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CATECISMO

DE

PERSEVERANÇA.
v. .

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,

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UATECISMO
DE

PBBSBVIB.lNC!º ou
EXPOSIÇÃO HISTORICA , DOGMATICA , MORAL , LITURGICA , APOLOGETICA ,
PHILOSOPHICA E SOCIAL

DA RELIGIÃO~
Desde a origem do m.undo a1é nossos dias
tpdo tpa'b'rt '). ~amnt,
l'IGARIO GER~L DA DIOCESE DE NEVERS, CAVALLEIRO DA ORDEM DE S. SILVESTRE,
llEMBRO DA ACADEMIA DA RELIGIÃO CATHOLICA DE ROMA, ETC.

TRADUZIDO DA 6.ª EDIÇÃO DE PARIZ


PELO

Jesus Christus heri hodie, ipse


et in srecula. Hebr. XIII, 8.
Jesus Christo era hontem, e é
boje : o mesmo tambem será por
todos os seculos.
Deus Charitas est. t. Joan.IV .8.
Deus é a caridade.

TOMO V.

PORTO:
TYP. DE FRANCISCO PEREIRA D'AZEVEDO
Rua à'Almada n.0 388~

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CATECISMO
DE

CONTINUAÇÃO DA SEGUNDA PARTE.

XXXVIJI! LICÃO.
- .
DE NOSSA. U:Nl.IO VOII O NOVO ADA.ltl
PELA. ESPER1'.:NÇA.•

Sacramento da Penitencia. - Sua definição. - Seus elementos; materia.


- Exame de conscicncia ; suas qualidades. - Historia. - Firme pro-
posito. - Confissão; suas qualidades.

UM Missionario, percorrendo as_ regiões mais remotas do ·Novo Mun-


do, com o fim de lucrar almas para Jesu-Christo , encontrou um
selvagem animado das melhores disposições. Traclou logo de o ins-
truir nos mysterios da Fé, e lhe administrou o Baptismo , e de-
pois a Sagrada Communhão. Recebeu o neophito os divinos Sacra-
mentos com os mais vivos transportes de gratidão e amor. Entre-
tanto foi o Missionario obrigado a retirar-se d'alli, para fazer outras
excursões apostolicas ; mas passado um anno achava-se outra vez na
terra do selvagem convertido; o qual, apenas soube da chegada do
Missionario , a quem considerava como seu pai , foi ter com e1Ie e

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pedio-lhe encarecidamente que lhe désse outra vez a Sagrada Com-
munhão. - De muito boa vontad~e,. meu filho, lhe tornou o Missio-
nario ; mas é preciso que primeiro confesses os peccados que possas
ter commettido; não temas, eu le ajudarei. --- Que! meu pai, res-
ponde o selvagem admirado, é possivel peccar depois de ter sido ba-
ptizado e de ter commungado l Graças a Deus, eu não creio eslar
culpado de peccado algum voluntario. Elle se confessou comtudo
banhado em lagrimas , accusando-se de algumas leves imperfei-
ções. (1)
Este doce engano do virtuoso Indio devia ser uma verdade : ·
depois do Baptismo, da Confirmação e Communhão , o peccado, so-
bre ludo o peccado mortal, não devia ser confiecido entre os Chris-
tãos. Mas, 6 miseria ! tal é a· fragilidad'e humana , que a adinira-
vel união conlrahida com o Salvado/ muitas vezes se rompe. Que
seria de nõs se nos não houvesse deixado um meio de reparar a
nossa desgraça.? Por isso- instihtio elle o Sacramento da Peniten-
cia. Admiremos pois não só a paciencia infinita do novo Adam :t

mas lambem a maravilhosa··sabedbrla com que proveu ao desenvol-


vimento e conservação de nossa vida espiritual. No Baptismo, deu-
nos a vida , não uma vida destinada á ociosidade, mas a um com-
bate·,: a- uma· lucta incessante e formiuavel contra, o mnndo , o· de:..
monio e. a natureza corrompida; na (fonfirmação nos r~veslio d'ar-
mas divinas , collocou-nos sub os seus estandartes e nos sentou praça
no seu exercito. General providente e bom , dá-nos na Eucharistia
o Pão dos fortes, o vinho generoso, que p1·oduz a heroicidade , pa-
ra nos alimentar em todo o tempo da campanha. Mas .. qual é a
guerra cri!° que não ba féridos e- até mortos ? Qual· a campanha
aonde· os ex.ercitos não estam providas d~·hospitaes ambufailtes: , · de -
meilicos e remedi os·? O Deus •dos: exercitos nã(} é menos sabio- e·
compassivo que· os· principes da terra. Elle p-Ois insliluío· ~,6 Sa-
cramento da Penitencia; no: qmd os soldados- achaftl-; féfid·~s a ambn- ·
lancia espiritúal, . os Diedicos. e remedi-Os, todo o neoessari<Y á sua·,

(1) Cartas edificantes.

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DE PERSEVERANÇA.

~ura : tal é a ligação maravilhosa deste Sacramento com os que o


precedem.
1. º Sua definif(tO. Deflne,..se a Penitencia (1.): Um Sacra·men-
to imti'tui"do por Nosso Senhor Jesu-Ch.n:sto, para perdoar os pec-
ç.ados cQ.mm_ettidos depois do Baptismo. O Sacramento da Peniten-
cia , como todos os mais, tem todas as condições requeridas para
ser um Sacramento da Le• nova. N'elle vemos l. º um signal sen-
sivel, como são a contrição , a confissão e a satisfação do peniten-
te, juntas á absolvição do Confessor; 2.º· um signal frtstiluido por
Nosso Senltor ; 3. º um signal que opéra a graça, isto é, a remis-
são dos peccados : brevemente veremos a prova de tudo isto. O
Sagrado Concilio de Trnnlo teve pois fundamento bas~ante para de-
clarar com todo~ os seculos christãos , que a Penitencia é um dos
Sacramentos da Lei nova ; e anatbematizar todo aquelle que ouzas-
se dizer o contrario. (2)
2. º Seus elementos. Dizemos com a Igreja que os aetos do pe-
nilente, a saber a contrição , a confissão e a satisfação , são co-
rno que a materfo do Sacramento da Penitencia. (3) Primeiramente, é
facil comprehender que a contrição, a confissão e a satisfação de-
vem ser, da parte do penitente, as condições e com-0 que a base

(1) Na linguagem catholica, a palavra penitencia significa tres cou-


sas : 1.º , uma virtude pela qual o homem se arrepende de seus pec-
cados ; o vicio contrario chama-se impeoilencia, e consiste cm não que-
rer arrepender-se., antes ter aITccto aos peccados e continuar n'cllcs. A
· segunda, é a pena e morlifica~ão que o homem se impõe, afim de satis-
fazer a Deus pelo mal que lem commelt1clo ; assim dizemos que um ho-
mem fª.z· uma grande penitencia, quando castiga severamente o seu cor-
po pelo jcjqm e. outras austeridades. A terceira,· é o Sacramento da Pe-
nitencia, que Nosso Senhor instituio para perdoar os peccados daquel-
les que, tendo perdido a graça santificante , e detestando suas culpas ,
desejam entrar na amizade. de :Qcus. E' n'esle ultimo sentido que va-
mos explicar a pcnilencia.
(~) Se.ss. XIV, e. 11.
(3) Scss. XXIV, e. 8.

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8 CATECISMO
do Sacramento da Penitencia , atten.dendo a que este Sacramento foi
inslituido por Nosso Senhor Jesu-Christo em forma de tribunal de
reconciliação entre os homens e Deus. Ora, n'esta qualidade de tri-
bunal, é preciso de necessidade: 1. º que o culpado conheça o seu
peccado, e que tenha dor d'elle; 2. º que o confesse ; 3. º que pro-
ponha satisfazer pela offensa que commetteu: eis aqui precisamente
o que deve fazer o peccador. E' tambem preciso que intervenha
uma sentença do Juiz competente, que perdoe a offensa, e dê uma
segurança disto ao culpado : eis precisamente o que succede , como
adiante explicaremos.
Se o Concilio de Trento diz simplesmente que a contrição, a
confissão e a satisfação são como que a materia do Sacramento da
Penitencia, isto não significa que ellas não sejam a verdadeira ma-
teria , mas que estes actos do penitente não são do mesmo genero que
a materia dos outros Sacramentos, a qual é toda externa em rela-
ção áquelle que os recebe , como a agua no Baptismo o o Santo
Chrisma na Confirmação : no Sacramento da Penitencia a materia
é uma cousa moral, quando nos outros é uma cousa natural ou
artificial. (1) Expliquemos agora cada um dos sobreditos actos.

(1) Catech. do Cone. de Trento, t. li, p. 2õ8. - Nomine corpora ..


lium rerum intelliguntur large eliam ipsi exteriores _aclus sensibilcs qui
ita se habent io hoc Sacramento, sicut aqua in Baptismo, lei chrisma
io Confirmat1onc. Est autcm atlendendum quod in illis Sacramentis in
quibus cooferLur excellcns gratia, qnre superabundat omnem facultatem
humani actus, adhibetur aliqua corporalis materia cxtcrius ; sicut in Ba-
plismo, ubi lit plena rcmissio peccatorum et quantum ad culpam et quan-
tum a<l preoam; et in Confirmationc, ubi datur plenitudo Spiritus sancti;
et in Extrema Onctione, ubi confertur perfecta sanitas spiriLualis , qure
provcnit ex virtute Christi, quasi ex quodam éxtrinseco principio. Unde
si qui actus humani sont in tahbus Sacramcntis , non sunt de cssentia
Sacramcntorum , seJ disposihvc se habent ad Sacramenta. In- illis au-
tem Sacramentis qure habent aílcctúm correspondcntem humanis acti-
bus, ipsi actus humani sensibiles sunt loco materire, ut accidit in Pren1-
tcntia ct matrimonio ;_sicut eti~m i_n ·medicinis corporalibus quredam sunt

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DE PERSEVERANÇA. g
Exame. - Para ter contriç.ão dos peccatlos é preciso conhe-
cel-os; e d,aqui a indispensavel necessidade do exame de conscien-
cia. O exame de consdencia é uma diUgente i"ndagação dos pec.ca-
dos qtM se commetteram depois da ultima confissão, se esta foi bem
feita. As principaes qualidades que deve ter o exame, e ·os meios
de o fazer são os seguintes : _
1. º O exame de consciencia deve ser cxaclo , considerando
attenlamente todos os peccados por pensamento, palavra .ou obra em
que temos incorrido contra os mandamentos de Deus e da Igreja ,
e particularmente contra os deveres do nosso eslauo, desde a ulti-
ma confissão ; mas releva antes de tudo examinar se a ullima confis-
são foi boa , isto é, se fizemos antes della sufficiente exame, se ti-
vemos dor sobrenatural e sincera , com firme e verdadeiro proposito
de nos emendarmos ; pois, ao contrario, ·.se o exame foi ligeiro, con-
tentando-nos com o que nos vinha naturalmente á memoria , quan-
do tinhamos graves rasões para examinar alléntamente a nossa cons-
ciencia ; se não houve sinceridade em confessar qualquer peccado
grave, ou duvidavamos se o era; emfim, se logo depois tornamos
a cahir com facilidade , ou ainda muitas vezes nos mesmos pec-ca-
dos mortaes , então a nossa confissão foi má; porque se não hou' e
emencla, diz nm Padre da Igreja, foi falsa a penitencia. (1)
Para dar ao exame a exactidão necessaria, é preciso proporcio-
nal-o já á medida do tempo que decorreu depois da ultima confis-
são, já á mulliplicidade dos negocios em que andamos envolvidos,
já emfim á variedade das occasiões que temos tido d'offeoder a Deus.
Importa rêcordar-nos dos lugares que temos frequentado; das pes-
soas com quem havemos tratado; em summa, imitemos a mulher do
Evangelho, que , para achar a sua drachma perdida , procura por
lodos os cantos da casa, revê todos os moveis, dá traclos á memo-

res. extcrius adhibitre, sicut emplastra et clectuaria, qnmàam vcro sunl


actus saoandorum, puta exercnationes quredam. D. Th. 3 p. q-. 84. ,
art. 1. ·
(1) Ubi emeadalio nulla, ibi Poonitenlia fals:t. Tertull. de Prenit.
2 V

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10 Cv\'l'ECIS~IO

ria -; emiim, para usar da expressão ele S. Francisco de Salles,


cumpre fazer com a alma o que o relojOetro faz com o relogio,
que o desmancha e examrna peça por peça.
2. º O exame de consciencia hade ser imparcial. Devemos exa-
mmal'-nos a nós mesmos como cxaminariamos aos estranhos ; d'ou-
tra sorte o nosso exame será mais ou menos defeituoso. A duas
cousas principalmente devemos alleniler ; que são: aos nossos pe~­
cados prcdilectos, isto é, a que somos mais inclinados , e aos quaes
as maximas e costumes communs da sociedade parec-em justificar ·;
pelo que os commeltemos mais vezes e com menos remorsos. Des-
tes , pois , é facil ter consciencia falsa , e fazer , por consequencia ,
falso exame. A segunda cousa a que devemos attender é á causa
ou origem dos peccados. Nada mais importante do que saber d'on-
de provem cm nós lal ou lal peccado ; se da soberba, se <la inve-
J:l, <lo odio, ambição. perguiça ele. Quando queremos destruir
uma arvore, não basta lirar-lhe os fruelos e cortar-lhe os ramos,
cumpre arrancar-lhe as raizes. Não é po1· ventura á falia do co-
nhecimento proprio que se dern altribuil' o pouco fruclo das nossas
confissões? E' de mister sondai· cuidadosamente as mauhas da cons-
ciencia ; estudar, e não pleitear a causa ; ser JUiz, e não adloga-
clo ; mas sobre tudo ler muito rPceio tle nos não conhecermos , ou
11ão nos tl~rmos bem a conhecer; porque tlesgraçadamenle o que
ca~la um mais leme, é ver-se e mostrar-se lal como é. Para fazer
bem o exame ele conscil'ncia, empreguemos pois os seguintes meios.
que a Fé e a mesma rasão nos indicam.
A Oraçcio. Quanto mais expostos estamos por nossa leviandade,
ignorancia e paixões, a fazer máo exame, tanto mais releva recor-
rermos a Deus pela oração. PocJemos dirigir-lhe , quando o come-
çamos, esta Jterna invocação : « O' origem eterna de luz , cli~ino
Espirilo Santo, dissipae as lrevas que encobrem a torpeza e rnali-
cia do pecca<lo, fazei que eu lhe tenha tam grande horror, que, se
é possível, o deteste tanto conio ''Ós o lletestaes. En vol-o suppli-
co , ó meu Dtius, pC'lo Sangue que derramastes para expiai-o. ))
A Fe. Dcn~mos considrrar que do exame depende a confissão,
" que da confissão dependerá. talvez a nossa salvação eterna. Eslo
pen ~amcnto nos ajudará maravilhosamente a julgar-nos como se de-

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DE PERSEVERA~ÇA. 11
v~ssemos apparerer n'aquella hora diante de Deus. E não ó isto ,.~
supposição ; porque depois de nos Lermos examinado, apparecemos com
effeilo dianl.e de' Deus, representado pelo seu ministro no tribunal
da _Penitencia ; alli se nos dá sentenç~ a favor ou contra, segundo
as nossas disposições ; pois se são boas e sinceras , a sentenç.a é
justa, e Deus a ratilica no Cco ; se porem são falsas e imperfeitas,
a sentença é injusta, e não nos servirá senão de condemnaç.ão , por
termÕs profanado e tornado inutil o sangue de Christo. Lembremo~
nos que um <lia o mesruo Deus fará o nosso exame de consciencia,
quando nos levar , não ao tribunal da sua misericordia , mas ao
dá sua justiça. Felizes seremos então , se nos houvermos julgado
antes com j usliça e equidade ! (1)
O recollzimento. Para nos examinarmos cumpre procurarmos ,
quanto nos seja possivel, um lugar commodo e retirado <lo bu1icio ,
afim de evitar toda a distracção. Quanto ao mais, ha um excellen-
le meio de facilitar o exame , que é o util costume de o fazer to-
das as noutes. Os mesmos pagãos aconselham esta practica. Que
digo eu? n'islo seguimo..s o exemplo do mesmo Deus. A semana
da creação representa a duração do mundo, assim como a duração
da vida ; Deus obrando seis dias, para descançar no setimo , é o
nosso modelo. Assim yemos que este Deus infinitamente perfeito
examina, cm cada dia da creaç.ão , as obras que ia produzindo.
Depois , no fim desta grande semana, passou pelos olhos todas as
suas creaturas e as achou dignas de si. Que m~lhor podia elle ad-
vertir-nos que quem é zeloso da sua salvação, deve examinar a sua
consciencia e a sua ,·ida, antes de adormecer ; e muito mais , antes

<1) Vcrsclur aotc oculos nostros imago íuturi judicii, et ascendat


homo adversem se, ante facicm suam , alque conslitulo in conte judi·
cio, -adsit accusans cogilatio. et testis conscicntia, ct rarnifcx cor. Io-
de quid.am sailguis animi confitenli!? per lacrymas pronuat , postrcmo ah
ipsa mente talis sentcnt:a proferelor, ut se indigoum homo Jodicct pdr-
tic:ipem corporis et saugoiois Domini. S. Agosl. Cilat. a D. Th. Lect.
7 in l Cor. II.

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éATECJSMO

de ir saborear o repouso do justo, reclinando-se, pela sagrada Com.;;


munbão, no seio do -Salvador?
Contrição. Depois de examinados e sabidos os~peccados, cum~
pre pedir delles perdão a Deu~. A contrição deve começar na ai-
.. ma Jogo que se acaba o e~ame : é esta a primeira parte do Sacra-
mento da Penitencia. Ora , segundo o Concilio de Trento, a Con-
trição é uma do1· da alma e uma detestação do peccado commetti-
do , acompanhada do firme proposito de não tornm· a peccar (1) A
palavra Contrição significa a acção de quebr~r , esmigalhar, re-
duzir a pó ; pois assim como as cousas maleriaes se quebram e
despedaçam quando lhes batem com um martelo, assim a palavra
contrição dá a entender que os nossos corações, endurecidos pelo
peccado, se quebram e despedaçam pela força do arrependimento ;
não porque a contriç.ão deva ser uma ·dor exterior e sensivel; pois
é essencialmente UPl acto da vontade, e d'aqui vem o dito de Ter-
tulliano : « O homem que se arrepende é um homem irritado con-
tra si mesmo. » O ser a Contrição absolutamente necessaria, para
a remissão do peccado venial ou mortal , é cousa Iam evidenle que
o querer provai-a_ é ociosidade. Em todo o tempo , diz ainda o
Concilio de Trentc; , a conlriçãD foi necessaria para obter a remis-
são dos peccados. E' ella que "'prepara o homem que peccou depois
do Baplismo para obter o perdão, se elle juntamente tem confian-
ça na Divina misericordia, e desejo -de fazer tudo o que se lhe or-
dena para J:>em receber o Sacramento da Penitencia.... O Santo
. Concilio declara que esta contrição não inclue somente a cessação
do peccado, e a vontade e o principio d'uma vida nova, mas lam-
bem o odio da vida passada, segundo as palavras de Nosso Senhor
na Escriptura : Arremessai para longe de vós todas as vossas ini-
quidades , e creai em vós um coração r1ovo e um novo espirito. Sem
duvida, aqnelle que se lembrar d'estes gemidos dos San los : Só con·

<1) Conlrilio, qure primum locum inter diclos Prenilenlis aclus ba-
bel, animi dolor ac detestatio. est de peccato commisso , com proposilo
noo peccaudi de cretero. Sess. XIV, e. 4.

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DE PERSEVERANÇA. 13
Ira vós pequei, e na vossa presença obrei o mal : Fatigado estou
com o meu pranto, com lagrz"rnas lavarei o meu leito todas as nou-
tes: Diaute de vós tenlw recordado lodos os meus amws com amar-
gura d'alma: quem se lembrar, digo, d'eslas e muitas outras ex-
pressões do mesmo genero , comprehenderá perfeitamente que estes
gemidos nascem d'um odio violento contra a vida passada, e d'uma
geral deles lação do peccado. >> (1) Tal é lambem a linguagem com-
mum dos Padres. (2)
A Contrição refere-se igualmente ao passado e ao futuro.
Quanto ao passado , é o pesar de ter offendido a Deus ; pelo que
respeita ao futuro , é a vontade firme de nunca mais o offender.
Com effe_ilo, seria ridículo dizer que estamos arrependidos <l'uma ac-
ç.ão, se não temos a resolução firme de 11unca mais a praclicar.
Alem disso, a contrição encerra lres actos particulares : 1. º uma
dor superior a toda a dor, ja por ter offendido a Mageslade de
Deus, por elle ser Deus , e por consequencia, digno de ser prefe-
rido a tudo ; já por ter perdido a sua amizade, que excede todo o
outro bem ; já emfim, por ter merecido o inferno e a escra'' idão
eterna <lo demonio ; 2. º uma vontade firme de nunca mais offender
a Déus, nem por amor d·algum bem, nem por temor d'algum mal,
por maior que seja; e esta vontade inclue em si a de reparar o
damno que se tem feito contra Deus ou contra o proximo, evitar
as occasiões do mal, e cumprir a penitencia sacramental; 3.º uma
grande confiança na- misericordia divina, crendo que hade obter o
perdão de todos os seus peccados , e a graça de se corrigir e per-
severar até o fim. Esta confiança deve ser fundada na bondade de
Deus, e nos merecimentos de Nosso Senhor.
Ha duas qualidades de contrição ; perfeita e imperfeita : a con-

(1) Scss. XIV, e. 4.


<!) Veja-se Drooin , De re Sacrament. art. Contrit. - Admonen-
di suot qui admissa deseront , neque tamen plaogunt ne jam retaxatas
aastiment culpas , quas elsi agendo oon mufliplicant • oulJis tamen fleti-
bus mundant. S. Greg. Pastoral 3.

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CATEf.ISMO

trição perfeita é a dor t.le ter offendido a Deu~. por elle ser ioíl-
mtamenle bom. Esta contrição só de per si, incluindo o voto de
receber o Sacramento da Penitencia, basta para perdoar os peccados.
A contrição imperfeita, que lambem se chama allriç,ão , é a dor
de ler offendido a Deus, pelo motivo de ter perdido ao mesmo Deus,
- e a bemaventurança, e ter merecido o inferno ; ou considerando a
torpeza e fealdade sobrenatural , mas particular ào peccaclo : esta
contrição suppõe algum principio d'amor de Deus. (1) Para o per-
dão dos peccados, a contrição imperfeita deve estar junta ao Sa-
cramento da Penilenc.ia . Quereis conhecer a differença que ha en-
tre estas duas qualidades de contricções e o temor puramente ser-
''il? Escu_tai a parabola seguinte :
Um pai Linha tres filhos que mandava todos os dias a um pra-
do, pastorear tres pequenos cordeiros, cuja guarda lhes confiara.
Um dia porem adormeceram os pastores, e, em quanto dormiam ,
vieram os lobos d'um bosque ,·isinbo , e comsigo levaram os cor-
deiros. Aos lastimosos balidos das ovelhas despertaram os tres mo-
ços, e vendo ao longe os lobos com a presa se pozeram a chorar,
enchendo aquell~s lugares com gemidos e queixas. Estavam todos
inconsolaveis. Mas eis aqui a causa do seu pezar. O mais velho
dizia : Eu choro porque meu pai me baterá, e me castigará por ter
deixado · levar o meu cordeiro; se não fosse isso não choraria. O
segundo dizia: Quanto a mim , eu choro por causa dos açoutes que
~ apanharei , e lambem pela dor que meu pai terá quando souber
que os Jobos levaram o meu cordeiro. O- mais moço porem , que
chorava mais amargamente, dizia debulhado em Jagrimas : Que afflic-
ção será a de meu bom pai .... antes eu queria ser açoutado toda
a minha vida do que ter-lhe causado um tal pesar. (!) O primei-
ro destes filhos é o cbrislão que não tem mais que um temor ser- ·
vil ; o _segundo, é aquelle que tem contrição imperfeila; o tercei-
ro, é o que tem a contrição perfeita.

(1) Horn. ap. Tract. XVI, n. U-16.


~) MeLhodo de S. Sulpicio, p. !73.

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DE PERSEVER!~ÇA. 15
Por aqui se vê que a Conlrição perfeita e a attrição leem de
commum o serem ambas uma dor sobrenatural de ler offendido a
Deus~ mas são differentcs nos seus motivos e elfeilos. Nos moti-
Yus, porque a pr!meira nasce d'um sentimento d'amor , e se refe-
re ao mesmo Deus, sem mistura de inleresse pessoal. Nos effeitos,
porque a primeira justifica a alma , isto é, põe-a em estado da gra-
ça. e apaga os pecrados ; com tanto que seja acom panbada do voto
ou drsejo de se confessar , pois sem isso não seria contrição per-
feita. A segunda dispõe a alma para a justificação mas não per-
doa os pecca<.los senão com o actual Sacramento da Penitencia. Aquel-
la pessoa· pois que está cm artigo de morte, e não podé confessar-
se, de\'e fazer um aclo ae contrição perfPila , Lendo juntamente o
desejo de se confessar logo que possa~ e isto bastará para se sal \'31'.
Não será o mesmo se se contentar com um acto d'allriçãÓ. Nolc-
se quanto uitrere da attrição um aclo <le contrição perfeita ! A
contrição, como dissemos, é absolulamenle necessariil : nunca sem
ella , t'm nenhum caso se alcança o peràão dos peccados. Mas como
esta contrição 1rnde ser falsa , e só apparente, importa muito
nos não deixemos illudir ; l~ para não cahi rmus em lal desgraça
rPparemos quaes são as qualidades da verdadeira conlri~Jo. A
eonlrição deve ser inlrrior, suprema , sobrenatural , e uni..
wrsa 1.
1. º Deve ser interior. Que faz quem perca? Prefere a e rea-
tura a Deus, apropria vontade, o seu capricho, o S('U prazer á von-
la<le de Deus. Esta desordem é um aclo que nasce do coração e
se verílica pela vonla<le : tal é a origem do mal, tal a sua essen_
ria. Por tanto a contrição, que é o remedio do mal , deve estar
no coração para alli destruir o amor desordenado da crealura , e
subsliluil-o pelo amor do Creador. Não podo restabelecer-se a ordem
senão aonde foi violada. Por consequencia , as Jagrimas, as protes-
tações , o.s gemidos , lorlas as demonstrações exteriores elo arrepen-
di menlo não são mais que illusões e mentiras, se a vontade não es-
tá mutlada. Deu~ não se contenta, ou antes não se illude com isso;
o que elle qner é um coração conlricto e humilhado. Corwertei-t·os
a- mim, nos diz elle em muitos lugares das Santas Escripluras, não

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CATECISMO

de boca e só com os labios , mas do ftmdo do coração. (1) De facto ,


que cousa mais justa e rasoavel ?
Se bem que estas lagrimas e protestos d'arrependimento muitas
vezes sejam femenlidas, como a experiencia tem mostrado, e como
temos exflrnplo em Anliocho, comtudo em alguns casos podem ser
a expressão d'uma dor interior e verdadeira de ter peccado ; dor
tam viva que afflige sensivelmente o peccador, e o faz banhar-se em
lagrimas. Tal foi a dor de David, o qual nos diz que estava can-
çado ele chorar, e que todas as noutes regava de lagrimas o seu lei-
to ; tal foi a dor da Magdalena , que lavou com suas lagrimas os
pés do Salvador em casa do Pharizeo ; tal foi a dor de S. Pedro,
quando chorou amargamente o seu peccado. Felizes lagrimas, quan-
do <leslizam de similhante origem l Estas ferlilizam o Ceo, arnolle-
cem a terra, e extinguem o fogo do inferno, apagando o decreto
de morlc pronunciado contra o peccador. (2)
2.º A contrição deve ser suprema. Imporia que dt~testemo5
mais o peccado mortal, que outro qualquer mal que nos possa acon-
tecer ~ e nos peze mais de o haver commetlido, que se houvessemos
perdido o que nos é mais charo : a rasão é obvia. Pelo peccado
mortal per<lemos a Deus : ora, Deus é o maior de todos os ben;;.
Para procedermos pois como é de rasão , e estarmos venladeiramen-
le contriclos, é de mister nos dôa mais de perder a Deus, que to-
das as outras cousas ; releva que o peccado , que nos priva do
sumrno bem, seja <le todos os males o que mais arreceiemos e de-
testemos; (3) aliás, a nossa contrição não é suprema; antes preferi-
mos ainda a crealura ao Crrador, Barrabaz a Jesu-Chrislo. Quam
vergonhoso é para nós o custar-nos tanto a formar no coração esta

(1) Joel. IT.


(2) Petr. Chrysol. Serm 93.
t3) Dolor de pcccalis morlalibus comm1ss1s dchet CS!'C summus,
non rntcnsivc, !'Cd npprctiative. ita ut Prenitcns nihil magis Jetcstctur
quam pcccatnm • et vclit potius omoia mala muadi perpcti , quam mor-
ta li ter Dcnm olfondcrc. Communis. vid. Fcrraris, Pamil. 1acr. n. 33.

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DE PERSEVERANÇA. 17
contriçâo suprema ! ~~ilhos dos mart1res , sirva-nos de lição o ex-
emplo de nossos pais t S. Clemente Papa, sendo preso e levado pe-
rante o juiz, este, esperando fazei-o apostatar, mandou trazer para
alli ouro e prata, pttrpuras e pedrarias , promettendo ao Santo que
tudo lhe daria , se quizesse renunciar a Jesu-Christo. O Santo, po-
rem, ao ouvir tal proposta, mortificado de ''er comparar o seu Deus
a todas aquellas cousas, não pôde responder mais que curvar a ca-
beça para o chão , e arrancar do peito um profundo gemido.
Viram-se nos seculos de Fé grandes peccadorcs morrer de dor
aos pés do Sacerdote, a quem acabavam de confessar os seus pec-
cados. Um destes robustos Christãos, ten~o a desgraça de commet-
ter um crime enorme, correu logo a procurar o Arcebispo de Sens,
para que o confessasse. Depois de se ter confessado com muita dor
e lagrimas, perguntou se podia esperar o seu perdão. Sim , res-
pondeu o Santo Arcebispo, se estaes prompto a cumprir a peniten-
cia que eu vos impozer. --- Todas as que quizerdes , tornou o pe-
nitente , ser-me-hia preciso soffrer mil mortes. - Eu vos dou sele
annos de penitencia , disse o Arcebispo. - Que são · sete annos,rneu
pad.l'e? quando eu fizesse penitencia até o fim do mundo , ainda is-
so seria pouco. --- Bem , jejuareis somente tres dias a pão e agoa .
.._ Meu padre; meu padre, lhe tornou o peccador soluçando , e de-
bulhando-se em lagrimas, peço-vos que me deis uma penitencia conve-
niente. O AFcebispo, vendo-o tam contricto : Ordeno-vos, lhe disse,
que rezeis só um Padre Nosso , e asseguro-vos que o vosso peccado
será perdoado. A ·estas palavras compenetrou-se o penitente d'uma
tal compunção que, arrancando do peito um profundo suspiro, cahio
alli redondamente morto. O Santo Arcebispo, enternecido a ponto
de chorar, assegurava depois que este pobre pe~cador linha lido uma
tal contrição, que subio ao Ceo sem passar pelo Purgalorio. To-
davia, para que a Contl'ição se eleve ao- gráo de suprema não é
necessar10 que seja a mais sensivel de todas as dores , isto é , que
nos cause por exemplo as mesmas impressões de pena, que derra-
memos as mesmas lagrimas , e soltemos os mesmos gemidos , que
na perda dos nossos parentes : e porque? - porque em quanto a
alma está unida ao corpo, commove-se mais pelos objectos sensíveis
que por aquelles que não operam sobre os sentidos. Basta pois que
3 V

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18 CATECISMO

tenhamos, pela graça de Deus , um sincero proposito de soft'rer an•


tes todos os males possiveis, do que commeller um só peccado mortal. (1)
3. º A contrição deve ser universal. Quer islo dizer que cum-
pre detestar todos os -peccados morlaes , que se leem commellido,
sem excepluar um só ; d'outra sorte não se obteria o perdão de ne-
nhum delles ; antes pelo contrario se profanaria Q Sacramento da
Penitencia. Com effeilo, a rnateria necessaria deste Sacramento são
lodos os peccados mortaes, e por consequencia é de necessidade se
sujeitem todos á acção sanclificante do Sacramento , pelo qual so-
mente se perdoam. l\fas o Sacramento não póde ter a sua acção
sem que seja completo assim em sua materia , como em sua forma
e ministro. Por tanto, não ter conlrição d'um peccado mortal é
privar o Sacramento da materia necessaria, é profanal-o. Alem dis-
so, não se pode verdadeiramente aborrecer um peccado mortal sem
aborrecer ao mesmo tempo todos os mais, porque Deus se offende
de todos, e implica ser amigo e inimigo de De\Js ao mesmo tempo.
Para bem' enlemlermos a necessidade de nos arrepénder de lodos os
nossvs peccados sem deixar algum, curou Nosso Senhor assim o cor-
po corno a alma do paralytico ; e quando expulsa' a os demonios
dos corpos ·dos possessos, expulsava-os a todos , e alé legiões del-
lcs. (2) As pessoas sujeitas a máos habilos eslão muilissimo expos-
tas a fazer estas funestas excepções.

(1) lia pessoas timoratas que, não sentindo aclttalmente esta disposi-
ção para soffrcr tudo, a morle, por exemplo, anles do que commetlcr um
peccauo mortal, perturbam-se e Lemcru não ter çontrição. Importa fazer·
lhes notar que, niio lhes sendo acfoalmente necessaria a graça do sof-
frcr estas tcmivcis provas , não é do admirar se não sin lam dispostos
para isso. O que cumpre, sim, é que se achem com a nccessaria dis-
posição para fazer lodos os sacrificios que Deus lhes exige actualmrnte,
e quanto aos outros, tenham firme confiança qnc, na occasião lhes não
faltará a graça. Fiel é Deus, e não pcrmiUirá que 5ejaes lentados alem
· das vo&sas forças. ,
(2) Auclor lib. de Vera ct Falsa Pmnitent. inlor opera D Aug. J;.
O. - Aü valorem Sacramcnli rcquirilur. dolor supcrnaturalis et universa-

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DE PERSEVERANÇA. 19
4. º A contrição deve ser sobrenatural. Á.rrPpendermo-nos dos
peccados por causa dos desgostos qÚe dell'es nos resultam, da ver-
gonha ou dos castigos que tememos da parte dos homens , ou dos
males lemporaes que se lhes podem seguir , é ter uma dor inteira-
mente natural e humana ; a qual está mui longe de ser sufficienle
para obter de Deus o perdão dos peccados. E" necessaria uma dor
sobrenatural , islo é , produzida por um movimento da grªça ; que
se funde nos motivos revelados ; que tenha a Deus por fim , e nos
faça detestar o peccado por ser offcnsa sua. A contrição é pois um
dom de Deus ; de sorte que o homem não pode arrepender-se co-
mo lhe convem senão por inspiração e auxilio do Espírito Sanfo.
Uma vez . que o peccado deu a morte á alma , é impossivel que
ella p0ssa resuscitar sem o auxílio de Deus, que é o author da vi-
da. (1)
Dissemos que a Contrição se refere igualmenle ao passado e ao
füturo. Quanto ao passado, ella consiste no pezar de ter offendido
a Deus ; quanto ao futuro, é a resolução de o não offender mais :
esta resolução chama-se firme proposito ; o firme propos1to · é pois
uma parle· essencial da contrição, e lÍade ter, por consequencia ,
as mesmas qualidades, ou para fallar mais exactamente, o firme pro-
posilo não é outra cousa que a mesma conlrição em relação a·o fu-
tu rn. Por isso, como dizem os theologos, o proposito deve ser ab-
~oluto, e não condícional ; firme, e não vacillanle ; erncaz , e não
especulativo; universal, abrangendo todos os . peccados morlaes, e
não limitando-se somente a alguns ; explicito , e não indelermina-

Jis, sallem virlualiter rcspectu ornnium pcccalorum rnortalium : unde si


de uno solo mortali scicntcr non habeatur, ncc scienter vclit haberi do-
Jor, peccatur gravissime et nullum redditur Sacramentam, quia deficit
materia proxima necessaria, quffi est dolor reconcilíalionis cum Oco, qui .
0

saltem im plicite ct virtualiter debet includcrc detestationcm omuium mor-


talium. ctiam invincilnliter ob!itorum, aut inculpabiliter ignoratorum,
Ferraris, Poenit. sacr. n. 33.
(1) Cone. Trid. Sess. XIV, e. 6 e Sess. yI, Can. 2.
*

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20 CATECISMO

elo ; formal , e não vago e implicito. (1) Esta disposição de não tor...
nara offender a Deus, e mudar para melhor theor de ''ida,é d'absolula ue ..
cessidade, pois sem ella, o que faz por se persuadir que eslá arn~...
pendido ou quer illndir-se, ou iJludir a Deus, e é como se dissrsse:
Tenho grande pezar de ter offendido a Deus, e disso lhe peço per...
dão ; mas o que não estou resolvido é a não tornar a fawr o rnes . .
mo. » Se um vosso inimigo vos fallasse deste modo , não tomaríeis
as suas <lesculpas por zombaria, e o seu arrependimento por dissi-
mulação? Logo é evidente, que a Contrição, tanto em relação ao
futuro como ao passado, deve ser interior, suprema, universal e so ...
brenatural. Teremos em nós uma consoladora prova de que tal foi
a nossa contrição, se cuidamos em fugir não só ao peccado mas ás 1

occasiões delle.
Quanto aos motivos do . arrependimento, propõe-nos a Fé dous
principaes, qu-e são o temor e o amor de Deus. Eis aqui a· manei-
ra por que um Santo Bispo do seculo passado empregava esles mo.,
tivos. Depois de fazer o seu exame de consciencia, c.lirigia a Deus
fervorosas supplicas , pedindo-Jhe a contrição. _ N'isto seguia o exem . .
pio de S. Carlos, arcebispo de :Milão, que eslava algumas vezes tres
lloras de joelhos antes de se confessar, implorando a Deus o arre...
-pendimento de suas culpas.- Assiin devemos nós fazer ~ a contri...
ção é um dom de Deus :· se a queremos obter é preciso pedil-a.
Depois de haver orado, fazia o nosso santo Ilispo tre~ estações~
a primeira no inferno , a segunda no Ceo, a terceira i:io Calvario.
Entrava cQm o pens~menlo no logar dos tormentos, e, oom os olhos
da Fé, considerava o lagar que suppunha ter merecido, no meio
de eternas e abraz.adoras chamrnas, em companhia dos demonios e
dos reprobos. Agradecia ao Senhor pelo não ter já aJli precipitado,.
pedia-lhe usa$se ainda de misericordia, e lhe desse a· graça de que

(1> Propositum debcl esse absolutum, 6rmum, cfUcax, et univrrsa-


Je, se cxlendeos acl omnia mortalia in posterum evitanda .... Ad contritio-.
- nem requiritur cxplicitum ac formale propositum ''itro melioris. Ferraris,
id.; Dcllar. lih. II, de Poenit. e. 6.

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DE PERSEVERANÇA. 21
carecia para não cahir n'aquelle abysmo. Subia depois ao lugar da
gloria e da bemavenlurança. Ao considerar a celeste Jerusalem to-
da radiante de luz , toda innundada de delicias , suspirava por \'er
que o peccado lhe tinha fechado as portas, e entrava a pedir a Deus
que de novo ·lh'as abnsse, e para este fim recorria á intercessão de
todos os Santos penitentes, taes como David, S. Pedro , S. Paulo ,
Sl.ª Maria Magdale11a, S. Agostinho.
Estas duas primeiras estações tinham por fim excitar em sua
alma um vivo temor de Deus. Do temor passava ao amor. Era pa-
ra isto que fazia a terceira estação sobre o Calv~rio. Ahi , consi-
derando a Nosso Senhor crucificado , dizia lá comsigo : Eis o que
- eu fiz ; fui eu a causa das dores que Jesu-Christo soffreu ; cooperei
com os peccadores que cobriram <l'escarros e de chagas ao meu
Salvador e Pai, que nunca me fez senão bem ; cooperei com elles
em coroai-o d'espinhos, e crucifical-o, e dar-lhe a morte. O' Jesus,
que mal me fizestes vós ? como pude tratar-vos assim, a vós que·
me tendes amado tam excessivamente, a vós a quem cu deveria
amar com um amor infinito ~ se pudesse amar infinitamente? E'
por serdes infinitamente amavel que eu yos amo e me peza , Se-
nhor, de vos ter offendido. No exemplo deste santo Bispo , temos
não só os motivos da contrição, mas tarnbem os meios de a exci-
tar em nós. Irnitemol-o fielmente, pois se\. o fizermos poderemos
contar que nunca nos faltará esta condição indispcnsavel para a
remissão dos nossos peccados.
Não é somente por ser a conlriç.ão ·à parte essencial , e muitas
vezes a ma~s desprezada do Sacramento da Penitencia , que aqui
fallamos della em primeiro lugar ; senão porque lambem. ella deve
preceder a confissão, afim de a tornar f armada ou dolorosa, como
dizem os theologos. Para isto não é de necessidade que o acto for ...
mal de contrição preceda a confissão , mas hasta que a confissão se
faça com intenção d' obter a absolvição, e que a contrição se ·mani-
feste depois, ao menos no aclo de pedir ou d'esperar a absolvição (1)

(1) s. Alph. lib. VI, D. Uõ.

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CATECISMO

Se bem seja sufficiente ter, antes da absolvição; a contrição tal como


deixamos explicacia, é todavia perigoso estar o penilente esperando
até este momento para a excitar em si ; ja porque pode estar per-
turbado , e não se lembrar d'1sso ; já porque é chfticil formar esta
dor em tam pouco tempo. E' pois conveniente o ·arrepender-nos lo-
go que peccamos mortalmente • pois é terrivel estar na (lesgraça de
Deus; seja porque é eslar exposto a cahir em muitos outros pec-
cados mortaes , que um abysmo chama oulro abysmo ; seja
porque pode a morte colher-nos subilamente ; seja emfim porque um
peccado mortal faz perder o merec\mento de lodas as boas obras
que fizermos , em quanto estivermos manchados delle. Por isso é
muito convenieule, quando houve.rmos de nos confessar, excitar-nos
á contrição logo depois do exame.
A confissão. - A contrição é o primeiro acto do penitente, e
a primeira parte do Sacramento da Penilencia; segue-se a confissão,
isto é, a accusação dos proprios peccados , feita a mn Sacerdote
approvado para obter a absolvição.
Dtz-se accusação e não recitação , par·a dar a enlenuer as dispo ..
sições de humildade e compunção com que deve ser feita ; - dos
proprios peccados , e não de cousas inuleis e impertinenles ; - dos
proprios, e não dos alheios ; - dos proprios peccados , e não em
geral , como é por exemplo dizer: eu não amei a Deus , eu não
pedi a Deus como devia ; accuso-me dos sete peccados morlaes ;
confesso não ter usado bem dos meus cinco seniidos. E' precizo
dizer , explicitamente, a natureza, o numero e as circumstancias
de todos os peccados commellidos por pensamento, palavra ou obra ;
por commissão ou omissão ; d'outra sorte não pode o confessor jul-
gar do estado da consciencia , nem applicar-lhe o remedi o conve- -
niente. Feita a um Sacerdote e não a um diacono , nem a um
leigo; approvado, isto é, que tenha recebido da Igreja o poder de
confessar ; para receber delle a absolvição, e não o castigo ' como
succede 'nos tribunaes ordinarios. Eis aqui o que distingue o tri-
bunal da misericordia divina dos tribunaes da 1ustiça humana, ·e do
tribunal da justiça de Deus, depois da morte. Para operar a nossa
reconciliação com Deus, e dar a paz á nossa alma , cumpre que a
confissão seja boa, isto é, que tenha certas qualidades ou condicções

..
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. DE PERSEVERANÇ!. !3
que, quando a Religião as não tornasse um dever, a mesma rasão as
tornaria necessarias. Destas cond_icções urnas são de rigorosa ne-
cessidade, outras porem só de utilidade. A confissão hade ser sim-
ples, humilde, ingenua, prudente; isto pelo que respeita á sua
perfeição: hade ser dolorosa , sincera, e inteira; isto quanto ao in-
dispensavel.
1. º A con_fissão deve ser si'mples. A simplicidade oppõe-se á
duplicidade. Ora, ba tres especies de duplicidade que importa mui-
to evitar na confissão. A duplicidade de espirilo , de coração e de
lingua.
A duplicidade d'espirito consisle em não crer com a simplicida-
de d'um menino, em tudo o que o confessor nos diz para nossa sal-
vaç.ão. Estas almas refolhadas só querem crer o que lhes faz con-
ta , o que lisongea o seu genio, as suas ideias e inclinações parti-
culares. Por exemplo, dá o confessor alguns conselhos ou preceitos,
para nos guiar no bem, ou desviar-nos do mal ; e na occasião pa-
recemos dispostos a aceitai-os ; porem depois achamos mil razões
para não obedecer ; entramos a· discutir e a regalear ; ó duplicida-
de d'espirito ! grandemenle conclemnadà na Escriptura. (1) A s.im-
plicidade d'espirito, pelo contrario, consiste em ver na pessoa do
Sacerdote o mesmCl Jesu-Christo ; receber com infantil confiança, sem
discutir nem objectar , as regras d'àcções que nos elle der; e. cum-
pril-as com pontualidade e submissão.
A duplicidade de coraç~o consiste em querer e não querer, em
<1uerer o fim e. não querer os meios, ou no todo ou ein parte ; em
querer ir para o Ceo sem renunciar ao peccado e ás occasiões do
peccado ; sem se vigiar a si mesmo , nem reprimir o seu genio e
as suas paixões, nem fazer penitencia , nem practicar a virtude. E'
isto ler dous corações ; é assimilhar-se a uma porta , que se abre
e fecha vinte vezes ao dia, e no fim do anno -ainda está no mes-
mo lugar, girando nos mesmos gonzos. Deus aborrece esta dupli-

(1) Vir duptex animo inconstans est in omnibus viis sois. J>rot'.
Vlll.

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CATECISMO

cidade de coração. (1) A simplicidade do coração consiste , pelo


contrario, em querer franca e resolutamente o fim, que é a salva~
ção 1 e os meios de a obter, que são a fuga do peccado e a pra..
cUca dos deveres e das virtudes cbristãs. A duplicidade ele lingua
consiste em ter Iingua pàra se escusar e não pata se · accusar. Per..;
tó do fim da confissão, dizeis : por minha culpa , minha culpa, m1.;.
nha grande culpa ; depois porem, quando o confessOI' passa a diri-
gir-vos reprehensões e conselhos, então dizeis logo: foi por cÚlpa de
meu . irmão, foi por culpa de minha irmã, foi por grande culpa de meti
marido, de minha mulher, de meus criados: em summa, foi por cul-
pa de lodos quantos quizerem, menos por culpa vossa. Deus não .
detesta menos esta duplicidade que as outras duas. (2) A simplici.;.
dade de lingua consiste ao contrario em nos accusarmos, sem trazer
escusas ;. dizer o só necessario, o quanto baste para dar a conhe.;.
cer ao confessor a especie, o numero e a gravidade dos peccados.
O penitente simples não está com minuciosidades superfluas , nem
com divagações estranhas, nem com frases e prelongas estudadas ;
pois o que só pretende é patentear ao confessor o estàdo da sua
consciencia , tal qual · a tem , sem usar rodeios nem ambiguidades.
2. º A confissão deve ser humilde ; por quanto, que é a confis•
são ? Já o dissemos : a confissão não hade ser uma recitação , nem
uma historia indifferente ; mas sim â declaração das nossas culpas ;
tal que nos deve encher de vergonha e confusão , pois é a narra-
ção da ingratidão, do mais od10so perjurio, da mais cobarde trai-
ção ; em summa, é a narração dos proprios peccados. Assim, pois,
deve o penilente mostrar-se humilhado em seu exterior ; comparecer
no tribunal com a conveniente decencia e modestia ; estar de joe--
lhos, na posição de criminoso e supplicante ; não levar armas , nem
luvas, nem louçanias mundanas. No declarar os seus peccados cum..
pre ser humilde , altribuil-os unicamente á propria malicia; abater..

(1) Vult et non vull piger. -Sicut ostium verlltur in cardine suo1
sicut piger in leclulo suo. Vre duplici corde t Prov. XXVI, 14.
(~) Os biliogué deLestor. Prov. VIII, 13.

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ft'IU
;w

se àian_te de Deus pela consciencia da sua misena , e pela necessi-


dade que tem da divina miserirordia. Cumpre ainda ser humilde
na acce1tação dos conselhos do Confessor, e da penitencia que lhe
for imposta. Que miseria, ou antes que soberba é a daquelles que
se queixam, e murmuram e pleiteiam com o Confessor~ e com os
seus preceilos ~ Aqui se trocam os lugares; pois o reo quer ser
juiz ; e o confessor passa de juiz a ser ali vogado, por não dizer reo;
havendo que sustentar tantas demandas quantos os máos penilenles
qtte o acommellem.
3.º A confissão deve ser pura. Pura nas palavras de que nos
srnimos para nos accusar ; pura na intenção, não ousando apro-
ximar-nos a esle santo Tribunal senão para nos corrigir , e emendar
nossos peceados, e não por mero habito, ou apenas por descarregar
a memoria ; pura na Yontade, e por consequencia livre d'aquelles
escrupulos que enfadam o Confessor e o penitente, perlurbando-lhe
a paz do cspinlo , e obrigando-o a repelir cenlenares de ''ezes a
mesma cousa. O melhor meio dos penitentes se livrarem de seus
cscrupulos, é obedecer cegamenle ao confessor. Quando elle falia
derem t!izer comsigo : Foi Nosso Senhor quem me disse isto : e de-
pois obrar resolntamenle, e fazer ludo ao .contrario do que lhes di-
clam os escrúpulos. D'oulra sorte perderão os escrupulosos a rasão
e a piedade. -
A confissão deve ser prudente. Cumpre que o penitente, quan-
do se accusa das suas culpas, poupe a honra do proximo. Assim,
pois, se deve abster de descobrir peccados alheios ; e só o fará
quamlo tomou parle n'elles, e isso lhe for necessario para manifes-
tar como convem o seu proprio peccado; ou ainda se conllecer que
o confessor poderá dar alguns saudaveis conselhos ao complice e
desviai-o do mal ; mas ainda assim, . nunca jamais o deve nomear.
Basta, para a integridade da confissão, dizer a condicção e o gráo
de parentesco da pessoa com quem se commelleu o peccado. De-
clarar sem necessidade as fraquezas do proximo, não é só impru-
dencia, mas um grande peecado contra a charidade, pois é pura
malediceneia.
5. Todas estas qualidades são uleis, as que porem passamos a
0

descrever são necessarias. A confissão deve ser dolorosa , islo é ,


4 V

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2G CATECISMO

acompanhada de verdadeira contrição, tal como <leixamos cxplicada 1


incluindo o firme proposito de não tornar a peccar.
6.º A confissão deve ser sincera, isto é, sem dissimulação, ar-
tificio, ou disfarce , seja para fazer parecer venial um peccado mor-
tal, seja para dar como duvidoso o que é certo , seja para diminuir
a malicia d'um peccado, não explicando claramente as suas circu ms-
tancias. E' preciso confessar os peccados como na verdade são , e
do modo que eslam na_ consciencia~ sem augmentar ou diminuir cou-
sa alguma. O disfarce de nada serve. diante de Deus, o qual vê
os mais reconditos segredos do coraç.ão. Se enganamos o confessor,
não enganaremos a Jesu-Christo.
7.º A confissão deve ser i·nteira. « O penilen[e, diz o Sagra-
do Concilio de Trento, é obrigado, de direito divino, a confessar-sei
de todos e de cada um dos peccados morlaes de que se lembrar,
apôs de fazer diligente exame de consciencia , assim corno das cir--
cumstancias que mudam a especie do peccado. (1) » Eis o que é·
de fé. Alem disso, o penitente é obrigado a respcH1der sempre a
verdade ao confessor, toda vez que o interrogar ácerca da materia
da confissão. Deve alem disso declarar o numero dos peccados mor-
taes que tem commetlido ; e não podendo saber ao certo quantos
foram, calcule e diga pouco mai's ou menos. Se porem nada pu-
der calcular com certeza , exporá ao confessor a força e a duração
de seus máos habitos. Tambem se 'devem manifestar as circurn-
stancias que são de si um novo peccado. Aquelle , p-0r exetnplo ,
que tiver roubado a Igreja, não se confessa b0m se apenas disser
que roubou : hade ajuntar que foi a Igreja , porqnc commetteu um
sacrilegio. Quanto ao mais, occullar um peccado mortal na cem·
fissão é commetler um sacrilegio horri vel , é fazer do remedi o
veneno.
l\fas talvez direis : Não sei como heide accusar-me d'um certo
peccado , não atino como heide dizer ... ? Pois nesse caso pedi ao
vosso confessor que vos ajude. l\Ias elle ralhará comigo ... ? E' um

(1) Scss. XIV, Cao. 7.


·,

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DE PERSEVERANÇA. 27
engano ; antes ficará muito vosso amigo e "ºs estimará tanto mais,
quanlo por uma parte lhe dais com isso uma prov~ de confianç.a ,
que o honra muito , e o enche d'alegria, por se tornar o instru-
mento da vossa salvação ; e por outra parle , p~rque vê que tendes
um bom caracter, e juntamente a operação interior da graça. Mas
dtreis ainda : se eu occultar os meus peccados ninguem o saberá ... '!
Grande loucura. Se .os occultaes, lá ficará a consciencia a repre-
hender-vos ; parecer-vos-ba que todos vol-os eslam lendo no rosto ;
e o que mais é1 no dia de juizo, apparecerão diante de todas as
nações juntas , na presença de vossos parentes , amigos, e conheci-
dos : pelo contrario, se os confessardes, ninguem os saberá depois.
Deus se esquecerá delles; o vosso confessor não podera nunca pu-
blicai-os , esquecel-os-ha lambem; vós mesmo os esquecereis. De
sorte que o melhor -meio de sepultar os peccados em um esqueci-
mento eterno e completo é accusal-os ao confessor.
Posto que os peccados veniaes não sejam rnateria necessaria ela
confissão, é comtudo mais ulil e seguro dizei-os, porque mais facil-
mente se perdoam , e lambem porque nos não expomos a tomar
por venial o que é mortal. Se lemos só a confessar peccados ve-
uiaes, e~ige a prudencia que façamos recahir a contrição e o fir-
me proposito principalmente sobre algum pecca<lo particular pre-
sente ou passado • ou se os não ha, sobre algum mais notavel dos
veniaes; afim de conceber a dor necessaria para a validade do Sa-
cramento , o qual, sem verdadeira contrição será nullo. N'este caso
convem accusar-nos desse lal peccado no fim da confissão. Por
exemplo : Accnso-me em particular d'nma grande murmuraç.no, ou
de peccados nolaveis que commelli contra a castidade, a pureza , ou
contra tal ou lal mandamento de Deus ou da lgre1a ; porque não é
neccssario explicai-o mais, se já de tudo isto nos havemos confes-
sado ." Quanto ao mais, o verdadeiro meio de não faltar nem á con-,
lrição, nem á sinceridade, é fazer cada uma das nossas confis-
soens como se fosse a ullima. Praza a Deus nos não esqueçamos de
tam prudente regra ! Ah, que pela não seguir , sncccdeu aquelle
horroroso caso, que refere o illu~Lre Arcebispo de Florença • Santo
Antonino. Aqui o registramos para servir a todos d'exemplo , e
de remedio contra a vergonha na confissão. Uma menina , diz este ·

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28 CATECISMO

grande Santo, que tinha sido educada com summa modeslia, sendo
um dia v10lenlamenle lentada, cahio no peccado. Apenas o com-
metteu ficou cheia de confusão e despedaçada de remorsos. Como
lerei valor, dizia ella, para declarar o meu peccado a um confessor?
Desgraçada l a vergGnha a fez cahir em um crime mais vergonhoso
ainda. Quando chegou ao confessionario não ousou declarar o seu
peccado. Esle sacrilegio Hte augmenlou os remorsos. Par(lceu-lhe
que podia apaziguai-os pelas austeridades da penitencia. Entrou em
um convento, espe.rando confessar o seu crime na confissão geral
que é costume fazer-se anles dos votos ; e de facto, alguns esforços
fez para abrir o seu coração , mas não acabou nada, antes escon-
deu de tal sorte o seu pecca<lo, que o confessor não póde conhecer
que ella tivesse cabido n'elle. Entretanto morreu a superiora do
convento ; e como esta joven tinha uma vida mui edificante, as
religiosas, enganadas pelas apparencias, a escolheram para prelada.
Não o foi por muito tempo; pois cahio Jogo n'uma tloença mor-
tal. Ella esperava sempre declarar o seu peccado no arl1go da
morte, inas a vergonha ainda enlão lhe tapou a boca.
Recebeu os ullimos Sacramentos com grande apparencia de pie-
dade ; profanou-os. Sentindo-se a braços com a morte , cuidava em
explicar-se emfim; mas, ó terrivel Ju1zo de Deus! sobreveio-lhe
o delirio , e morreu no seu peccado. As grandes ausleridades que
tinha practicado , juntas á sua exemplar regularidade , não permit-
tiam duvidar de que se Hvesse salvado; mas quanáo pediam por
ella , quiz Deus que, para instrucção de lodos os seculos, appa-
recesse a infeliz ás religiosas, no estado da mais terri vel consterna-
ção, e lhes disse que cessassem de pedir por ella ; porque linha si-:
do co~demnada por ter escondido um peccado na confissão. (1)

(1) Veja-se outro caso no P. Lcjeunc, t. IX, Serm. ~rn sobre a


Confissão, oo fim.

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DE PERSEVERANÇA.

O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graç.as
por haverdes instiluido o Sacramento da Penitencia ; perdoai-me ,
Senhor, o tel-o eu recebido tantas v.ezes com pouca pn~paração e
pouco proveito.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e, em ieslemunho deste amor,
..
farei cada uma das minhas confisssões como se fosse a ultima.

XXXIX.e LIÇÃO.

DE NOSSA UNIÁO COM O NOVO ADAM, PEL.\.


ESPERANÇA.

ElcmC'ntos do Sacramento da Penitencia. - Antiguidade , uni\'crsali,Jadc,


divrndade e necessidade da Confissão auricular. - Satisínção. - For-
ma do _Sµcramenlo da PeQitencia. - Minislro. - Instituição.

El\I um seculo esclarecido pela Fé, seria sufficiente ter explicado as


qualidades da confissão ; hoje porem não é is lo -baslanle. Desde
que a ignorancia em materia de Religião, junta aos vis sophismas
da impied~de, e á torrente da mais vergonhosa desmoralisação, aba-
faram a 'rasµo ~umana, como com uma atmospbera de chumbo,em
as mais espessas trevas, tirando-lhe a agudeza e o vigor de vista ne-

. ;.

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ao C!TEClillO

cessario , para contemplar a verdade; e a pureza de coração , que a


faz amavel, é de summa necessidade pôr-lhes diante as irrefraga-
veis provas dos nossos augustos dogmas. Nada mortifica tanto os
espiritos soberbos, e os eorações . corl"ompidos, como a confissão; por
isso nada mais importante do que demonstrar a sua instituição divi-
na : é isto, pois o que passaremos a fazer com a maior facilidade;
1

sendo que só uos vemos embaraçauos em escolher, entre a multidão


das prov.as, as que deveremos reproduzir aqui.
Em virtude das palavras de Nosso Senhor, consignadas no
Evangelho, e cuja authenticidade provaremos igualmente : Recebei o
Espirito Santo , aquelles a quem perdoardes os peccados, ser-lhes-
hão perdoados; e aquelles a quem os retiverdes, ser .. /hes-ftão reti"dos;
dous poderes foram conferidos aos Aposlolos, o poder de perdoar
os peccados, e o poder de os reter. (1) Este tremendo poder deve
ser exercido com grande discernimento, e com- um perfeito conhe-
cimento de causa. E' preciso que os Apostolas, e seus successores
até ao fim dos seculos (porque o poder de perdoar e reter os pec-
cados será sempre necessario á Igreja), conheçam o numero e a
gravidade das culpas, e as disposições dos penitentes, afim de sa-
berem se devem perdoar ou reter, ligf.lr ou desligar. l\las, para
chegar a este conhecimento indlspensavel, não ha senão dous meios.
E' preciso , ou que os Apostolos e seus successores no ministerio
da reconciliação , leiam no fundo das consciencias, ou qJie os peni-
tentes Jh'as descubram e palenleem. Ora, é evidente que os JUÍ-
zes das consciencias, bem como os magistrado~ civis, · não leem o
privilegio de penetrar no fundo dos corações ; é pois necessario que
os mesmos penitentes se accuscm de seus peccados ; esta accusaç.ão
chama-se confissão. Dest'arte , sendo d'instiluição divina o Sacra-
mento da Penitencia, a confissão é logo tambem d'insliluição divi-
na; pois será um puro idiota quem não concordar que ella é , foi
e será sempre urna parte essencial do Sacramento da Penitencia ;

(1) VcJa-se a explicação dcslas palavras no Seaundo artigo do Sym-


bolo.

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nE PEnstvERANÇA. 31
e por consequencia o unico meio d'obler a rem1ssao cJo.s peccados,
commellidos depois do Baptismo : é mesmo absurdo suppor que ha-
ja algum outro meio de remittir os peccados.
Com etfeito, se houvesse na Religião ou l.ro meio mais que a
Confissão, para o homem se restabelecer na graça de Deus ; se bas-
tasse, por exemplo, humilhar-se na sua p1'esença. jejuar, orar, dar
esmolas, e confessar-lhe os nossos peccados no silencio do coração,
qut~ havia de acontecer~ - que ninguem mais se confessava. Pois
qual srria o parvo que se iria ajoelhar aos pés d'um confessor, e,
com ar e gesto supplicante, implorar-lhe uma graça, que tam facil-
mente podia obter por si mesmo , e sem depender de ninguem ~ Jul-
gue-se pelo que se passa mesmo enlre nós. Apesar da certeza de
qnc a Confissão é o unico meio tl'obter a remissão dos peccados ,
muitos e muitos ha que recus3m apprornitat-se d'esse meio; logo,
qne seria se exif'.-ilisse oulro mais commoclo e· não menos efficaz ?
Quem deixaria de reconer antes a um meio que, sendo mais facil,
conciliasse ao mesmo tempo os interesses da salvação e os do amor
proprio? E nesse ca~o, em que viria a parar a confissão , eslabe-
lecida pelo mesmo Jesu-Chrislo? Acabaria, pois ficaria sem honra
e sem effcito no mundo. Que seria do magnifico poder que elle
deu a seus ministros de perdoar e reler os peccados? Não é evi-
dente que este poder lam maravilhoso e divino se tornaria nm poder
ridículo, e complelamC'nle illusorio, visto que nunca teriam de o exercer?
· D'aqui este dilemma, a que se não foge : ou todos os peccadores
tcem obrigação de confessar seus peccados aos sacerdotes , ou alias
quiz o Salvador enganar a seus Apostolos, quando lhes disse: A'quel-
les a quem perdoardes os peccados, ser-lhes-hão perdoados; e áquel-
les a quem os reti"verdes, ser-lhes-hão retidos. E da mesma sorte
ao chefe dos Apostolas teria Jesus enganado, quando lhe disse :
Eii te darei as chaves do reino dos Ceos. Pois de que servira a
Pedro ler as chaves do reino dos Ceos, se nelle podesse qualquer
entrar sem que Pedro lhe abrisse as portas? (1) .Mas se altribuirdes

m VcJa-sc Noticias sobre a confissão auricular, por M. Guillois ,


p. 61.

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3! CATECISMO

a Nosso Senhor palavras insignificantes , illusorias e femenlidas, não


só blasphemaes da rasão e da fé do uni verso, mas ainda negaes a
Divindade de Jesu-Christo; fazeis do Cbrislianismo uma fabula, do
mundo christão um effoito sem causa, do genero humano um idio-
ta, o que tudo nl o mesmo que dizer, que vós mesmos é que ca-
his em demencia. Aqui acaba toda a d~scussão, porque aqui o bo-
. m~m já não discorre, digere.
l\f.as deixemos aos cegos a gloria de negar a existencia do sol ,
e a honrosa prelenção de serem os unicos esclarecidos do mundo,
é tempo de interrogar os <lezoiLo secnlos chrislãos que nos precede-
ram , e mostrar que, interpretes infalliveis do Evangelho, conside-
raram sempre a confissão -como divina em sua origem , e como o
unico meio de obter o adulto a remissão dos peccados, commeltidos
depois do Baplismo. Os impios modernos, discípulos de Calvino,
e por consequencia inimi3os implacaveis da confissão auricular , 1e-
Yaram a impudencia ao ponto de dizer, que ella era desconhecida
nos primeiro~ seculos da Igreja, e que fôra o Papa Innocencio IlI ,
o que a inventou e, publicou no Concilio geral de Latrão ,
celebrado em 1210. Similhanle asserção obriga-nos a fazer uma
triste idea dos conhecimentos, e boa fé de quem a faz. Sem duvi-
da, o Concilio de Latrão , para fazer rosto á relaxação que se au-
gmenlava de dia para dia, orçlenou que todos os fleis, dotados d'uso
de rasão , se confessassem ao menos uma vez cada a nno : e d'aqui
mesmo se vê que o Concilio, longe de in\Tentar a confissão, não fez
mais que determinar o tempo em que os Fieis deviam, sob pena
de incorrer em peccado mortal. cumprir com um dever Já conhe-
cid·J, practicado e ensinado muito tempo antes.
S. Bernardo , que morreu em 1153 , endereçando-se aos .que
o~cultam peccados na confissão , diz assim : « De que serve dizer
uma parle dos peceados e supprimir outra , purificar meia consci-
encia, e ficar com a outra metade polluida? Por ventura não está
tudo patente aos olhos de Deus_? Pois que ! ousaes occullar alguma
cousa áquelle, que faz as vezes de Deus em tam grande Sacramento!)> (1)

(1) Confcssio pure facicnda cst: quia non cst pars una peccatorum

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DE PERSEVERA~ÇA.

S. Anselmo, At'ccbispo de Canlorbery, que morreu em 1109 ,


traz estas palavras na sua homilia dos dez lt•prosos : « Patenteai fi-
elmenlc aos sacerdotes, por meio d'uma confissão humilde, todas as
nodoas da vossa lepi·a interior, afim de serdes purificados della. ) (1)
fün outra obra, o mesmo doutor accrescenla : · « Assim como o pec-
ca<lo original se perdoa no Baptismo, assim os peccados acluaes
s~o perdoados na Confissão, a qual é um verdadeiro .juizo. Porque
ha dous jniws de Deus : um , que se faz neste mundo pela confis-
são; onlro, que se fará no ultimo dia, n'aquelle exame em que
Deus será o Juiz, o demonio o accnsador , o homem o accusado .
.Mas, no juizo da Confissão , o Sacerdote , fazendo as vezes de Jesu-
Christo, é o Juiz ; o homem é ao mesmo tempo accusador e cri-
minoso; e a penitencia imposta é a sentença. >> (2) Eis aqui a con-
fissão exislindo um seculo antes do Papa e do Concilio, a quem os

diccnda, cl altera rclirenda ; neqne levia confiteoda ct gravia diffitcnda.


Ncc allrr afcnsaodus et ipse exrusandus, sed cum justo diccndum cst:
Non declines, cor m_eum, in verba ,mafitiae ad excusandas e.rcusationes
fo peccalis. Hrec enim sunl vcrha malitire qua gravior vel pCJOr esse non
' possit. Confilcndum cst cl humiliter, ut idem 'sit io tordc quod sonabit
in ore; snnt cnim oonnulli qm narrare in confessionibus solcnl qure vc
argulc, liLterntorie, ct forliter gladiatorio gessere conflictu, prob dolor 1
sub humilitatis pallio supcrbiam iotlucentcs, ct p11tantcs se posse vitare
oculos judieis cuncta cerncutis. Sfrm. de S Andr. apost. t. V, p. HU,
n. 9, edit. Paris, 1839 ; id. Serm. domin.in psalm. ; id. P· 1172, n. 4;
id. Serm . 1 in fact. om. sancl. ,· id. Bxlwrt. ad mil. Templi, n. 12 .
(1) llc, ostcndile vos saterdoLihus ; id. est, . per humilcm oris con -
fcssioncm vcrnciler manifcstale omncs intcrioris lcprre \'Cstrm maculas, ut
mundari possilis. S. Anselmi Opera , edil. Colon. p. 176.
~2> Sicul Ui Baptismo originalia 1 ita in confessiooc.remilhmtur pcc-
cata actualia, ele., ele. ln Elucid~rio. - Ego per ulriusque Sacramcn-
li conditio, parct necessitas, atqne hinc S. Prresul maritum sororis su<U ·
Jcroso:ymam lransmigralurum sic admonchat; líb. 111 , cpist. 66 : "Fa-
cile cool'cssioncm omnium pel·calorum oominatim ab infaolia veslra, quau-
lu m rccordari poLcslis . .,
s V

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31 CATECISMO

impios lhe attribuem a invenção: porem remontemo-nos mais longe.


Lemos no undecimo seculo que um certo Padre , chamado Es- _
tevão, da cliocese d'Orleães , foi confessor de Constança , mulher do
piedoso rei Roberto.
No uecimo seculo, S. Uldarico, Bispo de Augsbourg, confessava
o imperador Othon.
No nono seculo, Carlos l\f agno linha por confessor -Hitdebrand,
Arcebispo de Colonia.
No oitavo seculo, S. :Martinho, monge de Corbie, fazia as mes-
mas funcções junto de Carlos l\farlel.
O primeiro Concilio de Germania, que se celebrou no mesmo
seculo, em 742, ordena que cada corone~ tenha um Sacerdote, pa-
ra ouvir de confissão aos soldados. .
No se limo seculo, S. Ausbert , Arcebispo ele Rouen, era confes-
sor do rei Thierry 1. º
Se não lémessemos enfadar os leitores, havíamos de continuar
esta nomcuclalura, e citar os confessores dos imperadores gregos e
latinos , bem como ~s de outros personagens celebres, até chegar-
mos aos primeiros tempos da Igreja. (1) Alení disso, é Aacil ,·a-
riar as provas, para mostrar que todos os generos d'auctol'idade se
reunem em favor da antiguidade da Confissão Sacramental.
No sexto seculo, S. João Climaco exprime-se nestes termos :
« Nunca se ouvio que os peccados c.onfessados no tribunal tia Pc--
nilencia se divulgassell_l depois. Assim o permillio Deus, para que
os peccadores se não desviassem da Confissão , pl'ivando-se por.
este modo da unica esperança de salvação. (2) . '
No mesmo seculo, João, Patriarcha de Conslantinopla, compoz

(1) Veja-se D Diniz de S. Martha , Erros dos Calvinistas a respei-


to da Confissão; Bcllarmino , o P. Alexan<.lrc, Collci, [)e Pamitenlia; o
Tractado ltistorico da Con~ssão de 11. Boilcau, as Cartas do P. Scheff-
machcr. ·
('2) .... lllos ad conressioocm provoco, sioc qua nullus ·rcmissfone
pcccatorum poLictur. Scal. Grad . .t.

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.
OE PERSEVERANCA.- 3ã
um ritual para uso das igrejas do Oriente, n{) qual o Sacerdote fal-
Ja assim ao penilcnle: « Não sou eu, meu filho, que te concedo a
remissão dos teus peccados; é Deus quem te absolve pelo meu mi-
nisterio, como elle mesmo disse : Tudo o que desligardes na ter·-
rn, etc. Confessa pois e declara-me na presença dos santos Anjos,
sem dissimular nadá, todos os teus peccados , ainda os mais occul-
tos que tenhas comrnettido : é este o meio d'obler o per<lão del-
Jes. » (1)
No quinto seculo enconLramos no Oriente S. Chrisostorno , e no
Occidenle S. Agostinho : o primeiro, fallecido , em 404 , exprime-se
t.1esle modo : « Receberam os homens de Deus um poder, que se
não concedeu nem aos Anjos, nem ainda aos Archanjos. Nunca se
disse ás celestes iptolligencias: Tudo o que desligardes, etc. Ora ,
o poder dos Sacerdotes abrange a mesma alma , a qual p.oqem des-
ligar... Imitemos pois a Samaritana , e não nos envúgonhemos de
declarar os nossos peccados. Aquelle que se envergonha de confes-
sar os seus peccados ao Sacerdote, vel-o~-ha publicados ' no dia- de
j\Jizo, não na presença d'uma ou duas testemunhas, mas na de to-
das as nações. » ('2) O segundo, fallecido em 430, dizia aos Fieis :

(1) Spiritualis fili, ego confcssioncm tuam primario ct prrecipue non


recipio, ncc tih1 absoluLioncrp concedo, sed per me Deus ... Pcccalorum
tuornm confcssioncm suscipit, eL per noslram vocem horum remissionem
dispensal cL largitur , sicut per propriam votem ipse declara\'it, cum ita
dixit: Quaecumque ligaverilis, etc. Revela igiLur cL declara coram SS.
Angelis , nihilquc mihi cela eorum qme a te clam facta sunt, velut si
Dco occulta cordium cognoccnti confitcrcris .... Licct enim hoc pudcndum
et probrosum tibi videalur, opera probris ct puc.lori obnoxia rcvelarc, al-
teram eximie et accuraLe tibi persnnsum eslo per prresenLem pudorcm
Le a futuro liberari, et maodalis obcdiendo, non modo indulgcntia , scd
etiam coronis te dignum ficri. Apud Morin. ele Pamit. Segue a inter-
rogação detalhada sobre Lodos os peccados mais secretos.
(2) Qui terram incolunL datum est ut potcslam habcant quam Deus .
oplimos ncque Angclis nequc Archangelis datam esse voluit, ncquc cnim
ad illos dictulli cst: Quaecumquo alligaverilis, ele. - Dabent quidcm

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3G CATEClS1\IO

" Ninguem diga lá coQ1sigo : Eu faço penitencia no occulto e peran~


te Deus ; Deus bem conhece tudo, elle bem sabe o que se passa no
meu coração. Logo, a ser assim, foi em vão que se disse : Tudo o -
que desligardes na terra s~rá desligado no ceo: foi em vão que á
Igreja se entregaram as chaves. Nau basta confessarmo-nos a Deus,
cumpre lambem que nos confessemos áquellcs que receberam d' El~
le o poder de ligar e desligar. » (1)
No quarto seculo, conta S. Paulino, que escreveu a vida de S.
Ambrosio, fallecillo em 397, que qúando algucm lhe vinha confessar
os sens pcccados, o Santo chorava tanto que parecia derreter-se em
Jagrimas , a ponto de se julgar que era elle mesmo o culpado:
orat accr(lscenta o hisloriador, o Santo a ninguem fallava dos pec-
cados que lhe- tinham sido confessados senão só a Deus, junto do
qual intercedia pelos pcccadorcs. )) (2)
No mc~mo scculo, S. Basilio, falleci40 em 378, falla nos ~es-

ct lcrrc_trcs princip(ls vioculi polcstatem, wernm corporum solum. ILI


aulem quod dico SacerJotum vinculum ipsam eliam animam co'ntingit.
De Sàc!rdot. lil>. IH, e. õ. - Nequc hi vero sua ilia polcslatc, jnxta S.
Docl()rem , préediti sunt tantum cum bapl 1sn n~, scrl postca etianí cum
nobis peccata co11donant. - I111i~emur et nos ~anc mulierem Samaritaoam
et ob propria pcccata non erubescamus .... qni cnim homini dctcgcrc pec-
cata erubcscit, nequc confiteri vun, neque Prenilcntiam agerc, in ilia
dic judicii, non coram uno vel duobus, scd universo térrarUJ!l orbe spc-
ctanl.c traducclur. llomil. de mui. Samarit. -
(1) Nemo- sibi dical: Occulte ago, apnd Dcum ago : novii Deus qni
~ mihi ignoscal , quia in corde mco ago. Ergo sine causa dirtum est : Q1ws
solverilis in terra salula erunt et in Coe/o 'l Ergo sine causa sunl cla,·cs
ilatce Ecclcsire Dei? Frustramus Evangclium , frnstramns verba Chnsti,
promiH1mus vobis quod illc negat. Serm. 39~ inter homil. 50.
('2) Ernt gandens cum gaudenlihús. ílens rum ilenl1hns; si quidem
quoticscnmq~c illi aliquis ad percipiendam Preniteotiam lapsus suos con-
fessas essct, ita Achat, ut el iliam flcre compellerct; càusas anlcm cri-
minnm quas illi conlileha·ntnr nulli ni. i Dommo soli , apud qnem inlercr, . .
debal 1 loquebatur. Vit. Ambr. ad Aug. õ. 39.

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DE PERSEVERANÇA. 37
mos lermos : « E' preciso abso1ulamenle diz el1e, declarar os pec-
1

.caclos áquclles, que são os dispensadores dos :Mysterios de Deus.]) (1)


S. Atnanasio, falleci<lo em 373, exprime-se assim : « Da mesma sor-
te que o homem baplizado pelo Sacerdote é illuminado pelo Espiri-
to Santo, assim o que confessa os seus peccados na Penitencia ob-
lem delles o perdão pelo Sacerdote.>> (2) Na mesma epocha , o ce ..
Jebre Lactancio não temeu dizer : « O distinclivo da Yrrdadeira Igre-
ja é o uso da confissão e da Penitencia, pela qµal são remidos os
pecca<los da nossa fragil nalurrza. » (3)
No terceiro seculo, 01·igenes, luz. brilhante da Igreja oriental ,
fal1a <leste modo : Se nos arrependermos de nossos pecca<los e os
confessarmos, não somenle a ,Deus,· mas lambem áquelles que podem
dar-lhes o remPdio , estes peccados nos serão perdoados. (4)
No segundo seculo, Tertulliano, outro aBlro da Igreja occidenlal,
não é menos formal nas suas palavras: cc Muilos, diz elle, e\'ilam
confessar os -seus peccados, porque cuidam mais da propria honra ·
que não da salvação. Estes são similhanles aos enfermos que, ten-
do uma doença occulla, escondem ao medico o seu mal, e se dei-
xam as~im morrer. Qual vos será mais conveniente , conde.mnar-
yos por esconder os vossos peccados , ou salYar-vos , declaranqo-
Qs? » (5)

(1) Nccessario , iis pccrala aperin clchent, <]Uibus credita esL dis·
pensalio mysteriorum Dei. · Regttl. Bm,1iorib. in'errog. 288.
(2) Coll. Selcrt. Patr: L. IX..
(3) Sola igitur catholica _ Ecclcsia cst qure ''erum rultum rctinet ...
Sed quia srnguli quiqnc rretus hrercticorum se potissimnm esse Chrislia-
uos, ct suam esse calholicam Ecclcsiam pulant, sciendum esL iliam esse
yeram rn qua cst confessio et Pmnilcolia, qnre peccala ct vulnera, qu1- .
bus subJCcla cst imbcc1ll1las carnis, salubritcr curaL. lnslil. lib. IV e.
17 ct 30.
(i) Si revelal'erimus pccceta noslra non ~olum Dco, scd his qui pos-
sunt mcueri vulnerillus nostris atquc pecratis, dclebuntur pcccata ooslra.
l/omil. 32 in Levit. et 17 ili Luc.; 1<1. llomil 2 in Ps. . 37.
(5) Plerosque lamcn hoc confessionis opus ut publicalioncm sm aut
su!Tugcrc, aut de <l1e in dieur difTcre prmsumo , pu<l~ris magis memores

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38 CATECISMO

No primeiro seculo, S. Clemenle, discipulo e successor de S.


Pedro, falia por estes termos : « Em quanlo estamos neste mundo,
convertamo-nos de todo o nosso coração ; porque, depois que sahir-
, mos delle, não poderemos confessar-nos nem fazer penilencia. >) (1)
Eis-nos emfim em conlacto com aquelles, que receberam a Ue-
ligião da boca do mesmo Filho de Deus. -Deixo em silenc!o os tex-
tos onde S. Thiago e S. João recommendam a Confissão. (2) Con-
tento-me com o testemunho de S. tucas, que nos diz que um gran-
de numero de peccadores vinham aos pés dos Aposlolos confessar
e declarar os seus peccados. (3) Trata-se aqui d'urna confissão fei-
ta a homens , d'uma confissão para obter o perdão dos proprios
peccados: não é esta a Confissão sacrnmenlal _? Certo que sim , e
disto se convenceram francamenle os protestantes mais celebres. (i)
Emfim, o Filho de Deus, descido do Ceo, disse aos Apostolos , e a
seus successores no minislel'io sagrado : Aquelles a q1mn perdoar-
des os peccados, ser-lhes-Mo perdoados; e ai1uelles a qi,em os réti·...

quam salut1s; velut illi qm m parl1hus vererundiorihus corporis conlrarla


\·exalione, conscieotiam mcdentium vitanl, et ila rum ,·ercscenlia sua pc-
rcunt, grande plane emolunientum verccnndire, ocrullalio delicti pollice-
tnr ! V1delicet , si quul humanID n0Lit1ce subduxcrim11s, proinde cl Deum
c~labimus '! Arleoque cxistimatio hominum et conscientia Dei comparautur?
An mclius est darnnalum fotere, quam palam absolvi~ De Poenil. e.
·· 10, a.
(1) Qnamdiu sumus in hoc mundo, malorum quro in carne gcssimus
ex tolo rorde Preniteal, ut :i Domino soh·emur ~ dum Prenitc~tire lempus
snppeliL; postqnam enim e mundo migravimus, noo amphus possumus
ibi cxomologcsim aut Prenitcnliam adhuc agcre. Ep. 11 aà Cor. n. 8.
<2> Joao. l, ~; Jac. III, 10. -- Os monumentos das catacumbas dão
lambem testemunho da antiguidade da confissão. Veja-se a respeito dos
confissionarios dos tempos apo!'tolicos, a nossa Historia das Catacumbas,
p. 217.
l3) Act. XIX, 18.
(4> Grotius, Roscnmullcr , etc. Ycja -se o Calec. de Constança,
t. m, p. 572.

.-

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DE PERSEVEhANÇA. 39
verdes, ser..lhes-luio retidos. , Bem vê<les, pois, que nem foi no Con-
cilio de Latrão, nem em nenhum outro, mas sim no Ceo, no seio
do mesmo Deus, que teve origem a Confissão sacramental. \1) Jul-
gai agora da boa fé, e da sciencia Jos ímpios que dizem : que foi
lnnocencio III quem a inventou !
O mesmo Voltaire, de melhor fé que os seus discipulos, con-
fessa que a confissão· se remonta á origem do mundo. » A confis-
são, diz e11e, é uma instituição divina. que não leve prmcipio se~
não na misericordia infinita do seu Author.... A obrigação, que o
ho~m tem de se arrepender , começa do dia em que se tornou cul·
pado (é o proprio Voltaire que falia), o arrependimento dos pecca-
llos f~z as vezes da innocencia ;· mas para nos mos Irarmos arrepen-
didos dos peccados é de mister começar por confessai-os. » .As-
sim, pois, d'accordo com todas as tradkções, reconhece Voltaire que
a Confissão era usada entre os Judeos. « Adam foi o primeiro pe-
nitente ; pois se confessou quando disse do fructo prohib1do : Eu co-
mi delle. A cada pagina dos livros santos achamos a confissão, se-
ja particular , seja publica. » (2) O mesmo Voltaire reconhece que
a confissão se usava entre os pagãos. « Accusavam-se, diz elle, nos
rnyslerios d'Orpheo , d)lsis, de Cerns , de Samolracio. A historia
nos diz que l\larco Aurelio , associando-se aos myslel'ios de Ceres
Eleusina , foi obrigado a confessar-se a liierophante. »
E' bem notavel que a Confissão seja um dos nossos deveres ,
_do qual se encontram vesligios os mais \'isiveis no paganismo. En-
tre um sem numero de provas que poderíamos citar , e que se po-
dem ver cm outra parle, (3) -contentar-nos-hemos com fazer men-

ct> -Veja-se quanto ao Jescnvolvimento, Discumon amical6, t. II ,


p. 180 e scg.
(2) Veja-se a disscrt:ição de M-. Drach sobre a confissão entre os
Judeos.
(3) Vc)a-se Noticias ácerca da confissão atiricular, por l\f. Guillois.
Esta obra é , approvada por l\fgr. Bouvier, Bispo de Maos. A approva~·ão
tem a dala (cousa nola\·cl !) de 9 de Julho de 1836.

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ção do que :se passava entre os Parses. O uso qtrn vamos descre•
ve~ acha-se consignado no Zend-A vesta , obra cuja antiguidade se
remonla, na opi~iâo dos eruditos, a mais de quatrocentos annos an-
tes da _era chrislã. Havia pois, entre os Parses, o que chamavam
Paletes, palavra que significa propriamente arrependimento. Os
Paletes são as confissões que especificam todos os peccados , que o
homem pode commelter. Eis aqui de que maneira se faziam estas
confissões : 1. º Apresentava-se o penilenle ao Deslour , isto é , o
doutor da Lei ou o sacerdote; 2.º Começava por uma oração a
Ormuzd, e ao seu ministro na t.erra; 3. º Acompanhava esta oração
da resolução de fazer lotlo o bem que pudesse e da dedicação do
seu ser a Deus. -
Eis aqui a ConfJssão : (( Eu me arrependo de todos os meus
peccados, e os aborreço ; ó meu Deus ! tende pi~dade do meu cor.;.
po e da minha alma n'este mundo e no outro. Eu deixo todo o
·mal de pensamento , todo o mal de palavra , tado o mal d'acção.
O' justo Juiz ! eu espero ser superior ao auclor do mal , a Ah ri-
mam ; e espero que na resurreição, o que se passar a meu respei.;.
to será suave e· favoravel. E' deste mollo que me arrependo dos
meus peccados e os renuncio. )) Depois disto, passam ' a fazer a es-
pecial accusação dos peccados commeltidos contra Deus, conlra o
proximo e contra si mesmos ; e logo ~ o penitente conclue : « Peç<r
perdão dos peccados, que Ormuzd me tem feito conhecer nà lei ,
com pureza de pensamento, na presença d'01:muzd , justo juiz, ele-
vado acima de todo o mundo e do Ceo ; na presença de Sosiosch,
e em presença do doutor da lei. Eu me arrependo dos peccados
contra pai, mãi, irmãos, irmãs e filhos; contra o meu ·chefe, os
meus proximos, e companheiros no bem; os meus visinhos , e con-
cidadãos :· peza-me de todas as injustiças que possa ler commetlido
co9tra estas pessoas; e em fim, tle toda a especie de peccados , fra ·
quezas, e crimes commellidos com reflexão. » A esta confissão li-
gavam os Parses a remissão de todas as suas culpas, se é que a
podiam fazer antes de morrer; e quando não podiam, ordenavam
que se fizesse por elles depois da sua morte. (1)

(1) Zcod-Avcsta, t, li, p. ~8 e seg.

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DE PERSEVE~ANÇA. H
t Lendo estes e mil outros documentos, não se pode duvidar
da antiguidade e universalidade da Confissão. Mas como se teriam
combinado todos os povos n'este ponto , se não constasse, por uma
revelação primitiva , que só o arrependimento obtem o perdão da
culpa, e que a prova essencial do . arrependimento é a confissão ,
ou declaração franca e sincera dos proprios peccados ~ Quando Je-
su-Christo- veio ao mundo estan estabelecida a confissão ; e quando
impoz a seus Discipulos a obngação de se confessarem, não lhes
· impoz uma nova lei, senão que só confirmou e aperfeiçoou a já
existente : Non veni solvere legem , sed adimplere. (1) Assim, pois,
da mesma sorte e ao mesmo tempo que o con'tracto do matrimonio
se elevou a Sacramento, subio á mesma dignidade o rito da con-
fissão , tomando-se parte essencial do sacramento da Penitencia,- ao
qual se ligaram novas e especiaes graças. E' lambem por isso que
o preceito da Confissão não excitou murmuração, nem entre os Ju- .
deos, nem entre os Gentios ; pois Jª antes a conheciam e usavam ;
nem havia cousa que lhes parecess-e mais natural , sendo que por
uma tradição constante e universal sentiam a indispensavel necessida-
de della. » (2) Desobedecer pois a esta lei não seria só desprezar
a auctorldade de Jesu-Christo e da Igreja , mas lambem o senso
commum. Alem disso, importava suffocar a voz da consciencia ,
que parece clamar e dizer a ·todos os culpados : não ha perdão sem
arrependimento , nem arrependimento sem confissão da· culpa.
Para darmos a conhecer a maleria do Sacramento da Peniten-
cia resta-nos agora fa1lar da
Satisfação. A Penitencia é um segundo Baptismo , mas é um
Baplismo laborioso. (3) Differcnte do primeiro, no qual Deus nos
·'

(1) Ma tth. v. 11.


(2) Catech. Cone. Trid. art. Conf.
(3) Per Baptismum enim Christum-inducntes, nova prorsus in illo
efficimur crealura, plcnam et integram pcccatorum omnium rem1ss10nem
consequentes. Ad quam tamcn novitalcm et integrilatcm per Sacramcn-
tum Prenitentire , sine magnis nostris flctibus ct Jaboribus, divina id exi-
6 V

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CATECISMO

perdoa todas as nossas dividas , este nos impõe a obrigação de sa-


Lisfazer ; e nada ba mais justo. Assim a Fé Calholica nos ensina
que a satisfação é uma parte do Sacramento da Penitencia. A sa-
lisfação define-se : a 'feparação que dá a Deus o pe.ccador , cum-
prindo as boas obras que lhe são únpostas. E' obrigado o penilenle
a cumprir a penitencia ; e não póde mudai-a , nem quanto á essen-
cia, nem ainda no que respeita ás cireumstancias de tempo e lugar.
Deve ser diligente em a cumprir, por se não expor a esquecer-se
tfella , ou a satisfazel-a mal. Cumpre lambem aceitar de boa von-
tade a penitencia qne se lhe impõe; porque em rnnlade, que é uma
ligeira satisfação em comparação de snas culpas ? -
Quanto ao mais, a rasão por que se impõe penitencia é a se-
. guinte : A absol vição perdoa ao peccador convertido a culpa do~
peccados mortaes, e a pena eterna .em que por elles incorreu ; mas
ainda resta ordinariamente uma pena temporal a satisfazer. Assim
vemos da sagrada Escriptura (1 ) que, não obstante haver :Moysés
obtido aos Israelitas murmuradores o perdão da sua revolta , foram
todavia quasi todos punidos de morte. P~rdoou-se-lhes sim a pena
eterna , mas houveram de satisfazer uma pena temporal. Da mes·
ma sorte David alcançou o perdão d~ seus peccados , e assim Na-
lham lh'o assegurou da parte de Deus ; mas todavia leve que soffrer
uma pena temporal, como lhe adverlio o mesmo propbeta por estas
palavras : Transfen'o o Senhor o teu peccado; não morrerás. Com
tudo,· poi·s que déste causa a que os inimi'gos do Senhor blasphemem,
morrerá certamente o filho ,' que te ?Wsceu. (2) Eis porque a Tgre-
lª impoz sempre penitencia aos pec ·adores reconciliados pela absol-

gente justitia , pervenirc nequaqnam possnmus: ut mcrito Pamilencia la-


horiosus quidam Baptismus a cunctis Patribus dictus fuerit. Esl autem
hoc Sacramentum Prenitentire Japsis post Bapiisrnum ad salutem neressa-
rium, ut nondum rcgencratis · ipse DapLismus. Cone. Trid. Sess. XIV'
e. II.
(1) Num .. XIY.
(2) II Reg. XH, 13.

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vição. Nos primeiros seculos eram estas penitencias mui prolonga-
das e rigorosas, como em oulra parle veremos, afim que tivessem
alguma proporção com o ultrage, que o peccador faz a Deus, revol-
lando-se contra elle.
·Esta obrigação de fazer penitencia, mesmo depois da remissão
da pena eterna , é ainda uma prova da bondade d~ Deus e da sol-
Jicitu de com que attende á nossa salvação.
1. º Quer o Senhor por este meio inspirar-nos o devido horror
ao peccado, e dar-nos a conhecer quanto é profunda a ferida que
faz em nossas almas ; pois não ha cousa que melhor inculque a
grandeza da enfermidade que a difficuldade da cura. ·
2. º Quer o Senhor refrear a impetuosidade das nossas paixões,
e precaver-nos contra as occasiões do peccado , que n'esta ''ida se
offerecem a cada instante.
3.º Quer 1gualmenle curar em nós os restos do peccado , que
são certas frouxidões ·espirituaes, corno o fastio da virtude , o ape--
go desrngrado aos bens temporaes, a difficuldade em obrar o bem;
tristes disposições que permanecem muitas vezes , depois da remis-
são da culpa .
.i. º Quer destruir em nós os má os babilos, pe1a practica das
virtudes conlrarias , e fazer-nos pagar as nossas dividas , antes de
nos chamar ao seu tremendo tribunal.
õ.º Quer, emfim, tornar-nos conformes a Nosso Senhor . Jesu-
Christo, que passou a vida em meio de trabalhos e soffrimentos (1);
pois se queremos participar da sua gloria, justo é que antes par-
ticipemos da sua cruz.
Em quanto á forma do Sacramento da Penitencia, ella consi3-
_te nas palavras do Sacerdote : Ego te absolvo, ele. Assim o en-
sina expressamente o sagrado Concilio ele Trento, d'accordo com o
Papa Eugenio IV, no seu decreto aos Armcnios. (:2) D'uma parle,
esta" palavras exprimem perfeitamente tutlo o que Jesu-Christoc d'eu

(1) Cone. Trid. Sess. XIV, e. 8.


(2) Docet sancla Synodus Sacrameoli Prenitentire formam in <JU~ prle-
*

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poder aos Apostolos de fazer , quando lhes disse : Tudo o que desli-
gardes na terra será desUgado no Ceo; por outra parte, mostram
claramente estas palavras o proprio effeitõ do. Sacramento da Peni-
tencia, que é o de perdoar os peccados, horrendas prisões que leem
agrilhoadas as almas. O ministro da Penitencia é pois o Sacerdote
ou o Bispo, com exclusão d'outro qualquer. Só a elles, e não aos
simples Fieis, linha Jesus na mente, quando disse a seus Aposlo-
los; Recebei o Espirito Santo, aqttelles a quem perdoardes os pcc-
cados, ser-lhes-luio perdoados. Tal é a doutrina constante da Igreja
Calholica. (1) A aclminislração do Sacramento da Penitencia é cou-
sa tam delicada e em si mesma tam grave, que exige evidentemen-
te, alem deste poder legitimo, cerlas garantias de virtude, illuslra-
ção e prudencia, que com rasão se não devem de esperar em homens
do mundo , ·por mais honrados que sejam. Só os sacerdotes, e sa-
cerdotes votados ao celibato, podem ser adornados dessas requisitas
qualidades. Se bem seJa o Presbylero o unico ministro legiL1mo do
Sacramento da Penitencia, todavia não póde absolver validamente
sem estar approvado para ouvir confissões : lambem é doutrina cons...
tante da lgreJa, (2) e que bem mostra a maravilhosa ordem que pr&-
siue a esta divina sociedade. Assim como no exerci lo , os chefes
dos corpos não teem auctoridade senão em os seus respectivos sol-
dados; assim na Igreja, cada Bispo tem a sua diocese , cada paro.-
cbo a sna parochia , de geito a cultivar em toda a sua extensão a
vinha do pai de familia,- sem se embaraçarem ou tolherem uns aos
outros. Assim, para que a absolvição seja valida, cumpre recebei-a
d'um sacerdote approvado pelo Prelado da diocese, para ouvir con-:
fissões.
3.º lnstituiçao do Sacramento da Peni_tencia. Havia Jesus, co..
mo já dissemos, reunido na vespera . da sua morte os seus Aposto . .

cipue ipsius vis sita cst, in illius minislri vcrbis positam esse : Ego te
ubsolrn, etc. Sess. XIV, e. 3.
(1) Sess. XIV, cap. VI, e. 10.
(2) Sess. XIV, e. 7.

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los, sacerdotes da nova alliança, e lhes tinha dado poder em seu


corpo natural , dizendo-lhes que consagtassem como elle o pão e o
vinho. Algum tempo antes de subir ao Ceo , para -sentar-se á dex-
tra de seu Pai, o Filho de Deus feito Homem, a quem foi dado--to-
do o poder no Ceo e na terra, reunio outra vez os seus Aposto-
los em de redor de si , e, querendo dar-lhes poder ~m seu corpo
mystico, isto é, em os Fieis, assoprou sobre elles dizendo : Recebei
o Espiri'to Santo, aquelles a quem perdoardes os peccados, ser-lhes-
llão perdoados; e aquelles a quem os retiverdes, ser-lhes-hão' reti-
dos. (1) Foi .então, como no la o Concilio de Trento, que o S;il-
vador instituio o Sacramento da Penitencia. (~) Justo era que só
depois da sua resurreição o mstituisse ; pois convinha que o Chris-
to soffresse e resuscitasse dos mortos, antes que em seu nome se
prégasse à Penitencia e a remissão dos peccado's. (3)

ORA.VÃ.O.

O' meu Deus 1 que sois todo amor , eu vos dou graças por
haverdes instituido o Sacramento da Penitencia. Que s-eria de mim,
depois do naufragio da minha innocencia, a nâo ser esta charidosa
taboa de salvação ?
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus; e; em testemunho deste amor,
serei sempre fiel ao preceito da Confissão.

(1) MatLh .. XVIII, 18.


(!) Sess. XIV, e. 1.
(3) Luc. XXIV.

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XL.ª LIÇÃO.

DE NOSSA UNIÃO COM O NOVO AI)AM, PELA


J~SPERANÇA.

ElfeiLos do Sacramento da Penitencia. - Di~posições para o receber.


Soa nccc·ssidade, - Liturgia. - Vantagens individuacs e sociacs.

4. º EFFEITos do Sacramento da Penitencia. Quanto aos effeilos .do


Sacramento da. Penil~ncia, eis aqui os principaes : 1. º perdoa todos
os peccados mortaes e veniaes , conímeUidos depois do Baplismo ;
seja qual for o seu nurne'ro e gravidade ; 2. º perdoa a pena etrr-
na , que é o casligo do peccado, e algumas vezes a mesma pena
temporal ; , 3. º faz reviver o merecimento das boas obras, que se fize-
ram em estado de graça ; as quaes, tornando-se morliílcadas pelo
peccado , agora revi vem pela graça sanclificanle , que o Sacramen-
to confere, e recobram a virtude, que antes tinham, de conduzir á
11
vida eterna os que as praclicaram; (1) 4. restitue ao homem as
virtudes infusas e gratuitas, que perdeu pelo peccado. Estas virtu-
des dimanam da graç,a sanctificanle , que se confere pela Penilen-
cia, assim como as potencias d'alma dimanam para assim dizer da

(1) Non enim (opera per peccatum mortificata) habent vim perdu-
cendi in vitam retemam solum secundam quod actu existunt , sed eliam
postquam actu esse des:nunl , secundum quod remanent in acccptatione
divina. D. Thom. p. 3, q. 89, art. ã.

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mesma alma; (1) 5.º restabelece o homem em sua alta dignidade
de filho de Deus e herdeiro de seu reino. (2) O' abysmo de mi-
sericordia !
5.º Disposirões para receber o Sacramento da Penitencia. As
disposiç.ões necessarias, para receber o Sacramento da Penitencia ,
são a inslrucção sufficiente, e os mesmos actos do penitente , asa-
. ber: a contrição , quando mais não seja, a imperfeita ; a confissão
e a satisfoçãõ , ou ao menos o desejo de satisfazer. Quanto ás dis-
posições que dão direito a receber maior abundancia de graças,
podem todas reduzir-se a uma fé viva em a cfficacia do Sacramen-
tu, uma grande confiança na misericordia de Deus, e uma profunda
humildade acompanhada de gratidão sincera.
6. Sua necessidade. O Concilio de Trento diz que : a Peni-
0

tencia não é menos nece.ssaria para a salvação , em aquelles que


peccam depois do Baptismo , que o Baptismo mesmo, para aquel...
Jes que ainda não · foram regenerados. (3) D'aqui vem o ce}e...
hre dito de S. Jeronymo , que a Penitencia é a segunda taboa de-
pois do naufragio. (4) Com effeito, ás vezes su-ccede que, submer-
gindo-se o navio, apenas apparece uma laboa em que o naufrago
tem a felicidade de salvar-se. Pois da mesma sorle, peruida a in-
n<~cencia do Ba ptismo, não ha outro meio de salvação que o Sac.ra-
mento da Penitencia , ao qual é absolutamente necessario recorrer.

(l) Per Prenitentiam remilluntur peccata. Remissio autem pcccato-


rum non polest esse nisi per infusionem gratire. Undc rclinquitur qnod
per Prenitentiam homini gratia infundalur; ex gratia autem consequen-
tur omnes virtutcs gratuit~, sicut ex essentia anirure fluunt omnes poten-
tire, ut in secunda parte habítum est. 1-2, q. 110, art. ~' ad 1. Un-
de relinquitur quod per Prenitentiam omnes virtules reslituantur. Id. id.
art. 1.
(2) D. Thom. p. 3, q. 89, · art. õ.
(3) Sess. XX.IV, etc., et Caa. 6.
m Secunda tabula po~t naufragium est Prenilentia. Supet· nat. e.
3. D. Th. 3 pars, q. 8~, art . 6.

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{8 CATECISMO

Tal é, como temos provado , a d-0utrina constante e uoiversai da tgtll-'


ja catbolica. .
7.º Litm·gz"a do Sacramento da Penftencza. · As oráções e e~
remonias do Sacramento da Penilenciâ são um novo meio de justifi..:.
car o que temos dilo da efficacia da Confissão, para a reforma dos
çostumes. Se algum sabio da., antiguidade houvesse inventado o
tribunal da Penitencia, todos os philosophos modernos seriam outros
tantos admiradores de sua profunda sabedoria : proclamal-o-hiam o
primeiro dos legisladores. E que fariam os nossos artistas roman..;
ticos, se elle tiYesse ensinado as orações e ·ceremonias da confissão'!
celebrariam por todo o mundo, em prosa e verso, aquelle trans..;
cendente genio ! E certo, seriam bem merecidas essas homenagens;
mas nênhum mortal as merecerá jnmais ; porque não é assim que o
homem inventa. Procurai quanto quizerdes nos livros dos sabios, e
uos coslumes das nações ; nunca achareis cousa lam palhetica, pa-
ternal, sublime,. e adequada a reformar os costumes, como a manei•
ra _por que se opera a reconciliação do homem com Deus no tribu-
nal da Penitencia. Aqui verdadeiramente é que se encontrarám a
misericordia e a verdade, como disse o Propheta ; aqui é que se
beifaram a justiça e a. paz, como duas irmãs ba longo tempo se•
paradas. (t) Quereis saber quanto tem de meliflilo este beijo de
reconciliação , 'QUe Deus se digna imprimir em sua creatura? Com•
parai os tribunaes humanos ao tribunal de De!1s.
Quando um homem é accusado d'.um crime, a jnstiça humanà
manda capturai-o pela policia; desde logo fogem do desgraçado os
dias serenos e as noutes tranquillas. Eil-o obrigado a refugiar-se nos
bosques, tremendo ao leve ·rugir d'uma .folha. E se .chega a cahir
nas mãos da justiça, carregam-no de cadeas ; e , arrastado ignomi·
niosamenle de prisão em prisão, chega emfim ao lugar onde - será
pronunciada a sentença. No tribunal, perante o qual vai compare.a
cer, estam escriptas estas terriveis palavras: Justiça, castigo. Che·
ga o dia do julgamento, ostenta-se um apparato formidavel em de

(1) Ps. LXXXlV.

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DE PERSEVERANÇA.

redor do culpado, ao qual podem sim punir, mas não perdoar. Cer-
cam-no os guardas , as testemunhas, e os accusadores ; sobre a· sua
cabeça, se se prova o crime, pende já um instrumento de sàngue.
E ainda que o crime não seja de pena ultima, lá está diante delle
um quadro ignominioso de penas affronlosas, de duros ferros que
talvez haja de arrastrar toda a sua vida ; a deshonra , a s~paração
perpetua ou temporaria de tudo o que tem de mais charo no mun-
do. E tudo isto tornal-o-ha melhor ? Ah , não. Pois eis ahi a
justiça humana.
E' outra cousa a Jusliça divina.
Em quanto castiga sobre a terra, Deus nunca se esquece que é
Pai. Assim que · um homem, isto é, um de seus filhos, o tem of-
fendido, elle lhe envia o remorso. Este mensageiro de ·Deus en-
tra no coração do -culpado 1 ahi se estabelece, e com seu aguilhão
o persegue, sem lhe dar um momento de- dt"scanço. Fatiga-se o cul-
pado a pouco e pouco , suspende ernfi'in o passo, torna em si. En-
tão ouve elle uma voz mais suave ; é a voz do arrependimento.
Ternas recordações se lhe despertam·, d'envolta com o tnste pensa-
mento do seu estado presente ; a vergonha e o temor se apoderam
de sua alma , e preparam o caminho a uma tloce esperanç.a. l)e"
repente retinem em seu coração palavras ternas e-orno as 'd'uma mãe.
d'uma mãe que geme e chora: Vinde a m{m, vós que estaes oppri·-
midos ; vinde, que eu, vos allimarei : e estas palavras sabem da bo-
ca do seu mesmo Juiz. (1) Então já elle não teme, que é o pe-
zar, o arrependimento e a esperança quem o conduz á casa do
Senhor.
No tribunal que ahi se lhe offerece, lê elle com os olhos da
fé esta consoladora inscripção : Eis a misericordia. (2) Aqui não

(l) Malth. XI, ~8.


