ). Que pedra preciosa igualará no
~alor a. pobresa, que só é bastante para comprar o reino do ceo !
O segundo é o voto de castidade , que obriga a renunciar a todos os
prazeres sensuaes. Quem aspira á perfeição deve consagrar a sua
virgindade 'ao Senhor; tal é lambem o conselho dado e praticado
por Nosso Senhor mesmo. Sim • Nosso Senhor louvou e exailou a
virgindade ; S. Paulo fallou como o Divino Mestre , e a Igreja con-
demnou os herejes de differenles seculos, qu~ pretendiam, que o es-
tado da virgin<lade não era mais perfeito que o do matrimonio (2).
Sendo Nosso Senhor, como é, a perfeição mesma , segue-se que
aquelle flUe faz profissão da caslidade \'oluntaria o imita n'este pon-
lo , e aspira á perfeição. A mesma rasão nos diz quanto islo é
bem fundado , pois é certo que os cuidados da vida , o desejo d'a-
gractar ao esposo ou á esposa , dividem o espirit.o e o coração, e
fazem o homem menos sollicilo no serviço de Deus.
O terceiro volo • em fim , é o cte obediencia • e este é o mais
perfeito de todos; por quanto, pelo voto de pobresa, cede o Reíigio~o
os seus bens ; pelo de castidade, o seu corpo : mas pelo de obedi-
cncia, dá a su~ prnpria alma. Logo é este o mais excellf'nl.e
voto ; é' o complemento do sacrificio. Assim tambem Nosso Senhor
foi o primeiro mestre e modêlo d'este voto sublime. A.quelle que 11uer
ufr apos de mim , diz elle , renuncie a si mesmo , e siga-me ; .. que .
fui obediente até á morte, e morte de Crnz (3). Sendo nosso Senhor,
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OE PERSEVERANÇA. 267
como é , a perfeição mesma , segue-se que aquelle, que faz profissão
da obediencia V-o1untaria, o im ila n'esle ponto, e aspira á perfeição:
a mesma rasão .ensina c1ue assim deve de ser. Na verdade, a obe-
diencia voluntaria triurnpha da soberba , que é o maior obslaculo á
virlude ; é de grandissimo merecimenlo, porque não só faz melho1·
o que já era bom , m~s até íaz merilorio o que era indifferente
1
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268 CATECJS!\10
_,
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DE PRRSEV .ERA NÇ·A. '269
ORA.()ÃO.
'
-O' meu Deus·! que sois todo amor • eu vos dou graças
por me lerdes ensmado a amar ao proximo , e honrar o vosso San-
to Nome. Perdoai-me , Senhor • lodás as fallas que lenho commel-
lido contra a charidade ,. e contra o respeito que vos é devido.
Eu protesto amar a Deus sobre· todas as cousas, e ªº
.pro_ximo
como· a mim mesmo por a_mor de Deus; e, em iestemunho deste amor,
nunca pronunciarei o Nome de Deus em ·vão.-
XLIX. 2
UÇÃO.
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270 CATECISMO
4.
( ~) Moslrarcmos isto na quarta parle do Catecismo.
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OE PERSEVERAN~'A. 271
Sabbado ; tn1balharas seis dias , e {aras· nelles tudo que precisares
fa;er ; o selimo porer.n é o dia do Sabbado do Senhor teu Deus.
N<1o f aras nesse dia obra alguma servil , nem tu, nem teu filho, nem
tua filha , nem o leu servo , nem a 1'1~a serva , nem a tua besta,
nem o peregrino que estiver em tua casa ; porque o Senhor fez em
· seis duis o Ceo e a Terra , e tttdo o que nelles !ta , e descançou no
setimo dia;· pelo que o Senhor abençoou e santificou o dia. do Sab-
bado (1 ). Que nobre modêl<l se nos propõe aqui ! E' o mesmo
Deus , creando o mundo e descançando no fim da sua obra , que
nos diz : O' homem ! meu filho , trabalha seis dias romo teu pai ,
em santidade corno eBe, e assim descança lambem no selimo. Os
seis dias de trabalho sao a imagem da lua vida ' o selimo é a ima-
gem de tua eternidade ; aqui a fadiga , e lá o repouso ; aqui o
trabalho d'um instante, e Já o repouso de secu]os sem fim.
Antes d'explicar este terceiro preceito do Decalogo , vamos re-
ferir dous exemplos historie.os , que mostrarão quanto e11e é excel-
lenle e sanlo : O primP.iro dclles bem pode inspirar-nos um grande
temor de violar este preceito ; o segundo , dar-nos a conhecer com
que zelo nos cumpre obstar á sua transgressão.
No tempo em que os Israelitas estavam no deserto , um- certo
homem , contra o preceito do Senhor , andava apanhando lenha no
dia de Sabbado. Levaram-no , á vista de todo o povo , á presença
de Moyses e Aram, os quaes, não sabendo que lhe fizessem, o man-
daram pôr em custodia. Fallou então o Senhor a Moyses, e lhe
ordenou , que punisse de morte aquelle homem, _mandando-o pôr fora
e
do Campo , que todo O porn O apedrPjasse , O que assim Se exe-
CUlOU (2). Medilemos , pois ~ que é o mesmo Deus, igualmente bom
e Justo , quem manda punir de tal sorle similhante delicto, e logo
conhec~remos qual é por consequencia a. sua malicia. Quem poderá
illudir-se, crendo que a profanação do dia do Senhor não é um pec-
caclo de suruma gravidade'!-
Passemos ao segundo exemplo. No de~imo quinto scculo, vivia
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272 CATECIS~10
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,DE PERSEVERANÇA. 273
necessidade de repouso , de consolação e oração , ó Angelo de l\fa-
saccio , bemaventurado Martyr , eis que os teus assassinos leem en-
tre nós mil e mil crueis imitadores ! Intercedei por nós , que toda
a Igreja vol-o pede, a fim que no seio das nações reviva esta lei
do repouso, tam sacrilegament.e violada pela injustiça dos grandes
da terra (1).
3.º Sua necessidade. Entremos agora na explicação do nosso
assump_to e comecemos por observar a condescendencia paternal de
Deus a nosso respeito. Bem podia elle exigir do homem actos de
culto exterior e publico, muito e muito mais assíduos ; mas, atten-
dendo á nossa fraqueza, e á difficuldade que leem de cumprir os de-
veres do cullo externo · aquelles, que carecem occupar-se nos ne.go-
cios da vida , quiz Deus tornar-lhes facil aquella obrigação, marcan-
do-lhes tempo para a satisfazerem , e ~emovendo tudo que obstaria
ao cumprimento d'aquelle dever : b~nevola attenção esta , pela qual
muitas graças devemos dar a Deus , não só pelas rasões que dei-
xamos apontadas ·, mas lambem porque, se Deus não tivesse fixado
um dia para o honrarmos , o culto externo cairia logo inteiramente
em desuso , e o mesmo culto interno acabaria , e com elle a Reli-
gião , unica origem da nossa felicidade. Ora , ~ terceiro manda-
mento é immutavel e de direito natural , em quanto nos ordena que
reservemos certo tempo para r~nder a Deus culto externo ; e aprova
é que todos os povos tiveram sempre dias consagrados ao culto dos .
seus deuses.
Assim como a natureza tem um tempo proprio para as func-
ções necessarias á vida do corpo , taes como são o beber, o comer,
o dormir e o repousar , da mesma sorte a Religião ·exige e precisa
de determinado tempo , em que a alma possa refazer suas forças,
meditando nas verdades eternas ' e contemplando as perfeições di- -
vinas (2)
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CATECISMO
·-
(l) Die'm domin1cam oh venerabilem resurrectionem Domini nostri "
Jesu Christi , non solum m Pascha celebramos, verum etiam -per siogu-
las hebdomadas 1psius diei imaginem frequentamos. Innoceot. 1. Epist.
ad- Decent. - ldeo dies isLe dicitur Domini , · quia in eo Laotum Domi oi
Dei nostri cultui vacandum nobas est ·s. Aug.
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I
\
DE PlmSEVEllANÇA. 27u
João fatia d'esle dia em seu Apocalypse (1) , e o Apostolo S. Paulo
• quer que se recolha\).1 as esmollas dos fieis no primeiro dia depois
do Sabbado (2) ; isto é , como explica S. ChrysosJomo , no dia do
Domingo : por onde se vê que já no tempo 'tios Apostolos era o Do-
mingo tido como Santo (3).
Quereis saber que rasoens teve a Igreja para transferir a solem-
nitlade do Sabbado para o Domingo? Eis aqui algumas :
1. º Foi n'este dia que a luz começou a fulgurar em o mundo;
2.º foi n'este dia que Nosso Senhoi' resuscitou e fez que os homens
passassem~. da vida cfas trevas e do peccado á vida gloriosa do novo
L/
Adam ; 3.º foi n'esle dia que o mundo começou a ser crcado , e
depois regenerado pelo Espírito ·Santo, que desceu sobre os Apos- -
los. D'esl'arte a Igreja christã , consagrando a Deus o Domingo ,
que igualmente corresponde ao primeiro dia da creação do mundo,
ao da sua Resurreição em Jesu-Christo, e á descida do Espirilo San-
to , nelle consagrou muitos objeclos igualmente proporios a excitar a
nossa piedade. Assim honra ella a Deus Padre Todo Poderoso, Crea-
dor e Conservador .de todas as cousas ; a Jesu-Christo , seu unico
Filho nosso Salvador , que nos remio da servidão do demonio e do
peccado, e que, apos dos trabalhos da vida mortal , entrou , por
sua Resurreição , no repouso eterno , -figurado pelo repouso de Deus,
depois da obra da Creação ;_ e ao Espirito Santo , como o principio
da nova creação, mais maravilhosa que a primeira, e pela qual, sen-
do nós tirados do nada do peccaclo , recebemos pela graça um novo
ser e uma nova \ ida.1
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276 CATl~CTSMO
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/
OE PERSEVERANÇA. , 277
As obras mixlas ou communs são igualmente permiltidas ao Do-
mingo , com tanto que se não fique exposto , sem motivo , a perder
a Missa. Chamam-se obras communs aquellas que se exercem lanto
pelo espinlo como pelo corpo, e que são communs á genle de tra-
balho e ás pessoas livr('s ; como por exemplo , passear , caçar, via-
jar , pescar , sobre tudo quando a pesca ou a caça não demandam
grande trabalho , nem grande apparato , taes como a caça simples e
a pesca a canna ; mas não se devem transportar ao Dia_ Santo mer-
cadorias e generos, menos que não haja· grande necessidade , ou que
o costume o tenha auclorisado (1).
As obras servis são prohibidas ao Domingo. Chamam-se obras
servis 3fJpellas , que se exercem mais com o corpo do que com o es-
pírito , e que servem directamente mais para vantagem d'aquelle, e
se fazem commummente por servos , obreiros e gente de trabalho (2) ;
taes são: exercer um officio seja qual for, . cultivar terras, ceifar,
vindimar , cozer, recortar , bordar ; o que tudo é prohibido ao Do-
mingo , inda quando se não ganhe nada, ou mesmo se trabalhe para
os pobres (3). As· feiras lambem são prohibidas ·aos Domingos e dias
santos, sobre ludo as qne se fazem em publico e com solemnidade. ·
. Exceptuam-se aquellas que o costume dos Jogares auctorisa. E' ge-
ralmente concedido que se possa vender e comprar ao Domingo, não
só as cousas necessarias para aquelle dia , como pão , vinho , carne,
hortaliças e, outras provisões de boca ; mas lambem aquillo de que a
gente do campo tem necessidade para algumas semanas, ou ainda para
_ Jongo espaço de tempo , como viveres , \'estitlos e outros objectos de
eonsummo. Mas não é permittido expor publicamente as mercado-
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278 C.\'l'EC!S!\IO
rias ; deve-se ler a loja mchat.la , ou ao menos não deixar mais que ·
uma por la aberta (1 ). Isto é quanto aos obrciros e mercadores.
Quanto ao~ estalajadeiros , é-lhes prohibido dar de comer e be-
ber ás pessoas do logar duranle os officins divinos, sobre Ltido em
quanto se celebra o Santo Sacrificio da Missa ; e se o fizerem com-
mellem n'isso peccado gra \'e , e são igualmente culpados recebendo
quaesquer pessoas, mt•smo fóra do tempo dos ofücios <livrnos , {1ue
possam ir mover altercaçoens ' blaspbemias ' nebedic~s e o'ulras Je-
sord(\IlS.
_A obrigaç~o tl'abster-se das obras servis ttbrange de meia noule
a mé!a.noule; é obrigação grarn; de sorte que aquelle que, sem
necessidade, trabalha ao Domingo ou dia festivo durante trez huas,
seguidas ou não seguidas , preca mortalmente , e ainda mesmo tra-
balhando só duas horas se expõe a culpa mortal (2). .
Ha outra especie d'obras eminentemente servis, e inda mais rrs-
Lrictamente prohibidas que aquellas de que acabamos de faltar, es-
tas são os peccados. Ora , por um abuso deploravel, commeltem-se
muitas vezes em maior numero nos t.l1as consagrados ao serviço di-
vino , do que nos dias destinados 30 lra balho. Os mais ordinarios
são : os passeios perigosos , danças , espectaculos , e frequentar ta-
bernas e botequins. Em todas as nações chrislãs -tem sido prohi-
das estas desordens pela auclQridadc civil, como essencialmente con-
trarias á sancliílração do Domingo. Entre mil outras leis citemos a
do Imperador Leão V , promulgada no anuo de 469 da era chris-
lã.
« Prohibimos , diz o religioso monarcha , que se profanem por
qualquer diverlimcnto os clias cons 1grados a Magestade Divina ; não
queremos que no dia do Senhor se façam citações ou instaurem pro-
c.r.ssos. Cesse de ·se ouvir a desagradavel voz dos meirinhos; res-
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UE PERSEVIUlANÇA. 279
pirem á sua vontade os litigantes , e vejam-se sem temor ; porque
não estejam os espirilos preoccupados com pensamentos estranhos.
Toda via , para que o Santo repouso não degenere em ociosidade, só
prohibimos os prazeres perigosos, de qualquer qualidade que sejam.
Não se abra n'esle dia o thealro , nem o circo , nem se deem es-
peclaculos de feras ; e se occurrer nelle o anniversario do nosso nas-
cimento, sejam differidos esses divertimentos. Tudo com 11ena <le
perderem sua patente os militares , ou os demais seu patrimonio, se
transgredirem esta sagrada lei (1 ). » Estas tam faceis prescripções,
das quaes a experiencia actual , c,om a velocidade do raio, demons-
tra a profunda sabedoria e necessidade social "' são ainda na maior
parte observadas nos pa!zes calholicos , que digo ? entre os mesmos
protestantes , como na Inglaterra e ainda mais na Escossia . ·
6. º Refutação . dos pretextos de trabalhar ao Domingo; A pro- )
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280 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 2S1
ridade publica , até que a pbilantropia , callçada de os cnconlrar nos
camrnhos , os faça encerrar n'um deposito de mendicidade. Eis ~qui
ainda a historia contemporanea. Artifices, desenganai-Yos que o que
vos adquirirá uma ditosa velhice são os bons costumes -da mocida-
de , e estes jamais os tereis sem a Religião, pois que com as vossas
proprias forças não podereis reprimir as paixões , nem resistirá tor-
rente do escandalo. E como , se não guardardes os Domingos, po-
dereis assistir ás practicas religiosas , e á prégação da palavra de
Deus , sem a qual não tereis instrucção, nem por consequencia re-
ligião solida ? .
