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UA.TEUISno·
DE
PIBSIYIB!NC.lº
ou
EXPOSIÇÃO HISTORICA, DOGMATICA, MORAL, LITURGICA, APOLOGETICA,
PHlLOSOPHICA E SOCIAL
DA B:ELIGI.l·O,
Desde a ori,;em •lo mundo até nos11es dias
tlJtlo. Jla'lttt '.). ehaume,
YiGARIO GERAL DA DIOCESE DE NEVERS, CAVALLF.IRO DA ORDEM DE S. SILVESTRE,
ME!IJBRO DA ACADEMIA DA RELIGIÃO CATHOLICA DE ROMA, ETC.
TOMO VI.
POR.T O:
TYP . DE FRANCISCO PEHElRA D'AZEVEDO
Rua à'Almada u. 0 388.
t8ãã.
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CATECISMO
DE
··-
CONTINUAÇÃO DA SEGUNDA PARTE.
LV.' LIÇÃO .
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6 CATECISMO
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.DE PERSEVRRANÇ,A.
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8 CATECISMO
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DE PEttSEVERlNÇA.
las mesmas decisões logo que eslam feitas , sem ousar jamais inter-
pretai-as , seja sob que pretexto for.· (1f »
· Resumindo todas estas auctoridades, Pio VI escrevia, dizendo:
Nós reconhecemos , queremos até que haja no governo politico, e leis
inteiramente distinctas das da Igreja , leis que pertençam ao podet·
· ci"v il. Mas , quando reclamamos a obediencia p·ara umas , não per-
miltimos qoe as outras, que são da alçada do poder espiritual , se-
jam violadas pela auctoridade leiga. Que jurisdicção· podem ter os
leigos nas cousas espiriluaes? Por seu direito estariam os ecclesi- .
asticos sugeitos a seus decretos? Não ha Catholico que não saiba
que Jesu-Chrislo , instituindo a sua Igreja,· deu aos Apostolos , e a
seus successores, um poder independente de todo outro poder (2). l>
E' pois um facto 1.º que a Igreja recebeu de Deus o po-der de
fazer leis ; ~.ºque o exercício d'este poder legislativo é de direilo. divino,
independente de todo o poder humano; 3. 0 que ~ sob pena de re-
sistir ao mesmo Deus , ~odos devem submeller-se ás leis promulgadas
pela Igreja , e que ninguem póde revoltar-se contra ella, nem coar-
ctar a sua liberdade. Não se diga pois, par a· fugir de obedecer ás
leis da Igreja , que ellas são obra· dos homens ; porque nosso $e-
nhor disse : Aquelle qu·e vos ouve , a _mim mesmo ouve ; aquell~
que vos despreza , a . mim despreza. Por ventura será innocente o
filho , que desobedece a seu pai, por não ser mais que um homem?
Seu objecto. - Este poder abrange tudo quanto , por sua natu-
reza , se refere á Religião , 'ªº culto divino , ou á salvação das al-
m~s. D'est'arte, o ensino e a prégação do _Evangelho, a adminis-
tração dos Sacramentos , a lithurgia , a santificação do Domingo , o
estabelecunent~ e santificação das festas , os jejuns e abstinencias ,
os votos , as Ordens religiosas, sua instituição e approvação , a in-
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10 CATECIS~10
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lrn PEHSEYERANÇA. 11
à risca este mandamento , mas ainda sem consciencia de peccado
mortal muitas vPzes recorriam ao Sacramento da Penitencia. Era
purificando suas almas n'esle banho salutar ' que começavam suas
principaes emprezas. Tinham o costume de se confessar antes de co-
meçar as jornadas ,. d'cntrar no eslado religioso' de fazer qualquer
peregrinação , e até àntes de se alistar na milicia. « Era costume 11a
Inglaterra , diz um autbor anljgo, que quando alguem queria dedicar-se
á carreira militar , vinha procurar de vespera- o Bispo ou ·qua_lquer
Sacerdote , e se confessava de todos seus peccados com sentimentos
-de compunção; passando a no_µte na Igreja, depois d'absolvido, a
orar e mortificar-se devotamente diante de Deus. Na manhã segliin-
Le , ouvindo Missa , plÚ1ha a espada sobre o altar, e o Sacerdote ,
depois do Evangelho , lh'a lançava ao pescoço e o abençoava. Depois ·
commungava á .Missa, e ficava soldado (1). )) .
O mesmo se praticava na França (2). Se nossos pais eram 1am
rrligioso~ quando se tratava de tomar o parlido das armas, não o
eram menos nos perigos eminelilcs de perder a vida no sorviço da
palria. Na vespera elas batalhas passavam a noute a confessar-se (3).
Os bons christãos fazem bons soldados. O illu stre marechal de Tu:..
renne linha commungado na ·vespera do dia em que morreu.
Assim recorriam , pois., os nossos pais na fé alegre , esponta-
nea e frequentemente ao tribunal da reconciliação ; mas diminuindo ·
· o fervor com os seculos , · tornaram-se as confissões mais raras. Para
obstar .á relaxação, ordenou o quarto Concilio de Latrão, celebrado
cm 1'215; que todo o chrislão d'um . e outro· sexo, chegado á idade
de rasão , se confessasse ao menos uma vez cada anno , sob pena,
em vida, de ser expulso da· JgrPj<l, C na morte, privado de sepuf-
lura ecclesiaslica. Os mesmos menino&., como é clàro, desde o mo-
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CATECISMO
tanta imporlancia.
O segundo preceito da Igreja, do qual nos cumpre dar a1guma~
explicações , manda: Commungar ao meno.!i pela Pasclwa da Ressur-
reiçao. Para a -Sagrada Communbão , assim como para a Confiss~o,
ha preceito divino ; e os primeiros chrislãos , o observaram religi-
osamente. Que digo~ amavam com tal extremo ao divino Salvador ;
tinham tantas saudades , lam grande fome e ta m ardente sêde de
seu divrno Corpo e Sangue , que commungavam lodos os uias. Uso _
admiravel ! cujo restabelecimento a Jgr(_lja desrja com todo o ardor
da sua maternal charidade (1 ).
Por muilo tempo foi escusado obngar os Fieis a commun-gllr.
Ah ! quem diria a nossos maiores que chegaria tempo, em que seus
filhos teriam uma tal indifferença por este celeste alimento , ·que a
Igreja se veria necessitada a empenhar toda a sna aurloridade , a
ameaçai-os até com seus raios , para oS: constranger a aproximar-sa
da Santa Mesa? E comludo, tal fui a dura, a triste necessidade e
c1u_e se viu reduzida. No mesmo Concilio de Latrão se ordenou ,
pois , que lodps os Christãos chegados á idade dê d1scripção com-
mungassem ao men.os uma vez cada anno pela Pas-choa·: diz-se ao me-
nos, pàra dar a entender. que , se bem a Cornmunhão Pascal basta
{1) Optarel quiJem Sancla synodus, ele. Cone. Trid, Sess. XXII, e. 6.
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l>E PERS1<:v1<:1tA~ÇA.
..
(1) Vejaru os seotimenlos dos Sanlos, refemlos no Tratado da Comm.
freq. de S. Liguori. Tambem S. Francisco de Sales , na sua lnlroduc-
~·ào á Yida de,·ota, citado no t.º \'Olumc deste Catecismo p 339 no fundo.
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CAUCIS'.WO
mesmo fim. Mas só ·na Religião CalhoJica Romana ha l~is d' uma au-
ctoridade tam solida , que não ha ardil. ou sophisma que illudil-as
possa; leis calculadas não só para inspirar o amor da virlude e da
moral , mas tambem para obrigar a seguil-as; leis que não se limi-
tam punir os crimes , mas que 9s previnem. Consistem estas leis na
obrigação imposta a .lodos os Cat~~licos romanos ; de commungarem
ao menos uma vez cada anno, liran<lo suaefficacia·da reverencia a este Sa-
cramento, da indispensavel e rigorosa preparação para o receberem ; ou
por outras palavras, da· crença da presença real, da Confissão, Pe.nilencia,
Absolvição e Communhão.
cc E não se diga que esla crença é illusoria e falsa. ~e nos não
elevarmos da terra , então é ella tam absurda, que não ha~eria ho- .
mem qu~ se metesse em cabeça offerecel-a a outros homens. Se um
dos Apostolos a houvesse proposto a seus collaboradores, estes. o te-
riam logo por affeclado tle loucura , e faziam da proposta objecto de
1rnsao. Visto, pois, que é impossive·1que ella venha dos homens, é
evidente que vem de. Deus : e como divina, perde toda a incredi-
bilidade , por mais incomprehensiv.el que seja. Pode dizer-se qne,
nos estados Calholicos Romanos, este é o eixo S'obre que rola toda
a economia da ordem sÕciaJ. A este maravilhoso eslabe.lec1menlo
devem elles a sua solidez , duração, segurança e felicidade; d' onde
resulta um principio inconleslavel , maxima p"reciosa , e ullimo elo
-d'esta longa cadeia de raciocínios, que deixo estàbelecidos, e vem
a ser: que é iºmpossivel formar um systema qualquer de governo, que
possa ser permarzenle ou vantajoso , a menos que se não basée na Re-
ligião Catholica Romana. Todo outro systema é illusorio.
« Os preceitos que ésta Religião impõe a seús filhos, e as pro-
hibições que lhes faz , são tam pouco conhecidas dos sectários que
a combatem , que apenas leem d'ellas uma Jigeira id.eia'. Uns por
ignorancia não lhes dão allenção; outros , em seus preconceiLos as
escarnecem. A ffm, pois , d'instruir os ignorantes e desenganar os
prevenidos , dir-lhes-hei somente que todos os Catholicos Romanos
são obrigados a commungar ao menos uma vez cada anno; sempre,
porem, segundo o estado da sua ' consciencia ; e accrescentarei agora,
que tendo de · receber este augusto Sacramento , diante do qual os
mais audaciosos ·d' entre elles se . sentem possuidos de temor e as-
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• 1
.· DK PERSEVERANÇA.
sombro, é preciso que todos, sem' distincção uem excepção , confes-
sem seus peccados no tribunal da Penitencia :· e que n·esle fribunal,
tam formidavel ã seus olhos, nenhum ministro póde conceder a per-
missão de se aproximarem da Sagrada Mesa, sem que os penitentes
lenham purificado seus corações com todas as disposições necessa-
rias pal"a este effeito.
« Ora , eslas disposiçõés ind1spensaveis sl'fo a contrição , e a
collfissão precisa e geral de todos os peccados commettidos , a expi-
ação de todas as injustiças praticadas , -a inteira restituição de lodos
· os bens illegalmente adquiridos , o perdão -de todas as injurias re-
cebidas ~ a ruptura de todos os laços criminosos e escandalosos , a
renunciação da inveja, da soberba, do odio, da avareza , da am-
bição , da dissimulaçã_o, da ingratidão , e de todo o senl1menio con-
trario á charidade. E' preciso ao mesmo tempo obrigarem-se djante
de Deus, n'esle tribunal , a evitar alé pequenos defeitos , e a cum-
prir todas as sublimes leis do Evangelho , · com a _maior exactidão.
<< Qualquer , como diz o Apostolo , que se aproximasse da Santa
. ~lesa sem estas disposições , não discernindo o Corpo de Jesu-Chris-
to ' receberia a sua propria condemnação. ))
Tal é , tal foi sempre ha clesoito seculos , a doutrina funclamen-
taí e immutavel da Igreja Calhol1ca Romana. E se se ousa dizer que
sêus filhos são máos e perversos , não obstante os laços com que os ,
prende , e os deveres que lhes impõe , que diremos então dos ho- ,
mens liues e soltos d' estes salutares obslaculos ? Os habitantes da mais
feliz e florescente monarchia, que jámais brilhou na terra , se des-
prenderàm inteiramente d'elles ; , mas qual foi a conseqúencia? Estes
infelizes insensatos , não tendo já freio que os contenha, tudo teem
ousado ; e seus crimes, como um mar que superabunda, rompendo os
diques que só Deus pod-erá restabelecer , leem àrruinado a Europa ,
inundado o mundo , e impresso no nome Francez uma nodoa lndele-
veJ , a mais ignominiosa com que 11ma nação póde denegrir-se.
« Que grande segurança e penhor se exige por este modo de ·
cada individuo , para o cumprimento de seus deveres sociaes ; ·para
o exercicio de todas as virtudes , da integridade , benevolencia, cha-
ridade, nlisericordia ! Onde se poderiam achar· garantias similhan-
tes ? Aqui , a co~sciencia · se regula unicamente em o tribunal de
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16 CATEClS&tO
el , o soberano justo. ·
« Se considerarmos os homens em ·sua vida privada , veremos
que pôr este meio , a moral e a virtude se baseam em fundamentos
os mais solidos ; que cada um está submisso á Providencia n'o es-
tado em que o tem collocado ; que as fanulias estam unidas por indi~
soh1Yeis laços ; e que o peccador contrito, por mais culpado que
seja ~ póde livr~r-se dos seus remorsos, e lavar-se de seus crimes
n'esla piscina salutar, sempre prompla a recebei-o., e d' onde elte
sahe cheio d'uma innocencia , proporcionada á poresa das disposições
com que para alli foi.
cc Para pronunciar_ em questões de imporlancia geral , é neces-
sario e justo tomar por base os effeitos geraes : foi isto o que eu
fiz ., mas ah ! é tal a fragilidade humana que , estou cerlq. d'islo ,
nem· todos os Câtholicos Romanos se ap.roveitam das vantagens que
se lhes offerecem. E' pois do dever, como é- sem duvida do maior
interesse d'um ·governo vigilante e sabio , oppor-se a toda a rela-
xação dos princípios , que tenho desenvolvido. Se em um Estado
Caibolico Romano ninguem se de~\·iasse d'elles , se.ria escusado per- -
guntar qual era o melhor dos governos ; pelo contrario se clina :
Em um tal governo , que necessidade ha d'outras leis ? Talvez que
todas as leis humanas se tornassem então tam superfluas e inuleis .
quanto são impolentes em .toda a parle, aonde a Religião Catholicà
Uomana lhes não serve ele fundàmenlo.
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DE l'ERSEVKRANÇA. 17
« Tudo que acabo tfo dizer em favor dos governos Catholicos
Romanos deve considerar-se pela face politica ; mas não posso com
effeito deixar de perguntar a mim mesmo ~ e acaso não será divma
em tudo qu·e ordena uma Religião, que contribue evidentemente para
a felicidade dos homens , d' uma maneira tam solida e admira vel?
Quanto me tenho eu lambem admirado quando considero a antigui-
dade d'esla respeitavel Igreja Romana , sua vasta extensão , a ma-
e
gestade' magnilicencia' simetria do seu edificio ; sua estabilida-
de , inabalavei no meio das perseguições que tem soffrido ; sua ad-
miravel disciplina , que parece traçada por uma sabedoria sobre na-
tural ; a impolencia de seus adversarios, apezar das suas mvecti-
vas , dos seus clamores e calummas; quando considero a dignidade,
o caracter • as v1rludes, e os talentos dos seus <lefensores ; os vícios,
e a má fé dos seus primeiros agressores ; a extirpação de tantas
seitas diversas , que se leem levantado contra ella; a pouca consis-
tencia das seitas actuaes, suas divergencias em pontos de doutrina ,
e sua total ruina, mesmo da mais numerosa, seja prolestante, seja ou-
tra qualquer, que talvez esteja tam proxima, que se alguem quizesse
hoje arrolar-se nclla , podia muito bem sobrevfver-lhe, e ver-se
reduzido á lrisle vergonha de se passar para outra!
« Em summa , a virtude, a justiça , a moral devem servir de
base a todos os governos.
« E' frnpossivel estabelecer a virtude , a justi'ça a moral sobre
bases, que são tam pouco solidas sem o tribunal da Penitencia ,
porque- _este tribunal, o mais terrivel de todos, serve-se da ,_ cons-
ciencia, 3' a dírige d'uma maneira mais efficaz do que outro qual-
quer tribunal. Ora , este tribunal pertence exclusivamente aos Ca-
tholicos Romanos.
E' z'mpossivel estabelecer o tribunal da penüencia sem a crença
da presença real, principal base da Fé Catholica Romana, porque
sem esta crença , o Sacramento da Communbão perde o seu valor e
a sua consideração. Os protestantes aproximam-se da santa mesa
sem temor , porque não recebem (!hi mais que o signal commemo-
rafüo do Corpo de Jesu-Christo ; os Catholicos , pelo contrario ,
aproximam-se d'ella tremendo , porque ahi recebem o proprio Corpo
do sen Salvador. Por isso , em toda a parte onde esta crença foi
3 VI
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18 CATECISMO
,
ORA.U.lO.
O' meu Deus ! que sois lodo amor , cu vos dou graças por
haverdes inspirado a vossa Igreja a nos dar mandamentos tam ·uteis,
vantajosos e faceis d'observar. Permilti , Senhor, que eu nunca os
transgrida.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus , e, em testemunho d'eslo -=
amor pedirei todos os dias pela conversão dos indifferenti'stas.
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D~ PF.RSEVF.RANÇ!. 19
LVI.ª LIÇÃO.
(1) Veja-se o que deixamos dilo nas lições XVI e XVII d' esta se-
gunda parte do Catecismo .
•
, '
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20 CATECISJ\10
-,
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DE PERSEVERANÇA. 21
bem do homem Ce1esle : O Ceo fechar-se-ha para aquelle, que não
for a copia fiel do Novo Adam (1 ).
Um Chrislão é um outro Jesu-Christo. Tal é a sub1ime defini-
ção que os Padres da Igreja nos dão de nós mesmos (2). Façamos
pois por dizer com S. Paulo : Não sou eu que vivo, mas é Jesu-
Cflristo que vive em mim , que pensa , que deseja , que rJbra em
mim (3).
Eis como nos importa regular o nosso interior pelo do novo
Adam , sem querer pôr limites a esta conformidade. Cumpre que
Jesu -Chrislo seja formado em nós ; sim, cumpre absolutamente; que
nem irnra outra cousa ,·eio elle do ceo á terra ; nem para outro fim nos
nutrio de si mesmo; nem com outra intenção nos enviou os seus Apos-
lolos e fundou entre nós a sua Igreja; e esta terna mãi, com o infi-
nito cuidado que 1he damos, e desde que nascemos até ao ultimo
da vida , continuamente nos está dizendo: _,_~/ eus filhos ! eu solfro
por 1:ós as dores do parlo , até que Jesu-Christo esteja formado em
vós (í) ; até que chegueis a uma similhança tam perfeita , que o ·
Eterno Pai, contemplando-vos do alto <lo Ceo, possa dizer : Eis o
meu filho querido. Ora, esta similhança deve primeiro existir em
nosso interior.
1. º Em nossos pensam.enlos. Os nossos pensamentos serão conformes
aos de Jesu-Christo se em tudo julgarmos como elle seja a respeito
de Deus , de nós mesmos, das creaturas, do tempo , ou da eter-
nidade. Em primeiro lugar, que é o que pensou de Deus o novo
Adam? Respondam as suas pa1avras e exemp1os : Elle pensou que
Deus é o Ser por excellencia , o Ser infJnilamente sabio, bom , po-
deroso , sa~to , justo e misericordioso ; o unico digno das adora-
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22 CATECISMO
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DE PEllSEVERANÇA.
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CATECISl\1"
a tua alma , com .todo o leu coração , com todas as tuas f urçM; eis
.o primcfro e maior de todos os rnandamentos. O .'iegundo é simi-
lhante a este : Amarás ao teu proximo como a li mesmo, por amor
de Deus. E seus exemplos foram a tr'aducção lilteral , e a rigorosa
applicação de suas palavras. Elle amou a Deus seu Pai, fa:wndo-se
obediente, e obediente até á morte , e morte de Cruz. Elle dizia :
Eu faço sempre o que é do agrado de meu Pai ; entre rner~ Pai e
eu tudo é commum; nós somos um só,. eu e meu Pai; e a sua vida
não foi mais que um longo acto d'amor para com . seu Pai. Eis o
que prégava e obrava durante a sua vida mortal ; eis o que ainda
préga e obra na sagrada hostia. Alh continua a ser obedirnle por
amor de seu Pai , a ponlo de renovar todos os dias o Sacrificio da
Cruz ; alli faz tudo que é do agrado de· seu Pai ,- habitando ainda
os lugares mais remotos ; em todas as Igrejas, ain_da as mais er-
mas ; em todos os Tabernaculos , inda os mais pobres , aonde apraz
a seu Pai que· elle resida. ·
Amou aos homens. São prova do amor os sacrificios. Ora ,
que maiores sacrificios podia fazer por nós o novo Adam ? De rico
se fez pobre ; soffredor , de essencialmente feliz ; de poderoso se tor-
nou menino; fez-se homem como nôs , sujeito a todas as no~sas mi-
serias; por nós, emnm , deu a propria vida. Não ba nome de enna-
morado , que não _tomasse: ora se chamou Pai , ora Irmão , ora
Amigo , ora Esposo, ora Salvador , e de todos preencheu a doce-
sig11ificação. Amou a todos os homens , mas especialmente aos Pº"'
bres , pequeninos, enferm9s, peccadores, amigos e inimigos ; do allo
<la Cruz implorou o perdão para seus algozes. Eis como amava o
novo Adam , durante a sua vida mortal ; eis corno ama ainda , no
Sacramento da Eucharistia.
Quantos sacrificios fez elle para nos Leslemunhar o seu amor !
Para estar sempre comnosco se encerrou elle em o San Lissimo Sa-
cramento. Alli demora noute e dia , cheias as mãos de graças ,
com o coração abrazado em amor, chamando.-nos ternissimamenle ,
e dizendo-nos : Vinde a mim , vós tollos que soffreis e estaes oppri-
midos de trabalhos, e eu vos alliviarei. Não ha mãi que nutra a
seu filho com a propría carne; mas isto o faz o novo Adam , mais
terno que a mais terna das mãis , a cada um de nós , e a cada
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DE PEf\SEVEitANÇA.
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2H CATEClS)IO
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DE PERSEVERANÇA. 27
·1. º Nosso Senhor é em g~ral o modêlo de lodos os superiores,
isto e , de todos aquellcs que estam elevados em poder ; e os torna
a lodos depositarias de parle da sua aucloridade divina ; são elles
seus vice-reis, cm ordem ao bem. Elle mesmo foi o primeiro de
todos os superiores , e sua vida resume-se em tres palavras : elle
passoie. fazendo bem ; é esla a mesma vida que ainda passa , no
adoravel Sacramento de nossos AHan's. Hoje , como outr'ora, se
pode dizer , que elle passa fazendo bem , e isto s~ havia de poder
dizer, e gravai· na campa de lodos os ·superiores ; pois que para fa-
zer bem aos homens , é que Deus os reveslio da sua auctoridade.
Ora, o bem do homem é o seu fim ; o seu fim , é a sua salvação ,
ou a posse de Deus. Para passar fazen(lo bem , devem .pois os su-
periores cmdar, primeiro. que ludo , e ter como o mais sagrado dos
seus deveres. a salvação dos inferiores. E por ventura é isto o que
succede?
2. º Nosso Senhor é em geral o modelo de todos os inferiores;
e sua vida resume-se ein duas palavras: elle foi' submisso a Joseph e
lllaria. A obetliencia inteira , simples e constante em altenção a
])eus , eis o grande dever dos inferiores. Ellc lhes era submi"sso ,
ris o que cumpre poder-se dizer e gravar na sepultura de todos os
inferiores. O Salva1lor, na Sagrada Eucharistia , continua a dar-nos
este exemplo de submissão absoluta. Elle obedece ao Sacerdote, com
a mesma docilidade que a Joseph ·e Maria ; o Sa(',erdote o chama do
Ceo, e clle vem ; diz-lhe que fique no tabcrnaculo , e elle fira :
que visite os enformos , e ellc visita·os ; que se dê aos Fieis, e ellc
se lhes dá.
O novo Adam é Lambem motlêlo de todcs os homens. 1. º
Em quanto aos nossos deveres para com Deus. Quem foi mars
religioso tio que o Salvador ~ onde Jamais achou seu Pai adorado1·
mais perfeito ? Elle o amou , e adorou cm espirito e Ycrdadc ; ex-
pulsou com indignação os profanadores do seu Templo ; a sua
vida relÍgiosa resume-se n'estas tres palavras : Foi um com seu. Pai,
procufou sempre a slta gloria , e lhe foi obediente até á morte , e
morte de Cruz. E' isto certamente o que importa se possa dizer e
gravar na sepultura de cada um de nós : Amou a Deus , procu-
rou a sua gloria , foi-lhe obediente alé á morte ; e ainda impo1·ta
•
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28 CATECIS~IO
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DE PERSEVERANÇA. 29
m1m1gos lhe chamassem blasphemo e sedicioso , e levantassem con-
tra elle mãos homicidas , e o crucificassem como fualfei tor ; mas
que lhes não permillin dissessem uma só palavra, ou movessem uma
duvida ou sombra de duvida ácerca ela sua infinita purcsa. Admi-
xavel castidade., que se nos manifesta desde o seu Tabernaculo com
um divino esplendor ! Nem elle quer Sacerdotes , senão castos ; e
exige que tudo que o circunda annuocie a puresa dos Anjos. Elle
está neste augusto Sacramento com toJos os seus sentidos • mas não
os emprega : tudo nelle é divino. Que digo? Elle mesmo é o prin-
cipio de toda a caslidade : é bebendo o seu adoravel sangue que o
nosso sangue se purifica , e a virgindade germina em nossas alma .
Tambem na Eucharistia é o Salvador o modêlo da mais perfei-
ta pobreza. Oh ! alli é que ell~ é um Deus pobre. Elle foi sim
mui pobre no Presepio e na Cruz, mas na Eucharislia é ainda maior
a sua pobreza. Pois que estado pode ser mais pobre e miseravel
<lo que o -vi ver , para assim dizer, de emprestimo, com dependen-
cia d'outrem , mal alojado , pobremente coberto, mal recebido e peior
lrnlaclo ; ser em dignidade Soberano e não ter os distinclivos pro-
prios da sua Soberania ? No Presepio, uma estrella milagrosa annun-
cia a ·sua gloria e o seu nascimento ; no Calvario, confundidos os
astros e os elementos, publicam a sua divindade; mas na Eucharis-
tia ludo se cala , para o deixar no mais profundo abalimenlo ; elle
é Rei , e alli occulla o seu sceplro e a sua coroa.
Eis a vida que elle vive no Santíssimo Sacramento ! Antiando
· entre os homens, não tinha o Senhor asylo certo, ou lugar aonde
repousasse a cabe~a ; pois na Eucharistia vive, para assim dizer, em
casas d'empreslimo , sem ter outro alõjamento ql.ie o que lhe que-
rem ~ar. Quantos Altares mal paramentados, quantas Igrejas po-
hrcmenl.e adornadas, quantos lugares e sitios miscravcis e abjeclos,
que a nossa delicadeza não supportaria, e aonde ella comludo assis-
te , préga e publica altamente a sua pobreza !
Nosso Senhor é um modêlo completo para todos. EJJe percor-
reu todos os estados da vida , e deu a todas as idades exemplos ,
para que o imitassem. Quiz ser menino, e como tal, antes que
podcsse andar, se apresenlou no templo _de Jerusalem , offerecendo-
se a seu Eterno Par ; e n'esla primeira. idade a sua vida resume-se
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30 CA'l'ECIS~IU
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DE P~RSEVRRANÇA. 31
~os ultimas momentos, quando se aproximava a sua morte, lon-
ge u'afrouxar o zelo e ardor do novo Adam, parece que redobrava,
e rsla parle <la sua vida resume-se n'estas palavras : Tendo amado
os seus, que estavam no mundo , ellc os amou até o fim. Nunca
as suas conversações foram mais palhelicas e inslructivas. Ternas des-
pedidas , bençãos abundantes sahiram da sua divina boca até á hora
suprema em que • modêlo perfeito do homem , para quem já o mun-
do e nada , e só Deus é tudo , pronunciou estas palavras , as ul-
timas que devem pronunciar os l~bios do chrislão muribundo: lllel~
Pai, nas t'ossas mãos entrego o meu espfrilo. Eis o modêlo de todos
aquelles , para· quem se aproxima a ·ultima hora. O fim da sua
''ida dern resumir-se, como a do Salvador, n'eslas palavras: Ten-
do amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até o fim.
Sim , amai-os , não como os ama o filho do velho Adam que ,
no momento de largar ludo , não pensa se não no ouro , na prata e
nas fazendas que bade deixar a avidos herdeiros. Em vez de con-
sagrar suas ultimas horas á edificação dos seus , a abençoai-os e en-
commcndar-se elle mesmo a Deus , perante quem vai comparecer ;
em lugar de pensar na eternidade, cujas porlas já se abrem diante
delle , não pensa ·senão nª terra que lhe foge. Pois não é porque
Nosso Senho1· nos não esteja dando lodos os dias , na Sagrada Eu-
charislia, como oulr'ora no Calvaria, o exemplo d'uma boa morte.
No Sacramento dos nossos Altares , mostra o nosso Salvador que elle
ama os seus alé o fim ; porque immola ndo-se lodos os dias por el-
les e pela gloria de seu Pai, ahi nos dá bem persuasivas lições de
desapPgo do mundo , de muluo amor, e de confiança em Deus.
Não é - só No-sso Senhor o modêlo de todas as idades, mas
lambem de todos os estados. Assim como dotou a cada crealura d'al-
guns caracteres da sua Divindade , ou vestígios das suas -adoraveis
perfeições ; da mesma sorte quiz que cada profissão representasse
alguma das qualidades e perfeições do n_ovo Adam. Assim é Nosso
Senhor o modêlo de todos os estados , nelle se veem todos ; porque
elle é o Homem , o Homem apparecendo em todas as relaçõos, e em
todas as condiç.ões. E' elle quem põe a cada um em seu estado ,
e nelle quer que participe das suas mesmas disposições e sentimen-
tos. Faz a'os Bispos -e Sacerdotes participantes do seu Sacerdocio ,
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3! CATECISMO
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DE PERSEVEllANÇA. 33
ternidade. Contrahiu o novo Adam um matrimonio ineITavel com a
Jgreja ; e tomou para com ella o titulo d'Esposo , e lhe chamou Es-
posa. Exige que os cazados representem em séu matrimonio a união
sanlissima , que ha enlre elle e a sua Igreja. Quer que os esposos
amem suas esposas como elle amou a Igreja , entregando-se á morte
para a tornar santa , e purifical-a de Lolla a macula e defeito ; que
as esposas amem seus esposos como a Igreja o ama a elle, e se lhes
sujeitem como a Igreja a seu Divino Esposo ; que entre os casados ·
não haja senão um espirito e um coração , como entre elle e a sua
Igreja não ha s~não um coração e um espírito ; a fitn que _, pela
identidade de sentimentos, concorram para se santificarem mutua-
mente e si e a sua familia , representando e honrando assim a alli-
ança do Filho de Deus com a natureza humana, e a de Jesu-Christo
com a sua Igreja.
Quiz Nosso Senhor tomar a qualidade de Pat dos chrislãos, como
de facto é no sentido espiritual, e ter seus filhos adopti\'os, de que
é mãi a Igreja ; e exige que os pais e mãis amem a seus fi1hos com
um amor santo , como elle mesmo e a sua Igreja amam aos seus ;
que ponham todo o ci1idado em conservar a seus filhos a vida cspi-
ritua,l , que receberam no Baplismo , e os a1udem a recuperai-a ,
quando tiveram a desgraça de a perder, assim como lambem clle e
a sua Igreja o fazem, a respeito dos seus ; que os . pais e mãis en-
sinem seus filhos a renunciar a si mesmos, a levar a sua cruz quoli-·
diana , a despresar os bens do mundo ·, e isso que chamam grandes
fortunas, como elle mesmo e a sua Igreja o ensinam aos seus. Eis
da mesma sorte os exemplos que o Salvador incessantemente dá, na sua
·'\'ida Eucharistica , aos esposos e pais de fatnilia.
Quer lambem Nosso Senhor que os pobres representem a sua pobre-
za; e para isso se dignou elle nascer, viver e morrer pobre. De propo- '
sito (;Scolheu um estado tam opposto ao e.spirilo do mundo , por ser o
mais proprio para ·reparar as desordens, que o amor dos bens da
terra causava entre os homens , ensinando-os a desprezar estes bens
terrenos e caducos, e procurar a felicidatle na posse dos bens -es-
pirituaes e eternos. Assim quiz ser elle o primeiro dos pobres, o
ehefe e amigq dos pobre~. Qniz que a seu exemplo snpportassem
com amor e paciencia ·a sua pobreza , e não murmuras:rnm da Pro-
5 VI
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CA TECiS~JO
[1] ·Timolh. VI , 9.
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DE PERSEVERANÇA. 3o
res ; espirilo, para só contemplar suas grandezas ; coração só para o amar
emfim , um corpo, para offerecer só a Deus, como uma hoslia immolada
pela penilencia e mortificação. Taes são os exemplos, que o salva- -
dor· dá incessanlemente aos castos, na sua \:ida Eucharistica.
Quer elle igualmente que os que são perseguidos im.ilem suas
"irludes no meio das perseguições. O novo Arlam , cuja viela e dou-
trina eram inteiramente oppostas ao mundo, foi desprezado, odiado
e perseguido pelo mundo. A troco de seus beneficios , recebeu in-
gratidões ; de seus milagres, blasphemias; de sua doulrina, censu-
ras. Foi contradicto cm vida e depois da sua morle ; e ainda o será
aló o fim dos tempos , na Sagrnda Eucharislla e em lodos os seus
membros. Deixou-nos a sua Cruz em herança , para que a levemos
como elle ; e a seu exemplo , em meio de dores e soffrimenlos, ca-
minhçmos lranquillos como a ovelha , que levam ao matadouro ; sem
abrirmos a boca para nos queixar , como o cordeiro que fica mudo ·
diante <l'aquelle qup. o tosquia (1).
Quer elle que não allribnamos aos que nos perseguem os nossos
soffrimenlos ; mas ao poder e justiça de Deus , clizemlo como elle
mesmo disse a Pilalos : Tu nao terias poder sobre mim , se te mio
fosse dado Já de cima (2) ; que a s~u exemplo não tenhamos para
aquelles, que nos fazem o mal, senão bençãos nos labios, e cbari-
dade no coração; que assim elle orou por seus algozes. Taes os
exemplos ,_ que o Salvador nos dá incessantêmenle na sua vida Eu-
charislica.
Emfim , o novo Adam é o modêlo <le lodos os homens, em
todas as suas acções ; e a sua vida resume-se em lres palavras :
elle fez bem todas as cousas , e assim exige que nos appliqucmos a
fazer bem todas as cousas , que fazemos lodos os dias ; e disto faz
depender a nossa perfeição e. salvação. Ora, para fazermos. as nos-
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36 CA TECISl\IO
ORA.VI.O.
'
O' meu Deus ! que sois lodo amor , eu vos dou graças
po.r haverdes querido passar por lodos os estados , a f!m de os sa_n-
lilicar a todos , e me ensinar a occupal-os santamente ; permilti , -
Senhor, que eu siga a minha e cumpra com os deveres annexos a elle,
particular vocação , a fim que parlicip~ comvosco da vossa gloria
~terna.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e, em testemunho deste amO"r,
quero todos os dias fazer bem as min!tas acções.
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I>~ PEllSEVERANÇA. 37 .
LVII.ª LIÇÃO.
, ~
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~----....------- -- - --
CA TE€1S~t0
(1) Pcccat.um csL diclum, vcl factum , vel concup1lam contra legem
énlcrnam. Contra Fausto. li!>. XXII.
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DE PERSEVERANÇA. 39
faz pNdcr a amizade de Deus,· mas enfraquece em nós a sua · gra-
ça , conlrista o .Espírito Santo , e nos dispõe para o peccado mortal.
Chama-se venial_ , . isto é , perdoavel , porque é menos indigno de
perdão que o pcccado mortal. Um e outro se commeltem por pen-
samentos, palavras e obras , e por omissão. Nada mais frequente
que o peccado venial , mesmo entre os chrislãos. Atfectos d'amor
proprio , palavras inuleis, mentiras levrs , pequenas faltas de pa-
ciencia para com os lilhos e domesticos, de brandura para com os
pohres ; ligeiras dislracções, murmurações e ressentimentos, faltas
de mortificação dos sentidos , movimentos d'inveja , perguiça ·cm se
levantar , em obedecer , ou cumprir com seus deveres, são outros
tantos peccados veniaes, de que daremos contas a Deus, e pagaremos
neste ou no outro mundo.
Funda-se esta distincção dos peccados actuaes em textos formaes
da Escriptura, no ensino dos Santos Pa,dres, e na doutrina da Igreja.
S. Paulo designa evidentemente o peccarlo mortal quando diz : O
salario do peccado , é a morte; os peccadores flào possuirão o reino
de Deus l1). Quanto ao peccado venial, a Escriplnra o designa cla-
ramente quando diz : Se dissermos que estamos sem peccado illudi·
mo-nos , e a verdade não está em nós (2) . . Com effeito , esta pa- ..
lavra que , na sua generalidade, abrange a lodos os homens , não
se póde entender do peccado mortal , pois que a Sanlissima Virgem,
os Aposlolos , e particularmente S. João~ e.stavam isemptos d'elle.
No mesmo sentido se ba-de entender o que diz S. Thiªgo : que nós.
cornmeltemos todos muitos peccados (3) ; e ainda o texto do Evange-
lho , em que Nosso Senhor estabelece muitos gráos de castigos, para
os peccados eonlra a clrnridade (i).
(1) Rom. VI, 23; vede taml.icm ad Gal. V, 20, 21 ; Apoc. XXI,
8 ; Sap. 1 , 15, H.
(2) Joan.
(3) Epist.
(i) l\latth. V. vede lambem S. Angustio, de Nalur, et Grat. e. 30;
· Cone. TriJ. Ses~. VI, e. II ; rl Can. 23 , 25.
1-
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CATECISMO
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D~ PERSEVERANÇA.
o consentimento pode existir, ou directamente em gi mesmo, quando
adhere actualmenle ao peccado ; ou indirectamenle e só na causa ,
1slo é ' quando se dá motivo máo em si ' do qual se conheça ' ao
menos confusamente, que hão-de seguir-se cerlos males. Por exem-
plo , se um homem se em~reaga , sabendo por experiencia propria
que eslanllo embriagado costuma commeller grandes peccados :- este,
pois , fica responsavel pelos peccados que commelter , ainda ,que ao
commellel-os . não esteja em seu juiso.
1'/ateria grave. E' preciso para haver culpa mortal que o pre-
- ceito que se transgride seja grave , e que se conheça por tal. Ora,
conhece-se pela intenção do legislador; ou pela gravidade das penas
reservadas áqnelles ; que o transgridem; ou pela doutrina da Sagrada
Escriplura , da Igreja ou da tradição. Como nem sempre seja cousa
facil ·alcançar este conhecin1enlo, deve cada um tomar com-0 regra de
suas acções o fugir cautelosamente de tndo o que se sabe que é
peccad o (1). _
Faltando alguma d'eslas lres condições não ha peccado mortal.
D'esl'arte, o peccado será só venial, se se transgredio a lei de Deus
só em ma teria le\·e, ou só com adverlencia ou consentimento imper-
feito. Accrescentemos a isto : 1. º, que ha peccados que não ad-
mitlem parvidade de materia : taes são , entre outros, a idolatria ,
a apostasia , a heresia , o perjurio, o duelo , o homic1dio , o adul-
lPrio , et-c ; 2. º que o peccado venial de f,Ua natureza póde tornar-se
mortal de cinco maneiras : 1. º pelo rim a que se propõe; aquelle,
por exemplo, quem profere uma palavra algum tanto livre, com in-·
tenção de mover o proximo a comnwH<.·r peccado grave, pecca mor-
.·
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CATECISMO
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l>E PERSEVEl\ANÇA. .í 3
Ao menor signal do seu pensamento , as innumeraveis inlelligencias
dos Ceos correm , e , humildemente prostrados ao pé do seu throno,
lhe dizem : Eis-nos aqui. Elle falia , e os Cherubins e Scraphins .
os Anjos e os Archanjos executam suas ordens com a rapidez do
relam pago.
Este grande Deus manda , e tudo se apressa em render-lhe ho-
menagem , tudo lhe está submisso. Engano-me, no meio d'este con.
certo unanime, ouYe-se uma voz que diz : Eu não obedecerei-
Quem é pois o ser audacioso , que ergue contra' o Deus Forle, Eter-
, i10, Omnipotente, o estandarte da revolta? E' o homem ! ! ! o ho-
mem , montão vil de lodo e podridão ; o homem, ente fraco, pob_re,
miseraveJ, que não vive senão um dia , e nem esse vi\'e senão por
rsmolla : tal é o ser que se alreve a medir-se -com o Todo-Pode-
roso. Vede a insolente soberba com que pronuncia contra Deus suas
blasphemias : Bem sei , diz elle , que impondes leis a toda a natu-
i·eza , e que toda a natureza vos obedece ; mas eu não vos obede-
cerei , anles zombarei das vossas leis , das vossas promessas e das
vossas ameaç,as ; eu heide pensar como eu quizer, amar o que eu
quizcr , fazer Ludo -o que eu qmzer, e viver como me parecer.
Eis o que realmente diz um peccador , toda a vez que commelle
um peccado morta].
D'esl'arle , o peccado mortal e uma revolta declarada contra
Deus : e é alem disso uma ingratidão monstruosa. Quem é este que
ousa dizer a Deus: Eu nã~ vos obedecerei ? E' um ente curvat.lo
com o_peso dos beneficios de Deus , banhado no divino sangue que
o remio ; é o homem , em fim , para quem Deus fez o mundo , e
por quem sacrificou seu Filho Unigenitô: e, o que ha n'islo de mais
horroroso , é que o homem se serve dos mesmos beneficios de Deus
para o ultrajar. O ar , a agoa • o fogo, a luz, as trevas, o vinho ,
as plantas , os animaes , os metaes , são crealuras de Deus : o es-
pirilo , o coração, a imaginação, a alma , os olhos , os ouvidos ,
a lingo'a, os pés , as mãos , o corpo , tudo são cousas que Deus deu
ao homem ; e elle, ó cousa horrivel ! sorve-se de tudo isto para ul-
trajar a Deus! l ! INGllATO , eis o nome do .peccador. A ingralidão
é o se11 crime, crime que excita em todos os corações o horror e a in:.
dignação. O que acabamos de dizer apenas dará uma insigni-
•
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CATECIS'.ttO
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OE l'EllSKVERAl\ÇA.
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CArnCISJ\to
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DE PERSEVERANÇA.
não ha peccado mortal sem que houvesse primeiro a desgraça de ler
sido prec1d1do e prep~rado em nós por algum peccado venial. Entre
os pe.ccados que se chamam veniaes , ha um sobre tudo que conduz
quasi infallivelmenle ao mortal : é a negligencia, e principalmente a
falta habitual d'orar pela manhã e á tarde. Não pode o corpo vi-
''CF sem comer, nem a alma sem orar ; porque o sustento da alma,
o seu pão quotidiano , é a oração. O' meu Deus ! inspirai a todos
os que lerem estas li'nhas , a inabalavel resolução de nunca mais
commetler um só peccaJo venial com proposito deliberado, por mais
leve que lhe pareça (1).
2. º Dos peccados mortaes propriamente ditos - Entre os pec-
cados acluaes , ha sete, que se chamam propriamente mortaes ; por-
que são o principio e origem de todos os outros. S. João os re-
presenta no Apocalipse pela Besta d~s sete cabeças; pgrque todos os
peccados dependem delles como os membros do corpo dependem da
cabeca.
. .
São sete , como dissemos , os peccados mortaes , a saber : a so-
berba, a avaresa , a luxuria , a ira , a gula , a inveja e a pm·-
guiça.
A soberba é a de.sregrada estima de nós mesmos, pela qual nos
preferimos aos outros, e referimos , não a Deus , mas a nós mes-
mos, ludo o· que somos e 'tudo o que temos. Supposto que a so-
berba se possa considerar como origem de todos os outros peccados,
e em todos intervenha (2) , todavia alguns ha _que nascem directa-
mente della ; como são, a presumpção , · que é· o desejo de fazer o
que elcede as nossas forças e capacidade; a ambiçlio , ou o desejo
desregrado elas · honras e dignidades ; a desobediencia , ou falta de
submi'ssão aos legitimos superiores ; a !typocrz'sia , que affecta uma
piedade ·que não tem , ou ~mais da que tem ; a incredulidade, com
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48 CATF.CISMO
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DE PERSRVRRANÇA.
tanto no que pertence ao corpo como á alma, que fui eu ? que sou ?
que virei a ser?
E' a humildade uma virtude essencialmente necessaria á salva-
ção; e para a obter cumpre pedil-a e sobre tudo exercitai-a. Cum-
pre ser humilde nos pensamentos , não nos exaltando acima dos ou-
tros ; nas palavras , fallando sempre com rnodestia, e nada dizendo
em louvor proprio ; nas acções , fugindo cl'actos estrondosos e usan-
do com frequencia e espirito d'hum1ldade exercicios bumiliantes.
A avaresa é o ap~go desregrado aos bens da terra. As trui-
ções , fraudes ~ perju.rios , ú1quielações , dureza com os pobres , são
os negros fruclos deste vicio. Conheceremos que cslamos domina-
dos d'avareza 1.º, quando cubiçamos -os bens alheios; 2.º ,·quando
o desejo de.adquirir riquezas é o unico motivo do que fazemos e
emprehendemos ; quando nos alegramos immoderadamente ti.e r-ossuir ,
bens temporaes ; quando nos affiigimos com excesso pelos perder;
quando os procuramos ou conservamos por meios illicitos ; quando
não damos aos pobres o que temos superfluo ; quando não estamos
dispostos a perder o que possuímos , antes do qÜe offender a Deus.
D'aqui vem o chamar S. Paulo á avareza uma idolatria (1).
A avareza é grande peccado ; porque contraria o amor que de-
vemos ter a Deus ; aparta-nos do seD servi'ço , porque o homem não
póde ter dous senhores. Nada ha mais iníquo , diz o Espirito Santo 1
do que amar o dinheiro, o maior criminoso é o avarento (2). O
avarento é detesta vel a Deus e aos homens. O antidoto da avareza .
é a liberalidade; vit·tude summamenle necessaria. Pelo modo como
dermos esmollas e s~ccorrermos os pobres é que seremos julgados no
dia do Senhor.
A lwcuri·a é o peccado nefando e torpe ; de que os christãos
devem abori·ecer até o nome, e que, pela rndocilidade de nossas pai-
xões, se não pode definir. As causas d'este pcccatlo são a soberba,
a rneza lauta , a ociosidade , a dtirc\za com os pobres : já foliamos
(1) Eph. V.