(~) Em 1írnitas regiões catholicas é uso pôr inscripçõcs sobre os
confessionarios. Todas respiram a miscricordia e a clemencia, de que o
santo Tribunal é a morada , e o Sacerdote o ministro. Um protestante
celehrc 1 conhecido pol' seus odientos prcjuizos contra a Igreja romana ,
7 ·V

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50 . ·CA'l'ECISMO

ha ver penas ignominiosas, nem cad~as, galés, ou radafal:;os. Nes•


le tribunal está assentado um juiz que é mais que um homem, mas
que não é um Anjo; _elle mesmo tem necessidade . de misericordia.
E' o Vigario da charidade de Jesu-Chrislo, revestido de suas enlra-
nhas de compaixão. Em seus labios só ha bençãos , consolações e
orações; de seus olhos cahirão lagrimas sobre o culpado que se ar-
repende. Ahi não ha ieslemunhas eslraobas, nem accusa<lores apai-
xonados ; o mesmo reo se accusa e dá testemunho contra si , e não
se contestam as suas palavras, antes a cllas se reporta a sentença.
Se elln confessar o sen crime, não será punido, mas sim perdoado.
Preparado. pJis para confessar-se, ruira elle no sagrado Tribu-
1

nal, e vai achar, na confissão de suas miserias, lagrimas mil rnzes


mais ·suaves que as alegrias do crime.
Para animar sua confiança , faz s0,bre si o adoravel signal <la
cruz ; e o seu coração lhe assevera que o mesmo Filho de Deus der-
ramou o stm sangue , para lhe expiar os seus peccados. Então ,
dirigindo-se ao l\Iinislro deste Deus de bondade : J.l/eu Pai , lhe diz
clle, abençoai-me, porque pequei. Prodigiosa confiança! Pois 'que'?
, . sendo culpado pede que o abençoem? Sim, porque aos olhos de
Deus, o Filho prodigo, que diz : Pequei, é digno de suas palernaes
bençãos. Eile chama ao Sacerdote meu Pni : esta palavra diz ludo. (1)

não pôde deixar de admirar eslns ins.cripçõcs. Alé se deu ao trabalho de


copiar lodas as qnc encontrou .. nos ronfcssionarios· da Tlalia; cil-as, Laes
como s~ enronlraill cm suas ohrns: "Vai, amostra-te ao Sacerdote. -
"Irei a meu plli, e d ir-lhe-hei:. Men pai, cu pequei. - Elles serílo per-
11 doados no Cco. - Volla, minha alrna, ao teu repouso. - Vai em pai,
11
e não tornes a pcccar. - Aquellc qt~e te otnc, a mim ouve . - Vinde
··a mim, todos que gemeis snh o peso d:is vossns m1serias. - O Justo
11
me rcprchcndcrá com miscricordrn. - VcJe se h:t em mim caminho de
0
iniquid•:dc, e fazei-me voltar ao caminho do Cco. - E' para ouvir os
"gemidos dos prisioneiros. ,, (Addisõn's Remarks on sC\'Cral parts of
llaly, p. 3L
(1) Para sentir- quanto ella move a nlrna. pror.urrc substitml-a, co-
mo alguns íazcm loucamente, pela pala\Ja mundana: Jleu Senhor 1

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HE PERSEVER-A.NÇA. 51
Meu Pai , vós que por _-ventura me destes a vida da -graça
no -dia do meu llaplismo, ; que pela primeira vez na minha ''ida me
alimen tasles com o Pão dos Anjos ; Meu Pai , abençoai-me. E o
Sacerdote , aceitando este Iam amoroso titulo se mostra verdadeira-
mente pai. No mesmo momen~o, commovido pela supplica de seu
iilho, diz-lhe , fazendo sobre e11e o signal da cruz. O Scnlwr seja
rw teu coração e nos teus labios , para que faças uma sincera e
frlleira confis.~ão dos teus peccados ; em Nome do Padre, e do Filho,
e do .Espinio Santo.. Assim seja! Amen.
O penitente começ.a por cumprir uma obrigação taro antiga co-
mo a exislencia do mundo. Faz a confissão que fez Adam, primei- ·
ro culpado , e que 1.eem feito e devem fazer lodos, em todo o de-
Ctlrso dos seculos, e entre todos os povos da terra , para receberem
o perdJo de suas culpas. Esta confissão, elle a faz a Deus, como
logo declara, dizendo : Eu peccador me confesso a Deus Todo Po-
deroso - e não só a Deus ; pois sabe que os Anjos e os Santos
são lambem sabedores das suas desordens, e por isso lh'as confessa,
já para se humilhar, já para os commover. Endereça-se pois à Bem-
avenlurada Virgem Maria, ã. mais amavel, pura, e misericordiosa
habitadora do Ceo ; ao Bemvenlurado S. Miguel Archanjo, qne é de
Lodos os anjos o mais terrivcl ao demonio, cujo pesado jugo prelen-
de agora sacudir; ag Bemaventurado ~· João Baplis l:l , o mais san-
to que jamais nasceu entre os homens , e cuja santidade deseja pôs-
sa compensar pelos seus crimes, e mover o coração do seu Juiz;
ao Bemaventuràdo S. PPdro e S. Paulo , os mais poderosos sohre
a terra , revestidos do poder de ligar e desligar as consciencias ;
em summa , enJ.)errç.a-se á Santissima ·virgem, a S. Miguel Archan-
jo, a todos os sanLos, e por ulli mo, tendo já convocada toda a Igre-
ja do Ceo, convoca tambem a da terra, representada no Sacerdo-
te, accrescentando: E a ·vós Padre, confesso ... mas de que se con-
fessa elle? que- tam interessante cousa é essa, que, .para dizei-a, cha-
ma por Deus e pelas creaturas, convor.a o Ceo e a terra ? ouçamos
o que elle diz : Eu peccador 'me confesso ... que pequei por mui' tas
vezes; isto é, que fui um traidor e um ingrato ! Oh , e não res-
peitou elle ao menos algumas das potencias. da sua alma e do seu
corpo? Não, antes abusou de -tudo ; diz que prccou por mui las

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CATECIS~IO

vezes, por pensamentos palavras e obras ; diz .que não ha nelle


1

. cousa, que não tenha servido á injquidade ! Acaso seria possi \'el
pôr na boca do peccador uma oração mais propria a excitar o pe-
JO , a humildade, o arrependimenlo, todas as disposições d'urna sin-
cera penilencia ?
. Ent~o o penitente, para mostrar ao Sacerdote que nada exag-
gerou , dizendo : Pequei por pensamentos, palavras e obras, enlra
na exposiç.ão circumslanciada das suas culpas. E que eKposjção. ! ó
Deus , quanto sois misericordioso ! Se um vassallo se declarasse
culpado, contra o seu Principe, de metade dos allenlados de gue o ho-
mem se confessa culpado para com Deus, a vingadora espada cahi-
ria sem m1sericordia sobre sua odiosa cabeça ; nias ''Ós , ó grande
Deus ! ludo ouvis com paciencia, que digo? com bondade summa !
- Depois , acabada a confissão, que Yai fazer o penitente ? Des-
graçado ! que hade fazer senão confundir-se , e indignar-se contra .
si mesmo, declarando'-se altamente culpado? E' isto pois. o que
elle faz, batendo nos peitos, e dizendo : Por minha culpa ·' minha
culpa. Quantos motivos e quantos meios não / tive eu para não
peccar , e todos desprezei ! Que é o que me faltou ? Que cousa
deveria o Senhor fazer por amor de mim, que não tenha feilu?
.. Pequei pot min!ta culpa, e só por minha culpa. Não foi a occasião,
nem a tentação , nem a malícia alheia, mas só a miQha malicia pro-
pria, que operou tantas iniquidades ; · eu as commelli por minha
grande culpa ; sim, porque eu sou Cluistão, filho amado de Deus ,
cumulado de seus preciosos favores, e isso com preferencia a mui-
tos outros.
Curvado ao peso da sua vergonha, como fica e_lle ? desespera-
do talvez? Ah ! a Religião inspira outros pensamentos ; manda-lhe
<1ue óre, e elle ora dizendo: Por tanto peço e rogo á .Bemaventu-
rrada sempre Yfrgem 1'larfo - não ousa dirigir-se a Deus, mas pe-
de a todos os Santos do Ceo e da terra , tcste~unhas dos séus pec-
cados e das suas miserias , que sejam seus intercessores junto d'aquel-
le, a quem tam indignamente tem offendido e ultrajado. Dirige-se
tarnbem ao Sacerdote ; e este terno pai, este amigo fiel, ouve a
Yoz de seu filho penitente. Elle lhe diz! com fervoroso amor :
O Deus Todo-Poderoso tenlta piedade de ti, e pet·doando-te os teus

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UE PEMEVERANÇA. 53
71rccados, te conduza- á vida eterna. Amen, assim seja. E como te-
mendo que esta primeira oração não baste, para abrandar o Senhor,
e socegar o culpa<lo, accrescenla logo outra : O Senhor T.odo-Pode-
rnso e misericordioso te conceda o perdão, a absolviçao e a remis-
são de todos os léus peccados. Assim seja.
O Sacerdote, como habil medico, indica então ao pénilcnle o
rcmedio que hade empregar na cura ele sua alma ; as precauções que
deve tomrtt', para e,~itar novas quedas ; e Jogo lhe impõe penilen-
cia, ]eye e suav1ssima em comparação· dos seus pcccados; pois não
se esquece de que é este o Tribunal da Misericordia. :Mais um ins-
- lanle, e o filho prodigo será r~slabelecido em todos os seus direi-
tos. (( Meu filho, lhe diz o Sacerdote, arrepende-te, humilha-te, o
sangue expiador- vai derramar-se e1n Lua alma ; )) o penitente incli-
na-se e pronuncia, na amargura elo seu coração, o acto de contri-
ção. O Sàcerdolr, pela sua parle , invoca1Hlo o Deus de infinita
bondade , de quem faz as wzes, e, levantando a mão , pronuncia
as poderosas palanas da absolvição sacramental.
Que se passa n'eslc instanle solemne ? despedaçam-se as infer-
naes cadeas, que prendiam o peccador ; retira-se o demoniü da sua
alma ; fecha-se o inferno debaixo de seus pés ; abre-se o Ceo sobr.e
sua cabeça; outra ·vez se escreve o seu nome, com letras d'ouro,
em o li no da gloria ; reslilue-se-lhe a vesle da innocencia , com to-
dos os seus mere cimenlos passados ; olha-o com complacencia a Trin-
dade Sanlissima,; exullam de prazer os anjos: é uma alma, que re-
apparece bella e pura como no dia do seu Baptismo ; que tem tu-
do a esperar da bondade suprema. Já seus olhos, humidos de la-
grimas, veem, a pouca distancia, o banquete eucharistico , e mais
adiante o banquete eterno das Nnpcias do Cordeiro. O Sacerdote,
feliz por ba ver restituido uma ovelha ao- Divino Pastor, invoca so-
bre elle, para assegurar a sua perseverança , a virtude e as bençãos
do alto, por esta oração : A Paixão de .I\Tosso Sen!tor Jesu-Cliristo,
os .fllerecimentos da Bemaventurada Y1rgem. ~Maria, e de todos os
Santos, todo o bem que fizeres, e as penas qtte supportares, sirvam .
a te obter a remissão dos teus peccados, mtgmentar em ti a grará,
e merecer-te a- recompensa eterna. Assim seja.
Que resta ao Sacerdote? . Pois que com~çou por urna oração ,

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CATECISMO

·, hade acabar por uma benção. Tornado filho de Deus , jª o P'\fli-


tenle tem direito á herança terrestre de seu ~ivino Pai. Esta, he-
rança é a paz , a paz intima e profunda ; a paz que o mundo não
dá ; a paz da conscicncia, que vale ludo , _e nada vale tanto como
e11a. O sacerdote pctis lhe diz: «Vai cm paz.)) Sim • estás reha-
bilitado , regenerado, ludo se esqueceu ; já es um novo homem ;
por<prn o arrependimento é irmão da innocencia. .
Relira-se o penitente do Tribunal, aonde se ajoelhara filho do
demonio, e d>ondc se levanta filho de Deus ; para ir te~lemunhar ,
com fervorosas orações, a sua graliQão ao Deus das misericordias ; e,
rcflcclindo nas maravilhas que se operaram em sua alma , de novo
jura ser fiel aos salutares consclhõs que recel.iera. , ,
Jutleos, pagãos , hereges , indifferentislas , impios, homens de
. todas as linguas, e de todas as lribns, <lizei, eu vos conjuro, se
conheceis cousa mais paternal , sublime, e efficaz para reform?r os
homens ~ E notai ainda que lullo qua-llto precede á confissão , e lu-
do quanto depois se segue, conlribue não menos rfiicazmrnle, para
esla salutar reforma. Quantas rnzes, com só se lembrar o homem
que ha de mister confessar o seu pecca<lo, se cohibe de perpelral-o
e se afervora na praetica da ,-irtuae ? Quantas vezes diz elle com-
s1go : Se pecco , lerei de confessar-me ; vou pois fazer esta boa
obra, porque me heide confessar tal dia. Da mesma sorte , depois
da confissão, elle reflecte e diz comsigo : Ainda honlem , ainda ho-
je me confessei ! e esta idea lhe sustem a queda ; pois a lembran-
ça de que está em estado de graça dá-lhe coragem e ammo para
proseguir em· uma vida nova. E ainda muito -tempo depois, os bons
conselhos que o confessor lhe dá, para evitar as occasiões, cumprir
seus deveres, vencer as tentações e nutrir a piedade , juntos com
a graça, que, Deus accrescenta ás palavras do Sacerdote, .seu re-
presentante e ministro , continuam, com particular eflicaeia, a ins-
truir e animar o penitente em urna vida de justiça e tle graça.
8. º Seus beneficios. - Não basta ter provado a Divindade do
Sacramento da Penitencia, bem corno a necessidade e os elfoitos espiri- ·
tuaes da Confissão ; devemos tambem mostrar os. seus immensos bene-
ficios em relação á sociedade. A confissão é o grande terror dos
licios , o alvo dos despeit(ls e zombarias de todos . os relaxados o

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D~ PERSEVERANÇA.
devassos; por isso mesmo que ella é iaqueslionavelmenle o mais
, efficaz meio de refrear as paixõ~s e reformar os costumes. Isto é
evitlente. O que sinceramente se arrrpende ou que dese1a viver
chrislãmtlnte, ret:ol'fe á confissão. O que porem quer viver á redea
solta, satisfazer-se sempre , esse foge e aborrece o confessionario.
E' á Conlissão que se deve em grande parle toda a santidade, pie-
dade e religião, · que Deus, por sua infinita bondade, se t~m ainda
digilado conservar na sua Igreja. Assim é para ver como lodos os
'icios e paixões ruins se colligaram _com o inimigo do genero hu-
mano, para destruir f'sle dogma, que é como a lrincheira das vir-
tudes chrislãs ! A violencia dos seus ataques . é a melhor prova da
utilidade , efficacia e necessidade da confissão. (1)
' Sim, a confissão é necessaria prime iro . que tudo ao homem~ 1.•
porque é o remedi o da sua natureza depravada. A soberba é o
primeiro de lodos os ,, icios 1 a origem de todos os mais peccados,
o principio das nossas desgraças. ~Ias este mal não pode curar-se
senão pela humildade, e não ha humildatle sem humiliação. Ora,
o acto mais humiliante para o homem depravado é a uarração
aberta e sincera da Sll<! vida, de seus pensamentos, desejos e pala-
vras : pois a confissão é esta narraç.ão mesma. Logo , de torlos os
meios ele abater a nossa· soberba, o mais efficaz, é a conrissão. Que-
ria-nos tanto o novo Adam , tanto desejava a nossa regeneração sin-
cera, qtie nos deixou por toda a parte o rernedio facil e infalJivel
de curar-nos. Tal é o designio e o fim da confissão.
2. º porque nos instrue . . Depois de consagrado o homem pelo
Baptismo , a Confirmaç.ão e Eucharistia ; depois de inslruido ácerca da
nob1:eza do seu ser, e de seus destinos ; conlinn_a a Igreja calholica
a instrml-o no tribunal secreto da Penitencia. « Filho , lhe diz el-
la ao ouvido, tu és um misto de grandeza e baixeza. Se elevas a
cabeça aos Ceos, tocas com os pés a terra : ha em li os germens
de todos os vicios , e a semente de todas as virtudes. Ha dous ho-

t1) Catech. Cone. Trid. art. Conf.

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56 CATECISMO

mens em _ti; os quaes incessanlemenle se guerream. Vou pois pre-


caver-te conlra o homem inimigo, que não aspira senão a perder-te. l)
Oh ! quanto esta revelação é impor lante! ·Que multidão de perigos,
imprndencias, e males se evitam , dos quaes um só basta para en-
venenar a vida ! ·
Com effeito, no arcano do tribunal sagrado, um amigo sabio,
sincero, experimentado, sondaJ allumiado da fé, o fundo misterioso
da infancia, ·da atlol~scencia, da virilidade, e da velhice. Não 1he
falla sabedoria para LOllas as idades, nem remedios para todos os
males. Elle prescruta e discerne no penitente as occultas causas das
paixões; arranca-lhe do peito e mostra-lhe aos olhos as envenenadas
v1boras, que nutria nelle; as quaes o amor proprio, a inexperiencia,
a leviandade, a preoccYpação, lhe embaraçavam ·que não visse,
e que fodavia, desenrnlvendo-se rapitlas, em breve lhe despe-
daçariam as entranhas. Elle o previne • · qualquer que seja a sua
idade ou condição, contra um tropel d'illusões e maximas perigo-
sas ; descreve-lhe, com uma das mãos, o plano _que convem . a cada
estado ; com a outra o auxilia , e lhe firma os passos no caminho
do dever e da virtude , muco que o pode conduzir á felicídade e
ao bem. Oh ! Quem poderá supprir a falta de tam salutares lições?
Nem o pai, nem a mãi, nem o -amigo ordinario, conhecem a ultima
palavra -do cora~o de seu filho, ou de seu amigo : ha segredos
que o homem não pode nem quer revelar senão a Deus. Quanto pois
são cegos, para não dizer mais, quam estultos os pais, que desviam
seus filhos da confissão, e creem que hão de obter o monopolio da
sua confiança ! Ah ! como ignoram, como desconhecem o córação
humano!
Admirado dos felizes ~ effeitos da confissão, Já um philosopho insus-
peito exclamava , no passado seculo : « Como preserva os bons costu-
mes da adolescencia ~ practica obrigatoria de cada um se confessar to-
dos os m~zes ! (1) N~m podemos passar em silencio o tocante teslemu-
, nho -d'um escriptor, a quem a desgraça trouxe de novo ao caminho

(1) Marmontel.

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DE PERSEVEni\.NÇA. 51
da.. virtude (! (< Oh l sem duvida , escrevia ha pouco Sílvio PeJico,
cada vez que na minha prisão acabava de ouvir as ternas repre-
henções, e os nobres conselhos do meu confessor, sentia-me abraza-
do" d'amor pela virtude , não linha odio a péssoa alguma, chlria a
minha vida pelo menor de meus similhantcs, e bemdizia .a Deus
por me ler feito homem. Ah! desgraçado d'aquelle que ignora a
sublimidade da confissão ! desgraçado d'aquelle que, para se incul-
car superior ao vulgo, se crê obrigado a olhal-a com desprezo !
Pode-se saber o que é preciso para ser virtuoso ; mas não é menos
verdade que é util ouvil-o repetir ; que não bastam as nossas refle-
xões e boas leituras ; mas que o discurso vivo d'um homem tem ou-
tro poder que não as leituras e as reflexões proprias. Aquelle com-
move mais a alma; as impressões que ella recebe são mais profun-
das~ No irmão que falia ha uma vida , uma conveniencia, que mui-
tas vezes se procuraria debalde nos livros e nos proprios pensamen-
tos. (1)
3. º porque o rehabilita. Não só a confissão instrue o homem
~a arle de combater seus inimigos , mas rehabilita-o a seus proprios
olhos quando se torna culpado, e lhe dá o valor da _virtude. Vede
o que se passa no -coração d'um mancebo, sobre tudo no momento
em que commelleu o, primeiro , peccado : quanto é amargoso, ó Deus !
o fructo que acaba de pro,·ar ! « Eis-me deshonrado ! Faltei a
todas as mi n·has promessas ; manchei o vestido do meu Baplismo , e
quebrei a alliança da minha primeira Communhão. · Jesu-Christo não
está já no meu coração , já não sou seu filho, estou deshonrado
aos olhos dos Anjos. )) Desgraçado ! elle lambem o está a seus pro-
prios olhos ; não · pode des~er . ao fundo do seu interior sem enver-
gonhar-se·. Eil-o triste, afflicto, pesado a si e ao pí·oximo : mal
cabe a noute, já leme de morrer; \'olta o dia, e despertam os re-
morsos. Eis o que se passa no homem, a primeira vez que commet-
te peccado grave, mormente depois da sua primeira communhão.

<1 ) As mmhas prisões.


8 V

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08 CATECISMO

Oh ! quanto é digno de lastima ! Que será d'elle? 9 espirilo da


tentação , que lhe prometlera a felicidade , para o incilal' á culpa ,
de repente muda as baterias. Para o reter no mal , engrandece
á sua vista a enormidade do crime , augmenta-lhe a vergonha , ex-
aggera-lhe as difficuldades do perdão ; mostra-lhe sobre tudo como
impossível o seu total restabelecimento na virtude. Uai grande aborreci-
mento se lhe apoclera da alma ; o coração quebra-se-lhe ; repetem-se
as quedas, com a desesperação de· romper as cadeas qu~ o prendem.
Então, cançado da guerra , remie-se á vehemencia das suas pai-
xões, e eil-o inundando de lagrimas uma familia inteira , escandali-
zando a sociedade, cheio de enfermidades ''ergonhosas, avelhentado
dos vicios . . Eil-o, uma larva cadaveric"a, anticipando talvez pelo
suicidio uma horrorosa morte. Discorrei pelas cidades e os campos~
penetrai nos misterios da vida, e dizei-nos se não é esta a histo-
ria contemporanea, a historia diaria ?_
Ah l quem reduz o homem, e principalmente o mancebo, a es-
te estado de miseria? Se acaso lhe haveis sondado o coração, res-
pondei: não é as mais das vezes por. desesperar de rea'clquirir intei-
ramente a sua virtude , que elle faz pouco esforço por voltai· a ella?
Não é ainda por causa do descoroçoamento em que sua alma está
submergida, que elle acaba por já não aspirar mais a regular sua
vida, e largar de todo as redeas á sua vonlade inco'nslante? Pois
esta especie de impotencia para a virtude , a que nos reduz o vi-
cio, acaba desde o momento em que se nos offerece um meio se-
guro e facil de rehabilitação , P.orque alli encontramos o vigor da
alma. Sim, é uma necessidade da nossa natureza, é necessario ao
homem culpado: um meio de rehabilitação, sem o qual nada se con-
segue. Porque é que as penas affronlosas, como as gales, em na-
da melhoram o homem ? E' que longe de o rehabilitar cobrem-no
de eterna ignomínia em a sociedade~ . Pois o hómem deshonrado, e
deshonrado para sempre , é um ente rnutH e perigoso. Quem nos
dará pois um meio de verdadeira rehabilitação? o mundo? Não ,
porque a rehabilitação é o perdão, é a paz feita e notificada peran-
te Deus. . O mundo não tem esta missão. Ainda menos a podere-
mos achar nas seitas religiosas, aonde se supprimio a confissão. E,.
·, verdade _que os protestantes conservam a confissão dos peccados ,

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DE PERSEVERANÇA. 59
feita a Deus, sem o soccorro do tribunal da penitencia , nem <las
formas sacramentaes ; mas ahi não ba uma efficacia ' que falle aos
sentidos, que penetre o e.spirito e o coração .Qe religiosa confiança.
Nessa confissão não ha mais que um auxilio , que ja lemos na ora-
. ção ; falta-lhe uma cousa essencial, que é o acto da jurisdicção di-
vina, á qual o Ceo ligou a graça do perdão. Nem a sentença da re-
missão é pronunciada diante do cnlpado. Não lhe é possivel , por
mais que faça, dizer comsigo mesmo : Hoje Deus me perdoou , e se
esquece.u dos meus primeiros erros ; hoje torno eu á vida do ho-
mem immortal , que recomeça em mim pura e santa ; já posso · as-
pirar á virtude , e á perfeição. - Não, o protestante não dirá ja-
mais isto comsigo , não se nutrirá destas consoladoras ideas , nem
receberá o valor e a coragem para a virtude. Elle conhece que foi
culpado, mas quem lhe assevera que o não é já ? Quem, revestido
da legiHma auctoridade , lhe deu a boa nov;i do seu perdão? Quem
lhe intimou isso? Ningue~. Oh, que triste incerteza ! Que pre-
judicial oscillação para quem hade emprebender a reforma de si
mesmo ! Por isso, ainda ha pouco, alguns dos nossos irmãos sepa-
rados, soJtavam do peito este lastimoso arranco : (< Quanto sois fe-
lizes, nos diziam elles, quanto sois felizes em poderdes confessar
os vossos peccados 1 » Nada pode dar melhor a entender a nulli-
dade da confissão protestanle.
Em verdade, é bem differenle a sorte do joven c~lholico. Que
digo, do joven catholico? de todos os Cal.holicos, e de todas as ida-
des, por mais culpados que sejam. Elles sabem que se estabeleceu
na terra- um tribunal de misericordia, onde o mesmo Deus, <> mes-
mo Deus offendido e desejoso da reconciliação,. está presente na pes-
soa do seu ministro ; sabem que este Deus lhes promelleu a paz e
um inteiro perdão de suas iniquidades, sejam ellas quaes forem ;
e teem a consolação .certa , de que a palavra de paz, que alli lhes
for dirigida , será ratificada no Ceo. Não ha aqui duvida nem in-
quietaQão para o calholico ; que recebe o perdão e a rehabilitação
de seus pcccàdos , com toda a certeza que pode moralmente obter-
se. Esta certeza é a causa da sua alegria ; é ella que lhe dá for-
ças, para poder começar uma vida nova : o seu coração anima-se,
rébentam-lhe dos olhos suavíssimas lllgrimas ; é um exemplo edifi·

. , /

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60 CATECISMO

cante em o lar <lomcstico, e na sociedade um cidadfhr utH, porque


é um homem justo.
Não ha sacerdote catholico que, no decurso de sua vida sacer-
dolal, não tenha visto e operado muitos destes miiagres de rehabili-
tação. Citaremos aqui um exemplo , d'entre mil que- poderamos ci-
tar, para que melhor s~ aprecie quam uleis e consolado1~as ~ão es-
tas con \'ersões.
Passava certo dta um official anligo de cavallaria por um lugar
onde o P. Brydaine estava fazendo uma missão. Desejoso d'onvir
- aquelle afamado orador, entrou na Igreja, a tempo que o l\Iissiona-
rio, depois dos exercicios da tarde , demonstrava em um de seus
discursos a ~Lilidade e o methodo d' uma boa confissão ge1·al. Com-
moveu-se o official , e no mesmo instante formou a resolução de se
confessar. Chegou-se para o pulpito,, fallou ao P. Brydaine, e deci-
dio-se a ficar até ao fim da Missão. Fez com effeito a confissão ·
geral com os sentimentos d'um ''erdafleiro penitente ; e dizia elle que
parecia lhe tinham tirado de cima da cabeça Ufi? peso insupporla-
·veJ. No dia em que teve a felicidade de receber a absolvição, sa-
bio do tribunal onde se tinha accusado debulhado em pranto, e af-
firmava aos que assim o vit'am , que nada lhe era lam suave co-
mo aquellas lagrimas, que o amor e a gratidão lbe faziam chorar
sem violencia i e acompanhando depois o santo missiona rio para a
sacristia, ali, na presença d' outros missionarios, o leal e edificante
militar, exprimío· n'estes termos os sentimentos de qu~ estava pe-
netrado :
« Senhores, fazei-nw a graça de me escutar, e vós particular-
mente, P. Brydaine: eu nunca na minha vida experimentei praz~res
tam puros e deliciosos como os que experimento agora, depois que
estou na graça do meu Deus. Em verdade, não creio que Luiz XV,
a quem tenho servido ~a trinta e seis annos, possa ser mais foliz
do que eu .. Não, este Príncipe, no meio. do esplendor do seu lh~o­
no, no seio de todos os prazeres, não tem tam grand·e contentamen-
to, lam viva alegria como a que eu sinto depois que lancei de mim
o horrivel peso dos meus pecca<l!JS. » A estas _palavras ajoelhou di-
anlc de Brydaine , e travando-lhe das mãos , <r Devo hoje , accres-
cenlou elle, dar infinitas graças ao nleu Deus ! -que para aqui me

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' DE PERSEVERANÇA. 61
conJuzio como pela mão ; pois não linha a menor i<lea de fazer o
que fiz, exhortado e dirigido por Yós. Jamais me esquecerei -de
quanto vos devo , e rogo-vos, meu Padre, que peçaes ao Senhor
que m'e d~ tempo para fazer penilencia : parece-me que fiada me
custará, se Deus me sustentar pela sua graça. » Nada me custa-
rá ! ! eis o effeito d'aquellas palavras: Estás perdoado l Comprehen-
deis quanto pode no coração <lo homem a cerleza da sua rehabili-
tação ? Que energia para a virtude l Chega a tanto esla força, es~
te ardor para o bem, que muiias vezes se vê o confessor obrigado
a moderal-o, por não ultrapassar os limites da prudencia. Taes são
os milagres da Confissão ; e destes milagres , não ha padre que não
possa referir algum ainda dos nossos dias , deste mesmo seculo, em
que a confissão é tam mal conhecida e apreciada.
Concluamos que· a Confissão, embora pareça ardua , é um be-
neficio immenso ; que tem estado e eslá sempre em perfeita harmo-
- nia com todas as necessidades do coração humano , em todos os se-
culos e entre todos os povos. De facto, que cousa mais natural do
que abrir o homem o seu coração a um coração amante? O infe-
Jiz, torturado pela dor ou os remorsos, de nada carece ·tanto como
d'um amigo; d'um confidente que o escute, console e dirija talvez
com o bom conselho. « Um peito envenenado pelo crime inquie-
ta-se , comprime-se, atormenta-se, em quanto não tem o· desabafo
d'um amigo , ou d'um homem ao menos, que o ouç.a com benevo-
lencia. » (t) Ora, a confissão é o sigiHo iuviolavel, é a confiden-
cia sagrada , sellada com úm sello divino.
Taes são pois alguns dos beneficios da confissão a respeito do
individuo. Que diremos das suas vantagens relativamente á socieda-
de? Donde nascem todos os crimes que inundam a Lerra, pertur-
bam as familias e subvertem os imperios? Não é do coração. do
homem ? não é abi ·q ue rebentam, crescem e amadurecem as iniqui-
dades todas~ de que todo~ os dias estamos sendo victima5? Para
salvar a _sociedade~ fazenuo que nella reine a boa fé, a justiça , o

(1) M. de Alaislrc.

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CATECISMO

desinteresse, a pureza dos costu~es , cumpre , primeiro que tudo ,


formar na virtude o coração do homem. Mas quem medirá este in-
sondavel abysmo ; quem o penetrará, para purificai-o e tornai-o bom?
Bem podem as leis humanas oppor um dique á torrente do mal, mas
de nenhum modo seccar-lhe a fonte. Operam ellas sobre as acções,
mas não acabam com os pensamentos e os desejos , que são os priu-
cipios d' onde nascem. Só á Religião é dado este poder. Como po-
rem exercer-se este poder salutifero? Como penetrará a Religião. no
coração humano? Sem duvida, a prégação é geralmente um meio
de o commover , mas não consegue tudo , pois se dirige a todos
indeterminadamente , e a ninguem cm particular. Cada um recebe
ou despreza uma parte della, segundo as suas disposições , ou o seu
grao de conhecimentos. Alem disso, o amor proprio, tam fementi-
do, tam habil em suas illusões, facilmente nos persuade que a repre-
hensão se não entende comnosco ; falta-nos a virtude para fazer uma
applicação generosa. D'aqui vem o serem hoje desgraçallamenle tam
inuteis os discursos publicos ~ para a reforma dos costumes.
Que meio resta pois á Religião pa1:a fazer calar o balsamo sa-
lutifero no fundo das nossas chagas ? Dizei-o francamente : é esse
meio cfficaz e sublime , que não podereis pronunciar sem emmoção
e respeito , é a confissão sacramental. No arcano do tribunal sagra-
do, abre-se o coração sem rebuço nem receio , patentea-se todo ao
Sacerdote, ministro de Deus, e defensor insubornavel dos seus di-
reitos; amigo leal e sincero do culpado ; medico charitativo que, a
par da sciencia e conhecimento profundo do doente , está revestido
de toda a auctoridacte necessaria , para applicar-lhe o _remedio e cu-
rar-lhe as feridas. Elle cauteriza e corta, sem misericordia, nem res ..
peitos humanos, toda a podridão e gangrena ; e o que procura ferir
com menos piedade, é a carne delicada ,· a paixão predilecta que,
para escapar á amputação, costuma dissimular-se nas mais occullas
sinuosida1Jes da consciencia.
Confessado e conhecido o mal, é facil ao Confessor o tratamen ...
to. Elle não hesita : ás ideas falsas e affeições desregradas, e por
consequencia- anti-sociaes do velho homem , substitue os pensamen-
tos verdadeiros e affeições . santas do novo homem , do homem so-
cial ; pois lhe inspira no espírito e n~ coração uma vida nova, vir...,

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• DE PERSEVERANÇA. 63
tuosa, e por consequencia social. Conhecendo o estado do penitente,,
. prodigaliza-lhe conselhos acertados, e capazes de precaver um cora-
ção ainda debil na ,·irlude, contra novas recahid;ls. E' assim que a
confissão applica e apropria a Religião ás necessidades individuacs ;
e dest'arte, arraigando-a no coração de cada individuo, a implanla
no coração da sociedade mesma. E' assim que no tribunal da. Pe-
nitencia o Sacerdote é o homem civilisador, o mais ulil defensor
dos interesses sociaes, e reparador dos males da r epubJica.
Qual é o interesse publico ou privado , moral ou material , que
a Confissão não proteja infinitamente mais, que todas as leis huma-
nas, e todos os magistrados JUnlos '! Aqui protege-se a auclorida-
de sanla dos pais e dos reis contra a insubordinação dos filhos e
dos povos; a vida moral e ainda pbysica dos filhos , contra a ne- '
gligencia e máo comportamentÕ dos pais; a innocencia, o credito ,
a propriedade, a vida , a tranquiltidade de todos , contra as crimi-
nosas paixões que a todos ameaçam , e que todos nutrem em si ,
como depravados filhos do primeiro homem criminoso. Sim, homens
. feridos de cegueira, que tendes a desgraça de já vos não ·confessar-
des ; pais, mãis, negociantes, ricos e pobres, jamais 'Sabereis quan-
to deveis a uma instituição, CUJOS beneficios são incalculaveis. A
~ não ser a confissão, já tie ha muito que a Jeshonra leria opprimido
tudo que vos é mais charo ; a calumnia , enxovalhado a vossa re-
putação ; a injustiça , abalado a vossa fortuna; teriei3 provado a lar-
gos tragos todas as amarguras da vida. Que digo~ A não ser a
confissão, quantos e quantos, que a despresam e insultam, não teriam
chegado a ver a Juz do dia ! Vós , leitor , quem quer que sejaes,
podêreis dizer acaso : Eu não sou do numero desses?
Para resumir em poucas palavras este arrasoado sobre a neces-
sidade social da confissão, digo que : não ha sociedade sem crencas
e bons costumes ; não ha crenQas nem bons costumes sem rc1igiã~ ;
não ba religião verda-Oeiramenle efficaz sem que seja applicada á so-
ciedade ; não ha applicação real e verdadeiramente efficaz · de Reli-
gião á sociedade se19 confissão. A prova é que o primeiro dever
que deixam de cumprir aqueltes, que pretendem sacudir o jugo da
Religião, é o dever de confessar-se. Ninguem poderá negar que é
ella que põe o Christianismo em contacto real e efficaz com o nos-

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64 - CATECISMO

so coração. Ora, é no coração humano que , está a origem da feli-


cidade ou da desgraça pública. A confissão pois , que pode tanto
no coração humano, e, <lirei mais, que é a unica -que o pode cu-
rar e corrigir , é, por consequencia eminentemente social. Todos
sabem hoje que conceito se deve fazer d'aquelles. que não leem re-
ligião, islo é, que se não confessam. Todos sabem quaes são as
v irludes e a probidade desta boa gente. A elles se deve a socie-
dade actual. Foram elles que a fizeram e que a fazem : julgue-se
da arvore pelos fruclos. Quanto ao mais , é cousa notavel que os
mesmos ind1fferentislas, protestantes,_ e impios , todos unanimem~nte -
tenham rendid9 homenagem á confissão !
Aos olho~ dos indifferentistas,. que a não practicam, é e11a emi-
nentemente social. Vede como elles gostam que suas muJheres, filhos,
domeslicos e rendeiros se confessem! Elles mesmos, desviando-se do con-
fessionario, provam a excellencrn dclle ; por quanto, em que epocha
o abandonaram? Foi acaso quando melhoraram em índole, em vir-
tudes, em probidade, em pureza de costumes ? Quem não sabe,que
ninguem deixa a confissão, senão quando quer entregar-se ás suas
- inclinações , e viver á redea solta? Seriam necessarios muitos vo-
lumes, se houvessemos de narrar todas as desor~ens , -que pertur-
bam a republica; todas as pahões ruins , que solapam surdamenle .
a sociedade ; os odios, os furtos , os males infinitos , que a confis- ·
são repara e extingue. _Não ha muito que, na camara dos deputa-
dos,· um certo homem; que não nomearei, dizia da tribuna : As na-
ções já se não confessam. Não é preciso que o digaes : nós o sa-
- l
bemos muito bem. As eslatislicas da jusliça criminal , que vós co-
nheceis melhor que ningºem, vol-o leem dado a conhecer. O nu-
mero prodigioso de crimes de Lodos os generos , ·que augmenlam ca-,
da dia e cada anuo , provam hoje, com a mesma força· d'um proble-
ma de geometria , com a logica dos factos : que os cri·mes augmen-
tam em as nações, á medida que as nações se não confessam. Com
ctfeilo, hoje, que tantos de~prezam esle dever social, que é o que
vemos? crimes horrorosos,· que fazem gelar . o s~ngue nas veas , to-
dos os dias repetidos, augmentando na ra~ão de vinte por cento em
dezanove annos ; e todos os dias publicados e lidos , com o mais
horri vel cinismo, e.orno novidades ordinarias. Por toda a parle rei-

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DE ~ERSEVERANÇA.

na a desordem : em dezanove annos contam-se cincoenta mil suici-


dios ; trnzentas a quatrocentas bancarotas annualmente, em uma só_
praça de commercio (1) ; a sociedade inteira sobre um continuo vol-
cão. Dizei-nos, se todos se confessassem , vcriamos por ventura si-
milhan le espectaculo ? ó gente cega l A' vista destes deploraveis ef-
feitos, ainda vos obstinaes em não lhe reconhecer a causa? GJ'i-
taes de dor, pelo mal que vos devora, e ainda repellis o remedio,
ainda o deprimis e tratais com escarneo ~ - Soffrei embora, que sois
indignos de compaixã@.
Os protestantes pensam a respeito da confissão como os indif-
. ferenlistas. No decimo sexto seculo, no seu primefro furor contra .
a Igreja calholica, aboliram este salutar dogma; mas não tardou que
toda a qualidade de crimes não perturbasse a ordem publica de tal
sorte, que chegaram a pedir ao Imperador Carlos V, para que res-
tabelecesse a Confissão entre elles , como o unico meio de evitar a
total ruina da sua republica : nisto andavam elles avisados:
No fim do decimo setimo seculo , Leibnitz , philosopho protes-
tante, cuja sciencia, -genio e fama, lhe grangearam um nome supe-
rior a todo o nome , falia da confissão nestes termos : « Não se
pode negar que em tudo é digna da divina sabedoria; e nem ha
em a Religião Christã cousa mais louvavel e preclara que esta ins- ·
lituição, (\Ue maravilhou os mesmos Chins, e Japonezes. Com ef- -
feito, a necessidade da Confissão desvia a muitos do mal , sobre tu-
do aquelles , que ainda não estam endurecidos ; e offerecc grandes

(1) Temos á vista a estatistica das bancarotas da cidade de Pariz.


Desde muitos annos , termo medio,. conta-se uma por dia. Nós primei-
ros nove mezes do anuo de 1.838 haviam-se declarado 323 , e no mez
d'Outubro 37 ; total: 360 fallencias cm dez mczes. O total dos passivos
de todas estas bancarotas eleva-se . a perto de H milhões de francos. -
Desde o 1. 0 de Janeiro de 1839 até Janeiro de 1840, foram declaradas
no Tribunal dó Commcrcio do Sena 1,013 bancarotas, cujo passivo sobe! i.

a mais de 60 milhões. Certo, que nenhuma é fraudulenta !!! Extracto


elo registro do Cartorio do Trilmnal Consu,lar do Sena.
9 V

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6G CATECISMO

consolações aos que precisam dellas. Eu considero um confesSQr


piedoso, grave e prudente, como o GRANDE ORGÂO DA DIVINDADE, PARA
.A SALVAÇÃO DAS ALMAS ;· já para regular com seus conselhos as uos-
sas affeições , já parn fazer-nos notar os nossos defeitos , desviar-nos
'lias occasiões do peccado , obrigar-nos a restituir o alheo e repa-
rar os escandalos ; jã para dissipar as duvitlas , elevar o espirito
abatido, em summa CURAR ou SUAVISAR TODOS os MALES DAS ALMAS EN-
FERMAS ; e se difficilmente so potle encÓnl~ar no commercio dos ho-
mens alguma cousa mais excellenle que um awigo fiel , que será
quando esse amigo está ligado pelo laço inviolavel d'um Sacramen-
to divino, e obrigado pela Rehgião a guardar-nos fidelidade e pres-
tar-nos soccorro ? » (1)
Na lição da Igreja veremps o que pensavam a respeito da con-
fissão o celebre lord William, fallecido não ha muitos annos. En-
tretanto, não retumbaram em todos os angulos os elogios feitos á
Confissão por Tissot? Este medico protestante prodigalisava em La-
manna os soccorros da sua arte a uma joven estrangeira , cuja -do-
ença se tornou gravissima. Instruida do seu perigoso eslado ·' e
atormentada pelo pesar de deixar brevemente o mundo, entregou-se

(1) Tolam hoc inslilulum divina sapienlia dignum esse negari non
potcst, et si quid aliud hoc ccrle in christiana religione prreclarum et
Jaudabilc est, quod et Sioenscs ac Japoncnses suot admirali: nam et à
~ peccatis mulLus detcrret confilcndi necessitas, cos maxime qui nondum
obdurati sunt, ct lapsis mago'am consolationem prreslat' ut adco pulem
pi um, gravem ct prudcntem confessarium MAGNUl\I DEI ORGANUM ·esse ad
animarum salutem ; prodest cnim consilium ejus ad rcjendos affectus, ad
animadvertenda vitia nostra, ad vitandas peccatorum occasiones, ad resll-
tueodum ablatum, et reparandum damnuru datum , ad dubia eximenda,
ad erigendam mentem aITlictam, acl omnia denique mala aut tollenda aut ,
mitigenda; et cum fideli amico vix quidquam in rcbus humanis prccstan-
~us reperiatnr quanti cst , - curo ipsa sacramcnti diYini inviolabilc reli-
g1ooe, ad lidem scrvandarn opemquc fcrendam adstringi.
(LEJDNITZ , Systema tl1eologicum, de Confessione.)

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DE PERSEVERANÇA. ' 67
a vwlenias agitações e aos transportes da desesperação. Julgou u
medico que e.ste novo abalo lhe abbreviaria ainda os dias da vida,
e declarou, segundo o seu _costume , que não havia tempo a perder~
para lhe administrar os soccorros da Religião. Cham~ pois um
Sacerdote , a doente o escuta, e recebe , como o unico bem que lhe
resta, as palavras de consolação que sabem de sua boca. Elia se
tranquilliza, occupa-se de Deus e de seus jnteresses espirituaes, re-
cebe os Sacramentos com grande edificação , e na manhã seguinte,
visitando-a o medico , ficou pasmado do estado de quietação em que
a vio. Tinha abatrdo ·a febre, offereciam-se melhores symptomas,
e em pouco tempo cedeu a molestia. Tissol contava depois o caso,
e exclamava com admiração : Qiial é pois o poder da coTifissão en-
tre os Catholicos ? (1) ,
Perguntaes qual é o poder da Confissão I Ahi estam patentes
os effeilos. Dando ao homem a consoladora certeza de que torna a
entrar na amizade de Deus, restitue subitamente a paz · á alma, tur-
bada pelo remorso. A vida, que parecia não dever ser mais . que
um Ioógo supplicio, torna-se aprazivel e tranquilla, e a morle mes-
ma perde os seus terrores. Oh ! quanto é aprazivel poder o homein
confiar a um amigo fiel , incorruptivel , dedicado, os penosos segre-
dos da sua consciencia ; sua-s duvidaa, perplexidades, temores , pe-
zares , todas as magoas do seu coração, que o mundo não poderia
nem comprebender nem alliviar ! Opprobrio aos Catholicos, que leem
abandonado a Confissão 1 este dogm~. de cuja falta mais se .lamen-
tam os Protestantes.
Escutemos agora os philosophos impios.
, « Não ha talvez inslituição mais sabia que a da Confissão, diz -
, « Voltaire. A maior parle dos homens, quando cabem em gran-
« des crimes , teem naturalmente remorsos delles : os legisladores ,
cc qu,e estabeleceram os mysterios e as expiações , quizeram igual-
« mente impe<lit· que os culpados se entregassem á desesperação, e

(1) Veja-se lambem a obra do doutor protestante Badcl, intitulada :


Reflexões '111edico-theologicas sobre a Confissão.
*

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68 CATECISMO
.
« recahissem em seus crimes... A confissão é uma cousa excel~
« lente, um freio aos vícios inveterados : na antiguidade mais re-
« mola confessavam-se na celebração de todos os antigos mysterios.
<< Nós temos- imitado e santificado esta sabia practica ; que é uti-
<< líssima , para mover os corações ulcerados do odio a perdoar , e
« fazer com que os ladrões tornem ao seu proximo o que lhe rou-
« baram... Os inimigos. da Igreja Romana , que se leem revoltado
« contra uma instituição lam salutar , tiram aos homens o melhor
cc fr_eio, que se podia pôr aos- seus crimes. · Os mesmos sabios da
cc antiguidade conheceram a imporlancia da Conf.ssão ; e supposto a
« não impozessem como um dever a todos os homens, elles a es...
« tabelec~am como practica para aquelles , que desejavam seguir
« uma vida mais pura; era a primeira expiação dos iniciados , en·
« tre os Egypcios , nos mysterios de Ceres Eleusina. Desl'arle a
cc Religião Chrislã consagrou as cousas , das (fUaes Deus permiilio que
« a sabedori'tt humana descobrisse a utili"dade , e abraçasse as- som-
<r bras ... )) (1)
O author da Ilistori'a philosophica e politica do comm.ercio das
"/ndias , posto que inimigo declarado de toda a Religião, não pôde
deixar de prestar elogios á Confissão. a: Os Jesuitas estabeleceram
cc no Paraguay o governo theocratico, mas com uma vantagem par..
« ticula1• p!ra a Religião, que é sua base, quero dizer,a praclica da Confis..
a: são._ Elia occupa o Iogar das leis penaes, e vela sobre a pureza
<e dos costumes. No Paraguay, a Religião, mais poderosa que a

(1) Não foi imitando os pagãos que o·Filho de Deus instituio a Con- ,
fissão. Os vestigios deste dever, conservados no paganismo , eram restos
d'umâ revelação primitiva , pois se encontram em todas as nações. A
Confissão é uma lei da humanidade cu1pada. Nosso Senhor a proclamou
de novo, santificando-a e elevando-a á dignidade de Sacramento. Elle
não se servio de cousa nenhuma dos pagãos ; os pagãos é que receberam
primitivamente de Deus esta pratica salutar, que tam infielmente conser-
varam. Não foi pois a sabedoria humana que descobrio a primeira ne-
- cessidade da confissão ; o homem não descobre senão o .que Deus lhe
mostra: a verdade vem do Ceo e não dos homens.

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DE PERSEVERANÇA. 69
« força armada, conduz o culpado aos pés do magistrado. E' alli
« que, longe de encobrir a grandeza de seus crimes, o arrependi-
« mento lh'os faz parecer mais graves do que são ; em vez de
« procurar ílludi r o castigo , vem pe<lil-o de joelhos : quanto mais
cc o castigo é severo e publico, maior socego dá á consciencia do ·
a: criminoso. Dest'arle, o castigo que em outra qualquer parte hor-
. « rorisa os culpados, aqui faz a sua consolação, extinguindo os re-
« morsos pela expiação dos crimes. Os povos do Paraguay não leem
«. leis civis, porque não conhecem propriedade ; não leem leis cri-
<C minaes, porque cada um se accusa e castiga voluntariamenle : to-

« das as suas leis são preceitos de Religião. O melhor de todos


cc os governos seria uma theocracia, em que se estabelecesse o lri-
« bunal da confissão... ))
Agora diwi-me, qual é mais admiravel, a bondade de Nosso
Senhor, que. estabeleceu a Confissão, ou a sua sabedoria que a tor-
nou obrigaloria?
E ainda a nossa gratidão subiria de ponto, se considerassemos
quanto é facil a confissão.
O meu jugo é suave e o meu peso é leve, diz o ·Salvador:
pois na confissão é qne mais se verificam eslas palavras. Acaso
podia mostrar-se o Senhor mais indulgente para comnosco 'l Apenas
commellemos um peccado morlal, tornamo-nos reos do inferno , isto
é, de supplicios inauditos e eternos, sem fim, nem allivio. Deus
podia conceder-nos o perdão com as condições . que quizesse, e cer-
tamente quando se trata de evitar o inferno, nenhuma condição nos
pode parecer dura. Pois logo, ~ão seriamos injustos, se achassemos
que Deus, obrigando-nos a confessar-nos ao seu Ministro, havia pos-
to o seu perdão em mui alto preço ?• Ser-nos-ha facil julgai-o pela
supposição seguinte :
Um homem do povo foi admill1do á corte d'um principe pode-
roso. Nada faltava á sua felicidade : honras , riquezas , prazeres ,
tudo lhe era dado pela munificencia do monarcha. Tantos benefi-
cios deveriam inspirar-lhe uma dedicação ~em limites , uma adhe-
são inviolavel ao seu Rei. Não aconteceu porem assim. Arrastado
não sei por que paixão abJecta, o ingrato ~ommetleu contra o seu
bemfeitor um crime enorme, que não chegando aos ouvidos do pu-
1

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70 CATECISMO

blico , chegou todavia ao conhecimento do Rei, com todas as pro-


vas capazes de o certificar do allentado. Então o Rei , usando dÕ
direifo que tinha de casligar , pronunciou a eondemnação do crimi-
noso. Pallido, tremulo e cabisbaixo, caminhava o desgraçado para
ó lugar do supplicio. Já o executor levanta o cutelo sobre a cabe-
ça do condemnado : _soou a hora, o ingrato vai morrer e soffrer o
justo castigo do seu crime. De repente ouve-se troar uma voz, que
diz estas palavras : Perdão ! perdão I da parte· d'el-Rei ! ! ! Vêdes
como este honíem renasce para a vida? elle ousa apenas acreditar
o que ouve , o seu coração se dilata d'alegria. ·
O enviatlo do Rei aproxima-se ao culpado, e lhe diz : O meu
Senhor é bom ; elle te perdoa , mas quer que confesses o teu cri-
me a um dos seus ministros, sem omiltires a menor circumstancia.
E' a unica condição que a sua generosidade te impõe : escolhe en-
tre o supplicio e este. meio de salvação. - Aqui nos parece eslar
ouvindo o culpado, exclamando no transporte tl'uma nova alegria:
Ah ! mostrai-me esse ministro ; eu éslou prompto a confessar tudo;
não temo senão que o meu Rei se retracte. Mas ainda bem não ti- -
nha acabado, eis que chega outro enviado, gritarido : Perdão ! per-
dão ! da parte d'el-Rei ! ! ! Aproxima-se do culpado e diz-lhe : O
- meu Senhor é bom, e para prova da sua clemencia, permitle-te que
elejas entre os seus ministros aquelle, que te inspirar maior confian-
ça. Correm pelos olhos do culpado lagrimas de gratidão , já nem
podia responder, quando apparece terceiro enviado, exclamando :
Perdão! perdão 1 dà parte d'&l-Rei !!! e chegando-se ao culpado lhe
diz : O meu Senbor é bom ; não somente te permitte escolher en-
o
tre todos os seus ministros , mas aínda ob1·iga ministro da tua es-
colha a guardar um segredo ir-violavel , em tudo o que lhe. disseres,
sub · pena de ser e11e conclemnado ao supplicio que te estava appa-
relhado. Se aceitares esta condição , o Rei meu Senhor se esquece-
rá parà sempre do teu crime , reslituir-te-ha á sua graça, dando-te as
tuas primeiras honras e dignidades , e restabelecendo-te no lugar
que tinhas no seu palaciQ, sobre os degraus do seu throno. Julgai dos
• novos transportes do condemnado , e das bençãos que a multidão di-
rige ao generoso Monarcha ! A applicação é facil : é esta mesma a
historia da Confissão. Quem ousará dizer que ella é um jugo pezado ?

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DE PERSEVERANÇA. 71

ORA.VI.O.

O' meu Deus 1 que sois todo amor , eu . vos dou graças por
me haverdes tantas vezes admiltido á Penitencia- com tam grande
misericordia ; permilli, Senhor, que eu persevere até o ultimo da vi-
da na innocencia em que me restabelecestes.
Eu protesto amar a Deus, sobre todas as cousas, e. ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho deste amor,
cumprz'rei com todo o fervor a penitencia que me for fmposta. ·

XLl. LIÇÃO.
2

DE NOSSA UNIÃO COM O NOVO ADAM , PELA


ESPERANÇA.

O que são as Indulgencias. - Poder de as concecfcr. - Elias são utcis.


- Summameote rasoaveis. - Thesouro das indulgencias. - Indulgen-
cia plenaria, parcial. - O que cumpre fazer para ganhai-as. - lHoti-
vos para ganhar as Indulgencias. - Que é o Jubilco.

NÃo querendo Deus que nos horrorisassemos e desanimassemos pe-


lo rigor das penitencias , que somos, obrigados a fazer , por causa
do numero e enormidade dos nossos peccados, este celeste Pai ·
encontrou um meio de acudir ·á fraqueza de seus filhos , conservan-
tlo os sàgrados direitos da sua justiça; pois lhe approuve que o
innocente .pagasse pelo culpado, e que as satisfações superabundan-
tes dos nossos irmãos revertessem em nosso proveito, e diminuíssem
. equivalentemente as nossas dividas : este meio são as indulgencias.

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72 CATECISMO

Não tememos affirmar , que é este um 'dos mais bellos dogmas do


Cbristianismo , e ao mesmo tempo um dos menos comprebendidos
e mais calumniados. Para o desaffrontar, porem, basta dizer o que
eJle é ; é o que procuraremos fazer. _
1. º Que são as indulgencias? - Quando e!ll uma familia um
filho desobedece, seu pai impõe-lhe uma penitencia. O cufpado tra-
ta de a cumprir ; mas _sua mãi,. ou seu irmão, ou sua irmã , vem
interceder por elle. O· pai deixa-se dobrar, e perdoa em conside-
-ração das supplicas e intercessão de sua· esposa, ou de seus filhos:
este pai de familia conce<le uma indulgencia. Quando em um rei-
no, um homem se torna culpado d'um crime de morte ~ as leis o
, condemnam ao supplicio. Está _o reo proximo a cumpdr a senten-
ça ; ma~ um personagem illustre vai lançar-se aos pés do l\fonar-
cha , pedindo o perdão do criminoso. O Rei deixa-se commover, e
perdoa ao culpado : este Rei concede uma indulgencia. Quando na
pessoa d' Adam todo o generó humano se revoltou contra Deus , foi
pela sua rebeldia condemnado á morte eterna ; mas o Filho de Deus
interce<le com seu Pai, offerecendo-se a -morrer por nós.- Accede o
Pai ao sacrificio de seu Filho, e assim fica o -homem resgatado :
Deus concedeu uma indulgencia. Fundando-se neste mysterio , o
Cltristianismo todo não é mais que uma grande i'tidulgencia , conce-
dida ao culpado genero humano, em consideração do sacrifici<? vo-
. ltintan·o daquelle, que era Justo _por exc.ellencia.
Por tanto , a indulgencia, como estaes vendo, é a reversibilida-
de dos meredmentos do Justo sobre o culpado ; é a origem Junta-
mente consoladora e terrivel da fraternidade, e da solidariedade que
liga todos os homens entre si ; é a base das sociedades e a mesma
- essencia do Christianismo. Desçamos agora desta elevação, e veja-
mos o que se deve entender por indulgencias propriamente ditas. -
Os Theologos definem a indulgencia : A remissão da pena temporal,
que resta a soffrer depois de perdoad~ a culpa e a pena eterna;
nmissiio concedida fóra do Sacramento da Penitencia, pela applica-
fâo dos merecimentos de Jesu-Christo e dos Santos. (1)

(1) Iodulgcnlia cst gratia, qua certo aliquo opere, quod concedens

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DE PERSEHRANÇA. 73
Para comprehentler a natureza das indulgeneias , e os effcitos
que produzem, cumpre saber 1.º que lodo o pecca<lo deve ser pu-
nido nesta ou na outJ'a vida. Se o peccado é mortal, hade ser pu-
nido na outrà vida com penas eternas, sem prejuízo das penas lem-
poracs ; se é só venial , hade ser punido com uma pena temporal
neste mundo ou no Purgalorio. 2. que depois da remis~ão, no
11

Sacramento da Penitencia, quer do pcccaclo venial, quer do mortal


e da pena eterna que lhe é devida, resta ordinariamente uma pe-
na temporal a soffrer ; porque é raro ler o penitente as disposições
de perfeita contrição e charidade , que excluem toda a affeição ao
peccado, e nos justificam- plenamente diante de Deus.
Perdoando o peccado e a pena eterna , não perdoa ·Deus sem-
pre a pena temporal que lhe é devitla ; e esta venJ.ade se prova in-
, conteslavelmente pel_o modo, com que o m~smo Senhor se houve com
os mais illnslrcs penitentes. Os Israelitas murmuradores, David
culpado de dous crimes, supposto alcançaram o perdão, todavia sof-
freram penas tcm.poraes, cm castigo de suas culpas. O mesmo Ye-
mos em Adam que , perdoan<lo-lhe Deus a pena eterna que mcre- _
eia, comtudõ não o isemplou das penas temporaes , devidas ao sell
peccado ; pois lhe impoz a dura necessidade de comer o pão com o suor
de seu rosto; de pac,ecer e morrer. .Ora, nesta· Providencia deve- ,
mos reconhecer a intclligenle so11icitude de nosso Pai celes'le que :
« Para mostrar ao peccador, diz S. Agostinho, a grandeza do mal
<1uc commelteu , e do castigo que mereceu; e bem assim para cor-
rigir a nossa natureza , sempre conlraria ao exercicio da paciencia , •
que nos é necessaria ; permillio que as penas temporaes não
deixas!em o homem, ainda depois que elle deixou de ser condemna-
do, pelos seus peccados, a uma eternidade de snpplicios. »
· 2. º Quem pode conceder mdulgencias? - Será porem absoluta-

pré'escrihit, prrostito, debita Deo prena temporalis (non autcm culpn) extra
Sacrameolnm, sacrilicium ct marlyrium, per applicalioneni satisfnrtionum
Christi et Saactorum remittilur. S. Alph. lib. VI, Trnct. IV, n. t;31;
l 1crraris, art lndulg.
10 V

. ..
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CATECISMO

mente neccssario, que sofframos estas penas temporaes em lodo o seu


rigor e extensão, seja neste mundo, seja no Purgalorio ? Não; a fé
nos ensina que a Igreja recebeu de Nosso Senhor Jesu-Christo o po-
der de as minorar ; poder consolador, que collocamos com summa
gratidão entre os assignalados beneficios do Divino Mediador ; do~
gma sagrado, que se basea, como a Religião mesma, em fundamen·
tos inabalaveis. Sabemos que um pai, no meio de sua familia,
- um Rei no seu reino, gosam da magnifica prerogaliva, de :perdoar.
E porque não _gosará a Igreja, nossa mãi e. !tainha ; de igual fa-
culdade a respeito de seus filhos ·e subditos ? Faltaria ao Filho de
Deus o poder de lh'a conceder ? Ninguem o pode sustentar. Fal-
- tar-lhe-hia a vontade? Ninguem jamais o di'rá. De facto , o Sal-
vador deu á sua Igreja o poder de conceder as indulgencias, quan-
do disse a S. · Pedro : Eu te darei as chaves do Reino dos Ceos ,
tudo o que desligares na terra será desligado no Ceo , e tudo o que
tigares na terra será ligado no Ceo. (1)
Esta promessa é geral, e não admitte cxcepç,ão. Ora, eis co-
mo discorremos. A Igreja recebeu de Jesu-Chrislo , na pessoa <!e
S. Pedro, que é sua cabeça · v_isivel, o poder d'abrir o Ceo aos pec-
cadores penilentes ; logo tem ella o poder de remover todos os obs-
taculos, que os impedem de entrar no Ceo. ~as as penas tempo-
raes , que lhes restam: a soffrer depois da remissão da pena eterna ,
são outros tantos obstaculos, que impedem os peccadores converti-
dos d'enlrar no Ceo ; onde não serão admillidos 1 sem que- primeiro
' satisfaçam plenamenle á Justiça divina. Logo, a Igreja recebeu o •
poder <le lhes perdoar estas penas ; e é este poder que ella exerce
por meio das indulgencias. Em uma palavra, a Igreja recebeu o
poder de perdoar os pcccados ; logo com mais forte rasão pode el-
la perdoar as penas devidas ao peccado.
Outra prova de que a Igreja recebeu de Jesu-Christo o poder
d~ conceder indulgencias é o procedi-menlo dos Apostolos. Instrui·
dos pelo Senhor mesmo_, exerceram este poder sempre que o julga--

(1) Matth. XVI, 19.

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DE PERSEVERANÇA.
,..,.
N

ram necessario; seµ. testemunha o Apostolo S. Paulo. Tinha este


infatigavel obreiro de Jesu-Christo prégado o Evangelho em Corinlho,
_e fundado abi uma Igreja florescente. Chamado, pelo seu zelo a ou-
tras províncias. soube que um dos neophitos linha commetlido um
grande crime. Escreveu logo á Igreja de Corintho , mandando-lhe
que o separassem do seu gremio. (1) Responderam-lhe depois que
o culpado estava arrependido. Então,. co.mmovhlo o Apostolo, es-
creveu segunda carta , em que declara que consente em que .se use
d'indnlgencia para com a ovelha desgarrada, mas penitente; por me- ·
do, diz elle, que o excesso de tristeza a não faça cabir em deses-
peração ; e· accrescenta : Se uso de indulgencia , faço-o por vossa
causa , e como representante de Jesu-Christo. (2)
E' pois evidente que S. Paulo cria que o Filho de Deus tinha
dado a seus Aposlolos , e por consequcn_eia á sua Igreja, o poder
de pndoar aos peccadores, em consideração das supplicas e niere-
cimenlos de seus irmãos innocentes; o poder, digo, de conceder rn-
dulgencias. Os he,reges ou os ímpios que ousàm contestar esta fa-
culdade á Igreja, terão acaso a presumpção de conhecer melhor o
p_ensamento de Jes_u-Chrislo do que S. Paulo ? e determinar, com
mais precisão que elle. a extensã~ dos poderes que o Senhor conce-
dera á sua Igreja? Não dizia Luthero, o grande inimigo das indul-
gencias nos tempos modernos ; não ·dizia elle, antes ,de ser condem-
~
nado pelo Summo Ponlifice : Se alguem negar a verdade das indul-
gencias do Papa, seja anatliematisado !?
Outra prova é o procedimento dos successores dos Apostolos
que, desde os primeiros scculos , a exemplo de seus meslres , ex-·
el'ceram constantemente o poder de conceder . indulgencias. Revol-
tando-se os- Monlanislas no Lerceiro seculo, e no quarto os Novacia-
nos, movidos d'um falso zelo , contra a facilic~ade com que os Pas-
tores da Igreja admitliam os peccadores á penitencia , e lhes con-
cediam a absolvição e a Commnnhão, augmentou-se muito , para

(1) 1 Cor. V.
(2) . II Cor. II, 1O.
*

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76 CATECIS!'tfO

t1pasiguar estes cJamores , o rigor das penitencias antes de reconci-


liar os peccadores com a Igreja. .Mas os Pastores, apesar da perti-
nacia · dos hereges , continuaram a usar de indulgencia (1) para com
os penilenles, ou fosse em consideração do fervor com que cum-
priam a satisfação que lhes impunham, ou por se aproximar a per-
seguição , e ser preciso munil-os com a . sagrada Communhão como
escudo e preservativo necessario no meio dos perigos que os amea-
çavam ; ou emfim por allenção áos l\farlyres e Confessores relidos
nas prisões, ou condemnados ás minas , que muitas vezes pediam
estas indu1gencias aos Bispos , a favor d'alguns penilenlt•s.
Similhantes a Jesu-Christo na hora u1tima, estes generosos Chris-
lãos, encerrados nos calabouços e prestes a soffrcr a morte , vo1-
,· iam ainda parn seus irmãos olhos charilalivos, e pediam perdão por
elles. · Os que sabiam escrever punham o nome de seus protegidos
em um bilhete, que chamavam libello dos A/artfres ; e se não po-
diam escrever, contentavam-se com os nomear aos Diaconos, que os
''isitavam nas suas prisões ; os quaes levavam os libellos ou recom""!'
men<lações verbaes dos Marlires aos Bispos ; e estes, para honrar
a constancia .dos 1\farlires, concediam por amor delle.s indu1gencias aos
·penitentes, isto é, abreviavam a dura~.ão da sua penitencia. Sendo
comrnuns na Igreja todos os bens espiritu~os, entendiam seus filhos
que os merecimentos dos Marlires pódiam legitimamente applir.ar-se
aos penitentes , por· quem elles se interessavam: (2) D(lpois da con-
versão dos Imperadores, supposto já não houvesse Martires para in-
terceder a favor dos penitentes , nem por isso se teve por exhaus-
Jo o manancial das graças da Igreja. Pelo contrario veremos que
clle foi sempre inesgotavel. E' urna verdade de fé, firmada nas pa-
Javras de Jcsu-C~ri~to mesmo, no exemplo dos Aposlolos ·e- na tra-
dição de Lodos os seculos , que a Igreja tem poder de conceder in-

{1) Ellcs estavam auctorisados para isso pelos Canones dos Concilios
_ de Nicca, Ancyra, Lerida ele. i S. Basilió , S. Çhrysostomo, e outros ap-
provarnm este µroccdcr.
PJ cyp. cp . x, x1, XII, xm, xxm.

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DE PERSEVERANÇA. ·77
tlulgencias. Pelo que o Sagrado Concilio de Trento, orgão infalli-
''el da verdade, ferio d'anathema todos aquelles que ousassem dizer,
que as .Indulgencias são inuleis, ou que a Igreja não tem poder de
as conceder. (1)
Qual é a utilidade das indulgencias? - E' certo que as inllnl-
gencias, concedidas com a discrição que caracterisa sempre tam emi-
nentemente a Esposa· infallivel de Jesu-Chtisto, revertem necessaria-
mente em proYcito dos fieis. São ellas , para os Santos que estam
na terra, um grande meio de multiplic.arem suas boas obras ; para
os peccadores; um motivo de confiança na communhão dos Santo§, e
mais um incentivo para evitarem todos os peccados, a que está an-
nexa a excommunhão ; para os justos e peccad·ores , são admiraveis
la~os de fraternal charidade. Pelo que é um erro suppor que as
indulgencias dão causa á relaxação e depravação dos fieis; porque
nunca auctorisaram o penitente a não cumprir a penitencia que lhe
impõe o Confessor; nem a eximir-se da restituição, ou reparação
que pode e deve fazer. (2) O objecto das inuulgéncias foi sempre sup-
prir as penitencias omillidas , mal cumpridas, ou umito pequenas em
proporção dos peccado~. A Igreja diz pouco mais ou menos , ao
peccador com quem usa de· indulgencia : « Tu deves tanto , e não
tens nada ou quasi nada com que pagues ; mas se fizeres esta ou
aquella boa obra, serás alliviado de tudo. >> E' um pai, ou .um Rei,
que commuta a pena a um filho desobedienle, ou a um subdilo re-
belde. Obrando assim , a Igreja não faz mais que seguir o exem-
plo do me'3mo Deus. Que outra coµs~ é, tornamos a dizer, o Chris-
tianismo todo? Que é a RedempÇão tle Jesu-Cbristo, primeiro fun- _
<lamento da nossa fé , senão uma grande indulgencia-concedida ao ·ho-.
roem culpado, em consideração da Viclima innocei1Le? Em sum-
ma, o homem e culpado ; e deixµtlo a si, não pode satisfazer nem
ainda pela mais pequena offensa ; a Justiça divina rPclama porem
todos os seus direitos ; logo sem indulgencia, isto é, sem o~ mereci-
mentos t.lo Justo, applicat!os ao peccador, e recebidos em satisfação

(1) Scss. XV, e. 23.


(2> Veja-se a oola a pag 8~.

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78· CATECISMO

de suas dividas, não ha remissão possivel, não ba redempção, não


ha Christianismo. Eis como se mostra que o dogma das Indulgencias é
da mesma essencia da Religião de Jesu-Christo ; porque as indulgen-
cias que a Igreja concede, não são mais que uma applicação d'a-
quella grande indulgencia , que é a mesma base do Cbristianismo.
4. E' ras(lavel o dogma das indulgencias? ~ Nadá ba mais
11

conforme á rasão do que Q dogma das indulgencias ; porque nada


concilia mais admiravelmente os direitos da Justiça e da Misericor-
cJia divina. Não pode Deus deixar o peccado sem castigo, nem
a boa obra sem recompensa ; é rigonsamente necessiario que todo
o peccado seja punido tanto quanlo o 'IDercce. (1) Nem a sua mi-
sericordia está em deixar o peccado impune; mas sim, como nos en-
sina o dogma das Indu'lgencias , em contentar-se com a satisfação
, que Jesu-Christo e os seus Santos lhe offerecem pelos peccados do
mundo. EIJe podia exigir de nós mesmos o que lhe devemos sem
abater nada ; mas por sua bondade contenta-se com a satis.fação de-
outrem, para o pagamento d'uma divida que lçwia direito a exigir
lhe pagassemos pessoalmente.
5. Qual é o thesouro das Indulgencias? - Estas nóções sup-
0

poem 1. que ha na_ Igreja salisfaç.ões superabundantes; 2. º que es-


0

tas satisfações se podem applicar aos fieis : estas duas suppos1çoes


ambas se verificam. Em primeiro logar, · ha na Igreja satisfações

. -
(1) Ag. lib. III de Lib. Arbitr. e. 9 et 10; id. de Natur. Boni, e.
7. Nec sulliciL solummodo reddere qnod ahlalum esl, scd pro conlumclia
illala pios deb'et reddere quam abstulit. .. - Ansdm. lib. 1, Cur Deus
homo, e. li. .
Vidcamus utrum sola misericordia, sine omni solulione ablali sibi
,. honoris deceal Deum peccata dimittere? Sic dimillere peccatum non esL
al"ud quam non pnnire; el qnoniam rcctc ordiaarc pcccalurn, non est ni-
- si punire, si non punitur inordinatum dimitlilur. ' Secundum mCllSUFam
peccati oportet saLisfactionem esse. Aliter aliquatenns inordinatum mane-
ret pcccatum ; quod cssé non potcst, si Deus nihil rclinquit inordinatum
in rcgno suo . . Sed hoc est praistitum , quia quamlib~t parvum inconve-
nicns in Deo impossihilc cst. ld. e. !O. Veja-se lambem cap. 13 e 24.

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·-
DE PERSEVERANÇA. 79
superabundantes. Com effeilo, todas as boas obras feitas em esta-
do de graça são ao mesmo tempo impetralorfos, merilorias, e satis-
factorias ; elias obtem a graça ' merecem a gloria e e~piam o pec-
cado. E' assim que as acções de Nosso Senhor, modelo das · boas.
obras de lotlos os Santos , lhe alcançaram para os homens as gra-
ças da salvação, para a sua humanidade santa o mais alto grau de
gloria , e ao mesmo tempo apagaram lodos 'OS peccados do mundo.
Da mesma sorte um Justo, que está em estado de graça, e faz uma
boa obra, ajunta mais uma perola á sua coroa, obtem mais uma
graça, emfim expia alguns peccados que possa ter commettido. Ma$ ·
se este Justo não tem peccados a expiar~ ou se a sua divida é me-
nor que o merilo da boa obra que fez, é claro que esta só oblem
uma parte da sua recompensa ; pois quanto á parte expiatoria fica
privada do seu effeito. Ora, diante de Deus, que é a Justiça mes-
ma, não pode perder-se este genero de merecimento.
- Isto supposlo , é certo 1. º que as satisfações de Nosso Senhor
excederam muito os p(lccados do mundo. D'aqui e~as memoraveis
palavras. do Papa Clemente IV, que muito bem explicam o senlir da
lgr('lja ácerca das indulgencias : « O Salvador·, irnmolado no altar
da Cruz, não derramou somente uma. gota de san.gue , o que com-
tudo, por causa da dignidade da sua naturéza. teria bastado para a
redempção do genero humano ; mas sim o derramou todo. Logo,
para que tantos merecimentos não sejam inuteis , quarn grande de-
ve de ser o lhesouro das graças, que elle adqmriu á Igreja mili-
tante 1 Pois não ficou sotterrado o thesouro do Senhor; antes e1le
deu ao Principe dos Apostolos ,, e a seus succe.ssores, o poder ·de
distnbuit· aos fieis as suas riquezas. >) (1)

{t) Unigenitus Dei Filius .•. prelioso sanguine nos redemit ~ quem io
ara Crucis iooocens immolatus, non guttam sanguiois modicam, qure la-
men propter unionem ad Verbum pro redemptione &olius humani gcncris
suffecissct , sed-copiose , vclut. quoddam profluvium noscitur elfudisse ...
Quantum ergo ·cxiode ut oec supenacua, inanis ct sti'perllua lant<D cffu-
sionis wiseralio rcd<.leretur, lhesaurum miliLanti Ecclcsiill acquisivit , volcns

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80 CATECISMO

2. º E' certo que os Santos fizeram muitas satisfações supP.ra-


.bunclanles. Quem pode negar as da Santissima Virgem , que foi
isempla de lodo o peccado , e todavia tanto padeceu ? Quem pode
negar os meritos de tantos Martyres que, sahindo da fonte baptis-
. mal , aonde acabavam de ser purificados, subiam logo ao patíbulo ,
aonde consummavam o seu sacrificio? Quem pode negar os meri-
tos <le lantos santos que, maculados apenas com pequenos dl'feitos,
passaram a vida em austeridades, Jejuns, e privações de toda a es-
pecie? Tal é de facto a doutrina da Igreja. (t) Assim o thesouro
·das indulgencias compõe-se dos merecimentos superabundantes de Nos-
so Senhor Jesu-Chrislo , da Santissima Virgem e dos Santos : thesou-
ro este que é inexgotavel, porque os merec1menlos do Salvador são
infinitos.
Dissemos, em segundo lugar, que estes merecimentos se podem
applicar aos fieis , e já deixamos isto provado, quando mostramos
que a Igreja tem poder de conceder indulgencias. Accresce ainda
que a mesma jüsliça pede que assim seja ; 'e é facil demonstrai-o ;
se não dizei-me : não seria d'estranhar que, n'uma sociedade tam -
perfeita como a Igreja, ficasse como perdido lam rico lhesouro? Po-
deria Deus deixar inaleis tantos merecimentos como os de Jesu-Chris-
to e dos Santos~ Ora, Deus não pode applical-os nem em proveito
de seu Filho, nem dos Santos; pois não teem· dividas proprias para
expiar. Logo pede a Justiça que sejam valiosos e uteis para aqnel-

suis lhesaurizarc filiis pins Patei:, ul sic sit infinitas thesaurus hominibu's
qno qui usi sunt, Dei nmicitire participes sunt affecti: Quem quidem
thesaurum, non in sudario repositum, non in agro absconditum , scd per
B. Petrum Creli clavigerum , ejusque successores, suos m terris v1carios,
éommisit fidclibus salubriler dispensandum, ct propriis et· ralionalibus cãu-
sis, nunc pro totali, nunc pro parliali remissione prenre temporalis pro pec-
catis debitre, tam gencralitcr, quam specialiter (prout com Deo expcdirc
cogooscerenl) Ycre prenileotibus ct coofessis 1uisericorditer applicandum.
Extraiiag. Unige11itus, ele.
(1) Extravag. Cnigcnilus, clc.
1

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DE PERSEVERANÇA. 81
Jes que carecem delles , e é isto o que Deus fez <.lesdc o princ1p10
do mundo , e o que _faz ainda. No Paraizo terrestre , aceilou a
intercessão de seu Filho em favor do homem culpado; na antiga
alliança, perdoou aos maiores peccadores, posto que só fizessem le-
ves penitencias, quando algum santo ofTerecia por e1les as suas sa-
tisfações proprias. Assim perdoou aos Israelitas rebeldes, em consi·
deração de seu servo .Moisés ; assim teria perdoado ás cinco infa-
mes cidades, se nellas houvesse apenas dez justos ; assim perdoou
ao profanador Heliodoro , em consideração do Summ~ Sacerdote Oni-
as. Na Lei nova, multiplica Deus igualmente pela sua graça os mereci-
mentos dos Santos , que se nos applicam por meio das indul-
gencias. ,
6. º Que se deve entender por indulgencia plenaria e indulgen-.
eia parcial ? - A remissão da pena temporal, devida aos peccaclos,
nem sempre se nos concede em igual proporção : algumas vezes é
inteira e plena ; outras , não. Daqui vem a differença de in-
dulgencias plenarias e indulgencias parciaes : por exemplo, a de se-
te arrnos e sete quarentenas, e outras mais ou me..nos conside-
raveis.
A indulgencia plenaria remitte não só todas as penitencias sa-
cramentaes e canonicas, mas lambem todas as penas do Purgato-
rio. (1) Por tanto o Christão que é tam feliz que a alcança em

'
(1) ltidulgentia plenaria ea est quae non tantum poenitwtiam in ...
junctam per confessarium, vel canones, aut secundum hos injungi debi·
tam, sed eliam omnem Purgatorii poenam lollil. -S. Alph. lib. VI, Tract ..
IV, n. õ3fS. p. 26'. ~ Effectus indulgeot1re est remissio prenre temporalis
ex peccatis quoad culpam dimissis , residure, ct reslaatis: comm1mis.
Prena aulcm .temporalis relicta, ct rcstaos ex peccatis condonatis Jaenda
ab homiee, est duplex: una ad quam persolvendam homo obligatur ex sa-
cramenlali prenitentia a eonfessario injuncta ; altera, ad quam persolvcn-
dam in hoc mundo vel in Purgatorio est obligatus a justitia . Dei : com- ·
muois. Unde indulgeoti<e plenarire eO'ectus es t rémittere omnem preaam
debitam in foro sacramentali , seu liberarc totalilcr prenitenlem ab obliga-
'iooo implendi quamlibet preniLentiam , elia1n medicinalem sib4 impositam
· 11 V

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----- -
8! CATECISMO

toda a ·sua plenitude , fica puro como um menino que sahe das agou
do Baplismo : se morrer nesle feliz estado, sobe immediatamente ao

a confessaria. Sic S. Thomas, S. Bonavcnlure, Gobat, Kazcnberger,


Lugo, etc. Vid. Ferraris, art. Indulg. art. III, p. 231. - Oh revercn-
tiam tameo Sacramenti Prenitentire convcnit confessario levem snltem pre-
nitentiam injungere, et prenitenti eam ad11nplere, ele. Iodulgentim plc-
narire effectus est etiam remiltere omncm prenam debitam in foro Dei,
id est ornnem prenam reliclam ex peccatis dimissis, ad quam persolvcn-
dam in hoc mundo, vel in Purgalorio , cst homo obligalus a juslit1a Dei.
Sic S. Thomas, etc. Vid. supr. id. id.
Ila diHrgencia entre os theologos sea indulgencia plcnaria exime de toda
a penitencia sacramental; não da medicinal, ou que Lem por fim ohstar
á reincidencia do peccado ; pois essa, como diz Oollet, não lia poder na
terra que dispensal-a possa; mas sim a respeito da penitencia propria-
mente vindicativa, ou que se da em pena do peccado. Esta , pois, que
o Confessor impõe como pena (e sempre deve impor alguma, pois é, co-
mo todos sabem, de direito divino; e necessaria quasi materia), deve cm
touo caso cumprir-se, por duas rasõe~ em que convem todns os theologos:
1. 0 porque, ainda dado que a indulgencia plenaria dispensasse toda esta
penitencia , ningucm sabe certo se lucrou ou não a indulgencia; e por
consequcncia se de facto está dispensado de satisfazer deste modo á jus-
tiça divina. ~.º porque seria falso penitente aquelle, que quizes~c cximir-
sc de satisfazer a Deus por suas graves culpas com uma leve penitencia
deste gencro , como diz, quasi pelas mesmas palavras, o erudito e sahio
Bento XIV: Difficillima perceptu -res Nobis visa est, eum posse dici , aut
esse vcre Prenitcnlem, sicut ille debet esse, qui plenariam lndulgentiam
coose~ui cupit , si hnjus prcctexlu eximcre se rnlit a prenilcntia ilJa adim-
plcnda , qnre ipsi in Sacramentali Confessione a Confessario in juncla est.
{Epislola Enc clica ad Poenitentiarios, et Confessa"rios pro Anno Sanélo in·
Urbe deputatos. n.º õ § 65.) - Veja-se lambem Cuniliali, De Sacramen-
to PoeaileoLire, § V - Pedro Collct, Appcnd. de lndulg. e. 1. - Bento
·XIV , na mencionada Encyclica - Juvenino, Pontas, P. Amort, Yalentia,
Concina , Tournely , Bossuet , e1c. , etc. Não dei1te pois nunca o
Confessor , a titulo de Jubileo ou Indulgencia Plenaria, de impor peniten-
cia penal , nem o penitente de a satisfazer; por quanto, se em m!lteria de
sacramentos é pcccado morta\ deixar o certo pelo duvidoso ; aioda mais ·,

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DE PERSEVERANÇA. 83
Ceo, sem passar pelo Pul'gatorio. (1) Conheceis acaso verdade mais
C-Onsotadora ?
~las , perguntareis _talvez, aquelle que ganha em toda a sua
plenitude uma indulgencia plenaria em fayor dos mortos fica por ven-
tura ·seguro de que livrou do Purgatorio a alma por quem a appli-
cou? Não, ninguem pode ter es a certeza ; e a rasão é , que uma
alo;ia pode estar retida no Purgatorio ou por peccados veniaes , que
não foram perdoados ; ou para soffrer as penas devidas , não só a
estes, como lambem aos mortaes perdoados no Sacramento da Peni-
tencia. Ora, se a alma está retfda no Purgator10 por peccados ve-
niaes, que não foram perdoados, a indulge9cia nã~ a livrará , vis-
to que (não vos esqueça isto) a indulgencia não perdoa o peccado
mortal , nem o venial , mas tamsomente a pena que lhe é devida.
Dest.'arte, quando lerdes, na formula ou concessão da indulgencia,
estas palavras : aquell.e .que a ganhar receberá a remissão de h>dos
os seus peccados, remis.sionem omnium peccatorum, cumpre ..enten-
der todas as penas temporaes devidos aos seus peccados. (2) Se a
alma poi está relida no Purgatorio só para soffrer penas lemporaes,
é certo , segundo S. Agostinho, S. Chrysoslomo, S. Thomaz e os
principes da Theologia, que a alma fica inteiramente livre (3), a
menos que Deus não julgue convemen!e, nos conselhos da sua Justi-

se ningucm pode saber se lucrará ou aão a indulgencia ; como hadc al-


guem fundar-se cm uma cousa incerta e contestada, para privar o
sacramento cl' uma parle essencial , qual a satisfação d' obra-, saltem
in 'voto ? Pois a satisfação é propria e rigorosamente a pcnilencja
penal, tam recomme'ndada pelo Concilio de Trento : Babeant autcm (Sacer-
dotes) prro oculis, ut satisfaclio, quam imponunt, non sit tantum ad no-
vre vitée custodiam, et infirmiLatis mcdicam.cn_tum, sed cliam ad prffilcri-
torum peccalorum ''indictam, et castigalioncm. Sess. U, cap. 8. Para
mais larga instrucção vejam-se os auétores acima citados.
, NpTA DO TRADUCTOR.
(1) Raccoltr.. di indulgenze, -0tc. Roma 1841, p. XVI.
(2) Ferraris·, art. Jndulg. p. 232.
(3) ld. p. Ht.

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8i CATECISMO

ça, não Jhe applic~r o beneficio em toda a ·sua extensão. (1) Ac-
crescentemos a isto que é difficilimo saber (2) se por ventura lucra-
mos em toda a sua plenitude a indulgencia pJenaria ; e é por isso
que, sem pretendermos prescrutar os mysterios de Deus, muito bom
será que appliquemos o maior numero que pudermos de indulgencias
ás almas que nos são charas.
Quanto ás indulgencias parciaes de sete annos, por exemplo,
sete quarentenas , estas perdoam a pena que se sallsfaria por sete

ta l5upra.
0 TRADUCTOB.

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DE PERSEVERANÇA. 85
aunos, ou quarenta drns de penitencia publica ou canoníca, impos-
ta nos' primeiros secnlos da Igreja ; mas isto não quer dizer que el-
1as. <liminnam sete annos ou sele "eze~ quarenta dias as penas do
Purgatorio. (1) Para flxcit~r em nós o mais vivo empenho em as
ganhar para estas bemditas almas, basta saber que por r-Jlas se lhes
diminuem as penas em tal propÕrção qual a que determina em sua
misericordiosa sabedoria o ·soberano Juiz. E' tempo de passarmos
a selima pergunta, á qual _responderemos em poucas palavras.
Que cumpre fazer pa·ra ganhar as indulgencias? - As lndul- -
gencias,. como acabamos de ver, são um immenso benericio , seja pa-
ra nós , seja para as a·lmas do Purgalorio. O que realça o seu pre-
ço, manifestando admiravelmente a infinita bondade do nosso Pai ce-
leste, é a facilidade das condições com que as podemos obter: _
Facilidade nos actos que se requerem ; porque alguma$ vezes
é uma curla oração, outras, a visita d'uma Igreja . ou a posse de
uma cruz ou medalha , acompanhada de certas devoções, que o
sabio e o ignorante, o menino e o velho podem igualmente cum-
prir. Assim, corno lodos sabem, ganham indulgencias os que fazem
aclos das Yirludes theologaes, os que resam o Rosario, as Ladainhas
do Santissimo Nome de Jesus e ela Sanlissima Virgem, o Angelus e
mil outras orações, que ordinariamente se sabem de cór, ou estam escri-
ptas em livros , que andam nas m.ãos de tod_os. Tambem se conce-
dem índulgencias ás differentes· confrarias de Nossa Senhora, do San-
tissimo Sacramento~ Sanlissimo Coração de Jesus, Immaculado Cora-
ção de Maria, Catechesis, Almas do Purgalorio, Rosario , escvpula-

(1) Indulgenlia alia esl partialis , qualis est unias, vel aliquot an-
norum ; item septenre, quadrageam, etc. Per quas non significalur tom
tantam durationem Purgatorii , sed tantam prenam remilli , quanta delcre-
tur per jejuoium unius, aut aliquot annorum, _aut quacl!'agiota dierum iu
pane et aqua~ secunduni canooes olim impooi solitum. S. Alph. n. l>3ã;
Ferraris, 223. - Note-se com S. Antonino que o numero sete se vê mui-
tns vezes empregado· nas indulgencias, cm opposição aos sete peccados
mortacs.

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86 CATECISMO

rio, Propagação da Fé ; e todos sabem quanto são faceis de cum-


prir as condições com que se alcançam. A meditação diaria, a prn-
dosa devoção de acompanhar o Sanlissimo Sacramento , quando vai
aos enfermos, assim como a maior parle dos actos de charidade es-
piritual e corporal. para com o prox1mo , são outras tantas fontes
de indulgencias.
Facilidade no modo de cumprir os actos prescriptos. Antes de
passarmos adiante , cumpre notar qae as indalgencias são ben·s e
propriedade da Igreja. Para gozar delles , cumpre pert.encer a e!;ta
santa sociedade pelo sacramento do Baplismo. Teem estes bens por
fim o satisfazer e pagar as nossas dividas. Ora, para haver divi-
das é de mister tel-as contrahido. Por tanto , os meninos que ain-
da não peccaram , não leem necessidade de indulgencias, nem são
capazes dellas. Aos Fieis defuntos sim, approveilam as indulgencias,
porque sendo adultos, tiveram peccados ; e supposto já não estam
no mundo, não deixam por isso de ser ainda membros da Igreja.
T0Ja, ia , para que lhes _approvetLem hade o Pontífice declarar que
1

tal indulgencia é applicavel ás almas do Purgatorio ; porque só a


elle pertence regular a dispensação dos merecimentos <lc Jesu-Chris-
to ; e hão de ter os Fieis a determinada· intenção de lh'a3 appli-
, . carem.
Isto supposto, para ganhar as indulgencias é preciso : 1. fazer
0
·

as obras que se. mandam na Bulia, em o tempo e do modo nella


indicado, e segumlo a intenção daquelle que concede as indulgen-
cias; 2. º cumpril-as plenamente, por si e não por outrem ; 3. º es-
tar em estado de graça ao menos quando se cumpre a ultima obra
prescripta ; porque não pode perdoar-se a pena devida ao peccado,
sem que o peccado anles se perdoe; 4.º ter intenção ao menos ha-
bitual e interpretativa de ganhar a indulgencia. (1) Para satisfaz.er

(1) Ferra ris, p. H8. - ELsi in opere p~stiLe non habucris ·iolen ...
tionem coosequendi iodulgentias ... ct Tidetur ccrtum si habueris inlerpre-
taLivam. S. Alph. n. 5, Si, p. 261. - A intenção iote~pretativa consis-
te na disposição em que se está de ganhar as indulgencias , ainda que

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DE PEISEVERANÇA. 87
esta ullima condição basta formar a intenção 1ogo de Il)anhã, dizen-
do, por éxemplo : Meu Deus, tenho intenção de lucrar neste dia to-
das as indulgencias, concedidas ás oraç.ões e boas obras que eu fi-
zer no decurso delle. -
E' aqui 'lugar de fazer quatro observações imp ortanles a respei-
to da Confissão, Communhão, orações e mais obras com que se ga-
nham indulgencias. 1. º As pessoas que teem o santo costume de se
confessar tollos os _oito dias, podem ganhar 'todas as indulgencias que
occorrerem em toda a semana , com tanto que perseverem em esta-
do de graça. Exceptuam-se sornente as indulgencias do Jub1ileo ,
uo qual a confissão é prescripta como uma parte essencial das boas
obras que se devem fazer. (1) 2.º Quando se prescreve a Commu-

não baJa na voolode intenção artual, ou 'Virtual, ou ainda mesmo impli-


cita. Afgr. Gousset, t. It P· 20. Veja·se Raccolla, etc., p. XXlll.
(1) Raccolta, XIX. - E'. questão hoje decidida em dous decretos da Sa-
grada Congrega~ão das Indulgencias, ap1irorndos pelo Summo Pontifice Cle-
ment~ Xllf, um a 19 de Maio de 1759; óulr<?, a 9 de Dezembro de 1763. Decla-
ra-se no primeiro que: « a Conrissão Sacramt!nlal, quando se impõe nos Bre-
ves para ganhar a indulgencia , devem cumpril-a ·aquelles mesmos que
não tcem consciencia de pcccado mortal » ,_ d'onde se infere ·que a ex-
pressão con.trilis et confessis, que costuma vir nas Bulias , não se de,·e
interpr~tar simplesmente como condição de ·estar em graça, mas como obra
pia e meritoria para lucrar a indulgencia. Aquclles porem, como adver-
te o nosso Catecismo, que leem o santo costume do se confessar todos os
oito dias, por indulto do sobredito Pontifice , DO segundo memorado de-
creto, são dispeniados desta obrigação em todas as indulgencias , menos
na~ <to Jubileo, e outras concedidas em rorma de Juhileo ; pois para es-
sas a .todos é neccssaria a Confissão Sacramental , como qualquer das ou-
tras obras .Prescriptas. Eis as formacs palavras do . Decreto : Coosulcndum
Saactisimo Domino NQitro, ' ut concedere dignelur lndulgentíam omnibus
Christi fidclibus , qui frcqueoti peccatorum confessiooc animum stu-
dentcs cxpiare semel saltem in hebdomada ad Sacramentam PrenitenLire
accederc, nisi l~giLime impediantur,. consueverun', êt nullius lelhalis cul-
pre a se post per;,)_ctam ultimam confcssionem commissce sibi cooscii sunt,
ut omnes ct quascumque lndulgentias co~sequi possint etiam sine aclua-

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CATECISMO

nhão para ganhar uma indulgencia plenaria em particular , esla se


pode fazer na vespera da festa marcada para a indulgencia. (1)
3. º Supposlo deva cada um cumprir por si mesmo as boas obras
prescriptas , comtudo declarou a Santa Sé que as pessoas que reci-
tarem alternadamente as orações ganham as indulgencias. 4. º Para
ganhar as indulgencias concedidas ao Rosario, ás Cruzes, Crudfixos,
medalhas, cumpre ter comsigo estes objectos, não sendo porem ne-
' cessario trazei-os na mão ('2), mas sim tel-:-os em casa. Quando se
rezam as orações prescriptas como condições das ditas indulgencias,
cumpre trazer comsigo as cruzes, médalhas ele., ou pelo menos
tel-as em um quarlo ou lugar decente da casa, ou resar as ditas ora-
ções diante destes objectos;· os quaes (nole-se bem) não é hcito ven-
der, dar, ou emprestar a outros; sub pena de logo perder as in-
dulgencias que lhes eslam annexas. (3) Que cousa mais simples e
facil do que estas condições ? Para cumpril-as basta querer fazei-o;
mas ainda quando fossem difficeis (que o não são) nem por isso de-
veriamos eximir-nos de fazer algum sacrificio , para ob ler os immen-
sos beneficios que as indulgencias nos procuram.
8. º Que motivos temos para ganhar as indulgencias quer para

li Coofcssione, quro ccteroquin juxta prrefati Dccretí (nempe diei 19 Maii


1769) dcrioitionem ad eas lucrandas necessaria esset. Nihil .tameo inno-
vando circa IndulgcnLias Jubilrei Lam ordinarii, quam extraordioarii , ali-
asque ad instar Jubilrei concessas, pro quibus assequeudis, sicut et alia
opera iajuocla, ita eL Sacramentalis Confessio, tcmpore in earum coofcs-
sionc prresctipto pcragantur. - D'aqui tambem se infere quanto é erro-
nea a opinião daquelles que dizem que: à Confissão por preceito annual
· pode valer ao mesmo tempo para lucrar o Jubilco. Veja-se Cuniliati, De
ladulg. § II, n. V.
NoTA no TRADUCTOR.
(1) Isto ·mais se deve dizer da Confissão. Veja-se Cunil. loco ciLato.
. o TRAD.
(~) Ferraris, p. 226, n. 20;- S. Alph. n. 534, P· H6; Jlaccolla, etc.,
p. Mã.
l3) Raccolla, ãã2.

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DE PERSEVERANÇA•

_nós mesmos, quer para os defuntos ? Primeiro para nós mesmos ;


quem ha ahi que, examinando , illuminado da Fé, a sua conscien-
cia, não haja de dizer como Isaias : E' a minha _vida um panno
cheio ·de immundicia ,; tanto as nossas obras, ainda mesmo as boas,
são manchadas d'imperfeições e defeitos? (1) E quem não deverá
accrescentar com David : As minhas iniquidades se elevaram por ci-
ma da minha cabeça. (2) Quem, interrogando a sua consciencia ,
não deverá dizer taó.1bem com o mesmo Propheta : ' Como poderei
contar o numero , e megir a exlensão dos meus peccados? (3)
Qual é a idade da vida que não tenha lido, e não tenha ainda, suas
parlieulares nodoas? Dos dez mandamenlos de Deus, qual é o que
havemos constantemente respeitado? Que digo? Qual não temos
quebrantado centenares e centenares de vezes por pensamentos , pa·
Javras e obras; por ommissão e commissão? E acaso teremos cum-
prido melhor com os mandamentos da Igreja? Ah, que ainda cum
maior infidelidade os havere_mos infringido ! Eis, sem exaggeração ,
a triste pintura da nossa vida.
Por outra parle , que penitencias temos feito á conta de tantos
peccados ? que penitencias fazemos ainda ? Que morlificações e aus-
teridades havemos imposto a nós mesmo3 para satisfazer á Justiça
Divina? Que penitencias nos deram no tribunal da reconciliação?
acaso foram proporcionadas ao numero e gravidade de nossas cul-
pas ? - e ainda essas; com que fervor as salisfizemos? Se ao me-
nos acPitassemos, Já não direi com alegria, mas com paciencia , os
rnvezes -que Deus, por sua mise~icordia, nos envia! Mas ah, o des-
alento, a tristeza, as queixas , murmurações e impaciencias· é o que
mais temos no coração e na boca, para fazer não só inulil a nossa
cruz, mas tornaJ-a até , occasião de no-vos peccados ! Eis como nos
sobrecarregamos de dividas, contraindo novas cada dia e a cada ins-
a
tante , sem pagar nada ou quasi nada conta' de1las. Ora , Deus

(1) Quasi panous mcnslruatre uníversre jusLiLi<e nostt<e. Isaías,


LXIV. 6.
(2) lniquitales mero supcrgress<e sunt caput mcum? Ps. 37.
(3) Dclicta quis intcligit? Ps. 18.
12 V

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90 CATECISMO

é um acredor que não admilte bancarola ; embora -nos não lembre...


mos de dar contas, havemos de dai-as rigorosas ; todo o peccado
será punido, e puRido como merece, nesta ou na outra vida.
Logo, Yisto que não procuramos pagar as· nossas dividas, claro
está que em lugar de as diminuj1· e abater, cada vez mais as au-
gmentamos, e eis como neste mundo mesmo altrahimos sobre nós as
calamidades publicas e particulares, as revoluções, flageJlos , epide-
mias e toda a especie de castigos, que o peccado traz comsigo ;
eis como estamos lambem accúmulando sobre nós as penas que te- "
remos de soffrer no Purgalorw; e ainda bem se for no Purgatorio,
aonde os tormentos , supposto excedam em rigor a todos os tormen-
tos do mundo, e tenham uma duração para nós incalculavel, tqdavia
hão de terminar. Quem' ha ahi que pense seriamente nisto , ;sendo
nós tam de1ieados e inimigos de soffrer !
Assim, pois, não é só util esforçar-nos por ganhar as i ndulgen-
cias, afim de satisfazer nossas dividas ; é lambem de summa im-
porlancia , para não contrahir novas. Não senem ellas só para
nos livrar do Purgalorio, mas para nos abrir as portas do Ceo. Sa-
bemos que para ganhar uma indulgencía é de mister estar em gr_a-
ça. Quanto é pois efficaz para nos conservarmos, ou restabelecermos
neste feliz estado, o salutar pensamento de obter uma indulgencia !
Quanto mais apreciarmos este enextimavel favor, mais esforços fa-
remos , para cumprir as condições , sem as quaes não podemos me-
recel-o. Dest'arte, longe de produzir a relaxação, como pretende-
ram dizer os herejes e como repetem ainda alguns máos christãos ,
o dogma das indulgencias, sendo devidamente epprecia_do, basta só
de per si para enLrelel' o fervor religioso, e eleval-o ao mais alto
gráo de intensidade entre os Cbristãos : elle só é capaz de povoar
a terra de Santos e o Ceo de Bemaventurados. Taes os motivos
que nos assistem para ganharmos e applicarmos a nós mesmos as
indulgencias ; e nem são menos ponderosas as rasões que temos ,
para as applicar â.s Almas do Purgatorio.
Senhor, vinde e vede, dizia ao Salvador a irmã de Lazaro, con-
duzindo-o ao sepulchro, onde seu irmão eslava encerrado havia qua-
tro dias. O Salvador chorou, e resuscitou o seu amigo. Eu vos
direi da mesma sorte, meu irmão, minha irmã , vcni el vide. Vin-

..
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DE PERSEVERANÇA. 91
de ao lumiar do Pnrgalorio , e vede nas abrazadas cbammas vosso
pai, mãi, irmão ou irmã, que estendem para vós as mãos suppli-
cantes , pedindo-vos soccorro. Alli estam tlelidos não ba quatro
dias, mas talvez ha muitos mezes ; alli estar~o, condemnados a pe-
nar talvez ·dez, vinte ou mais annos. Bem podeis ·vós alliviar seus
males, abreviando-lhe o tempo, reduzindo-o talvez a um instante ;
pois basta alcançar-lhes e applicar-lhes as indulgencias que a Igre-
ja vos concede com tanta liberalidade, e a condições tam faceis.
Oh, acaso lhes recusareis isto, ao mesmo tempo que ides ostenlat·
por to<la a parte as vossas dores e os 'vossos pezares , cobrir-vos de
lucto, e fallal' do vosso amor para com aquelles que perdestes ! Dor
pagã, 'lucto hypocrita, affecto mentiroso ! O verdadeiro amor, diz o
Salvador, não consiste em palavras vãs ; mas sim em actos positi-
vos : se amaes aos vossos defuntos, corrorrei-os; alias mostraes que
não tendes charidade , e que nem lam pouco tendes fé ; porquan-
to, se nos recordarmos da prodigiosa influencia , que o dogma das
indulgencias exerceu nos seculos chrislãos, que chegou ' algumas ve-
zes a abalar-se a Europa inteira , com os · seus reis , e guerreiros ,
ao receber a nova d'uma indulgencia ; se nos recordarmos que o
mais grandioso templo do mundo foi concluido por uma indulgen-
cia (1 ), e que fui igualmente por meio das indulgencias que os pai-
zes chrislãos se pornaram de mosteiros, igrejas, e monumentos gran-
diosos; se nos recordarmos que S. Francisco Xavier não conhecia
meio mais poderoso, para arrancar do abysmo do vicio aos chris-
tãos da India, do que a promessa <l'urna indulgencia ; e compara-
mos ludo isto com a mortal indiffercnça em que hoje temos Iam in-
extimaveis favores , quebra-se-nos o coração, e rasão temos para per-
guntar ~ sem ousar responder : Por vcnlnra ainda ba fé no mundo?
Supponde que enlraes por uma vasta prisão , aonde estam afer-
rolhados muitos infelizes~ carregados de ferros ·, condemnados a pe-
nas terriv~is, uns por dez, outros por vinte, e outros por quarenta

·(1) Veja-se lambem a este respeito ó que se passa em nm dia de


indulgencia plenaria em Nossa Scuhora dos Anjos, oa l'ida de S. Fran-
cisco d'1lssis, po·r M. Cbe\'in, 18:2.
"-

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92 CA l'ECISlUO

annos ; e que lhes dizeis : l\landa El-Rei , por sua alta clemencia,
que se abrevie a duração das vossas penas , e alé que se perdoem /
inteiramente, com a condição que fareis taes orações ou taes obras
pias , alias bre,·es e faceis de cumprir-se~ Se assim o fizerdes ,
abrir-se-hão as portas desta prisão, ; ireis ver de novo os vossos pa-
rentes e amigos ; tornareis ao seio de vossas familias. Qual dos en-
carcerados, ao ouvir istQ, recusará cumprir a condição proposta ? Pois
esles prisioneiros som~s nós mesmos; nós, que devemos á Justiça
de Deus dividas insoluveis. .A prisão é o Purgalorio ; em compa-
ração de cujas penas, as que soffremos neste mundo são nada. Pro-
Jlôe-se-nos livrar-nos dellas com · condições facillimas; e não as acei-
tamos, ou as cumprimo~ com escandalosa negligencia ! Não é isto
rematada loucura? Se formos depois penar muil0s annos no fogo do Pur-
galorio não será por nossa grande culpa?
Fallemos, por ultimo, da grande indulgencia da Igreja Calholi-
ca, chamada o Jubileo.
O Jubileo é uma indulgencia plenaria, a que se juntam muitos
e exlraordinarios privilegios. '1.º E' mais extenaa ; pois abrange a
Igreja universal , quando as outras indulgencias plena rias só se re-
ferem a uma parte do rebanho de. Je_sn-Christo. 2.º Dá jurisdicção
aos confessores approvados para absolver de todas as ceusuras e ca-
sos reservados ; commutar votos, e ainda mesmo as obras prescri-
ptas, para ganhar o Jubileu, áque11es que as não podem -cumprir.
Ordinariamente são estas obras em numero de sele : a procissão ,
a visila das Igrejas , a oração nas igrejas , a confissão , a commu-
nhão, o jejum e a esmola. Durante o Jubileo suspendem-se as mais
indnlgencias, com poucas excrpções, como são, entre outras, as
indulgencias concedidas no artigo de morte , na rec_itação do Ange-
lus e na piedosa acção de acompanhar o Sagrado Viatico , as dos
altares privilegiados para os defuntos, as ~irectamenle concedidas
para os defuntos. (1)
Este J ubileo, propriamente dito, ou o grande Jubileo, é o que

(1) Veja-se Fcrraris, arL. Jubil.

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• o'

üE PERSEVERANÇA. !l3
se dá em cada vinte e cinco annos, que por isso se chama o ~11-
no Santo. Oh! sim, anno santo por exccllencia i já porque nelle nos
faz a Igreja uma- singular applicação dos merecimentos de Jesu-
Chnsto, fontes inexgolaveis de toda a santidade , já porque é este,
mais que nenhum outro, o tempo da graça, das liberali11ades e cle-
mencia do Senhor. Os Summos Pontitices, quando sobem ao Thro-
no de S. Pedro, costumam lambem conceder um Jubileo, mas 'tião
é deste que ra'11amos aqui.
A palavra Jubileo quer dizer ''olla, ou remissão. Dava-se es-
·re nome entre os Judeos ao quinqu:igesimo anno ; pois na volla des-
te ditoso anno todos os presos e escravos eram postos em liberdade,
as herdades vendidas tornavam a seus antigos donos, as llividas fi-
cavam remidas, as terras sem cultura :. era um anno de graça e
descanço. (1) Ora, o Jubileo da Lei antiga era a figura do da Lei
ela G1·aça ; pois esle perdoa as dividas espiTiLuaes dos pecc:adores;
livra os prrsos e escravos do dernonio ; restabelece-nos na posse dos
bens espiriluaes que perderamos pelo peccado; emfim, na intenção
da Igreja , de,'e ser o anuo do santo ocio, no qual, pondo de par-
te os cuidados da terra , só nos havemos cJc occupar em silencio
com o negocio da salvação. Desl'arle o Jubileo recorda aos Chns-
tãos que a sua Religião data dos primeiros dias do mundo ; que clla
é o cumprimento das figuras da Lei antiga ; que elles são os filhos
do Deus d'lsrael , e os verdadeiros herdeiros das promessas feitas
a Abraham , Isaac e Jacúb. Tambem nos traz á memoria as lem-
branças da piedade antiga ; pois se remonta esta admiravel insti-
tuição a uma epocha muito mais remota do que commummente se
pensa. O Papa Bonifacio Vlll , ao qoal o allribuem no começo do
seculo Decimo quarto , não fez mais que regular um antigo costu-
me; porque a historia nos diz que, nos primeiros dias do mesmo
anno, em que aq uelle Ponlifice deu a sua Ilulla do J ubi1eo, os ha-
. bilantes de Roma, e depois delles, os estrangeiros, se deram pressa,
de seu molu proprio, em visitar a Basilica do- Vaticano , para ga-

ct) Lcvit. XIV; Num. X.

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CATECISMO

nhar a indulgencia que ahi se obtinha de cem em cem annos , se-


gundo a tradição dos antigos. (1) Clemente Vlll, julgando muilo-
Iongo o termo de cem annos , pois são mui poucos os que chegam
a ver principiar ou a_cabar um seculo, e muitos por conscquencia
ficavam privados desta graça, ordenou que o Jubileo se renovasse
de cincoenta em cincoenta ano.os. Pela mesma rasão o fixou depois
o Papa Paulo II no anno de H60, de vinle e cinco em vinte e
cinco annos.
O grande Jubileo começa em Roma na vespera de Nalal , sen-
do anles annunciado , no dia da Assnmpção de Nossa Senhora pela
publicação da · Bulla Pontificia , que se faz com graJ!de pompa , na
Basilica de S. Pedro, no fim do Evangelho da Missa. Dura um an-
no em Roma, e depois estende-se a loda a Christandade. (2) Quan-
to era bello , palhetico e edificante o espectaculo do mundo Calholi-
co na volta do anno santo ! Apenas soa''ª do allo do Vaticano a
sagrada Trombeta , repetidas de distancia em distancia pelos Arce-
bispos e Bispos, ecboavam -em todos os angulos do mundo as pa-
lavras .do Pai commum dos Fieis. Ao ouvil-as palpitavam os çora-
ções, e saltavam d'alegria; pois era a voz predilecla e jubilosa da
Religião. Os filhos ·da Igreja exultava~ como os antigos Israelitas,
quando lhes annunciavam que breve iriam a Roma, á casa do Se-
nhor, á cidade eterna. onde ha.bitava o Viga rio de Christo. Então
''estiam os habitos de peregrino, tomavam o bordão heredilario, e
eil-os caminho de Roma. De toda a. parte, deixando a palria , os
' parentes e amigos, encetavam a Io_nga jornada, .a pé, e talvez des-
calços, um sem numero- de Christãos. Era uma c.leputação irnmensa,

(1) Joanncs card. monachus teslalur in cit. extravagante anliquorum,


quod ex ipsius Bonifacii ore audivit: se ad hujusmodi constitut1oncm eden-
dam impulsam esse quia vulgatum est quod talis indulgcntia in anais
centesimis a nativitate Christi oliru coaccdi so1cbat. Ferraris, art. Annus
~anctus.
(12) Quanto ás ccrcmonias da abertura- do Jnbilco veja-se as Tres
Romas, t. 1, p. 296.

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DE PERSEVER.lNÇA. 95
que o mundo catholico mandava de vinte e cinco em vinte e cinco
annos, ao Vigario de Jesu-Christo, afim de lhe render homenagem ,
proteslar-1he a sua fé e respectuosa .união , receber sua benção , e
, levai-a a todos os paizes, habitados pela sua grande familia.
Nada mais edificante que a peregrinação destas piedosas cara-
vanas. Saiam ao romper do dia, entoando canticos em louvor do
Senhor e dos Santos, patronos dos viajantes ; ou, qual o marinhei-
ro perdido no 1mmenso occeano, invocavam Nossa Senhora do Bom ·
Soccorro, dirigindo-lhe a Saudação Angelica~ da qual lodo o divino
encanto só o comprehende o homem que está longe da palria. A'
noute iam bater á porta . d'um mosteiro. Alli achayam em seus hos-
pedes irmãos que nunca viram, mas que a Religião breve lhes da-
va a conhecer. Por seus ternos e sollicitos cuidados se refaziam de
forças os peregrinos. Nem haviam que ter saudades da familia que
deixaram , pois em tam longes terras deparavam com verdadeiros
pa1~entes e amigos ~ E' que a fé emprehendia a jornada, e a cha-
ridade corria com as despezas. ·
Assim se avisinhavam da cidade eterna, que alfim começava a
desenhar-se no borisonte . . De longe a saudavam os peregrinos com _
altas acclamações, em quanto não chegava o desejado momento de
se prosternarem em seu solio, e beijarem seus sagrados monumen-
tos. Alli de fac Lo , naquella palria . comrnum de todos os Christãos,
esperava-os o mais cordeai acolhimento. Edificios immensos estavam
preparados para os receber. Eram filhos e irmãos que de ha mui-
to se esperavam. Então, que espectaculo ! que mil p~nsamentos di-
versos se offereciam á alma commovida ! Hom~ns de todas as na-
ções se encontravam sentados á mesma mesa. O habitante da Eu-
ropa , o da Africa, o da Asia, homens que nunca se tinham visto,
nem esperavam ver-se, comiam gratuitamente o mesmo pã'o , ama-
vam-se, comprehendiam-se , não vendo por toda a parte senão ir-
mãos reunidos na casa de seu pai. O Pai commum de tantos Chris-
tãos punha as suas delicias em visitar aquella numerosa familia ; e,
para recordar o exemplo do Divino Mestre, servia-os. . com suas pro-
prias mãos, conlernp1ando com amor, e apertando ao seu coração
estes filhos, que nunca tinha visto , e que nunca mais tornaria
a ver.

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96 CATECISMO

De balde ~e procuraria em a historia das nações cousa tan1


sublime e de tam subido senlimenlo. Nada ha que proclame e ~anc- ·
cione tam allame.ntc a grande maxima, cuja observancia íez a glo-
ria da Igreja nos seus primeiros dias, e fai'á ainda a felicidade do
mundo : que todos os homens são irmãos , que não deve haver ncl-
Jes mais qu~ um coração e uma alma, assim corno não ha mais
que um ºDeus, um Baplismo ,- uma Igreja, e um Chf'fe visirnl de
todos os Christãos ! Que cousa mais propria para inspirar no ho-
mem pensamentos graves e santos ácerca da Religião , que estes ~x­
emplos de fervor e penile.ncia, offerecidos por tanlas pessoas de to-
das as classes, e de todas as nações ! E sobretudo, que cousa mais
capaz de reanimar a fé, do que a vista desta Roma, lbeatro dos
combates e victorias do Cbristianismo !
Aquelles filhos, pois, vinclos de tam longe, não saiam d'alli sem
haverem recebido a benção de seu Pai commiun. Mas quem dirá
o effeilo, que esta magnificá ceremonia 1levia de produzir em ho-
mens desacostumados a similbantes espectaculos , aonde o coração e
os sentidos simultaneamente se saciavam? « Todos aquelles , diz
certo auctor, que tiveram a fortuna de assislir a esta crremonia ,
considerem quanto· a Religião é divina , como é grande o Summo
Pontilice, quando cercado de toda a pompa d'um monarcha e de
toda a dignidade do Chefe da Igreja universal, composta de cento
e cincoenta milhões de Calholicos , caminha ao som do~ sinos e do
estrondo da artilheria , precedido dos Cardeaes e Bispos da Igreja
Grega e Latma , . para o. immenso portico do primeiro templo . do
mundo , e se mostra a milhares d'especladores, vindos de lodos os
angulos da t.erra para o contemplarem. Que especlaculo o deste
Rei, Ponlilice e Pai de t0tlos os homens (1 ), gosando a felicidade
de ver a seus pés , naquelle ,·as lo recinto, os seus innumera veis fi ..

(1) Pondo-lhe a Theara na cabeça, o Cárdeal lhe diz estas palavras:


« Acnp'e thi3tam trihns coroois orn~lam, ut scias te esse· palrem prioci-
pum el regum, rectorcm orbis, rn terra vicàrium · Salvaloris Domini oostri
Jesu Christi, cui honor cL glvria in srecula sreculorum. •

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DE PERSEVERANÇA. 97
lhos ! O Vigario de Jesu-Christo , o successor dos pescadores da
Galilea, collocado sobre o mesmo circo, onde o cruel Nero fez im-
molar tantas victimas ao seu odio do nome Christão ! Que trium-
pho ·para a Religião ! Que consolação para a Fé ! Reina em a as-
semblea um profundo silencio: então do alto da cadeira aposLolica,
sustentada nos ares com magnificencia, o Successor de Pedro consi-
dera de relance e com olhar benevolo esta immensa 'familia , seu
coração se commove , elle se levanta magestosamenle , cingida a
fronte com o triplice diadema, e as mãos cheias de ternura e os olhos
scintillando de fé parecem exhaurir do Ceo _as graças que prodiga-
lisa a Roma e ao Universo, urbi et ofbi. (1) D
Um dos nossos philosophos, presenceando esta indisivel ceremo-
nia , exclama : cc Neste momento era eu Chrislão. )) Esta palavra
diz tudo.
Temos-nos demorado neste objecto, para mostrar quanto são in-
justas as declamações que os impios não cessam de fazer contra o
Jutiileo, as peregrinações e o esplendor da Igreja de .Roma.

· ORA.Çi.O.

O; meu Deus í que sois todo amor , eu vos dou graças


por haverdes deixado na vossa Igreja um tbesouro de indulgencia
dos merecimentos superabundantes de Jesu-Christo e dos Santos;
permitti, Senhor, que eu seja digno de as alcançar.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e- ao proximo .
como a mim mesmo por amor de Deus ; e, em testemunho deste amor,
procurarei muito ganhar as fodulgencias.

(1) Veja-se as Tres Romas, onde se dão novos pormenores do que


hoje se practica. t. III Sabado Santo.
13 V

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98 CATECISMO

XLII.i LIÇÃO.

- D:E NOSSA UNIÃO COM .o NOVO ADA~í , PEL.1


ESPERANÇA.

Sacramento da Extremn·Uncção. - Sua definição. - Seus elem cotos. -


lllsl_iluição. - Effcilos. - Disposições para o receber. - Sua necessi-
dade, - liturgia, - vantagens sociacs.

Cmuo a união que contrnhimos coµi Nosso Scilhor pela graça san-
tificante se pode romper pelo peccado, deixou elle na sua Igreja o Sacra-
mento da Penilent;ia para reparar este mal ; de sorte que a confissão nos é
necessaria tantas vezes, quantas cahirmos no decurso da vida em pec-
cado mortal. Dest'arle o divino Salvador _está sempret na pes-
soa de seus ministros, assentado no tribunal da misericordia. E'
porem no ultimo da vida que esta união está em maior risco ; por
quanto, o medo da morte, os peccados passad&s, o temor dos Jui-
zos de Deus, tudo conspira a perturbar a alma, e lançai-a na irnpa-
ciencia , no desalento e talvez na desespcr ação. O demonio , por
outra . parte, quer valer-se J}eslas tristes disposições , e vendo que
pouco tempo lhe resta para nos guerrear, redobra esforços, e mul-
tiplica artificios, pa a nos colher em peccado mortal _, e separar-nos
eternamente de Jesu-Christo. Muitas vezes se lem visto este leão
bramitlante apparecer aos enfermos , dar mil vollas em redor do lci-
lo, e pôr Ludo por obra, para os fazer consen lir em alguma ten-
tação. Temos disto uma prova aulhentica na bislo ria de S. l\Iar-
Linho , Arcebispo de Tours. Estando o Santo em artigo de morle.
apparcceu-lhe o demonio cm figura hediouda, com o intui:o de o inti-

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OE PERSEVERANÇA.
midar. Que vens tu aqui fazer, besta cruel 7 lhe perguntou o San-
1o. Nada encontrarás em mim que te pertença ; o seio d' Abraham
eslá aherlo para me receber. )) Oxalá possamos nós lambem dizer
ao demonio, na hora extrema , o que lhe disse o santo Arcebispo !
:Mas não é só para _combater o demonio _, que na hora ul_Lima
carecemos de extraordinarios soccorros ; senão lambem para vencer
as repugnancias da nossa natureza ; pois todos temos horror á mor-
le, como o criminoso ao supplicio. Ao encarar as sombras do tu-
. rnu]o redobram os receios, avivam-se as dores, ~esfa11ece o animo,
é o mais penoso, o mais critico momenl.o da vida. Não desanime-
mos, porem, que se não esquece o Bom Pastor da sua ovelha. (1)
Elle, qual terno pai e fiel amigo, descobrio o meio de afugentar de
nós o horror da morle , e· alé de nol-a fazer aceitar com alegria ; àe
tornar-nos ''icloriosos do demonio, e assegurar a nossa união com
elle por toda a eternidade : este meio é o Sacramento da Extrema-
Uncção, de que agora passamos a traclar.
1. º Sua definição. Define-se a Exlrema-Uncção um Sacramen-
to instillfido 110r 1Yossf! Senlwr Jesu-Cliristo, para o allwio espiritual
e corporal dos en/ermos. Um s1gnal sensivel, que consiste na Unc-
ç,ão e palavras do Sacerdote ; inslituido por Nosso Senhor ; tendo
a virtude de produzir a graça , e o alli\'io espiritual e corporal do
énfermo ; . eis o que é a Extrema-O ncção. Com muita rasão , pois,
os dezoilo seculos chrislãos, que nos precedem, a receberam e trans-
milliram como um verdadeiro Sacramento da Lei nova. Foi como
orgão infalli,'el desta mesma Lei que a Igrr-ja Catholica pronunciou
esla sentença : « Se alguem disser que a Exlrema-Uncção não é um
verdadeiro Sacramento , insliluido por Nosso Senhor Jesu-Chrislo , e
promulgado pelo Apostolo S. Tbiago, seja anathematizado. » (2) Cha-
ma-se-lhe Extrema·Uncção: 1.o porque é a ultima uncção que re-
cebemos pelos Sacramenlos. A primeira dá-se no Baplismo, a se-
gunda ua Confirmação , a terceira na Ordem , e a quarta na enfer-

(1) Cone. Trid. sess. XIV, Can. 1.