E que diremos das costureiras, e outras mulheres de trabalho,
que não santificam os dias de preceito? A donzella sem freio de re-
ligião entrega-se logo á sua paixão predominante. A vaidade de en-
feitar-se e adornar-se leva-lhe no toucador o seu . escasso jornal ; e
depois... resta-lhe commerciar com a sua innocencia. Não direi
mais. Os costumes publicos , os lribunaes , as estatísticas dos in-
fantecidos, digam o que eu por horror e por vergonha callo. Re-
turquireis que t.rabalhaes nos Domingos e nos mais dias· da semana
sem vos dardes a vicios ? Não , não. o fareis nunca pela rasão que
acabo de dizer ; .!Das se o fazeis não o fareis por muito tempo ; que
o trabalho continuo esgota-vos as forças, e Lereis necessidade de
descanço. Demais , este trabalho. continuo nada vos adianta. Pare-
ce-vos· que calculaes bem , mas o rico cal cu la mel bor. Elle é o pa- ··
trão , e não vedes que vos faz soffrer uma diminuição d~ sa1ario. de
sorte que vos não dá por sete dias de trabalho mais do que seria
obrigado a dar-vos só por seis , pois é de direito natural que cada
dia ganheis com que vos sustentar e a vossas familias, sem o que não
prestaríeis ao tico nem os vossos braços nem as vossas forças ? Por
ventura depois que se trabalha ao Domingo , conheceis muitos obrei-
ros que tenham feito fortuna , por causa d'este accrescimo de tra-
balho?
A violação do Domingo é inteiramente prejudicial ás classes tra-
balhadoras, já por que esgotam as forças antes do tempo com in-
cessante trabalho, já por que se dissipam com os excessos, a que
se entregam os homens sem freiô religioso. E vós, ó ricos , cuja
cobiça ordena esta violação flagrante da lei de Deus , não temeis
36 V
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CATECISMO
nada dessa massa d'obreiros sem fé e sem moral? Credes por ven-
tura que podereis sempre dormir tranquillos , em quanlo as pai...
xoeus populares, excitadas pelo vosso luxo, recalcadàs pela vossa
dureza , desencadearias pelo vosso insolente despreso da lei de Deus,
olham tremendo de raiva para a vossa rapida fortuna, rimentada ,
com os seus suor<1s , e cheios tle inveja aguardam o momento de as
gozar lambem um dia~ Não vedes já os symplomas d'esla irrita-
ção profunrla e incuravel nessas collisões e commuções, que a força
poJe reprimir um instanle, mas que não destroe, nem tira que reappa-
reçam mais ameaçadoras e perigosas ?
E' funesta á sociedade a profanação do Domingo , a não ser o
repouso d'aquelle dia que, suspendendo o trabalho ma teria 1, dá ao
homem o desranço , e lhe impoem a obrigação de se occupar do lra- ·
balho moral , todo q melhoramento social é impossiveJ. A rasão é
obvia :_o mal da sociedade eslá nas almas , e só no Chrislianismo se
acha remedio para o mal ·das almas. Ora , sem o repouso do Do-
mingo , não ha .para o Chrislianismo tempo nem logar de faltará so-
ciedade. E sabeis o que é u.m povo , a quem o Christianismo não
dirige a sua voz? é um povo sem freio religioso , um poYo escravo
das -suas paixoens , em perpetuo estado d'irritação e inquietação pu-
blica , tendo sempre eminentes as guerras c1vis e a anarchia. Os
factos contemporaneos nos - di~pensam de dizer mais a este res-
peito.
Necessario em relação á mor"I do homem , e por conse-
quenci3 a sua existrncia , o repouso do Domingo é lambem incJispe.n-
sa vel á honra nacional. Não ignoraes quanto a irreligião tem des-
honrado a França. A mjustiça, a fraqueza , as dissenções sangui-
nolentas lhe, ·são hoje communs como ás outras nações ; mas ha uma
deshonra que Jhe é particular : t; a profanação escandalosa do Do-
mingo. Cumpre que todos saibam , que -a transgressão d'esta sa-
grada lei do repouso da semana , tain antiga como o mundo, e tam
religiosamente observada em todos os- lugares que o sol allumm, nos
põe no infimo gráo da estima universal. Na Europa elimina-nos das
naçoens civilisadas; na Africa, dá-nos entre os Barbaros o fôro de
caens. Quem obstará á imperiosa necessidade de acabar com simi-
h:-inl•~ ignomini~ , e resl.abelecer as bases da sociedade? Será o in-
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OE PERSEfERANÇA. 283
lel'essc do commercio e <la industria ? Mas uma só palavra basta
para responder-vos: olhai para a Inglaterra ! Alli observa-se reli-
giosamente a. sagrada lei do repouso , e é por isso o seu commer-
cio menos florescente que o nosso ? prospera menos a sua indus- '
tria ? Lembre-se bem a sociedad_e desta <1uestão de vida ou de mor-
te. Não ha sociedade sem Religião, não ha Religião para tres quar-
tas partes do genero humano , sem a saoctitfoação do Domingo. E'
pois verdade que o te'rceiro mandamento de Deus é uma base do
edificio social , uma. segurança para o rico , e um benificio para o
pobre.
7. º Motivos que permiltêm trabalhar ao Domingo. Deus, po-
rem, nosso verdadeiro Pai, exige a obediencia de ~eus filhos mais
por inleresse d'elles que pelo seu ; e assim nos dispensa d'observa1·
o preceito, sé pnra isso ha Jllolivos sufficienles. Muitas rasões po-
dem desculpar o trabalho servil ao Domingo ou dia santo: 1. a 0
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284 CATl~CISMO
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IH'.!' PERSEVERANÇA. 28ã
e unico negocio, para o qual estamos n'este mundo. Oe que
nos serviria ter lucrado o mundo todo , se perdermos a alma? De
mais , lembremo-nos que qlljlndo nos seja permillido occupar-nos em
obras servis , não estamos ·por isso dispensados d'uuvir Missa. Seria
· grave erro lerem-se por dispensados d'esta obrigação aquelles , que
em caso de necessidade podem trabalhar aos Domingos e Dias San-
tos no tempo da ceifa , da vindima e das colheitas (1 ).
8.º O que se ordena pelo terceiro mandamento. Depois de
prohibir todas as obras , que podem oppor-se á santificaç,ão do Do-
mingo , prescreve ainda o terceiro mandamento o que nPste dia nos
cumpre essencialmente fazer, com pena de incorrer em peccado mor-
tal (2) ; mas antes de tratarmos disto , bom é que notemos que o
ouvir a palavra de Deus , assistir á calhechese com piedade e de-
voção (3) , receber os Sacramentos, ler livros devotos , visitar o
Santissimo Sacramento , ,ensinar os ignorantes , consolar os pobres e
enfermos; em uma palavra ' fazer, segundo o estado e condição de
_cada um , as obras de misericordia espiriluaes e corporaes, são ex-
cellentes meios de sanctificar os dias de preceito. Assim usavam fa-
zer os primeiros christãos , nossos pais e modêlos na fé. Vemos da
historia ecclesiastica, de <1ue _trataremos na terceira parte desle Ca-
tecismo , com que assiduidade e ar.for assistiam ás instruc~.ões dos
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. I
'.286 Ct\'rnCIS~IO
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-DE· PERS.EVERANÇA. 287
Que diremos, pois, d'esle augusto Sacrificio ! Quando tivesse-
mos a lingua dos Anjos~ ainda não poderiamos exprimir dignamente
a excellencia d-'esle sacrificio sublime. Tudo o que se pode dizer é,
r que a Missa é a continuação do Sacrificio da Cruz. E' o mesmo Sa-
eerdote e a mesma Victima ; isto diz tudo. Por isso todas as hon-
ras que dão a Deusº'os Anjos, com suas homenagens, e ,os homens
com suas virtudes e austeridades, seus martyri os e obras pias, não
lhe podem dar tanta gloria como lhe dá uma só Missa. A rasão é
manifesta : toda a honra que -qualquer creatura possa dar a Deus, é
sempre finita e limitada ; mas a honra que Deus recebe pelo Sacri-
ficio- ~os nossos altares ,- dada como é por uma Pessoa Divina, é uma
honra infinita. O Sacrificio da Missa e a obra mais santa, aprazivel
e digna de Deus (1)'; a que mais efficazmente desarma a sua ira,
e mais terrivelmente combate as potencias do inferno ; a que mais abÚn-
dantes graças alcança a_o homem viador, e dá o mais seguro allivio ás
Almas do Purgatorio ; em fim , é a obra a que está ligada a salva-
ção do ..mundo. Ao santo sacrijicio da Missa ; diz um Padre ·da
Igreja, deve a terra a sua conservação. A não ser este sacrificio, ha
muito que os peccauos dos homens a teriam anniqu ilado. (2).
:Mas o sangue do Corde_iro Divrno , immolado desde a origem do
mundo, derramando-se por toda a terra , de dia e de noute , sobre
nossos allares , como outr'ora sobre o monte Calvario , allrahe e
oblem ,perp~tua misericordia. Que digo? Estas torrentes de sangue
divino não só susteem o raio sobre nossas cabeças , senão que nos
alcançam as mais abundantes bençãos. Uma só Missa tem tanta
~efficacia para a gloria de Deus e sal\'ação dos homens, como o
mesmo Sacrificio da Cruz (3). l\las para que nos . aproveite o Santo
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288 CATECISMO
. .
, Sacrificio da Missa , e satisfaçamos ao precPito da Igreja, requerem·
se muitas cousas ; a saber : · respeito , altenção , devoção , integri. .
dade.
Respei"to. Prostram-se os Anjos , que rodeiam o altar no tre-
mendo Sacrilicio , e cobrem a face com suas azas ; pois Jogo tam~ ·
bem nós levemos , pelo menos , áos Santos Misterios , um vestido
modesto e um completo recolhimento. Falta ao respeito devido - á '
:Missa aquelle , que está em posição indecente ; que leva lrages ou
adornos indecorosos ; que está olhando para uma e outra parte, ou ·
rindo e conversando ; que não ajoelha quando deve ; em uma pa-
lavra que entra na Igreja ou eslá nella sem respeito como se Deus
não estivesse presente. Oh ' quanto são reprehensiveis os ChrÍstãos,
cujo exterior , e comportamento ao augusto Sacrificio , faz .duvidar
se elles leem fé , ou se alli não vieram para insultar, antes que
adorar a Deus ! Se nosso Senhor expulsou lám indignado os pro-
fanadores do templo de Jerusalem, como olhará elle , e corno tra-
tará aquelles, que assim profanam o Santuario mil vezes mais au-
gusto? ·
Certo mancebo da corte de Alexandre Magno , estando a ajudar
· a uma Misssa mandada dizer por aquelle príncipe , como tivesse na
mão o thuribulo , e lhe cahisse n'um braço um carvão em braza ,
supportou o fogo sem dar o menor gemido, nem aintla sacudir o
carvão ; porque temia que o mais ligeiro movimento perturbasse a
ordem do sácrificio , e que Alexandre se offendesse. Este facto, re-
ferido por S. Ambrosio , é bem adequado para confundir milhares
de Chnslãos , que tam pouco respeito leem a Jesu Christo no seu
templo , e até na presença do seu augusto Sacrificio.
Attenção. Não basta assistir á Missa com o corpo ; é preciso
assistir com a alma, ouvindo-a com intenção e allenção. Não cum-
pre o preceito aqueJle , que assiste á Missa só para ver a Igreja ,
ou esperar um amigo , ou ver esta ou aquella pessoa , ou porque é
obrigado por violencia. Dizemos por piolencia, porque o filho que
ouve a Missa só com o temor de seus pais , ou de seu su-.
perior , se com lu~o a ouve altentamente , .satisfaz ao preceito, ape-
zar de peccar pel~ má · vontade que tinha de a não ouvir se pu-
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UE PERSEVERANÇ·A. 289
desse. Mas não é necessario ler intenção de cumprir o preceilo ;
para satisfazer, basta ouvir Missa affeclivamente (1).
Alem da intenção ,d>ouvir Missa , é preciso altender a ella ao
menos virtualmente. Para conhecer se temos a necessaria altenção
distinguiremos duas qualidades de distracções , a saber , voluntarias
e involuntarias. Occupar o espirito durante a Missa , com cousas
estranhas, negocios, prazeres, frivolidades ; entregar-se ao somno,
conversar , vo1tar a cabeça de modo que não obse.rve o que se passa
no altar , e ter advertencia disto sem fazer esforço para tornará ora-
ç.ão, é distracção voluntaria, que destroe a atlenção. Se tal dis-
tracção dura grande parte do Sacrificio pecca.:;se , e. não se ouve
Mfssa. Deve o que assim peccou ouvir outra se pode. Dislrabir-se
voluntariamente durante a Missa, entreter o espirilo com mil pen-
samentos vãos -, é imitar aquelles soldados pagãos, que jogavam ao
pé ·da Cruz, sobre a qual morria, para sua salvação, o Filho Eter-
no de Deus.
As distracções involuntarias são aquellas que experimentamos a
nosso pezar, e que repellimos logo que temos advertencia. Estas
não são culpa veis, nem destroem a atlenção virtual de ouvir a
Missa. O meio d'evitar as distracções é escolher , podendo, algum
Jogar que favoreça o recolhimento ; ir lendo no livro as orações do
Sacerdote , ou unir-se a elle na intenção , ou resar o rosario , não ~
sabendo ler. Outro meio de não ter distracções ao Santo sacrificio é
sair de casa com recolhimento , e t.lizer , ao entrar na lgreJa, a todos
os negocios d'este mundo , · o que dizia S. Bernardo: Pensamentos
estranhos , cuidadQs da vida , affeclos da terra, ficae á porta.
Devoção. Ouvir a :Missa com animo de sahir melhor deJla ; ter
intenção d'honrar a Deus, amando e confiando no Senhor ; desejar
immolar-se no altar com elle , e não viver senão segundo o seu es-
pirilo e as suas maximas, é O!_lvil-a com devoção. Quanto mais rara
é esta disposição, mais devemos pedil-a a Deus com inslancia, e es-
. forçar-nos por formal-a em nós ! Quantas pessoas vão á missa sem
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290 CATECIS:tlO
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,•
Jij-: PERSEVERANÇA.