(2) -Anro nihtl scelestius. Ercl. X, 9.
7 VI
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CA l ECISl\JO
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DE PERSEVERA~ÇA. õl
na comida o que caracterisá o peccado da gula , mas sim o exccs~o
ou falta de moderação. Pecca-se por ·gula de cinco maneiras: 1. º
comendo antes do tempo conveniente, sobre tudo nos dias de jejum ;
2. º procurando comidas exquisilas, e de grande preço, allenla a con-
dição de quem se serve d'ellas; 3. º comendo ou bebendo com ex-
cesso ; 4. º atirando-5e á comida com voracidade, como os brutos ;
5.º exigindo muitos temperos (1). Os peccados que nascem da gula
sã-0 o embrutecimento da iºntelligencia , alegria vã, a únmoderação
da lin,qua; e não poucas vezes a foxtirfo e suas funestas conse-
. qnencias. Oe todas as ·maneiras 1le peccar pela gn la , a mais feia
e indigna do homem , a que o torna inferior aos brutos. é a em-
briaguez. N'este estado ex porm-se a commelter mil desordens , é o
opprobrio dos homens, desbarata a sua fortµna, abre,·ia os dias da
vida , incorre na maldição de Deus.. A mortificação é o grande re-
me<iio da gula. Oh ! çomo e santo o costume de não deixar passar
dia, sem se privar d'alguma cousa na comfrla , para honrar as pri-
vações de Nosso Senhor em Bethlem , no Egyplo e em Nazareth '
A inveja occupa o quinto lugar entre estes monstros , que nos
lyrannisarn e mancham o coração. Consiste em ~e doer dos
bens do proximo , como se diminuissem os nossos ; e folgar com os
seus males , como se fossem bens para nós. _Nascem deste vicio a
maledicencia ou murmuração, a calnmnia, as inlri gas ., as inlrcpre-
Lações malevolas. Quem s~ enlrc~gar á inveja imita o rlemonio que,
inve.Joso da felicidade de nossos primuiros pais, os induzio ao pcc-
. cado , e trabalha sem descanço por nos fazer desgraçados; imita a
·Caim que matou a seu irmão. Abel, por ver que se lhe avantajava ;
faz emfim o papel dos Judeos que , deslumbrados pelo esplendor das
virtudes, milagres e poder de Nosso Senhor, o crucificaram. Para curar
csle mal cumpre exercer a charidade fralcrnal, e considerar que a Ínveja
arruina mais ao invejoso que ao invejado, porque o inv(.ljoso roe-se interi-
ormente; e muitas vezes se serve Deus do~ peccados do invejoso, para
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CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. ü3
tal , ter ÚlVeja das merces que Deus faz a -outrem , obstinação no
peccada , impenitencia final. Chamam-se peccados contra o Espirilo
Santo , porque se commeltem por pura malicia , sobre tudo o ter-
ceiro, que é propriamente o peccado contra o Espirilo Santo , islo
é , a pertinacia com que se pretende e se qu,er provar que uma
vel'dade conhecida é uma mentira. Diz-se que pecrar por malicia
é contra o Espii'ito Santo; porque a elle se altribuea bondade, que é o con-
trario da malicia. Da mesmà sorte se diz que peccar por igno1:ancja é
contra o Filho , ao qual se altribue a sabedoria ; e peccar por fra-
gilidade é contra o Pai , a quem se allribue o poder.
Os pecoodos contra o Espírito Sanlo leem isto de particular, que
não se perdoam n'este mundo. nem no outro (1). Todavia o
que se deve entender por isto é , que ha grande difficuldade em
obter o perdão delles. Com etfeilo, a· expcriencia tem mostrado ,
que aquelles · que o commettem rarissimamente tornam á penttencia.
Assim , quando dizemos que uma molestia é incurave] , não quere-
mos dizer que não possa jámais curar-se , mas sim que raras vezes
se cura. Quanto devemos, pois, temer <lo peccado contra o Espirilo
Santo, que de dia para dia se torna ma-is commum na terra ! Ah !
quantos homens, e até mulheres , vivem obstinados no mal , tra-
tando com indifferença todos os deveres da Religião, apezar das ad-
vertencias dos ministros do Evangelho, e dos fonnaes avisos de Deus,
laes como os flagellos , as revoluções , as epidemias? Quantos não
ousam mesmo atacar abertamente , em suas conversaç.ões, escriptos
e discursos ,. a nossa santa Religião , cuja ''erdade é tam manife.sla
como a luz do dia!
4. º Peccados que bradam ao Ceo. - Dos enormes crimes ele
que é capaz a profunda malicia humana, alguns ha, que de nenhum
modo podem colorir-se ou dissimular-se ; e por isso se cJjz que cha-
mam vingança. São eil~s quatro, a saber : homicidio voluntario;
peccado sensual contra. a natureza ; oppressão dos pobres, principal-
'.
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üE PEfiSEVli:RANÇA. 55
dislincçôesinllas, preferrncias e ad·ulações. A princ1p10 nada disto
parece perigoso nem muito máo : pois se não houver cuidado, ~quella
pai~ão de creança, ou antes, aquella pequena serpente , que o me-
nino nutre em seu interior , não. tardará a desenvolver-se, e tornar
corpo , para a seu tempo ·lhe dilacerar as entranhas. Amau exige
ser honrado, e adulado ; nem póde levar em paciencia que Mardo-
cheo não dobre o joelho na sua presença; e chega tl'ahi a querer
la,·ar no sangue d'um povo inteiro um pretendido ultrage !
Ao amor das honras segue-se o das riquezas. A infaucia e
a juventude gostam muito de ter um sem numero de coisinhas, moveis,
vestidos e enfeile1'. _Parece isto cousa indifferente, e em que não ha
perigo : pois se não houver cuidado , aquelle desregrado afferto é
outra pequenina vibora , que se acalenta no_seio do menino , e que
breve crescerá, para a seu tempo lhe dilacerar as entranhas. Co-
meçou Judas por ganhar amor a um pouco de dinheiro, e acabou
por vender a seu Mestre. .
Temos , emfim , o amor dos prazeres : todos gostam do que dá
- goslo ao corpo ; e assim os meninos go~tam do somno prolongado,
tia mesa lauta , do macio leito , em summa, de ludo que lisongea o
paladar, o olphato, a vista, o lacto ; e talvez isto nellas pareça
!ndifferenle, e de nenhum modo perigoso : pois se não hou,·er cui-
dado , est'oulra viborasinha, que se nutre no menino , não tardará
a tomar vulto e forças , para a seu lempo lhe despedaçar as entra-
nhas. Olhai aquella mulher , CUJO nome está escripto no Evangelho
com lodo e sangue : Começou Herodias por gostar de festas , e aca-
bou por pedir a cabeça do Baplista. Interrogai todos aquelles que
leem cornmeltido grandes crimes ; ~ sabereis que começaram por pou-
co , e a pouco a pouco chegaram aos maiores excessos. Impruden-
tes ! escutai a vossa historia.
Certo. dia , andando um homem a passear pelo campo, deu com
um ninho de viboras - Ao vêl-as , recuou amedrontado, e desviou-se
para longe. Reflectrndo , porem , um pouco, cobrou animo, e tor-
nando ao sitio pegou do ninho e mui contente levou para casa aqU€:1-
les perigosos reptis , e lá os foi creando com diligencia. Havia quasi
tres semanas que tinha em sua cas1 aquella interessante familia ,
quando vindo um seu amigo visital-o , e vendo aquelle foilio , lhe
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56 CATli:CISMO
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DE PERSEVER.\NÇA. 57
ORA.ÇÃO _
ff méu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças por
me haverdes dado a conhecer a fealdade e malicia do peccado
mortal ; permi_tti, Senhor , que eu nunca chegue a cair nelle.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus , e, em testemunho d'este
amor, nU!JCa c~mmetterei pecca_do· venial com proposito deliberado ,
por mais leve· que me pareça.
8 VI
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58 CATECISMO
LVlll.' UÇAO.
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D~ PERSEVERANÇA. 59
jit na lição precedente indicamos rcmedios especiaes contra as moles-
tias. da alma. , Perrnitta Deus que lodos recorram a elles com ames-
ma diligencia e confiança, ·que mostrariam para com o medico e o
remedio corporal de que faJlámos ! A palavra que annunciamos não
é nossa , mas é a infallivel palavra de Deus. Não é nosso o reme-
dio que propomos , mas do medico celeste , que veio á terra para
curar tudo o que estava eníermo. ..
Mas se um medico provasse que possuia- um remedio infallivel,
para todas as molestias, julgue-se com que affan o viriam consultar
das mais remotas parles; com que generosidade lhe pagariam o re-
medio ; a gratidão que tributariam áquelle , que fizera succeder ás
lemiveis dores da enfermidade os encantos da saude !
Pois bem, existe na ordem espiritual , isto é , na ordem em
que as doenr.as são mais numerosas, graves e perigosas, existe digo
este medico, que é Nosso Senhor mesmo : em suas mãos está este
universal remedio , que elle nos offerece, e otferece-o gratuitamente.
Para o conseguir não são necessarias fadigas nem viagens ; basta
q·uerel-o. A formula d'este remedio, que tem a duplicada vantagem .
de ser preservativo e curativo, ellc mesmo no_J-a dá n'estes termos:
Meu filho , lembra-te em todas ns tuas obras dos teus novissimos ,
e não peccarás jamais (1 ).
E' pois de fé que este · remedio é universal , que cura infalli-
velml'nte todos os males da alma ; qne não é menos efficaz para
nos preservar dos males do que para nos curar d'ellcs. D'esl'arte ,
se um homem , · rico ou pobre. novo ou velho, sabio ou ignorante,
eslivr.r em perigo de cair em soberba, avareza , luxuria, · ou algum
outro peccarlo ; se já mesmo estiver affectado e comido dessa devo-
radora lt1pra ; ide ter com elle , persuadi-o a que use deste remed_io,
e , e_stai certos, como o estais da palavra do mesmo Deus , que
conservará ou recobrará infallivelmenle a saude da sua alma. Ma1
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f,0 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 61
sualidé!de; porque não ha nenhuma de Mssas obras, que não pos-
sa , sendo bem feita, condúzir-nos á eterna bemaventurança; em fim,
porque a successão de palavras , obras e occupações ordi na rias nos
levam as horas , os dias , as semanas , os meze.s , os annos , a vida
toda , e assim nos conduzem ao Ceo ou ao inferno.
Lembra-te dos teus novissimos: eis a maneira de fazer bem . as -·
nossas acções , de bem dirigir a nossa vida , é Ler os olhos conti-
nuamente lixos no fim a que havemos de chegar, como o navegan-
te que , para abordar a uma ilha remota, perdido no meio do Ocea-
. no , não tira um instante os olhos da bussola , ou da estrella polar.
Lembra-te dos teus novissimos; e _para isso vigia em teus sentidos
inleriores e exteriores , temendo que as preoccupações e distracções
-alheas do leu fim, não venham enfraquecer ou apagar na lua memoria
esta luminosa lembrança, e vas caminhando rara o inferno ao luar en-
ganoso das maximas do mundo , das suggestões do demonio ~u dos
falsos dictames dns tuas paixões. Lembra-te dos teus novíssimos ; e
para isso medita totlas 3s manhãs nos quatro ultimas fins do homem·;
considera-os attentamente, d'um modo proporcionado á tua iclade, in-
dole e occupações. renova pelo dia adianle esta meditação; esteja
a tua alma repassada destas i_deas, quando adormecer á noute. Para
te ser mais facil o uso d'este remedio, que le hade dar a saude da
eternidade , aqui le ensiuaremos o modo de fazer esta meditação.
1. º Sobre a morte. Podemos considerar quatro cousas. A
primeira , que a morte é cerlissima. ,Eu hei-de morrer: eis o que
dirás comt.igo. A segunda • que a hora da morte é incerta, e que
muitas pessoas morrem quando menos o pr.nsam. Dize , pois : Eu
nfío sc1i quando morrerei ; o que sei é que posso morrer bem cedo,
basta um instante para morrer. A terceira, é que com a morte aca- •
b:u:1 to.ios íiS prnjt•ctns , e empresas da vida, então se conhece toda .
a ·:aidJdr d' ,•st(~ mundo ; dize pois com ligo : Eu serei despojado de
tudo , separado de tudo , esquecido de todos (1). A quarta '·que na
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62 ta.TEClSMO
-morte nos arrependemos do mal que temos feilt>, e do bem que dei-
xamos de fazer ; é pois ioqualificavel loucura fazer o que sem du-
vida nos arrependeremos de ter feito; dize pois ainda : Que pezar
não lerei eu depois , por ter abusado de tantas graças l
2.º Sobre o juiso. Podemos considerar lambem quatro cousas.
A primeira , que o juiso terá por objecto uma cousa da ult.ima im-
porlancia, a summa fellic1dade ou a summa desgraça : lá se ha-de
decidir se eu serei um Santo ou um reprobo. A segunda, que o juiso
será feito pelo juiz Supremo, que sabe tudo , e a quem -ninguem
póde resistir : Os meus peccados occultos serão postos á luz do dia,
'. e me cobrirão de confusão, se eu d'e11es não fiz penitencia. A ter-
ceira , que será feito em pres~nça de todas as nações juntas, de
sorte que ninguem poderá esconder-se : Lá comparecerei eu , serei
visto, conhecido e chamado pelrr meu nome. A quarta, que não
haverá esperança de illndir a sentença da justiça Divina : Irei ha-
bitar para todo sempre o lugar que me for· determinado- pela Omni-
potencia de Deus.
3. º Sobre o inferno. Podemos' considerar outras quatro cou-
sas. A primeira , suas dimensões -; é um abysmo de largura , ex-
tensão , alfura e profundidade immesuravel. E' largo , porque con-
tem todos os tormentos imaginaveis para a alma e suas faculdades,
para o corpo e seus sentidos ; extenso , porque lodas as suas pe-
nas são eternas ; alto, porque todas são elevadas ao mais allo gráo ;
profundo, porque são penas sem descanço nem allivio._ Estou en
disposto a ir hab!tar por toda a eternidade n'estas chammas arden:-
tes ? A segunda , seus hábitanles. O inferno é a habitação dos de-
mon~ios, inimigos implacaveis dos homens, que se entreterão cruel-
. mente em atormentai-os, em_ insultar as suas dores ·; é_a habitação
de todos , quantos malfeitores, assassinos, ladrões, impudicos, máos
filhos , pais , esposos , tudo quanto houve máo no mundo , que Já
eternamente se amaldiçoarão uns aos outros : ser-me-ha agradavel
esta companhia~ A terceira, seus tormentos , que são de duas
qualidades : a pena de damno, ou privação .do Soberano Bem : ·Per-
di a Deus , por minha culpa , por uma bagatelJa, perdi-o sem re-
medio ; a pena de sentido , ou a dor corporal , que consiste em es-
tar sepullutado n'um abysmo de fogo , penf.ltrado de fogo , como a
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DE MmSE\'EUANÇA. 63
carne salgada empl'egnada de sal (1 ). Não tocar senão fogo, não
respirar senão fogo, sem jamais esperar a mais pequena gota d'agoa,
que diminuir possa o ardor , ou refrigerar a ardente sêde que me
atormentará noute e dia , sempre , sem fim. A quarta , o caminho
-que vai O.ar ao inferno. O caminho do inferno é o peccado ; pri-
meiro o peccado venial , que , enfraquecendo a alma , a dispõe para
as q uetlas mortaes ; depois o p eccado mortal , que nos abre a porta
do abysmo , e lá nos assigna o lugar para onde iremos , logo que
a morte , desferindo o golpe , alli precipitar. a sua victima : Se n'este ·
instanle morrer ., para onde irei eu (2)?
4. º Sobre o Paraiso. Podemos igualmente considerar quatro
cousas. Primeira, suas dimensões. E' largo o Paraiso , rorque
· contem todos os bens imagina veis e até os não imagina veis para a
alma e para. o corpo ; é extenso, porque todos os seus bens são
eternos ; alto ., porque todos são nobilíssimos , e muitissimo supe-
riores a quantos prazeres conhecemos ; profundo , porque todos os
seus bens são puros , sem mistura alguma do mal : E não quererei
cu fazer alguma cousa para os obter ! A segunda, seus habitantes.
O Ceo é a luminosa habitação da Sanlissima Trindade, da Huma-
nidade de Nosso Senhor Jesu-Christo , da Sanlissima Virgem , de
todos os Anjos e Santos, · isto é, de tudo o que ha tle mais bello,
arnavel e perfeito ; que são as magnificencias da terra em compara-
ção d'aquellas? A terceira, suas delicias ; que são <le duas espe-
cies : a felicidade da alma , que vê_, possue e ama _o Soberano Bem.
A felicidade do corpo , que goza a vida , a saude, a belleza, a ju-
ventude eterna : não d.irá isto cousa alguma ao meu coração , a este
coração tam apaixonado dos bens da terra , que não 'teem nenhuma
. rias quatro condições dos verdadeiros bens? Com effeito , estes são ·
poucos , breves e pequenos / misturados de muitos males e muitos
desgostos. Por outrà parte os males do mundo, aliás de pouca im-
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CATECISMO ·
(1> Qui in m\oimis fidclis cst, ~ct io maJori fidclis est. Luc. XVI, 10.
[2] Desolatione desola ta est omnis terra 1 quia nullus est qu i rccogi-
let corde. lerem. XII, 11. • -
(3) Coosideratio hujus scotcntire , dcstructio est supcrb1re, cxtinctio
invidire , medeia matitire , effugatio luxurire. evacuat10 vanitatis eL jactan-
l1re, constructio disriplinre. períectio saoctimooire, prreparatio salotis reter- .
nre. Specul peccat. e. 1 ; Cor. a Lapid. ln hunc loc. - Aiosi, on ,ne
saurait trop répandre ct trop lirc Jc petit ouvrage rn titulé : Pensez y
bien.
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i'l'
DE PEllSEVEH.ANÇA. OiJ
- (1) Virlus csL bona qualalas menlis (seu hobit11s), qua recte vmtur,
qua nullus mate ulit~; vel . quitfam lubilQs perficicns hominem ad hene
operandum. 1, ~. q. õa, art. ~; id q. õ8, nrl . 3.
·9 VI
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CATECISMO
. {1) . . . Quam Deus in oobis sinc no bis operalur; qure quidem par.
licula si aufcratur , rcliqnum definition_is erit commune omnibus virtuti-
bus , cl acquisitis ct infus1s. Itl. id. g. 5ã , art. 4. - Virtutes infusre,
seu supernaturales ~ sunt illre qnre ncqueunt, per potentiam naturalem '
compara ri , scd ex natura sua intrinsrca postu lan~ infundi, sicque no bis
a Deo immediate rnfundunlur, ul snnl habilus lidei, spci e( charilalis ,
qui etiam parvulis in Baptismo di,·initus infunduntnr, ex Cone. Trid. Sess.
VI, e. 7, ibi: « lo ipsa 1uslificalione rum remissione percálorum hrec
omnia simul infusa acc1pil homo per Jcsum Christum., cui ·inscritur, fidem,
spcm ct charitalcm. » V1rlntcs arquisitm , seu na t•iralcs sunt 11lre qure
e:< natura sua possunl physice arqlÃiri ab 1psa polcntia per frequeotatio-
ncm aclnnm, et de farto nostris frequcnlalis actibus comparanlur, cl
acquirnntnr, ut sunl habitns humil1tatis, temperaotim , mansuctudinis csl
hujusmodi. Ferraris, art. Virlus, n, 6, 7.
(2,1 Virlus intcllectnahs cst per flUa m intel lcclus períicilur _ad con-
síderandum verum : hoc cnim esl bonum opus cjus ... poniL has solum
lres \"irtules inlcllcctuales, scillicel • !"apicnliam, s•ntiam cl inlellcclum.
O. Th . 1, 2, q. 57, arl. ~.
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DE P~RSEVEl\t\NÇA. G7
a existeucia. Na ordem moral , o homem aperfeiçoado pela sabedo-
ria vê todos os acontecimentos , o engrandecimento e rui na dos im-
pcrios , as revoluções dos povos , suas tendencias , os castigos ou
recompensas que recebem , na causa das causas , na Providencia
ele Deus. Que superioridade não dá .ella ao homem , que ineffaveis
prazeres lhe não procura ! Que admira, pois , que Salomão não pe-
dissl' outra cousa ao Senhor , e dissesse que com ella lhe vieram
juntamente lodos os mais bens (1 ).
A oração , a leitura de bons li nos , a puresa de coração e a
meditação' são os principaes meios d'obter a sabedoria divina, que
~os presen'ará da sabedoria mundana , cega , maldita , rnimiga mor-
tal de Deus e de nós C2). Oh ! quanto a primeira é rara, e por con- _
sequencia necessaria em nossos dias t Suppliquemos , pois , ao Se- -
nhor , dizendo-lhe como Salomão : Dai-me , Senhor , a sabedoria
que assiste comvosco,,,.rw vosso throno , a fim que ella opere comigo,
e eu saiba o qne vos é agradam~/ (3). -
A sciencia é, uma virtude , pela qual o nosso espirilo vê as
cousas em seus effeitós , em suas consequencias e no que ellas nos
tocam mais fie perto. O homem aperfeiçoado pela sciencia , juJga ,
discute , analysa , prevê , refere os effeit os ás causas, os priocipios
ás consequencias • e·ncadea os raciocrnios, fórma syslemas que o con-
duzem a preciosas descobertas , seja na ordem material , ou na mo-
ral. Pode-se pois dizer, que o sabio olha de cima para baixo ; o
scientifico , debaixo para cima ; aquelle desce ·das causas aos effei-
tos, este sobe dos effeitos para as causas (4). Se nada é mais
(1) Omn1a hona n~ocrunt mihi pariter cum ilia. Sa1l. VII, 11.
(!!) 1 Cor. III • 19 ; Jacob. IIl , 15.
(3) Da mihi sedium tuarum assistricern sapieoLiam ..• ut mecum sít
el mecum Jaborct ul sciam quid acceplum sit apud te. Sap. e. IX, .4,
10.
- ( 4) Sapientia coosidcrat a1trssimas causas .••• Unde convcnientcr ju-
dicat et ordinal de o"1nibus, quia judicium perfectum et univcrsalc habcri
non potest oisi per resolutiooem ad primas causas. Ad id \'Cro quod cst
•
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.68 CATt:CISMO
perigoso que um · meio sabio, nada nms ulil que um sabio inteiro.
Cada um_fle nós é obrigádo , na condição em que Deus o collocon 1
a tornar-se solidameole sabio , isto é, a adquirir toda a sciencia
necessaria para o cumprimento dos seus deveres para com D~us.
·para com sigo mesmo e para com o proximo. Jamais foi -permitli-
do a pessoa alguma o permanecer na ignorancia , assim como não e
permitlido ao lavÍ·ador deixar o seu campo sem cultura , ou ao ser-
vo, deixar improductivo o talento <le seu Senhor. Deus condemna
a ignorancia volunta.ria ~ em quanto promelte magnificas recompen-
sas áquelles, que tiverem aperfeiçoado o seu espinlo pela sciencia (1 ).
Os principaes meios d'aquirir a sciencia são o recolhimento, q estudo
e a docilidade.
A terceira virtude intelectual , que se chama inlelligencm , é
um habito que aperfeiçoa o nosso espírito, e o habilila a conhecer os
princípios das cousas taes como são Pm si mesmos , feita abstrac-
ção das conclusões, (Jlie d'elles nascem C2). O home.m dotado d'esta
admiravel virtude vê a verda<le pura; qual a aguia real, da qual
se diz que fita os olhos no sol sem deslumbrar-se. As suas pala-
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DE PERSEVERANÇA. 69
vras são lucidas' , admiraveis as suas descobertas , respeilaveis as
suas decisões. Quam necessarja nos é esta· mtelligencia, para rnm-
per as nuvens e _9issipar as trevas, que os alheios sophismas, e
as paixões proprias agglomeram , hojt~ mais que nunca , em torno
do-s princípios, ainda os mais inconteslaveis ; das ve~dades , ainda
as mais necessarias á conservação da Religião , da sociedade e da
familia. Tal é, segundo o oraculo do Espirilo Santo , o effeilo par-
ticular d'esla virtudH, que não devemos cessar de pedir a Deus, e
procurar ailquiril-a , hbertan<lo-nos do imperio dos sentidos, desem-
baraçando-nos dos interesses mundanos, e contrahindo o habito da
reflex~Q (1 ).
A sabedoria , a sciencia , e a intelligencia são as tres grandes
virtudes , que aperfeiçoam o nosso espi ri to. Todas tendem ao mes-
-mo fim • distinguindo-se só em sua na lureza intima , que é a sua
superiori•fade relativa. D'est'arte a sciencia depende da inlelligencia,
e uma e outra da sabetloria > que as contem ambas ; pois a sabe-
doria abrange assim os effeitos e consequencias das cousas, como as
causas e princípios que as produzem (2).
As virtudes moraes, isto é , que teem por objecto as inclina-
ções e propensões do homem, são as que lhe aperfeiçoam a vontade,
pela pratica do · bem , e pelo recto uso da sua rasão. Se elle as
·exerce por meros motivos na.turaes • são ellas então virtudes pura-
menle moraes , humanas, estereis para a salvação. Se por motivos
da Fé , tornam-se sobrenaturaes , christãs e meritorias para a vida
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70 CATECISMO
· {1) Virlus humana cst quídam hahilus perfic1cns hominem l\<l hcne
opcrandum. Principium autem humanorum acluum iu hominc non cst nisi
duplex, scillicel inlellectus SÍ\'e rat10, et appctitus: hrec ca1m sual duo
movenlia in hominc ... Unde omnis ,·irlus humana oporlcl quod sil per-.
fcctiva alicUJUS istorum priocipiorum. Si quidem sil pcrfecliva intelleelus
spcculativi vcl pratica ad bonnm homin1s aclum , cril \'Írlns inttlllértualis;
si autem sil pcrforlirn appctitirn~ partis, crit virlus morali!C. D. Th. 1. 2,
q. 58, art. 3.
(2) Bcllar. !Jotfr. crisl. p. ~09.
[3] Prudcntia cst appelcnclarum ct ''1landarum rerum scíentia. S. Auiz.
ne Liber. arbitr. lib. 1, e. 13. - Virlutcs cardinalc~ qualuor assignantur,
scillicet, prudenJia, justitia, lcmperantia cl íorliludo, de quibus legitur
Sap. VIII , 7 : Sobrietatem e11im et prndenliam docet • et jusfiliam • f't
virtulem, quibus utilius 7'íhil e.'lt in víta hominibus. Undc S Amhr. '1r
· e. VI Bvang. Luc. sic expresse hahcl: Scimus virtnlcs esse qnatuor car-
dinalcs , tempcranlaam , Jl1Sl1Liam , prudent_iam • forlilndinem ; et S. Ang.
ln Psa/. 83 , v. 8: cc Virlules, inqnil, agcndre v1tre noslr<.e qualuor des·
cribunlur a mullis, ct in Scriplura invcniuntur. Prudenlia d1cilur, qna
dignoscimns inter booum et malum ; justilia clicilur , qua sua cuiquc Lri~
b~imus, nemini quid quam debcntes, scd omnes diligentes; temperantia
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. 71
verdadeira sciuncia dos Santos (1 ). A prudencia influe em todas
~s faculdades· da alma , e de todas se serve para cheg~r ao seu fim :
.serve-se da memoria , recordando-nos a experiencia propria e alheia,
os enos em que lemos caido e visto cair os outros , a fim ·de nos
· premunirmos contra novas quedas ; e bem assim as occasiões do
mal, para nol-as fazer evitar; serve-se do entendimento, para nos
esclarecer sobre o que devemos desejar, ou sobre o que deveremos
pensar dos homens e das suas disposições : serve-se da vontade ,
dirigindo-a em todas as suas operações.
A prudencia ex tende-se · a ludo , e toma differenles nomes , se-
gundo os objectos a que se applica : a prudencia pessoal ensina a
cada um o que lhe cumpre fazer a respeito de si mesmo , da sua
alma e do seu corpo ; a prodencia domestica. ensina aos pais e mãis
a maneira de educar seus filhos , d~ tratar os seus negocios espi-
rituars e temporaes , de cumprir suas ·obrigações um para com o
outro ; a prudencia politica ensina .aos chefes das nações , seja na
ordem espiritual ou temporal, a governar seus subditos, a fazer
observar as leis divinas. ecclesiaslicas e civis~ a prudencia legisla-
tfva ensioa aos legisladores a fazer leis sabias, justas , convenien-
tes e aptas a produzir o bem dos povos ; a pruJencia mi"ti1ar ensina
aos generaes as regras que devem seguir, para combater com bom
exilo, e triumphar com moderação (2).
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CA1'1CISMO
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DE P~ltSEVEllANÇA. . 73
tratamos , e . que consiste essencialmente na vontade de tirar partido
de Ludo para a salvação, e tudo perder antes que a alma ; pri- o
meiro consiste em a pedir a Deus ; o segundo , em tomar conselho
com pessoas prudentes e discretas ; o terceiro cm perguntar cada
um a si mesmo , antes de começar alguma cousa : Poderá isto ser
d'algum modo co'!venienle á minha salvação?
A justit7a é a virtude, pe]a qual damos a cada um o que lhe
pertence (1). Ella serve para estabelecer e conservar a igualdade
nos Clhllratos , fundamento da pàz e lranquillidade publica e domes-
-llca. Na verdade, se cada u~1 se contentasse com o que lhe per-
!ence, sem cubiçar o~ béns alheios, jámais haveria guerras ou dis-
cordias. Esta virtude, absolutamente necessaria , obriga os parlicu-
. lares a dar á alma o que lhe pertence, ClUC são os seus alimentos
e remedias espiriluaes; ao -corpo, o que tamhem lhe pertence, que
são o seu sustento , e vestido ; a vender por preços rasoaveis, a ler
boa fé nos contratos , a reparar o mal ou os damnos causados. Da
mesma sorte obriga aos chefes do estado a administrar justiça a
todos, que nem para outra cousa eslam inveslidos do poder (2); a
distribuir os empregos , dignirlades , e honras , não por favor , mas
pelo merecilJlenlo.
Obriga tambem os povos uns para com _os oulros a ~bservar
a equidade, e não fazer guerra sem justificados motivos; e ainda,
em guerra justa, a respeilar as leis da humànidade, taes como o
Chrislianismo as tem estabelecido enlre os povos ci vilisados. Obriga
emfim todos os homens a dar a Deus · o culto e h-0menagem que lhe
é devida : e d'aqui o preceito fundamental do Divino Mestre: Dai
a -Cesar o que é de Cesar , e a Deus o que é du Deus (3).
(1) Just1lia ea lirtus es~ quaY su~ cuique JísLrihuit. S. Aug /)e Ci-.
vil. Dei, lib. XIX , e. 21.
[2] Por isso di!ise certa mulher do povo ao imperador Trn1ano: « Aut
JUS dicilo, aut imperalor esse desinito. n
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CA l'ECJS\IO
...
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Dls PERSEVEllANÇA.
(t)
.
Forliludo esl ronsidcrala perirulorum susccptio et lal>orum per-
pess10. D. Th. ·2 , 2, q. 123, art. ~.- • ,,
•
•·
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76 CA'l'ECISl\10
lilJS , ct concupisceo\ias
- .
(2) Tempcrantia est virtus reframans ac modcrans iuordinalos appe·
ac voluptates corporis quibus prresertim gustus
cl tartus allicitur. Ferraris, arl. Vfrt. n. 130
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DE PlmSKVEilANÇA. 77
em absler-se de toda a sorle de prazeres , mas sim regular o uso
d'elles· pela bõa rasão e a lei de Deus. Assim definia a temperan-
ça , é impossível desconhecer a sua necessidade. A obrigação de
exer~r esta virt.ude está consignada pelos ditferenles homes de mor-
tificação , abslmencta, conlinencia e sobriedade, em cada pagina das
SagraJas Escripluras, da vida de nosso Senhor e dos Santos.
As principaes virtudes que nascem da Leccperança , são · a abs-
tinencia, que nos modera no uso dos alimentos, e no gosto de os
saborear; e pela qual especialmente observamos as leis da abstillen-
cia e do Jejum , estabcle~idas pela lg-reja ; ~ sobriedade , que ºº"
modera no uso das bebidas, sobre -tudo espirituosas ; a ca$tidade,
·que modera e reduz aos limiles do dever a inclinação ao prazer
ramal (1) ; o pudor, que é um virtuoso pejo, com que cvilamos as
· - vislas, familiaridades, e ac·ções ..t}Ue podem offender: a castidade; a
modeslia , que regula os movimentos. interiores e exteriores do ho-
mem (2); a humildade, com ""que nos apoucamos pelo conhecimento
da nossa propria miseria , conformamo-nos com a disposição da Pro-
videncia , e referimos a Deoe .todo o bem que podemos fazer ; a
brandura que modera os ímpetos da alma , e~ evitando a impacien-
cia e a colera , e conservando a paz e tranquilidade do espirilo, faz '
com que tratemos sempre ao proximo com a mesma sua\'idade ; -a
clemencia , que adoça, quanto a rasão e a justiça exterior o permille,
as penas 1nerecidas pelos. culpados, e até lhes perdoa já por causa
do seu arrependimento , já por oulros motivos legitimos .
..;)3 "principaes vicias opposlos á temperança são, por defeito: a
im;ensibilidade' que consiste em nos :1hslermos ' contra 3 ordem de
neus, das cousas necessarias á vida, á saude, ao cmr1primcnto dos
.·
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/
78 l',A TECISMO
...
(t). 1 Cor. e. xm
-,
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~e
.
não · tem um amor firme e conslante da ordem em maleria de
fortaleza , temperança ou prudencia. O mesmo é a respeito das oú-
lras virfüdes moraes, que todnia podem , supposlo que em estado
de i-mperfeição, existir uma sem a outra (1).
Cumpre saber: ~-º que todas as virtudes, em certo gráo, são
prrcisas á salvação. Assim , ninguem póde salvar-se sem que tenha
em gráo proporcionaao á sua idade , condição e educação , sabedo-
ria ,. sciencia , inteligencia , prmlencia , justiça , forlalesa ,
temperança , Fé , Esperança , Charidade ; e as mais virlu-
. <les particulares , que dependem e .nascem d'aquellas virtu<les-prin-
- cipaes. Sustentar o contrario seria dizer que a arvore esleril é boa
arvore, que o servo ocioso é bom servo , que o discipulo d'um
Deus modêlo de todas as virtudes é bom discípulo, posto que e não
imite , e despreze as palavras , com que elle l1iz : Eu vos dei o
exemplo , a fim que façais como eu tenlto feito; aprendei de mim
que sou brando e humilde de coração , e mil outros textos em que
expressamente se nos manda, não só evitar o mal ,· mas praticar o
bem. Seria dar um desmentido formal a todos os Sa!llos -que~ pela
duplice prégação da palavra e do exemplo , nos leem en~nadõ a ne-
cessitlade da vi1;lude. W pois , como já dissemos , do maior inte-
resse do homem , embeber-se nesta obrigaç.ão , estudar com dili-
gencia as differentes virllT'des quanto á sua natureza , qualidades ,-
applieaçf:o p, acquisição. Já deixamos indicados os meios d'adquirir
{1) Orunes \'Írtutcs morales, sive cardioales, Sl\'C eis adjunctre, suot
ita inter se ~ conncx.re, nt nu lia porsus absquc creterarum comitaln ohtrneri
possi! in tatu perfccto. Ferraris, arl. Virt. n. 91; S. Aug. Epist. 167.
- - V1rlutes si siot disjunclre; noo possunt esse pcrfcclre secundam rntio-
... nem virtutis , quia nec prudcntia vera cst , qure justa ct temperaos et
fortis noo est S, Greg. H Moral. e. 1 ; D. Th. 1, 2, q. 65, art. 1. -
Potesl tamen una (virlus moralis) sioe cretcris aliis esse in slatu impre;
fecto. D. Th. ld. 1d ; Ferróris, arl. Yirt. o. 91.
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80 Ct\TECISMO
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. .
DE PERSEVERANÇA. 81
Resumamos lodo este magnifico systema de virludes , que são
lambem o resumo de toda a doutrina do Divino Mestre. Assim
como ha dez mandamentos , que produzem e encerram em si todos
os mais, assim ba dez grandes virtudes, donde nascem e para onde
fluem todas as outras. Estas ,·irtude s são : a sabedoria, a sciencia,
a intelligencia~ a prudencia , a justiça, a fortaleza , a temperança ,
a Fé, a Esperança e a .Charidade. Assim como ha tres inanda-
men\os que regulam as nossas relações com Deus ; e sete, que as re-
gu Iam para com nõ·s mesmos e o proximo ; assim hà fres vfrtudes,
que se referem a nós mesmos e ao proximo. Da mesma sorte que os dez _
mandamentos se encerram no preceito ,da Charidade , assim todas as
virtudes se refundem nesta mesma virtude , que é a sua primeira
e ultima expressão. D'est'arle, as tres primeiras virtudes, chama-
das intellectuas , aperfeiçoam o nosso entendimento, e o tornam apto
para discernir a verdade ; as outras quatro, que se denominam mo-
,,. raes e cardinaes , aperfeiçoam a nossa vontade , e a tornam apta
. para operar o bem ; as lres ultimas, chamadas theologaes, aper-
feiçoam o nosso enlendimenlo e vontade de sorte , que nos habili-
tam a entrar em relação com Deus • operar o bem sobre-naturál, e,
por consequencia , conduzem-nos a felicidade- suprema, que é a nossa
união com Deus pela Cbaridade n'este mundo e no outro.
n··esl'arle todas as virtudes estam entrelaçadas umas com outras,
~ todas leem por ultimo fim o desenvolver o homem em Deus, du-
rante as luctas da vida, cm quanto não vai desenvolver-se comple-
ta_mente nas delicias da etermdade ; porque no Ceo é o amor. Ha
ahi por ventura cousa mais bella , predosa , e digna do homem e
de Deus?
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/
~ C.\ TF,CISMO
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D~ PRRSEVERANÇA. 83
cordia ! Aquelle mesmo que poucos dias anles havia negado trc!i
vezes seu Mestre diante d' uma serva do Ponlifice dos J udeos ! O
mais ftaco para a mais importante empreza 1 Uma fragil canoa para
sustentar o Universo! Um grande peccador para s~r o Douto1· da fé
e Pai dos Christãos ! Em uma palavra, o Vigario do novo Adam
será o Apostolo S. Pedro !
Nada ao mesmo tempo mais sublime e patbelico que as cil'cums-
tancias da sua ordenação. Vejamos como ella se effeituou.
Pouco antes de subir ao Ce9, estando o Salvador no meio de
seus Apostolos , levantou os olhos para Simão Pedro , e endereçou-
Jhe eslas mysleriosás palavras: Simão, filho de João, tu amas-me
mais que todos estes que estam comigo? Não atinava Pedro, nem
. os seus companheiros com o fim a que se dirigiam aqu_ellas palavras.
Que queriam ellas dizer?
Quando um rei pretende confiar um cargo importante a um de
seus subditos, exige delle garantias e cauções: assim fez Nosso Se-
nhor. Este divino. Pastor que acabava de derramar seu 'sangue para
salvar suas O\'elhas , eslava a ponto de as deixar, e resolveu con-
fiar a guarda dellas a Pedro seu discipulo.
Antes porem de o honrar com tam sublime encargo , exige de
Pedro uma caução , demanda-lhe garantias. l\Ias que caução pode
elle obter d'um pobre pe::;cador , que não possue outra cousa que a
sua barca e as suas redes? A maio1· comtudo e a mais segura que
um homem possa offerecer , o amor; 'mas o amor levado ao bero-
isruo , o amor prompto a. immolar-se cm serviço <le seu amo , e em
tlesempenho de seu cargo : tal a caução e as garantias que o Filho
de Deus exige de seu Discipulo. -
D'est'arle , fazendo a S. Pedro aquella pergunta : Amas-me tu
mais que estes? Jesus lhe dizia : Eu quero dar-te um testemunho de
maior confiança que aos outros ; queres tu , <la lua parte , dar-me
lambem maior garanlia da lua inviolavel fidelidade ? Amas-me tu ?
is lo ~ , estás tu disposto , e mais disposto que os ou lros , a sacrifi-
car por mim e pelo meu re.banho a tua sande , fortuna e a mesma
vida ? Responde S. Pedro com humildade : Senhor , bem sabeis que
vos amo. Só enlão , obtida (\Sta segurança , é que o tlivino Pas-
tor Jhe , diz : Apasccnl.a os meus cordeiros. Penetrado de rnconhc-
•
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84 CA1'ECIS.MO
crnienlo , conheceu· Pedro a honra infinita que lhe dava seu Mestre.
O Salvador; para Ih.e dar bem a conhecer a i01porlancia do encar-
go, segunda vez lhe pergunta : Simão , filho de João, tu amas-me'!
Sim , meu Senhor , responde outra vez Pedro , bem sabeis que vos
amo. E Jesus lhe disse : Apascenta os meus cordeiros. Os corctei-
ros do enhor são os simples fieis.
Bastariam já e3las seguranças • se Pedro não houvesse dtl ter
outro encargo mais que de guardar e apascentar os cordeiros; mas
irncumbia-lhe a guarda não só dos (9ortleiros, mas t.ambem das ove-
lhas , dos Fieis e d.os Pastores. E le encargo , que era o cumulo
da confiança do l\leslre e da, gloria do Oi cipulo, eligia ainda nova
caução. O Salvador lhe pêrgunta , poi , a LP-rceira vez : Simão ,
filho de João , tu amas-me? Só um coração , lam dedicado a Jesus
como ·o do primeiro dos Apostolos, poderia sentir lam vivamente
como elle a apparente amargura e inquietação d'uma peraunta simi-
lbantc, e tantas vezes repelida : de perlavam-se-lhe as mais tristes
recordações. Pedro mava muito , e por isso temia que ainda não
fosse bastante o seu amor. Turvado , confuso, responde com as la-
grimas nos olhos: Senhor , nada vos é occulto ; vós sabeis que eu •
vos amo. Complctára-se a provação , deram-se todas a garantia .
O Salvador, satisfeito já, diz-lhe a ultima vez : Apascenta as mi-
nhas ovelhas.
Era bem curta nas palavras, mas quam extensa a signiíicaçãtl
desta phrase; e quam abundanlernênte recompensam a inquietação,
que o Santo Apostolo aca.bava de soffrer ! Ja se lhe~ não confiavam
só os tenros cordeiros, figura dos imple Fieis; mas ainda os pas-
tores particulares dos differentes rebanho , rt-'presenlados nas ove-
lhas; mãis dos cordeiros. Todos foram confiados .por Nosso Senhor Jesu
Christo , como parle do total rebanho, á vigilancia e auclorhlade
de Pedro. A catla um destes pertence ' apascentar uma porção do
rebanho, e todos os rebanhos juntos com seus pastores devem en-
cerrar-se em um só aprisco , sujeitos ao baculo do Pastor commum.
Assim foi sagrado o pri"meiro Papa. Uma immensa dignidade
rm troca d'um immenso amor: taes as condições d'esle contrato su-
blime , celehrado entre o Creador e a crcalu ra , o Mestre o o dis-
cípulo.
..
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· DE PERSEVERANÇA. 8õ
Foi Pedro , pelas palavras de Jesus, cons Liluido seu vigario em
_toda a extensão do seu reino ; Bisp<! não só d'alguma particular Sé,
mas Bispo dos bispos , Padre dos padres , centro da· unidade cal.ho-
lica, Prelado da Igreja universal , Principe dos Pastores ; ou , por
outras palavras , e altenla a natureza da sua dignidade , Servo de
todos os servos de Oeus. Eis o que é ainda hoje , e será no espi-
rito de lodos os Fieis e de todos os Pastores catholicos , o succes-
sor de Pedro • Vigario de Christo na terra. Assim é que por um
instincto religioso , commum a todos os membros e a todas as ordens
da Igreja ; ao ou\'ir o nome do Summo Ponlifice nos sentimos
penetrados d'ac1uella profunda veneração e terna confiança, que os bons
filhos tem com seus pais. Chamamos-lhe o Nosso Santo PADR~, o PAPA,
porque todos em geral e cada um em particular somos seus filhos.
Ai de nós séa deixamos allerar estes sentimentos ou aeolir esta lin-
guagem 1 Não ba signal' menos equivoco · da decadencia da Fé-nas
familias , e da proxima defecção dos povos , que o diminuir este res-
peilo e esfriar este amor.
Nalla mais augusto que a dignidade com que o Salvador honrava
a seu d1scipulo , para lransmiltil-a a seus successores ; mas esta dig-
nidade mesma impunha-lhe tremendas obrigações: nem permittio Nos-
so . Senhor que elle as ignorasse ; antes lhe manifestou claramente a
que ponto devia chegar aqueJlo amor que exigira delle, por caução '
da sua fidt~lidade. Disse-lhe , pois : Pedro , quando tu eras novo ,
cingias-te a li mesmo , e ias para onde querias. Quando porem fo-
res velb.o estenderás os braços : outro le cingirá, e le con·duzirá para
. · onde tu não quererias ir. Annunciava o Senhor a Pedro o genero
de morle com que um dia havia de glorificar- a Deus , que era o
supplicio da Cruz.
Não se entristeceu PedrÔ com a predicção. Estimando mais a
honra de morrer na Cruz como seu Mestre , que a gloria de gover-
nar a sua Igreja, ~unca se esqueceu elle d'aquella terna profecia.
Trinta annos depois sendo já sexagenario , suspirava pelo cumpri-
mento do Oraculo, e escrevia aos fieis, de quem era amado e re-
rnrenciado como pai : (e Meus filhos , justo é que eu vos exhorte e
instrua , em quanto permaneço nest~l carne mortal. Eu estou velho; ·
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86 CATECISMO
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D& PERSEViRANÇA~ 87
barca immortal de Pedro por sobre a8 ondas , ·em quanto durar a
prova do tempo concedido á· especie humana , para que se reha-
bilite. Então voltará a separar para sempre os que sahiram tia
vida purificados , dos que , abusando della , sahiram peiores do que
entraram. Eis a formidavel verdade que o Filho de Deus fez annun-
ciar n'aquella mesma hora a seus Apostolos , e por elles ao uni-
verso. Tinham elles ainda os olhos filos no Ceo, quando dous An-
jos , em figura d'homens , vestidos de branco , appareceram ao lado
delles e lhes disseram : Homens da Galilea , que estaes olhando
para o Ceo? Aquelle Jesus, que para lá vistes subir , tornará um
·. dia , com o mesmo poder com que ascendeu ao Ceo. A estas pa-
lavras, outra yez os Apostolos adoraram a seu Divino Mestre , e
voltaram a Jerusalem, entraram com a Santissima Virgem no Ce-
naculo ·, dando principio áquelle retiro ,' modêlo de todos os retiros,
que havia de terminar por tantos prodígios, tam gloriosos para o
Salvador e consoladores para nós.
ff meu Deus 1 que sois lodo amor , cu vos dou graças por
me haverdes feito nascer no gremio da Igreja Catholica ; permitti,
Senhol' que eu nella viva e morra santamente.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus , e, em testemunho d'esle
amor, associar-me-hei á Propagação da Fé.