(2) Sess. XIV, Can. 1. -
*

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100 CATECISMO

midade : 2. º porque se administra ordinariamente no fim da v id~ , e


chama-se uncção porque se confere ungindo os sentidos do enfermo,
com certas orações.
2.º Seus elementos. A Igreja, fundada na doutrina dos Apos..
tolos, considerou sempre o oleo como a materia deste Sacramento.
E' elle benzido pelo Bispo em Quinta Feira Santa, ·com grande so-
lemnidade de ceremonias (1 ), para mostrar que não opéra o oleo
por sua virtude natural , ~as pelo poder da Santissima Trindade ,
que se invoca na dita benção . . A forma da Extrema-Uncção coo ...
siste nestas palavras, que o Sacerdote pronuncia a cada uncção que
faz sobre o enfermo : cr: Por esta santa uncção , e por sua ioeffavel
misericordia, te perdoe o Senhor tudo o· que delinquiste pela vista,
o ouvido, o olfato etc. » (2) Nada mais adequado que a materia
e a forma deste Sacramento, para significar seus admiraveis effeitos.
O oleo suavisa, cura, fortifica , esclarece; e assim a uncção delle,
junta ás palavras do Sacerdote , exprime perfeitamente a uncção in-
terior do Espírito Santo que, por este Sacramento, purifica a alma
das reliquias do peccado , esclarece-a na fé, f~1·tifica-a contra os ata..
ques do demonio, suav.isa suas penas, e cura talvez a mes111a en~
fermidade do corpo. -
Emfim, os Ministros deste augusto Sacramento são os Bispos e
os Sacerdotes, com exclusão ele todos os demais: De fac to, dá-se
neste Sacramento a remissão dos peccados ; mas só os Sacerdotes,
e não os simplices Fieis , receberam de N~sso Senhor o poder ·de
perdoar os peccados. (3) Tal é, quanto aos elementos da Extrema·
Uncção, a doutrina da Igreja Catholica, formulada pelo Papa Eu-
genio IV em seu decreto aos Armenios, e pelo Sagrado Concilio de
Trento (4).

'(1) Explicamol-as na quarta parte do Catecismo.


{~) Cone. Trid. Sess. XIV, Can. 1 ; Eug. IV ad Mmen.
(3) ln hoc Sacramento fiL remissio peccatorum. Sed lacei non ha-
bent potestatcm dimiLLond pcccata; ergo, etc. D. Th. 3 , p. suppl. q.
31, art. 1.
(i) Scss. XIV, Can. 1.

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DE PERSEVERANÇA. 101
3. Sua instituição. E' no co~ação paternal do Novo Adam
0

que havemos de procurar a origem deste Sacramento , destinado a


purificar, alliviar , e defender o homem, proximo a transpQr o li-
minar da elernidade. E' logo certo, ó divino Salvador! que nada
esqueceu á vossa providente bondade, para nos soccorrer e valer
cm tudo!
O Evangelho designa a Exlrema-Uncção, quando diz que os
Aposto/os ungiam com oleo a grande numero de doentes e os cura-
vam. (1) Se a instituição deste Sacramento se não refere mais ex-
pressamente no Evangelho , nem por isso devemos . concluir de
falso que não seja obra de Nosso Senhor mesmo ; e conlra isto nos
previne S. João quando diz : que muitas cousas disse e fez Nosso
Senhor que se não escreveram no Evangelho ; e em particular aquel-
las que elle ensinou a seus Aposlolos depois da sua Resurreição , e
daqui vem o crer-se geralmente que Nosso Senhor instituio a Ex-
trema-Uncção depois do Sacramento da Penitencia , de que é como
supplemento, durante os quarenta dias que decorreram entre a sua
Resurreição e Ascensão. (2)
Como quer que fosse , o Apostolo S. Thiago nos manifesla a
instituição delle por estas· palavras : Está alguem enfermo entre vós?
Chamem-se os Presbyterws da Igreja, e estes orem sobre o enfermo,
ungi"ndo-o com o oleo, em nome do Senhor; e a orapao e a fé sal-
va~á o enfermo, e o Senhor o alliviará ; e se ti"ve1' peccados, ser-
lhe-hão perdoados. (3) Docil ao preceito do Apostolo , usou sempre
a Igreja, desde a sua origem , deste Sacramento. Mas agora per-
guntareis talvez : porque rasão faliam delle tam pouco os Padres
da Igreja ? como é que não dizem que os santos, que falleceram
depois das perseguições no quarto seculo , recebessem este Sacra-

(1) l\fãrc. VI, 13._


(2) Non ergo ii dies qui inter resurrectionem Domini ascensioncm-
quc fluxerunt otioso transiere decurso, sed magna io iis confirrnata sacra·
menta, magna suot re\'elata mysteria. Leo, Serm. 1 de Ascensione.
(3) Jacobi, V, U 1 _tõ.

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102 C.\ l'ECISMO

menlo ? Como estas duas pergÚntas podPriam embaraçar os que


ignoram a historia e as ma'(imas parliculare.s da primiliva lgn\ja ,
lractemos primeiro de elucidai-os.
1.º Tinham os antigos por maxima, como já dissemos, nilo fai-
Iar dos mysterios da nossa Heligião senão quando a necessidade a
isso os constrangia. Ora , nada os obrigava a füllar da Exlrema-
Uncçã~, porque não a conheciam os iníleis,e nem com elia por consequen-
cia formavam accusações contra a lgrrja. Se os Padres da<Jnelle tempo
nomParam os outros Sacramentos, ou foi para refutar as calumnias dos
pagãos (1.), ou inslruir os calhecumenos. Mas em nenhum destes casos ti-
nham que nomeDr a ExLrema-Uncção; pois nem os pagãos a conheciam,
nem havia necessidade de instruir os calhecumenos a respeito della ;
porque bastava o fizes8em depois qne já fossem membros da Igreja, e ti-
vessem necessidade de reccbel-a. Não succrdia o mesmo com o
Ilaplismo, a ConQrmação e a F.ucharislia ; sacramentos que lhes ha-
viam de ser conferidos no mesmo dia que entrassem na Igreja.
2.º E' facil colligir que nos lres primeiros seculos, era mui
raro dar-se a Edrcma-Uncç.ão , ainda mesmo aos enfermos ; e ista
por duas rasõrs; ~ µrimrir::i, porque era quãsi impossivr-1, andando
mislu-rados os ChrisLãos com os pagãos , administrar este Sacramen-
to sem o expor ao~ olhos dos infieis,. e prov.oca r sacri Icgios e per-
segtflfções; porque havia dé ordinario, em a mesma familia alguns
infleis , ou pelo menos pessoas não iniciadas em os nossos
mysterios. Se o marido por exemplo era fiel, a mulher era pagã,
e vice-versa. E se ambos eram Chrislãos, não o eram lalvez seus
filhos , escravos, ou domesticos. Esta a prime ira rasão porque es-
te sacramento se administrava raramente, pois demandava ceremo-
nias demoradas, e concurso de pessoas da casa , que ajudassem a
ungir o enfermo. A segunda rasão era o evitar que os :Ministros tla
Igreja se não exposessem a tanto perigo, andando de casa em casa,
o·que era contrario á mesma virtude da prudencia ; e lanlo assim
que por esL mesmo motivo se auetorisavam os cbrislãos a que 1e-

{1) Vejam-se as Apologias de S. Juslrno e de Tcrtulhaoo.

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DE PERSEVERANÇA. 103
,·assem a Sagl'ada Eucharislia para suas casas , e commungassem
por suas proprias mãos , já na enfermidade, já em estado de saude;
u <pie porem não podiam era administrar a Exlrema-Uncção a si
mesmos.
Sendo este pois o estado das cousas durante os tres primeiros
seculos , não admira "'que, no quarto seculo, não recebessem muitos
este Sacramento , que alias não era, como os demais, de absoluta
necessidade para a salvação. Porem, logo que se estabeleceu uma
disciplina regular , aproveitaram-se os Fieis de todas as ''anlagcns
da Igreja, e assim no artigo de morte recebiarn a Extrema-Uncção.
Accrescenlemos a isto t1ne nem tudo o que então succedia se deixou
~scriplo , e ainda dos antigos monumentos muitos_se perderam.
Todavia não faltam documentos por onde nos conste que a
Un ção dos enfermos era uma cousa ortliiiaria, e praticada desde os
primeiros seculus da Igreja. Origenes falia deste Sacramento , ao
qual considera como uma co.ntinuação da Penitencia , e um meio
que Deus nos deixou de nos purificarmos de nossos peccados. (1)
S. Eusebio, eleito Papa em 310, falia expressamente da Exlrema-
nr .ão, e ·indica o tempo em que cumpre recebei-a. (2) No fim
do mesmo seculo, o Papa Innocencio 1, contemporaneo de S. João
Chrysostomo, sendo consultado por certo Prelado, para saber se po-
diam os Bispos aurninistrar a Extrema -Uncção, visto que o Aposto-
lo não designava senão os Presbyteros como , ministros deste Sacra-
mento , resolveu o Santo Padre a questão mui facilmente, dizendo

(1) Horuil. II in Lcvitic. .


(2) S1 quis Pamiteutiarn pelcns, dum saccrdos vcncrit fuerit orncio
Jínguffi prirntcs, conslilL1lum est ut si idonca testimonia habuerit , quod
ípsc Preoilcntiam petiissct, ct 1psc per molas aliquos sum voluntaLis uli ~
quod signum faccirc pole~t, saccrdos implcat omnia sicut supra circa ~gro­
tnntcm pmnitentem scriptum est, id est orationcm dicat et ungat cum
olco sancto , et Eucharistiam ei donet, etc. Nat. p. 1õ, Decret. e. 35. -
Vejam-se os oulros le:\los em Drouin, JJe re sacrament., e cm Saintc.
Ilcuvc, De Exlr. Unct.

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10i CATECJSMO

que : « O Apostolo só mencionara os Presbyleros, porque os Bis..-


pos, occupados de mil negocios, não podiam ir ver todos os en-
fermos; porem, accrescenla elle, se o Bisno pode, ou assim o jul-
ga conveniente, é-Jhe permiltido abençoai-os e dar-lhes a Uncção do
oleo santo, pois a elle é que pertence consagrai-o. » (1)
4. º Effeitos da Extrema-Uncção. Nada nos moverá tanlo a
tomar todas ·as precauçoens necessarias, para receber este Sacramen-
to , como o 'saber os seus preciosos effeitos. São elles tres : o
primeiro, e para que foi directa e prrncipalmente instituído é o cu-
rar a alma das reliquias d() peccado. « Cada Sacramento , diz S.
Thomaz, é instituido principalmente para causar um effeito particu-
lar, bem que por consequencia produza muitos ; e por isso que um
Sacramento opera aquillo que significa, é na mesma significação delle
que se hade procurar o seu principal effeito. Ora, a Extrema-U nc-
ção emprega-se como remedio, da mesma sorte que o Baptismo se
dá como ablução. Mas o fim para que -se emprega um remedio é cu-
rar alguma enfermidade. Por on<le, a Extrema-Uncção tem prin~­
palmente por fim curar as enfermidades causadas na alma pelo pec-
cado. Assim o Baptismo é um nascimento espiritual , a Penitencia
uma resurreição , e a Extr0ma-Uncção _uma cura e remedio. Po-
rem como o remedio corporal suppõe a vida do corpo ; da mesma
sorle o remedio espiritual, suppõe a vida da a:Ima. Por isso se não dá .a
Extrema-Uilcção contra ~quelles males que tiram a vida espirituaJ,
quaes são o peccado original e o mortal; mas sim para· sanar os
defeitos que tornam a alma enferma , e lhe tiram o perfeito vigor
de que ha mister para cumprir os actos da vida da graça e da
gloria. Estes defeitos não são outra cousa que certas fraquezas e
inaplidões que nos ficaram do peccado aclual ou original; e é con-
tra taes fraquezas que nos fortificamos pela Extrema-Uncção.
« Como porem o que produz esta força é a graça ; e esta é
incompativel com o peccado , segue-se que se a graça encontra na
almà algum peccado mortal ou venial, ella o apaga quanto á culpa, coni

(1) Epist. ad Decent.

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/

DE PERSEVERANÇA. 105
tanto que se lhe não opponha obstaeulo da parte daquene· que·a-recebe (1 );
e aind~ mesmo quanto á pena temporal , segundo concorrerem para
isso as disposições do enfermo. (2) _
Destruindo . pois a Ex_trema-Uncção as- reliquias do peccado ,
alegra, allivia ·e fortifica · por consequencia o enfermo, seja serenando
as perturbações e temores da consciencia, pela confiança na miseri-
co-rdia de Deus ; seJa augmentando-lhe a · força e resignação para
supportar as dores da doença, res-istir ·ás tentações do demonio, e não
temer mais do que convem os effeilos e as consequencias da morte.
2. º Perdoa os peccados que permanecem algumas vezes depois
da recepção dos outros Sacramentos, isto é, aquelles de que nos não
lembramos ou que não sabemos, e· de que -nos arrependei·iamos e
confessaríamos voluntariamente se delle9 nos recordassemos ou os
conbecessemos. As palavras que o Sacerdote profere ao administrar
este Saéramento sig-nificam . evidentemente que a Extrema-Uncção ré-
mitte os peccados que o doente commetteu · pelos sentidos ; porque
os Sacramentos operam .aquillo que significam. Por isso, o Concilio
de Trento fere d'analhema todos aquelles que disserem que : a Ex-
trema-Uncção não confere a graça , nem perdoa os peccádos. (3)
E' por isso que os · Santos Padres chamam á Extrema-Uncção a per-
feição e consummaçâo da Penitencia, cujo etfeito é perdoar os pec-
cados. BeQl pode uma pessoa, recebida a absolvição e a Com-
munhão , cahir depois em peccado mortal sem o saber, nem por
consequencia o confessar; ou ainda receber mal a absolvição e a
Communbão, sem .ter consciencia ou memoria disso: neste caso, se
receber contricto a Extrema-Uncção, e não põe obice á graça deste
Sacramento, obtem por elle a remissão de suas culpas.
3.º Restabelece a saude do corpo, quando assim convem á sal-
vação do enfermo (i) : assim o ensina a Fé Catholica ; pelo que, se

(1) D. Th. 3, p. sopp1. q. 30, art. 1.


(2) ld. Çontr. gent. t. IV, e. 75.
(3) Sess. XlV, Can. 2.
<U Quia ratio operans nunqunm mducit secundarium efTcctum , nisi
- 1~ V

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106 CATECIS~O

a Extrema-Uncção já não produz lam frequentemente esle ultimo- ef-


feito. não se attribua á inefficacia do Sacramento , mas sim á pou-
ca fé e más disposições do enfermo ; e sobre ludo á cu1pavel nC'gli-
gencia daquelles, que rodeam o leito do enfermo, e demoram a re-
cepção deste divinQ remedio para o momento, em que o doente já
eslá em termos, que seria de mister um milagre , para lhe restiluir
a saude. Não instituio Deus, porem; este sacramento para derogar as leis
da natureza, senão para as nuxiliar ; e assim o verdadeiro momen-
to de o receber é aquelle em que os medicos julgam perigosa a
doença , ou quando os humanos remedios se consideram insuffi-
cienles.
Por tanto, não se deve pedir este Sacramento quando a doença
não é mortal , nem , com maior rasão, guardal-o para quando Já não
ha esperança de ·vida ; e, por esta rasão se não dá aos condemna-
dos, pois por uma parle não estão <loenles,; por outra , não l(:em
esperança de viver. (1)
Accrescentemos a isto que este Sacramento, por isso que não·im-
p1ime caracle1· como o Baptismo, pode reilerar-se muitas vezes, mas
não no decurso da mesma moleslia , a menos que o doente não te-
nha experimentado melhoras tam consi deraveis, que a recabida se pos-
sa considerar nova molestia. (2) ·
Quem se não enternecerá á visla dos paternaes cuidados e po_-
derosos auxi1ios que Nosso Senhor prndigalisa aos seus amigos em
seus ullimos momentos ! Na hora em que todos nos abandonam,.
ainda os proximos parentes, chega-se pa1·a nós este fiel amigo, e
vela solicito por todas as nossas necessidades. Como succede pois
que a tanta bondade e ternura se corresponde pela maior parte com

sccuoJum quocl cxpc.dit ad principalcm; idco . ex. hoc Sacramento non


~cmpcr sequitur corporalis saoalio, sed quando expc<.Jrt ad sanalionem
spiritualem; et tunc semper eam in~lleiJ, dummo<lo non sit impedimcn-
tum ex parte recipieolis. D. 'fh. Conlr. gent art. 2.
(1) Belial'. J)oltr. crist. 198.
(2) Extrema Unctio iterUII) eonfem potest , si iolirmus ·, poslquam

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OE PERSEVERANÇA. 107
cnmmosa repugnaucia , e temor pagão , eYitando o mais tempo pos-
sivel, do leito dos enfermos, este cbaritativo medico?
õ. º D,1sposições para receber a extrema-Uncção. Para que a
:Extrema-U ncção produza os pre.ci.osos effeitos de que acabamos de
fali ar, requerem-se muitàs disposições remotas e proximas. As dis-
posições remotas são : 1. º, ser baplisado ; 2. º , ler uso de rasão ;
3.º, estar perigos.~unente enfermo; 4.º, não ler mcorrido excommu-
nhão. As disposições proximas são ou exteriores ou interiores. As
exteriores consistem no aceio do corpo, que ueve estar lavado,
ao menos na parte que se bade ungir ; cfrcumstancia esla de que
se não esquecerão por certo os que assistem ao doente, se são pes-
soas de religião. ·
As d isp.osi"ções interiores são 1. º não ter consciencia de pecca-
do mortal. E' essencial esta disposição; porque a Extrema-Uncção
é um Sacramento de vivos. Cumpre pois ler-se confessado ; porque
a Confissão é de preceito cm artigo de morte ; e excitado"".se á con-
tricç]o perfeita; porque na hora ultima é mui prudente se faça to-
da a diligencia por assegnrar a salvação ; e ha dous casos em que
se não assegura só pela confissão e attrição : 1. se não foi vali-
0
,

<lo o Baplismo conferido ao enfermo; 2.º, se foi igualmente nulla a


absohição conferida pelo Sacerdote. (1) 2~ º Para participar mais
abundantemente dos fructos deste Sacramento, c.uropre fazer actos
fervorosos das Virtudes Theologa es, confiar em Deus e em Nosso
Senhor, com fé lam viva como a daqueUes que se apresentavam aos
Aposto los , para serem curados ; esperar na misericórdia (fo Deus,
que nos hade resuscilar dos mortos; amar e desejar ardentemente
' er a Deus ; . resignando-nos com a sua santissima vontadP, fazendo-
1

lhe de lodo o coração o sacrificio da saude e da ,·ida ; 3. º acom-


panhar .com espirilo de penitencia ao Sacerdote, que nos administra
o Sacram~nto, fazendo a cada uncção um acto de contrição dos pec-
cados que temos commettido, ·por cada um dos cinco sentidos.

revnluisse ,.i_debatur, in pcriculum morlis rcr.1dal. Fcrraris, art . Bxtr.


U11ct. n. 37.
(1) Catech. hcspàn. do P. Cajclano, etc.
*

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108 CATECISMO

4. º Emfim, ha uma disposição em que já tocamos de passagem,


e sem a qual faltam de ordinario todas as demais : é o receber a
Extrema-Uncção em tempo conveniente, quero dizer, antes do enfer-
mo estar privado dos senlidos e já meio morto. Uma compaixão
cruel, uma ternura homicida, um temor ridiculo e culpavel faz com
que se não peçam os soccorros da Religião, senão quando o doente
já não está em eslado de se aproveitar delles. Lisongeam-no , illu-
dem-no com vãs esperanças, atlormecem-no na terra, para elle ir
acordar no inferno. Como se consolarão depois estes criminosos
parentes, que deixam assim morrer, sem reconciliação com Deus, a
um·a pessoa, que talvez vivia ha muitos annos no desprezo de' todos
os deveres da Religião ! ? Para prevenir esla desgraça temos um
exceUente ,meio ; é enc_arregar a algum verdadeiro amigo que nos
avise do nosso eslado , quando estivermos em artigo de morte, sem
esperar que tenha mos perdido o uso dos sentidos. .
6. º Necessidade da Extrema-Uncção. Não é este sacramento lam
absolutamente necessario, para a salvação , que não possa alguem sal-
var-se sem lhe ser conferido (1 ). Todavia, diz o Sagrado Concilio
de Trento, aquelles que, por desprezo i não cuidam em o receber,
ou o recusam, tornam-se culpados d'um grande crime, e fazem grave
injuria ao Espirito Santo (2) ; pois que se privam d'um poderoso au-
xilio , que lhes é no artigo da morte extremamente necessario, em-
bora recebessem o Sacramento da Penitencia e o Sagrado Vialico.
« A que se não expoem aquelles, nos dizem os outros Concilios, que
desprezam receber um Sacramento , sem o qual é perigoso partir
desta vida.? » (3) Assim, pois, ha obrigação directa de receber a

(1) Nullurn prreccptum extat Extremam Unctionem rccipiendi, cum


ad salutem necessaria non sit. Sic. D. Th. U dist. 23, q. 1. - Alii
communiter. Uodc non suscipcre hoc Sacramcotum per s_e loqucndo, se-
cluso scandalo et contemptu, non est pcccatum mortale , ct multo minus
pcccant mortaliler domestici, si id non procurent. Communiter. Ferraris,
art. Bxtr. Unct. n. 38, 39.
<2> Scss. XIV.
\3) NQs quoque accipimus, rcfcrcnlibus fidc dignis, quod illud Sa-

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DE PERSEVERANÇA. 109
Extrema-D ncção, por causa das tentações a que os enfermos eslam
· expostos no artigo da morte, e do perigo de cahir nellas se se não
munirem deste Sacramento.
7. º Sua liturg:ia. Não esperavam os nossos maiores que os do-
entes chegassem ao ultimo extremo, para lhes administrar a santa Unc-
ção. ~lles sabiam que este ~acramento fôra inslituido não só para
acabar de purificar e fortificar a alma , mas ainda para dar a san-
de ao corpo, se assim conviesse á salvação da alma. Quando pois enfer-
marnm gravemente, recorriam a este -divmo remedio, sem esperar
pl'lo maior perigo : não tentavam a _Deus exigindo milagres , coprn
presentemente fazerrr. ~
Era antigamente costume ordinario o ir, ou fazer-se conduzirá
Igreja, para receber a Extrema-Uncção. (1) Havia em algumas lu-
gar Já destinado para administrar este" Sacramento (2). Por onde
facilmente se mostra que nem sempre os doentes se ungiam estan-
do deitados, e que, mesmo em suas casas, muitas vezes recebiam
a Uncção de joelhos (3). A esta practica tam respeilavel e confor-
me ao espirito da lgreja, accrescentavam-se outras ceremonias , que
respiram lodos os sentimentos d'um coração ~ontrito e humilhado ;
porque nossos pais criam que a Penitencia era o melhor meio de se
prepararem, para comparecer diante do tribunal tremendo <le Jesu-
. Christo.
Quando pois o · doente tinha recebido os ullimos Sacramentos

cramentum sine quo, ut dicunt sancti, pcriculosu~1 est ex hac vila mi-
grarc, ex quadam aegl1gcntia omittatur. Synod. Andegav. 1293. - Sre-
pe moneant Sacerdotes populum quod priusquam quarlum· decimum an-
nurn complevcrint, maxime Sacramentum Extrcmre Uoctionis pctant, ct
recipinnt rcvcrcnter, si limeatur vcrisimiljtcr de morte ·inlirmorum, quia
uecessarium est ad salutcm istud Sacramentam, si possit haberi. Synod.
llemens. et J'recens. apuâ Saint-Beuve de Extr. Unct.
t1) S. Cesario d' Arles, i1pp. oper. S. Ang. Serm. CCLXXIX.
(2) l\Jonastic. Anglic. t. li, p. 77õ.
(3) D. Marteo, de Antiq. eccl. r'Íf. t. II, e. 7, art. . 4..

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110 CATECISMO

estendiam no chão um cilicio de panno aspero e grosseiro, sobre o


qual o Sacerdote espalhava ·cinza em fórma tle cruz , e a aspergia
com agua benta, e nella se deitam o enfermo. Então o Sacerdoto
lhe fazia o signal da cruz sobre o peito , e o aspergia com agua
benla, pronunciando estas palavras : Lembra-le , ó homem ! que és
pó, e que em pó te has de tornar. , Tal era a· practica ordinaria (1).
Já no quinto seculo, S. Martinho, que quiz morrer assim , dizia a
seus discípulos: Não é permillido a um ·christão morrer d'outra
maneira. Pessoas de toda a condição, _os mesmos príncipes e Reis
se conformavam com este santo costume. Ve-se isto claramenle tia
vida dos dons Reis de França S. Luiz, e Luiz o gordo ; e do Rei
de Inglaterra , Henrique lll. Durou esta pract1c,a em certas igrejas
até o decimo sexto seculo. (2)
Supposto não é já esta a practica entre nós, todavia a admi-
nistração da Extrema-Uncção é ainda assás bella para nos mostrar
de que profundo respeito reveste a Igreja este augusto Sacramento,
e assás instructtva para nos servir d~ salutar lição. Contemplemos,
pois, um Christão mor1bunt.lo; pre sencecmos um espN~laculo que nós
mesmos daremos um dia. Vejamos~ d' uma parte, um desterrado do
Eden preates a deixar a vida; e,· da outra, a Religião animando seu
terno Filho, no terrivel . .passamento do tempo á eternidade.
Deve estar aceada a camara do enfel'mo ; veslido o leito de rou-
pas brancas, por a llenção e respeito ao Sacramento; e em lugar con-
veniente prepara1la uma mesa, .coberta Lambem -com toalha branca ,
sobre a qual estará poJsado um Cruxifixo e dou:; castiçaes com ve-
las acesas , um vaso com _agoa benta e aspersono; um prato com
sete on oito novell inhos de estopa ou algodão, para enxugar as
.uncções ; emílm um j~rro , ou copo d'agoa, com bacia e toalha, e
juntamente um pouco de pão trigo, para o Sacerdote purificar as
mãos depois da uncção. ·
Chegando á camara do enfermo , profere o Sacerdote aquellas

(1) Delaunoy , ele Sacrament unctionis fnfirmorum, p.


(2) Ilist. de Sacr. t. IV.

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DE Pll\S:EV ERANÇA. 111
ternas palavras~ c~m que Nosso Senhor saudava seus Discípulos, quan-
do appar~cia no meio delles , dizendo : A paz seja nesta casa e com
todos os que a !tabitam l - tu sobre tudo, pobre doente, não te-
mas; sou eu , teu amigo, ten irmão, teu .Salvador e medico. Logo
o sacerdote depõe sobre a mesa os santos oleos ; e, revestido de so-
brepeliz e estola roixa, toma o Crucifrxo e o dá a beijar ao enfor-
mo. Delicioso osculo l que o amigo celeste dá em o amigo que sof-
fre, para o reanimar , mostrando-lhe ao mesmo · tempo as chagas
que soffreu por seu amor. Ao · voltar á mesa o Sacerdote lança agua
benta sobre os assistentes e sobre o doente , em nome do qual diz
a oração do Rei penitente. Aspergi-me, Senhor, com o liysope e se-
rei· purificado , e rne tornarei mais branco que a ne-ve. Então, vol-
tando-se para o doente, conjura ao Deus Santo e Omnipotente se di-
gne des,·iar delle o espírito das trevas , e enviar-lhe em auxilio os
seus santos Anjos. Depois, feita a Confissão gerai pelo enfermo ,
pede ao Senhor lhe dê a sua graça, e use com elle de sua miseri-
cordia. Porem ainda com islo se não . contenl~ o Sacerdote, mas an-
tes recomme1ida aos assistentes se nfio esqueçàm de seu irmão, que
um grande combate está empenhado; o demonio forceja por levar
e.sta alma , cumpre salvai-a a todo o p_reço.
Purificado o doente com a agua benta , e excitados em seu co-
raÇão os sentimentos de dor e arrependimento, começa o Sacerdote
as sagradas uncções. Elle as faz sue cessivamente em os olhos , ou-
·vidos, nariz , boca, mãos e pés do enfermo ; em uma palavra, em
os cinco sentidos, orgãos de nossas acções, e· desgraçadamente de
nossos peccados t1) 1 A cada uncção diz estas palavras : Por esta

(t) Principia pcccandi in nobis sunt eadem quro ct principia agcndi,


quia pcccatnm consistiL m actu. Principia autcm agendi io nob1s suo l -
lria = primum cst dirigens, scilicet vis cognoscitiva; secundam cst impe-
rans, scilicet vis appelitiva; tcrtium est exequens, scilicel vis motiva ...
Ideo inunguntur Loca quinquc sensuum... propter cognoscitivam; renes
proptcr appetitivam ; pedes p.roptcr motivam , ele. D. Th. 3 , p. supp.
q. 32, art. 6.

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112 CATECISMO

santa uncção, e por sua piissima mi'set"icordia, te perdoe o Senhor


tudo que delinqm'ste pela vista, pelo ouvido, pelo clteiro , pelo gos-
to e pelo lacto : Dest'arte, todos os sentidos do homem , viciados
pelo demonio , são regenerados, purificados, sanclificados peJa gra-
ça de Jesu-Christo. O signal da cruz que o sacerdote faz em cada
um delles é como o ·sello, com que d'oravante os fecha ao inimigo,
e os rubrica em nome de Deus. Quanto é temivel ao inferno o sol-
dado christão , que traz assim em todos os seus membros o sigual
terrível , que venceu o demonio , o mundo e todas as suas poten-
cias !
Terminadas as uncções , pul'ifica o Sacerdote os dedos com o
miolo do pão , e lava as mãos em a bacia ; e a agua que fica ,
bem como os globulos de linho com que se enxugou. o santo oleo , ·
se lançam no fogo. Não é perm1ttido a mãos profanas tocar es·
tes objectos, e por isso quer a Igreja se queimem. Voltando-se de-
pois o Sacerdote para o enfermo, lhe diz : O Senhor seja comtigo !
E logo com ternas orações pede fervorosamente a Deus se digne,
operar em seu servo lodos os mara ilhosos effeitos deste Sacramen-
to, quer para a alma, quer para. o corpo. Acabado tudo, anima e
consola o sacerdole ao enformo com expressões ternas e de immor-
tal esperança. Nem se retira, sem prevenir aos assistentes que o ~.
chamem de novo , se augmentar a doença : amigo dedicado, não
quer deixar o seu amigo senão quando o tiver colloca<lo no seio da
felicidade.
Se o moribundo é o chefe. da familia, então se practica entre
os Christãos uma ceremonia yerdade1ramenle patriarcbaJ. Conhecen""
do quanto é precioso ser abençoado d'um pai ou d'uma mãi , se che-
gam os filhos ao Ieilo do enfermo -0 postos em redor com profun-
-do respeito e terna piedade , recebem os seus ultimos conselhos, e
imploram a sua benção. Então, qual outro Jacob, traçando sobre
a cabcca tle seus filhos o sinal da cruz , ora a Deus por elles e lhes
deseja iudo o que a ternura paternal , ~sclarecida pela 1uz da eter-
nidade , pode desejar aos unieos objectos do seu amor sobre a ter-
ra. Porque rasão se não observa sempre tam terno e piedoso costu-
me ?1 A Igreja o deseja assim , e é grande intere_sse das familias.

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DE PERSEVl!!l\ANÇA.
.
113
Offerecer-se os filhos aos pais, para que os abençoem , é dar á auc-
loridade- paterna a sua dignidade e o seu poder.
Se Deus quer chamar a si este filho exilado, se está prestes a
soar a sua ultima hora, o Mimstro de Jesu-Christo acode ao cha-
mamento. Prostrado diante do leito do moribundo , rodeado d'uma
familia enternecida, elle faz por seu irmão as tocantes ~ e sublimes
orações da encommendação da ~lma. Não pode a lingua humana
exprimir Ludo o que ellas encerram de divino ; só o coração é ca-
paz de o sentir : escutai-as.
O Sacerdote, aquelle que recebe o homem ao entrar na vida,
que o sustem no decurso della, que lhe releva suas culpas~ que vi-
gia todos os seus passos , o Sacerdote não o abandona no momento
supremo : elle vê . que o mundo vai terminar para este exilado do
Ceo ; que as portas da eternidade se vão abrir diante delle. Enlao
dirigindo-se a todos os habitantes deste novo mundo, conjura-os com
piedosas litanias, chamando-os a lodos por seus nomes , para que
venham ao encontro de seu charo irmão. Seguro do seu valioso
_patrocínio, elle dá o signal da partida por estas palavras solemnes:
(( Vai alma christã, sabe deste mundo, em nome do ~ Pai Todo-Po-
deroso ·que te creou , em nome de Jesu-Christo, Filho de Deus Vi-
vo que padeceu por , ti, em nome do Espirilo Santo. que sobre ti
desceu, em nome dos Anjos e dos Archanjos, dos Thronos e Domi-
nações, dos Principados e Potestades , dos Cherubins e Seraphins ,
dos Patl'iarchas e dos Prophelas 7 dos Santos Apostolos e Evangelis-
tas , dos Santos Martyres e Coníessores, dos Santos Monges e Ere-
mitas, das Santas Virgens e de todos os Santos e Santas de Deus ;
para que hoje mesmo entres na paz da Jerusalem Santa , pelo mes-
mo Jesu-Christo Nosso Senhor. Amen l »
Tal é a legião formidavel e .JDagnitica, no meio da qual o Cbris-
lão vai transpor os umbraes da eternidade. Qur bacle clle temer ?
Então se dão ao viajante os ·emboras da feliz viagem ; despedidas
mais ternas que as que uma carinhosa mãi costuma fazer ao queri-
do filho. Nada se poupa, já para consolar e confortar o enfermo,
Já para mover e 9omo que abalar as compassivas entranhas de Deus, J

afim que se digne receber misericordiosamente esta creatura , obra


das suas mãos, que, apesar de suas fraquezas e erros , o confessa
1ü V

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114 CiTECIS~IO

e adora. Se a alma se debate ainda nas prisões do corpo, e no tres ..


passo da agonia, abre-se o livro das grandes dores ; e já para sus-
tentar a coragem do enfermo com a lembrança d'nm grande mode-
lo, já para que o Divino Pastor se compadeça da sua agonizante
ovelha, pela consideração da sua agonia propria: lê-se a dolorosa
scena -do Horto de Jethsemani. Tudo está consummado; acabou-se a
lucta ; parlio o exilado; e }ã delle não resta mais no mundo que um
inanimado e frio cadaver ! Nada mais lhe podem dar os homens,
que inuteis prantos é impotentes lagrimas ; mas a Religião ainda
tem recursos, pois ainda tem orações; poderosos auxiliares que, le-
''ados nas azas da Fé, acompanharão o viajante até o Tribunal do
seu JUIZ. E nem immudecerá a sua voz supplicanle, em quanto lhe
não obliverem a entrada na Jerusalem santa.
Que mais podemos nós desejar senão o morrer assim , no meio
das orações e maternaes abraços da Religião !? Quem receiará mor-
rer nos braços d'uma sollicita mãi, cujo ullimo osculo é o penhor
da vida eterna ?
8. Suas vantagens sociaes. Se o .Sacramento da Extrema-Unc-
0

ção é tam vantajoso ao individuo , não o é menos á sÓciedade. El-


le eleva aos olhos de todos a dignidade do homem , e procfama al-
tamente o dogma da immortalidade. Havia dito a Igreja ao filho
d' Adam , no dia do seu Baptismo : Tu és filho do Deus tres vezes
santo ; sê rrois tres vezes santo; santo no es.pinto, no coração e '
no corpo. Sub1ime conceito, lição preciosa , que ella lhe imprimio
em todos os sentidos. Depois, revestindo-o em habitos br~ncos, sym-
bolo da candura e santidade que lhe cumpria ter, accrescentou :
Recebe a veste candida, e cuida em que a leves immaculada ao Tri-
bunal de Nosso Senhor Jesu-Christo. D'ahi ao encetar a carreira
1

da vida, de novo suspende a Igreja ao joven christão, para lhe re-


velar um grande mysterio. A vida, lhe diz ella , é uma continua
peleja, que deves pelejar com honra : e a Uncção que produz os
Martyres se derramou em sua fronte , e em . seu coração soaram
aquellas palavras : Tu es Rei ! e a tua realeza has de mister defen-
dei-a em campo de batalha. Innumeras testemunhas te contemplam:
sê digno de teus avóS, dos Anjos e da Igreja túa mãi. Então levou
esta o joven n-~i a uma mesa divina, aonde o a1imentou com o Pão

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OE PERSEVERANÇA. 115
dos fortes , e lhe deu - a beber o vinho que produz as ''irgens. Co-
meça a lucla ; se o combatente sahe ferido, a Igreja o cura mergn:
lhando-o em um banho de Sangue Divino, e reenviando-o ao com-
bale mais animado e valoroso que antes.
Dest'arle, por meio dos Sacramentos, dá a Igreja ao seu athleta
todas as condições da victoria , e o sustem constantemente em gran-
de elevação de pensamentos. A profunda idea , porem, da. sua di-
gnidade nunca lhe é lam necessai'ia como no ultimo momento da
peleja ; ·pois é então que o inimigo reâobra esforços , quando a gran-
deza do homem parece querer submergir-se na sua mesma enfermi-
dade. Si~1, é neste momento que, enfraquecido pela doença, sen-
te já o homem que o seu corpo se dissolve , e breve se reduzirá
ao pó , e ficará no tumulo um não sei que , uma cinza fria , sem
individualidade e sem nome. E' tambcm nesta hora ultima, que os
parentes e amigos, com as lagrimas uos olhos, estam confessando a
sua impotencia e deplorando uma ruina proxima e irreparavel !...
Pois é precisamente neste extremo de desolação , quando o homem
já não é mais que um objecto d'horror, de lastima e enfado, que a
Igreja Calhohca, despregando toda a pompa das suas ceremonias , e
toda a riqueza das suas _graças, Yem engrandecer aos nossos olhos
a dignidade da natureza humana ! Com effeito, nos ritos sacramen-
taes da Extrema-D ncç.ão, tudo tende a engrandecer 'a dignidade do
homem chrislão ; ludo aqui revela symbolicamente o allo destino que
nos aguarda, se morremos em o Senhor. A Igreja. com a sua clo-
quencia divina, ahi nos recorda o que somos, athlelas abatidos, mas
não vencidos ; combalentes sim, que muitas vezes cahiram em ter-
ra , mas que se levantaram, ou podem levantar-se ainda, com noYas
forças moraes e physicas, para vencer e triurnplmr do seu adver-
sario. Eis o que a Igreja faz, ungindo o corpo do homem com di-
~·ersas uncç.ões ; ella quer, por estes signaes misteriosos , dar ao
enfermo uma liç.ão, que lhe será proYeitosa se recuperar a saude ;
ou inspirar-lhe uma grande conlianç.a na misericordia- divina, se está
chegado ao termo da vida. E'_então que o .Christão, mudado em
um novo homem, experimenta quanto o Senhor é bom, para com
aquelles que o amam ; quanto- vai nas tribulações estar na amiza-
-de tle Deus, e poder chamar-lhe pelo doce nome de Pai ; quanto ó
··-

1 -

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116 CATECISMO

çonsolaitor o misturar o homem as suas lagrimas com as d~ Jesu-


Chrislo e de seus Santos, unir o proprio sacrificio ao que elles fi-
zeram , e ás suas esperanças a esperanç.a propr-ia.
Paréce-vos por ,,enlura que é inntil á sociedade este grande
espectacu1o? Não é elle uma alla lição de sabedoria, que nos en-
s!na o quo é a vida e a morle? que nos diz que o homem é um .
objeclo sagrado assim no b~rço da infancia , como no leito da mor-
te, e nas sombras do sepul~hro ? Não nos revela lambem este sa-
cramento quanto é necessario ser santo, para apparecer diante da-
quclle Deus, a cujos divinos olhos nem os Anjos são illibados? E
por ultimo, não valerá nada ver o homem, suslentando até ao fim
a dignidade de seu ser, conservando a paz no coração, e a sere-
nidade no rosto, quando já a sepultura se lhe abre diante ? Sern
duvida, é este um espectaculo emrnenlemente social ; social pelos
graves pensamentos que desperta nos especladores , pois lhes adver-
te que lambem elles um dia responderão peranle aqueile , que hade
julgar os mesmos julgadores da lerra ; social pelos salutares remor-
sos que lhes inspira; obrigando-os quasi a dizer involuntariamente:
Felizes os mortos que morrem em o Senhor! social pela adrerten-
cia que nos dá da brevidade do tempo • fragilidade tia vida , e
vaidade de todas as cousas transilorias ; social t mfim, porque - nos
1

traz á lembranÇil a realidade da vida futura ; porque a Exlrcma-Unc-


ção é uma proclamação solemne cio dogma da immortalidalle.
Que são , com effeito ~ todas estas orações , e ceremonias, e
uncções, senão a profissão authentica de que nem llalo morre com
o corpo ? E não será esta vrrdacte a base das acções do homem ,
principio de toda a virtude, garantia suprema tias sc,ciedades Iodas?
Pois íle que serriria este pomposo rito se o, homem fosse um mero
animal ou nma pura machina '? Ou que serviria tudo isto se a pe-
dra que vai cobrir , seus restos rno1·t.aes, devesse srpullar todo o seu
ser? Cerlo, a Igreja, com cada uma do suas uncções, imprime em
os senlitlos do homem, na hora em que a morte o assombra, eslas
elociuentes palavras : Tu és immorlal ! Que consolação para esle ser
fragil, que vai encerrar-se no lumulo ! que salutar doutrina, para
aqnelles que -lhe sobrevivem !
Suppri mi a Exlrema-U ncção, e -ter-vos-heis priYado de todas cs-

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DE PERSEVERANÇA. 117
las vantagens. O homem morrerá sem consolação nem .dignida<le ;
aviltai-o-heis no momento em que e1le mais necessita scnlir altamen-
te de si; a morte Já não será uma escola M v~rludc ; passar-se-ha
1
a vida no esquecimento de Deus , e do seu tribunal terri vel; dos seus
premios e castigos. Ora, quereis saber em que se converte o mun-
do . quando já s~ não lembra da eternidade? Olhai em torno de
vós 1 ensine-vos a funesta experiencia do nosso seculo quanto é soâal
uma cerenrnnia , que recorda a todos, lam energicamente, o dogma
da elernidadt o juizo, o Ceo e o inferno. Tirai do mundo a Ex-
1
,

trema-Uncção, e a morte não será mais que um escandalo ou um


horror. Um escandalo , pela insensibilidade que a acompanha, e
talvez a falia de reparação publica , apôs d'uma vida d'iniquidades; ·
ou um horror, pelas angustias que a tornam tanlo mais lerrivel , ,e
o pavor e tristeza_ que el1a de si inspira.
Donde procede o medo ridiculo, por não dizer altamente erimi-
noso , de ver morrer a alguem christãmente? Temeis o apparato de
nossas sagradas ceremonias ? - E não temeis que vosso pai , vos-
sa rnãi, vossos filhos vão padecer eternos tormentos? Quem foi que
morreu jamais por ter recebido ·os sacramentos da Igreja? Que é
o que De..us leva, por Ioda a parle .aoncle vai, senão o conforlo e
a consolação? Sem duvida , a suavidade , a benção e a paz são
i nseparavcis do seu· culto ; e o sacerdote, quando se chega á cabe-
ceira do doente, não é senão ·um anjo tutehir, que vai confortar su·a
alma no amor do bem, e abrir; de novo o seu coração ás consola-
ções do Ceo.
ReeeiaPs que o apparalo das nossas ceremonias atemorize o en-
fermo , e entristeç.a aquelles que o rodeam? .- Que alerno_rize o
enfermo ! Mas ainda agora dissemos que Deus não leva comsigo o
Lerror, mas antes a consolação e a confiança. E' verdade que elle
lambem pode ser motivo de temor ; mas quem vos disse que um
temor salutar é um mal, para qne d1wa evitar-se? Um temor que
obriga o homem a pensar na eternidade ; a reparar injustiças e es-
candalos ; a reconciliar-se com Deus; um temor, cmfim, que lhe abre
os alrios da bemaventurança , será um temor funesto? -Ah ! aben-
ç,oado temor é este, e oxalá lodôs o tivessem !
E que diremos da tristeza que os nossos ritos po~ierão causar

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118 CATECISMO

nos circumstantes ! Pois que'! não vos entristece que o doente mor-
ra para ahi , sem sacramentos , sem conforto, sem reconcfüação
com Deus? Como podem éonsolar-se estes màos parentes... qne di-
go ! Como não terão remorsos • corno n~o serão perseguidos
d'uma perpetua e irreparavel tristeza _, quando consentiram , on
foram voluntariamente causa de que- um pai , uma ma1 , um
frlho , um· consorte , um_ homem quemquer , desprezando o f~r­
midavel pelago da eternidade. fosse cahir nas mcios do Deus
vivo 1 comparecer ant.e o seu lrióunal, iem ter feito as pazes com
o seu Juiz !·
. O morrer chl'islãmente longe de ser motivo de tristeza, pelo
contrario o deve ser de muitas e solidas consolações. Se ha cousa
que possa consolar-nos d'uma separação é a idea de que ella ape-
nas é parcial e temporaria. Oh, quanto é suave a um pai, a uma
mãi, a um filho, a um amigo, o dizer no seu c·oração: Morreu, já
não vive o objeclo <lo meu amor; mas morreu nos braços da Reli-
gião, na amiza~c de Deus ; hwrreu , mas ainrla assim estê1 unido com
aquelles que o amam; passou deste. mundo de miscrias, mas passou
para ·melhor vida; la o posso a_inda ver; lá o verei um dia. Ah,
felizes, sim, os que morreni em_ o Senhor ; mas feliH\s laÍ:nbem os
que lhes procuraram essa preciosa morte ! Se agora se separam ;
se o pai, a mãi, o amigo, deixaram na terra o objeclo da sua lernu-
ra' não é islo para sempre ; r.lles se tornarão a ver um dia ~ pára
nunca mais separar-se : nem elles jamais se separam ; pois teem
sempre a esperança tle estarem unidos em rspiri!o; de se comnrn-
nicarem pela oração ; de se soccorrcm mnluanwnle, com maio1:
promptidão, com maior efficacia·. Em summa~ separaram-se de um
modo material ; mas nem por isso deixam de pertencer á sociedade
dos santos ; a essa sociedade, que na terra é perseguida ~ mas no
Ceo lriumpha. Aquelles, pois, que parliram diante. foram fazer sua
entrada UC'ssa Cidade Santa , a que todos aspiramos ; foram ao en-
contro de novos irmãos, travar amores com elles ; e todavia~ estas
nov~s affeições não os farão esquecer as que deixaram na terra;
antes cada vez nos amarão mais , e com maior fineza : foram unir-
sc á cabeça de que são membros , juntar-se a novos parentes e ami-

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IJE PERS:EVEl\ANÇA. HO
gos ... oh , qual será o rapto deste momento ! o enleio desta vi-
são (1) !

· O' meu Deus . que sois lodo amor , eu vos dou graças
por haverdes instiluido o Sacramento da Extrema-Uncção , afim de
me purificar , consolar e fortificar na minha ultima hora ; permit-
li, Senhor, que en a receba dignamente.
Eu protesto amar a Deus ~obre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho deste amor,
recitarei no ultimo di·a de cada mez as orações da agonia.

(1) Veja -se Jau ITret, Do Culto publico.

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120 CATECISMO

XLIH: LIÇÃO.

DE NOSSA UNIÃo ··coM o NOVO ADAM ' P,ELA


ESPERANÇA.

Definição do Sacramento da Ordem. - Seus elementos ; - instituição;


eITe1tos'. - Grandeza e beneficios do Sacerdoc10. - Trecho historico.
- Disposições para receber o Sacrament~ da Ordem. - Sua necessi-
dade. - Origem da Tonsura. -- Sua signiíicação . - Ceremonias é
orações que acompaohnm a sua recepção. Divisão e numero dns or·
dcns. - Fins a que se referem.

Üs Sacramentos que acabamos de explicar dispoem , consummam ,


reparam, firmam a nossa união com Nosso Senhor. Mas esta divina
união deve ser possivel a todas as gerações que vierem ·a este mun-
do até ao fim dos seculos. Para isto instifuio, pois, o Filho de
Deus como Salvador que é de todos os homens, o Sacramento
da Ordem.
1. º Definição deste Sacramento. A Ordem é um Sacramento
instituido por Nosso Senhor Jesu-Chn"sto, que confere o poder de
exercer as funcções ecclesiasticas, e a graça de as exercer santamt1n-
te. Acha-se , na acção pela qual se consagram os :Ministros dos
Altares , tudo o que se requer para constituir um Sacramento da
Lei nova : 1. º é um signal exterior e sensi·vel, que consiste na im-
posição das mãos , no tocar os sagrados vasos , e nas orações do
Bispo ; 2.º é um signal instituido por Nosso Senhor; 3.º um si-
gn.al que tem a virtude de produzir a graça. Daremos as provas
de tudo isto no decurso desla hção. Assim -pois foi sempre a Or-

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, DE PERSEVERANÇA. 121
uem considerada como um sacramento, como o provam as mais an-
tigas liturgias, mesmo as das seilas separadas da unidade calbolica, desde
os primeiros seculos (1). Os mais illuslres Padres, taes co!Ilo S. Agos-
tinho (2), S. Chrysoslomo (3), S. Jeronymo (4), S. Leão (õ), faliam
da Ordem como d'um verdadeiro Sacramento. A' auctoridade des-
tes Padres ajuntaremos somente o facto seguinte. Vivia no quarto
seculo um santo, chamado l\fartyrius, que , por humildade , não
queria ordenar-se de Diacono, e dizia a Nectario , Patriarcha de
Constantinopla, recem-baplizado e ordenado : Vós acabais de ser
purificado e santificado por dois Sacramentos, a saber, pelo Baptis-
mo e pela Ordem (6). :» Logo cria-se que a Ordem era um sa-
cramento instituído por Jesu-Christo: que linha, assim como o Ba-
ptismo, a virtude de ,conferir a graça. Sobre este· ponto, assim co-
mo sobre todos os mais, fostes vós, ó ' Igreja Catholica, Senhora e
Mãi nossa, infallivel orgão da Tradição e da Escriptura , quando
contra o orgulho da rasão pronunciastes este solemne analhema : « Se
alguem disser que a Ordem ou a Ordenação não é um verdadeiro
Sacramento , instiluido por Nosso Senhor Jesu-Chrislo , seja ana-
thematizado (7) ! » Chama-se Ordem, porque neste Sacramento ha
muilos graos, subordinados un~ aos outros , e tendendo todos para
o mesmo fim, como veremos depois (8).

(1) Drouin, de re Sact·Mnent.; Chardon, llist. des Sc.cremenls, t.


VI, etc.
(2) Lib. II Cont. epist. Parmen. e. 13.
(3) Lib. 111 de Sacerdot. e. U.
(4) Adv. Lucifer.
(õ) Epist ad Dioscor. LXXXI.
(6) Sozom. lib. VII, Hist. e. 10.
(7) Cone. Trid. Scss. XXIII, Can. 3.
(8) Sta.lus Eccfcsire est medius inter statum naturre ct glorire. · Scd
in natura inveQitur orclo, quo qnredam aliis superiora sunt , et similitcr
_ io gloria, ut patet in Angclis. Ergo in Ecclcsia dcbet eS'sc ordo .... ncns
sua opera in sui siwilitudinem producerc voluit, quantum poss1bilc fuit,
ut_ pcrlecta cssent eL per ca cognosci posscl, ct idco ut in suis opcribus
1G V

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122 CATECISMO

2.º Elementos do Sacramento da Ordem. A imposição das mão~


e o contàcto dos vasos sagrados são a materia deste Sacramento; as
orações do Ministro são a ·forma (t ). São summamente venera-
veis estas oraç.ões, pois as vemos empregadas desde o principio da
Igreja até os nossos dias : ordenando os primeiros Diaconos , os
Apostolos lhes imposeram as mãos orando por clles. Os ministros
do Sacramento da Ordem são os Bispos : assim o ensma a Igreja.
3.º Sua instituição. O Sacramento da Ordem foi prometticlo
pelo Salvador, quando disse a seus Apostolos que os faria seus mi-
njstros, e pescadores d' homens (2). Elle os ordenou Sacerdotes de-
pois de lhes ter distribuido o seu corpo e o seu sangue, que aca-
bava de consagrar; e lhes dirigio estas palavras : Fazei" isto em
memoria de mim: palavras poderosíssimas e sempre efficaces, que
dão aos Apostolos e a seus successores o poder tle operar o mila-
gre, que O- mesmo Filho de Deus acabava de operar : isto é • mu-
dar o .pão e o vinho em seu corpo e em seu sangue , e distribuil-o
aos Fieis. Emfim, elle os consagrou Sacerdotes corno elle mesmo,
segundo a ordem de Melchisedech, islo é, para· sempre ; eis aqui por-
que o Concilio de Trento fere d'analhema todo aquelle que ousar
dizer, que o caracter sacerdotal pode apagar-se (3).
.. 4.º Seus etfeitos. Os effeitos do Sacramento <ht On1em são 1.º
dar a quem o recebe uma graça especial que o santifica, e o põe
em estado de exercer as suas funcções para utilidade da Igreja ;

rcprrescnlaretnr, non solum secundum quod io se est, sed etiam secun-


dum quod aliis influit, bane legcm naturalem imposuit omni~us, ut ultima
per media reducereotnr et perlicerentur, et media per prima, et ideo uL
ii;ta pulchritudo Ecclesire non dccsset, p~snit ordinem ia ea, ut quidam
nliis Sacramenta traderent. Suo modo Deo in hoc assimilaLi, quasi. Deo
coopcratores, sicut eL-io corpore oalorali quredam membra aliis mfluunt.
D. Th. 3 p. suppl, .q. 34, art. 1.
(1) Ferrar is, art. Ordo. n. !9.
t~) l\latth. IV.
' t3) Sess. XXlll, Can. {.

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DK ~ERSEVERANÇA. 123
2.º impl'imir um caracter indelevel, de sorte que não pode jamais
exlinguir-se, nem por consequencia restabelecer-se por uma nova or-
denação; 3. conferir o poder de consagrar o corpo de Nosso Se-
0

nhor, e a auctoridade de perdoar e reler _os pecc.ados dos homéns.


Dest'arle as funcções do Sacerdole não teem só por fim consagrar
a Eucharislia, mas se estendem a tudo o que diz respeito á salva-
ção dos Fiei-;. Por esta razão se diz que a Ordem confere dous
poderes ; o primeiro sobre o corpo natural de Jesu-Christo , poden-
do os Sacerdotes consagrai-o e dai-o aos Fieis ; o segundo sobre o
corpo myslico de Jesu-Christo, que é a Igreja, de cujo corpo os
Sacerdotes são como a alma. Successores de · Jesu-Christo , como
seus ministros na terra, leem o poder de ensinar, baptizar, perdoar
os peccados, em summa, fazer tudo o que é necessario para con-
servar este corpo sempre vivo, e conduzil-o á sua união eterna em
o Ceo com o novo Adam que é a sua cabeça.
Proveem todos estes poderes de Nosso Senhor -Jesu-Christo mes-
mo. Primeiramente, deu elle o poder de consagrar sue corpo e
sangue aos Apostolos por aquellas palavras que acima citamos: Fa-
zei i'sto em memoria de mim (1). Em segundo logar, o poder de
ensinar e baplizar , quando disse : Todo o pode1· me foi dado no
Ceo e na terra ; ide, pois, ensinae todas as nações, baptizando-os em
nome do Pa,_dre, . do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os aguar-
dar tudo o que eu vos confiei (2). Emfim o poder de perdoar to-
dos os peccados, e remover todos os obstaculos que empeçam os
Fieis de chegar ao Ceo, dizendo : Assim como meu Pai me enviou
eu vos envio a vós ; recebei o Espirito Santo. Aquelles a quem
perdoardes os peccados, ser-lhes-hão perdoados; a.quelles a quem os
retiverdes, ser-lltes-hão retulos. Em verdade vos digo: tudo o. que
ligardes na terra será ligado no Ceo ; e tudo o que desligardes· na,
te1"ra será desligado no Ceo (3).

(t) Luc. XXII, 19.


(2) Joan. XX, 21.
(3) Matth. xvm. 1s.
*

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1H. CATECISMO

Taes são os poderes tremendos aos mesmos Anjos, que o novo


Adam con[iou a seus ministros. Que lingua humana Jrn<lerá dizer a
dignidade e grandeza <lo Sacerdocio ! Era grande o prime.iro ho-
mem que, eslabel~cido rei do universo, mandava e era docilme1üe
obedecido de Lodos os habitantes do seu \'aslo dominio. Grande era
Moysés que, com a sua palavra, separou as aguas du mar , e as
suspendeu em massa, em quanto por entre ellas passava, a pé ~n­
xulo , um povo inteiro. Grande era Josué, que disse ao astro ·do
dia : Sol, delem-te, e o sol se deteve , obeuecendo á voz d'_um ho-
mem. Grandes são os reis da terra, que mandam numerosos exer-
cilos r. fazem tremer o mundo só com o ~eu nome. l\Jas . ha um
homem maior ainda ; que lodos os dias, quando lhe apraz, abre
as porta~ do Ceo, e dirigindo-se ao Filho do Eterno, ao Monarcha
dos mundos, diz-lho: Descei do vosso Throno, vinde: e· docil á voz
<leste homem , o Verbo de Deus, aquelle que ludo fez , deixa no
mesmo instante a habitação da suá gloria , para incarnar-se entre
as mãos deste homem mais poderow que os reis, os Anjos, a Au-
gusta Virgem. E este homem lhe diz : Vós sois meu · Filho,
eu vos engendrei neste dia ; sois a minha viclima : e elle se
deixa immolar por esle homem , collocar onde lhe apraz, e dar
a quem elle quer ! Quem é pois este homem 1 é o Sacer-
dote ! ! ~
O Sacerdote não é só todo poderoso no Ceo, e sobre o corpo
natural do homem Deus ; é lambem poderosíssimo na terra e sobre
o corpo rnyslico de Jesu-Chrislo. Se um homem cahir nas prisões
<lo dcrnonio quem o poderá linar? Chamai em soccorro desse des-
graçado os AnJOS e os Archanjos , o mesmo S. Migue] , chefe da
milícia celeste, vencedor de S~lanaz e de suas rebeldes ]egiões.
Bem pode o Santo ArchanJO lanç,ar fora os demonios, que cercam .
este desafortunado , mas o que está no seu coração ~ esse nunca;
nunca poderá quebrar as cadeias deste pecrador que confia nelle.
A quem recorrereis, pois, para o livrar? Chamai Maria Santíssi-
ma, a augusta l\lãi de Deus, a Rainha dos Anjos e dos homens, o
terror do interno ; ella poderá pedir por esta alma, mas não .ab-
sol vel-a d'u ma falta por pequena que ·seja : pois o Sacerdote pode
absolvei-a dos maiores peccados que ~wjam !

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DE PERSEVERANÇA. 125
Ainda mais , supponde que o Redemptor em pessoa desce ,·i-
si velmenle a uma igreja, e se assenta em um confessionario, para ad-
ministrar o Sacramenlo da 'Penitencia, em quanto que l1!11 Padre se
vai assentar em outro. O Filho de Dcns diz : Ezt te absolvo ; e o
Sacerdote da sua parle diz : Ezb te absolvo ; e t.anto por um co-
rno pelo outro o penitente fica igualmente absolvido. Desl'arte
o Sacerdote, poderoso como Deus, pode em um instante arrancar
o peccador do inferno , e fazei-o digno do Paraizo; de escravo do ·
dernonio · fazei-o filho d' Abraham , e Deus mesmo é obrigado ·a eslar
pela sentença _do Sacerdote.; recus~ndo. ou . concedendo o seu
pcr~ião , segundo a recusa ou concessão da absolvição pelo Sa-
cerdote, uma ''ez que o penitente a mereça (1). A sentença do
.. Sacerdote precede , Deus não faz mai.s que subscrevei-a (2). Po-
c.le acaso conceber-se' um poder maior , uma dignidade mais
alta?
Ja me não admiro que o Filho de Deus dirija aos Sacerdotes
esta sublime palavra : Aquelle que vos ouve, · a mim mesmo ouve ;
a'fttelle que ws despfeza, a mim despreza; e fazer a todas as nà-
ções do universo esta adverlencia : Livrai-vos de tocar nos -meus
christo.i; ; aquelle que os loca, toca nas meninas dos meus olhos.
Já me não admiro que, no Concilio de Nicea, o senhor do mundo,
o grande Constantino , não quizesse occupar senão -o uHimo lugar,
abaixo de tocJ"os os Sacerdotes, e recusasse sent<Ar-se adiante , sup-
posto Ih' o permillissem. Já não admiro que s.· Francisco d' Assis ,
recusando toda a sua ' itla, por sua humildade, a honra do Sacer-
1

docio , dissesse: « Se , eu encontrasse juntos um Anjo e um Sa-


cerdote , dobraria primeiro o joelho ao Sacerdote que ao An-
jo. » Já nada me admira de ludo isto; o que porem - me causa
pasmo é ver ahi homens, mesmo meninos ,. que desprezam o Sa- "
cerdote !
Acabamos de fallar do poder sacerdotal ; quem poderá agora

(1) Ptlaxim. episc. Taurin.


(~) Pctr. Dam . . Scrm .

.'
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126 CATECISMO

dizer os seus beneficios. O Sacerdote é o bemfeitor da humanida-


de por suas orações, inslrucções e charidade.
Por suas orações. O mundo é unt vasto campo de batalha. '
Ahi andam os homens a braços com as potencias do inferno, e com
as suas próprias paixões. Perderiam a victoria sem duvida os tris-
tes filhos d' Adam , se os sacerdotes não orassem por elles, como
Moysés sobre ó monte. A terra culpada envia de dia e de noule
ao Ceo milhares e milhares de crimes, que vão pedir vingança an-
te a 1usliça de Deus ·; como no dia da tempestade, desferiria o
raio a cada instante sobre a cabeça dos culpados, se os Sacerdotes,
por suas orações e seu sacrificio, o não extinguissem nas mãos <lo
Todo-Poderoso. Os homens, indigentes e iníquos, já não leem o pão
necessario á- sua existencia; e como poderão, pcccadores indignos,.
sollicitar a bondade do Pa"i que não cessam de ultrajar? mas o sa-
cerdote ora por elles , levanta para o Ceo suas mãos puras , e o
orvalho bemfazejo vem fecundar os campos , e a abundancia succe-
de á carestia.
Por suas instrucções. O mundo é um vasto deserto, aonde r~i­
na -eternamente uma profunda noute. Mil caminhos se cruzam, os
quaes, confundindo o viandante, o conduzem para o abysmo ; mil
precipicio.s eslam abertos ; e no fundo delles, monstros esfaimados ,
escancaradas as fauces ' e os olhos inflammados, estam aguardando
sua preza. O homem que nasce é um -viandante obrigado a transi-
tar a perigosa terra· da vida. Donde vem elle? Não o sabe. Pa-
ra onde vai? Não o sabe. Que--caminho deve seguir ? Não o sa"'.'
be : logo perder-se-ha sem 'remedio ? Não, lá está o Sacerdote ; o
·guia fi~I, que o toma pela mão, que lhe mostra o caminho , e vai
com ellc , sem o desamparar jamais , antes que o ponha em seg°'-
rança. Eis o serviço· que presta o sacerdote a lodo .~ homem que
vem a este mundo. Eis o que elle faz a toda a humanidade, a es-
te grande cego, que andava por tal modo desvairado que, ha dezoi-
to seculos, Já não sabia senão caminhar d'abysmo em abysmo. Foi
o Sacerdote que o livrou dos erros grosseiros, crueis , ignobeis de
que era vergonhosa e triste victima. Foi o sacerdote quem tirou o
,. mundo da barbaridade ; é o sacerdote quem o impede de tornar a
cahir no mesmo estado ; é o sacerdote quem , a preço de seu san-

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DE PERSEVERANÇA. 12'7
gue e de sua ,·ida·,· civ1lisa ainda todos os dias as nações selvagens,
como anliguamente civilisou a nossos avôs (1 ).
Por sua charidade. Percorrei as cidades e os campos ; per-
guntai quem foi o fundador, e o suslenlaculo de todas as institui-
ções verdadeiramente uteis á humanidade ; á iofancia , que entra na
vida ; á velhice, que della está prestes a ausentar-se; nomear-vos-
hão um Padre. Descei ao ai vergue do pobre, inquiri quem tem da-
do o pão que ahi se come: é um Padre, ou urna pessoa cujo . ze-
lo ou cbaridade foi excitada por um Padre. Chegai-vos á cabecei-
ra do doente, do doente de quem toda a gente foge, com quem lo-
dos se enfadam : quem é o anjo consolador que verte no seu cora-
ção o balsamo da consolação e da esperança? é um Padre. Pene-
trai na masmorra do prisioneiro, quem é o que allivia o peso dos
seus ferros? é um Padre. Subi ao. palibulo do justiçado, quem
· vedes ao lado d~ victima? é tarnbem um Paure , um Padre que,
com uma das mãos lhe amostra a Cruz, e com a outra o Ceo.
Discorrei por todas as miserias espirituaes e corporaes da triste hu·
manidade, não encontrareis uma só , que o sacerdote não allivie to-
dos os dias, e isto sem fausto, sem ostentação, sem esperança ou
gratificação humana.
Nós somos obrigados a amar os nossos inimigos como a nós
mesmos , porem hoje não se ama o Padre ; hoje o aborrecem l E'
elle o objecto de zombarias sacrilegas, e de um rancor irnpio ! Mas
o Padre não se queixa : o discipulo não é supei-ior ao :Mestre. A
sua boca não se abre senão para perdoar, assim como os seus bra-
ços para abençoar : e áquelles que .se affligem de o ver assim des-
conhecido, ultrajado , perseguido, contenta-se com dizer , como seu
Divino Mestre levando a Cruz para o Calvario: . Filhas de Jerusa-
lem, não choreis sobre mim , chorai sobre vós e sobre vossos fi-
lhos ; o povo que ullraja seus sacerdotes associa-se ao crime dos Ju-
deos : elle terá parte no seu castigo. Prevendo-o , assim como os

(1) · Podem citar-se aqui as bem recentes cartas dos inissiouati-os da


Oce~rnia. Annaes da Propagação da J.lé, o. 56.

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128 CATECISMO

primeiros christãos retardaram por suas orações a queda do impe-


rio romano, assim o Sacerdote suspende, com as suas supplicas , as
tempeslades que se agglomeram sobre o mundo culpado. Imi-
tador do Divino l\lodelo , applica-se a passar a vida fazendo o
bem. Os seus mais crueis inimigos participam da. sua cbaridade:
escutai.
Um destes grandes malvados que, -durante os dias das nossas
desgraças, se tinha manchad~ com os crimes mais atrozes, banhan-·
do-se muitas vezes no sangue dos Sacerdotes, cahio doente. Tinha
elle jurado que nunca Sacerdote algum poria os pés na sua habita-
ção, ou que, se algum ousasse entrar ahi por surpreza, não torna-
ria a sahit'. Um Sacerdote foi informado disto, e das disposições
hostis do doenle. Não importa ! o bom pastor sabe que deve dar
a vida pelas suas ovelhas. Sem hesitar sacrifica-se , e ousa apre-
sentar-se-lhe. Ao seu aspecto , torna-se o doente furioso, e concen-
trando todas as suas forças : Que ! exclama elle com uma voz ter-
rivcl, um Padre em minha casa! Dem-me as minhas . armas! -
1
• Irmão, lhe pergunta o Padre, que quereis fazer? Eu tenho maiores

forças para oppor-vos , a minha charidacle e a minha conslancia .


.....:... Dem-me as minhas armas ! Um Padre ao meu lado ! Negaram-
lhe as armas. Então lançando fora da cama um braço nervoso ,
ameaçou o Sacerdote dizendo : Sabe que este braço den a morte a
doze dos teus similhantes. - Enganas-te, irmão, lhe tornou branda-
mente o Sacerdote, ahi ha um de mais: o duodecimo não ·morreu;
· esse duodecimo sou eu. Vê, accrescentou elle ~descobrindo o pmto,
as cicatrizes dos golpes que me deste. Deus conservou-me a vida
para te salvar. A estas palavras estende os braços para o doente,
abraça-o ternamente, e o ajuda a bem morrer. Se mil Padres não
'deram igual exemplo é porque um só teve occasião para isso. Eis
aqui o Sàcerdote~
5.º Disposições para receber o Sacramento da Ordem. Alem
da sciencia competente, e extremada virtude, que deve tornar o Sa-
cerdote o guia e o modelo do rebanho, aquelles que aspiram ás sa-
gradás Ordens devem 1. º ter a idade requerida pelos Canones , a
saber : os Sub-Diaconos vinte e dous annos ; os Diaconos ,·inle e

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DE PERSEVERANÇA. 129
trez, os Sacerdotes vinte e cinco (1 ). Que cousa mais sabia do
que esta disciplina? Se no seculo se requer para empregos publi-
cos idade madura, muito mais deve a Igreja exigil-a naquelles , que
hão de ser elevados ao Sacerdocio. 2. º cumpre não estarem in-
cursos em alguma censura, ou irregularidad~, que os torne indignos
do Ministerio Ecclesiastico, ou inhabeis para exercer as suas func-
ções. 3.º devem ler uma vocação particular pàra o estado sacer-
c.lolal. Pertence a Oeus escolher os seus .Ministros, como ao Rei
escolher os seus servos e ofliciaes.
6. º Necessidade do Sacramento da Ordem. Este Sacramento
é necessario á Igreja e á Sociedade. A não ser e!le , que dá á
Igreja os seus Minislros , e superiores aos fieis, a Igreja deixaria
de ser uma soCiedaue : tudo seria confusão e desordem ; porque
não ha sociedade sem superiores que mandem, e inferiores que obe-
deçam. Mas se a Igreja não existisse, lam pouco existiria a socie-
dade civil, de quem a Igreja é o espirilo e o sustentaculo; por quan-
to, não ha sociedade sem Religião : não ha Religião sem a Igreja ;
não ha Igreja sem Bispos e Sacerdotes ; não ba Sacerdotes sem o
Sacramento da Ordem : logo o Sacramento da Ordem é a alma da
Religião .e do Estado. Admirar-vos-heis á vista disto que antes de
confiar aos homens os poderes e a dignidade do Sacerdocio, o novo
Adam e a Igreja, sua esposa, e'(igissem delles longas provas e gran-
des preparações ? Aqui, sem duvida, é o admirar a sua divina sa-
bedoria. Vejamos isto pelos factos. · O primeiro passo para o San-
ctuario é a recepção da l~nsura.
Os mais antigos e respeitaveis Padres da Igreja dizem que a prima
tonsura é do tempo dos Apostolos; e até referem que o primeiro
que a estabeleceu foi S. Pedro , em memoria da Coroa d'espinhos
de Nosso Senbor (2;. Como quer que fosse, a tonsura era já mui

(1) Cone. Trid. Sess. ',XXIII, e. 12.


(~} Diooys. de .Bccl. hierar. e. 6, part. 2; Aug. Serm XVII acl
patres in eremo; Dieroo. in cop. XLIV Ezech.; Rabao Maur. lib. de /ns-
tilut . . cleric.; Bed. lib. V J/ist. angl. e. H.
17 V

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. '

130 CATECISMO

antiga no oitavo seculo (1). Ora, o rapar a cabeça era labeo de


ignomm1a e desprezo, pois denotava escravidão entre os Gregos e
Romanos (2). Por isso, como adverte S. Cypriano, rapavam os ca-
bellos e a barba aos Chrislãos condemnados ás minas (3). Dest'ar-
le a col'oa clerical é marca de modestia, renunciação do mundo e
profissão d'amor á Cruz e hurniliações de Jesu-Chrislo, que por .
taes nieios Lriumphou do mundo ; e nem seus successores devem usar
outrás armas. Tomar as insígnias do Homem-Deus é o primeiro pas-
so para quem se propõe a gloriosa empreza de continuár a sua mis-
são. -Todas estas significações da tonsura se exprimem nas orações
e ceremonias da Igreja.
O Bispo, assentado n'uma cadeira no meio do altár, como o
mesmo Salvador no meio de seus discípulos, chama os tonsurados
cada um por seu nome , para mostrar que nenhum pode entrar pel'
si mesmo na milícia santa, mas que é preciso ser chamado por Deus
como Aaram (i). Respondem elles ao chamamento, e se aproximam
do altar , para manifestarem o. seu empenho em corresponderá gra-
ça da sua vocação. Estam vestidos de batina, ou sotaina prela,que
é o habito que a Igreja atloplou para os seus ministros. A côr e
forma <leste habito indicam que devem morrer para o mundo, e re-
nunciar pela mortilicação aos prazeres da vida presente. Levam so-
- bre o braço e3querdo uma sobrepeJiz branca , symbolo da innocen-
cia ; na mão direita, um cino aceso , imagem eloquente da c-ha-
ridade que osp inl'lamma, e os leva a consagrarem-se a Deus, e con-
sumirem-se em seu serviço (5).
Estando pois de Joelhos ao red0r do allar, se levanta o Bispo
e supplica ao Senhor que converta, purifique, abraze o coração dos
seus novos servos. Todo o povo , unindo suas orações ás cio Pon-

(1} Veja-se Flcury , lnstitution au droit c<rnonique , part. t , e ã.


(!)Aristoph. in Avibus; Philost-r. lib. VII. ·
(3) Epist. LXX VII.
(4) Hebr. V, 4.
(õ) Veja-se AI. Thirat ,- Bspirito dos ceremoniai da lg,reja, p. U1.

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' DE PERSEVERANÇA. 131
tifice, entoa o Psalmo que começa : « Conserva-me, Senhor, porque
eu esperei, em li. » Em quanto o côro continua o P~alma, o Bis-
po corta com as tesouras em forma de cruz os cabellos ao tonsu-
rado, o qual diz ao mesmo tempo esta~ palavras, que exprimem o desejo
que lem de separar-se do mundo e unir-se a Jesu-Chrislo : « O
Senhor é ·a parte que me coube por herança, e a porção que me
foi ass1gnada. Tu és o que me hás de restituir a herança , que
me é propria » (1 ). Então lança o Bispo aos tonsurados a sobre-
peliz, symbolo da rnnocencia em que devem sempre viver , dizen-
do : « Revista-vos o Senhor o homem que _foi feito á _imagem de
Deus, em um estado de justiça e santidade perfeita ! » Desde este
momento já o clerigo não pertence ao mundo, mas a Deus, cujos
habitos vesle: o Novo Adam é d'or::i'vante o seu modelo.
A lonsura não é Ordem, mas tamsomente uma santa ceremo-
nia estabelecida pela Jgreja, para separar do mund-0 aquelles que
ella chama ao estado ecclesiastico. E' uma especie de noviciado,
que faz entrar os ordinandos no clericato, submette-os ás leis ec-
cJrsiasticas, e os dispõe para receber as ordens. Não basta porem
separar do seculo aos que hão de formar a lribu santa , destinada
para ser a luz do mund·o , o sal da tQrra, e cooperadores com Je-
su-Cbristo na obra da Redempção: · Para que um exercito possa ven- ,
cer o inimigo cumpre ser bem disciplinado, ter seus chefes e sol-
.dados , desempenhando cada um sua particular missão. Por isso
estabeleceu Nosso Senhor no c)e1~icato differentes ordens. « Pois
que o Sacerdocio é uma cousa toda divina, diz o sagrado Concilio
de Trento, para que se exercesse com mais dignidade e respeito
convinha que, pai a o bom governo da Igreja, houvesse differenles
e dislinclas ordens de ministros que, em virtude de seus cargos ,
ajudassem os Sacerdoles em sua& funcções, e, ornados primeiramen-
te da tonsura clerical, subissem por estas differentes ordens como
por outros tantos degraos á eminencia do Sanctuario (2). »

(1) Traduc. de Per.•


(2) Sess. XXIII .

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132 CATlsCIS!\10

Segundo estas palavras do Concilio, pode considerar-se o altar


como um monte santo e adoravel , ao qual se não pode subir se-
não a pouco e pouco, e só depois de longas e severas provações.
As differenles ordens são us degraos deste monte misterioso. São
_ ellas sele ; quatro menores, a saber : a Ordem de Ostiario, Leitor ,
Exorcista e Acolyto ; tres maiores, que são o Sub-Diaconato, o Dia-
conato e o Sacerdocio. Esla dislincção data <los tempos aposloli-
cos (1). Ouçamos a este respeito o Anjo da Eschola: são admira-
veis as suas palavras.
« Todas as ordens, diz elle, se referem á Eucharistia, e da re-
lação mais ou menos directa que teem com este adoravel Sacramen- '·
to derivam sua dignidade. No degrao mais elevado está o Sacer-
dote, porque consagra o Corpo e o Sangue do Salvador ; no segun-
do está o Diacono, porque o distribue ; no terceiro , o Sub-Diaco-
no, porque põe nos vasos sagrados a materia da consagração ; no
quarto, o Acolylo , porque a prepara e olferece em vasos não sa-
grados. As outras ordens são instiluidas para purificar e dispor
aquelles que hão de_ receber a Eucharistia, no caso que estejam im- '
puros ou immundos , o que pode ser de tres maneiras : os energu-
menos ou en.demoninhados, ~mbora estejam baplizados e instruídos.
não devem comtudo admillir-sc á Sagrada Conimunhão; por isso es-
tam no quinto grao os Exorcistas, cujo officio é expulsar o demo-
nio dos posses:;os, e tornai-os dignos da Santa: Mesa. Outros . não
estam ainda baplizados, nem suflicientemcnte instruídos • como pre-
cisam e dese1am ; por isso estam no sexto grao os Leitores , cujo
cargo é preparal-os com suas instrucções, para o Sacramento de nos-
sos aliares. Outros ha ernfim que são ainda infleis , indignos por
consequencia de parlicipar dos santos myslerios ; por isso estam no
setimo grao os Ostiarios, ~nJa occupação é desviai-os da assemblea
dos Fieis (2). Elle8 devem lambem manter a ordém e aceio do

(1) Cartas do Papa S. Cornelio cm 2õ1 ; quarto co~cil io de Cartha-


go cm 398.
(2) A todos eslcs differcnLcs minislro5, destinados pelo seu esLaJo

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I
ºDE PERSEVÉRANÇ .L 1.33
· templo material, ond·e se -hade offerecer o augusto Sacrificio (1). »
Não é islo uma admiravel jerarchia? Vede quanto é util estudar
a R~lig1ão t

ORA.VI.O. ·

O' meu Deus ! que sois todo anior , eu vos dou graças por
haverdes insliluitlo o Sacramento da Ordem , para perpetuar a vossa
presença real entre os homens, e dar Ministros á vossa Igreja ;
permilli, Senhor, que eu lenha grande respeito a este Sacramenlo ,
' . e a todos aquellés que o recebem.
Eu protesto amar ~ a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho deste amor,
rezarei muitas ve.zes pelos Padres .

no que diz respeito ao culto de Deus e serviço da Igreja, convem o no-


me de rlcrigos ; pois que esta palavra sigaifica os eleitos do Senhor, a
porção sua; bem comi,) o Senhor é a herançn delles S. Jeronymo Ncpo~
ciano.
'(1) 3 p. Suppl. 9, art. 2.

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13( CATECISMO

XL1V ~ª U ÇAO.

DE NOSSA UNIÃO COM O NOVO ADAM, PELA


ESP~RANÇA.

Ordens menores. Ostiario ; suas funcções. Cercmonias e orações


com que se confere. - Leitor; suas funcções. Orações e ceremonias
.da sua ordenação. - Exoréista ; suas funcções. Orações e ceremonias
da sua ordenação. - Acolyto ; suas funcções. Orações e cercmouias da
sua ordenação. - Ordens sacras. - Sub-Diaconato ; suas fuoc-
. ções. Orações e ceremonias com que se · confere. - Diaconato ;
suas funcções. Orações e ccremonias com que se -confere. - Sacer-
docio; suas· funcções e poder. Ceremonias e orações com que se
confere. - Vantagens sociaes do Sacramento e.Ia Ordem.

V rnos na Jição precedente a rclaçã-o ·que as Ordens teem entre si


e com a Santissima Eucharistia ; tratemos agora de cada uma ~m
parti cuia r.
A primeira das Ordens menores, que se recebe depois da ce-
remonia da tonsura, é a de Ostiario. Se todos os. empregos são
honrosos nos palacios dos Reis, todos os ministerios são santos na
Casa ele Deus ; e assim r.orisagra a Igreja a todo8 os que hão _de
exercel-os. O oflic,io de Ostiario ou Porteiro era indispensavcl nos
primeiros seculos, quafülo nem todos eram Christãos ; e por isso ti-
nham obrigaçito de guardar a porla fia Igreja , ~que · não entrassem
os pagãos, e não perturbass-em a assemblea dos fieis , nem profa-
nassem os santos Mysterios ; lambem lhes cumpria cuidar em que
cada um se conservasse no seu loiar, separado o povo do Clero,
os homens das mulheres ; e fazer reinar o silencio e a modeslia.

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l>E PERSEVERANÇA. 135
Da mesma sorte lhes incumbia annunciar as horas da oração, guar-
dar fiel mente a Igreja, varrei-a e adornai-a, olhar que nada se des-
encaminhasse, abrir e fechar as portas e a Sachristia ás horas com-
peténtes, emfim , abrir o livro áquelle que prégava. Já se vê que
reunindo tantas obrigações tinham muito que fazer. Dava-se esta
Ordem a pessoas de idade mauu ra (1 ).
A todas estas funccões .
. se, allude nas oracões e ceremonias da sua
..-

ordenação. O Bispo as explica a~s Ostiarios , e · logo o Arcedia-


go os con<luz á ' porla ela Igreja, fazenclo.,.Ih'a abrir e fechar, apre-
sentando-lhe · a corda do sino para o tangerem, _ e depois -os
traz ao pé do altar. Todas estas. cousas , que parecem estranhas
a quem lhes não comprehende nem o sentido nem a origem, são
, infinitamente respeita veis para o Chnstão instruido e piedoso; pois
lhe trazem á memoria a_ santi~ade da Casa do Senhor , a tremenda
Magestade do augusto Sacrificio, a gloriosa antiguidade da Igreja,
e esses bellos dias de Fé e innoccncia, objecto ·eterno da nossa
admiração e saudade. O Bispo termina a oração dos Ostiarios pe-
cJindo a Deus os abençoe e lhes dê a graça de cumprir santamente
as suas funcç.ões, a~lmitlin/do-os nm dia com os seus eleitos á gloria
eterna.
A 01·dem de Leitor é mais elevada que a de Ostiario ; porque
8e aproxima mais immediatamente á Eucbaristia. Os Leitõres, mui-
tas vezes mais novos que os Ostiarios, serviam de Secret.arios aos
Bispos e Sacerdole·s , e se inslruiam lendo e escrevendo debaixo da
sua direcção. Assim se iam creando os mais aptos para o estudo ,
e que um dia chegariam a ser Sacerdotes. Foram sempre necessa-
rios os' Leitores: pois sempre se Jeram na Igreja as Escripluras do
Antigo e Novo Testamento, já na_ Missa, já nos outros officios, pr{n- ·
cipalmenle os noclurnos. Liam-se tambem as cartas dos outros Bis-
pos, as actas dos Martyres, e as homilias ou discursos, corno ainda
hoje fazem os do Coro ; porem nos primeiros seculos o ler as Li-
ções pertencia exclusivamente aos leitores.
Entre a nave, que continha os Fieis, e o Coro, onde estavam os

(1) Flcurv. Jn.stit. ari lJroit can. part. J, r. 6 e 7.

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136 CATECISMO

ministros do altar, havia um estrado ou solio, de seis ou oito de·


gráos acima do pavimento, cercado de balaust res e onde cabiam oi-
to pessoas. Subia-se a esta especie de tribuna por duas escadas ;
e fazia face assim para os sacerdoles como para o povo. Chamava-
se lambem Jube, porque, antes de começar a ler, o .Leitor dizia ,
para pedir a _benÇão ao Bispo : Jube, Domine, benedicere ; a fre-
quente repetição desta palavra fez que o povo viesse depois a cha-
mar jube ao lugar onde eslava o teitor. Em algumas igrejas an-
tigas' ainda se veem jubes. Servia esta especie de pulpito para a
prégação e leitura das liÇões (1). _
Cumpria lambem aos Leitor~s a guarda dos Livros santos, em
cujo exercicio se expunham muito durante as perseguições. Con3-
ta da formula da sua ordenação, extrahida , como ~ das mais or-
dens inferiOres, do quarto Concilio de Cartbago em 398 , que elles
devem ler aos que prégam, cantar as lições , abençoar o pão e os
fructos novos. Depois de ter pedido para elles a graça de cumprir
bem as suas santas funcções , dá o Bispo a locar aos Leitores o
livro das lições, pronunciando ao mesmo tempo estas palavras :
« Recebe este livro, e sê leitor da Palavra de Deus; se cumpmes
fielmente o teu cargo , terás parle com aquelles que desde o prin-
cipio teem administrado com sabedoria a Pala \'ra de Deus. »
A terceira Ordem menor é a d' Exorcista , a quem incumbe
expulsar fora o demonio. Havia nos primeiros seculos muitos pos-
sessos , sobre tudo pagãos ; como temos a prova authentica no Evan-
gelho , nãs Aclas dos Apostolos e nos Padres da Igreja. Para mos-
trar mai~r desprezo ao poder do demonio , deu a Igreja o cargo de
0 expulsar aos seus ministros inferiores. Nos Baptismos solemnes
exorcizavam elles aos cathecumenos , e faziam sabir da Igreja os
que nijo commungavam , isto é, os neophitos e energumenos , antes
da oblação dos sagrados dons. Ho1e porem pertence aos sacerdo-
tes o poder de exorcismar ; e estes mesmos hão de ler para isso
especial licença do Bispo. São infinitamente mais raras as posses-

(1> EspiriLo das ceremooias, p. H.9.

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DE PERSEVER-ANÇA • 137

sões do demonio <lepois que Jesu-Christo lhe refreou o poder; e,
para evitar abusos e reprimir imposturas, é de mister haja piedade
e -prudeneia no ministro. Dest'arte a Igreja , conservando os cos-
tumes da sua veneravel antiguidade, restringe o poder d'exorcizar,
e não permille que o exerçam senão Sacerdotes, especialmente au_
ctorisados, e só -depois _de terem feito prudentes e minuciosos exa-
n1es (t). ·
Termina o Bispo as orações da Ordenação fazendo pôr aos Ex-
orcistas a mão sobre o Missal, em quanto elle diz: « Recebe e apren-
de este livro , com o poder de impor as mãos sobre os ·energurne-
nos , sejam baplizados, sejam cathecurnenos. )) Depois supplica fer-
vorosanrnnte ao Senhor que os protr.ja, afim que cumpram santa-
mente as suas. funcções , e que, como rnedicos irreprehensiveis, cu-
rem aos outros apôs de se haverem curado a si mesmos.
A quarta Ordem menor é a do Acolyto. A palavra acolyto
quer dizer que segue, que acompanha. A Ordem dos Acolytos é
a mais elevada das quatro menores. Eram antigamente os Acolytos ·
mancebos de vinte a trinta annos , destinados a acompanharem o
Bispo, e a estarem sempre debaixo da sua vigilancia. Faziam elles'
suas mensagens , levavam as eulogias e até mesmo a Sagrada Eu-
- charislia, e serviam ao altar debaixo da direcção dos Diaconos. Ho-
je porem, que os tempos são outros, não lhes concede o Pontifical
exercer senão as funcções de levar os castiçaes com vela, acendei-
os, e preparar a agua e o vinho par_a o Sacnfic10.
Acherte o Bispo aos Acolytos , no acto da ~na ordenação, que
resplandeçam na Igreja como filhos da luz. com o esplendor de to-
das as virtudes, afim de edificar seus irmãos com uma vida pura,
e serem dignos de apresentar a agua e o vinho no altar do Senhor.
Depois lhes dá a tocar um castiçal com vela, e uma gaJheta , vasia,
dizendo : « Recebe este castiçal e esta vela , e não te esqueças que
em nome do Senhor foste estabelecido · para acender as toe beiras. na

:1) Espirito das ceremonias, p. 153.

18 V

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138 CATECISMO

Igreja. Recebe esta galhela, ella te servirá para apreseolar a a-


gua e o vinho no Sacrificio do ~angue de Jesu-Christo. »
Taes são as quatro Ordens menores ; taes antigamente as suas
funcções. Ora, não devemos crer que os Santos, c1ue governaram
a primitiva Igreja, se occupavam com pequenas cousas , -quando as-
sim regulavam o culto externo, e estabeJeciarn ordens particulares,
que se incumbissem de todas as suas minuciosidades. Bem conhe-
. ciam elles a importancia de tudo o que loca os nossos ·sentidos,
como o aceio e adorno dos templos, a ordem das assembleas, o si-
lencio o canto, a magestade das ceremonias. E' que ludo isto con-
1

tribue, ainda nas pessoas mais espirituaes, para elevar o espirito a


Deus, e é absolutamente necessario para dar aos homens rudes e
grosseiros uma alta idea da Religião, e fazer-lhe amar o seu ex-
el'cicio.
Quàndo vemos que o templo de Jernsalem era servido alterna-
damente por tantos milhares de Levitas , e que o serviço se fazia
com tanta pompa e magestade , devemos confundir-nos de ver as
nossas igrejas, onde está presente o Corpo de Jesu-Christo, tam mal
ser'iidas em comparação daquelle Templo dos Judeos onde não es-
. lava mais que a Arca da alliança, e ainda isso só no primeiro, que
não no segundo (1 ). Entrelanto, por desgraça destes nossos tempos,
e raro que os minorislas possam exercer as funcções annexas ás or-
dens que receberam. Cada igreja antigamente tinha os seus eccle.-
siasticos ; agora os Levitas estam reúnidos nos seminarios, onde se
preparam para o Sacerdocio. Tambem nas parochias , os Sacerdo-
tes, os Diaconos , os Sub-Diaconos , os simples Ecclesiasticos , os
mesmos leigos repartiam e11lre si estes differentes minislerios. Bem
quiz o Concilio de Trento reslaurar estes costumes antigos , para
etliricação dos Fieis , mas nada se tem até hoje conseguido. Não
obstante, na esperança que volverão mais felizes dias, lem a Igreja
conservado as ordens menores, já como monumento precioso tia an-

(1f l"lcury, Jnstit. au Droil can. primeira parle.

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DE PERSEVERANÇA. 139
Liga disciplina, já como degraos que devem percorrer, para se san-
tificarem , os Levitas que aspiram ás sagradas ordens (1).
A primeira das Ordens sacras é o. Sub-Diaconato. Elevou-se
a esta dignidade depois que a Igreja impoz a esta Ordem à obri-
gação de guardar caslidade (2). Al1tes disto, o' Sub-Diaconato con-
siderava-se como Ordem menor : os Sub-Diaconos eram os Secreta-
. rios dos Bispos, que os occupavam em jornadas, e negociações ec-
clesiasticas; tinham a seu cargo as esmollas e administração do
temporal. Fora da Igreja exerciam as mesmas funcções que os Dia-
conos. Era d>ordinario aos Sub-Diaconos que a Igreja Uomana con-
fiava a admimstração dos patrz"monios de S. Pedro (3.), nos diversos
territorios da Chrislandade, onde estavam silu~dos. Administrando
estes bens sub a auctoridade dos Papas , executarnm também suas
·ordens em relação a mui importantes negocios ecclesiasticos ; taes
corno a correcção dos abusos, nas Provincias onde estavam estes
palrimonios; a convocação de Concilios, as advertencias que eram
encarregados de fazer aos Bispos, concernentes ao comporlamento
destes, e as informações que davam ao Papa a respeito do que se
passava no paiz em que estavam. Cí)
Hoje, porem, o minislerio dos Sub-Diaconos está reduzido ao
serviço do Altar, e assistir ao Bispo ou ao Sacerdote nas grandes
solemnidades. Cnmprn-lhes preparar os ornamenlos, os sagrados

~1) Espirilo das ccrcmonias, p. U6.


(2) O mais celebre e acreditado dos historiadores protestantes da
Allemanha moderna , Henrique Ludco, cognominado o pai da historia al-
lcmã, nifo lcmcu affirmar, no volume VIII da ·sua bisto'ria do povo alle-
mão publicada cm 1833 , que: 1< em ludo e por tudo , é ao celibato
erclcsiaslico que se deve o qne temos, o que somos, a intelligencia, a
rnltura do cspirito, os progressos do genero hu!'lano ,'> Veja-se lambem
Cobbctt, Historia da Reforma na Inglaterra; o Abbade Jager, Do Celi·
bato ecclesiastico , .Jlemorias de Modena n. 47 e ~8, 283.
<3 i A~sim se chamavam os bens dados á Igreja de Roma .
(4) Vejam-se as Cartas de S. Gregorio.
*

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-~-------
uo CATECISMO

vasos, o pãp, o vinho, e a agua para o Sacrilicio ; cantam a Epis-


tola na Missa solemne, levam e sustentam dianle do D1acono o li- ,
vro dos Evangelhos , e o servem nas mais 'fn ncções sagradas , e é
por isso que sé chamam Sub:-Diaconos; dão a beijar o livro dos
Evangelhos ao· celebrante e aos Fieis, apresenlam no altar o calix
e a patena ao Diacono, lançam agua no calix depois que o Diaco-
no tem lançado o vinho,- dão o lavalorio ao c~lebranle , purilicam
as palas , os corporaes e os sanguinhos.
São magestosas as ceremonias da ordenação dos Sub-Diaconos.
Como v1ctimas voluntarias, que se o.fferecem- a fazer a Deus um sa-
crificio heroico, prestes a renunciar para sempre o mundo e as suas
esperanças, tudo nelles annunma o sacrificio , e a na ln reza deli e.
Estam pois de pé, como viandantes, coberta a cabeça com um pan-
. no branco, chamado amicl.o, ou capacete de· ~uerreiro; vestem alva,
symbolo d'uma perfeita virlude; e cingem-.se com um cordão liso ,
em signal de castidade. Levam no braço esquerdo uma tunica,
para significar a alegria do seu coração ; em uma das mãos leem u
manii}ulo, emblema do trabalho que os aguarda, na oulra um ci-
rio aceso, expressão energica da charidade. Assim adornadas e dis-
postas as jovens victimas , esperam _em silencio o momento do sa-
crificio.
De repente o Pontífice . representando a Jesn-Chnsto , lhes fal-
ia dizendo : « Meus queridos filhos , aqui vos apresentaes para re-
ceber o Diaconato. Pensai seriamente, muitas vezes e com allenção,
no pesado cargo que desejaes. Ainda eslaes livres, é-vos perrnilli-
do passar a uma ,·ida secular ; mas se chegardes a receber esta
Ordem, não podereis mais retractar a vossa determinação. Perlen-
cereis depois a Deus para sempre , a e11e só devereis servir, que o
servil-o é reinar; devPreis guardar castidade, e estareis semp1·e pi'om-
ptos pàra o ministel'io da Igreja. Ainda é tempo, reflecli ; .... mas
se persistis na ,·ossa resolução, aproximai-vos. J>
Dilas estas palavras, se elles leem .a coragem e o valor de se
obrigarem áquelles deveres, dão um passo adiante. Passo immen-
so 1 pois deixa entre elles e o s·eculo un:1 espaço que os separará
pa_ra sempre. Então, para mostrar que morrem para o mundo , abra-
çando prosternados a terra, como para se' de~pedirem della par~

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DE PERSEVERANÇA. 10
sempre , renunciand-0 a todos os seus affeclos e esperanças, deixan-
do os pais, os parentes e amigos, protestam que serão como Mel-
ch isedech, antiga figura do Sacerdocio Chrislão, sem pai, sem mãi,
sem genealogia.
Mas quem _lhes dará a virtude sob rena tu ral, para sustentar to-
da a vida este heroico sacrificio? aque1Ie mesmo que lhPs inspirou
a vonla<le : e assim o Bispo e todo o povo , enternecidos, e como
turvados ao ver os encargqs que sobre si tomam, de joelhos pedem
ao Senhor se digne attender áquelles seus servos, que prostrados
esperam a sua benção. Endereçam-se ás tres Pessoas da Santissima
Trindade, a Maria Sanlissima, aos Anjos, Patriarchas e Prophetas,
aos Apostolos, e Martircs, aos Confessores, e a toda a Corte celes-
te. .Então se levanta o Bispo, e abençoa e êonsagra aquellas vi-
climas. fazendo sobre ellas por tres vezes o signal da cruz.
Está consu mmado o sacrificio-: as vict.imas se levantam , pois é
Yivendo que hão de continuar a immolar-se. O Bispo enlão, diri-
gindo-se aos assistentes, conjura-os a que orr.m por aquelles novos
~Iinislros, que se consagram ao serviço de Deus; e logo passa a
rndicar aos Sub-Diaconos quaes são as funcç,ões da sua Ordem , cu-
j<1s attribuições lhes confore ~ fazendo-lhes Locar o calix e a pate-
na (1).


<1) O toque ou -enlrega do calix e da patena coustitue a materia
da Ordem do Sub-Diaconato na lgi::eja latina. Assim o declara Eugenio
quarto no seu decrclo aos Armenios: Subdiaconalus confertur ptr cali- -
eis vacui cum patena uacua superposita traditionem. Na Igreja grega a
ruateria do Sub-Diaconato é a imposição das mãos, que o Bispo faz SQ-
bre o ordinaodo, e a fórma é a oração que ao mesmo tempo recita.
Nenhuma outra cousa ha nos seus Euchologios, assim antigos como mo-
dernos, a ,que se possa dar o nome de maleria e de forma.
a Não deve isto fazer-nos difriculdade , diz o Conferente de Augers,
« l. XI , p. 229. Como foi a Igreja quem instituio esta Ordem, clla
a mesma tinha a a.uctoridade de assigoar-lhe a materia e a forma que

11 julgasse convenientes ao ministerio, a que destmava os Sub-Diaconos.


« Até podia alterai-as, ou ajuntar-lhes alguma cousa nava, como melhor
lhe parecesse -,

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1H CATECISMO

Pondo-lhes o amiclo na cabeça o Bispo lhes diz : « Recebei es-


te arniclo, que d{\signa a mortificação da cruz. Em Nome do Pa-
dre e do Filho e do Espirilo Sanlo. Assim seJa. » Vigiar em suâs
palavras e em t.odos os seus sentidos, tal é pois d'ora'vante o de-
ver e a virludo do Sub-Diacono. Depois lhes veste · o Ponlifice na
mão esquerda o manipulo, dizendo : « Recebei o manipulo, que vos
recorde o fructo das boas obras. Em Nome do Padre etc. » Dahi
lhes enfia a tu nica, dizendo : a: O Senhor .vos dê a tunica da felici-
dade, o vestido da Fé. Em Nome do Padre, etc. » Da-lhes emfim
- o Missal, com estas palavras: «Recebei o tivro das Epis.tolas e o
pod~r de as ler na Igreja, tanto pelos vivos como pelos defuntos.
Em nome do Padre , ele. Tal é a ordenação d os Su b-Diaconos.
Que cousa mais capaz· de inspirar nos povos um profundo respeito
á Sant.issima Eucharislia e a seus Ministros ; e de ensinar a f'slrs .
as ''irludes necessarias á sua. santa e sublime vocação? ! Pois es-
tas preciosas Jiçõcs continuam-se na ordenação do Diacono ; preslai-
nos atlenção.

Todavia~ donilc po1lcrú nascer esti\ tli1Te1·e11ça r.nlre o Oriente e o


Occidente? O P. Ch:m.Jon, Brncdictino, cm sua er11rlita ílistoria dos
Sacramento~, dá n rnsão seirnintc, t V, p. 35: « Parece inLeiramcnle
« provarei, diz elle. que os Oricnlacs, como aprenderam dos Aposlolos
c1 a ordenar os Bispos, Padres e Oiaconos pela imµosição das mãos, nas
« demais Ordcn~, que por nccessidarle se eslahclcreram depois, seguissem
«""8 mesma praclH'a qtrc sabiam ler sido seguida pelos primeiros funda-
dores da Relig1iio, os quacs nisto imitaram os JuJeos, que estabeleciam
a assim os chcíes lias Synagogas ; em qndnto que os Occidcntacs, cxce-
cr ptnando ta~vez algumas igrejas, seguiriam, cm sua maneira de ordenar
ti os ministros inferiores da Igreja . o que ,·iam prallrar todos os dias na
« e reação dos magistrados, que os imperadores cm·iavam ás pro" incias,
~'. para as governar; aos quacs davam os s1gnacs . exteriores da dignida-
11 de, de que os cnrnsliam. Foi assim qne Trajano, como refere Dioa,
(( estabelecendo um prefeito do Prctorio, lhe dizia: Recebe esta espada
« de que te servirús por mim se cu commandar como devo, ou que \'oi-
" tarás contra mim, se cn abusar ·da mmh • auctoridi\de. Quando aquel-
1.1 lcs, a quem os imperadores confiaram as magislralnrns, estavam au-

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H3
A palavra Diacono quer dizer servo. Os Apostolos ordena1·am
us primeiros Diaconos por occasião das murmurações, que se le-
vantaram entre os Fieis de Jerusalem, . por causa da distribuição das
esmollas. Aos Diaconos pois encarregaram do cuidado das mesas ,
onde as viuvas e os pobres tomavam seu alimento corpora·i ; porque
desde o principio os pobres foram o ob1ecto da lema sollicitude da
Igreja. Assim os Apostolos , entregando aos Diaconos o cuidado
dos pobres, puderam dar-se inteiramente á prégação do Evangelho e
á oração. Todavia, não foi este o unico, nem ainda o principal
fim da sua instituição ; pois os Yemos logo occupados de outras func-
ções mais santas e elevadas. Ao serviço da mesa material juntou-
se lambem o minislerio de sagrada Mesa, onde dislribuiam aos Fieis
a Eucharistia, para alimento da alma. A prégação dff palavra de
Deus e a administração do Baptismo faziam lambem parte das suas
funcções. Assim vemos que Santo Eslevão e S. Filippe se dedica-

sentes, e estes não podiam entregar em suas mãos as insignias e sym-


" bolos..,. da nuetoridade de que os revestiam, dirigiam-lhes, para supprir
" esla formalidade, codicillios que, alem das palavras com que os iosti-
« tuiam , e as adverlencias do modo por que deviam conduzir-se em seus
<' empregos , continham lambem a imagem dos dist'inr.tivos e insigmas do
11 poder e dignidade qac recebiam , as quacs costuma,·am trazer comsi-
" go ou levar diante de si por lict9res, como as hachas-d'armas e ·os
u feixes lle varas, de que os Consules , pretorcs e outros officiaes eram
« prccet.lidos, quando appareceram cm publico. Os dislioctivos do poder
" do~ magistrados iam pintados nos rodicillios, pelos quaes o priocipe
cr rrca\'a os magistrados, como se vê das noticias de Justiniano o Novel.
2ri, 20, '.26.
A Noticia do lmperio, dada ao prelo pelo sabio Pancyrolo, tambem
representa quacs eram os diversos symbolos que distinguiam os magistra-
dos uns dos outros. E' pois á imitação do que se passava a este res-
peito qu.c creav11m, cm qnasi todo o Occidénte , os ministros inferiores,
destinados ao serviço da Igreja, pondo cm suas mãos, por distioctivo das
altrihu1ções que lhes conferiam , as cousas de que tomavam encargo, P
advertindo-os da maneira por que deviam dcscmpeohal·o.

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tu CATECISMO

vam com zelo a estes _empregos, que partilhavam com os ARostolos.


Tudo isto porem não tirava aos Diaconos o cuidado das mesas, em
que as viuvas e os pobres tomavam as suas refeiçõ~s ordinarias.
Ministros da Igreja e dos Apostolos, encarregados de funcções
sagradas, os Diaconos , nos tempos primitivos • seguiam sempre os
Bispos ; velavam em sua defesa quando prégavam , acompanhavam-
nos aos Concilios , e assistiam-lhes nas ordenações e administração
dos mais Sacramenlos (1). Não offereciarn os Bispos o santo sacri-
ficiÓ sem a assistencia dos Diaconos, como S. Lourenço adverlio ao
Papa S. Sixto, quando o conduziam ao martyrio. cc Santo Padre ,
lhe disse elle, onde ides sem o vosso Diacono? Vós nunca- offere-
cestes o sacrificio sem elle (2). » Eram os Diaconos que liam o
Evangelho á :Missa, como ainda hoje fazem ; apresentavam ao Sacer-
dote o pão e o vinho, para se converter no Corpo e Sangue do
Salvador (3). Não só administravam o Bapli5mo , distribuiam as
esmollas e cuidavam do sustento das viuvas e dos pobres; mas eram
tambem obrigados a attender aos Confessores e aos Marlires, que -es-
tavam nas prisões , animando-os e exhortando-os a soffrer e morrei·
pela fé (4). Hoje porem as ordinarias funcções dos Diaconos con-
sistem em servir no altar ·ao Bispo ou ao Sacerdote , e em cantar o
Evangelho.
Quanto á ordenação dos primeiros Diaconos , os Fieis de Jeru-
salem escolheram sete homens de reconhecida probidade e cheios
do espirito de Deus, e os apresentaram aos , Apostolos que, depois
de haverem orado, lhes impozeram as µtrios (5). Por onde se vê
que as ceremonias da sua ordenação eram então , como são hoje ,
orações e a imposição das mãos. Assenta-se pois o Bispo na cad.ei-

(1) S. Isidoro de Sevill. de Off. eccl. J. II . e.


(!) S. Ambr. de Off. 1. 1. e. H.
(3) S. Jcronymo, ep. XLVIII ad Sabinian; S. Justino, Apol. II;.
s. Cypr. de lapsis.
(4) S. Cypr. ep. XII.
(?>) Act. VI, 6.

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OE PERSEVÉRANÇA. U5
ra no meio do altar, e o Arcediago lhe diz : « Reverendo Padre,
nossa Mãi, a Santa Igreja catholica, pede que deis a estes Sub-Dia-
conos o cargo do Diaconato. - Sabeis vós se são dignos delle? Eu
o sei, resptmde o Arcediago , e o attesto , tanto quanto a fraqueza
humana o permilte. Graças a Deus, diz o Bispo. Depois dirigin-
do-se ao clero e ao povo diz-lhes : Com o auxilio de Deus e de nos-
so Salvador Jesu-Christo, escolhemos estes Sub-Diaconos para os ele-
var ao Diaconato. Se alguem tem alguma cousa contra elles, adi-
ante-se desembaraçadamente por amor de De~us e o diga ; mas lem-
bre-se do seu caracter : elle se delem um momento para dar tem-
po aos Fieis a responder.
Recorda-nos esta advertencia a antiga disciplina da Igreja, que
consultava nas ordenações o clero e o povo ; hoje porem pertence
aos superiores o examinar os seus subd1los, e conhecer da sua vo-
cação. Entretanto, para conservar quanto é possi \'el a antiga disci-
plina, e tomar conhecimento do merecimento do eleito ~ determinou
a Igreja se fizessem denunciações na Missa Conventual da Parochia,
e bem assim a ceremonia de que acabamos de fallar na ordenação
dos Diaconos e dos Sacerdotes.
Se os Fieis não fazem reclamação alguma, endereça-se o Bispo
aos onlinandos, e lhes traz á memoria a dignidade da Ordem que
vão receber, as funcções que lhe são inherenles , e as virtudes que
para isso se exigem. Começa então um prefacio, que é como intro-
ducção á grande acção que vai fazer. De repente detendo-se no
meio cio prefacio . impõe o Bispo a mão direila sobre a cabeça de
e.ada ordinando, dizendo : cc Recebe o Espirito Santo para teres a
força de resistir ao <lemonio e ás suas tentações. » Não lhe impõe
as duas mãos, para mostrar que os Diaconos não recebem o Espin-
lo Santo com a mesma plenitude que os Sacerdotes.
Acabada esta cercmonia e lido 6 prefacio , dá o Bispo a cada
Diacono a estola, symbolo do poder que lhes confere, dizendo:
« Recebe da mão de Deus esta estola branca·; cumpre o teu minis-
terio ; Deus é Todo-Poderoso, elle augrnentara em ti a sua graça. ))
A estola do Diacono não se veste como a do Sacerdote , para mos-
trar que não tem a mesma dignidade. O Bispo reveste-o depois com
a dalrnatica, pronunciando estas palavras : « Deus lc dê o habito
19 V

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H6 CATECISMO

da salvaç~o e a ,·estimenta da alegria , e pelo seu poder te circum-


de para sempre com a dalmatica da Justiça. Assim seja. » Por
ultimo dá-lhe o Livro dos Evangelhos , dizendo: « Recebe o poder
de ler o Evangelho na Igreja, pelos vi vos e pelos defuntos. Em
nome do Padre, etc. » A ordenação termina pela oração do Bispo
e do povo, unindo as suas vozes e os sens corações para allrahir
sobre os novos eleitos a prolerção do Senhor.
A' ordenação dos Diaconos segue-se a dos Sacerdotes. OfTere-
cer o santo sar.rilicio ; abençoar o povo á Missa , nas reuniões , e
na administração dos sacramentos, para allrahir sobre elle as gra-
ças do Ceo ; presidir ás reunior.ns que se fazem nas igrejas, para
dar a Deus o culto que lhe é dcv ido ; prégar a palavra de Deus ,
de quem são os embaixadores ; baptizur, e administrar os outros
Sacramentos , particularmente aquelles que foram instituidos para
rem1llir peccados : taes teem sido, dPsde o principio da Igreja. e
laes são ainda hoje as funcÇOl~ns dos Sacerdotes. Nos primeiros se-
culos só aos Dispos pertencia o prégar , e isto se observou até o
tempo de S. Chrysoslomo, e S. Agostinho, que preencheram esta
funeção por ordem dos seus Bispos , quando não eram ainda Sacer-
dotes. Desl'arte as funcçoens dos Sacerdol.es são de duas sortes :
umas dizem respeito ao Corpo natural de Nosso Senhor; as outras,
ao seu Corpo Mystico , qne é a Igreja. Não ha funcções mais au-
gustas, nem poder mais tremendo. Antcs de Ih 'o conferir, o Bispo,
assentado na sua cadeira no meio do altar, "uer certificar-se se por
ventura são dignos delle: « Reverendo Parlre, lhe diz o Arcediago,
nossa Mãi a Santa Igreja Calholica , pede-vos consagreis Sacerdolei
a estes Diaconos , que rns apresento. - Sabeis se são dignos? -
pergunla o Ponlifice. E pela resposta fa, oravel do Arcediago, o
1

Bispo diz : <C Deus seja_ louvado ! » Depois. dirigindo-se ao povo e


Jembrando-lhe que é do seu interesse não ter Sacerdotes senão san-
tos, o interroga , para se conformar com o antigo costume da Igre-
ja, quando cada um dizia o que sabia dos novos Diaconos (1).