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CATECISMO
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UR PER~EV~RANÇA.
que Yás , tornou o pagão , antes iras comigo sacrificar aos deuses ;
hoje adoramos o sol : e logo lhe arrancõu o veo que lhe occultava
e
o rosto. Forcejou Anysia por impedil-~ soprando-lhe na cara dis-
se-lhe : Vai-te, miseravel, Jesu-Christo le castigará. A isto lira da
espada o furioso soldado , e crava-lh'a no coração. Cahio banhada
em sangue a innocente Virgem , martyr da observancia do Domingo;
mas apenas o seu corpo jazia sem vida ' sua alma ' coroada .. de glo-
ria ; subia a adorar, no altar do Ceo, o Coi'deiro Divino, que o Sa-
cerdote immolava sobre o altar da terra.
Este mandamento , como os demais redunda lodo em vantagem
nossa. A não ser este dia d'oração e repouso, a nossa alma , toda
occupada -dos cuidados e negocios terópóraes, breve se esqueceria do
seu ultimo fim ; e o nosso amor , em lugar de se purificar, cada
vez se aviltaria mais, e a pouco espaço eslariamos similhantes aos
pagãos. E' 1slo exactamente o que se nota nos povos que deixam
de santificar o Domingo. Ora , o nosso amor, concentrando-se nos
bens do tempo , torna-se origem continua de calamidades : a ambição,
a avaresa, a voluptuosidade, ficam sendo a unica regra d'aquelles ,
que se. esquecem da vida futura ; e são eslas tres paixões que as-
solam o mundo. E' pois verd_ade inconteslavel, que a Santificação
· do Domingo é tam necessaria ao repouso da sociedade, como á sal-
vação do homem. Quem , pois , vendo as nossas profana-
çoens não temerá do futuro ? Quem não derramará amargas la-
grimas, vendo que o dia do Senhor, para a maior parte d'aquelles
mesmos que se dizem Christãos , é hoje o dia do demonio? Deve
• ser elle consagrado ao serviço de Deus, e á salvaç.ão da alma ; e é
pelo contrario nesse dia que mais se otfende a Deus, e mais se fere
a alma com profundas feridas. Ai de nós, ai de nós ! que as fes-
tas do Ceo eslam mudadas , por sacrilego abuso , em festas do in-
fer·no !
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O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças
por haverdes perpetuado o augusto Sacriticio da Cruz, immolando
por nós todos os dias o vosso Divino Filho sobre os allare·s do uni-
verso . Reanirnae , Senhor , a minha fC , e a minha devoção ; -
a fim que eu assista sernpré christammente ao santo Sacrificw da
"Missa.
Eu protesto amar a Deus sobre .todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e, em testemunho deste amor:
assistirei todos os dias á 1)/issa espiritual ou. corporalmente.
1
L.lt LIÇÃO.
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DE P~RSEYERANÇA. 295
proximo ; porque vive em sociedade com Deus e cooi os seus simt-
lhantes. Os tres mandamentos que ficam explicados, e que formam
a primeira taboa ela lei , regulam pois lodos os nossos deveres para
com Deus ; e todos estes deveres se reduzem a um só , que é amar
a Deus sobre todas as cousas. Os outros- sete , que com poem a se-
gunda taboa, leem por objecto os nossos deveres par-a com o pro-
ximo ; e todos estes deveres se reduzem a um só , que é amar ao
proximo como a nós mesmos , _por amor de Deus. D'est'arte, posto
que estes maudaÍnentos lenham por objecto immedialo a charidade
para com o proxim<> , . teem essencialmente a Deus por termo ; pois
que pelo amor de Deus devemos amar ao proximo. Eis porque
Nosso Senhor disse , que os mandamentos d'amar a Deus e ao pro-
ximo são similhan_tes , e encerram em si a lei e os Prophetas.
Eis aqui , pois, o quarto mandamento : Honraras a teu pai e
a tua mãi, e viverás longa vida (1). Se a primeira taboa da Lei
começa pelos nossos deveres para com Deus, nosso Creador, e pria- -.
cipio de toda a paternidade, justo era que lambem a segunda, con- -
sagrada aos nossos deveres para com o proximo , começasse por
nossos pais e mães? ·Associados d' algum modo ao poder creador do
, mesmo Deus , são elles os auctores da nossa vida o primeiro , e o
?
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296 CA'ft.:CISJ\10
áquelles que nos ·deram o ser, mas lambem a todos os que nos ·
servem de pais e de mãis , seja pela aucloridade que leem sobre
nós ·, seja pela sua dignidade, ou pela necessidade que temos d'elles ;
seja pela excellencia das suas funcções, ou pela sua idade ; em uma
palavra , por pais e mãis entende-se aqui todos os superiores : na
Igreja , o nosso S. Padre o Papa , os Bispos e todos os Pastores ;
no Estado , o Monarcha , os Principes e to~os os magistrados ; e bem
,assim os velhos.
Esta palavra honrar significa em geral estimar alguem , ' e fazer
grande caso de tudo o que se lhe refere. Com muita rasão , pois ,
empregou Deus a palavra honrar neste mandamento, e não amar ou
temer , posto que sejamos obrigados a amar e temer a nossos pais
e mãis. Aquelle que ama alguma pessoa nem sempre a honra, e
o que a leme ainda é mais natural que a não ame sempre ; pelo con-
trario , o que honra sinceramente alguma pessoa\ lambem a ama
e teme. Ora, a honra . que devemos a nossos pais encerra quatro
deveres que passamos cuidadosamente a explicar : o respeito, o amor,
a obediencia , o soccorro.
1. º O respeito. Nossos pais e mãis estam a nosso respeito no
Jogar do mesmo Deus. Eis o fundamento de sua dignidade e a ra-
são do respeito que lhes é devido. Deve este ser interior e exterior :
o- interior consiste em lhes ser 'docil , submisso . e obediente , se-
guindo os seus conselhos, ouvindo suas advertencias , tomando suas
. reprebenções. Serão muito culpados os que não -fizerem caso de
suas admoestações , e inda mais evidentemente culpados os que se
rirem d'ellas e lhes correspomlerem com malicioso silencio. O res-
peito exterior c~rnsiste em manifestar o mesmo respeito interior aos
pais por acções, palavras e maneiras humildes e submissas ; seja qual
for sua idade , pobresa ou enfermidades.
Foi assim que Joseph , que era, abaixo do rei a pessoa mais
poderosa do Egypto, recebeu com as maiores demonstrações d'honra
a seu pai Jacob. Assim Salomão, vendo sua mãi , que vinha para
eHe, se levantou , e depois de a saudar a fez sentar no se~ lhrono
á sua direita. Assim se fazia entre os Persas, onde os filhos se não
assentavam nunca em presença dos pais. ~ario , não obstanle ser
rei , conformou-se religiosamente com esta pratica. Quanlo"não con-
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DE l'ERSEHRANÇ~. 29i
dcmnam estes exemplos os fi,lhos christãos, que peccarn contra ores-
peito devido a seus pais despresando-os , aborrecendo-os , e enfa-
dando-se de os ouvir ; voltando-lhes as costas, fechando-lhes as portas _
com <lesdem e colera ,, faltando-lhes asperamenle, contrariando-os e .
respondendo-lhes com insolencia ; ameaçando-os murmurando d'elles,
e assoalhando suas fraquezas e defeitos ! E' lambem faltar grave-
mente ao respeito devido aos pais o intenlar processos contra elle!!,
ou perseguil-os nos tribnnaes . .
2.º O amor. Tam corrompido está o coração e.lo homem, que
precisa Deus ordenar-lhe. por um man<lamenlo expresso, que ame a
seus pais! e para o incitar -a cumprir este mandamento ihe promel-
ta a mesma fecilidade temporal !
Quam depravado está o c_oração do homem , que carece desles
eslimulos , quando é lei da natureza , commum aos mesmos leoeos
e tigres, amar aque1les que lhes deram a vida ' Pois se não fora
tam ~rande a malicia humana quanto mais não devia esta lei ma-
nifestar-se em nós? Que dores, pezares , affiicçoens; trabalhos e vi-
gilias não custamos a nossos pais? Abaixo de Deus, nfo ~ a elles
que tudo devemos? Filhos desnaturados ! é este o nome que con-
vem aos que não amam a pai e mãi , e que, em lugar de os amar,
os contristam, tratando-os com indifferença , aborrec1mtinlo ou aver-
s~o. Como poderão os filhos chrislãos , que sabem que se devem
amar os inimigos e fazer-lhes bem , como poderão , digo, não ser
affeiçoadissimos áquelles, sem os quaes não exisliriam, e que lan-·
lo direito leem á sua ternura , pelos serviços que lhes prestaram, e
pelo bem que não cessam de lhes fazer!
~las o amor dos filhos para com os pais, para ser amor cbris-
tão, ba-de nascer d'um principio sobre-nàtural, isto é, amai-os com
os olhos em Deus , por amor de Deus, e porque Deus assim o man-
-da ; amai-os em suas almas e seus corpos , desejar-lhes , fazer-lhes.
proéurar-lhes lodo o bem espiritual e tempor.al que rasoavelmenle
puderem. ·Portanto, quaesquer que srjam os defeitos ou virtudes de
nossos pais , nunca devemos deixar d'amal-os , desejar-lhes e fazcr-
lhes bem. Peccam pois contra a piedade filial os que no coração
nutrem aversão ou ouios contra seus pais ; ou que lhes querem mnl
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~98 CATECIS.\IO
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Filho tlc Deus obedeceu a duas das suas rreaLuras ! O Evangelho
escreve, em qualro pala\'ras , a hisloria da sua infancia , e da sua
mocidade , dizendo de Maria . e Joseph , que lhes ~ era submisso ! et
erat subfüus illis. Que filho, pois , ousará desobedecer a seus
pais!
-i. º O soccorro. A piedade filial , para não ser esleri 1 , ha-t.le
1
patentear-se nas obras. E de\'er dos nthos soccorrer seus pais nas
suas necessidades temporaes e -espi riluaes , tendo-se por felizes em
poderem restituir-lhes part~ do que receberam. Foram elles que sus- _
- tentaram, Yestiram e educaram os filhos ; pois é justo que estes lhe
retribuam, quando se offerece occasião, sustentando-os , vesliudo-os
e procurando-lhes lambem todos os soc'corros, qtre a sua pobresa,
enfermidades e \'elhice reclamam. Em uma palana, devem os filhos
~ havn-se Je, modo, que possam os pais dizer, como os de Tobias:
1'u és o nosso querido fillto , a foz dos nossos olhos , o amparo da
nossa velltice, · toda a consolarão da nossa vida (1 ). Posto que a
ourigação de soccorrer os irmãos e irmãs não seja tam rigorosa como
a de soccorrer os pais , com tudo , em rasão da consaguinidadc , é
maior esta obrigação que a de soccorrer os estranhos.
Se o filho deve .a seu pai e mãi os soccorros corporaes , com
quanta mais rasão os espirituaes, sobre tudo quando eslam doentes !
Prirueframenle é obrigado o filho a orat· por elies ; tambem, segun-
do as circumstancias : adverlil-os dos seus deveres , mas com todo
o respeito , prudencia e charitlade possi,'el. Em fim se os pais es-
tarn enfermos _devem os filhos lrabalhar _com toda a diligencia em os
dispor para bem morrer . . Assim liz<\ram em todos os len1pos, e assim
fazem ainda _os filhos verdadeiramente cbrislãos. Sirva de exemplo,
entre mil outros, um virluoso Chinez, cuja exemplar charidade não
podemos deixar de referir. Este .christão, de ídadé de setenta annos,
chamado Pedro Amia , habitava em 1747 a cidade de Singapor. Um '
seu compatriota lhe veio uizer que sua mãi , a quem deixara- ·na
China já mui idosa , estava enferma, no ultimo e.la vida, e (!esgraça-
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:wo CAl'f.ClS!\10
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llE PEllSEVlfü..\NÇA. 301
ceder-lhe a graça, com que elle quebrou as infernaes cadeias que o
prendiam.
Com effe1lo , promelle o quarlo rnandamenlo , aos que o obser-
vam ' uma longa vida ; isto e' benção temporal, que são os largos
annos; espiritual, que são parliculares graças para a salvação; .e eterna,
1wrqne a benção dos pais traz aos filhos uma boa morte.
Sim , Deus promette recompensas ainda temporaes áquelles, que
fielmente observarem o quarto mandamenlo: isto é oe fé ; e o pri-
meiro fructo d'esla fidelidade é a longa vida. Que cousa mais jnst.a do
que gosarem d'um heneficio o mais longo tempo possi'vel aquelles ,
que se não esquecem cJ'elle? Os filhos, pois , que honram a seus
pais e mãis, e lhes são gratos pelo bt~neficio da vida e da luz que
d'elles receberam, leem direito a gozar da vida por dilatados annos.
Mas , para que esta prolongação de vida sC'ja ,·erdadeira recompen-
sa, hade ser feliz , e abençoada . Notemos, pois , que Deus não
promente só largos annos aos bons filhos ; mas lambem a paz, a tran-
quillidade e a saude necessarias para serem ditosos. As3im a Es-
criJ;fura não diz só , para que vivas largos annos , mas lambem
para que sejas feliz sobre a terra (t). Eis os _bens concedidos.áquel-
les , a quem Deus quer recompensar a pietlade filial ; bens que cer-
tamente possuirão , pois d' outra sorte não seria Deus fiel e constante
cm suas promessas.
Todavia, não aconlece terem ás vezes uma vida breve esses.fi-
lhos , que observam a piedade filial para r.om seus pais '! Respon-
demos que , se assim é , são isso 1. º excepções , que confirmam a
regra, 2.º que Deus o pennitte para seu. .maior bem, chamando-os
a s1 antes que tenham abandonado o caminho da piedade e do de-
ver: são tirados d'esla vida, para que a malicia não corrompa o
seu espirito (2) ; ou para que , livres dos laços do éorpo, não sejam
i1m>l\'idus nas ~lesgrat;,as e perlurbaçoens que ameaçam o mundo ;
ou lambem para lhes - poupar a dor que os opprimiria á. vista dos
f1) Dcul. V , 16 .
('.:! \ Sap. lV, 10.
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302 CATECISMO
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303
~
lavra , ludo o que da parle dos pais p6de ser nocivo á vida ou saude
da rreança no utero materno é peccado mortal. Depois que nas-
ce, são obrigados o pai e a mãi a velar por ·elle , que lhe não
succeda mal , ou tenha algum desastre com que fique aleijado, ou
morlo. Deixar uma creança só, com perigo de se queimar ou afo-
gar , ou de fazer alguma acção má , ou castigai-os a grandes golpes,
é ordinariamente gravissimo peccado. Fazer dormir comsigo, ou com
pessoas grandes , uma creança em idade ainda tenra , é lambem da
parte dos pais e mãis mui culpavel imprudencia.