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CATECISMO
DE
~-~ ~•v;•~
r · aau.a ~ ~m
• .-aa~«a ZJ
~4fA~
I.ª LIÇÃO.
O CBRISTIANISMO ESTABELECIDO~
(1.º SECULO.)
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DE .. ERSEVRRANÇA. 89
A historia dos dezoito seculos decorridos desde o nascimento
do Messias , e de todos os que se seguirem até ao fim cios tempos,
igualmente se resume em tres palavras : - Tudo para o Chrislo 1
o Christo para o homem ·, o homem para Deus.
Desla admiravel philosophia, com a qual se dá razão de tudo ,
e sem a qual nada se explica, resulta que a salvação do gcnero
humano, por meio de Jesu-Chri3lo ,. . é o termo da acção divina du-
rrmte o t~mpo ; e que em. lugar de nada ser no mundo , como o
pertende a indiffercnça dos nossos dias, o Christrnnismo· é. o Centro ~
paí·a onde tudo converge, ·o e-i~o sobre o qual gira todo o governo
do universo.
Antes da vinda du Redemplor todos os designios de Deus se di-
rigem a realisar o seu nascimento no tempo, e nos lugares preditos
pelos Pruphelas , e· determinados desde toda a elerriidade nos seus
divinos decretos. ·
Depois da sua vinda todos os designios de Deus são para esta-
belecer, conservar, difundir por todo o universo, e parlicularisar
a todos os homens a obra da sua Rede~pção.
Temos visto até aqui os acontecimentos , os imperios, os reis e
os 1-lovos , dirigidos pela mão de Deus, sem o saber, ou sabendo-o,
ê querendo , ou não querendo , contribuir para a gloria do :Messias ;
e é este o mesmo espectacuto que veremos na longa· carreira que
vamos percorre_r. l\fas este estabelecimento do refoo do :Messias, a
sna propagação e conservação , não se couseguirá seus exforços ; a
vida da Igreja será uma perpetua .lncta. Estabele.cida para continuar·.
a obra do seu divino Esposo, isto é para tirar o peccado do mundo,
a Igreja Catholica completará a sua missão na terra com as armas
em punha; Mas não. füe hão-de ser imputadas as terríveis consc-
.quencias desta · guerra de morte, as divisões, os odios, as rui nas_ e
todo o sangue derramado , que não foi. a Igreja quem começoü a
guerra , mas sim o demonio , pois foi elle que , no Paraíso terres-
tre veio_usurpar o domimo de Deus em o homem e em as crealu-
ras. DesLle aquelle momento lhe podéra a Igreja dizer..o que depois
tem dito a todos os herejes na serie dos . seculos - Para que vens
tu melter a fouce na minha seara? . . . Quem te deu o direito de
rlispor t.leHa a teu arbitrio? ... São minhas as almas que tens sub-
12 VI .
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90 caTF.CISMO
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91
.recusam submeller-se á lerdade, veem-se ·concorrer n1ilhares de pa-
gãos , e o ,·erdadeiro Deus é conhecido muito alem dos limites da
Judea.
A fim de robustecer a coragem dos seus limidos Aposto los, li- .
nha-lhes o Filho de Deus revelado esta guerra eterna, dizendo-lhes -
Eu vim trazer a espada ao meio do mundo ; d'oravante haverá guer-
ra entre toe.los , entre o pai e a mãi , entre o Elsposo e a esposa ,
entre o irmão e a irmã ; vós sereis o a1vo de Ioda a sorte de ata-
ques ; mas nada receif:lis, porque lodo o poder me foi dado no Ceo
e sobre u terra. Ide , ensinai e baptizai todas as nações , pois que
eu estarei comvosco todos os dias até á consummação dos seculos.
Instruidos na sua divina escho1a sabiam os Aposlfllos fundamcnlalmenle
todas as verdades que haviam de ensinar : toda via para serem nãó
só os prégadores mas lambem os martyres destas santas verdades ,
c~reciam de sobrenaturaes forças de Deus , e . por isso o Salvador ,
lhes disse, quando se ausentou dellcs : Não cmprehendais nac.B , mas
ficai em or3ção_ até que sejais reveslidos da força, que vos hade vir
do AHo.
Cheios de confiança nas pala\'l'as de seu Mestre, desceram os
Discípulos do monte Olivele d'onde Jesus acabava de subir no Ceo ,
e, acompanhados da Santíssima Virgem entraram em Jerusalcm. Já
tranqui1los encerraram-se em o Cenaculo, isto é cm ·um aposenl.o
solil.ario • aonde nada perturbava o seu recolhimcnlo , nem diminnia
o fervor das suas orações ; e preparando-se .deste modo para o seu
lrc1nendo minislerio, chamavam sobre si o Divino Espirilo , que
com elles havia de 1·egene1·ar o mundo. Nunca os dons de D<.'us fo-
ram tam dignamente pedidos, e nJo ha eschola onde melhor possa~
mos aprender o modo de merecei-os e alcançàl-os.
Nem loclo o tempo , porem , se empregou na oração.
O Sal rndor linha dilo aos seus Aposlolos , escolhcndo:-os para
S('rem os doze Palriarcbas do povo chrislão , que no tempo da re-
generação, logo que o Filho do Homem se t.ivesse assentado no throno
da sua magestade , á d ireila de Deus seu Pai , elles mesmos se as-
sen lariam em doze thronos para julgar as doze tribos de Israel. Um
destes doze lhronos achava-se vago pela traição e desgraçado lim
de Ju.las , era preciso prehenchel-o, e con'vinha occupal-o anles que
...
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.•
1 ,
CATECISMO
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D·E PERSE.VERANÇA. 93
que tinham vindo aquelle anno de todas as partes do mundo , e em
maior numero que de ordinario , porque todo o Oriente estava per-
suadido de que o Messias- ia apparecer.
Tudo correu ao Cenaculo para ser teslimuoha do prodigio ~ e
admirados perguntavam - Estes homens que assim diversamente fal-
1am , não são todos Galileos? Como é possivel que cada um de
nós os ouça fali ar ao mesmo tempo na lirigua do seu paiz ?. . . Ora,
convcrn advertir que estavam alli Parthos , Medos , -Elamilns, homens
· originarios da Mosopolamia, das montanhas da Cilicia da- Capadocia,
do Ponto , da Asia proconsülar, - de que Epheso era a capital , da
Phrigia , do Egipto, da Libia situada para o lado de Cyrene, Odu-
canos , J udeos , Arabes e Cretenses.
A' vista de todo este .povo , S. Pedro , . rodeado dos anze , le-
vantou a voz e rUsse : O prod1gio que vos espanta é o sensivel cum-
primento da predicção de Joel. Eis aqui, disse o -Senhor, pela boca
deste Prophela , • que 11os ultimos tempos do reinado da Synagoga ,
eu. derramarei o meu Espirilo sobre toda a carne ; então eu fàrei ap-
parecer prodigios no Cco e sobre a terra e os. vossos filhos prophe-
tizarão .. E annunciando-lhes depois a prox_ima rui na de JerusaJem ,
accrescentou que aque11es que cressem no Senhor n~o seriam en-
volvidos na horrível calhaslrofe; que Jesus ·de ·Nazareth, a quem ti-
nham crucificado , era o verdadeiro Messias promellido a•seus pais,
e -os exhortou a receber o baphsmo em seu nome para alcançarem
a remissão dos seus peccados e os dons do Espirilo Santo.
Tres nul pessoas se converteram e baptizaram no mesmo dia ;
tal foi o milagroso effeito deste ~rimeiro disgurso. Que novo , pois,
e maior prodígio foi a mudança operada p~la graça em Lantos co-
rações! Viam-se aquelles recentes fiei~ doceis ás instrucções do~
Aposlolos ~ assifluos na oração, commungando juntos na fracção do
pão ; isto é, parlic1pando em commum do corpo e e.lo sangue de Jesu-
Christo realmente -presente debaixo das especies do pão , e espargindo
pela graça de suas . virtudes a sanclificação d'aquelle Deus <le quem
acabavam de receber a gloriosa adop_ção.
Deus confirmava a doutrina dos Apostolos, e a fé dos novos
· ficis por um grande numero de milagres , que tinham toda a cidade
em úm santo temor. Um dia S.• Pedro e S. Joã.o subiam· para u
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CATECISMO
Templo pelas tres horas ·da' larde; era este o momenlo da oração pu'-
bfica pelos filhos de Israel ; e enlão os pobres se reuniam ás por-
tas do Templo rara pedir esm~la: em todos os tempos se tem ju1-
gado que aquelles que frequentam a casa <le Deus são lambem os
mais charilativos. ·
Um homem de quarenta annos , que era coxo , e não podia
mexer as pernas , fazia·se conduzir para alli todos os dias : . colloca-
<lo á porta do Templo chamada a Porta Especiosa menrliga va aos que
eulravam , e ''cndo rhrgar S. Pedro e S. João pedio-lh<'s esmolla.
obsenando-o os do1Js Aposlolos . S. Pedro lhe disse - Põe os olhos
~m nós. Cuidando (flle ia receber alguma cousa elle ·os olhova alen-
tamente. Nflo lenho ouro nem praia, lhe diz S. Pedro, mas don-le
o que lenho. :Em nome ele Jesus tle Nazarelh levanta-te e caminha.
Prof(lrindo eslas palavrtis , S. Pedro toma o honwm pela mão e o
ajuda a levantar-se. lmmediatamen~e suas pernas se firmaram e
elle se poz a antiar e a. saltar. Já bem certo da st1a cura elle en-
tra no TNnplo com os Aposlolos e de novo se põe a saltar em pre-
sença de lodo o povo , e a lou,'ar a Deus.
Nunca houve milagre mais inconteslavel ; a admiração se arw-
derou de lodos os col'ações, e converteu-se, se assim se pode di-
zer, em um exlasi geral. A multidão agglomerou-se em volta dos
dous Aposlolos, e S. Pedro aproveitou a occasião para novamen~e
prégar o Erangelho: lam efliraz foi esle segundo discurso que con-
verteu cinco mil pessoas.
Os sacrificadores e o· centurião du guarda do Templo, irritados
por ver um tam prodigioso acontecimento, lançaram mão dos Apos-
tolos e os melleram em prisão : S. Pedro e S. João alli passaram a
noule; mas perdendo a liberdade, nem por isso se perdrn ou · es-
friou sua coragem , pois já não eram aquelles homons que lremiam
á vista dos inimigos de seu mestre , ou á simples voz de uma mu-
lher. Na manhã tio dia seguinte, reunindo-se o Synédrio, qne era
o lribunal supremo da nação, e mandando vir alli os Apostolos, lhes
perguntaram com que authoridade obravam elles. S. Pedro possuido
do Espirito Santo respouden com fi.rmeza - Pois que é pelo beneficio
que fizemos a uni paralitico , quê hoje somos questionados, e se
nos manda declarar em nome e '"Jm virtude de quem foi. elle cura··
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•
DE PERSEVIRANÇA. 95 -
tio ; sabei todos • Pl'incipes e Sacerdotes , e -- todo o Israel o sail>a
co~vosco , que foi em nome de Jesu-Christo de Nazareth , que vós
crncificastes , que este homem foi CU1°ado.
Todo o consefho ficou atlonito ao ver a firmeza dos Apostolos
que sabiam não serem mais que uns homens do povo ; mas o mi-
lagre era inconlestavel. Depois de lerem deliberado os JUizes prohi-
biram-lhes que não ensinassem mais em nome de Jesus. Então S.
Pedro e S. João lhes responderam com uma santa iutrepidez ~ Jul-
gai vôs mesmos se é -1icito o_bdecer a \'Ós antes que a Deus. Como
poderemos occullar . o que vimos e ouvimos ., quando Deus nos or-
dena que o publiquemos ?.. Então elles os deixaram ir, mas com
grandes ameaças que não prégassem.
Os dous Apostolos, lendo voltado para o gremio dos fieis ,
contaram-lhes o acontecido : tolla a assemblea deu graças a Deus
reanimando-se para a1tamente publicar mais que nunca a divindade
de Jesus o Salvador. -
Nunca se viu no mundo maior maravilha do que esta Igreja de
Jerusalem ; alli br!l~a vam todas as virtudes, alli st>breludo a charidade,
a grande virtude dos chrislãos reinava com absoluto impel'lo. Os
fieis vendiam seus bens e depositavam o preço aos pés dos Aposto- .
los que os punham em commum : não havia pobres enlre elles ;
lodos tinham uma só fo1'luna , um só coração , uma só alma.
Todavia , um dos fieis chamado Ananias, de commum accordo
com sua esposa Saphira , tornou-se culpavel de ama mentira, ao
parecer bem simples. Tinha elle um campo o qual vendeu , e, re-
servando parte do produclo , veio depositar o resto aos pés dos Apos-
tolos. S. Pedro lhe disse : Ananias, como le tentou Sanlanas o
coração a ponto de c1uereres menlir ao Espirilo Santo, occultando
- parte do preço do teu campo ? Era lua a herança , ninguem le
obrigava a vendei-a ; não é por tanto aos homens que mentiste mas
sim a Deus. No momento em que o culpado ouvio as palavras do
Apostolo caio morto a seus pés. Julgue-se que santo terror cansou '
nos fieis aquella morte : os mancebos c1ue estavam presentes levan-
taram o cadaver , e foram , segando o costume, enterrai-o fora da
cidade.
Continuou S. P(ldro a sua praclica , que durou perto de tres
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CATECISMO
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DR PERSEVERANÇA. 97
ra? .. Porqne cnmrna1s os. Apostolos, que vos accusam da morte des-
se homem ? Se Jesus_, como havieis asseverado dfanle de Pilatos ,
e do povo , se Jesus ue Nazareth era um impostor , qual a razão
porque agora temeis as consequencias da vossa sentença ? . . S. Pe-
<lro , pois, respondeu sem perturbação : Cumpre obdecer a Deus
antes do que aos homens. Esta resposta , cheia de dignidade e rec-
tidão., de tal modo irritou aos rniquos juízes, que meditavam de
que modo juntariam o sangue <los Discipulos ao do Mestre ; mas
um membro do concelho, chamado Gamalicl, tomando a palavra
fez-lhes esle raciocínio - DesisLi de perseguir esla gente; se o seu
projeclo é obra dos homens, cairá por si mesmo ; se é de Deus ,
de balde Lentais suspender-lhe o passo.
Adoplaram o parecer de Gamaliel. O conselho modilicou o de-
creto de morte, que estava proxim.o a pronunciar, mas mandou afron-
tozamente açoutar os Aposlolos prohibinuo-lhes sevel'amenle que nun-
1
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98 CATECISJ\10
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j
DE PERSEVERANÇl.
Jesu-Curislo , que os mandava crnelmenlc atol'mentar, e expedia
contra elles os decretos de morte , apressando-se em fazei-os dar á
execução. Tantas violencias não poderam intimidai· os Apostolos,
que llermaneciam constantemente em Jerus"lem ; mas ,obrigaram os
novos discipulos a espalhar-se pelos differentes silios da Judéa e da
Samaria , e a sua dispersão foi a -salvação daquelles povos.
Em quanto que os Apostolos , residindo em Jerusalem, culliva-
vam as suas prime.iras conquistas , os discipulos, dispersos pelo paiz,
prégavam a todos os Israelitas o Evangelho de Jesu-Chrislo. D'es-
t'arte, a furiosa tempestade qu~ queria anniquilar a Igreja nascente,
não foi mais ·que um benefico assopro , que espalhou ao longe a boa
semente. O mesmo tem acontecido com todas as uerseguições ; e os
seculos seguintes nos otferecerão as provas. ,
O Diacono Filippe dirigiu-se á Samaria , e prégou na capital
aoncte se estabeleceu. Os seus discursos , comprovados cada dia po-r
repelidos milagres, dispunham os espirilos a favor do Evangelho;
mas um famoso magico chamado Simão , de tal modo os tinha en-
chido de prejuisos , que foi preciso tempo para dissipar suas illusões.
F1lippe o conseguio emfim com tanta felicidade , que não só con-
verteu os povos seduzidos, mas o mesmo seduclor: Simão renunciou
a magica , confessou a Jesu-Christo, e recebeu o baptismo.
Tanto que o Santo rnacono vio firmada a sua obra, apressou-se
em o noticiar aos Apostolos , cuja nova os encheu de 1ubilo. Como
Fili ppe não linlftl o poder de impôr as mãos ; is lo é de dar a C011-
firmação aos novos baplisados , a Igreja enviou Pedrn e João á Sa-
maria, a fim de admi~istrarem este Sacramento.
Nestes primeiros dias da Igreja nascente , · Deus ajunta-va ordi-
nariamente ás influencias invisiveis do Espirito Santo os sensiveis
dons que se manifestam no exterior , taes como o dom da prophecia
e o co-nhecimenlo das linguas. Este maravilhoso espectaculo atrahio
a curiosidade de Simão. Nada lhe pareceu mais glorioso e apete-
cível do que o poder communicar aos outros estes dons exlraordi-
narios. Offereceu pois aos Apostolos uma som ma de dinheiro , di-
zendo-lhes. - Dai-me o poder de fazer descer o Espirilo Santo so-
bre aquelles a quem eu impozer as mflos. Morra ~comtigo o teu di-
nhei1·0, lhe respondeu
.,,,
S. Pedro , já qnc cresle que os dons de
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100 c;ATECISMO
Deus se obtem a preço ele - ouro. Tu nada tens com este minislerio ;
pois que o teu coração não é recto diante de Deus. Simão ·não se
aproveitou desta admoestação, pelo contrario ,tornou-se o inimigo p~s-'
soai dos Apostolos. A infamia do seu cri mo ficou para sempre· uni-
da á sua nrnmoria , o, - ha mil e oito ccn tos an nos que se designa
pelo seu nome o lrafico das cousas santa~, projeclado por aquelle
impio.
Tendo os Aposlolos concluido, em Samaria o que alli haviam de-
terminado fazer, para g1oria <la Religião , vollarnm a Jerusalem.
Filippe, porem • continuou a sua missão~ e converteu um do~ mi- -
nislros de Candace , rainha de Elhiopia , que tinha findo orar a
Jerusalem. Depois percorreu todo o paiz desde Azot. alé Cezarêa :
reinava ãinda · a paz nestas regiões longiqnas; mas não eslava res-
tabelecida na capital ; a ira publica estava alli constantemente aceza.
e Saul continuava a excitai-a com o mesmo ardor.
Hum dia que cHe estava tQdo occupado nos seus proJeclos con-
tra Jesus Crucificado. soube que em Damasco, um bom numero de
Israelitas tinham deixado l\foyse5i, para seguir_ a Jesus de Nazareth :
immediatamente foi procurar o Summo Sacerdote, pedindo-lhe car-
tas e poderes para as Synagogas daquella cidade, a lim de que se
Jhe permitlisse o apossar-se dos prevaricadores, e conduzil-os car-
regados de forros a Jerusa]em. Acolhida a propos! a , partiu elle
para Damasco , acompanhado de ,a1guns esbirros. Qua1 ·tigre se-
quiozo de sangue corre para o redil , assim corria"' Saul para Da-
masco , não respircfndo senão sangue e malança , quando foi subi-
tamente detido.
No meio ele um bello dia , diz elle mesmo, referindo a sua con-
versão ao rei Agrippa, fiquei en allucrnado por uma radiànle luz
descida do Ceo; ella m~ envolveu completamente, bem como aos
que vinham comigo , e todos caimos por terra como assombrados do
raio. Ao mesmo tempo ouvi eu uma voz que dizia - San], Saul ;
porque me persegues L. Senhor , respondi eu , quem sois ''ÓS? ...
Sou , replicou a voz , JeS'l1s de Nazareth ; a quem tu guerreas ~ não
te obstines pois , que te será mui funesto recalcitrar contra o agui-
1hflo. Tremulo e confuzo , não tive mais força que para dizer estas
·~
duas palavras, - Senhor, que quereis que eu fora? ... tevanla·Le,
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DE PERSEVERANÇA. 101
me disse o Senhor , entra em Damasco, e lá saberás o que te cum-
pre fazer. l.ernntei-me ; mas estava cego ; e aquelles que me acóm-
panbavam me conduziram pela mão até Damasco , aonde fiquei tres
dias sem comer nem beber.
Ora, havia em Damasco um discipulo de Jesus , chamado A'na-
nias : o Senhor atlpareceu-lbe e disse-lhe - Vai á rua que se nomêa
· DirPila, e ahi procura em casa de ·Judas um homem de Tarso, ~ha
mado Saul. Senhor, respondeu Ananias, eu sei quanto damno eIJe •
tem feilo aos vossos Santos em Jerusalem , e. q0t' veio a Damasco
para prender lodos, os que invocam o vosso nome. Vai, Ananias, -
replicou . o Senhor, nada receies : eu Lenho feito de Saul um vaso
de eleição , pelo- qual destino levar o 111eu nome peránte os gentios,
e os seus reis e lodos. os filhos de Israel. Tranquillisado Ananias ,
parlio no mesmo inslante; e entrando na caza, poz as· mãos nos olhos
de Saul , e lhe disse - Saul meu irmão , o Senhor Jesus que -le
apparecen no caminho, me mandou aqui, para que recuperes a vista
e sejas che10 do Espirilo Sanl~. Ainda Ananias fallava, quando cairam
dos olhos de Saul uma especie de escamas: e logo recobrou a vista
e recebeu Ó baplismo.
ORA.VI.O.
'
O' meu Deus , que sois lodo amor, eu vos dou graças -por ha-
verdes escolhido Apostofos para annunciar o vosso Evangelho, não
sómenle aos judeos, mas ainda aos gentios. Permilli , Senhor, que
recebamos a vossa Santa palavra com ~ mesm;i docilidade com que a
receberam os fieis de Jerusalem.
Eu proleslo amar a i;>eus sobre lodas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e , em testimunho deste
amor, estudarei cuidadosamente a terceira parte deste Cat~ci'~mo.
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102 CATECISMO
II.ª LIÇAO.
O CHRISTIANISMO ESTABELECIDO
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DE NmSEVERANÇA. 103
clades que deviam condnsil-o á sua ruina. Mas , nem por isso o sol
tlr justiça que ,se erguera sobre a judea , havia de exlingui_r-se ;
anles passaria a outros povos para exclarecer no\'as regiões. E' este
maravilhoso transporte do Evangelho que vamos referir.
Imaginai um foco luminoso, donde partam doze raios que , di-
rigindo-se em oppostas direcções , alcancem até ás extremidades do
mmHlo , e tereis feito idea da propagação evangelica. Esse foco lu-
minoso é o Cenaculo , é a Igreja de Jerusalem ; os seus doze raios
são os doze Apostolos. Pal'lindo de Jerusalem ~· uns se dirigem para
o Orienle , outros pai·a o l\'Ieio dia ; aquelle~ vão para o Norte ,
esles vem para o Occidenle; todo o orbe , até ás suas mafs remotas
rxlremitlades , é visitado por algum destes novos conquistadores.
Façamps a biographia de cada um delles , esludando as suas rapidas
· <li vagações , seguil-os-hemos pelo rasto de seus bcneficios e do seu
sangue : comecemos por S. Pedro.
Os Judeos , como já dissemos , iam ser regeita<los , e os Pa-
gãus chamados ao Ernngelho ; mas e1 a preciso que fosse S. Pedro
que lhes abrisse a porta. Cbefc de Ludo o rebanho , e pastor Su-
premo dos estranhos bem como dos filhos do '1prisco, em toda a
parle ellc apparece primeiro. Um dia, pois, em que · eslava em
ora~ão , fpz-lhe Deus saber que era chegado o momento de lrazer as
nações ao redil do Divino Paslor. Havia n'aquelle tempo em Cezarêa
um official romano, chamado Cornetlio , commandante de uma das
cohorLPs da legião ilalica : era esle um homem cheio de religião e
Jemor de Deus , e dava muitas esmolas , acompanhadas de fervorosas
orações. O Anjo do Senhor lhe appareceu, dizendo-lhe - Cornellio,
as tuas orações , e esmolas se elevaram ao lhrono de Deus ; manda
a Joppe procurar um homem chamado Simão, cognominado Pedro,
que habita em casa de oulro Simão, Surrador, cuja casa está pro-
xima ao mar ; delle saberás o que te cumpre fazer. Haven<lo o
Anjo desaparecido, Cornellio chamou dous de seus servos, e um sol-
dado temente a Deus, e os mandou . immediatamente para Joppe.
Era distancia quasi ~e quinze leguas de Cezarêa a Joppe , e os en-
viados não poderam chegar senão no dia seguinte pelo meio dia.
Alé este momento , ainda o Senhor não trnha revelado a Pedro
os designios <la sua providencia; mas em quanto que os enviados
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104 CAH~CISMO
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OE P~RSEVERANÇA. 105
lria . Na partilha do universo , que os doze Pescatlores entre si fi-
zeram , foi S. Pedro · destinado a l~rnr o Evangelh0 á capital do
mundo t·om:ino; mas não cumprio desde logo este designio ; ainda o
momento <la Providencia não era chegado : enlrl'lanlo foi elle , por
com mum consenso dos Apostolas , estabeleddo Dispo de Antiochia ,
que era a capital da Syria.. Crê-sé que elle governára esta Igreja
durante sete annos ; do que não se infere comtudo que alli residisse
constantemente. E' certo, porem, que durante esle inlervallo , o in-
faligavel Apostolo prégou o E\'angelho aos judeos que divagavam em
toda a Asi a, Ponto, Galacia , Bithinia e Ca padocia; e apezar destes
penosos trabalhos, o ''igario do Filho de Deus passava um vida
extremamente frugal. S. Gregorio Nasianzeno nos diz, que elle se
contentava com comer por dia um celamim de tremoços. .-
Entretanto Herodes, cognominado Agrippa , renovou a persé·
guição contra os christãos. Tinha clle já maudatlo matar a S.
Thiago, irmão de S. João E"angelist.a ; e a esta morte lam jnjusla
quiz ajuntar a de S. Pedro. Para isto se apoderaram do chefe da
Igreja e o lanç.aram em um llpcrlado carcere, preso. com duas ca-
1
..
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..,
106 CATECISMO
lugar aonde se achava , foi· bater á porta da casa ele Maria ., mãe
de João .Marcos (t)., aonde grande numero de fieis estavam orando.
Veio á porta uma criada chamada Rhode; escutou e reconheceu a
voz de S. Pedro : o espanto é alegria a alucinaram , e tlm lugar de
abrir correu transportada a dizer aos cbrislãos-:- Pc;;dro Pslá á porta.
Estás louca lhe disseram elles - Por certo que não , replicou ella,
porque é elle mesmo. Enganas-te tornaram elles, será talvez o seu
Anjo. Entretanto , Pedro, a quem Rh-0de deixára na rua , conti-
nuava a bater ; abriram-lhe emfim : Pedro entra e é reconhecido.
Não se pode dizer qual foi a admiração e alegria de todos os fieis
quando o viram ; poder-se-ha fazer idea pelo amor que lhe tinham.
Então· o Apostolo lhes f~z signal que se callassem , e contou-lhes
como Deus o havia livrado. ·
Logo que amanheceu , iuformado Agrippa de que o seu preso
se havia. evadi<la, mandou ptir a tormento os soldados ; e como rJeJ-
les nada podesse saber, mandou que fossem suppliciados. A Igreja, .
que tanto havia orado a Deus pelo liv.ramento do seu chefe. lhe
rende graças ainda todos os annos , no primeiro de Agosto, ua festa
de S. Pedro ad vincula.
O Apostulo milagrosamente livre , saio logo tle Jcrnsalem e tli-
rigio-se para as fronteiras marítimas da JlHléa. Alh \'isilon as Igre-
jas nascentes, estabeleceu bispos , semeando por toda a parle o dn-
-plicado beneficio da sua doutrina e dos seus milagres. "'Enríqnecido
com tantos despojos arrebatados ao demonio. emprehendeu S. Peflro
ir combalel-o na propria Roma. Admiravel maravilha !... Aquelle
mesmo homem , que oulr'ora lremêra diante d'uma escrava, ·não
recêa agora ir metter -se em uma cidade, similhante a uma vasta flo-
J"esla cheia de furibundas feras : a sua coragem n'esta ocêasião foi
amda maior do que quando caminhou sobre o mar. ~las , donde lhe
vinha tanto valor , senão do ardente amor que .Jesn Chrislo lhe ha-
via inspirado pelas suas ovelhas , lenrlo-as 'confiado á sua direcção~
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DE PEl\SEHRA NÇA. 101
Encaminhou-se , poi~, S. Pedro para Roma de accordo com os outros
Apostolas, que o tinham destinado para a capital tio mundo, a_fim
de que a luz da verdade se ditfundisse com mais promptidão e efi-
cacia desde a cabeça a todo o corpo , por isso que nenhuma parle
do imperio podia ignorar o que se passava em Roma .
•~oi no st•gundo allilo do reinado do imperador Claurlio , aos
quarenta e quatro de Jesu-Chrislo, que o pescador Gallilêo entrou
na cidade dos Cezares. Elle plantou !l arvore Sagrada do Evange-
lho no mesmo centro da idolatria , e co~o esta planta inteiramente
nova era ainda tenra , Deus , para dar-lhe tempo de crescer em paz,
inspirou ao imperador Claudio um espirito de brandura e bondade
para com os povos , e permittio que etle podesse reprimir em pou-
cos <.lias perigos1ssimas revoltas , proximas a transtornar o imperio.
D'esCarte o Estado ~proveilou da graça que Deus fazia á cidade de
lloma, enviando-lhe o seu Apostolo.
Entre outras conversões, que S. Pedro operou nesta sua primeira
viagem , conta-se. a do Senador Pudencio com sua mulher Prisilla
e seus dois filhos Novato e Timotheo, e suas duas illustre filhas Pra-
xetles e Pudcnciana (1). Hospedou-se o Apostolo com aquella familia,
em cuja casa celebrou os divinos mysterios , ordenou Sacerdotes ,
consagrou a primeira Igreja, isto é o primeiro ~edificio onde os chris-
tãos se ajuntaram, e combateu Simão Mago (2); o qnal _, em lugar
de aproveitar-se da advertencia que S. Pedro lhe fizera em Sama-
ria , cada vez mais· se obstinava na arte magica e ·nos seus d~abolicos
encantamentos. Tinha elle já percorrido diversas provincias, e, con-
duzido pélo demonio , veio lambem a Roma no tempo do imper·ador
Claudio, a fim -de primeiro 'ie apossar da capital do mundo. Com
effeilo , alli fez aquellc impostor lam gran<le numero <le presligios,
que fui mscriplo em o numero dos <leuzes pelo Senado (3) ; e sup-
posto que S. Pedro desde logo llte abalou os credilos, comtudo não
o venceu de todo senão_dl'pois. '
[1] Baron. U.
f~J Euscb. liv. li C. H.
PJ Just. Apor. li P· 69; Euscli . lih. IJ e. u .
•
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108 C.\H:CISftlO
1
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' 109
Quasi aos cinco anuos depois da sua partida de Roma ; istJ é
aos cincoenla e nove annos de Jesu-Chrislo-·, e no terceiro do reinado
de Nero, voltou elle a Roma, tl'onde nunca mais sahiu. A chegada
de S. Pedro augmentou muito a ·Religião na capital do mundo; mas
o demonio, furioso por ver ,fiminuir alli o seu imperio de dia para
dia , esgotou toda a sua sanha e artificio cm suspender os progres-
sos do Evangelho. Nero seu digno ministro, excitou a violenta per-
seguição, que trouxe a S. Pedro a Corôa do martyrio.
Tinha o Salvador depois tia sua resurreição , revelado ao Apos-
tolo o modo como havia de glorilicar a Deus na sua velhice , e de-
pois lhe deu a conhecer o tempo e o lugar aonde islo havia de ,·e-
rificar-se. Sabendo , pois , que breve sairia do seu corpo mortal,
quiz S. Pedro aproveitar o pouco tempo que lhe restava para ª''ivar
a piedade dos fieis , e recordar-lhes as verd~tles que lhes linha en-
sinado. Para isto escreveu a sua segunda Epistola , que endereça,
como a primeira, aos fie1s do Ponto e Asia, e que é para assim di-
zer , o testamento do chefe da lgrrja.
Antes porem de referir a morte de S. Pedro , ·foliemos d'aquelle
que havia de ser seu glonoso · companheiro, e partilhar da sua vi e-
lo ria depois de ler participado dos seus combales. Este novo con-
quistador, saido da JUd~a para submeller o mundo ao imperio da
Cruz, era Saul. Nascido em Tarso , cillade da -Cilicia , da progenie
de Abraham e da tribu de Benjamin, era elle lambem por seu nas-
cimento cidadão i·omano ; porque Augusto. por gratidão aos habitan-
tes de Tarso , que tinham sempre mostrado muita afeição á casa dos
Cezares , sendo por isso muito mal tratados de Cassio , um dos as-
sassinos de Julio Cezar , . em quanto esteve Senhor d_a Asia , entre
outras honras e bens com que os agraciou , concedeu-lhes o fôro de
cidadãos romanos.
O joven Saul foi enviado a Jerusalem , e educado por um cele-
bre doutor cbamadÔ Gamaliel. Era costume e.ntre os 1udeos darem
um officio áquell('s que aprendiam as Santas lellras; ou fosse a fim
de que ·tivessem sempre um meio de grangeal' sua subsistencia, ou
para lhes evitar os desvarios que nascem sempre da ociosidade.
Assim , p_ois, é provavel que foi durante aquellc tempo que Saul
aprendeu o officio de fazer lendas que exercia mes~o prégando o Evan-
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110 CA l'ECISllO
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ni.; PERSEVERANÇA. H1
ele Autiochia , com os judeos que se tinham convertido D_!l ju{iea ;
por quanto , ba vendo estes , por amor da fé, deixando os seus bens,
ou sendo-lhes .tirados .por seus inimigos , resolveram os de Anlio-
chia soccorrel-os. . Encarregaram-se Saul e Barnabé de lhes tirar as
esmollas, e elles mesmos partiram para Jerusalem e as entregaram
aos Sacerdotes para serem distripuidas. Na volta para Antiochia elles
receberam a imposição das m~o3, e resolveram deixar _aquella ci-
dade querida aonde a fé eslava para sempre plantada e baslante-
mente firm~. Dirigiram-se os tlous amigos para Chypre , aonde en-
Lão .era governador o Proconsul Sergio Paulo , homem sabio e pru-
dente. Desejoso de ouvir a palavra de Deus, mandou chamar Saul
e Barnabé: mas, tinha junto de si um judeo magico e falso profeta,
chamado - Barjesu , que se oppunha aos Aposlolos , e fazia todas
as diligencias para evitar que o Proconsul abraçasse a fé ; Saul ·
fez-lhe perder a vista, reduzindo-o a precisar d~ quem o guiasse.
Commovido por esle milagre, o Proconsul converteu-se. Igualmente
se rrê rp1e por meio desta cegueira , de que depois foi curado ,
abrandúu Deus o coração de Barjesu , e dando-lhe o esririto' de
pPnilencia lhe abrira os olhos <la alma com os do corpo , a fim de
que visse não só o sol que esclarrce o mundo das intelligencias, como
o que allumia o mundo material (1). Em memoria da converção do
Proconsul, tomou Saul o nome de _Paulo , r1uerendo assim celPbrar .
o glorioso triumpho que Jesu-Christo havia obtido pelo fraco minis-
terio do ultimo dos seus· Apostolos.
Paulo e Barnabé passaram. successivamenle a novas conquistas.
Depois de haverem -percorrido , e evangelizado uma parte da Asia
menor, chegaram a Iconia. Foi alli , segundo a commum tradição,
que o Aposto) o das gentes converteu Santa Tecla , e lhe persuatlio a
consagrar a Deus a sua virgindade. · Em Listria curou um homem
coxo das pernas' e que nunca linha andado : digamos como este
milagre foi feito. Vio Paulo aque1le en!érmo entre os seus numero-
,.
(1) Orig. io Elod. XXVll.
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1U CATRCIS&10
sos ouvinles, e es.clarccido por uma luz divina , leu em sua alma
a ,sua fé e o seu dC's(ljo de conhecer a verdade. Repentinamenle o
Apostolo inlerrompe o seu discurso, e clamando com voz forte disse
áquelle homem - Levanta-ld e firma-te em teus pés. Para logo ex-
perimenlou o enfermo qual era a e,:icacia do preceito de um Apos~
tolo de Jesu~Christo, que falla em nome de seu mestre; e fez mais
do que se lhe havia onlenado , pois começou a saltar e a andar
diante de todos. Proiluzi l este milagre um prodigioso effeilo ; lodos
1
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DE _PERSEVERANÇA. 113
contra S. Eslevão, pelas mãos dos outros, expiando o peccado com-
- metido pelo sofrimento de igual supplicio.
Estavam satisfeitos os judcos ; mas Paulo não estava morto ;
pois que no mesmo dia voltou para a cidade. Entretanto , para
não irritar mais os perseguidores, saio d'all1 no dia seguinte, dirigindo-se
a Derbe com ·s. Barnabé. Numerosas ''iclorias coroaram sua coragem.
Voltaram depois para Lyslria e Iconia, ordenando Presbyleros n'a-
quellas Igrejas com orações e jejuns, exhortando os fieis a perseve-
rar na fC, e )(>mbrando-lhcs que e p.or meio ·de muitas tribulações
que haremos de entrar no reino de Deus.
No anno 47 de Jesu-Christo, tornaram os dous Aposto]os para
Antiochia ; mas Paulo .não se démorou alli muito tempo. Elle foi
levar o Evangelho á Çapadocia , ao Ponto, á Thracia, a l\Iacedonia
e .até á lllyria. Similhanle a uma nuvem dívina, impellida pela
aura da charidade , assim aquelle vaso de eleição col'ria por l.oda
a terra , para por toda derramar o orvalho vivificador da palavra
de Deus. Cinco annos depois estava elle e·m Philippes cidade de Ma-
cedonia, aonde· converteu, entre outros, a uma -mercadora de pur-
pura chamada Lydia. Reoebcu aquella mulher o baptismo com toda
a sua familia , e obrigou S. Paulo e seus companheiros a hospe-
dar-se em sua casa, para pro''ª de que elles a jufgavam fiel ao Se-
nhor.
Desta casa se esforçava S. Paulo em ganhar para Jesu-Chnsto
a quantos se apresentavam para o ouvir. Um dia qae os obreiros
evangelicos se dirigiam para a oração , ~ encontraram uma donzella
possessa de um ~spirilo maligno, q~e revelava todos quan~os se-
gredos o dernonio pode revelai·. Tinha elia estado , ao serviço de um
bando de impostores, e o seu ma.hJito talento de advinbação, , com
que em l.odos os tempos os homens se leem illudido, era um ma-
nancial de riquezas para seus amos.
Quando iamos passando , diz o historiador sagrado , reparamos
n'aquella donwlla, que começou a seguir-nos e a grilar: Estes ho-
mens são os servos do Deus allissiíno , ellcs vos mostram o cami-
nho da salvação : Paulo deixou fallar ; mas por fim, aborrecido d'a-
quelles artificiosos louvores , ordenou ao demonio que sahisse logo
do corpo da donzella , e f-01 prornptamenle obed(>eido : mas a sor·
15 VI
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114 CATECISMO
ditla avareza, que se havia apossado dns amos da pobre rapariga, fez
que desesperassem pela verem curada. Não ousando, porem , con- '
fessar a sua paixão , quizeram occullal-a pretextando um crime de
Estado. Apoderando-se pois de S. Paulo e de Si!ás , arraslaram-os
para a praça publica , e os apresenlaram aos magistrados , dizendo :
Eis aqui dous homens que põe a cidade em alvoroto. Os juizes, sem
mais exame , os mandaram açoutar com varas, e lançar no carcere .
.Melleu-os o carcereiro em uma enxo\'ia , lançando-lhes cêpos aos
pés , o que os constrangia a estarem deitados de coslas, sem pode-
rem por-se em pé.
·Tantas ignomnias, longe de os abater, lhes causaram uma
santa alegria, de tal sorte que alia nonle se poseram a orar e a
louvar a Deus com lanto ardor, que os outros prezos os Oll\'Íam. Ao
mesmo tempo qniz Deus mostrar qual era o podei· de uma tal ora-
ção : abalaram-se os alicerces do carcere, as portas abnrani-se, e os
proprios grilhões de todos os presos se despedaçaram. Acordando a
isto o carcereiro , e vendo as portas abertas, julgou que os prezos
se tinham ~scapado ; e como por el1es respondia a sua cabeça, lan-
çou/ mão da t~spada para matar-se. S. Paulo o vio , não obstante
não se ler ainda trazido luz , e gritou-lhe : Não faças lal, nós esta-
, mos aqui. Mandou o carcereiro [razer luz, e entrando no carcere de
Paulo e Silas todo tremulo, cahio a seus pés. Depois conduzia os Sa1i-
los ao seu alojamento , la vou-lhe as feridas e lronxe-lhes de comer.
Meus senhores, e meus mest.res , lhes (hsse elle , que devo eu fazer
para me salvar? Crê no Senhor Jesus , lhe disseram elles. Creo o
carcereiro, e foi baplizado com toda a sua familia.
Logo que amanheceu·, mandaram os magistrados os liclores ú pl'i-
são , com ordem de soltar os dous presos. O carcereiro apressou-se
a dar-lhes esta boa nova : então S. Paulo, que não se havia queixado
quando fora açoutado e metido no carcere, levanlou a Yoz e disse :
que era muilo para estranhar ·que de tal modo se livéssem ultrajado
dous cidadãos romanos ; e que depois de um tal procedimento ape-
nas se mantlassem soltar, sem dar-lhes nenhuma satisfação (1 ). Não,
,_
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DE PERSEVERANÇA.
- disse elle ·, isto não deve passar de s1milhanle maneira ; cumpre que
os mesmos, que aqui nos meteram, d'aqui venham tirar-nos. Julgou
o Aposto) o conveniente atemorisal-os deste modo, a fim que os fieis
desta cidade Li vessem mais descanço e liberdade. Os magistrados
todos rece.osos vieram á prisão, pec~indo aos dous Santos que sa-
hissem e se retirassem. Desde então conservou Paulo sempre 1Hlla
lerua lemhrança dos christãos de Philippes ; e estes _ igualmente o
amavam como a seu Pai. Foram estes seus filhos mui queridos, que
. depois vieram a Corinlho, trazer ao grande Apostolo as cousas de
que necessitava , procedendo de igual m-0do mmto tempo depois ,
quandp elle eslava preso em Roma.
- ORA.Ç.10
O' meu Veus ! que sois Lodo amor , cu vos dou graças pelo
admiravel zelo com que animastes a S. Pedr:o. e a S. Paulo : dai-nos
a docilidade dos primilivos fieis.
Eu protesto .amar a ·Deus sobre todas ,as cousas, e ao proximo
como a _mim mesmo por amor de Deus , e, em -testemunho d'esle
amor , ouvirei as santas instrucções com grande desejo de apro-
veitar-me de/las.
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11G CATECIS.l\10
III.~ LIÇlO.
O CHRISTIANISMO ESTABELECIDO. ·
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DE rERSEV~RANÇA. 117
tancia , zelo e charidade se tornaram esles novos christãos o modêlo
de todas as Igrejas.
Interessava-se o Apostolo por elles como uma terna mãi por
- ~eus filhos; no excesso do seu amor não cuidava só em dar-lhes o
conhecimento do Evangelho ; mas a sua propria vida. Elle os .exhor-
tava, consolava e conjurava a que obras sem sempre por maneira digna de
Deus, e da gloria a que os tinha chamado : ensinhou-lhes a obrar
bem as menores acções e particularmente o·s seus trabalhos manuaes
de que elle mesmo lhes dava o exemplo.
Entretanto os judeos endurecidos resolveram desfazer-se dos
novos prégadores; mas advertidos a tempo da borrasca que os amea-
çava , Paulo e Silas partiram para a cidade de Beroa. Para logo
alli fructilicou o Evangelho ; mas t.endo chegado emissarios de Thes-
salonia para amotinar o povo , viram-se os ch1:istãos · obrigados a
conduzir S. .Paulo ao porto e fazel;o embarcar. D~est'arte perniiltia
Deus, que-o sopro da perseguição levasse de cidade em cidade aquella
nuvem beneficen~e, a fim que derramasse ao longe a chuva salutar
de que estava prenhe: tanto é verdade que nás mãos da Providen-,
eia as mesmas paixões dos homens servem ·ao cumprimento dos seus
adoraveis desígnios.
Acompanharam o Apostolo alguns christãos de Beroa até Alhe-
nas , aonde Sitas e Timolheo tinham ordem tle se reuni-r a elle. A-
thenas tinha sido o ponto da reunião geral dos mais bellos espiritos,
e dos maiores philosophos ; e era ainda a cidade mais civilisada e
amante das bellas letras. O fructo porem , que disto tinha tirado,
era não haver cidade, excepto Roma , mais cheia de idolos e su-
perstições. Adoravam-se alli todos quantos falsos d,euses se sabia
serem adorados dos outros povos ; e receosa a cidade de ter esque-
cido algum quP não conhecia , tinha levantado uma ara com esta
inscnpção - Ao Dei1s desconhecido.
O zelo dºs ALhenfonses pelo erro , animava o de Páulo pela
veruade, a ponto de finar-se de dor. Elle prégava aos judeos nas.Sy-
nagogas lodos os sabbad('IS ; e todos os dias na .praça aos que alli
~e encontravam , e nunca lhe faltavam ouvintes; porque os habi-
tantes de Athenas pareciam não ter outra occupação mais, que a de , - -
1
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118 CU~CISMO
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119
sois excessivamente religiosos ; pois que percorrendo a vossa cidade,
e examinando os Simulacros dos vossos deuses , encontrei um altar,
no qual li esta inscr1pção ·_Ao Dezis desconhecido~ Ora, o que vós
adorais sem conhec.er é o que vos annuncio : é o Deus (}Ue fez o
mundo e tudo quanto ha n'elle. s~nhor do Ceo e da terra, não ha-
bila em templos fabricados por mâos ue homens ; e se recebe · as
houwnagens dos morlaes , não é porque lenha pretisão de cousa al-
guma, pois que só elle dá a lQdos a vida , o alento e todos os
mais bens.