(1) A eleição de S. Basiho e um exemplo illuslre que nos moslra


até onde chegam, DOS primeiros secalos da Igreja, a derereocia que os

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DE Pl'!RSEVER.lNÇA. H1
Se ninguem reclama, endereça-se o Ponlifice aos Diaconos. n
lhes lembra a natureza, origem e sublimes funcções do Sacerdul'10.
Diz-lhes que os Sacerdotes são os successores dos setenta e dous
anciãos que, por ordem de Deus, Moysés tinha escolhido para o aju-
darem no seu ministerio, distribuindo a justiça e velando pela ob-
servancia dus dez Mandamentos. Estes anciãos eram a figura dos
selenla e dous Discípulos, que Jesu-Cbri~Lo enviou dous a dons a pré-
gar pela palavra e pelo exemplo. cc Sêde dignos, meus queridos fi-
lhos, accrese.enla o Ponlifiee, de serdes coadjntores de Moysés e dos
• --,-doze Apostolos isto é, dos Dispos Calholicos, figurados por Moysés
1

e os Apostolos, estabelecidos para governar a lgr(ljd de füu~. 11


Feito este discurso passa-se á ''eneravel ceremonia da prostra-
ção. Antes de ser admillido ao Baplismo, lres wzes deve o homem

Bi!'pr}S tinham pela escolha e Yoto tios povos .nas ordcn:içõcs; e como cit-
tcs ahi se oppunham quando percebiam que os or<linandos se propunham
mais por pílixão e intriga, qnc por vcrdaileiro amor dos fieis.
Como fallccesse Euschio, Bispo <le Cesarca, o Clero, segunJtl o co~ ­
tume, escreveu aos Bispos da pro,·inria, os quaes ,·irram para proccdrr
á eleição. Gregorio, o pai dos Theologos, lendo sido rharnado como os
oulros, temeu nfio poder assistir, tanto por sna cxlrf'mn H•lh1cc co11H1
por uma doença que lhe sobre\' cio. Escrc,·eu pois ao Clero e ao J)Q' o
de Ccsarca nestes termos :
« Eu sou nm pequeno pnslor d'um peqneno rebanho, mas :i graça
não se restringe pela pequen<'z dos logar~s, seja pois permillido mesmo
nos pequenos fallar livremente; tracta-se da l~reja, pela qual Jrsu Chris·
to morreu; os olhos são a luz do corpo, os Ilisp('s a luz da Igreja
Vós me rhamastcs, segundo os Canoncs; mas eu c~lou impedido pela
\'Clhire e pela doença. Todavia. se o Esp1rilo Santo me der forças pa-
ra assistir á eleição, porque nada ha impossin!I aos Fieis, isto será o
melhor e o mais agradavcl pnra mim ; mas se a enfermidade me delirnr,
concorrerei tanlo quanto o póde faur um ausenle. Não duvido que, cm
tara grande cidade como Cesnrca , onde tem havido tam grandes Prela-
dos. não haja outras pessoas dignas do primeiro togar ; mas não posso
preferir ninguem ao nosso querido íilho o Padre Basilio. R' um homem.
digo-o diante de Deus, ruja \'ida e doulrrna é pura ; é o unico, ao me-

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H8 CATECISMO

renunciar a Satanaz ; anlos de se admillir ao Sacerdocio, tres ''ezes


o Christão deve renunciar a terra , a carne e o sangue. Só depois
desta triplice renuncia é que se abre o caminho para o altar san-
to. Segue-se a esta ceremonia a imposição das mãos. O Bispo im-
põe em silencio as duas mãos sobre a cabeça de cada Diacono. O
mesmo fazem lodos os Sacerdotes que estam presentes á ceremo-
nia , revestidos de estola. Sobe enlão o Bispo ao allar ; e ,,oltan-
do-se para os ordinandos , extende as mãos sobre elles , todos os
, Sacerdotes o imitam , e recita ao mesmo tempo uma oraçãD, pela
qual supplica ao Senhor lhes dê o seu Santo Espírito e a graça do
Sacerdocio.
O poder de conferir as santas Ordens não pertence senão ao
Bispo , só elle pó<le impor as mãos como consagrante ; e se os Sa-

nos o mnis i<loneo de todos, para se oppor aos hercjcs.... E' isto o que
cu digo ao Clero, aos Monges, ás Digmdadcs, ao Senado e a Lodo o
povo ; se o meu Yolo for approvado como justo e ,·indo de Deus, estou
presente esj)iritualmcnte, ou antes , tenho já imposto as mãos; se forem
d'outro accordo, se suspeitarem nisto intriga ou interesse de familia , se
o tumulto emíim prcrnlecer contra os canones 1 íazci vós o que rns pa-
recer, eu retiro-me. »
Escrc\'eu lambem o Santo Euzebio de Samosat, 1mplorando-lhe o
seu rnto nesta conjunclura. Veio com effei_Lo S. Euseb10, o a sua pre-
sença foi etlicacíssima para consolar e sustentar os Catholicos; porque
arnda que S. Basilio fosse manifestamente o mais digno de occupar a Sé
de Ccsarea, as primeiras pessoas do paiz se lhe oppunham. Sustentavam
a sua farç.ão com os pcores tl'.enlre o povo , e tinham peitado uma parte
dos Bispos. Dcst'arte quando se reuniram, escreveram ao Bispo de Na-
zianse, con,·idnndo-o a vir, mas de maneira que lhe deu a entender · que
o não desejavam. .Mostrou-lhes este pela sua resposta que hem os en-
ten,lia, e lhes declarou , como unha feito ao clero e ao poro de Cesa-
rea , que dava o seu rnto ao Padre Basilio, como o mais digno; pro-
lcstando contra a eleição que se (izcssc por intriga. Nem se contentou
só com escrcHr; pois sabendo que faltava um voto para fazer a eleição
canonica, não obs~antc a sua avançada idade e os seus achaques, que
o reduziam ao uHimo exlrcmo, levantou-se da cama e se fez conduzir a

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OR PERSEVERANÇA.
cerdotes nesta occasaao as impoem tambem é para se contormar
com o costume da primiliva Igreja : costume veneravel , que nõs
ensina que o Episcopado e o Presbyterado não constituem mais que
um só Sacerdocio. O Bispo põe depois sobre o peito dos -ordinan-
dos, em forma de cruz , a estola que, como Diaconos, traziam so-
bre o hombro esquerdo, e lhes diz : « Recebei o jugo do Senhor';
o seu jugo é suave e o seu pes(} é leve. » Reveste ..os ·da Casula,
dizendo-lhes estas palavras : « Recebei o habito sacerdolal , que de·
signa a cbaridade. » E o Sacerdote fica sendo um homem de cha-
ridade , a charidade personificada. A Casula que o Bispo dá aos
Sacerd<>les está pregada pela parte posterior ; para indicar que ain-
da não receberam . toda a graça do Sacerdocio , e só depois de se
lhes conferir o poder de perdoar os peccados é. que o Bispo lh'a
d~~prende. ·
-Depois d'um bello prefacio que annuncia uma acção sublime ,
.o Bispo entoa o Veni, Creaior, para altrabir sobre os ordinaridos o
Espirito Sanclificador, com todos os seus dons. Em quanto o coro
canta, o Pontifice consagra as mãos dos novos Sacerdotes , por uma
abundante uncção do oleo dos· Cathecumenos ; dizendo : <r Senhor ,
dignai-vos consagrar e santificar estas mãos, por esta uncçã~ e pela
vossa benção. » E fazentlo o signal da cruz, continua : cr. Em no-
me de Jesu-Christo Nosso Senhor, tudo o que ellas abençoarem se-

Cesareil, tendo-se por bem p:igo de acabar a vida por oma boa obra.
Ficou eleito S. Basilio, e foi ordenado canonicamente Bispo de Cesarea.
-A Igreja commemora esta ordeoação a U de Juoho.
Eoccrra esta narração bastantes patticularidades interessantes , e
proprias para dar a conhecer a disciplina d'aquelle tempo a respeito das
eleiçoco~. Yê-se, eolre outras cousas, que os Bispos tinham nellas a
principal auctoridade, que concorriam ainda que ausentes; que a plura-
Jldade dos votos prevalecia; que tinham direito de se oppor quando se
}>ertendia tractar om negocio desta importaocia com intrigas e maquina- _
çoens; que os mesmos Bispos de daffereotes proviocaas assistiarn algumas
vezes por procuração, para manter a paz e a unanimidade. (*)
("') Historia dos Sacramentos, t. V, p. .119 e seg.

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150 CHECISMO

ja abençoado, ludo o que consagrarem seja consagrado e santifica-


do. :» Cada ordinando responde : a: Assim seja. »
Ligam-se com uma fita as mãos dos novos Sacerdotes, e ficam
separados os dedos consagrados por um bocado de pão , que hade ~
servir para purifical-os , e o Bispo lhes dá a locar o calix, onde
está vinho e agoa. e a patena com uma hostia ; e ao mesmo tempo
diz : « Recebe o poder de otferecer a Deus o sacl'ificio, e celebrar
a ~Üssa, tanto pelos vivos como pelos defuntos. )) Eil-os Sacerdo-
. tes para sempre, segundo a Ordem de Melchisedech ! A primeira
funcção do Sacerdote é offorecer o Sacriffoio, e logo alli todos o of-
ferecem com o Bispo. A. :Missa~ celebrada assim, traz-nos á memo-
ria o que se faúa nos primeiros seculos; em que não havia mais
que um Officio em cada Igreja, o Bispo estava no allar e todos
os ·Sacerdotes offereciam com elle.
Acabada a Communhão, recita o Bispo esta bella antipbona ,
composta das palavras que o Salvador dirigiu a seus Apostolos, na
effusão do seu coraçCTo, depois de os ter feito parlicipanles do seu
corpo e sangue : « Eu já vos não chamarei servos, mas sim ami-
gos, porque sabeis tudo quanto eu tenho feito enlre vós. Vós sois
meus amigos • fazPi o que _vos tenho mandado. 11 Certifica-se o
Bispo da fe dos novos. Sacerdotes, fazendo-lhes recitar o Symbolo
dos Apostolas; pois Lambem teem a missão de prégar; annunciar
a Fé em toda a sua pureza. Depois disto veem prostrar-se aos pés
do Bispo, o qual lhes impõe as mãos, dizendo : « Recebei o Espiri-
to Santo; aquelles a quem perdoardes os peccados, ser-lhes-hão
perdoados ; aquclles a quem os retiverdes , ser-lhes-hão retidos ; »
e para mostrar a plenitude do seu pod~r. desprende-lhes a casula'
dizendo: cc Deus vos revista com a veste da innocencia, » isto é '
sêde puros e santos , para fazerdes os outros santos.
Então pede a cada um delles respeito e obediencia , porque · a
Igreja é bella e formi<iavel , como um exercito hem · ordenado, e
-, posto em campo ; mas esla belleza não póde manter-se sem a Or-
dem , nem a Ordem sem a subordinaçãõ ; mas a subordinação é
.suave na Igreja : pois tende a unir pela charidade todos os seus
membros e ministros em um só coração e uma só alma. E' por

..

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D& Pli:RSEVEIUNÇA .

isso que o Bispo acaba todas estas 'bellas e tocantes cer~monias da'D·
do o osculo da paz a todos os novos Sacerdotes.
Considerai, tornamos a dizer, todas estas magnificas orações e
apparatosas ceremonias, e dizei-nos se o culto ca'lholico não ~atisfaz
ao mesmo tempo a rasão, o coração · e·: os senlidos (1) ! Que dire-
mos agora da imporlancia do Sacramento da Ordem? Uma palavra
basta para provar a sua necessidade social : não ha sociedade sem
Religião, não ha Religião sem Sacerdotes, não ha Sacerdotes sem
o Sacramento da Ordem : logo sem o Sacramento da Ordem não
ha verdadeira sociedade. Digo verdadejr;i sociedade , isto é, uni~o
d'homens entre si para a conservação e perfeiçfo do seu ser phy-
sicol intellectual e moral ; porque as sociedades antigas, exceptuan-
do a Judaica , eram apenas uma agglomeração de individuas, con-
tidos pela força , e sem outro fim mais que a sua existencia e des-
envolvimento material. As sociedades protestantes, a querer assim
chamar-lhes, devem o seu aperfeiçoam~nto, se leem algum, ás tradi-
ções calholicas que conservaram ; porque os povos não podem viver
senão da charidade chrislã, e não ha verdadeiro Cltrislianismo fo-
ra· da Igreja , nem Igreja sem Sacerdocio. · E' pois lambem ·ao Sa-
cerdoc.io Catholico que os nossos irmãos separados são devedó'res ,da
sua vida social, isto é, do que lhes resta em crenças e costumes ·~).

O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças
por haverdes estabelecido, para vossa gloria e minha salv.ação, dif-

(1 • Veja-se a historia d'uma ordenação entre o~ negtos d'Africa. e


ri impressão que produzio . Ann. da Propagação ~a Fé, o; HO, p. 33!,
l\Ia io de 18,8.
(!) Veja-se Hubíchoo: .tcção do Clero nas Sociedades modernas.

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CATECISMO

ferentes. Ordens de Ministros na vossa Igreja. Permilli, Senhor, qqe


eu seja um filho docil e respectuoso desta Igreja tam santa , tam .
bella, e tam terna para comnosco.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho deste amor,
let·ei o maior respeito ás pessoas consagradas a Deus.

XLIV .ª LIÇÃO.

- DE NOSSA UNIÁO COM O NOVO ADAM, PELA


ESPERANÇA.

O Matrimonio considerado como contracto, - como Sacramento; sna


definição - elemenLos - instituição - effeitos. - Disposições para o
receber. - Trecho historico. - Esponsaes. - Banhos . - Impedimen-
tos dirimentes; - impcdienlc~. - Dispensas. - Liturgia do Matrimo-
nio. - Vantagens sociaes deste Sacramento.

F01 inslituido o Sacramento da Ordem para perpetuar os Minis-


tros Sagrados , e o do Matrimonio para perpetuar os Fieis. Aquel-
les conservam Nosso Senhor Jesu-Christo seqipre presente na terra;
estes nascem e veem ao mundo para o receber. Dest'arte é ao no-
vo Adam e ,á nossa união com elle que se referem , como já dis-
semos, todos os Sacramentos. Pode considerar-se o :Matrimonio de ·
duas maneiras: ou como contracto ou como Sacramenlo. Como
cont~acto, começou no principio do mundo em Adam e Eva. Co-
mo Sacran;iento~ foi insliluido por Nosso Senhor, que elevou o con-
tracto natural a esta dignidade, dando-lhe o poder de produzir a
graça.

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D~ PERSEVERANÇA. 153
De todos os contractos é o casamento o mais antigo , santo e
respeitavel : o mesmo Deus é o seu author ; pois o instituio no Pa-
raizo terrestre , quando , depois de ter creado Adam e Eva
os abençoou, dizendo : Crescei e multiplicai-vos e enchei a terra (1).
Então recebeu A<lam das mãos de Deus a sua inseparavel compa-
nheira, pronuncia!ldo Elstas palavras ,mysleriosas e prophelicas : Eis
'J osso do meu osso, e a carne da minha carne ; por úso o homem
deixará pa,i e mai, para se unir á sua esposa, e ambos não serão
mais qne uma mesma carne ('2). No tempo dos Patriarchas conti-
nuou o Matrimonio a ser o mais sagrado e solemne de todos os
conlraclos , como se mostra da historia <flsaac e Rebeca, de Jacob
e Rachel. Da mesma sorte o foi no tempo da Lei de Movsés, do
que é exémplo o casamento de. Ruth com Boos, de Sara ~om To-
bias·, supposto não passava ainda, como no tempo dos Patriarchas,
do interior do lar domestico, entre parentes e àmigos, no meio das
orações do pai, da. familia e d-0s assistentes , para attrabir a ben-
ção de Dens sobre os novos esposos. Era um simples coo tracto na-
tural e civit. ·
Aproximava se o tempo em que o matnmonio teria por objeclo
dar irmãos ao novo Adam; á Igreja, filhos ; ao mundo\ já não Ju-
deos, mas sim Christãos ; não uma nação carnal , mas santa. Era
preciso pois que o matrimonio , cujo fim se tornava mais nobre e
santo : fosse ennobrecido e- enriquecido das graças necessarias aos
novos esposos. E' o que Nosso Senhor- fez,, elevando o ·Matrimonio
á dignidade de Sacramento.
1. º ·Sua definição. Na Lei nova , o matrimonio é um Sacra-
mento iustituido por Nosso Senhor Jesu-C!tristo , que dá aos qne o
rece'bem dignamente a- graça de se santificar em sei~ estado , educar
ckristamente seus fil!tos, significando a união de Jesu-Chri'sto com
a sua Igreja. O matrimonio dos Catholicos encerr_a todas as qua-
lidades que constituem um verdadeiro Sacramento; é 1.º um signal

(l) Gen. 1. 28.


(!,' Gen. ll, 23.
20

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CA n:c1s1t10

sensivcl, que consiste na tradição _das mã_o s, no mutuo ronsPnlimen-


to que se dão os esposos, na benção do Sacerdote; 2.º e instituí-
do por Nosso Senhor; 3. º tem a 'Virtude de produzir a graç(l, co-
mo depois verrmos. Assill} ·os Santos Padres , que ,·irnram no l.em-
po em que a Igreja llornana. era ainda • como confessam os mes-
mos Protestantes, o infallivel orgão da verdade, chamam ao l\falri-
monio, como lhe chamou S. Paulo, um grande Sacramento (1 ). Eis
um facto bem claro e significalivo. No decimo st->xlo seculo, os
protPstantes publicaram- altamente que a lgreja grega scismatica re-
jeitava como elles o Sacramento do Matrimonw. Em 1074., man-.
daram uma copia da sua confissão de fé d' Augsbourg a Jeremias ,
. Patriarcha scismatico de Constantinopla. Este, convocando um cer-
to numero de Bispos do Oriente. fez uma· sabia refutaçã~ fio sym-
bolo protestante, e disse especialmenle que no Oriente se cria e
sempre se tinha crido que o matrimonio é um dos sete Sacramrn-
tog da Lei nova. (2) ._ O Concilio de Trenlo conhecia pois bem o
sentido da Escriptura e os teslemunhos da tradição quando ferio de
anathema Lodo o que ous_asse dízer, que o malrimonio da Lei nova
não é um Sacramento instituído por Nosso Senhor Jesu-Christo, e
que elle não confere a graça (3).
Seus elementos. Constitue a materia do Sacramento do Matri-
monio o contracto , pelo qual os dous contrahentes se dão mutua-
mente um ao outro. Notemos aqui qual é a dignidade deste Sacra-
mento , tam pouco conlwcida e respeitada em nossos dias , por gran-

-
(1) Tertull. de Monogamia, de Praescript. e. 40; A mbr. Lib. 1 de
i\braliam. é. 7; Aug. lib. de Fide et OperifJ. e. 7; de Dono Conjuy.
e. ~M; Tertull. Ad uxor e. 9; Amhr. Epist. XXV ad Vigil.; Concil. IV
Carlh._ Can. 13; Ori~. Tract. VII in 1Jlatth ; Alh1rn. Epist. aâ Ammo-
nium; Chry~. Romil. LVI in Genes.; Ang. de Nttpfiis et Concupiscenda,
r.. 17. etc.
(2) Divinum Sarrnmcnlnm êss~ a-Lquc unnm ex illis seplem qu~ Chris-
tus ct Aposloli Ecclcsim trndiderunt. Censur orient. eccl. e. Vil.
(3 ) Sess. XXIV.

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DE PERSEn:nAl'iÇA.

tle numero daquelles que o recebem. A sua malel'ia não é a ago'1,


como no Baplismo , nem o oleo santo, corno na Confirmação ou Ex-
lrema-U ncção ; mas sim os templos vi vos do Espirito Santo , e os
membros sagrados de Nosso Senh(lr Jesu-Chrislo mesmo. A sua for-
ma consiste nas palavras e signaes, pelos -qu.aes os esposos exprimem
sua aceitação e mutuo consentimento. E' _necessario que o consen-
tinwnlo se exprima claramente por cada uma das partes e com pa-
lavras de presente. O matrimonio não é simples doação, é lambem
contracto r1 ciproco, que demanda· o consentimento expresso das duas
1

partes ; alem d·isso, as palavras que exprimem o consentimento mu-


tuo devem ter relação ao tempo presente ; porque palavras de futu-
ro o mais que poderiam era exprimir promessa de casamento. As
mesmas partes·· contrahentes são ministros deste Sacramento que ,
em virtude do preceito da Jgreja, deve ser sanlilicado pela benção
do Sact•rdole, e validado pela sua presença. De sorte que o casa-
mento é nullo, se não é feito em presrnç.a do Parocho d'um ou do
outro contrahente, ou d'um Sacerdote com commissão do Parocbo,
e de duas ou tres teslemunhas (1).
:l. º Sua instituição. Crê-se que Nosso Senhor elevou o matri-
monio á dignidade de Sacramento quando honrou tom a sua pre-
sença as nupcias <le Caná. Como quer que sC'ja, o .Apostolo nos
ren•lou a insli lu ição do Sacra menlo tio l\Iatnmonio , quando disse
que a união do homem e ·da mulher é um grande Sacramento em

(1) Prffisrripsit (~anela Synodu~) ... Parachus, ''iro cl mulicrc iatcr-


rogatis, ct corum mutuo roosensu intc\lccto, vcl diraL: Ego vos in malri-
monium conjungo, in uominc Patris, eL Filii, cl Spirtlus Sancli; vel aliis
ulalur \'crhis, juxta receplum uniuscu1usque provinciro ritum ... qui alilcr
quam prmscnle Parocho, vcl alio Sacerdote de ipsius parochi seu ordina-
rii llccntia, ct duobus nl tribus Lcslibus, malrimonrnm l'ODlrahcrc al-
lcntabunl; cos sancla Synodus ad ~ic cootrahcndum omnino inh_abilcs
rc1ldil; ct hujltsmodi conlractus irri los cl nullos esse dcccrnit, prouL
ros prmscnli decreto irritos íacit el annulat. Sess. XXIV, e. 1 ; S.
Alph. 1'heolog. moral, lib. VI, Tract. VI, n. 897; Fcrraris, arl. ~Uatr.
D. 28.

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1ã6 t;ATECISMO

Jesu-Cbrislo e na Igreja {1) dizendo : Este é um ,qrande Sacramen-


to, e é certo que o Apostolo quiz fallar do ·1\latrimonio ; porque -a
união do homem e da mulher, . de que Oeu~ é o aulhor, é o Sacra-
mento ou o signal sagrado do vinculo que unio Jesu-Chrislo á sua
Igreja. Tal é o sentido em que todos os antigos Padres explicaram
estas palavras, e depois delles o Sagrado Concilio de Trento (2).
4. º Seus e/feitos. · Para dar a conhecer os preciosos etfeilos do
Sacramento do l\fatrimonio, basta explicar as ultimas palavras da
• nossa definição: Elle dá aos esposos a graça de se sanclificnrem tio
seu estado , educar cltri'stãmente seus filhos, s(gnificando a união
de Jesu-Christo com a Igreja. Primeiramenle , como os demais
Sacramentos de vivos, o l\'Iatrimonio produz, não a primeira graça .
que de peccadores nos faz justos, mas a. segunda, que faz -o justo
ainda ,mais jnslo ; é só per accidens que este sacramPnlo produz àlguma
vez a primeira graça, perdoantlo o peccado mol'lrtl (3). O matri-
·monio produz atem disso a graça -sacramental , a qual lambem pro-
duz tres etfeilos, 011 como dizem os Padres da lg1:e1a , tres bens
principaes : a graça da fidelidade, a graça da boa educaç.frn, dos fi-
lhos, e a graça da indissolubilidade (.i). Estes lres bens <lislinguem
essC'ncialrnente o Matrimonio Christão, e o elevam muito acima ele
todas as allianças judaicas ou pagãs ; mais eJles são difüceis á natu-

(1) Ephrs. V..


(:2) Scss. XXIV, Procem.
(3) S:icramcnla \'i,·orum aliqunndo primam graliam ronfer"e possuot,
scilicel rum aliquis pulans non esse in slalu pcccali morlalis, vel exis-
limans se conlrilum n.rcedit cum attrilione ao Sacra111enlum. S. Alph .
lih. VI, n. ü. - Veja-se lambem Mgr. Gous~ct, Theolog. moral l. Il,
n 22.
(oi) Donum 4nod hahent nupliro tripartitum est: lides, proles, Sarra-
menlum. ln fidc allendilur ue prmler vinculul!I conjugalc cum allcro,
''el altera roncuba,tur. ln _prole, ut amanter suscipialur, hcnigac nutria-
tur, rcligiosc cducetur. ln Sacramento, ul conjugínm non separetur, ut
dimissus anl dimissa nec cansa prolis allcri conjungt1tur. S. Aug de Gener.
lih. JX, e. i.

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DE PERSK·ViRANÇ·A. 157
reza humana. Por · isso Nosso Senhor , author de todos os Sacra-
mentes, concedeu aos c5lposos tam abundantes graças, . para se tor-
narem dignos delle (1 ). O primeiro dever é vinculo dos casados é
a lidelidafk O esposo e a esposa dão reciprocamente um ao outro
o poder em seu corpo, com 1uramenlo de nunca jamais violar a
sanlà alliança do matrimonio. - O homem, diz Nosso Senhor, deixa-
rá sett pai e sita mãi • e se unirá a sua mulher, e serão dous em
uma só carne ('2). Assim lambem o Apostolo diz que a mulher não
e senhora de seu corpo, mas sim o rnarido ; e que o marido não é
lambem senhor de seu corpo , mas sirn a mulher (3). O dever da
fidelidade é igual a ambos : não ha differença entre marido e mu-
lher. Para facilitar a observancia deste dever ennobrece , fortifica,
aperfeiçoa o Sacramento do Matrimonio o amor natural dos conju-
ges, lra11sformarnlo-o em uma affeição pura, santa , constante, e
bem similhanle á que ha entre Jesu-Christo e a sua Igreja. AfTei-
ç.ão pura ~ne, excluindo tudo o que não seria digno dos Anjos,
IHa· os esposos a viver com sabedoria, honestidade e castidade, co-
mo filhos dos Santos, irmãos e herdeiros do Ceo. Affeição santa,
que , inspirando-se na fé, lhes torn·a suave o seu jugo, e doces os
cuidados que se pro~igalisam. Affeição santa, que, unindo seus co-
rações com indissoluvel laço, apesar da inconslancia natura) da al-
ma e das v icissiludes da vida , os ajuda a su pporlar-se, . a desct.1-
par seus . rnutuos defeitos, e a guardar inv-iolaveis as sagradas pro-.
messas que um ao outro fizeram e juraram ao pé dos santos
Allares.
Desta affrição mutua, produzida pela grJça e ordenada pela Re-
ligião, derirnm os d~vcres particulares dos conjujes a respeito um
do outro. Elia ohriga o marido a tratar sua mulher com suavidade
e (l'uma maneira honrosa, recordando-lhe como Adam linha Eva por
l'Ua companheira, pois disse a ·ne us: .4 mulher que me deste por

'

r1 : Conr. Trid. Sess XXIV, de Doclrin . 8acr. malt.


l21 Matth. XIX, 5.
dO Cor. VII! 4.

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158 CAT~:CISlUO

companheira (1); a orcupar-se honestamente, segundo a sua condi-


ção, seja afim de evilar a ociosidade , mãi de todos os v!eios e
origem da maior parle dos ciumes, das lag-rimas e dissençdes do-
mesticas, s1;1ja alim .de pro\'er ao sustento e manutenção de sua mu-
lher e filhos. Tarnbem o obriga a regular christãmcnle a sua fa-
milia, a corrigir e formar os costumes das pessoas que a compoem,
afrm de conter cada um em seu dever, dt> que resulta a paz e -
felicidade da sociedade domestica de que é chefe.
Esta affeição produzida pela graça, ordena a mulher a obedi-
encia e brand nra que caplivam o coração de seu esposo : o pudor
que a torna respeitavel; a modestia que , excluindo vão~ (lllfeites,
tira a seu marido a causa dos ciumes e lhe deixa- enl 1ever a belli!-
za interior de sua alma. Ouçamos a esle respeito o Príncipe dos
Apostolos: « As mulheres ( diz elle) sejam submissas a seus mari-
« dos, afim que, se llouverem alguns c1ue não crPiam na palavra,
« se convençam sem a palavra, pPla boa vida de suas nrnHwres ,
« quando co'nsiderare1_n a rrnr~za de nossos costumes e o respeilo
<e que lht~S tendes. Não Yos adorneis exteriorm<'nle • compondo
<e os cabellns com arle , ou enfeitando-vos com ouro ou i·icos ln~­
<e 1es; mas adornae o homem invisivel qne está no coraç~o, pela
« pureza incorrupli vel d'um espirilo de ·mansidão e de paz : este é
« o rico enfeite aos olhos de Deus, porque era assim que em ou-
a:: lro lempn se adornavam as i;;anlas rnulberes , que e~pt>1\1vam em
<e Deu~ e obed ceiam a :;eus maridos. Tal era Sara que obedecia
« a Abraham e lhe chamava s1~u senhor (~). ))
Outra consequencia desla affeiçãu chrislã é o cuidado que a
mulher deve ter de não amar nem estimar a uingul'm tanto abaixo
de Deu_s como a seu marido ; isto é , quaesquer que seiam suas
qualidades, visto que não é pe.!as virtudes ou vicios de nossos su-
periores que. deve re~ular-se nossa affojção e respeilo , mas pelo ti-
tulo de superiores; ernfim a Yigilaule sollicitude que ella de,·e em-

(1) Gcn. II!, 12.


(!2) 1 Pctr. Ili, 1, 2 1 etc.

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' OE P~RSEVERANÇA . 159
pregar nos negocios domesticos , afim de que a ftconomia, a ordem,
e bom governo da casa façam que seu marido ache nclla a paz e
feiidade domestica. E'. por es5\a rasão que a mulher chrislã deve
~ de boa vontade viver o mais cio tempo em casa, e sahlr só por
necessidade, e ainda com permissão de seu marido. A esposa que
quer conservar a paz domestica, adquirir uma ascendencia legiti-
ma sobre seu marido, e transformar a sua casa n'um paraizo · ter-
restre , use pois constantemente dos conselhos se~uintes· , usados
com tanto proveito por todas as santas mulheres ; . O ~·ar , trabalhar.,
soffrer e calar-se. -
O segundo dernr das pessoas casadas, e para o cumprimento
do qual lhes dá o Sacramento uma graça especial, é a educação dos
filhos. Esta graça lhes faz desde logo considerar os filhos como uma
benção. S. Paulo faz disto tanto caso que diz : A rnulher será sal- .
va 11elos filhos que der ao rmrndo (1). Isto não deve entender-se
só tia geração d os filhos , mas lambem de sua educação e uo cui-
dado de os formar na piedade ; porque o Apostolo accrescenla logo:
.'ie elles permanecerem 1w fé. Ainda que a educação seja um de-
ver commum dos pais, parece pertencer mais especialmente á mãi.
D'uma parte, é clla que eslá mais frequentemente ·com elles, so-
breludo naquella idade tenra, em que as impressões recebidas dcci-
dPm ordinariamente do resto tia vida ; d'outra parle, porque Deus
a enriquece de mais abundantes meios, para os educar : assim lhe
e bem lH'Cessaria a graça do Sacramento; es la graç.a que lhe dá '
b.em como a seu marido , a prullcncia, a doç.ura, a firmeza, a vi-
gilar.cia, a paciencia de que tanto carecem para desempenhar di-
gnamente. esta especie de sacerdocio . que muito os honra. E' es-
ta gra~·.a que lhes ensina a ·considerar seus filhos como um deposito
sagrado, f!Ue o mesmo · Deus lhes connou e do qual lhes tomará con-
t.a , sangue por sangue, alma por alma ; e com esla consideração
faz que evitem em sua presença toda a palavra ou acção que possa
escandalizai-os ; cm summa, é rsla graça que lbes diz que Deus não

(1.) l Tim . li, rn.

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160 CATll:CISMO

lhes deu filhos para fazer delles sabios , . ricos , felizes no · mundo ,
mas santos. Como succede pois que tantos pais_e mãis querem igno-
rar estes 'primeiros principios de suas obrigações, e em logar <le os
seguir infringil-os conlinuamenle?
O· terceiro dever ou effeito do Matrimonio cllristão, para o qual
o Sacramento confere uma graça particular , é a indissolubilidade.
O vinculo do :Matrimonio entre os Fieis não pode romper-se senão
por morte. A legislação de fodos os povos catholicos , fumlando-se
nos princípios do Evangelho, põe em o numero dos crimes puniveis
o divorcio , lam energicamente chamado o sacramento do adulterio.
A inclissolubihdade é um dos maiores beneficios do Sacramento do
Matrimonio ; porque della depende a honra. das familias , a prolec-
ção da mulher, a garantia dos costumes publicos e domesticos. a
educação e a mesma vitla dos filhos, assim como a força da socie-
dade. Mas este jugo perpetuo pode algumas vezes tornar-se pesa-
do, e é por isso que Nosso Senhor facultou aos esposos, no Sa-
cramento do :Matrimonio , as graças necessarias para o supporlarem.
O cumprimento destes deveres produz a perfeição do Mal ri mo-
nio chnstão, que consiste em representar a união de Jesu-Chrzsto
com a sua Igreja. Nisto consiste o glor10so privilegio e o mais
bello dever dos conjuges, dever que, bem metlitado, inclue lodos
os outros, e que, fielmente cumprido, assegura a felicidade do mun-
do. O úivino Salvador quiz que sua santa e casta união com a
Igreja se representasse e tornasse sensi vel em todas as familias en-
tre o marido e a mulher, afim de que cada familia fosse uma igre-
ja domestica, e desta sorle a sociedade , que não é senão o aJunla-
rnento de totlas as familias , fosse um povo de santos. Foi por is- _
so que elle elevou o M·atrimonio á dignidade de Sacramento. Ora,
os esposos representam a união de Jeau-Christo com a Igreja pelo
modo seguinte : .
Jesu-Christo <leixou seu Pai para unir-se · á Igreja, assim o ho-
mem deixa pai e mãi para unir-se a sua mulher. A Igreja for-
mou-se de JE:su-Christo morto na cruz, assim a mulher se formou
do homem durante o somno. Jesu-Chrislo é chefe da Igreja , o
marido é chefe da mulher. Jesu-Christo protege a lgr~ja e a diri-
ge e conduz ao Ceo ; o marido dt!ve ser o proteclor, o guia de

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DE PERSEVEh.ANÇA. 161
sua esposa, e mostrar-lhe o caminho do Ceo, mais por seus exem-
plos que por suas palavras. Jesu-Christo e .a Igreja fazem um só
corpo, um só espirito os anima ; :o mesmo é o homem e a mulher,
que não são mais que uma só carne , um só espírito deve animal-os.
Jesu-Christo ama ternamente a Igreja , mas o seu amor tem por
fim a sua felicidade eterna ; e a Igreja, da sua parte , respeita a
seu divino Esposo e lhe guarda uma inviolavel fide1idade: da mes-
ma sorte o esposo deve amar sua esposa , mas com o fim da sua
salvação ; e a esposa deve respeitar seu esposo, e guardar-lhe uma
inv-iolavel fidelidade. Je~u-Christo está inseparavelmente unido á
Igreja ; assim o devem estar o esposo e a esposa ; a sua união é
indissoluve1, e só pode romper-se pela morte.
D'aqui se segue que o sagrado vinculo uo Malrimonio não pode
contrahir-se senão entre um só homem e uma só mnlher, e que a
polygamia, isto é, a pluralidade de mulheres, aimla que tolerada na
antiga Lei, para a propagação do genero humano, é absolutamente
prohibida na Lei nova ; pois se fosse ainda practicave1, o Malrimo-
nio deixaria de representar a união do Salvador com a sua Igreja ,
o que lhe dá particularmente ,a dignidade de Sacramento (1). Taes
são os effeitos do Sacramento do Malrimonio.
o.º Disposições para o r_eceber. Para participar deslas graças e
effeitos devem os con1ujes dispor-se com grande cuidado para cele-
brar o Matrimonio. Assim como depois da primeira communhão ,
não ha cousa mais importante que a escolha d'um estado, assim
lambem o l\Iatrimonio é de todos os actos aquelle que mais jnflue
na sorte dos conjujes, das familias e da sociedade : por consequen-
cia não ha outro que requeira mais disposições; mas é desgraça-
damente para o celebrar que de ordinario se levam menos. As
disposições para o Matrimonio são :
-Em primeiro lugar a vocação. A Divina Providencia pondo-

(1) Tal é o. sentido que os Th~ologos dão a esta palavra de S.


Paulo : Sacramentum hoc magnum est, eao aulem dico in Christo et in
Ecclesia. Veja-se Filassier, t. 1.
21 V

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-
1
162 CATECIS'10

nos nesle mundo, destinou a cada um de nós para um estado par-


ticular, para o qual nos chama e convida ; se nelle entramos, gra-
ças especiaes, proporcionadas a nossos deveres, nos sfo resrrvadas ,
e- a salvação se torna mais faril ; sr:, pc~lo contrario o não segui-
mos , somos privados destas graças Pspeciaes, e então como nos sal-
varemos '? Aquelle que está fora da sua Yocação é desgraçado des-
de esta vida ; é como o membro desconjuntado, que soffre e faz
soffrcr lodo o corpo; como o viajante que errou o caminho, que
corre, e se cança em vão por chegar ao fim da sua viagem ; é co-
mo o peixe fora d'agua, que estrebuxa, palpita e morre. Os me10s
de conhecer a vocação são : ler uma vida casta , piedosa e verda-
deiramente christã durante a juventude ; pedir a Deus todos os dias,
por meio de algumas orações ou boas obras , a graça de conhe~er
a sua vocação ; tomar conselho com seus pais , com pessoas temen-
tes a Deus , e sobre tudo com o seu confessor , mas muito tempo
antes de se decidir e não na vespera de acceitar um partido ; per-
guntar <le veras a si mesmo, qual é o estado em que , attentas as
suas disposições, poderá salvar-se mais facilmente , e o que no mo-
mento da morte quereria antes ter feito ; emfim , perguntar a si
mesmo o que responderia a uma pessoa que, estando em igual po-
sição , tendo as mesmas qualidades e os mesmos rlefrilos , o viesse
consultar a respeito da sua vocação.
A segund~\ disposição para o l\fatrimonio é uma grande pureza
de intenção. E' preciso tomar o estado na intenção de agradar a
Deus e cumprir a sua vontade sanlissima , e não por capricho, pai-
xão, ou sordido interesse, que transforma o l\fatrimomo em ignobil
mercancia. Assim, o primeiro motivo que pode haver , é soccor-
rer-se e ajudar-se mutuamente, afim de supporlar mais facilmente
os incomrnodos da vida . as enfermidades e penas da velhice . O
segundo, é o desejo de ter filhos, menos para os deixar herdeiros
de seu nome e riquezas , que para dar a 0-eus senos fieis. Tal
era a intenção _ dos Santos Patriarcbas da antiga Lei (1). Oulro

(1) Tob. VI, 18.

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OE PERSEVEllANÇA. 163
I

rnolivo igualmente approvado pela Religião , é o temor de não re.;.


sistir aos ataques da concupiscencia (1 ).
A terceira disposição para o :Matrimonio é o estado de graça ;
porque sendo, como é o Matrimonio um Sacramento de vivos, aquel-
le que ousa tomar parle nelle e·m peccado mortal torna-se culpado
d'um horrivel sacrilegio. Para. melhor se prepararem para elle de-
vem os conjuJes evitar muito as occasiües de perigo, dar esmolas,
orar, ou fazer ou lras hoas obras , e redobrar o fervor para r~ce­
ber os Sacramentos J,1 Penitencia e Eucharislia. Aconselham mui-
tos que neste momento decisivo se faça confissão geral de toda a
vida, o~ ao menús desde a primeira Communhão ; mas para isto
não é preciso esperar pelo momento de casar. Oh ! quantos casa-
dos vivem em trabalhos e lagrima" por não terem tomado estas pre-
cauções ! Quantos crimes se seguem ao da profanação do Sacra-
nwnlo do l\Ialrimonio ! E' esta . não hesitamos dizei-o , uma. das
maiores chagas da sociedade. ,
Para evitar esta desgraça, aquelles que perlendem casar devem,
como acabamos de dizer, preparar-se muito tempo antes , pe1a ces-
saçã_o do peccado , por boas obras e fervorosas orações. Assim -fa-
zem ainda um pequeno numero de pessoas Yerdadeiramente chris-
tãs . Da alguns annos que um joven medico ce]ebrou em Pariz o
Sacramento do Matrimonio com dis~osições lam edificantes, que é
ulili"simo publicai-as. 'Era no mez de Outubro de 1829 ; um de
seus amigos o introduzio n'uma casa recommendavel," fau;ndo-lhe es-·
perar a mão d)uma filha unica, tam piedosa como o resto da sua
familia ; e de fado foi ella logo promellida cm casamenl.o ao joven
doutor, cuja mudeslia tra igual á sua sciencia.
Quasi dous dias ante~ da ceremonia nupcial, foi o noivo procu-
rar a mãi de sua futura esposa, e lhe pet.Jio licença para fallar com
ella' em particular. « Não é possivel , meu Senhor, respondeu a
mãi com modo attencioso, minha filha ha dous dias que não ·passa
bem e carece de descanço. l\las, minha Senhora, eu· sinto muito

(1) Cor. Vil, 2; e Catech. do Cone. de Trento.


*

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164 CATECISMO

não poder conversar um instante com a menina,· que apenas tive a


satisfação de ver tres ou quatro vezes na sociedade ; até aqui ainda
não achei occasião de lhe exprimir com franqueza os meus senti-
mentos, e conhecer os seus. - Sinto muito não poder satisfazer aos
vossos desejos, porem minha filha não costuma mostrar-se. - Pois
tinha !Jffia cousa de muita impórtancia a communicar-lhe. - Cha-
mai-a-hei se quizerdes, e lhe podereis fallar na minha preslmça ; a
só por só nunca ella se vio com homem nenhum. - Mas (\U em
breve serei seu esposo t - Quando o fordes já minha filha me não
pertencerá, mas ~ntretanto heide cumprir para com ella os deveres
d'uma mãi chrislã e prudente. - Oh, minha Senhora , exclama ' o
medico, nesse caso cumpre-me confiar-vos as minhas intenç.ões. Eu
fui educado por pais religiosos , e sempre me conservei fiel a esta
Religião santa que vos inspira tam · louvavel procedimento. A indif-
ferença que ha desgraç.adamenle entre os homens da minha facul-
dade talvez vos causou alguma suspeita , mas dessa indifferença é
que eu estou tam longe . <le participar, que pelo conlrario faço Lim ·
bre de seguir em ludo as practicas da nossa Fé ; as quaes quanto
mais esludo , mais admira veis e respeita Yeis me parecem. Se Lenho
insistido tanto em me concederdes uma conferencia com vossa filha
é porque desejava sondar as suas disposições a este respeito, e pe-
dir-lhe se disposesse por meio cC.uma confissão, geral para receber )
com a benção nupcial , todas as graças que lhe estam ligadas. J>
A estas palavras, a mãi se entHneceu tanto que abrªçon cho-
rando o virtuoso medico, e disse-lhe: « Está bem , meu filho, vin-
de e conversaremos todos juntos : · dizei a vossa esposa que vos cha-
mei meu filho. Piedoso joven, os. vossos sentime11los affiançam-me
a vossa ventura e a de minha filha. D
O :Metltco não se limitou a isto. Por espaço d'oito dias cele-
brou-se o santo sacrilicio para allralm as bençãos do Ceo. Más
o que foi mais bello, terno e ediílcanle foi ver no dia do casamen-
to os dons esposos ajoelhados á sagrada Mesa, um acompanhado do
seu resp~itavel pai e de sua mãi que chorava de enternecida, e ou-
tro de sua mãi e sua avó , que receberam juntamenle com seus di-
gnos filhos a Communhfto das mãos do Celebrante. Que bello exem-
plo para a mocid.ade· ! que lição para tantos _pais inditferentes ou

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ü~ PKRS~YERANÇA. 16õ
jmpios 1 Que vos parece? Se todos os casamenlos se parecessem
· com este , não estaria a sociedade mais feliz e tranquilla ?
Tudo o que acabamos de dizer mostra qual é a santidade do
casamento entre os Chl'istãos. Se elles pude~sem duvidar do cui-
dado com que lhes con vem e são obi·igatlos a preparar-se para este
Sacramento , tarn imporlante para a sociedade cor~o para a Religião,
as mil precauções de que a Igreja faz preceder a sua recepção bas-
tariam para ensinar a todos qual é a importancia da união conjugal,
e com que temor devem contrahir os formillaveis encargos que se
lhe seguem.
Todos os porns, ainda os pagãos, fizeram preceder ao matnmo-
nio os esponsaes, que eram como preparação para elle. Chamam-se
esponsaes a mutua promessa que fazem homem e mulher, para isso
habilitados, de um dia contra/tirem o matrimonio. << Para que os es-
ponsaPs sejam validos e obrigatorios é preciso que a promessa seja
verdadeira e sincera , feita por duas partes com liberdade e deli-
beração, e que se.Ja manifestada por palavras 'ou signaes exteriores.
Os esponsaes leem por fim dar ás duas parles tempo de s~ conhe-
cerem e examinarem , e deliberarem maduramenle, antes de dar um
passo que os une para sempre, e verem se o futuro casamento terá
todas as condições necessanas á sua mutua felicrllade nesta e na
vida futura.
São antiquissimos os espq_nsaes ; já os Judeos os celebravam
quasi com tant~ solemnidade como as nnprias (1). Esla ceremonia
usava-se lambem entre os povos pagãos ~ e como nada tem de con-
tral'ia á Religião conserva-se no Chrislianism•) : a Igreja até mesmo
a santificou pela oração e a presença de seus ministros. Era costu-
me entre os Romanos enviar á fnlnra esposa um annel de ferro sem
ornamento algum de pedrarias ('2). Dest'arlc os esposos faziam sua
mutua promessa, um tlando o annel , o outro aceitando-o (3). Os

(1) Phil. lib. ele special. legibus.


(2 l Plínio, Hist. nalur. liv. XXXIII. e. 1.
(3) Por isso Terlulliaoo lhe chama anni,/us pronubus.

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166 CATECIS!\10

antigo3 Francos em lugar <lo annel davam algumas pC'ças de dinhei-


ro que a futura esposa aceitava ·por esponsaes ; ceremonia esta que
nascia do antigo costume dos povos pagãos compi:arem as l}Hllheres
com quem havião de casar, f1orque o Paganismo considerava a mu-
lher escrava <lo homem. Graças ao novo Adam, que mudou as ideas
a respeito da mulher ; a qual todavia se não deve esquecer, quando
vir benzer a moeda d'ouro no dia do casamento. da antiga origem da-
quella ceremonià ; e a quem ella deve o differente tratamento e
consideração que hoje tem.
Concluidos os esponsaes , publicam-se os banhos. A palavra
banlto (1) significa proclamação publica. Quer a Igreja se denun-
ciem aos FiPis os futuros casamentos: 1.º para que todos orem _a
Deus se digne dar aos novos conjnges as ~mas bençãos, de que nun-
ca tanto precisaram como nesla occasião; 2.º para que o contracto
se faça sem impedimento. Os b1nhos devem publicar-se regu1armen-
te em tres Domingo3 ou dias saolificados consecutivos, á estação ou
solemuidade da l\liss(), e 1slo em uma ou c.liffonlntes parochias , se-
gundo a idade, posição ou domicilio das partes.
Feita a publicação , o Sacerdote diz em voz alta: (C Se al-
guem souber de algum impedimento entre estes conlrahentes, o de-
ve declarar debai'to das penas impostas pela Igreja. >> Estas pe-
nas são graves, e é peccado mortal não dar parle do impedimrnto
de que se sabe. A obrigação de revelar os impedimentos não affe-
cla somenle os habitantes da respectiva parochia, mas a todos que
delles Leem nolieia , pois as leis da Igreja a esle fim são nniver-
saes, e por isso obrigam a lodos os Fieis. Nisto interessa o bem
publico, a paz das familias , a tranquillidade do ·Estado, e o não se
profanar este Sacramento , ao que se devem oppor todos os Chris-
tãos.
Publicam-se pois os banhos para ter noticia dos impedimentos
que poderiam obstar ao casamento. De facto, não é nem jamais foi
prrmillido rm nenhum 'povo culto casar indi8linctamente com toda a

( 1) E' lermo do Allcmão.

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IH: PERSEVERANÇA. 167
sor·Le de pessoas : a mesma natureza o prohibe. Ora, ha duas sor-
tes de impedimentos; uns~ que tornam o matrimonio nullo, e por
isso se chamam dirimentes ; outros, que não annullarn o matrimonio,
mas fazem que se não possa contrahir sem peccado , pelo que se
chamam impedienles.
Os iºmpedimentos dirimentes que aos Fieis mais interessa conhe-
cer são os seguintes :
1. º O erro. Pedro, por exemplo, .quer casar com Tbereza ; iJ-
ludem-o e o fazem contrahir com Catharina.. crendo elle ser There..,.
za: é nullo o matrimonio porque versa sobre erro de pessoa. Este
impedimento é de direito natural, pois a primeira condição de qual-
quer contracto é que as partes conheçam ao que se obrigam.
2.º Voto solemne de castidade. O frade ou freira, ou -0 orde-
nado de ordens sacras não podem casar-se; e se o fizerem é nuJlo
o matrimonio. o que fez voto de castidade contrahio uma alliança
com Jesu-Christo ; a elle se deu e dedicou , e já não pode dispor
do seu eorpo nem do seu cora9ão. Este 1mped1mento é posto pela ·-
Igreja, afim de obrigar os que se dedicaram a Deus a cÚmprir sua
promessa. De facto, nada ha mais sagrado que a solemne promes-
sa feita a Deus~ e naJa dal'ia maiores escandalos qne a infracção e
desprezo deste genero de promessas. Para os evitar estabeleceu pois
a Igreja o impedimento de que traiamos : e ha por ventura cousa
mais prudente e util á sociedade e á Religião?
3.º O parentesco. E' prohibido com pena de nu1Jidade aos pa-
. rentés por linha colJateral até ao quarto gráo o càsarem-se. Para conhe-
cer em que gráo de parentesco estam duas pessoas entre-si a respeito do
trouco commum é esta a regra: são tantos os gráos como pessoas des-
cendem · do pai commum excfosi'vamente. A Igreja p9z este impedi-
mento até o quarto gráo, afim de estreitar os laços da charidade
entre os homens , obrigando-os. a conlrahir aJlianças com outras fa-
·rnilias. O'aqui se vê quam bem ella cornprehende o espirito de seu
divino Esposo, que é faze~ de todos os homens um só povo de ir-
mãos.
Alem deste parentesco de consanguinidade ha lambem o cha-
mado párentesco espiritual , o qual se contrahe pelo Sacramento do
B~plismo e o da Confirmação : 1. º entre o que baptiza e o bapti-

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168 CA'l'ECISMO

zado e o pai e mãi deste, de sorte que a pessoa que baptizou não
· pode casar nem com o baptizado nem com seu pai ou mãi ; 2. en- 0

tre o baptizado ou confirmado e o seu padrinho ou madrinha do Ila-


ptismo ou Conhrmação : de s9rte que nem o padrinho nem a madri-
nha podem jamais casar com o baplizado ou confirmado ; 3. º entre
o padrinho e madrinha do Baptismo ou Confirmação e o pãi e mãi
do baptizado ou confirmado : de sorte que nem o padrinho nem a
madri_nha podem jamais casar com o pai ou mãi deste , se viuvarem,
sub pena de nullidade.
Foi a Igreja quem poz este impedimento ; pois com rasão con-
sidera como pais e mãis espirituaes os que concorreram para a vida
espiritual do Chnstão. Ora, para tornar respeilavel este titulo , e
fazer fielmente cumprir as sagradas obrigações, por elle conlrahidas,
prohibe a estes se casem com seus filhos espirituaes ou com seus
pais segundo a carne : aos olhos da Igreja uns e outros são proximos
parentes ; e os proximos parentes não podem casar-se entre si.
. 4. º A dispari'dade do c'Ulto. Não é licito aos Cbristãos casar
com os mfieis não baplizados; e. se o fizerem, é nullo o casamento.
Não succede o mesmo ao casamento com herejes; o qual é prohibi-
do sim, mas não é nullo, se alias não ha outros impedimentos. Foi
lambem a Igreja que poz este impediJllento , que é outra prova da
sua maternal sollicilude. Desde sempre desejou ella que seus filhos
se não ligassem com os infieis , nem ainda com os berejes ; cuja
companhia é as mais das vezes muito mais perigosa aos Cathohcos
do que -a dos Catholicos ulil a elles. Recommcnda S. Paulo se evi-
tem estas allianças (1). Todavia, se bem que a _Igreja não approva
este genero de casamentos, ha muito que os tolera , e não os consi-
dera irritos. Até algumas vezes foram elles mui uteis, não só para
a conversão da mulher ou marido infiel, como lambem para a de
nações inteiras , que piedosas mulheres trouxeram á fé, convencendo
seus maridos, que governavam essas nações, a submetter-se ao jugo
do Evangelho.

11 Cor. II, 6; Tcrlull. Ad uxor. lih. JI.

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- ·~

DP. PERSEYERANÇA. 169


A conversão <le Clovis, e por consequcncia a de toda a França,
é devida em parte a S. Clotilde , esposa daquelle principe. Theo-
delindª, rainha dos Lombardos, que foi casada corri dous de seus
reis, foi o instrumento de que Deus se servio para tirar aquelle po-
vo do Paganismo e do Arrianismo. S. Monica, casou com o pa-
gão Patricio, o qual por sua causa se fez christão. S. Nonna, mãi
• de S. Gregorio Nazianzeno, casou com um marido infiel , a quem ,
por suas orações e incessantes admoestações , conseguio se con-
vertesse.
Diremos aqui, para inslrucção das esposas christãs, os meios de
que se servio S. l\fonica para converler seu marido : cc Quando mi-
nha -mãi, diz S. Agostinho, tinh_a a idade cotnpetente dei·am-lhe um
marido à quem servia como seu senhor. Todo o seu desejo era fa-
zei-o catholico. O' meu Deus ! ella lhe fallava de vós incessantemen-
te ; não com a Jingua, mas com a innocericia de seus costumes; era
este o unico enfeite que a tornava agrada vel a seu marido e digna
das suas attenções. · Sotfria com tal paciencia as suas infidelidad~s
que jamais o exprobrava por ellas. Era elle ext1·emamente colerico,
e minha mãi conhecia que, para lhe vencer o genio, importava não
teimar· com elle nem por palavras nem . por obras. Quando lhe pas-
sava o fogo da ira, então lhe dizia ella algumas vezes a razão por--
que tinha obrado deste ou daquelle modo, se ·era esse o motivo que
o havia irritado. Se as mulheres do bairro , cujos maridos eram
muito mais brandos de genio, se queixavam do seu máo trato, minha mãi
lhes respondia co-m ar alegre, que no dia que ellas tinham consen-
tido nos seus casamentos, haviam assignado o contraclo da sua ser-
vidão, e assim deviam lembrar-se. do que eram, e não censurar a
· seus senhores.
« Como· todas conheciam o máo genio de seu marido , admira-
vam-se muito que nunca ralhassem nem contendessem como é tam
ordinario na vida domestica. Dava ella a rasão indicando-lhes os
meios de que se servia, que eram os que acima disse, e aquellas
que os adoptavam conheciam quanto eram uteis. Sua modestia e
brandura de tal _sorte captivaram a sua sogra, a quem algumas
creadas procuravam irritar contra ella com suas intrigas, que de
seu molu proprio as accusou a seu marido , como linguas damnJ.-
22 V

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170 CATECISMO

das , que perlurba vam a paz e socego da casa. Despcdio-as Patn-


cio a todas, e proLestou de fazer o mesmo a qualquer que de futu-
, ro, para se congraçar com elle, tentasse malquistal-o com sua es-
posa. O' meu Deus! a ultima acção louvavel que ella fez para com
meu pai foi trazei-o, pouco antes da sua morte , ao gremio ·da \'os-
sa Igreja (1 ). »
I. . onge pois de condemnar estes casamentos, que temos mencio-
uado, a. Igreja deu muitos louvores a Deus pelas graças com que
tam abundantemente os abençoou , se bem não approva gei·a]mente
fallando este genero de allianças que podem ser mui funestas a al- ~
mas triviaes. Assim que o Paganismo estava quasi exlincto, prohi-
bio a seus filhos, sub-pena de nullidade, os casamentos com infieis;
e se . os não prohibe <lo mesmo modo com os herejes , faz quanto
pode pelos evitar ; e quando , altentas graves rasões enlende dever
1

auctorisal-os, tira-lhe logo todas as condições que jnlga necessarias,


para que não sejam funestos á salvação de seus filhos. Por exem-
plo : que -os fil!tos que tiverem sejam e<lucados na Religião catholi-
ca; que ó conjuga catholico não será levado para -algum paiz onde
não possa exercer a sua religião; que este mesmo nada poupará
pal'a converter ao catholicisrno o hereje.
5. º Violencia. Se o consentimento de uma das partes não é , .
livre, porem extorquido por violencia ou medo, é nullo o matrimo-
nio. Este impedimento é de <lireilo natural ; pois a condição indis-
pensavel de qualquer contracto é a liberdade das partes.
6. º Publica !tonestidade. Se alguem <leu esponsaes a uma pes-
soa, e estes vem a dissolver-se, Já por voto solemne de castidade
de uma das partes antes de consurumado ·o matrimonio , já por mu-
tuo consentimento, já cmfim por matrimonio celebrado com outrem,
não pode receber-se nem com a mãi ou pai , nem irmão ou irmã
da pessoa a queJTI tinha dado esponsaes validos , e se o fizer é nul-
lo o matrimonio. Este impedimento pois não passa do primeiro
gráo. A Igreja. o estabeleceu para fazer respeitavel a promessa · de

(1) Cooliss. liv. IX, e. 9.

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DE PERSEVERANÇA. 171
casamento feita a uma pessoa, afim que não sejam causa de um sém
numero de desordens, e nem se façam com leviandade ~ inconside-
radamente.
7. º Affinidade. lia duas especies de affinidade ; uma, que re-
sulta de rnalrimonio consummado ; outra de conjuncção illicila en-
tre pessoas não casadas. O impedimento que resulla <lo tracto illi-
cilo faz que nenhuma das partes possa casar com parente da outra
até O segundo gráo inclusivamente, e se O fizeF é DUJIO O matrimonio.
A afílnidade que nasce do matrimonio consummado torna o marido paren-
te de todos os consanguíneos de soa mulher· e vice versa ; de sor-
te que morrendo um, não pode o outro casar-se com seus recípro-
cos consanguineos até o quarto gráo inclusivamente, sub-pena de nul-
li<lade do casamento. ~stes impedimentos tam multiplicados entre
parentes leem por fim já o manter o mutuo respeito e reverencia
entre pessoas que teem entre si facil accesso; já impedir que as ri-
quezas não 'enham pelo -tempo adiante a acumular-se em algumas
poucas familias. Assim alem das rasões moraes e espirituaes, a Igre-
ja attende lambem ao mteresse politico dos Estados.
8. º Rapto. E' o roubo d'uma- pessoa seja contra a· vontade
desta , ou contra a ue seu pai ou mãi , ou - de seus tutores ou cu- ·
radores. Neste caso não pode receber-se a pessoa roubada sub pe-
. na de nullidade , a menos que antes a não posessem em plena li-
- herdade. Que c·ousa mais util á moral que este impedimento~
9.º Clandestinidade. Para que o casamento seja valido, deve
ser feilo em face de Igreja , em presença do Parocbo , ou d'outro
padre por elle commissionado, estando presentes as parles ·e duas ou
trez testemunhas. Este impe~imento tem por fim evitar os enormes
abusos ttne se faziam antes desle decreto do Concilio de Trento.
Os impedimentos impedientes são trez : 1." o voto simples de
castidade, o voto simples de religião, ou de não casar ; !. º espon-
saes valz"dos; commetteria peccado o que, tendo (]ado esponsaes a
uma pessoa, se casasse com outra , subsistindo ainda os esponsaes;
3. º a proltibição da Igreia : não é permittido casar, sem dispensa,
desde o primeiro domingo do Advento até ~o dia de Reis inclusi-
vamente; ~ d_esde a quarta feira de cinza até á oitava da Pascoa
inclusivamente. Sendo este tempo do anno dedicado especialmente

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172 CATECISMO

á oração , Jejum e recolhimento , mui justo era se prohibisêem nel-


lc as bodas ; tanto mais que aos christãos muito importa o occupa-
rem-se então mais do seu estado eterno cm o Ceo que do seu es-
" lado temporal na terra (1).
Taes são os principaes impedimento·s do matrimonio ; cujo fim
é o bem das almas , o interesse da sociedade 'e a honra <la Relí-
g1ao. A Igreja tinha. lodo o direito de os estabelecer , lendo-lhe
confiado seu divino Esposo, aulhor dos Sacramentos , a dispensa-
ção e administração deites. Foi por este justo titulo que o Sagrado
Concilio de Trento ferio de anathema todo aquelle que ousasse dizer o
contrario.
Todavia, posto que sejam prude_ntes e uecessarios estes 1mpe-
<lirnentos, podem dar-se causas· justas para dispensar nel1es ; 11em a
Igreja se recusa a isso, quando assim o· exige o bem de seus fi-
lhos. Algumas ·rnzes é preciso recorrer a Roma para impetrar es-
tas dispensas, e dar por ellas certa quantia, e· diremos porque mo-
tivos. Primeiramente é justo que, para manter a dignidade da sua
jerarchia, e aucloridade suprema, reserve só a si o Summo Ponti-
fice o direito de dispensar em certos casos das leis geraes da lgre-

(1) • Em nenhum tempo do anno he prohil>ido ronlrahir-se l\fotri-


monio de presente em face de Igreja; porem eram prohibidas por direi-
to as solemnidadcs dclle; a saber, benções malrimoniaes, banquele , e
;1companhameolo cm certos tempos <lo anno ; mas o Sagrado Concilio
Tr1dcntioo restring10 este lcmpo do primeiro Domingo <lo Atlvenlo até c.lia
da Epiphania ioclusivamcute, e de quartá feira de Cinza ate Dorainica in
Aluis, outro si inclusivamente. Pelo que ordenamos e mandamos aos Pa-
rochos do nosSÓ Bispado, que ass1 no dilo tempo, como cm qualquer ou-
tro que requeridos forem por parle <los noiYos, os recebam cm far.e <le
Igreja .... sem pera isso ser ncccssaria licença nossa ou de nosso Pro,·i-
sor, e admoestarão aos conlrahenles, não cohabilem, em quanto em tem-
po legil11uo não receberem as bcoções, que serão obrigados a receber ,
dentro cm oito dias, depois de acabado o tempo da ,prohibição, e não
as recebendo dentro ncllcs, serão evitados dos ofticios Divinos. • Const.
Dioc. do Porto, \iv. 1. l1t. 10. · Consl. 7. § 1. NoTA no TRADUCTOR.

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OE PERSEVERANÇA. 173
ja. Em segundo Jogar , na idade media, quando a Europ~ estava
dividida em um sem numero de pequenos Soberanos, que não co-
nheciam outras leis que as suas paixões , não tinham os Bispos au-
ctomlade bastante para fazer respeitar as leis concernentes ao Ma-
trimonio; e a maior pat"le destes príncipes não se importavam com
suas sagradas obrigações , dando por isso a seus vassallos o mais
pernicioso exemplo. Era pois absolutamente necessario que os Pa-
pas, que não estnam debaixo da dependencia destes priucipes ve-
lassem pela conservação desta parle essencial da disciplina , e re-
servassem a si as dispensas, para que a difficuldade de recorrer a
Romà moderasse a malicia que tinham os particulares de s~ evadi- -
rem ás leis ecclesiaslicas pelo meno1· pretexto.
Pedindo alguma dispensa deve dizer-se a verdade , isto é. fa-
zer conhecer os molivos que ha para a sollicitar. D'outra sorte, a
dispensa será nulla. Quanto á somma exigida, nãÕ será justo que
aquelle que pede dispensa d'uma lei geral , compense esta especie
de infracção por uma boa obra~ Alem disso, o dinheiro que se en-
via a Roma para as dispensas, não é para proveito da Corle Roma- _
na ; mas emprega-se já nas escavações das catacumbas , afim de
tirar d'alli os corpos dos Marlyrns, já na manutenção das Missões ,
para a propagação da Fé. Nas dioceses parliculares, emprega-se
este dinheirn em obras pias.
Tal é em summa a legi~ lação da Igreja a rnspeito do Matrimo-
nio. Para quem a estuda é um verdadeiro e admiravel codigo de
sabias . disposições e seguranças para o acto fundamental da familia
e da sociedade (1).
6. º Sua necessidade. Considerado em· relação á natureza, o ma-
trimonio é necessario para perpetuar o genero humano ; considerado
em r.elação á Igreja e á sociedade christã, é este Sacramento neces-
sario para dar áquelles que o recebem as graças de que tanto ca-
recem para cumprir C<.;m os seus deveres, e dar filhos á Igreja e

(1 .) Vejam-se os esclarecimentos que sobre isto demos · na Historia


da sociedade domestica, t. 11, e. -11:, p. 10õ e seg.

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17' CUECISl\IO

Santos ao Ceo. Por isso Nosso Senhor elevou este contracto natu-
ral á dignidade de Sacramento; mas nem lodos são obrigados a re-
cebei-o. Nosso· Senhor collocou a virgindade acima do .Matrimonio,
e o Apostolo nos diz que o joven que se casa não faz mal, mas·
o que se não casa faz ainda melhor (1). Cada um deve seguir a
sua vocação.
7. º Liturgia do J.l'fatrimonio. Que diremos das ceremonias que
acompanham a união solemne dos esposos? O primeiro motivo da
nossa veneração é a sua antiguidade. Desde os primeiros seculos
santificaram os· Christãos a celebração do Matrimonio por meio <!as
orações c~mmuns da Igreja e as bençãos de .seus l\Iinistros (2). Os
casamentos celebravam-se publicamente em face do Bispo que, den-
tro do Santo Sacrificio, encommendava a Deus os futuros esposos /
Faziam elles nella a sua oblação com os demais Fieis , e citavam-se
seus nomes em particular. Consideravam-se as bençãos nupciaes
não como simples ceremoma, mas como origem de graças. A's
bençãos nupciaes accrescentava-se ·a benção do annel, que o esposo
vestia no dedo a sua esposa ; e os noivos offereciam lambem algum
dinheiro para os pobres : sempre nossos pais quizeram que os po-
bres tomassem parte nas suas festas. Filhos da mesma familia, não
queriam que uns sofil'essem, em quanto outros se regosijavam. O
esposo tomava a mão de sua esposa em signal da fé que lhe pro-
mellia (3). Estendia-se um veo sobre á sua cabeça: ceremonia mys-
teriosa, que lhe ensinava que o pudor devia ser a regra das suas
acções. Ora este veo de côr de purpura, para melhor significar aquella
virtude tam conveniente aos casados , <.los quaes é o principal adorno.
Outra ceremonia, não menos antiga que a precedente, é a co-
roação do.s esposos. · Collocava o Sacerdote em sua joven fronte
uma coroa que se conservava na Igreja, como cousa santa ; compu-
nha-se ordinadamenle d'um ramo de oliveira ornado de fitas bran-

(1) Cor. XV.


(2) Ign. ex ad Polycarp. ; Tcrlull. Ad uxor.
(3) Amhr. lib. de Vfrgin. r. rn.

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DE PERSEVERANÇA.
cas e incarnadas. Estabeleceu-se esle costume da coroação para
significa~ a innocenria virginal que os esposos levam para o Matri-
monio, e a gloriosa victoria que alcançaram· sobre as paixões (1).
Os tlous esposos commungavam á Missa das bençãos , para cimen-
tar no mesmo sangue do Salvador a união que acabavam de contra-
hir , e receber neste adora vel Mysterio as graças necessarias para o
seu novo estado. Ah ! porque se não' faz hoje o mesm9 : não serão
tam grandes as suas necessidades, ou - estarão elles menos obrigados
á santidade que os primeiros Christãos? Como quer que seja, a
maior parle destas veneraveis cercmonias a'inda com tudo se usam en-
tre nós. Quando os esposos ~ acornpanhados das testemunhas ' che-
gam á Igreja , poem-se de joelhos ao pé do altar , o esposo á di-
rella, e a esposa á esquerda. , O Sacerdote annuncia de novo o
futuro casamento , e interroga os assistentes se sabem de algum im-
pedimento. Se ninguem reclama, manda o Sacerdote aos esposos
que renovem o seu mutuo consentimento , e então se dãc> elles as
mãos direitas , e o Ministro do Altissimo . pronuncia esta oração :
Eu vos ligo em matn"moni'o, em nome do Padre , e do Filho , ele .
.,,. Ao mesmo tempo faz sobre elles o signal da cruz, para lhes recor-
dar que é em nome da Sanlissima Trindade , e pelos merecimentos
da sua morte que Nosso Senhor Jesu-Christo elevou o matrimonio á
dignidade de Sacramento , e que ninguem pode desíazer o nó com
que elle ligou os esposos. 'Depois, para lhes ensinar que sua união
deve ser santa, asperge-o~ com agua benla ; e eil-os unidos para
sempre. Os Anjos do Ceo, a Igreja da terra ouviram seus juramen-
tos : Deus mesmo os aceitou ; já não devem ler mais que um só
coração e uma só alma.
Falta ainda dar á esposa o signal ela sua alliança , e o penhor
do seu sacrificio. O Sacerdote o faz benzendo o anuel : o esposo o
offerece á sua esposa , que o recebe como signal do · vinculo que
acaba de conlrahir. Elia já não pertence -a si mesma , mas sim a
seu esposo como a Igreja a Jesu-Chrislo. O Sacerdofo abençoa

(1) Chrys. llomil. IX in l Cor.

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176 CATECISMO - ·

lambem uma moeda, penhor da communidade de bens entre os no-


vos esposos.
Começa a Missa. Depois do Pater noster , voltando-se o Sa-
cerdote de rosto para os esposos, impõe a mão direita sobre suas
cabeças , pronunciando um admiravel Prefacio , pelo qual invoca so-
. outr'ora concedidas ás itliancas
bre e11es todas as bencãos . dos Pa-
triarchas: « O' Deus, diz elle, que por este augusto Sacramento
haveis santificado a união conjugal, e tornado-a o symbolo da união
de Jesu-Christo com a sua Igreja ; ó Deus, que destes a mulher ao
homem e adornastes esta sociedade por uma benção , que a pena do
peccado original e a sentença do diluvio não puderam apagar ; ó
Deus, unico senhor dos corações, ·que por vossa providencia sabeis
e governaes tudo ; que unis e ninguem pode separar; abençoaes e
ninguem pode damuificar ; pedimos-vos, Senh<Jr, vos digneis unir os -
corações destes esposos ; inspirai-lhes uma affeição sincera ; e pois
que sois o unico, o verdadêiro , o só Todo.-Poderoso, fazei que el-
les sejam um só em vós. Attendei benigno a és La esposa que, an-
tes de pertencer a seu marido, quer a circumdeis da vossa santa
protecção ; permaneça sempre nella o jugo da charidade e da paz ,
seja esposa em Jesu-Chrislo, casta e fiel, e siga para sempre o ex-
emplo ·das santas mulheres ; seja para seu egposo amavel como Ra-
chel , prudente como Rebecca ; a sua vida larga e Hei c9mo a de
Sara ; nada revindique nella de suas obras o author de toda a prevari-
cação ; conserve-se submissa á fé e aos divinos preceitos ; unida a
seu esposo fuja ella sempre de todo o trato impuro , e fortifique a
sua fraquei.a com a força da disciplina christã ; façà-se respeitavel
por sua modestia, veneravel pelo seu pudor, profundamente inslrui-
da da vossa celeste doutrina ; fecunda, innocente e estimada chegue
ao repouso dos _bemaventurados e á eterna Patria ; ella Juntamente
com seu esposo vejam os filhos de seus filhos até á terceira e quar-
ta geração , e cheguem a uma feliz velhice. » .
Pede o Sacerdote todas estas bençãos por Nosso Senhor Jesu-
Christo, e a sua poderosa oração lerá sempre o seu etfeito , se os
esposos lhe não pozerem obstaculos.
Vede como tudo é grave e solemne nesta oração ! a pompa si-
lencrosa e augusta que a acompanha ! Adverte-se ao homem que

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.
DE PERSEVERANCA.
..... 177
elle começa uma nova vida. As palavras da benção nupcial, pa-
lavras que o mesmo Deus pronunciou sobre os primeiros esposos do
mundo , enchendo o marido d'um grande respeito , lhe dizem que
elle cumpre o acto mais importante da vida , porque vai como Adam
tornar-se o chefe d'uma familia, e encarregar-se do peso da condi-
ção humana. A mulher não recebe menos instrucção. A imagem
dos prazeres desapparece a seus olhos -diante do aspecto dos seus
deveres. Uma voz parece exclamar cio meio do altar : O' Eva ! co-
nheces bem o que fazes ? sabes que não ha para li outra liberdade
senão a da sepultura? comprehendes o que é trazer nas tuas en-
tranhas mortaes o homem immortal e feito á imagem de Deus? O
hymeneo enlre os antigos era uma · ceremonia cheia de escandalos ,
celebrad~ com uma alegria turbulenta , que nada exprimia dos gra-
ves pensamentos que o matrimonio i11spira-: só o Cbristianismo .lhe
deu a dignidade que elle eleve ter (1 ).
Depois da Missa entra-se na sachrislia ; escreve-se a acta do
ca.samento nos registros. . Assim era lambem entre os primeiros chris-
tãos : chamavam-se estes registros Taboas matrimoniaes. Ahi se
inscreviam não só as convenções concernentes aos interesses mate-
riaes, mas lambem ás obl'lgações dos casados ; e os Padres da Igre-
ja, na assemblea dos Fieis, serviam-se do que estava escripto nestas
taboas , para lembrar aos esposos a santidade de seus deveres , tra-
zendo-lhes á memoria as obrigaçoes -que contrahiram e os fins que
se propozeram ao tomar aquelle estado. Todos aquelles que tinham
assistido ao casamento assinavam e.stas taboas, e o Bispo, que era
o Pai commum dos Fieis, as subscrevia tambem.
Taes são as orações e as ceremonias que acompanham a cele-
bração do matriI~onio calholico. Quem dirá as vantagens sociaes
deste Sacramento?
8. º Suas vantagens sociaes. Se a familia é a base da socieda-
de, é logo evidente que o Sacramento, que forma a familia , é a

(f) Veja-se o Genio do Cliristianismo t. 1, e. 10 ; Aug. Serm.


332 e 51.
23 - V

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178 C.lTEC18MO

base do edificio social. Elevan1lo o malrimonio á dignidade de Sa-


cramento, engrandeceu Nosso · Senhor a sociedade toda, e a fez che~
gar á ·supel'ioridade inlellect.ual e moral que distingue as nações
chrislãs. Indo por partes, cumpre-nos notar que a unidade, a in-
dissolubilidade, e a santidade foram os caracteres da familia primiti-
va. Desenvolvi dos depois estes principias, aquella familia devia dar nas-
cimento a uma_ sociedade perfeita ; mas a desordem original trans- ·
tornou o plano divino. A polygamia e o divorcio , rompendo a uni-
dade primiti,'a, trouxeram á fami1ia a divisão, o feroz ciume , o
- , opprobno e a desgraça (1). A concupiscencia , exlmguindo toda a
ülea de sanlidade , , aba leu o esposo e a esposa ao nivel dos brutos.
Do lar <lomestjco sahiram encbames de seres rnalfazejos; a socieda-
de aviltada sumio-se no charco da sna propria corrupção. O péli
tornou-se um despola , a mãi uma escrava , o filho urna victima ,
, que um dia será o algoz de seus culpaveis pais. Eis aqui em trez
palavras a liisloria da familia pagã.
O Filho de Deus, o Verbo divino., por quem Ludo foi feito,
desceu dos altos ceos e veio reparar 3 s.1ia obra. Elle começou por
chamar a familia á sua in-slituição primitiva , proscreveu a polyga-
mia e o divorcio , e fez do vinculo conjugal um Sacramento da Lei _
evangelica. Abundantes graças , adequadas as necessidades dos es-
posos lhe foram concedidas -, e a familia rnudoJ de face, e pela
familia se renovou o mundo.
Oh ! que distancia vai do pai pagão ao pai cbristão ! O pri-
meiro é um despota com o gladio em punho. Enlre elLe e seus fi-
lhos, não existem outras relações mais que as do animal com sua
prole , do t.yranno com seus t'sêravos. A paternidade, no que- tem

11) Eu concebo a unidade e a indissolubrlidadc, e por ronscqucn-


cia a consagração do Matrimonio, pela impossibilidade de encontrar fora -
delle nem a felicidade conjugal, nem n auctondade paterna, nem a edu-
cação dos filhos (concebe-se apenas a sua existcncia), nem a.· força ·, nem
a honra e a fortuna de todos. Fora (Jclle, a só possibilidade do dirnr-
cio bastaria para fazer mediocre e até máo o melhor dos esposos, e lcr-
rivel a mais feliz alliança. Madrolle, Demonst. J~'ucharistíque.

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DE PERSEVERANÇA. 179
de sublime, é entre elles desconhecida. O pai chrislão, pelo con- /

lrnrio , a exerce santamente. Representante veneravel do querido


Pai que está nos Ceos , imagem viva do Creador, participa não ~ó·
de sua paternidade divina, mas tambem de sua inexgolavel ternura. Oh,
como elle goza rio seu poder , entre a familiaridade terna e respc-
cluo~a de sua mulhe.r e de seus filhos ! Cada dia ~ nas menores
como nas mais imporlanl~s cousas, conhece elle que o amor, mais
que o temor, lhe defendem e guardam a sua aucloridadc , por is-
so mesmo muilo mais sagrada que a do despola erriçado d'armas.
O Chrislianismo collocou na fronte paterna um certo esplendor da
Magestade do Altissimo , e como que do ceo resoa uma voz que diz
enlre a familia , fallando de seu chefe : Aquelle que vos ouve , a-
m'ru mesmo ouve.
Que diremos da esposa ? Oh ! a elJa sobre tudo foi proveito-
so o Sacramento do l\falrimonio. No paganisrn9, a mulher não é
mais que uma vil escrava) deshonrada, ma1lratada, muitas Yezes
expulsa e abandonada, como ainda se vê na Africa, ao opprobrio e
á miseria. E' uma nemala, acossada pelo acicate e pelo chicote de-
baixo dos mais pesados e duros trabalhos.. Pelo contrario, quanto é
_ bello o logar que o Sacramento \ do Matrimonio dá ás mãis de fami-
lias nas sociedades christãs ! Ente sagrado, objecto <la mais viva
ter;iura, dos respeitos mais delicados , da veneração rle todos que a
rodeam , o homem Já não é para ella um dcspola, mas um prolr-
clor e um amigo. Elia exerce sobre o seu coração o mais pode-
roso de Lodos os domínios, fJUC é o da branJura e paciencia. Col-
locada rnlre o pai e o filho , é o anjo da paz, o apostolo da cha-
l'idade. Elia acende cm lodos a flamma do amor di \'ino ; a loc!_os
porsaade uma vida chrístã; e para isto parece enriquecida (}e par-
licnlarcs dons. Dotada d'uma missão angelica, altrahe o homem
para Deus pelas suas ''irludes, e semea os prim0iros germens do
bem no coração infontil de seus tenros tilhinhos. Quanto é santa a
sua auclol'idadc ! Louvores sejam ao Christianis1po, que operou esta
tra·nsílguração da mulhc·r . . Horríveis maldições cahiriam hoje sobre
o filho ,que não amasse e respeitasse a sua mãi. E o mesmo filho.
quanlo não deve ao augusto Sacramento ·que transmudôu assim o
pai e a mãi , os aulhores de seus dias ! Escravo, vi clima, ludibrio
"*

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18Q CATECISMO

de Lodos os caprichos , objecto de todas,. as tyrannias , tal era o fi-


lho pagão. Nenhum respeito havia para com a sua vida , o seu
coração, a sua intelligencia. Que differente sorte a llo filho cbris-
tão ! Filho de Deus mais que de seus pais, irmão de Christo , her-
deiro do Ceo, anjo da lerra , sanctuario da Divfodade , eis o filho
da Fé. Que formidalel escudo protege a sua vida ! Desgraçado
aquelle que ousar attenlar contra seus dias, ,ou contra a sua innocen-
cia ! Tocar-lhe é tocar nas meninas dos olhos áquelle Deus , que
tem nas mãos os raios. Não admira ver as cidades e os campos
- cobertos de estabélecimentos, consagrndos á conservação . do corpo e
da alma do menino. Diz-nos o Chrislianismo que fazer bem ao fi-
lho do Allissimo é merecer o reconhecimento do Pai etei·no e todo
poderoso , que eslá nos Ceos.
Eis, em poucas palavras, õ que fez a bem da familia o Sacr.a-
mcnto do Matrimonio. Eis o que ainda faz todos os dias a bem de
seus membros individnalmenle, e da sociçdade, da qual é a base e
o fundamento. Supprimi este Sacramento, e a alliança _do homem e
da mulher ficará sendo um mero contracto ; mas um contracto vil,
uma mercancia. As unicas qualidades allendiveis serão as riquezas,
as conveniencias materiaes e__não as virtudes solidas, que fazem a
verdadeira felicidade dos esposos, e formam os costumes da socieda-
de. Supprimido este Sacramento, a familia recahirá no estado de
abjecção de que a tirou o Evangelho ; o pai lornar-se-ha um tyran-
no, a mãi uma escrava , o filho uma victima. Vêde os povos que
ainda não ouviram a Boa Nova ; .olhai para os que a desprezam !
que espectaculo ! E ainda ha homens que perguntem : para que
serve o Chrislianismo ! ? Que anchos philosophos são estes taes t

OR_1'.Ç.lO.

O' meu Déus ! que sois todo amor , eu vos dou graças
por terdes elevado o Matrimonio á dignidade de Sacramento ; per-

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'
DE PEllSEVERANÇA. 181
milti, Senhor, que dignamente cumpram com os seus encargos aquel-
Jes que o recebem.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e, em Lestemunho deste amor,
orarei assiduamente por meu pai e minha mcii.

XLYI.ª LIÇÃO.

DE NOSSA UNIÃO COM O NOVO ADAM , PELA


CHARIDADE.

mi rmonia das trez Virtudes Theologaes. Definição da char1dade.


Sua excellencia. - Seu primeiro ob1ecto, Deus. - Sua necessidade.
- Passagens hisloricas. - Regra. -- Peccados oppostos á charidade.
- Segundo objeclo da charidade, o proximo. - Regra. - Necessida-
de. - Âpplicaçãó. - Obras de miscricordia cspirituaes e corporaes.
Peccados oppostos á charidade.

A FÉ produz a esperança ; e a esperanç.a , a charidadc. Pel~ fé


possue a nossa alma um rico patrimonio de Yerdades , que a escla-
recem, ennobrecem, consolam e d'algum modo divinisam , chegando
a fazei-a participante das luzes do novo Adam. Pela ·esperança,
elevada a nossa vontade acima dos bens caducos da terra, que ella
-vê com um nobre desprezo , anbela aqyelles bens reaes que vê e
conhece p~la fé ; aquelles bens sobrenaturaes , que são o mesmo
Deus com a felicidade, a gloria e todas as delicias · assim do corpo
como d3: alma ; as quaes Deus, cuja origem é , promette aos seus
escolhidos. Segue-se a charidade , que ennobrece o nosso coraçJo,
enchendo-o d'um santo amor -para com Deus, e para com os bens

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182 CATECISMO

que conhecemos e esperamos pela fé e pela esperança. Por C'stas


lrez virtudes que mutuamente se abraçam e aperfeiçoam completa-se
a nossa união com Nosso Senhor, e se começa na terra a vida di-
vina , que será consummada no Ceo.
Chamam-se a fé, esperança e charidade as lrez virlndes theolo-
gaes, porque teem a Deus por immediato objecto, e a elle directamente
µos conduzem (1). Que diremos da grandeza essencial destas Lrez virtu-
des ; da nobreza cios seus effeitos ! A não ser a Fé, o homem ,
a sociedade, o mundo todo fluclua em um mar de duvidas? perple-
xidades e erros <le todo o genero. O homem sem Esperança, não
sentindo mais que os b_ens fugitivos da terra, arremessa-se a elles
com uma sofreguidão tal, que não respeita direitos adquiridos, nem
leis divinas nem humanas. Se a Charfdade não inflamma o co~·a­
ção humano, as mais ·vis paixões o dominam, e o deshonram, e o
flagellam , a elle e ao mundo todo. Assim a antiga, como a con-
temporanea historia dos povos idolatras, prova de sob(~j0 esla · triste _
verdade ; a qual, entre os povos c-hristãos , é ainda evidenciada pe-
lo proceder desses homens que vivem sem fé , nem esperança, nem
charidade catholica. Aqui sim, se torna ella tanto mais sensivel ,
quanto nos affecla mais · de perto.
Para levar á ultima evidencia esta verdade da pn~rnira impor-
tancia , que a fé, esperança e charidadc não são somente a base
da Religião , como lambem da sociedade humana ; de sorte que a
sociedade mesma é um facto essencialmente religioso ; basta fazer o
seguinte raciocfoio, cuja exaclidão se com11rova pelo presente esla-

(1) Habitus spccie dislinguuolur secundum formatem differenliam oh- -


' jcctorum: ohjcctum autcm lhcologicarum virtutum cst ipse Deus, qui csl
ulllmus rerum finis, prouL nostrre ralionis cognitionem exced1t. Ohjecllitn
aulem virtutum inlcllrctualium el moralium, esl aliquid quod. humana ra·
Lionc comprchcnrli potest. Unde virtules theologicre spccie distiaguuolur
a moralibus cL inlelleclualibus ... virlulcs intellecltfales et morales perfic1-
unt inlcllcclum ·ct appeliLum homin1s sccundum proporLioncm naLurro hu-
mame; sed Lheologicre supcrnaturlllitcr. D. Th. l-2, q. 7~, art ~.

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183
do das cousas. A, sociedade actual, ainda considerada pelo lado
purameule material, está reduzida ao ultimo extremo de miseria.
Mas qunl é a cnusa da miseria? A· falta de commercio, e por con-
sequencia de trabalho. Donde procede a falta do trabalho e do
commercio? - da falta de credito. Donde nasce a· falta do credito? -
da falta de confiança. Donde provem a falta de confiança? - da fal- -
ta de charidade, isto é, da divisão da soci~dade em dous campos
inimigos , que ameaçam cada dia vir ás mãos , e derribar ludo por
terrà.
E' tam ·verdade o serem as bases da sociedade as 'mesmas da
Religião, que até leem os mesmQs nomes. A palavra · credito vem
de credere, que significa crer, ler fé: as de confiança e de chari-
dade ou fral.ernidade são identicas na linguagem social e religio-
sa. Notem isto esses cegos contumaces , que se obstinam em se-
parar o que Deus indissoluvelmente unio; em separar_ o sol da luz,
a alma do corpo , a Religião da sociedade ! Sirva isto lambem
para demonstrar cada vez mais a solidez do plano que adoplamos
na ordem e desenvolvimento da Doutrina Christã- !
Já mostramos o que é a l{é , sua dignidade, necessidade, qua-
lidades e objecto ; dissemos lambem o que é a espe.rança , e sua di-
gnidade e necessidade , qualidade3 e obJecto . . Anima<lo, fortificado,
di vinisado pela graça , fructo <la oração e sobre ludo dos Sacra-
mentos , que todos se referem á Sagrada Eucharislia , não resta ao
Christão mais que exercer as suas forças, trabalhar, que é a acção
· natural ao homem depois que torna o seu a-li mento. E quando pelo
exercício se lhe esgotam as forças, elle Yirá, para sustentar-se, re-
parai-as de novo com o alimento divino , o Pão dos fortes e o Vi-
nho das virgens, alé que chegue á montanha elerna , aonde reside
Deus , magnifico salario do seu frabalbo (1 ). Ora, este trabalho é
o amor, é a cbaridade. Não ha virlude ociosa, e muito menos o
pode ser a charidade. Ella é, dizem ·os Padres , essencialmente
acti va. Por sua influencia trabalha o espirilo do homem incessante-

(1) Ego cro merces tua magna nimis. Gen. X. ·

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r

t8i CArnCISMO

mente em contemplar , e bemdizer as perfeições de Deus ; acliva-se


seu coração em regosijar-se nelle e unir-se todo a elle. O seu
1

mesmo corpo exerce a cháridade nas palavras e acções, observando,


com a mais fervorosa e desvelada fidelidade, todos os mandamen-
tos deste Deus unicamente amado. Dest'arte a explicação do Deca-
logo segue-se naturalmente á dos Sacramentos, e dos meios de obter
a graça. Antes porem de encetarmos esla exp1icação fallemos da
charidade em si mesma, como já fizemos tratando <la fé e da espe-
· ranç.a.
1. º Definição da charidade. A chari'dade é uma virtude sobre-
natural, pela qual amamos a Deus sobre todas as cousas , por el-
le ser infinitamente bom e ú1fúiitamente amavel ; e ao proxzm'o como ·
a tiós mesmos, pelo amor de Deus. Fallando da fé e da esperança,
já dissemos o que se entende por virtude sobrenatural. As pala-
Yras seguintes, pela qual amamos a Deus , mostram-nos que a cha-
ridade é uma virtude theologal , pois que tem a Deus_ por objecto
essencial e immediato.
Sobre todas as cousas. Sendo Oeus, como é, o Ser por excel-
lencia , e o nosso ultimo fim, é claro que devemos amal-o mais que
todas as cousas que, sendo-lhe necessariamente mferiores , são sim-
ples meios que nos conduzem a elle. Por elle ser infinitamente bom
- daqm se deduzem dous motivos de amar a Deus, os bens que
nos tem feito , e os que ainda hade fazer-nos : é o amor que nas-
ce da gratidão e da esperança - e infinitamente amavel. Eis o
amor da complacencia e da charidade com que <.levemos amar a
Deus em si mesmo , por causa das suas infinitas perfeições.
E ao proximo, isto é, a todos os homens vivos e defuntos, que,
podem vir a estar comnosco na patria celeste - como a nós mes-
mos. Devemos amar. a todús os homens com o mesmo amor, posto
que inferior áquelle que somos obrigados a ter para comnosco -
por amor de Deus, isto é, com os olhos em Deus e para obedecer a
Deus. Tal é resumidamente a definição da charidade; que ruais
adiante desenvolveremos.
2. º Sua excellencia. Deus é a charidade, diz o Discipulo ama-
do. A charidade derramada na alma é pois uma certa participa-
ção do amor divino ; é uma força inteiramente divina, que é a vi-

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DE PERSEVKRJ\NÇA. 185
da da alma, assim como a alma é a vida do corpo ; e
uma virtu-
de que nos faz pensar , fallar, amar , obrar divinamente, porque
ella nos une inlimamente a Deus na terra, para depois nos unir a
elle na eternidade. Pode dizer-se que ella está em todas as poten-
cias da nossa alma, assim como a nossa alma está em lodos os
membros do nosso corpo, para os vivificar. E' lambem como o fer-
1
ro abrazado ·que, sem deixar de ser ferro, é todavia compenetrado
e identificado com o fogo, que o põe em fusão e mesmo em ebul-
Jição (1 ).
Sendo pois a charidade a vida da nossa alma, segue-se que é
ella a alma de todas as virtudes. Sem charidade ·não ha na alma
verdadeira virtude , isto é, que seja conducente ao nosso fim , que
é a posse de Deus~ Ella é, entre as demais virtudes, como . a raiz
que nutre a arvore, ou como o principe, que dirige e conduz seus
subditos ao ultimo fim a que todos tendem. Isto se entende não
só <las virtudes moraes, mas lambem das outras theologaes , a fé e
esperança. e< De todas as virlud~es , diz S. Thomaz, as theologaes
são as mais excellentes, porque tendem immediatamente a Deus,
regra de toda a perfeição , e, entre as virtudes .theologaes , a mais
excellente é a que mais compelentemenle se dirige a Deus ·, e que
se fixa nelle e por elle; esta é a charidade (2). » Fallando assim,

(1) lpsa esscntía divina charitas cst.. ; ila eliam charitss qua forma-
liter diligimus proximum est quredam participatio divioro charilatis ...
Deus est vila effective et animro per charitatem et corporis per animam ;
sed formaliter charitas est vila animre, sicut et anima '\'ila corporis.
D. Th. 2, 2, q. ~3, art. 2.
(2) Virtus vera simpliciter est ilia quro ordinalur ad priocipale bo-
num hominis ... quod est fieis ultimus ... et sic nu lia vera virlus polcst
esse sine charitate. D. Th. 2, 2, q. 23, art. 7. - Est duplex regula bu-
maoarum acluum , scilicct ralio humana et Deus ; sed Deus cst_ prima
regula, a qua ctiam humana ratio regulanda cst. Et idco virtutes thco-
logicro, qure cons1stuot in attiogendo iliam regulam pri1nam, co quod
caruru objectum est Deus , excellcntiores sunt virtutibus moralibus vcl
intellcctualibus, qure consistunt in attiogeodo ratiooem huruanam. Pro -
u · -· v

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186 CATECISMO

o Doutor angelico é o ccco de $. Agostinho , que define todas


as virtudes pela cbaridade. a: A fé, diz elle, é um amor que crê ;
a esperança·, um amor que espera ; a paciencia, um amor ·que sof-
fre ; a prudencia, um amor judicioso ; a justiça , um amor que dá
a cada um o que lhe p~rtence ; a fortaleza , um amor generoso ; e
assim das mais (1). » E' a charidade quem dá o rnerito ás demais
virtudes, e as 'regula a todas. A excellencia natural das nossas
acçõe~ bem merece alguma recompensa accidental , que formará a
àureola dos Santos no Cco ; mas toda a recompensa essencial se ti-
ra da charidade, que anima as nossas acções (2). Em quanto a fé
e a esperança acabam ao entrar na celeste Jerusalem , a charidade
porem permanece ahi eternamente, para .fazer a felicidade dos esco-
lhidos. - A' vista "ilisto . não admira a m'agnifica linguagem com que
S. Paulo celebra a excellencia desta rainha das virtudes. « Quan-
« do eu fallasse a lingua dos Anjos e dos homens , diz o grande
a: Apostolo , quando eu tivesse sciencia bastante para penetrar to-
o: dos os mysterios, e bastante fé para transportar montanhas ; quan-
a: do eu desse todos os meus bens aos pobres e entregasse o meu
o: corpo ás chammas, se não tiver cbaridadc, nada sou, e de nada
« me serve tudo isto (3). » .
3.º Seu primeiro objecto. Para tractar da chari<lade com toda
a cl~reza possivel, · fallaremos em primeiro logar do que respeita á

pter quod oportet quod ctiam inter ipsas virtutcs lhcotogicas ilia sit po-
tior qure magis Deurn attingít... l!~ides autcm et spes altinguut quidem
Deum secundam quod ex ipso provenit nobis YCl cognilio \'eri vcl adeptio .
boni, sed charitas altingit ipsurn Dcur~ , ut in ipso sistal , non ut ex
eo a1iqu1d oobis provcniat ; eL ideo charilas est exccllentior fide et spe,
ct per consequens omnibus aliis virtutibus. ld. id. art. 6. ·- Charitas
comparatur fundamento ct radiei , in quantum (ex ca) sustentaotur ct nu-
lriuntur omnes alire virtutes. ld. id. art. 8.
(1) De moribus Eccl Cath. e. XV, n. 25.
(~) I q. 95-, art. 4.
(3) 1 Cor. X Ili, 1: ·

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DE PERSEVERANÇA. 187
nossa charidãde para com Deus ; depois, da charidade para com o
proximo. O primeiro e principal objecto da cbaridade é o mesmo
Deus, considerado como soberana perfeição e soberano Bem. Nisto
mesmo se manifesta a excellencia da charidade : Deus , isto é, Ludo
o que ha de mais bello e amavel é o nobre alimento que o Divino
Reparador offerece ao nosso amor ! Oh ! quam profundo deve ser o
reconhecimento do coração humano á vista do seu glorioso destino !
quanto deve _ser viva a alegria do coração que, em quanto não en-
trou nelle o novo Adam, apenas conhecia os prazeres e affeições de
grosseiras creaturas ! Nascido para participai· do Banquete dos An-
JOS, e nutrir-se com- elles do mesmo Deus, pedia aos vis animaes
aquelle aviltado coração, que repartissem com eJle seus vergonhosos
prazeres : mas debalde ; em vão mendigava e se aviltava, a felici-
dade lhe fugia como foge amda para longe dos povos e dos homens,
a quem não domina o amor ·do Bem soberano. O novo Adam , re-
cordando-lhe o seu fim ultimo , restituiu-lhe a paz e a gloria , por-
que abrio diante de11e a origem pura e sempre fecun<la , onde pode
saciar a sede de amor que o consome.
4.º Sua regra. A regra de amar a Deus, diz S. Bernardo , é
amal-o sem medida. Devemos pois amar a Deus sobre todas as
cousas. Deus não deve ter em nosso coração nem superior nem
igual. Devemos preferil-o a tudo , ás riquezas, honras e reputação;
a nossos pais, parentes e amigos, á nossa saude, á nossa vida , a
todas as creaturas. Devemos estai· sempre promptos a sacrificar tu-
do antes do que perder a Deus pelo peccado mortal, de sorte que
nem a creatura nem o affecto a alguma creatura possa fazer-nos
abandonar a Deus offendendo-o (1). Não devemos tam pouco con-
senlír em nosso coração affeição alguma , que não possamos offere-
cer-lhe ; mas antes todas havemos de referir-lhe, subordinando-as
ao seu amor. Que · cousa mais rasoavel e j usla , sendo Deus, como
é, o noss_o Bem soberano, e nosso fim ultimo! Não seria uma ·ex-
travagante desordem ãmar objecto algum fora de Deus , mais do

(1) Rom. VIU. 38 .


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188 CATECISl\10

que a elle ou lanlo como a elle? Amar a Deus sobre todas as


cousas é um dever sagrado ; é a charidade, sem a qual não pode -
haver salvação. Assim o declarou Nosso Sephor no Evangelho, por
estas formaes palavras : « Aquelle que ama a seu pai e sua mãi
« mais do que a mim , não é digno de mim (1). )) « ,Aquelle que
« ama seu filho ou sua filha mais do que a mim , não é digno de
cc mim (2). >> « Aquelle que ama a sua alma nesta vida perdel-a-
« ha : » isto é, aquelle que se ama a si mesmo mais do que a
Deus será condemnado. Logo, se aquelle que ama os seus pais ou
a sua vida mais do que a Deus está em estado de condemnaçfio,
mmlo mais indigno é de Deus aquelle, que ama tanto ou mais do
que a Deus a sua reputação , os seus prazeres , o seu dinheiro , a
sµa saude. ·
Ora, este amor de preferencia , sem o qual se não pode estar
em graça de Deus, nem ter direito ao Ceo, é um amor de gratidão,
ou de esperança ' ou de charidade.
O amor de gratidcio e de esperança está mclicado nestas pala-
vras da definição : por elle ser infinitamente bom. O amor de gra-
tidão consiste em amar a Deus porque elle nos tem feito muito bem,
e tem sido e é muito bom para nós. Quantos moli vos temos para
esle amor ! Na ordem da natureza , o Ceo com os seus astros ,
a terra com suas producções , a sociedade com suas differentes pro-
fissões ; na ordem da graça, os Anjos , Nosso Senhor, a Igreja , e
tudo isto poz Deus ao nosso alcance: eis uma parte dos motivos pa-
ra o amar, com um amor de gratidão. O amor da espe,rança con-
siste em amar a Deus porque elle nos ama tanto que quer ser elle
mesmo a nossa recompensa no Ceo : é mui perrnillido este amor, e
os maior('s Santos o leem tido. Eu inclinei o mw coração á ob-
servancia dos vossos mandamentos, diz o Prophela Rei , pelo amor
da recompensa (3). Moysés foi cumulado de louvores , por ter ne-

{1) Matth . X, 37.


(2) Joan. XII, 2ü.
l3) Ps. 118.

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DE PERSEVERANÇA. 189
· gado que a filha de Pharaó fosse sua mãi , e isto só ·por o~ter a
vida eterna (1 ). O mesmo Salvador dizia ao doutor que o mterro-
gava: Se queres entrar na vida eterna, guarda os mandamentos (2).
S. Paulo e-xhorta todos os Fieis a que se conduzam pe~o caminho da
virtude, e isto para alcançar o seu premio (3). Emfim o Sagrado
Concilio de Trento fere d'anathema a todo o que disser que um
Justo pecca quando faz o bem para obter a vida eterna (4). Mas
amar a Deus uni·camente como meio de adquirir a vida elerna ou
de evitar o inferno , ·isto é, fazer servir a Deus aos nossos proprios
interesses , é aproximai-o a nós, em vez de nós nos aproximarmos
a. elle ; é franstornar a ordem das cousas, e violar o preceito da
cbaridade (6). ·
O amor da charidade exprime-se por estas palavras : e i'nfipi~
tamente amavel.· Amar a Déus porque elle é infinitamente amâvel,
é amal-o por amor deli e· mesmo 1 feita abstracçãó ·de seus beneficias
I ,

(1) Hebr. II. /


(2) Math . XIX.
(3) 1 Cor. 19.
(4) Si quis dixerit 1ustificalum peccare dum intuito rnercedis retcr-
nre benc opcratur, anathema sit. Sess. VI, Gim. 31.
(õ) llhcilum esse diligerc Dcum amore simpliciter· mcrccnarro, sc-
cus vcro amore rnercedis. Ex prroceplo charit:itis teaemur Dcnm super
omnia diligcre tanquam finem ultimum ad quem omnia sunt referenda.
Ergo perversum ct charitati conlrarium cst, Deum dihgere proptcr rem
aliquam creatarn ad quam tanquam in finem Dcum ordinemus... Uode
iste amor merccnarius passim a sanctis- Patribus damnalur, non solum
quando esL ultimas fiuis, secl eliam quando est priacipalis, pula si Deus
non amarctur , nis1 ea spes prremii adesset ac movercl, cum tunc non
diligalur Deus super ct plusquam omnia. .Mayol. Prceamb. ad /Jecalog.
q. 3. -- Charitas virtus est a lide distincta, quia actus cjus non est cre-
dere, similiter a spe, quia actus cjus non est concupiscere bonum aman-
ti, io tJnantum est commodum amantis, sed Lcnuc.rc in objectum secun-
dum se, ctiamsi per 1mpossih1le· circumscribcretur ah co commod1tas ia
amantcrn. ScoL. ln 3, dist. 27, n. 2.

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190 CATECISMO

e só por causa de suas infinitas perfeições. Amar a Deus assim é


regosijar-se nelle a creatura, é fazer consistir a sua felicidade em possuir
elle todas as perfeições no mais alto grao, sem ruis tura de - imper-
feição alguma; por consequencia , em ser elle infinitamente po<lero-
so, sabio, bom, rico, justo, misericordioso, independente, n'uma pa-
lavra, infinita e perfeitamente feliz a lodos os respeitos. Ter esle
amor de charidade é começar a viver na terra a vida dos Santos,
a quem este amor arrebata n'um delicioso extasi , e que elles ex-
primem por estas palavras, que dirão e repetirão eternamente sem
cançarem jamais : Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus Todo-Pode-
/ roso. Ora, deve ler-se por-um acto perfeito d' amor de Deus aquel-
le que é assim concebido : ~teu Deus, eu vus amo sobre todas as
cousas, porque sois infini'tamúite bom ; sois a bondade mesma. Nes-
te caso am3-se de facto a Deus por motivo <la sua bondade, que é
uma das suas princ1paes perfoições, não obstante ser-nos ella vanta-
josa e ajudar-nos a cumprir a sua divina vontade, e obter por con-
seguinte o nosso fim ullimo , que é o amor de Deus por amor delle
mesmo (1) _
5. º Sua nec(lssidade. A necessidade d'amar a Deus com um
amor de preferencia , como acabamos de explicar, e isto debaixo da
pena de · condemnação eterna, funda-se nos motivos seguintes : · t. º
Suas perfeições infinitas, Pede a rasão e a justiça que se ame so-
bre todas as cousas aquillo que é infinitamente amavel, e unicamen-
ie amavel. Por tanto todo o amor se deve referir ao aJDor de
Deus. E' a e11e que devemos amar em nós mesmos , no proximo,
nas creaturas ; porque tudo o que ha de bello , bom , aruavel em
nós mesmos, no proximo e nas cousas creadas, provem de Deus , e
deve voltar para Deus. 2.º Seus beneficios. Ser-nos-ha mais facil

(1} Ex commuoi consensu sapientum verus actas amoris est dicere:


Deus meus, quia es bonitas infinita, quia es infinite bonus, amo te super
omoia ... Et ideo desidermm possidendi Dei, qui est u1timus quidem ooster
finis. est proprius actus charitatis, imo perfectior a1iis ; nam possessio.
Dei cst charilas coosummata. S. Alph . lib. II, o. 24.

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DE PERSEVERANÇA. 191
contar os cabellos da cabeça, do que os beneficios de Deus, -já na
ordem da natureza, já na ordem da graça. 3.º Suas promessas.
S. Paulo, voltando do terceiro Ceo, pegou um dia da penna, para
narrar as maravilhas da cidade santa ; mas não po1lendo achar pa-
lavras nem imagens com que exprimisse aqnelles bens ineffaveis,
não soube mais do que dizer : Que nem o olho vio, nem o ouvido
otwio, nem veio jamais ao coração elo lwmem, o qu-e Deus tem p1·e-
parado para aquelles que _o amam (1 ). 4 .º Seu JJ/andamento. O
l\fandamenlo d'amar a Deus não é um preceito novo ; antes é o
primeiro · de todos por sua antiguidade, dignidade e necessidade.
Funda-se elle na essencia da mesma natureza do homem. Com ef-
feito, que cousa mais natural , e mais sagrada, do que dar o ho-
mem a Deus, como a seu Creador, as homenagens da creatura , o
seu culto soberano~ Ora, sendo Deus o amor, o unico culto que
lhe apraz , diz S. Agostinho, é o amor das suas crealuras (2).
Na verdade, Deus é honrado pela fé e pela esperança ; mas não
é perfeito o nosso culto senão pela charidade. Sempre o amor de
Deus foi o maior preceito da Religião. Na Lei de Moysés está el-
Je expresso nestes termos : « Amarás ao Senhor teu Deus de todo o
« teu coração , de toda a tua alma e com todas as tuas for.-
o: ça5. Este preceito que te dou nõ dia d'hoje , tu o gravarás no ,
« teu coração. Ensinal-o-has a teus filhos , e o meditarás assentado·
« em tua casa, andando o teu caminho, dormindo e acordado. Tu
« o ligarás ao teu braço como a tua insignia (3). » Durante mais
de quinhentos annos não cessaram os prophetas de recordar ao po-
vo este mesmo preceito. O Salvador o proclamou ainda mais alta-
mente, e o dilatou e aperfeiçoou de novG. O amor de Deus, diz
elle a todos os homens sem excepção alguma, é a condição indis-

(1} 1 Cor. II, 9.


(2) Non cc.litor Deus nisi amando. Episl. UO ad HfJnor. e. 18, o.
UL - Domus Dei credcodo fundatur, sperando erigitur, diligcndo pcr-
ficitur. /d. Serm . 37, e. 1 .
. (3) Dcut. IV, -5.

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192 CATECISMO

pensavel ·da salvação : Se qiieres entrar na vida eterna , guarda os


Mandamentos; aquetle que não ama está na morte (1). Esta união
- do amor .é a mais perfeila, é propnamente o laço da perfeição :
Amarás ao Senhor teu Deus com toda a tua alma, com todo o teu
espirito ; é este o primefro e o maior d-e todos os Mandamentos (2).
Passa Nosso Senhor toda a sua vida a pregar a charidade. Reduz
todo o Evangelho, todas as instrucções dos Prophetas, todas as ins-
tituições da Lei de l\loysés, todas as prédicações dos Apostolos e
da Igreja até ao fim dos seculos, a estas duas palavras, que cum-
pre sejam gravadas em· letras de fogo no coração de todos os Chris-
tãos, e que o deveriam ser em letras d'ouro nas portas de todas as
casas : Amai a Deus de todo o vosso coração, e ao proximo como
a· vós mesmos. A i"sto se reduzem toda a Lei e os Prophetas.
· Assim lambem todo o _nosso desejo é gravar com caracteres in-
deleveis este divino Mandamento em todos os corações ~ e· é por
isso que as nossas lições terminam sempre por um acto de chari-
dade.
Prohibindo-nos o fazer cousa alguma, contraria ao amor de Deus,
o preceito da charidade é obrigalorio a todos e em todo o tempo.
R com especialidade devemos fazer actos positivos d,amor de Deus:
1. 0 quando chegamos ao uso de rasão ; 2. º quando estamos em gra-
ve tentação de nos apartarmos de Deus ; 3. º quando precisamos re-
ceber ou administrar algum Sacramento, no caso que não possamos
confessar-nos , e temos consciencia de culpa grave ; 4. º muitas ve-
zes na vida , ou pelo rne~os todos os mezes ; 5. º no artigo da mor-
te. Mas não é necessario que estes actos se façam com intenção de
cumprir com o preceito da charidade, nem que se exprimam expli-
citamente. Aquelle que, por exemplo, recitando a Oração Dommi-
cal, diz devotamente: San_#ficado seja o vosso Nome, seia feita a .;
vossa vontade assim na terra como no Ceo , faz um acto de amor
de Deus.

(1) MatLh. XIX, 17; . 1 Joan. 111, U.


(2) Mauh. XXII, 37; id. XIX, 17.

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D.G PERSEVERANÇA. 193
· Feliz o que cumpre e'}la doce lei - do divino amor ! Delle se
apartarão as crueis inquietações, e os negros terrores. S. Francis-
co de Sales descançava na divina Providencia, com mais tranquilli-
dade do que um menino no seio de sua mãi. Deus , dizia elle,
prometteu assisti~-nos em todas as nossas tribulações. Que ha que
temer 'l Nada. acontece sem permissão sua. Tendo sido- horrivel-
mente calumniado, nem por isso perdeu a paz da alma; mas es-
creveu dizendo ao Bispo de Belley : Acabam de mrl . avisar de fª ...
fiz que alli me rasgam os vestidos pqr bons modos ; mas eu espe-
ro em Deus que, se assim convier ao seu serviço, m'os hão de
concertar de sorte, que ainda fiquem melhores do que estavam
antes. »
S. Paulo era de tal sorte penetrado do amor de Deus, que no
meio de seus immensos lraba1hos , fadigas e perseguições, eslava
cheio de consolações e inuntludo de alegria. De tal sorte inflam-
mava o seu coração o amor divino , que ousava escrever estas ad-
miraveis palavras : Quem nos separará da cltaridade de Jesu-Chris-
to ? estou certo que nada o poderá, nem a vida , nem a morte,
nem as perseguições, nem a espada, nem a fome, nem a nttdez, nem
o presente. nem o futuro, nem potestade' alguma (1); e em outra
parte: E·u vivo, mas mio sou eu qtw vivo, é Jesu-Cltristo que vi-ve
em mim ('2). Assim falia o amor.
6. º Meios de o obter. Os meias de obter o amor de Deus
são : 1. º pedil-o com grande fervor, dizendo , por exemplo, corno S.
lgnacio : O' meu Deus ! dai-me o vosso amor com a vossa graça,
e eu ficarei bastante rico ; 2. º meditar muitas vezes com admira·
ção e reconhecimento nos beneficios de Deus; 3.º fazer boas obras,
esforçando-nos por cumprir com religiosa fidelidade os 'Mandamentos
da Lei de Deus, tendo sobretudo o maior cuidado em evitar todo o
peccado, por peqmmo que seja, commettido com proposit.o delibera-
do, e em fazer hem as mais pequenl!s cousas; 1.º fazer muitas \'·e-

(1) Bom. VIII, 3~, 39 .


{~) Galat. II. 20.
2:1 V

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CATECISMO

zes aclos de charidade perfeila, dizendo : 1\'leu Deus , é por vós so-
meo te, e por amor das vossas adoraveis perfeições que eu vos amo;
amo-vos porque sois Deus, porque sois o Ser infinitamente perfeilo.
· De ordinario só se chegam a fazer aclos de pura charidade . depois
de ler feito rnmtos de gratidão e esperança.
7. º Peccados oppostos á cbaridade. Todos os pcccados são
oppostos á charidade : os rnorlaes, porque a extinguem ; os venfaes,
porque a esfriam. Entretanto ha peccados que são directamente op-
poslos á charidade : taes como o odio a Deus, e os que de11e deri-
Yam. Aborrece-se a Deus quando se deseja que elle não exis_tisse, ·
ou fosse indifferente ás nossas acções boas ou más ; que é o mes-
mo que aborrecei-o pÔrque é 1usto, · e vingador da iniquidade (1 ).
O odio contra Deus, é o maior e o ...mais tremendo de todos os cri-
mes.
0
8. Segundo objecto da charit1ade , o proximo. Por proxzmo,
não de'\'émos entender somente os nossos parentes, amigos e bem-
feitores ; os habitantes da mesma cidade ou reino ; os discipulos da
mesma Religião. Esta doe~ palavra, introduzitla na lingua humana
pelo Evangelho , cornprchende todos os homens sem distincção nem
excepção alguma : os Chrislãos, os herejes, os Judeos, os idolatras,
os ,,ivos e os mortos, e até os nossos inimigos. A cbaridade deve
ser universal , isto é, catholica como a nossa fé (2). Assim cum-
pre nos consideremos como membros da mesma fami1ia, fiJhos do
mesmo pai ; e por consequencia sorrrer mutuamente as · nossas fra-
quezas, perdoar as injurias, e fazer uns aos outros todo o bem que
pudermos , afim que todos reconheçamos, amemos e honremos como
bons filhos a nosso Pai que está no Ceo. Que nobre alimento offe-
rece lambem aqui Nosso Senhor Jesu-Chrisl.o ao nosso amor ! E

(1) Ah aliquibus otlio Deus haheri polest, in quantum scilirct ap-


prehentlílur pcccalorum prohibitor cl prenarum inflaclor ... odium Dei est
prssimum pccralum hominis. D. Th. 2, 2, q. 34- , arL. 1 e 2.
(2) Proximus noster est omnis, qui io vita beata nobiscum esse po-
lcst. S. Aug. De Catech. rud. e. XVI.