O pai . e a mãi são obrigados conjuntamente , cada um segundo
as suas faculdades , a su~tenlar , vestir e educar seus filhos SC'gun-
do o seu estado e condicção. A mesma natureza nos prescrev'e esta
1
lei , se bem que- muitos a infringem mais por excesso que por de-
feito ; queremos dizer, que dão a seus filhos muito mimo , e os tra-
tam com demasrnda .delicadesa : vestindo-os com luxo exquisito, pro-
curando-lhes ou permitindo-lhes prazeres que não convem á 'sua ida-
de , e deste modo excitando sua ambição e vaidade , com gostos ·e
inclinações improprias da sua condição. Não é isto só um pessimo
serviço que fazem a seus tilhos e a si m~$mos, por que muitas ve-
zes estes , creados acima da suêl' condição despresarn seus pais ; mas
lambem um máo serviço feito á sociedade, pois é nella causa de mil
desordens.
Alem da nutrição, islo ·ê , do necessario á vida corporal, devem
lambem os pais e mãis a seus filhos· a vida civil , attendendo ao
seu futuro, e procurando dar-lhes estado conveniente á condição dos
pais e vocação dos filhos; e peccam morlalmente. quando, por in-
dolencia ou desperdicios , se poem em estado de não poderem cum-
prir com este dever, que é dos mais importantes para o pai de fa-
milias. .Aqtte.Ue que não tem cuidado dos seus , e particularmente
dos da sua casa, diz S. Paulo , renegou da Fé, e é peior ·'que o
infiel ..
2. º A instrucção. Se os pais de, em a seus f'lhos a vida cor-
1
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304 CATECISMO
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DE PERSE V.:RA NÇA. 305
que refere S. Agostinho (1) , e d'outros constantes das historias, ci-
taremos um só , que é mui recente , referido em 18~8 por um dos
nossos missionarios das lndias : Certa christã malaia , chamada
Anna , ~nviuvando , ficou sem consolação nem meios d'exislencia ,
senão o que lhe dava seu filho unico , que ella tinha casado : ·mas
um horroroso successo em breve lhe Jevou lambem seu filho e sua
nora , ficando dia só com um neto , chamado Joanni. 'Fez a po-
bre mil sacrificios , para o crear , e lhe deu estado , casando-o com
uma jovcn christã chamada Beslianna, de quem elle se enamorara.
Seus netos porem 1he perderam o respeito e allenção devida á sua
idade e bondade ; pelo que a avó irritada trouxe-os á presença do mis-
sionario, e alli os amaldiç.oou em um accesso d'ira. Debalde pro-
curou o missionario socegar aqnella mãi , ferida no coração; em vão
lh~ representou que tal maldição sempre traz comsigo desgraças , e
que ella mesma ·havia de chorar um dia o ter sido ouvida : Desap-
pareçam elles , um e outro • diz ella , Deus os castigue e seus dias
acabem logo.
Segundo a palavra do Espirito Santo, são horrorosos os effei-
los de taes imprecações : e n'esta occasião não tardaram a manifes-
tar-se. Passados poucos mezes , morreu Bestianna qnasi de repente,
e começou Anna a verter lagrimas. Apezar do desconlentamen!o que
lhe tinha causado seu neto , era elle o que lhe acudia nas suas ne-
cessidades , e ella linha já recobra~o o seu coração de mãi, e agora
pedia a Deus se dignasse converter e conservar o seu netmho ; e
assim foi procurar o missionario e pedir-lhe que desviasse do seu
Joanni a maldição que ella tivera a desgraça d~ pronunciar contra
elle. Deus , porem , quiz sem duvida perdoar na eternidade o
peccado do neto e o de sua avó , ex·ercendo n'este mundo a sua jus-
tiça sobre elles. Adoeceu Joanni e morreu santamente. A 16 de
Março , orava eu na Igreja por este pobre moço ; e acabado o ser-
viço funebre, quando levavam ao cemiterio os restos morlaes de
Joanni, então foi ouvir os suspiros e o lastimoso pranto da infeliz
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306 C_ATECISMO
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307·
os pais procurar que seus filhos sigam a sua vocação ; e- ajudai-os a
conhecei-a por seus conselhos e orações. Commetterão grande pec-
cado, se os obrigarem contra vontade a deixar o estado a que Deus os
chamava , e a seguir outro. -
Emfim de, em os pais e mãis ~mar a seus filhos em Deus e por
1
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308 CA'l'l~CISMO
(1) Suh1ccl1 eslole omn1 humanre crcaturc.e propter Deum, si,·e regi
qnas1 prrecellenli, si,·e ducibus tanqnam ah co miss1s, ele. I Petr. li ·
- Ornais anima poteslalibus sublimioribus subdita sil: non cst emm po-
testas nisi a Oco. llaque qui resistil 1ioteslat1 Dei ordinatiooi resistit·
Jlom. XIli. - Coram rano capite consurge , eL hooora persooam senis, et
lime Dominum neum tuum. Levit. XIX. - Scniorem ne iocrepaveris. ll
Timoth. V.
(2) Ephcs. VI; 1 Tirnolh. Y , 8.
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309
Por este prrnc1p&0 , adv-erle S. Agostinho aos amos , que se consi-
derem como os Bispos dentro das suas cazas, e como taes olhem
pe.lo comportamento de seus domesticas , e atlendam ás suas neces-
sidades espirituaes (1). Os mestres, aios e professores, cm uma pa-
lavra, todos os que eslam encarregados da inslrucção e educação da
mocidade, sendo como são , deposilarios da confiança dos pais , e
da sua auctorida<le paternal , devem procurar com diligencia que
seus. discípulos se auiantem na piedade e na sciencia , e peccam
gravemente, já entregando-os a si mesmos , sem vigiar por suas
acções , nem obrigal~os a cumprir os devr.res religiosos ; Já não os
., preca vendo contra tudo o que possa ser nocivo á sua innocencia e
saude ; já deixando-lhes cair nas mãos livros perigosos para os cos-
tumes ou para a Fé ; já em fim ·dando-lhes máos exemplos (2).
Quanto aos deveres dos superiores em geral, são elles sim1lhan-
tes aos dos amos , porque os superiores sã.o ministros de Deus para
o bem. Ora, o bem do homem é o seu fim , e o sen fim é a sua
sanclificação. Todos aquelles, pois, que são superiores, como os Reis,
ou o Papa devem procurar antes de tul!o a gloria de Deus e a sal-
vação dos seus inferiores. Para isso foi que Deus lhes· confiou par-
le da sua auctoridatle. Cumpre-lhes lembrarem-se sempre de Nosso
Senhor , (jUe é o novo Adam , o perfeito modelo de todos os sn-
per,ores, que, não contente com ensjnar, edificar, reprehender e
guardar os seus inforiores , levou o sacrilicio a ponlo de morrer por
clles. E' pois para estes um dever sagrado, seja qual fôr a forma
do governo, o proteger os interesses de cada um , fazer e mandar
fazer justiça · dar liberdade aos subdilos , Ít;lO é , a faculdade de
fazer bem ; reprimir a licença ; fazer respeitar as leis da Religião ·;
impedir a publicação dos li~ros impios. ou immoraes ; em fim, dar
o exemplo da Fé, e do fiel cumprimento de lodos os mandamentos de
Deu e ·da Igreja. Superiores , tanto espirituaes como temporaes,
Je-mbrai-vo bem de que sois · feitos para vossos inferiorbs , mais do
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il10 CATEClSMO 1
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DE PERSEVERANÇA. 311
povos christãos , conhecei em fim a causa de -vossas desgraças , e
o remedio aos males que vos consomem. Amando loucamente a in-
dependencia , tendes violado o quarto mandamento ; despresaes a au-
ctoridade... qualquer que seja seu nome ; tapaes os· ouvidos , para
não escutar a voz do Supremo Legislador que . vos diz : Honraras a
teu pai' e a tua mãi,-para que vivas lm·gos annos. E eis que as revo-
luçoens , as guerras sanguinolentas , as subversões continuas, se
apressam a justificar a Providencia , ensinando-vos que o preceito
que diz : Honraraz a teu paz' e a tua mãi , para que viiias largos
annos não é uma palavra vã.
Povos e familias , não vos sejam inuleis tanfas lagrimas e san-
gue derramado, tam dura e prolongada experiencia ! -Tornai em
vós , observai o quartl) mantlamento , e vereis mudada a face da
terra. A auctoridade torna-se sabia ; é Deus quem IDanda; a obe-
diencia , suave, constante e exacla ; porque ella é nobre ; não é já
ao homem , mas· sim a Deus que o inferior obedece. O amor re-
assume o seu imperio, e com o amor volve a união dos corações,
a união que faz o encanto da vida e a força das familias e dos
povos; e os particulares, e as familias e os -povos, honrando -a seus
pais, vivem largos annos na terra, convertida já em um anltcipado
paraiso. A experiencia pessoal , o raciocinio, a observação , a his-
toria antiga e a conlemporanea, eis as testemunhas da causa ; chamai-as
a depor, e todas vos (Hrão com os factos : Honraras a teti -pai e a
tua r:iãi, que este. é o preço da felicidade temporal.
Graças infinilas sejam dadas a Jesu Cbristo que, confirmando
este admiravel preceito , teve por fim fazer c.Je todo o mundo uma
só e grande familia, unida pelos doces laços da. charic.Jade , e res-
t.ilnir assim o 'genero humano ao estado da perfeição primitiva. Se
nem todos os homens leem bastante amor a si ~ mesmos para cum-
prir este preceito , cada um de nós, por amor de si mesmo , pode
conformar-se a elle , e verificar d'est'arte a sua felicidade temporal
propria , que está promettida áquelles , que guarda'm o quarto man-
damento da Lei de Deus.
Terminemos esta lição por um facto historico , que servirá de
exemplo aos filhos e aos pais , bem como a todos os superiores e
inferiores em geral.
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3U CAt~CISMO
..... /
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O~ PKRSKVKRANÇA. 313
o• meu Deus 1 que sois lodo amor , eu · vos dou graças por
nos terdes dallo esle admiravel mandamento , cuja obscrva11cia nos
torna felizes já neste mundo : permitti , Senhor , que fielmente o
observemos sempre.
Eu pro~esto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus , e em teslemunho d'esle
amor, obedecerei christãmente a todos os rneus superiores.
LI.ª UÇÃO.
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CAlECISr\itJ
v1\'am uns para os outros, prohibe IJpus pelos outro~ seis manda-
menlos ludo o que pode prejudicai' esla felicidade e perturbar esta
!
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llE í'ERSHl''.ll..\:"ICA
I •
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CA Tl~CIS~IO
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1m Pt:RSF.\'ERA ~ÇA.
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CATECISMO
esse feroz prcJmso, que µõe todas ~B virtudes na ponta d'uma <'S-
pada , e que só serve para crear gl·anc.Jes malfeitorPs. Mas em que
conr,isle esse horroroso prPj u1so? Na opinião mais extra vanle, e bar-
bara que entrou em cabPça humana ; que vem a ser , <1ue lodos
·os d~v<.~res da sociedade são subst1luidos pela bravura; que um ho-
mem deixa de ser burlão : velhaco , trapaceiro , calumniador ; e fii.;a
sendo civil , humano .e polido , quando se- sabe bater ; que a men-
tira se muda em verdade , o rouho em din•Ho, a pe1fidia em hon-
ra', a infidclida<le · em gloria , com tanto que se suslenle tudo islo
com o ferro em punho; que fica muito bem desaggrarnda uma
affronla , com uma rutil_ada , e que se não fpz mal algum a um ho-
mem , em o matar. Bem st'i que ha onlra esperie de duelo , no
qual a genlile~a se junta á cru.-ldade, e os combalentes se matam
ao acaso : chamam-lhe o primeiro sangue ! Santo Deus ! e qne que-
res ln . ó fera , fazer d'esse sangue? queres bebei-o? _
cc Dirão que u.m du~lo d1:.H11nslra coragem ; e que is~o basta para
apagar a vergonha e opprobrio de todos os vícios? PergunlarPi, qtw
honra póde diclar similhant.e decisão," e fJUe rasão póde juslifical-a ?
Por essa regra, se rns accuzarPm de ter matarto um homem, irris
mal.ar oulro para mostrar que não foi verdade. O'esl'arte a virln-
de, o vicio, a honra , a -infamia , a verdade. e a meJ1tira, tudo
resultará da eventualidade d'um combate ; uma salla d'armas é a
séde de torta a jiú;tit.~a; não ha outro direito mais cio que a força ,
onlra razão que o assassinio ; toda a reparação, devida aos offen-
didos. é matai-os ; pois lo1la a (lffensa fica apagada no sangue do
offensor ou do offendido '. Se os lobos raciocinassem , leriam outras
maximas?
« Batam-se embora essa gente (genlc sempre má) ; nada ha
menos honroso que a ho ora que tanto alardeam , e f!UP não é mais
que uma eslulta moda, uma falsa imitação de virtude , li111lm~ dos
maiores crimes. A honra do homem que pensa nobremenle n~o está
no poder d' outrem ; está nelle mesmo, e não na opinião pub:ica. Nem
a honra se defen1le com a espada ou o escu1!o , mas com uma \ ida 1
o honrado ~ ahorrrce-o.
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llE rrnstVEllANÇA.
(1) Legis hujus verhis noo íÍ.a préCscríµtum : nc ali um orrídns; sed
simplicitcr ne occirlas. l'a!tich . Cone. Trid. in Prmcept. V.
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320 CArt:CISMO
vontade , lambem não devemos sahir delle senão por ordem de Deus,
que aqui nos tem (1 ). »
Não só não é permitlido o suicidio em caso algum , mas nem
ha allenlado mais funesto para quem o commelte , porque privan-
do·se da vida temporal dá a si mesmo a morte eterna. A' voz dos
Santos _Padres accresce a dos philosophos , e a dos mesmos impios.
que condemnam e estigmatizam o suicidio. Ouvi ainda Rousseau : »
Queres deixar de viver ; mas eu pergunto se já começaste ? Que !
tn vieste ao mundo para não fazeres nada? Não te impoz o Ceo ,
quando te deu a vida , algum dever para cumprir? Se acabaste a
tua obra antes da noute , pódes descançar o resto do dia ; mas ve-
jamos se a acabaste. Que resposta tens tu prompta , para dares ao
Supremo Juiz , quando te pedir cqntas do leu tempo? Desgraçado !
Procura-me esse justo, que se lisongea de ler vivido bastante; que-
ro perguntar-lhe como é preciso viver, para ter o direito de deixar
a vida.
(( Relatas os males da humanidade, e dizes: A vida é um mal.
Mas repara, vê se achas na ordem das cousas alguns bens que não ·
tenham mistura de males. Podes·á d'abi inferir-se que nã·o ha bem
algum .no universo, ou confundes tu o que é rnáo por sua natureia
com o que soffre o mal só por accidenle? A vida passiva do ho-
mem nada é , e não diz respeito senão a um corpo de que elle bre-
, ''e estará livre ; mas a sua vida activa e moral ,' que deve influir
em todo o seu ser , consiste no exercicio da sua vontade. A vida
é um mal para o afortunado perverso ; é u~ bem para o infeliz
honrado : porque não é uma transitoria modificação, mas a relação
della com , o seu objecto , que a torna boa ou má.