E' elle que de um só homem fez sahir lodo o genero humano,
para habitar a terra , marcando a cada homem o tempo ela sua vida,
e a cada povo os limites da sua possessão. Era seu designio que
os homens o buscassem em suas obras , e c1ue depois d~ o ha\'erem
encontrado lhe tributassem as suas ad ,rações; porque elle .. não es1á
1
longe ele cada um de nós. E' por elle que lemos a vida , o mo-
vimento e o ser; e é nesle senlidu que alguns dos vossos poetas
disseram : Nós somos da linhêlgem de Deus.
Ora, sendo nós lilho~ de Oeus, nfo devmnos crer que a Divin-
dade seja alguma cousa similhanle aos simulacros d'ouro , prata ou
pedra, obras da arte e da rnvensão dos homens
Deus , porem , depois de ler dissimnla:lo estes tempos de igno-
rancia e cegueira ; manda agora annnnciar a todos os homens e em
· todos os lugares da terra , que lhrs importa fazer penillrncia dos
seus voluntarios desvarios ; ponpie elle tem dete rrninado um dia. no
qual julgará todo o mundo com nma Sl!JJrema justiça~ pelo ministerio
de um homem, a· íJUem deu o seu poder, e disto nos deu induvi-
tavel prova, resuscitantlo 0sse homem d'enlro os mortos.
E' imposs1vel imaginar cousa mais proporcionada á disposição
dos ouvintes. e mais conforme ás suas presentes luzes, do que esle
discurso do grande Apostolo.
Tinha clle visto na cidade de Alhenas um altar erigido ao Deus
desconhecido, e d'ahi tira occasião para despertar no anin10 dos
Athenienses idolatras e supersticiosos a ideia tam natural, - que as
obras de Deus produzem em todos os homens , de um Creador ,
Senhor e Juiz; fazendo-lhes sentir deste . modo, quam desviadM an-
davam da primeira de todas as verdades. Depois accrescenta que
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no CATECISMO
Deus quer pôr fim a esta culpavel ignorancia ; que lhes cumpre con.:
verterem-se, porque elle julgará o mundo; que este juiz existe , e
que para dar testimunho da. soberana auctoridade com que o enves-
tio, o mesmo Oeus o resuscitou d'enlre os morlo.s.
D'csl'arte a unitlacle·, , espiritualidade e stimma perfeição de Deus,
a c'reação do homem á sua imagem, a sua queda, a necessidade que
tem de fazer penitencia, porque ha-de dar conta <las suas obras; a
creação do mundo , destmado a re~elar-nos a existencia de Deus ;
tal é o simples, mas sublime symbolo · que o Aposto.lo expõe: e
eis-aqui lodos os syslemas dos philosophos sobre a pluralidade dos
deuses, a eternidade do mundo , os alomos creadores, a n:itureza
• da alma e seu fim • derribados e reduzidos a pó. Qual foi , porem, •
o fructo tl'este discurso, o mais bello, _sem duvida, que jamais sa-
hiu da boca de um simples mortal 'L .. Aquelle mesmo que a pa-
lavra de Deus ainda hoje diariamente produz. Ninguem ouviu re-
plicar; alguns riram-se, eram os ímpios: outros adiaram o assumplo
para outra OCCasifo; laes OS indilferentes; Um -pequeno nume!'O crêo;
1
eis os fieis. Em o numero d esles ullimos entrou um dos membros do
Areopago, chamado Dionizio , que veio a ser o primeiro Bispo de
Alhenas (1).
Sahindo do- Areopago. soube Paulo que Timolhe~- linha chegado.
Acompanhado deste discipulo querido ; sêlhiu da cidade , aonde re-
conhecera que a seara não eslava ainda madura , e chegou breve-
mente a Corinlho , capital de loda a Grecia·.
Situada cnl-re dous mares, que a faziam o centro de todo o
commcrcio do Occidenle , era esla cidade mui pov.oada e rica. To-
dos os vicios; mas sobre tudo a impudicicia, alli reinavam por ma-
neira incrível. S. Paulo fo1 alojar-se em casa de Aquila e Priscilla
sua mulhe'r: escolheu ~lle a casa destes porque eram judeos, e exerciam
o seu· mesmo officio. O Apostolo trabalhava juntamente com ~lles;
porque em Corinlho , muilo mais que em qualquer outra parle, não
qüeria receber o seu su·stento d'aquelles a quem prégava. A abne-
/ '
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DE PERSEVERANÇA. 121
gaçâo , as orações , o zelo do novo missionarlo pro<luzfram o seu
effeito ; apesar de lodos os obstaculos Paulo plantou a fé em Co-
rintho. Foi alli que Timolheo , que linha ido a Thessalonia, veio
reunir-se-lhe com Silas. Ambos lhe foram de grande consolação,
tanto pela sua presença., como pelas boas novas que lhe trouxeram
dos seus queridos Tllessalonicenses. Foi a estes fervorosos neophytos
que elle escreveu a sua ·primeira .Epistola, para os felicitar e animar
sua fé. -
Dezoito mezes esteve o Apostolo em Coríntho : d'ahi passou ás
dilfercntcs provincias da- Asia ; veio a Jerusalem, e voltou depois para
Êpheso , onde se demorou lres annos , para funda-r aqnelh:t Igreja ;
que depois S. João havia de firmar com sua presença e honrar com
· a sua morte-. E' im possi vel descrever tudo quanto o grande Apostolo
teve qu·e sotfrer, para' cultivar este terreno bravio. Elle mesmo nos
refere, que não se passava dia que não· se v.isse exposlo a morrer.
Uma vez, entre outras muilas, se apoderaram delle e o lanç.aram
ás feras no amphithealro ; mas Deus o livrou.
No meio de lanlos perigo~ e trabalhos , o infaligavel Apostolo
e~creveu a sua Epislola aos Gaiatas.
Tinham esles fervorosos christãos deixado-se illudir por falsos
doutores , que queriam obrigai-os ás observa.ncias mosaicas ; o que
importava natla menos que a ruina do Evangelho. S. Paulo escre- ·
veu-lhes, com energia proporcionada ao seu zelo, e á imporlancia do
mal que combalia. Por este mesmo, tempo escreveu Lambem as suas
duas Epistolas aos Corinlhios. Tudo quanto a firmeza, a charidade
a mais esclarecida e terna, a prudencia dirigida pela fé, podem
inspirar, eslá reunindo nestes dous monumentos do zelo aposto ..
l1co. ·
Entretanto começava a boa semente a germinar ; Epheso contava
já grande numero de christãos ; mas a contradicção é o ·Sello das
obras de Deus ; e não podiam tantas conversões t.leixar de excitar
novos combales contra o Apostolo. _
Drnna , deosa da caça , trnba em Epheso um templo, que passa..
va por uma das maravilhas do mundo ; ·todos os idolalras o tinham
em veneração. Aquelles que se dirigiam a Epheso nunca deixavam ·
de venerar aquelle templo , e para prest~rem oblações á deosa, cos--
16 - VI
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1U CATECISftlO
mas tanto que se soube que era judeu , mil vozes abafaram a sua ,
gritando mais alto que nunca - Viva a g-randc Diana dos Ephesios !
Duraram os clamores quasi duas horas , sem que fosse. possi vel apa-
siguar o tumulto. Quando emlim se cançara{n de gritar , o magis...
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DE PERSKVERANÇA. -
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' 124 CATECISMO
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UE PERSEVERANÇA. U5
espera. O que eu sei é que o Espirito Santo me faz annunciar em
todas as cidades por onde passo , que me esperám em Jerns3 lem ca-
deas e tribulações ; mas nada receio ' de tudo isso , nem estimo
mais a minha vida que a eterna salvação da minha alma, nada me
importa, com tanto que eu complete ~minha carreira, e cumpra a missão
· · que recebi do Senhor Jesus, de annunciàr 6 Evangelho da _Graça de
Deus.
« O que sei , porem, é que não me tornareis mais a ver , vós a
quem tenho visitado e prégado o reino de Deus. Velai pois por
vós mesmos, e pelo rebanho de que o Espirilo Santo vos estabeleceu
Bispos e conductores; rebanho querido, que elle comprou com o seu
sangue. LPvantar-se-hão d'entrc vós homens, que prégarão uma falsa
doulrina , lobos rapaces, que não poupariio o rebanho. Velai, pois,
vos torno a dizer, lembrando-vos que durante tres annos , não te~ho
cessado, nem de dia , nem de noute , de advertir a cada um de
vós com as minhas lagrimas. Agora vos recomniendo a Deus e á sua
graça, que bem pode elevar e sustentar o edific10 da ·igreja, cujos
fundamentos lancei no meio de vós.
e: A estes rasgos que caractensam um completo pastor, accrcscenla
o Apostolo o seu desinteresse; nobre virtude, em que resplandeceu emi-
nenlemente : - « Eu nunca desejei ouro ou prata , ou as Yestes de
pessoa alguma , ''Ós mesmos o sabeis ; estas mãos teem supprido ás .
minhas necessidades, e ás dos meus collaboradores. »
Depois deste discurso tam tocante , Paulo poz-se de joelhos; to- .
dos os assistentes toII).aram o seu exemplo e começaram a orar. O
silencio e a oração brevemente foram interrompidos pelos suspiros e
soluços de toda a assemblea. Todos estes filhos se lançavam ao
collo d'aquelle terno Pai, debulhados em lagrimas, sobre tudo por lhes
haver declarado elle, que nunca mais o veriam; e deste modo o acom-
panharam até ai navio.
Paulo veio desembarcar a Tyro ; e alguns dias depois estava
em Jerusalem. Logo ao outro dia da sua chegada a esta
ciua·de , foi visitar S. Thiago que della era Bispo. Todos os padres
vieram saudai-o e bemdizer a Deus pelo que, por seu ministerio ,
havia feito entre os gentios. Havendo já sete dias que o Apostolof
estava em Jerusalem, unicamente occupado na distribuição das es-
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126 C!Tl(CtSMO
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DE PERSEVEl\A.NÇA. 127
Soube o governador que um navio, que linha arribado a Cezarêa,
se dispunha a levantar ancora. Paulo foi nelle embarcado·com ou-
tros prezos debaixo da gnarda de um official chamado Julio, centu-
rião de uma cohorte da legião Augusta. Elle linha comsigo S. Lucas
e Aristarco de Thessalonia. A historia desta navegaÇão é tam in-
. teressante por si mesma , e tam propria para nos fazer conhecer o
zelo e o grande caracter de S. Paulo, que a vamos referir cinums-
tanciadamenle.
Depois de havermos levantado ancora, diz S. Luca~ , começamos
a coslear as terras da Asia : na seguinle m11nhã chegamos a Sidonia;
e Julio tratando Paulo com humanidalle lhe perrn iltio ir ver os seus
amigos, e prover as suas precisões: Tendo partido d'alli, tomamos
a nossa derrota abqixo de Chypre, porque os ventos eram conlrarios.
Depoi:' de ter atravessado o mar de Cilicia e de Pamph1lia, ch~ga
mos a Lyslria, aonde o centurião, lendo encon lra do um navio de
Alexandria , que dava a n•la para Ilalia , nos fez embarcai· nelle.
Navegamos mui lentamente durante mnitos dias, chegando com grande
difliculdade defronte de Gnido; e porque o Yento nos impedia de ir
avante, fomos costeando a ilha de Crela pelo lado de Salmona. Indo
com trabalho ao longo ·c1a cosla , abordamos a um sitio chamado
Bons Portos, proximo aonde demorava a cidade de Thalassa. Ten-
do assim decorrido bastante tempo , e tornando-se a navegação pe-
rigosa; Paulo deu este parecer á equipagem : Meus amigos eu pre-
''ejo que a navegação vai ser perigosissima , não só para o navio
e sua carga, como para as nossas pessoas. O centurião , porem,
dava mais credito ao ' parecer do. piloto é do meslre do navio do
que ao que Paulo dizia ; e como o porto não era proprio para in-
''ernar, a maior parte foi de opinião que se fizessem ao mar, e po-
sessem toda a deligencia por abordar a Phenicia, que é· um porto de
Creta , a fim de abi passar o inverno.
Começando o vento Sul a soprar brandamente, julgaram elles
poder conseguir o_ seu intenlo; immedialamente levantaram ancora e
foram costeando a ilha de Creta ; .mas pouco depois ergueo-se um
'Vento tempestuoso de Nordeste, que levou o navio abaixo de uma
ilhota chamada Cauda, aonde apenas podemos ser senhores da lan-
cha.
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128 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA.
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130 CATECISMO
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, .
I>E PERSEYERANÇ·A. 131
dos romanos. O Aposto lo alugou para si e para o seu prel<;.»riano
um alojamento, aonde passou dous annos completos , ''ivendo do
trabalho de suas mãos.
Alli recebia todos quantos o vinham visitar, prégando-lhes fran-
camente. o Evangelho. O seu capl1veiro foi uma continua missão ,
que muito servio á propagação da fé, e o tornou celebre até mesmo
na côrte do Imperador, aonde já havia muitos chrislãos.
Entretanto os fieis de Plnlippes·, Iam ternamente unidos ao seu
Apostolo , tendo sabido que elle estava preso em Roma , enviaram-
lhe Epaphrodito seu bispo, tanto para acudir-lhe com soccorros, corno
- para o servir em seu nome. Paulo escreveu aos seus querido~ Phi-
lippenses uma carta, aonde se revelavam. loda a grandeza da sua
alma e lodo o ardor do seu zelo. Escreveu igualmente para Pbile-
mon de Colossos, cidade da Phrygi~ , em favor t.le Onezimo seu es-
cravo , supplicando-lhe por amor de snas mesmas cadêas, que o re-
cebesse como a si mesmo. Desta mesma prisão sairam ainda as ad-
mira,'eis Epistolas aos Colossenses e aos Hebreos.
DE>JlOis de dois annos de prisão, conseguio Paulo ser ouvido, e
tendo-se plenamente 1uslificado das accusações que os judeos inlen-
taram contra elle , foi posto em liberdade : immedialamenle o homem
de Deus parlio para o Oriente. Julga-se· que foi durante esta ,·ia-
gem , que elle escreveu aos seus muito amados discipulos Tito e
Timotheo. Tendo feito sua ultima visita ás Igrejas Orienlaes, aquelle
astro brilhante dirigio novamente a sua carreira para a cidade de
. Roma , sobre a qual havia de ficar como que suspenso para sem-
pre. Depois da .
sua volta para a capital do mundo, escrevea a sua'
segunda Epistola a 'fimotheo e aos fieis de Epheso.
Paulo entrou cm lloma com S. Pedro : esles dous conquislado-
res, unindo os seus esforços, plantaram o eslandarle do sru divino
Mestre até no mesmo palacio ele Nero ; mas este infame princi1)e não
podia soffrer se- inlrodnzisso em Roma uma religião Lam santa • que
anl(•s quereria elle perder o imperio do que os srus desregrados
1u·az<1res. O seu furor porem não pôde ser maior, quando soube da
conversão de uma cortezã, de quem elle fazia o seu idolo. O gran-
de Apostolo, que linha operado eslc prodígio , foi imni .ediatamcnl~
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132 CATECISMO
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DE P~RSEVERANÇ~.
OBAVXO.
'
O' meu Deus , que sois todo amor , eu vos dou graças por nos
terdes feito nascer no gremio da vossa Igreja , permilt_i , Senhor ,
que estejamos sempre unidos do fundo do coração á Igreja romana,
mãi e mestra rle todas as mais Igrejas.
En protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim. mesmo por amor de Deus ; e , em testimunho deste
amor , quero cumprir sem hesitar tudo o que a Igreja me ordena.
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1H CATECISMO
IV.ª LIÇÃO.
O CHRISTIANIS:MO ESTABELECIDO
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DE l1 ERSEVERANÇA. 135
André quem levou a fé ao seu paiz, e até ás fro11teiras da Polonia.
Ultimamente veio á mdade de Palros na Achaia, aonde , deu o seu
sangue por Jesu-Christo ~m um suppliçio similhante ao d6 seu ir-
mão, e ao de seu divino Meslre ; pois foi como elles crucificado.
Consta da tradição que a cruz de S. André era formada de duas
peças de páo, que no meio se crusavam obliquamente, formando a fi- . _
gura de um X.
Tanlo que o Apostolo avislou o _instrumento rlo seu supplicio ,
e'\'.clarn~rn transportado de alegria : Salve, 6 Cruz .preciosa , que
fosle consagrada pelo corpo do meu Deus , e ornada dos seus mem-
bros como de ricas pedrarias. O' Cruz Salvadora, recebe-me em Leus
braçog ., que muito ha te desejo e te procuro ·, p·or li ine ·receba
aquelle Senhor que em ti me remio. Repousam actualmente as re-
Jiquias do Santo, na ltalia na Cathedral de Amalfi (1). Possa o seu
amor pela Cruz suusistir em toda a parle aonde ha chrislãos.
Fallemos tl'oulro conquistador, d'outra teslimunha da fé que temos a
felicidade de profess.ar ; é S. Thiago, fil.ho de Zebedeo e de Salomé,. irmão
de S. Jo~o Evangelisla e proximo parente do Salvador: chama-se maior,
para o distinguir do Apostolo do mesmo nome, que foi Bispo de Je-
rusalem, e se cognomina o menor, ou po1~_que foi chamado ao Apos-
tolado depois de S. Thiago Maior ; ou porque era tle pequena esta-
tura ; ou finalmente por causa da "uà mocidade. Salomé, mãi d-e
S. Thiago Maior e de S. João chamava-se lambem Maria e elJl
prim~ e irmã da Sanlissima Virgem. .
S. Thiago leve a Galiléa por palria ; era pescador de profissão,
assim como seu pai e irmão. Depois da Ascensão do Senhor, apres-
sou-se como os mais Apostolo~ a ir cultivar o .vasto campo, que lhe
havia caido ·em partilha. Sabe-se que elle prégou o E''angelho ás
c.loze Lribus de Israel, dispersas em diversos lugares <la terra , e que
levou a luz da fé até á Hespanba (2). Voltou pelo inverno a Je-
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136 CA l'ECIS&IO
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J
Dr. PEl\SEVRR!NÇ.A. 137
níanto de linho (1). Foi seu corpo sepultado em Jcrnsalem; mas
pouco depois o trasladaram seus discipulos para Hespanha. Hoje
repousa na Calhedral de Compostella na Galliza, que é uma das mais
celebres romarias do mundo Calhoiico.
Agrippa, que mandou matar o Santo Apostolo, é o primeiro
rei perseguidor da Igreja. Por elle começa a tremenda historia da
Justiça de Deus, sobre aquelles que leem ousado alevantar-se contra o
Senhor e conlra o seu Christo ; porque os reis e os povos· são crea-
dos e pDstos no mundo, para conhecer, servir e amar a Jesu-Chris-
to, Cordeiro uominador do mundo ; tal é a immutavel condição da
gloria , felicidade e até da existencia dellcs. Se a violarem, serão
infallivelmenle feridos de exemplares castigos. A rigor,,sa precisão
com que islo se tem verificado, ha desoito secnlos, não é a menor
prova da divindade do Chrislianismo ; pois responde victoriosamen-
te à indifferença dos impios dos nossos dias, que parecem considerar
Jesu-Cbristo como um monarcha destronado, que não merece mais
ser temido, nem respeitado, nem obeuecido ;. ao mesmo tempo que
esta verdade. prova claramente o cuidado, com que o divrno Pastor
attemle, do alto do Ceo, ao seu querido rebanho.
Herodes e Pilatos , como já vimos , morreram miseravelmente.
Manchado no sangue de um Apostolo de Jesu-Christo, Agrippa pou-
co tardou em experimentar os effeilos da vingança divina. Depois
da festa da Pascoa, vollou elle para Cezarea, com o designio de dar
jogos publicas em honra do Imperador Claudio. Foi seguido por um
numeroso cortejo de pessoas de consideração. No segundo dia dos
jogos appáreceu elle no theatro, com uma opa tecida de prata, da qual
o arli11cio excedia a riqueza, e que tirava um novo brilhantismo
dos raios do sol , cujos reflexos ''inham deslumbrar os espectadores.
Estes, pela sua parte, mostravam um respeito, que mais parecia ado·
ração. Agrippa , tendo feito um discurso, os aduladores, que cer-
cam ordinariamenle os principes, ergueram repelidas ac'clamações ;
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CATECISMO
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DE PEllSto:VERA'.\ÇA.
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uo CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 14.1
cou o Bispo , tornou-se um homem malvado, um perverso, em summa
um ladrão. Em vez de estar aqui na Igreja , procurou uma mon-
tanha, aonde habita com uma quadrilha de outros como elle.
A eslas palavras, o Aposto lo , rasgando os seus vestidos, e arran-
cando um profundo suspiro lhe diz , batendo com as mãos na ca ..
beça : Ah 1 como guardaste lu a alma de teu irmão 1 Tragam-me
já um cavallo , e deem-me um guia. Não altendendo mais que á
sua charidade, mo.nta a cavallo o veneravel velho, e dirige-se á in-
dicada montanha. Brevemente foi detido pelos vigias dos ladrões ;
mas em lugar de fugir ou de lhes pedir a vida , exclama em alta
voz: Para ser preso é que venho aqui ; levai-me ao vosso chefe.
Assim o fizeram ; mas o mancebo, que armado o esperava, apenas
avistou e conheceu a S. João, fugio por aquelles montes, aterrado
de o ver. Esquecendo a sua fraqueza e idade, correu o Santo quanto
pôde em seu alcance , grilando ao mesmo tempo; Meu filho ! meu
·. filho ! Porque me foges? porque foges a teu pai? que temes tu de
um velho , fraco e sem armas ! :Meu filho lem piedade de mim ,
nada temas, ainda ha esperança da lua salvação. Eu responderei
por li a Jesu-Christo, soffrerei voluntariamente a morte por Li, da-
rei a minha alma pela tua. Delem-te, e confia em mim e em Jesu ..
Chrislo, que me envia por lua causa.
Não pôde o mancebo res1slir mais ao Apostolo : parou, arrojou
as armas, baixou os olhos , e Lodo banhado em lagrimas abraçou o
Sanlo velho, cuidando de occullar a mão direita, que se achava man-
chada de innumeraveis crimes. O San lo Aposlolo , apertando-o ao
coração , assegurou-lhe novamr.nte e com juramento, que lhe obte..
ria do Salvador o perdão dos seus peccados ; prostrou-se até de joe-
lhos diante delle, e por urna bondade que não pode assaz admirar-se,
tomou-lhe a mão direita , que elle occullava, e beijou-lh'a como que
1
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H2 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. U:l
o caçador. Porque não o tens sempre armado? ... « Porque per-
deria a força. Ora pois , replicou o S. Apostolo, é pela mesma
rasão que eu dou algum descanço ao meu espirito. » Finalmenle ,
tendo chegado ao centesimo anno de vida, eutregou a sua bella alma
nas mãos d'aquelle , em cujo seio elle mesmo teve a felicidade de
repousar : foi sepullado em Epheso.
O sexto conquistador evangelico é S. Thomé. Era elle , bem
como os outros de que havemos fallado , judeo de origem. Foi esle
o Apostolo, a quem o Senhor permitlio '1ue mellesse a mão na cha-
ga d~ seu lado. .Depois da Ascensão parlio para o Oriente, e levou
o Evangelho á Persia , Ethiopia e á Judea (1), aonde confirmou com
seu sangue a doulrina que pregára. Não se sabe ao cert.o o lugar,
nem o anno do S(lU martyrio , e só sim que o seu corpo foi levado
uepois para Edessa, cidade celebre da l\fesopotamia (2), aonde· foi
por muilo tempo objeclo t-le singular veneração. Nada admira este
culto, se nos lembrarn:ws que, aos trabalhos e soffrimentos dos Apos-
lolus devemos nós a vantagem de conhecer o Evangelho, e sermos
chrislãos.
Poi o setimo, S. Thiago o J.llenor ; filho de Alpheo e :Maria ,
proxima parente da Santissima Virgem. S. Jcroninw e Santo Epipha-
nio refrrem, que o Salvador, no momento da sua Ascensão, lhe re-
commendou a Igreja de Jerusalem , e em consequencia disto o es-
t:ibeleceram os Apostolos Bispo .d'aquella cidade, quando se disper-
saram para pregar o Evangelho. Os mesmos Jndeos respeitaram ao
santo- Bispo, apezar do furor com que perseguiam os christãos . Foi
pelo anuo de 59 que elle escreveu a sua Epistola, que tem o titulo
de Catlwlica ou Universal, porque não foi dirigida a alguma JgreJa
particular ; mas a t(}dos os JUdeos convertidos,, que estavam disper-
sos pelas differentes parles do universo. Nella refuta o Apostolo a
certos falsos doutores, que ensinavam que a fé só de si bastava para
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1U CATECIS~io
[1] Eusebio , p. U.
[2j Josepho, Autiq. liv. XX e. 8,
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ti~ PtlSEVERANÇA. H5
toio de Bélhsaida na Galiléa : foi um dos primeiros discipulos do
Salvador. Depois da descida do Espirito Santo, logo que os doze
pescadores de homens se dispersaram pelas diversas partes do mun-
do, S. Filippe parlio para as duas Phrygias; aonde o glorioso ven-
cedor do paganismo gozou por muito tempo o fructo da sua victo-
ria ; . pois que S. Polyca'rpo , que não se converteu , senão no
anno 80 do Senhor, teve algum tempo a felicidade de conversar
com elle. Foi sepultado na cidade de Hierapolis na Phrygia , e
não poucas vezes esl.a cidade se julgou devedora da sua conservação
àos continuas milagres; que se obravam pela virtude do Santo Apos-
tolo.
O none é S. Bartholomeli ; galliléo de origem , chamado ao
Aposlolado por Nosso Senhor. Ao sahir do Cenaculo, em tanto que
os seus companheiros se dirigiam , aquelles para o Occidente, estes
para o Meio dia , est' onlros para o Norte·, S. Barlholomeu filou a
sua attenção nos continentes mais barbaras do Oriente , e penetrou
alé ás extremidades das Indias (1). Por este nome entendiam os
antigos algumas vezes não só a Arabia e Persia , mas lambem, a
lndia propriamente dita. Com effcito , elles fa11am dos Brachama..;
nes deste paiz, famosos no universo pelo seu pretendido conheci-
mento da philosophia, e por seus supersliciosos mystel'ios. No prrn-
cipio do 3.º Seeulo, indo S. Pantenio ás Indias, para refntàr os Bra-
cbamanes, alli enconlrou vestigios do Christiauismo. Vio elle, entre
oul'ras cousas, uma copia do .Evangelho de S. MaLheus em hebraico,
a qual lhe asseguraram ter sido levada áquelles silios por S. Bár-
tholomeu, quando alli foi plantar a Fé (2).
O Santo Apostolo voltou aos paizes situados ao Noroeste da Asia,
e encontrou S. Fillippe em Hierapolis de Phrygia. D'alli se dirigio
a _Licaonia , aonde S. Chrysostomo assegura que elle instruio os po.,; ·
vos na Rel_igião Chrislã.
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H6 CATECISMO
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DE PEUSEVERANÇA.. U7
neophytos de Jerusalem , quiz supprir por .este meio a falta da sua
presença.
Deu elle á sua obra ~ nome de Evangelho ; isto é . Boa e felfr
Nova, e com rasão, porque descrevendo a vida do Verbo incarna-
do, annuncia a todos os homens , ainda aos mais perversos , a re-
conciliação do Ceo com a lerra, o perdão do peccado, o livramen-
to do inferno , a adopção de filhos de Deus, a herança do seu rei-
no , e a gloria de virem a ser irmãos de seu unico Filho : são com
effeito bem felizes novas. No seu Evangelho, dedica-se S. Malheus
a descrever a geração temporal do Redemptor, e deixa a S. João
o cuidado de acabar o que elle havia começado , revelando o seu
nascimento eterno. Foi o seu Evangelho o primeiro que se escreveu.
Quanlo era justo , que aquelle que se tinha convertido depois de
rnuilo peccador, fosse o primeiro que annunciasse a infinita mise-
ricordia do Salvador, que veio chamar, não os justos, mas os pec-
cadores ?
Vivia S. Matheus vida muilo austera ; e não comia carnes,
· mas só se alimentava de hervas , raízes e fructas agrestes (1). Mor-
reu em Lucb, no paiz de Senaar , que fazia parte da antiga Nubia,
e que fica entre a Abissinia e o Egyto. Assim, por determinação da
Providencia, cada Apostolo havia de ficar, ainda depois da sua morle,
no paiz que lhe tinha caido em sorte para plantar o Evangelho.
Poderosos guardas da nossa Fé, do alto dos Ceos , velai por vossa obra.
Deus que se glorifica, fazendo estrondosamente brilhar as gran-
des acções dos seus servos , lambem algumas vezes se compraz em
as ter occultas ; e assim a sua infinita sabedoria nos quer ensinar
o amor da obscuridade, e o desprezo do mundo. Tal é a reflexão
que inspira a ''ida de S. Simão. Tudo o que se sabe deste unde-
cimo Apostolo, é que o ardor do seu zelo por seu divmo Mestre
lhe fez dar o nome de zeloso. Os martyrologios de S. Jeronimo,
Deda, Adon e Usuard, collocam o seu martyrio na Pers.ia, em uma
llJ .
Clcm. AlcxauJ. Pocdag. 1. li e. l .
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148 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. H9
responderam com a maior sinceridade. Bem mostra,'am as suas mãos,
calejadas do trabalho , que era ,·erdade o que diziam da sua po-
breza. Quanto ao Messias , disseram qne elle era verdadeiramente
Jlei ; mas que o seu reino não appareceria com todo o seu esplendor
senão no fim do mundo, que eolão havia de vir julgar os vivos e os
mortos, Encantado da sua simplicidade , e assegurado pela sua hu-
milde condicção aclual , o imperador os despedw como pessoas de
quem nada tinha que recear. Foram depois elevados ao Sacerdocio,
e governaram santamente consideravms Igrejas (1 ).
O nome de S. Mathias , de que agora vamos fallar, não se
· pode pronunciar sem dolorosa lembrança. Judas Iscariotes ti-
nha deixado, por sua traição e por sua morte, um lugar vago no col-
legio apostoJico ; alguns dias antes do Pentecostes, S. Malhias foi
eleito para o substituir. Não se sabe nem a historia de suas con-
quistas Evangelicas, nem as circumstancias de sua morte : a sua vida,
bem como a de S. Simão, está occulla em Jesu-Chr1Slo, e sómente es-
cripla pelos Anjos no livro immortal da eternidade.
Doze destes illustres pescadores , de quem lemos esboçado a his-
toria, tinham sido directamente enviados para prender na rede da
Igreja os fiJhos de Abraham. D'esL'arte, por sua mcançavel mise-
r1cordia, tinha Deus querido , apezar da morte de seu Filho, lem-
brar-se das promessas feitas aos Patriarchas. Os judeos deviam ser
os primeiros a entrar no reino de Deus ; mas a sua obsll.nação for-
çou o Omnipotente a dar ao Messias um povo novo , e os gentios
tornaram-se os herdeiros das promessas. Paulo foi chamado para
elles ao apostolado, e o seu zelo correspondeu á sua vasta missão.
A historia dos doze conquistadores , aos quaes os modernos po-
vos nunca pagarão o tributo de gratidão que lhes devem , jun-
temos a de S. Marcos e de S. Lucas. Estes dois fieis companhei-
ros de S. Pedro e de S. Paulo , merecem , por muitos tilulos ,
as homenagens das nações christãs,; já porque partilharão os traba-
[1] Tillernont , t. t.
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130 CATECISMO
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DE PiRSEVERANÇA. 151
nome. Chegada a noute, lançaram-no os idolatras cm uma prisão ;
e na seguinte manhã arrastaram-no como no dia anterior até que
expirou. Os christãos recolhera~ os restos do seu corpo, e o en-
terraram em Bucoles, 110 mesmo lugar em que costumavam ajuntar-se
para a oração.
S. Marcos, no seu Evan_gelho , não fez mais do que compendiar
a S. l\Iatheus. A sua maneira de narrar é cone isa ; e interessa sin-
gularmente pela graça de sua elegante simplicidade. A exemplo de
S. ~fatheus dá-nos a conhecer o Salvador, como homem legislador
e modêlo. Não refere o que o Filho de Deus diz em abono de S.
Pedro ; mas nisto mesmo inclue uma grande lição, quaJ é de não
querer offender a humildade do Santo.
·Outro é o estillo e a maneira de narrar de S. Lucas.
Este parece ter por objecto mostrar-nos o Salvador como
Sacerdote e como Pastor; alem disso é no seu Evangelo que se
encontra a narração de muitas circumstancias relativas á Incarnação,
como a annunciação deste mysterio á Sanlissimá Virgem , a sua vi-
sita a Santa Izabel, a parabola do filho prodigo, e muitas outras
particularidades do mesmo genero. O estillo é claro , elegante e
variado; os pensamentos e a dicção tem uma sublimidade admira-
vel , sem faltar áqnella simplicidade, que constitue o caracter distin-
clivo dos escriptores sagrad0s. A energia com que o Evangelista
falia da paciencta , doçura, e charidade de um Deus feito homem ,
por amor de nós ; a sua placidez em relatar os soffrimentos e morte
do Salvador , a sua atlenção em evitar qualquer aposlrophe, ou in-
v~ctiva, que álias é tam natural no homem, contra os inimigos do
seu amigo ; tudo tem não sei· que sublime , nobre , palhelico e per-
suasivo , que se não encontra nos mais bellos ornamentos da litlera-
tura. Esta simplicidade , para assim dizer , faz que as grandes ac-
ções foliem por si mesmas ; em tanto que a eloquencia humana não
conseguiria mais do que diminuir-lhes o esplendor.
Agora, que temos fallado da obra , fallemos do auctor. Era S.
Lucas nalural de Autiochia , metropole da Syria , aonde versou ex-
cellentes estudos , que aperfeiçoou viajando pela Grecia e Egypto.
O seu genio particularmente o inclinou á medicina ; mas parece que
só depois da sua conversão ao ·Christianismo , é que a charidade 0
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CATECISMO
moveu a exercer aquella arte, que álias não era incompativel com
os trabalhos do ministerio aposlolico. S. Jeronimo, assegura-nos que elle
foi medico distincto , e a tradição accrescenta, que foi lambem muilo
habil na pintura. Era elle já um perfeito modelo de todas as vir-
tudes , quamlo S. Paulo o escolheu para cooperador e companheiro
de seus trabalhos, no anno õ1 de Jesu-Christo ; e estes dous grandes
Santos nunca mais se separaram, senão por pouco tempo,, e só quan-
do o exigia a necessidade das Igrejas. Acompanhou S. Lucas o gran-
de Apostolo a Roma, quando alh foi preso no anno 61; e não se
separou delle em quanto não teve a consolação de o ver restituido
á liberdade no anno 63.
Neste mesmo anno concluio S. Lucas as Actas dos Apostolos , -
cuja preciosa ol:ira tinha ernprehendido em Roma, por inspiração do
Espirilo Santo (1); e é uma como continuação do Evangelho. Nella
se propõe S. Lucas refutar as falsas noticias , que se publicavam
ácerca da ·vida e trabalhos dos fu odadores do Christianismo ; bem
como consignar em esCl'iptura authentica as maravilhas de que Deus
se trnha servido , para formar a sua Igreja ; o que lambem impor-
ta uma 'rnvensivel prova da resurreição do_ Salvador , e da divin-
dade do Evangelho. Depois da morte de S. Paulo , o Evangelista
prégou na llalia e na Dalmacia ; e terminou a sua longa carreira
por um glorioso martyrio. (2).
Cumpre notar bem, que foi , para assim dizer , com difficnl-
dade , e co'mo forçado , que Deus , tanto no Novo como no Antigo
Testamento , mandou escrever a sua Lei. A tradição oral é com
effeilo muito mais conforme á simplicidade e innocencia, que Deus
deseja ver entre os homens ; bem como é mais propria, para estrei-
. ar os laços da familia , e fazer de todos os homens um só povo
de irmãos. Assim pois, não vemos que Nosso Senhor encarregasse
• aos seus Apostolos de porem por escripto a historia da sua vida ,
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tm PERSEVEltANÇA.
ou <la sua doutrina : os anctores {(Ue a escreveram , moveram-se a
1
fazei-o por diversas c1rcumslancias , ou por inspiração do Espirito
Santo. S. Malheus escreveu o seu Evangelho a rogo dos judeos
cÕnvertidos da Palestina ; S. Marcos escreveu o seu, a inslancias dos
Fieis ele Roma. S. João foi rogado pelos Dispos da Asia, para dei-
xar um tesllmunho authentico da verdade, contra as heresias de Co-
rinlho e de Ebião (1).
Santo Irineo, S. Jeronimo e Santo Agostinho consideram como
figura dos Evangelistas os qnatro animaes mysleriosos de Ezequiel e
do Apocalypse ; ·e por isso as pinluras dos Evangelistas costumam
ser acompanhadas por algum destes animaes figurativos. Todos con-
vem que a Aguia é o symbolo de S. João, que desde o principio se
eleva ao seio da Divmdade , para ahi contemplar a geração eterna
do Verbo. O boi é a figura de S. Lucas , que comeaça por fazer
mcncão do Sacerdocio do Homem Deus, e do Sacrificio de Za·
0
ORA.VÃ.O.
O' meu Deus , que sois lodo amor, eu vos dou graças por nos
haverdes lransmitliclo a vossa Santa doutrina • não só de viva voz,
mas por escriplo ; dignai ·vos esclarecer, Senhor, aquelles que ainda
não vos conhecem.
Eu proleslo amar a Deus sobre Lodas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e , em testimuilho deste
amor , llei-de ler o Evan9ellto coin o mais profzmda respeito.
[1} Vede Eusebio, liv. Ili. e. 24. iJ. liv. 11. e. 15; S. Jerooimo
Prol. in Malli.
20 YI
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CATF.CISl\fO
V. 11
LIÇAO.
O CHRISTIANISM:O ESTABELECIDO
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DE PERSEVERANÇA.
presenceado suas conquistas evangel1cas. Em Lodos os pontos do
globo arvoraram elles o estandarte viclorioso da Cruz_: em todas as
terras lançaram a semente da verdade ; a todos os povos annuncia-
ram a Boa Nova , as nações a receberam com alegria ; e a boa se-
mente se multiplicou a cento por um. Quando o ultimo destes doze
luzeiros, deixou de brilhar na cidade tl'Epheso, já a luz envange- /
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156 GATECISl\IO
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DE PERSEVERANÇA. tõ7
lava ainda no berço. Estudemos primeiramente o Paga.msmo , e
consideramol-o alternativamente no seu culto , nos seus costumes ,
nas suas leis : a este triplice quadro opporemos o culto , os costu-
mes e as leis do Christianismo. O Paganismo occupa Roma, que
se moslra á face do sol ; o Chrislianismo habita outra Roma subler-
ranea : vejamos pois o que era a lloma pagã.
Apos setecentos annos de continuas guerras, estavam os roma.nos
senhores do imperio do mundo. Seguintlo o espirilo ele todos os povos pa-
gãos, não tinham elles combatido senão para conquistar e fazer escravos.
Para elles era a terra uma ovelha , que não se conlenlaram com
tosquiar, senão qne lambem a esfolavam. Subamos ao Capitolio, e
vejamos o que faziam dos seus immensos despojos.
Lá se divisa uma cidade immensa : no seu ambito se agilam
mais de cinco milhões de habÚantes : nada iguala o numero dos s~us
palacios e templos; é espantoso que o mundo tivesse tanto ouro como
o que foi preciso para os construir e adornar. Estava Roma edi-
ficaua sobre sele collinas ; mas tanto se estendeu no tempo dos Ce-
~ares, que já cingia esta coroa imperial a fronte de doze montanhas (1).
Dividia,.se em quatorze bairros ('!), cuja total circumferencia ·era de
duzentos e quatro mil novecentos e quinze pés • contendo quarenta
e oito mil sele cen los e desenove casas. Deste numero , dois mil
eram palacios da mais incrível mngnincencia (3), formados de abo·
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rns CATECISMO'
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(
DE H!USft:VERANÇ·A. 159
sas : antes de chegar a seus donos , veremos milhares de escravos~
que de dia estam ao dispor de todos os seus caprichos , e de noute
são fechados em uma especie de prisões soturnas e infectas. chama-
das ergastula; a plebe que ferve pelas ruas, de noute dorme debaixo
de alpendres, ou por onde pode ; de dia agglomera-se no amphilhea-
lro , ou nos lugares de devassidão : ella não quer mais que duas
cousas ; não tem mais que dnJs precisões : pão e prazeres (1 ). Quan-
to ao rei, esse habita em quartos, cujas paredes são pintadas a
fresco ; o soalho, formadD de ricos mozaicos ; os tectos, cobertos de
ouro, por maneira que não seriam hoje para nós outra cousa, séoão
palacios da maior magnHicencia.
A historia e os monumentos, que ainda subsistem, attestam que
o ouro , a pãala , o marfim , as pedrarias , as- madeiras mais raras
e preciosas se empregavam na mobilia com a mais larga profusão.
Cicero, o modesln Cicero , linha uma meza de Cidreira, que
custara duzentos mil sestercios , isto é, do nosso dinheiro , qualro
contos de reis. Uma simples casa, que etle comprou, de Crasso, cus-
tou-lhe tres milhões e meio de sesterci os ou setenta contos de
reis.
Julio Cezar tinha duas mHzas, que lhe custaram trinta e oito
contos e quatrocentos mil reis : esle mesmo Cezar assistia aos jog•)S
publicos assentado em uma cadeira de ouro massiço.
Contemos ainda a fortuna de alguns destes cidadãos de Roma.
Crasso possuiá dous biliões de sestercios , tanto em terras como
em dinheiro , sem contar os seus moveis e os seus escravos. Por
isso dizia ~lle modestamente, que nenhum homem podia chamar-se
rico ; r,e não estava em estado de sustentar dos seus rendimf.nlos
uma legião : ora , é sabido que uma legião romana continha quasi
dez mil homens.
Seneea , o philosopho, tinha em bens de raiz lres.ento~ milhões
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1GO CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 161
improviso, L~1cullo disse que jantaria no salão de Apollo, e se lhe
servio uma refeição que custou dez mil cruzados. Outra occasião
enfureceu-se contra o seu mordomo, porque sabeOllo que tinha de
jantar só , mandára preparar uma comida menos sumptuosa. Não
sabias lu , lhe diz aquelle honesto homem , que hoje Lucullo havia
de jantar com Lucullo? Os seus excessos Lranstornaram-lhe o juiso,
de sorte que morreu doudo.
Tito Annio l\Iilon morreu endividado em quarenta milhões, du-
zentos e cincoenta mil cruzados. Outro, depois de haver consu·
mitlo em deva~sidões seis centos milhões de sestercios, vio-se obri-
gaflo a examinar o seu ren1limento (1 ), e achanrlo que não excedia a
quarenla e cinco conlos de reis , entendeu que não ch.rgava para
um romano, e tomou veneno. Só a cosinha deste homem havia cus·
lado um bilião d~ seslercios (2). Chamava-se Apicio, e teve por
litulos da sua gloria o ter sido o inventor de certos pasteis, que U-
nham o seu nome, e ser chefe de uma academia de golodice. To-
dos eram pouco mais ou menos dados a estes v~rgonhosos e:\cessos.
O luxo dos banquetes e das festas esgotava os thesouros do estado
e a forluna das familias. Para este povo de Sybaritas era preciso
ir buscar os peixes mais raros aos paizes e praias mais longiquas.
Tinham achado o meio de servir porcos inteiros assados _de um lado
e cozidos do outro. Faziam picado de miolos d'aves e de porco com
gemmas d'ovo e folhas de rosa , formando de ludo uma odorifera
massa, cosida a fogo brando , com azeite d'arenque, pimenta e vinho.
Antes do banquete comiam cigarras , para despertar o appelite. Os
. mais exquisilos vmhos não eram aceites se não vinham misturados com
perfumes e aromas.
Longe de repdmir este luxo , que arruinava o rico, e irritava
o pobre, eram os imperadores os primeiros, que davam o exemplo.
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16'2 CATECISl\IO
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DE PERSEVERANÇA. 163
eia de muitas provmcias. Yia-se chegar ao pé da indolente matrona,
mal que despertava do somno, uma pomposa procissão de escrav;as,
que lhe traziam os aprestos do toucador ; bacia d'ouro ou prata ,
jarro, espelho, ferros de frizar , arribeqúes, potes de pomada de lim-
par os dentes , ennegrecer as sobrancelhas , tingir e perfumar os '
cabellos : poderia chamar-se-lhe um laboratorio pharmaceutico. I.las
orelhas e do pescoço lhes pendiam brincos e collares de finas perolas ;
braceletes, a tingir s~rpentcs dJouro, lhes cingiam os braços e pulsos;
corôas de diamantes e pedras da India adereçavam-lhes a cabeça ;
saltos d' ouro lhes erguiam nos pés os ça patos de purpura ; e as fe-
m_entidas tintas lhes occullavam a natural pallitlez das impodentes ra.:
ces.
Se alguma cousa lhes não saia como desejavam , tratavam estas
criminosas mulheres as suas escravas com extremas violencia~. o
toucador de algumas não era menos para temer que o tribunal dos
tirannos da Secilia. Alem da rnultidã • de pessoas, occupadas em seus
toucadores, oulras muitas havia, só para darem o seu parecer ; e es-
tas formavam orna especie de conselho , onde se discutia a materia
com tanta seriedade, como se d'aqui pendesse sua ''ida e reput.ação.
Porque diziam os medicos que os banhos de leite de burra tiravam
as rugas, faziam a pelle macia , e conservavam a côr alva , mulhe-
res havia que , para conservar a belleza do rosto, com elle se ba -
nhavam setenta vezes ao dia , tendo nisto a mais escrupulosa re-
gularidade.
Todos sabem que Popéa , lam vergonhosamente celebre du-
rante a ,,ida de Nero, trazia ordinariamente comsigo quinhentas bur-
ras de cria , a fim de se banhar no leite , para lhe fazer a pelle
mimosa (1 ).
Assim como os Consoles não saiam, sem as insignias da sua auc-
toridade , assim as mulheres romanas não vinham a publico, sem os
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T
tu CA1'EC1SMO
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DE l'ERSEVERANÇ.\. 165
este principio ; o odio e a crueldade reinava por toda a parle. Em
primeiro lugar no amphitheatro : antes de ver as ondas de sangue
que o inundavam, façamos a descripç.ão , deste .edificio, que depois se
tornou lam celebre pelas gloriosas victorias de nossos pais na fé.