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DE PERSEVERANÇA.
como fulmina ao contrario a lei do odio universal, opprobrio e des-
graça do mundo pagão-, e que é ainda hoje mais ou menos a
causa da abjecção e miseria dos povos , familias e indivíduos infleis
a este preceito fundamental !
9. º Sua regra. A regra com que devemos amar ao proximo é
amal-o como a nós mesmos. Esta regra de charidade bastaria para
provar a divindade do Cbristianisrno. Jamais houve legislador que
a aconselhasse, quanto mais a ordenasse e imposesse ao homem.
Que ba ahi mais terno, social, e capaz de converter a terra em um
anticipado ceo? e, por outra parte, que regra mais infallivel e
menos equivoca? E' impossivel illndil-a, ou sophismal-a com femen-
Üdas interpretações. ' -Amar ao proximo como a nós mesmos é dese-
jar-lhe e fazer-lhe todo o bem qu·e nós rasoavelmenle quere.riamos
que nos desejassem e fizessem, se cstives:;emo·s na posição do nosso
proximo e elle ~a nossa.
Visto que o amor de nós mesmos é a regra e modelo daquel-
le que devemos ter para com o proximo, segue-se 1. º, que somos
obrigados a amar-nos a nós mesmos. Ora, p.ara nos amarmos se-
gundo a vontade do novo Adam, devemos em tudo prefem a alma
ao corpo, a vida eterna á vida temporal , baseando todos os meios
de chegar ao nosso fim ultimo, e evitando tudo aquillo que pode
desviar-nos delle. Da mesma sorte, amar ao proximo como a nós
mesmos , é preferir em todas as cousas a sua alma ao seu corpo •
a sua vida eterna á temporai ; é procurar-lhe, quanto nos é possi,·el 1
os meios de se salvar, e desviar delle tudo o que poderia dar cau-
sa a sua condemnação eterna.
Segue-se 2.º que nós mesmos devemos ser os primeiros e mais
preciosos objectos da nossa charidade (1 ). Cumpre-nos preferir o
nosso beQl ao do proximo , quando estes bens são da mesma or-

(1) Dilectio hominis ad seipsum est sicut exemplar dilectionis qure


habetur ad allerum , sed exemplar potius est quam exemplatutn, ergo
homo ex charitate magis debet diligere seípsum quam proximum, D.
Th. 2, 2, q. 26, art. 4.

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CATECISMO

dem ; por exemplo, a nossa vida á sua_. Tambem não somos obri-
gados a preferir o bem dos outros ao nosso, excepto quando o bem
do proximo é d'urna ordem superior. Ora. a vida da alma é supe-
rior á vida do corpo ; a vida do corpo á reputação, e a _reputação
ás riquezas. Por esta regra, somos obrigados a preferir, a salvação
do proximo á nossa vida temporal, a vida temporal do proximo á
nossa reputação, a reputação ou honra do proximo aos nossos bens .
temporaes. Mas i~to não. tem logar senão quando o proximo está
n'uma grande e extrema necessidade, porque só então somos obri-
gados, para o soccorrer , a renunciar aos nossos bens ainda que se-
jam' d'uma ordem inferior.
Tal é a ordem_ admiravel por que a razão e a fé classificam
os objectos das affeições humanas :
1. º Deus sobre todas as cousas.
2. º Nós mesmos, quanto á alma e aos bens cspirituaes ou da
graç~.
3. º O proximo, quanto á alma e aos. bens espiriLuaes ou da
graça.
4. º Nós mesmos, quanto ao corpo e aos bens da natureza : a
vida e a saude.
5. º Q proximo , quanto ao corpo e aos bens da natureza : a
vida e a saude.
6. º Nós mesmos, quanto aos bens Lemporaes exteriores :, a hon-
ra e a fortuna.
'1.º O. proximo, quanto aos bens lemporaes exteriores: a hon-
ra e a fortuna (1).
·Ainda que devemos amar a Lodos os homens como a nós mes-
mos, ha todavia uma regra que nos cumpre observar em a _nossa
chariclade, relalivarnenle ás pessoas. Ainda nisto a natureza - e a
graça eslam perfeitamente d'accúrdo; pois que a graça não se op-
põe á natureza ou aos seus affeclos, senão que os ennobr~ce e san-
tifica. Quando pois se trata do bem espiritual ou temporal do pro-

(1) Ferraris, art. Virtus, o. 60

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./
DE PERSEVERANÇA. rn1
ximo, devemos attender primeiro a nossos pais , filhos , irmãos e
parentes. Alem disso, havemos de preferir os Christãos aos infleis ;
os Pastores ou aquelles que estam para comnosco no Jogar de pais
ao commum dos Cbrislãos ; os domesttcos aos estranhorr (1 ).
Tal é est'outra regra de charidade a respeito das pessoas.
1. º - Deus sobre todas as cousas.
2. º Nós mesmos.
3.º O proximo.
'·º Filhos.
5.º Pai.
6. Mãi.
0

7.º l\Iulher ou marido.


8. º Bemfeitores, amigos e palricios.
Esta regra de charidade permanecerá no Ceo, aonde será um
dos mais deliciosos gosos ; porque se funda em a natureza ; e, co:..
mo diz S. Tbomaz, a graça não deslroe a natureza, mas sim a aper-
feiçoa. Desl'arte, por merito igual, al]\aremos no Ceo a nossos pais
. e amigos mais que aos oulros bemavenlurados; e por merito desi-
gual, amaremos · mais aquelles que mais perfeitos foi'em (2). Daqui
se conclae que no Ceo havemos de reconhecer-nos. ·

(1) Orig. homil. III in Canl. cant. S. Liguori , t. IV 1 n. U 1 15.


- Dilectio potcst esse iarequalis dupliciler : uno modo ex parle hnjns
honi quod amico optamns ; ct quantum ad hoc omncs homines roque d1-
ligimus ex charitale, qnia omnil>us oplamus bonum idem in gcnere, sci-
licet heatitudmem recernam. Alio modo dicitur major dilcctio propler in-
tcnsiorem actum dilectionis; el sic non oporteL otuncs roque úiligere. D.
Th. 2, 2, q. 24, art. 6-13.
(2) Natura non tollitur per grat1am , sed perlicilur. Ordo au tem
charilal1s ex 1psa natura proccdit. Omnia. enim naturaliter plus se quam
alia amant. Ergo i~te ordo remanebit in patria... conlínget in patría
quod aliquis sibi conjunctum plnribus modis diliget; non cnim cessahunt
ab animo beali honcslre dilcctionis causm. Tamcn omnihus istis rationi-
hns prrefertur incomparabt li ter ratio dilectionis qure sumitur ex propm-
quitate ad Deum. D. Th. 2, 2, q. ~6 art. 13.

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198 CATECISMO

10.º Sua necessidade. Quereis agora saber porque rasão de-


vemos amar a todos os homens? - é porque assim o quei· Deus.
Amarás a Deus sobre todas ás cousas, e ao prorúmo como a ti
mesmo. O segundo .Alandamento é similhante ao pri·imefro; e nestes
dous lUandamentos se encerram a Lei, os Prophetas e o Evange-
lho (1). Por lauto, Deus quer que amemos à todos os homens:
1.º porque lodos são , como nós, feitos á sua imagem e similhança;
2. º porque lodos são nossos irmãos , em o primeiro homem Adam,
herdeiros do mesmo sangue e das mesmas miserias ; 3. º porque são
nossos irmãos em o segundo Adam, herdeiros de seu sangue e de
· seus meritos , Temidos pelo preço infinito d(' sua morte, para que
com elle e comnosco formassemos um só .coração e uma só alma
na terra e no Ceo ; união deliciosa , ineffavel , que, para existir na
eternidade , deve começar no tempo ; 4.. º emfim , porque o princi-
pal designio da Incarnação é substituir á lei do odio , que preva-
lecia no mundo e dividia os homens desde o peccado original, a
~ 1Ce Lei da charida<le que, unindo a lodos , os tornaria a todos um
só povo d'irmãos, uma só familia, como nos dias da primitiva in-
nocencia. Quem não ama a seu irmão, quem aborrece a qualquer
desses milhares d'homens que cobrem a face da terra , contraría os
designios do segundo Adarq, anniquila a sua obra tanto quanto lhe
é possi vel , e resisle por consequencia á · sua vontade. Daqui a sen- • '
tença nunca assás repelida : Aquelte que diz : Eu amo a Deus, e
não ama a seu frmão, é U?n mentiroso (2).
E' evidente que o amor do proximo, isto é, de todos os ho-
mens, é uma consequencia necessaria do arnoi:_ de Deus. FacHmen-
le conheceremos isto se reflectirmos que a charidade consiste em
amar a Deus soberanamente. Ora, nãb se pode amar a Deus so-
beranamente , sem desejar . que elle seja conhecido , . amado, e ado-
rado de Lodos os homens ; porque Deus o deseja ardentemente ; co-
mo temos a prova no Calvario. Mas se desejamos sinceramente que

(t) }fa\Lh .. XXU, 37.


(2) Joan. IV, 20.

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DE PERSEVERANÇA. 199
Deus seja conhecido, amado , e adorado de todos os homens , fa-
remo_s quanto pudermos por que clle o seja. Logo, o preceito . do
amor do proximo depende e dimana necessariamente do preceito de
amar a Deus. Isto mesmo nos ensina o Salvador , dizendo : O
~ segundo Mandamento é similhante ao primeiro : Amarás ao proximo
como a ti· mesmo (1). E isto pelo amor de Deus ; sim, pelo amor
de Deus : ~entendamos .bem esta palavra ultima do preceito da cha-
ridade.
Admiremos aqui a sabedoria do Divino Legislador , e reconhe-
çamÕs que era impossivel dar á charidade, que hade ligar a todos
os homens , um fundamento mais solido. Tenha o proximo virtu~
des ou vicios, sejam quaes forem os seus teres ou qualidades, ha-
ja-nos feito bom ou mal, nem por isso deixará de ter parte na nossa
affeição , nem a nossa affeição para com elle nade ser menos gene-
rosa , constante , santa, e universal. Quer Deus que amemos ao
proximo como a nós mesmos, e assim o quer sempre. Sabido isto,
não temos mais que obedecer e callar-nos , abraçando-nos mutua-
- mente como irmãos e filhos de Deus.
Este s6 mandamento, bem observado que seja, dispensa todas
as leis humanas ; assim como todas sem elle são insufficientes. Não
nos admiremos, pois, que um imperador pagão, Alexandre Severo, o
mandasse gravar em letras d>ouro nas . paredes do seu pala cio. Oxa-
lá o gravemos todos em nossos corações l
11. º Sua applicação. Para que a. nossa charidade seja sincera
e agradavel a Deus, não hade consistir só em palavras ; mas hade
estar no coração e manifestar-se nas obras. E' ·isto o que nos re-
commenda o Discipulo amado, dizendo : Mens fillzinhos ! não nos
contentemos com amar só de ·palavra e de boca, mas amemos com ver-
dade e com, obras (2). E logo accrescenla : Conheceremos que ama-
mós a Deu.s, se observarmos os stus A/andamentos, e os seus Manda~ _
mentos de nenhüm m.odo são dz'{ficeis (3). Eis qnal deve ser a nos-

(1) Mallh. XXII , 35.


(~) Joan. V.
(3) ld. ibid.

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200 CA'fECISMO

sa charidade , assim· com o proximo como com Deus ; isto é , não


hade o nosso amor para com nossos irmãos consistir só em palavras
e demonstrações vãs, mas em obras. Para completar a explicação
do primeiro Mandamento resta-nos pois fallar das Obras de l\liseri-
cordia. São estas de duas sortes : esp1rituaes e corporaes. As es-
pirituaes, em numero de sete, são : 1. º Dar bom conselho. 2. º En-
sinar os ignorantes. 3. º Consolar os tristes. 4. º Castigar os que
erram. õ. º Perdoar as injuri~s. 6. º Sofl)·er com ,pacienêia as fra-
quezas do nosso proximo. 7. º Rogar a Deus por vivos e defun-
tos e por aquelles que nos pe1·seguem. E' por estas obras que ha-
vemos de conhecer se a nossa chandade e sincera , se estamos ver-
dadeiramente e de coração unidos ao novo Adam ; em summa , se
somos filhos do nosso Pai que está no Ceo.
Entre estas obras tam santas e eminentemenle proprias a nos
fazer felizes ainda mesmo nesta vida, ha duas a que maiormente
nos cumpre atlender e reanimar nellas a nossa fé; são o perdão
1

das injurias e a correcção fraterna.


O perdão das injurias, o amor dos inimigos, é o grande mila-
gre do Christianismo, e o triumpho do Calvaria ; mas é tambem o
grande escandalo do homem depravado. Empedernido pela soberba,
o perdão, o esquecimento das injurias é para elle uma cousa insup-
..portavel. Daqui vem, como da sua origem , esses rios de san-
gue, que leem inundado a terra. Daqui o odio atroz , a s_ê. .
de da vingança , que talvez passa de _pais a filhos , para ser
causa da ruina e desgraça de muitas familias. Embora o per..
dão seja na verdade uma heroicidade , uma grandeza d'alma ;
e pelo contrario a vingança um sentimento ignobil d'almas apou-
cadas e ,·is ; para o homem decahido a vingança é gloria, o per-
dão cobardia !
Por isso o novo Adam, vindo a reparar o homem decahi.do , e
reformar os pensamentos e desejos deste pelo modelo dos seus, não
cessou de dar-lhe preceitos formaes de perdão , e perdão sincero.
O perdão das injurias é a indíspensavel conllição, sem a qual se
nos não perdoará a nós mesmos. Se nc1o pcrdoaes a vossos irmãos
de todo o coraçc1o, lambem o vosso Pai celeste vos mio [Jerdoará

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DE PERSEVERANÇA. 201
os vossos peccados (1). Ao preceito ajunta o exemplo, e morre
perdoando ; que digo ~ implorando o perdão para seus algozes : Pai,
perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem (2), Depois accrescen--
ta : Eu, vos dei o exemplo afim de que f açaes como ett mesmo tenho
. fei·eo (3). Dado este grande exemplo, desde o alto do Calvario, por
um Deus que morre ás mãos de suas creaturas, basta ao Chrislão
lançar os olhos á Cruz, para desarmar sua vingança , e suffocar em
seu coração todo o resenlimenlo. E se isto lhe não basta , esse tal
não é Christão.
D'aqui se v~ claramente em que consiste o perdão evangelico
das injurias. C~nsiste 1. º em não conservar odio, ou desejo algum
de vingança, nem ainda de resenlimento contra qualquer que nos
otfende ; mas, ao contrario, amai-o como irmão , e provar-lhe o
nosso amor pelas nossas obras ; 2. º em dar-lhe exteriormente aquel-
les signaes d'am1zade que são communs entre amigos e parentes ;
por exemplo , responder ás suas cartas ou palavras , se por. elle
formos interrogados ; negociar com e1le vendendo ou comprando ;
não fugir da sua conversação se nos encontrarmos em companhia ;
não o privar dos serviços e esmolas ordinarias. Tudo isto debaixo
de pena de culpa grave ou leve, segundo as circumstancias das
pessoas, tempos e logares (í). Somos lambem obrigados a saudar
os_ nossos inimigos . ao menos a corresponder á sua saudação , mas
se elles são superiores devemos anlicipar-uos saudando-os primeiro.

(1) Mallh· VI. ta.


<2> ld. XVIII, 3ã.
(3) Joan. XVII.
(4) Ferraris, arL. Virtus, u. õ,. - Spccialia signa dÍlcctioois per
se loquendo oon teoemur prrestare inimicis ex prcecepto charitatis , sed
solum ex concilio: communis. Unde non tenemur iniuucos regrotos io~
visere, moostos consolari, egentibus succurrcrc, pecunias muluarc , hos- ,
pitio vcl couvivio excipere, ad familiare colloquium adrnittere, .obviam
factos salutare et hujusmodi. Diciiur per se loquendo, quia oh varias
circumstanlias accidcntarias sél'pius obligamur inimicis cxhibere signa
aliqua vcl beneficia spccialia charitatis. Id. ih.
26 · · V

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202 CATECISMO

Se, sem grande incommódo, e saudando-o primeiro podemos curar o


proximo do odio que nos tem, devemos fazei-o ; porque a cbarida-
de nos obriga a tirar. o proximo do peccado mortal, ainda com al-
guma violencia feita a nós mesmos. · .
Regra geral : o que . fez a injuria tem obrigação de se tornar
primeiro ; basta que o offendido 1be perdoe interiormente , e esteja
disposto a reconciliar-se exteriormente quando o outro lhe venha
·pedir perdão; Se ambos são culpados,- é o que primeiro for tocado
da graça que deve por charidade anticipar-se e lucrar assim o seu
irmão para Jesu-Christo. Será Christão um homem que , por um
pontmho d'honra, não quer salvar uma alma remida pelo sangue de
Jesu-Christo? Como apparecerá diante daquelle que, por tantos mo-
dos, se anticipou ao homem culpado, e antes quiz morrer que vin-
gar-se? O' perdão das injurias quaesqner que sejam, e donde quer
que venham , primeira consequencia do grande preceito da cbarida-
de ! como não estás -escriplo 110 allo de todos os co<ligos, e ainda
mais no fundo de lodos os corações !
Outra consequencia ou manifestação do grande preceito da cha-
ridade, é a correcção fraterna.
Corrigir o proximo, é reprehendel-o e admoestal-o com pruden-
cia e charidade. Todo o peccado mortal em que o proximo vai
cahir , ou em que já le!Iha cabido, sem sahir delle , é maleda da
correcçãó fraterna. Oh ! quanto este dever é digno da Religião
Christã • desta Religião que procura primeiro que tudo a felicidade
eterna do homem ! De facto, se a charidade nos obriga a prevenir -
o proximo ou a tirai-o d'um perigo que ameaça a vida do seu
corpo, com quanta mais rasão nos cumpre fazei-o por amor da vi-
da da alma? Todos temos obrigação, já pelo preceito da charidade,
já pelo Mandamento especial de Nosso Senhor, de exercer a correc-
- ção fraterna. Eis as proprias palavras do Divino Mestre : a: Se vos-
cc so irmão está em falta .para comvosco , ide procm~al-o e repre-
« hendei-o em particular entre vós e elle : se vos escular , tereis
« lucrado o vosso irmão ; se vos não escutar, levai comvosco uma
« ou duas leslemunhas, para que ludo seja conJirmado pela aucto-
(( ridadc de duas ou tres pessoas. Se ainda vos não altender ,

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_ DE PERSEVERANÇA. 203
« dizei-o á Igreja; se elle não escutar a Igreja , seja para vós co-
« mo um pagão e um Publicano. :» (1)
Para isto cumpre que cada um purifique bem a sua intenção ,
para não cumprir um dever de charidade por odio ou ressentimen-
to , mas sim e unicamente por procurar o bem · de seus irmãos. O
primeiro meio de ter uma intenção recta, e alcançar bom exilo, é
pergun'lar a si mesmo : Se eu estivesse no caso de receber uma
correcção, como quereria que m'a dessem? Que termos ou manei-
ras desejaria que usassem comigo? Bem meditada esta_ pergunta ,
saberemos logo qual sej'a a aspereza ou brandura conveniente; en-
che.r-nos-ha de verdadeira charidade, e nos inspirará a ·prudencia e
o respeito que devemos Ler ás pes'soas, tempos e logares ; pois que
o velho, por exemplo, ou o superior não hão de reprehender-se do
mesmo modo que o de idade ou cóndição igual (2). Da mesma sor-
te, umas vezes convem que a reprehensão seja cheia de brandura ,
outras de firmeza ou ainda de severidade. Agora se hão de empre-
gar rogos , logo ameaças. l\las em tudo~ como regra invariavel, de.;.
vemos attender ao maior proveito do proximo (3). ·
O segundo meio de fazer com que a correcção ~pproveile é
recorrer a Deus , antes ou depois de a dar , para que nos encha
do seu espírito, e disponha o do proximo a recebei-a e aproveilar-
se della.
Sendo pois o fim da correcção fralerna a emenda espiritual do
proximo , segue-se : 1. que temos obrigação de a empregar Loda
0

a vez que sem ella se não alcança esse fim ; mas nem por isso se
segue que se deva reprehender o proximo em todo o tempo e em
todo o logar (4.) ~ 2.º que estamos dispensados de a dar quando não

(1) Ma uh. ' XVIII, 1õ.


(2) 1 Tim. VI, 1.
(3) Adh1bean tur preme flOil recoso, non interdico, scd :mimo· aman-
tis, animo diligentis , animo diligen·tis, animo córrigentis. Aug. Serm.
XIII , e. 7, a. 8.
(d) Correptjo fraterna ordiaaLur ad- fratris emendationcm ; ct ideo·
hoc modo cadit s·ub prrecepto. sccundum quod cst necessaria ad istum

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204 CATECISMO

~ade ser. ulil, mormente se se prevê qu~ terá consequencias des-


graçadas, para a salvação <lo proximo. (1). Todavia, como a correc-
ção fralerna é dever particular dos superiores ' são precisas muito
graves razões para· que a possam omittir sem peccado. Quanto mais
custoso é de cumprir este preceito , maior deve sei' o nosso reco-
nhecimento para com aquelles que a nosso respeito o exercem. Quam
obngados fica riamos a quem nos livrasse d' uma doença mortal , ou
ainda d'um defeito phisico, pelo qual nos escarnecessem ? Que di-
go l a quem nos mostrasse uma nodoa em nossos vestidos não dei-
xariai:nos de ficar obrigados. Pois logo quanto mais o não devemos
ser áquelles ' que nos advertem das ma.cuias da nossa alma' e nos
ajudam a curar as doenças della l
As obras de rnisericordia espirituaes como que nos dão a co-
nhecer o <livino Coração de Nosso Senhor , revelando-nos ao mesmo
tempo a sua infinita sabed~ria. Podem-se considerar como outros
lautos remedios ou preservativos collocados no caminho da vida, pa-
ra curar a ·alma das suas enfermidades, ou li vral-a de as contrair.
Não pode imaginar-se uma combinação de soccorros mais bem liga-
dos, uma serie mais complsta e adequada de meios para conservar
a sande da alma, e por _ponsequencia a felicidade della e da soci6-
dade, tle que é inseparavel"; porque é a _justiça -que felicita as na-
ções, e o peccado que as torna desgmçad as ('2-).
O novo Adam, aman<lo infinitamente os homens, não se occu-
pon só do bem da nossa alma ; mas atlendeu tambem a lodos os

finem : noo autcm ila quod.. quolibet loco vel tcmpore fratcr dclinqucas
corripiatur. D. Th. 2, 2, q. 33, art. li e VI.
(1) A'rerca da correcção fraterna, veja-se Origenes lib IX, in epist.
ad Bom r. U; Aug. Smn. LXXXII de l'erb. Evangel.; Matth. XVIII,
4, o. 7; üJ. Serm, CCCLXXXIII de Amorf1 homrnis; id. epist CCXI, Greg.
Pasl. curae, p. li, e. 6; Exposit. evang. sec. Lucam, lib. VIII; Cbrys ~
in epist. · ad Hebr. XII, homil. XXX eL XXXI ; id. Homil. de profectu
Evaogclii.
(2) Prov. XIV, 3á.

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DE PERSEVERANÇA. 205
meios de suavisar em o nosso corpo as funestas consequencias do
peccado. Cumpre lembrar-nos sempre que Nosso Senhor · Jesu-Chri~..
to é o _Salvador do homem em todo o seu ser ; assim no intelle·
ctual e moral como no phisico. Em tudo foi terno e sollicito bem-
fe1tor. · Eis d' onde provem as obras, com tanta propriedade cha-
madas de misericordia espiritua~s e corporaes , de que nos en-
carregou como d'um dever sagrado _, segundo o nosso estado e con-
dição. São sete as obras de misericordia corporaes, a saber: 1.º
dar de comer a quem tem fome. 2.º dar de beber a· quem tem
sêde. 3. º vestir os nús. 4. º visitar os enfermos e · encarcerados.
ll. º dar pousada a peregrinos. 6. º remir os captivos. 7. º enterrar
os mortos. Nestes preceitos , tam dignos d'um homem-Deus , está
incluída a causa desses inauditos prodígios da cbaridade chrislã, tam
desconhecidos no ornudo pagão, como commuus e .innumeraveis no
christianismo. São elles 'lambem o refugio e a\livio de todas as
miserias, que podem opprimir. a nossa fragil existencia ; porque
nestes deveres da charidade se inclue toda a ''ida ·do homem ; des-
de o berço até á sepultura ; desde a~ mantilhas da infancia até o
lençol da mortalha.
De todas estas obras a mais importanle na economia da Reli-
gião é a esmola. Fallemos primeiro da necessidade da" esmola.,. a
maneira de, a fazer , e as vantagens que della resultam. A esmola
desde que houve pobres na ferra , tornou-se um preceito ; e poucos
ha tam frequentemente repetidos em o Antigo Testamento. (( Dá
« do que tiveres, dizia Tobias a seu filho, ·e não -voltes o rosto ao
a: pobre, afim que o Senhor não volte o seu rosto de ti: Sê mise-
a: ricordioso quanto puderes. Se tiveres muito , muito darás ; se
(( pouco, dá de boa vontade, do pouco·que tiveres (l).)) o precei-
to da esmola pelo qual somos obrigados a <lar o superfluo t.le
nossos bens (~), funda-se em duas , razões muito proprias para nol-
• ·o fazer amar e praticar.

(1) Tob. IV, 7; ·Eccl. IV, 1; Isai .• LXIII, 3; Daniel, IV, 24.
{2) Luc XI, U ; Jacob., II, 13.

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206 CAT&CISMO

A primeira 'e querer ·o Senhor ourar-nos da ava1·eza on apego


aos· bens terrenos. Esta. paixão , triste consequencia do peccado ,
é uma · das mais fecundas origens dos -males do mune.lo. Ordenando-
~nos pois que . nos restringissemos ao necessario, empregou o novo
Adam o verdadeiro meio de a extinguir. Assim refreada a avare-
:ia, já não é custoso ao no~so coração o ele.var-se ao amor dos bens
superiores. A esmola é pois sumrnamente necessaria áquelle que a
fai, e entra d1rectamenle no plano da nossa regeneração.
A segunda rasãu é querer Deus recordar incessantemente aos
·homens aquella terna verdade, obscurecida pelo peccado, · a saber :
que todos somos irmãos ; que o universo não é mais do que uma
grande familia, cujo pai é Deus; As sociedades . christãs, . lodas se
fundam ·no preceito da esmola. Violar este preceito .é solapar · o
edificio social, causar-lhe os mai·s _violentos e terri veis abalos. · Não
admira, . pois, que o Redemptor dos homens insistisse tanto no pre-
ceito da esmola, · que é·a lei do amor em acção , e fizesse penàer
. della a nossa salvação ou conden1nação elern·a, como· ma teria prin-
cipal do ·nosso juiw ulti'mo, e regra da sua ultiprn justiça!
Obriga-nos o ·pn ceito da esrnolla a dllr o superfluo dos nossos
1

bens. Os ricos não são mais que os deposilarios dos bens dos po-
bres; instiluidos por Deus , Pai commum de todos. ·Pois como se-
rá justo que na mesma familia tenham uns tudo, e oul.ros fiquem
reduzidos a apanhar as migalhas que cabem da mesa de seus . ir-
mãos? Não é de rigorosa necessidade, para justificar a Providen-
cia, que a superabundancia· d~uns suppra a indigencia dos outros? .
Ricos do- mundo, escutai o que vos diz S. Agostinho : « Se hou-
vesseis · de lransporlar a vossa fortuna para um paiz remoto, e le- •
rnesseis os ladrões, não ~stimarieis muito que um filho de boa fa-
milia viesse dizer-vos : Meu p·ai habita no ·paiz para onde ides : el-.
le é muito rfoo; deixai-me aqui as vossas riquezas, que tenho ne-
cessidade dellas ; dar-vos-hei letras sobr~ mau pai, e recebereis o · •
importe dellas logo que chegardes? Ah ! este filho de boa familia é
o pobre ; este paiz para onde ides é a eternidade ; este homem ri-
co é Deus. Dai pois ao pobre para que Deus vol-o ' torne. Se que-
reis fianças Q. pqbre vos apreserrtará os seus andrajos ; quanto mais
gastos esli verem, .mais seguro ficareis .de que tudo o" que lhes .entre-

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DE PERSEVlmANÇA. 207
gardes vos será resliluido. « .Talvez direis, accrescenta º '•·Santo
Doutor: Mas eu tenho filhos! Tanto melhor, que assim tereis .,mais
um, e esse é Jesu-Christo. » Em uma palavra , S. Agostinho cha-
ma aos pobres Laturarii, isto é, portadores, que o são dos bens
<los ricos para o Ceo ; empregados de Deus·, que peregrinam no
mundo.
Para cornpréhender toda a extensão deste preceito, desgraçada-
mente tam desprezado, devemos saber 1. º que se chama ,e leip. por
superfluo tudo o qne não é necessario á vida ·nem ao estado. · O
necessario á \·ida é o preciso. para o alimento e vestido. O neces-
sarto ao estado é 'o que convem á nossa posição '. pondo . de parte
tudo o que é luxo. 2.º que o proximo pode estar . em lres quali-
dades de necessidade ; necessidade extrema, se está em ·perigo de \
- perder a vida ; e nesle caso <levemos soccorrel-o ainda com os bens
superfinos á vida: necessidade grave , se está ·em perigo de decahir
do estado que adquirio legitimamente, ou exposto a algum .outro
mal consideravel ; neste caso devemos soccorrel-o com os bens su-
perfinos ao estado. Emfim, necessidade commum, · que é a dos men-
d)gos (1).
, A esmolla, para ser christã, isto é, util e meriloria ., deve fa-
zer-se com diligencia , de boa vontade , por um principio sobrena-
tural e sem oslentação. Cumprindo assim o preceito , a esmolla nos
dará não só uma grande e pura satisfação, mas ainda nos livrará
do ·peccado, e da morte eterna; lornar-nos-ha · o ceo propicio ; sa-
tisfará por nossas culpas á justiça divina , . transformará os nossos
bens caducos em riquezas eterDas; e nos inspirará grande confiança
em nossas ten lações , e na hora <la morte (2).

( 1) S. Affonso de Liguori.
(2) Textos dos Padres sobre a esmola: Aug. Enarr. in Psal. LXXV,
n . 9; id. Enchirid. ad Lattrentium, e. 32, n. 19; id. Serm. LXII de
verb. lJomini, e. 2, n. 12; id. i'ractl in epist. I Joan. o. 12 ·; Chrys.
J/omil. de divite, de Lazaro; CJpr. de Opere et Eleefhosynis ,: Thom. p.
:1, q. 22, art. V; Ambr. lib. II de Officiis, e. 16, n. 36, 77, 78, e.
ao, n. 148, 1~9, 1DQ. 1õ8. - Veja-se tambem Turlot, Catech. p. 549.

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208 C..\TECfSMO

Quanto ás vantagens ainda lemporaes da esmolla, Ievar-nos-hia ·


longe ó enumerai-as: baste dizer que a esmolla se compara á se-
-mente , que parece perder...se quando se lança á terra, mas que,
bem longe disso, se -multiplica e nos enriquece. Por isso Nosso Se-
nhor disse ·da esmolla: que rende cento por um ainda neste mun-
do. A historia de· Tobias, que deixamos narrada na primeira parte
do Catecismo, é disto a prova_; e a historia de Tobias será eterna-
mente a historia das pessoas esmolleres. Se os pobres nos abençoam
é impossível que Deus nos não abençoe ; porque é o mesmo Jesu-
Christo que pede na pessoa. do- pobre , diz um Padre da Igreja :
Christus est qm i"n universitate pauperum mendicat (1 ).
A mesma sociedade lira -da esmo11a incalculavel proveito. E'
pela esmolla que se mitigam mil ambiçõe~, e refream um tropel de
paixões violentas, que bramem como esfaimadas feras em volta das
propriedades, dos escriptorios e dos palacios dos ricos. O egoismo
dos grandes acaba tarde ou cedo por trazer os murmurios e por
fim a revolta ·do povo (2). As melhores companhias de segurança
são as associações e estabelecimentos de charidade; porque, enten-
damos bem isto, a philanlropia que dança para os pobres, lam lon-
ge está de - lhes applacar as paixões , que pelo contrnrio as irrita e
exacerba. Só a charidade, a charidade christã , que desce até o
pobre, que chora com o pobre, que lhe revolve as palhas da en-
xerga, que se identifica com todos os seus padecimentos , sim , só
a chitridade é capaz de suffocar no coração d'aquelle que não tem
a cubiça dos bens alheios; ensinando-lhe por beneficios, · e palavras
compassivas, que os que teem são verdadeiramente seus irmãos. Es-
ta só idea, bem reflectida, devera m~dar o coração e o comporta-

(1) As familias mais prodigas dos seus bens em favor dos pobres ,
e do seu sangue no campo da batalha em defesa da jusliça , tcem sido
sempre as mais honradas, poderosas e de larga existencia. São factos que
darão matcria a uma historia vasta e instructiva. . ·
(2J Sobre a necessidade social da esmolla , veja-se a nossa obra A
Europa -em 1818.

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DE PERSEVERANÇA. 209
mento da maior parte dos ricos do nosso seculo (1) Que admira,
pois, nestes tempos de philantropia, que sejamos condemnados a ou-
vir dizer que a esmolla avilta o homem 1 Que? a esmolla avilta-
nos ! Oh, ella é o preceito f~ndamental do Chrislianismo , e a lei
por onde se pronunciará a sentença do Supremo Juiz. Tereis pois
o arrojo de dizer que o Christianismo é uma religião qu,e avilta o
homem l Ide, dai volta ao mundo ; comparai o homem christão com
todos os homens que leem existido e existem fóra do Christiams-
mo. A esmolla a ninguem avilta, pois que é o verdadeiro laço so-
cial das nações christãs, é a condição indispensavel da liberdade.
A não ser ella, o pobre ou bacle ser escravo ou morrer de fome ;
não tem .outra allernativa. Pelo contrario, o christão sabe que ' o
pedir o não deshonra, que Jesu·Christo tornou infinitamente respei-
tavel a pessoa do mendigo. Os Fieis não vêem nelle um homem ,
mas a pessoa mesma do seu Deus, que faz um contracto com o ri-
co, e todo a favor do rico. A esrnolla não deshonra o que a dá
nem o que a recebe ; porque um contracto de cambio não deshon-
ra as partes que o assinam.
12. º Peccados oppostos ao amor do proximo. Os peccados op- -
postos ao amor do proximo são : 1. º o odio ao proximo ; 2. º inve-
jar o seu bem espiritual ;- 3..º invejar o seu bem temporal; 4. º a
discordia, que se oppõe á uniâo social e domestica ; 5. º o scisma,
que destroe a união religiosa; 6.º a offensa, que é o contrari-0 da
beneficencia : 7." o escandalo, opp9sto á correcção fraterna (2).
Disto fallaremos quando explicarmos o quinto -Mandamento e os pec-
cados mortaes.

( l) Sobre os cffeitos exLeriores e interiores da charidade, veja-se S~


. Thomas, 2, 2, q. 27, 33.
l~) Sobre tudo isto ,·eja-se S; Thomaz, 2, 2, q. 34- 43.

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210 CATECISMO

O' meu Deus ! que sois lodo amor , eu vos dou graças
por nos haverdes ensinarlo que o primeiro e o maior de lodos os
Mandamentos é o amar-vos sobre todas as cousas. Permitti, Senhor,
que eu me inflamme no vosso amor , que o comprehenda e o ob-
serve ; afim de que, unindo:-me ao novo Adam, fique o meu cora-
ção livre ~e toda a especie de concupiscencia.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximó
1
como a mim mesmo por amor de Deus ; e, em testemunho deste amor,
farei muitas vezes o neto de Charidade.

DE NOSSA UNIÁO COM O NOVO ADAM ,


CHARIDA.DE.

- .
O Decalogo. - Sua natureza. - Historia. - Historia · do Decalogo. ·-
Objecto do t. 0 Mandamento, \·irtudc da Religião. - Peccados que lhe
são oppostos. - Culto dos Anjos, dc.s Santos , das reliqmas, das Ima-
gens. - Factos hisloricos. - Vantagem social deste preceito •

' -
AiuAR a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo como a nós
mesmos por amor de Deus : eis o grande preceito do Salvador, o
resumo de tudo o que Deus ordenou ao homem por sua boca, ou
pela de seus Prophetas até á vinda do Messias ; eis o que mandou

\·.

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,
I>E PERSEYERANÇA. 211
depois pelo l\fessias mesmo, e por seus. Apostolos ; eis o que orde-
na e ordenará emfim até á consummação dos seculos , pelo orgão
da sua Igreja. - Ora, já dissemos que a cbaridade não é ociosa
mas activa ; opéra e obra grandes feitos; e se assim não fosse, não
seria cJJa mais que uma palavra vã e esteril. De facto, ella não fi-
ca em palavras, antes é por obras que se manifesta.; e estas obras
são as que Deus nos prescreve em seus dez Mandamentos. Se os
observarmos ~ saberemos que amamos a Deus ; mas, para observal-
os, cumpre conhecei-os : passemos pois á exp'licação dos dez man-
rlarnentos da Lei de Deus.
Lembremos-nos primeiramente que estes mandamentos não são
senão a applicação praclica do grande preceito ·do amor de Deus e
do proximo. Com effeito , se seriamente os estudarmos , conhecere-
mos que não tiram a outro fim senão ensinar-nos quaes sejam as
acções pelas quaes exerceremos o nosso amor de Deus e do proximo,
e o defenderemos de tudo, quanto possa esfriai-o ou exlinguil-o.
· D' aqui vem ·o conter o Oecalogo duas espec.ies de preceitos , a
saber: positivos, que nos ordenam practicar certas acções ; e ne-
gatzº,vos , que nos defendem o praclicar outras. Dest'arte, o bello
preceito de amar a Deus e ao proximo é qual uma nascente d'agua
fecunda e christalina ~ que o primeiro · Adam tinha obslrmdo pelo
peccado, e que o segundo Adam de novo ab_rio para adoçar, re-
frescar e fertilizar a terra, afim que produzisse abundantes fructos
de graça e de_ salvação.
Os preceitos posili vos são 'l;oruo outras tantas fontes , que le-
"ªm as aguas do sagrado manancial ás differentes regiõPs da terra ;
os negativos são corno diques , que obstam a que a fervida torren-
te das paixões não venha turvar aquellas límpidas aguas , ou des-
viai-as da sua corrente.
E' debaixo deste aspecto que se hade considerar o Decalogo
para- o comprehender e amar. E' por este lado que penetraremos
o profundo sentido do que o Salvador tantas vezes nos diz ácerca
da deliciosa suavidade da sua lei : por exemplo : « Como eu fui
« amacio de meu Pai, assim vos eu amei. Permanecei no meu amor.
« Se guardardes os meus preceitos permanecereis no meu amor, as-
« sim como lambem eu gnanlm os preceitos lle meu Pai , e per: .

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212 - CA Tft~CISMO

(( maneço no seu amor. Digo-vos estas cousas, para que o meu


« gozo fique cm vós e para que o vosso gozo seja completo. Ora,
cc o meu preceito é este: que vos ameis uns aos outros como eu
cr vos amei (1 ). >> E em outra parte: cc Tomai sobre vós o meu
« jugo; porque o ~ meu jugo é suave e o meu peso é leve (2). »
Que é o mesmo que dizer : O meu jugo é o amor , todos os meus
preceitos leem por fim a charidade; se a eonse·rvardes achareis o.
repouso das vossas almas (3).
Sim , é amando a Deus e ao proximo que acharemos o repou-
so das nossas almas. E porque? porque sendo feitos á imagem de
Deus, que é todo amor, o amar é uma necessidade da nossa natureza.
Ora, nada póde satisfazer essa necessidade d'amar, que inquieta o
nosso coração senão o mesmo Deus ; porque nos foz para si. Dest'-
arle não teremos paz nem tregoas com nós mesmos em quanto o nos-
so coração s~ buscar só a si e concentrar em si todas as suas affei-
ções. Nada do que vemos póde contentar-nos , e a rasão é, que o
nosso coração é mais nobre, e maior do que ludo o que nos rodea.
Fez-se desgraçado o primeiro Adam , a si e á sua posteridade, por
ler amado a outra cousa sem ·ser a Deus ; tornou-nos o novo Adam
felizes, reslitui ndo-nos ao amor de Deus. Desl'arlc se mostra elte
em verdade o nosso Salvador, ensinando-nos o que devemos amar ,
assim como já nos linha ensinado o que ·'evemos crer. Para ins-
pirar e conser var em nós este amor. confirmou o divino Mestre,
com a sua omnipotente auctoridade, a Lei do Decalogo. Por isto ,
como por um immenso beneficio, lhe devemos ser gratos, porqlie o
Uecalogo redunda todo em nosso proveito. Daremos aqui um resu- -.
mo dclle, para tornar palpavel esta verdade tarn pouco conhecida.
Ordenando-nos Deus pelo 7Jrimeiro Mandamento que o. amemas
a elle e só a clle , _expulsa do nosso coraç.ão todo o affecto capaz
de o profanar e Lornar desgraçado. Desl'arle nos livra da abjecção

(1) Joru-a. Xlll, 9.


(2) Mallh. li, 30.
(3). Mauh. li, 30.

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DE PERSE,'ERANÇA. 213
dos pagãos, que prostituiam ás mais indignas creaturas a sua ado-
ração e o seu amor : e ainda nos preserva da desventura dos Chrii~­
tãos, que se prendem aos bens da terra ; bens illusorios ~ corru-
plores, que se diss_iparn como fumo , deixando sempre um vacuo
immenso no coração que atormentam.
Prohibindo-nos pelo segundo que não blasphememos o seu san-
to Nome, preserva-nos do desprezo que poderiamos conceber a sua
divina Magestade; e faz que se não esfrie em nosso coração o seu
amor ; pois breve se deixa de amar aquillo que já se nã-o res-
peita.
Prescrevendo-nos pelo terceiro o culto que lhe é devido, pre-
serva-nos Deus das crueis· e ignobeis superstições, com que se avil-
tam e ainda hoje aviltam os idolatras. Obrigando-nos a consagrar-
Jbe um dia da semana, já para descançarmos de nossos trabalhos,
já para agradecer-lhe os passados beneficios e lhe pedir novos ~ já
emfim para reconhecer e confessar com humildade que tudo rece-
bemos delle e. a elle devemos, attende o Senhor igualmente ao nos-
so bem espiritual e corporal. A obrigação de nos occuparmos es-
pecialmente de Deus- em um dia da semana. obsta a que o amor das
creaturas não prevaleça em nossos corações ; conserva e esperta o
desejo do ,nosso ultimo fim; e nos faz anhelar aquella bemaventura-
da patria, onde não haverá mais trabalho nem tlor, mas sim repou-
so e foliciLlade eterna.
Ordenando-nos pelo q-uarto Mandame1Ho a que o vejamos e lhe
obedeçamos na pessoa de nossos superiores, ennobrece Deus a obe-
diencia e basea a sociedade em um fundamento inabalavel. O Chris-
tão só obedece a Deus e não ao homem ; pois a obediencia ao ho-
mem o tornaria escravo e o reduziria ào maior aviltamento. Elle vê
ao mesmo Deus em seus superiores ; e ouve a sua mesma voz quan- •
do elles faliam. Obedecendó-lhes, respeitam a auctoridaâe de Deus
que os manda. Dest'arte a obediencia tem sempre um motivo sa-
grado e divino ; porque Deus , a quem o Christão unicamente obe-
dece, é sempre o mesmo , sempre infinito em poder e bondade , se-
jam embora quaes forem a doçura ou severidade, as virtudes ou os
vícios daquelle, que a sua Providencia poz como superior, inveshdo
da sua anelo ridad"c~. Mas não é só aos inferiores como lambem aos

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2U CArnCISMO

superiores que se dirige o· quarto preceito do Dscalogo. llepresen- ·


lantes do mesmo Deus, são os superiores seus ministros, não para o
mal mas para o bem. Benignos, justos, firmes,. vigilantes, devem
mandàr como o mesmo Deus. Ora, o fim do mando e da obe<lien-
cia é conservar a paz e a charidade entre os homens na terra, para
os conduzir ao seu ullimo . fim, que é a posse de Deus na eter-
nidade.
Pelo quinto Mandamento defende . Deus a'" ,·ida do nosso corpo
e da nossa alma contra o assassinato, o escandalo, a vingança e a
malicia. Poi· este lado obsla igualmente a que se não altere a cha-
ridade, que a lodos dev~ unir como irmãos , e membros da mesma
.familia.
Pelo sexto .e nono Mandamento ·protege Deus ·a honra das fami-
lias~ a nossa innocencia e a do proximo , contra as nossas e alheias
paixões. O seu fim é manler a umão domestica, e conservar em
nós aquella deliciosa paz, rnseparavel da mais bella de todas as
''irtudes.
Pelo setimo e decimo M_andamenlo, defende Deus os nossos bens
da injustiça e da cubiç.a, e protege contra a força e ambição dos
máos e dos l'icos, os pequenos e os fracos. Não ha meio mais ef-
ficaz de impedir que a cubiça prevaleça á rharidade , e li nar a so-
ciedade das revoluções e rumas , tristes consequencias da ambiÇão
e da injustiça.
Emfim, pelo oitavo Mandamento , protege Deus a nossa repula-,
ção, prohibindo o testemunho falso, a maledicencia, a ealumnia , a
mentira ; conservando entre os homens a boa fé, a confiança mutua,
a lealdade, sem a qual não h.a união nem segurança, mas sim
dosconfiança, engano , hypocrisia e dissimulação ; detestaveis vicios,
. que fazem da vida social um prolongado supplicio !
E' pois verdade que o Decalogo não é senão a Lei organica do
-grande preceito da charidade para com Deus, e para com o proxi- .
mo ; é pois verdade que o D~calogo redunda todo cm nosso pro-
veito ; é pois verdade que todos os homens são soberanamente in-
teressados em cumpril-o, e que não podem violar um só de seus
artigos sem compromelter os seus mais charos inte_re~ses 1 ainda mcs-
- mo nesta vida ; é pois verdade que, se em algum tempo conside-

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DE PERSEVERANÇA. 215
ramos os Mandamentos de Deus -como um pesado jugo,_ ou um oh~l­
taculo á nossa liberdade , fpi um grosseiro erro, de que devemàs
envergonhar-nos, e pedir perdão a Deus. Porque, não cançamos de
o refJetir, dando-nos o Decalogo, deu-nos Deus uma das maiores
provas do seu amor. N sua Lei é o mais precioso dom que elle
podia dar-nos. Uma comparação nos tornará sensivel esta impor~ ~
lante _verdade.
Uoi viajante caminha para uma- magnifica cidade , aonde~ em
companhia de sua bem ámada familia, espera alcançar brilhan-te for.;..
lona. Entre elle e a desejada cidade ha. um abysmo inso~tlav·el.
Espessas trevas obscurecem o caminho. Ell~ mesmo vai ·sem luz
nem guia. Sobre este abysmo está lançada uma prancha, estreita,
vacillante: cumpre necessariamente atravessar por ella. O infeliz é
de mais a mais sujeito a tropeçar , o que bem o provam -as muitas
quedas que tem dado. Ora, dizei-me : se um charidoso guiã viesse
levai-o pela mão ; se levantasse dous fortes parapeitos de cada lado
desta ponte fatal; se acendesse ahi brilhantes luzeiros,- de. tal ,:sorte
que fosse impossivel ao viajante cahir no s-orvedouro " a menos que
não saltasse voluntariamente por cima dos anlep_aros r chamariéis por
ventura estorvos a estas. defensas do perigo? toinarieis por injuria
estes fachos acesos? alcunharieis lodas estas precauções da. tropeços
e máos serviços prestados ao viajantes ? merecerá o epilhelo de ty-
ranno este charidoso guia· que lhe deu a mão , que o livrou ·das
quedas, que lhe assegurou ·o bom exilo da viagem ?
E' facil ·applicar o exemplo ; este viajante, sujeito a tropeçar ,
é o homem na terra. Esta ditosa cidade, onde espera fortuna, glo-
ria e uma familia querida, é o Ceo. Este negro abysmo é o infer-
no. A estreita prancha, fragil e vadllante, é a vida. O charidoso
. guia, é De9s. Os parapeitos' lévanta.dos de cada lado: da fatal pon-
te, e os fachos que a illuminam, são os mandamentos da sua ·Lei.
Diga pois embora o homem mundano , que só attende 'iÍs suàs pai·
xões desenfreadas, ou ainda o Chrislão ignorante , que os dez Man-
damentos são insupportaveis pêas; quanto a nós, ó meu Deus ! dire-
mos sempre que o Decalogo é um dos Yossos maiores beneficios; e
fugiremos de jamais os violar, para não cahirmos nesta vida sob o
jugo das paixões ; e depois della , no eterno abysmo do inferno. -

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216 CATECISMO

Assegurar a nossa felicidade nesta e na futura vida; mostrar que é


Nosso ·Senbor, e nós.. servos e filhos. seu~ _; que somos livres e po-
demos alcançar . mere~im~ntos pela pratica dos nossos deveres ; taes
são os principaes m~tivos por que Deus nos deu o Decalogo (1).
· Esta Lei de Deus, -tam bella e c-0nveniente á felicidade e gloria da
humanidade, é fodavia --ata.cada, desprezada e calu_mniada por muitos;
mas cedo ou tarde chega o momento em que seus mais implacaveis
inimigos são forçados a - render-lhe: homenagem. S_eja testemunha
aqueHe philosopho do passa~o seculo ; o celebre Toussaint , cujas
obras foram t~m merecidamente· coildemnadas.
Este aulhor, attrahido á Prnssia por Frederico , ahi cahio em
unia debilidade. de que morfeu passado _um anno. Na vespera da
sua ·morte mandou pedir aos seus amigos que quizessem achar-se
ao outro dia pelas seis horas da ma~hã em sua casà, para assistir
a uma certa ceremonia religiosa. Com effeito, ao outro dia , cont~
um delles , encontramos lá o parocho catholico , que se dispunha a
dar-lhe· ó Sagrado Viatico ; sua mulher e seus filhos estavam de joe-
lhos ao pé -do- leito, e nós fizemos o mesmo.
Então M. Toussaint, tendo feito levànlar as travesseiras de mo-
do que ficasse quasi assentado no leito , pedio ao parocho que es-
perasse um momento ; e, dirigindo-se a seu filho ,, da idade de
quinze ou .dezeseis annos, e mandando-o collocar diante de si , dis-
sC-:lhe : « Meu filho , escuta e guarda bem na memoria o que vou
dizer-te. Estou proximo a comparecer diante de Deus, e dar-lhe
contas de toda a minha vida. Muito o tenho· offendido; muito ca-
reço da sua misericordia! E acaso, ó meu filho, acaso · bastará, pa-
ra obtel-a, o meu arrependimente e a minha confiança ? Ah ! sem
duvida, que isso bastaria, tanto é infinita a bondade de Deus, se
aliás eu não tivesse outras culpas que as minh_as proprias fraquezas
e· peccados; mas se eu de~ escandalo, se. offendi aos outros, não
serà ainda preciso que esses mesmos d'alguma sorte intercedam ,por
mim dianLe de Deu~, e de si mesmos me perdoem?

{t) Non erat uode se homo habere dominum cogitaret , nisi al1quid
ei juberetur ct aliqaid prohibcrctur. S. Aug. ln Gen. e. 11, etc., ele.

_,
: ,,
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Dl:: 1>1.rns_~:n:tUNÇA. 217
e: Mas ainda bem , que delles espero me faç,am essa obra de
·misericordia ; que me perdoem as injurias e escandalos que lhes .te-
nho dado. Eu · tenho offendiílo a Lua mãi ; mas a sua piedade, que
me é bem conhecida, assegura-me que ella m~ perdoará como lhe
peço. De muitas negligencias e máos exemplos sou culpado para
com tuas irmãs, outro ponto em que os remorsos me lançariam tal-
vez em desesperação, se por outra parte não considerasse que em
sua idade as impressões são ainda leves, e que tua mãi quererá e
saberá remediar o mal por uma educação solida e chnslã. Tu só,
ó meu filho, tu só, nesle mornenlo em que vou expirar, és o obje-
clo das minhas maiores e mais leniveis inquietações. Muito te le-
nho escandalisado pelo meu procedimento lam pouco religioso e as
minhas tam mundanas maximas ... não me perdoarás tu? não farás
com que Deus me perdoe? não abandonaras os máos principios que
te dei , abraçando de ti mesmo os que eu te de\'era ter dado? Infeliz-
mente, estas entrando em uma idade, em que as paixões são vio-
lentas , e em que tudo tende ao esquecimento dos mais prudentes
cons<?lhos. Poderei eu esperar que só te esqueças d'aquelles qne eu
te lenho dado • e que- agora tanto me alol'mentam ~ Escula , meu
filho. as tardias lições que le dou neste momento. Eu le dou tes-
temunho tlaquelle ·Deus que vou receber, e em cuja prest:'nça esla-
rei em br~ve : declal'o e alteslo que se le lenho pareciuo pouco
chl'istão eru minhas acções , discursos e escriptos, nunca foi por con-
vicção intima ; mas só por humauos respeitos, por mera vaidade ou
por- agradar a taes e laes pessoas.
cc Se alguma confiança tens em teu pai, não te sirva clla senão
para tornar-te mais respeilavel o que hoje te digo. Praza a . Deus
que te fique vfvamente impressa na memoria, e gravada na alma
esta scena ullima da vida de teu pai! Ajoelha-te, meu filho, une
a5 tuas orações ás d'aquelles que me ouvem e te veem a li ; pro-
mette a Deus que te approveitarás dps meus ultimos conselhos ; e
implora-lhe que elle me perdoe. »
O nosso interesse e o do proximo são forlissimos mõtivos para
cumprir o Decalogo ; mas de todos, o mais forte sem duvida é ser
o mesmo Deus o Auctor delle. Deus mesmo é quem deu a Moysés,
do alto do Sinai, os dez mandamentos da sua Lei, rodeando-a , co-
28 V

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218 CATEt:ISMO

mo sabeis, de um terrível apparalo. Primeiro ex1gw dos Jndeos


e'ttraordinarias preparaçoens, para nos ensinar a submissão e pure-
za d'intenção com que nos cumpre receber as suas ordens, e quars
os terriveis castigos reservados . . áquelles , que as não cumprem. Es-
ta Lei adoravel é tam anliga como o nrnndo ; mas estava obscureci-
da e quasi extincta em lodos os coraçoens pela desordem dos cos-
tumes, e a longa torrente dos- crimes. Por isso quiz Deus escrevei-a
em taboas de pedra, significando que seria duravel e eterna co-
mo eJie.
D'aqui resulta que, dando o Decalogo a Moysés, quiz Deus an-
tes renovar e fazer reviver uma Lei já existente, do que promulgar
uma Lei nova. Livremo-nos de cuidar que estamos desobrigados
de enmprir o Decalogo , por. lermos ouvido dizer que a Lei de Moy-
sés foi abrogada ; porque é certíssimo que a força obrigaloria des-
les divinos preceitos não provem de ler sido Moysés quem os pro-
mulgou , mas sim de terem sido gravados cm todos os· coraçoens
desde o principio do mundo, e havei-os Nosso Senhor explicado e
confirmado de novo.
Jesu-Chrislo nos diz : que não -veio _para destruir a Lei . mas
para aperfeiçoai-a e cumpril-a. E afim que soubessemos de que parte
da Lei entendia fallar, . um dia, perguntando-lhe o doutor da Lei :
o que deveria fazer para se salvar, respon1lcu : Se queres entrar na
vMa, (j'Uarda os iliandamentos (1 ). E em outro lugar diz assim :
A.quelle que rne ama, guarda a minha palavra (2). O Evangelho
abunda em 1denlicas expressoens. Por tanto, l.odos somos obrigados-
ª observar o Decalogo, porque é a Lei do Legislador supremo , do
Senhor do mundo, do Creador e do Juiz de lodos os homens ; Rei
immortal , cuja sabedoria e justiça são infinitas ; cujo poder e força,
, inev1taveis. A obrigaç.ão de guardar o Decalogo não r~speita só os
parti< ulare.s , os pequenos ou os pobres, mas lambem os ricos e os
grandes , os reis e a~ naçoens ; porque é pelo Decalogo que lodos

(1} Mnllh. XIX, 17.


(~) · Joan. XI V, 23.

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DE PEllSEVF.RANÇA. 219
serão julgados. Da observancia dcsla lei divina pende a gloria , a
paz, e prosperidade dos homens neste rnmHlo, e no outro a sua
eterna bemaventurança. Ai dos povos, qne não tomam o Decalogo
por modelo e regra d~ sua legislação! pois permanecem no _esta-
do barbaro, ou nelle cedo ou tarde se despenham.
Quando Deus deu o Decalogo a l\1oysés, gravou-o, como dissemos,
em duas taboas de pedra. Estavam em uma os tres primeiros Man-
damentos ; na outra os ultimas sete. Dest'arte o Decalogo divide-
se em duas partes; a primeira contem os Mandamentos que designam
os nossos deveres para com Deus ; a segunda , os nossos deveres
para com o proximo. Encerrou Nosso Senhor estes dez l\fandamen-
tos em um resumo Lam simples como sublime, reduzindo-os a dous,
a saber : amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo como
a nós mesmos. Que differença l'ntre este codigo moral , tam sim-
ples e completo, tam sabio e fecundo, e o que leem escripto so-
bre moral os legisladores e os philosophos, que são lidos como os
sabios por excellencia !
Nosso Senhor, enviado de Deus seu Pai, para nos instruir e con-
duzir á perfeição, ajunlou ao Decalogo os conselhos, cuja pratica ,
sem ser obrigatoria, --é todavia mui conducente á observancia dos
Mandamenlos e ao bem estar da sociedade. Com etfeito, os tres
principaes conselhos, oppostos ás tres grandes paixões do homem,
são a pobreza voluntaria, a castidade perpelua, e a obediencia in-
teira. Reunidos em grandes familias, aquelles que fazem voto de
seguir estes conselhos, tornam-se escravos das sociedades cbristãs;
renunciam a tudo, e , contentando-sé com um parco sustento e um
pobre vestido, eslabelecem o serviço publico e gratuito <1a charida-
dé, em favor de todas as miserias humanas ; serviço este , que tem
conservado a paz entre as nações chrislãs, e cuja suppressão é a
principal causa dos terriveis perigos que nos ameaçam (1).
Resta-nos saber se podemos ou não gúardar lodos os l\fanda-

,
ct) Veja-se a prova e desenvolvimento desta yerdade em a nossa
obra A lturopa em 18!8.

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220 C.Hl~CISl\10

menlos do Homem-Deus. A Igreja, <l'accordo com o - bom senso ,


condemnou os _hereges que. ousaram decidir que não (1 ). Deus, sen-
do, como é, infinitamente sabio, e infinitamente bom, não póde man-
dar-nos cousa irnpossivel. Se o cumprimento da sua Lei é superior
ás forças da natureza, não deixa elle de nos dar a graça necessaria~
para nos elevarmos ao nivel do nosso dever. O exemplo dos San-
tos de lodos os paizes, edatles 'e condições são inquestionavel prova
desta verclade. Ora, Deus a ningnem falta com os auxilios da gra-
ça: todos nós os temos co'mo os tiveram os Santos. Temos a mes-
ma fé, a mesma esperança, os mesmos Sacramentos, o mesmo Evan-
, gelho ; e temos de mais disso o incentivo e o auxilio do seu exem-
plo e das suas orações.
Mas não basta provar que todos podemos cumprir com os Man-
_,. <lamentos da Lei de Deus ; cumpre lambem mostrar que é mais fa-
cil observai-os do que transgredil-os ; que é mais custoso ao homem
condemnar-se do que saivar-se. Em primeiro Jogar é mais _ honroso
obedecer a Deus que ás paixõe3 ; em segundo Jogar é mais aprazi-
vel ter a alma socrgada que dilac_erada de remorsos ; emtim é mais
facil contentar a Deus· do que ao mundo_ e ás nossas insaciaveis in-
- clinações. l\Iostra-no3 a experiencia Lodos os dias que tem ·muito
mais trabalho o ambicioso, o avarento. o vingativo, para lograr os
seus fins , do que o Christão , para alcanç.ar o Ceo. Esta verdade,
que muitas vezes se pretende illudir, será proclamada, com amarga
desesperação , pelos mesmos máos no dia de J uizo. lnsensalos ! ex-
clamarão elles, para que nos cançamos no caminho da iniquidade;
nessa estrada íngreme. e espinhosa que havemos percorrido! quantos
desgostos, quantas decepções' · quantos dissabores, quantos oppro- ..
brios temos soffrido para chegar, no fim rle tudo, a cahir neste abys-
mo sem ftrndo e sem lermo (~) ! Eis o que muitos leem confessa-

(1) Conr. Trid. Scss. VI, cav. II. - Deus juhcndo monct et íacerc
ttuod possi!I et pelcre quod non possis , el ndjuvat ut possis. S. Aug.
lib. de Nat. et Grnt. e. j3. - Nunquam instat prceccpto, quin prcecur-
,r rat auxilio. S. Lco.
('.2) Nos insensali arnb_ulavimu!' vias ditlicilcs, etc. Sap. V.

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DE PERSEH:RA:-<ÇA . • 221
do já neste mundo ; e que todos confessarão no grande dia da ver-
dade. Passemos pois á explicaçãa circumstanciada dos Mandamentos
da Lei · de Deus.
_4 um so Deus adorarás e amarás perfeitamente. Ordena-nos
o primeiro l\fandamento 1. que adoremos a Deus; 2.º, que o ame-
0
,

mos de tudo o nosso coração ; 3. º , que não adoremos senão a el-


le (1 ).
1. º 11dorar a Deus .- a palavra adorar significa levar a mão á
boca, ou bcijal-a, em signal de veneràção. Em todo o Oriente, era
Lido este gesto por uma das maiores provas de respeito e submissão.
Usava-se já para com Deus, Já para com os homens, e neste caso
exprimia um respeito e urna submissão profuncÍa. Por isso P.hara6
fallando a Joseph lhe disse : T_odo o meu povo beijará a mão aos teus
mandados; elle receberá as tuas ordens como as do Rei ('2). Este
gesto, empregado para com Jleus exprime o culto supremo que só
a elle é devido. Eis a rasão porque Job protesta que nunca o en1-
pregou para com algnmà creatura : Se eu olhei o sol no seu explen~
dor, e a lua na sua claridade; se beijei a minlta m.ào com uma ale-
gria. secreta :· o que é um grande peccado e uma maneira de rene-
gar o Deits Altíssimo (3). No terceiro livro dos Reis , o Senhor se
exprime assim : Eu reservarei para mim sete mil homens, que não
dobraram o joelho diante de Baal ; e todas as bocas que não beija-
ram a mão para o adorar (1.). Por tanto, adorar a Deus é reco-
nhecei-o como o Ser por excellencia, o Creador, o Consenador e o So-
berano Senhor de todas as cousas.
2.º Amar a Deus - já sabemos f'm que consiste o amor que
dernmos a Deus. Resta-nos mostrar que cumprimos o dever da ado-
ração e do amor de Deus~ praticando, a respeito ele sua suprema

(1) Ego sum Dominas Deus tuus qui ednxi te de terra JEgypti, de do-
mo servitutis: non hnbebis dcos alienos coram me. B:cod. V, !, 3.
{~) Geo .. XL, 41.
(3) Joh, XXXI, 17.~
(~) Job, XIX, 18.

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222 CATECISMO
-
Magestade , quatro virtudes : a Fé~ a Esperança, a Charhlade e a
virtude da Religião. Pela Fé reconhecemos que Deus • e só Deus ,
é a soberana verdade; pela- Esperança, que Deus e só Deus é a so-
berana bondade ; pela charidade, que e11e e só elle é o mesmo amor,
o bem por excellencia, e o aggregado de todas as perfeições (1 ).
Tal é a homenagem, em espirito e verdadci, que o primeiro manda-
mento nos ordena que tributemos a _Deus , considerado em si
mesmo.
Mas por isso que Deus é a verdade, a bondade, o bem , em
summa, o aggregado de lodas as perfeições ; segue-se que elle é o
Ser por excellencia, o Creauor, o l\lonarcha, o Senhor absoluto de
todas as cousas, assim do homem como dos Anjos e da8 creaturas
materiaes. Se pois o servo deve respeitar e honrar a seu senhor,
o vassallo a seu príncipe , o solllado a seu general , o lilho a seu
pai, é manifesto que lambem o homem deve respeitar e honrar a
Deus. Alem disso, se a honra e o respeito que os inferiores devem
aos superiores hade ser proporcionado á excellencia e auctoridade
maior ou IJlenor desses superiores mesmos ; segue-se lambem evi-
dentemente que a honra e o respeito devido a Deus hade corres-
pon~er á excellencia e auctoridatle de Deus. Ora, sendo Deus, co-
mo é, e já o temos dilo, o Ser por excellencia , o mais poderoso,
e perfeito de todos os seres, o Senhor absoluto de todas as cou-
sas, devemos-lhe por consequencia as homenagens mais profundas ,
as honras maiores e mais absolutas; em uma palavra, devemos-lhe,
como diz a Theologia Calholica~ o culto -de adoração ou de latriu;

(l) Circa actum eharilatis magis mihi arritlet senLcnlia eorum qui
cum requirunl semel iu mense, dum dillicililer obscrvare potcril legcm
divinam, qui frequenler suum erga Dcum a morem aclihus positivis non
exercet . Atlamcn opus non csl ul hi actus reflexc et explicite rianl, cum
inleulione prcecepto satisfaciendi; sed salis csl si exercilale liant, liceL ex
alio fine, ncmpe ad abjiciendam teotalionem, ad eliciendam contril1oôem,
si confileri vclit. lla. elinm aclus charitalis suot ornnes uniformitati;
actus divinm ''olnnlali, et omnes virtutes exercitm ad Dei complacenLiams
ila pariter sunt actus fidci : orarc, rrucifixum adorare, signare se signo

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DE PERSEVERANÇA. H3
e esle nec~sario culto de latria é pela Religião que lh'o tributa-
mos (1).
A virtude da Religião é pois uma parte essencial da justiça, e
a primeira das virtudes rnoraes (2). Seus actos são inlern-0s.ou ex-
ternos. Os actos principaes da virtude da Religião são a devoção
e a oração. A dernção é o acto da vontade que se dedica, isto é,
que se offerece a Deus, para cumprir prompla e voluntariamente
tudo o que é do seu serviço. Em nada se honra melhor a Deus do
que nesta promptidão admiravel, que é uma homenagem prestada á
-sua auctoridade, justiça, e boQdade suprema. Nada ba mais util
para o homem , cuja vontade se aperfeiçoa pela submissão á von-
tade infinitamente perfeita. . Não sabem pois o que dizem aquelles,
que ousam melteÍ' a devoção a ridiculo, ao passo que tanto blaso-
nam da sua devoç.ão· ou dedicação á sua familia, aos seus amigos,
á sua palria, aos seus interesses. Gloriam-se elles pois da sua de-
voção , mas o qne não querem ver, ou ao menos confessar, é que
a devoção do Cbrislão a Deus, ao seu serviço, aos interesses da sua
gloria , que são lambem os interesses da familia e da sociedade , é_
uma devoção incomparavelmente mais honrosa e util (3).
A oração é o segundo aclo interior da vi~lude da Religião. Por
eHa rende o homem homenagem a Deus, reconhecendo-o por Autho1·
de todo o bem e a si pela in<ligencia mesma. A oração pois, bem
como a devoção , é honrosa a Deus,. Elle a exige não só para si,
como homenagem e acção de graças devida á sua bondade ; mas

crucis, ctr. Quare bcnc , aiL rard. de Lugo, quod ille qui semel arnplc-
xus est fidem christianam (aut vixeriL ,. e~o addo, rhrisliaoo saltem prre-
ccpto pascali satisfaciendo), non debet dubitari quín sat1sfccerit prrecepto
spei. S. Alph. llomil . apod. Tract. IV, n. 13.
0) Rcligio est virtus moralis per quam homines exhibenl cultnm et
ho11orem Deo lauquam omnium creaLori cl supremo Domino dchitum. S.
A lph. Tract. IV, n. U.
(2) D. Th. 2, 2, q. 81, arl. 5, 6.
(3) ld. ib q. ~. 2, q. 81, art. 7.

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CA'l'KCJSMO

ainda para o homem, a quem ulilmente colloca em suas verdadei-


ras relações de dependencia e confiança filial para ' com seu Pai ce-
leste (t ). Não accrescentaremos mais a respeito da oração , de que
já tratamos em outro lugar.
Os actos exteriores da virtude da ReligiãÔ são a adoração, o
sacrificio, a otferenda, o voto. A adoração é o aggregado de si-
gnaes exteriores , pelos quaes reconhecemos o soberano dominio de
Deus, e os sentimentos que esta idea nos inspira, como são as pros-
trações, as genuflexões, e demonstrações diversas de respeito e sub-
missão que damos· a Deus. Nada mais natural do que a adoração ;
porque é impossh el que a alma penetrada d'um profundo sentimen-
1

lQ o nfo manife.sle exteriormenLe. Nada mais necessario ; porque o


homem, .composto como é de corpo e alma, deve a Deus a home-
nagem de todo o seu ser. Por isso a adoração é de lorlos os tempos
e lugares. Ora, o corpo ·não pode adorar a Deus senão por actos
externos; e estes hão de referir-se á adoração interna e exprimil-a,
como o corpo se refere á alma ; pois d'oulra sorte, a adoração ex-
terna não seria mais que mornice e hypocrisia (2).

(1) D. Th. 83, art. 2, 3.


í2) Quia ex dnplici oalura composit1 sumus.... dupliccm adornlio - ,
nem Dco offcrimus : seilicel spiritualem, qure coosíslít in interiort men-
tis derntione; et corporalem, qure consislíl in exteriori corporis humi-
lialionc ; el quia in omnibus arl1hus latrire, id qnod cst exterius refcr-
lor ad id quod esl intcrins, sicut ad príncipalius , irlco ipsa exterior ac.Jo-
ralio fit propler inlenorem; ut \·idelicct per sígna humilitatis qure cor-
poraliter cxíbemus cxcitctur ooster alTcclus ad subjicieàdum se Deo, quia
eonoatnrale csl nobís ul per scosibilia ad inlcll1gibilia procedamus. D.
Th. 2, 2. · q. 84, art. 2. - bco rcvcrcntia m ct hooorem exhibcmus noo
proptcr seipsum, quia e:< scipso est gloria plenos, cui nihil a crcalura
adjici polesl, scd propter nos, quia videlicct opcr hoc quod Deum rC\"e-
remur et honoramus, mcns nostra ei Subjicitnr, et in hoc perfcrlio ejus .
consistit; qurelibeL .cnim res perficilur per hoc quocl subditur suo su -
periori, sicut corpus per hoc quod firificalur ah ~101rua, et acr per hoc
quod illuminatur o sole. 'Mens autem humana 10diget ad hoc quoc.l coo.

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DE PERSEVERANÇA •

. O sacriticio é a offerenda feita a Deus cl'uma cousa que se des-


troe em ·sua honra, para reconhecer seu soberano ·dominio sobre. as
creaturas. O sacrificio é o acto essencial do culto externo e é de
direilo natural. Por quanto, desde o instante que o homem conhe-
ceu a Deus, e .a si mesmo, contrahio a obriga~.ão de confessar, por
aclos exlernos, o direito absoluto de vida e morte que Deus tem so-
bre o homem 1 e sobre ludo o que existe. E' por isso que o sa-
crjfieio existe desd~ o principio .do m~ndo, em lodos os povos e re-
giões da terra. E' evidente que o sacrificio é um acto de adora-
ção, que só ~e deve offerecer a Deu8. Assim o professa e ensina,
mais ai.tamente que ninguem, a Igreja Calholica. Mentem desfaça-
damenle os hereges, que a accusam de offerecer sacrificíos aos San-
tos e á Santíssima Virgem (1)
. A offerenda é tudo aquillo que se otferece a Deus , para servir
ao seu cullo , ao ornamento dos templos e altares , e á sustentação
dos ministros sagrados. A qfferenda é de direito natural como o sa-
crificio, pois que o homem é obrigado a consagrar á honra de Deus
alguma parle dos bens que recebeu da sua liberalidade (2). Na
Lei antiga exigia o Sen·hor a offerenda dos primeiros fruct<'s da ter-
ra ; na Lei nova , tambem determinou certas offe..-endas a Igreja , e
justo é que se diga que os scculos chrislãos satisfaziam profusamén-
te a esta divida de gratidão, do que dão testemunho esses magni-
ficos orna_mcntos , vasos sagrados, pedras preciosas, e mil outras
riquezas que adornavam o templo de Deus, remediavam os pobres,
e por ultimo foram presa da . impiedade.'

jungatur Deo sens1bilium manducatíone, quia iovis1bil1a Dei per ea qu<e


facta sunt intellcrta consp1ciuotur, eL ideo in divino culto necessc est
aliquibus corporalibus uti, ut eis quasi siguis quibusdam mens homrn1s
excitelur ad spirrtuales actu~, qui bns Deo coojung1tur. D. Th. íd. ib. q.
81, arl. 7. ·
(1) D._ Th. 2, 2, q. 85, art. 1-4. - E~plicaremos isto mais por
extenso na quarta parle do. Catecismo.
(2) Pertioct ad jus naturale ut homo ex rebus sibi 'datis a Dco ali·.
quid cxhibeal ad ejus honorem. ld. ib! q. 86, arL. i.
!9 V

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226 CATECISMO

O voto, qüe consiste em obrigar a nossa pessoa ou os nossos


bens ao culto de Deus, é certamente um aQto de Religião appro-
vado tanto na antiga como na nova Alliança ; e praticado enlrc to-
dos os povos. (1 ). Delle fallarcmos na seguinte lição.
3.º Adorar só a Deus. Do' que deixamos· dito claramente se
mostra que só Deus tem direito ás . nossas adoraç.ões , e ao noss~
amor sobre todas as cousas : sustentar o contr'ario seria defender a
idolatria.
Conh~cidas pois as virtudes e actos ,- pelos quaes adoramos e .,
, amamos a Dens perfeitamente , vejamos quaes são os pecca1los op-
postos a esta obrigação, que é a mais santa de todas. Os peccados
conlrarios á Fé, Esperança e Charidade são todos opposlos ao pri-
meiro mandamento, como dissemos. Os que encontram directamen-
te a virtude da Religião são principalmente tres ; a irrelt"gião , a
superstição, e o culto i'llegitimo.
1. º lnRELJGJÃO. - As obras ,d'irreligião são a~uellas pelas quaes
se falta á honra e ·respeito devido a Deus, taes corno a tentação de
neus, o sacrilegio, a impiedade e a simonia. Tenlar a Deus é que-
rer, sem justa causa, experimentar o poder, sabedoria, justiça, mi ..
sericcrdia ou qualquer outro dos seus divinos altribulos ; por exem-
plo, pretender andar sobre a agua, crendo que Deus póde suslentar-
nos na superlicie della; querer viver sem comer ; lisongear-se que
sahirá bem d'uma empreza sem lhe pôr os meios ordinarios e eslabele-
cidos pela Providencia ; pedir um milagre sem necessidade nem
fundamento ; esperai· de Deus o necessario para _a vida, deixando-se _
estar na ociosidade e indolencia ; não dispol' ~ alma pela oração e
orar sem atlcnção , esperando obler àquillo que se pede com l~nla
negligencia; peccar mais livremente pela esperança do perdão, ou
crer que nos salval'emos sem deixar o peccado, nem observar fiel-
mente a Lei de Deus. Esla ultima tentação de Deus é a mais com-
mum.; e, assim como as outras, um grande peccado ; porque· ullra-
Jª a Mageslatle_ dé Deus, querendo que sirva direclamente aos nos-

( 1) D. Th. ~. ~, q. 88, art. õ.

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DE PERSEVERANÇA. 2z1
sos capri'chos ou paixões , em desprezo elas causas secundarias, ou
meios que elle estabeleceu para produzir os effeilos qit-e desejamos;
em uma palavra, a ,tentação de Deus consiste em pedir o que é con-
trario á ordem ; e por isso se oppõe á virtude da Helig1ão , pela
qual devemos sempre pedir segundo a ordem estabelecida por
Deus (1 ).
O sacrilegio é a -profanação de cousa sanlá ; póde ter põr obje-
clo pessoas, Jogares ou cousas. Assim é sacrilegio pessoal o mallra-
lar um clerigo ou religioso ; ou commetter acção deshonesta com
pessoa consagrada pelo voto de castidade. E' sacrilegio local o pro-
fanar lugares santos. . Enlenr1e-s-e por logares santos as igrejas ou
capellas consagradas "º culto devido a Deus , e bem assi~ os cemi-
terios. Os peccados commellidos nestes Jogares alem da sua mali-
cia propria teem a da profanação. O sacrilegio real é aquelle que
nasce da profanação de cousas sanlas. Por exemplo , profanar os
calices, as patenas e os pannos que servem ao allar, conhecidos pe- ,
lo nome de corporaes, sanguinhos e palas, que os simplices fiejs não
podem tocar depois d~ lerem servido ao sacrificio. Mas o mais hor-
ri vel de todos os sacnlegios é receber os Sacramentos estando em
peccado mortal.
A impiedade é o desprezo formal ou affeclado da Religião. DesL'-
arle se tornam culpados d'impiedade, 1.º os que escarnecem das pra-
ticas, manllarnentos ou ceremonias da Igreja ; ou que ultrajam a cruz,
ou as imagens dos Santos; 2.º os que por sua inditferença para
com os deveres da Religião, affeclam e pregam o desprezo de Deus,
da Igreja ~ - de suas leis. Estes, mais perigosos que os- primeiros ,
por ser o máo exemplo o mais perigoso sophisma , são lambem com-
mummenle mais culpados; porque o seu procedimento é um despre-
zo habitual da au cloridade. Aos inc.Jífferentistas cabe a maior parte
· na desmoralisação dos povos, e a mais terrível responsabilidade pe-
rante Deus e a sociedade.' Todo o cuidado é pouco em nos preve-
nirmos contra os escriptos e. discursos dos ímpios e o máo exemplo

(1) D. Th. 2, !, q. 97, art. 2-3 .

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228 CATl~CISMO

dos indifferentistas ; porque a impiedade e a indifferença se cotligam


hoje para aniquillar o imperio da fé e da virtude. Não se esque-
çam os Fieis que é rigorosamente prohibido imprimir, vender, com-
prar, ler, emprestar ou guardar livros ímpios e hereticos, em que se
atacam ~irectamenle as verdades da Religião (1 ).
A simonia é o peccàdo dos que fazem trafico de cousas santas,
isto é, que as vendem ou compram a preço de dinheiro (2). Con-
. sidera-se este peccado como um dos mais horriveis ultrajes que se
possam fazer á divindade.
2.º A SUPERSTIÇÃO. - Se a irreligião se oppõe ao primeil'O nrnn- .
damtnlo por defeito, 'a superstição se lhe oppõe por excesso. E' el-
Ja um culto falso, excessivo e superfino. Dar ás creaturas um cul-
to, que é só devido a Deus , é uma superstiç~o abomina vel, é o cri-
. me dos pagã0s, que adoram o demonio · debaixo da figura de seus
idolos. Entre os Cbrislãos não ha idolatria propriamente dila, mas
ha uma especie do recurso ao demonio, que é m11i commum , e a
isto é que propriamente Sll chama supersti.ção. As principaes_ ma-'
neiras de_ recorrer ao espirilo infernal são : a magica, a adivinha-
ção, o maleficio, a vã observancia.
A magica é a invocação elo demonio com designio de operar
por seu auxilio etreilos maravilhosos. Disto lemos muitos exemplos
na Escriptura, como são entre outros o dos magfoos . de Pharaó.
Esta arte diabolica estava muito vu]garisada entre os pagãos. To-
das as suas historias o attestam (3).
A adivinhação é a invocação tio 'demonio com o fim de co-
nhecer as cousas futuras. Esla pratica abominavel remonta-se ao co-
meço da idolatria, como ~o.1-cf provam assim a Escriptura como a
historia profana Quantas vezes reprehendeu o Senhor ao seu po.Yo

(1) Veja-se Fcrraris, art. Libr. Prohib.


(2) Studiosa vohrntas emcodi prctio temporali aliquou spirituale ,
\'Cl spiriluali anne1um. S. Alph. lwm. aposl. lr. IV.
(3) l'eja-se Cicero, da Natureza dos deuses, li\' Ili, e da Adívioha-
ção, l. II, n. 149.

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OE PERSEVERANÇ,A. H9
por consultar os deu~es estranhos (1) ! Ainda hoje se encontram
prele-ntlidos adivinhos, e mulheres que se dizem adivinhatleiras, e
que ]cem a buena dicha.
O maleficio é a invocação do demonio com o fi rn rle Jazer mal
aos outros, pronu.nciando contra elles certas palavras, fazendo cer-
tas cousas ou depositando enfre elles secretamente certos objeclos.
Esta praclica,. mais criminosa ainda que as precedentes, é antiquissi-
ma no mundo.
A vã observanciti é a invocação do demonio com desígnio de -
·fazer bem a s1 proprio ou aos oulros. Ha vã observanci'a quando
os meios que se empregam não podem produzir naluralmente o que
se deseja. Dest'arle são culpaveis todas as praticas vãs • de que
usam nas cidades, e principalmente nas aldeas, para curar diversas
enfermidades já dos homens, já dos animaes. Este genero de su-
perslição é tam antigo como os outros. O testemunho da Escriptu-
ra e da historia profana não nos deixam duvida a este respeito (2).
· Sem duvida nos pergunla1·ão o- que devemos crer de todas es-
tas praticas supersliciosas, oppostas á virtude da Religião ? 1. º E'
certo e formalmente nos ensina a Escriplura , que o demonio não
tem poder sobre o homem , senão por permissão expressa de Deus;
2. º é certo que Deus lhe concede algumas vezes esta permissão, seja
para manifestar a sua gloria , _seja para punir os que s.e abandonam
ás suas paixões , do que são testemunho os magicos de Pharaó, os
possessos curados pelo Senhor, , e muitos outros exemplos referidos
nos Livros sagrados; 3.º é certo que o demonio nada deseja lauto
como usurpar a honra de Deus, e por isso mesmo se precipitou no
inferno : roe-se de inveja por ver os homens chamados a subsliluir
o seu lugar no Ceo ; e, não podendo Yingar-se em Deus, vinga-se
nos homens. Por consequencia, não deixa pedra por mover para

(1) Veja-se a histeria d'Ochosias no primeiro capitulo do <tuarto


livro dos Reis.
(2.\ LeviL. XIX et XX. « Flccterc , si nequeo Superas, Acheronta
movebo, >> diziam os Pagãos.

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CA 1'F.CIS!\IO

encher o mundo de trevas e mentira. E nisso - não tem sido mal


soccedido; pois que o mundo inteiro o adorou até á vinda de Nosso
Senhor; e ainda hoje faz quanto pode para desfigurar a Religião ,
inlroduzmdo nella os seus arlilicios e superstições ri(Hculas, infames
ou crueis , afim de trazer o mundo ao desprezivei estado de idola- -
tria em que jazeu ; e fazer com que lhe rendam ainda homenagens
e adorações. Todas as praticas supersticiosas , de que acabamos de
fallar, tendem a esle fim , e por isso as vemos na Escriptura sem-
pre punidas com os mais severos castigos. A mesma Igreja , orgfio
de Deus, pune com as mais graves penas aquelles que as exercitam.
Nos primeirús seculos condemna va-os , uns a sele , outros a cinco
annos de penitencia publica._ Debalde dizem as pessoas que usam
similhantes praticas, para se juslifica1": que não leem intenção de
recorrer ao demonio ; mentem; porque a elle recorrem tacitamente
todas as veies que, para obter 0 effoilo que desejam • empregam
causas que não podem produzir taes effeilos, nem pelas promessas -
de Deus, nem pelas forças da natureza. Ora, nas .pral icas occultas
de que tratamos, não se pode esperar o que se deseja nem de Deus,
nem da natureza ; logo só do demonio o esperam. Ponhamos um
exemplo : Adoece uma pessoa, e logo um lal se offeréce a cural-a 1

por meio de certas , palavras e signaes extravagantes , ôizendo que o


resultado é infallivel. Ora, de Deus não se pode esperar tal cura ,
porque Deus e a Igreja prohibem similhantes meios de procurar sau-
de : lambem se não podem esperar das ~orç.as da natureza, porque _
não ha proporção natural entre taes p~lavras ou signaes e a recu-
peração da saude. Se esla pois se recupera, é e-vidente que se ha
de allribuir a um pocJer intermediario entre Deus e a natureza.
Mas este -poder só pode ser o do demonio, que sugge.re similhantes
-arlificios para engauar os homens , excitai-os a confiar nelle, desvi-
ai-os de Deus e emfim perdei-os.
A experiencia confirma este raciocínio ; porquanto, se aquelle
que faz estes signaes e orações , ou aquelle a quem se fazem , se
previne, dizendo do coração : Eu renuncio ão . demonio , ás suas
pompas e ás suas obras, a cura fica sem effeito , como se lem pro-
vado por iucontestaveis exempleis. E' por lanlo prohibido recorrer
a alguma destas praticas, seja para se curar a si ou aos outros , ·

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DE PERSEVERANÇA. 231
ou ainda aos irracionaes; seja para conhecer o futuro, ou sabir-se
bem de alguma empreza.
Peccam lambem por superstição os que botam , ou mandam bo-
lar cartas para adivinhar o que hade succede_r ·; e nem lhes vale di-
zerem. que lhes não dão credito' pois sendo assim é menor o pec-
cado ; mas será verdade qu~ lhes não dão credito e todavia o fazem?
Não leem nnnr.a estes taes a loucura de se alegrarem ou am~dron­
tarem com as suas descobertas 'l
ªº"
Quanto presagios, não são ~lles superstições propriamente
ditas , porque crendo em presagios felizes, a ninguem se rende cul-
to, commummenle fallando, senão a Deus ; todavia consideram-seco-
mo preconceitos e opiniões ridiculas. Desl'arte, não se hão de ter
por peccados graves os pre1uizos das pessoas mais que simplices ,
que temem certos numeros, como acharem-f,e treze á mesa; certos
t.lias , como começar uma cousa, ou emprehender uma viagem á
sexta frira ; certos aconlecimenlos, como entornar-se a almotolia na
· mesa ; certos signaes , como uma faca e um garfo postos em cruz.
Quanto _a sonhos, o crer nelles é uma fraqueza de espirito,em
que ordinariámente só ba peccado venial. Todavia é sempre peri-
goso regular ·alguem por elles o seu procedimento , ainda mesmo que
os não creia (1).
3. º CuLTo ILLEGITll\IO. O culto illegitimo é aquelle que se ren-
de ao Senhor de differente maneira da que deve ser, misturando-
lhe cousas que não pode_!ll agradar a Deus. A Igreja determinou
ludo o que respeita ao santo sacrincio da Missa, á administração dos

{1) Pro regala autem disccraendi, .ªº somnia siot a Deo, vela dre-
mone , observandum an somnium tmpellat ad opus bonum , vel malum,
' aut prresumptuosum. Item an post somnium homo se sentiat perturba-
tum et minus promplum ad opera pielalis, vel alacrcm et promptum, luoc
enim polcsl prudenler ccnsere somnmm esse a Dco. Communitcr cl uL
plurimnm in simi11bus in quibns tacitum tantum est pactum, yeniahtcr
tantum peccari docent doctores. . . Recte tamen notat Delrio esse sem-
~er rem valde periculosam ju:<ta ilia (so1r.nia) actiones suas dirigere, etiam
non credcndo. S. Lig. lr. 1, n. 9.

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CATECISMO

Sacramentos, ao Officio Divino ; em uma palavra, á esseocia e for-


ma do culto sagrado que se pode dar a Deus e aos seus Santos. .
Por tanto, 1.º não se deve dar a Deus algum culto não adoplado
- pela Igreja ; 2. º não se de.ve misturar neste culto da Igreja cousa ·
alguma que ella não ; approve. E' assás beUo e magnifico o culto da
Igreja Catholica ; é assás variado e terno para mover 1o coração e
elevai-o a Deus , sem ser preciso ajuntar-lhe cousas novas ; pois
essas addições, mmtas vezes ridicuJas, só são proprias para excitar
a irrisão dos impios, sem nenhum proveito de quem as empre-
ga (1). ,
Culto dos Santos. O primeiro mandamento prohibe que se dê
o culto supremo a oulrnm senão a Deus. Daqui concluiram os nos-
sos irmãos separados que não era permillido dar aos Anjos e aos
Sanlos algum culto embora inferior e ·subordina(~º· Neste ponto as-
sim como nos demais, torturaram a logica , e se puzeram em con-
lradicção com a Escriptura , a tradição universal e até a propria
razão. Com effeito, estas tres auctoridades nos ensinam, de com- .
mum accordo, que o culto dos Anjos e dos Sanlos é antiquíssimo,
mui legitimo, util e consolador.
1. º E' antiquissimo. Abraham prostrou-se dianle <los Anjos, que
lhe appareceram. Jacob, tendo lactado com o Anjo, lhe pedio a
sua benção , e não quiz deixai-o ir sem que tivesse allendido á sua
supphca. O Deus que me ha sustentq,do desde a minha mocidade,
diz Jacob abençoando os filhos de José; o Anjo do Senhor que me
tem livrado de todos os meus males, ~bençoe estes meus filhos , e
sobre elles se a"nvoque o me1s nome, e os de meus pais, Abraham e
Isaac (2). Josué vio um AnJo que lhe disse : Eu sou o Princi'pe
do exet'cito do Senhor ; no mesmo instant~ o chefe dos hebreos se

(1) Si homiocs rudes hona fide et ex devotione ali quem rilum ab


Er.clcsia non receptum observent, aliquando io sua simplici late relinquen~
dos esse dum difti~ulter abducantur ah eo quod booa fide. a suis rnajori-
bus acceperunt. ld. tr. l, n. 17.
(2) Geo . XXVlll, 16; Rom. V, ti; lV Reg. L 13; id. 4, 37.
etc., etc.

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l>E PERSEVERANÇA.

· prosternou com a face em terra , exclamando : Que diz o meu Se-


nhor ao seu servo ? - Tz'ra, lhe disse o Anjo, os çapatos dos teus
pés, porque o lugar onde estás é santo : E Josué fez o que elle lhe
mandou. Daniel prostra-se lambem diante do Anjo que lhe vem
revelar o fuluro. O official mandado para prender Elias, prostra-se
diante daquelle santo , e 1he dirige uma fervorosa oração. A Suna-
mita , vendo seu filho resuscitado por Eliseu, ajoelha-se diante do
Propheta e o adora. Seria facil multiplicar iguaes exemplos do An-
tigo Testamento, qu_e provam que a invocação dos Santos era usa-
da commnmmente na Synagoga (1). Em o Novo Testamento -vemol-
a existindo desde os primeiros dias da Igreja. Um celebre protes-
tante (Leibnitz) convem nisto de boa fé. « E' certo, diz elle, que
no segundo seculo já se celebrava a memoria dos marlyres e se fa-
ziam, junto a seus tnmulos , assembleas religiosas (2). >> Faltando
desta sorte , é Leibnitz o ecco de toda a tradição escr1pla nos li-
vros, gravada nos monumentos , e posta em acção nas praticas dos
primeiros Chl'istãos. Sl. º Ireneo nos representa a Santissima Virgem
como l\lãi de todos os homens, e advogada do genero humano ; á
qual, accrescenta elle, devemos recorrer em nossas necessiJades e
afflicções (3). « Devemos in.vocar os Anjos, diz Origenes , porque
Deus os encarregou de nos guardar , e velar a nossa salvação. Pros- ,
trar-me-hei <le joelhos , exclama elle, e não me alrevendo , por cau-
sa dos meus peccados, a otferecer as minhas supplicas a Deus, cba-
. . marei todos os Santos em meu soccorro. O' vós, Santos do Ceo,eu
.vos invoco com grande dor, e copiosas lagrimas e suspiros ; pros-
, trai-vos ante o Deus das misericordias , e pedi-lhe por mim misera-
vel peccador (-4) ! « Para honrar os soldados da verdadeira pieda-
de, exclama Eusebio, os verdadeiros amigos de Deus, vamos aos seus
tumulos 3presenlar-lhes os nossos requt.rimentos como. a almas san-

(t) Dissert. de M. Drarh. sobre a inv. dos Santos na Synag.


j2) Thcod. p. 170.
(3) Lib. V, e. 19.
(4} Homil. io Ezech. b. 7; in Lament.
30 V

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C!TECISMO

tas , sabendo que a sua intercessão para com o Eterno nos é muito
saudavel (1). » « Santa Mãe de Deus , exclama . St.º Ephrem, á
vossa protecç.ão recorremos ; guai~dai-nos , e dignai-vos cobrir-no~
com as azas da vossa misericordia e da vossa bondade. Deus,cheio
de misericordia , pela intercessão da Bemavenlurada Virgem Maria,
de todos os Anjos e Santos, vos supplicamos que tenhaes piedade
da vossa creatura (2).. >> - T~riamos de copiar por inteiro as obras
dos Padres da Igreja , se houvessemos ·de referir todas as passa-
gens por onde se prova que o culto dos Santos existio constante-
mente na lgreja.
2. º E' legitimo. Adoplando mesmo os principios dos_protestan-
tes, que fazem á Igreja Romana o obsequio de a ter por Santa e
hvre de todo o erro até o sexto seculo, basta provar, como já fi-
zemos, a antiguidade do culto dos Santos , para demonstrar a sua
inconteslavel legitimidade : todavia daremos disto algumas provas di-
i·ectas. Primeiramente, não queremos de nenhum m9do contrariar
o primeiro mandamento, porque' conhecemos tam bem como os ·pro-
testantes, que lodo o Catholico diz todos os dias : A um só Deus .
adorarás. Com effeito, por isso que um rei prohibe a seus vassal-
los o assumirem as honras reaes, que só pertencem · ao que está
revestido da realeza , não seria insensato aquelle . que ·dahi conc1u- ,
isse que o rei prohibia se honrassem e respeitassem os magistrados?
Pois logo sãó injustos os protestantes que nos accusam de adorar
os Santos, e diminuir, honrando-os, os merecimentos e a gloria de
Nosso Senhor. Nós não adoramos a Santíssima Virgem , nem os
Anjos, nem os Santos ; honramol-os tam somente cóm urn culto se-
cundado, que todo se refere a Deus ; nem destruimos com isso a
unica e omnipotente mediação de Nosso Senhor. Cremos e ensina-
mos que não ba mais que um só Mediador, que é Jesu-C~risto ; que
a sua intercessão é omnipotente; e se rnvocamos os Santos, é para
lhes pedir ~ue unam ás nossas as, suas supplicas, para obter mais

(1) Prrep. cvang lib. XIII, e. 7.


(2) s,erm. de Laud., B. Mar. Virg.
\

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DE PERSEVERANÇA. 23?)
efílcazmenle desse unico Mediador as graças de que havemos neces-
sidade. E' neste sentido que, desde os Aposto1os até nós, tem sem-
pre a Igreja Catholica honrado e invocado os Anjos e os Santos.
Longe de considerar os Santos como mediadores, no mesmo sentido
que o é Nosso Senhor Jesu-Christo, a Igreja colloca a mediação do
Salvador na vontade que elle tem de nos santificar , e na virlude
infinita do seu Sacrificio : em os Sanlos porem ella não vê mais que _
simples intercessores, 'que podem ~ orar pelos homens, sem que nada
1hes possam dar ; que continuam a ser no Ceo o que foram na terra,
crealuras que offerecem ao Crea<lor acções de graças e lhe fazem suppli-
cas. Daqui os dous modos de fallar de que a Igreja Catholica se serve ;
quando se dirige a Deus, diz absolutamente-: Dai-nos; aos Anjos porem e
aos Santos, diz apenas : Orai por nós , alcançai·-nos. Quanto ao
mais, os protestantes neste particular eslam em contradicção comsi-
go· mesmos; porque se recommendam ás orações uns dos outros , e
não creem por isso enfraquecer a unica e omnipotente mediação de
Nosso Senhor , nem cahir em idolatria; pois logo como temem tanto
recommendar-se ás orações dos Santos?! As supplicas que fazemos
aos amigos de Deus, que estam já no Ceo, são exaclamenle as mes-
mas qu~ os protestantes dirigem sem escrupu]o aos vivos que âincta
estam na terra. A unira differença é, que nós temos mais confian-
ça nas orações dos San'tos, que, já purificados, estam vendo a Deus
face a face na celeste morada. Tal é o culto perfeitamente legilimo
que damos aos Anjos e aos Santos.
3. º E' utilissimo. Em primeiro Jogar , os santos conhecem
as nossas orações , como é incontestavel que Deus lhes pode dar
este conhecimento, e de facto lh'o dá. Esta crença é o fundamen-
to da invocação dos Santos , approvada na Escriptura e sempre
praticada tanto na Synagoga como na lgreJa. De que servi ria, com
effeito, invocar os Santos e os Anjos , se nos elles não ouvissem?
Demais, não nos disse Nosso §enhor expressamente , que a conv,er-
são cl'um só peccador é causa tle maior ·jubilo no Ceo que a" perse-
verança de noventa e nove justos (1)? Logo , a conversão d'um

(1) Luc. XV, 7.

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236 • CATECISMO

peccaclor nesfe mundo é sabida pelos santos no outro. Ainda mais:


não nos representa elle o rico avarento, fallando do fundo do in- -
ferno a Abraham, que o ouve, pois que lhe responde? E nesta
resposta , Abraham falia de Moysés e dos Prophetas-: logo é por-
que sabia que tmham exislido. Não pára aqui , um grande nume-
ro de Santos, ,·ivendo na' terra, conheceram cousas occultas; Eli-
seu, por exemplo, soube o procedimento de seu servo Giesi ; S.
Pedro, a fraude d' Ananias e Saphira ; S. Benlo, o engano de To-
lila : como pois, entrando no' Ceo, onde veem tudo cm ·Deus como
n'um espelho ; ontte lodas a~ cousas estam no seu estado de per-
feição ; como pois, digo, não saberão já agora o <1ue se passa na
terra ? Emfim, Nosso Senbol' disse que os Santos teriam poder so-
bre as nações , porque sel'iam companheiros seus na victoria, assim -
como o foram nos combates; mas como exercerão este poder, não
lendo noticia do que se passa entre os homens (1)?
Em segundo lugar, podem os santos, juntando ás nossas as suas
supplicas, lornal-as por isso muito mais efficaces. Tendo para com
Deus maior valiiJ!ento, por isso que lhe são mais agradaveis, oram
elles incessantemente pela nossa salvação, e em attenção a seus
merilos nos concede Deus infinitas graças e bençãos; porque , como
diz S. Agosl!nho, muitas vezes succede não conceder Deus o que
lhe pedimos senão pela intercessão d'um mediador. (''.2). E' prova
disto o famoso exemplo dos amigos de Job, que deveram o perdão
dos seus peccados á oração daquelle santo (3). Tamberu aqui ha-
reriamos de citar toda a historia da Igreja, se <tuizessem rrfe!·ir os
innumeraveis factos , rigorosamente aulhenticos, pela conílssão dos
me."mos protestantes, que provam quam poderosos são os Anjos e
os Sanlos, para nos obler o bom despacho das nossas supplicas.

(1) Apoc. 1, 3. Veja-sc·S. Thom., 3 p. suppl. q. 92, art. 3; S.


Greg. 11'/oràl, 1. XII; S Cyril. Cathech. XVI; S. Aug. /Je cm·. pro
morl. e. XV.
t:?) Scrm. 2 e 4 a rc~pcito tle S. Estcvam.
(3) Jol>, e Gen. XX.

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'
OE PF.RSF.VRIU:'\ÇA.. 237
Não parece dizer outra cousa S. Thomaz , quando affirma, que o
culto dos· Santos é para nós um dever , visto que é da ordem da
Providencia, que os seres inferiores cheguem ao seu fim .por entre-
meio de seres superiores. Quer Deus, que os que estam na terra
cheguem ao Ceo por mediação dos San~os, obtendo por sua interces-
são as graças necessarias á salvação (1). O Sagrado Concilio de
Trento é pois o orgão da fé e tradicção de todos 05 seculos; fé e
tradicção que nem a impiedade nem a heresia puderam jamais ar-
rancar ou apagar do coraç~o dos povos ; quando ensina qne o cul-
to dos Santos é muito bom. e util aos vivos (2).
4. º E' causa de grande consolação - primeiramente, porque
é grato e aprazivel o lembrar-nos que, longe de diminuir a gloria
do nosso Pai celeste, pelo contrario se augmenta com este culto ;
o qual nos anima a esperança pelo valimento dos Santos e amigos
de Deus, e nos persuade eflicazmenlé a seguir os seus exemplos.
Es"te gratissimo culto vincula, como em suave hymeneo , os habitan-
tes dos dous mundos, a Igreja militante e a trio mphante, os pere-
grinos da terra ainda expostos ás dores e combates do exílio e ~s 1

bemaventurados, que já gozam a felicidade pura da celeste Jerusa-


lem Patenteando-nos' a santa cidade, leva-nos a contemplar a iuul-
tidão innumeravel dos Anjos e dos Santos , e superior a elles a. pri-
meira das creaturas, a Virgem :Mãi de Deus, ven<io todos sem veos,
e face a face, os objectos da nossa fé ; enebriando-se com os obje-

(1) Or<.to est . dh initus inslitlitus in rehus , sel'undom DODJStum, ut


per media ultima reducantur ad Dcum. Unde com Sancli qoi sunt in
patria, sunt _Dco propinquissimi, hoc d1vinre legis ordiac requiritur, ot
nos, qui percgrrnamur a Domino, in. eam per Saoclos medios reducamur. ~
ln 4 Senl. di.st. 4õ, q. 3, art. 2.
(2) Prrecipit Episcopis fidelcs doccrc: Sanctos una com Christo re-
gnantes oratioaes suas pro hominibus offerre; bonum atque tttile esse
suppliciter eos· ÍD\'ocare, cl ob beneficia impelraoda a Deo per Filium
ejus Jcsom Christum Dominurn oostrum , qui solus noster Redemptor eL
Salvator est, ad corum orationes, opem auxiliumquc coníngere. Sess.
xxv.

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238 CATECISMO

elos da nossa esperança ; extasiando-se na charidade que os inflam-


ma já para com Deus, já uns para com os outros, já emftm para
comnosco , em seus desejos, e ardentes supp1icas. Como não será
uma consolação para nós, fracos e miseraveis peccadores, cheios de
confusão das nossas transgressões passadas , atemorisados das rein-
cidencias que nos ameaçam ' desconfiados de nós mesmos e do nosso
valimento para com Deus, como não será uma consolação o poder-
mos recorrer aos seus eseolhidos, pedir-lhes o seu auxilio , a sua as-
, sistencia, o concurso das suas orações e a sua paternal interces-
1

são (1)? Debalde uma desgraçada e a rida doutnna tem querido


taxar de idolatna culpavel este culto, aliás gravado pelo amor e a ·
esperança no coração humano ; elle permanece vivo em todo o co-
ração amante, ainda quando, pela desgraça de seu nascimento , es-
teja separado da mãi commum dos homens, a Santa Igreja Catbo-
lica (2).
O éullo que damos ás re1iqyias dos Santos é rigorosa conse-
quencia do que rendemos ás suas pessoas. Honramos as relíquias
dos Santos, porque seus corpos foram os templos vivos do Espírito
Santo , e os instrumentos de todas as suas virtudes ; e serão ainda
os futuros companheiros da gloria eterna de suas bemaventuradas
almas. Este culto tem as mesmas qualidades que o precedente, ·pois
faz parte delle. A Escriplura está cheia de factos, que mostram
que a honra que se dá não só aos corpos dos Santos mas ainda aos
objectos que lhes pertenceram, é agradavel a Deus e de grande pro-
veito para nós (3). Desde os primeiros seculos houve em nossos
pais um santo enthusiasmo pelas reliquias dos santos. Quem igno-
ra ~s honras prestadas aos restos dos primeiros marlyres S. Pedro,
S. Paulo~ St.º lgnacio , S. Polycarpo? os oratorios e os templos le-

(1> Discus~. amicale, l. II, P· 30.i.


'2) Fé de nossos pais, por M. de Bussierc, p. 196.
(3) Exoct. XIÚ, 19 ; Eccl. XLIX, 18 ; IV Rcg. Xlll, 21 ; Eccl.
XLVIII, U. ; IV Reg. XXIll, '17 , 18 ; ·Mallh. IX , art. V, tõ; XIX,
12, ele.

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DE PERSEVERANÇA.
vantados sobre os seus sepulcbro!:l? as orações e lagrimas derrama-
das júnto de seus tumulos? o preço inextimavel em que eram tidas
as ossadas e maiormente o sangue dos l\fartyres (1)? Quem se atre-
veria a censurar estas homenagens ! Não se renderam sempre entre
todos os povos honras solemnes aos restos mortaes dos heroes , dos
homens grandes , dos bemfeitores das nações? E que homens gran-
des, que heroes, que bemfeitores dos povos poderão comparar-se aos
no3sos Santos, e aos nossos Marlyres? Alem disso, quem poderia
duvidar da s·anlidade e ulilidaUc deste . veneravel culto , vendo os
milagres operados junto ás sepulturas dos Santos, e pelo contacto de
suas sagradas reliquias? Aqui recupernram cegos a vista , resusci-
taram mortos, e foram os demonios expulsos dos possessos que ator-
mentavam. Milagres estes, que são attestados por testemunhas infi-
nitamente dignas de fé. S. Agostinho e S. Ambrosio (2), 'entre outros,
referem muilos taes, não por os terem lido nas historias ou 011vi--
do-os a outros, mas por os terem visto com seus proprios olhos.
Eis alguns factos referidos por aquelle Santo : Havia em Hyppona
um homem, por nome Bassus, oriundo da Syria ; o qual foi orar di-
ante das reliquias de S. Estevão marlyr, pela saude de sua filha
gravemente enferma. Estando na oração, alguns de seus dom esticos
indo a dizer-lhe que e1fa acabava de expirar, foram detidos no ca-
minho pelos amigos de Brassus , que não consentiram lhe levassem
na occasião a noticia, por medo que elle não chorasse diante de
todo o povo. Ao voltar a casa, _que retumbava com o prantear dos
seus domeslicos, Brassus lançou o vestido de .sua filha, que havia
trazido da Igreja, sobre o seu corpo morto, e no mesmo instante
resuscitou e ficou sã.
Ila em Audure uma unica Igreja, continua o Santo Bispo ,
na qual ha uma capella de S. Estevam. Aconteceu pois , que es-
tando um menino. a brincar em um pateo, uns bois que tiravam um

(t) Veja-se a nossa Ristoria da$ Catacumbas


l2) Ambr. cp. 85, e Jerem : XCI; S. Aug. Cidade de Deus, liv. XXII,
e. 9.

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.24.0 CAH~CISMO

carro, desviando-se do caminho , o atropellaram com uma roda de


sorte, que immediatamenle expirou. Tomou~o sua afflicta mãi nos
braços; correu J Igreja, e chegando-o ao re1icario do . Santo, nãó só
o menino recuperou logo a vida, mas ficou perfeitamente são, ~em
1
nenhum signal da contusão que soffreu.
l\Iuilos outros milagres, accrescenta Santo Agostinho, pudera eu .
referir. Se me propozesse contar todas as curas que se tem opera-
do em Ca1amo e Hyppona pelo glorioso Martyr Santo Eslevam, só
isso bastava para encher muitos volumes ; e mais não fallando senão
dos que se registraram para se lerem ao povo ·; porque temos or-
denado se tirem autos e nos sejam enviados, dep~is que vimos no
nosso tempo milagres similhantes aos antigos, persuadido com.o esta-
mos de que se não devem deixar perder da memoria. Que ha nis-
to de pasmoso? Se os vestidos dos Santos , se só a sua sombra ,
antes da sua .morte , eram remedio para curar doenças , quem ne-
gará que Deus não possa operar os mesmos mi1agr~s por meio de
seus ossos e suas sagradas cinzas ? Não tornou á vida o cada ver
que -por acaso foi descido á sepultura d)Elias, no mesmo ponto que
tocou o c~rpo do Propheta (1) ? Nestas e mil outras provas se fun-
da a confiança que ba nos . Santos e nas suas reliquias ; confiança
tam universal, que não pode ser suspeita de falsa ; e tam arreigaaa
na consciencia. dos povos , que nunca a impiedade , por mais qoe
faça, poderá extinguil-a. .,
Quanto á cruz, e ás imagens de Nosso Senhor, da Santissima
Virgem e dos Santos; honramol-as porq~ue nos despertam as mais
gratas lembranças , e porque são propriissimas para nutrir a nossa
devoção. Nisto lambem os Calholicos são os fieis discipu~os de to-
da a antiguidade. Não ordena Deus na Escriptura a Moisés , que
faça uma serpente de bronze e a exponha á vista dos Hebreus, afim
que sejam curados da mordedura das serpentes? Não haviam dous
cherubins d'ouro sobre a Arca ? Não se prostravam David e lodo
o seu povo diante da Arca do Senhor? Não ordenou o mesmo Se-

(1) l V Reg. Xlll, ~t.

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U~ PEflS~VERANÇA. 2U
nhor que fosse resr,eitado o escabello de seus pés? Não são lodos
0$ monumentos das catacumbas, imagens santas, veneradas outr'ora
pelos fieis, e que nos ~ecordam todos o~ mysterios da Religião ?
Quanto ao mais, nós -·não cremos que na Cruz ou nas imagens haja
alguma virtude, pela qual se devam honrar. Não, não se lhes pede
nada. não se deposita confiança nellas, corno depositavam os pagãos
em seus ídolos: A honra , que se lhes rende refere-se aos modelos
que representam. Por conseguinte, beijando-as, descobrindo-nos ou
prostrando-nos diante dellas, é à Nosso Senhor que adoramos , são
os Santos· que veneramos representados por -ella§. Da mesma sorte
o filho, que beija o retrato fie seu pai, não emprega o seu respei-
lo nem a sua affeição nas cores e no panno, mas no terno objeclo
que lhe representam ao coração.
Tal é, como deixamos exposto, o culto que a Igreja Catholica
tributa á Santíssima Virgem e aos Santos. 1.º EJla não os adora;
2. º consagra-lhes sim o respeito interior devido á Mãi de Deus , _e
aos principes da corte celeste ; 3. º honra exteriormente seus uomes,
imagens, tumulos, altares, e reliquias ; 4. º a exemplo de toda a an-
tiguidade, auctorisa as peregrinaçoens a seus sepulchros; 5. º pro-
cura a/ sua intercessão; 6.º celebra suas festas, e proclama ao po·
· vo suas heroicas acçoens; 7. º trabalha por imitar suas virtudes.
Que vedes em tudo isto que não seja antiquissimo , summamente
legitimo, ntil, e consolador~
Isto baste sobre o assurnpto ; passemos a outra ordem d'ideas.
, Apraz ao viajante , chegado ao alto da collina , repousar um pouco,
e contemplar o campo que percorreu. Tambem nós , viajantes qtie
procuramos a verdade, paremos um instante, e espraiemos o pensa-
mento pelas matérias que temos tratado. Temos visto, desde o
principio destá obra, que a Religião, em todas as suas partes, é um
immenso beneficio. Deus, amando aos homens,, e mamfeslando-lhes
o seu amo·r, pelo estabelecimento e restabelecimento do sagrado vin-
culo que os une a si; por todos os successos, coordenados e subor-
dinados á vinda e ao reino do Messias ; pela doutrina , acções e
milagr.es deste Divino Redemptor; pela revelação de cada um dos
artigos do Symbolo ; pela promulgação e ratificação dos dez precei-
tos do Decalogo ; pelo e.nsino_dos meios por que nos unimos a el-
31 V

, http://www.obrascatolicas.com
f.ATECIS~IO

le, e, de aviltada progenie do velho Adam, nos tornamos regene-


rados filhos de Deus ; tal é. a ternissima hi~orià, que muito á pres-
sa temos percorrido ; e de toda ella se deduz um facto tam dura-
,·el como o mundo, lam claro como o sol : o estabelecimento; con- ·
servação, e propagação da Religião é a causa, o centro , o princi-
pio e o fim de todos os successos. Ora, este facto é a resposta
.eternamente peremptoria á objecção mais commum dos nossos dias,
- a saber : que a Religião é uma digressão no mundo , que é uma es-
pecie d'abstracção, de todo alheia aos acontecimentos , e negocios
da vida pratica dos individnos e das nações ; que embora se obser-
ve ou não observe ,' nem por isso as cousas melhoram ou peioram;
que ella nada influe no bem ou no mal temporal dos povos.; em
summa, que é indigna das meditações dos philosophos, dos polili-
cos • dos economistas e dos homens graves e illuslrados.
Todavia, como temos visto, a Religião é um facto, o facto eter-
no para onde tudo converge: logo, em vez de ser nada, ella é tudo
nas meditações dos homens , desde os ~maiores genios -até á mais
curta iotelligencia , assim como é lu_do no pensamento de Deus , e
ludo nos acuntecimenlos do ·tempo. Assim deve ella ser tudo nas
meditações dos políticos, pois _que eJla e só ella define a poliUca ;
deve ser tudo nas meditações dos philosophos, pois sem ella , não
fazem mais do que augmentar o tropel dos absurdos, de que já ha
dous mil annos reprehendia Cicero os philosophos do seu tempo (1 );
deve ser tudo nas meditações dos economistas , pois que sem as pre-
. m1cias que ella fornece não sonham senão com utopias , cujo resul-
tádo é necessariamente a ruina das fortunas, a rniseria dos pobres
e a anarcbia social.
Ora, sendo esta influencia da Religião em o -bem estar mate-
rial da sociedade talvez no presente seculo o melhor meio de dar a
1 - co-nhecer a indispensavel necessidade da -Religião mesma, cumpre-
nos explanai-a e manifestai-a bem. Quando fatiamos da influencia
ela Religião suppomos uma influrncia actual, sempre activa , e por

(1} Nihil est tam obsurdi quod noo diratur ah alíquo philosopho.