(( Enfadas-te com a tua vida , e dizes : A vida é um mal.
Tarde ou cedo experimentarás consolação e dirás : A vida é um
bem. Faltarás então mais verdade , sem discorrer melhor ; porque
nada terá mudado senão tu mesmo. :Muda pois desde já, e pois
qne na má disposição da tua alma é que está todo o mal , corrige
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DE PERSEVERANÇA. 321
os teus affeclos desregrados , e nã.o queimes a casa por não le da-
res ao incommodo de a concertar.
<e Que são dez , vinte , trinta annos para um ser immortal? A
dor e o prazer passam como a sombra; esgota-se a ·vida em um
instante. Elia nada é de si mesma , o seu preço depende do seu
empregü. Só fica o bem que se fez , e só por este é ella a1guma
e
cousa. Por tanto, não digas que o viver para ti um mal, pois
que <.Je ti somente depende que seja um bem ; e se foi um mal alé aqui
o teres vivido, por isso mesmo deves desejar viver. Não digas que
le é permitlido morrer , porque é o mesmo que dizeres que te é
licito não ser homem , que te podes revoltar contra o auclor da tua
exislencia , e illudir o teu proprio destino.
<e O suicidio é uma morte furtiva e vergonhosa. E' um roubo
feito ao genero ·humano. Antes de o deixar, paga-lhe o bem que
Le lem feito. Diras : Eu a "ninguem rertenço, sou inutil no mundo.
Philosopho d'um dia ! ignoras acaso que não podes dar um passo
11a terra , sem que tenhas um dever a cumprir, e que todo o homem
i ulil á humanidade só porque existe?
1
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CAH. IS.ilO
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l.lE l'E!lSEYER .\\~'A.
(1) Math. V, H.
('l) Mal.h. X Ylll. 7.
{3j Math. XVIII, G.
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CATECISMO
(1) Convcnicnlcr <l1citur quod dictnm vcl factum mi nus rccturu prre-
hcns occasioncm rum~ , sit scandalum. D. Th . 2 , 2, q. ~iJ , arl. 1.
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preseru:a d'um Sacerdole , não deverá ser lida por peccado d'escan-
dalo (1). l\las se tal ou tal peccado se c<Hnmelle em publiro, di-
anle de pessoas de differentes idades e condições, então a pessoa
-que o commelle deve accusar-se d'elJe como d'um peccado d'escan-
dalo , em rasão do perigo a que se poz d'esrandalizar ao menos uma
parle d'aquelles, que d'elle tiveram conhecimenlo. Tal é o sentido
destas palavras de S. Agostinho : « Aquelle, diz o santo , que á-
vista do povo vive em má vida , dá a morte, tanto fJUanto póde,
_áquelles que o rnem. Nem socegue a sua consciencia cuidando, que
o espectador ela sua má ''ida não tem morrido. O espectador está
vivo , mas o esrantlalo não deixa de ser homicida (2).
De mil modos se commeUe o pf'ccado d'escandalo. Eis aqui al-
guns: 1. º quando. se ordena • aconsPlha ou pede a algu<'m que faça
cousa que não póde fazer sem peccado ; ou quando se dissuade al-
gm~m de fazer cousa que é obrigado a fazer. E' pois escaudalo o
conviuar alguem para mentir, roubar, vingar-se, embriagar-se, fal-
tar á Missa nos dias d' obrigação ou á confissão annual. 2. º commel-
tem escandalo os filie proferem blasphemias ou palavras torpf's , ou
cantam cantigas deshonestas; os que imprimem, vendem. '1mpre~lam
, ou mostram livros ou gravuras perigosas ; os que comem carne em
dias prohibidos diante do proximo , ou a dão a comer ; 3. º as mu-
lheres que trajam com immodestia , descobrindo os bom bros , ou o
peito ; .i: os que perseguem a pessoas piedosas , rindo-se da sua
0
(1) Noo sempcr est scaodalum, si pecras coram aliis, scd laotum
quando, atteof1s circumslantiis tam persoore ageotis , tam coram quibus
fit actus, potest probabiliter timcri oe per hunc actum trahantur ad pec-
catum, qui alís pecraluri non esscnt. S. Alph. lib. li , o. 43.
(2) De Past. e 4.
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1 •
l'. \TECl~~to
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327
culpa ; mas fará ao menos o qne lhe é possh'el, e o que Deus exi-
ge que faça .
Tenhamos pois um grande honor ao escandalo ; receiemos cair
nelle mais que em uma, fogueira ; e bemdigamos de Lodo o nosso co-
ração ao Novo Adam. que se dignou rodear a vida do nosso corpo
e a da nossa alma de tam numerosas e lam sagradas defensas.
Nada é tam horroroso ao peccador, nada lhe dá tanta inquie-
tllção na hora da niortc • como a lembrança dos escandalos que lC'm
dali o. Reranger, arcediago d' Angers, tiverâ a desgraça de espalhar
no mundo o veneno da heresia , seduzindo. a um grande numero
d'almas. Teve, porem , no fim da vida , um toque de Deus, e se
converteu abju·rando seus erros. Mas na hora da morte, de repente
começou a agitar-se, a perturbar-se e a ficar como espantado. Ir-
mão, lhe pergunta um Padre que lhe assistia , que perturbações e
terrores são esses? Deus é a misericordia mesma; confiai n'elle.
- Bem o sei , respondeo o enfermo , e tenho muita esperança que
altendera ás minhas lagrirnas e se esquecerá dos meus peccados; mas
OS pPccados que por ruinha culpa Se commell.erarn, perdoar-rnos-ha
clle? Ai de mim! que se me afigura estar vendo as almas, que
por minha causa rn perderam , a esperar-me no tribunal de Deus,.
para lhe pedir vingança ; 1_e que o mesmo Jesu-Christo me faz ouvir
1
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-'-
3i8 t.:A'fEt.:ISMO
e quantos malfeitores lhe escapam (1) ! Não nos leem ensinado cfo·
coenta annos d'experiencia , que as leis humanas são teas d'aranha,
que só caçam moscas? Porem, alem d'isso, que seria da vida das
almas , a não ser este mandamento? Que seria da innocencia , e
da honra das familias ? O escandalo desenfreado irá impunemenle
O}Ultiplicando suas viclimas. E que homem haverá que, lendo estas
linhas possa dizer : cc Eu nada devo a este mandamento , nem eu ,
uem meu pai , nem minha rnãi , nem meus irmãos, nem mi~has ir-
mãs , nem meus filhos, nem minhas filhas ! As leis humanas, só de
per si, nos leem co_nservado a \'ida, e a honra, inda mais preciosa
que a propria vida " !
Mas se ninguem pode dizer tal , menos ainda a soci~<lade. De-
mos -pois infinitas graças, cada um de nós, e a sociedade toda, ao
flivino Legislador ; respeitemos profundamente e amemos de todo o
coração e~ta lei , prolectora de lodos os nossos interesses ; susten-
taculo e penhor de todo o nosso bem temporal e eterno .
ORA.VÃO
., •
O' meu Deus ! que sois lodo amor , cu vos dou i_nfiní-
tas gra-ças por me haverdes protegido , com lanto cuidado , a vida
do corpo e da alma , conlra os at.aques dos máos. PermiHi , Se-
nhor, que eu respette muito a vida e a innocencia do proximo.
· Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e, em testemunho deste amor ~
evitarei" dar o mais pequeno escandalo.
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DE PERSEVERANÇA. 329
Lll.ª LIÇÃO.
(1) Non mrecaberis ; non desiderabi~ uxorcm proximi tu1. Bxod. XX. ·
4~ V
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330 . CAn:CISMO
E' elle o que deu cansa a <JUe se · alagasse o rnunlio pelo diluvio.
Por seus c1amores choveu sobre cinco cidades o fogo do ceo, que as
consumio; e o sitio, onde pousaram, se transformou em um lago
infecto. E' este peccado , o que traz comsigo todos os mais pec-
cados; a injustiça , o homicidio , o perjurio , o sacrilegio , o suici-
dio ; que extingue a fé , entorpece o <'Spirito , mata o corpo , e des-
penha o homem na condiç.ão tios brutos. E' por esle peccado que
caem almas no inferno em tanta quantidade, como a geada nas mon-
tanhas por noules d'inverno. - Para o expiar, precisou dignar-se o
Cordeiro de Deus de supportar um particular supplicio ; e tam feio
.. é de si e Iam horrendo , que nem póde nomear-se ; pois só com o
'nome suja os labios que o proferem, e os ouvidos que o ouvem.
Tal é o peccado prohibido em o sexto e nono mandamento (1).
Releva , 1wis , que nos lembremos senipre dos dous seguintes
~)rincipios :
Primeiro principio. Em todos os peccados opposlos ao sexto e
nono mandamento não ha parvidade de maleria ; sflmpre são mor-
taes, uma ''ez consentidos com inteira liberdade, e adverlencia.
Segundo principio : e por isso mesmo que não admittem par-
viLlade de maleria , segue-se que quaudo nos confessarmos devemos
dizer tudo, quanto nestes dous preceitos houvermos rlelinquido.
3.º Suas differentes especies. O fJUe torna este peccado mais
temível , é º~ poder-se commetler de muilos modos: por pensamen-
tos, desejos, vistas, palavras e obras. l\fas , como dilo fica, não
ha culpa mormal se se não consente com .inteira liberdade e ad-
verlencia. Por muito rnáos que de si mesmos sejam os pensamentos ou
acções, nem por isso hão de ser castigados , senão tanto quanto vo·
luntariamente consentidos. Ora , para julgar do consenlimenlo \'0-
1untario , cumpre distinguir tres cousas : a suggestão, a deleitação
e o consentimento. A suggeslão não é outra cousa que a idea do
mal, que se offcrece ao espirito ; e esta -não é peccado de si mesma. .
A deleitação é o prazer carnal , occasionatlo pelo rnáo pensaJUento.
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DE PERSEVERANÇA.
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332 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 333
Ora , só o peccado mortal separa o homem de Deus ; logo ha pen-
~amenlos que são peccados morlaes.
Em fim os pensamentos consummat.los sãfl aquellcs, que vão
acompanhados do desejo de os realisar ; e ainda que não ch(.lgucm a
executar-se , nem por isso deixou de se commellrr e consummar o
crime na vonlade : isto é obvio e nem ha necessidade de o provar.
Para bem confessarmos estes pensamentos devemos declarar, o que
foi que se desejou, com que pessoa se desejou , e quantas ve-
zes (1).
Notemos ainda que o pensamento póde ser volun lario · cm sua
causa ou em si mesmo. E' voluntario em si mesmo quando o accei-
tamos e nos demoramos nelle deleilando-nos por algum tempo , com
adrnrtencia de que fazemos mal. E' voluntario em sua causa, quan-
do, voluntariamente , e sem necessidade olhamos , dizemos, escui-
lamos, lemos ou fazemos cousa , que de sua natureza é apta a sus-
citar máos pensamentos.
4.º Occasiões do pecca<lo. Não só os p8nsamenlos, desejos e
acções contrarias á modestia são prohibidas n'esles mandamentos,
mas ainda as occasiões, isto é , ludo o que possa conduzir-nos a esle
peccado. São desgraçadamente quasi innumeraveis estas occasiões ;
eis as princ1paes : os banquetes, a frequentação de tavernas, a mesa
lauta, a embriaguez. Tudo isto tende a nutrir a concupiscencia , e
. conduzir á soltura das palavras, e olhares , dos desejos e acções.
Guardai-vos de beber vinho com excesso , diz o Apostolo ; no fundo
do copo· está a luxuria (2). Adverti aos mancebos que sejam so-
brios, diz elle ainda em outro lugar.
São igualmente occasião de impuresa as gravuras, quadros e
figurinos da moua ; as eslaluas inuecentes , os livros e versos so-
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CA TECIS~IO
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DE PERSE\IEl\AN~. A. 33;;
A curiosidade. O desejo de rnr ·tudo , e a falta de recalo nos
olhos, são quasi sempre o principio tio mal. Os meus olhos é. que
me leem estragado o coração. E' por estas portas que entra a morte
na alma (1) : tais sfo as palavras de summa verdade, que se leem
na Escriptura Sagrada.
Os enfeites. Quasi sempre insrparaveis das mulheres , nalu-
ralmentc nidosas e amigas de bem parecer , são os enfeites , de
regra ordinaria , já para quem os traja, já para quem os ' ê , oc-
1
(1) Job.
(2) I Pelr. Ili, 3:
·(:J) II Cor . XV, 33.
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336 CATECISMO
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337
cha os membros de Jesu-Chrislo , porque são seus os nossos mem-
bros ; crucifica-o de novo depois de o ler coberto d'ignominia ; em
fim ! profana o templo. cio Espírito Santo , porque os nossos corpos
são templos vi vos do Senhor ; '2. º pensar nos castigos com que Deus _
pune este peccado ; o qual , n'este mundo , deu causa ao diluvio,
ao incendio de Sodoma , á maldição de Chanaam, e ainda ºtodos os
dias ' é motivo da cegueira , endnrecimento , e impenitencia final de
muitos. Na eternidade , o seu castigo é um interminavel inferno;
3.º tratar de ser . humilde. : quanto m:iis humildes somos, mais li-
vres estamos d' este. peccado. A Santissima Virgem foi sempre a mais
pura de todas as Virgens , porque ·foi sempre a mais humilde de to-
das as' creaturas.
Remedios exteriores. Consistem est.es, como adverte Nosso Se-
-nhor mesmo, na vigilancia e na oração. Vigilancia em os no3sos
sentidos interiores , que são a memoria , o enlenthmento e a von-
tatle ; ai de nós se lhes largamos as redeas ! V1gilancia em os nos- ,
sos sentidos exteriores , sobre tudo na vista, no gosto e no lacto ; ai
de nós lambem se lhes damos a liberdade de ver tudo o que se nos
apresenta , ou tratamos de Iisongear estes sentidos com excesso no
beber e comer, no somno muito prolongado, no exquisito dos ves-
tidos e moveis. Esta v1gilancia eleve chegar a ponto de nos casti-
garmos pela mortificação e o jejum , a exemplo <le todos os Santos
que, algumas vezes, só parã extinguir o fogo de um máo pensa-
mento , se lançaram em tanques d'agua gelada. Tambem devemos
empregar a oração vocal e mental : as Jacnlatorias; a devoção á San-
tissima Virgem , sendo terna e perseverante; a fidelidade em recitar
pela manhã e á noute lres Ave Marias em honra da sua puresa im-
maculada, practica que lhe é mui aceite ; e mais que tudo, ·o uso
o
· frequente da confissão e communhão. Este ultimo meio é que dá
efficacia a todos. '
6.º O qne ordenam. Ordenam o sexlo e nono mandamentos,
segundo o estado das pessoas , ou a castidade perfeita ou a conju-
gal. Quanto mai~ defeso é este peceado , tanto mais é bel!a a vir-
tndê contraria. Com effeito, a esta virtude todos os povos chamam
angelica ; ella foi que chamou do ceo á terra o proprio Filho de Deus.
iam poderosos são os seus encantos ! Amou e ama o Senhor esta vir-
rn V
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338 CATECISMO
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DE PERSEVRRANÇ.A.