O amphithealro era u_m espaço oval, descrevendo urna elypse,
cercada de degraos levantados uns sobre outros, donde o povo via
assentado o e-speclaculo e os jogos. O maior e o mais magnifico d~
todos os amphilheatros romanos é o que ainda hoje. se chama Coli-
seo; nome que tomou da estatua Colossal de ·Nero , que ficava alli
proxima. E' construido de pedra lioz , que na solidez e belleza se
parece com marmore. Tem de largo quinhentos e vinte e cinco
pés; os degráos , que o cercam , elevam-se á altura de cento e
sessenta e cinco pés , e podem conter cem mil espectadores assenta-
dos muito á vontade. Debaixo destes degraos estavam as jaulas e
prisões onde se guardavam as feras destinadas para o combale e alli perto,
grandes rcservatorios cheios de agua. Para variar os prazeres do
povo abriam-se estes reservatorios, que inundavam o centro do am-
pbilheatro, dando-se- então batalhas navaes no mesmo silio , aonde
pouco antes se tinham visto combater os homens e as feras. A'
entrada havia um altar, sobre o qual estes bons romanos immola-
vam viclimas humanas, antes de começar os· jogos (1). No meio es-
t<tva o camarote do imperador (2) , e logo que elle entrava no
theatro , levantavam-se todos e baliam as palmas. Os combalentes,
postos por ordem , desfilavam diante do seu · camarote, dizendo : O'
Cesar , os que vão morrer te saudam (3).
A um sinal dado, começava o combate. Ver por mero gosto ho-
longe de d1ier tudo: e nem mesmo citamos os auctores; Deus sabe por
que.
(1) Minot. Felix. Ocl ; Tertull. Apo~ e. IX.
(~) Cubiculum princapis.
(3 > Cesar, murituri te salu&aot,
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166 CATECISMO
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DE PERSKVERANÇA. 167
famintas fauce3 , se opporlunameole não se livessem achado os mar-
tyres , para fornecer carne e sangue áquelles exercilos do deserto.
A lei romana estendia lambem os seus maternaes cuidados ·a
Postas foras mortíferas; pois que probibia matar em Africa Ós leões ,
os tigres, as panlheras ; e nas florestas da Germania , os lobos e
os ursos, como se prohibe matar as ovelhas , mães dos rebanhos.
O estridor das espadas , o rugido dos animaes, os gemidos das victi-
mas, cujas entranhas eram arraslradas pela area , borrifada de es-
sencia de açafrão e agua de cheiro, arrebatava a multidão.
A' sahu.la do amphilheatro ella hia mergulhar-se nos banhos ou
nos lugares de prosliluição.
Os banquetes particulares eram realçados por este prazer de
sangue ; quando se estava replllto , e começava a embreagaez, cha-
mavam-se os gladiadores. A sala retinia com applausos, quando um
dos combalentes cabia morto (1).
Esta crueldade de Roma pagã, e o desprezo iosullanle da hu-
manidatle manifestan-se de muitas outras maneiras. Nesta caduca
sociedade , em que não se conhecia outra regra senão o direito do
mais forte , o fraco era por toda a parte opprimido.
Começando pela mulher, não me atrevo a dizer qual era a sua
sorte, pois se julgaria que calurnnio o genero humano; todavia a
historia ahi existe escripla com iodo, para alleslar o horri\ el av il-
1
(1) Chateaobriand.
(2) Historia das lefs sobre o casamento e o divorcio por M. Nouga-
rcde , t. I.
<3) Idem. - Esta coodição d.i douzclla Lcm permanecido sempre a
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168 CATECISMO
mesma por toda a parle aonde o Chrisl1amsmo não tem exercido a sua
benefica influencia. Entre os Arabcs do Delta, a íormala do casamento é
concehi<la desta maneira : - O pat da· doazella diz ao fuluro noivo: Eu
te darei uma escrarn para fazer o teu ·serviço. M1chaod , Correspond.
d' Orient.
c1) O principio do direito arbitrario .do repudio ~chava-se cstnbcle-
ci<lo ao codigo das doze tabuas. O abuso deste direito foi levado ao ul-
timo excesso: as causas de divorcio brc\·emente foram um cscarnco. A
mulher de Sempronio, porque tinha ido aos jogos publi('os sem sua licença ;
a de Aotislio, porque Linha fallado em voz baixa a uma liberta de má re-
putação; e a de Sulp1c10, porque a tinha encontrado , sem vco na
, rua ; fo:-am repudiadas por seus mari1los ; e não tardou qnc se
não ,·isscm outros repudias , por cansas que nem tinham appareac1as
ele deliclo. Apenas, dizia Juveaal, a têz de Bibula romcçava a murchar-
se , os dentes a perder a brauQura , e os olhos o brilho ; quando um li·
berlo se apresenta: Vai·le, lhe diz, que te assoas muito; sahc ,
que queremos um nariz menos enfadonho que o teu.
(2) Basta saber o que aincla hoje so passa na Turquia , na Chiaa ,
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DE PERSEVERANÇA. 169
Donzellas; esposas, mãis christãs, oh ! se soubesseis tudo quanto
deveis. ao ChrisLianismo ! não, por certo não haveria bastante reco-
nhecimento no vosso coração , para com aquelle De~ que foi sobre
tudo o vosso Redemplor. Para vós, não amar o Christianismo, não
o prallcar com enthusiasmo e devoção , não é só um crhne, mas
lambem uma horrivel ingralidão; · é o ·vosso proprio suicidio.
Passemos agora da mulher ao menino. O menino ! o debH me ..
nino ! Só este nome suscita em nosso peito christão uma grande ternura ;
um religioso respeito se apodera da nossa alma, e excessivos clis~
e nas lndias. .,Eu não sct todas quantas obras nos referem a escravidão
e aviltamento da 1oulher nestes paizes: o mesmo acontecé enlrn os ne •
gros da Africa central._ Vcja·sê a Influencia elas mulheres por Madame de
l\fongelraz; Instituições elos povos da lnclia por .M. Dubois; Viagem ao
Tombouctou por Calllé. YeJa as cartas dos missiooarios~ e as relações dos
viajantes. Nesta hora em que escreve mos, aintla o jugo de ferro pesa
sobre as donzellas chinczas. Eis · o que se le nos tinnaes da propagaÇiÍo
da Fé, o.º õO, .p. 2io, aooo de 1837:
« As leis da Ch'ioa não permiLlem dota·r as filhas. Qs pa·is poderu
,·endel-as corno aos aoimacs (a legislação condemna estes horrores, mas
o go\·erno tolera-os); até padem matai-as, mas não dotal"'as~ Só os varões
podem ser herdeiros : e quando não haja rilho varão, ou seja natural o·u
adoplivo , os bens passam de direito para o mais proximo parente, por
· mais remoto que seja , mas nunca pará as filhas; porque um barb:uo pre-
ju1so faz que se co11~idererh como especie degenerada, inferior ao homem. E'
sobre ludo na classe superior da socie·da<le, que mais se manifesta este
estado de escravidão e aviltamento da mu~her. Só a Religião Chrtslã,
assi~~ na China como no · resto da Asia , tem sua\'isado a sua sorte, dan-
do-lhe mais liberdade. Pode diter-sc que o Chrislianismo a tem de algum
modo colloçado no c·stado civil. A dilTerença entre as chrisli'ls e ~s pa....;
g·ãs é lam scnsivel, que os clünczes lhe chamam ii rch~ião das mulheres. »
Teriamos de citar [oda a historia dos po\'OS antigos e modernos, se
houvessemos de contar todas as humilhações, de que o Ch-rislianismo li-
bertou a mufhcr. Veia a obra de M. NougarMe , cilada anteriormenle,
t. 1.
. 22 VI
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170 CATECISMO
mãi.
(3) A lei pcrmilL1a expor os meninos sem alguma rcslricçã9; este uso
era geral oo tempo dos Imperadores. Veja Suclooio in oclav. e, 65 - io
caliguL e. õ -Tacito lib. V - Histor. e. 5. ·
(4> · Tinham este coslume os Chaoancos, Carlhagineses, Gauleses, Egip-
cios, Mexicanos ele. ele. Vejam.se as hislorias dos d1lTcrcnlcs po,·os.
Achar·se-ha quanto se deseja sobre esta materia , tam ioleressanle quanto
pouco conhecida, na nossa historia da familia. 2 vol. cm 8.º
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DE PERSEVERANÇA. 171
com qu-e vão estercando seus campos e plantações , deixando cor-
rer todo o sangue do desgraçado pela terra antes que morra , ~
persuad_idos que a terra, regada com sangue d~ um menino ainda
quente, se torna mais fertil ! Alguns soldados inglezes, enviados ~
uma certa aldêa encontraram só alli nada menos. de vinte e cinco
meninos , confiados aos bonzos encarregados de os engordar , para
fazer delles depois o uso nefando que acabamos de dizer. Deste mo-
do o velho paganismo fazia do menino viclima, o novo faz delle es-
, trume (1). ,
Ainda hoje em Darfur, provincia d' -4.frica , visinha do Egipto ,
se immolam cada anno dous meninos , para obter prosperos dias e
bellas searas. ,
O' meninos! dai graças ao Deus Salvador, que para arrancar-
vos a tanta tirannia se dignou fazer-se elle mesmo menino: e nós
mesmos , homens d.e madura idaJe, rendamos-lhe graças ; porque lam-
bem já fomos meninos. ·
Talvez que muitos dos q.ue lerem estas linhas não devam se-
não ao Christianismo o beneficio da sua existencia e conservação.
Amemos e pratiquemos esta Religião beneficente ; que por toda a
parle, aonde ella perde a sua influencia, reapparece a oppressão da ...
infancia , a exposição- e o inJantecidio.
Se os pais assim tratavam seus filhos, qual devia ele ser a
sorte dos escravos ? Primeiro que tudo convem saber, que em cento
e vinte milhões de homens, que continha o imperio' romano , havia
menos de dez milhões de homens livres. Tal era a liberdade do
mundo pagão. Mas que era um escravo?... O texto das leis nol-o
vai dizer. '
- Segundo a ignobil expressão da legislação d'aquélle tempo , o
escravo era uma cousa eslimada a preço de dinheiro , ·e realmente
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17~ CATECISMO
[1) A definição do escravo rai ainda mais longe - Non tam vilis, ·
quam nullus - menos vi 1 que nullo.
. (~) Edit. Ediles, lib. XXI. líL. 1.
. (3) Ciccr. in· Verr : V. e. 3.
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DI~ PERSEVRRANÇi\. 173
a noute encadeados em subterraneos (1), aonde não recebiam ar se-
nã-0- por urna estreita fresta. Por alimento distribuía-se-lhes um pou-
co de sal. O · possuidor de escravos podia condemnal-os ás feras ,
vendei-os aos gladiadores, e forçai-os a acções infames. As malro-
nas romanas , dignas imitadoras de seus crueis maridos , pelas mais
leves causas davam tractos ás mulheres sujeitas ao seu serviço. Se
um escravo malafa a seu Senhor eram condemnados á morte, jun-
tamente com o culpado, todos seus innocentes companheiros. .
O cumulo e remate da legislação dos escravos é a lei conhe-
cida pelo nome de Senatus conmltus Sillaniano. ·Esta lei , que ne-
nhuma expressão pode caracterisar, e que devia de escrever-se com
letras de sangu~ , foi promulgada no fim do reinado de Augusto :
por ella se ordenaYa, que logo que um senhor fosse assassinado por
um seu escravo, todos qu·antos se achassem debaixo do mesmo teclo
e ainda os que não estivessem a tal distancia, que não podessem ou-
vir a sua voz , ou perceber o perigo que corria , soffressem todos o·
ultimo supplicio. Nem perm1ltia a lei se fizesse distincção de idade ou
sexo , nem se allendesse a desculpas'. cuja e\'idencia podesse soffrer
a menor c·onlestação ; pois neste cas,o rejeitava todas as provas con-
trarias, e obrigava finalmente o ,herdeiro do defuncto, sub pena de
multa , a ser o proprio accusador dos escravos.
Em consequencia desta lei (2), Pedanius Secundas, prefeito de
Roma , tendo sido assassinado em sua casa , quatro centos escravos
foram implacavelmente executados.
O instincto da crueldade romana se manifestava da mesma sor..
te com os prisioneiros de guerra , que eram ou reduzidos á escra-
vidão, ou coudemnados a combater uns contra outros no amphithea-
tro , ou talvez a ser immolados sobre o tumulo dos Yencedores, ou
sobre os altares .dos deuses (3) ~ ·
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IH CA.TECISMO
(1J Terlul. Apol. IV. -Ainda hoje na lndia o infeliz que não pode
.pagar uma divida de lrmla francos fica escravo do credor que lem o di-
reito de o reter em ferros até que seja libertado. - Annaes da Propaya·
fâO da Fé n, º 51. p. '09.
(!) Horlis apud majores dicilur quem nuoc peregrrnum vocamus.
Cic.
(3) Male merelur qui mendico da,l quod edal;
Nam et illud quod dat peril, el illi produc1l vilam ad misc-
seriam. Plauto - Trmum, act. 1 e. 2. ·
Platão quer q~e se expulsem implacavelme'nte da sua repu-
blica estes animats impuros. Do lcgib. Dialog. II.
· Nil babel. infelix paupertas durius in se
Quam quod ridiculos homines faciL.
Juv~o. Sal. III :
(4) - Lacl. de Mortib. perseculor.
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,
DE PERSEVERANÇA. ;(75
o brilhante involucro d'uma civihsação materjal , levada ao seu ul-
timo gráo de desenvolvimento , o mundo pagão não era mais que um
cadaver corrupto, cujo fetido. chegava até o Ceo.
Quanto não é pois admiravel, que nas catacumbas de Roma sur-
gisse logo um povo que , por austeridades e lagrimas, começasse a
creação d'um n_ovo mundo? Na seguinte lição visitaremos esta
Roma Subterranea.
ORAÇÃO
O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças de todo
o meu coração por haverdes tirado ~ mundo das trevas e crimes
da idolatria ; ·permilli, Senhor , que vivamos com~ filhos da luz e na
santidade a que nos chamastes.
Eu protesto amar a Deus sobre todas-as cousas, e ao proximo
como a mim mesm~ por amor de Deus ; · e, em !eslemunho d'este
amor, direi todos os di~s uma oração z1ela conversão dos infieis.
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176 CATECISI\10.
O CHRISTIANISMO ESTABELECIDO.
. .'
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DE PERSEVERANÇA.
v1cws com uma virtttde contraria ; o seu infernal orgulho com a hu-
mildade ; o luxo , com a modeslia ; os excessos da mesa, com a
temperança e o jejum ; a torpe lascivia, com a pureza dos anjos; a
sêde d'ouro , com a pobreza volunlaria ; todos os seus crimes, cam
orações e lagrimas ; as leis do odio emfim, da escrav1dãÓ e crueldade,
são combalidas pela lei da chari<lade universal. Antes, porem , de
entrarmos em minuciosa comparação , estudemos a nova Roma.
Cousa admiravel ! em Jerusalem, como na cidade dos Cesares, o berço
do Chrislianismo foi um tumulo ; é do seio da morte que surgio a
vida : bella imagem da resurreição moral do uni verso , operada pelo
Evangelho. '
A nova Roma , o berço do Christ'ianismo no Occidenle , são as
Catacumbas.
Imaginai uma cidade subterranea de muitas l_eguas de extenc;ão, com
seus differentes bairros, designados pot nomes celebres, e habitados por
numerosos habitantes de toda a idade, sexo e condição ; com suas praças
publicas, e encrusilhadas, suas capellas, !grejas e pinturas formando
tudo um vivo quadro da fé e disposições das gerações que alti habita-
vam : snas innumerave1s ruas ou galerias, erguidas urnas sobre ou-
tras, em num~ro de quatro e cinco, ora baixas e estreitas. ora altas e - '
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178 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 179
guiar , que não podiam servir senão para as reuniões chamadas Sy-
naxas; ou para a celebração dos santos niysterios. Estas s~las ,
commummente privadas de luz externa, eram alumiadas por alampadas
suspensas das abobadas , e das quaes algumas se teem achado em
seu proprio lugar nestes ullimos tempos. Outras vezes estavam es-
tas alampatlas mettidas em pequenos cubiculos, que ain.da alli se en-
conlram em graRde numero'. Algumas d'eslas salas recebiam a luz
por uma claraboia aberta · ua abobada , até a superficie exterior. Ha
exemplos de christãos, que foram precipitados vivos nos sublerra-
neos de Roma , por estas claraboias; achando assim a morte n'aquel-
las mesmas Catacumbas, aonde os esperava a sepullura.
Estas salas cavadas nas Catacumbas , tivessem ou não clara-
boias , sempre careciam de ser illuminadas por lampadas. a fim
que podessem servir a todos os actos de piedade , e mysterios da
Religião a que eram destinadas ; e esta a rasão da immensa quanti-
dade de tampadas, que se encontram nas Catacumbas ; e d'aqui lam-
bem, sem duvida (1 ), o uso de acender vellas nas funcções religiosas,
que a Igreja conserva, para a celebração dos Santos officios ; uso ve-
nera-vel ~ que nos recorda ainda hoje , quando já ba tantos seculos
o Chrislianismo professa o seu culto á luz do dia, esses aur~os tem-
pos de provação e penuria , em que, os chr1stãos se occuHavam nos
umbrosos seios da terra. ,·
Alem destas salas, mais ou menos espa1;osas, abertas no tufo ,
algumas · vezes com degraos em rodor para a multidão dos fieis, e
cadeiras talhados na parede principal , e destinadas ao pontifice que
presidia á reunião, com columnas do mesmo tufo, que sustentavam
a abobada ; encontram-se nas Catacumbas pequenos edificios cavados
em parte , ·e em parle construidos , que nos offerecem indubila vel-
mente os primitivo.; moclêlos das Igrejas chrislãs , que se lem con-
servado na terra.
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180 e.ATECISMO
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DE PERSE\'ERANÇA. 181
indo a vista ao ceg~ , ressuscitando Lazaro, sempre e por toda a
parte - Jesus o bom Pastor.
No que toca a parle puramente decorativa destas pinturas, nada
conteem que não sejam assumplos agrada veis e graciosos, represen-
tações de 8_cenas pastoris, agapas , sim bolos de fructos, flores, pal-
mas e coroas. Em meio das provações de lam agitada vida, e quasi
sempre nas agonias da mais lerri\'el morte, unicamente enlevadus na
celeste recompensa que os esperava , não viam elles na hora do pa-
samento, ·e no mesmo horror dos supplicios, senão o caminho curlo
e seguro da eterna bemaventurança ; e bem longe d'associar a esta
idea mesma a fias torturas e prh ações, que lhes abriam o ceo , pelo
1
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182 CATECISMO
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DE PERSEV~RANÇA. 183
animasse a sua virtude ; porque , quem o hade crer? nem sempre
estavam seguros em suas Iugubres habilaç.ões. Apenas se acendia a
perseguição 1 apressavam-se os pagãos a interceptar-lhes a entrada
das Catacumbas ; e se , apezar desta _defeza , alli buscavam abrigo ,
cercavam-nos, e os obrigavam a sahir. Então os sateliles, postados
a todas as portas , aferravam as innocentes victimas e as levavam
de rojo perante os tribunaes. Outras vezes fechavam todas as aber-
turas , e os christãos , uão podendo ser soccorridos por seus irmãos,
morriam de fome e sê.de (1). Então aquelles subterraneos, que os
escondiam em vida, lambem em mortos lhes davam sepultura : tal é
o segundo fim <las Catacumbas.
Com effeilo, acha-se alli uma infinidade de lurnulos : em quasi
todas as galenas se vêem cinco e seis ordens de cubiculos. abertos
~10 tufo, e destinados a receber os corpos: alguns ha onde não ca-
be mais que um, onlros maiores encerram dous, tres e quatro Jtmlos
(2). E' alli que repousam em paz os sagrados restos dos primeiros jus-
tos, heroes do Chrislianismo; a sua ''i\'3 fé, a sua terna Cbarida-
de lranluzem nos ornamentos e inscripções de seus tumulos (3).
Tal era a vida de nossos pais nas Catacumbas ; taes são os mo-
numentos que alli deixaram da sua babi lação. Os dias de provação,
que afligiam a Igreja nascente, repetiam-se tam amiudadas vezes,-
que a Roma subterranea se tornou a habitual residencia dos chrislãos,
durante mais de lres seculos. No inlervallo das perseguições, habi-
, lavam entre os pagãos nas cidades e campos. Aqui , como nas Ca-
tacumbas, derramavam o santo· cheiro de Jesu-Christo , e retarda-
vam com todo o poder das suas vil'ludes , , a queda do imper10 ro~
mano (í). Passai-vos para nós , lhes diziamelles , ou aliás morre-
reis ; nós somos os herdeiros do futuro, temos a palavra de vida: O
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18i CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 18ã
tras rasões que lhe dá , cita o cuslume geral dos homens e mulherês
chrislãs, de humilhar-se com os pobres. cc Que marido pagão, ·1h·e
dizia elle , permiltirá a sua esposa chrislã, que saia aos caminhos,
e .entre nas choupanas dos pobres; a fim de visitar os irmãos e la-
var-lhes os pés~ (1) ))
Tudo quanto tinham de bom só a Deus -o atlribmam nossos
pais. O louvor proprio os vex.ava (2). Durante a cruei per~egui
ção, que ensanguentou as Gallias , foram os gloriosos martyres de
Lião encerrados em uma ouscura masmorra ; e· como alguns irmãos~
que · os vieram visitar, lhes dessem o nome de martyres, porque
·estavam em vesporas de derramar o sangue por J esu-Christo ,_não se
pode crer a magoa que por isto tiveram. Ah ! , diziam elles , dai
esse glorioso nome a Nosso Senhor, primeiro dos martyres, dai-o
:íq1rnlles que Já soffreram a morte em defezd da Fé , e já estam na
palria da bemaventurança ; nós outros, vis e <lespreziveis, não o mere-
cemos. Ajudai-nos antes coln as vossas orações, para que alcance-
mos a gl·aça de chegar a esse termo feliz , objecto dos nossos vo-
tos (3).
Ao desenfreado lttxo dos pagãos , oppnnharn nos3os pais su.a mo-
desta simplicidade; se bem que, vivend·o no meio <lo mundo, não
contrariavam· aquelles usos, que não eram contrarios á piedade e Re- ,
ligião. D'est'arle cada um trajava os vestidos proprios tio seu esla-
<lo e classe. Os que faziam profissão de vida mais austera , dei-
xavam a toga e vesliam o manto : era este o habito distioclivo dos
philosophos e ascelicos (4). Aquelles, porem, que conservavam: a toga,
tmham todo o cuidado em dar, -com sua gravitlade e modestia, bom
exemplo a seus irmãos ( 5).
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186 CATECISMO
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DE PERSEVE~ANÇA. 187
tenta o nosso pão , não custou o seu peso em ouro? Não a1umiará -
a candea, por ser do oleiro e não do ourives ? Nos outros entende-
mos que tanto se dorme em uma pobre ba1-ra, como em leito de
marfim. Lembremo-nos que o Senhor, para comer, se servia d'um ·
prato de nenhu·m valor ; que elJe mandou assentar os seus discípulos
sobre a relva., e lhes lavou os pés; tam longe estava elle do fausto,
posto que fosse o Senhor de todas as cousas (1 ).
Assim \'emos que era sempre com o exemplo e as Hçõestlo di-
''ino Mestre, que os primeiros ffois combatiam os costumes corrompidos, e
os desregrados desejos da natureza.
Profunda philosophia do Christianismo, que faz da perfeição do
Homem-Deus a pedra de toque , e a regra dos pensamentos, dos
desejos , e elas acções de lod.os os homens ! Sera pois para admirar
que esta philosophia tenha renovado a face da terra? ...
A' devassidão e gula dos pagãos oppunham nossos pais a lémperança
e o Jejum. Viver para comer era a maxima da velha sociedade ; comer
para viver foi o principio do jejum '. segundo estes principios eram
nossos pais sobrios na bebida e comida, e não só desconheciam lodos
os excessos <la~ meza, que deshonravam os pagãos; mas até os meno.:.
res appelites da sensualidac.le lhes eram estranhos. Sustentar a vida,
e adquirir as forças necessarias, para servir a Deus e ao proximo ,
taes as regras que regiam a sua refeição.
D'est'arte preferiam elles as carnes simplices, e proprias a for·
tilicar o eslomago, as que rnâis serviam de li~ongear o appetite;
por isso que estavam persuadidos, que as comidas delicadas ' em lu-
gar de nutrir, são nocivas ao corpo e á alma. (2).
Esta prudente sobriedade, que observavam em suas casas, .da
mesma sorte dominava nos innocentes lrnnquetes chamados Agapas.
, Em todos os tempos e em todos os paizes a mcza em commnrn foi
sempre signal d~amisade. Assim nossos pais , para ~lar um tcstimu-
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188 CATECIS~IO
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DE PERSEVERANÇA. 18~)
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190 CATECISMO
· O' meu Deus , que sois todo amor, eu '·os doa graças por ha-
verdes santificado o mundo, estabelecendo o Evangelho. Permilli ,
Senhor , que possamos imitar a hunuldade ., modeslia e temperança
de nÓssos pais na Fé.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cou$.as , e ao proximo
· como a mim mesmo, por amor de Deus ; e , eib leslimunho deste
amor , evitarei todo o exqm'sito no vestido e na meza.
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DI~ l'EllSEVERANÇA. 191
VII.ª LIÇAO.
O CHRISTIANISMO ESTABELECIDO
Roma Sublerranca .
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19! CA'fECIS~10
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trn PERSEVERANÇA. 193
· quando ao mesmo tempo 1 milhares de virgens . (t) floresciaqi co.mo
candidos lírios, no pequeno agro da Igreja ; e os mesmos , que to-
mavam o estado do matrimonio, guardavam em toda a sua perfei- ·
ção a castidade çonjugal t· sefüfo extremamente raro vêl-os passar a
segundas nupcias (2).
A admiravel pur~za de nossos pais manifestava-se em todo o seu
exterior. A modestia das mulheres christãs fazia singular contras-
te com a desenvoltura e o requinte das pagãs. N'estas tudo eram
arrebiques, perfumes e riquíssimos toucados d' ouro e perolas; aquel-
las, pelo contrario,_ cheias de recolhimento e circumspecção , não
saiam senão cobertas com seus véos, que nunca tiravam nem mesmo
na Igreja , principalmente não sendo cazadas (3) ; e era cousa rarissí-
ma ver em seus cabellos genero algum de luxo ou vaidade. Emfim
lam poucas eram as vezes que saiam, que o seu mesmo retiro era para
os pag~os molivo de zombaria. Por isso nossos pais lhes d-iziam:
« Vós fallais sempre com escarneo das nossas ,·irgens, por viverem
no retiro ; porque suas mãos se occupam em fiar a lã, e a sua boca em
canlar canticos sagrados ; envergonhai-vos , enchei-vos de vergonha •
poi~ haveis levantado esta tuas a todas as mulheres confusão que se
tem tornado celebres pela devassidão de seus costumes (4). » Não
traziam os homens o cabello intenso ; mas cortado ; do c1ue são
evit.lenle· proYa os retratos encontrados n~s Catacumbas. A maior·
. parte, principalmente ·no Oriente, usavam barbas crescidas , mas
detestavam a louca vaidade dos pagãos , que as consertavam e tin-
giam, para o fim de parecerem mais moços e formosos (5). Modestoa no
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CATECISnfO
' esli<lo, não o eram menos nos olhos e na Iingua. Não se ou viam enlre
1
elles palavras obscenas , nem dtios equi vocos , nem zombarias, nem
essas cantigas loucas, de que hoje tantos fazem tam pouco escrupulo.
Sua angelica pureza , sua grande modestia cansav~a aos pagãos lal
estranheza que para muitos foi motivo de se converterem (1).
A' insaciavel sêde d'ouro, que devorava os pagãos , oppunham
nossos pais a pobreza voluntaria. A Roma dos imperadores não era
mais que uma grande praça, aonde Ludo se mercadejava , tudo se --
vendia ; a honra , a innocencia, a probidade e a vida : o mesmo
irnpeno foi posto em ai moeda pela guarda pretoriana, e o império achou
seu comprador. N'aquella velha sociedade o ouro era tudo , porque
o ouro é a fonte dos prazeres, e os prazeres eram a vida d'aquella
monstruosa agglomeração d'homens. D'aqui os assassinatos, em·enena-
menlos , revoltas , e abominações de toda a especie, que maculam
a cada instante as paginas da sua historia.
Em a -nova sociedade era tudo ao contrario. Filha d'aquelle Deus,
que nasceu no presepio .e morreu na cruz , ella regulava os seus
sentimentos e acções pelos_ exemplos do seu divino fundador. O
amor da pobreza chegava a ponto de se desfazerem de suas rique-
zas. CÓnlenLes com o necessario, os primeiros fieis davam o super-
íluo de seus bens á Igreja , a fim de soccorrer as \'iuvas, os or-
fãos e os pobres quaesquer que fossem ; entre elles tudo era corn-
rnurn. Ricos da sua fé e da sua esperança, tinham em total des-
prezo as riquezas transitorias do mundo [2]. Este admiravel desapego
dos bens da ,terra fazia ao mesmo tempo a sua felicidade e a sua gloria.
« Vós nos lançais êm rosto o sermos pobres , diziam elles aos
pagãos ~ mas a pobreza- é mais um titulo de gloria que de huoü-
lhação ; a frugalid~de, de que ella é a origem, robustece a alma tanto,
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DE PERSEVERANÇA.
(t) Miout. Felix Oct. p. 331, id. U3; Liict. Div. Inst. lil.I. Vil.
cap. ·1,. p. 517.
•
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196 CATECISMO
rl) Tcrlull. de Coi· mil. e. 4. Orig. in Bzcch. LacL. Div. /nst. lib.
IV. e. 26; Cyril. Hicros. Catecli. 13, p. 28.
(2) Orig. in Ezech. p. 238 ; Tertull. lib. de Oral. e. 11 p. 133;
Crhys. Homil. XLIII, in 1. Com. n. 4; Bazil. E'pist. JI aà Gregor.
D. 2.
<3) Prud. Hymn. Calli. p. 30. Clcm. Alcxaod. Slrom lib. VI p. 7U~
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DE PERSEVERANÇA. 197
que ellas eslam pura ; a cabeça descoberta , porque não lemos de
que envergonhar-nos ; sem que ninguem nos prescreva os formularios
de orar, porque é o coração q_ue ora. » Nada mais lemo do que o
.costume d'orar com os braços abertos.
O Christão, qnal outro Jesu-Chrislo, imitava assim o seu divino l\fo-
dêlo expirando na Cruz ; e dava lestimunho da sua completa devoção.
« Em quanto nós oramos com os braços abP,rlos, acrescenta Tertulliano,
rasgai-nos, se vos apraz, com as vossas unhas de ferro atai-nos ás cruzes,
fazei-nos consumir pelas cbammas, embebei as espadas em nossos peitos,
lançai-nos ás feras bravas ; o Chrislão orando vos assegura, só pela
sua altitude, que elle está prompto para tudo soffrer (1).
Voltavam-se lambem para o Oriente ; porque assim como o sol -
nascendo traz a luz aos morlaes , assim a appar1ção do verdadeiro
sol de justiça, que é Nosso Senhor Jeau-Christo, dissipa as trevas do es-
.pirito, e illumina a todo o homem que vem a este mundo. Vol-
tando-se pois para o Orienle para orar , exprimiam nossos pais a
esperança e o desejo de serem esclarecidos pela luz divi'na [2].
Durante a oração, era o seu exterior perfeitamente composto ,
mas sem ·nenhuma affeclação. · Apenas prostrados , elevavam o espi-
rilo a Deus , e penetrados do ·sentimento da sua presença, falla-
\'am-Jhe como se o estivessem vendo com os proprios olhos. Este
pensamento produzia nelles o mais profundo sentimento de humildade ;
e detesta.ado as suas culpas do fundo do coração, perdonam aos seus
inimigos , suffocando totlo o affeclo menos christão. Pediam elles so-
bre tudo os bens da alma, importando-se pouco com os do corpo. Feitos
assim os actos de humildade, arrependimento e adoração, entregavam-se
á meditação da infinita grandeza, e suprema magestacle d'aquelle Deus,
que elles glortficavam por Jesu-Christo nosso Senhor e Salvador. Segui-
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198 CATECISMO
am-se depois as affecluosas supplicas por si, e por ~eus parentes e amigos, .
e alé por seus inimigos ; pois bem sabiam, que o Christão não deve
contentar-se, com perdoar áquelles que -lhes querem ou fazem mal,
mas que ainda devem orar lambem por elles l1].
Acabàvam então a oração como a tinham começado, glorificando .
o Sancto Nome de Deus pelo signal da Crnz. Depois disto toda a familia
se levantava , e modestamente vestida se dispunha para o Santo Sa-
crificio. Anles de sair de casa , cada um fazia novamente o signal
da Cruz, e dirigia-se para a Igreja. Segundo as instrucções do Di-
vino :Mestre, entendiam nossos pais, que as oraçõQS cm commum eram
muito mais eficazes e agradaveis a Deus. Depois de ouvir a missa
to<los commungavam : Israelitas vigilantes, tinham o cuidado de Yir
todas as manhãs recolher o manná do Ceo, persuadidos de que é im-
possivel, sem receber o pão dos fortes, atravessar o deserlo da vi-
da:
O tempo do Sacrificio. gastava-se com a oração , exphcação das
Escripturas e canto dos Psalmos. ~epois da missa voltavam para
suas casas sem tumulto, mas com recolhimento e modeslia; havendo
grande cuidado em repeltir áquelles, que não tinham podido assistir
á reunião , e principalmente aos meninos , as instrucções dos Sacer-
dotes.
Cumprados estes deveres , deveres que são sempre taro suaves
quanlo sagrados para as familias christãs, empregavam-se nossos
pais nas suas particulares occupações. Elles exerciam indislincta-
mente todos os estados honestos e licitos. Devemos estar longe de
suppor, que por haverem renunciado ao paganismo, ficassem inuteis
ou estranhos á sociedade : havia chrislãos em to<las as condicções.
Bem como os Aposlolos , que não deixaram a pescaria depois da sua
vocação ao apostolado , assim os primeiros fieis conservavam, depois
da sua conversão , os mesmos empregos que antes exerciam ; e não
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DE PERSEVERANÇA. 199
os deixavam, senão quando podia haver perigo da sua salvação. Nós
ainda somos d'honlem , dizia TertuHiano , e já enchemos toda a
extenção dos vossos dominios ; as ciclades , villas , fortalezas , colo-
nias, fribunaes, campos, tribns , decurias , o palacio , o senado e·
o foro. Apenas vos deixamos vasios os templos (1]. « Ouzaisdi-
zer , accrescenta o mesmo apologista, endereçando-se aos pagãos,
ouzais dizer, que somos inuteis. ao Estado ; como assim ? .• ~ Habi-
tantlo comvosco, sem nenhuma ditferença, tanto na materia~dos ali-
mentos como do vestido , çom os mesmos moveis e as mesmas pre-
cisões, porque não somos Brachmanes , nem Girnnosopbislas da In-
dia , que habitemos as matas. Separados do commercio dos homens,
não nos esquecemos de pagar a Deus o tributo de reconhecimento,
por todas as obras de suas mãos. Nada rejeitamos do qu"é elle fez;
e só sim cuidamos em não usar de cousa alguma excessiva e des-
necessariamente, sem comludo nos privarmos do que é preciso á
vil.la. Nós vamos ao foro como vós outros , \'amos aos mercados ,
aos banhos , ás feiras publicas , ás lojas e hospedarias ; navegamos
comrnsco , servimos no exercito, cu Jtivamos a terra, e finalmente exer-
cemos as mesmas profissões como vós (2). » ·
Com etfeilo , em todos os estados havia cbrislãos ; como foram,
na jurisprudencia, Minucio Felix, os senadores Hyppolito e Appolonio;
na oraloria , Quadrato , Aristides, Alhenagoras , S. Justmo e Ter-
tuJUano; na medicina , S. Lucas, S. Cosme e S. Damião ; na arte
militar, Cornellio , a Legião Fulminante , a Legião Tbe bana e aquelle • 1
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200 CATECISMO
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DE PERSE\'ERANÇA. 2-() 1
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•
202 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 203
Plinicr o moç.o governador de Bitllynia, encontrou na sua pro-
1
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20~ CATECISMO
(tl Epilit 97 .
.....
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DK PERSEVEllANÇA. 205
quer diga não ser chrislão , e o provar sacrificando aos nossos deu-
Z<'s, obtenha o perdão pelo seu arrependimento , por mais suspeito
que tenha sido anteriormente. Quanto aos libellos anonimos, não fle-
,·em ser admillidos , em especie alguma de accusação. E' isso de
muito rnáo exemplo, e cousa indigna do nosso seculo (1). »
Assim, segundo Trajano , não convinha procurar os chrislãos;
mas punil-os quando fossem denunciados : singular jurisprudencia ,
exclama Tertulliano , monstruosa contradição ! Prohibir que se
procurem, como innocentes; e -ordenar que se punam, · como culpa-
dos! favorecer e castigar , dissimular e condemnar ! Para que ,·os
contradizeis assim tam grosseiramente? Se vós condemnais os chris-
tãos , porque os não procurais? E se os não procurais, para que os
cond~mnais? (~).
Esta repugnante contradição ·mamfestamente comprova, que aos
olhos dos mesmos pagãos erarp, nossos pais · irreprehensiveis.
Da mesma sorte. os nossos apologistas , defendendo a causa de
seus irmãos . nos . tribunaes do imperio , desafiavam os juizes, para
convencer alguns dos chriStãos dos crimes que se lhes imputavam.
« Nós tomamos para prova o registro dos vossos tribunaes , ó magis-
trados , que todos os dtas JUigais os prezos e, pronunciais vossas sen-
tenças, em consequencia das denuncias que ''os fazem. Por ventura
já encontrastes algum christão nessa multidão de . ~ai feitores, assas-
sinos , ladrões, sacrilêgos, e subornadores que veem cilados p_erante
vós? Ou por outra , entre os que vos leem sido denunciados como
christãos, houve por ventura algum convicto de taes crimes?... E'
pois dos vossos, que lrasbordam os carceres, e se engordam·as feras ;
é com os grilos d'elles, que retumbam as mmas ; é delles que sabem
esses bandos de condemnados, destinados aos espectaculos: nenhum
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!06 CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA.
OR&V&.O.
1
O' .meu Deus , que sois todo ~or, eu vos dou graças pol' nos
haverdes proposto tam be1los modêlos, em os primeiros christãos ;
permilh , Senhor, que possamos imm1Lar a sua pureza, santidade
e desapPgo do mundo.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo, por amor de Deus ; e , . em testemunho deste
amor ' promclto fazer cada aia ·algumas boas obras .
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208 CATECISMO
VI li.ª l..IÇÁO.
Roma Sublcfranca.
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DE PERSEYERA'.'1ÇA. 209
pot· aquelles que vos perseguem ; reconn.ecer-se-lrn que sois meus dis-
âpulos , se vos amardes uns aos- outros; fieis , repito , aó preceito
da charidade , todos os membros da nova sociedade formavani um ·
só coracão e uma só. alma.
~
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!10 CATEC1Sl'tl0
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DE ' PERSEVERANÇA. 211 ,,,
• 1
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-.
212 CATECISMO
e immotleslos , oulra dos que não leem brio nem estima propria ;
_ finalmente procuravam aparlar· do alimento de seus filhos toda a es-
pecie de gólodice e sensualidade ; no que andavam com muita pru-
dcncia , pois bom é, que os meninos experimentem até algumas pri-
vações , a fim de que nunca se esqueçam de que nesle mundo estam
-sujealos á sorte de milhares d'oulros, a quem ordinariamente falta o.
, necessario (1).
Todas estas liçõés de vrrlude produziam seu fructo , por isso
que nossos pais eram os mesmos que lhes davam o exemplo. O
amor que tinham · a seus filhos era lam esclarecido como terno-- e
vigllanle. Tractavam lanlo do bem eterno delles, que para isso -
não poupavam 'sacrificips, e alé eram os primeiros a regosijar-so· quando
uma santa e gloriosa morte vmha êbamal-os ao seio de seu Pai ce-
leste, e mellel-os de .posse da stJprema bemaventurança.
Citaremos um d'enlre mil exemplos desta corajosa ler~rnra.
Tinha ordenad·o o imperador Va.1ente que se fechas~e as Igrejas dos
Calbolicos. Nossos pais , porem , querendo an.tes obdecer a Deus
que aos homens, reuniam-se aos Domingos fora da cidade , para
assislir aos officios divinos ;. o que sabendo o imperador , mandou
que fossem moi'los todos 'os chrislãus, que se encontrassem em taes
rcunwes. O Prefeito· da cidade , chamado -Modesto, menos barbaro
que o imperador , adverlio secretamente os fieis, para que .. não ce-
lebrnssem as suas assemble_as , dando-lhes parle dás ordens que Li-
nha recebido ; mas no Domingo seguinte a reunião- foi mais nume-
1
'/ \
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DE PERSEVERANÇA. 213
vais, com lanta pressa? ... « Vou, disse eJla, para chegar a lempo
á reunião dos calholicos. » Pois não sabes que eu \'ou para punir
ue morte quantos alli encontrar? ... <r. Bem o sei, e. é_por isso mes-
1
. mo que ·en me apresso , a lirn de .não perder . esta occasião tle sof-
frer o martyrio. - Mas para que levas comligo esse · menino? ... »
Para que elle participe da minha feliculade. Modesto espantado de
tanta .coragem , foi procurar o imperador, e çonseguio que renun- _
ciasse a seu crnel projecto.
A es~a constante ternura, tam . vigilante como sobre-natural de
seus pais , correspondia a m9cidade christã com igual affeição e res-
peito. Attendei bem a isto , jovens clmstãos, e procurai confor-
mar o vosso proceder ao · delles. Imita ti ores de -Jesu-Christo , que
obedeceu a José e Maria , preveniam elles todos os desejos de seus
pais e mãis, ajudnam-os em seus trabalhos, e consolavam-os nas
suas affiiç.ões. Se alguns tinham a infelicidade de ver seus pais
ainda idolalras, duplicavam por elles o respeito e ternura ; mas lam
firmes como respeitosos, recusavam obdecer-lhes no que era contrario
á religião. Ainda mais : sabendo que é um d9s precetlos da cha-
r1dade o ensinar os ignorantes, nada poupavam para esclàrecer os seus
mais charós parent~s, e fazei-os rent~nciar ao paganismo (1 ). Apontaremos
a seu tempo um bello e_xemplo das aclas de Santa Perpetua. Algumas
vezes estes piedosos . meninos não recebiam em troca da sua piedosa
charidade senão máos tratos e atfronlas ; mas nada- os desanimava.
E quando as suas orações não eram sufficientes , offereciam a Deus
o sacrificio da prop-ria vida , pela conservação dos desgraçados aucto-
res de seus dias (2)·.
A charidad~ que unia os pais o os filhos , igualmente uni~ os
esposos e esposas. Corno o seu amor era casto e santo , os e~
pos~s davam a suas espos~s o nome de irmãs . (3). Se o· marido
,_
\
(U Justin. Apol. t. o. 111.
(2) Tertull. /ib. acl Nal. e. 4 e. 7 ; Arnob. lib. ,11_ Cootr. Gcnt. p.
u.
(3) Tcrtull. ad Uxor p. 161 e seguintes .
. ,
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2U ' CATECISMO
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DE PlmSEVERANÇA. 215
os seculo.s ; · ja para comprovar a sua perpetuidade , já para tirar
toda a desculpa á negligencia , já emfim para moslrar que a Reli·
gião é sempre a mesma, cheia de vida sempre, e sempre capaz
de produzir os mesmos effeitos. Para pro\'a. ~ ~omo exemplo, ,·amos
manifestar aqui o interior · d'uma dessas familias christãs dos tempos
modernos. Oxalá que; nunca os pats a percam do sentido !
Poslo que a educação , e principalmente a educação eh ris lã, es-
teja qllilsi inteiramente abandonada ; ha , com ludo, ainda bastantes
, mãis piedo-sas que , bem convencidas qne só pot este meio podem
assegurar ~ felecidadc e gloria de seus filhos , emprega~ Lodos os
seus cuidados em os educar christãmenle ; mas como ellas leem mais
zeio que instrucção ,, enganam-se muitas vezes na escolha dos meios
que devem empregar para o conseguir. A fim de as .preservar taro~
bem deste erro , proporemos o exemplo de :Madame Acarie, que,
depois de ter muito tempo edificado o mundo com suas virtudes,
renunciou gencrosamerile a todos os bens que possuia , para ir ti-
nalisar seu~ dias no convento das carmelitas de Poutoise, aonde che-
gou á santidade m.ais eminente.
Conhecendo ó.. imperio qne o~ primeiros costumes l.em ordina-
riamente sobre o coração humano , esla senhora, verdadeira christã,
, tomeçou desde logo a 'formar seus filhos nas virtudes, que a Reli-
e
gião a sociedade esperavam deites ; e para o conseguir teve cui-
l1ado de lhes ensinar desde Jogo os priiicipaes rmlimenlos da fé. O
parocho de S. Gervasio, prégàntlo da ignorancia em ·· que os ·pais
deixam seus filhos a respeito da Religião . e querendo apresenlar um
exemplo, começou pelas seguintes pal11vras _.Se eu pergu.nfar a um
menino o que é a fé? ... lmmediatamente se ouvio, no meio do au-
ditorio, o mais pequeno dos filhos de Madame Acarie responcier ,
como se estivesse sido interrogado : E' um don de Deus ; e· teria
conlinuado, se .sua respeilavel mãi , que o linha no C(}llo , não lhé
- : ·tivesse posto a ,. mão na boca para que não conlinuasse.
Madame ..A.carie explicavã ~ muifas vezes a seus filhos a obriga-
ção que tinham contraido, recebendo o baptismo , de unir-se unica-
mente a Deus , evitando lutlo quanto o podesse offender. Elia nos
, dizia frequentemeule , · conta sua filha mais velha , " que não seria
nossa amiga ; senão em quanto amassemos a Deus , e que se co-
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CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 217
eia duas ou lres vezes, e finalmente, depois de liavcr edificado toda
a companhia , que penetrava o motivo do procedimento da mãi; e
louvava a obediencia da . filha, promplamente consenlio na p~quena
viagem que ella desejava fazer.