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l>E PERSlo:HRANÇ,A. 2i3
a~sim dizer material e f)alpavel ; a mesma que a alma exerce cru o
corpo , a raiz em a arvore, o manancial cm o rio., o sol em a
natureza ; de sorte que ltrada a Religião tira-se ao corpo a alma
que o anima ; á arvore, a raiz que a segura e nutre ; ao rio, a
fonte que o alimenta; á natureza., o sol que a esclarece e · vivifica.
Homens do seculo decimo nono, homens do dinhe1ro, que nada ve-
des senão com os olhos do corpo, eis o que vos é facil ver , e pa-
rece milagre que o nã.c» tenhaes ,·isto ainda. Sim, eu vol-o repilo :
totlo o commodo, toda a prosperidade material em que tendes a
mira, e que é o vosso centro, vida , gloria, o vosso tudo, basea-
se na Religião como o edificio no seu alicerce. Tende a paciencia
de olhar para os factos, que nas lições seguintes vos vamos a mos-
trar, e sem duvida ficareis admirados de os não ter visto n1ais -Ce-
do. E começando, sem· mais preambulos, pelo primeiro mandamen-
to do Decalogo, explicallo nas lições precedentes, vede que poder,
que salutar influencia exerce em a sociedade !
Um só Deus adorarás e· amarás de todo o teu coração.
, Talvez accredil~reis que o unico i'esultado ela observancia ou da
violação deste preceíto , é a felicidade ou a desgraça eterna do in-
dividuo . .. Isto sem duvida já é alguma cousa, mas não foliemos ain-
da da eternidade, demoremo-nos um pouco na terra .
.Um só Deus adorarás. E' a este mandamento, nações christãs,
- que deveis a vantagem intellectu:ll- que levais aos povos antigos e
modernos, que não foram illuminados pela luz do :Evangelho. A
esta luz divina deveis o não estardes prostrados aos. pés de Jupi-
ter, o vingativo e corrnplo , como ·os Romanos ; ou "de :Mercurio ,
o ladrão, como os A lhemenses ; ou de Tentates, o comedOT de me-
ninos, como os Gaulos; ou de Venus, a prostituta, como os Corin-
l~ios; ou diante d'um bulbo, um crocodilo ou -um gato , como os
Egypcios; ou d'uma serpente~ como os negros da Africa céntral;
ou d'um regato ou d'uma vacca , como os lndos; ou d'um tronco
d'arvorc, como os .selvagens da Ame1~ica. E para que saibaes que
é a este mandamento, Um só Deus adorarás, que sois devedores
da libertação de tolias essas grosseiras idolatrias, trazei á memoria
o dia U de Novembro de 1793 , e ''ede o que se passa na Igreja
de Noss.\ Sr.NnORA DF. P .\RIZ. Eis ahi um poro inteiro, mais abjc-

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CATECISMO

elo que os pagãos antigos, prostrado aos pes de quem ?...• dizei-() ~
YÓs , que me não atrevo a <lizel-o (1) !
Ora, será indifferenle á prosperidade material da sociedade ado-
rar um Deus tres vezes santo , que condemna e castiga até o pen- ·
samento consentido do crime ; ou adorar taes deuses , que não só
permillem todos os vicios, mesmo o adulterio e o roubo, mas até
os auctorisam e divmisam com o seu exemplo? E porque não fará
o adorador o que taes deuses permillem? Não é esta a constante
maxima de lodos os corações corrompidos? Pois bem sabeis quam
avultado é hoje o numero destes.
Um só Deus adorarás e amarás perfeitamente. Dizei-rne : a não
ser este mandamento, qual será o fundamento possível da sociedade'!
O homem não póde mandar a outro homem senão em nome de Deus,
' ou em nome da força ;- mas o imperio da força applicado a seres
livres, é o despolismo; a obediencia é a escravidão ; a revolta, o
mais santo dos deveres aos olhos dos povos : vós sabeis o mais.
Será pois tudo isto indiITerent~ á sociE>dade?
Urn só Deus adorarás. -Sem este mandamento julgaes por ven-
tura que sereis livres? O' homens cegos! não vêdes, que arrogan-
do-vos o direito de ultrajar a Divindade, submelleis a senis ao ju-
go das paixões, e logo depois ao da força bruta ! Oh , que direito
adquiris, o direito dos estultos e dos furiosos ! Como sois · grandes,
abjurando mdo o que eleva a alma e ennobrece a vida !
Só a Deus amarás perfeitamente. Todo o homem carece -do
amor, como do aiimento do coração ; em quanto o não tem vive
inquieto , e por consequencia desgraçádo. · .Deus nos offerece o seu
amor, pede-nos ..•. que digo?.... para animar a nossa timidez,
manda-nos que o aceitemos. A não ser este mandamento que seria
da sociedade? O homêm não amaria mais do que a ·si, porque só
ba dous amores , o amor de Deus e o amor proprio. Ora, o amor
t~xclusivo de si mesmo, ou o egoísmo, é o odio de todos ; mas o

( 1) Vcja-se o Monitor de H de Novembro de 1793 sobre a festa


Ja deusa Rasão.

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lH: PERSEVERANÇ.A.

odio universal traz comsigo a desconfiança , as suspeitas , a negra


inveja, as fraudes, os envenenamentos, os assassinatos , os crimes
de todo o genero, que solapam e ,minam os alicerces sociaes. Ahi
tendes a historia contemporanea; compulsae as suas paginas, cheias
de opprobrio e de sangue ; ahi tendes a prova do que dizemos.
Tirai ao homem este mandamento, amarás a Deus perfeitamen-
te, e elle cahirá na abjecção das bestas. Reduzil-o-heis a um pu-
ro animal , que rumina na estrebaria ; ou a uma pianta, que ape-
nas vegeta ; forçai-o-heis a procurar-se nos prazeres dos brutos , a
olhar as honras, as riquezas e a voluptuosidade como o seu unico
bem : por outras palavl'as, excitareis todas as suas paixões , e to-
das as suas paixões desenfreadas breve submergirão a sociedade em
um mar de torpeza e de sangue. Seja ai-Oda testemunha disto a
historia dos nossos dias.
Tirai ao bomem este mandamento, e condemnal-o-heis ao sup-
plicio de Tanlalo; o fantasma da felicidade, que lhe haveis feito es- -
perar, passa e repassa de continuo por dianle de seus olhos sem
jamais dar presa ao homem que, cançado alfim de o perseguir, fa-
tigado de torturar e opprimir as c~eaturas todas , para arrancar
dellas a felicidade; a maneira dos sacerdotes dos idolos , que procu-
ravam os segredos do Ceo nas entranhas palpitantes c..las viclimas ;
exhausto, gasto, decrepito_ na mocidade mesma, põe emfim termo pe-
lo horror do suicídio a uma vida que o fatiga e desespera. Ah !
dizei , dizei , eu vol-o peço , será tudo isto indifferente á sociedade?
E não será islo lambem o que se prova da historia contempo-
ranea? ·
Tirai ao homem o preceito do amor ; e acabareis por uma vez
com o espirito de sacrificio ; sendo que a sociedade não ''ive senão
por este espírito; pelo sacrificio do bem particular ao bem publico. •
Sem este espirito já não ha ver dedicações heroicas á felicidade e
ao allivio da humanidade ; acaba Ludo quanto encanta e embelleza a
vida ; tudo quanto ennobrece a natureza humana. E' pois verdade
que por amor de nós, para nosso bem , é que Deus outorgou a sua
Lei , como para vivificar a natureza creou o sol, e para animar o
nosso corpo creou a alma.

-· http://www.obrascatolicas.com
ORA.VI.O.
•.!

O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças
por nos terdes dado o grande preceito da charidade para comvosco,
e para com -o proximo ; a charidade é o nosso Lhesouro , a origeln
de toda a nossa felicidade. O de~10nio nos havia despojado della , ·
vós porem, Seahor. nol-a restiluistes; e, para que mais proveitosa
nos fossP, nos destes o Decalogo que, ensinando-nos a cnmpril-a pa-
ra comnosco e para com o proximo, é ao mesmo tempo o escudo
que protege ésla admiravel virtude, contra os ataques do demonio e
do vPlho homem corrompido. Permilli, poi~, Senhor, que eu ame
o Decalogo e o cumpra fielmente.
· Eu .protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho deste amor,
darei muitas" graçus a Deus prtr me ter dado o_s seus s~utos man-
damentos.

'

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• l
DE PERSKVERANÇA. 2'7

XLYlll.ª LIÇÃO.

DE NOSSA UNIÁO COM O NOVO ADAM , PELA


CHARIDADE.

Segundo mandamcnlo. - O que ordena e o que prohibe. - Pronuncia-


ção respecLuosa do nome de Deus. - Pronunciação não rcspecLnosa
do nome de Deus. - Juramento. - Pcrjurio. - Louvor do nome de
Deu~. - Blaspfiernia. - Voto. - Transgressão do voto. - Historia .
-- Vantagem social deste preceito.

Não jurarás o santo nome· de Deus em vão, nem outra cousa sí-
milhantemenle (1). O primeiro mandamento, que nos ordena honre-
mos a Deus <l'uma maneira santa e respectuosa, necessariamente en-
cerra em si o que se diz· no segundo ; porque mandando adorar e
amar a Deus por isso mesmo manda que delle fallemos com o maior
respeito , e prohibe expressamenté o contrario. Este mandamento ,
bem como o primeiro, redunda lodo igualmen!e em nosso proveito.
Prohibe-nos elle com effeito , tudo o que poderia diminuir o respei-
to, e por consequencia o amor que devemos a Deus. Ora, este amor
é o meio indispensavel da nossa união com o novo Adam , e a con-

(1) Noo assumes nome o Dei tui in vaoum. Ncr cnirn habebiL in-
sontcm Domious eum. qui assumpseril nomcn Domini Dei sui frustra.
Exod. XX. 7.

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1
~-
248 CATECISMO

<lição essencial da nossa salvação. O segundo mandamento trata pois


da honra e da deshonra do nome de Deus pe.la palavra : isto é, or-
dena que o honremos, e prohibe que o deshonremos. Pode dividir-
se em quatro partes, porque ha quatro modos d'honrar ou deshonrar
o nome de Deus por palavra.
Primeira parte : Pronunciação respectuosa e não respectuosa do
nome de Deus. Honrar o nome de Deus ~ão é respeitar as sylla-
bas que o compoem, mas o ob1eclo expresso pelo mesmo nome:
isto é, o poder, a verdade , a sabedoria, a justiça e a Magestade
eterna d'um só Deus em tres Pessoas. Por tanto, honra-se a Deus,
a Nosso Senhor, á Santissima Virgem e aos Santos, pronunciando
seus nomes com amor e re:;peito. A boca falia da abundancia do
coração : eis porque é natural ãquelle, que ama a Deus ardente-
mente, o tel-o muitas vezes na lembrança e pronunciar frequente-
mente o seu nome. Estes o repetem sempre com uma affecluosa
devoção , como se vê nas Epistolas de S. Paulo , onde o Santo No-
me de Deus se lê em cada pagina. « Nada admira islo , diz Theo-
doreto, se Paulo tinha a Jesus no coração, poderia deixar de o ter
nos labios (1)? » Concluamos logo, que cumprimos a primeira par-
le do segundo mandamento quando, nas tentações, nos trabalhos,
nas penas , nos embaraços esp1rituaes ou temporaes , chamamos
por Deus , pela Santissima Virgem , e pelos Santos, para que
nos ajudem , pronunciando piedosar_nente seus nomes , dizendo,
por exemplo : O' meu Deus 1 ó meu Jesus 1 ó Maria Santis-
sima !
Ha porem muitas pessoas que, por máo habito , em qualquer
impacienc1a, ou gracejando mesmo, pronunciam a cada instante o no-
me de Deus ou de algum Santo sem pensar no que dizem. E' pes-
simo este costume , porque importa despreso, ou pelo menos, falta
de respeito ao nome de Deus e <los Santos. Uma comparação, bem
que. impérfeila, tornará sensivel a irreverencia de que se tornam

(1) Q. U in Hxod.

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culpados. Que diríam estas pessoas se vissem outra a quem -- hou-
vessem dado um vestido precioso, servir-se d' elle nas mais grosseiras
occupaçoens? Se temos pois ·iam pessimo costume de- dizer, por ex-
emplo, por Deus que sim , por Deus que não, ou ·outras juras s1rni-
lhanles , tomemos desde Já a resolução sincera de nos corrigirmos,
lembrando-nos do profundo respeito que os Anjos leem ao Nome de
Deus; da profunda reverencia , que Deus mesmo exigia dos Judeos
para com o seu adoravel Nome, e até do respeito não menos pro-
fundo d'um dos maiores homens que houve no mundo , o celebre
_ Newton. Este immo1;tal astronomo nunca pronunciava ou ouvia pro-
nunciar o nome de Deus que não tirasse o chapeo.
Segunda parte : Juramento e perjurio. O Juramento é uma
maneira excellente d'bonrar o nome de Deus (1). Jurar ou fazer
juramento é, com effeilo, chamar a Deus por testemunha do que se
affirma. Ora, é evidente que tomar a Deus por testemunha da ver-
dade , é reconhecer que Deus sabe ludo, que elle é incapaz d~
menlir , que é a mesma \'erdade , e o defensor da verdade ; é logo
honrai-o, e honrai-o com um culto supremo. Tambem vemos no An-
tigo e Novo Testamento, os mais santos personagens fazerem uso do
juramento. O mesmo Deus , para animar a nossa confiança, digna-
·se empregai-o (2), e mandar-nos que o imitemos : Temerás, diz el·
le, ao Senhor teu Deus, e jurarás pelo seu Nome (3).
Não é necessario para jurar chamar direclamente a Deus, mas
basta tomar eri1 testemunho da verdade os Santos Evangelhos , a
Cruz, os Santos, suas reliquias ou nomes , o Ceo, a terra e as

{1} A palavra JÚrar ve~ de jus, que quer dizer direito , porqnc é
de direito que se tenha por verdade o que é ·affirmado pela mrnração de
Deus. - Assu1Lere Deum in testtim d1ct11r 1urare quia quasi pro jure io-
trodnctum ~st, ut qnod sub 10vocatione divini lestimonii dicitur pro \'ero
- habealur. D: Th. 2, 2, q. 89 , art. 1.
(2) Gen. XXI, XXlV, XXV, XXXI, XLVIl; Exod. XXIl; Isa ias,
XIX, XLV, LXVI; 1 Cor. XV; II Cor. Rom. 1, IX; Luc. 1; Art. ~I;
Ucb. VI. etc.
(3) Domrnum tuum limebis et per Óomen ejus jurabis.
3~ V

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...

250 ('.ATECIS~lO

principaes creaturas. Não são todavia estas cousas por si mêsmas


que dão vigor e auctondade ao qJe se aflirma, mas sim Deus, cu-
ja magcstade e santidade resplandece nellas. As expressões : a fé,
1
- palavra d bonra, á fé d'homem honrado, e outras similhantes, não
são de si 1uramentos, se aliás as pessoas que as empregam não in-
tentam fazer juramento, nem invocar a fé divioa.
Bom em si mesmo e honroso a Deus, o juramento é lambem
nlil aos homens. Ila infinitas cousas que interessam aos partitUla-
res, ás familias e a toda a . sociedade , as quaes o homem n~o póde
sufticientemenle affirmar só pel.o seu testemunho , e isto por duas ra-
zões: primeiro, por falta de veracidade, pois somos mui sujeitos a
mentir ; segundo, por falta de conhecimento, pois não -podemos co-
nhecer nem o intimo dos corações, nem as cousas futuras, nem ain-
da as _distantes ; e todavia é mui frequente a necessidade de tra-
clar cousas desta ordem , e ter dellas perfeito conhecimento. Ora,
para alcançar esle conhecimento, pôr termo a p1eitos, e conciliar
interesses, tem sido necessario recorrer ao testemunho de Deus, por-
que Deus não póde mentir nem ignorar cousa alguma. Ora, pode-
.se chamar a Deus por testemunha , 1.º para confirmar cousas pre-
sentes, ou passadas ; e neste caso, o juramen lo se chama a,ffirma-
tivo ; por exemplo : Juro que vi a Pedro fazer esla ou aquella co~­
sa ; juro que neste momento Pedro esta em tal parte ; 2. º_ para
confirmar as cousas futuras , e neste caso o juramento chama-se
promissono ; por exemplo : Juro que darei ou farei esta ou aquella
cousa. E imprecativo o juramento, quándo se junta imprecação,
v. g. dizendo : Mal me venha se não digo a verdade. Supposto
seja bom e util honrar a Deus pelo juramento, o uso frequente de
jurar não é porem louvavel. ~e Não acostumes a tua boca a pronun-
cz'ar juramentos , diz o Espirilo Santo ; tal costume traz comsigo
muitos p.eccados. O homem qu~ jura cobrir-se-ha muitas vezés de
iniquidades , e o castigo não sahirá de sita casa (1 ). » Accrescen-

(l) .Jurat1oni non assucscat os tuum ; mulLi eoim casns in illa. Vir
mu1tum jurans implebitur iniqnitale, rl non disccdet de domo ejus plaga.
Eccl. XXXlV.

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IH: PERSEVERANÇA. 251
taremos a isto o que diz S. Agostinho e S. Hilario; os quaes fal-
, lando de S. Paulo, dizem, que usando o mesmo Apostolo do jura-
mento em suas Epistolas, nos mostra como devemos entender a sen-
tença de Nosso Senhor : Eu vos digo, que não jureis de modo al-
gum; quer dizer : não porque o jurar seja máo, mas para que não
tenhaes a contrabir o habito de o fazer, do habito - não passeis á ...
_

facilidade, e dà facilidade de jurar ao perjurio (1). A rasão mes-


mo condemná este habito ; por quanto, que é na verdade um jura-
mento? é um remedia contra a fallibilidade humana, um meio ne-
cessario de provar o que affirmamos. Ora, da mesma sorte que os
remedios só são uteis na doença; e ainda a sua applicação mui fre-
quente é perigosissima, assim lambem só é licito jurar quando rasões
fortes e importantes nos obrigam a isso. O jurar , pois , com fre-
quencia longe de ser uma acção boa, é pelo contrario pessima.
Tambem os Padres da Igreja notam com rasão que o uso fre-
quente- do juramento não remonta . ao começo do mundo ; mas que
se introduzio em tempos mui posteriores , quando a malicia huma-
na, tomando prodigioso incremento, se estendeu por toda a face da
terra. C~esceram lauto a corrupção e a perlidia, que os homens , /
não podendo já fiar-se uns dos outros, eram obrigados a tomar a
Deus por. testemunha de tudo o que diziam (2). Para nos recordar
a perfeição primitiva, faz-nos o Filho d~ Deus esta advertencia : Con-
tentai-vos com dizer : Sim, si·m, não, não; o que for de mais é
consequencia do peccado (3). Nosso Senhor não probibe absoluta-
mente o uso do juramento, como prelenderam certos herejes, _taes

(1) Apostolus, in Epistohs su1s p1rans, ostendiL quomodo acr1picn-


dum essct quod dirlum cst: Dico vobis non jurare omnino, ne srlliccL
Jurando ád facilitalem-~ jurandi pervcniatur, ct ex fadlilale jurand1 ad
ronsuetudincm , cL a consuetud1oe in pCrJurium decidalur. S. Aug. De
Mendac. lib. Ili. - Monet Dominus non jurare, non quia peccalum est
,·erum Jurare, sed quia est gra\'1ssimum peccaLum falsum jurare, quo ci-
Lius cadit qui jurare coosuevit. S. Bilar. Epist. 89.
(!) S. Chrys. in Malth. VII.
(3) Matth. VII •

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2õ2 CATl~ClSMO

como os Anabaptistas ; mas só condemna o baba to de jurar. E se


diz que toda a palavra alem do sim ou não -procede do mal, é pa-
ra nos dar a entender, como diz S. Agoslinho, que a tlesconfiança
dos outros é uma cónsequ,encia da culpa original, e4f umà enfermi-
dade de que os Christãos devem curar-se , pois que e~le lhes offe-
rece os meios para isso (1 ).
Sendo pois o juramento cousa tam tremenda , importa muito
saber e conhecer as condições que deve ter para ser legitimo e san-
to. São ellas trez : O juramento deve ser feito com verdade, com
juizo, e com justiça. O mesmo Deus as nomeou pela 'boca do
Propheta Jeremias:- « Jttrareis, diz elle. com verdade, com juJzo, e
com justiça (2). » ·
1. º Co~1 VERDADE. Para jurar com verdade , é preciso jurar .. só
para confirmar uma cousa H~dadeira, cuja verdade se conhece de
um mo<Jo certo ,e não por vãs conjecturas. Da mesma sorte cum-
,'
pre ter intenção formal de cumprir o que se promclte. Por tanto,
commellem um dos maiorrs peccados aquelles, que affirrnam com
juramento cousas que sabem ser falsas , ou que não sabem se são
verdadeiras ; que promellem com ,juramento cousas ·que não leem
intenção <le cumprir, ou que se a tiveram! a não leem já.
2. º CoM Jmzo. Quer isto dizer, que nã_o se deve jurar tome-
rariamente, e sem consideração, mas sim com grande discernimen-
to e depois de maduro exame. Por tanto, só um caso imporlar.1te
e de necessidade deve motivar o juramento, e hade ser acompanha-
rlo d'um grande temor e profundo respeito do santo Nome de Deus.
O que jura, pois, sem consit.JE'rar maduramente todas estas cousas,

(1) Si jnrarc cogeris, scias de necessilatc venírc infirmitatis corurn


qnibus aliquid suadcs, qure utique mfirmitas malum est. Haquc non dixiL :
Qllod amplius est, rualum cst; sed , a maio esL. Tu enim non malum
facis qui bcne uteris juratione, ut alteri persuadcas quod utiliter per-
suades ; sed a maio eit illins cujus infirmitate jurare cogeris. Serm. Dom.
in Mont. e. XVII.
t2) Jurabis, vi vil Dominas, in verilaLc, ia judicio et m justilia.
Jer. IV , 2.

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,-
'

DE PERSEVERANÇA. 253
faz Juramento precipitado e temerario, como fazem os que, porcou-
sas leves e até vãs, juram sem precisão, sem reflexão, e só por ef-
feito d'um habifo detestavel. E' este ~ desgraçadamente o vicio quasi
geral dos que compram e yendem ; estes, para -vender mais caro ;
aquelles, para comprar. mais barato ; não temendo empregar o ju-
ramento, para encar-ecer ou depreciar as mercadorias. Para jurar ,
pois, é precisa a reflexão, e porque os meninos não podem ainda
discernir claramente o que é necessario para este tremendo aclo,
deu um decreto o Papa CorneJio , no_ qual probibe se não exij~ ·
juramenlo a creanças, antes de terem quatorze ann1s.
3. º CoIU JUSTIÇA. Requer-se que aquill'l que se prometle com
juramento seja justo e honesto. Se alguem , com juran1ento , pro-
' melle cousa injusta ou deshonesla, como por exemplo, vingar-se,
ou fazer cousa p1·ohibida pela Lei de Deus, commelle um peccado
enorme ; e ainda será maior se cumprir a promessa. Promessas
desta natureza de nenhum modo obrigam ; pois ninguem póde ser .
obrigado a fazer o mal, expressamente prohibido ·pela Lei de Deus.
Por este modo foi Herodes cr:iminoso, mandando dPgolar a S. João
Baptista , por cumprir o juramento que dera. O que dá juramento
para confirmar uma -promessa que fez, ou que se exige delle, de-
ve estar seguro de que esta promessa é justa, isto é, que nada en--
. cerra , e a nada obriga contrario aos mandamentos d~ Deus e da
Igreja, pelos quaes todos seremos julgados. Antes, pois, de promel-
1.er cousa alguma com juramento, cumpre examinar se tal promessa
contem, ou obriga, a cousa contraria aos mandamentos de' Deus e da
Igreja , a que o christão eslá obrigado, com pena de condemnação
eterna ....
Se por este cume , feito na pr~sença de Deus, descobrirmos na
promessa , ,fJ Ue se exigu ele nós, alguma cousa- contraria aos deve-
res de christãos , filhos de Deus e da Santa Igreja Catholica ; de-
veres por onde seremos julgados pelo Juiz Supremo dos vivos e dos
mortos. desde logo devemos ter tal promessa como iJlicita e deles-
lavel ; pois não é permitlido offend_er a Deus em um só ponto que
·seja da sua Lei. O que tal promessa fizesse' seria culpado diante
de Deus ; o que a cumprisse, incorreria ainda mais na sua ira ;
finalmente -o que a confirmasse com juramento, seria perjuro , e

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CAT~3CISMO

juraria falso, pois tam prohibido é chamar a Dtus por teslemunh;i


e fiador de promessa illicita , corno por testemunha e fiador de
mentira.
Se a promessa que se nos exige. e que se Lrala de . confirmar
com juramento, inclue em si umas cousas permillidas e outras não,
devemos deClarar, antes de dar o juramento, que nos obrigamos a
cumprir a promessa e o juramento exigido só das cousas permilli-
das. Em quanto ás não permitlidas, defende a Lei de Deus que
se prometlam ; e se já as promellemos, amíla -com juramento,- pi·o-
hibe a Lei de Deus que se não cumpram ; porque o juramento, se-
gundo as regras da mora), nunca póde tornar-se laço da iniquidade:
Jurarnentum non esl vinculu.m iniqui'tatis.
O juramento dado sem restricção, para confirmar promessa em al-
guma cousa contraraa aos deveres da lleligião e da JUsliça, é in-
fracção gr()vissima da Lei de Deus ; iofracção sempre escandalosa, e
talvez summamente prejudicial ao proximo. Para alcançar o per-
dão delta, é de 'necessidade se faça mui smcera penitencia, e se dê
satisfação do escandalo e reparação do prejnizo. Esta reparação é _
rigorosamente obrigaloria.
Um juramento preslado com as condições requeridas impõe a
obrigação grave, funcJada na "irtude da Religião e da justiça, de
cumprir o prometlido em toda a sua extensão. Nem pode esla obri- ·~
gação limitar-se por alguma reslricção mental ou interna , mas só
pelas explicitas e rxternamente declaradas. . Expira porem de direi-
to esta obrigação se, depois do juramento, a cousa promellitla se
torna impossivel ou injusta; ou tambe'!l se a Igreja por justa causa
a dispensou. '
Se o juramenlo em verdade, juizo, e justiça honra o Nome de
Deus, é pelo contrario horrível injuria de Deus o perjurio; por quan-
to, que é o perjurio senão ·uma mentira affirmada com juramen-
to (1)? Ora, aquelle que toma a Deus por testemunha falsa faz-
Jhe uma injuria infinita: parece accusal-o de ignorancia, como se

(1) Pcrjurium est meodacium 1nramcolo firmatum . D. Th. 2 , 2 , q,


98 , art. 1.

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üE PERSEV~RANÇA.

Deus pudesse. ignorar alguma verdade ; ou íle malicia e iniquidade,


como se elle fosse capaz de confirmar a mentira e approval-a (1).
E' peccado esle, que não admille parvidade de materia , senão que
é sempre mortal o jurar com mentira , por ligeira que seja (2).
E' lambem o perjur10 um crime social. Para haver socíedade
cumpre que haja confiança entre os homens ; que um possa , crer
com certeza que a palavra do seu similhante é a expressão exacta
do seu pensamento. Esta persuasão é a base de todas as conven-
ções. Ora, a ambição póde arrastrar o homem a enganar aos o'u-
tros. Para remediar, pois, este mal, permillio Deus o juramento, que
é o abono supremo das promessas do homem. Tirai á sociedade
o juramento, permitti. o perjurio ; em outros termos , supprimi o_
segundo preceito do Decalogo , e tereis dissolvido a sociedade. A ,
vida do accusado perante os lribunaes ficará á mercê de testemu-
nhas falsas, ou do jurado ou do 1ui2, interessados em pedir a sua
tnorte. A fortuna do particular cahirá nas mãos do homem de má
Jé, que zomba das suas promessas (3). Todas às vossas especula-
ções, commerciaes, as associações para exploração de minas, conslruc-
ção de caminhos de ferro , e mil outras cousas, baqnearão em ter-
ra, como o edificio sem alicerces, esmagando-vos debaixo das ruinas,

(1) Ea qure ex se sunl peccata venial ia , vel e liam hona ex geoere,


si io contemptum Dei liant, suot peccala mortalía, Unde multo mngis
quu.lquiJ est quod de sui ratione pertinel ad conlemplum Dei, esl pecca-
,_____ lum morlalc. Perj1irium autcm do MIÍ- ralione perlinet ad cootcmptum
Dei: uude manifosturu ést quod perjurium ex sni ratiorre esl peccalum
mortalc. D. Th. 2, 2, q. 98, arl. 3.
{2} Ncquc hic excusat levitas matcrire; quia sive hrec sit gravis,
sive levis, seria, sivc jocosa, requaliter lamcn Deo teslificari falsum rc-
pug-nat ; el tale juramentum dicitur perjurium. S. Alph. lib. III, o. 146. -
Porisso a s<'guinlc proposição foi condcmnada pelo Papa luooceocio XI eo 1679
Vocarc Deum in testem meodacii lcvis , oon esl tanta irreverentia propler
qu!un vclit aut possit damnare hommem.
13) V1deti• quam ista delestaoda sit bellua , el de rebus hum~nis
exterminanda. S. Ang. lib. de l'erb. apost. Jacob. Serm. XXVlll. e. 2.

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256 CATECISJ\10

e precipilando-vos no aoysmo da miseria ' da desesperação e do


suicidio. A historia quotidiana nos está garantindo o que izemos.
E' tam verdacfe ser o juramento a base da sociedade , que o perju-
ro entre os Romanos era declarado infame; e sempre, entre os de-
mais povos, severamente punido. O codigo francez impõe ao per-
juro a pena de trabalhos forçados (1 ).
Terceira parte.' Louvor de Deus , e blasphemia. Louvar e
berndizer o Sanlissimo Nome de Deus é obrigação, cuja justiça e
extensão fac.il se comprehende. Quem ignora qüe odos os bens,
quer naluraes, quer sobreoaturaes, nos vem de Deus? Quem não
sabe que todas as obras de Deus são cheias de sabedoria , justiça
e misericordia? Pois logo como não será justo que -Deus seja lou-
vado e bemdito de lodos , por todas e em todas as cousas '! Como
não será justo que por nosso mutuo exemplo nos convidemos e ex-
hortemos a louvai-o e bemdizel-o? Nosso Senhor nos impoz como
particular preceito , que beDJdissessemos o nome de Deus, ensinan-
do-nos a dizer cada dia : Santificado seja o vosso nome. Todos os
Patriarchas, Apostolos, Martyres, todos os verdadeiros christãos, cum-
priram sempre e cumprem ainda felizmente este sagrado dever ; e
seus louvores , unidos aos dos Anjos e dos Santos , fazem um im-
menso concerto, que hade resoar eternamente nas abobadas da ce:..
leste Jerusalem (2).
Ora, nós nos associamos a esta grande harmonia, e honramos o
nome de Deus, quando confessamos altamente que Deus é nosso S.e-

(1) Codigo penal, arL 361.


(2) Laudc oris ad howincm ntimur , uL vel ci , ver aliis rnnotescat
quod bonam opmiooem de laudato hahcmus ; ut per hoc et ipsum qui
laudatur ad meliora provoccmus; et alios apud quos laudatur io bonam
opinionem , et revcreol1am , et imilationem ipsius ioducamus. Sed ad Deum
verbis- utimur, oon quidem ol ci qui est iospector cordium, nostros con-
ceplus ma01feslewus , _sed ut nos ipsos et alios audientes ad ejus reverco-
tiam inducamus, ct ideo nccessaria est laus oris, non quidcm propter
1psum laudantem, cuju-s affectus cxcitahi-r in Denm ex laude ipsius. Pr.o- -
dcst etiam laus oris àd hoc quod aliorum affectus provocetur ad Deum.
D. Th. 2, !, q. 9f, art. 1. - Id, lib. art. 21 sobre a utilidade do canto.

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l>E P~RSEVERANÇA. 257
nho1• e nosso Pai ; quan.do publicamos o seu poder, justiça e mise-
ricordi~ ; quando proclamamos que Nosso Senhor é o auctor da
nossa salvação ; e celebramos seus louvores, rendendo-lhe acções de
graças particulares e publicas, pelos bens e males que nos succedem.
Dest'arle Job, o admiravel modelo da paciencia, cahindo-na adversidade
a mais horrivel , não cessou de louvar a Deus com Lanto valor co-
mo grandeza d'alma. Assim tan1bem, Õu venham sobre nós tribt1la-
ções d'espirilo , ou sotfrimenlos do corpo , empreguemos -Jogo. todo
o esforço que podermos em lonvar a Deus, dizendo como Job :
]Jfo~ Deus! bemdito seja o vosso santo nome!
__ Ao louvor de Deus, que se nos orde~1a no segundo man_damen-
lo , oppõe-se o silencio e a blasphemia. Desgraça,da a boca que se
não abre, para lou rnr a Deus 1 Será bom filho aquelle que nfo agra-
dece nem louva ao auctor de seus dias e de seus bens? Que jui-
zo faremos de tantos indifferentes e ingratos, cujos labios jamais ·se
abrem para bemdizer o nome de . Deus? Que louvam talvez e agra-
decem o bem que das creaturas recebem , e do que recebem de
Deus, auctor supremo de todos os bens , disso nunca ou quasi
nunca se lembram ? E que se hade julgar tambem daquelles, que
não bemdizem a Deus senão po1' ceremoiiia ou habito , movendo
machinalmente os labios '! Cumprem estes por ve.ntura o segundo
mandamento da Lei de Deus ?
Mas ainrla por 01,1tro modo horrivelmente peccam boje muitos
que, não só não honram a Deus com louvo~es, senão que o ultra-
jam com blasphemias . . Chama-se blasphemia a toda a palavra in-
juriosa a Deus, aos Sanlos ou á Religião (t). Por seis _differentes
modos se commette blasphemia : 1. º atlribuindo a Deus o que lhe
não convem ; por exemplo, a crneldade, a injustiça , 2. º negando-
lhe as suas perfeições ; como é dizer, por exemplo, que não é To-
do-Poderoso, que não sabe ludo ; que não é misericordioso ; que
lhe uão importa o que se faz no mundo ; 3. º allribuindo ás creatu-
ras o que só pertence a Deus ; dizendo do demonio, por exemplo ,
que elle sabe tudo , que pode fazer milagres ; 4. º 'amaldiçoando a
Deus, á Igreja, aos Santos e ás creal-uras em que particularmente

(1) Coolumeliosa coulra Oeum loculio.


33 V

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2iJ8 CATECISMO

se manifesta o seu poder , magnificencia , sabedoria, e bondade ;


como são o homem, a alma humana, o Ceo, a terra ; o.º divini-
.sanrlo-se a si mesmo, como é dizer por exemplo : Hei de fazer is-
to , quer Deus queira quer não ; 6.º negand_o á Religião, aos San-
tos ou á Sanlissima Vjrgem o que .lhes pertence, como o dizer, por
exemplo, que a Religião não é verdadeira , que a Santissima Vir-
ge~n é como qualquer outra mulher, querendo atacar d'esl'arte ou a
sua Maternidade divina, ou a sua perpetua virgindade.
Quanto ao desgraçado e hoje tam ordinario, costume de rogar
pragas ; dar ao diabo a si e aos _outros ; imprecar a morte e os
raios; cumpre saber que tudo isto inclue blasphemia e é contrario
.ao segundo mandamento. A corrupção destes ultimos tempos tem
ainda introduzido um sem numero de expressões mais ou menos
opposlas a este preceito, e das quaes mui cuiuadosamente se de-
''em abster os Cpristãos , com especialidade os pais e_ superiores ,
assim esp1riluaes como temporaes. Ordenou S. Luiz, rei de Fran-
ça, que fosse traspassada com um ferro em braza a língua dos
blasphemos , convencido de que o desprezo da primeira 1\fageslado
trazia comsigo o da segunda. Quanto- a nós, quando ouvirmos blas-
phernar, bemdigamos interiormente o nome de Deus e oremos pelos
blasphe.mos.
Em Namur, como nas mais cidades onde os Irmãos das Escho-
las trabalham, com lam bom exilo, em dar á juventude uma educa- ,
ç,ão solidamente virtuosa, um de seus alumnos, menino de dez a
doze annos, cieu ha pouco uma prova bem terna da fé christã e do
.horror á blasphemia. Como voltasse <la aula um pouco mais tardo
que de costume , reprehendeu-o seu pai com imprecações e juras.
O pobre menino, todo affliclo por ter dado causa a taes bfasphe-
mias , botou-se-lhe de joelhos di.zendo : « Meu pai , peço-vos que
me açouteis, mas não jureis mais. )) O pai, perturbado ao ver o
horror que seu bom filhinho testemunhava áquellas abominaveis im-
precações, aproveitou a lição, e não 0~1sou mais blasphemar. - Ah!
quantos peccados fariam evitar a seus pais os meninos christãos, se
assim o quizessem (1)!

(t ) Ensaio !;ohre a lilasphemia_.

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DE PERSEVERANÇA.

Pensemos n'isto seriamente , a blasphemia é um enorme ca·ime,


que não adm1tte parvidade de materia, isto é, que é sempre peccado
mortal , sendo commeUida com inteira advertencia, e inteiro consen-
timento. Na antiga Lei , era o blasphemo punido de m~rte (1). « E
com Justa rasão , diz Theodoreto , porque elle, tanto quanto pode,
mala o seu Creador com a espada da lingua , não podendo fazei-o
por outro modo (2). » Na opinião de S. Agostinho, o blasphemo que
ultraja a Jesu-Christo depois que e11o está no Ceo, não é menos cul-
pado que os algozes , que o crucificaram quando estava na terra (3).
S. Paulo escommungou dous blasphemos, Alexandre e Hymeneu. Ain-
da hoje ordena a Igreja que lhes sejam impostas austeras peniten-
cias. As leis civis das naçoens chrislãas todas fulminam graves pe-
nas, e até a pena de morte aos reos de blasphemia (4).
Ora , para incorrer no peccado de blasphemia não é necessario
ter intenção formal d'ullrajar a Deus , e diminuir a honra que lhe
ó devida ; basta que o que profere a blasphemia advirta que as
palavras que vai a dizer são injuriosas a Deus. A blasphernia , ao
mesmo tempo que ultraja a Deus , allrae ·as suas v_inganças ao
mundo , e retumba no coração da . soci~darle , cujos fundamentos
abala pouco a pouco ; porque , dizei-me , sobre que está fundada a
sociedade ? não é sobre· a Religião ? e não se funda a Religião n9
amor de Deus? l\fas como amaremos a Deos se o não respeitamos ?
e que respeito póde haver de Deus <prnndo se maldiz e ultraja o
seu adora,rel nome? Em que parará uma familia, cujos filhos amal-
diçoarem e ultrajarem diariamente o nome de seu pai ? Em
que se
tornariam os estados, onde fosse permitido dizer ou escrever toda a
qualidade de ultrages contra o nome e a aucloridade do Principe?
A historia que responda. E' logo evidente que, prohibindo-nos Deus

(1) Qu1 blasp~emavcrit oomen Domini morle morialur. levit XXIV,


16.
(2) Q. 33.
(3) Non minas peccant qoi blasph'!ma_nt Christom regnaotem in Crelis,
qnam qu1 crucilixerunt ambulantem in lerrís. ln Matlh. XXVL
(f.) Cod. Just. Collal. Vl in Aulhent. tit. v, etc.
*

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2GO CA1'ECISMO

que não· blasphémassemos o seu santo nome, ou a sua santa Lei ,


atlendeu aos interesses da sociedade tanto ou màis que aos seus ; e
S. Luiz, impondo exemplar castigo aos blasphemos, não se mostrou
só bom christão, mas profundo politico. Bem -sabia elle que onde
Deus não tem altar, não tem o Rei throno ; nem os máos , freio ;
senão que tudo é anarchia e miseria publica. Pois quem, senão as
blaspllemias contra Deus e a Religião , que se deixaram pro-
ferir e imprimir impunemente , ha cincoenta annos a esta parte ;
quem , senão ellas, derribou os thronos , alagou a Europa em san-
gue, e ludo fez cair em ruínas? Yoltaire ~ tliz o irnpio Condorcet,
11ão viu tudo o que fez , mas fez tudo o que vemos.
1. º Natureza do voto. Pelo juramento confirmamos ou promet-
temos qualquer cousa aos homens, interpondo o nome de Deus; mas
ha pessoas que prornellem ao mesmo Deus cousas , que lhe são
agradaveis: esta promessa chama-se voto. O voto é mais que pura
resolução ; é promessa deliberada , pela qual nos obrigamos para
com Deus, a fazer uma boa obra, debaixo de pena de peccado (1).
Para bem comprehendcr o voto cumpre saber tres cousas : primeiro,
que o voto ê um acto de soberano culto : de sorte que só pode ser
feito a Deos. Quando pois ouvirdes fallar em votos á Santissima
Virgem e aos Santos • deveis entender que· estes votos se fazem prin-
cipalmente a Deus, em honra de Maria ou dos Santos , nos quaes
Deus habita mais particularmente do que nas outras creaturas. D'es-
l'arte , o voto feito a um San lo não é ou lra cousa mais que uma
promessa feita a Deus d'honrar a memoria de tal Santo , por meio
d'alguma ofTerenda , isto é . d'honrar a Deus em tal Santo. Digo eu.
por exemplo , faço voto de ir a Nossa Senhora do Lorelo , e dar lá
uma esmolla ; é como se dissesse : Prometlo a Deu's de o honrar em
sua Div_ina Mãi • por umn esmolla que darei na Santa casa do Lo-
reto ('2). Segundo, que o voto é uma promessa deliberada : pro-

(1l Bellar. Dottr. crist. 124.


{2) Volum esl promissio, eL promiss10 nihtl aliud esL quam ordina-
r io ciuccdam ejns quod promillitur in cnm cui promillilur. Unde volum est
todrnnt10 qo<edam corum quer quis VO\'et in divioum cultnm seu obscqnium,

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DE ~ERSEVERANÇA. 261
messa , e não simples proposilo ou resolução , como a que faz um
infermo dizendo : Se eu sarar heide ir em peregrinação a tal sitio ,
jejuar ao Sabbado , confessar-me todos os mezes. Estas resoluções
não se dirigem a ninguem , e na sua omissão , que é simples resis-
tencia á graça , e inconstancia no bem, não póde haver senão pec-
cado venial. Para o voto é pois uecessario que haja promessa de-
Jiberada feita a Deus , por exemplo : Faço . voto , ou promello fazer
isto ou aquillo ; e hade ser com deliberado conhecimento , com es-
colha e liberdade , em perfeito uso de rasão , com inteira adver-
tencia, e tanto consenfünento da vontacle, quanlo é necessario para
consliluir peccado mortal (1).
D'est'arte, o voto d'uma creança , que ainda não tem uso_ de
rasão, em gráo sufficiente para commeller peccado gra\'e, deve con-
siderar-se como nullo. ·O mesmo se diz do voto d'aquelle que, por
ignorancia , cuictava formar uma simples resolução. Mas o voto ,
feito debaixo da impressão d'um temor puramente natural , é va-
lido • tal como ·9 do navegante que , ameaçado da lempeslade, pro-
metle fazer uma peregrinação ou offerta a q~alquer Igreja on capella
da Santigsima Virgem.
A terceira cousa que cumpre saber a respeito do voto é, que a
promessa tenha por obJeclo uma cousa agrada vel a Deus, tal como
a virgindade ou a pobresa volunlaria. , A pessoa , por tanto, que fi-
zesse. voto de commeller algum peccado , · ou fazer alguma cousa
contraria á honra de Deus , ou ainda uma acção boa , mas que obs-
tasse a outra melhor , lal volo , longe de ser agradavel a Deus e

et sic patct quod ,·ovcrc proprie est artus latrire seu religionis .•. Votum
soli Deo lit ; sed promissio potest etiam fieri homin i ; et ipsa promissio
honi quce fil homini potest caderc sub volo, ia quantum esl quoddam opus
\'irtuosnnÍ. Et per hunc modllm intelligcndum est votum quo quis vo,·et
ali<1uid Sanct1s , vel Prrelalis ; ut ipsa prom1ssio facla Sanctis vel Prrela-
lis cndat sub voto materiahter • in ctuantum sl'illicet homo vovct Deo se
impleturom quod Sanclis vcl l:'rrelatis. prom1ttit. D. Th. 2, 2, q. 88. arl.
,.
a.
(1) Non obligat \'olum fat fom com scrniplena animadversionr, HI dc-
liberalione. S. Alph. lib. _111, o. 196.

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262 C.A.TECISMO

dar-lhe honra , o otfenderia e seria peccado contra o segundo rnan..;


damento.
2 º Divisão dos votos. Distinguem-se muitas qualidades devo-
tos : o absoluto ou feito sem condição ; como o de professar em Re-
ligião ; o condicional, em que se prornelte uma cousa só em caso
de certo acontecimento'; por exemplo , dàr tal esmolla se se reco-
brar a samle ; o pessoal, que respeita só á mesma pessoa, corno de
recitar tal oração, fazer lal romaria ; o real, que tem por objeclo
dar alguma cousa , como esmollas, ou mandar dizer :Missas; o mixto,
que participa do voto real e do pessoal , c-0mo o de visitar os. tu-
mulos dos Apostolos, e dar lá uma esmol1a. Ha votos ainda temporarios
e- perpetuos ; por exemplo ; é temporario o voto de jejuar todas as
se~tas feiras de um anno ; é perpetuo o vot.o de guardar castidade
para sempre. Em fim , o voto pode ser· s<Jlemne ou simp/e·s. O
voto solemne é o que se faz professando em religião approrada pela
Igreja, ou na recepção d'ordens sacras. Voto simples, ou seja par-
ticular ~u publico , é o que se faz em congregações não erectas em
Ordens rehgiosas. Ha duas ditferenças entre o volo simples e_o so-
- lemne, e é que este faz o matrimonio nullo ; aquelle , porem , só o
lorna illicito. - No voto simples dispensa mu!las veies a Igreja ; .no
· solemne , quasi nunca.
3.º Merito do voto. Quanlo ao merito do voto, é evidente que
uma boa obra feita por voto é muito mais agradavel a Deus do que
se fosse feita livremente. De facto, mais é dar juntos o frncto e
a arvore, do que só o fructo. Ora, aqueJle que faz uma boa obra
sem voto , dá o fructo ; mas o que a faz depois de _promettida • dá
1untos a arvore e o fruclo , isto é , a liberdade com a boa obra~
Accrescentemos a isto , que o voto manifesta melhor ao Senhor o
desejo de 1he agradar , de lhe pertencer totalmente e servil-o melhor.
Ainda mais, o voto é meio singular de nos adiantarmos na virtude,
pela santa necessidade .em que nos constituímos de fazer -violencia á
nossa natural inconstancia e cobardia.
i.º Obrigação do voto. E) incontestavel a obrigação de cum-
prir votos, e de os cumprir promptamente. Quando fizeres voto ao
Senhór, diz a Escriplura , não demores o cumpnl-o. O Senhor teu
Deus o exi'.girá , e se tardans , a de'mora te será imputada a pec-

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' D~ PERSEVERANÇA. 263

(t) Deuler. e. XXllI, 21, U, 23.


(2) Votum esl promissio Dco facta. Nullus aulcm potesl per pro-
missioncm se firrniler obligare ad id quod est in poteslate alterius, sed
solum ad id qnod est omoino io sua potestalc. quirumque autem esl
suhjectum alicui , quantum ad ui m quo csl subjcctus. non est sure po-
tcstatis facerc quorl \'Ult, scd depcndet ex rnluntate atlerius ., et idco non
polest se per Yotum firmHer obligarc in h1s ín quibus alteri subjicitur,
síne coosensu su1 superioris, D. Th 2, !, q. 88, art. 8.

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264 C.lrnCISMO

ma1 , por morte do pai , tem este mesmo poder , sendo tulOl'a ; e na
falta de pai e mãi passa ao tutor o direito (1). 3.º por dispensa. Esla
hade ser concedida . pelo Papa , ou o proprio Bispo, ou outro de
commissão sua ; pois só estes leem jurisdicçã'o de dispensar votos ,
que a receberam dos Apostolos , a quem Nosso Senhor deu este po-
der , e especialmente a S. Pedro , assim como o de perdoar pecca-
dos , conceder indulgencias , ligar e desligar as consciencias. Os
votos, cuja dispensa é reservada ao soberano Pontífice , são , alem
dos votos solemnes , os cinco votos seguintes, a saber : o voto de
castidade perpetua ; o de ingresso em Religião , e os tias tres cele-
bres peregrinaçoens de Jerusalern, do tumulo ·dos Apestolos em Roma
e Je S. Thiago de Compostella na Hespanha. D'est'arle , pode a
Igreja dispensar em nome de Deus a obrigação de cumprir o que se
votou a Deus ; mas isto só o faz por mo ti vos ponderosos. i. º por
commutação. A commulaç.ão não tira, como a dispensa, a obrigação,
mas só muda em outra a maleria do voto. Esta mudança pode ser
para melhor, para igual ou inda para menor. O partido mais se-
guro, quando se trata de commutar um voto , é submelter a ques-
tão ao confessor ; como lambem é prudente nunca fazer voto sem
primeiro consultar com director sabio e illustrado.
6. Omissão do voto. Se o voto é acto de Religião que honra
D

e glorifica a Deus , segue-se que a sua. violação é peccado que o


deshoura e ultraja. Poderá o Senhor, que castiga a infidelidade nos
contractos que os homens fazem uns com os outros ' olhar com in-
ditferença aquelle que lhe é infiel, que lhe é prejuro , que calca .
aos pés as sagradas promessas que a elle mesmo fez? Não é tido ,
mesmo entre os homens , em despreso e detestação aquelle , que
lança o habito ás hervas, como diz o rifão ; qu~ roe a palavra , e
falta ás suas promessas ? l\las é desnecessario insistir nisto ; termi-
nemos antes esla lição fallando do voto por excellencia , o voto de
Religião , para que aquelles , que ti verem vocação para ellc, saibam
quanto é santo e perfeito o estado a que se dedicam.

i_1) Theologia moral por M. Gousset, t. 1, Ht.

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HE PEHSEHllANÇA. 2615
7. º Do voto de Religião e do estado religioso. O voto ' de Re-
ligião é a promessa feita a Deus de guardar pobresa voluntaria, cas-
tidade perpetua e obediencia inteira, debaixo d'uma Regra approvada
pela Sanla Sé Apostolica. O estado religioso , de que este voto é
o fundamento, é uma ordem estavel e permanente, approvada pela
Igreja ~ na qual os Fieis se obrigam a viver em communidade e a
aspirar á perfeição , pela observancia dos lres volos que deixa~os
ditos. Promelter estas tres cousas é fazer o voto da Religião, porque
é consagrar-se perfeitamente a Deus , não só no que é de preceito ,
mas ainda no que é só de conselho. Por isso se chamam Reli'giosos
aquelles, que professam este estado , porque se <le~icam pe-rfeila-
mente a Deus , pralicam]o na excellencia a Religião Ch ristã. A
obrigação dos Religiosos não é serem_ já perfeitos, eis que entram na
Religião ; mas sim trabalhar pelo virem a ser , cumprindo a Regra
da sua Ordem, e guardando sobre tudo os solemnes ·votos que fi-
zeram.
E' facil mostrar como conduzem á perfeição chrislã os tres vo-
tos de Religião. O primeiro é o voto .de pobresa, fJUe consiste em
não possuir cousa alguma propria. Aquelle que aspira á perfeição
deve fazer-se pobre ; como ensinou Nosso Senhor,. dizendo : Se que-
res ser perfeüo , vende tudo o que tens ; dá-o aos pobres; .que teras
um thesouro no Ceo; e depois volta , e segue-me (1 ). Elle mesmo
foi o primeiro e o mais perfeito modêlo da pobresa voluntaria : A.s
rapozas , diz elle , teem as suas covas ; e as aves do Ceo, os seus
ninhos; quanto ao Fi'lho do Homem, esse não tem aonde recltnar
a cabeça (2). Sendo Nosso Senhor , como é , a perfeição mesmn ,
segue-se que aquelle, que faz profissão de probresa voluntaria, o imi-
ta neste ponto , e aspira á perfeição : A mesma rasão está dizendo
que assim de\7e de ser ; por quanto o amor dos bens do mundo é
grande obslaculo á virtude, quando a pobresa voluntaria a consegue
de repente , porque lira os instrumentos e. occasiões do peccado ,
c_omo são o fausto, as superfluidades , a altivez , o luxo , e ludo

(1). Mallh. XVII.


(2) ld. XII , Llic. IX.
3í V

.
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CATl·:CISMO

mais ']Ue d'elle proced~~; liberta a · alma de lodo o peso que lhe re-
tardaria o vôo , e a não deixaria livremente buscar os bens eter-
nos; merece singulares favore.s de Nosso Senhor, que amou a pobre-
sa ~orno o esposo a sua esposa , e nella viveu sempre desde o Pre-
sepio alé á Cruz ; garante na vida presente e futura f'Slas divinas
promessas : Em tierdade vos digo ; que ·vós outros , que deixastes
tudo para me seguir receberei"s· cento por um n'esle mundo e possui-
reis no outro a vida eterna (1 ). Que pedra preciosa igualará no
~alor a. pobresa, que só é bastante para comprar o reino do ceo !
O segundo é o voto de castidade , que obriga a renunciar a todos os
prazeres sensuaes. Quem aspira á perfeição deve consagrar a sua
virgindade 'ao Senhor; tal é lambem o conselho dado e praticado
por Nosso Senhor mesmo. Sim • Nosso Senhor louvou e exailou a
virgindade ; S. Paulo fallou como o Divino Mestre , e a Igreja con-
demnou os herejes de differenles seculos, qu~ pretendiam, que o es-
tado da virgin<lade não era mais perfeito que o do matrimonio (2).
Sendo Nosso Senhor, como é, a perfeição mesma , segue-se que
aquelle flUe faz profissão da caslidade \'oluntaria o imita n'este pon-
lo , e aspira á perfeição. A mesma rasão nos diz quanto islo é
bem fundado , pois é certo que os cuidados da vida , o desejo d'a-
gractar ao esposo ou á esposa , dividem o espirit.o e o coração, e
fazem o homem menos sollicilo no serviço de Deus.
O terceiro volo • em fim , é o cte obediencia • e este é o mais
perfeito de todos; por quanto, pelo voto de pobresa, cede o Reíigio~o
os seus bens ; pelo de castidade, o seu corpo : mas pelo de obedi-
cncia, dá a su~ prnpria alma. Logo é este o mais excellf'nl.e
voto ; é' o complemento do sacrificio. Assim tambem Nosso Senhor
foi o primeiro mestre e modêlo d'este voto sublime. A.quelle que 11uer
ufr apos de mim , diz elle , renuncie a si mesmo , e siga-me ; .. que .
fui obediente até á morte, e morte de Crnz (3). Sendo nosso Senhor,

(1) MaLLh. XIX.


~2) ld. XXV; 1 Cor. Vll; D. Th. ·~, 2 1 q. 155, arl. IV ."
ta) J<l. XIX.

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OE PERSEVERANÇA. 267
como é , a perfeição mesma , segue-se que aquelle, que faz profissão
da obediencia V-o1untaria, o im ila n'esle ponto, e aspira á perfeição:
a mesma rasão .ensina c1ue assim deve de ser. Na verdade, a obe-
diencia voluntaria triurnpha da soberba , que é o maior obslaculo á
virlude ; é de grandissimo merecimenlo, porque não só faz melho1·
o que já era bom , m~s até íaz merilorio o que era indifferente
1

como o beber, o comer , a recreação , ·o sonrno; produz ordinarfa-


menle muitas vil'tude~ ; a fé, moslrando-nos a Deus na pessoa do
superior; a esperança , fazendo-nos deixar tudo , com a mira na re-
compensa eterna ; a cbaridade , submellendo-nos a tudo para agra- '
dar a Deus , e depender perfeitamente da sua santa vontade ; a pa-
ci.encia e a humildade , ~ujeitando-nos a uma éreatura que no exte-
rior não é mais do que nós. Eis porque o Espirilo Santo nos asse-
gura , que o homem obedienle cantará as suas victorias ; ah ! e
quem lerá mais direito a isso ? Vencer homens, tomar cidades, que
comparação tem com a mais difficil das victorias , a victoria de si
mesmo ? Por lanlo , todas as ordens Religiosas são boas e Santas ,
mas as mais perfeitas são aquellas que , unindo a vida acliva·á con-
templativa , offerecem mais fiel imilação tia vida de Nosso Senhor,
modêlo de lodas as perfeições (1).
Se nada ha mais perfeito , nada por consequencia é mais
glorioso para Deus do que o voto de Religião , nada mais vantajoso
para quem o faz , nem mais util para a sociedade.
Nada ha mais vantajoso para quem o faz. « Na Religião , cfü
S. Bernardo , vive o homem com mais poresa ; cae mais raramente
e está mais promplo a levantar-se ; anda mais prudente , repousa
com mais segurança , é muitas vezes rociaclo pelo orvalho do Ceo e
purificado mais promptamenle, morre com mais coufiança , obtem
mais brilhantes recompensas (2). )) A obediencia inteira , que tan1
conlrària parece á natureza , é todavia a maior consolação d'aquel-
Jes , que tem a felicidade de a professar. « Eu nada conheço mais
commodo , dizia uma Santa Religiosa , do que ir ao Para1so á custa
da Superiora. >>

(1) D. Th. 2, 2, q. 288, art. 6.


(2) Vede Platus Dos fruclos da lleltgião.
*

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268 CATECJS!\10

Nada mais ulil para a sociedade. Os tempos em que vivemos apre-


goam , com horrível eloquencia , a necessidade das ordens Rel~gíosas
enlre os povos christãos ; rnoslram quanto foi culpavel a imprudencia
d'aquelles, que as s upprimiram ; e quanto é ainda contumaz e não menos
criminosa a cegueira d'aquelles, que obslam ao seu restabelecimenlo.
O homem, por mais que faça, não muda as bases da sociedade ; porque a
sociedade, e sobre tudo a sociedade christã , é um facto divino. Ora ,
as ordens religiosas , nascidas com a sociedade , são uma das bases
sobre que ella repousa , como mostraremos na terceira parte-do Ca-
tecismo ..
8. º Voooção ao estado religioso. Assas fallamos já da vocação,
quando tractamos do M.atrimonio ; agora s6 accrescentaremos que ,
para ser valida a profissão religiosa é preciso, 1° que o que profes-
sa, ou seja homem ou mulher , tenha desasseis annos completos;
2.º que não tenha impedimento essencialmente contrario aos Estatu-
tos da ordem ; 3. º que possa dispor li vremenle da sua pessoa ; 4. º
que a profissão seja Jivre , pois que o medo grave e injusto a tor-
naria nulla (1). E' dever dos pais auxiliar a vocação d~s filhos,
que o Senhor chama á vula religiosa. Podem, e devem até,. provar
· a vocação d' estes , mas não leem direito r1e se lhe opporem, quan-
do se reconhece que lhes vem do alto. Neste caso devem os fiÍhos
recordar-se do dito de S. Bernardo : E' ·este o unico ponto, diz elle,
em que não é permittido obedecer aos pais (2). D

(1) Cone. Trid. Scss. XX V. e. 15.


(2) Sola causa qua non liret abedire pi1rentil:ins. Epist. ad /~'liam.
91.

_,

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DE PRRSEV .ERA NÇ·A. '269

ORA.()ÃO.
'
-O' meu Deus·! que sois todo amor • eu vos dou graças
por me lerdes ensmado a amar ao proximo , e honrar o vosso San-
to Nome. Perdoai-me , Senhor • lodás as fallas que lenho commel-
lido contra a charidade ,. e contra o respeito que vos é devido.
Eu protesto amar a Deus sobre· todas as cousas, e ªº
.pro_ximo
como· a mim mesmo por a_mor de Deus; e, em iestemunho deste amor,
nunca pronunciarei o Nome de Deus em ·vão.-

XLIX. 2
UÇÃO.

DE NOSSA UNIÁO COM O NOVO ADAM, PELA


-CHARIDADE.

Terceiro mandamento. - Stias rclaçocns rom os dons primeiros. - Thrcriios


hisloricos. -- Sua n~ressidade. - Domingo suhstitnido ao Sahbado. -- E'·
plicação do que se proh1be ao Domingo. - Refutação dos pretextos para
tralmlhar neste dia. - Motivos que o permittem. - Neccssid~dc social
do terceiro mandamento. - O que se ordena por -cllc. - Missa. - Con-
tliçocus para hem a ouvir. - Causas que dispensam da l\lissa. ·-Bis·
lo ria.

1.º do terceiro man'damcnto com os dous primeiros. Totlos .-


RELAÇÃO
sem duvida somos subditos e senos de Deus. Ora, tres cousas dewm

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270 CATECISMO

os subdilos e servos a seus principes e senhores : a füleliclade , a


honra e o serviço. Pela fidelidade são obrigados a não reronhecer
outros príncipes ou senhorrs: este primcirn dever está consign:Jdo
no primeiro mandamento. Pela honra , devem os subditos e os sp1·-
vos respeitar de palavra a seus príncipes e senhores , dando-lhes os
titulos e disli ncções que lhes são proprias ; é o que se nos ordena
a respeito de Deus pelo segundo mandamento. Pelo serviço, emlim,
devem os suhdilos e servos a seus principes e senhores serviços ex-
ternos ; é isto lambem o que nos prescreve para rom Deus o ter-
ceiro mandamento. Concluamos , pois, que os tres· primeiros pre-
ceitos do Decc:dogo conságr:Jm a respeito de Deus as lres homena-
gens que lhe (ledicam o homem inteiramente : a homena~em do ro-
ração , a homenagem da boca a homenagem do corpo.
S. Tbomaz ainda aponta outra relaç,ão entre estes precritos. Diz
elle que, nos dous primeitos mandamentos • remove Deus todos os
obslaculos que se poderiam oppor á verdadeira R.elig1ão . e no ter-
ceiro establ\lece o fundamento d'el la (1 ).
Com effeilo , não basta que o homem sf~ abslt'nha da idolatria
ou do perjurio ; a este culto nrgal.i\·o deve ajuntar-se outro positivo.
cujos aclos , lempo e condiçoens , só podem ser determinadas por
Deus. Alem disso. -se cumpre que o homem individual honre a Deus.,
logo lambem a sociedade , que é como uma pessoa publica , deve
honrai-o com um culto conforme á sua- natnreza; um culto, por con-
seque11cia , publico e solemne. Assim pois; para que em maleria lam
importante nada ficasse sugeilo a humanos arbilrios, regulou Deus,
pelo terceiro mandamento , todas as cirrumstancias <lo culto publico
que de nós exige, · (2) , e assim lambem. dderminou o dia , em que
a sociedade deve render-lhe este publico e necessario culto.
~'.º Threrhos hisloricos. Eis o que diz o lercriro mandamenlo, o
ultimo da primeira taboa dada a Moyses : Lembra-te de santificar o dia de

(1) llcmotiS' impedi mentis vcne Reli~ionis per primum eL s'ecuodum


prreccptum Llccalo~i .. conscqueos fu1t ut lerl1um prreceptum poncretur,, per
quod honiines ID vera Beligione rundarentur. D. Th. 2 2 t q. 122' art.
1

4.
( ~) Moslrarcmos isto na quarta parle do Catecismo.

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OE PERSEVERAN~'A. 271
Sabbado ; tn1balharas seis dias , e {aras· nelles tudo que precisares
fa;er ; o selimo porer.n é o dia do Sabbado do Senhor teu Deus.
N<1o f aras nesse dia obra alguma servil , nem tu, nem teu filho, nem
tua filha , nem o leu servo , nem a 1'1~a serva , nem a tua besta,
nem o peregrino que estiver em tua casa ; porque o Senhor fez em
· seis duis o Ceo e a Terra , e tttdo o que nelles !ta , e descançou no
setimo dia;· pelo que o Senhor abençoou e santificou o dia. do Sab-
bado (1 ). Que nobre modêl<l se nos propõe aqui ! E' o mesmo
Deus , creando o mundo e descançando no fim da sua obra , que
nos diz : O' homem ! meu filho , trabalha seis dias romo teu pai ,
em santidade corno eBe, e assim descança lambem no selimo. Os
seis dias de trabalho sao a imagem da lua vida ' o selimo é a ima-
gem de tua eternidade ; aqui a fadiga , e lá o repouso ; aqui o
trabalho d'um instante, e Já o repouso de secu]os sem fim.
Antes d'explicar este terceiro preceito do Decalogo , vamos re-
ferir dous exemplos historie.os , que mostrarão quanto e11e é excel-
lenle e sanlo : O primP.iro dclles bem pode inspirar-nos um grande
temor de violar este preceito ; o segundo , dar-nos a conhecer com
que zelo nos cumpre obstar á sua transgressão.
No tempo em que os Israelitas estavam no deserto , um- certo
homem , contra o preceito do Senhor , andava apanhando lenha no
dia de Sabbado. Levaram-no , á vista de todo o povo , á presença
de Moyses e Aram, os quaes, não sabendo que lhe fizessem, o man-
daram pôr em custodia. Fallou então o Senhor a Moyses, e lhe
ordenou , que punisse de morte aquelle homem, _mandando-o pôr fora
e
do Campo , que todo O porn O apedrPjasse , O que assim Se exe-
CUlOU (2). Medilemos , pois ~ que é o mesmo Deus, igualmente bom
e Justo , quem manda punir de tal sorle similhante delicto, e logo
conhec~remos qual é por consequencia a. sua malicia. Quem poderá
illudir-se, crendo que a profanação do dia do Senhor não é um pec-
caclo de suruma gravidade'!-
Passemos ao segundo exemplo. No de~imo quinto scculo, vivia

(1) Mrmcnto ut diem Sahba Li sanclificcs. Exod. XX , 8.


(~) Num. XXV. 32 e seg.

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272 CATECIS~10

na Italia um Religioso camaldulense , · tam celebre em sciencia como


em piedade. Chamava-se Angelo Masaccio ; e descendia d'uma nobre
familia d'Urbino. Depois d'uma infancia passada nos bons costumes,
Angelo , já adolescente, resolveu renunciar ao seculo, e abraçar o
instituto , no mosteiro de Santa l\laria de Serra , perto ela _sua ci-
dade natalicia. Logo que professou , unin,Jo o ardor da ReJjgião ao
das Sagradas Letras , occupou-se em prégar a palavra de Deus ,
instruir o povo , corrigir os maos co~lumes e perseguir os '1icios,
arrancando assim do abysmo a muitas almas. Espalhando-se por
este tempo na Italia a peste dos berejes, vulgarmente chamados Fra-
licellos , veio lambem a infestar os logares onde vi \'ia Angelo ; pelo
que este servo de Deus , ardendo no amor da Santa Fé, se appli-
cou ·especialmente a combater aque11es herejes , confundindo seus
erros,, e extirpando sua heresia.
Succedeu, pois, que no anno de 1458, viu elle em um dia de
festa , alguns d'aqueUes homens a cortar matleira em um bosque, e
movido do seu costumado zelo, começou logo a admoestai-os. e re-
prehendel-os. E11es, porem , como gente que era depravada , não
o levando em paciencia , deram nelle de chusma, e com os mesmos
machados com que cortavam a madeira , o acabaram a cruelíssimos
golpes. E!)tre tanto os monges, inquietos pela tardança do padre
Angelo , e temendo não tivesse adoecido por fora do convento,-
correram a buscai-o pelas visinhanças, e o acharam por Hm estirado
morto no chão, alagado em sangue e coberto tle feridas .. Este hor-
rivel assassinato lhes deu logo a ente'nder que fôra obra da raiva dos
herejes contra a fé e a prégação evangelica ; e entraram a lamentar
e chorar amargamente a morte do seu irmão. Acodio logo o povo
e o clero, e os Rehgiosos, no meio d'um immenso concurso, leva-
r·am ao Mosteiro , com grande solemnidade , o corpo do morto, e o
collocaram debaixo do altar mór da sua igreja, aonde não tardou
que' Deus começasse a operar prodigios em honra do seu fiel servo,
e a glorificar o seu zelo animoso , na defesa do ·santo d~a da Ora-
ração e do repouso.
Se o machado dos herejes feriu , no decimo quinto seculo, o de-
, fensQr dos direitos divmos , _qoje a cubiça , barbara como a heresia,
algema com um trabalho sacrilego a milhares de braços , que leem
/

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,DE PERSEVERANÇA. 273
necessidade de repouso , de consolação e oração , ó Angelo de l\fa-
saccio , bemaventurado Martyr , eis que os teus assassinos leem en-
tre nós mil e mil crueis imitadores ! Intercedei por nós , que toda
a Igreja vol-o pede, a fim que no seio das nações reviva esta lei
do repouso, tam sacrilegament.e violada pela injustiça dos grandes
da terra (1).
3.º Sua necessidade. Entremos agora na explicação do nosso
assump_to e comecemos por observar a condescendencia paternal de
Deus a nosso respeito. Bem podia elle exigir do homem actos de
culto exterior e publico, muito e muito mais assíduos ; mas, atten-
dendo á nossa fraqueza, e á difficuldade que leem de cumprir os de-
veres do cullo externo · aquelles, que carecem occupar-se nos ne.go-
cios da vida , quiz Deus tornar-lhes facil aquella obrigação, marcan-
do-lhes tempo para a satisfazerem , e ~emovendo tudo que obstaria
ao cumprimento d'aquelle dever : b~nevola attenção esta , pela qual
muitas graças devemos dar a Deus , não só pelas rasões que dei-
xamos apontadas ·, mas lambem porque, se Deus não tivesse fixado
um dia para o honrarmos , o culto externo cairia logo inteiramente
em desuso , e o mesmo culto interno acabaria , e com elle a Reli-
gião , unica origem da nossa felicidade. Ora , ~ terceiro manda-
mento é immutavel e de direito natural , em quanto nos ordena que
reservemos certo tempo para r~nder a Deus culto externo ; e aprova
é que todos os povos tiveram sempre dias consagrados ao culto dos .
seus deuses.
Assim como a natureza tem um tempo proprio para as func-
ções necessarias á vida do corpo , taes como são o beber, o comer,
o dormir e o repousar , da mesma sorte a Religião ·exige e precisa
de determinado tempo , em que a alma possa refazer suas forças,
meditando nas verdades eternas ' e contemplando as perfeições di- -
vinas (2)

{t) A 22 d' Abril l8i2 incluiu a Igreja cm o numero dos SanlÓs ao


Padre Angelo de Masaccio.
(2) D. Th. 2, 2, q. 122, arl. IV.
35 V

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CATECISMO

4.º O Domingo substituido ao Sabbado. O preceito de sancli-


Hcar um dia da semana , se se considera em relaç.ão a este dia pre-
cisamente, não é irumulavel , anles pelo contrario devia elle nalural-
mente mudar-se. Os Israelitas sanlifJcaram, · pois , por · ordem do '
mesmo Deus , o dia ,<Jo Sabbado ; e por tres rasões escolheu o Se-
nhor esle dia ; primeiro para memorar o mysterioso repouso em que
entrou depois d'baver ~reado o mundo, e fosse aquelle dfa santifi-
callo em acção de graças por tam g1·ande beneficio ; segundo, para
confundir antecipadamente os -insensatos, que pretenderiam que o
múndo tinha sempre existido~ porque consagrando um dia da semana
á memoria da creação do mundo , proclamava o povo d'Israel alta
e perpetuamente , que o mundo tivera seu principio ; terceiro, para
lembrar ao homem que , tendo seus servos e animaes domeslicos
trabalhado seis dias da semana ' devia deixai-os descançar no septi-
mo; querendo por este meio que os senhores aprendessem a ser
brandos para com seus obreiros, e ainda compassivos para com os
brutos animaes.
Cumpria , porem , que esle preceito fosse aboJido no momento ,
em que todas as outras ceremonias judaicas deviam' ser regeilatlas,
isto é, pela mo_rte do Sahador. Estas ceremonias, como Lemos vis-
to , não eram outra cousa mais que a sombra e a imagem
da verdade, e assim de\·jam terminar , eis -que apparecesse a luz e
a verdade que é em Jesu-Christo , como ao nascer do sol desappa-
recem as sombras da noule. Por esla rasão substituíram os Apos-
tolos ao Snbbado dos Judeos o prinwiro tios sete dias -da semana ,
e lhes chamaram o dia Jo S~nhor , ou o Domingo. Dia do Senhor,
tlizem os Padres da Igreja, porque nclle celebramos·o triumpbo que
Nosso Senhor levou sobre o mundo ; dia do Senuor , porque nelle
não devemos occupar-nos <l'onlra cousa senão do seu serviço (1). S.

·-
(l) Die'm domin1cam oh venerabilem resurrectionem Domini nostri "
Jesu Christi , non solum m Pascha celebramos, verum etiam -per siogu-
las hebdomadas 1psius diei imaginem frequentamos. Innoceot. 1. Epist.
ad- Decent. - ldeo dies isLe dicitur Domini , · quia in eo Laotum Domi oi
Dei nostri cultui vacandum nobas est ·s. Aug.

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I
\

DE PlmSEVEllANÇA. 27u
João fatia d'esle dia em seu Apocalypse (1) , e o Apostolo S. Paulo
• quer que se recolha\).1 as esmollas dos fieis no primeiro dia depois
do Sabbado (2) ; isto é , como explica S. ChrysosJomo , no dia do
Domingo : por onde se vê que já no tempo 'tios Apostolos era o Do-
mingo tido como Santo (3).
Quereis saber que rasoens teve a Igreja para transferir a solem-
nitlade do Sabbado para o Domingo? Eis aqui algumas :
1. º Foi n'este dia que a luz começou a fulgurar em o mundo;
2.º foi n'este dia que Nosso Senhoi' resuscitou e fez que os homens
passassem~. da vida cfas trevas e do peccado á vida gloriosa do novo
L/
Adam ; 3.º foi n'esle dia que o mundo começou a ser crcado , e
depois regenerado pelo Espírito ·Santo, que desceu sobre os Apos- -
los. D'esl'arte a Igreja christã , consagrando a Deus o Domingo ,
que igualmente corresponde ao primeiro dia da creação do mundo,
ao da sua Resurreição em Jesu-Christo, e á descida do Espirilo San-
to , nelle consagrou muitos objeclos igualmente proporios a excitar a
nossa piedade. Assim honra ella a Deus Padre Todo Poderoso, Crea-
dor e Conservador .de todas as cousas ; a Jesu-Christo , seu unico
Filho nosso Salvador , que nos remio da servidão do demonio e do
peccado, e que, apos dos trabalhos da vida mortal , entrou , por
sua Resurreição , no repouso eterno , -figurado pelo repouso de Deus,
depois da obra da Creação ;_ e ao Espirito Santo , como o principio
da nova creação, mais maravilhosa que a primeira, e pela qual, sen-
do nós tirados do nada do peccaclo , recebemos pela graça um novo
ser e uma nova \ ida.1

5.º Explicação do que prohibe este preceito. Para nos dar a

(1) Apoc. 1, 10.


(2) 1 Cor. XVI. 2.
(3) Chrys. llomil. XIII in Corinth.; Ambr. item ct Theophilacl;
vid~ cliam Can. 63; lgnat. epist. ad Magn. ; Justin. Apol. II; Tertull.
Apol. e. 15 et de Coron. milit. e. 3, et de ldol. e. U Cypr. epist. XXXIII;
Clem. Alr.x. 1. v. Stromat. satis ante finem; Orig. Homi l. Vil in Exod .

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276 CATl~CTSMO

conhecer a imporlancia do repouso Sagrado , começa Deus por em-


pregar esta expressão : Lemb1·a-te de sanctificar o di'a de Sabbado.
Por estas palavras recordando-nos duas cousás : primeiramente , que
não faltam occasioe~ns capazes de nos fazer esquecer este preceito ,
como são por exemplo aquelles que o não guartlam, ou por avareza ,
ou pelo amor dos prazeres, e dos especlaculos , que tantas vezes nos
impedem de guardar o dia santo. Em segundo logar, que traba-
lhando nós toda a semana , esperemos pelo dia do Domingo , como
aquelle em que devemos dar contas a Deus de nossas acçoens , e do
nosso trabalho, a fim de que não façamos obra qne ·seja desagrada-
vel a Deus , e a nós , como diz a Escriptura , objecto de suspiros
• rem01·sos (1).
D'est'arle o Divino Legislador, remo, eu primeiramente todos os
1

obstaculos que impediram o cumprimento do preceito. Com effeito,


estas palavras , sanctificar o dia do Sabbado , significam na Escrip-
tura abster-se de todo o trabalho do corpo, e dos negocios lempo-
raes. Cumpre-nos pois saber quaes sejam as obras prôhibillas on
permiltidas n>este santo dia.
Ha lres qualidades d'obras: as liberaes '~ as mixtas ou eommuns,
e as servis.
As obras liberaes sãq permillidas ao Domingo. Chamam-se
obras liberaes aquellas que se exercem mais pelo espirito que pelo
corpo J que lend em rlirectamenle á cultura da inlelligencia, e que ,
por isso mesmo , se fazem mais commummente pelas pessoas livre~.
Ler , escrever, desenhar, ensinar, estudar e compor musica, e tu-
do o que pertence ás artes liberaes • são obras liberaes permiltidas
ao Domingo, inda que se façam para ganhar dinheiro. Assim , os
professores das artes e sciencias podem dar lições ; os architeêtos ,
pintores , esculptores e bordadores podem traçar no papel os planos
ou riscos de suas obras. Inda que seja pcrmiltido pintar, não é com-
ludo permittido moer as tintas: nem occupar-se de certas pinturas
- _mecanicas e grosseiras, pois seriam obras sl'rvis, maiormente n'aqnelle
ftue o fizesse por officio.

O) l Rcg. XXV, 31.

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/

OE PERSEVERANÇA. , 277
As obras mixlas ou communs são igualmente permiltidas ao Do-
mingo , com tanto que se não fique exposto , sem motivo , a perder
a Missa. Chamam-se obras communs aquellas que se exercem lanto
pelo espinlo como pelo corpo, e que são communs á genle de tra-
balho e ás pessoas livr('s ; como por exemplo , passear , caçar, via-
jar , pescar , sobre tudo quando a pesca ou a caça não demandam
grande trabalho , nem grande apparato , taes como a caça simples e
a pesca a canna ; mas não se devem transportar ao Dia_ Santo mer-
cadorias e generos, menos que não haja· grande necessidade , ou que
o costume o tenha auclorisado (1).
As obras servis são prohibidas ao Domingo. Chamam-se obras
servis 3fJpellas , que se exercem mais com o corpo do que com o es-
pírito , e que servem directamente mais para vantagem d'aquelle, e
se fazem commummente por servos , obreiros e gente de trabalho (2) ;
taes são: exercer um officio seja qual for, . cultivar terras, ceifar,
vindimar , cozer, recortar , bordar ; o que tudo é prohibido ao Do-
mingo , inda quando se não ganhe nada, ou mesmo se trabalhe para
os pobres (3). As· feiras lambem são prohibidas ·aos Domingos e dias
santos, sobre ludo as qne se fazem em publico e com solemnidade. ·
. Exceptuam-se aquellas que o costume dos Jogares auctorisa. E' ge-
ralmente concedido que se possa vender e comprar ao Domingo, não
só as cousas necessarias para aquelle dia , como pão , vinho , carne,
hortaliças e, outras provisões de boca ; mas lambem aquillo de que a
gente do campo tem necessidade para algumas semanas, ou ainda para
_ Jongo espaço de tempo , como viveres , \'estitlos e outros objectos de
eonsummo. Mas não é permittido expor publicamente as mercado-

(1) S. Alph. lib. Ili , n. 276.


(2) S. Alph. lib. UI, n. 276. - i<l. ih.
(3) Todos os ar tos do foro lambem são prohibidos. Chamam- se assim
todos os actos dizem respeito ao foro; por exemplo, citar as partes, ins-
truir processos, executar sentenças. Só a necessidade ou o costume po-
dem desculpar os actos judiciarios.

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278 C.\'l'EC!S!\IO

rias ; deve-se ler a loja mchat.la , ou ao menos não deixar mais que ·
uma por la aberta (1 ). Isto é quanto aos obrciros e mercadores.
Quanto ao~ estalajadeiros , é-lhes prohibido dar de comer e be-
ber ás pessoas do logar duranle os officins divinos, sobre Ltido em
quanto se celebra o Santo Sacrificio da Missa ; e se o fizerem com-
mellem n'isso peccado gra \'e , e são igualmente culpados recebendo
quaesquer pessoas, mt•smo fóra do tempo dos ofücios <livrnos , {1ue
possam ir mover altercaçoens ' blaspbemias ' nebedic~s e o'ulras Je-
sord(\IlS.
_A obrigaç~o tl'abster-se das obras servis ttbrange de meia noule
a mé!a.noule; é obrigação grarn; de sorte que aquelle que, sem
necessidade, trabalha ao Domingo ou dia festivo durante trez huas,
seguidas ou não seguidas , preca mortalmente , e ainda mesmo tra-
balhando só duas horas se expõe a culpa mortal (2). .
Ha outra especie d'obras eminentemente servis, e inda mais rrs-
Lrictamente prohibidas que aquellas de que acabamos de faltar, es-
tas são os peccados. Ora , por um abuso deploravel, commeltem-se
muitas vezes em maior numero nos t.l1as consagrados ao serviço di-
vino , do que nos dias destinados 30 lra balho. Os mais ordinarios
são : os passeios perigosos , danças , espectaculos , e frequentar ta-
bernas e botequins. Em todas as nações chrislãs -tem sido prohi-
das estas desordens pela auclQridadc civil, como essencialmente con-
trarias á sancliílração do Domingo. Entre mil outras leis citemos a
do Imperador Leão V , promulgada no anuo de 469 da era chris-
lã.
« Prohibimos , diz o religioso monarcha , que se profanem por
qualquer diverlimcnto os clias cons 1grados a Magestade Divina ; não
queremos que no dia do Senhor se façam citações ou instaurem pro-
c.r.ssos. Cesse de ·se ouvir a desagradavel voz dos meirinhos; res-

(l) S. Alph. l1h. III, n. 286 ; Thcologia moral de Mgr. Goussct t. 1,


p. 250.
(2.\ S. Alph. lib. III • n. 286; Thcologia moral de Mgr. Gousset, t.
1 ' p. 2!lt

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UE PERSEVIUlANÇA. 279
pirem á sua vontade os litigantes , e vejam-se sem temor ; porque
não estejam os espirilos preoccupados com pensamentos estranhos.
Toda via , para que o Santo repouso não degenere em ociosidade, só
prohibimos os prazeres perigosos, de qualquer qualidade que sejam.
Não se abra n'esle dia o thealro , nem o circo , nem se deem es-
peclaculos de feras ; e se occurrer nelle o anniversario do nosso nas-
cimento, sejam differidos esses divertimentos. Tudo com 11ena <le
perderem sua patente os militares , ou os demais seu patrimonio, se
transgredirem esta sagrada lei (1 ). » Estas tam faceis prescripções,
das quaes a experiencia actual , c,om a velocidade do raio, demons-
tra a profunda sabedoria e necessidade social "' são ainda na maior
parte observadas nos pa!zes calholicos , que digo ? entre os mesmos
protestantes , como na Inglaterra e ainda mais na Escossia . ·
6. º Refutação . dos pretextos de trabalhar ao Domingo; A pro- )

fanaç.ão do Domingo , alem de ser gravissimo peccado, é summa-


menle prejudicial aos artífices e a toda a sociedade. Em primeiro
lugar, é crime de lesa .Mageslade Divina, cem vezes probibido, com
as mais severas penas , pelo Soberano Legislador do ceo e da ter-
ra ('2). Ou se hade dizer que bem pode o homem zombar impune-
mente da justiça divina , ou alias se hade confessar que a audacio-
sa transgressão cl'esta lei fundamental é origem de continuos casti-
gos e flagellos, assim para os individuas como para as nações.
Dão por pretexto QS artifices , c1ue trabalham nos dias consagra-
. tios ao Senhor , que se o não fizerem lhes ficam as obras por aca-

(f) Amissioaem milit1re prrescriptioncmque patrimonii susl1_ncbit, si


quis unquam h9c die fcsto speclaculis ioteresset, aut cujuscumque judieis
apparitor, prretcx tu negotii publica ,·er priva ti , hrec qure hac lcge statula
sunt , credidit temeranda. Bar. Ann. an '69.
(~) Exod. XVI, 23 ,·XX, 8; VIII, 2; XII, 31: XIV, 17; XXXIV,
':!1 ; Levit. XIX , 3; XV, 23 ; XXIII, 3; Num. XV, 32; XXVIll, 9;
Peutcr. V, 12; lsaie, LVI, 2; IV, 58, 13; LXVI, 2ã: Jcrt>m, XVII,
21 , 27; Ezech. XX, 12; XXII , 8; li Esdr. XIII. 16 , 22; Matth. X II~
10 ~ 1 Cor. XVI, 2; Hcbr. IV, 4 , 10, ele. c!_c.

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280 CATECISMO

bar , e per~erão a freguezia, se as não derem promplas... frivolos


pretextos! A lei de Deus é muito superior a taes interesses, mas
quem assim falia mostra não confiar em Deus , e ultraja sua bon-
dade , receiando o abandone á miseria , por haver cumprido a sua
lei. Dai-me um só exemplo em que se mostre que algum artifice ja
morresse de fome e de miseria, ou não tivesse trabalho , por não
ter querido trabalhar ao Domingo l Lembrai-vos bem disto : os que
trabalham ao Domingo nem por isso são mais felizes , nem estam
mais ricos ao fim do anno , mas antes não é raro succerler ao con-
trario. Deus não abençoa o trabalho que elle prohibe. Demais, não
é Deus senhor da vida e das riquezas? . Não tem elle ás suas or-
dens o fogo , a saraiva , a geada, as chuvas e os calores , para
arejar e destruir as searas , que grangeastes em menoscabo da sua
lei? ~E não é elle ·o que vos hade dar a saude e as forças para
trabalhar ? Não poderá mandar-vos qualquer enfermidade com que
gasteis muito mais do que lucrastes com trabalhar ao Domingo? Em
fim, as revoluções , que suspendem o trabalho , com ·a confiança
publica ' e condemnam milhares de braços a estar em ferias
mezes e annos, não são por ventura meios terriveis, que Deus tem
á sua disposição , para vos fazer expiar severamente o sacrilego <les-
preso de seus preceitos? Torno a dizer-vos : não se zomba de Deus
impunemente.
Ainda não pára aqui. A profanação do Doming.o redunda toda
em proveito do egoismo e da desordem ; de sorte que o trabalho
- habitual do Domingo é uma semente d'iniquidade e uma certidão
para o hospital. Pobres artistas , que toda a semana funccionaes
como maquinas em doentias officinas, pobres lavradores, que sup-
portaes nos campos o rigor do sol e da geada , parece-vos que com
um dia mais de trabalho ficareis abastados e melhorareis de fortuna?
ó desgraçado erro ; como vos illudis ! Em primeiro lugar , os ar-
tifices que trabalham ~o Domingo folgam á segunda feira, e eis-aqui
burlada a ganancia. Em segundo lugar, estes taes artifices gastam
em devassidões grande parte da feria da semana ; em terceiro lugar,
dissipam as forças com toda a sorte de excessos, e, envelhecendo
na flor dos annos , vão , moços caducos , morrer ao hospital , dei-
xando a mulher e os filhos , cobertos de andrajos a cargo da cha-

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DE PERSEVERANÇA. 2S1
ridade publica , até que a pbilantropia , callçada de os cnconlrar nos
camrnhos , os faça encerrar n'um deposito de mendicidade. Eis ~qui
ainda a historia contemporanea. Artifices, desenganai-Yos que o que
vos adquirirá uma ditosa velhice são os bons costumes -da mocida-
de , e estes jamais os tereis sem a Religião, pois que com as vossas
proprias forças não podereis reprimir as paixões , nem resistirá tor-
rente do escandalo. E como , se não guardardes os Domingos, po-
dereis assistir ás practicas religiosas , e á prégação da palavra de
Deus , sem a qual não tereis instrucção, nem por consequencia re-
ligião solida ? .
E que diremos das costureiras, e outras mulheres de trabalho,
que não santificam os dias de preceito? A donzella sem freio de re-
ligião entrega-se logo á sua paixão predominante. A vaidade de en-
feitar-se e adornar-se leva-lhe no toucador o seu . escasso jornal ; e
depois... resta-lhe commerciar com a sua innocencia. Não direi
mais. Os costumes publicos , os lribunaes , as estatísticas dos in-
fantecidos, digam o que eu por horror e por vergonha callo. Re-
turquireis que t.rabalhaes nos Domingos e nos mais dias· da semana
sem vos dardes a vicios ? Não , não. o fareis nunca pela rasão que
acabo de dizer ; .!Das se o fazeis não o fareis por muito tempo ; que
o trabalho continuo esgota-vos as forças, e Lereis necessidade de
descanço. Demais , este trabalho. continuo nada vos adianta. Pare-
ce-vos· que calculaes bem , mas o rico cal cu la mel bor. Elle é o pa- ··
trão , e não vedes que vos faz soffrer uma diminuição d~ sa1ario. de
sorte que vos não dá por sete dias de trabalho mais do que seria
obrigado a dar-vos só por seis , pois é de direito natural que cada
dia ganheis com que vos sustentar e a vossas familias, sem o que não
prestaríeis ao tico nem os vossos braços nem as vossas forças ? Por
ventura depois que se trabalha ao Domingo , conheceis muitos obrei-
ros que tenham feito fortuna , por causa d'este accrescimo de tra-
balho?
A violação do Domingo é inteiramente prejudicial ás classes tra-
balhadoras, já por que esgotam as forças antes do tempo com in-
cessante trabalho, já por que se dissipam com os excessos, a que
se entregam os homens sem freiô religioso. E vós, ó ricos , cuja
cobiça ordena esta violação flagrante da lei de Deus , não temeis
36 V

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CATECISMO

nada dessa massa d'obreiros sem fé e sem moral? Credes por ven-
tura que podereis sempre dormir tranquillos , em quanlo as pai...
xoeus populares, excitadas pelo vosso luxo, recalcadàs pela vossa
dureza , desencadearias pelo vosso insolente despreso da lei de Deus,
olham tremendo de raiva para a vossa rapida fortuna, rimentada ,
com os seus suor<1s , e cheios tle inveja aguardam o momento de as
gozar lambem um dia~ Não vedes já os symplomas d'esla irrita-
ção profunrla e incuravel nessas collisões e commuções, que a força
poJe reprimir um instanle, mas que não destroe, nem tira que reappa-
reçam mais ameaçadoras e perigosas ?
E' funesta á sociedade a profanação do Domingo , a não ser o
repouso d'aquelle dia que, suspendendo o trabalho ma teria 1, dá ao
homem o desranço , e lhe impoem a obrigação de se occupar do lra- ·
balho moral , todo q melhoramento social é impossiveJ. A rasão é
obvia :_o mal da sociedade eslá nas almas , e só no Chrislianismo se
acha remedio para o mal ·das almas. Ora , sem o repouso do Do-
mingo , não ha .para o Chrislianismo tempo nem logar de faltará so-
ciedade. E sabeis o que é u.m povo , a quem o Christianismo não
dirige a sua voz? é um povo sem freio religioso , um poYo escravo
das -suas paixoens , em perpetuo estado d'irritação e inquietação pu-
blica , tendo sempre eminentes as guerras c1vis e a anarchia. Os
factos contemporaneos nos - di~pensam de dizer mais a este res-
peito.
Necessario em relação á mor"I do homem , e por conse-
quenci3 a sua existrncia , o repouso do Domingo é lambem incJispe.n-
sa vel á honra nacional. Não ignoraes quanto a irreligião tem des-
honrado a França. A mjustiça, a fraqueza , as dissenções sangui-
nolentas lhe, ·são hoje communs como ás outras nações ; mas ha uma
deshonra que Jhe é particular : t; a profanação escandalosa do Do-
mingo. Cumpre que todos saibam , que -a transgressão d'esta sa-
grada lei do repouso da semana , tain antiga como o mundo, e tam
religiosamente observada em todos os- lugares que o sol allumm, nos
põe no infimo gráo da estima universal. Na Europa elimina-nos das
naçoens civilisadas; na Africa, dá-nos entre os Barbaros o fôro de
caens. Quem obstará á imperiosa necessidade de acabar com simi-
h:-inl•~ ignomini~ , e resl.abelecer as bases da sociedade? Será o in-

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OE PERSEfERANÇA. 283
lel'essc do commercio e <la industria ? Mas uma só palavra basta
para responder-vos: olhai para a Inglaterra ! Alli observa-se reli-
giosamente a. sagrada lei do repouso , e é por isso o seu commer-
cio menos florescente que o nosso ? prospera menos a sua indus- '
tria ? Lembre-se bem a sociedad_e desta <1uestão de vida ou de mor-
te. Não ha sociedade sem Religião, não ha Religião para tres quar-
tas partes do genero humano , sem a saoctitfoação do Domingo. E'
pois verdade que o te'rceiro mandamento de Deus é uma base do
edificio social , uma. segurança para o rico , e um benificio para o
pobre.
7. º Motivos que permiltêm trabalhar ao Domingo. Deus, po-
rem, nosso verdadeiro Pai, exige a obediencia de ~eus filhos mais
por inleresse d'elles que pelo seu ; e assim nos dispensa d'observa1·
o preceito, sé pnra isso ha Jllolivos sufficienles. Muitas rasões po-
dem desculpar o trabalho servil ao Domingo ou dia santo: 1. a 0

di'.spensa do Papa , em toda a Igreja. Assim pode hoje trabalhar-se


em França , nos dias santos abolidos pela concordata , poslo que o
Sumrno PonÚUce deseje · que se celebrn o oflicio como n'oulro tem-
po. A dispensa do Bispo, quando ha justos motivos para isso, na
sua diocese ; e , em alguns casos particulares , a do Parocho na sua
parocbia. Assim deve pedir-se-lhe dispensa quando se duvida se
ha sufficientes molivos pâra trabalhar, por exemplo, se no tempo das
colheitas , ceifas on vendimas occorre clu vida sobre se sel'á' necessa-
rio fazer este sen iço , ba venllo receio de que as producções da ter-
ra sotfram prejuiso , ou se estraguem com a chuva , póJe o Parocho
dispensar, e permillir o trabalho.
2. º O costume. Eis aqui a regra a este r~speito : pode qual-
quer seguir o costume publico dos lugares aonde está , se os Bis-
pos e Parochos o conhecem e o não impedem. _ Mas cumpre que tal
costume seja publico e seguido por gente virtuosa. Assim , geral-
mente fallando , é permittido nos Domingos e dias santos cozer paens
ou aliment-os , ainda em quanlldade supedlua , preparar o que é ne-
cessario pa1'.a o jantar , ainda par(} jantar lauto ; trabalhar no aceio
do corpo e da caza ; cuidar dos animaes , e dos rebanh~s. Os pa-
deiros , carniceiros e pasteleiros podem lambem n'estes dias vender pão,
carne e massas. O uso parece tam~em auctorisar os barbeiros a

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284 CATl~CISMO

fazer a barba aos Domingos nas cidades e nos campos ; ha pouca


differença entre o seu trabalho e o dos cabelleireiÍ'os , que é cer-
tamente permittido (1).
3. º A piedade. Tambem é permittido ornar os templos e pre-
parar os allares por occasião d'aJguma solemnidade , quando se não
tem podido fazer em dias de trabalho. Mas isto não auctorisa a fa-
zer flores para as Igrejas ; por que é obra servil , que póde evulen-
temenle fazer-se em outros dias.
4. º A necessi'dade. Quando se não pód~ deixar alguma obra sei \'il
sem causar grande damno ou incommodo a si ou ao proximo. Pelo
que podem trabalhar aquelles _que cosem cal , tijolos ou vidro, e to-
dos os que teem começado obra , cuja interrupção lhes cauzaria
grande damno. Os alfaiates podem lambem trabalhar para fazer ves-
tidos de nupcias ou de luto , ou para os que teern de fazer jornada,
e não podem, sem grave inconveniente, differir a partida ; ou ainda
para os pobres , que não leem outra roupa para se vestirem ; mas
é ·preci"o que se não podesse ler feito antes. A necessidade dispen-
sa lambem os marrnbeiros , barqueiros , ai mocreves e, correios , cujo
serviço não pode interromper-se sem grave prejuizo. Dispensa em

fim as mulheres , filhos , ou domeslicos , que são constrangidos a
trabalhar em serviço d~ seus maridos, pais e amos , quando não podem
resistir-lhes sem graves inconvenientes. Quanto ás pessoas dependen-
tes d'outras, que sejam de tal sorte obrigadas a trabalhar durante
a semana , que n_ão tenham verdadeiramente senão o Dotningo para
remendar os seus pobres vestidos , essas poderão trabalhar durante
algumas horas , com tanto que assislani aos officios divinõs, e pe-
çam permissão ao seu pastor, e o façam de sorle que não dê escan-
dalo. O m~smo é para os pobres , que forem obrigados a traba-
lhar para grangear o necessario á vida , tanto para si co~10 para sua
familia.
O Chnslão , que se acha- em necessidade de trabalhar ao Do-
mingo , não deve fazei-o senão a seu pezar , e o menos tempo pos--
sivel. Bem pouco é um dia ~ó da semana, para cuidar do grande

(1) Thcolo~ia moral , t. t • p. 2tl:1 - 4.

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IH'.!' PERSEVERANÇA. 28ã
e unico negocio, para o qual estamos n'este mundo. Oe que
nos serviria ter lucrado o mundo todo , se perdermos a alma? De
mais , lembremo-nos que qlljlndo nos seja permillido occupar-nos em
obras servis , não estamos ·por isso dispensados d'uuvir Missa. Seria
· grave erro lerem-se por dispensados d'esta obrigação aquelles , que
em caso de necessidade podem trabalhar aos Domingos e Dias San-
tos no tempo da ceifa , da vindima e das colheitas (1 ).
8.º O que se ordena pelo terceiro mandamento. Depois de
prohibir todas as obras , que podem oppor-se á santificaç,ão do Do-
mingo , prescreve ainda o terceiro mandamento o que nPste dia nos
cumpre essencialmente fazer, com pena de incorrer em peccado mor-
tal (2) ; mas antes de tratarmos disto , bom é que notemos que o
ouvir a palavra de Deus , assistir á calhechese com piedade e de-
voção (3) , receber os Sacramentos, ler livros devotos , visitar o
Santissimo Sacramento , ,ensinar os ignorantes , consolar os pobres e
enfermos; em uma palavra ' fazer, segundo o estado e condição de
_cada um , as obras de misericordia espiriluaes e corporaes, são ex-
cellentes meios de sanctificar os dias de preceito. Assim usavam fa-
zer os primeiros christãos , nossos pais e modêlos na fé. Vemos da
historia ecclesiastica, de <1ue _trataremos na terceira parte desle Ca-
tecismo , com que assiduidade e ar.for assistiam ás instruc~.ões dos

l 1) Tbcologia moral • t. 1 • p. 256.


(2) Incorrem cm culpa gra\·e aquellci:: que , não sabendo a dorlrina
chrislã, e ni!_o tendo ai .em d'isso oingucm que lh'a ensine , não assistem
quando podem , á cathechese.
(3; Nclle fesLc commandí\le siamo ohbligali <li lroYarsi prcseoli ai
sanclo Sacriticio della Messe. E sebbenc la santa chiesa non ci obbhga
ad allro ; noudimcno e molto con,·cnieolc • che Lullo il giorno di fesla ,
o la maggior parte <li esso si speoda in orazionc , e lezione spiriluale ,
in visitar le chiesc, in udire le prediche , e far simih esercizi sanLi ;
esseodo che qucslo é il fine , per il quale sono stale iostituite le feslc.
Bcllar. Dottr. cnst. 13ü. - Muitos lhcolÔgos leem por peccado venial o
faltar ás ,·esperas.

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. I

'.286 Ct\'rnCIS~IO

Aposlolos, recebiam a Sagrada Eucharistia , davam esmolas , e of-


fereci-am a Deus , por si e por toda a lgrílja , fervorosas orações ,
nos dias santificados. E que fazemos nós hoje? Acaso o Deus a
quem scrvim1Js já não é o mesmo Deus de nossos pais ?
Se a alma deve sanctificar o Domingo, justo é que lambem o
corpo tome parte na festa. Em alguns paizes christãos ha até o lon-
vavel costume de varrer as ruas no Sabbado á tarde , para o não
fazer ao Domingo com estrepito profano , e contribuir , com o aceio
dellas, ao _ regosijo d'aquelle dia , e ao respeito que lhe é devido.
Tamhem deve fazer-se ao Sahbado ludo o que pode ficar. feito
para o Domingo, limpando as casas, os_ moveis e ulensilios da cosinha.
fazefüfo pro visões , e prevenindo tudo o que pode prevenir-se. De-
vemos vestir então os nossos melhores vestidos , não por
vaidade • mas por dar honra ao nosso Pai Celeste, apparecendo-lhe
n'aquelfe dia , para lhe render homenagem, com o que temos mais
precioso. Os mundanos reservam os seus adornos e louçanias
para o mundo e suas vaidades, a quem prestam homenagem nos
- seus bailes , especlaculos e banquetes ; o Chrislão porem faz a Deus
estas demonstrações ; de que lado estará a rasão? Assim us&va fa-
zer o gl~rfoso chanceller ci'lngJalerra Thomaz Moro. Na prisão 01Hle
o encerraram pela constancia da sua fé, não deixava ao Doníingo de
se veslir com os seus melhores vestidos ; e quando lhe pergunta,·am
porque assim obrava : « Eu solemniso as festas, respondia elle e adorno-
me com os meus melhores vestidos em honra de Deus, que eslá em toda a
parte , e não por causa do povo que me não vê. D E' tambem
excellcnle costume entre as familias , o reunirem-se todos n'aquelles
dias á mesma mesa , a qual deve ser simpJes e frugal.
De todas as obras pias e de devoção, a· que nos eslá prescripta .
sub pena de peccado mortal, é o assistir ao Saulo Sacrificio da Mis- ·
sa. Bem<lita seja a Igreja que nos irnpoz este preceilo ! Em nada
se mostrou a nosso respeito mais vigilante e terna Mãi. Na ver-
dade sendo a Missa o acto mais excellente da Religião , é por isso
1

o meio , mais apto para honrar e louvar a Deus, allrahir as suas


bençãos e operor a nossa sanclificação (1 ).
(1) Falia remos da vantagem social da Missa na terceira parte deste
Catecismo.

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-DE· PERS.EVERANÇA. 287
Que diremos, pois, d'esle augusto Sacrificio ! Quando tivesse-
mos a lingua dos Anjos~ ainda não poderiamos exprimir dignamente
a excellencia d-'esle sacrificio sublime. Tudo o que se pode dizer é,
r que a Missa é a continuação do Sacrificio da Cruz. E' o mesmo Sa-
eerdote e a mesma Victima ; isto diz tudo. Por isso todas as hon-
ras que dão a Deusº'os Anjos, com suas homenagens, e ,os homens
com suas virtudes e austeridades, seus martyri os e obras pias, não
lhe podem dar tanta gloria como lhe dá uma só Missa. A rasão é
manifesta : toda a honra que -qualquer creatura possa dar a Deus, é
sempre finita e limitada ; mas a honra que Deus recebe pelo Sacri-
ficio- ~os nossos altares ,- dada como é por uma Pessoa Divina, é uma
honra infinita. O Sacrificio da Missa e a obra mais santa, aprazivel
e digna de Deus (1)'; a que mais efficazmente desarma a sua ira,
e mais terrivelmente combate as potencias do inferno ; a que mais abÚn-
dantes graças alcança a_o homem viador, e dá o mais seguro allivio ás
Almas do Purgatorio ; em fim , é a obra a que está ligada a salva-
ção do ..mundo. Ao santo sacrijicio da Missa ; diz um Padre ·da
Igreja, deve a terra a sua conservação. A não ser este sacrificio, ha
muito que os peccauos dos homens a teriam anniqu ilado. (2).
:Mas o sangue do Corde_iro Divrno , immolado desde a origem do
mundo, derramando-se por toda a terra , de dia e de noute , sobre
nossos allares , como outr'ora sobre o monte Calvario , allrahe e
oblem ,perp~tua misericordia. Que digo? Estas torrentes de sangue
divino não só susteem o raio sobre nossas cabeças , senão que nos
alcançam as mais abundantes bençãos. Uma só Missa tem tanta
~efficacia para a gloria de Deus e sal\'ação dos homens, como o
mesmo Sacrificio da Cruz (3). l\las para que nos . aproveite o Santo

(2) Cone. Trid. sess. XXIII.


(1) Tim. Hierosal. Orat. cfe Proph.
(3) ln qualtbct missa invcnitur ornais fructus quem. Chrislus opc-
ralus cst in cruce. Qmrlquid esl elTcctus domioicée passionis, est clTcctus
hnjus sar.rificii. D. Thom. in cap. VI Jsaie tect. (;.

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288 CATECISMO
. .
, Sacrificio da Missa , e satisfaçamos ao precPito da Igreja, requerem·
se muitas cousas ; a saber : · respeito , altenção , devoção , integri. .
dade.
Respei"to. Prostram-se os Anjos , que rodeiam o altar no tre-
mendo Sacrilicio , e cobrem a face com suas azas ; pois Jogo tam~ ·
bem nós levemos , pelo menos , áos Santos Misterios , um vestido
modesto e um completo recolhimento. Falta ao respeito devido - á '
:Missa aquelle , que está em posição indecente ; que leva lrages ou
adornos indecorosos ; que está olhando para uma e outra parte, ou ·
rindo e conversando ; que não ajoelha quando deve ; em uma pa-
lavra que entra na Igreja ou eslá nella sem respeito como se Deus
não estivesse presente. Oh ' quanto são reprehensiveis os ChrÍstãos,
cujo exterior , e comportamento ao augusto Sacrificio , faz .duvidar
se elles leem fé , ou se alli não vieram para insultar, antes que
adorar a Deus ! Se nosso Senhor expulsou lám indignado os pro-
fanadores do templo de Jerusalem, como olhará elle , e corno tra-
tará aquelles, que assim profanam o Santuario mil vezes mais au-
gusto? ·
Certo mancebo da corte de Alexandre Magno , estando a ajudar
· a uma Misssa mandada dizer por aquelle príncipe , como tivesse na
mão o thuribulo , e lhe cahisse n'um braço um carvão em braza ,
supportou o fogo sem dar o menor gemido, nem aintla sacudir o
carvão ; porque temia que o mais ligeiro movimento perturbasse a
ordem do sácrificio , e que Alexandre se offendesse. Este facto, re-
ferido por S. Ambrosio , é bem adequado para confundir milhares
de Chnslãos , que tam pouco respeito leem a Jesu Christo no seu
templo , e até na presença do seu augusto Sacrificio.
Attenção. Não basta assistir á Missa com o corpo ; é preciso
assistir com a alma, ouvindo-a com intenção e allenção. Não cum-
pre o preceito aqueJle , que assiste á Missa só para ver a Igreja ,
ou esperar um amigo , ou ver esta ou aquella pessoa , ou porque é
obrigado por violencia. Dizemos por piolencia, porque o filho que
ouve a Missa só com o temor de seus pais , ou de seu su-.
perior , se com lu~o a ouve altentamente , .satisfaz ao preceito, ape-
zar de peccar pel~ má · vontade que tinha de a não ouvir se pu-

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UE PERSEVERANÇ·A. 289
desse. Mas não é necessario ler intenção de cumprir o preceilo ;
para satisfazer, basta ouvir Missa affeclivamente (1).
Alem da intenção ,d>ouvir Missa , é preciso altender a ella ao
menos virtualmente. Para conhecer se temos a necessaria altenção
distinguiremos duas qualidades de distracções , a saber , voluntarias
e involuntarias. Occupar o espirito durante a Missa , com cousas
estranhas, negocios, prazeres, frivolidades ; entregar-se ao somno,
conversar , vo1tar a cabeça de modo que não obse.rve o que se passa
no altar , e ter advertencia disto sem fazer esforço para tornará ora-
ç.ão, é distracção voluntaria, que destroe a atlenção. Se tal dis-
tracção dura grande parte do Sacrificio pecca.:;se , e. não se ouve
Mfssa. Deve o que assim peccou ouvir outra se pode. Dislrabir-se
voluntariamente durante a Missa, entreter o espirilo com mil pen-
samentos vãos -, é imitar aquelles soldados pagãos, que jogavam ao
pé ·da Cruz, sobre a qual morria, para sua salvação, o Filho Eter-
no de Deus.
As distracções involuntarias são aquellas que experimentamos a
nosso pezar, e que repellimos logo que temos advertencia. Estas
não são culpa veis, nem destroem a atlenção virtual de ouvir a
Missa. O meio d'evitar as distracções é escolher , podendo, algum
Jogar que favoreça o recolhimento ; ir lendo no livro as orações do
Sacerdote , ou unir-se a elle na intenção , ou resar o rosario , não ~
sabendo ler. Outro meio de não ter distracções ao Santo sacrificio é
sair de casa com recolhimento , e t.lizer , ao entrar na lgreJa, a todos
os negocios d'este mundo , · o que dizia S. Bernardo: Pensamentos
estranhos , cuidadQs da vida , affeclos da terra, ficae á porta.
Devoção. Ouvir a :Missa com animo de sahir melhor deJla ; ter
intenção d'honrar a Deus, amando e confiando no Senhor ; desejar
immolar-se no altar com elle , e não viver senão segundo o seu es-
pirilo e as suas maximas, é O!_lvil-a com devoção. Quanto mais rara
é esta disposição, mais devemos pedil-a a Deus com inslancia, e es-
. forçar-nos por formal-a em nós ! Quantas pessoas vão á missa sem

(1) Thcologia moral , L ·1 , p. U2.


. a1 V
-.