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34.0 CATECISMO
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\ -
DE PERSEVERANÇA. 3U
- Bem entendo o que quercis , eu Já respondo. Cicero, tendo
a defender o Coosul Lucio Morena accusatlo de ter dançado, excla-
mou : " Não se póde acreditar um tal facto , sobre· tudo a respeito
d'um Consul , cm quanto se não mostrarem os vícios a que elle era
sugeilo antes de se entregar a similhante excesso ; porque niaguern
dança , nem cm particular, nem em companhia honesta , a menos
que não esteja beba do quem o. faz, ou louco de todo. A dança é .
o ultimo de todos os vicios, e a todos enclue em si (1). :» De-
moslhenes , o príncipe dos oradores gregos , querendo fazer odwsos
os que seguiam a Filippe de Macedonia, accusou-os . publiéamente
tle -lerem danÇado. Em Roma , para caraclerisar qualquer mulher
immoral contentavam-se com dizer, que dançava mais elegantemente
do que convinha a uma mulher honrada. Ovídio, esse poeta volu-
ptuoso, tam pouco 'severo em moral, chama aos lugares da dança
paragens de nanfragio para a castidade ; e ás mesmas danças, semen-
tes de_ vicios. Haveis d'ouvir as palavras de Aristoleles, Platão, Se-
neca e Scip1ão.
- Pois sim, meu tio , mas não é o parecer de Cicero, nem dos
mais que eu peço; é o vosso. E' permitlido dançar~
- Visto que não faieis caso de pagãos, não vos fallarei mais d'elles.
Entre tanto inda queria dizer-vos que o Senado romano fez expul-
sar de Roma todos os danç.arinos , no tempo de T1berio ; e , que Do-
miciano chegou a excluir do Senado alguns senadores, que se tinham
prestado a danças licenciosas. .Mas emfim o dito dito, nã-0 fallare
mais de pagãos.
O Espirilo Santo diz-nos expressamente : « Não estejas ao pé
da bailarina' (f livra-le d'ouvir as suas palavras, para que não pe-
reças vencido da força dos seus encantos (2).
[1] Nemo saltat sobríus, ms1 forte insaui l~ ncquc ín _solitudine, ne-
qnc in conv1vio rnodcralo alque honesto... Sa\tatio omnium nliorum cst
poslrcmum , quibus rclictis, ornnino esse noo polest. Orat. pro L. Mur.
[2] Cum saltatricc non sis assiduus, ncc audias iliam, ne forte percas
in cflicacia illíus. Eccl. lX, 4.
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342 CATECISMO
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DE PERSE\'ERANÇA. 34.3
das paixões impuras (1 ). S. Am.brosio chama-lhe coro d'iniquida-
des , escolho da innoccn.cia , e tumulo da honêstidade (2). S. Agos-
linlio diz que . é melhor trabalhar ao Domingo do que dançar (3).
- Mas· em fim , meu tio, não sei aonde quereis chegar. Da-
is-me a opinião de Lodo o mundo , que eu 'não interrogo , e nada
me dizeis da vossa, unica que desejo conhecer; a yós e somente a
vós é que faço a pergunta : E' permitlido dançar?
- Nos tempos modernos ouço a dous illustres Ponlifices expres-
sarem-se n'e-sles termos : -
« 1\. dança mundana , diz "S. Carlos Borromeu , não é outra
cousa senão um circulo de que o demonio é o centro, e seus escra-
vos a circumferencia ; por onde raramente acontece , ou mesmo nun-
ca , dançar sem peccado (4). » .
« O uso dos bailes, diz S. Francisco de Sales , é , pelas suas
circumstancias tam determinado ao mal, que a alma está sempre em
grande risco ... São recreações perigosas, prazeres folgasãos, donde
nasce grande disposição ·para máos affectos. São como os cogume-
los, os melhores para nada prestam. Assim como as plantas que
attrahem a si o veneno das serpentes, que a ellas se chegam , da
mesma sorte os bailes atlrahem o· \'eneno das paixões humanas e do
contagio geral. »
- Meu tio , quereis-me apurar a paciencia com todos os {es-
lemunhos da tradicção desde Adam até nossos dias ; eu não pre-
ciso disso: responde.i-rne vós , eu vol-o peço , é permittido dançar?
- O Concilio de Constantinopla prohibe as danças publicas debaixo
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3U CATECISMO
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l>E PEnSEVERANÇA. 3i8
Jes. » Ora , meu lio ~ já é de mais ; pois não vol-o torno a pergun-
lar: se quereis dizer dizei , sim ou não : E' permiltido dançar:
Não vos enfadeis , sobrinha , eu promelto dar-vos o meu pare-
cer , mas primeiro haveis de me responder a algumas perguntas, que
lambem quero ·fazer-vos. ·
a: 1. º No dia do vosso Baplismo renunciastes ao demonio , ás
suas pompas e ás suas obras : ora , se estas cousas se não encon-
tram nos bailes , então dizei-me aonde? 2. º Quererieis morrer no
meio d'um baile, sem lerdes um instante de refleclir em vós mesma 'l
3.º Qnererieis apparccer na Mesa da Communhão com o mesmo vestido
do baile !
- Ora meu tio ..• meu ljo ! é melhor não faJlar mais nisto.
Eu -não é que heicJe responder: não é da minha opinião que se lrala,
mas da vossa. - Está bem, já não quero que respondais· ás pergun-
tas precedentes; mas ao menos respondei a estas : Não é verdade
que se pensa no baile muitos dias antes d'ir a elle, e isso mesmo
durante a oração? Não é verdade gastarem-se no toucador horas in-
teiras, que talvez eram necessarias para cuidar nos negocios dà casa
ou da Religião ? Não é verdade que muitas vezes se to'mam para
o baile os dias consagrados ao Senhor , e até mesmo á peb1tencia ?
Não é verdade que uma sala de baile é uma campanha de vaidade,
aonde se ostenta alli toda a possivel pompa nos adornos" e muitas ''ezes a
ind~cencia nos enfeites ? Não é verdade que se não despresa cousa
alguma para agradar, e alcançar applausos? Não é verdade que ,
com tal designio , se cobrem de fementidos veos, que não escondem
o corpo , e se empregam mil artificios immo<lestos , com o fim de
realçar os perigosos allractivos da belleza, supprfr os que a natu .
reza recusou , ou reparar os que os annos destruiram?
Não é verdade que no baile se vai cevar a inveja , a qual se
irrita e roe de ver o merecimento e o triumpho alheio? Não é Yer-
dade que , para alli deprimir e morder , se Jogam graças e chufas,
e dizem cousinhas ao ouvido, e fazem allusões mais ou menos ma-
liciosas? Não é lambem ''erdatle qu_c tudo isto oce-upa talvez o pen-
sámento , e é objeclo de conversações muitos dias depois ·do bai-
le?
« Não é verdade que no baile tudo concorre ~ enervar os scn-
U V
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CATECIS~O
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DE PERSE\'ERANÇ.A•' 317
as mais communs e int1iffercnll1s , tacs como a refeição , a recrea-
ção, o somno , porque ludo isto entra na ordem da Providencia.
Quando pois vos tiverdes enfeitado para o baile, cnlrai no vosso
quarto; e ahi , só , sem outra testemunha senão Deus e a vossa cons-
ciencia, ponde-vos de joelhos diante elo vosso Crucifixo, e fazei a
oração seguinle : O' meu Deus ! meu 1'foLlê.lo , meu Senhor, meu
Pai e meu Juiz, cu vou fazer espontaneamente e de nrnilo line von-
lade uma cousa, que o vosso Evangelho e a vossa Igreja assignalau-1
como perigosissima, na qual perdem a piedade, a humildade e a
mesma innocencia milhares de pessoas-: e , para a fazer bem , pas-
sei horas a adornar-me ; coroei-me de rosas para bem parecer ; eu
vol-a offereço pois para vos imitar, ó meu Deus, que estais coroado
d'espinhos ; para cumprir as promessas do meu Baplismo , pelas
quaes renunciei ao demonio , ás suas pompas e a todas as suas
obras ; para edificação tio meu proximo e salvação da minha alma.
Dignai-vos aceitar Ludo , ó. meu Deus , e dar-me a vossa santa
ben~~ão.
- Ora meu tio , - essa condição é impossível ; qual será a alma
cbristã que ouse fazer similhante oração ; ella é uma zombaria -
Como quizerdes , sobrinha ; é escolh~r, uma cousa ou outra: per-
millo-vos danç.ar com esta condição. - Que dance quem quizer ,
quanto a mim renuncio ao divertimento. -- Pois, se se não pódem
sem zombaria offerecer a Deus as danças e bailes , já vedes, minha
menina, que não são tam innocenles como o mundo pretende que /
sejam. Com tud.o , torno a dizer , a dança não é peccac.lo de si
mesma ; ella não se torna perigosa e criminosa senão pelas CIJ'cums-
tancias , que de !>rdinario a acompanham , sobre tudo nos uossos
dias.
Por consequencia , quereis saber o que deveis fazer n'e.ste pon-
to~ reparai bem no que vos vou dizer, e não digaes ' que eu d_igo
oulra cousa do que digo na \'erdade :
<< As danças , sendo como são , occasião de peccado , não se
devem frequentar.
« Todavia , como a dança não é má de si mesma , poderá al-
guem achar-se taln~z em caso de duvida se póde ou não ir ao bai-
le ? O que enlão deve faz<.'r é consultar ·o seu confessor , isto é ,
*
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348 CATECISMO
ORA.Vi.O.
'
O' meu Deus ! que sois todo amor , eú vos dou graças
por terdes não só protegido a minha alma e o meu corpo contra o
homicidio e o escandalo , mas tambem as minhas inclinações contra
tudo o que me aviltaria ; formai em mim, Senhor um coração puro,
para que só vós sejaes o meu amor.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus; ll, em testemunho deste amor,
porei todo o cuidado em ncio dar escandalo.
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OE PERSF.VERANÇ.A.
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3?)0 CATEClSMO
(1) Non furLu'm facies ... Õon concupisccs domum proximi . tui , nQn
servum , non ancilliun , non bo,·ern , non asinum , nec ·oinoia qure inius
sunl. Exod. XX, 17.
C2) E' po.r ler' dcsconhcc"itlo este princíp)o , que o auctor contcm-
-poraneo da ol>ra a respeito da propriedada acaba por nada provar , ou
por provar tudo ao contrarfo do que pretende. Por se não remontar a'o
direi lo divino , baséa o· di reito fundameolal da propriedade nas ccccss1-
dadcs ualuracs ~o homem. « A exacla observação da natureza humana '
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OE PERSKVERANÇA. 3lS 1
)es, que defendem hoje o direito de propriedade; e o qu~ ainda me-
nos deveriam esquecer, .é que lodos os direilos de Deus s_ão insepa-
raveis ;. que negar um d'elles é negar a todos, pois todos, na sua
origem , são o dominio soberano de Deus, tanto nas creaturas in-
telltgentes como nas materiaes ; tanto no coração e proceder dos _ho-
mens, como na terra e nas rique.zas. Defender um, e negar outro,
'é debilitar Lodos os seus argumentos , porque é collocar-se em con-
Lradicção comsigo mesmo , eslabelecer-se conseguinte~ente em um
terreno, d' onde o ataque cl'uma logica ' igorosa ha-de infallivelmenlc
1
desalojai-o.
3.º Roubo. O direito de propriedade é pois divino. D'esle di-
reito nasce a obrigação de a respeitar : a virtude que, em presen-
ça d'este direito , impõe silencio á nossa ~mbição , e nos fa~ dar ·a
cada um o que lhe pertence .., chama-se a justiça. A~ jusliça pro-
hibe-uos pois o prejudicar ao proximo em Slla propriedade, e obri-
ga-nos á reparar o damno que lhe temos feito ·: ·lal é o duplo ob-
jeolo do selimo mandamento. Em primeiro lugar, elle probibe o
roubo. Sublrahir ou roubar não é só levar uma cousa em segr«:do,
sem seu dono querer, é lambem reler uma cousa contra a vontade
de seu dono. Por esta rasão os lheologos diftoem o roubo : Pre:za
ou detenção i11justa dos bens d' outrem, contra a sua vontat;le, quando
este tem rasão em não querer· que o privem d'elles. Entende-se por
1
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352 CATl~CJSMO
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DE PERSEVF.RANÇA . 353
t.Jontade ; porque se tomamos ou relemos o que pertence ao proximo,
crendo de boa ·fé e rasoavelmente ·que o não le\ ará a mal, mas
1
•
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CATECISl\IO
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DE PERSEVERANÇA.
missão de seus pais , ou que empregam em usos illicilos o que <lelles
tinham recebido, para pagar as despezas de sua educação , ou para
suas necessidades reaes ; e lambem os creados , que defraudam a
seus amos, a tilulo de ser pequena a soldada, ou releem parte do
dinheiro que lhes <leram para compras , ou tiram occultamente vinho
e manjares que lhes não costumam dar , ou não teem todo o cui-
dado que devem da fazenda de seus amos, ou d'ella dispoem sem
permissão delles ; em summa , que de algum modo lhes não são
fieis.
O marido torna-se culpado d'injustiça, ingerindo-se, contra von- .
tade de -sua mulher, n'aquillo de que ella é livre e absoluta admi·
nistradora , · ou dispondo dos bens do casal occultamenle e sem o
consentimento dclla, ou já para os dissipar em dissoluções, ou ainda
mesmo para fazer restituições que lhe são pessoaes. A mulher lam-
bem pecca contra a justiça quando , apezar da opposição de seu
marido , tira quantia consideravel dos bens do casal, ou das rendas
d'aquelles de que não é sephora absoluta , para gastar em cousas
~uperfluas , sejam adornos , moveis ou divertimentos seus ou de seus
filhos. Se a mulher , porem, não tem bens propriamente seus, pode
tirar dos bens do casal o necessario, para dar esmolas moderadas a
seus pais, irmãos , ou parentes pobres.
Tambem se consideram culpados do mesmo peccado aquelles que,
exercendo cargos particulares ou publicos , fazem pouco caso das
suas obrigações, sem deixarem de gozar os emolumentos, devidos ao
desempenho .desses mesmos cargos.
Podem-se . t.ambem tirar bens alheios por meio de rapina , isto
e , abertamente e com violencia ; e -neate caso, alem da injustiça, que
é commum a todo o roubo , ha de mais a injuria pessoal , ·que
muda a especie do peccado (1).
Incorre em peccado de rapina aquelle que recusa pagar, em
lodo ou em parte , aos creados ou obreiros , o salario que lhes é
c1) Aliam rntioncm pcccali habet rapina, et aliam fortum ; ergo pro-
pler hoc differunt spccie. D. Th. 2, 2, q. art. 8.