Assi-m formava seus filhÓs neste espirito de mortificação , que
caraclerisa o verdadeiro chrislão. Em suas moleslias obrigava-os a
tomar, sem mostrar repugnancia , os desagradaveis remedios que
prescrevia o medico. Para os prevenir contra a sensualidade e a
intemperança,, fazia-lhes servil' á meza comidas ordinarias, e quasi
sempre um só prato ; não, lh'es permittia que dissessem o seu goslo ,
e que nunca regeitassem cousa alguma. Do mesmo modo não con-
sentia que Slms filhos decidiss~m da côr ou da forma dos seus ves•
tidos , sol.Ire o que nunca os consultava ; e evilando a singularidade,
. nada lhes permiltia que inspirasse a vaidade.
Finalmente punha tudo em pratica, para inspirar a humildade a
seus filhos , porque considerava esta virtude como o fundamento da
vida christã. Supposlo pertencessem a uma familia nôbre e dis-
tincla por suas aliança~, nunca os chamava , nem consentia que os
chamassem , senão por seus nomes propnos. Por melhor vontade
'toe os seus creados tivessem de servir a seus filhos, de ordinario
queria que elles se servissem_a si mesmos. Eu era muito orgulhosa
diz sua filha mais vel~a, e para corrigir-me, minha mãi me encar-
regou dos serviços mais bumilianlcs da casa, e.orno barrer a escada ;
e percebendo ainda que eu, para o fazer, aproveitava as occasiões de
não ser ''ista, e fechava a porta para me occullar, ordenou-me que
a barresse á hora em que concorria mais gente, e que não fechasse
a poria. Sua segunda filha , que foi sempre mui -viva , , tinha di-
los mui agudos destle os seus primeiros annos : para suffocar as se-
·' mentes de amor proprio, que podessem germinar no coração desta
menina, sua rnãi quasi sempre affectava não a lei· ouvido, ou a
mandava calar. ·
Para facilitar a seus filhos o cumprimento dos seus deveres, e
infundir-lhes o espirilo da subordinação, fez-lhes um regulamento de
vida, e seus filhos em. quanto viveram com ella , seguiram esle re ..
gu]amento em tudo que lhes dizia respeito.
Em seus primeiros annos, suas filhas levantavam-se ás 7 horas,
28 VI
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218 CATECISl\IO
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DE PEllSEVERANÇA. 219
Quando havia alguma indulgencia, leva''ª esta santa, ma1 pesso-
almente suas filhas á Igreja indicada , para que lucrassem aquellas
graças tam preciosas aos olhos da fé ; e nestas occasiões, bem como
na Quaresma e feslas solemnes , tinha ella cuidado que suas filhas
levassem algum dinheiro, para distribuir aos pobres. A sua maior
satisfação era vel-as contrair o habito de pralicar boas obras.
Eram suas filhas ainda bem moças, quando começaram a recebei·
o ,sacramento da Eucltaristia ; mas a sua grande mocidade não as
impedia de conservarem os fructos da primeira communhão. Sua
mãi nacla poupava, para que ellas estivessem em estado de commun-
gar em todas as principaes festas do anuo, e muito mais -ainda quan-
do augmentavam em piedade. Elia mesma as preparava para este -
grande acto, admoestando-as dias 11ntes,. e ajudando-as a fazer as
convenientes disposições.
Os filhos , por mais bem educados 9ue sejam , podem tomar
em um momento as mais funestas impressões. Madame Acarie vel-
- lava altenlamente, para não deixar aproximar dos seus senão aquellas
pessoas , cuja virtude e prudencia lhe eram bem conhecidas. Pelo
mesmo principio desejava ella encontrar nos mestres , que dava a
seus filhos, a vigilancia e firmeza , juntas com a piedade e sciencia.
Admirando-se alguem de que ella tivesse preferido 1\1. Blanzy, com
o qual não linha relações · algumas, a M. Calvy, a quem estimava
muito, respondeu: « M. Cal vy e brando e indulgente: l'd. Blanzy é
severo, nada desculpa aos discípulos , e é isto mesmo que eu de-
sejo para os meus filhos. Não se creia, porem, que ella tivesse du-
ras maneiras para com seus filhos ; pelo contrario, tratava-os mui cari-
nhosamente, diz sua filha mais velha, mas junlava á sua brandura .
tam mageslosa e respeitavel gravidade , que era impossivel não lhe
obedecermos em tudo· que nos . mandava.
Prudentemente severa para com seus filhos, quando commeltiam al-
gum ei·ro, fazia-lhes mil caricias quando estava . satisfeita com clles.
O seu coração parecia dilatar-se, tam viva era a alegria que tinha :
prometlia-lhes tudo quanto lhe pedissem ; e se o que lhe pediam
era rasoavel cumpria fielmente as suas promessas. Em suas doenças
era_ ella que pessoalmeete QS tratava, passava as noites JUncto del-
les e prestava-lhes lodos os serviços de que tinham precisão. A cha-
*
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220 CATECISMO
ridade com que esta boa mãi os servia, animava-os a soffrerem tudo
com paciencia ; e a tudo se prestavam, para lhe poupar fadigas com
sua prompta cura. Finalmente , aprendiam com ella a fazer todo o
sacrifício, quando se tratava de prestar aos outros os mesmos ser-:-·
viços.
Tam .esmerada educação produzio .os fruclos que eram de es:-
perar ; por ella mereceram as tres filhas de madame Acarie ser
admiltidas na ordem do Carmo , aonde, depois de haverem occupado
os primeiros cargos , morreram santamente. Se, para nos servir-
mos das expressões de S. Francisco de S:illes, suas fil!tas tardaram,
e deram mesmo em certos momentos inquietações a sua mãi ,. a
respeito da sua salvação, os cargos honrosos, quo occu param na
Igreja e no estado , e as, felizes esperanças, que o mesmo Prelado
concebia dellas , quando tornou a vel-as um anno depois da morte
de sua mãi , provam que aproveitaram emfim da educação, que ti-
nham recebido.
Voltemos aos primitivos christãos. O t riumpho da cbaridade
chdstã, e a elerna gloria de nossos pais, é o terem amado ao pro-
xioio como a si mesmos ; isto é , a todos os horrwns.
Em primeiro lugar, os chrislãos eram entre si unidos pelo ''in-
culo do mais estreilo amor ; tanto que causava espanto e inveja a-0s
: mesmos pagãos (1 ). « Fallando de nós, diz Terlulliano , exclamais;
Olhai como elles são amigos ! Admirais-vos disto , porque eslaes
longe de vos parecer comnosco. Olhai como eJles estam promplos
a morrer uns pelos outros ! pois ainda mais d'ispostos estaés vós a
vos degolar uns aos outros. Acoimam-nos os vossos censores por
nos chamarmos frmãos , mas é porque para elles, qualquer deno.,.
minação de parentesco não é outra cousa, que uma simulação d' ami~
sade. Pois lambem somos irmãos vossos , pelo direito da natureza,
que é nossa mãi commum ; pelo d!reito d'homens' que todos somos,
com quanto vós sejáes bem pouco humanos, e bem máos irmãos.
PJ Apol. e. XXXIX.
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·•
DE PERSEVERANÇA. Hl
Itluito mais direito temos nós , pois , de nos tratarmos por irmãos,
porque todos temos o mesmo pai , que é Deus ; somos ilJuminados
do mesmo Espirito Santo , engendrados pela mesma verdade , apos
de havermos saído da mesma ignorancia. Entre nós ludo é com..
mum ~ os mesmos bens que possuímos servem a unir-nos como ir..
mãos , e não a separal'-nos como inimigos , como entre vós sue.. "
cede (1). J>'
<e Não julgueis , diz outro Padre da Igreja , que esses nomes
de charidade, que estam entre nós em uso, sejam ou_lra cousa que
a sincera expressão dos sentimentos que nos animam.
cc A nossos mferiores cha~amos filhos; aos iguaes , irmãos ; aos
superiores , pais. Pela mesma rasão ás mulheres chrislãs damos o
nome de filhas , irmãs ou mãis, segundo a ordem da idade (2). »
Manifestava-se muito parlicularmenle esta do,ee charidade com
certas classes de pessoas. Pela veneração em que eram lidos os
ministros cio Senhor , a quem deviam a vida da alma , appressura-
vam-se nossos pais em os provei· de todas as cousas necessarias. Bem
conheciam elles que os Padres se consagravam todos á salvação de
seus irmãos, e por isso não podiam occupar-se da sua propria sub-
sistencia. Mas as oblações dos fieis 1hes forneciam todo o nccessa..
rio , tanto para o sustento , como para o vestido (3).
_ Com aquelles , porem, que estavam em ferl'os pela fé, com
es~es sobre ludo se desenvolvia a mais ardente charidade , e a mais
destemida coragem. Apenas constasse que algum irmão tinha sido
preso , corriam todos , homens e mulheres , Yelhos e novos , a vi-
sitar o encarcerado. · Começavam por se recommendar ás orações do
futuro rnartir, peitavam os carcereiros para os deixar entrar, e bei-
Jar os ferros que o prendiam , servil-o , e prover a todas as suas
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CATECISMO,
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DE PERSEVERANÇA.
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2U CATECISMO
Mas o que mais ndmirava aos pagãos, não era ~er os chris-
Lãos da mesma igreja, e ·da mesma lerra, amarem~se uns aos outros
com tanto extremo ; o que os fazia pasmar era quando um thris-
tão estrangeiro , desconhecido , era recebido, alojado , sustentado ,
soccorrido; e cercado de favores e afagos por homens, que nunca
o tinham visto , e dos quaes logo. se ausentava para sempre. Por
isso cheio~ de odio espalhavam o falso boato , que os chrtstãos era
uma seila secrela , cujos membros se conheciam lá por certos sig-
naes. Esta odiosa· calumnia fez dizer a Minucio Felix : « O~ signaes
porque nos conhecemos , não são, como pretendeis , senhas e-&lerio-
. res , mas sim a innocencia e a modeslia. Amam-se os christãos mu-
tuamente , porque não sabem ter odio. Chamam-se irmãos, porque
são filhos do mesmo Pai , creador de todos o·s homens ;- e porque
todos leem a mesma fé, e a mesma espe·rança do p'orvir (1 ). "
Logo que um estrangeiro mostrasse , que fazia profissão da fé
orthodoxa, e estava na communhão da Igreja , era recebido com os
braços abertos. Qualquer temeria , se lhe recusasse a entrada em
casa , recusai-a ao mes-ino Jesu-OlrislO'. Pat·a islo, porem , era
1neciso flue se· desse a conhecer (2) ; pelo que , os chrislãos que
viajavam, levavam cartas de seus Bispos (3).
O primeiro acto d'hospilalidade. consistia em lavar os pés aos
hospedes : allivio que se fazia necessario pelo modo, como os anti-
gos se calçavam. Se o hospede estava na plena communhão da
Igreja , oravam com elle , e era eBe que fazia todas as honras da
casa : benzia a mesa , sentava-se n9 primeiro lugar, e doutrinava
a familia. Reputava-se grande. felicidade o p ossuil-o , e o banquete
em que tomasse parle era tido por mais santo. Honravam os eccle-
. siaslicos em rasão da sua dignidade ; e se algum Bispo ia de jor-
nada, por toda a parle o convillavam pára officiar e prégar, mos-
trando dest'arte a unidade' do sacerdocio e da Igreja (4).
. '
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llE PERSEVERANÇA.
O que, porem , admira ainda mais , meus éharos meninos é,
que nossos pais exerciam a hospitalidade com os mesmos infleis.
Executavam lambem com muita charidade _as ordens dos prrncipes ,
quando os obrigavam"' a alojat os sqldados , officiaes , e outro5 que
viajavam em serviço do estado. S. Pacomo, que entrou sendo muito
moço no exercito romano , indo embarcado com os da sua compa·
nhia, aportou a uma cidade , onde ficou admirado de w r, ·que os 1
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CATECISMO
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· DE PERSEVERANÇA. 227
grimas, JPJUns e suppliéas (t). Ouçamos a Tertulliano: Nós roga-
mos pela salvação dos imperadores ; e estes são os Neros, os Do-
nucianos , os Decios e os Dioclecianos. Rogamos ao Deus eterno ,
ao .Deus verdadeiro, ao Deus vivo , lhes conceda longa viJa ,
imperio pacifico , paz inallera vel , exercitos valerosos, Senado fiel ,
subtlitos submissos, respouso universal , e tudo o que os homens
e o imperador desejam· (2). »
Soldados fieis ; cidadãos pacificos e conscienciosos, os nossos pais
desempenhavam fielmente lodos os deveres da sociedad~ humana.
« Quanto ás contribuições publicas , continua Terlulliano , nós as
pagamos exactamenle e sem fraude : os impostos testificam o que ha ·
de chrislãos pelo mundo, porque os chrislãos cumprem este de\'er
por principios de consciencia e de piedade (3) . ))
A charidade de nossos pais , ilhmitada quanto aos vivos , não
se esquecia dos mortos. Para melhor feslemunhar a ressurreição
Lin-ham grande cuidado das sepulturas·, no que faziam grande des-
peza ', se a compararmos com a sua maneira de viver. Depois dé
lavarem o corpo o embalsamavam. cc N'rsto empregamos mais aro-
mas , 'dizia Tertulliano , que os que vls despcrdiçaes em incensar
os vossos deuses (1). Depois o envolviam em lençoes mui finos ou
estofos de seda , e algumas vezes cm preciosas vestimentas. Tres
dias estava exposto , tendo grande cuidado de vellar junto delles em
continuas orações (5). Por fim o levavam á sepultura, acompanha-
do de muitos círios e tochas , duplicado symbolo da charidade, do .
defunclo e da ressurreição fu lura , cantando Psalmos e hymnos, que
respiravam a doce esperança da vitla eterna (6). Oravam lam~em
por elles; ofi'ereciam o santo Sacl'ificio, e davam aos pobres o ban-
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"' '
~28 • , CATECISl\10
ORA.Ç&O
O' rne.u Deus! que sois todo amor , eu vos dou graças por
haverdes subsliluido á lei de odio , que reina,~a no paganismo , a
doce lei da charidade uni versai. Permilli , Senhor , que possamos
imitar os bellos exemplos, que nos deram nossos pais.
Eu protesto amar a D~us sobre todas as cousas , e ao proximo
como a ruim mesmo , por amor de Deus ; e , em leslesmunho deste
amor , nunca mais direi dos outros o que não quereria que se dis-
sesse de mim.
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DK PERSE\'ER.ll'<ÇA.
O CHRISTIANISMO ESTABELECIDO.
\. ...
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230 CATECISMO ·
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DE PERSEYE'RANÇA. 231
Ouçamos Tertulliano, meditemos _em suas palavras ; e cligamos,
com a mão na consciencia , se a historia que nos descreve dos es-
p~ctaculos do seu tempo, não é a mesmâ dos nossos? « O theatro
diz elle, é pl'Opriamenle o sanctuario do amor profano ! Não se vai
alli senão para achar o rrazer. O alraclivo do prazer ateia a pai-
. .xão, e esta , uma vez ioflamrnada, circunda o attraclivo .de novos pres-
tigias: ·Eu quero suppor, que alli se esteja com um exterior mo-
desto ; mas ·quem me diz que deba1 xo dessa appar.encia socrgada,
dessa mascara imposta pela arte -ou pela posição, o coração não es-
teja abrazando-se, e luctando no fundo da alma urna secreta agilação?
Ninguem_ que procura o praier regeila o que se lhe offerece. Ora,
é impossível sentir o prazer , sem lhe ter affrição ; pois essa mesma
affeição, é o maior rnccntivo do prazer sensivel: cessando ella desa-
parece o prazer, que logo então aborrece, e se torna enfadonho e
importuno. l\fas prrgunlo: será ludo isto decente ao christão? Qual
quer que seja a opinião qne se forme dos .especlaculos, ainda que , .
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23~ CATECISMO
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DI~ PERSEVERANÇA. 233
quem quer que sejais , ella não vos guarda dos perigos do lheatro,
Joven , é para li que elles são mais temíveis ; por quanto como po-
derás defender-te das emoções da voluptuosidade , que alli te excitam
por todos os sentidos, e, que a todos vês applaudir? O dever; pois,
nada pode contra os · espectaculos , que alteram todo o teu ser , e
faliam mais poderosamente ao coração do que a consciencia. A
mesma velhíce não é antidoto sufficiente ; porque os ge1os da idade
nem sempre extinguem fogos de ha niuilo acesos , e de que o tempo
não t'ern feito mais que augmentar a act1vidade.
« Dizeis_, que se torna para vós Uíl\fl necessidade, pela posição
que occupais? Respondo-vos que a fé christã não admille' necessi-
da(le, que não seja a de obedecer á lei do Senhor . . Ha circumslan...
cias , dizeis vós , ~m que se não pode deixar de lá ir; e eu digo
que nenhumas ha , em que se possa permillir a offensa de Deus.
Julgais-vos seguros pelo temperamento. Eu appello para a experien-
cia ; e segundo as suas diarias lições pergunlo, se jámais a1guem saiu
do theatro , como para lá linha entrado. Se mlerrogar a vossa cons-
ciencia.: que terá eUa que responder-me ? Porqu·e moJivo fostes ao
theatro? Para satisfazer paixões. Que fostes lá ver? Tudo quanto
vos aprazia , e tudo quanto vos ·é prohibido_ imitar.. Em boa fé ,
será este o lugar proprio do christão? Não se acha no campo mi-
rnigo aquelle que , infiel a seu princ1pe, desertou das suas fileiras'?
Como haveis de estar um momento antes na lgreja de Deus , e logo
depois no templo do demonio ! ainda ha pouco na sociedade <los
espiritos celestes , e agora cm um charco impuro ! Como assim ! as
mãos que acabaes tle levantar para o Ceo, podem logo depois ap-
plaudir um histrião t A mesma boca , que se abria para cantar os
santos mysterios , proclama logo depois os louvores d'uma proslilui-
ta ! Quem no futuro vos impedirá de cantar hymnos á gl.oria de
Satanaz ? -
l\las , dizeis ainda , eu nj_Q escolho ;senão boas peças, h~ es-
pedaculos honestos , que alé -são eseholas de moral. Aonde estam
pois , essas boas peças ? Dizei antes, que escolheis as menos más : nisto
a escolha não é enlre o bom e o máo, mas entre o máo e o peior. Por Yen-
tura não respiram todas ellas mais ou menos a mais perfida das paixões? E
demais essas peças não mudam de natureza, quando são representadas,
30 VI
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"
CATEClSlUO
tornanclo·se mil vezes mais perigosas, pelo' apparato das seducçõcs que
:ts adornam? Ides ao lhealro , como a uma eschola· de moral ! fd('s
lá buscar modêlos das v1rtudes christãs ~ Ah ! esta não é de certo
a vossa , religião , ou aliás está desfigurada. Que dignos interpretes
da Escriptura são os vossos poetas dramaticos ! Que dignos orgãos
cio Espirito Santo , os vossos aetores !.. .
" Mas , insistis , eu vou 1á por acompanhar meus filhos)) e com
que direito lhes pcrmitlis o Já ir? Não é já baslante ter-lhes com-
rnunicado o fogo da concupiscencia, gerando-os~ Ainda os quereis
abrazar levando-os ao fóco_cle todas as paixões ? Mas cu faço isso
para os instruir. Pois que! a vossa .filha não pode ser bem edu-
cada , sem ter uma comediante por medêlo ; e o vosso filho , um
comico por perceptor?
l\'Ias , tornaes ainda , isto não é mais do que um passa tempo.
Respondo que a mão qu'e propina o ~eneno, não aromatiza o copo com
fel ou hell~boro mas com fragrancias suaves e appelilosas, a fim de disfar-
ç.ar a traição e a morte. Taes são os arlificios e manhas do demo-
nio. Muito embora se encareça a- belleza das scenas, a melodia do
canto, a excellencia dos poemas, e . alé a pureza da moral: arroios
de mel , se assim o quereis , mas nem por isso a laça em que se
derramam eslá menos envenenada; e o atlraclivo do prazer não
Yale a pena , por consequencia , do perigo que o acompanha. Temei
esses pci·fidos altraclivos; deixai aos libertinos, ás -mulheres \'icio-
sas , ás almas maleficas o prazer de ir ao Lheatro ; para esses é que
elle foi feito. Quanto a nós, os nossos divertimentos e as nossas
festas não eslam ainda preparadas. Não podemos, pois, assentar- nos
á mesma meza com elles , porque não os podemos ler por compa-
nheiros. Tudo vem a seu tempo, hoje para elles o gozo , e para
nós a tribulação. O mundo , ·diz nosso Senhor Jesu-Chrislo, estará
em alegria , e vós em trislcza. Estejamos, pois, em affiicção, em
quanto que · o pagão se regosij~ ; a fim de estarmos em alegrn ,
quando elle começar a affiigir-se ; por medo que , participando ~dos
seu~ prazeres , não participemos lambem das suas dores (1 ). ))
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..
DE PERSEVERANÇA. 235
O mesmo horror , que nossos pai" tinham aos espectaculos , ti-
nham igualmente ·ás festas profanas (1) ; e os pagão~ lhes lançavam
islo em rosto ; mas elles respondiam : Na verdade , os cbnstãos
são selvagens, e inimigos do Estado, porque não assistem aos vos-
sos banquetes , e porque ~ consagrados á verdadeira Religião , ce-
lebram os dias festivos do imperio, por uma alegria toda interior, e
não pela devassidão !
Grande prova de zelo , na verdade, é o acender fogueiras, pre-
parar mezas nas ruas ' ostentar banquetes nas praças publicas, trans- '
formar Roma em taverna, vasar torrentes de vinho , e correr em
bandos aqui e alli , pro~·ocando-se uns aos outrns por injurias , es-
candalosos desafios e gestos impudicos ! De sorte que a alegria pu-
blica não se manifesta senão pela vergonha publica? O que ·offende
a decencia em qualquer outro dia, torna-se decente nas festas do
imperador 1 Oh ! quanto não somos pois dignos de mor.te, pelo cri- _
me de orarmos então pelo imperador , e tomarmos a noss·a parle na
alegria geral , sem deixat· de ser castos , modestos e sisudos em ·nos-
sos costumes ! (2). »
.
. '
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CArnCISl\10
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DE PERSEVERANÇA. 237
e hostil aos governos, era attrair sobre seus seclarios o- rancor dos po-
vos .e dos reis. Esl_as atrozes calumnias_produziram o desejado ef- ·
feito : os pagãos adoptaram-as , e as falsas impressões que então
produziram, ainda se não tinham desvanecido duzentos annos de-
pois (1 ). Pretende se mesmo dizer, que os JUdeos ainda hoje gua1 1
-
dam em Vormcs ,sobre o Rhino , uma destas cartas , que foram en-
viadas por toda a parte, contra Jesu-Christo e os seus discipulos (2).
A. fama, que sempre vai exagerando tudo , accrescenlou outras
imputações , e não tardou que os pagãos , . tirando a consequencia
de tan~tas calumnias , tiveram ·os chrislãos pelos mais crimino-sos dos
homens, e ·os fizeram responsave is de quantas calamidades, peque-
nas ou grandes ' affiigiam o imperio. ·o seu nome, só era já um
' crime ; bastava lei-o para ser cu1pado de todos os aue·ntados (3).
Dest'arle Tacito , referindo que Nero linha feito. quennar vivos
grande numero de christãos , a· quem falsamente accusava de terem
posto fog-o a Roma , diz sinceramente que elles foram menos con-
victos de algum crime, do que do odio do genero humano (4).
Foi para refutar todas estas odiosas inculpações ·. que Deus sus-
citou lam eloquentes apologistas. Estes viam-se obrigados a pedir
por grande mercê que se não condemnassem os cbristãos sem os
ouvir, e que o seu nome só não fosse tido por crime de morte (õ).
O p~oceder . dos christãos , ainda mais eloquentemente respondia a to-
das as accu-sações ; mas a ira é cega , e a dos pagãos e dos judeos
não contente com fechar OS olhos , para não YCr as virtudes de nos-
sos pais , tapou os ouvidos para não ouvir as ·suas rasões ; fechou o
coração em um triplice mtfro de bronze , para o tornai· inaccessi-
vel a Lodo o sentimento de humanidade ; e armou-se de espa~as e
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238 . C!TECISMO
{1) Veja 1
sobre eslas parlicularidadcs e suas provas, a nossa IJis-
Loria das Catac~mbas , e o Padre 1!,lores , De foc(yto a yone martyrii,
io foi.
(2) Act. liv. 8.
(3) Malh. XXXIV. 9.
(4) Mallh. X. 28 e 32 ..
(ü) Dehilricem marlyrii lidem. De spec't.
(6) Os calculos mais cxactos clevam~nos a oozl! milhões durante os
• /
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DE PERSEVERAN~A. !39
1. Houve durante o espaço de trezentos an nos , dez persegui-
0
.. ,
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240 CATECISMO
cida pela perda do seu sangue, e dos s-eus membros ; mas logo re-
~ - penlinameme restabelecida ; recobrar novas forças , e tornar-se fe-
cunda l\lãi de maior numero de filhos (1)~ ·
Soffrendo a morte, provavam os marlyres a divrndade da Re-
ligião ; por isso que verificavam o cumprimento visivel das- Profe-
cias do Salvador; e não menos a provavam pela- sua sobrenatura-l _
conslançia. ·
Sotrrer a morte sem algum interesse de· vaidade ,. ambição ,
odio, ou gloria humana ; morrer em meio dos in:mltos de todo o
povo , com soceg!> e serenidade ; morrer para attestar factos , que
não se viram com os proprios olhos, nem palparam com as proprias
mãog ; morrer, quando se podia evitar a ~orle por uma só palavra,
e só para sustentar uma Religião Santa , contraria a todas as pai-
xões , na qual não se foi criado , mas que se abraçou por con-
vicção •.que se hade sellar com o propmr sangue·.; e quando isto se
faz não um dia , mas durante seculos , não por um só homem, mas
por milhões de pessoas de toda a idade , s·exo e condicção ; pessoas
de todas as classes e de lodos os paizes ; então se isto não é cousa ,so-
brenatural , ê de mister abjurar a rasão, e renunciar para sempre
a poder ligar duas ideas.
De tal modo os !Yagãas estavam convencido°s que a paciencia
dos rnartyres lhes não podia vir senão de Deus, que se converliam
em grande numero ao ver a coragem ·q-ue elles tinham nos tormen-
tos. « A constancia que vqs espanta , diz Tcrlulliano, é uma lição;
vendo-a , quem não será tentado ·a examinar-lhe a causa ? Mas todo
·• aquelle que examina a nossa Religiã<>, converle-se ; e desde logo
deseja soffrer , a fim de alcançar pela eITusão do seu sangue , a
graça de Deus e o perdão <los seus peccados (2). ))
· Em- duas palavras ; linha o Salvador promettido aos Aposlolôs a
graça, qne os faria superiores a todos os tormentos _; cumprio-se a
(0 Lib. IV, e. 6~. Vede sobre o nonicro dos marlyrcs. Dom Rui-
narlc Aclas dos 9nartyres prer.
(2) Apol. e. L.
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'1
DI..: PERSKVEilANÇA. 2H
palavra (1). Eis a unica rasão da misteriosa constancia dos mar-
tyres ; não é sómente loucura , é ridiculo buscãr-lhe alguti1a outra
rasão sufficiente.
l\las que maior leslemunho da Religião,, que o sangue de tantos
milhões de innoccntes e heroicas testemunhas ! Embora à impieda-
de consiga demolir os templos dos marlyres, arrancai-os dos tumulos,
dispersar-lhes as sagradas cinzas, apagar os seus epitaphios ; embora, ,,.
que o leslimunbo de seu sangue permanecerá para sempre !
As narrações dos seus Julgamentos, supplicios e morte chamam-se
Actas dos -martyres. Não ha livro mais Yencravel, abaixo da Escrip·
lura Sancla; porque as respostas dos martyres aos inlerrogatorios
dos juizes , eram-lhes dictadas pelo Espírito Sancto. Nosso Senhor
tinha promcllido, em termos explicitos, que responderia por elles e
fallaria pela sua boca --- Não estejaes cuidando , disse clle aos mar-
tyres de todos os seculos, na pessoa dos seus Aposlolos , sobre o que
liaveis de responder ; o Espírito de vosso Pai fallará por vossa bo-
ca (2). Nada poderá melhor que as Actas dos martyres. reanimar a
nossa piedade : o filho nobre e generoso sente o seu coraç.ão infla-
mar-se, com a.narração das brilhantes acções de seu pai ; como pois
poderiamos ficar frios, cobardes e insensíveis diante da felicidade
celestial , quando vemos que para alcançai-a atravessaram os mar-
lyres um mar de sangue , e caminharam po1· sobre bra.zas ardentes
e gumes de espadas? Os primeiros christãos estavam tam persua-
didos. desta verdade, que muitas vezes arriscavam a vida, só para
hí}ver á mão as Aclas dos santos martyres.
O principal· e mais ordinario meio de que ee serviam para ha.._
Yer estas Actas, era comprar á força de dinbeiro os cadorarios
dos archivos , aonde se guardavam os registros e delles tirar copias.
Em segundo lugar; logo que os juizes mandavam dar tormentos a
algum chrislão , muitos fieis , que não eram conhecidos , mistura- /
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2H - C.\ TF.CISMO I
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llE PBRSEV8RANÇ1.
conissas davam conta de todas as suas funcções ao Bispo, e por sua
ordem aos Padres e Di(\conos ; e cuidavam principahnenle de os ad·
verlir das precisões das outras mulheres ; o que elles por si mesmos
não podiam fazer com tanta decencia (1 ). ,.,
Se algumas 11ezes obtinham os oulros fieis permissão de enl1·at·
nas prisões , era a qual mais beijaria as cadeias dos confessores ,
a qual mais se esforçaria em lhes trazer algum allivio, curar suas
feridas ' preslar-lhes serv-iços ' e dar-:-lhes lQdos os signaes de vene ..
rnção e respeito.
Desl'arle a Igreja nada omiltia, para que os marlyres fossem soc-
corridos e visitados. Na ''espera da sua morte , t.lepois de dada a
sentença, celebrava-se a cêa livre; isto é, permiltia-se a lodos os
condemnados o comerem juntos (2). Para isto os reuniam em uma
sala commum , em redor d'uma meza , que os christãos tinham o
cuidado de ser\' ir melhor que a sua pobreza permiltia. Toda a gente
potlia assislir ao banquete dos ruartyres ; os christãos não falla\'am
a elle , ou para se encommendar a suas ora~. ões , ou para recebei·
os seus ullimos conselhos.
Depois <la execução da sentenç.a, apr~ssavam-se nossos pai~, sem-
pre que era possivel , em levar os corpos e reliquias dos marlyres,
envolvendo-os em ouro e seda, com os mais esquisitos pe1·fume~.
Era junto de seus tumulos que vinham orar, e sobre os mesmos
se offerecia o augusto sacrificio. ,
Os Concilios d' Africa prohibiram se não levantasse altar, sem
·reliquias de marlyre·s : lei venera\•el • que se observa ainda em toda
a lgreja. Nossos pais, convencidos com rasão, de que os martyre~,
que acabavam de dar o sangue por Jesu-Christo, eram mui pode-
rosos no Ceo , invocavam seus nomes; insliluiam festas em sua
lwnra; e escolhiam para as celebrar o dia do seu marlyrio: este _
dia se 'chamava Natividade , ou nascimento : admira vel idea ! que
inculca ser_ n'aquelle dia da sua niol'te, que verdadeiramente nasciam
para a vid?. A Igreja nunca deixou de conservar esta lingoagem.
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2U CA 1'EC1S&IO
O' meu Deus , que sois todo amor , eu vos dou graças pela san-
tidade e fortaleza que destes a nossos pais : .permitll , Senhor, que
imitenios a vigilancia, que tinham comsigo mesmos ; e a constancia
nos trabalhos da vida.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas ·, e ;ro proximo
como a mim Ólesmo, por amor de Deus ; e , em testemunho deste
amor ; fugiréi com horror das assembleas mundanas.
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X.ª LIÇÃO.
ArÉ aqui temos seguido nossa Mãi a: Igreja, guiados pelo bom cheiro
de suas virtudes: agora seguil-a-hemos durante tres sectilos, pelo ras-
tro do seu sangue e a luz das fogueiras acesas contra ella. Terna
esposa do Homem Deus , enche-te de fortaleza, que é chegada a
hora do combale. Dez vezes o mundo inteiro vai levantar-se coutra
ti, para apagar a mesma memoria .do teu nome (1).
[1] Nós contamos, com Dom Ruinart, dez pers~guições gcraes, isto
é ordenadas, ou aulhorisadas pelos imperadores romanos, senhores do
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CAT~CISMO
mundo. Não so S('gue por isso que cada uma dellas se estendesse a lo·
das as provincias do imperio; algumas foram circumscriptas nos limites
de certos paitcs. O paJre Mamachi coota doze , porque comprchcnde no
numero das groodcs perseguições a dos judeos oo governo de Barcochc -
bas, e a de Licínio.
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DE PERSEVERANÇA. 247 -
um imperador representar publicamente no palco sc.t'nico , como um
aclor ordinano. Quando tinha de cantar em publico. dispersavam-se
guardas entre os espectadores , para punir aquelles que não se mos-
trassem bastante sensiveis aos encantos da sua voz.
A crueldaclc e a lasciYia , eram nelle inseparaveis, como sem-
pre são em todos os malvados. Oetavia, sua mulher , e Burrho e
' Seneca , seus mestres , foram satrificados ao seu furor ; e a estas
• mortes se segnio tam grande numero .d' outras, que o fizeram ler
mais por sanguinosa fera. que por homem. Ouvindo cilar um dia
esla fraze provervrnl : Quanuo eu moner, embora se abraze o mun-
do. Replicou : ' Pois que se abraze , mas que eu o veja : e foi en-
tão que, no fim d'um banquete, tam extravagante como abominavel,
mandou pôr fogo aos quatro angulos ele Roma , para contemplar a
imagem do incendio de Troia. Durou o incendio oilo- dias, e dos
quatorze bairros da cidade , dez ficaram reduzidos a cinzas.' Este
Jamenlavel espectaculo foi para Nero uma fesla : para o gozú á sua
. ''ontade subio-se a uma elevada torre , aonde se poz a declamar,
cm trages de comico , ~ m poema que elle Linha composto sobre o
incendio de Troia (1 ). Todo o povo o accusou de ser o author do
incendio (2) ; / mas Nero lançou a culpa delle para os chrislãos.
Ninguem o accreditou , diz Tacilo (3) ; mas comtudo os pagãos ,
cm consequencia da sua a \'ersão ao Christianismo , não deixaram de
~slimar isto, para potlerem perseguir os que o professavam. Nero,
pela sua parte , não teve nisto só por fim o reparar a sua reputa-
ção, qmz lambem satisfazer o oclio que linha á virtude, e saciar a
~ma sêde de sangue humano.
• Logo por toda a parte prenderam todos os chrislãos , qu·e fo-
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2i8 CATl~CISMO
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DE PERSEYERANÇA.
o não Óffenderam , foi condemnado a ser degolado , e assim _con-
summou o seu martyrio (1).
Laclancio diz , formaes palavras , que . o motivo que induzio
Nero a exacerbar-se contra os christãos • foi o interesse dos seus
deuses, qu" vio cada dia mais abandonados e despresados. O in-
. cendio de Roma não foi ma1s que o pretexto.
« Nero , ·diz elle , sabendo que S. Pedro tinha tirado á idola-
tria grande numero de romanos , e que não só e_m Roma, como
lambem nas províncias eram innumeraveis os · que abandonavam o
culto tlos deuses, enlendeu que não devia perder tempo para des-
truir (o que suppoz como pagão) o divino imperio do Christianismo,
e arruinar completamente a piedacJe que o sustentava. Foi elle pois
o primeiro que perseguio os discipulos do Salvador; mas não o fez
impunemente, porque o Senhor , vendo a. pérseguição do seu povo,
carregou a mão sobre o tiranno .(2).
Nero deveria saber , como todos os perseguidores que tem vin-
do depois delle , que ninguem é forte contra Deus. Eis pürque o
estrondo da sua rui na, e as horriveis circumstancias da sua morte,
servirão de monumento á posteridade, e dirão a lodos os seculos:
Assim será tractado aquelle, que ouzar revoltar-se contra o Senhor,
e contra o seu Christo. Se recusardes firmar o imperio do Cor-
deiro dominador , obedecendo á sua lei, firmal-o-heis, ensinando aos
outros a temei-o. .
Continuava o monstro coroado a banhar-se no sangue dos chris-
tãos , e a devastar as provincias , para regalar os seus escravos , e
satisfazer ao seu luxo insensato ; quando um grito de indignação
partia do fundo da Hespanha. Vindex escreveu a Galha , governa-
dor da Gallia Tarragoncza , para que tivesse piedade do genero
humano, de ·quem seu deteslavel amo era flagello. Galha proclama-
. se imperador, e brevemente lodo o imperio o recon~ece. O Sen~do,
- L
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CATRCISMO
,.
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. DE PERSEVERANÇA.
foram por suas calumnia§ e violencias· os mais ardentes persegui-
dores da Igreja. Encheu-se alfim a medida dos seus crimes ; che-
gou . o tempo em que o ~angue do Homem-Deus," o dos Prophetas e dos
Apostolos ia cair sobre a cabeÇa d'aquelle criminoso- povo. A ruina
tolal de Jerusalem, e a _dispersão dos juJeos por Ioda a ter:ra, iam
verificar as predicções do Salvador , e dar nova prova di;i sua
divindade.
Escutemos, com silencio e terror , - a historia da ruina de Jeru-
salem. O Senhor , comtudo -, nâo quiz abandonar aguelle povo ob-
durado , sem primeiro o advertir do castigo que o ameaçava.
Quarenta annos antes da 1;uina da cidade dei.cida , que corresponde
ao tempo da morte de Nosso Senhor , não cessavam de ver-se no
templo cousas exlraordinarias : uma vez appareceu ás nove horas
da noute•, -por espaço de meia hora , em torno do altar e do tem-
plo, um. clarão tam forte , que parecia ser de dia ; . d'oulra vez a
porta do Templo, que oltiava para o Oriente, e era de bronze lãm
peza<la , que viole homens mal a podiam mover , abrio-se por si
mesma , bem que estivesse fechada com grossas fechaduras, trancas
de frrro e ferrolhos, encravados profundamente no liminar, q.ue ·
era uma pedra inteiriça. Outra occasião retumbou no Sancluario um
medonho ruido, e immediat.aruente se ouvio uma voz lastimosa, que
uizia repelidas vezes : Saiamos' d'aq1â ! Saiamos d' aqui. Os Santos
Anjos, prolectores do templo, declararam altamente que o abandona-
vam , porque Deus, que havia feito · alli ha tantos seculos sua ha-
bitação , agora a trnha reprovada.
Todus os dias se viam novos prodígios, de sorte que um fa:- #
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252 CUECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 253
E naquelle instant~., uma pedra lan-çada por uma das machinas
rnimigas , o derribou redondamente morto (1). )) _
Quem Hão diria que a vingança divina se linha niani-
festaLlo a este homem ; que não existia senão para publicar os
seus decretos ·? que · ella lhe_ Linha dado forças , para que os seus
gritos igualassem as desgra<_;as do povo? e que não só o tinha feito
propbela e testemunha , mas lambem victima pela sua morte , a fim
de tornar mais visiveis e evidentes as ameaças de Deus? O pro-
phela das maldições de Jerusalem chamava-se Jesus; como para mos-
trar que o nome de Jesus , nome de Salvação e de paz, se conver-
teria em funesto presagio para os judeos, que o desprezavam na
pessoa do · Salvador; e que aquelles ingratos , tendo regeitado um
Jesus , que lhes annunciápi a m1sericordia, a graça e a vida, fossem
forçados agora a receber ou!ro Jesus , que não tinha para annunci.-
ar-lhes senão males jrremedia veis , ~ o in~vitavel decreto da sua
proxima ruina (2).
Enlretanto aproxima-se a hora fatal. Os judeos , a quem uma
causa occulta parece que agitava , e tor·nava inquietos e turbulen-
tos , revoltaram-se contra os romanos , e esta revolta· deu occasião
á sua ruina. · Os mais prudentes d~ nação saíram de Jerusalem ,
prevendo os males que sobre ella cairiam. Os christãos, allentos ás,
predicções do Salvador , fizeram o mesmo. Reliraram-se para· a pe-
quena cidade de Pella , situada no meio das monl.anbas da Syria.
· Não tardou que o exercito romano não ''iesse pôr .cerco á cidade.
A principio tiveram os romanos um pequeno revez, com que se exal-
taram os animos dos rebeldes ; mas apenas foi dado o commando a
Vespasiano , este general retomot1 Jogo a superioridade. Então co-
.meçou a divisão entre os judeos , formaram-se na cidade differen-
tes partidos, que commetteram os mais horriveis excessos. Dest'arto
a de~graçada Jer~salem se via opprimida por todos os lados : no in-
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1
25i CATECISMO ,,,..·
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ll"E PERSEVERANÇA. 25ü
te a predicção do Sa'Irndor; quando annunciou a Jerusalem , que_(is
seus inimigos 3 cingiriam com muralha, e a cercariam por todos os lados.
A fome tornou-se horrível. Basculhavam-se até os monluros e os canos da
cidade, e comiam-se as immundi'cias mais infectas. Certa mulher , ator-
mentada e desesperada pela fome, com os olhos esgaziados fitou um seu
filhinho , que aleitava a seus peitos: Para ·que te estou eu e reando,
ó desgraçado , disse e11a , para morreres de forne ou seres escravo
dos rom:rnos? Ah, não será assim .' •. e no mesmo instante o de-
capiloti , assou-o, comeo metade, e escondeo o resto ! Os facciosos,
ch eirando-lhe a carne , entram na rasa , e ameaçam matai-a, senão
lhes apresentasse o assado.- Então lhes mostrou a outra metade, e como
ficassem horrorisados e immoveis : Bem o podeis comer , disse. ella,
é o meu filho, fui eu <iue o matei, e comi o que ahi falta: não
sois YÓs , não , mais delicados que uma mulher, nem mais ternos que
uma mãi. Então a tremer devoraram a carne. ·
Entretanto al'rebatava a fome familia~ inldras ; as casas e as
ruas estavam cheias de mortos; e para evitar ·maior infecção , lan-
çavam-nos do aito das muralhas aos precipícios que rodeavam a ci-
dade. Tito, vendo aquella infinidade de cadveres, cuja pntrefacção cor-
-rompia os ares , levanlou suspirando as mãos para o ceo , e tomou
a Dêus por teslemunha, que não era elle o culpado d'aquillo". Para
acabar, pois , com tantas miserias, fez conlinuar os trabalhos com
maior acti vidafle, mas ainda leve que presencear novos horrores.
Alguns judeos, para escapar á fome, passaram-se para os ro-
manos. Os soldados de Tito , persuadindo-se que estes infelizes ti ~
nbam engolido as suas Joias, para as salvar das pesquizas dos fac.-
ciosos, rasgavam-lhes o ventre, e lhes esquadrinhavam as entranhas.
Em uma noulc se encontraram dois mil assim estripados.
-Tito, sabendo disto, declarou que faria morrer lodo aquelle ,
que fosse convencido de tam atroz barbaridade ; mas as suas ordens
não_ foram respeiladas.
Em fim , depois ele muitos e renbiflos combates, J'ito apode-
rou-se da Torre Antonia . e chegou a entrar na galeria .exterior do
Templo no dia 17 de Julho , lendo começ.ado o cerco em U de
Abril. Desde logo alacou a segunda galeria , e pôz fogo ás portas ,
ordenando , com tudo , que se conservasse o corpo do ed1ficio. Mas
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256 CATEClSMO
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DE PEnSEVERANÇA. 2ü7
umphou da Ju(Jea com Vespasiano seu Pai , a quem bre\•emenle, suc-
.. ·
ceden no lhrono. Era t.am beneficente este príncipe, que uma noute,
estando~ meza, e lembrando-se que n'aquelle· rti"a não tinha feito
bem a pessoa alguma, ~xclamou : Meus amigos , hoje perdi o dia.
Não durou porem, o seu rºinado mais de dous annos , pois mor-
rcú no anno, 81 de Jesu-Chris~o. Succedeu·-lhe seu irmão Domiciano;
que foi quem movco a segunda perseguição geral contra a Igreja ;
ol.H·a na verdade <ligna <le.lle.
Este pedaç·o de Nero , como diz Tertulljano (1 ); assignalou-se por
crueldades , que fazem gelar o sangue. Quiz que se lhe desse o
nome de Deus, em todas as petições que se lhe dirigiam. Juntando
a loucura á depravação·, convocou um dia o Senado ,, para resolver -
em que ,·aso se deveria cozer um redovalho ; outro dia , tendo convi-
dado os principaes senadores para Jantar, Jel-os conduzir com prag-
matico ceremonial a um salão todo forrado de preto • e apenas alu-
miado por amortecidas alarnpadas srpulchraes ; a cujo clarão se divsava
urna fileira de tumbas , e cada convidado tinha seu nome escripto
- em sua. D'ahi a pouco entraram na sala homens taro negros como
as tapeçarias , trazend-0 na mão direita espada , na esquerda ~ma
tocl1a.
'Estas especies de furias , tendo por algum tempo aterrai.lo os
senadores , ahriram-ltles por fim as portas. Digno castigo d'aquella
famosa n.ação: que, depois de ter vencido o Universo - por sua cora:..
gero , e pela severidade dos seus costumes, se tornou mai~ corrupta,
effeminada e depravada que tocros os povos· que tinha subjugado ; e
dest'arte se fez o ludibrio dos tirannos, a quem idolatrava ainda
quando a esmagavam. '
Domiciano passava dias inteiros, no seu gabinete, só . a caçar -
moscas com um ponteiro muito aguçadÕ. Perguntando-'Se um dia a
- c~rto cortezão , se o imperador ficava só : S ~m, respondeu , e tam
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CATECISMO
só, que não está com elle nem uma mosca. No outro dia o cortezão pa-
gou com a cabeça o seu innocente gracejo.
Quanto á violencia da perseguição , que elle suscitou contra os ·
christãos , pode julgar-se della pela maneira como tratou as pessoas
mais dislinctas, e até os seus mais proximos 'parentes. Mandou "'
malar o consul Flavio Clemente, seu primo coirmão , e desterrou
Domiti'lla mulher elo mesmo , por serem christãos. A sobrinha do
consul foi deportada para a ilha Pontia; e passado algum tempo ,
foi queimada· em Terracina com outros dous martyres. Dous escra-
vos do consul , Nereo e Achilles , que lambem se tinham convertido
á fé, soffreram ·varios tormentos, e por ultimo· foram decapitados.