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290 CATECIS:tlO

designio , nem intenç.ão piedosa ; mas só maquinalmente e por ha-


bito ! Que admira pois que d'alli saiam tam pouco chrjslãos , se
· entraram tam anim.aes? O meio d'excilar-se á devoção é considerar,
por uma parle, o numero dH nossas necessidades , tanto espiritnaes
colflo temporaes e, por outra, a infinita bondade de Nosso Senhor
que , sacrificando-se por nós , se compraz dirigir-nos estas ternas pa-
lavras : Que quereis de mim? Que necessitaes? E poderá negar-nos
cousa alguma aquelle, que nos amou a ponto de derramar _por nós
lodo o seu sangue ?
Integridade. Cumpre ouvir Missa inteira. E' sempre culpavel
o entrar depois da Missa ler
começado , podendo ter vindo antes.
<L Mas a Missa é mm to extensa, disse certa pessoa diante de M. :de
La Mollc , Bispo d' Anuens. Dizei antes , respondeu o santo Pre-
lado , que a vossa devoção é muit.o curta. )> Vergonha ao filho que
se aborrece da companhia de seu pai , opprobrio ao homem que se
enfada da presença de seu Deus. Dos sele dias da semana , e das
vinte e quatro horas deste selim o dia , pede-vos Deus· assislaes aos
Sanlos :Mysterios supponhamos duas horas ; achaes que é muito l
Quem falta , sem justa causa, a urna parle consideravel-da Missa, -
pecca morlalmenle ;. e se a pequena parte, venialmente. Será par-
le consideravd o que se diz desde o Introito até o Evangelho, ou
desde a communhão até o fim da Missa. Tambem é falta conside-
ra\'el o não 3ssislir á consagração e communhão, ou só á consa-
gração , -ou comrnunbão das duas especies , ou em fim não assistir
desde o Hm da consagração alé ao Patcr lfoster, exçlusivamente (1)
é só venial se se omit.le só o Offorlorio ou o Prefacio , ou a parfe
da Missa que se srgne á communhão do Sacerdote. Parece mais
provavel que seja culpa grave o foliar desde o principio da Missa
ale ao Evangelho inclusivamente. ·s. Affonso é até de opinião que
é peccado mortal· o· não chegar senã~ depois da Epistola. 'fodavia
reconhece como provavel a opinião de que a falta não seja mortal
senão quando sPnão chega ao Evangelho (2).

(1) Billunrl, de Hel1~. disi:;crl. VI, •Hl. ü.


12. Lib. lV u. 0 310.

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,•

Jij-: PERSEVERANÇA.

Para ouvir Missa cumpre estar na lgr~ja, ou no lugar onde se


celebram os Santos l\f ysterios. Tambem a poderá ouvir aquelle que
tica de traz d'alguma paredl' ou cplumna, dentro da Igreja, e ainda
fóra d'ella ~ uma vez que faça parle e continuação do povo que está
dentro. Succede isto muitas vezes nas grandes solemnidades (1 ).
Não se está desobrigado d)ouvir Missa senão no caso d'impossi-
bilidade phisica ; por exemplo, estando entrevado, enfermo ou em con-
valesceilcia. Em caso de duvid<J a este respeito , deve consuUar·se
o medico , ou pessoa prudente ; e lambem neste caso pode o Paro-
cho dispensar ; ou ainda em caso que haja im_possibilidade mo-
ral ,. quando tl'ahi resultasse grave prejuiso ou incommodo espirilna-
ou tempqral da propria pessoa ou d' outrem. Assim, pois, estam deso-
brigados os que lrataru dos doentes, os que ficam guardando a ci-
dade , ou a casa, ou os meninos que não se hão-de levar á Igreja,
ou os rebanhos, que se não podem deixar s~m perigo. Estes taes .
pore.m , havendo duas Missas no lugar ·, quas1 sempre podém ouvir
uma .; e se não houver mais do que uma , podem revesar-se um do-
mingo uns e outro ·domingo outros. Estam lambem desobrigados
aquelles que , em rasão da distancia , não podem ir á Igreja se
não com mnita difficuld11de. Deve attender-se á idade e posição das
pessoas , aos tempos , e aos caminhos.
Igualmente se dispensam aquelles que estam de nojo, por todo
o tempo que não costun1am sair, segundo o uso dos lugares; e bem
assim os conduc~ores de transportes publicos, que não podem delcr-
se ; os viajantes que , detendo-se, se expoem ao perigo de perder
o lagar, ou o companheiro de viagem , do qual não pode separar-se
sem graves rnconvenientes. Em fim , estani dispensados os domes-
ticos , mulheres , e filhos , quando seus amos, maridos, ou pais
querem absolutamente que elles trabalhem" ao tempo da Missa·, se
não podem e\'ilar o obedecer sem graves inconvenientes. Se , por
exemplo , ha receio prudente de arrebatamentos , blaspbemias , ou
imprecações ; ou lambem , pelo que diz respeito a um obreit·o ou do-

(1) Theologia moral , l. 1 , p. !11 .


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CATECISMO

meslico , se temem que os hão-de despedir , e não acharão tam de-


pressa outro amo , que lhes permitta cumprir com os seus deveres de
Religião. Mas , grande Deus ! quanto são culpados aquelles , que
obrigam os_ seus inferiores a profanar assim os dias santos (1 ).
Quando se não possa ir á Missa , deve supprir-se quanto possa
ser , com orações , que tenham relação com a -Missa. De ordinario,
a maior parle d'aquelles que se guardam para a ultima Missa , ou
não levam intenções rectas , ou não chegam , errando as h~ras, ou
não a ouvem com a devida altenção e devoção. Não se calcula
quanto o habito de faijar á Missa parochial é nocivo ao espirilo
christão , isto é , á -cha_ridade e-instrucção religiosa ; nem o quanto
é criminosa aos olhos de Deus a facilidade com - que se eximem
d'ouvir Missa. Se se não dissesse mais do que uma Missa cada
anno , que empenho não haveria em Jissislir a ella I :Mas por se di-
zerem muitas é menos preciosa a :Missa ? Vêde os selvagens recem-
convcrtidos -andar cinco e seis leguas para assistirem ao augusto Sa-
. crificio. Ah I quanto esle fervor coudemna a inditferença impia de
tanlos Chrislãos que ,· não tendo mais que dar dous passos , ainda
vem dizendo que eslam máos os camintios , que o tempo está 111-
vernoso , vãos prestextos . Se se tratasse de ganhar bom dinheiTo,
. longa viagem não seria estorvo , nem ha veritl já máos caminhos ,
nem perna manca.
As mais violentas perseguições nunca impediram nossos pais de
ir no Domingo ás assembleas religiosas. Para alli ia certa Virgem
Christã , chamada An sia , quando um soldado de Diocleciano, · rnn-
do-a e admirando sna mo_deslia, se lhe ptiz diante, dizendo : Espera
ahi ; onde ,-aes lu? Anysia, conhecendo pelo tom da voz as inten-
ções impias do soldado , fez o signal da Cruz no rosto para ob-
ter de Deus a graça de resistir á tcnlação. Elle, porem, offenden-
do-se d'aquella resposla, lançou-lhe a mão e disse encolerisado : Res-
pondê , tu quem és? para onde vaes ? Sou serva de Jesu-Chrislo,
_re. pondeu ella , e vou para a asscmblea do Senhor. - Eu le livrarei

(1) Thcologia moral , t. 1 , p. 2i6 .

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UR PER~EV~RANÇA.

que Yás , tornou o pagão , antes iras comigo sacrificar aos deuses ;
hoje adoramos o sol : e logo lhe arrancõu o veo que lhe occultava
e
o rosto. Forcejou Anysia por impedil-~ soprando-lhe na cara dis-
se-lhe : Vai-te, miseravel, Jesu-Christo le castigará. A isto lira da
espada o furioso soldado , e crava-lh'a no coração. Cahio banhada
em sangue a innocente Virgem , martyr da observancia do Domingo;
mas apenas o seu corpo jazia sem vida ' sua alma ' coroada .. de glo-
ria ; subia a adorar, no altar do Ceo, o Coi'deiro Divino, que o Sa-
cerdote immolava sobre o altar da terra.
Este mandamento , como os demais redunda lodo em vantagem
nossa. A não ser este dia d'oração e repouso, a nossa alma , toda
occupada -dos cuidados e negocios terópóraes, breve se esqueceria do
seu ultimo fim ; e o nosso amor , em lugar de se purificar, cada
vez se aviltaria mais, e a pouco espaço eslariamos similhantes aos
pagãos. E' 1slo exactamente o que se nota nos povos que deixam
de santificar o Domingo. Ora , o nosso amor, concentrando-se nos
bens do tempo , torna-se origem continua de calamidades : a ambição,
a avaresa, a voluptuosidade, ficam sendo a unica regra d'aquelles ,
que se. esquecem da vida futura ; e são eslas tres paixões que as-
solam o mundo. E' pois verd_ade inconteslavel, que a Santificação
· do Domingo é tam necessaria ao repouso da sociedade, como á sal-
vação do homem. Quem , pois , vendo as nossas profana-
çoens não temerá do futuro ? Quem não derramará amargas la-
grimas, vendo que o dia do Senhor, para a maior parte d'aquelles
mesmos que se dizem Christãos , é hoje o dia do demonio? Deve
• ser elle consagrado ao serviço de Deus, e á salvaç.ão da alma ; e é
pelo contrario nesse dia que mais se otfende a Deus, e mais se fere
a alma com profundas feridas. Ai de nós, ai de nós ! que as fes-
tas do Ceo eslam mudadas , por sacrilego abuso , em festas do in-
fer·no !

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O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças
por haverdes perpetuado o augusto Sacriticio da Cruz, immolando
por nós todos os dias o vosso Divino Filho sobre os allare·s do uni-
verso . Reanirnae , Senhor , a minha fC , e a minha devoção ; -
a fim que eu assista sernpré christammente ao santo Sacrificw da
"Missa.
Eu protesto amar a Deus sobre .todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e, em testemunho deste amor:
assistirei todos os dias á 1)/issa espiritual ou. corporalmente.
1

L.lt LIÇÃO.

DE NOSSA UNIÁO COM _O N:"OVO ADAM, PELA


CHARIDADE.

Quarto mandamento. - Sua significação e exlensãQ. - Recompensa d'a'quel-


les que o observam. - Castigo d'aquelles que o transgridem. - Dever dos
lilhos. - Respeito, amor obediencia , soccorro espiritual e teínporal -
Deveres dos pais. - Sustento-, instrucção, correcção , trecho hittlorico.
_:Bom exemplo , vigilancia. - Deveres dos creados .e dos amos. - De-
I •
veres dos · superiores em geral. - Vantagem social do quarto manda-
mento. - Historia ,

1\~u o ~ornem deveres a cumprir p~ra com Deus , e para com õ

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DE P~RSEYERANÇA. 295
proximo ; porque vive em sociedade com Deus e cooi os seus simt-
lhantes. Os tres mandamentos que ficam explicados, e que formam
a primeira taboa ela lei , regulam pois lodos os nossos deveres para
com Deus ; e todos estes deveres se reduzem a um só , que é amar
a Deus sobre todas as cousas. Os outros- sete , que com poem a se-
gunda taboa, leem por objecto os nossos deveres par-a com o pro-
ximo ; e todos estes deveres se reduzem a um só , que é amar ao
proximo como a nós mesmos , _por amor de Deus. D'est'arte, posto
que estes maudaÍnentos lenham por objecto immedialo a charidade
para com o proxim<> , . teem essencialmente a Deus por termo ; pois
que pelo amor de Deus devemos amar ao proximo. Eis porque
Nosso Senhor disse , que os mandamentos d'amar a Deus e ao pro-
ximo são similhan_tes , e encerram em si a lei e os Prophetas.
Eis aqui , pois, o quarto mandamento : Honraras a teu pai e
a tua mãi, e viverás longa vida (1). Se a primeira taboa da Lei
começa pelos nossos deveres para com Deus, nosso Creador, e pria- -.
cipio de toda a paternidade, justo era que lambem a segunda, con- -
sagrada aos nossos deveres para com o proximo , começasse por
nossos pais e mães? ·Associados d' algum modo ao poder creador do
, mesmo Deus , são elles os auctores da nossa vida o primeiro , e o
?

fundamento tle lodos os bens temporaes (2). Estas palavras pais e


mãis leem uma significação mui extensa (3) ; pois não se referem só

(1) Honora palrem luum et ma trem toam • ut sis longrevus supcl'


lcrram qnam Dorumus Deus tuas dabit lib1. Exod. XX, 12.
(2) Prrecepta Dccalogi ordinanlur ad dilectionem Dei el proximi. Jo.
trr l'roximus nulein maximc obligamur parentibus; et ídco immediatc posl
prrecepta ordinanlia nos io Deum ponilur prroceptum ordinaas aos nd pa-
rentes, qm sunt parliculare prinr.ipinm nostri esse , sicul Deus esL uni-
yersale principiam : cl sic est quredam aflinitas hujus prreccpti ad prrocepta
r•ri mam la.bulre. D. Th. 2 , 2 , q. 122 art. õ.
1

(3) ln hoc prrecepto , qnod cst de honoralione pareolum, intelligitur


mandari quidquid pertinet ad reddcodum debilum cuicumque personm , ,
itcut scrundarium includilur m pri~cipala. ld. ih.

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296 CA'ft.:CISJ\10

áquelles que nos ·deram o ser, mas lambem a todos os que nos ·
servem de pais e de mãis , seja pela aucloridade que leem sobre
nós ·, seja pela sua dignidade, ou pela necessidade que temos d'elles ;
seja pela excellencia das suas funcções, ou pela sua idade ; em uma
palavra , por pais e mãis entende-se aqui todos os superiores : na
Igreja , o nosso S. Padre o Papa , os Bispos e todos os Pastores ;
no Estado , o Monarcha , os Principes e to~os os magistrados ; e bem
,assim os velhos.
Esta palavra honrar significa em geral estimar alguem , ' e fazer
grande caso de tudo o que se lhe refere. Com muita rasão , pois ,
empregou Deus a palavra honrar neste mandamento, e não amar ou
temer , posto que sejamos obrigados a amar e temer a nossos pais
e mãis. Aquelle que ama alguma pessoa nem sempre a honra, e
o que a leme ainda é mais natural que a não ame sempre ; pelo con-
trario , o que honra sinceramente alguma pessoa\ lambem a ama
e teme. Ora, a honra . que devemos a nossos pais encerra quatro
deveres que passamos cuidadosamente a explicar : o respeito, o amor,
a obediencia , o soccorro.
1. º O respeito. Nossos pais e mãis estam a nosso respeito no
Jogar do mesmo Deus. Eis o fundamento de sua dignidade e a ra-
são do respeito que lhes é devido. Deve este ser interior e exterior :
o- interior consiste em lhes ser 'docil , submisso . e obediente , se-
guindo os seus conselhos, ouvindo suas advertencias , tomando suas
. reprebenções. Serão muito culpados os que não -fizerem caso de
suas admoestações , e inda mais evidentemente culpados os que se
rirem d'ellas e lhes correspomlerem com malicioso silencio. O res-
peito exterior c~rnsiste em manifestar o mesmo respeito interior aos
pais por acções, palavras e maneiras humildes e submissas ; seja qual
for sua idade , pobresa ou enfermidades.
Foi assim que Joseph , que era, abaixo do rei a pessoa mais
poderosa do Egypto, recebeu com as maiores demonstrações d'honra
a seu pai Jacob. Assim Salomão, vendo sua mãi , que vinha para
eHe, se levantou , e depois de a saudar a fez sentar no se~ lhrono
á sua direita. Assim se fazia entre os Persas, onde os filhos se não
assentavam nunca em presença dos pais. ~ario , não obstanle ser
rei , conformou-se religiosamente com esta pratica. Quanlo"não con-

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DE l'ERSEHRANÇ~. 29i
dcmnam estes exemplos os fi,lhos christãos, que peccarn contra ores-
peito devido a seus pais despresando-os , aborrecendo-os , e enfa-
dando-se de os ouvir ; voltando-lhes as costas, fechando-lhes as portas _
com <lesdem e colera ,, faltando-lhes asperamenle, contrariando-os e .
respondendo-lhes com insolencia ; ameaçando-os murmurando d'elles,
e assoalhando suas fraquezas e defeitos ! E' lambem faltar grave-
mente ao respeito devido aos pais o intenlar processos contra elle!!,
ou perseguil-os nos tribnnaes . .
2.º O amor. Tam corrompido está o coração e.lo homem, que
precisa Deus ordenar-lhe. por um man<lamenlo expresso, que ame a
seus pais! e para o incitar -a cumprir este mandamento ihe promel-
ta a mesma fecilidade temporal !
Quam depravado está o c_oração do homem , que carece desles
eslimulos , quando é lei da natureza , commum aos mesmos leoeos
e tigres, amar aque1les que lhes deram a vida ' Pois se não fora
tam ~rande a malicia humana quanto mais não devia esta lei ma-
nifestar-se em nós? Que dores, pezares , affiicçoens; trabalhos e vi-
gilias não custamos a nossos pais? Abaixo de Deus, nfo ~ a elles
que tudo devemos? Filhos desnaturados ! é este o nome que con-
vem aos que não amam a pai e mãi , e que, em lugar de os amar,
os contristam, tratando-os com indifferença , aborrec1mtinlo ou aver-
s~o. Como poderão os filhos chrislãos , que sabem que se devem
amar os inimigos e fazer-lhes bem , como poderão , digo, não ser
affeiçoadissimos áquelles, sem os quaes não exisliriam, e que lan-·
lo direito leem á sua ternura , pelos serviços que lhes prestaram, e
pelo bem que não cessam de lhes fazer!
~las o amor dos filhos para com os pais, para ser amor cbris-
tão, ba-de nascer d'um principio sobre-nàtural, isto é, amai-os com
os olhos em Deus , por amor de Deus, e porque Deus assim o man-
-da ; amai-os em suas almas e seus corpos , desejar-lhes , fazer-lhes.
proéurar-lhes lodo o bem espiritual e tempor.al que rasoavelmenle
puderem. ·Portanto, quaesquer que srjam os defeitos ou virtudes de
nossos pais , nunca devemos deixar d'amal-os , desejar-lhes e fazcr-
lhes bem. Peccam pois contra a piedade filial os que no coração
nutrem aversão ou ouios contra seus pais ; ou que lhes querem mnl

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~98 CATECIS.\IO

ou se alegram com seus reveses, ou l~cs desejam a morte , ou Ih~


dão desgost-0s sem legitima causa.
a.º A obediencia. E' este o max1mo devrr dos inferiores em
geral , e dos filhos em particular. , Os filhos devem obediencia a seus
pais , sobre l\Hlo no qne diz rPspeito aos bons _costumes e educação,
e no que toca ao governo e bem da familia. A obediencia deve ser
simples , prompla e constante. Simples , isto é, que os rilhos não
disputem sobre aquillo que lhes é mandado. Devem apressar-se a
obedece~ , todas as vezes que o que se lhes manda não fôr contra
a lei de Deus; se o fôr porem , não só ficam desobrigados d'obe-
decer , mas obedecendo peccam ; porque se deve obedecer a Deus
pri rnei ro que aos homens. Prompta , apenas se der a ordem devem
os filhos cumpril-a. Quando ouvem a voz de seus pais, seja como
se ouvissem a voz do mesmo Deus. Constante, isto é, a obedirn-
cia ha-dc abranger todas as idades , lugares e circumstancias, con-
venha ou não convenha • seja ou não difüculloso o que se manda.
Ainda depois da sua morte hão-de fielmente cumprir-se suas ultimas
vontades.
Peccam conlrn a obediencia os filhos, que obrigam os pais e
mãis a repetir muitas vezes o mandado • ou o cumprem vagarosa-
mente e de má vontade , e por isso Lalvez dão causa a que seus
pais comrnettarn muitos peccados, taes como a impaciencia, a colera,
as pragas e/ blaspherneas.
Tambem peccam contra a obedienria aquelles que, apezar ela
ordem de seus pais, deixam d'ou"ir Missa ao Domingo, ou recusam
recorrer ao SacramPnlo da Penitencia • ou assistir ás praticas na
Igreja ; e os que , apezar da sua prohibiç,ão , frequentam compa-
nhias perigosas , casas ou asscmbleas suspeitas, ou sahem da casa
paterna, on não cumprem seus testamentos.
Para se excitarem á obediencia elevem os filhos lembrar-se dos
exemplos dos Santos. Isaac suhmf'lteu-se humildemente e sem resis-
. Lencia á vonl.aflc de sen pai; ciuando este qniz ligal-o e sacrifical-o
a Dens. .losrph frz nma grande jornada pélra cumprir as ultimas
ordens de Jacob . e trasladar seus ossos para o tumulo d' Abraham
e lsa:w. Mas o grande excmpló, cm flllC devem sempre medi lar , e
11 1fo Xo sso Senhor. O Verbo Di\'ino , ·por qtH'm ludo foi foilo, o

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Filho tlc Deus obedeceu a duas das suas rreaLuras ! O Evangelho
escreve, em qualro pala\'ras , a hisloria da sua infancia , e da sua
mocidade , dizendo de Maria . e Joseph , que lhes ~ era submisso ! et
erat subfüus illis. Que filho, pois , ousará desobedecer a seus
pais!
-i. º O soccorro. A piedade filial , para não ser esleri 1 , ha-t.le
1
patentear-se nas obras. E de\'er dos nthos soccorrer seus pais nas
suas necessidades temporaes e -espi riluaes , tendo-se por felizes em
poderem restituir-lhes part~ do que receberam. Foram elles que sus- _
- tentaram, Yestiram e educaram os filhos ; pois é justo que estes lhe
retribuam, quando se offerece occasião, sustentando-os , vesliudo-os
e procurando-lhes lambem todos os soc'corros, qtre a sua pobresa,
enfermidades e \'elhice reclamam. Em uma palana, devem os filhos
~ havn-se Je, modo, que possam os pais dizer, como os de Tobias:
1'u és o nosso querido fillto , a foz dos nossos olhos , o amparo da
nossa velltice, · toda a consolarão da nossa vida (1 ). Posto que a
ourigação de soccorrer os irmãos e irmãs não seja tam rigorosa como
a de soccorrer os pais , com tudo , em rasão da consaguinidadc , é
maior esta obrigação que a de soccorrer os estranhos.
Se o filho deve .a seu pai e mãi os soccorros corporaes , com
quanta mais rasão os espirituaes, sobre tudo quando eslam doentes !
Prirueframenle é obrigado o filho a orat· por elies ; tambem, segun-
do as circumstancias : adverlil-os dos seus deveres , mas com todo
o respeito , prudencia e charitlade possi,'el. Em fim se os pais es-
tarn enfermos _devem os filhos lrabalhar _com toda a diligencia em os
dispor para bem morrer . . Assim liz<\ram em todos os len1pos, e assim
fazem ainda _os filhos verdadeiramente cbrislãos. Sirva de exemplo,
entre mil outros, um virluoso Chinez, cuja exemplar charidade não
podemos deixar de referir. Este .christão, de ídadé de setenta annos,
chamado Pedro Amia , habitava em 1747 a cidade de Singapor. Um '
seu compatriota lhe veio uizer que sua mãi , a quem deixara- ·na
China já mui idosa , estava enferma, no ultimo e.la vida, e (!esgraça-

(1) Thob. V, :..'L


*

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:wo CAl'f.ClS!\10

tiamente sempre pagã. A esta noticia , o bom do filho, o generoso


rnlho, dispo~ logo as cousas, e pôs-se a caminho de seisc~n­
las legoas. Recompensou Deus a sua fé e filial piedade_; pois teve
a forlnna de achar sua mãi ~inda viva. lnstrnio-a, baptisou-a, e não
a dei'l\ou se não depois de Ler Lido a consolaç.ão de lbe fechar os
olhos e abrir-lhe o Cco (1).
Peccam gravemente os filhos que, por sua culpa, deixam mor-
rer seus pais sem os ultimos Sacramentos. E todavia, quantos descem
á sepultura, sem que os filhos, a querp deram o -ser, procurem
dar-lhes na hora tia morte um confessor. ou se lh'o dão, é quando já
de nada lhes approveita. Piedade cruel ! ternura homicida ! cuja
consequencia será_ talvez, que sei eu ? uma eternidade de casligos ,,
para os pais e para os filhos ! Em fim , l~sle soccorro espiritual
deve prestar-se aos ·pais e mãis ainda alem do lumulo ; isto é, de-
vemos continuar a orar l~ mandar orar por elles.
S. Agostinho, ainda no temp.o das suas maiores desordens~ hon-
rou sempre muito a Sanla :Monica , sua rnãi. « Na sua ultima dt)-
ença , diz elle, me assegurou r.lla que estava r.onlenie comigo , e
com os cuidados que eu tive a seu respeito. Chamava-me seu eh aro fillw,
e me dizia que me não tinha escapado uma só palavra de que ella
podesse qu(lixar-se (2). » Depois de a ter perdido , Agostinho, ver-
teu muitas lagrimas , que não podia suspender, quando se lembra-
va das suas maneiras tam brandas, tam suaves e cheias de ternu-
ra ~ mas de ternura toda chrislã. Por ella offereceu Agostinho o
Santo Sacrificio da nossa Redcmpção, e a recommendou ás orações
de todas as pessoas , que lerem o livro das suas confissões. Um
veneravel Bispo tinha dito a Santa l\loniea , antes da conversão de
Agostinho : - « Não é possivel que a mãi , que pede a Deus com
tantas lagrimas a salvação de seu filho, lonha a desgraça de o ver
perdido. >> Póde-se accrcscenlar , que foi a piedade filial d' Agosti-
nho para com sua Lema e santa m:ii, quem obrigou o Senhor a con-

(1 ) Annacs. n. 12~, p. 1sn.


1 ~) Cnnf. liv. IX.

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llE PEllSEVlfü..\NÇA. 301
ceder-lhe a graça, com que elle quebrou as infernaes cadeias que o
prendiam.
Com effe1lo , promelle o quarlo rnandamenlo , aos que o obser-
vam ' uma longa vida ; isto e' benção temporal, que são os largos
annos; espiritual, que são parliculares graças para a salvação; .e eterna,
1wrqne a benção dos pais traz aos filhos uma boa morte.
Sim , Deus promette recompensas ainda temporaes áquelles, que
fielmente observarem o quarto mandamenlo: isto é oe fé ; e o pri-
meiro fructo d'esla fidelidade é a longa vida. Que cousa mais jnst.a do
que gosarem d'um heneficio o mais longo tempo possi'vel aquelles ,
que se não esquecem cJ'elle? Os filhos, pois , que honram a seus
pais e mãis, e lhes são gratos pelo bt~neficio da vida e da luz que
d'elles receberam, leem direito a gozar da vida por dilatados annos.
Mas , para que esta prolongação de vida sC'ja ,·erdadeira recompen-
sa, hade ser feliz , e abençoada . Notemos, pois , que Deus não
promente só largos annos aos bons filhos ; mas lambem a paz, a tran-
quillidade e a saude necessarias para serem ditosos. As3im a Es-
criJ;fura não diz só , para que vivas largos annos , mas lambem
para que sejas feliz sobre a terra (t). Eis os _bens concedidos.áquel-
les , a quem Deus quer recompensar a pietlade filial ; bens que cer-
tamente possuirão , pois d' outra sorte não seria Deus fiel e constante
cm suas promessas.
Todavia, não aconlece terem ás vezes uma vida breve esses.fi-
lhos , que observam a piedade filial para r.om seus pais '! Respon-
demos que , se assim é , são isso 1. º excepções , que confirmam a
regra, 2.º que Deus o pennitte para seu. .maior bem, chamando-os
a s1 antes que tenham abandonado o caminho da piedade e do de-
ver: são tirados d'esla vida, para que a malicia não corrompa o
seu espirito (2) ; ou para que , livres dos laços do éorpo, não sejam
i1m>l\'idus nas ~lesgrat;,as e perlurbaçoens que ameaçam o mundo ;
ou lambem para lhes - poupar a dor que os opprimiria á. vista dos

f1) Dcul. V , 16 .
('.:! \ Sap. lV, 10.

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302 CATECISMO

males e miscrias de seus prüximos e amig~>s. Tenhamos por isso


grandes receios do que succeclera, quando a morte se anlir.ipa a Li-
rar do mundo as pessoas vi rlllosas (l ). .
l\las se Deus prometle recompensar aos bons -filhos, Lambem amea-
ça com lerriveis cnstigos os que tralam a seus pais com dureza e
i ngralidão. Está escripto : Que. aquelle , que tiver amaldiçoado se1t
paz· ou sua mãi, seja punido de morte. Que aquelte , que alftige
seu pai ou sua mãi , é infame e desgraçado. Que o olho d' aquelte
que iºnmlta seu pai e despresa o parto de sua mãi, seja ·arrancado
pelos corvos das torrentes e devorado pelos filltos dqs ag1âas (2).
Vê-se <la Escriptura , que muitas vezes a vingança divina fulminou
os íilhos, que ultrajaram seus pais ou snas mãis. D'est'arle, para
vingar David do rebelde Absalão, permillio Deus que este 111ho des-
naturado fosse traspassado com lres l~nças e morresse ·de'sgraçada-
menle em castigo do seu crime.
A honra , que devemos a nossos pais comprehende pois o res-
peito, o amor, a obediencia , o soccorro, corporal é espiritual : eis
o que Deus, pelo quarto mandamento, e.xige dos filhos·, para sua·
p'ropria salvação e felicidade das familias. O que elle exige dos
pais e mãis não é menos jusl-o. Devem elles a seus fllhos : o sus-
tento, a instrncção , a correcpão , , o bom exemplo , a vig1lancia.
1. º O sustento , isto é , de mm os pais procurar . a seus filhos
ludo o · qu·e .1 hes é necessario para o temporal e espiritual. Esta
ebrigação começa ainda antes de nascer o filho. D'esl'arte a . ma1 ,
sob pena de faltar ás suas obrigações , deve cuidar prudentemente
da sua saude , para conservar a de seu filho , e dàr-lhe uma cons.;.
tituição vigorosa. Correr , dançar, levar carretos pesados, entregar-
se aos accessos da colera, ou a excessos no comer e beber, serão
outras tantas imprudencias reprehensiveis. O pai q'ue, usando de
crueldade igualmente funesta ao filho e á mãi, dá a esta desgoslos,
ou a -mallrala e atormenta, liea grnndernente culpado. Em uma pa-
/

(1 ; Calech. do Cone. de Tren Lo.


(2) Exod. XXI,- 16; Lev. XX 9; Prov. XV, 2; ld XX, ~O;
ld. IXX, 17.

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303
~

lavra , ludo o que da parle dos pais p6de ser nocivo á vida ou saude
da rreança no utero materno é peccado mortal. Depois que nas-
ce, são obrigados o pai e a mãi a velar por ·elle , que lhe não
succeda mal , ou tenha algum desastre com que fique aleijado, ou
morlo. Deixar uma creança só, com perigo de se queimar ou afo-
gar , ou de fazer alguma acção má , ou castigai-os a grandes golpes,
é ordinariamente gravissimo peccado. Fazer dormir comsigo, ou com
pessoas grandes , uma creança em idade ainda tenra , é lambem da
parte dos pais e mãis mui culpavel imprudencia.
O pai . e a mãi são obrigados conjuntamente , cada um segundo
as suas faculdades , a su~tenlar , vestir e educar seus filhos SC'gun-
do o seu estado e condicção. A mesma natureza nos prescrev'e esta
1
lei , se bem que- muitos a infringem mais por excesso que por de-
feito ; queremos dizer, que dão a seus filhos muito mimo , e os tra-
tam com demasrnda .delicadesa : vestindo-os com luxo exquisito, pro-
curando-lhes ou permitindo-lhes prazeres que não convem á 'sua ida-
de , e deste modo excitando sua ambição e vaidade , com gostos ·e
inclinações improprias da sua condição. Não é isto só um pessimo
serviço que fazem a seus tilhos e a si m~$mos, por que muitas ve-
zes estes , creados acima da suêl' condição despresarn seus pais ; mas
lambem um máo serviço feito á sociedade, pois é nella causa de mil
desordens.
Alem da nutrição, islo ·ê , do necessario á vida corporal, devem
lambem os pais e mãis a seus filhos· a vida civil , attendendo ao
seu futuro, e procurando dar-lhes estado conveniente á condição dos
pais e vocação dos filhos; e peccam morlalmente. quando, por in-
dolencia ou desperdicios , se poem em estado de não poderem cum-
prir com este dever, que é dos mais importantes para o pai de fa-
milias. .Aqtte.Ue que não tem cuidado dos seus , e particularmente
dos da sua casa, diz S. Paulo , renegou da Fé, e é peior ·'que o
infiel ..
2. º A instrucção. Se os pais de, em a seus f'lhos a vida cor-
1

poral e civil , com .qnanla mais rasão a espiritual '! . O filho é um


deposito , de que Deus lhes tornará contas , sangue por sangue.
Devem mandar baptisar seus tilhos logo depois do ~eu nascimento ;
inslruil-os por si ou por pt'ssoas habcis e virtuosas. Mandai-os á

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304 CATECISMO

Catechese, e ás pralicas da Igreja ; em uma palavra. empregar lo-


dos os meios necessarios , para procurar a seus filhos o conhecimen-
to da Religião e dos deveres que ella lhes impõe. O não ler cuidado
de ensinar ou mandar ensinar aos filhos os primeiros elementos da
Fé, o symbolo dos Apostolos , a Oração Dominical. os manllamen-
tos da lei de Deus e da Igreja, e os Sacramentos • cujo conheri-
menlo é necessario a lodo o fiel , é , da parte dos pais, um homi-
cidio espil'ilual , um grandíssimo peccado , e fecunda origem àe de-
sordens nas familias e na soc1eda<le. E' incalculavel hoje o nume1·0
dos pais, culpados neste ponto. Leva-lhes lodo o cuidado a ins-
trucção profana , e nenhum ou quasi nenhum coidadó l.eem da reli-
giosa. O mesmo se ha-de dizer d'aquelles, que deixam esquecer os
antigos costumes da Fé • taes como orar em commum , ler diaria-
mente as vicias dos Santos , examinal ~ os no catecismo e ver ·se en-
tenderam as praclicas : costumes salutares , mil vezes mais efficazes
para a conservação do conhecimento praclico ·da Religião , que todas
as instrucçoens publicas l
3. º Correcção. E' este um dos mais i mporlanles devel'es da
educação, e tah·ez aquelle a que os pais e mãis faltam mais com-
mummente; pois ou o 'não cumprem , ou o cumprem mal. Não o
cumprem , quando lisonjeam as más inclinações de seus filhos ,
·ou os , reprchendem frouxamente dos seus defeitos, ou por cousas rle
pouca imporlancia , deixando de o fazer pelas mais graves. Cumprem
mal este dever quando reprehendem com asperesa , impaciencia ou
ira. Regra geral : o castigo , para ser util , não deve ser applica-
do logo i.mmediatamente depois da culpa ; por que , ha o risco de
obedec~r mais á paixão do que á rasão , esrandalisando o que o
recebe; e ainda porque este, não estando a sangue frio. pouco lhe
approveita o castigo ou a reprehensão l\lelhor é esperar que os es-
piritos"" soceguem , para - mostrar que é o dever e a affelção quem
obra. Lembrem-se os pais do Summo Sacerdote Heli , que foi cas-
tigado d'um modo tenivel , por ter lido muita indnlgenr.ta para com
seus Hlhos. A correcção para ser chris~ã e ulil haue ser justa, tir-
me, bran-da , constante, prudente e raci«rnavel.
Fujam os pais e mãis d'amalrliçoar seus filhos , por medo que
se não siga á maltl.ição o effeito ; e para exemplo , alem d'um caso

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DE PERSE V.:RA NÇA. 305
que refere S. Agostinho (1) , e d'outros constantes das historias, ci-
taremos um só , que é mui recente , referido em 18~8 por um dos
nossos missionarios das lndias : Certa christã malaia , chamada
Anna , ~nviuvando , ficou sem consolação nem meios d'exislencia ,
senão o que lhe dava seu filho unico , que ella tinha casado : ·mas
um horroroso successo em breve lhe Jevou lambem seu filho e sua
nora , ficando dia só com um neto , chamado Joanni. 'Fez a po-
bre mil sacrificios , para o crear , e lhe deu estado , casando-o com
uma jovcn christã chamada Beslianna, de quem elle se enamorara.
Seus netos porem 1he perderam o respeito e allenção devida á sua
idade e bondade ; pelo que a avó irritada trouxe-os á presença do mis-
sionario, e alli os amaldiç.oou em um accesso d'ira. Debalde pro-
curou o missionario socegar aqnella mãi , ferida no coração; em vão
lh~ representou que tal maldição sempre traz comsigo desgraças , e
que ella mesma ·havia de chorar um dia o ter sido ouvida : Desap-
pareçam elles , um e outro • diz ella , Deus os castigue e seus dias
acabem logo.
Segundo a palavra do Espirito Santo, são horrorosos os effei-
los de taes imprecações : e n'esta occasião não tardaram a manifes-
tar-se. Passados poucos mezes , morreu Bestianna qnasi de repente,
e começou Anna a verter lagrimas. Apezar do desconlentamen!o que
lhe tinha causado seu neto , era elle o que lhe acudia nas suas ne-
cessidades , e ella linha já recobra~o o seu coração de mãi, e agora
pedia a Deus se dignasse converter e conservar o seu netmho ; e
assim foi procurar o missionario e pedir-lhe que desviasse do seu
Joanni a maldição que ella tivera a desgraça d~ pronunciar contra
elle. Deus , porem , quiz sem duvida perdoar na eternidade o
peccado do neto e o de sua avó , ex·ercendo n'este mundo a sua jus-
tiça sobre elles. Adoeceu Joanni e morreu santamente. A 16 de
Março , orava eu na Igreja por este pobre moço ; e acabado o ser-
viço funebre, quando levavam ao cemiterio os restos morlaes de
Joanni, então foi ouvir os suspiros e o lastimoso pranto da infeliz

(1) Cidade de Deus. I~iv. XXII.


:l9 V

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306 C_ATECISMO

avó, cujo ultimo amparo caminhava lentamente para a sepullú-


ra (1) !
4.º O bom exemplo. Se a obediencia é o grande dever dos
filhos , o bom exemplo é o maior dever dos pais. Vigarios fie Deus
em meio das familias, cumpre-lhes ser a sua viva imagem. Cum-
pre-lhes , quanto a humana fraqueza o permitte , obrar , mandar,
reprehender; dirig{r , corno o mesmo Deus faria. Mas de todas as
suas obrigações , a mais sagrada é dar o exemplo da fiel obser- '
.''ancia de todos os deveres da Religião : orar , assistir aos officios
divinos , frequentar os Sacramentos , observar os dias· de jejum .e
abslinencia, evitar com o maior cuidado as blasphemias, a maledi-
o
cencia , as palavras deshonestas , em uma palavra, tudo que póde
escandalisar seus filhos. Eis-aqui em que os pais devem, debaixo
de peccado gravissimo , dar o exemplo , não um dia , mas todos os
tlias da sua vida. Para isto necessitam de graças especiaes , que
devem pedir na oração, e na oração commum que é a ve1 <ladeira
oração· da .familia. Para seu bem, para bem de seus filhos e da
Igreja e da socieda<fe·, seslabeleçam elles este terno~ e santo cos-
lume de nossos maiorns ! Os mesmos pagãos lhes teem dado o exem-
plo (2).
ã.º A vigilancia. Devem os pais vigiar o comportamento de seus
filhos , isto é , ver se elles cumprem com os deveres de chrislãos;
olhar que amizades frequentam . e a que leituras se entregam. Esta
vigilanciá deve ser continua. Um instante de somno basta ao ho-
mem inimigo para semear a siz2.nia no campo do pai de familias.·
Se os pais creem que poderí1 confiar a outros a educação de seus
filhos , devem escolher pessoas dignas da sua confiança ; e peccam
mortalmente , se a confiam a pessoas sem fé , nem religião , nem
bons costumes , capazes de pervrrter a mocidade com suas doutri-
nas , exemplos, e ainda com a sua indifferença (3). Tambem devem

(1) Annncs, etc. ; n. 124, p. 191.


(2) Annacs da Propag da Fé, n. 0 U3 p. 1:.Hi .
(:l ,1 Theol. mor. t. l , p. 26~.

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307·
os pais procurar que seus filhos sigam a sua vocação ; e- ajudai-os a
conhecei-a por seus conselhos e orações. Commetterão grande pec-
cado, se os obrigarem contra vontade a deixar o estado a que Deus os
chamava , e a seguir outro. -
Emfim de, em os pais e mãis ~mar a seus filhos em Deus e por
1

Deus. Se assim o fizernm hão-de amal-os igualmente , sem preferir


um a outro. Mostrando a lodos os filhos amor igual , conservam
_entre elles a paz e união ; e pelo contrario , mostrando mais ami-
sade a um que a outro , dão causa a invPjas , que se tornam ordi-
nariamente origem d·odios irreconciliaveis , e d'outros muitos pec-
cados. Todos sabem o effeito que produzio a predilecção de Jacob
para com Joseph. Emfim , para terminar o que respeita á vída
. espiritual , se os filhos estam doentes devem os pajs cuidar d'elles,
e , . quando a doenç.a é perigosa , se leem uso· de rasão, devem pro-
curar-lhes os soccorros tia Religião ; pois seria peccado mui grave
rleixal-os morrer sem Sacra.mentos (1).
Aos olhos da Religiã.v , ~ sociedade não é mais que uma grande
familia , os· superiores fazem as vezes de pais ; e os inferiores, de
filhos. Por tanto , os deveres da sociedade não são mais que uma
extensão dos deveres da familia. Por isso são os inferiores obriga-
dos a honrar , isto é. , respeitar, amar , obedecer , e soccorrer a
seus superiores , taes como os Bispos, os Sacerdotes , os Reis , os·
Principes , os Magistrados , oi; tutores , os curadores, os mestres, e
velhos: todas estas pessons são dignas de participar dos fruclos da
nossa charitlade, obediencia, e trabalho; mas não nos mesmos gráos.
Primeiro que lodos devem honrar os Bispos , os Parochos, os Sa-
cerdotes , poríJne são embaixadores de Jesu Christo , encarregados
de perpetuar a Religião na terra , e procurar aos homens a eterna
felicidade (2).

tl) Theol. mor. p. 269. - lbid.


(2) lo lota anima tua lime Dominum , ct sacerdotes illius sanctifica.
ln omni virtute lua dillige eum qu1 te l'ecit , ct ministros ejus noo de-
relinquas. Honora Dommum ex tola anima lua, cl honorifica sacerdotes.
Bzech VII.

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308 CA'l'l~CISMO

Apos destes eslam os Reis, Principes e superiores na ordem tem-


poral , porque não concorrem senão intlireclamenle á salvação das
nossas almas (t) ; em fim os velltos , porque são. a imagem de nossos
pais.
Os crcados devem a seus amos o .respeito e a obediencia, mas ·
uma .obediencia religiosa ; e hem assim o serviço e a fidelidade. Pec-
cam os crcados quando faltam a algnm d'esles deveres. Os amos
devem- lambem : 1. º ensinar ou mandar ensinar a seus domesticos os
mysterios da Religião , os deveres do Cbrislianismo, e do seu esta-
do particular. Cumpre-lhes instruil-os por si mesmos, ou mandai-os
ás catecheses , obrigai-os a frequentar os Sacramentos , a orar pela
manhã e á Íloute , e a dar-lhes o exemplo ; 2. º a fazer com que elles
observem os mandamentos de Deus e · da Igreja; 3. º a vigiar o seu
comportamento ; 4. º a reprebeodel-os com charidade , lembrando-se
<l'aquelle dilo lam verdadeiro e tam esquecido : Se para ser e.reado
fosse preciso não ler defeitos , haveria bem poucos amos capazes de
ser · ereados ; 5. º a . fornecer-lhes o Sl!Slenlo necessario , e não os
cançar com trabalho ; 6. º pagar-lhes por inteiro as soldadas. .
Todos estes _de\'eres se fundam nesle principio ; que os amos
fazem as vezes de pais e de mãis para com seus creados, .segundo
a consoladora idea que o Chrislianismo nos dá pela bocca de S.
Paulo. O grande Apostolo , fatiando aos amos , diz : Não trateis
vossos i'nferiores com ameaças ; lembrai-vos que todos temos no Ceo
o mesmo Sénltor , que não faz distincção de pessoas. E logo accres-
centa: Se algum de t•ós não tem cuidado dos seu.v, e sobre tudo dos
serts domestico~, esse renunciou á Fé, e é peio1' que o i"r1fiel (2).

(1) Suh1ccl1 eslole omn1 humanre crcaturc.e propter Deum, si,·e regi
qnas1 prrecellenli, si,·e ducibus tanqnam ah co miss1s, ele. I Petr. li ·
- Ornais anima poteslalibus sublimioribus subdita sil: non cst emm po-
testas nisi a Oco. llaque qui resistil 1ioteslat1 Dei ordinatiooi resistit·
Jlom. XIli. - Coram rano capite consurge , eL hooora persooam senis, et
lime Dominum neum tuum. Levit. XIX. - Scniorem ne iocrepaveris. ll
Timoth. V.
(2) Ephcs. VI; 1 Tirnolh. Y , 8.

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309
Por este prrnc1p&0 , adv-erle S. Agostinho aos amos , que se consi-
derem como os Bispos dentro das suas cazas, e como taes olhem
pe.lo comportamento de seus domesticas , e atlendam ás suas neces-
sidades espirituaes (1). Os mestres, aios e professores, cm uma pa-
lavra, todos os que eslam encarregados da inslrucção e educação da
mocidade, sendo como são , deposilarios da confiança dos pais , e
da sua auctorida<le paternal , devem procurar com diligencia que
seus. discípulos se auiantem na piedade e na sciencia , e peccam
gravemente, já entregando-os a si mesmos , sem vigiar por suas
acções , nem obrigal~os a cumprir os devr.res religiosos ; Já não os
., preca vendo contra tudo o que possa ser nocivo á sua innocencia e
saude ; já deixando-lhes cair nas mãos livros perigosos para os cos-
tumes ou para a Fé ; já em fim ·dando-lhes máos exemplos (2).
Quanto aos deveres dos superiores em geral, são elles sim1lhan-
tes aos dos amos , porque os superiores sã.o ministros de Deus para
o bem. Ora, o bem do homem é o seu fim , e o sen fim é a sua
sanclificação. Todos aquelles, pois, que são superiores, como os Reis,
ou o Papa devem procurar antes de tul!o a gloria de Deus e a sal-
vação dos seus inferiores. Para isso foi que Deus lhes· confiou par-
le da sua auctoridatle. Cumpre-lhes lembrarem-se sempre de Nosso
Senhor , (jUe é o novo Adam , o perfeito modelo de todos os sn-
per,ores, que, não contente com ensjnar, edificar, reprehender e
guardar os seus inforiores , levou o sacrilicio a ponlo de morrer por
clles. E' pois para estes um dever sagrado, seja qual fôr a forma
do governo, o proteger os interesses de cada um , fazer e mandar
fazer justiça · dar liberdade aos subdilos , Ít;lO é , a faculdade de
fazer bem ; reprimir a licença ; fazer respeitar as leis da Religião ·;
impedir a publicação dos li~ros impios. ou immoraes ; em fim, dar
o exemplo da Fé, e do fiel cumprimento de lodos os mandamentos de
Deu e ·da Igreja. Superiores , tanto espirituaes como temporaes,
Je-mbrai-vo bem de que sois · feitos para vossos inferiorbs , mais do

( 1} Seriu. XCIV , de Saoctis.


(2) Thcolog. moral , t I, p. i69.

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il10 CATEClSMO 1

que vossos inferiores o são para vós ; o vosso lempo , inslrucção ,


sau<.Je , cuidados, vigiJias, pertencem-lhes. E' por isso que, na
linguagem do Christianismo , o poder se chama cargo. E' por isso
que o primeiro de todos· os superiores , o V1gano de Jesu Christo
se intitula com humildade : O servo dos servos de Deus.
E será agora difficil cornprehender quanto é vantajoso á socie-
dade o quarto mandamenlo? Observe-se primeiramente que, debaixo
do nome de pais e mãis, comprehende Deus Lodos os superiores.
profunda sabedoria da linguagem divina ! E' logo verdade, que uão
ha no mundo senão pais e filhos ! isto é que todos os homens não
devem fawr mais que uma só familia. O quarto mandamento, sen- . .
do , como é , a base da familia é lambem a base da sociedade.
Que é , de facto a sociedade , senão a reunião de _todas as familias
particulares , com o fim de se conscrvai·em e· aperfeiçoarem? Sem
familia não ha sociedade; mas, •não póde existir familia sem o quarto
mandamento-. Log_o o quarto mandamento é para a sociedade o que il
alma é para o· corpo , a raiz para a arvore , o alicerce para o edi-
licio.
Quando digo , que não ha familia sem o quarlo rnandamenlo ·,
entendo familia tal qual ella deve ser, para· contribuir á folicidade
e gforia da sociedade; isto é, esclarecida, moral, tranquilla, uni-
da ; disl.incla pela brandura , firmPsa e d.cdicaç~o dos pais , a obe-
diencia, respeito e amor dos filho~. Em uma palavra, sem o quar-
to mandamento, tereis familias pagãs, lt1rcas ou selvagens, nas quaes
o pai é um despola, a mãi uma escrava, o filho uma 'iclima. em
quanto se não torna um rebelde; mas não tereis a familia cbrislã,
1rnica a quem se eleva dar o, nome de familia. Por toda a parle,
nas familias que não são chrislãs, vê-se em lugar de Deus o h·a-
mem , cm lugar da rasão e da charidade e força brnla e o amor
cego e puramente nalural dos brutos. Logo é verdad~ que ao quar-
to mandamento deve a familia chrislã . e por consequencia a soci-
edade , a vantagem que leva a todas as familias , e a todas as
sociedades que não conhecem este preceito em toda a sua exten-
são.
Familias chrislãs , porque rasão pois esqueceis , e calcaes aos
pl}S aqnelle mandílnrnnto , principio da vossa felir1daflc ? E vos,

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DE PERSEVERANÇA. 311
povos christãos , conhecei em fim a causa de -vossas desgraças , e
o remedio aos males que vos consomem. Amando loucamente a in-
dependencia , tendes violado o quarto mandamento ; despresaes a au-
ctoridade... qualquer que seja seu nome ; tapaes os· ouvidos , para
não escutar a voz do Supremo Legislador que . vos diz : Honraras a
teu pai' e a tua mãi,-para que vivas lm·gos annos. E eis que as revo-
luçoens , as guerras sanguinolentas , as subversões continuas, se
apressam a justificar a Providencia , ensinando-vos que o preceito
que diz : Honraraz a teu paz' e a tua mãi , para que viiias largos
annos não é uma palavra vã.
Povos e familias , não vos sejam inuleis tanfas lagrimas e san-
gue derramado, tam dura e prolongada experiencia ! -Tornai em
vós , observai o quartl) mantlamento , e vereis mudada a face da
terra. A auctoridade torna-se sabia ; é Deus quem IDanda; a obe-
diencia , suave, constante e exacla ; porque ella é nobre ; não é já
ao homem , mas· sim a Deus que o inferior obedece. O amor re-
assume o seu imperio, e com o amor volve a união dos corações,
a união que faz o encanto da vida e a força das familias e dos
povos; e os particulares, e as familias e os -povos, honrando -a seus
pais, vivem largos annos na terra, convertida já em um anltcipado
paraiso. A experiencia pessoal , o raciocinio, a observação , a his-
toria antiga e a conlemporanea, eis as testemunhas da causa ; chamai-as
a depor, e todas vos (Hrão com os factos : Honraras a teti -pai e a
tua r:iãi, que este. é o preço da felicidade temporal.
Graças infinilas sejam dadas a Jesu Cbristo que, confirmando
este admiravel preceito , teve por fim fazer c.Je todo o mundo uma
só e grande familia, unida pelos doces laços da. charic.Jade , e res-
t.ilnir assim o 'genero humano ao estado da perfeição primitiva. Se
nem todos os homens leem bastante amor a si ~ mesmos para cum-
prir este preceito , cada um de nós, por amor de si mesmo , pode
conformar-se a elle , e verificar d'est'arte a sua felicidade temporal
propria , que está promettida áquelles , que guarda'm o quarto man-
damento da Lei de Deus.
Terminemos esta lição por um facto historico , que servirá de
exemplo aos filhos e aos pais , bem como a todos os superiores e
inferiores em geral.

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3U CAt~CISMO

E' de rasão que o maJ se combala no seu prmc1p10. O pai e


ma1 deve -pois comgir seus filhos desde a infancia , antes que a~
paixões se tornem indomitas. Santa l\fonica , na sua mocidade ,
apezar das precauções de sua aia , tornou insensivelmente goslo ao
vi11ho , como depois confessou a S. Agostinho , seu filho. Era ella
qnem ia orrlinariamente á adega , e depois que tirava o vinho , be-
bia um pouco. Não procedia isto de ser inclinada á embreaguez
por temperamento , mas da leviandade e fogo que é propr10 da ju-
ventude. Entretanto , a quantidade do vinho · que bebia lodos os
dias augmentava, e diminnia ao contrario a aversão que no prmci-
pio tinha a esla bebida. Já por fim o sa~oreava • e o bebia com
gosto todas as vezes que se offerecia occasião. Era mui perigosa
esta intemperança , snpposto não passasse a grande excesso. Deus ,
porem , vigiava por sua serva, e servio-se para a corrigir d'uma
desavença que ella teve com uma velha creada da casa ; a qual ,
tendo por costume acompanhai-a á adega , e sabendo dªaquelle seu
costume, lh'o botou na cara, e chegou a chamar-lhe bebada. Mo-
nica , vivamente offendida , cahindo em si , e sentindo quanto era
vergonhoso o vicio de que a accusa vam, trabalhou tam efficazmen-
te por se livrar d'aquelle máo habito , que nunca mais em sua vi-
da deixou appa-recer nas suas acções o men9r ·vestígio d'elle. O perigo
em que esteve esta santa deve tornar os pais eslremamente Yigilan-
tes , e movel-os a tirar a seus filhos toda a occasião de contrairem
habitos viciosos. Que seria da mãi de S. Agostinho , se se não ti-
vesse corrigido a tempo?

..... /

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O~ PKRSKVKRANÇA. 313

o• meu Deus 1 que sois lodo amor , eu · vos dou graças por
nos terdes dallo esle admiravel mandamento , cuja obscrva11cia nos
torna felizes já neste mundo : permitti , Senhor , que fielmente o
observemos sempre.
Eu pro~esto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus , e em teslemunho d'esle
amor, obedecerei christãmente a todos os rneus superiores.

LI.ª UÇÃO.

DA NOSS~I\_ UNIÃO COM NOSSO SENHOR, O NOVO


. ADAM, PELA CHARIDADE.

Óuioto mandamenlo. - Benefic1os d'esle manda lllenio. - O que prohibe :


homicid10 , duelo, suicídio, odio, v1olencias, arrebatamentos. - .Que
mais prohibe : o esc~ndalo. - Definição do escandalo. - Quando se dá
escandalo. - Obrigação e meio de o reprimir. - Passagem historica. -
Vantagem social do qointo mandàmeoto.

DEP01s d;haver estabelecido pelo quarto mandamento a felicidade das


familias e da sociedade , ordenando flUC os inferiores e superiore:o;
.rn V

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CAlECISr\itJ

v1\'am uns para os outros, prohibe IJpus pelos outro~ seis manda-
menlos ludo o que pode prejudicai' esla felicidade e perturbar esta
!

bella ordem , Como o primeiro íle lodos os -bens nalurars é a vidél,


com ça Deus por protegei-a · ei o bj elo do quinlo mandamento.
Fallando pois a todos os homens em crera! e a cada um m par-
ticular, oppõe á sua má vonlade e furor homi ida a L rrivel bar-
reira da sua aucloridade, dizendo : Não matarás t1). Com quanta
. gratidão devemos rereber e te mandamento ! E' um sagrado escu-
do , com · que Deus sei dignou proteger os- nos os dias; os do me-
nino , ainda no utero materno ; as do pobre, desvallido ·de loclo ;
os do fraco , sem prolecção nem fo ·ça · os de lodos o liomens, sem
dislincção de pessoa~ : barreira· f tmida.vel , alem tia qual está o in-
ferno para quem ousar transpol-a. Eu tomarei conta do vosso san-
·gzte , diz o Senhor , a todo o que o lt'ver den·amado (2) . E' i~Lo
o que Deus diz ao homens de de que pP-lo peccado se fizeram
máos.
o principal pec.cado' _defendido neste mandamento, e o homici-
dJO ; por que é o termo em que acabam todos os mais, que o quin-
to mandamento prohibe. Ora, commetter homicidio , é matar ao
homem. O _quinto mandamento não prohibe, poi~ que e matem
os anim~es, porque são feitos para o homem, ~ a sim os pode pri-
. var da vida quando lhe for necessario. Ias como o bom m não
foi creado para o homem , mas só para Deos , uinguel!' é senhor
da vitla d outrem , menos de privai-o della. Ha tres especies de
homicidio ou para melhor dizer , p cJ comme.ller-se homicidio de
tres differ nles maneiras , a ab r: por as a inio, duelo e ~u1cidio.
O assas inio é a acção p .la qu~I e tlâ a morte a um homem vo ..
luntaria e inJU tamente : e a morte dada por e~ p ncamenlo, ou ferimen-
to, ou veneno ou por qualqu r outro modo. O mal_ar com espancamenlo,
ferimento veneno ou por outro qualquer modo , é assassi.nío. Mas

CI) .!Von occides. Exo<l. XX, 3.


(~) Gen IX , 6.

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llE í'ERSHl''.ll..\:"ICA
I •

para que o homicidiu sPja cnrrnnoso é preciso que seja voluntario


e i11justo. Por lanlo não será culpado o homicida qµe der a morte
a alguem in\'oluntariamcnte. Tal foi o caso do infeliz, que ma-
tou andando á caça ó esposo de Santa Joanna Fraomsca de" Chantal,
parecendo-lhe que atirava a uma fera. Da mesma sorte Lambem os
Príncipes e os soldados, que malam ~os inimigos em guerra justa ;
os magislrados . e executores da justiça , que dão a morte aos mal-
feitores, não são culpados de homicídio, porque, snpposto obrem
voluntariamente não o fazem injustamente. Castigam com a morte, não
como !3enhores da vida do homem, mas como ministros de Deus, que san-
ciona o legitimo direito de defesa, e ordena que os criminosos sejam cas-
tigados, e,quancfo o merecerem, condenados á mo1:te, para que os bons
,·ivam S('guros e rm paz. Por es~a rasão é que Deus mesmo enlrt>gou a
t'spada nas mãos dos Princrpes e Reis.
A morte dos culpados por ordem da auct.oridade publica não
é pois assassinin , mas um aelo de justiça. Para ser assassinio se-
ria preciso 'llle a morte fosse dada por aucloridade incompelente e
sem motim legitimo. D'esl'arle é permitlido matar um aggressor
injusto em defesa da propria vida , e mesmo da honestidade , se-
gundo a opini:lo commum dos doutorPs, com lanlo que não exceda
os limites de justa defesa , islo. é, que se não faça ao aggressor
senão o · mal que for preciso, para evitar o proprio (1). Quando
(1ualquer se póde defender sem malar, não lhe é pcrmillido malar:
se se póde defender sem ft•rir, não lhe é licito ferir. Commeltr-se
assassínio matando antes ou depois da aggres~ão. Para que haja
direito de dai· a morle, é pretiso, alem das condições indicadas,
<1ue o aggrL•ssnr lenha ata cado, ou se disponha · pelo menos proxi-
mamente a fazei-o , como. sn engatilhasse uma pistolla , se puclrnsse
d>uma espada, ou d'um punhal. Sahindo (!'esta moderaçílo pN·ca-se
mortal ou venialmente , segundo a menor ou maior rliligencia <1ue
se fez por evitar a desgraça , ou fugir.

(1) Vim vi repcllere omnes· legcs ornoiaque jura pcrmitlunt. D. Th.


.
!, 2, q. Gi, art. 7.
.

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CA Tl~CIS~IO

Fica culpado d'homicidio não só quem o executa , mas lambem


o que para elle concorre direcla ou indii:ectamente. Contribuem di-
reclamente para e11e : 1. º aquelles que o ordenam ; os que o acon-
selham; os que approvam- o projecto do assassino; 4.º os qu·e o ani-
mam , excitando odios, ou lançando em rosto a fraqueza dos que se
não vingam ; ü.º os que facilitam os meios, fornecendo armas. etc.
tontribuern indirectamente aquelles, que omittem o que a cha-
ridade ou Justiça os obriga a pôr por obra , para salvar a vida ao
proximo ; taes são os que, conhecendo que se trama contrà a vida
d'alguem o não avisam; 2.º os que podendo salvar a vida a um
innocente falsamente. accusado , o ·não fazem; 3.º os medicos e ci-
rurgiões que, por ignorancia crassa do seu officio , negligencia ou
imprudencia gravemente criminosa , deixam morrer os doentes de qué
tratavam; 4/ os boticarios que . por impericiã, ou falta notavel de
altenção, se apartam , na preparação dos remetlios, das prescripções
dos medicos; 5. ºos enfermeiros ex officio que, em lugar de velar as·
siduamente os doentes perigosos , se tlesrnazelam, e os abandonam ;
dando-lhes a comida fóra d'horas , ou alimentos que lhes eslam pro-
hibidos; ou já, entregando-se a prejnisos populares , lhes adminis-
tram beberagens snspeitas , prevendo ao menos confusamente , que
obrando assim podem accasionar a morte do doente ; (1) 6. ºos pais
e mãis , que dormem com as creaoças, expondo·se a soffocal-as.
Por isso é expressamente probibido aos pais dormiren) com seus
lilhos na mesma cama, em quanto não teem nm anno. lambem
depois de tres annos.
A segunda especie d'homicidio e o duelo. O duelo é o com-
bale entre duas ou muitas pessoas , que \'Cem ás mãos , depois de
ter indicado o lugar, a hora e a maneira de se baterem. O duelo
é um grande cmne que , como o assassínio , transgride as leis di.;,
'Vinas e humanas , substiluindo a aucloridade particular á anctori-
clade da sociedade e do mesmo Dens. Gravissimas penas leem sido
!'empre comminatlas contra os duelistas. Por longo tempo a legisla-

(O Thcol. mor. t. I, p. 2n.

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1m Pt:RSF.\'ERA ~ÇA.

ção franceza os condemnou as mesmas penas dos homicidios • e a


Igreja Catholica convocada no Sagrado Concilio de Trento , fües _
impõe as penas ~eguintes : 1.º infarnia e perda de bens ; 2.º priva-
ção de sepultura ecclesiasliea aos que morrem no combale ; 3. º ex-
comrnnnhão maior cm que incorrem os que vão ao duello, ainda que.
este se não verifique ; os duelistas, e testemunhas do duelo; os que
o aconselham ou favorecem , e emfim os que a elle assistem expres-.
samenle para excitar ao combate com sua presença (1 ).
O Concilio de Trento impõe infamia aos duelistas, de sorte que
ficam irregulares, e não podem receber ordens sem dispensa. Com
effeito elles são infames , porque são cobardes e máos t.icladãos.
Cobardes ; porque curvam a cerviz · urgulhosa au jugo d'um
prcjuiso barbaro , que não leem a coragem de desprezar.
Cobar<les ; porque não tecm aquella alma que honra verdadeira-
mente ao homem , a alma de perdoar.
Cobardes ; porque mostram ser escravos das mais vis paixões;
do urgulho , do rancor, da crueldade.
São máos cidadãos ; porque arriscam , para salisíazer · uma Yin-
gança pessoal , um hem que lhes não perlenee , a propr ia vida, que
pertence á sociedade , a suas esposas e a seus lilhos.
Jláos cidadãos ; porque transgridem desaforadamente a primeira
· lei de toda a sociedade , que prohibe ao individuo fazer justiça a s1
mesmo.
J/áos cidadãos ; porque calcam aos pés toda a especie de mo-·
ral , para não conhecer mais í1ue o direito brutal tio mais destro ,
estabelecendo como principio, que a honra esla na ponta d'um sabn\
ou na baila d'uma pistola .
Não será pois com tóda a justiça que a Igreja declara infames
aquelles, que commellem similhanle crime? E não applaude lam-
bem a rasão esta sentença? Sim, infames ! Não tem a mesma im-
piedade levantando a voz contra esle prejuiso barbaro ?
a. Não confundaes , diz Rousseau , o nome sagrado d'honra, com

( 1) Sess. ·XX V , r. . HI.

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CATECISMO

esse feroz prcJmso, que µõe todas ~B virtudes na ponta d'uma <'S-
pada , e que só serve para crear gl·anc.Jes malfeitorPs. Mas em que
conr,isle esse horroroso prPj u1so? Na opinião mais extra vanle, e bar-
bara que entrou em cabPça humana ; que vem a ser , <1ue lodos
·os d~v<.~res da sociedade são subst1luidos pela bravura; que um ho-
mem deixa de ser burlão : velhaco , trapaceiro , calumniador ; e fii.;a
sendo civil , humano .e polido , quando se- sabe bater ; que a men-
tira se muda em verdade , o rouho em din•Ho, a pe1fidia em hon-
ra', a infidclida<le · em gloria , com tanto que se suslenle tudo islo
com o ferro em punho; que fica muito bem desaggrarnda uma
affronla , com uma rutil_ada , e que se não fpz mal algum a um ho-
mem , em o matar. Bem st'i que ha onlra esperie de duelo , no
qual a genlile~a se junta á cru.-ldade, e os combalentes se matam
ao acaso : chamam-lhe o primeiro sangue ! Santo Deus ! e qne que-
res ln . ó fera , fazer d'esse sangue? queres bebei-o? _
cc Dirão que u.m du~lo d1:.H11nslra coragem ; e que is~o basta para
apagar a vergonha e opprobrio de todos os vícios? PergunlarPi, qtw
honra póde diclar similhant.e decisão," e fJUe rasão póde juslifical-a ?
Por essa regra, se rns accuzarPm de ter matarto um homem, irris
mal.ar oulro para mostrar que não foi verdade. O'esl'arte a virln-
de, o vicio, a honra , a -infamia , a verdade. e a meJ1tira, tudo
resultará da eventualidade d'um combate ; uma salla d'armas é a
séde de torta a jiú;tit.~a; não ha outro direito mais cio que a força ,
onlra razão que o assassinio ; toda a reparação, devida aos offen-
didos. é matai-os ; pois lo1la a (lffensa fica apagada no sangue do
offensor ou do offendido '. Se os lobos raciocinassem , leriam outras
maximas?
« Batam-se embora essa gente (genlc sempre má) ; nada ha
menos honroso que a ho ora que tanto alardeam , e f!UP não é mais
que uma eslulta moda, uma falsa imitação de virtude , li111lm~ dos
maiores crimes. A honra do homem que pensa nobremenle n~o está
no poder d' outrem ; está nelle mesmo, e não na opinião pub:ica. Nem
a honra se defen1le com a espada ou o escu1!o , mas com uma \ ida 1

integra e irreprehens1vel ; e- cerlo que é este combate bem superior


arprnlle a rrspeilo de coragem. O homrm corajoso despreza o <lue lo ; /

o honrado ~ ahorrrce-o.

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llE rrnstVEllANÇA.

u: Eu tenho para mim que o duelo é o ultimo gráo de bruta-


lid:-ide ~ que póde chegar o homem. O que se vai bater por gosto
é no meu enlénder uma fora, que forceja por uespedaçar outra ,
sr.m já- lhP restar na alma sentimento algum natural. O que morre
é menos para lastimar que o vencedor. Esses homens acostumados
ao sangue não resistem aos remorsos senão porque sutfocam a voz
da natureza , e d'est'arle a pouco e pouco se tornam crueis e in-
sensatos. Brincam com a vida alheia , e o castigo desta· farta d'hu-
manidade é per<lerem lodo o sentimento humano. Qne são elles,
-pois, chegados a esle lermo? ))
A terceira especie d'homicitlio é o suicidio , que consiste em
se malar a si mesmo. lnílnila prnvidencia do novo Adam! Conhe-
cendo_ a fundo a miseria do nosso coração· , sabe que somos ca-
pazes •d'allent.ar contra a nossa propria vida , e assim prohibe for-
malmente o suicídio. Não conleule com ler prolegicto a nossa exis-
tencia contra a ,·iolencia dos . outros, protege-a tambem contra o
nosso proprio furor. Poderia elle levar mais adiante sua terna sol-
licilu<le? ou poderemos nós relribufr-lh'a com gratidão condigna ?
E' um crime o sniciílio ; por~tre não sendo o homem senhor da
pl'opria ''ida , não lhe é licito tirai-a a si mesmo. A vida. e um
deposito que a Providenria nos confiou, e que devemos guardar tanto
quanto a mesma Providencia o julgar ·conveniente. Collocados no
mundo como senlinellas, é ll'a ição abandonar o posto sem ordem do
general que ahi nos collocou. Eis porque a tei de Deus não diz:
1Vão· matarás ao proximo ; mas sim diz, d'um modo ·absoluto: 1Vão
matará.'i. (1 ).
e< Se aquelle que mala outrem , diz Lactancio, é malvado e cri-

minoso, por tirar a vida a um homem , como póde ser innocente


o que a lira a si mesmo, sendo rll1~ lambem homem? Pelo con-
trario , é. muito maior o crime, porque se illude á vingança das )eis
humanas. Assim como ·não - viemos ao mwido por nossa p_rnpria

(1) Legis hujus verhis noo íÍ.a préCscríµtum : nc ali um orrídns; sed
simplicitcr ne occirlas. l'a!tich . Cone. Trid. in Prmcept. V.

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320 CArt:CISMO

vontade , lambem não devemos sahir delle senão por ordem de Deus,
que aqui nos tem (1 ). »
Não só não é permitlido o suicidio em caso algum , mas nem
ha allenlado mais funesto para quem o commelte , porque privan-
do·se da vida temporal dá a si mesmo a morte eterna. A' voz dos
Santos _Padres accresce a dos philosophos , e a dos mesmos impios.
que condemnam e estigmatizam o suicidio. Ouvi ainda Rousseau : »
Queres deixar de viver ; mas eu pergunto se já começaste ? Que !
tn vieste ao mundo para não fazeres nada? Não te impoz o Ceo ,
quando te deu a vida , algum dever para cumprir? Se acabaste a
tua obra antes da noute , pódes descançar o resto do dia ; mas ve-
jamos se a acabaste. Que resposta tens tu prompta , para dares ao
Supremo Juiz , quando te pedir cqntas do leu tempo? Desgraçado !
Procura-me esse justo, que se lisongea de ler vivido bastante; que-
ro perguntar-lhe como é preciso viver, para ter o direito de deixar
a vida.
(( Relatas os males da humanidade, e dizes: A vida é um mal.
Mas repara, vê se achas na ordem das cousas alguns bens que não ·
tenham mistura de males. Podes·á d'abi inferir-se que nã·o ha bem
algum .no universo, ou confundes tu o que é rnáo por sua natureia
com o que soffre o mal só por accidenle? A vida passiva do ho-
mem nada é , e não diz respeito senão a um corpo de que elle bre-
, ''e estará livre ; mas a sua vida activa e moral ,' que deve influir
em todo o seu ser , consiste no exercicio da sua vontade. A vida
é um mal para o afortunado perverso ; é u~ bem para o infeliz
honrado : porque não é uma transitoria modificação, mas a relação
della com , o seu objecto , que a torna boa ou má.
(( Enfadas-te com a tua vida , e dizes : A vida é um mal.
Tarde ou cedo experimentarás consolação e dirás : A vida é um
bem. Faltarás então mais verdade , sem discorrer melhor ; porque
nada terá mudado senão tu mesmo. :Muda pois desde já, e pois
qne na má disposição da tua alma é que está todo o mal , corrige

(l) Lacl. de lnstit. div. lib. li , e. 18.

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DE PERSEVERANÇA. 321
os teus affeclos desregrados , e nã.o queimes a casa por não le da-
res ao incommodo de a concertar.
<e Que são dez , vinte , trinta annos para um ser immortal? A
dor e o prazer passam como a sombra; esgota-se a ·vida em um
instante. Elia nada é de si mesma , o seu preço depende do seu
empregü. Só fica o bem que se fez , e só por este é ella a1guma
e
cousa. Por tanto, não digas que o viver para ti um mal, pois
que <.Je ti somente depende que seja um bem ; e se foi um mal alé aqui
o teres vivido, por isso mesmo deves desejar viver. Não digas que
le é permitlido morrer , porque é o mesmo que dizeres que te é
licito não ser homem , que te podes revoltar contra o auclor da tua
exislencia , e illudir o teu proprio destino.
<e O suicidio é uma morte furtiva e vergonhosa. E' um roubo
feito ao genero ·humano. Antes de o deixar, paga-lhe o bem que
Le lem feito. Diras : Eu a "ninguem rertenço, sou inutil no mundo.
Philosopho d'um dia ! ignoras acaso que não podes dar um passo
11a terra , sem que tenhas um dever a cumprir, e que todo o homem
i ulil á humanidade só porque existe?
1

« Moço insensato ! Se pinda tens no coração algum sentunenlo


de .virtude , escuta-me, que eu te ensino a amar a vida. Cada vez
')tte fores tentado a deixai-a , dize comtigo mesmo: Fara eu t"nda
uma boa acção antes de morrer, d~pois vai procurar alguem a quem
soccorras ; algum infeliz -a quem consoles; algum opprimido, a quem
<lefendas. Se esta consideração te contem frnje , arnda te ba-de
conter, ámanhã e depois, e toda a vida. Se te não conleve, porem,
morre então, que não és mais que um malvado (1). »
Prohibe a Igreja que se dê sepultura ecc]esiastica , aos suicidas,
assim como aos duelistas , quando morrem no combate. Que cousa
mais justa, que privar das bonr.as da Religião áque11es, qué mor-
reram insullando ílS suas leis? Esses renegaram sua mãi , ella re-
cusa abençoar suas cin~as, e velar em seu tumulo: Sim, que cousa
mais justa? Corno ousam , pois, alormenl~r os Sacerdotes , pedin-

(1) Espirit~, maximas e princípios de J. J. Rousseau.


' 41 V

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CAH. IS.ilO

do-lhes orações , e quen·nuu que assistam aos funeraes d'aquelh~s


f)Ue, se pudcgsem tornar ao mundo . seriam talvez os primeiros a
queixar-se e a rcpcllir estes officios? Lo~o não está a inloleranria da
parlt~ dos Padres, qne recusam o seu ministerio, mas sim da parle
d'aquelles que o exigem.
Aquelle que se expõe a perigo ue vi<fa, por rwcessidade, não com-
mellc suicídio, co.mo o soluado que antes quer morrer do que al.>a.n-
donar o posto ; ou o piedoso filho que, para salvar a seu pai, lhe
dá .o unico bocado de pão , dL• que carecia para alimentar-se. Nem
lam pouco é ser homicida de si nrnsmo o abreviar a vida pelas aus-
teridades da penitencia, com tanto que não sejam indiscretas. O
homicidio , o duelo , e o suicidio foram sempre considerados crimes
enormes : porque , de facto , offendem o Creador, a creatura e a
sociPdade. O Creador , destruindo _a sua obra , e quebrantarnlo a
sua lei ; a cr.catura, privando-a do maior dus bens naturaes, que,,
é a vida ; a sociedade, arr-ebatando-lhe um <le seus membros. e des-
truindo o imperio da justiça, para lhe substituir o da força bruta.
Eis aqui pois os tres ~rimes prohibidos no quh)lO mandamento.
Aquelles que mataram ou feriram o proxiroo , são obrigados a re-
parar o damno que cauzaram. Fallaremos desta reparação , quando
tratarmos do seplimo mandamento.
Dissemos que o homicídio é o princz}wl peccado. prohib1do no
qui11to man<lamento. Todavia . as contusões , feridas e toda a espe-
cie d'alaquc contra a "ida e saude do proximo, são cousas igualmen-
te prohibidas. A inda mais , Nosso Senhor prohibc-nos lambem ludo
o que póde conduzir a estes <lifferenles peccados,s que por si mesmos
podem trazer comsig:o o homicidio. Nisto lambem é a lei nova muito
superior á antiga. E' no coração que se forma o homicidio , é pois
lambem no coração que o divino Legislador o vai reprmur. Vós
sabeis , dizia elle aos judeos, que se disse a ·vos.sos pais: Nãf) ma-
tarás. E eu vos digo : Que aquelle que se ú1colerúar contrn seu
irmão • será condemnado pelo /uiso , e rt_Jfttelle· qur. lhe disser : Tu
P.s um lo !r,cn. rnPrf'cerú ser éoudemnndo ao fo.'JU do {nfenw (1).

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l.lE l'E!lSEYER .\\~'A.

D't'sl'arle , o qninlo mandamento nãi) prohibe só o malar fl'rir,


1

espancar ; mas laínbem, ddende os .sentimentos de colera , o odio ,


a inveja , o desprezo cio próximo , o dcsr.jo e até o pensamento de
se vingar , as palavras injuriosas , as imprecações, a violencia, o
máo tratamento ; porque todas estas cousas são as ·sementes do ho-
micidio, e -podem conduzir a elle se não forem reprimidas. O Deus
da sodedalle ·moslra-se de lal sorte clelica<lo n'esle ponto , que não
hesita postergar a sua gloria aos nossos interesses. Se levardes ao
altar a vossa otferenda , diz elle , e alti 'VOS recordardes de que o
vosso irmão tem qualquer motivo de qu.et':ca contra vós , deixai a
olferenda diante do altàr , ide reconciliar-vos e. depois. voltareis e
apresentareis a i·ossa offerenda (1).
Fallemos agora d'outro peccado igualmente prohibido no quinto
mandamento. Se Nosso Senhor tem tanto cuidado em nos defend'er
a vida do corpo , quanto mais lerá cm proteger-nos· a vida da alma! ,
Se o homicid10, que apenas destroe o corpo mortal, é toda,·ia dos
maiores erin1es, porque ataca a obra mais perfeita da creação , que
(füemos logo do escandalo , que faz perecer uma alma immorlal. in-
finitamente mais preciosa do que o corpo , pois que para ella é que
foi f~ito o corpo? Tambem nã~ ha peccado , que o ·· Filho de Deus
analhematizasse d'um modo mais tremendo. Ai' do mundo por cau.sa
dos escandalos (2) ! E em outra parle diz: O que escandahzar a
um dos pequeninos, melhor l!ie fora que lhe pendurassem ao pescoço
uma mó de atafona ; e o preC'ipitasscm no mar (3). A severidade
d' estas palavras não espanta a' quem ·considera , que o , escancJalo é
um pecca!lo que fere t.lirectamente a obra da lncarnaç ão , que ul-
traja todas as leis da natureza e <la amisade. Para que morreu
Nosso Senhor na Cruz? Para salvar as almas; pois o escandalo ten-
de directamenle a perdei-as e a privar a Jesu-Chrislo do fructo da
sua morte. A quem se dirige o escanclalo? Não é aos mais fortes,

(1) Math. V, H.
('l) Mal.h. X Ylll. 7.
{3j Math. XVIII, G.

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CATECISMO

mas aos mais pequenos e frac~s. O escandalo vem de cima e não


de baixo. E a quem se dirige mais? ás pessoas que m::iis relações
leem com os escandalosos , aos filhos , domesliros, e amigos; e uão
aos eslranhos, Que cousa pois mais opposla ao amor de Deus e ôo
proximo?
A palavra escrmdalo signilica propriamente cousa em que se
tropeça. Tambem significa obstaeulo ou impedimento para alguma
cousa . . E' por esta rasão que se chama escandalo tudo o que nos
impede de chegar á vida elerna , dando-nos occasião de percar. Por
isso , com os Santos Padres e Theologos , entendemos aqui , pores-
canrlalo , a palavra ou acção que não tem toda a rectidão -que .deve
e que por isso dá ao proximo occasião d'offender a Deus. (1 ).
Importa muito explicar esta definiç.ão. -
1. º Dissemos a palavra on acçlio ~ porque supposto haja ''on-
tade de fazer cahir ao proximo em peccado , em quanto exterior-
mente se não manifesta este máo designio não se tlá escandalo , pol'
que se não dá ao proximo occasião de peccar Nestes termos pala-
vra e acção comprehende-se a omissão d'uma e d'outra ; por exem-
plo , o que não assiste á Missa nos <lias santos , ou não reprehen-
de ao blaspbemador . quando é seu subciito, dá escandalo , porque
não faz ou não diz aquillo • que é de _sua obrigação dizer ou fa-
zer.
2. º Que mio tem toda a · reelida o , 'isto é , que é má em si .
ou ainda na apparencia.
3.º · Que dá occasião de ca!tir em peccado; porque. para uma
accão dar escandalo , não se requer que o proximo effeclivamenle
cai.a em peccado , basta que se lhe dê ocrasião de rahir , isto é ,
que se ponha em perigo de percar. Não se fica por t.anto culpado
d'escandalo senão quando , atlenla a posição de quem faz a obra , e
a di8posição de quem a presensea , possa resultar que este se dei-
xe arrastar ao peccado ; por exemplo, a bla8phemia proferida só na

(1) Convcnicnlcr <l1citur quod dictnm vcl factum mi nus rccturu prre-
hcns occasioncm rum~ , sit scandalum. D. Th . 2 , 2, q. ~iJ , arl. 1.

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preseru:a d'um Sacerdole , não deverá ser lida por peccado d'escan-
dalo (1). l\las se tal ou tal peccado se c<Hnmelle em publiro, di-
anle de pessoas de differentes idades e condições, então a pessoa
-que o commelle deve accusar-se d'elJe como d'um peccado d'escan-
dalo , em rasão do perigo a que se poz d'esrandalizar ao menos uma
parle d'aquelles, que d'elle tiveram conhecimenlo. Tal é o sentido
destas palavras de S. Agostinho : « Aquelle, diz o santo , que á-
vista do povo vive em má vida , dá a morte, tanto fJUanto póde,
_áquelles que o rnem. Nem socegue a sua consciencia cuidando, que
o espectador ela sua má ''ida não tem morrido. O espectador está
vivo , mas o esrantlalo não deixa de ser homicida (2).
De mil modos se commeUe o pf'ccado d'escandalo. Eis aqui al-
guns: 1. º quando. se ordena • aconsPlha ou pede a algu<'m que faça
cousa que não póde fazer sem peccado ; ou quando se dissuade al-
gm~m de fazer cousa que é obrigado a fazer. E' pois escaudalo o
conviuar alguem para mentir, roubar, vingar-se, embriagar-se, fal-
tar á Missa nos dias d' obrigação ou á confissão annual. 2. º commel-
tem escandalo os filie proferem blasphemias ou palavras torpf's , ou
cantam cantigas deshonestas; os que imprimem, vendem. '1mpre~lam
, ou mostram livros ou gravuras perigosas ; os que comem carne em
dias prohibidos diante do proximo , ou a dão a comer ; 3. º as mu-
lheres que trajam com immodestia , descobrindo os bom bros , ou o
peito ; .i: os que perseguem a pessoas piedosas , rindo-se da sua
0

piedade , chamandq-lhes beatos, ou hypocritas , desdenhando de seu


ar modesto , censurando suas devoções, e invertendo suas santas pra-
ticas : estes são responsaveiS não só do mal que commellem , mas
do bem a que obstam.
Os que fizeram um mal , que poz o proximo a perigo de pec-
car, não devem só accnsar-se deite na confissão , mas declarar que

(1) Noo sempcr est scaodalum, si pecras coram aliis, scd laotum
quando, atteof1s circumslantiis tam persoore ageotis , tam coram quibus
fit actus, potest probabiliter timcri oe per hunc actum trahantur ad pec-
catum, qui alís pecraluri non esscnt. S. Alph. lib. li , o. 43.
(2) De Past. e 4.

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1 •

l'. \TECl~~to

deram escandalo , .porque este ê peceado distinclo , e de natureza


ditferenle da acção em si mesma. Cumpre alem d'isso especilicar o
nurnero de pessoas que d'ahi tornariam occasião de peccar, pon1ue
o peccado de escandalu multiplica-se em proporção do numero das
pessoas , a quem induz ao mal.
E' de justiça que o peccador repare o escandalo que causou.
Se Deus, para perdoar , exige se resliLuam ao proximo os bens tem-
pnraes que se lhe roubaram , e ria mesma sorte a boa fama e repn-
taç.ã·o que se lhe tirou pela calumnia ou maledicencia, corno não exi-
girá logo do rsrandaloso lodos os esforços possiveis, para tirar do
abysmo os que nelle cairam ou podem cair pelo seu CSC!}ndalo? Mas
· quam difncil é esla reparação!
As consequencias tio escanclalo são com efTeil.o inralculaveis; uma
acção má que fizestes ; uma pala\'J'a má que proferistes, talvez tenha
feito peccar a milhares de pessoas, que nem ainda conheceis; como
reparar tanto mal ? 1.º Cumpre orar por lodos aquelles a qurm di-
recla ou indirectamenle lenhas dado escandalo : 2. º dar exPmplos e
proferir discursos contrarios ao mal que fizeste ou disseste. Aquelle,
pois, que teve conrersações ou disse palavras deshonestas; qne can-
tou más cantigas ; que suslentou de viva voz ou por Pseripto maxi-
mas contrarias á fé on á moral , está obrigado a desdizer-se do mo-
<lu, que melhor possa apagar e lirar estas c<1usas do espirilo d'aquel-
les , · qne poderam Pscandalizar-se. As mulheres que por seu luxo e
immodestia esca nd;ilisarern ao proxirno, devem deixar e condemnar
o luxo e a immodcstia , e dar e·rnmplos contrarios de modl~stia e
humildade. Quanto ao éscandalo nue resulta d'uma vida immoral ,
l~ste hade reparar-se por .outra verdadeiramente christã ; não per-
dendo occasião de dar provas não equivocas de sincera emenda , e
verdadeira conversão. Aquelle que não faz, nem quer fazer cousa al-
guma , para reparar o escandalo , é indigno de absolvição. 3. º Fa-
zer, tanto quanto puder, penitencia proporcionada ao numero e enormi ·
dade dos escandalos que deu. Em uma palavra, o escaollaloso, que
roubou a Deus a sua gloria ·, tira~do-lhe as almas, é obrigado a lhe
restituir essa gloria , contribuindo quanto em si cabe , para a sal-
vação do maior numero d'almas que puder. E ainda mal , que nem
assim arrancará do inferno as al!llas , que nelle cahiram por sua

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327
culpa ; mas fará ao menos o qne lhe é possh'el, e o que Deus exi-
ge que faça .
Tenhamos pois um grande honor ao escandalo ; receiemos cair
nelle mais que em uma, fogueira ; e bemdigamos de Lodo o nosso co-
ração ao Novo Adam. que se dignou rodear a vida do nosso corpo
e a da nossa alma de tam numerosas e lam sagradas defensas.
Nada é tam horroroso ao peccador, nada lhe dá tanta inquie-
tllção na hora da niortc • como a lembrança dos escandalos que lC'm
dali o. Reranger, arcediago d' Angers, tiverâ a desgraça de espalhar
no mundo o veneno da heresia , seduzindo. a um grande numero
d'almas. Teve, porem , no fim da vida , um toque de Deus, e se
converteu abju·rando seus erros. Mas na hora da morte, de repente
começou a agitar-se, a perturbar-se e a ficar como espantado. Ir-
mão, lhe pergunta um Padre que lhe assistia , que perturbações e
terrores são esses? Deus é a misericordia mesma; confiai n'elle.
- Bem o sei , respondeo o enfermo , e tenho muita esperança que
altendera ás minhas lagrirnas e se esquecerá dos meus peccados; mas
OS pPccados que por ruinha culpa Se commell.erarn, perdoar-rnos-ha
clle? Ai de mim! que se me afigura estar vendo as almas, que
por minha causa rn perderam , a esperar-me no tribunal de Deus,.
para lhe pedir vingança ; 1_e que o mesmo Jesu-Christo me faz ouvir
1

no inlimo do coraç.ão estas palavras , que me horrorisam : Onde


está aquelle homem, aquella mulher, a quem tu perdeste?.. Cus-
tou muilo e · muito a socegar o enfermo. Ditoso delle, se a sua pe-
nitencia e conlrição foram suflicienles, para fazer esquecer ao So-
berano Juiz a perda das almas, que lhe tinha roubado!
Nau matará.li. Quer i~to dizer , não matarás nem o corpo nem
a alma de leu irmão, nem ainda admillirás em teu espirito o pen-
samento do assassínio , ou do cscandalo : tal é o quinto preceito <lo
Decalogo, ·e bem o podemos dizer, a quinta columna que sustenla
o edificio social. Com etfeito , tirai esle mandamento , e dizei-nos
fllle segurança haverá entre .os homens? Acaso serão as leis hu-
manas sufücienle garantia? Mas um tal será talvez mais forte que a
lei , e_ zombará impunemente da vossa vida. Ainda mais, é commum
persuadir-se o\ p~rve.rso , que hade erndir-se das mãos do algoz. Ah ,
/

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-'-
3i8 t.:A'fEt.:ISMO

e quantos malfeitores lhe escapam (1) ! Não nos leem ensinado cfo·
coenta annos d'experiencia , que as leis humanas são teas d'aranha,
que só caçam moscas? Porem, alem d'isso, que seria da vida das
almas , a não ser este mandamento? Que seria da innocencia , e
da honra das familias ? O escandalo desenfreado irá impunemenle
O}Ultiplicando suas viclimas. E que homem haverá que, lendo estas
linhas possa dizer : cc Eu nada devo a este mandamento , nem eu ,
uem meu pai , nem minha rnãi , nem meus irmãos, nem mi~has ir-
mãs , nem meus filhos, nem minhas filhas ! As leis humanas, só de
per si, nos leem co_nservado a \'ida, e a honra, inda mais preciosa
que a propria vida " !
Mas se ninguem pode dizer tal , menos ainda a soci~<lade. De-
mos -pois infinitas graças, cada um de nós, e a sociedade toda, ao
flivino Legislador ; respeitemos profundamente e amemos de todo o
coração e~ta lei , prolectora de lodos os nossos interesses ; susten-
taculo e penhor de todo o nosso bem temporal e eterno .

ORA.VÃO
., •

O' meu Deus ! que sois lodo amor , cu vos dou i_nfiní-
tas gra-ças por me haverdes protegido , com lanto cuidado , a vida
do corpo e da alma , conlra os at.aques dos máos. PermiHi , Se-
nhor, que eu respette muito a vida e a innocencia do proximo.
· Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e, em testemunho deste amor ~
evitarei" dar o mais pequeno escandalo.

(1; A cstalistica da justiça crimi_nal atlcsLa que só duranlo o anao


ele 1815 desesse·is mil criminosos escaparam á acção da JUsliça .

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DE PERSEVERANÇA. 329

Lll.ª LIÇÃO.

DE NOSSA UNIÁO COM NOSSO SENHOR , O NOVO


ADAM, PELA CHARIDADE.

Sexto e aono mandamentos. - O que prohibem. - Enormidade do pecca-


<lo opposto a estes mandamentos. - Suas dilTcrcotcs cspecics. - Occa-
siões do peccado. - Remedias dclle. -- O que ordenam estes preceitos.
Puresa do corpo e da alma. - Exemplo hislori~o. - Vantagem social
d'csles mandamentos.

_Lº Ü que prohibem. Guardarás caslidade. -Não desejarás a mu-


lher do teu proximo (1 ). Protegida p~lo quinto mandamento a vida,
pelo sexto protege o Divino Legislador a honra do homem , que es-
tá no lugar im{Ilediato. Bem que n'este , como nos outros manda-
mentos , só se nomea o peccado principal , que ataca a honra e per-
turba a paz das familias·, nem por isso se prohibe menos os demais
peccados, que por su·a natureza conduzem áquelle, e por consequen-
cia maculam o corpo e a alma.
2. º Sua enormidade. - Que diremos da enormhlade deste pec-
cado , que a lingua de todos os povos chama vergonhoso e infame ?

(1) Non mrecaberis ; non desiderabi~ uxorcm proximi tu1. Bxod. XX. ·
4~ V

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330 . CAn:CISMO

E' elle o que deu cansa a <JUe se · alagasse o rnunlio pelo diluvio.
Por seus c1amores choveu sobre cinco cidades o fogo do ceo, que as
consumio; e o sitio, onde pousaram, se transformou em um lago
infecto. E' este peccado , o que traz comsigo todos os mais pec-
cados; a injustiça , o homicidio , o perjurio , o sacrilegio , o suici-
dio ; que extingue a fé , entorpece o <'Spirito , mata o corpo , e des-
penha o homem na condiç.ão tios brutos. E' por esle peccado que
caem almas no inferno em tanta quantidade, como a geada nas mon-
tanhas por noules d'inverno. - Para o expiar, precisou dignar-se o
Cordeiro de Deus de supportar um particular supplicio ; e tam feio
.. é de si e Iam horrendo , que nem póde nomear-se ; pois só com o
'nome suja os labios que o proferem, e os ouvidos que o ouvem.
Tal é o peccado prohibido em o sexto e nono mandamento (1).
Releva , 1wis , que nos lembremos senipre dos dous seguintes
~)rincipios :
Primeiro principio. Em todos os peccados opposlos ao sexto e
nono mandamento não ha parvidade de maleria ; sflmpre são mor-
taes, uma ''ez consentidos com inteira liberdade, e adverlencia.
Segundo principio : e por isso mesmo que não admittem par-
viLlade de maleria , segue-se que quaudo nos confessarmos devemos
dizer tudo, quanto nestes dous preceitos houvermos rlelinquido.
3.º Suas differentes especies. O fJUe torna este peccado mais
temível , é º~ poder-se commetler de muilos modos: por pensamen-
tos, desejos, vistas, palavras e obras. l\fas , como dilo fica, não
ha culpa mormal se se não consente com .inteira liberdade e ad-
verlencia. Por muito rnáos que de si mesmos sejam os pensamentos ou
acções, nem por isso hão de ser castigados , senão tanto quanto vo·
luntariamente consentidos. Ora , para julgar do consenlimenlo \'0-
1untario , cumpre distinguir tres cousas : a suggestão, a deleitação
e o consentimento. A suggeslão não é outra cousa que a idea do
mal, que se offcrece ao espirito ; e esta -não é peccado de si mesma. .
A deleitação é o prazer carnal , occasionatlo pelo rnáo pensaJUento.

(l) Frequcnlior alquc aburidantior confcssionnm malcria. proplcr quam


major animarum numerus ad infernum dclahilur. S. Alph. 111'. Ili. o. U3.

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DE PERSEVERANÇA.

Esta sera criminosa se lQgo se não expulsa, eis se adverlc que é


peccaminosa a demora ; e havendo deleite com inteira advorlencia e
proposilo deliberado , haverá perfeito consenlimenlo, e, pot· conse-
quencia, peccado mortal. Se a vont.ade só consente em parle , o
peccado será venial · e se não consente de modo algum, não ha pec-
cado. Não se confunda o consentimento da vontade com o pensa-
mento máo em si , nem com o prazer que póde acompanhal-o. Pode
dar-se o pensamento t:\ o deleite sem a concorrencia da vontade ; e ,
pois que a vontade não tome parte , nem queira adherir a e\ile, não
póde haver peccado ; mas lam sómente tentação, que tam longe está
I
de ser peccado, que antes pode ser motivo de merecimento (1).
Para socegar os timoratos , e dar ags penitentes regras seguras
para a confissão, será con-veoieole tratar a maleria por outra face.
Façamos distincção de quatro especies de pensamentos, a saber: re-1

geitados, despedidos, mo1·osos, consz1mmados. Os pensamentos ré-


. geitados, ou aborrecidos são aquelles que , apenas os adverlimos ,
logo os expulsamos com horror e inuignação, como a um cão que nos
quer morder. Estes, pois, por muito máos que seJam, não são peccados.
Quando nos aeommettessem cenlenares de vezes ao dia , e sentena-
res d·e vezes os •repellissemos , por não desagradar a Deus, teria mos
eternas recompen3as. O soldado que cem vezes repelliu o inimigo,
cem vezes provou ao seu principe o seu valor e ftdehdade. Não é
preciso, pois, de nenhuma sorte accusar taes pensamentos na con-
fissão; sim, será util dizel-os em geral , para dar a conhecer ao
confessor os assaltos do demonio , e pedi r-lbe os meios de lhe re-
sistir. Podereis talvez dizer : "Mas não sei se terei consentido. Para
vos tran~uillisartles julgai-vos pelo todo das vossas disposições babi-
tuacs. A alma que está na resolução sincera de não commetter o
peccado , com proposito deliberado ·, deve , na duvida , decidir que
não co9senlio. O mesmo é quando taes pensamentos nos aborrecem ,
e logo que os advertimos recorremos a nosso Senhor, á Sanlissima
Virgem e aos Santos. Com effeito , diz S. Francisco de Sales , se

(1) Thcol moral, l. 1, p. 28n .


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332 CATECISMO

taes pensamenlos vos aborrecem é bom signai ; porque é prova que


os não amais , e se os não amais como· tereis consentido nelles 'f
Os pensamentos despedidos são aquelles que na verdade se re-
geitam , .mas com certa negligencia. Um tal , atlralndo pela sen-
sualidade, fica como entorpecido por ella ; e supposto chegue a ex-
pulsai-a , não o fez com inteira deliberação , por isso que se demo-
rou nella por pouco que fosse. Este , em snmma, parece-se com
uma pessoa que , recebendo uma visita importuna , não a despede
bruscamente, mas sempre o faz , supposlo a vai' acompanhando até
á porta, e ainda a segue um pouco com a vista. Dizemos, pois ,
que estes pensamentos são só pcccados veniaes , inda que por seu
genero são mortais. Para os confessar basta dizer : Tenho tido pen-
samentos deshonestos , nos quae:~ me •não demorei muito ; mas não
os regeilei com toda a promptidão que convinha.
Os pensamentos .morosos srto aquelles, em que o espirito volun-
tariamente se demora , ou dos quaes fica voluntariamente preoccupa-
do, sem todavia ter vontade de fazer o mal em que eslá pensando.
Tendes, por exemplo , um pensamento d'impureza , de vingança ou
inveja; e antes quereríeis morrer do que pol-o por obra ; todavia
estais volunlariamenle deleitando-vos e polluindo-vos com elle , · ape-
zar de bem conhecerdes que fazeis mal. Ora , um tal pensamento ,
cm materia grave, é peccado mortal ; e deve declarar-se na confis~
são : 1.º sobre que versou o pensamento; 2.º quantas vezes se pen-
sou nelle. Que o simples pensamento do mal é peccado, quando é
voluntario , é cousa que se não póde negar, sem renunciar a -Fé.
O ímpio , diz o Espírito Santo, será perguntado pelos seus pensa-
mentos (1 ). E' do coração , accrescenla nosso Senhor , que saem
os máos pensamentos ('2). Ha pois pensamentos culpaveis, que pol-
luem a a1ma, como os actos exteriores pollnem o corpo. Os máos
pensamentos, diz o Apostolo S. Paulo, separam o !tomem de Dei's (3).

(1) lo cog1lationibus im pii interroga tio crit. Sap. t , 9.


(!) De cordc exucn.t cogilaliones malre , etc.
Cl) Pcncrsre cnim cogitationes separanl a Deo.

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DE PERSEVERANÇA. 333
Ora , só o peccado mortal separa o homem de Deus ; logo ha pen-
~amenlos que são peccados morlaes.
Em fim os pensamentos consummat.los sãfl aquellcs, que vão
acompanhados do desejo de os realisar ; e ainda que não ch(.lgucm a
executar-se , nem por isso deixou de se commellrr e consummar o
crime na vonlade : isto é obvio e nem ha necessidade de o provar.
Para bem confessarmos estes pensamentos devemos declarar, o que
foi que se desejou, com que pessoa se desejou , e quantas ve-
zes (1).
Notemos ainda que o pensamento póde ser volun lario · cm sua
causa ou em si mesmo. E' voluntario em si mesmo quando o accei-
tamos e nos demoramos nelle deleilando-nos por algum tempo , com
adrnrtencia de que fazemos mal. E' voluntario em sua causa, quan-
do, voluntariamente , e sem necessidade olhamos , dizemos, escui-
lamos, lemos ou fazemos cousa , que de sua natureza é apta a sus-
citar máos pensamentos.
4.º Occasiões do pecca<lo. Não só os p8nsamenlos, desejos e
acções contrarias á modestia são prohibidas n'esles mandamentos,
mas ainda as occasiões, isto é , ludo o que possa conduzir-nos a esle
peccado. São desgraçadamente quasi innumeraveis estas occasiões ;
eis as princ1paes : os banquetes, a frequentação de tavernas, a mesa
lauta, a embriaguez. Tudo isto tende a nutrir a concupiscencia , e
. conduzir á soltura das palavras, e olhares , dos desejos e acções.
Guardai-vos de beber vinho com excesso , diz o Apostolo ; no fundo
do copo· está a luxuria (2). Adverti aos mancebos que sejam so-
brios, diz elle ainda em outro lugar.
São igualmente occasião de impuresa as gravuras, quadros e
figurinos da moua ; as eslaluas inuecentes , os livros e versos so-

(1) De peccaLis luxnrire vid . Bcllar. Do/fr. crasl. 1U, ele. ; D. Th .


! , ~
, q. 1ã', art. 1; Mayo1. De Sexto Decai. Prreceplo , p. · 53ã.
(!) Ju\'Cncs ul sobr.ii siot. ...... Vioum ct adolescenlia prima- sunL arma
demomum, cl duple~ inccnLivum voluptaLis. QuicJ olcum flammre adjiicimus?
vmi mero ~stuans fac1lc d1spumaL in libidincm . S. H1cr. ad Eusloch.

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CA TECIS~IO

bre o amor profano. Rt gra geral: Aquelles, que leem similhanles


1

objectos, não os podem Hei.tamente guardar, ' ender, dar. ou empres-


1

tar a ninguem , senão que os devem queimar. Nem digam que os


leem fechados ; porque , em primeiro lugar , para que é que os
guardam, se se não hão-de servir delles? Em segundo lugar, sup-
posto os lenham fechados , não podem as chaves cahir em outras
mãos '! Todos sabem o exemplo d'aquelle menino, que se fez impio
escandaloso na idade da innoceucia , por ter lido os· livros que seu
pa.i guardava, supposto que debaixo de chave. São ainda occasião
da inconlinencia os espectaculos , danças, bailes; a frequencia en-
tre pessoas de differenles sexos , as companhias perigosas , isto é , a
companhia de pessoas qne, por si mesmas, ou por suas palavras
e acções, conduzem a este peccado. E' n'este ponto que muito im-
porta observar , em todo o sen l'igor, a imperiosa ordem do divi-
no l\lestre : Se o teu olho direito te escandalisa , arrnnca-o; se a lua
mão direita , corta-a , e arremessa-a para lon.qe de ti : porque me-
1lwr te é entrm es no Ceo sem olhos e sem mãos , que caires no in-
ferno com fodos os tei's membros (1 ). Quer isto dizer que , por
mais arnavcl e ulil que nos seja uma pessoa, ou uma cousa qual-
quer , devemos sem demora separar-nos della ~ logo que se nos con- .
rnrlc em occasião -de peccado.
Dns principaes occasiões do peccado. prohibido no sexto e nono
mandamentos , merecem particular mensão as danças e espectaculo~,
nos quaes o mundo diz que nada ha de máa. Mas olhai : de duas
uma : ou o mundo se engana , ou a Igreja de Jesu-Christo ; porque
não ha calecismo que não lenha as danç.as e especlaeulos por es-
peciaes occasiões d 'este peccado. · Na terceira parte <leste Catecis-
mo (2) , achareis todos os esclarecimentos precisos para formar o
vo'sso juiso áeerca d'<'speclaculos. No fim desta lição fallarcmos mais
de espaço sobre a danç.a.

(t> Malth. V. - Jcrcm. IX, !I.


(2) Tom. V. Costumes dos primeiros christãos.

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DE PERSE\IEl\AN~. A. 33;;
A curiosidade. O desejo de rnr ·tudo , e a falta de recalo nos
olhos, são quasi sempre o principio tio mal. Os meus olhos é. que
me leem estragado o coração. E' por estas portas que entra a morte
na alma (1) : tais sfo as palavras de summa verdade, que se leem
na Escriptura Sagrada.
Os enfeites. Quasi sempre insrparaveis das mulheres , nalu-
ralmentc nidosas e amigas de bem parecer , são os enfeites , de
regra ordinaria , já para quem os traja, já para quem os ' ê , oc-
1

casião certa de peccado. Eis as recommendações, que os príncipes


dos Aposlolos, S. Pedro e S. Paulo, dirigem ás mulheres a este
respeito : Não se enfeitem exteriormente , compondo com arte os ca-
bellos, ou adornando-se com ouro , · e formosos vestidos ; mas pelo .
contrario adornem-se com o homem invisivel , occulto no coração ,
pela puresa incorruptivel d'uma alma e/teia de doçura e de paz, -que
este é o magnifico ornamento aos olhos de Deus (2). E S. Paulo
diz: Trajem as mulheres como requer a humildade , adornem-se de
castidade e modestia, e não com os cabellos encrespados, nem com or-
namentos d' ouro , nem com pero/as , nem vestidos sumptuosos (3).
Fieis a esta doutrina, as prime.iras mulbe~·es chrislãs, essas he-
roinas da Fé, de quem os barbaros com assombro ,diziam : Que tnll-
llleres ha entre os cltristãos t - distinguiam-se pela modeslia ~sim­
plicidade de seu traje. Não digam as mulheres mundanas, para
juslilicar suas louç.ainhas : Isto é moda 1 Respondemos com Tcrlul-
" liano : Jesu-Christo chama-se a nrdade , e não a moda. Não é pcJa
- moda , que muda a cada instante; mas sim pela verdade , que não
muda jamais , qu~ lodos serão JUigados. Não é a moda que hade
reformar o Evangelho , mas o Evangelho é que hade reformar a mo-
da. Não digam , pois : A minha condição o exige ; que lhes res·
ponderemos : Embora sejaes ·rainhas, nem tal condição vos põe
acima do Evangelho. E' dilo d'um Santo Bispo a uma rainha tio

(1) Job.
(2) I Pelr. Ili, 3:
·(:J) II Cor . XV, 33.

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336 CATECISMO

Fl'ança. Bathilde cuidou justificar-se do seu excessivo adornó , di-


zendo : Não é demais para uma rainha : Convenho , returquio o
Santo , mas é demais para uma christã. - E a piedosa princesa to-
manrlo a correcção, apparecia d'ahi em diante trajando sempre com
simplicidade (1). Davem ter cuidado as costureiras, em não coope-
rar para o escandalo , talhando e fazendo vestidos, cuja forma evi-
tlentemente offende a decencia.
Que regra havemos pois de ter no modo de ll'ajar, para an·
darmos com a consciencia socegada ? Importa que nos conformemos
com as pessoas solidamente chrislãs da nossa condição, Ídade, e paiz
em que vivemos. Notemos de passagem que a mais louca de todas
as vaidades , é a vaidade do vestido , que propriamente se chama
vaidade. Para vencer este vicio, basta ter algum siso, e lembrar-
mo-nos d'aquelle dito d'uma grande rainha : Não se hade estimar
uma cabeça pelo que tem por fora, mas pelo que tem derilro. Lem-
bremo-nos lambem que, sendo os vestidos, como são , uma conse-
quenma do peccado original , aquelle que d'ahi lira vaidade, é um
enfermo a gloriar.;se das ataduras, que lhe occultam as chagas.
A ociosijade. Não póde o espirito do homem eslar em inacção ;
e se se não occupar com cousas· boas e honestas breve se occupará
com as más , como a experiencia o mostra ; e por isso o Espirilo
Santo nos diz, que a ociosidade é mestra ,le todos os vicios, ao que
S. Jcronimo accrescenla: Ache-vos o demonio sempre occnpado.
O que está occupado é tentado por um só demonio ; mas o que não o
está tem legiões delles em redor de si (2).
5. º Seus remedios. Não basta dar a conhecer os peccaclos op·
rostos ao sexto e nono mandamento , cumpre indicar os reme·
dios delles. Ora, estes remedios são int~riores ou exteriores:
Os remedi os interiores · são : 1. º reflectir na enormidade d' csle
peccado, que apaga em nós a imagem da Santissima Trindade, man-

(1) Vida de Santo Eloy.


(2) Omoem malitiam docuit otiositas. Eccl. XXX111, ~9; Ezcch. LIX;
Epist. ad Nopolian.

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337
cha os membros de Jesu-Chrislo , porque são seus os nossos mem-
bros ; crucifica-o de novo depois de o ler coberto d'ignominia ; em
fim ! profana o templo. cio Espírito Santo , porque os nossos corpos
são templos vi vos do Senhor ; '2. º pensar nos castigos com que Deus _
pune este peccado ; o qual , n'este mundo , deu causa ao diluvio,
ao incendio de Sodoma , á maldição de Chanaam, e ainda ºtodos os
dias ' é motivo da cegueira , endnrecimento , e impenitencia final de
muitos. Na eternidade , o seu castigo é um interminavel inferno;
3.º tratar de ser . humilde. : quanto m:iis humildes somos, mais li-
vres estamos d' este. peccado. A Santissima Virgem foi sempre a mais
pura de todas as Virgens , porque ·foi sempre a mais humilde de to-
das as' creaturas.
Remedios exteriores. Consistem est.es, como adverte Nosso Se-
-nhor mesmo, na vigilancia e na oração. Vigilancia em os no3sos
sentidos interiores , que são a memoria , o enlenthmento e a von-
tatle ; ai de nós se lhes largamos as redeas ! V1gilancia em os nos- ,
sos sentidos exteriores , sobre tudo na vista, no gosto e no lacto ; ai
de nós lambem se lhes damos a liberdade de ver tudo o que se nos
apresenta , ou tratamos de Iisongear estes sentidos com excesso no
beber e comer, no somno muito prolongado, no exquisito dos ves-
tidos e moveis. Esta v1gilancia eleve chegar a ponto de nos casti-
garmos pela mortificação e o jejum , a exemplo <le todos os Santos
que, algumas vezes, só parã extinguir o fogo de um máo pensa-
mento , se lançaram em tanques d'agua gelada. Tambem devemos
empregar a oração vocal e mental : as Jacnlatorias; a devoção á San-
tissima Virgem , sendo terna e perseverante; a fidelidade em recitar
pela manhã e á noute lres Ave Marias em honra da sua puresa im-
maculada, practica que lhe é mui aceite ; e mais que tudo, ·o uso
o
· frequente da confissão e communhão. Este ultimo meio é que dá
efficacia a todos. '
6.º O qne ordenam. Ordenam o sexlo e nono mandamentos,
segundo o estado das pessoas , ou a castidade perfeita ou a conju-
gal. Quanto mai~ defeso é este peceado , tanto mais é bel!a a vir-
tndê contraria. Com effeito, a esta virtude todos os povos chamam
angelica ; ella foi que chamou do ceo á terra o proprio Filho de Deus.
iam poderosos são os seus encantos ! Amou e ama o Senhor esta vir-
rn V

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338 CATECISMO

ll!de com um amo1· ele prndilecção, e. dá áquolles que a praticam i


alem d'uma paz deliciosa, o direito de ver a Deus , e acompanhar
por toda a parte o Cordeiro sem macula ; é esta virtude que faz
resplandecer no rosto as suaves e frescas cores da assucena e da
rosa, e eleva os homens acima dos Anjos ; deve-lhe a sociedade suas-
mais preciosas vantagens , assim nas sciencias como na cbaridade ;
e ó lam bella , amavel , . e delicada que a lingua humana ousa ape·
nas pronunciar-lhe o nome com medo de a profanar : tal a virtude
11ue se nos prescreve no sexto e nono mandamento. (1).
7. º Passagem historica. De tal sorle ennobrece esta heroica vir-
tude a naturesa humana , .que os mesmos pagãos a Linbam em reli-
giosa veneração ; s1rva de exémplo o procedimento dos antigos rorna-
nos para com as Virgens Vestais. Dava-se este nome- a seis don-
zellas que dedicavam , até á idade de trinta annos , a sua virginda-
de á deusa Vesta, de quem eram sacerdotisas. Encarr~gadas de
conservar ·o fogo sagrado e o paladium , do qual criam que pendia
a salvação do imperio , eUas gosavam das maiores honras . . Tinham
os primeiros logares no tbeatro, no amphilheatro, no circo e em
todas as festas publicas; eram precedidas quanõo sabiam de li tores,
como os Consoles; e se encontravam pelo caminho algum condem-
nado á morte , por este só encontro Jhe salvavam a vida. Era lam
grande o respeito que os romanos tinham ás Veslais fieis , como o
rigor com que puniam aquellas , que manchavam a mais bella das
virtudes; pois as enterravam vivas (2).
Prostremo-nos , pois ; diante do nosso Pai Celeste , auclor e
conservador das sociedades,, cuja vigilante sollicitude não se esque-
ceu de nenhum dos nossos interesses. A sua infinila bondade não
se contentou com proteger-nos a vida da alma e do corpo , contra
a violencia e o escandalo ; mas ainda quiz manter, pelo sexto e nono

[1] _ S. Cypr. De Dono pudicit. ,


[~} Vcja-sc a dcscripção d' este horroroso supplit io nas Tres llomas ~
l. JL

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DE PERSEVRRANÇ.A.

mandamento ~ , a paz da sociedade , mantendo a <la familia que é a


sua base. Por isso prohibe , com tam severas penas, não só o pec-
cado da incontinencia , mas tudo que a elle pode conduzir-nos ; pois
que é esta uma desonlem, que perturba as familias, que as divide e
deshonra. Prescrutador do coração e das consciencias, o Supremo
Legislador bem conhece que o adulterio , por exemplo, nasce de um
mero desejo , de um leve pensamento consentido , e assim quer
que seja suffocado o crime no seu germen. Embora no nono mandamen-
to só falle designadamente do adulferio, nem por isso prohibe menos
todos os peccados contrarios á virtude da pureza. Oa mesma sorte,
no qu_into mandamento não nomeia senão o homicídio , posto que
prohiba tudo o que pode prejudicar a . nossa vida.
Quiz Deus pois , livrando-nos das nossas proprias paixõe.;, pre-
servar-nos das consequencias do peccado da incontinencia, taro hor-
ríveis para o corpo e para a alma , como são o opprobrio , os re-
morsos , a desesperação, as doenças e a morte. E' assim que nosso
Senhor quiz iinpedir que o nosso amor se . não aviltasse mais, depois
que elle se dignou outra vez chamai-o ao seu verdadeiro objec-
lo.
Com que evidencia nos revelam estes c.!ous mandamentos a bon-
dade de Deus para comnosco ! Que ! se , .apezar de tam formaes
preceitos; e dos tremendos castigos com que ameaça e pune os que
se dão a taes paixões ; se apezar, digo , de tudo isto, causa não
obstante o peccado da torpesa taro grandes estragos na terra ; se um
sem nu~nero de crimes, nascidos desta vergonhosa origem, arruinam
as familias e a sociedade ; que seria· , ó Deus ! se vós o não tives-
seis prohibido com tanta severidade !
Oh ! quanto é em ludo mais sabia a Religião que o seculo !
Este não perde occasião de nos perver.ler ; os especlaculos, os bailes,
os livros e poesias obscenas, ludo o que lisongea a c~rne, eis o
que elle louva ; e depois , ó crueldade l ó contradicção ! ultraja,
deshonra os que cahem na carnal immundicia·! Arremessa-os para o
abysmo , e despresa-os logo que ne1le se despenham ; impelle-os para
as cbammas , e escarnece-os quando ~e queimam ! E' bem a·o con-
trario a Religião ; como mãi zelosa da nossa honra e bem estar ,
ella nos afasta do abysmo , obrigando-nos a fugir as occasiões de

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34.0 CATECISMO

cahir n'elle; e se , apezar de suas malernaes advertencias,, nos des-


penhamos , voa em nosso auxilio , estendo-nos a bcmfasejà mão , e
parece dizer-nos : Animo , meu filho! - ainda não estás perdido : o
arrependimento é irmão da inuocencia.
Terminemos esta lição pelo exame que promellemos fazer das
danças : lia pouco fazia uma menina de desoito annos , a um dos
meus venera veis confrades, esla pergunta: <C Meu tio, é pe_rmittido
dançar? » « Perguntais-me , respondeu elle, a minha oppinião a
respeito da dança , eu vou responder-vos. Devemos pôr de parte
as danças religiosas, de que. encontramos alguns exemplos na Es-
criptura. Nada ha de commum entre o santo enthusiasmo de Ma- ·
ria , irm~ de l\loyses , ou do Propheta Rei, e as danças mundanas ;
não se confunda o vôo da gratidão com o amor do seculo. Vós
não me consultais a respeito d'estas danças _castas e modestas, posto
que profanas , que se passaram entre pessoas do mesmo sexo : a
Igreja não as -condcmnou. Aqui , pois , só tratamos llos bailes e
nssembleas , is lo é , dessas danças mundanas, onde reina a confusão -
dos dous sexos; desses ajuntamentos profanos, que a vaidade reune,
e os ,.prazeres animam ; -onde as paixões se <lisputam oimperio, e ondo
é muito raro que o pudor não tenha de que se envergonhar, já pela
naturesa das danças , . já pela irnmodestia dos vestidos , Já pela li-
berdade das maneiras e pabvras. Eslabelecidas estas premissas vou
responder á vossa perguntà : E' permittido dançar 7
lnnocente em si mesma , usada algumas vezes nas festas reli . .
giosas para honrar a Deus, a dança aviltou-se depois com as pai ..
xões , e passou a ser culto dos ídolos. Os pagãos honravam as
suas deteslaveis divindades com danças lascivas. Eis segu_ndo a his . .
toria a origem da dança , la! qual hoje se pratica (1 ).
- Não "'me irnp·orla saber, meu Lio, a historia da dança ; o
que desejo é saber qual é o vosso parecer sobre esta questão : E'
permillido dançar ?