•
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CATECISMO
tolo S. Thiago , que o salario que tiraes aos lraballiadorcs, que cei...
[aram vossos campos, clama contra vós , e suas _ queixas ferem
os ouvidos do Deus dos Exercitas (1). Aquelles que na administra-
ção das rendas publicas cornmellem erros d'officio , que exigem o
_que lhes não é devido , ou releem para si , ou para seus amigos ,
uma parte do _que deve entrar nos cofres do Estado ; aqnelles que
-emprestam com juro exorbitante, e arruinam _os pobres com usuras ;
os juízes que se deixam peitar com presentes, e fazem perder ás pes-
soas pobres as cansas mais justas ; o-s que enganam seus credores,
e negam suas dividas , ou que , tendo ajustado tempo para pagar,
compram mercadorias a credito, ou com abono d'outros , e não pa-
gam; todos estes , digo , são culpados de rapina. ·
Tambem o são , ao menos em parle , aquelles que exigem com
dureza o que leem emprestado , quando seus devedores estam na
impossibilidade de satisfazer , e que chegam a fazer peQhora , con-
tra a prohibição -de Deus , em objeclos - <la primeira necessidade.
Se o vosso proximo, diz o Senhor, vos deu em penltor a. aua co-
bertura , torna,i-Wa a dar , antes que se ponha o sol , porque elle
não tem out1 a cousa co1n que se cubra , nem onde possa repousar ;
se elle me chamar , eu ·a ouvirei , porque sou misericordioso (2).
E' pois com _rasão que se tem· em conla de rapina a dureza d' esta
especie de credore~. São lambem rapinadores • na opinião dos Pa-
<lres da Igreja, os que em tempo de carestia escondem o pão, e ou-
tros comestiveis necessarios á vida , para lhes fazerem o preço aug-
mentando a miseria publica. Sobre elles cae esta maldição : O que
occulta o pão será maldito do povo (3). Em fim não se esqueçam
os Fieis que todos os subdilos são obrigados de jusliça a con-
tribuir , segundo as suas posses , para· as tlcspesas <lo eslado ; pelo
(1) Jacob, V, 1.
('2) Exod. X Xll . 25.
(3) Prov. X 1 , 26.
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DE PERSEVERANÇA.
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3õ8 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 359
de roubo não tem remissão , a menos que se não restitua o roubado.
D'aqui vem o dilo de S. Agostinho, hoje axioma de direito publico:
O roubo não tem remissão , a menos que se não restitua , podendo,
a cousa roubada (1). Ora, quanta difficuldade terá em restituir um
homem, que se enriqueceu com os bens alheios! Qualquer o pódo
imaginar ; e qualquer tambem o poderá julgar, pelas pa1avras do
propheta Habacuc : Desgraçado d'aquelle, que ajunta bens que lhe
não pertencem , e que continuamente se encrusta de espesso lodo (2).
Espesso lodo chama o propheta á posse rlos bens alheios, para signi-
ficar quanto é difficil Jargal-os e restiluil-os; e todavia a restituição
é d'absoluta necessidade. Vejamos, pois , quaes os quP são obriga-
dos restituir.
E' certo que todos aquelles, que concorrem efficazmente para o
roubo, ou cooperam com culpa grave . para o damno do proxuno,
são obrigados· á restituição. Pelo que, deve restituir 1..º aquelle que
. manda roubar, 2. º o que 1 não tendo bastante auctoridade para man-
tlar, aconselha ; 3. º o que consente no roubo , e sem cujo consen-
timento não leria effeito: por exemplo, o juiz . que dá o seu volo ,
para fazer perder a causa á parle que trnha o direito; 4.º os que
encobrem , isto é , os que releem ou vendem cousas roubadas , e
ainda os que dão abrigo ou protecção aos ladrões, 5.º os que par-
ticipam do roubo ; que são primeiro, os que leem parle no despojo ou
se approveilam do prejuiso ; e em segundo lugar, os que teem parle
no crime , ajudando a commellel-o , como os que ·sustentam a es-
cada a um ladrão , que lhe abrem a porta , que lhe fornecem cha-
ves falsas, que vigiam em quanto elle executa o roubo; ou o acom-
panham para o animar ; e lambem os que desviam as pessoas, que
querem impedir o roubo; 6.º os que , sendo obrigados por justiça,
e em virtude do seu cargo ou emprego , a vigiar pela conservação
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360 t.:ATECISl\IO
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DE PERSEVERANÇA. 361
juiso grave , retendo mais ou menos tempo o que lhe perlence. De-
mais, não é raro serem os testamentos annullados por falta de for-
malidades. Se se tem feilo mal a um certo numero de pessoas do
mesmo lugar, sem se saber quem são , deve restituir-se aos pobres
desse mesmo lugar. O que vendeu com pesos ou medidas falsas, a
quem vinha comprar á sua loja , deve : se ainda conserva o negocio,
vender as suas mercadorias por menos do que valem , durante o
tempo que for preciso , para reparar as fraudes commellidas; e se já
deixou a negociação , deve restituir aos pobres do lugar , aonde se
fez a injustiça (1 ).
Se é impossivel restituir áquelles, a quem se deve, seja em
rasão da distancia dos lugares , seja porque se não conhecem essas
pessoas , em tal caso se ha<le restituir em boas obras. Os que não
podem restituir, devem ter vontade de o fazer , logo que possam ;
e se morrem antes de ter podido pagar , Deus se contentará com a
stta boa vontade, porque elle não manda cousas fmpossiveis. Quan-
do alguem leme diffamar-se , reslituintlo , deve pedir ao seu confes-
sor, ou a outra qualquer pessoa prudente, que se encarregue de o fa-
zer. Vede como Deus nos ama, e que cuidado .lhe dão ainda mesmo
os nossos bens temporaes !
Que é o que se deve restituir? Devem restituir-se os bens
alheios _, e reparar o damno causado. Ora, o proximo possue qua-
tro qualidades de bens : os bens da alma , os bens do corpo , os
bens da hoora e os bens da fortuna. Se se roubou ao proximo os
., bens da alma , fosse por máos conselhos ou por máos exemplos ,
deve indemuisar-se com outros bens espirituaes , por meio de bons
exemplos, bons conselhos e orações. Já fallamos d' este genero de
restituiç-ão , quando tratamos do escandalo. Se se arruinou o pro-
ximo nos bens do corpo , por meio de ferimentos , pela morte ou
qualquer outro peccado , ha obrigação de reparar lodos os prejuisos
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Ci TECISMO
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OE PEllSEVERANÇA. 363
'o fio das paixões , que nos excitam a toda a casta de iniquidade.
, D'aqui resu1ta outra vantagem : livres elas perseguições importunas
da cubiça , podemos com mais tlescanço e facilidade occupar-nos dos
bens reaes, e cumprir os deveres im.portantes que a Religião nos
prescreve.
Em summa , suffocar no coração do homem o desejo desregrado
das cousas terrenas; impedil-o, por consequencia, de se avillar e tornar
<lesgraçado; preservar a soc'iedade das injustiças , fraudes , e males
incalculaveis que d'ahi nascem ; em fim, estabelecer a cbaridade e
a jusliça na terra, fazendo-as reinar nas affeições do homem , taes
são as vantagens do septimo e decimo mandamentos; observem-nos
todos , e serão inuteis os carceres e as prisões.
Se, porem, supprimirdes o Decalogo no coração humano , não
haverá mais segurança na sociedade , nem· confiança nos contractos ;
mas apenas haverá transacções forçadas. Em vão tereis , para
proteger vossas fortunas , os mil artigos do codigo; inuteis obstacu-
ios ! A má fé, o dolo , as astucias de todo o genero, não acharão
meios d'illudir as vossas leis ? Demais , quantas injustiças , ccn-
cussões e fraudes occultas ha , que as vossas leis não podem 1r;~
pedir ! Que são , dizei-me , a maior parle dessas fortunas escanda ..
losas, hoje lam communs , que se levantam como por encanto ? se-
não a amarga irrisão das vossas leis , - a prova da _sua i-mpotencia ,
e a proclamação d'esta verdade , tam antiga como o mundo : Mo
ha probidade fora da Lei de Deus.
Ha ahi hoje sim. milhares de ll'is ; mas acaso hotne já secu!o
em que se commeltessem mais injustiças? houve já tempo em que
mais alta e continuadamente se clamasse contra a má fé? Não sr:
pode 'a gente fiar em ninguem : eis o dilo vulgar dos nossos dj2s :
E porque ? porque desconheceis uma lei, uma só lei , uma lei sem
a qual as vossas , sustentadas pelos vossos soldados , carceres e a! ·-
gozes, não c,onseguem proteger a vossa f orluna. Não vos queixei ~ ,
pois, se não observais a unica lei, que póde fazer cessar as vossõl.s
queixas, a Lei Divina, protectora dos interesses e das fortunas,
Bem sei que reclamais dos outros o exacto cumprimento d'esla Lei ~
mas se quereis obtel-o, começai por dar o exemplo. Ueveis sust(ln-·
lar esta lei , isto é , o septimo e der.imo preceito do Deca1ogo, come
•
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364 CATF.CISMO
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DE PERSEVERA~ÇA.
O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças pelo
muito cuidado que tomastes, em proteger os nossos bens temporaes,
tirai do meu coração todo o desejo desregra~o das cousas da
terra.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus , e, em testemunho d'esle
a mor , dare.i esmola todas as vezes que puder.
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LJV.ª LIÇÃO.
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UE/ PERSEVEllANÇA -367
impiedade, a devassidão , os odios , as dissensões e todas as desor-
dens , que fazem da vida da terra um prol ougado supplicio.
Para remediar tantos males , reslituinllo a palavra ao seu uso
primitivo, prescreveu Deus o oitavo mandamento. Acções de gra-
ças vos sejam dadas , ó Deus Salvador do homem , por este novo
beneficio ! Por este salutar p~eceito protege Deus nossa honra e fa-
ma , que são bens muitas vezes mais preciosos que a vida, bens
cuja perda envenena talvez lodos os gozos · da terra , e faz que as
dignidades , a fortuna , o talento mesmo se convertam em novo peso
de desgraça. Para isto desterra Deus da sociedade a desconfiança,
a dissimulação , a hypocrisia, a mentira que , quando predominam, ~
estabelecem entre os homens uma tal confusão , que apenas se ditfe-
rençam de demonios ; para isto emfim restabelece Deus a verdade ,
a .confiança intima , a boa fé, que fazem da terra um anticipado
paraiso. D'esta sorte , ó bondade verdadeiramente paternal ! não ha
um só bem , um só interesse que Deus não defenda pelo es-
cudo sagrado da sua lei ! Onde se encontrará um codigo de moral
mais completo, - sabio e benificente?
~.º Seu objecto. O oitavo mandamento diz assim: Não levan-
tarás falsos teslemiinltos (1 ). Posto que só se nomeie o falso tes-
temunho, é certo qre se prohibe aqui tudo que a eJle nos conduz.
Isto mesmo temos notado nos mandamentos precedentes, em que Deus,
se bem exprime só o peccado principal que lhes é opposto nem por
isso deixa de prohibir menos tudo aquillo que se encaminha ao pec- -
cado mesmo. O oitavo preceito , pois, prohibe todas as injustiças,
que podem fazer-se ao proximo pela palavra e pelo pensamento ;
por que o pensamento é a palavra interior, segundo o Prophela
rei C2}. D'onde se segue que não só o fals~ testemunho nos é pro-
hibiclu neste preceito , mas lambem· a maledicencia , a calumnia , a
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368 . CATECISMO
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DE · P~RSEVEBANÇA. 369
\'is lhes impoem as mais graves penas. Houve tempo que tinham
pena de morte (1 ).
A testemunha falsa é obrigada a reparar todo o damno, que ma-
liciosamente causou ao prox1mo, e até a retractar-se, com perigo
tle sua propria vida , se a reparação não póde fa~er-se por outro
modo , ou não ha -probabilidade de ser o accusado absolvido , e sua
innocencia reconhecida , por que , em egualdade de circumstancias,_,
a condição do innocente prefer~ á do culpado. O que dizemos da
testemunha falsa lambem é applicavel ao que cooperou efficazmente
en1 prejudicar ao proximo, induzindo alguem a jurar falso. Em
geral , as testemunhas , que forem ciladas a juiso , são obrigadas a
comparecer ; se recusam , são culpaveis, mas parece que não eslam
-obrigadas a reparar o damno que d'ahi resulta ás partes. São dis-
pensados de depor : 1. º os confessores ; 2. º os ascendentes , descen-
dentes , irmãos , e ir~ãs dos reos , bem como os affin~ nos mesmos
graos ; 3. º as pessoas que por sua occupação são depositarias de se-
gredos, como os medico~ , pharrnaceuticos , parteiras , advogados e
J • conselheiros , que souberam confidencialmente os segredos dos cul-
pados ; os Bispós e Parochos , no que respeita ás revelações que lhes
fazem no exercicio e em virtude do seu ministerio ; 5. º os que,
explicitamente , promet.teram mais ou menos segredo aos culpados,
que lhe pediram conselho.
Se a oienlira e o perjurio são prohibidos ás testemunhas, não
·o são menos aos accusadores , accusados , advogados , -procurado-
res , e em geral a todos. aquelles que tomam parte na processo.
D'est'arle , os juizes , que dão sentença contraria á justiça, são gra-
vemente culpados perante Deus, e ficam responsaveis do prejuiso
que d'ahi resulta. Isto mesmo succede se- retardam , sem motivo
justificado , a conclusão do processo sufficientemente rnstruido. Da
mesma sorte, se os advogados se encarregam de causas, que repu-
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370 CATECIS!IO
l1] Non dubilal mentiri eum qui voleos falsum eounLiat causa fal-
lcndi. S. Aug. De lJJendac. e. ~.
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DE PERSEVERANÇA. 371
de. Assim, pot· exemplo, quando um pobre pede esmolla , e lhe
dizeis que não lencle3' que lhe dar, posto que lenhaes na realidade,
não menlis ; porque o mendigo facilmente entende, que não tendes
que lhe possaes dar. Em fim , aquelle que sabe alguma cousa de-
baixo rle segredo , póde dizer que a ignora , como Nosso Senhor
mesmo diz a seus discipulos , a respeito do juiso final : Ninguem
sabe o dia nem a hora.