Infinilo numero c.le christãos foram condemnados á morte, e
seus bens confiscados; mas o que tornou mais relebre a perseguição '
de Domiciano foi o martyrio de S. João Evangelista ; de que já em
outro lugar fizemos menção.
Não era bem que ficassem impunes lanlas crueldades, exercidas
contra a divma esposa de Jesu-Cbristo. Cumpria que ·Domiciano con-
corresse, com os mais imperadores , para a gloria do Cordeiro Dom~
nador. Deus carregou a mão sobre elle. Muito terppo antes de vo-
mitar a alma , esteve o monslro , pungido <los remorsos, em con-
tinuos terrores. Nem um ·só rnslante socegava , com medo que o
matassem : e era pressentimento ; pois sem embargo de todas suas
precauções. foi assassinado por um dos libertos de sua mulher,
no anno 96 de Jesu-Cbristo. O Senado, depois da sua morte , pri-
vou-o de Lodas as honras , e alé as da sepultura.
OR~ÇÃO
O' meu Deus! que sois todo amor , eu vos dou graças por
haverdes sustentado o · v~lor de nossos pais no meio das· persegui- ·
ções. Perroilti , Senhor, que os imitemos ; e que nos convençamos,
que assim os bons como os máos igualmente servem _, ainda que de
llifferenie motlo , á gloria da Religião.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo , por amor de Deus ; ~ , em testemunho deste
amor , prometto orar pelos i"nim;gos da Igreja.
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V.& rrmst:YEl\ANÇA.
II: LIÇlO.
O CHRISTIANISMO ESTABELECIDO.
... DO
( n\ _, ONTINU.AÇA.O 1. 0 SECULO. )
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2GO CATECISMO
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DE l1 EllSKVEllANÇA. 261
na. Assim gozaveis de suas bençãos, felicidade e paz . . . Então
,:ivieis cóm sinceridade e inuocencia' sem malignidade nem res~~n- .
timento. ,Se a~guem peccava conlrn vós, era a sua queda que la- -,
mentarnis, e desejavris ~alisfazer pelas fraquezas do ,·osso proximc.
O menor jermen de divisão, uma simples sombra de tlis·secção vos
causava horror. »
Aqui descobre o Sanlo Padre a rasão da mudança, que repen-
tinamente se opei·ou entre elles, que era o crime da inveja , cujas
(fesordcns descreve, citando exemplos colhidos na Escriplura Santa,
começando desde Abel e os Patriarchar até os Aposlolos e os tem-
pos mais recentes.
O remeJio contra a inveja consiste em imitar os exemplos do
divino :Mestre : a isto se applicavam inteiramente nossos pais. Apos
deste augusto modelo , S. Clemente propõe outro nas creaturas ina-
nimadas, qne vi vem em paz· constante , sujeitas á providencia ; e
assim faz eUe do Universo material u~1 grande ·prégador da con-
cordta.
Eis aqui as suas notaveis palavras. Os Ceos , subm~-;sos ás leis
da Providencia divina, cumprem em paz as suas impeluozas revo ~
luções : o dia e a noute acabam o seu curso que lhes foi prescripto,
e nunca oppõe obstaculo um ao outro. O sol , a lüa e as myriades
dos astros percorrem obedientes, e em per[eit a harmonia, os espaços
que lhes foram marcados, sem delJes se afastar um só ponto. A terra,
sempre fecunda, fornece· com abunclancia , e nas differentes estações,
todas as cousas necessarias á nutrição dos homens , t.los animaes e
de tudo quanto respira -, sem nunca alterar as leis que Deus lhe im-
poz. O mar , ainda que embravecido contra si mesmo pela agitação
das sua~ ondas, nunca ullr a passa os limilies qtíe lhe foram prescriplos.
A primavera, o estio , o outomno a o inverno succedem-se pacifica-
mente un~ aos outros; os ventos em determinados períodos soltam
sem obstaculo os seus violentos nssopros ; os mais pequenos animaes
emfim vivem juntos em a mais perfeita concordancia. ))
Conclue por ultimo o Santo Pontífice dizendo , que á imitação
de toda a natureza , a unica ambição do cõristão deve ser agra-
dar a Deus .e Yiver em paz co~ os seus irmãos. Tanto que chegou
a Corintho e foi lida ao povo esta Epistola, lam cheia de espirilo apos-
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--
.-
I
CATECISMO
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DE PERSEYERANÇA. 263
zava a Santo .Ignacio. Uma circumstancia, referida nas actas do
~éu ma1fo·io, explica o terno amor que o veneravel Ponlifice linha
a nosso Senhor. Estava elle ainda, dizem os authores d'aquellas
aclas , na sua mais tenra infancia, quando Jesu-Christo, andando en-
tre os homens , impoz sobre elle suas venera veis mãos, ,e disse ao
povo , en'carando-o. " O que não f ôr tam humilde como este tenro
·menino, não entrará no reino dos Ceos. Governava lgnacio~ havia
quarenta annos ,- a Igreja de Antiochia , quando foi chamada ao
marlyrio. No anno 106 de Jesu-Chrislo, Trajano, resolvido a levar
suas armas contra os Parthas , dirigiu-se ao Oriente. Veio a Antio-
chia no anno seguinte·, e alli· fez a sua entrada com magnificencia
em 7 de Janeiro : o seu primeiro cuidado , apenas chegou áquella
cidade , foi tràtar da gloria do~ seus deuzes , e exigio, sob pena de
morte , que toda a gente os adorasse.
Ignacio , que só · pelo seu rebanho se inquietava, deixou-se ge-
nerosamente- conduzir perante o imperador; o qual, vendo-o, Jhe
disse : E's tu pois, demoniÓ máo , que ouzas infringir as minhas
ordens , e persuadir aos outros a morrerem miseravelmente? ..
lgnacio. Ninguem , senão tu , ó Principe , jámais chamou a
Theophoro o nome injurioso , que agora lhe deste; sabe, pois , que
tam longe estam de serem demonios má os os servos de Deus , - que
·pelo contrario os demonios tremem e fogem diante delles !
Trajano. Quem é esse Theophoro ?
Ignacio. Sou eu , e todo aquelle que traz , como eu , a Jesu-
Christo no coraÇão (1 ).
Trajano. Parece-te , pois , que nós não trazemos lambem no
coração os deuzes, que nos ajudam a vencer os nossos ini~igos?
Jgnacio. Deuzes !.. enganas-te ~ Principe : esses é que não são
senão demonios. Não ha mais que um só Deus , que creou o Cco
e a terra ; e um Jesu-Cbristo , seu unico filho. Este é o grande
Rei , cujas misericordias sómente te poderão fazer feliz.
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26i CATF.CJSMO
-·
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DE PERSt:VERANÇ.A.
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266 CATECISMO
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DE PERSEVEl\ANÇA. 267
em honra do Padre, ~ de Jesu-Chrislo seu filho. I..ouvai a -Deus
por haver permiltido , que trouxesse1n . do Oriente ao Occitlenle um
Bispo da Syria , só para aqui perder a vida ... mas que digo?. ·.
para renascer em o seu Deus. » . _ -
« Vós , que nunca tivestes inveja de ninguem , havíeis agora
de inveja:· a rriinha boa sorte? Vós , que sempre avisastes a firmeza
_ e a constancia , mudaries hoje de maximas '! Alcançai-me antes c.om
vossas orações o valor ' de que careço ' para vencer as tentações
interiores e exteriores. - Pouco importa ao · homem parecer christão,
se o não é em reaiiclade, Pois n~o fazem o _chrislão bellas pala-
vras , e especiosas appare_ncias-, m~s sim a virtude solida, e a gran-
·deza d'alma nas provações. :n
(e A outras Igrejas escrevo , que_ morrerei gostoso , uma \'ez ·
que \'OS não opponbaes. Consenti que eu seja o pasto das feras ,
que é caminho mais curto do Ceo. Eu sou trigo de Deus, preciso
ser moído nos dentes dos leões- e dos ursos, para converter-me em
pão digno de se offerecer a Jesu-ChrisLo. Festejai as feras, que ~c
jam· o meu tumulo quando eu chegar, e nada deixem do meu cor-
po , para que a ningu-em de mais trabalho depois de morto. Eu es-
pero em Deus, que estarão promplas para devorar-me. »
« Perdoai-me estes senlimentos; mas eu bem sei o que _me con-
vem ; e começo a ser verdadeiro d1scipulo de Jesu-Christo. . Nada
Jª me d-á cuidado , tudo me é inditferente , menos a esperança <le
-possuir ao meu Senhor Jesus. - Reduza-me o fogo a cinzas , uma
cruz me faç.a' morrer de morte affrontosa e lenta, açolem-me tigreit
crneis e esfaimados leões, sejam desconjuntados os meus membros ,
moitlos os ossos , esmigalhado todo o meu corpo ; esgotem os tlemo-
mos conlra mim toda a sua rairn ; tudo soffrerei alegremente , com
tanto que chegue a possuir· o meu Senho1· Jesu-Chrislo. »
, « O meu amor está cruxifica_do ; o fogo que me abraza é puro
e divino. E' vivo fogo que no fundo do coração me diz de conti-
nuo : Váe, Ignacio , para teu Pai celeste. Já não lenho gosto ai·
gum das mais exquisitas viandas , nem dos mais delicados vinhos.
O alimento, que appeleç,o , é a carne sacrosa11la de J(•su-Christo, fi-
lho tle Da viu ;· e o vinho de que estou sequiozo , é o seu sangue
precioso , -fonle de.: charidade incorrnptivel. Eu já n.ão pertenço a .
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'!G8 CA1'ECISMO
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• ,.
DE PERSEVERA:-.ÇA. 269
mas um-· tufão de vento _afastou o navio para o mar alto , e o sanlo
se vio obrigado a s'eguir ávante, contenla1ulo-se com dar grandes
louvores á chari~fade dcrs fieis d'aquella Igreja.
« Por fim dizem os auclores das suas aclas, soprando nnlo ·
fresco 5iurgimos em vinte e quatro horas na barra do Tibre, que é
o porto dos romanos. Eslavamos trespassados de dor ; lembrando-
nos que nos iamos separar do no~so querido mestre ; ellc pelo con-
trario regosijava-se de ter chegado ao lermo da viagem :
« Apenas sa1mos em Lerra , os soldacfos nos obrigaram á pressa
a tornar o caminho de Roma, porque estavam quasi a terminar os
jogos. Correu voz que chegava Ignacio, e logo os irmãos nos sai-
ram ao encontro. Estavam elles opprimidos de dor; mas sentiam
ao mesmo tempo a alegria de ''erem entre s1 aquelle grande homem,
que tinham sido escolhidos para acompànhar. Alguns mais forvo~
rosos começaram a dizer entre si , que era necessario apaziguar o
povo , e traelar de extinguir a sede ardente que elle tinha do seu
sangue ; mas o Espirito de Deus , lendo f~ito conhecer ao Santo
Bispo o projecto que se formava contra elle , o suspendeu , por is~o
que tendo saudado aquelles que o cercavam, e tendo-lhes pedido e
dado a paz, os conjurou , ainda com mais vchcmencia do que na sua
carta , pára não se opporem á sua felicidade. Então se submelle-
ram aos seus desejos ; e pondo-nos depois todos de joelhos ; o Santo
Jeya'ntando a voz no _meio delles, rogou a Jesu-Chrislo que se com-
padcee3se ela Igreja , pozessé fim á perseguição, e conservasse a cha-
. ri dade nos fieis.. ·
« Acabada esta oração foi levado precipitadamente pelos guardas
e conduzido ao amphilheatro, a tempo que estavam terminados os
especlaculos. Era o •lia 20 de Dezembro, um dqs dias solemnes ,
que a superstição romana linha consagrado com o nome de festus sigil-
larias. >>
« Toda a cidade havia conconido ao amphithealro. Logo que
o perfeito leu a carta , que os soldados Jhe entregaram do impera..
dor ; desceram o Santo ao circo : e tanto que o veneravel velho
ouvio o rugir dos leões, exclamou : Err sou trigo de Deus, preciso
ser moído nos dentes das feras , pal'a converter-me cm pão digno
de Jcsu-Cfirislo. )) Mal tinha pronunciado estas palavras , quando .
270 C.UKCISMO
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•
DE ~ERSEURANÇA. 271
as acções de Trajano , ja que tam immoderado desejo tinha , de ~wr
famoso no mundo.
O Paganismo , vencido na perseguição de Trajano , não tardou
a ferir mais furioso combale. Determinou Adria,no imitar o.seu pre-
decessor no odio contra os chrislãos, assim como o tmha imitado
em seus infames coslume.s. E' grande gloria llo Chrislianismo, o ni'io
ter tido ate hoje por inimigos, senão _homens· depravados , e cheios
de vergonhosos Yicios, Disto se[Jl duvida nos devemos gloriar, como
da mais ev idcnte prova da santidade e verdade da nossa Religião (1 ).
A' crueldade, que lhe era natural, juntava Adriano um espirilo
excessivamente supersticioso. Tomava parle em todos os sacrificios,
.que se faziam em. Roma, exercia o cargo · de soberano ponlifiec, e
foi sacrificador do templo de Eleusina. Tendo passado cerlo inver-
no em Alhenas , e iniciando-se em l0tfos os rnislerios da Grecia ,
permillio aos pagãos que perseguissem os chrislãos ; e esta pcrse- -
guição, como rde.re S. Jeronimo, foi das mais sanguinolentas (2).
Entre as prirneirns e mais illuslres viclimas , se deve nomear
Santo Euslachio ; o qual , com sua mulher Tbeophisla , e seus fi.
lhos , ·foram queimados vivos em um _louro de bronze. A esle se se- ·
gue Santa Symphoroza. No anno 1H , segundo _da sua elevação ao
imperio, construio Adriano perlo de Tibur, hoje T1voli, um mag-
nirico palacio, cuja dedicação ordenou se fizesse com todas as ce-
rcmonias em lacs casos observadas . OtTereceu sacrificios e consul-
tou os deoses ácerca da duração do soberbo edificio. l\fas longe de
receber resposta lisongeira , como· esperava , disseram-lhe os demo-
nios : Principc, nós uão podemos satisfazer a lua curiosidade , em
quanto nãÕ acabar o insulto , que nos faz cerla viuva chrislã , in-
vocando o seu Deus em nossa presença. Ella se chama Sympho-
roza , e é mãi de sete filhos. l\fanda que vos offereça inc~nso , o
então respon1leremos ás - tuas supplicas .
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272 CATECISMO
l 1] Gctulio e Amacio.
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,, .
DE PF.RS&VERANÇA. . 273
Desenganado o liranno , ordena que levem Symphoroza ao tem-
plo de Hercules , que lhe esmaguem o rosto a punhadas, e a suspen- . ,
dam pelos cabellos. E como aguentasse com todos os tormentos,
'mandou-a lançar no rio (1); com uma grande pedra pendente ao pes-
c~oço.
(1) O Tcverone.
35 VI
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CATF.CISMO
em· redor tios seus tnmulos , preparando-se dest'arle para novos com-
bates, eis no que se exercilavam. .
Depois de uma tregua de dezoito mezes. tornou a gurrra. e não
acàbou senão_ pouco tempo antes da .Jllorte de Adriano. Nesta nova
perseguição morreram S. Hermes , prefeito de Roma , e o papa S. :-
Alexandre.
Approximava-s~ o tempo, em que a verdade, até alli defendi-
da pelo sangue e repostas valorosas dos martyres , havia ele ser pu-
~licamente vingada ;· Deus lhe suscitou eloquentes apologistas. Qua-
drato era Bispo de Athenas , e elle mesmo pessoalmente apresentou
a sua apologia ao imperador Adriano : perdeu-se, porem , este pre-
cioso monumento. Arislide's era lambem Atheniensf', e exercia a pro~
fissão d~ philosopho. Converlido ao Christian1smo, - quiz dilatar a~
conquistas da Fé, cscrcven'do em seu favor. e apresentou igual-
mente a sua apologia ao mesmo imperador. Deixou-se persuadir
Adriano pela eloquencia dos dous advogados ~Jo Chrislian!smo , e
mandou suslar a perseguição. ·
Entretanto este imperador, banhado no sangue dos chrislãos ,
havia ue senir á gloria de .Jesu-Christo, tornando-se um novo mo-
nnmenlo da sua just1Ça. A9s seus passados crimes ajuutou elle no-
vas offensas de Dens. Ouzou fazer um lropo das suas infames' de-
Yassidões , mandando, ·-ed.ificar t1ma cidade , que lhe perpeluasse a
memoria. Em o mésmo Juga.r, aonde nos~o Senhor LÚ1ha rcssusci-
líldo. collocou uma estatna _rle .Tupiler , e outra de Venus sobre o
·Cal vario. Em Bethlem ~ mandou plantar um bosque , em honra de
cerla divinda(te não m~nos infame , e consagrou-lhe a grnla, aonde
o Salvador tinha nasci-Oo. Taí1tos sacrilegios' encheram a medida
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OE PEllSE,' ERANÇ.A. 27Ii
das suils iniquidades. Atacado d'urna taciturna melancolia, Lórnou-sl!
Adriano mais cruel do que nunca , e per lo do fim do seu reinado.-.
mandou matar sem motivo algum muitas pessoas de ºdislincçfio. So-
breveio-lhe depois uma hydrop~sia , no mesmo palacío 'de Tibur,
aoude lrnha c,ondemnf:Hlo Santa Symphoroza e seus filhos; e chegou
a tal desespero, que .muitas vezes pedia veneno, ou espada que o
acabasse ; e até offereceu dinheiro , promeltendo a impunidade a
ttuem lhe fizesse aquelle pretendido serviço. Ninguem quiz porem
aceitar a utfcrla. La menta va-se dia e nou~te , por não poder achar
a morte, aquelle Liranno, que a Linha dado a tantos. Por fim con -
seguiu suicidar-se , comendo e bebendo cousas contrarias á sua do-
ença. Foi islo ,no anno 138 de Jcsu-Ch1·islo.
ORA.U.lO.
O' meu Deus , que· sois toclo amor , eu vos dou graças pelas glo-
riozas victorias , que fizestes alCançar sobre o c..lemonio , a S. Igna-
"'cio e Santa Sy~phoroza. Permilli , Senhor , que pa1·ticipemos <l'a-
t]uella fervorosa charilladc , que abráza o coração dos marlires, e
os torna mais fortes que a morte.
Eu protesto amai· a Deus sobre todas as cousas , e a9 proximo
como a mim mesmo, por amor de Deus ; e , em testemunho deste
amur, prometto de viver no 1nimdo conto se estivesse só com Deus.
.. -
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276 c.+.rnClSMO
XII.' UÇÁO.
O CHRISTIANISMO ESTABELECIDO
( JJ SECULO,)
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'UE P~RSEVERANÇA. ~71
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278 CATECISMO
sua mat , e fazem como ella votos sacrilegos , que Lornarão impla-
ca \'els os nossos deoses , se a vossa piedade não cnitfar em appla-
caf,..os, obrigando esla familia. impia ·a render-lhes o culto que lhes
é d<:vido. » · -
Antonino, que era muito supersticioso , respondeu favoravel-
menle ás queixas dos sacerdotes ; e ordenou a _Publio, Prefeito de
Roma, que obrigasse e 'constrangesse Felicidac,le e seus filhos a sa-
crificar aos deuses; era no anno mo de Jesu-Christo. O PrefeiJo
obedeceu ás ordens do imperador , e Úsarnlo primeiro de bra-ndur~,
rogou mui corlezmente á illustre romana quiwsse dirigir-se a sua
casa. Foi ella acompanhada de seus filhos. Acompanhemos peranlr.
o JUIZ a esta mãi tam digna de o ser, e sirva-nos de modêlo o seu
1
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••
Dl!: PERSEVERANÇA. 279 -
o Ceo, tam bello e sublime ~.. E' alia que Jesn-Christo vos espern,
para coroar-vos. Persisli no seu amor, e cornba-lei pela S<.tlvação das
vossas almas.
A estas palavras , Publio mand6u dar-lhe uma bofetada , dizen-
do-lhe com voz terrível : Assim ouzas aqui mesmo inspirar-lhes laes ,
sentimentos; e persuadil-os a desprezar as ordens dos imperadores !
Todavia resolveu fazer um ultimo esforço, foliando a cada Qm dos
Santos martyres separadamente, querendo seduzil-os pela forç,a das .
promessas e ameaças.
Começou por Janêiro, Januario o mais velho dos sele irmãos, mas
não conseguio mais que esta resposta : O que me aconselhais é contra-
. rio a rasão; espero da bondade do meu Senhor Jesus que me pre-
serve de tam grande impiedade. O Perfeito o fez dilacerar com
varas, depois cio que o mandou para a prisão. Felix foi depois éba-
mado _; e instacfo para sacrificar, respondeu : Nós não sacriHc~mos
senão a um só Deus; nunca esqueceremos o amor qne devemos a
Jesu-ChrisLÔ :- empregai todos os arlificios e excessos da crueldade ,
nunca podereis arrebatar-nos a nossa fé.
Fil;ppe entrou no tribunal ; -e Publ10 lhe disse: O ·teu invicto
imperador ordena que sacrifiques aos deo3es immorlaes. Aquelles
a quem quereis que eu saerifiqne, respondeu elle, não são deoses,
mas sim idolos, que servem de receptaculo aos demonios. Levaram-
luo com ,·iolencia da presença do Perfeito, -que branrnva de raiva , e
Sylvano tomou o -lugar de seu irmão. Pnblio lhe diz: Pelo que vejo,
obrais todos de commum acordo com a peor das mulheres ; com essà
mãi desnaturada. - que vos .envenena com seus consrlhos, e vos ins-
pira a desobediencia e impiedade: tremei de incorrer na mesma con-
~lemnação que a espera. SyJvano respondeu : Se fossemos tam fra·
cos , que nos intimidasse a morte , que não dura mais que um ins-
tante ; seriamos ''iclimas d'oulra verdadeira morte~ que é eterna.
Todo aquelle que despreza os vossos idolos , para só servi~ ao ver-
dadeiro Deus, com Elle vi virá elérnamenle ; mas o culto abomina-
vel dos demonios vos prcc1pilará com elles nas chammas do inferno.
Irritado o PPrfrilo com esta sabia lição, mandou .sair o joven
marlyr. Enlrou AIPxandre. Mancebo , lhe diz Publio, a ·1ua sorte
, ,
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280 CAT[ClSlfO
está nas luas mãos , tem pieda~e de ti mesmo, conserva os teus dias,
. que estás na flor da idade ; sacrifica e merecerás ~- protecção dos
deoses ,. e o favor do Cesar. Eu sirvo a outro amo mais poderoso
do que Cesar , respondeu Alexandre , e esse é Jesu-Chrislo. Confes-
so-o com a boca , trago-o no coraç~o, e adoro-o incessantemente.
A ~inba idade , que ''os parece lam tenra , lerá todas as virtudes
em quanto eu for fiel ao meu Deus ; quanto , porem , aos vossos
dcoses, exterminados sejam com aquelles que os adoram l
Compareceu Vital , e Publio lhe fali ou , dizendo : Meu filho, ln
ao menos não vens por, certo , como teus irmãos, buscar loucamen-
te a morte ; tens uma alma bem formada, e por isso preferirás vida
feliz a morte affrontosa; Vital respondeu : E' verdade , ó Publio ,
que eu amo a vida , e para a gozar mais tempo é que adoro a uni
só Deus , e abomino ao dcmonio.
Finalmente Publio ·' tendo mandado comparecer o ultimo irmão,
chamado Marcial , lhe disse : Eu lamento a sorle de teus desgraça-
dos irmãos : e tu , queres Lambem seguir o seu exemplo e desprezar -
como elles as ordens do nosso princ1pe ·? ó Publio , respondeu l\lar-
rial, se soubereis que horriveis tormentos eslam preparados nos in-
fernos, para aquelles que adoram os demonios !.. Ah! reconhecei
que Jesu-Christo é o unico Deus; que todo o universo deve ado-
rai-o ; ou tremei dos eternos castigos que vos esperam.
Acabado o interrogalono, soffreram os Santos marlyres a pena
dos açoutes , sendo depois conduzidos á prisão. Publio desesperando
. de ''encer a sua conslancia , enviou todo o processo ao impera-
dor.
Antonino , tendo lido o inferrogalorio , ordenou que os confes-
sores fossem enviados a differentes juizes, e condernnados a diversos
generos de supplicios. Januario foi morto a açoutes, com discipli-
nas guarnecidas de balias de chumbo. , Felix e F1lippe foram moidos -
a golpes de maça ~ ~ilvano despenhado em um precipício; Alexa·n-
cire, Vital e Marcial , que eram os mais moços, foram degolados.
Felicidade morreu do mesmo modo quatro mezes depois. Todos es- ,
tes admiraveis rnarlyres de Jesu-Christo foram por differenles cami-
nhos reunir-se no lugar, aonde o soberano juiz os esperava, para
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J>E Pf:J\SEVERi\N~. A. • ~81
•
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282 CATEClSM~
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DE PERSEVERA~_Ç.A. 283
~atÍsfdão e _o amor d'aquellcs níesmos , -que injuslamente os perse- ,
guiam ; accrescentando que as torturas não serviam senão de augmen-
lar o numero , e aperfeiçoar a santidade dos (ir.is : depois dislo dá
uma explicação clara e precisa da -divindade de Jesu-Christo, Filho
de Deus e creador de todas as cousas.
'Habitou S. J uslino longo tempo em Roma, applicando-se a ins-
truir aquelles que o vinham consultar ; ou exercitando-se nas vir-
tudes, do Christianismo. Tendo saido de Roma , veio a Epheso, aon-
de encontrou Tryphon. E.,le Tryphon era habil philosopho, e o mais .
famoso judeu do seu tempo. Justino teve com elle uma disP.ula · re-
gular, que durou dous ·ctias. As conferencias se passaram na pre- .
sença de muitas pessoas. O Santo as escreve,u depois, e publicou-as
com o titulo de Dialogo com Tryplwn. Este dialogo contem a pro-
va da -insufliciencia da lei- de Moyses , ê da divindade do Christ1a.:.
nismo.
Mas o · que deu maior celebridade a S. Justino fora1n as duas
- Apologias, que escreveu, da Religião Chrislã. A primeira e mais
impoi:l.ante era dirigitla ao imperador Antonino, o pio, ·e a seus dous
filhos adopllvos :Marco Aurelio ~ Commodo. Nunca os .chrislãos ti-
- nham sido tam eloquentemente defendidos das innumeraveis ·calum-
nias, com que os judeos· e' pagãos tratavam de os denegrir. Esta
primeira Apologia produzio o seu effeiLo. Antonino enviou para a
Asia um rescnpto , pelo qual prohibia se perseguissem os chris-
tãos (1 ). ·
Innumeraveis êalanmlatfes opprimiram o imperio no reinado des- , .
te principe , as quaes Deus permiltia para vingar o sangue inno-
cenle que" derramar~am. Com effeilo , foram as provincias , mais
que o imperaélor, que puxaram da t'spada contra a Igreja ; e assim
foram estas mais parlicularrnenle punidas, em quanto qlfe sobre
aquelle se não mostrou Lam irritada a divina justi~.a.
Por morle d'Anlonino que foi no anno 161 de Jesu-Christo, reno-
1
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1 .
284. CATECISMO
vou-se a perseguição sob Marco Aurelio seu filho adopli voe successo1· (1 ).
Toda a hisloria de Marco Aurelio prova que elle era voluvel, allirn,
egoista e corrupto por systema. A extravagancia do seu espiriLo
corria parelhas ' com a do _seu coração. Foi inin1igo dos cbrislãÓs
por . superstição e por philosophia. Enlão se \'io mu.Jtiplicarem-se
sacrificios, e introduzirem ..se religiões estranlrns, que antes eram des-
conhecidas aos romanos.
Fez elle repetidas diligencias, para obter do Senado que decre-
tasse honras divinas a Adriano , cujos \•idos o lrn ham tornado me-
moravelmente infame. Não parou aqui a impiedade e o desaforo ,
Jlois inscreveu no numero das ueosas a abomioavel Faustina , e lhe
erigio um templo , no qual obrigou os que casassem a ir offorecer
8acrilicio á pretendida deosa (2). Na m_orle de Lucio Vero, seu col-
lega, cujo nome causava horror a todos os bons, forçou 0- Senado
a honrai-o como a Deus. Tanto é cerlo que fóra do Christianismõ,
as mais bellas virtudes ·não são mais do 'que apparcncias vãã·s.
(1) E' engano affirmar que Marco Aurclio aão linha publicado ne-
nhum cdicto de perseguição contra os chrislãos. Nas nelas de S. Sym-
phoriano qu~ t'odos os bons cnticos collocam no tempo desle imperador ,
o juiz fez ler o seguinte decreto. - O imperador Aurclio a lodos os scns
admioi'llradores e ofiiciaes. - Nós somos informados que aquclles qµe em
nossos dias se rharnarn christãos violam as ordenações das leis. Pelo que
mandamos sejam pretos , e se não sacrificarem aos nossos dcoscs, puni-
os com di,·ersos su pplicios : de tal -modo com tudo qne a justiça ande a
par da severidade, e que o casLigo acabe quando acabar o cr~me. Acl.
S. Sy~phor; D. Ruinart., H, Aug.
(2) Faustma, filha de Antonino excedcn ainda a, sua mãi na d1s~
solução dos costumes e crupulosa lihcrtrna-gem. Persuadiram muitas ,:c-
zes a Marco Atfrelio, que a repudiasse. Isso é rnuilo bom , respondia o
tam gabado philosopho ; ruas se cu repudiar a mulher , preciso Lamhcm
restituir-lhe o dote. Ora, este dote era · o impcrio· - Si uxorc1u dimilli-
mus, rcddamus et dole:u foi. capit. n.º rn.
1 '
- / .
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lH~ l'RRSKV-ERA~ÇA.
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1 I
286 • CATECISMO
" ..
Ruslico : A que scíencia te applicas tu ?..•
Justino : Tenho cursado .todas as scicncias , mas não podendo
por citas descobrir a verdade , esludei a philosophia dos chrislãos .
que é a unica verdade, embora não se1a do palada-r d'aquelles, qiie
a leem por um erro.
Rustico : Pois que ! miseravel , tu segues essa donlrina? ...
Justino : Tenho nisso muita gloria , porque ella me d-à a vanta-
gem de c.slar no caminho da verdade.
Ruslico : Quaes são os dogmas dos ,christãos?
Juslino: Nós, os christãos, crêmos em um só Deus, Creador
de loclas as cousas visíveis e im·isiveis, em Jesu-Chrislo, nosso Se-
nhor , Filho de Deus , predito pelos prophetas , aulbor e pregador
da Salvação , e juiz de Lodos os homen~. ·
Rustico: Aonde se re~nem os christãos ~
Justino : Aonde querem , e aonde podem.
Rustico: Qu<'ro saber aonde reunes ~os teus discipulos.
Justrno : Tenho habitado até agora nos banhos de Timotheo, so-
bre o monte Viminal, proximo da casa de um chamado Martinho.
Quando alguem me procura, ensino-lhe ~ doutrina da verdade.
Ruslico : Logo , tu és chrislão ?
Justi~o: Sim , eu o sou.
O Juiz , tendo feito a mesma pergunta aos outros accusados ,
todos responderam firmes ~ Sim, somos christãos. Então "Voltando-se
para Justino, disse-lhe: Escuta : tu que fazes de orador, e presumes
de sabio , quando eu te tiver feito dilacerar o corpo com um azorraguc .
desde a cabeça até os pés' , entendes que irás ao Ceo n'esse es_latlo ?
Justino: Sim , se eu soffrer o marly,rio que dizes, espero rece-
ber a recompensa que Já tem · recebido aquelles , que observaram
os .preceitos de Jesu-Christo ..
Rustico: Como assim ? pois imaginas que , alguma recompensa lc
espera no Ceo?
Justino : Não o imagino , eu o sei , e d'isso não ·tenho a menor
duvida.
Rustico : Deixemos· essas cousas; vamos ao que importa ; ajnn- .
tai-:.vos lodos , e sacrificai aos deoscs. -·
Justino, fatiando em nome de lodos : Jamais homem de juiw ,
•'
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DE PERSEUIUNÇA. 287
abandonará a verdadeira Religião , · para seguir a impiedade e o
erro.
Ruslico : .Se não obedeceis , contai que sereis lralados sem mi-
ser1cordia. . _
Justino: Nada desc~Jamos tan~o como soffrer por Jesu-Chrislo;
nosso Senhor. Os tormentos trarão mais breve a nossa __felicidade ,
e nos inspirtirão COf!fiilnça - n'aquelle tribunâl , aonde todos os homens
hão-de comparecer, para serem julgados ~ Então os confessores clamaram _
......
todos a uma· voz : E' inulil demorar-nos mais tempo. somos chrislãos, e
nunca sacrificaremos aos idólos.
O prefeito, vendo . . os inalaveis, pronunciou esta sentença : Or-,
denamos, ·que aquelles que não quizerem sacrificar aos deoses , e
- obedecer ás Q_rdens do imperador, sejam açoulados com varas, e con-
duzidos ao lugar do supplimo , para ahi se lhes cortar a cabeça.
Chegando á praça das execuções , os santos marlyres consum-
maram - o seu sacrilicio, louvando a Deus e confessando a Jesu-
Chr isto até o ultimo suspiro. Alguns chrislãos le\'3ram a occultas
os seus corpos , , e os enterraram_ honrosamen~e.
Por toda a parle, aonde apparecia o inimigo dG Cllrislia- -.~
nismo , e_ncontrava corajosos albletas, quo o cobriam de vergonha
e confusão .
.Voltemos a . Smyrna , aonde ha pouco passamos com o grande
S. lgnacio , quando vinha lriumphar do demonio na capital do seu
mesmo imp_erio. Já vimos s. PQlycarpo , Bispo d'aquella cidade ,
beijando respeitoso as cadeias . gloriosas do futuro marlyr ; pois lam-
bem lhe ~hegou a elle a bora, de pisar o ensanguentado trilho do
seu illuslre cnudiscipulo:
Polycarpo , convertido em -tenra idade ao Christianismo , teve
a ventura de con\'ersar com os proprios Aposlolos ~ e de beber o
espirilo do divino ~eslre pelas inslrucções delles. S. João Evan-
gelista o ordenou Bispo de Smyrna , e elle se tornou o,, oraculo das
Igrejas da Asia. Acendendo-se a perseguição, mmtos christãos foram
.levados a Smynía, para serem supplictad1Js. Do numero destes foi um -
mancebo chamado Germanico , que se dislinguio dos demais. Instou
com elle o Proconsul , já me~m·o sobre o amphithealro , a que ti-
vesse . picd~de de si mPsmo , considerando que estava , na tenra flor
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• • CA1'EC1SMO ~
tia idade. Não respondeu o :Marlir, mas cheio d(l impaciencia, ar~
rojou-se ás açanhadas , foras ~ para mais prestes sair do mundo ini-
qno para a morada da justiça.
O povo irritado e surprehenílido da co'râgem heroica de Germa-
nico , e dos seus companheiros, começaram a gritar lodos a úma yoz :
,- Acabem com os impios , acabem com os ímpios, procurem a· PoJy-
' carpo.
- Não· era S. Polyc~t·po _homem que tetnesse a morte, mas ce-
dendo aos rogos dos seus amigos , estava retirado no- campo , em -
ama casa pouco chslante da cidade aonde loda a sua occupação era
orar noule e dia : não lardou a ser descoberto; Herodes, ~ irenacba (J)
de Smytna .(2)·, em·iou de nôute soldados· de cavâlleria com
ordem de investir a casa aonde . Polycarpo se alojava. FaciJ seria
ao Santo evadir-se ; .mas não o quiz , antes elle mfsmo se apresen-
tou aos soJclados, dizendo: « Seja feila a vontade do Senhor. »
D-eu-lhes de comer e beber quanto quizeram , e só lhes pedio algum
tempo para orar , o que Jhe foi con~edido. Orou de pé , com os ·-
olhos e1evado5; para o Ceo , pelo seu rebanho e por todas as lgreJas
do mundo. A sua oração durou mais de duas horas, e a fez com
lal piedade , que muitos dos soldados se arrependiam de ter ''indo
prender um velho tarn veneravel.
Chegado. em fim o momento de ·se pôr a caminho, caminho
que o Jevava ao :ceu·, fizrram-no montar sobl·e um jumento, e assim
foi conduzido á cidade~ A pouco espaço encontraram um carro, em
que · montava o irenarcha Herodes, e seu pai Nicelas; os quaes con-
vidaram. co1'lezmente Polycarpo a ir com ell.es , e trataram d~ o
seduzir, dizendo-lhe repetidas yezes : Que mal pode ba\'er em dizer:
Senhor Cesar, ou alé mesmo sacrificar, para salvar a vida? O San-
-.
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DE PERSEVERANÇA. 289
to guardou silencio, mas tanto o apertaram ·, que por f1-m respon-
. .deu : Nunca farei isso que exigis de mim. A estas palavras o co-
briram d'injurias , e o anrojaram tam asperamente a pontapés pela
carroça fóra, que cabio e quebrou uma perna. O Santo velho não
se ressei1L:o , ·alegremente continuou, como se nada tivesse soffrido ,
e deixou-se conduzir ao amphilheatro. Logo que· alli entrou , ou·
vio uma voz do ceo qué lhe di3se : Animo· Polycarpo 1 Os chris-
tãos ' que estavam presentes ouviram aquella voz ~
Levaram o Santo B(spo para junto do tribunal do Proconsul , o
qual lhe disse : Jura pela fortuna do Cesar , e terás a liberdade ;
maldize ao leu Christo. ·
Polycarpo : Ha oitenta e seis annos , que o sirvo,. e elle nunca
me fez mal ; pelo contrario me tem feito mil bens. Como hei-de,
- pois , maldizer ao meu rei , áquelle que me salvou ? .
Proconsul : Dá conta a este povo da tua crença.
Polycarpo : A ti a darei; porque a Religião nos ensina a tri- -
bular aos poderes da terra a honra,. que lhes é devida,· e que não é
incompattvel com a que devemos a Deus ; mas quanto a este povo, _
esse não é meu juiz , para que me justifique perante elle.
Proconsul . com voz severa. Sabes tu , que eu tenho feras , e
.que te lançarei a ellas, se não desistires? ...
Polycarpo : Manda-as desaltrelar, que eu não rn~do 'do bem ·.
para o mal. -
Proconsul : Se não temes as feras , mandar-te-hei queimar
vivo.
Polycarpo : O fogo com que- ameaÇas , queima por um mo-
mento ; oull·o, porem, que tu não conheces, e que o supremo juiz -·
acenJe para consumir os impios , esse nunca se extingue. Eia ,
pois , que esperas ? faze o que melhor te parecer.
Quancto o Santo pronuncwu estas palavras uma luz celeste res-
plandeceu em seu rosto. O mesmo Pr.oconsul ·ficou suspenso. To~
davia não deixou de ordenar a ullima formalidad~, que se pratica,·a
nos julgamentos cr1minaes , mandando apregoar tres vezes, por um -
arauto, em todo o amphitbeatro : Polycarpo persiste em confessar que
é christão. Depois deste pregão , a mull1dão dos pagãos e judeos
bradaram de chusma , com vozeria .horrivel : Esl0' é o pai dos
. 37 VI
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'~90 CA TF.CIS~IO
'-
- -chrisUfos , é o doutor da Asia , é o deslruidor <los nos~os deuses ,
ao leã-o com elle ! Disse-lhes o Proconsul , que o não podia ; por
que os combates das feras estavam acabados. Eolão todos outra vez
clamaram: Queimem-no, queimem-no vivo. E ao mesmo t.empo ,
saindo em tumulto do amphilheatro. correm aos b~nhos , ·destroem
as officinas , e arraslram quanto possa servir para acender a fo-
gueira. Os judeos eram os que mais trabalhavam. Preparada a fo-
gueira , Polycarpo tirou e seu cinlo e a sua tunica ; depois cur-
vou-se para descalçar-se , ao que não .eslava costumado, porque os
fiei~ lhe tinham tanta veneração , que era a qual primeiro lh'o fi-
zesse .• só por ter a ventura de o tocar.
Como os algozes lratas~em de o ligar ao poste , com cadeas de
forro , segundo o costume , elle lhes disse : Isso é precaução inulil ;
aquelle que me concede a graça de soffrer o fogo , me dará lam-
bem força para ficar firme sobre a fogueira. Então se limitaram a
hgar-lhe as mãos atraz das coslas. Neste eslarlo subio á fogueira ,
como ao altar, em que se ia offerecer a Deus, como victima esco-
lhida do reb~nho. Alevantando depois os olhos ao ceo, disse eslas
palavras , que foram as ultimas que pronunciou : Senhor Deus omni-
potente, pai de Jesu-Christo, vosso filho muito amado, por quem
havemos recebido a graÇa de conhecer-vos, Deus dos Anjos e dos
Archanjos, Rei soberano do ceo e da ter..-a , Proleclor de toda a
naç.ão dos justos que vivem na sua presença, eu ,·os dou graças ,
que sendo como ~ou o menor dos vossos servos • me ba veis achado
digno de aproximar dos meus Iabios o calix, de que Jesu-Christo
mesmo quiz beber. Recebei-me hoje , pois , na vossa presença ,
como victima de agradavel cheiro. Antes que o dia acabe, Yere1 o
· cumprimento das vossas promeças; e é por isso que vos louvo, bem-
digo , e glorifico pelo Ponlifice eterno, nosso Senhor Jesu-Christo ,
vosso bem amado filho • com o qual a gloria vos seja e ao Espi rito
Santo, agora e por todos os seculos. Amen. _·
Apenas tinha acabado a sua oração; quando as chammas, sa-
mdo da fogueira -em turbilhões, pareciam subir até ao ceo. Mas ,
Deus , querendo honrar o seu servo diante dos homens , fez um
milagre , cuja ·novidade maravilhou quantos o presencearam ; e se
publicou como monumento do poder do Senhor, e da Santidade do
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DE PERSEVERANÇA. '291
seu minisfro. Os lurbilhõcs ~ de labaredas, curvando-se ·em arco, e ..
estendendo-se para a direita e esquerda , representavam uma vela
, ele navio enfu_nada pe~o vento. Esta abobada de fogo , suspensa nu
ar , cobria o Santo marlyr , sem que a menor faisca ousasse locar
nos seus vestidos. O seu sagrado corpo estava no centro, como o
ouro- ou a prata , quando sae do crisol , e dérramava fragrancia
igual a de preciosos perfumes.
A1.tonitos ps perseguidores, ordenaram a um bestiario (1) , que
fosse de perto verificar a verdade _do prolligio , ao qual, como con-
firmasse o milagre , mandaram cravasse um punhal no peilo do Santo.
Assim o fez, e no mesmo instante o sangue correü em tanta abun-
- dancia , que apagou o fogo. Foi assim que Polycarpo, Bispo e dou-
tor ·da Santa Igreja de Smyrna ,' consummou o seu sacrificio. -
Os auclores das suas aclas continuam dizendo : « Recolhemos
'lepois as relíquias do Santo , mais 'preciosas que o ouro·, e as pe-
drarias ; e as pozemos em lugar conveniênte , no qual esperamos ,
pela graça tle Deus, ajuntar-nos, para celebrar o dia do seu nascimento.
Nós vos enviamos, dizem elles aos fieis de Philomelia , pelo. nosso
irmão Martiniano, a exacta relação de tudo quanto- se passou nesta
preciosa morte ; participai-o ás demais Igrejas; a fim que o Senhor
seja bemLlito ~m Lodos os lugares. .Saudai.. lodos os Santos ; os que
aqui estam comnosco vos saudam. Evaristo, que esta escl'eveu, igual-
mente vos -sauda com toda a sua famili!:l.
« O nosso pai soffreu o marli rio aos 2õ de Abril , ás duas ho-
ras depois do meio dia ; foi pr~so por Herodes , sendo Proconsul
, Slacio Quadralo. Esta foi lranscripla da copia de lrllnéo , disCipulo
de Polycarpo. Mil acções de graças sejam dadas a Jesu-Chrislo, nos-
so Senhor , a quem pertence a gloria e o poder por toda a eterni-
dade. Amen. ))
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292 CAUClSMO
... OBA.Ç.lo·
O' meu Deus l que sois todo amor , eu vos dou graças por
nos haverdes dado tam illustres testemunhas da nossa fé. Permitli ,
Senhor , que a defendamos como S. J uslino , e amemos a nosso Se-
nhor como S. Polycarpo.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao p1~oximo
como a mim mesmo , por amor de Deus ; e , em testemunho deste
amor, prometto fazer bem _áquelles que me fizerem mal .
. '
-.
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DE 11 1-:nSEVEl\ANÇi\.
XllI.8 LICÃO.
~ .
O. CHRISTIANISMO ESTABELECIDO.
(II SECULO.)
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CATECIS~IO
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DE PERSEVERANÇA.
<< Jámais alcanç.arão nossas palavras , dizem os auctores lia car-
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296 CATECISMO
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,
DE PERSEVERANÇA.
a atormentaram desde o nascer do dia até á noute. Todas as vezes
que lhe mudavam de supplicio , recobrava no'vãs forças ~ pronun- ,.
·ciando o sagrado nome de Jesus, e dizendo : Eu sou-·christã, entre
n;ós não -se commettem crimes. Estas palavras lhe amolgavam o
. soffrimenl.o, -e a torBavam como insensivel á dôr.
Do mesmo modo; o Diacono. Santos sofft·eu com paciencia sobre-
humana , tormentos inauditos. A cada pergunta .. que lhe faziam ,
respondia t Sou christão.. Entretanto o· governador e os algozes es-
-· pnmavam de raiva. Depois das mais exquisitas crueldades, que po-
deram imaginar, ·applicaram-lhe chapas de lat~o em braza ás parles
mãis sensiveis do corpo; ma.s o martyr, confortado por graça es- ·
'pecial; perseverava ~nvicto na profissão da fé. Deixaram-no socegar
cm lim , até que alguns dias uepois foi posto, a nova provação. Re-
parando os· pagãos, qué lhe trnha vindo uma inflammação por todo o
corpo , de tal sorte que elle nem podia soffrer que se lhe tocas·sa.,
imaginaram que facilmenle alcançariam agora o finÍ de o vencer,
se lhe rasgassem as ulceras , ou que no menos espiraria no torme~lo,
. o que faria medo e ª~balo aos outros. Frustrou-se-lhes porem a es-
. perança ; por que quando isl'o meditavam ; o corpo do Santo, com
geral espanto dos espectadores recobrou as forças e o uso dos membros.