[11 1.psa consucludo balandi de Pagnnorum observalione remansit. S.


ca~scw. lwmil.

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\ -
DE PERSEVERANÇA. 3U
- Bem entendo o que quercis , eu Já respondo. Cicero, tendo
a defender o Coosul Lucio Morena accusatlo de ter dançado, excla-
mou : " Não se póde acreditar um tal facto , sobre· tudo a respeito
d'um Consul , cm quanto se não mostrarem os vícios a que elle era
sugeilo antes de se entregar a similhante excesso ; porque niaguern
dança , nem cm particular, nem em companhia honesta , a menos
que não esteja beba do quem o. faz, ou louco de todo. A dança é .
o ultimo de todos os vicios, e a todos enclue em si (1). :» De-
moslhenes , o príncipe dos oradores gregos , querendo fazer odwsos
os que seguiam a Filippe de Macedonia, accusou-os . publiéamente
tle -lerem danÇado. Em Roma , para caraclerisar qualquer mulher
immoral contentavam-se com dizer, que dançava mais elegantemente
do que convinha a uma mulher honrada. Ovídio, esse poeta volu-
ptuoso, tam pouco 'severo em moral, chama aos lugares da dança
paragens de nanfragio para a castidade ; e ás mesmas danças, semen-
tes de_ vicios. Haveis d'ouvir as palavras de Aristoleles, Platão, Se-
neca e Scip1ão.
- Pois sim, meu tio , mas não é o parecer de Cicero, nem dos
mais que eu peço; é o vosso. E' permitlido dançar~
- Visto que não faieis caso de pagãos, não vos fallarei mais d'elles.
Entre tanto inda queria dizer-vos que o Senado romano fez expul-
sar de Roma todos os danç.arinos , no tempo de T1berio ; e , que Do-
miciano chegou a excluir do Senado alguns senadores, que se tinham
prestado a danças licenciosas. .Mas emfim o dito dito, nã-0 fallare
mais de pagãos.
O Espirilo Santo diz-nos expressamente : « Não estejas ao pé
da bailarina' (f livra-le d'ouvir as suas palavras, para que não pe-
reças vencido da força dos seus encantos (2).

[1] Nemo saltat sobríus, ms1 forte insaui l~ ncquc ín _solitudine, ne-
qnc in conv1vio rnodcralo alque honesto... Sa\tatio omnium nliorum cst
poslrcmum , quibus rclictis, ornnino esse noo polest. Orat. pro L. Mur.
[2] Cum saltatricc non sis assiduus, ncc audias iliam, ne forte percas
in cflicacia illíus. Eccl. lX, 4.

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342 CATECISMO

Em o.utra parte , e <listo tendes experiencia, fallando do que se.


passa nos bailes , . diz « As filhas de Sião se elevaram , e andaram
com o pescoço emproacto , e iam requebrando os olhos, e fazendo
gestos com as mãos ; tinham tomado o ar da molesa em seus passos
constrangi.dos e estudados : foi por isso que o Senhor as cobl'io de
vergonha e confusão (1 ). »
- ~Ias perdão , meu tio, vós não me respondeis, ou antes,
Já entrevejo a vossa resposta.
- Sobrinha , uão faças algum juizo lernerario - Pois então ti-
rai-me da duvida , e dizei-me ingenuamente se é permitlido dan-
çar.
- Nutrido com a meditação das santas letras , um Padre da
Igreja, Santo Ephrem , diz assim : « Quem jámais poderá mostrar
pela ·Sagrada Escriptura que é permiltido aos christãos o dançar ?
Qual dos Prophelas o ensina? Qual é o Evangelho que o auclori-
sa? Em que livro tios Aposlolos se encontra um só ~ texto favoravel
. á dança? Se La.1 diverlimenlo pudesse ser permillido a chrislãos,
era preciso dizer c1ue lutlo está cbe10 de erros na Lei , nos Prophe-
las , nos escriplos dos Apostolos e nos Evangelhos. Mas , se todas
as palavras rl'estes santos ·livros são verdadeiras e inspiradas por
Deus , como na verdade são , é inconteslavel que é proh1bido aos
clmstãos entregarem-se a similhanle di_verlimenlo (2). ». Tertulliano
rerresenta o lugar das danças mundanas como templo de Venus e
cloaca d'impuresas (3). S. Basilio a .descreve como trafico vergo-
nhoso d'obscenidades (4). S. Crysoslomo tem as danças por eschola

[1] Dccalvab1t Domin11s verticem filia mm Sion, et crimcn carum nu -


<labiL. lsaie, Ili , 17.
[~J Si Dei hrec sunL verba , cL vera , ct diviniLus inspiratJ , uL vc ra
suot, nefas sane rucrit ChmLianis quro dicimus agerc.
(3] Sacrariuw Vcneris ... an omnium Lurpitudmum.
(1) Officiaam obsccnitalis.

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DE PERSE\'ERANÇA. 34.3
das paixões impuras (1 ). S. Am.brosio chama-lhe coro d'iniquida-
des , escolho da innoccn.cia , e tumulo da honêstidade (2). S. Agos-
linlio diz que . é melhor trabalhar ao Domingo do que dançar (3).
- Mas· em fim , meu tio, não sei aonde quereis chegar. Da-
is-me a opinião de Lodo o mundo , que eu 'não interrogo , e nada
me dizeis da vossa, unica que desejo conhecer; a yós e somente a
vós é que faço a pergunta : E' permitlido dançar?
- Nos tempos modernos ouço a dous illustres Ponlifices expres-
sarem-se n'e-sles termos : -
« 1\. dança mundana , diz "S. Carlos Borromeu , não é outra
cousa senão um circulo de que o demonio é o centro, e seus escra-
vos a circumferencia ; por onde raramente acontece , ou mesmo nun-
ca , dançar sem peccado (4). » .
« O uso dos bailes, diz S. Francisco de Sales , é , pelas suas
circumstancias tam determinado ao mal, que a alma está sempre em
grande risco ... São recreações perigosas, prazeres folgasãos, donde
nasce grande disposição ·para máos affectos. São como os cogume-
los, os melhores para nada prestam. Assim como as plantas que
attrahem a si o veneno das serpentes, que a ellas se chegam , da
mesma sorte os bailes atlrahem o· \'eneno das paixões humanas e do
contagio geral. »
- Meu tio , quereis-me apurar a paciencia com todos os {es-
lemunhos da tradicção desde Adam até nossos dias ; eu não pre-
ciso disso: responde.i-rne vós , eu vol-o peço , é permittido dançar?
- O Concilio de Constantinopla prohibe as danças publicas debaixo

(t) Gymn:isium publicum iocontincntiro, scholaque luxuirro.


l2] Ncquitiarum chorus ... quid enim ibi ,·crerun<lim potcsL esse ubi
salatur?
l3J Mcli~s cst d1e dominíca arare, quam choreas durerc.
[4] Chorea mundana est círculos , CUJUS centrnm cst diabolus eL cir-
cumfcrcnt1a aogeh ejus circumstaotcs; el ideo rarum aut nunquam sioc
peccato fit. •

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3U CATECISMO

da pena d'excommunhão (1 ). O Concilio de Làodicea e de Lendà


as prohibem até em occa~ião de nupcias : o Concilio d' Aix-la-Chapel-
le chama-lhes cousas infames ; um Concilio d' Africa, acções más ; o
Concilio de Rouen, cousas cheias de loucura ; o Concilio de Tours ,
arlificios e attracliYos do demonio.
- Ora esla ! depois dos Padres da Igreja, já não faltava mais
nada senão os concilios ! Na· verdade , meu lio , parece-me que me
quereis ensinar a theologia em uma só lição , que já não vai sendo
pequena: Acabai , pois : E' permiltido .dançar?
- Esperai - não vos fallatei 'mais nem da Escriptura , nem dos
Padres · nem dos Concilios. « A dança, diz o poeta Petrarcba, cujo
testemunho não recusareis, é um espectaculo frivolo-; indigno do
homem , que causa -horror a todos os olhos castos ; um como preludio
de paixões, fonte d'innumeraveis infamias, que não brota outra cou-
sa senão a licença e a impureza (2). » O pai dos alheus modernos,
Baylê, exprime-se assim :. « A dança não póde servir sl'não para ar-
ruinar o coração, e fazer_ uma guerra perigosa á castidade. » Um
homem do mundo, o celebre .Bussy-.Rabutin, que linha experimen-
tado todos os prazeres, escrevia dizendo a S. Ex.• o Bispo <l' Autun : »
Sempre live para mim que os bailes são perigosos, e não me fun-
do só na minha rasão , mas na propria experiencia ; e , se bem te-
nha aqui grande peso a auctoridade dos Padres da Igreja , ainda
neste ponto me parece ma10r a d'um cortesão. Sei que nesta es...
pecie de prazeres ·algumas pessoas correm menos· perigo que outras ;
comlüdo , os mais frios temperamentos se inflammam nos bailes. Or...
dinariamente é a mocidade qu~ concorre a elles ; e esta, que diffi-
cilmente resiste na solidão ás tentaç.ões , como resislirá em taes
3juntamentos ? Por isso digo, que um christão não eleve ir a bai--

(1) Volumus has publicas sahaliooes de medio lollí sub aoathcmat1s


preaa,
(2) Ex choreis nihil uoquam nisi libidioosum... ioaoe spectaculum ,
honestis invisum oculis, viro indignum-... Veneris prreludium ; hic ludus
multorum sluprorul? causa Cu1t.

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l>E PEnSEVERANÇA. 3i8
Jes. » Ora , meu lio ~ já é de mais ; pois não vol-o torno a pergun-
lar: se quereis dizer dizei , sim ou não : E' permiltido dançar:
Não vos enfadeis , sobrinha , eu promelto dar-vos o meu pare-
cer , mas primeiro haveis de me responder a algumas perguntas, que
lambem quero ·fazer-vos. ·
a: 1. º No dia do vosso Baplismo renunciastes ao demonio , ás
suas pompas e ás suas obras : ora , se estas cousas se não encon-
tram nos bailes , então dizei-me aonde? 2. º Quererieis morrer no
meio d'um baile, sem lerdes um instante de refleclir em vós mesma 'l
3.º Qnererieis apparccer na Mesa da Communhão com o mesmo vestido
do baile !
- Ora meu tio ..• meu ljo ! é melhor não faJlar mais nisto.
Eu -não é que heicJe responder: não é da minha opinião que se lrala,
mas da vossa. - Está bem, já não quero que respondais· ás pergun-
tas precedentes; mas ao menos respondei a estas : Não é verdade
que se pensa no baile muitos dias antes d'ir a elle, e isso mesmo
durante a oração? Não é verdade gastarem-se no toucador horas in-
teiras, que talvez eram necessarias para cuidar nos negocios dà casa
ou da Religião ? Não é verdade que muitas vezes se to'mam para
o baile os dias consagrados ao Senhor , e até mesmo á peb1tencia ?
Não é verdade que uma sala de baile é uma campanha de vaidade,
aonde se ostenta alli toda a possivel pompa nos adornos" e muitas ''ezes a
ind~cencia nos enfeites ? Não é verdade que se não despresa cousa
alguma para agradar, e alcançar applausos? Não é verdade que ,
com tal designio , se cobrem de fementidos veos, que não escondem
o corpo , e se empregam mil artificios immo<lestos , com o fim de
realçar os perigosos allractivos da belleza, supprfr os que a natu .
reza recusou , ou reparar os que os annos destruiram?
Não é verdade que no baile se vai cevar a inveja , a qual se
irrita e roe de ver o merecimento e o triumpho alheio? Não é Yer-
dade que , para alli deprimir e morder , se Jogam graças e chufas,
e dizem cousinhas ao ouvido, e fazem allusões mais ou menos ma-
liciosas? Não é lambem ''erdatle qu_c tudo isto oce-upa talvez o pen-
sámento , e é objeclo de conversações muitos dias depois ·do bai-
le?
« Não é verdade que no baile tudo concorre ~ enervar os scn-
U V

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CATECIS~O

tidos , amollccer o coração , e inllammar a phanlesia? Não é ver~


dadc que alli se encontra uma companhia brilhante , porfiando nos
atlornos seductores da moda ; que alli ha a mistura dos dous sexos,
a confusão de pessoas,' cuja idade requeria se separassem ; lodos ·
com maneiras e enfeites proprios- para lançar nos corações perigosos
affectos ; as danças languidas e effeminadas (1) ; a harmonia seducto-
ra da musica , a illusão das decorações ; o brilhar das luzes , que
augmentam o encanto com o seu preslig10?
« Não é verdade que nos bailes se gasta aquillo com que se po-
dia malar a fome a grande numero de pobres, que, em quanto es-
taes a embriagar-vos em prazeres , eslam elles a tremer de frio, sem
um farrapo com que se cubram , nem uma enxerga onde repousem ,
nem ·um bocado de pão com que se nutram ; cujas lagrimas e sus. .
piros ferem os ouvidos de ·Deus lfenvolta com os vossos risos e pro-
fanos concertos? Não é verdade que durante o baile, isto é, du-
rante a maior parte da noule, ficam os domesticos d'um e outro
sexo sem ter quem o~ vigie , expostos a praticar o que uma cui-
dadosa educação não permittiria fazer aos amos?
<< Não é verdade? .... - Ah ! meu tio, uão continueis , eu vo-
l·o peço.· Para que hcide responder a todas estas perguntas? antes
quero dizer-vos francamente que nunca uançarei : eu bem Yejo que
me não permillis que dance.
- Eslaes enganada , sobl'inba ; agora serio , permillo·vos que
tlanceis. - Vós, meu tio? - Sim, eu, vclhoencanecido, permillo-vos que
<lanceis com uma pequena condição. - Qual é? - Promellcis-me do
a cumprir? - Sem difftculdade. Puis bem ! escutai-me : Sabeis ,
minha sobrinha , que o principio mais universal e inconlestavel da
moral C~rislã é aqudle que nos obriga a referir a Deus Ludo-o que
fazemos, e Deus é lam bom qnc aceita a ofTerecimenlo de nossas acções

( 1) Ou tam violentas que parecem <l'encrgumeuos. Do fracl. pbrl.

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DE PERSE\'ERANÇ.A•' 317
as mais communs e int1iffercnll1s , tacs como a refeição , a recrea-
ção, o somno , porque ludo isto entra na ordem da Providencia.
Quando pois vos tiverdes enfeitado para o baile, cnlrai no vosso
quarto; e ahi , só , sem outra testemunha senão Deus e a vossa cons-
ciencia, ponde-vos de joelhos diante elo vosso Crucifixo, e fazei a
oração seguinle : O' meu Deus ! meu 1'foLlê.lo , meu Senhor, meu
Pai e meu Juiz, cu vou fazer espontaneamente e de nrnilo line von-
lade uma cousa, que o vosso Evangelho e a vossa Igreja assignalau-1
como perigosissima, na qual perdem a piedade, a humildade e a
mesma innocencia milhares de pessoas-: e , para a fazer bem , pas-
sei horas a adornar-me ; coroei-me de rosas para bem parecer ; eu
vol-a offereço pois para vos imitar, ó meu Deus, que estais coroado
d'espinhos ; para cumprir as promessas do meu Baplismo , pelas
quaes renunciei ao demonio , ás suas pompas e a todas as suas
obras ; para edificação tio meu proximo e salvação da minha alma.
Dignai-vos aceitar Ludo , ó. meu Deus , e dar-me a vossa santa
ben~~ão.
- Ora meu tio , - essa condição é impossível ; qual será a alma
cbristã que ouse fazer similhante oração ; ella é uma zombaria -
Como quizerdes , sobrinha ; é escolh~r, uma cousa ou outra: per-
millo-vos danç.ar com esta condição. - Que dance quem quizer ,
quanto a mim renuncio ao divertimento. -- Pois, se se não pódem
sem zombaria offerecer a Deus as danças e bailes , já vedes, minha
menina, que não são tam innocenles como o mundo pretende que /
sejam. Com tud.o , torno a dizer , a dança não é peccac.lo de si
mesma ; ella não se torna perigosa e criminosa senão pelas CIJ'cums-
tancias , que de !>rdinario a acompanham , sobre tudo nos uossos
dias.
Por consequencia , quereis saber o que deveis fazer n'e.ste pon-
to~ reparai bem no que vos vou dizer, e não digaes ' que eu d_igo
oulra cousa do que digo na \'erdade :
<< As danças , sendo como são , occasião de peccado , não se
devem frequentar.
« Todavia , como a dança não é má de si mesma , poderá al-
guem achar-se taln~z em caso de duvida se póde ou não ir ao bai-
le ? O que enlão deve faz<.'r é consultar ·o seu confessor , isto é ,
*

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348 CATECISMO

o verdadeiro amigo da s.ua alma , que decidirá , não pe1as maxi-·


mas do mundo , mas pelas do Evangelho ; porque não é pe1o mundo,
mas pelo ~vangelho que havemos de ser julgados.
« Esta decisão a respeito da dança póde-se applicar aos especla ··
cu los (1) . D

ORA.Vi.O.
'

O' meu Deus ! que sois todo amor , eú vos dou graças
por terdes não só protegido a minha alma e o meu corpo contra o
homicidio e o escandalo , mas tambem as minhas inclinações contra
tudo o que me aviltaria ; formai em mim, Senhor um coração puro,
para que só vós sejaes o meu amor.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus; ll, em testemunho deste amor,
porei todo o cuidado em ncio dar escandalo.

C1) Theol. moral, t. 1 ,· p. 293 e sr.guintcs.

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OE PERSF.VERANÇ.A.

DA NOSSA UNIÃO COM O NOVO ADAM, PELA


CHARIDADE.

Superioridade da Lei de Deus ás leis humanas. - Base do direito da pro-


priedade. -.: Objecto do setimo e decimo mandamento. ·- Dcrinição do
roubo. - Lalrocinio, rapina. fraude. - Restituição. - Sua necessidade.
- Quacs- são os que estam obrigados a restituía·? - Vantagem social
destes mandamentos. - Trecho historico.

1.º Superioridade da Lei Divina. - Bastavam estes dous manda-


menlos para ver quanto a sabedoria e o poder de Deus ex.cede asa-
bedoria e o poder dos nossos legislado1·es. Estes só probibem as
acções culpaveis : o assassinio , por exemplo , ou o roubo ; e casti-
gam o mal só depois de commellido ; 1imila-se a isto o seu poder.
O pensamento , o desejo , a vontade do crime lhes escapam ; sim ,
cortam a má arvore , mas não lhes é dado extirpar as raizes; por
que estas estam occultas no . coração do homem. Deus porem vai
mais adiánte . . Não contente com prohibir a acÇão cuJpavel, como
perscrutador da~ ideas e dos desejos, penetra até o intimo da alma,
e Já vai suffoccar o mal no seu germen , no desejo e no pensa-
mento. Seus mandamentos previnem o crime , que é mais do que -
castigai-o. Assim é ,que , ensinando aos _homens o Decalogo , mos-
tra-se o Senhor 'ferdadeiramente nosso Medico e Salvador. Ora,

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3?)0 CATEClSMO

assim como pelos mandamentos precedentes Deus se não limita a


prohibir a acção culpavel, mas ainda tudo quanto póde conduzir a
eJla ; da mesma sorte , pelo setimo e decimo mandamentos, prohibe
.' não só o roubo, mas ainda o desejo e o pensamento de usurpar in-
justamente o alheio. Estes dous preceitos leem pois por fim regular.
o nosso procedimenlo , os nossos desejos, e até os nossos pensamen-
tos, relativamente á justiça.
O selimo e· decimo mandamentos dizem assim : Não furtarás -
Não desejarás as cousas alheias (1).
2. º Base do direito de propriedade. Nada ha mais natural do
que a relação do septimo e decimo mandamentos com os dous pre-
cedentes. Depois da vida e da honra , que leem o primeiro lugar
entre os bens naturaes, segue-se. com effeito, a propriedade ou a for-
tuna : e Deus a protege pelos dous mandamentos, que passamos a
explicar. Não furtarás ; estas palavras são a unica e verdadeira
base do direito de propriedade : elle não tem outra '. Por uma par-
te, a posse , por imme'morial que seja ·, não póde, só de per si ,
constituir direito , allendendo a que este facto p6de ser destruido por
oulro. Por outra parte, todas as leis humanas, que protegem a pro-
priedade , não são mais que a expressão de vontades humanas, que
sós não podem constituir direito , allendendo a que o homem não tem
de si mesmo o direito de mandar a outro . homem. Esle direi lo não
pode ser humano , mas só divmo.
O direito de propriedade , bem como outro qualquer drreito , é
divino na sua essencia (2). Eis o que não deveriam CS{[Uecer aquel-

(1) Non furLu'm facies ... Õon concupisccs domum proximi . tui , nQn
servum , non ancilliun , non bo,·ern , non asinum , nec ·oinoia qure inius
sunl. Exod. XX, 17.
C2) E' po.r ler' dcsconhcc"itlo este princíp)o , que o auctor contcm-
-poraneo da ol>ra a respeito da propriedada acaba por nada provar , ou
por provar tudo ao contrarfo do que pretende. Por se não remontar a'o
direi lo divino , baséa o· di reito fundameolal da propriedade nas ccccss1-
dadcs ualuracs ~o homem. « A exacla observação da natureza humana '

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OE PERSKVERANÇA. 3lS 1
)es, que defendem hoje o direito de propriedade; e o qu~ ainda me-
nos deveriam esquecer, .é que lodos os direilos de Deus s_ão insepa-
raveis ;. que negar um d'elles é negar a todos, pois todos, na sua
origem , são o dominio soberano de Deus, tanto nas creaturas in-
telltgentes como nas materiaes ; tanto no coração e proceder dos _ho-
mens, como na terra e nas rique.zas. Defender um, e negar outro,
'é debilitar Lodos os seus argumentos , porque é collocar-se em con-
Lradicção comsigo mesmo , eslabelecer-se conseguinte~ente em um
terreno, d' onde o ataque cl'uma logica ' igorosa ha-de infallivelmenlc
1

desalojai-o.
3.º Roubo. O direito de propriedade é pois divino. D'esle di-
reito nasce a obrigação de a respeitar : a virtude que, em presen-
ça d'este direito , impõe silencio á nossa ~mbição , e nos fa~ dar ·a
cada um o que lhe pertence .., chama-se a justiça. A~ jusliça pro-
hibe-uos pois o prejudicar ao proximo em Slla propriedade, e obri-
ga-nos á reparar o damno que lhe temos feito ·: ·lal é o duplo ob-
jeolo do selimo mandamento. Em primeiro lugar, elle probibe o
roubo. Sublrahir ou roubar não é só levar uma cousa em segr«:do,
sem seu dono querer, é lambem reler uma cousa contra a vontade
de seu dono. Por esta rasão os lheologos diftoem o roubo : Pre:za
ou detenção i11justa dos bens d' outrem, contra a sua vontat;le, quando
este tem rasão em não querer· que o privem d'elles. Entende-se por
1

bens d'outrem tudo o que perle~ce aó proximo , seja por proprieda-

diz c!lc, é o mclhodo íf UC se <lc\'c seguir para descourir o dcmonsLrar os


direitos do homem , n p. 16 e 17. Ora, u'csta e:cacta ouscrvação adia o
auctor o direito da propriedade. Pois bem ; de duas uma , ou o profun-
do estadista provou em seu livro , pela ouservação qacta da natureza do
homem , que a propncdaJc é uma necessidade iodispcosavcl á sua exis-
lencia , é a lei do homem, e por consequencia o seu direito; ou _o não
pro\'Ou. Se o. provou ; cnLão cada homem , pela lei da sua n~ureza, tem
direito não só ao trabalho mas á propriedade, fJUC .\·em a ser o comwu-
oismo. Se o não provou , cotrro lambem não ficou provado o direito de
· propriedade.

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352 CATl~CJSMO

de , seja por usofructo , seja porque o tenha só em guarda ou de.a


posilo , ou como um penhor. D'est'arte fica culpado de roubo , já
o· que quer arrebatar injustamente ao proximo , e contra vontade
d'esle , o domínio do que lhe pertence , já o que quer adquirir só·
mente o seu uso e posse (1 ).
Convem explicar por extenso a definição do roubo. .
Diz-se 1. º que o roubo é preza ou detenção ; porque se faz tan-
to damno ao proximo quando se lhe relem os seus bens, como quan-
do se lhe trram. Aquelle, pois, que relem injustamente o que
pertence ao proximo, ainda que o haja tomado sem injustiça, com-
mette roubo (2).
Diz-se 2. º que o roubo é preza injusta , porque o roubo é vi-
cio opposto á justiça , a qual quer qtie cada um tenha o· que é.seu.
Não e logô roubo tomar ou reter o alheio por um molivo justo :
como , po1• exemplo , se se tira a espada à um homem , que quer
malar-se, ou matar o seu inimigo; ou se se occulla elguma cousa a aJ ...
guein , com dcsignio de lha _conservar., ou impedir que se lhe rou-
- ·be , ou por galanteria , para o fazer naais cuidadoso. Esta ullima
maneira poderia ser criminosa, quando se previsse que havia de causar
disputas , arrebatamentos , ou juisos lemerarios.
Diz-se 3.º que o roubo é preza dos be11s d'outrem. Um homem
que de sua propria auctoridade se apossa de alguma cousa, que
sabe com certesa que é sua , e que se lhe retem injustamente; não
comelle roubo. Pelo contrario , reputa-se culpado de roubo aquelle
que, tendo dado uma cousa em penhor a seu credor, a sublrahe e
retem injustamente.
Diz-se 4.º que o roubo é preza dos bens d'oulrem , contra a sua

(1) Ioslrlule&.,; li\'. 1V • lit. 1.


(2) Fur a furvo dietas est, iJ est a fusco; nam noclls utitur tem·
pore. S. l~id. Etymol. lib. X, llL. F. - Detioere id quoJ' alteri debetur,
camdem ralioncm oocumeoli babel com acceplalionc injusla ; et ideo sub
injusta acccpliooc iotelligitur ctiam injusta deteolio. D. Th. 2, 2, q. 66,
arl. 3.

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DE PERSEVF.RANÇA . 353
t.Jontade ; porque se tomamos ou relemos o que pertence ao proximo,
crendo de boa ·fé e rasoavelmente ·que o não le\ ará a mal, mas
1

consentirá voluntariâmenle , e porque não podemos pedir-lhe o seu


consentimento, antes de nos servir-mos d'esses bens, em lal caso não
ha roubo.
Diz-se õ. º que o roubo é dcl_enção dos bens d' outrem contra sua
vontade, quando este tem rasão em não querer qtte o privem d' elles.
Podemos, com effcito, apoderar-nos sem peccar dos bens d'outrem
contra sua vontade , quando temos para isso auctoridade legitima.
Por isso os Israelitas não commelteram roubo , quando por ordem de
Deus levaram os vasos d'ouro e prata, que lhes emprestaram os Egy-
pcios. Está no mesmo caso aquelle, que toma ou retem os bens d'um
homem , porque prevê qüe este vai faze.r máo uso d'elles : por exem-
plo , o que tira uma garrafa de vinho a '-um , que está prestes a
bebei-a, e embreagar-se; o que tira livros máos a uni homem , que
faz d'elles uso culpavel: ou a mulher que , vendo que seu marido
consome os bens da casa em desordens, lhe tira destramente o di-.
nheiro , para o empregar na sustentação de sua familia; estes, pois,
não peccam.
~.º · Differentes especies de roubo. ffa tantas especies de rou-
bo, que é quasi impossivel enumerai-as. Limitemo-nos aos princi-
paes: de tres maneiras se lira o alheio : 1.º occultamente, e a isto
se chama latrocznio; 2.º abertamente e com violcncia, como fazem
os salteadores d'estracla, e se diz rapina ; 3. ºenganando ao proximo,
e então é fraude.
Tornam-se culpados de latrocinio não só os que tiram cm segre-
do os bens do proximo, mas lambem os que occultam cousas rou-
badas , ou releem aquellas que de quak1uer maneira foram tiradas a
seu dono. Quando se acha qualquer cousa , deve-se procurar a
quem pertence ; se se não póde descobrir , deve empregar-se o seu
valor em proveito · dos pobres , ou em boas obras ; este é o 11artido
mais seguro : e se a mesma pessoa que achou é pobre, póde ap-
plical-o para si. (1) Se é um thesouro, isto é, cousa occulta ou en-

(1) Advirta-se que o mventor só adquire as e.ousas perdidas por


presrripção , passados tres anoos depois da invcn~ão; com tanto que as
~5 V


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CATECISl\IO

terrada, e cuja propriedade ninguem póde justificar, lendo sido des-


coberta por mero acaso , pertence á pessoa que o achou em seu
proprio terreno. Sendo encontrado em terreno alheio, pertence me-
tade ao que o achou e outra metade ao dono do terreno. A res-
peito dos animaes domesticados que, não obstante serem de nato·
reza selvagens , teem conlrahido o habito de se recolherem a cer·
tos lugares para isso preparados, manda a legislação francesa que
estes, como são pombas , coelhos· , peixes , abelhas etc. , fiquem
pertencendo áquelle, a cujo pombal , coelheira, tanque ou colmea se .
recolherem , se ahi não foram altrahidos por fraude.
São tambem culpados de latrocinio os que liram os fruclo-s do
jardins , ou a madeira dos bosques nacionaes , ou dos particulares ;
e be(Jl assim os obreiros e artistas que , não tendo trabalhado como
devem , exigem todavia o salario 11or inteiro ; e os alfaiates , que
ficam com parte da fazenda que se lhes deu para fazer os vestidos,
a pretexto de ser pequeno o preço porque ajustaram fazei-os. O
. mesmo dizemos dos meninos , que tiram cousas de casa sem per-

tenha annunciado por pregões c<lilars, ou pcriodicos. « (lnstr. de IJír.


Cio. Porl. de 1\1. A. Coelho da Rocha § U 6) - Em o Bispado do Porlo
é raso rescnado: Aver o alheo , cujo dono se não sabe, que passe de
quinhentos reis ; mandando-se que as rousas achadas se a ppliquem á fa •
brira das Igrejas, para o que se dc,·em entregar ao Parocho da fregucLia,
se a quantia não excede a 1iooo rs.; e se excede, ·deve consultar-se o
Bispa da Diocese. (Liv. 1. T. 6. Const. 1õ.) Quanlo aos lhcsouros acha·
dos o nosso Direito Civil está d'acc1Hdo com a doutrina cxpcndida cm o
Calec1smo : ·accrescentaremos sómente qne se o terreno é publico , ame-
tade do lhesouro, pelo direi lo romano, pertence a quem o achou ; e a
outra mela<.lc ao Estado; arnda que o Dig. Port. 3. art. 32, os concede
todos ao inventor, e que .IJJe/l, L. 2. til. 3. § 6. os adjudique ao Rei,
fundado na Ord. l. 2;. t1t. 26. a qual hoje está dcrogada pelo Decreto de
13 d'Agosto do 1812 art. 1. o Veja -se a citada Jnst. de Vir. Civ. Port.
ib' e §§ 166. 3.rn . 612.
(Nota elo Tracl.)

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DE PERSEVERANÇA.
missão de seus pais , ou que empregam em usos illicilos o que <lelles
tinham recebido, para pagar as despezas de sua educação , ou para
suas necessidades reaes ; e lambem os creados , que defraudam a
seus amos, a tilulo de ser pequena a soldada, ou releem parte do
dinheiro que lhes <leram para compras , ou tiram occultamente vinho
e manjares que lhes não costumam dar , ou não teem todo o cui-
dado que devem da fazenda de seus amos, ou d'ella dispoem sem
permissão delles ; em summa , que de algum modo lhes não são
fieis.
O marido torna-se culpado d'injustiça, ingerindo-se, contra von- .
tade de -sua mulher, n'aquillo de que ella é livre e absoluta admi·
nistradora , · ou dispondo dos bens do casal occultamenle e sem o
consentimento dclla, ou já para os dissipar em dissoluções, ou ainda
mesmo para fazer restituições que lhe são pessoaes. A mulher lam-
bem pecca contra a justiça quando , apezar da opposição de seu
marido , tira quantia consideravel dos bens do casal, ou das rendas
d'aquelles de que não é sephora absoluta , para gastar em cousas
~uperfluas , sejam adornos , moveis ou divertimentos seus ou de seus
filhos. Se a mulher , porem, não tem bens propriamente seus, pode
tirar dos bens do casal o necessario, para dar esmolas moderadas a
seus pais, irmãos , ou parentes pobres.
Tambem se consideram culpados do mesmo peccado aquelles que,
exercendo cargos particulares ou publicos , fazem pouco caso das
suas obrigações, sem deixarem de gozar os emolumentos, devidos ao
desempenho .desses mesmos cargos.
Podem-se . t.ambem tirar bens alheios por meio de rapina , isto
e , abertamente e com violencia ; e -neate caso, alem da injustiça, que
é commum a todo o roubo , ha de mais a injuria pessoal , ·que
muda a especie do peccado (1).
Incorre em peccado de rapina aquelle que recusa pagar, em
lodo ou em parte , aos creados ou obreiros , o salario que lhes é

c1) Aliam rntioncm pcccali habet rapina, et aliam fortum ; ergo pro-
pler hoc differunt spccie. D. Th. 2, 2, q. art. 8.

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CATECISMO

devido ; o que é grande peccado diante de Deus : Sabei, diz o Apo 4


_

tolo S. Thiago , que o salario que tiraes aos lraballiadorcs, que cei...
[aram vossos campos, clama contra vós , e suas _ queixas ferem
os ouvidos do Deus dos Exercitas (1). Aquelles que na administra-
ção das rendas publicas cornmellem erros d'officio , que exigem o
_que lhes não é devido , ou releem para si , ou para seus amigos ,
uma parte do _que deve entrar nos cofres do Estado ; aqnelles que
-emprestam com juro exorbitante, e arruinam _os pobres com usuras ;
os juízes que se deixam peitar com presentes, e fazem perder ás pes-
soas pobres as cansas mais justas ; o-s que enganam seus credores,
e negam suas dividas , ou que , tendo ajustado tempo para pagar,
compram mercadorias a credito, ou com abono d'outros , e não pa-
gam; todos estes , digo , são culpados de rapina. ·
Tambem o são , ao menos em parle , aquelles que exigem com
dureza o que leem emprestado , quando seus devedores estam na
impossibilidade de satisfazer , e que chegam a fazer peQhora , con-
tra a prohibição -de Deus , em objeclos - <la primeira necessidade.
Se o vosso proximo, diz o Senhor, vos deu em penltor a. aua co-
bertura , torna,i-Wa a dar , antes que se ponha o sol , porque elle
não tem out1 a cousa co1n que se cubra , nem onde possa repousar ;
se elle me chamar , eu ·a ouvirei , porque sou misericordioso (2).
E' pois com _rasão que se tem· em conla de rapina a dureza d' esta
especie de credore~. São lambem rapinadores • na opinião dos Pa-
<lres da Igreja, os que em tempo de carestia escondem o pão, e ou-
tros comestiveis necessarios á vida , para lhes fazerem o preço aug-
mentando a miseria publica. Sobre elles cae esta maldição : O que
occulta o pão será maldito do povo (3). Em fim não se esqueçam
os Fieis que todos os subdilos são obrigados de jusliça a con-
tribuir , segundo as suas posses , para· as tlcspesas <lo eslado ; pelo

(1) Jacob, V, 1.
('2) Exod. X Xll . 25.
(3) Prov. X 1 , 26.

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DE PERSEVERANÇA.

que é seu dever pagar os imposlos direclos ou indirectos, como es-


lam estabelecidos.
Em Hm , tambem se tira o alheio por fraude, isto é, enganan-
do ; como succede quando se vendem por boas, e · sem diminuição de
preço, fazendas estragadas ou falsificadas , ou quando se empregam
medidas ou pesos falsos. Não ba qualidade d'aslucia que a cobiça
não empregue para se enriquecer. Por isso se dtz que certos mer-
cadores leem tres medidas: uma mais pequena ,para vender , outra ,
grande para comprar, e outra justa para mostrar aos , verificadores.
Mas se conseguem enganar os homens , lembrem-se que não eriga-
nam a Deus , áquelle Deus de toda a justiça, que diz na Escriplu-
.ra : Nllo tenhaes dous pesos dilfe1·entes ; as vossas balanças , os -vos-
sos pesos e medidas sejam justas, porque o peso dissimulado é abo- -
minação•aos olhos de Daus , e a balança enganosa é iniquidade (1 ).
ü.º Enormidade d'este peccado. O roubo é grande peccado ,
porque é opposto a todas as leis naturaes , divinas e humanas. E'
opposlo á lei natural , que prohibe não façamos aos outros o que
não queremos que nos façam. Ora, ninguem soffre volunlariamenle
quo se lhe tirem ou relenham seus bens , contra sua vontade. E'
opposlo á Lei divina, que diz : 1Vão furtarás (2) , e que ameaça
com o inferno aquelles que se tornam réos d'este crime : Nem os
avarentos , <liz o Apostolo S. Paulo, nem os maldizentes, nem os
que roubam o a.llteio , possuirão o Reino de Deus (3). E' opposlo
á lei humana , que , entre todos os povos do mundo , pune os la-
drões com terríveis castigos, e algumas vezes com a morte. E assim
é justo que sPja , porque é necessarin que cada um possua pacifica-
mente Ó que lhe pertence ; ·d' outra sorte toda a sociedade se tor-
naria impossivel. As desgraradas consequencias <l'este _peccado são
ainda uma P"º'"ª da sua enornmlade , e do horror que deve inspi-

d) Dcut II. õ, 13; Lcvit. XIX, 35-; -Pro\'. XX, 23.


'2)
1 Exod. XX.
13) Cor. VI, 10,

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3õ8 CATECISMO

rar-nos. E' elle causa de mil juisos temerarios , d'odios e inimisa-


des , d'assassinatos e ruínas.
Todavia, nem sempre é o roubo peccado mortal , pois admille
parvidade de maleria. l\f as que valor é preciso para que o roubo
chegue a ser peccado mortal'~ ~lalbemalicamente não se póde de-
terminar ; e ·por i5so não concordam os doutores n'este ponto. Uns
leem que o valor correspondente ao jornal diario do obreiro , que
ganha o que lhe é necessario para o seu sustento , basta para cons-
tituir peccado mortal. Outros , e são a maior parle dos antigos ,
ensinam que o valor de quinhentos reis é materia grave em si mesma,
seja qual for a pessoa , rica ou pobre , a quem se faz o roubo.
Hoje , porem , vista a depreciação da moerla, é evidente que se
requer maior valor (1).
Accrescentaremos que o roubo deve tambem ser classificado de
r-eccado mortal, toda a vez que o dono fica grave e rasoavelmente
offendido , inda que não seja pelo valor do objecto roubado , mas
pelo prejuiso que teve em o perder ; como por exemplo, se se rou-
basse a um obreiro um instrumento de pouco valor, sem o qual to-
davia não podesse trabalhar; pelo que lhe resultasse preju1so nolaveL
N'este caso ha obrigação não só de lhe resliluir o instru menlo, mas
lambem de o inélenrnisar das perdas que leve, se foram previstas (2).
Aquelle que faz cérto numero de pequenos roubos successivamente,
á mesma ou ditferentes pessoas , com intenção de se enriquecer , .e
chegar por esle modo a quantia consideravel , pecca rnorlalmenle em
cada pequeno roubo que· faz ; porque então , cada vez que rouba ,
renova e executa uma intenção grandemente culpavel (3).
6. º Restituição. A obrigação de resliluir pro·va lambem a enor-
midade do roubo. Para obter .a remissão d'outros peccados basta con-
fessai-os , arrependendo-se e emendando-se ; ao passo que o peccado .

(1) Theol. mora 1, l. 1 , p. 494.


(2) Thcol. moral , t. 1 , p. iUí. -- lbiJ.
(3) Thcol. moral, t. 1 , p. 494. - lbid.

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DE PERSEVERANÇA. 359
de roubo não tem remissão , a menos que se não restitua o roubado.
D'aqui vem o dilo de S. Agostinho, hoje axioma de direito publico:
O roubo não tem remissão , a menos que se não restitua , podendo,
a cousa roubada (1). Ora, quanta difficuldade terá em restituir um
homem, que se enriqueceu com os bens alheios! Qualquer o pódo
imaginar ; e qualquer tambem o poderá julgar, pelas pa1avras do
propheta Habacuc : Desgraçado d'aquelle, que ajunta bens que lhe
não pertencem , e que continuamente se encrusta de espesso lodo (2).
Espesso lodo chama o propheta á posse rlos bens alheios, para signi-
ficar quanto é difficil Jargal-os e restiluil-os; e todavia a restituição
é d'absoluta necessidade. Vejamos, pois , quaes os quP são obriga-
dos restituir.
E' certo que todos aquelles, que concorrem efficazmente para o
roubo, ou cooperam com culpa grave . para o damno do proxuno,
são obrigados· á restituição. Pelo que, deve restituir 1..º aquelle que
. manda roubar, 2. º o que 1 não tendo bastante auctoridade para man-
tlar, aconselha ; 3. º o que consente no roubo , e sem cujo consen-
timento não leria effeito: por exemplo, o juiz . que dá o seu volo ,
para fazer perder a causa á parle que trnha o direito; 4.º os que
encobrem , isto é , os que releem ou vendem cousas roubadas , e
ainda os que dão abrigo ou protecção aos ladrões, 5.º os que par-
ticipam do roubo ; que são primeiro, os que leem parle no despojo ou
se approveilam do prejuiso ; e em segundo lugar, os que teem parle
no crime , ajudando a commellel-o , como os que ·sustentam a es-
cada a um ladrão , que lhe abrem a porta , que lhe fornecem cha-
ves falsas, que vigiam em quanto elle executa o roubo; ou o acom-
panham para o animar ; e lambem os que desviam as pessoas, que
querem impedir o roubo; 6.º os que , sendo obrigados por justiça,
e em virtude do seu cargo ou emprego , a vigiar pela conservação

(1) Noo remillitur peccatum nisi resliLualur ablatum, cum rrstilui


potest. Episl. 153.
(2) Babac. I , õ. •

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360 t.:ATECISl\IO

dos bens publicos ou particulares, se calam , ·quando fallando , ou


advertindo, podiam impedir o roubo, ou o damno ; o mesmo se diz dos
que, podendo, se não oppoem a elle ; e dos que não descobrem o mal.-
feitor que se obrigaria a restituir se fosse conhecido.
D'est'arle os magistrados, que não estorvam quanto podem os
roubos, as rapinas , as concussões, os monopolios ; e bem assim os
maridos , pais e amos , que sabem que suas mu1heres , fiJhos
ou servos, roubam ou querem roubar , e lhes não resistem • nem
dissuadem , nem reprehendem ; os servos que -consentem que se rou-
, be a fazenda de seus amos , que os não advertem do prejuiso ·que
se lhes causa , ou se lhes vai causar ; o guarda que deixa estragar
as ''inhas pu as arvores : o cajxeiro d'um escriplorio <le cobrança ,
que deixa passar os mercadores sem pagar os impostos que devem ;
o pastor, que não guarda o rebanho das cearas; a testemunha, que sen-
do juridicamente interrogada pelo juiz, não quer declarar a verdade;
são todos obrigados á restituição.
Eis como a Lei de Deus persegue a injustiça em todos os seus
tramites , e exige a reparaç.ão d' elia , de qualquer maneira com ...
mellida ; prescrevendo, alem d;isso, a ordem porque se deve res-
tituir. O detentor injusto da roasa roubada é o primeiro obrigado á
restituição. - Este pode ser , ou a mesma pessoa que roubou , ou
seu herdeiro , ou uma terceira pessoa. O · herdeiro é obrigado a
restituir, os bens adquiridos por fraude, usura , ou roubo , que se
acham ·na herança. Se o detentor não restitue, é obrigado a fazei-o
o que ord.enou o roubo ; se este' não restituir, pertence ao qne o
executou ; e se este lambem não restituir , recabe a obrigação em
todos ·os cooperadores.
A' pessoa roubada , ou a seus herdeiros, deve ser feita a rcstí. .
Lnição ; é não aos pobres ou á Igreja ; porque não é pcrmillido fa-
zer esmolas dos bens alheios. A resliluição deve fazer-se o mais
breve possivel , porque d' outra sorte continua-se a violar o seplimo
inandamento, e se se trata de restituição importante, ''ive-se em es-
tado de pcccado mortal. l\Icnos que não haja impossibilidade real ,
não é perrnitlido deixar esle cuidado a seus herdeiros ; pois por
uma parte-, nem sempre cumprem fielmente a vontade dos moribun-
dos ; por outra parle , expoem-se a causai· ao proximo novo pre-

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DE PERSEVERANÇA. 361
juiso grave , retendo mais ou menos tempo o que lhe perlence. De-
mais, não é raro serem os testamentos annullados por falta de for-
malidades. Se se tem feilo mal a um certo numero de pessoas do
mesmo lugar, sem se saber quem são , deve restituir-se aos pobres
desse mesmo lugar. O que vendeu com pesos ou medidas falsas, a
quem vinha comprar á sua loja , deve : se ainda conserva o negocio,
vender as suas mercadorias por menos do que valem , durante o
tempo que for preciso , para reparar as fraudes commellidas; e se já
deixou a negociação , deve restituir aos pobres do lugar , aonde se
fez a injustiça (1 ).
Se é impossivel restituir áquelles, a quem se deve, seja em
rasão da distancia dos lugares , seja porque se não conhecem essas
pessoas , em tal caso se ha<le restituir em boas obras. Os que não
podem restituir, devem ter vontade de o fazer , logo que possam ;
e se morrem antes de ter podido pagar , Deus se contentará com a
stta boa vontade, porque elle não manda cousas fmpossiveis. Quan-
do alguem leme diffamar-se , reslituintlo , deve pedir ao seu confes-
sor, ou a outra qualquer pessoa prudente, que se encarregue de o fa-
zer. Vede como Deus nos ama, e que cuidado .lhe dão ainda mesmo
os nossos bens temporaes !
Que é o que se deve restituir? Devem restituir-se os bens
alheios _, e reparar o damno causado. Ora, o proximo possue qua-
tro qualidades de bens : os bens da alma , os bens do corpo , os
bens da hoora e os bens da fortuna. Se se roubou ao proximo os
., bens da alma , fosse por máos conselhos ou por máos exemplos ,
deve indemuisar-se com outros bens espirituaes , por meio de bons
exemplos, bons conselhos e orações. Já fallamos d' este genero de
restituiç-ão , quando tratamos do escandalo. Se se arruinou o pro-
ximo nos bens do corpo , por meio de ferimentos , pela morte ou
qualquer outro peccado , ha obrigação de reparar lodos os prejuisos

["I) Theol. moral, l. 1, p. ;>19 .


i6 V

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Ci TECISMO

que (rahi resultaram. Se se defraudaram os bens da honra, isto é,


à reputação do proximo, ha obrigação , como logo diremos, de re-
parar a honra do pro"<imo, e os damnos maleriaes que por isso tem.
Os bens da fortuna taes como dinheiro , gados, e propriedades em
geral , devem ser restituidos iais como foram roubados, podendo ser,
e não poden lo. dar-se-ha o valor d'ellcs ; alem d'isso, devem res-
tituir-s~ os. damnos causados • e em fim os fruclos que o objerto
roubado teria podido produzir, Ludo a juiso d'homens rectos e es-
clarecidos. .
Tantos cuidados não bastam á terna sollicitude de nosso Pai
Celeste : ao septimo mandamento accrescenla elle o decimo. Este
reguh os nossos pensamentos ; aquelle , as nossas acções relativa-
mente á justiça ; e ambos constituem uma legislação perfeita.
O decimo mandamento nos prohibe, pois , o cubiç.ar os bens ,
do proximo , seja qaal for a sua natureza 1 como o ouro: a prata,
os vestidos , os fructos 1 os gados , os campos , as vinh~s e as casas.
Aquelle- que desejar ter estes bens, no todo ou em parle, por meios
injustos, será em seu coração culpado de roubo, e de peccado mor-
tal , se o. objecto do seu desejo é consideravel ; só não é obrigado
á restituição ·, porque não commetteu o roubo realmente. A pri-
meira vantagem d'este mandamento , é. prescrever o verdadeiro meio
fie guardar o_ septimo. E', com efTeito. , do desejo_ .que procede á
acção. Aquelle · que tiver cuidado de suffocar em seu coração o
desejo do alheio , não causará jámais prejuiso ao proximo.
A segunda vantagem , é fazer-nos praticar a justiça pel'feila ,
ensinando-nos que .os actos exteriores não bastam para cumprir a Lei
Divina ; mas que são necessaiios os sentimentos interiores do coração.
Eis o que constitue a grande superi(lridade da tei de Deus sobre as
leis humanas.
A terceira nrntagem é mostrar-nos a ·infinita bondade de Deus
para comnosco. Podia esta ir mais longe? . O septimo mandamen-
to protege nossos bens dos insultos e violencias dos- estranhos;
o decimo, defendo-nos contra nós mesmos e contra nossos · appetiles
desregrados , qrre nos seriam funestos, se nos fosse permitlido desejar
impunemenle tudo o que quizessemos. Por esta probibição,-que Deus
nos faz , de nos enlregar-mos á cubiça , para -assim dizer, embola-se

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OE PEllSEVERANÇA. 363
'o fio das paixões , que nos excitam a toda a casta de iniquidade.
, D'aqui resu1ta outra vantagem : livres elas perseguições importunas
da cubiça , podemos com mais tlescanço e facilidade occupar-nos dos
bens reaes, e cumprir os deveres im.portantes que a Religião nos
prescreve.
Em summa , suffocar no coração do homem o desejo desregrado
das cousas terrenas; impedil-o, por consequencia, de se avillar e tornar
<lesgraçado; preservar a soc'iedade das injustiças , fraudes , e males
incalculaveis que d'ahi nascem ; em fim, estabelecer a cbaridade e
a jusliça na terra, fazendo-as reinar nas affeições do homem , taes
são as vantagens do septimo e decimo mandamentos; observem-nos
todos , e serão inuteis os carceres e as prisões.
Se, porem, supprimirdes o Decalogo no coração humano , não
haverá mais segurança na sociedade , nem· confiança nos contractos ;
mas apenas haverá transacções forçadas. Em vão tereis , para
proteger vossas fortunas , os mil artigos do codigo; inuteis obstacu-
ios ! A má fé, o dolo , as astucias de todo o genero, não acharão
meios d'illudir as vossas leis ? Demais , quantas injustiças , ccn-
cussões e fraudes occultas ha , que as vossas leis não podem 1r;~ ­
pedir ! Que são , dizei-me , a maior parle dessas fortunas escanda ..
losas, hoje lam communs , que se levantam como por encanto ? se-
não a amarga irrisão das vossas leis , - a prova da _sua i-mpotencia ,
e a proclamação d'esta verdade , tam antiga como o mundo : Mo
ha probidade fora da Lei de Deus.
Ha ahi hoje sim. milhares de ll'is ; mas acaso hotne já secu!o
em que se commeltessem mais injustiças? houve já tempo em que
mais alta e continuadamente se clamasse contra a má fé? Não sr:
pode 'a gente fiar em ninguem : eis o dilo vulgar dos nossos dj2s :
E porque ? porque desconheceis uma lei, uma só lei , uma lei sem
a qual as vossas , sustentadas pelos vossos soldados , carceres e a! ·-
gozes, não c,onseguem proteger a vossa f orluna. Não vos queixei ~ ,
pois, se não observais a unica lei, que póde fazer cessar as vossõl.s
queixas, a Lei Divina, protectora dos interesses e das fortunas,
Bem sei que reclamais dos outros o exacto cumprimento d'esla Lei ~
mas se quereis obtel-o, começai por dar o exemplo. Ueveis sust(ln-·
lar esta lei , isto é , o septimo e der.imo preceito do Deca1ogo, come

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364 CATF.CISMO

suslentacuJo das vossas propriedades: é uma questão de vida ou de morte


pàra ellas. ·
A cubiça , causa de todas as injustiças, é de si mesma o maior
obstaculo á restituição. Escravos infelizes d'esla cega paixão, ouvi
o que hão-de dizer aquelles , por quem tereis sacrificado a alma ,
amontoando riquezas para lhes deixar.
Um homem mui rico, que devia parle da sua fortuna a iniqui-
dades e injustiças, achava-se perigosamente enfermo. Sabia elle
que ja suas chagas começavam a gangrenar-se, e com Ludo não se
decidia a restituir. Todas as vezes , que se lhe. fallava em resti-
tuição, respondia : Que será de meus fi~lws ? ficarão reduzidos á mi-
seria. Constou esta resposta a um ecclesiaslico. Se alguem , disse
elle, lhe annunciasse que eu lenho um· exce11enle remediu para sus-
pender a gangrena , pediria que o fosse ver , e o obrigaria a res-
tituir. Apressaram-se em dar esta nova ao enfermo , o qual man-
dou supplicar ao ecclesiastico, que viesse 11nanlo antes. Nfio tardou
em vir, e foi muito bem acolhido. O remedio é infallivel , diss_e o
Padre , é simples e nada vos fará soffrer ; mas é caro ~ muito caro
- Inda que custe dous mil ou mesmo dez mil francos , não im-
porta , disse o enfermo ; em que consiste esse remedio? - Consiste
unicamente em fazer derreter, sobre os lugares gangrenados, a gore.lu-
ra d'uma pessoa viva e de boa saude, não é preciso que seja por
muito tempo. Se achardes alguem, que, por dez mil francos, queira
deixar arder uma das mãos por um quarto d'bora, é quanto basta. 1

Ah ! disse o doente, eu temo que ninguem queira.


Tranquilizai-vos , disse o ecclesiastico ; vós não conheceis a de-
dicação, que vossos filhos terão por um pa~, q11e lhe deixa tantas
riquezas. :Mandai chamar vosso lilho mais velho, elle ama-vos mui-
to , e dev~ ser o rnsso herdeiro ; dizei-lhe : Tu pódes salvar a vitla
a leu pai , se deixares queimar uma de tuas mãos, para me sarar ;
E' natural que elle aceite. Se porem recusar , proponde o mesmo
<lO segundo , prometlendo fazei-o vosso herdeiso ; e se este recusar,
o terceiro aceitará sem duvida , para ficar com a herança. Chama-
ram os lrPs filhos ; um por um , · e lhe ·foram fazendo a proposta ;
mas todos a rejeitaram. Meu pai não pensa no que -pede , diziam
dles uns para os outros, retirando-se d'elle_ - Eu não entendo isto,

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DE PERSEVERA~ÇA.

üisse então o Padre ao enfermo , só entendo que sereis hem· insen-


sato em consentir na desgraça de vosso corpo e alma , e em ser
atormentado no fogo do inferno , por amor de. filhos, que não que-
rem , para sarar-vos e para salvar a vossa vida, soffrer o tormento
do fogo da terra por espaço d'um quarto d'hora. Tendes rasão ,
respont.leu ·o doente , abristes-me o~ olhos, mandae-me chamar o ta-
bellião : e em quanlo elle não chega ouvi-me de confissão. E de
concerto com o confessor , tomou os meios de reparar , da maneira
que pôde, as suas injustiças , sem que o estorvasse a lembrança do
que seria de seus filhos.

O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças pelo
muito cuidado que tomastes, em proteger os nossos bens temporaes,
tirai do meu coração todo o desejo desregra~o das cousas da
terra.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus , e, em testemunho d'esle
a mor , dare.i esmola todas as vezes que puder.

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LJV.ª LIÇÃO.

DE NOSSA UNIÁO COM O NOVO ADAM , PELA


CHARIDADE.

Oitavo mandamento. - Vantagem social d'este mandamenlo. - Seu objec-


to. - O que prohibe; falso t~stemueho-, mentira = - Passagem histo-
rica. - Ma lediceocia , calomo1a , susurração , palavras injuriosas, vio-
lação dos segredos, joisos temcraraos. - O Decalogo e a sociedade
actual.

1.º VANTAGEM social do oitavo mandamento. O dom da palana foi


o mais precioso que Deus fez ao homem. Pela palana nos d1slin-
guimos essencialmente dos brulos ;. por ella publicamos os louvon•s
e a gloria do , Crcador ; por l-'lla conlrahirnos e man lemos as ta m
uteis e suaves relações que fazem a gloria do genero humano e a
felicidade das familias. Taes são os nobres fins parn que Deus do-
tou o homem da palavra (1). Mas depois do peecado do primeiro -
Adam, que abuso se não faz d'esle dom divino' A lingua é o ins-
trumento principal da maior parle das iniquidadPs , que maculam a
terra e arruinam a sociedade. E' por ella que o homem blasphe-
ma do seu C.reador ; espalha entre os seus similhanles o erro , a

(1; Jacoh, III, 2.

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UE/ PERSEVEllANÇA -367
impiedade, a devassidão , os odios , as dissensões e todas as desor-
dens , que fazem da vida da terra um prol ougado supplicio.
Para remediar tantos males , reslituinllo a palavra ao seu uso
primitivo, prescreveu Deus o oitavo mandamento. Acções de gra-
ças vos sejam dadas , ó Deus Salvador do homem , por este novo
beneficio ! Por este salutar p~eceito protege Deus nossa honra e fa-
ma , que são bens muitas vezes mais preciosos que a vida, bens
cuja perda envenena talvez lodos os gozos · da terra , e faz que as
dignidades , a fortuna , o talento mesmo se convertam em novo peso
de desgraça. Para isto desterra Deus da sociedade a desconfiança,
a dissimulação , a hypocrisia, a mentira que , quando predominam, ~
estabelecem entre os homens uma tal confusão , que apenas se ditfe-
rençam de demonios ; para isto emfim restabelece Deus a verdade ,
a .confiança intima , a boa fé, que fazem da terra um anticipado
paraiso. D'esta sorte , ó bondade verdadeiramente paternal ! não ha
um só bem , um só interesse que Deus não defenda pelo es-
cudo sagrado da sua lei ! Onde se encontrará um codigo de moral
mais completo, - sabio e benificente?
~.º Seu objecto. O oitavo mandamento diz assim: Não levan-
tarás falsos teslemiinltos (1 ). Posto que só se nomeie o falso tes-
temunho, é certo qre se prohibe aqui tudo que a eJle nos conduz.
Isto mesmo temos notado nos mandamentos precedentes, em que Deus,
se bem exprime só o peccado principal que lhes é opposto nem por
isso deixa de prohibir menos tudo aquillo que se encaminha ao pec- -
cado mesmo. O oitavo preceito , pois, prohibe todas as injustiças,
que podem fazer-se ao proximo pela palavra e pelo pensamento ;
por que o pensamento é a palavra interior, segundo o Prophela
rei C2}. D'onde se segue que não só o fals~ testemunho nos é pro-
hibiclu neste preceito , mas lambem· a maledicencia , a calumnia , a

(1) Non loque ris contra proximum tu um falsum lcstirnonium. Exod.


XX, 16.
(2) Qui loqu_iltH' \·crila\em in corde suo. Pse1l. XIV.

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368 . CATECISMO
/-

mentira , a susurração , a conlumelia , chufas • zombarias ,


lisonjas, juisos temerarios e emfim toda a palavra e pensamento' que
possa offender a justiça e charidade devida ao proximo. Aprenda-
mos a conhecer bem os principaes peccados, que se oppoem ao oita-
vo mandamento , e tratemos de lhes conceber todo o horror que me-
recem.
O falso testemunho. Entende-se por falso testemunho o depoi-
mentó dado em JUiso contra a verdade , apos de haYer prestado o
juramento, que se costuma exigir das testemunhas. Deus foi quem
estabeleceu os juizes, para terminar as contendas ; por isso teem di-
reito de citar para alli as testemuhas e interrogai-as ; e ellas , o
dever de comparecer e responder , segundo a verdade, ás pergun-
tas que lhes fazem. Devem pois dizer a verdade, toda a 'Verdade,
nada mais do que a verdade , sem attender ao interesse de seus pa-
rentes , nem ao seu proprio ; e inco1-rem em pec cado mortal, se assim
o não fizêrem. Diz S. Thomaz que a testemunha falsa commelle
tres' peccados mortaes : o perjurio , por que mente depois de ter '
jurado dizer a verdade ; a injustiça , porque prejudica ao proximo , ,,
a quem deye charidade e justiça; a calumnia, porque · assegura ou
nega uma cousa contra a ver<lade que conhece (1 ). De mais, a falsa
lestemunha pecca contra tres qualidad~s de pessoas : coutra Deus,
cuja presença despreza ,- tomando-o por testemunha da fa1sidade ; con-
. tra o juiz, a quem insu1ta, enganando-o com mentiras; conlra a
parle cont~aria , que procura fazer condemnar injustamente. Por isso
tem Deus em tanto horror o falso te3lemunbo. Ha seis cousas, nos
diz a Escriptura , que o Senhor detesta, uma deltas é e falso tes-
temunho (2). Por isso d testemunha falsa perecerá (3). Querendo
acabar para sempre com este crime abominavel, lam funesto á soci-
edade , excommungou a Igreja as testemunhas falsas , e as leis ci-

(1) ~- ' 2, q. 70, arl.".i.


[!t Prov. VI.
(3) Prov. XX 1.

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DE · P~RSEVEBANÇA. 369
\'is lhes impoem as mais graves penas. Houve tempo que tinham
pena de morte (1 ).
A testemunha falsa é obrigada a reparar todo o damno, que ma-
liciosamente causou ao prox1mo, e até a retractar-se, com perigo
tle sua propria vida , se a reparação não póde fa~er-se por outro
modo , ou não ha -probabilidade de ser o accusado absolvido , e sua
innocencia reconhecida , por que , em egualdade de circumstancias,_,
a condição do innocente prefer~ á do culpado. O que dizemos da
testemunha falsa lambem é applicavel ao que cooperou efficazmente
en1 prejudicar ao proximo, induzindo alguem a jurar falso. Em
geral , as testemunhas , que forem ciladas a juiso , são obrigadas a
comparecer ; se recusam , são culpaveis, mas parece que não eslam
-obrigadas a reparar o damno que d'ahi resulta ás partes. São dis-
pensados de depor : 1. º os confessores ; 2. º os ascendentes , descen-
dentes , irmãos , e ir~ãs dos reos , bem como os affin~ nos mesmos
graos ; 3. º as pessoas que por sua occupação são depositarias de se-
gredos, como os medico~ , pharrnaceuticos , parteiras , advogados e
J • conselheiros , que souberam confidencialmente os segredos dos cul-
pados ; os Bispós e Parochos , no que respeita ás revelações que lhes
fazem no exercicio e em virtude do seu ministerio ; 5. º os que,
explicitamente , promet.teram mais ou menos segredo aos culpados,
que lhe pediram conselho.
Se a oienlira e o perjurio são prohibidos ás testemunhas, não
·o são menos aos accusadores , accusados , advogados , -procurado-
res , e em geral a todos. aquelles que tomam parte na processo.
D'est'arle , os juizes , que dão sentença contraria á justiça, são gra-
vemente culpados perante Deus, e ficam responsaveis do prejuiso
que d'ahi resulta. Isto mesmo succede se- retardam , sem motivo
justificado , a conclusão do processo sufficientemente rnstruido. Da
mesma sorte, se os advogados se encarregam de causas, que repu-

[1) Edito de Francisco 1-ª, 1031.


47 V

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370 CATECIS!IO

ta m inj uslas , são obrigados , na falla do cliente , a reparar lodo o


damno que cauzam á parle contraria ; e o mesmo é se, por ignoran-
cia , negligencia , infidelidade ou demora gravemente culpa veis, per-
dem as causas justas, de que se encarregaram ; e devem intlernni-
sar o seu cliente por perdas e damnos. Por quantos modos protege
Deus a . innocencia, ainda mesmo no tribunal dos homens l
Jl mentira. E' este um vicio dos mais odiosos e infames ; e
dos que maiores males causam aos homens. Mentir é dizer o con-
trario do que pensamos , com intenção de enganar ao proximo (1 ).
Mente-se por palavra , por escripto , por gestos' e acções. Ha tres
qualidades de mentira : a jocosa , que se diz por divertimento ;
como se fosse licito ao chrislão divertir-se com cousas que, offendem
a seu Pai Celeste ! a officiosa , que se diz para fazet bem ao pro-
ximo , ou para impedir que lhe succeda mal ; e . a perniciosa ,
que se diz com designio de causar damno. Todas elJas são pecca-
do. Nunca é pcrmiltido mentir, ainda quando fosse para evitar a
morte e os tormentos ; salvar a ''ida , honra ou fazenda propria ou
alheia; livrar ao innocenle injustamente accusado, ou mesmo pro- · .
·curar a salvação do proximo. E' cgualmenle prohibido usar dissi-
mulação propriamente dita , que , per si mesma, tende directamenlc
a enganar; porque mentir por acção não é menos culpavel que men-
tir fallando.
Mas como faremos quando , sendo interrogados , nos ,·ernos em
apuros? Podemos deitar de dizer a verdad~ que nos pergunlam , ·
mas não desmenlil-a, nem negai-a ; lambem podemos desviar a altenção
do que pergunta para outra cousa, e se elle se enganar por sua im-
prudencia , e der falso senlido ás nossas palavras , não estamos
obrigados a desenganai-o'. Alem cl'isto , é permiltido servir-nos de
certas expressões que, não sendo lilleralmente verdadeiras, não são
comtudo mentirosas , porque o sentido d~llas facilmente se enten-

l1] Non dubilal mentiri eum qui voleos falsum eounLiat causa fal-
lcndi. S. Aug. De lJJendac. e. ~.

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DE PERSEVERANÇA. 371
de. Assim, pot· exemplo, quando um pobre pede esmolla , e lhe
dizeis que não lencle3' que lhe dar, posto que lenhaes na realidade,
não menlis ; porque o mendigo facilmente entende, que não tendes
que lhe possaes dar. Em fim , aquelle que sabe alguma cousa de-
baixo rle segredo , póde dizer que a ignora , como Nosso Senhor
mesmo diz a seus discipulos , a respeito do juiso final : Ninguem
sabe o dia nem a hora.
Para ter á mentira o horror que ella merece , façamos as con-
siderações seguintes: 1.º E' abusar do mais bello dom de Deus ;
porque a palavra não _nos foi dada senão para manifestar-mos os
nossos pensamentos , e não para enganar nns aos outros. Logo é
peccado ir contra esta iolenção do Creador, e fazer da palavra ins-
trumentos de menlua. Demais, foi pela palavra que Deus quiz
manter a sociedade entre os homens ; mas se a sociedade não póde
subsistir sem o commercio da liugua, este necessariamente l'equer
que. o que falia manifeste em ve1'dade o seu pensamento , e que
aquelle a quem se falia o creia ; pois o credito deste não se funda
senão na füle1idade d'aquelle. Ora , admiltida a mentira, como po-
derá um homem acreditar em outro? se o que responde crê que
póde menlir, não hade o outro estar sempre na duvida se e1le men-
te? A mentira deslroe por tanto a sociedade , offende a fé publica,
e avilta a palavra. 2.º A mentira é contra Deus, que é a verda-
de mesma. Toda a mentira é um desmeiltido que se dá a Deus,
que conhl',ce o nosso pensamento. Por isso elle nos diz: Que abo-
mina as bocas mentfrosas (1). · Elle é o Pai da verdade; quando
a dizemos, somos seus filhos ; quando mentimos , apagamos em nós
este augusfo caracter, ficando filhos do demonio , que é o mentiroso
por excellencia , e o pai da mentira. ]?oi elle o que proferi"o a pri-
meira mentira que se disse no mundo (2).

l1] Prov. XII.


f2] Joan. VIII •

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CATECISMO

3.º A meQlira desbonra a pessoa que a diz, pois revela uma


alma pequei;ia , um caracter fraco , e ,·ergonhosos vicios; ella o ex-
põe aos maiores perigos de se perder : porque quem lem o costume
de mentir , mesmo em cousas pequenas , mentirá facilmente nas
mais importantes. Não ha perjuro , nem sacrílego, que não tenha
começado por ser mentiroso. Não se chega de salto a estes crimes ·
enormes ; mas começa-se quasi sempre pela mentira ordinaria. Te-
nhamos pois , d'oravante, grande horror á mentira ; amemos a
verdade , e amemol-a como ao · mesmo Deus , que é a sua origem e
unico principio ; amemol-a mais que a nossos interesses , mais que
parentes e amigos, mais ainda que a propria vicia (1). Para mos-
trar este amor da verdade , imitemos , se for preciso , aquelle santo
Bispo de que fa11a a historia ecclesiastica.
Mandou prender . o imperador l\laximiano a S. Antão , Bispo de
Nicomedia ; e succedendo entrarem os soldados sem o saberem na
casa do venerando · velho , lhe pediram de comer. Recebeu-os o
$anlo com affabilidade , e lhes deu com que matassem a fome.
Acabando de comer, perguntaram-lhe onde poderiam descobrir o Bis-
po Antão. Sou eu , lhes respondeu o Santo , mas os soldados agra-
decidos, disseram-lhe : Não vos prenderemos; diremos antes que
vos não achamos. Não . o permilla Deus ! ·tornou o Santo , não va-
des mentir por minha causa ; antes quero mol'l'er que aconselhar-
Yôs um peccado : e logo partiu com elles , para se dar a prisão.
Se a Providencia nos uão pozer a igual pro''ª , imitemos ao menos ,
no curso ordinario da vida, o proceder d' Epaminondas , sabio pa-
gão , e illuslre guerreiro , de quem os mesmos pagãos criam fazer o
mais beflo elogio·, dizendo , que amava tanto a verdade , que nem
zombantlo mentia (2).

[11 Digamos com Cicero : Amicus plato .a scd magis ãmica verilas.
[21 Yeja·se ácerca - Ja menlira , e contra a menlira, os livros de S.
Agostinho ; alc:n- do :seu .Manual a Lourenço.

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373
.
A maledicencia.
DE PEnSErERANÇA •

Maldizer (ou murmurar) é dizer injustamente


mal do proximo na sua ausencia ; porque se a pessoa de quem se
falJa está presente , esle peccado se chama então contumeNa.
Se a pessoa não está culpada do mal de que a accusam , a maledi-
cencia se chama calumnia.
Exagerar o mal que alguem fez é outra especie de calumnia. Se a pes-
soa na verdade é culpada, mas d'um defeito occullo, que a cbaridade de-
via encobrir, o peccado de quem o revela chama-se destrucão. Este
pessimo peccado commelte-se com tanta facilidade que se póde dizer que
não ha outro mais commum. Contam-se seis modos de peccar por este ge-
nero <le inaledicenda : 1. º revelando se.m necessidade os peccados occu1-
tos, que o proximo commellen, ou descobrindo defeitos que não são sa-
bi<los ; 2." interpretando á má parte suas boas acções ; 3. º procli-
r'ando diminuir o merecimento das suas boas qualidades, ou de siias
boas acções; 4.º affirmando que não merece os louvores que lhe
dão , e isto se faz ou mostrando impaciencia quando se ouve lou,-
var alguem , ou sorrindo-se com ironia , acenando á cabeça , ou
fa2.endo qualquer outro gesto por onde se mostre, que se não approva
o que se diz ; 5. º usando de reticencias ; por exemplo , quando,
depois de se haverem louvado as boas qualidades d'úma pessoa, se
accrescenla-: Tudo isto é verdade , mas. . . . se eu qui!!.esse dizer
tudo.... para dar a entender que essa pessoa não é o que se pen-
sa ; 6. º guardando silencio ou abslendo-se de louvai· as boas acções
do proximo , quando cumpria louvai-as ; ou louvando-as tam debil-
mente que é facil aos que ouvem _entender que se tem por pouco
dignas de taes louvores.
São por seü silencio culpados de melediccncia aquelles que,
sendo interrogados acerca da probidade d'uma pessoa, ou <la inle ·
gridade de seus costumes , apezar de o saberem , nada dizem ; ou
aquelles que, ouvindo louvar as acções do proximo, calam-se; dando
a entender com o seu silencio , que o que se diz não é assim , ·ou
conhecem d'aquella pessoa defeitos que devem diminuir a boa opi-
nião que d'ella se forma. Ha outra maneira ainda de offender a re- .
putação do proximo , como é dizer, quando se falla de seus defei-
tos ou vicios : Et11 não me explico mais. Com este artificio faz-se
algumas vezes mais mal á reputação do proximo do que explicanuo-se

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CATECISMO

por inteiro; pois se dá motivo de crer, que se · sabt~ ainda alguma


cousa mais consideravel que se não ouza dizer.
Dtssemos que ha rualidicencia em revelar os v1c1os ou defeitos
occullos do proximo; porque não é culpado de maiedicencia quem
falla de vicios ou desordens já conhecidas dos que ouvem , ou o faz
em lugar onde são publicas ; pois não se arruina então a rnputação
da pessoa de quem se falia, não havendo alias exageração ; mas
pecca-se revelando defeilos occultos , sem motivo legitimo , ainda
que seja a pessoa prudente e a quem se peça segredo.
Todavia , se o que assim obra o não faz com malicia , nem in-
tenção de tlcprimir essa pessoa, e fazei-a perder no conceito d'aquelle
a quem revela defeitos occuJtos , então é muito provavel que. não
peque senão venialmente , ainda que seJa em maleria grave (1).
- E' lambem probibido trazer á memoria um crime, cuja lembran-
ça está apagada no lugar onde foi cornmetlido , e onde o culpado
recuperou a estima de seus palricios , a menos que foliando d'este
crime se não falte da consideração que o tal adquirio depois que
mudou de vitla. E' lambem prohib1do dizer ma) das corporações,
communidades e ainda dos mortos, já por que se deve respeitar a
sua memoria , já por que diffamando-os pode fazer-se mal f\ seus
parentes (2).
Quereis convencer-vos da enorm.ictade da maledicencia '! atlemlei
primeiramente ao qu.e diz o Espirilo Santo a respeito dos maldizentes.
Elle lhes chama a abominarão dos homens, e prohibe a communica-
ção com elles (3). Diz que os dentes dos maldize'1tes são simiitwn-
tes ás frechas , e suas lingaas facas afiadas (4). S. P~ulo declara
que elles tião serão herdeiros do nino de Deus (:S). A maledicen-

t1J S. Alph. lib. III , n. 973.


[2] Theol. moral , t. I , p. l>48.
(3) Prov. XXIV.
(') :P~al. XXXVl.
(5.l li Cor. VI.

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DE PERSEVERANÇA. 375
eia e, com effeito , um roubo que tira ao proximo um bem muito
mais precioso e charo , do que tudo o que póde ser materia do rou-
bo ordinario. No mesmo juiso de Deus, a boa reputação vale mais
que grandes riquezas (1).
Considerai alem disso a maledicencia no seu principio , e vereis
como é infame vicio. Quem é que o inspira ? são as paixões. Diz-
sc mal por interesse , por soberba , por mveja, por odio. Que mo- ·
livc,s mais abjeétos que estes ? E quem poderá dizer as suas con-
sequencias? S. Bernardo , que compára o maldizenle a uma vibora,
diz que com um golpe de l~ngua mala tres pessoas. Mata-se a si
mesmo com o seu peccado; mata aquelle de quem diz mal, seja por
que lhe rouba a sua reputação, que é a sua vida civil, seja por
que o rancor, que lhe excita no coração, lhe faz perder a vida es-
piritual da alma ; emfim, mata aqueHes diante d~ quem diz mal ,
pela parle que tomam ordinariamente na maledicencia (2). Ah ! com
quanta rasão nos prohibe o Espirito San lo que acompanhemos com os
maldizentes (3) !
Ha entretanto c.érlos casos em qu.e é permillido declarar os de-
feilos e vicios do proximo. D'esl'arle póde e deve dizer-se mal
cl'uma pessoa, para bem' d' outra que merece ser preferida. Eis al- -
guns exemplos : não é maled icencia descobrir ao superior as fa1tas
dos seus inferiores , para que lhes dê a correcção, ou evite a desor-
dem que d'ahi póde resullar (i). Não é maled1cencia dizer a ver-
dade a quem -vem tirar informações a respeito d'um domestico , que
quer tomar ao seu serviço ; nem dos trabalhadores, que deseja em-
pregar; nem dos negociantes , que pedem se lhes confiem capitaes;
nem da pessoa ~ que pretende casar com oulra.

{1, Pro,·. XXII.


(2) Bernard ; Serm. XXl V sobre os Caolic, ; e Chrys, llomil. ad pop.
At~tioch.
(3) Prov. XXVI.
c'q Thom. q. !a_.

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Da mesma sorte , não é maledicencia declarar os defeitos occul. .


tos do proximo , se isto se faz só por necessidade, não tendo outros
meios para defender a propria reputação, ou evitar um mal notav~I ;
como quando alguem se não pudesse JUstificar do crime, senão fa-
zendo conhecer que as testemunhas tinham já jurado falso em outra
occasiao. Mas aqui , sobre tudo , é preciso ter grande ·cuidado em
guardar as regras da justiça e da charidade, não dizendo cousa que
não seja verdade, fallando sem exageração , não ajuntando más in-
terpretações , nem misturando alguma intenção má áquella que é
recta , nem dizendo mal senão a seu pezar , e com circumspecção,
e só a pessoas arrasoadas e interessadàs no ponto de que se trata,
e pedindo-lhes segredo. Com que sollicitnde , pois, vigia a Religião
.pela nossa .reputação !
A calumnia. Nem se limita esta soJlicitude só a defender a
nossa reputação contra a maledicencia,' mas lambem contra a ca1um-
nia. A calumnia é o peccado d'aquelle que imputa ao proximo um
mal, de que elle está innocenle. Haverá calumnia quando se allri-
bue ao proximo crimes que não commetteu , ou defeitos que não
tem ; quando se exageram aquelles que tem , quando se negam as
·suas boas qualidades e acções. Todas as leis divinas e humanas se
conjuram para condemnar o calumniador : o mesmo mundo o depn-
me. Seria inutil dizer mais para nos inspirar horror á calumma.
Melhor seria oc.cuparmo-oos do modo, como devemos proceder, quan-
do ouvirmos a maledicencia ou a calumnia, e dos meios de reparar
as suas consequencias , se tivermos a desgraça de cahil· n'este pec-
cado.
Em primeiro lugar, nunca é permrthdo ouvir com prazer a mur--
muração ou a calumnia , e por mais forte rasão peccamos se âpplau-
dimos com palavras ou gestosr -a pessoa qllc murmura ou calumnia.
Quem approva o detraclor exteriormente , d'uma maneira que o ani-
me a continuar em sua maledicencia ou calumnia , fica culpado da
delracção-e conlrahe a obrigação solidaria de reparar o damno feito
ao proximo. Mas não fica obrigado a esta reparação aque1le, quo
escutando com prazer a maledicencia ou calumnia , nada diz que
possa fazer crer que as approva ; então pecca só contra a charidade,
morlalmente sim , sendo em materia grave ; e venialmente , em ma- ·

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DE PERSEVERANÇA.

Leria leve. Cumpre porem advertir, que aquelle , que escuta a ma-
ledicencia, porque ouve com prazer uma cousa nova , sem se regozi•
jar com o preJUiffe!o feito á pessoa de quem lhe faliam, só commette
culpa venial , ainda que a maledicencia seja grave; a menos que
não seja obrigado debaixo de peccado mortal a impedil-a (1). Esta
obrigação respeita aos superiores, lanlo do que murmura como d'a-
quelle de quem se ·murmura, e sobre tudo aos superiores temporae~
obrigados em particular a defender o bem temporal de seus infe-
riores.
Se o que murmura e superior , devemos mostrar-lhe pelo si-
lencio , e modo como o ouvimos, que o seu discurso nos desagrada.(2);
se é igual , devemos habilmente mudar de conversação, ou pedir-lhe
que não continue ; e se podemos, defender o proximo, dando provas
da sua innocencia ; se é inferior, ha obrigação de se lhe impor si-
lenc10.
Em uma palavra , n'essas c1rcumstancias delicadas é preciso
praticar o grande preceito: Fazei aos outros o que quererieis que
vos fizessem. Ora , se eslivessemos ausent.es , não quereriamos que
se defendesse a nossa reputação? O iltustre chanceller d'Inglaterra
Thomaz Moro é um compieto modelo da maneira porque devemos
impedir a detracção. Quando se fallava mal do proximo em sua
presença, tomava logo a palavra , e dizia alegremente : Cada um
diga o que quizer; quanto a mim digo que esla casa está muito bem
feita , ou outra cousa similhante, e ·divertindo assim os detraciores,
cortava a conversação.
Mas sendo a maledicencia e a calumnia um roubo, como são ,
não podemos obter o perdão d'ellas , se não restituirmos o bem que
com ~lias tivermos roubado. Ora, ellas i·oubam a reputação , que
é um bem talvez mais precioso que a vida ; outras vezes cauzam

l 11 S. Alph. Jib. Ili, o. 980.


[2) S. Jeronymo, Carta a Ruslic.
48 V

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378 t:ATECISl\JO

ainda damno real ao proximo. Se se lrnla da reputação , de duas


uma, ou se calumniou ou se publicaram defeitos occultos. Se se calumni·
ou, é preciso desdizer-se o mais cedo possivel, moralmente fallando. Esla
obrigação bem como a de restituir os bens alheios é fundada na jus-
tiça , e não póde ter perdão o peccado sem que ella se cumpra. A
reparação póde fazer-se por estas palavras. Quando disse isto ou
aquillo de F. enganei-me ou faltei erradamente : nada houve d' aqui/lo
que disse. Se só se murmurou, a obrigação é a mesma , mas a diffi-
culdade é muito maior. Com effeito , visto que o mal que se disse
do proximo é verdade, não poderia dizer-se que é falso, que seria
isso mentir. E' preciso pois que o que murmurou use d'uma frase
geral , dizendo que 1~ão se deve crer tudo o· que se diz ; que muitas
ve:.e.r se exageram as cousas; que fez mal em {aliar d'aquella pes-
soa ; que a diffamou injustamente (1 ).
Outras vezes será mais a proposito dizer simplesmente bem
d'aqnella pessoa , sobre tudo quando haja lugar de crer que esta ma-
neira lhe será mais agradavel, ou que o mal que se disse esqueceu,
para não renovar a lembrança do seu defeito. Se a murmuração ou
a calumnia , alem elo damno que fez á reputação do proxirno, lhe
causou outro prejuiso , por exemplo , se lhe fez perder um emprego
ou trabalho , ha obrigação de reparar esse damno (2). Esta ultima
obrigação passa aos herdeiros_do detraclor.
Susurração. - lia ainda outro peccado opposlo , como os pre-
cetlentes, ao oilavo mandamento : é a susurração, a que vulgarmen.le cham
mam mexericos. E' mui grave este peccado. Aquelle que levri e
tra:; mexencos , diz a Escriplura , lança a perturbação· entre os que
-vivimn em ]Jaz , e por isso será maldito (3). E' maior peccado, ajun-

( 1) S. Liguori. .
C2) Si ex lffisionc famffi orlum est altcri damoum -fortuoarum , ut si
pl'ivaLus est officio, cxcidiL spc divitis matrimonii, amisit dotem , etc.,
tunc et fama debcl restitui , ct damnum illud compcnsari , ad arb1lrium
prudcotum , 1ux la spei ~slimationem~ S. Alph. lib. III , n.º Q96.
pn Prov. XXVIII. _

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DE PERSEVERAl'<ÇA.
la S. Thomaz, que a delracção ou a conlumelia , porque um ami-
go va]e mais que a honra (1 ). Incorre-se nesle peccado quando ,
5em Lenção de diffamar alguem , se contam cousas que -podem ar-
ruinar ou a1terar a· aruisade enlre os parentes , a confiança cnlre os
amigos, a subordinação entre os inferiores e superiores. D'ahi nas-
cem as contendas, os odios , as divisões, e um sem numero d'outros
males. D'esl'arle os mexericos , Yerdadeiros ou falsos, mesmo em
maleri'a leve , são morlaes : 1. º quando se fazem com intenção de des-
avir as fami1tas, ou os amigos ; 2. 0 quando, sem tam criminosa
intenção , se prevê d'alguma sorle que produzirão questões, mimi-
zades ou outros m~os effeitos. Tenhamos sempre, pois, grande re-
ceio de meller intrigas ' que possam ter consequencias funestas.
Quando ouvimos dizer alguma palavra contra o proximo devemos suf-
focal-a no peito , e estar certos que nos não hade causar a mor-
te (2).
-Conlumelia. Eis outro pcccado da lingua. Entende-se por con-
lumelia a injuria que se faz ao proximo na sua presença , por pa-
lavra ou por acção. Os escarneos, sarcasmos , chufas, qualifica-
ções odiosas ou ridiculas , são conlumelias. Reprehender alguem das
suas faltas ou peccados occultos é juntamente contumclia e maledi-
cencia. Esle peccado é m<>rtal ou venial , segundo as circumslan-
ciàs ; e obriga alem d'isso a reparar a injuria o mais breve possi-
vel; e se a injuria foi publica, a reparação o deve ser lambem.
Violação dos segredos. Chama-se segredo aquillo que não ésa-
L>ido senão d'uma , duas ou trcs pessoas , .ou ao menos de lam pou-
cas qu~ se não possa chamar cousa notoria. Pecca-se quando se re-
vela o segmlo de proposito deliberado , sem causa l~gilima. Esta
violação póde ·ser mortal ou venial , segundo a imporlancia do se-

[1] Susurratio est majus peccatum quam dclracqo. ct ctiam quam


conlumc\ia ; quia anucus est melior quam honor; el amari mclius est quam
honora~i, ele. 2 • 2, q. 7i, art. 1.
C~) Eccl. XX VJII , 1D .

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380 CATECISMO

gredo. E se d'ahi resultou prejuiso ao prox1mo , ha obrigação ele


o reparar. A Jei do sigillo prohibe lambem extorquir segredos tlos
oulros , e por consequencia lêr cartas alheias , que nos não são di-
rigidas. Não se devem ajuntar e reunir as parle! d'uma carta ras-
gada, para saber o que contem ; emHm,, não é permittido le'r urna
carta aberta , c.1ue cai em nosso poder ; antes a devemos entregar á
pessoa a quem pertence. As circumslancias determinam se laes in-
discripções são mortaes ou veniaes.
Juiso temerario. Não é só a palavra , mas Lambem o pensa-
mento desfavoravcl ao proximo, que se nos prohibe pelo oilavo man.J
damenlo; taes são a duvida, a suspeita , e o juiso temerario. A
duvida consiste em suspender o jmso > a respeito da bondade ou
malicia da :>cção do proximo. A duvida volnnlaria é peccado, por
'llle a charidade e a jusltÇ!l nos obrigam a interpretar favoravelmente
as acções do prnximo , o qual tem dircilo á nossa estima, em quan-
to, o contrario não está sufficientemente pro\'ado. A suspeita é urna
ligeira persuação da malicia do proximo, basearla em leves funda-
mentos. Por causa da imperfeição do acto , a suspeita é ordina-
riamente ''enial. l\las tornar-sc-hia mortal se, por leves apparencias,
se suppuzessem voluolariamenle cousas enormes, taes como o adnl-
terio , o atheismo , a heresia. O juiso temerario é a firme persua-
çüo ou affirmação interior da malicia do proximo , baseada em le-
ves motivos ; por isso se chama lemerario. Para representar o es-
tado do nosso espirilo n'esles differentes actos , pódc-se dizer que ,
na duvida , o nosso espírito é como as balanças , cujas conchas es·
lam em equilibrio ; na suspeita , como a balança, da qual uma con-
cha pende para um lado , mas não intf:iramenle ; no juiso temerario
como a balança , da qual uma das conchas cahe inteiramente para um
lado.
O juiso temorario, assim como a duvida e a suspeita, é oppos-
to á justiça e charidade : á justiça , porque diminue no espirito d'a-
quefle que o fórma a reputação do proximo , o qual tem direito a
que' se julgue bem d'elle, em quanto a sua malicia se não e.lá a co-
nhecer exteriormente por provas cet tas ; á charidade, porque apaga
ou esfria o amor que lodos <levemos ter YUS aos outros. Peccado
mortal de sua naluresa , o j uiso temera rio o é realmente , quando

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DE PERSEVERA.NÇA. :181
ha perfeita adverlencia e inteiro consenlimenlo ; quando a mate.ria
é imporlanle , quando o juiso é formado e feito contra pessoa de-
terminada ; em fim , quando os indil!ios são taín leves, que não póde
fundar-se nelles juiso prudente.
Que paz , que união intima haveria entre os homens, se cada
um , observando conscienciosamente os mandamentos que acabamos
d'explicar , imitasse o exemplo de Santa .Monica ! Refere S. Agos-
tinho que , quando pessoas inimigas lhe diziam d~ambos os lados ,
uma contra a outra , cousas ignominiosas , taes como costuma ins-
pirar o primeiro ímpeto da colera , não dizia a _uma nem a outra
sPnão o que pudesse l'econcilial-as , e nisto trabalhava com gosto.
S. Agostinho, imitador de sua boa mãi ~ linha horror á maledicen-
cia , e isto o levou a mandar escrever em grandes caracteres na sal-
ia em que comia , estes dous ·versos latinos :
Si r1uis amat dictis absentum rotlere vilam ,
Hanc mensam vetitam noverit esse sibi.
(< Se alguern quizer fallar mal dos ausent_es, saiba que esla me-
sa lhe ~ vedada. »
Se acontrcia começar algum dos convidatlos a murmurar, in-
terrompia-os o santo Bispo , dizendo : Lêde aquelles versos; quereis
pôr-me na necessidade de os mandar apagar ? .
Acabamos de explicar os dez preceitos do Decalogo. Por muito
imperfeita que seja a nossa explicação bastará comtudo dizer 1.º para fa-
zer palpavel esta verdade , que cada mandamento de Deus é um be-
neficio , e um benelic!'o absolutamente· gratuito. Pergunto, lyranni-
sando-se os homéns , aborrecendo-se , matando-se , roubando a hon-
ra , a fortuna , a reputação , scrâ Deus por isso menos feliz ? Não,
a folicidade é ess~ncial ao .seu Ser , Elle nada depende de nós ; mas
quiz tomar á sua conta a nossa causa ; quiz proteger os nossos in-
teresses , as nossas pessoas , e não só as nossas, mas as d'aquelles a
quem amamos.
Interpoz Deus a nosso favor a sua auctoridade poderosissima, e disse
aos 1llaos : tudo o que fizerdes ao menor dos meus filhos , cu o to-
marei como feito a mim mesmo; se escapardes ás leis humanas , -
não escapareis á minha justiça. Qne segnranç.a n'esla promrssa !
'llle garanlia da ordem , tla justiç.a , da lealdade , da chandade, da

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CATECISMO

paz entre os homens ! Ah ! para saber tudo o que devemos ao De-


calogo , deveriamos saber quantos pensamentos máos , quantos pro-
jectos de roubos, d'assassiuios e injustiças , ele crimes de Lotla a es-
pecie elle suffoca em um só dia , em tantos imlhares de milhares
d'homens !
A nossa explicação do Decalogo basta 2.º para confundir aquel-
les , que ousam dizer , que a Religião é uma cousa escusada á so-
ciedade ; que que1· se observe quer não , as cousas do mundo nem
por isso melhoram nem peioram. O' homens sem reflexão ! que go-
zaes dos bencficios do Christianismo • sem lhes reconhecer a causa ,
vede , eu vol-o peço , se podeis passar sem o Decalogo , e logo sa-
bereis se a Religião é escusada para a sociedade.
Imaginai que supprimis o Decalogo, e que de Deus não fica para
os homens mais que uma palavra , de que se poderá .zombar im-
punemente; e eis todas as paixões sem freio , porque não haverá
então vicio nem virtude·: eis a guerra de todos contra todos.
Supprirni o Decalogo , e a familia fica sem base ; a mulher tor-
na-se escrava , e o filho vi eli ~a , porque o pai será um despota in-
constante e brutal.
Supprimi o Decalogo, e dissolvcr-se-ha a sociedade. A força será
a lei suprema : eis o despotismo, a escravidão e a anarchia.
Supprimi o Decalogo , e eis a vossa vjda e a vossa honra, a vida
e a honra de vossas mulheres e filhos, a vossa fortuna e repula-
\ ção, á mercê do assassino, do corruplor, do ladrão, e do calumni3:-
dor, assás destros ou fortes para escapar á calceta ou ao carrasco :
e quantos escapam !
Não digaes pois que passareis bem sem o Decalogo. Que é o que
podeis substituir a uma lei que , apoderando-se das consciencias, vai
sustar e suffocar o crim_e até no seu germen , no desejo e no pen-
samento~ A instrucção? Mas isso não é o que nos falla. Diz-se
que se sabe mais agora aos quatorze annos do que se sabia anti-
gamente aos vmte e cinco; e é por isso f1Ue se chama ao nosso se-
culo o seculo das luzes ; todavia' se os factos provam ainda alguma
cousa , é uma evidente verdade que a instrucção sem a Religião ,
que hoje ~e vende por toda a parle, só tem resolvido um unico
problema ; mas, cumpre dizei-o , tem-no resolvido com uma per-

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DE PERSEV'RRANÇ·A. 383
feição de desesperar , que é o corromper o mais possivel n'um tem-
po <leterminado. A rnstrucção? ! mas acaso faltava ella aos Gregos e
Romanos, que nos legaram seus primores d'arte em todos os ge-
ncros , e que nunca foram mais corruptos do que quando foram mais
inslrm<los ; e que , sem embargo de todas as suas luzes , acabaram
por abysmar-se no charco immundo dos seus costumes? A inslrucção
dá ideias mas não dá moralidade : pode sim fazer sabios , mas
?

nunca fará cidadãos (1 ).

(1) Eis-aqui as cifras, tristemente eloquentes, que veem apoiar as


nossas palavras. Rêsulta das ultimas esta t1sticas, publicados por M. a
Guarda dos Sellos :
1. 0 que á medida que a instrucção {unhcrsitaria, isto é, indiffe-
rentista , incompleta , 1mpia) , se tem propagado d'anno para anuo, o nu-
mero dos crimes e dos dclictos. tem crescido cm proporção analoga ;
2.º qne , cm o numero destes delictos ou crimes, a classe dos accu-
sacl9s que sabc.m ler e escrever é urna q"inta parte maior ·que a dos
completamente illiteralos, e que a classe dos que receberam orna alta
inslnÍ<'ção é dous terços ainda maior ; tudo em proporção do numero res-
pectivo da população de cada uma das classes. Em outros termos, quan·
do:
25,000 in<lividuos da classe totalmente illitterata dão cinco accusa-
dos;
25,000 da classe dos que sabem ler e escrever dão mais de seis ; e
25,000 da classe dos que receberam uma instrucção superior, dão
ruais de quinze.
3. 0 Que o gráo de perversidade, e os casos d'csraparcm á ac~ão
da justiça, augmentam em proporção directa com o grão d'instruccão ;
4. ª Que as provioc1as onde a iostrucção está mais generalisada são
as que appresentam mais crimes; quer isto dizer, que a moralidade aili
anda na rasão inversa da instrucção.
5.º Que as reincidcncias são mais frequentes entre os accosados que
receberam a instrucção , do que entre os que oão sabem ler nem escre-
ver.

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CATECISMO

Que é , torno a dizer , o que poJeis substituir ao Decalogo ?


Systemas politico-philosophicos ?. Mas dirvos-hei com_ o proprio pai
de todos esses sy~temas : Pbilosopho , são mui bellos os teus svs-
témas, mas faze-me qiercê de m·os mostrar confirmados. E além
d'isso ·, esses systemas reformadores , reparadores , salvadores , não.
lem já sido todos experimentados ha cincoenta annos a esta parte?
Dizei-me , que mal social teem elies curado? Firmaram acaso o po-
der , tornaram a obediencia mais exacta , a dedicação mais fiel , a _.
sociedade mais rnoralisada e tranquilla? Que povo leem salvado?
Áinda outra vez digo , que substituireis ao Decalogo? Cons-
litmções ~ e novas Cartas? Mas a esse respeito parece que pouco
nos resta a desejar. Desde 1789 , doze vezes pelo menos nos ieern
constituido. Teem submettido a sociedade a todos os tratamentos
possíveis , e este pobre doente está inda no mesmo estado, convulso,
prostrado, agonizante em seu doloroso leito, esperando pela cura.
1
Que subslituire1s pois ao Decalogo '! Leis ? Ah ! aqui é que eu ·
vos esperava. lUas se as leis sem Religião bastassem para curar ;
e consolidar a sociedade, a França seria o povo roais · curado , mo-
raltsado , tranquillo e feliz de lodos os_ povos passados , presentes
e fuluros ; porque , graças a Deus , leis não faltam : temos uma bel-
la collecção. lia quarenl.a e seis annos para cá teem -se fabricado
setenta e seis mil setecentas cincoenta e seis leis ; que , fei las as
contas, dão quasi quatro para cada dia ! !
Acabemos pois de nos convencer que só o Decalogo póde con ·
servar a sociedade e preservai-a das calamidades que a ameaçam.
A rasão é clara : só a Religião, da qual o Decalogo é uma parte
essencial , póde tocar o coração humano ; ora , no coração humano
é que está a origem do mal : tudo vem desta origem. Toda a le-
gislação que não póde tocar o coração do homem , é uma leg_IB_la.ção
impotente. Amemos pois o Decalogo, guardemol-o fielrnenle, se
queremos que os outros lambem o guardem : d'jsto pende a nossa
felicidade ..

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DE PERS8VER.ANÇA. 38S

ORA.Vi.O.
'

O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças
por haverdes protegido a minha reputação, prnhibindo toda a pa-
lavra e ainda todo o pensamento , que me fossê desfavoravel ; per-
milli , Senhor , que eu respeite sempre a reputação do proximo.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e, em testemunho deste amor,
nunca direi mal de pessoa alguma.

FIM DO QUINTO VOLUME.

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INDEX
DAS

MATERIAS CONTIDAS NO QUINTO VOLUME.

XXXVUI.ª LIÇÃO.

DE NOSSA UNIÃO COM O NOVO ADAM, PEJ.A ESPERANÇA.

Pag.
Sacramento da Penitencia. - Sua definição. - Seus elementos; maleria.
, - Exame de cJnsciencia; suas qualidades. - Historia. - Firme pro-
posito. - Confissão; suas qualidades ..•.... ; ....... "'•........••.. 5

XXXIX.ª LIÇÃO.

DE NOSSA UNIÃO COM O NOVO ADAM, PELA ESPERANÇA.

Elementos do Sacramento da Penitencia. -AnLiguidade, universalidade,


divrndade e · necessidade da Confissão auricular. - Satisfação. - For-
ma do acramcnto da Penitencia. - ·Ministro. Instituição.. . . . . . 29

XL.ª LIÇÃO.

DE NOSSA UNIÃO COM O NOVO ADAM, PELA ESPERANÇA.-

Elfeilos do Sacramento da Penitencia. - Disposições para o receber . -


Sr.a necessidade, - Liturgia. - Vantagens iodividuacs e sociaes. . . M
*

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388 l~DEX

XLI.~ LIÇAO.

DE NOSSA UNIÃO COM O NOVO ADAM, PELA ESPERANÇA.


. Pag.
O que são as Indulgencias. - Poder Je as coa ceder. - Elias são ulcis.
- Summamente rasoaveis. - Thesouro das indulgencias. - Indulgen-
cia plenaria, parcial. - O que cumpre fazer para ganhai-as. - l\Joti-
\'OS para ganhar as Indulgencias. - Que é o Jubileo ............. 71

XLll.ª LIÇÃO

DE NOSSA UNIÃO COM U NOVO ADAM, PELA ESPERANÇA.

Sacramento da Extrema· Uncçiio. - Sua definição. - Seus eleme_nlos. -


Instituição. - Effeitos. - Disposições para o receber. - Sua necessi-
dade, - liturgia, - rnnt~gens sociaes.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98.

XLIII.• LIÇÃO.

DE NOSSA UNIÃO COM O NOVO ADAM, PELA ESPERANÇA.

Definição do Sacramento da Ordem. - Seus elemcutos ; - instilui~·üo;


c1Te1tos. - Grandeza e bcneficios do Sacerdoc.10. - Trecho historico.
- Disposições para receber o Sacramento da 'Orden~. - Sua necessi-
dade. - Origem da Tonsura. - - Sua significação - Ccrcmoni:-is e
ora~õcs qne acompanham a sua recepção. - Divisão e numero das or-
dens. - Fins a qne se referem ................................ 1 ~o

XLIV.ª LIÇÃO.

DE NOSS1 [NIÃO COl\f O NOVO ADA .M, PELA ,ESl'ElL\NÇA.

Ordens menores. - O:;ti:irio ; suas funcções. Cercmonias e orações


com qne se confere. - Leitor; suas funcções. Orações e eereinonias
da sua ordenação. - Exorcista ; snas funcções. Orações e ccremonias
da sua ordeaação.- Acolyto ; suas funcções. Orações e ceremouias rla
sua\ ordenação. - Ordens sacras. - Sub·Diaconalo ; suas func-
ções. Orações e ceremonias com que se confere. - Diaconato;
suas funcções. Orações e ceremonias com que se confere. - Sacer-
dorio; suas funcções e poder. Ceremonias e ornçõcs com que se
-confere. - Vantitgcns sociacs do Sacramento da Ordem .......... , 131

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DAS MATERl .AS. 389
XLIV .:i LIÇÃO.

TIE NOSSA l'NIÃO COM O NOVO ADAl\I, PELA ES!lf.RANÇA.


Pag.
O Matrimonio con_sidcrado como contracto, - como Sacramento; sua
clefinição - elementos - instituição :...... effeilos. - Disposições para o
receber. - Trecho hislortco. - Esponsaes. - Banhos. - lmpedímen-
tos dirimeotcs; - impcdicnte~. - Dispensas. - Liturgia do Matrimo-
uio . - Vantagens sociaes deste Sacramento ............••...... 152

XL VI.° LIÇÃO.

DE NOSSA lNllO COM O NOVO ADA:!\l, PELA CHARIDADE.

Harmonia das trez Virtudes Thcologaes. -- Definição da chandaLle.


Sua excelleneia. - Seu primeiro objecto, Deus. - Soa necessidade.
- J>11ssagens historicas. - Regra. - Peccados opposlos á charidade.
·-- Segundo objecto da charidade, o pro1imo. - Regra. - Necessida-
de. - Applicação. - Obras de m1scricordia cspiritnaes e corporars.
- Peccados oppostos á rharidade ................•... '.. .••..... . 181

XLVIP LIÇÃO.

DE NOSSA UNJÃO COM O NOVO ADUI, PELA CHARIDADE.

O Dccalogo. - Sua natureza. - Historia. - Historia do Dccalogo. - Ob-


Jecto do 1. 0 AI andamento, virtude da Hcligião. - Pcrcados que lhe ~ão
oppostos. - Culto dos Anjos, cios Santos, das relíquias, das lma-
geos. - Factos historicos. - Vantagem social deste preceito ........... 210

XI.VIII.ª UÇÃ.0.

DE NOSSA l;NIÃO COM O NOVO ADAM, PELA CHARJDADE.

Segundo mandamento. - O que ordena e o que prohibe. - Pronuncia-


ção respecluosa do norne de Deus. - Pronunciação não rcspectuosa
do nome de Deus. - Juramento. - Perjurio. - Louvor donornc de
Deus. - Blasphemia. - Voto. ,- Transgressão do voto. - Historia.
Vantagem social deste preceito ... .... ···~ ............. .............. 2i7

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390 l~IH~X

XLIX. LIÇÃO.

DE NOSSA UNIÃO COM O NOVO ADAM, PEI..A CHARIIlAllE .

Pag.
Terceiro mandamenlo.-Suas relaçoens com os dous primeiros.-Threrhos
historicos:-Sua oecessitlade.-Domiogo suhsliluido ao Sabbado.- Ex-
plicação do que se proh1be a.o Domingo. - Refutação dos pretextos para
trabalhar neste dia. - M9Livos qúe o permillem. - Necessidade social
do terceiro mandamento. - O que se ordena por ellc. - Missa. - Con-
diçoeos para bem a ouvir. - Causas q.ue dispensam da Missa. - Bis··
loria ................................................... .................... 269

L.ª LlÇÃO.

DE NOSSA UNIÃO COJ\1 O NOVO ADA~I, PELA CHARIDADE.

Quarto maodamento.-Sua significação e exleasi'ío. -Recompensa q'aqucl -


les que o observam. -Castigo d'aquelles que o transgridcm.-Devcr dos
filhos. - Respeito, amor obed1encia , soccorro espiritual e temporal . -
Deveres dos pais. - Sustento, inslrncção, correcção, trecho hislorico.
- Bom exemplo, vigilancia. - Deveres dos crl'ados e dos amos. - De-
"eres dos superiores em geral. - Vantagem social do quarLo rnanda-
111enlo. - Historia ..................... .. .................... .. .... ..... ..... .29 f.

LI.ª LIÇÃO.

DE NOSSA UNIÃO COM NOSSO SENHOR O NOVO ADA.M, PELA CHARIDADE.

Quinto mantlamenlo. - Benefic1os d'cste mandamento. - O q11e prohihe:


homicid10 , duelo, suicidio, odio, v1olencias, arrebatamentos. - Que
mais prohibc : o escandalo. -: Definição do csrandalo - Quando se dá
escandalo. - Obrigação e meio de o reprimir. - Passagem historica. -
Vantagem social do qninto mandamento ................................. 313

LII.- LlÇÃO.

DE NOSSA UNIÃO COM NOS.SO SENHOll, O NOVO ADAM, PELA CHAlllDADE.

Sexto e nono mandamentos. - O que prohibem.-Enormidade do pccca-

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DAS MATElllAS. 391


Pag.
do opposto a estes mandamentos. - Suas dilTereotcs especies. - Occa-
s~ões áo peccado. - Remcdios delle. -·O que ordenam estes preceit9s.
Puresa do corpo e da alma. - Exemplo historico. - Vantagem social
d'estes mandamentos ................................ ·....................... 329

Llll.ª LIÇÃO.

DE NOSSA UNIÃO COM O NOVO ADAM, PELA CHARIDADE.

Superioridade da Lei de Deus ás leis humanas. - Base do direito da pro-


priedade. - Objecto do setimo e dccimo manda_mento. - Definição do
roubo.- Latrocínio, rapina, fraude. - Restituição. - Sua necessidade.
- Quaes ~ão os que estam obrigados a restituir? - Vantagem social
destes mandamentos. -Trecho historico ................. :....... .. ....... 349

LIV.ª LIÇÃO.
DE NOSSA UNJÃ."· ~OM O NOVO ADAM, PELA CHARIDADE.

Oilavo mandamento. - Vantagem social d'cste mandamento.- Seu objec-


lo. - O que prohibe; falso"w 0 temunho. mentira : - Passage~ histo-
rica. - Maledicencia, calui~ V susurração, palavras injuriosas, vio-
lação dos segredos, juisos aerarios. - O Decalogo e a sociedade
actual.. . . . ..... . .. . .......... .r;.... . ....... .... .. .... ...... . .. . .. . .. ....... 366

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39!

ERRATAS.

Pag.
8, onde se lê :
fo - Iea-se : foi.
33 ; onde se lê :
ve - (ea-se : vel.
lbid, onde se Ego per ulriusque - lea-se: Ergo &e.
lê :
36 , onde se saluta, lea-se soluta,
lê :
66 , onde se lê:
em todos ·os agulos os elogios --- lea-se em lodos osªº'"'
golos da, terra os elogios.
füid , onde se lê : mullus deterrel - lca-se: mullos &e.
91 , onde se lê: corrorrei-os - lca-sc: soccorrei-os.
100, onde se lê: lacei - lca-se: laici,
lbid, onde se lê : d1mittend - lca-se: dimittcn(··,
140, onde se lê : o Diaconato' - l_ea-se : o Su ~iaconato.
143, onde se lê : de sagrada Mesa - lea-se: da sagrada &e.
]biri, ·onde se lê : codicillios - lea-se: codicillos.
lbid, onde se lê : .appareccram - lca-se: 80 .:.!'.:.-:ciam.
HS, onde se lê: o Santo E·uzeb1~ ..:..1ea 0 ch. .t SanLo Euzcbio.
105, onde se lê: Parachus - lea-se: Pãr \JS·.
1õ6, onde se lê : mais cllcs são dirticeis - lea·se: mas elles &e.
17 4 , onde se lê : Ora este veo - lea-se : Era este 1'eo.
213., onde se lê: com que se aviltam - lea-se,: com que se aviltaram.
~39, onde se lê: Donysium - lea-se Dionysium.
2i9, onde se lê: dictur - lea-se : dicitur.
260, onde se lê: ordinario e todinatio - lea-se: 9rdinatio.
273, onde se ·lê: teus as&assioos - lca-se: vossos &e.
283 , onde se lê.: barbareiros - lea-se : barbeiros.
28~, :onde se lê: lhes causarias grande damno - lê'3-se : lhes causaria &e.
29~ , onde se lê : christammente....;... lea-se : christãmeote.
330, onde se lê : cnlpA mormal - lca-se: culpa mortal.
343, onde se lê : . salatur - lea-se : saltalur.
3ã?S, onde se Jê : fortum - lea-se : furtum.
373 , onde se lê : destrução - lea-se : d~tracção,

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