Para ter á mentira o horror que ella merece , façamos as con-
siderações seguintes: 1.º E' abusar do mais bello dom de Deus ;
porque a palavra não _nos foi dada senão para manifestar-mos os
nossos pensamentos , e não para enganar nns aos outros. Logo é
peccado ir contra esta iolenção do Creador, e fazer da palavra ins-
trumentos de menlua. Demais, foi pela palavra que Deus quiz
manter a sociedade entre os homens ; mas se a sociedade não póde
subsistir sem o commercio da liugua, este necessariamente l'equer
que. o que falia manifeste em ve1'dade o seu pensamento , e que
aquelle a quem se falia o creia ; pois o credito deste não se funda
senão na füle1idade d'aquelle. Ora , admiltida a mentira, como po-
derá um homem acreditar em outro? se o que responde crê que
póde menlir, não hade o outro estar sempre na duvida se e1le men-
te? A mentira deslroe por tanto a sociedade , offende a fé publica,
e avilta a palavra. 2.º A mentira é contra Deus, que é a verda-
de mesma. Toda a mentira é um desmeiltido que se dá a Deus,
que conhl',ce o nosso pensamento. Por isso elle nos diz: Que abo-
mina as bocas mentfrosas (1). · Elle é o Pai da verdade; quando
a dizemos, somos seus filhos ; quando mentimos , apagamos em nós
este augusfo caracter, ficando filhos do demonio , que é o mentiroso
por excellencia , e o pai da mentira. ]?oi elle o que proferi"o a pri-
meira mentira que se disse no mundo (2).
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CATECISMO
[11 Digamos com Cicero : Amicus plato .a scd magis ãmica verilas.
[21 Yeja·se ácerca - Ja menlira , e contra a menlira, os livros de S.
Agostinho ; alc:n- do :seu .Manual a Lourenço.
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373
.
A maledicencia.
DE PEnSErERANÇA •
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CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 375
eia e, com effeito , um roubo que tira ao proximo um bem muito
mais precioso e charo , do que tudo o que póde ser materia do rou-
bo ordinario. No mesmo juiso de Deus, a boa reputação vale mais
que grandes riquezas (1).
Considerai alem disso a maledicencia no seu principio , e vereis
como é infame vicio. Quem é que o inspira ? são as paixões. Diz-
sc mal por interesse , por soberba , por mveja, por odio. Que mo- ·
livc,s mais abjeétos que estes ? E quem poderá dizer as suas con-
sequencias? S. Bernardo , que compára o maldizenle a uma vibora,
diz que com um golpe de l~ngua mala tres pessoas. Mata-se a si
mesmo com o seu peccado; mata aquelle de quem diz mal, seja por
que lhe rouba a sua reputação, que é a sua vida civil, seja por
que o rancor, que lhe excita no coração, lhe faz perder a vida es-
piritual da alma ; emfim, mata aqueHes diante d~ quem diz mal ,
pela parle que tomam ordinariamente na maledicencia (2). Ah ! com
quanta rasão nos prohibe o Espirito San lo que acompanhemos com os
maldizentes (3) !
Ha entretanto c.érlos casos em qu.e é permillido declarar os de-
feilos e vicios do proximo. D'esl'arle póde e deve dizer-se mal
cl'uma pessoa, para bem' d' outra que merece ser preferida. Eis al- -
guns exemplos : não é maled icencia descobrir ao superior as fa1tas
dos seus inferiores , para que lhes dê a correcção, ou evite a desor-
dem que d'ahi póde resullar (i). Não é maled1cencia dizer a ver-
dade a quem -vem tirar informações a respeito d'um domestico , que
quer tomar ao seu serviço ; nem dos trabalhadores, que deseja em-
pregar; nem dos negociantes , que pedem se lhes confiem capitaes;
nem da pessoa ~ que pretende casar com oulra.
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CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA.
Leria leve. Cumpre porem advertir, que aquelle , que escuta a ma-
ledicencia, porque ouve com prazer uma cousa nova , sem se regozi•
jar com o preJUiffe!o feito á pessoa de quem lhe faliam, só commette
culpa venial , ainda que a maledicencia seja grave; a menos que
não seja obrigado debaixo de peccado mortal a impedil-a (1). Esta
obrigação respeita aos superiores, lanlo do que murmura como d'a-
quelle de quem se ·murmura, e sobre tudo aos superiores temporae~
obrigados em particular a defender o bem temporal de seus infe-
riores.
Se o que murmura e superior , devemos mostrar-lhe pelo si-
lencio , e modo como o ouvimos, que o seu discurso nos desagrada.(2);
se é igual , devemos habilmente mudar de conversação, ou pedir-lhe
que não continue ; e se podemos, defender o proximo, dando provas
da sua innocencia ; se é inferior, ha obrigação de se lhe impor si-
lenc10.
Em uma palavra , n'essas c1rcumstancias delicadas é preciso
praticar o grande preceito: Fazei aos outros o que quererieis que
vos fizessem. Ora , se eslivessemos ausent.es , não quereriamos que
se defendesse a nossa reputação? O iltustre chanceller d'Inglaterra
Thomaz Moro é um compieto modelo da maneira porque devemos
impedir a detracção. Quando se fallava mal do proximo em sua
presença, tomava logo a palavra , e dizia alegremente : Cada um
diga o que quizer; quanto a mim digo que esla casa está muito bem
feita , ou outra cousa similhante, e ·divertindo assim os detraciores,
cortava a conversação.
Mas sendo a maledicencia e a calumnia um roubo, como são ,
não podemos obter o perdão d'ellas , se não restituirmos o bem que
com ~lias tivermos roubado. Ora, ellas i·oubam a reputação , que
é um bem talvez mais precioso que a vida ; outras vezes cauzam
.·
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378 t:ATECISl\JO
( 1) S. Liguori. .
C2) Si ex lffisionc famffi orlum est altcri damoum -fortuoarum , ut si
pl'ivaLus est officio, cxcidiL spc divitis matrimonii, amisit dotem , etc.,
tunc et fama debcl restitui , ct damnum illud compcnsari , ad arb1lrium
prudcotum , 1ux la spei ~slimationem~ S. Alph. lib. III , n.º Q96.
pn Prov. XXVIII. _
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DE PERSEVERAl'<ÇA.
la S. Thomaz, que a delracção ou a conlumelia , porque um ami-
go va]e mais que a honra (1 ). Incorre-se nesle peccado quando ,
5em Lenção de diffamar alguem , se contam cousas que -podem ar-
ruinar ou a1terar a· aruisade enlre os parentes , a confiança cnlre os
amigos, a subordinação entre os inferiores e superiores. D'ahi nas-
cem as contendas, os odios , as divisões, e um sem numero d'outros
males. D'esl'arle os mexericos , Yerdadeiros ou falsos, mesmo em
maleri'a leve , são morlaes : 1. º quando se fazem com intenção de des-
avir as fami1tas, ou os amigos ; 2. 0 quando, sem tam criminosa
intenção , se prevê d'alguma sorle que produzirão questões, mimi-
zades ou outros m~os effeitos. Tenhamos sempre, pois, grande re-
ceio de meller intrigas ' que possam ter consequencias funestas.
Quando ouvimos dizer alguma palavra contra o proximo devemos suf-
focal-a no peito , e estar certos que nos não hade causar a mor-
te (2).
-Conlumelia. Eis outro pcccado da lingua. Entende-se por con-
lumelia a injuria que se faz ao proximo na sua presença , por pa-
lavra ou por acção. Os escarneos, sarcasmos , chufas, qualifica-
ções odiosas ou ridiculas , são conlumelias. Reprehender alguem das
suas faltas ou peccados occultos é juntamente contumclia e maledi-
cencia. Esle peccado é m<>rtal ou venial , segundo as circumslan-
ciàs ; e obriga alem d'isso a reparar a injuria o mais breve possi-
vel; e se a injuria foi publica, a reparação o deve ser lambem.
Violação dos segredos. Chama-se segredo aquillo que não ésa-
L>ido senão d'uma , duas ou trcs pessoas , .ou ao menos de lam pou-
cas qu~ se não possa chamar cousa notoria. Pecca-se quando se re-
vela o segmlo de proposito deliberado , sem causa l~gilima. Esta
violação póde ·ser mortal ou venial , segundo a imporlancia do se-
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380 CATECISMO
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DE PERSEVERA.NÇA. :181
ha perfeita adverlencia e inteiro consenlimenlo ; quando a mate.ria
é imporlanle , quando o juiso é formado e feito contra pessoa de-
terminada ; em fim , quando os indil!ios são taín leves, que não póde
fundar-se nelles juiso prudente.
Que paz , que união intima haveria entre os homens, se cada
um , observando conscienciosamente os mandamentos que acabamos
d'explicar , imitasse o exemplo de Santa .Monica ! Refere S. Agos-
tinho que , quando pessoas inimigas lhe diziam d~ambos os lados ,
uma contra a outra , cousas ignominiosas , taes como costuma ins-
pirar o primeiro ímpeto da colera , não dizia a _uma nem a outra
sPnão o que pudesse l'econcilial-as , e nisto trabalhava com gosto.
S. Agostinho, imitador de sua boa mãi ~ linha horror á maledicen-
cia , e isto o levou a mandar escrever em grandes caracteres na sal-
ia em que comia , estes dous ·versos latinos :
Si r1uis amat dictis absentum rotlere vilam ,
Hanc mensam vetitam noverit esse sibi.
(< Se alguern quizer fallar mal dos ausent_es, saiba que esla me-
sa lhe ~ vedada. »
Se acontrcia começar algum dos convidatlos a murmurar, in-
terrompia-os o santo Bispo , dizendo : Lêde aquelles versos; quereis
pôr-me na necessidade de os mandar apagar ? .
Acabamos de explicar os dez preceitos do Decalogo. Por muito
imperfeita que seja a nossa explicação bastará comtudo dizer 1.º para fa-
zer palpavel esta verdade , que cada mandamento de Deus é um be-
neficio , e um benelic!'o absolutamente· gratuito. Pergunto, lyranni-
sando-se os homéns , aborrecendo-se , matando-se , roubando a hon-
ra , a fortuna , a reputação , scrâ Deus por isso menos feliz ? Não,
a folicidade é ess~ncial ao .seu Ser , Elle nada depende de nós ; mas
quiz tomar á sua conta a nossa causa ; quiz proteger os nossos in-
teresses , as nossas pessoas , e não só as nossas, mas as d'aquelles a
quem amamos.
Interpoz Deus a nosso favor a sua auctoridade poderosissima, e disse
aos 1llaos : tudo o que fizerdes ao menor dos meus filhos , cu o to-
marei como feito a mim mesmo; se escapardes ás leis humanas , -
não escapareis á minha justiça. Qne segnranç.a n'esla promrssa !
'llle garanlia da ordem , tla justiç.a , da lealdade , da chandade, da
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CATECISMO
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DE PERSEV'RRANÇ·A. 383
feição de desesperar , que é o corromper o mais possivel n'um tem-
po <leterminado. A rnstrucção? ! mas acaso faltava ella aos Gregos e
Romanos, que nos legaram seus primores d'arte em todos os ge-
ncros , e que nunca foram mais corruptos do que quando foram mais
inslrm<los ; e que , sem embargo de todas as suas luzes , acabaram
por abysmar-se no charco immundo dos seus costumes? A inslrucção
dá ideias mas não dá moralidade : pode sim fazer sabios , mas
?
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CATECISMO
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DE PERS8VER.ANÇA. 38S
ORA.Vi.O.
'
O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças
por haverdes protegido a minha reputação, prnhibindo toda a pa-
lavra e ainda todo o pensamento , que me fossê desfavoravel ; per-
milli , Senhor , que eu respeite sempre a reputação do proximo.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e, em testemunho deste amor,
nunca direi mal de pessoa alguma.
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<
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INDEX
DAS
XXXVUI.ª LIÇÃO.
Pag.
Sacramento da Penitencia. - Sua definição. - Seus elementos; maleria.
, - Exame de cJnsciencia; suas qualidades. - Historia. - Firme pro-
posito. - Confissão; suas qualidades ..•.... ; ....... "'•........••.. 5
XXXIX.ª LIÇÃO.
XL.ª LIÇÃO.
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388 l~DEX
XLI.~ LIÇAO.
XLll.ª LIÇÃO
XLIII.• LIÇÃO.
XLIV.ª LIÇÃO.
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DAS MATERl .AS. 389
XLIV .:i LIÇÃO.
XL VI.° LIÇÃO.
XLVIP LIÇÃO.
XI.VIII.ª UÇÃ.0.
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390 l~IH~X
XLIX. LIÇÃO.
Pag.
Terceiro mandamenlo.-Suas relaçoens com os dous primeiros.-Threrhos
historicos:-Sua oecessitlade.-Domiogo suhsliluido ao Sabbado.- Ex-
plicação do que se proh1be a.o Domingo. - Refutação dos pretextos para
trabalhar neste dia. - M9Livos qúe o permillem. - Necessidade social
do terceiro mandamento. - O que se ordena por ellc. - Missa. - Con-
diçoeos para bem a ouvir. - Causas q.ue dispensam da Missa. - Bis··
loria ................................................... .................... 269
L.ª LlÇÃO.
LI.ª LIÇÃO.
LII.- LlÇÃO.
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/
,·
Llll.ª LIÇÃO.
LIV.ª LIÇÃO.
DE NOSSA UNJÃ."· ~OM O NOVO ADAM, PELA CHARIDADE.
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39!
ERRATAS.
Pag.
8, onde se lê :
fo - Iea-se : foi.
33 ; onde se lê :
ve - (ea-se : vel.
lbid, onde se Ego per ulriusque - lea-se: Ergo &e.
lê :
36 , onde se saluta, lea-se soluta,
lê :
66 , onde se lê:
em todos ·os agulos os elogios --- lea-se em lodos osªº'"'
golos da, terra os elogios.
füid , onde se lê : mullus deterrel - lca-se: mullos &e.
91 , onde se lê: corrorrei-os - lca-sc: soccorrei-os.
100, onde se lê: lacei - lca-se: laici,
lbid, onde se lê : d1mittend - lca-se: dimittcn(··,
140, onde se lê : o Diaconato' - l_ea-se : o Su ~iaconato.
143, onde se lê : de sagrada Mesa - lea-se: da sagrada &e.
]biri, ·onde se lê : codicillios - lea-se: codicillos.
lbid, onde se lê : .appareccram - lca-se: 80 .:.!'.:.-:ciam.
HS, onde se lê: o Santo E·uzeb1~ ..:..1ea 0 ch. .t SanLo Euzcbio.
105, onde se lê: Parachus - lea-se: Pãr \JS·.
1õ6, onde se lê : mais cllcs são dirticeis - lea·se: mas elles &e.
17 4 , onde se lê : Ora este veo - lea-se : Era este 1'eo.
213., onde se lê: com que se aviltam - lea-se,: com que se aviltaram.
~39, onde se lê: Donysium - lea-se Dionysium.
2i9, onde se lê: dictur - lea-se : dicitur.
260, onde se lê: ordinario e todinatio - lea-se: 9rdinatio.
273, onde se ·lê: teus as&assioos - lca-se: vossos &e.
283 , onde se lê.: barbareiros - lea-se : barbeiros.
28~, :onde se lê: lhes causarias grande damno - lê'3-se : lhes causaria &e.
29~ , onde se lê : christammente....;... lea-se : christãmeote.
330, onde se lê : cnlpA mormal - lca-se: culpa mortal.
343, onde se lê : . salatur - lea-se : saltalur.
3ã?S, onde se Jê : fortum - lea-se : furtum.
373 , onde se lê : destrução - lea-se : d~tracção,
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