Dest'arte , por milagre da graç.a- de Jesu-Christo, a cogitação
oruel de lhe redobrar os soffrimentos , foi occasião de lhe causar
uma porfeita cura.
« J ulga-va já, o demonio que tinha segura a desgraçada Biblis ,
uma das dez que renunciaram ~ fé ; e quiz augmentar o seu crime
e castigo, obrigando-a a calumniar os christãos. Como ella era de
caracler fraca e timicla contava que, dando ..Jhe tratos, a faria dizer o
que elle quizesse ; mas errou o calculo,_' porque produziram o effeilq
contrario. Biblis,, como qúe despertando d'um lethargo , e conside- '
rando, por -Um transitório supplicio -, o q,ne havena de soffrer nos
- supplios -eternos, de repente exclamou : O' - malvados! como_ pode-,
reis ~ccuzar aos christãos de comer . a -carne d'um· menino, ·qt!ando -
lhes não é permillido nem tocar n-0 sangue dos animaes? (1) »
(t) Os chris-tãos seguiam ainda.a lei dada a este respeito pelos Apos- ,
tolos - Act. XV ~().
38 . VI
____ ____-_
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,_,_
298 CATECl-SMO
http://www.obrascatolicas.com
l>E PEUSEYERANÇA. 299
momento , e que immedialamente eram execulatlos pelos algozes.
Depois de terríveis supplicios soltaram as feras , que os arrastaram
em redor <lo amphitheatro sem os devorarem. Por ultimo pediram
os espectadores a uma voz que os assentassem em cadeir~s de ferro
em braza. A.s carnes queimadas enchiam lodo o amphilhealro de lam
horrendo cheiro , que ninguem o poderia supportar, a não ser aquelle
povo Jernz , a quem era delic10so. Com tam crueis tormentos, não
puderam arrancar ao Diacono Santos outras palavras senão estas. « Eu
sou chl'islão ! E como elle e Maturo ainda luctassem com a morte, os
degolaram por Hm , e assim terminou o esprctaculo d'aquelle dia.
Seguio-se apos estes Blandin_a ; a qual ataram a um poste, para
ser devorada das feras , a cujo furor · esteve a Santa por algum tem-
po exposta , sem que nenhuma ousasse tocar-lhe. Então a desataram
e levaram á pri~ão, reservandõ-a para outro combale. Desl'arle uma
fraca e Jlobre escrava , fortalecendo-se em Jesu-Christo , desconcer-
t u toda a mahcia do inferno , e por sua inabalavel conslancia
mereceu elevar-se a uma gloria immortal.
(e Altalo foi trazido depois , e como era homem notavel, o ~ovo
pedio a grandes vozes, que queria presencear a sua mor.te. Nós todos
o linhamos em muita·consideração. Entrou ·elle com ar rnagnanimo
no campo da batalha, fizeram-no andar de roda do amphilheatro, levando
anle si um rotulo com estas palavras: Attalo cltrislõo. · O porn não
cessava <le pedir u sua morte , mas o governador, sabendo que elle
era cidadão romano , remelleu-o. á prisão com outros martyres ; e
escreveu a Marco Aurelio pt1din<lo-Jhe as suas ordens.
« No entretanto os Santos martyres nos davam o exemplo éle
todas as virtudes : não nos cançavamos de admirar a paciencia , ,
mansidão e dignidade com que fallavam aos pagãos. Não accusa-
~· · vam a ninguem , a lodos desculpavam , , e semelhantes ao primeiro
marlyr da Igreja, oravam pelos seus perseguidorrs, e pediam sobre
ludo por aquelles ~ que tinham tido a desgraça de fraqueal' no com-
:Qale. Deus ouvio os seus 'rogos, e ltvemos a consnlação de ver
nquelles generosos penilenles confessar a Jesu-Chrislo, e entrarem 5 0-
luntariamenle em o numero dos martyres.
Entretanto · chegaram as ' ordens do imperador -; ordenando se
executassem sem demora aquelles que presislissem na confissão da
~ ,
'·
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300 CATECISMO
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DI~ PERSEV-ERA:'iÇ.A. 301
cnv'iantlo-os diante de si ao rei dos -Ceos. Passando depois pelas
mesmas provas, via chegar com alegl'ia o momento de se unir com -
elles na mesma gloria. Foi flagellada , dilacerada pelas feras, e as- ,
sentaua na cadeira candente ; depois do que , mettida em uma sac-
ca de rede, a expozeram a urna vacca brava e ciÓsa ·, que com as
pontas a poleou aos 'ares por longo tempo. Alfim a degolaram.
Causou pasmo aos mesmos pagãos a paciencia e valor d'aquella
martyr , chegando a -c-onfessar que nunca entre elles houve mDlher
que supporlasse tam extraordinaria e lon~a serie de tormentos. Du- , _
ranté a perseguição de Marcó Aureliõ, o numero dos marlyres que pade-
cerem em Lião chegou a desanove mil.
A'vista do denodo, fervor e coragem de tantos santos confesso-
res , de toda a idade e condi~ão , que diremos da uossa tibieza e
intlifferença? - · ·
De ~myrna viemos ás Gallias ; acolá assistimos ao triumpho de
S Polycarpo ; aqui, ao de innumcraveis marlyres , que sel'ão para _
sempre gloria de Deus, e opprobr10 de seus inimigos. Breye tor-
naremos a esta cidade , verdadeira Roma das Gallias, aonde teremos
que registrar novos prodigios ; e., entretanto ,_façamos uma digressão ·
a outra cidade , visinha e rival desta outr'ora; Antun vae offere-
cer-nos o seu heroico marlyr.
Sylllphoriano , de familia· christã e illust.re , distinguia-se · entre
os seus concidadãos -pela~ vastidão dos- seus oonhecimentos , e suas
est1mav.eis qualidades. Estava elle na flor da idade, quando fez a
Deus o sacrificio da sua vida." Seu pai, pór nome Fausto, foi celebre
pela sua nobreza , mas ainda o foi maiSI" pela heroicidade de seu
fi!ho. Anlun ·, ci1lade antiquissima, era das mais celebres das Gal-
lias, mas ao mesmo tempo das mais supersticiozas. Em. certo dia·
do anno saia pelas ruas da cidade, em carro magnificamtmte ornado,
./
a cslatua de Cybele, lambem chamada a mâi dos deoses e a boa
d~osa. Concorria gra_nde m'ultidão a esta sacrílega - ceremonia. Sym-
phoriano, como não adorasse o idolo nesta ., occasíão , foi prezo pela
turba, e conduzido perante Heraclio , govrrnador da provincia , que
estava então na cidacte, aonde tinha vindo para pesquizar dos cbris-
tãos. . .
- _ Assentou-se Heracl!o no tribunal, 'e interrogou· o santo por e.sle 1 ' -
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302 CATECISMO
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..
DE N:nstVEIUNCA. -3oa
'/
do-o depois _ao carcere. Passados dous dias , compareceil de novo
Svmfhoriano.
... . .. .
--neraclio : Considera quanto serás mais prudente servinde os
deoses immorlaes, pois teras uma gratificação do lhesouro publico,
_e receberás um posto honroso no exercito. Eu vou mandar_ ·enfei-
tai- de flores o altar , para offereceres aos deoses o incenso que lhes
é devido. ·
Symphoriano : Um magistrado, deposilario da auctor1dade do
principe, e encarregado dos negocios publicos , não dev,e perder o
tempo em discursos inulcis.
Ileraclio : Ao menos sacrifica , a Om de gozares as honrns que
te esperam na corte.
Symphoriaóo : Um juiz avilta a sua digRidade, quando se serve
do poder, que ella lhe confere, para urt.lir )aços á innocencia. Of-
fereceis-me em taça d'ouro· o licor . venenoso; mas eu repulso todas ·
as vantagens , que se me offereçam por oulra mão que não seja a mão
. adoravel de Jesu-Christo. Só elle pode dar uma felicidade verdadeira.
Heraclio: Esgolas-me emfim a paciencia. Ou sacrifica, ou le
farei cair a cabeça aos pés da boa deosa.
· Symphoriano : Eu temo ao Deus omnipolenle, que tne deu o ser
e a vida ; a elle só adoro. O meu corpo eslá nas -vossas mãos ,
mas o vosso poder não será de longa duração, a minha alma não
Yos eslá sngeita nem ao vosso tribunal.
Não pôde o juiz conter por mais tempo a sua colera , nias
cheio de furc,r pronunciou esta sentença. Declaramos Symphoriano
culpado do erime de Leza-mageslade divina e bümana , tanto por
ter recusado sacrificar aos deo~es , como por fallar delles com pouco
:respeito.; para· cuja _reparação o condemnamos a moner pela espada
vingadora dos deuses··e das leis. »
O Santo ouvio pronunciar a sentença com alegria. Como fosse
conduzido ao supplicio , sua mãi veneravel por sua idade e virtudes .
o exhorll!va do alto uos muros da cidade, a morrer como verdadeiro
soldado de Jesu-Christo : Meu filho lhe bi=atlava ella , Symphoriano,
meu filho , lem aninio ! Lembra-te do Deus vivo ; olha para o Ceo,
e considera aquelle que alli reinà. Não receies a morlê , que por
ella vaes entrar na vida eterna.
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30i CATEClSMO
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DE PERSEVERANÇA. 305
on~vxo.
'
O' meu Deus , que sois todo amor , eu vos dou graças por ha·
verdes eslabel~cido a Religião , apezar de todos os obstaculos ;
mostrando-nos ainda por este modo, que ella é obra vossa. Dai-nos,
Senhor ~ a fé , e constancia dos martyres , a fim que possamos re-
1
sistir como elles a todos os inimigos da nossa salvação.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo, por amor de Deus ; e , em testemunho d~ste
amor , direi constantemente como os martyres. Eu -sou christão !
.·
http://www.obrascatolicas.com / I
30ft C..lTIC1Sll()
XIV.ª LIÇÃO.
O CHRISTIANISMO ESTABELECIDO
(III SECULO.)
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DE PERSEVER!N~A.. 307
ludes todas. Comt'ça a lucla : os editos de proscripção , as calum-
ni as , as injurias chornm sobre a Igreja como espesso granizo : atten- .
damos , para que o nosso coração tome parle no combate.
N'este momento apparecem dous homens destinados a suster .o
peso do inimigo. Veem-se alternadamente já nos tribunaes, aonde
se julgam os christãos , já nas academias dos pbilosophos, e assem-
bleas dos hereges , defendendo com energia a mnocencia de seus ir-
mãos, e pulverizando o erro: estes dous homens são Te1·tulliano e
Origenes. -
O primeiro tinha nascido em Carthag-0 " pelo anno 160. Era
filho de um centurião das tropas proconsulares da Africa. A cons-
t:ancia dos marlyres lhe tinham aberto os olhos sobre a falsidade do
paganismo , fazendo-se por isso christão. _ Pouco depois, sendo ele-
vado á dignidade do Sacerducio por causa das suas virtudes e sa-
ber, partiu fie Carthago para Roma, e crê-se que foi nesta ultima
cidade, ··que elle publicou a sua obra a favor dos chrislãos, que
tem por titulo Apologetico , durando a perseguição do imperador
Se, ero • pelo anno 202.
1
308 CATECISMO
http://www.obrascatolicas.com , 1
DE PERSEl'ERANÇA. ao!l
tio-se aos innovadores diz-Jhes : « Quem ~ois vós ·?.. donde vindes'!
Vós sois d'honlem, honlem mesmo nascestes, pois antes d'"esse dia
não ereis conhecidos. Eu alcanço-vos no primeiro passo. diz a Igre-
ja· Catholica. Eu existia anles ele vós, existo desde Jesu-Christo;
e fui eu que transmilti ao universo as suas li~ões_e as dos seus Apos-
tolos. Quanto a vós, recem-nascidos d'hontem, que fazeis em minha
casa não sendo dos meus? Com que direito , ó Marcião , melles a
fouce na minha seara? quem te deu licença ó Valentim , de mu-
-:- dares a direcção das minhas agoas f' quem te auctorisou, ó Apelles (1)
a deslocar os marcos do meu campo? como ouzais pensar e viver
aqui a vosso arbilrio? estes bens pertencem-me. Eu estou de posse
de11cs ha muito tempo ~ tenho a posse antiga; descendo dos anti-
gos possuidores , e provo a minha descenclencia por tiLulos authen-
licos (2). )} .. Estes lilulos são a succcssão nunca interrompida dos , 1
nossos Bispos a!é aos Apoetolos, e a uniformidade da sua doutrina 1
,1
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310 C!TKCISWO
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Di PERSEVERANÇA. 311
Ao. passo que Tertulliano sustentava a çausa do Chrislianismo
.no Occillente , o. celebre Origenes a defendia no Oriente. Este gran-
de homem, filho do Santo martyr Leonidas-, nasceu em Alexandria
em 185. Excedendo em genio lodos os homens da sua epocha ,
Origenes abrangeu todas as- sciencias. Aos desoilo annos foi encar-
regado da eschola lias catechescs de Alexandria ; a qual era des-
tinada a iniciar os neophitos nas verdades da fé. Origenes era ad-
mirado e respeitado de todos pelo seu saber. De toda a parle o
.linham consultar. e não -tardou que se visse seguido de grafllle
-numero de discipulos. Da sua eschola sahiram os doulores'e padres,
que depois esclareceram a lgr•eja com $Ua scienria ; e os marlyres,
que a confirmaram com o seu sangul'. Era lam amante da pobreza
como <.lo estudo. Andava descalço , e abslinha-se do uso de carnes.
'
12. 0 IÍHO da idolatria; no qual trai a dec1são Jc muitos Ci\SOS
de coosciencia , a respeito do culto das falsn dh·in(tadcs.
13. Os dois livros dos ortiametilos ou vestidos das mulheres : onde
rerommeoda muito a modestia no vestido ; e seHramcnle crimina o uso
de arrcbiqucs.
14. O liHo da necessidade de se recatarem com o teo as virgen.v.
Tcrtulliaoo mostra como as donzcllas moças devem cobrir o rosto na
Igreja.
15. O livro do _Te.stimunho da alma. O fim do aurtor é provar 'IUC
não ha se.não um só Deus , pelo proprio testimunho da alma de cada ho-
mem.
f 6. O livro intitulado Scorpiaco, esmpto para pre,·cnrr os fieis
contra o veneno dos Scorpiões ou Gnosticos.
17. E'xhorlação á castidade. Neste desria Tcrtulliaoo uma viu''ª de
passar a · segundas nupcias , amda que cooíessa serem 1>crmillidas.
Depois da sua quecfa ; Terlulliano escreveu , I .° Ciuco horas contra
Marciano, 2. º o Tratado da alma de Jern -Christo, 3 .º Da· /lessurreicão
dn Carne, 4.. 0 /)a Corôa do soldado, 5. 0 -A apologia do manto filosoftco,
isto é do habito e trajes dos lilosofos, que muitos tinham e criam não
- dever abandonar depois da sua con,·crsão, 6.º O livro á Scapula, 7.º
os escriplos contra Praxéas, 8.º os livros da pi1dicicici, 9.º da · ft1gida
durnnt1 as perseguiçqes, do jej11m e da monogauua.
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_ 3U CH~CISMO .
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- I
/
DE PEUSEVEI\ANÇA. 313
A Providencia , q'1e linha opposto , no momento opporluno, os
apologistas da ·verdade aos campiões do erro, sustentava com igual
resultado . a ·guerra, que os tirannos armados com a espada faziam
ao Christianismo.
Os marlyres se apinhavam _em multidão perante os tribunaes,
e o seu sangue , conslancia e solida virtude respondiam a tudo.
l..ogo no anno 200 , renovou o imperador Septimo Severo os edictos
da perseguição : a sua crueldade , lhe mereceu o titulo de liranno.
Possuia elle algumas boas qualidades mas eram sobrepujadas por to-
dos quantos vicios pode ter um homeni detestavel : era velhaco, dis-
simulado , mentiroso, perfido , perjuro , avarento, egoista, iracundo
e cruel. Havendo as guardas preterianas posto o imperio a lanços,
foi rematado por Didio Juliano. Severo, então governador da Illi-
ria , fez revoltar as suas tropas , veio a Roma , desfez-se dos seus
competidores , mandou matar ou desterrou muitos senadores, cujos
bens conllscau ; e passando ás Gallias , derrotou Albino, governador
da Grão Bretanha. Vindo ' examinar o campo da batalha, e vendo o
corpo do seu inimigo estendido morto, atropellou-o e pizou-o aos pés
do seu cavallo. Usar assim da vietoria, prova quanto elle era indigno
~ de vencer. Pouco depois mandou matar a mulher .e filhos de Al-
bino , e lançar seus cadaveres no Tibre. Tendo Jido os papeis des-
te desgraç.ado, fez morrer a todos os qut' tinham seguido o se11
parLido. As primeiras personagens de Roma, e muitas damas de ·
distincção foram envolvidas nesta carniceria.
Sob o podér d'um principe deste caracter não podia deixar de
correr, como logo correu a jorros o sangue christão , em todas as
Igrejas do mundo. Em primeiro Jogar apparecem duas heroinas
para sempre celebres nos fastos da Religiãà, · a saber : Santa Per-
petua e Santa Felicidade. Perpetua mesma foi que escreveu a his-
toria do seu martyrio. Ouçamos com particular attenção o seu re-
latorio , escripto no proprio .carcere, na vespora do seu supplicio.
Aos 7 de Março do anno 203 , o proconsul Firminlano (1) fez
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314 , CA TEC1Sl!O
·,,
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llF. PERSE.vERAt\ÇA. 313
Le neste dia , tanto pelo calor da multidão, como pela insolcncia
dtls soldados, que nos guardavam. O que me causava mais pena
er~ o não ter o meu filho; mas os bem-aventurados diaconos Ter-
tio e Pomponio , que nos assistiam , conseguiram á força de dinhei-
ro, que nos pozessem algumas horas em um sitio, onde podessemos
respirar. Em quanto cada um pensava nos seus negocios, amamen-
tava eu o meu ·filho, que me haviam . trasido; roguei a minha mã1
que o tornasse a seu cuidado, e consolei-a bem como a meu irmão.
Eu mesma eslava penetrada de dôr , Hndo a que lhes causava.
Passei muitos dias nestes trances, mas tendo obtido, que me'deixassem
o meu filho -na prisão , achei-me consolada , e pareceu-me a prisão
uma habitação agradavel, sendo-me indifferente estar alli ou em qual-
quer oul.ra parle.
« Um dia, disse-me meu irmão: Eu sei, Perpetua, que és mlíilo
aceita de Deus ; pede-lhe, p01s , eu to rogo, que te dê a conhecer
por alguma vizão , · se terás de soffrer o martyrio , e dize-mo de-
pois. » Comi) eu sabia , que Deu_s me dava cada ,dia mil signaes
da sua bondade , respondi com confiança a meu irmão : ámanhã
saberás o que hade acontecer. Conjurei , pois , o Senhor, para que
me desse uma ' vizão , e eis-aqui a que tive.
Vi uma eseada , tle prodigiosa altura , que cbegaYa da terra ao
· Ceo ; mas tam estreita , que não podia subir senão uma pessoa de ·
ra1Ja vez : . ambos os lados estavam erriçados de lanças , espadas , ,
ganchos e cutellos ; de sorte que todo aquellc que descuidadamente
subisse , ou sem olhar para o alto , não podia deixar de ser dilace-
rado por todos aqnellcs instrumento~. Junto da escada ·estava um
dragão horrendo , que parecia sempre db:;josto a arrojar-se a quem
lentasse subir. O primeiro que subio foi Saturo , que não estava
_comnosco quando ~fomos prezos ;~ mas que depois se entregou vo-
luntariamente aos perseguidores por nossa causa. D{'pois que .ellc
i
não cotra"a se não por uma pílqueoa fresta do que é pro''ª c\·idcntc a
prisão Manurlina em Roma , e outras ainda existentes em antigos amph1-
lhcatros~ ·
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316 CATECISMO
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1 •
DE PERSl~VERANÇA. 317
em um instante se encheu de immenso povo. Fizeram-nos subir ' a
uma especié de theatro , aonde o juiz tinha o seu tribunal.
Comparecemos perante Hila.rião , intendente da provincia , que
representava o proconsul , ha pouco fallecido. Todos os que ante~
ele mim foram perguntados, generosamente confessaram·a Jesu-Christo.
Chegando a minha vez , preparava-me para responder • quando meu ·
pai apparece, acompanhado de met~ filho, que um creado trazia nos
braços. Ell~ me apartou um pouco do tribunal, e empregou todos os '
méios que a ternura pode suggerir , para me ilÍlernecer da sorte ,
de meu innocente filho. llilar~ão coadjuvava meu pai. Pois que ,
me diz elle, não te enternecem nem as cani de leu envelhecido
pai, que deixarás inconsolavel ; nem a innocencia deste menino, que
fiçará orfão pela tua morte'? Vamos, basta que sacrifiques pela
prosperiddde dos imperadores !
Eu lhe respondi : Não , jamais sacrificarei. Hilarião replicou :
Logo és cbristã ~ Sim , sou christã , lhe tornei eu.
« Entretanto , meu pai , que tinha vindo esperançado de .Jl1C
· persuadir, recebeu uma varada d'um porteiro, a qtwm Hilarião ti-
nha ordenado que o mandasse retirar. Este golpe me foi mui sen-
sível ; senti a mais viva dôr, por vêr meu pai assim m~llralado
na sua velhice. O juiz pronunciou depois a nossa sentença, e nos
condemnou a sermos todos · lançados :ls feras. Tornamos para a pri-
são cheios d'alegria. Logo que entrei , pedi ao Diacono Pomponio
que fosse a meu pai , pedir o meu filho ; mas elle não quiz man-
dar-mo. ))
Pàrece que Secundulo tinha morrido na prisão , antes do inler-
rogatorio , porque não se falia delle. Hllàrião, antes de pronunciar
a sentença, tinha. feito soffrer uma cruel flagellação a Saturo, Salur-
nino e Revocato ; igualmente tinha mandado esbofetear Perpetua e
Felicidade. Demorou elle o Supplicio dos martyres para os jogos ,
destinados_ a festejar Gela , qtÍe o imperado~ Severo , seu pai, tinha
creado Cesar , logo que Caracalla foi proclamado Augusto. Ouça-
.mos Santa Perpetua continuando o seu relatorio. « Pouco depois nos
transferiram pal'a a prisão do campo ; e fomos lodos mellidos a fer-
ros até o dia, em que devíamos ser expostos ás feras. Entretanto,
o oflfoial, chamado Pudencio ,, que com mandava as guardas da prisão,
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318 CA lllClS~IO
,·endo que Deus nos favorecia com muilas g1·aças, concebeu por nós
grande estima , e deixou entrar hvremente os irmãos, que vinham
ver-nos, ou para nos consolar , ou para elles mesmos receberem
consolação. Como o dia destinado para o espect.aculo se aproxima-
va, veio meu pai visitar-me. Elle estava n'uma prostração inex-
plicavel , arrancava a barba, lançava-se por terra, e alli se <leixava -
ficar de bruços , maldizendo a sua velhice, e dizendo cousas capazes
de commover todas as creaturas. Eu morria de affiicção pelo ver
neste estado. » Aqui acaba a relação de Santa Perpetua ; o que se
segúe foi escripto por uma testemunha ocular.
Como fica dito , Felicidade estava gravida de sete mezes, e vendo
o dia do espectaculo tam proximo , eslava muito afflicla, receando
que o seu martyrio não fosse tl1fferido , por que não era pcrmiltrdo
executar as mulheres prenhes, antes do seu parlo. Os companheiros
tio seu sacrificio experimentavam grande tristeza, por d~ixal-a só no
caminho da sua commum esperança. Por isso todos se pozeram em
_oração , a fim que ficasse livre antes do dia do combale. Logo
llepois dos seus rogos, sentio as dores do parlo, cuja violencia lhe
fez sollar alguns gritos. Então um dos carcereiros lhe disse? Tu
gemes ?... Que será , quando fores Jançada ás foras ?... Sou eu res-
pondeu -Felicidade , que sinto agora o que soffro; mas lá haverá ou-
trem em mim, que soffrerá por mim como eu sollí'erei por elle.' »
Elia deu á luz uma menina , que certa mulher chri~lã creou como
sua filha.
Entretanto o tribuno, que tinha os Santos marlyres a seu cargo,
tratava-os com extremo rigor. Perpetua, conservando semp~:e o seu
elevado caracter , disse-lhe corajosamente. Como ouzas tratar com
tanta dureza prezos que pertencem ao Cesar, e que estam destina-
dos a combater 110 dia da sua- festa ?.. Porque lhe recozas o pouco
allivio, que lhes é concedido alé esse dia? Não será em Li lou·vavel,
que nos achem sãos e hem tratados ~ O tribano , envergonhado e
corrido da reprehensão, ordenou que os tratassem com mais humanida~e,
e então permiltiram aos irmãos que entrassem na prisão. Trouxeram
~lles refrescos, e o carcereiro Pudencio , que se .linha converti( o, lhes
prestava occuUamente lodos os serviços que dependiam delle:
Na vespera do combate, tiveram., st)gundo o costume, a cea ,
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DE PEJ\SEURANÇA.
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"
. :
320
.· CATECISMO
. /
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Irn PERSEVERANÇA. 321
abi·io Iam larga ferida , que o sangue corria a jorros , e o povo ex-
clamou : Eil-o baptizado segunda vez. Então o martyr voltou os
olhos moribundos para Pudencio, dizendo-lhe: Adeus, charo amigo,
lembra-te da minha fé. Longe de te horrorisarem , sirvam os meus
soffrímentos de fortalecer-te. Pedio-lhe depois um annel , que tinha
no dedo , e tendo-o molhado em seu sangue restituio-lhe, dizendo-
lhe: Recebe-o como penho1· da nossa amisade; traze-o por amor de
mim ; recorde-te o sangue em que está tinto, <lo que eu derramei_ a
jorros ,por Jesu-Christo. Depois disto transportaram o Santo martyr
a um lugar para onde levavam os que não morriam logo das fe.
ridas.
Neste meio tempo o demomo , estalando de raiva , por ver que
o sexo mais fraco ia alcançar mais assignalada victoria, tinha ar-
1
,
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322 . Ci\TECISMO
'
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DE l'ERSKVERANÇA. 323
_ Os seus corpos gloriosos foram recolhidos pelos fieis. No quin-
to seculo estavam na grande Igreja de Carthago. A sua festa , se-
gundo refere -s. Agostinho, atlr.ahia mais povo para honrar a sua
mémoria, do que outr'ora allrahira pagãos ao seu mariyrio. Os no-
mes de Santa Perpetua e Santa Felicidade foram incluidos no Canon
da missa. Que mais bellos ·nomes podia a Igreja nossa Mãi, con-
sagrar á immortalidade 1 Que mais tocanles exemploi podia ella
propôr ás gerações chrislãs !~
~RAÇ.10
O' meu Deus l que sois lodo amor, eu vos dou graças por
haverdes escolhido testemunhas da nossa fé em todos os estados ,
paizes e condições; a fim de confundir a incredulidade, e offerecer
modêlos a todos os cbristãos. Permilli , Senhor , que imitemos a
charidade e grandeza d'ahna de Santa Perpetua e de Santa Felici-
dade.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas 1 e ao proximo .
como a mim mesmo , por amor de Deus ; e , em leslemunho deste
amor , meditarei todos os dias nos juiz os de Deus.
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32í CArnCISMO
XV.ª LIÇlO.
I
O CHRISTIANISMO ESTABELECIDO.
(rrr SECULO.)
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DE PERSEVERANÇA.
sançon , dous de seus discipulos, Ferréol e Ferjeux, davam o mesmo
testemunho á verdade evange1ica , de qne foram os prim01ros Apos-
tolos, neste paiz tam longo tempo fecundo em .nobres ''irtudes. O seu .
martyrio foi pelo anno 21 O.
Entretanto Seplimo Severo devia , como todos os perseguidore3,
contribuir para a gloria de Jesu-Christo , tornando-se monumento da
sua temerosa justiça.
Deus o ferio com doença mortal no meio de suas conquistas.
El1e vio · o seu proprio filho Caracalla , armado de punhal , attenlar
contra a sua propria vitla. O goJpe falhou ; mas Severo cahiu na
mais profunda melancolia. ·sentindo aproximar-se a morte, excla-
mou : Eu tenho sido tudo quanto o homem pode ser; mas de que
me servem hoje as honras? (1). A sua firmeza o abandonou : de-
pois de ter de balde pedido veneno , tomou de proposito e tam avi-
damente comidas indigestas , que morreu no anno 211. A velha so-
ciedade pagã eslava então já tam devassa , que só no remado deste
, ,. .
---~-
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-~---
326 CATEClS~IO
perseguição que durou lres annos ; e que elle especialme nle dirigia
contra os Bispos e Padres (1). O Papa S. Ponciano foi ari~ebatallo
nesta lerrivel tempestade C2).
Para aval!ar o numero dos martyres e o horror dos supp"hcios,
a que foram condemnados , bastará saber quê Max1mino era mons-
tro tam cruel, que os historiadores pagão!", lhe chamaram Cyclope, Bn-
ziris, Phalaris, Typhon. Roma e o Senado , vendo-o partir para
uma expedi~.ão Iongiqua , fizeram preces publicas, para que ta111
detestavel tiranno não vollasse mais á capital. A fama de suas inau-
ditas crueldades feria constantemente os ouvidos de todos. Não se
ouvia out.ra· cousa por toda a cidade senão a funesta relação das
execuç.ões , que elle ordenav~. Mandava crucificar uns, meller ou-
tros nos cada\'eres de animaes recentemente mortos ; estes eram ex.- ~
postos aos leões e aos ursos , aquclles-moidos a pauladas ; sem qua .
(1) E' sem duvida por esta rosão, que não é contada entre ns pet-
segu ições gcraes.
(~) Crê-se que um soldado chrislão lhe deu causa por uma acção
que fez bastan.le estrondo. Quando Maximioo foi. proclamado imperador,
fez, segundo o costume, liberalidades ás tropas. Cada soldado devia·
apresentar-se ao imp~rador com uma corôa de louro na cabeça. Appa- ~
receu um _com o cabeça descoberta , e trazendo a sua corôa na mão.
Tinha clle já passado -sem que o tribuno repa,rassc , quando ·os murmurios
dos seus camaradas lhe fizeram advertir. ·Este orticial perguntou ao sol-
dado porque não levava a sua corôa na cabeça? Porque sou christão ,
respondeu o soldado, e a minha religião me prohibc .trazer as vossas co- -
rõas. O soldado foi despido das suas vestes militares, cm1tlido oa pri-
são.
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D~ PERSEVERANÇA. 32'7
o monstro Livesse contemplação nem com a classe. nem com o me-
rilo ; porque Linha por maxima , que para firmar o throno convi-
nha cimentai-o com sangue. Nunca fera mais cruel pizou a terra (t ).
A morle que teve foi digna da sua vida. Sabendo que o Senado
havia nomeado 'Vinte e duas pessoas, para gornrnar a republica,
encolerisou-se tanlo, que no accesso do seu furor bramia com~ fera,
e batia com a cabeça contra as paredes da sna camara. Depois de
ter acalmado um pouco as suas magoas com o vinho resolveu mar-
char sobre Roma, para Yingar-se; mas os seus soldados o assassi-
naram ·no anno 238. Depois dclle appareccu · Decio, aulhor da oi la-
va perseguição geral .
Uma fera execravel diz Lactancio , chamada Decio, veio devas- '
lar a Igreja. Este novo Nero, depois de haver manchado as mãos,
com a morte do ..seu bemfeitor, apoderou-se tio lhrono ·, e voltou
loclo o seu furor contra os christãos ('2). Enlre os generosos Athle-
tas , que soffreram a morte pela Religião, durante a perseguição do
llecio, nenhum ha mais illustre do que S. Pionio. Este Padre,
honra a Igreja de Smyrna , tinha herdado o espirito de S. Polycarpo.
Converteu grande n·umero <le hlolalras , fazendo servir á gloria de
Jesu Christo o proíundo conhecimento qu.e tinha das vertlades lla
Ucligião , e o dom da palavra , que possuia em gráo superior. Os
Rl'US exemplos eram igualmen le maravilhas de eflicacia. A pallidez ,
do seu ro~lo , que annuncia va a austeridade da sua vida , p1·oduzia
nos corações a mais forte impressfio.
, Poi elle prezo em um sabbado, a ~3 d~ Fevereiro do anno 230,
quando cclebràva a festa de S. Polycarpo com Asclepiades, e uma
chrisLã chamada Sabina. Na vespera Pionio, tendo jejuado com As-
clepiades e Sabina como se jejuava nas vigilias das festas dos mar-
tyres , leve uma visão, pela qual conheceu que seria preso no d_ia
seguinte. A visão foi lam clara que mandou fazer tres cadêas,
uma para elle , outras duas para Sabina e Asclepiades. Pozernm-
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328 CATECISMO
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Irn PERSllVEllA;\;Ç.A • 329
.Pot~mon (irritado com a resposta) : Saáifica !
Pionio : Nunca!
Polemgn : Porque não ?
Pionio : Porque sou chrislão.
Polemon : Que Deus adoras?
Pionio : O Deus omnipotente , que creou o Ceo e a terra , que
nos fez a lódos , . que todas as cousas nos dá co1n abundancia , e
c1ue nós conhecemos por Jesu-Christo s_eu Verbo.
Polemon : Ao menos sacrifica ao imperador.
Pionio : Não sacrifico a homens.
Enlão, Polemon o interrogou jundicament~ ·' fazendo escrever
todas as suas repostas, por um escrivão que as gravava ·em cera:
(( Como l.e chamas tu ? lhe disse e1le.
Pionio : Ch~uno-me christão;
Polemon : De que lg1'eJa ~
Pionio : Da Igreja Catbol1ca. »
Polernon , deixando Pionio , v~llou-se para Sabina.
Tinha a Sanla mudado de nome por conselho de Pionio, com
rr.ceio de ser conhecida e cair ·em poder de sua Senhora ; que era
pagã e flue , no reinado do imperador Gordiano, pretendera fazei-a
abjurar a fé havendo-a carregado de cadêas e desterrando-a para as
montanhas , aonde os irmãos secrelamente a trnham sustentado ..
Polernon : Como le chamas tu ?
Sabina :, Chamo-me Theodota christã.
Polemon : De que Igreja?
Sabina : Da Igreja Calholica.
Pulemon : Que Deus adoras?
Sabina : O Deus o~nipotenle, que creou o Ceo e a terra , e
que nós conhecemos por Jesu-Christo, seu Verbo.
Polemon (endereçando-se a Asclepiades) : E lu , como te cha~
mas?
Asclepiades : Chamo-me chrislão.
Polemon ; De que Igreja '!
Asclepiades : Da Igreja Catholica.
Po1emon : Que Deus adoras ?
.Asclepi·ades : A Jesu-Christo.
t! VI
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330 _CATECISMO
.'
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DE PEl\SE''lmANÇA.
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33~ CATEC1Sl10
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DE ii1-:ns1·: \'EllANÇ ,\.
(1) taclan. e. 4.
.'
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CATECISl\10
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DE PERSEVERANÇ.A• 335 •
......
riquezas , e princ1palmenle a magnificencia dos vasos sagrados, exci-
tava a cobiça dos perseguidores (1) ; dellas se quiz apod.erar o pre-
feito de Roma , e com este intento mandou prender Lourenço , e
lhe disse : l\fuitas vezes vos queixaes, vós outros chrislãos, que sois
traclados com rigor ; ora , pois , hoje não se trata de torluras, con- _
tento-me com pe<lir-vos mansamente o que me podeis dar. Eu Sf'i
que os ''ossos Padres se servem de vasos d' ouro para fazer libações,
que recebem lá o sangue sagrado em copos de prata ; e que nos
vossos sacnftcios nocturnos acendeis tochas de cera lambem em cas-
liçaes d'ouro : enviai-me, p01s, essas riquezas que tendes escondidas ;
o príncipe tem precisão dellas , para restaurar os seus esgotados
lhesouros.
I..ourenço respondeu : Confesso que a nossa Igreja é rica ; e os
lhesouros do imperao não chegam por certo aos seus. l\Ioslrar-vos-
hei parte delles , e só vos peço pouco -tempo para os pôr por or-
dem.
Não atlingio o Prefeito de que lhesouros Lourenço fallava. Ima-
ginando que o seu preso lhe entregaria grandes riquezas, conceden-
lhe Ires dias de espera. Neste tempo percorreu Lourenço toda a ci-
dade, convocando os pobres e indigentes sustentados pela Igreja.
No terceiro rlia, reunindo grande numero delles, os collocou por esta
ontem. Iam na frente os cêgos, cada um com seu pao , não para
combater, mas para se apegarem; depois os coixos , todos calam-
beando ; este, com um joelho deslocado ; aquelle, estropeado de fe-
ridas; uns com pernas de páo, outros· com molelas. Taes havia ,
sú de meiff corpo, que pareciam bustos a.mbulantes. Seguiam-se os
rnanetás , encorporados com os que tinham ulceras e chagas incora-
,veis.
I.onrcnço os conhecia a lodos e de todos l'ra conhecido (2). Assim '
1
•
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33G CATECISMO
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/
DE PERSEVERA~"Ç-A. 337
Dous a1gozes de:;piram o Santo Diacono, e o ligal'am sobre o funesto
leito , para ser assado a fogo lenlo. Ao mesmo tempo um raio lu-
minoso cingia a cabeça do. ·santo marlyr. Os cl1ristãos o percebe-
ram, e sentiram _um cheiro mui agradavel que exhalava seu corpo :
esle duplicado prodígio ficou occulto aos pagãos.
Ao mesmo tempo que as chammas mâtel'iaes ,. diz Santo Ani-
brozio , operavam no corpo do Sanlq Diacono , o fogo do amor di-
vino, qne lhe abrazava o cornção com muilo maior ardor , absorvia o
sentimento das dores que soffria. Nada pôde alterar a placidez de
sua alma , nem a serenidade de seu rosto. Depois de supporlar
longo tempo quantos tormentos pthle imaginar o Liranno , disse-lhe
sem azedume : (( Agora volta-me, que ja estou bem assado deste la-
do. » O algoz o ' irou. A minha carne já está assada, continuou .
1
r
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338 CATECISMO ,,,
campo de Ver.ano, perlo do caminho que vai dar a Tibm· (1). A morle
de S. Lourenço foi a morte da idolatria , que desde então foi sem-
pre em decadencia. Acabava de fechar-se o tnmulo do grande Ar-
chidiacono de Roma, quando .oulro .s~ abria ás_portas de Carlhago,
para receber o precioso corpo de u'm illustre Pontilice. Esl'outro
rnarlyr é o grande S. Cypriano, ~ispo , e luz da lgreja.
Era S. Cypriano natural de Carlhago , e seu pai um tios Se-
na~ores d'aquella cidade. Dotado de raro engenho. empregava-se
no ensino da eloquencia ; emprego este , n'aquelle tempo tam, hol)-
roso, que Cypriano, exercendo-o~ conservava o decoro . do séu illus-
tre nascimento. Professava eHe a religião de seu pai, e só depois
que chegou a i<lade madura é que abandonou as superstições do pa-
. ganismo. . As suas virtudes , e mais que ludo o seu ardente zelo
foram causas , que em pouco tempo o elevaram ao sacerdocio e de-
pois ao episcopado. Havia alguns annos que era Bispo de Carlbago.,..
quando lá chegou o edicto da perseguição; o qual , apenas se publi-
. cou , eis .correm á praça os pagãos , clamando : Cypriano ao Leão !
Cypriano ás feras! A trinta de Agosto do mesmo anno 2J8 foi
preso e conduzido á presença do proconsul Paterno, o qual lhe dis·-
se : Os nossos religiosissimos imperadores Valeriano e Galleno , me
escreveram ordenando , que obrigasse eu todos aquelles, que não
teem a religião dos romanos, a que a professa~sern. .ManLlei , pois,
que viesses citado perante mim , para dares conta da tua crença e
das tuas opiniões, ácerca das ordens dos nossos principcs. Qual e
o teu nome , qual a tua qu9lidade?
Cypriano : Eu sou chris~ão e Bispo ; não reconheço senão um
só Deus -que creou o Ceo e a terra, o mar e tudo que nelles se
contem. E' esle' o Deus, a quem nós os chrislãos servimos. Nou-
te e uia imploramos a sua misericordia, e lhe fazemos supplicas
por nós, por todos os homens e pela prosperidade dos imperado-/
res.
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DE PERSE\'ERANÇ·A. 33~
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,..
f I
340 CATECIS~IO
·~
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DE PERSEVERANÇA. 3H
den princ1p10· á sua vida gloriosa. - Os Fieis lev~lram o seu corpo a
um campo visinho, aonde o enterTaram de noute com bastante so- •
lemnidade (1 ). De sorte qqe não se sabe qne mais se ha-dé admi- ·
rar, se a fifmeza do martyr , se a coragem de nossos pais, que não
_temiam expqr a vida para o_acompanhar ao cadafalso.
' OR~Ul.O.
'
O' meu Deus , que sois todo amor , eu vos dou graças pelos
grandes exemplos de virtude , que nos dais nos vossos martyres.
Permilti , Senhor , qu~ tenhamos parte da charidade de S. Lourenço,.
e da fé de S. Cypriano.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo, por amor de Deus ; e ; em testemunho deste
amor , promet to soccorrer e respei"tar os pobres.
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CA l'Et:IS~IO
XVl.n LIÇAO.
O CHRISTIANISMO ESTABELECIDO
(III E IV SECrLOs.)
com amargura a queda dos apostatas, e passa aos rcmcd1os a que dc-
Hm recorrer , mostrando-se adverso aos que pc'dcm curta penitencia.
7 .º O hvro da Oração dominical ; que dá explicação do todas as pe-
tições do- Padre nosso ; e indica as horas em que oravam os primeiros
chmtãos.
8. 0 O livro da Mortalidade, que o Santo compÓz por occasião da
uma i)esle que assolou a Afr1ca. N'elle moslra quaes devem ser os sen-
timentos e procquer dos chnsLãos nas calamidades publicas.
9. º As suas cartas em nu mer.o de 81.
Diz 'Lactaoc10, que S. Cypriano reunio em si quanto cooslltue o gran-
de O~ador; pois deleita , iostrue e persuade. Não se póde mesmo deci-
dir qual destes trcs dotes possuio elle cm gráo m_ais emioeote.
,
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DE PERSEVERANÇA. 343
ninguem impunemente se revolta contra o Senhor e contra o seu
Chrislo. ' Tendo partido para o Oriente, a fim de repelli.r os Per-
sas que invadiam as provrncias do imperio , foi tümado. prisioneiro
em 260. O rei Sapor o levou á ·Persia, aonde o obrigava a servir-
Jhe de degráo , quando montava o cavallo ou sobia ao seu carro.
E' este um lriumpho , lhe dizia eJle insullando-o , que os romanos
não gra v·arão nas suas muralhas. Deus permitlio para maior castigo
do perseguidor, que nem seu filho , nem o seu successor tivessem ·
o menor cuidado do seu livramento. Depois de ter exposto o nome
/ romano aos insultos dos barbaros,.,. morreu Valerian~ miseravelmente
Sapor o mandou esfolJar (1) , curtir-lhe a pelle , tingil-a de encar-
nado, e a pendurou depois em um templo , para ser eterno mono-.
rnento do opprobrio dos romanos, ou antes ela ving:ança de Deus.
Depois destes estrondosos castigos, infligidos ac s perseguidores do
Christianismo, não será bem admiravel, que ainda tenha havido ho-
mens tam audazes, que se atrevessem a conspirar contra aqueJie Deus
Omnipotente , que destroe os monarchas e os povos ·como vasos de
oleiro?
Aureliano, esquecendo logo estas Lerriveis liç,ões, ousou de novo
provocar a justiça divina, perseguindo aos chrislãos. Este imperad.or,
que subio ao tbrono em 270, era filho d'um rendeiro dos suburbios..
de Sirmium na Illyria. Era elle um d'aquelles espirilos de brulal e gros-
seira aclividade, que teem por leg1limo todo o objecto d'orgulho.
Naturalmente feroz e impio, só raramente tinha aquella apparentc
sensibilidade , que o amor proprio ostenta, para enganar a opinião
publica , e entregar-se depois co_m mais segurança ás suas atrozes
inclinações. Mguma vez foi admirado , mas sempre aborrecido.
Duas cid_ades celebres , Roma e Paris foram regadas com o
sangue de illnstres marlyres. A primeira vi_o morrer o Papa S. Fe- '1
Jix 1. º ; a segunda S. Diniz e seus compa~be1ros. S. Diniz, primeiro
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au CATECISMO
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DF. l'ERSKVERANÇA.
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CATCCtSMO
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D!~ l'El\SEVKnANÇA.
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. /
/ 348 CATE:CISl10
' 1
, .
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D~ PERSKVKRANÇA. 349
gloria tio martyrio ... que prodigio de graça e de -m1sericordia ! Aqui
. se manifesta o poder e bondade d'af1uelie Deus, qu~ em um mo-
mento fez d'um Publicano um Apostole.
Temos no marlyrio da Legião Theuana novo monumento desle
µiilagroso poder.
O imperador Maximiano Herculeo , collega de Diocleciano , indo
contra os Ilagodes, povo principalmente composto dos camponezes
das Gallias , levou no seu exercilo a celebre Legião Thebana. Pa-
l'ece que se chamava assim esta legião, por ler sido organisada na
Theba1da , ou alto Egiplo , povoado de grande numero de excellenles
fieis. A Legião el'a cornmantlada toda por Mauricio, era de chris-
tãos , soldados de provado valor, e qua~i todos envelhecidos no exer-
_cicio das armas. .Maximiano, teDllo passauo os Alpes: qniz dar al-
gum descanço ao seu exercito, a fim que se refizesse da fadiga de
-' tam penosa marcha; para o que parou na cidade <le Octodoro ,
11'aquclle tempo consid.eravel , e cujo sitio era sobre o Rhone , aci-
ma do lago de Genebr"'. Boje é a aldêa de Morligny no Valais.
'fendo todo o exerçilo recebido ordens de fazer um sacrificio aos
deoses, para ler bom ex1to a expedição, apartou-se a legião Tbe-
bana, acampando a lres legoas de Octouoro , proximo d' Agaun_e ,
aldea situada em um profundo valle no meio dos Alpes , que por.
toda a parte a circumdavam. Sabendo o imperador da relirada da
legião, mandou ordem que Jogo se reunisse ao corpo do exercito ,
a fim de assistir á oblação <lo sacrificio ; mas Lodos recusaram tomar
parle na sacrileg;i ceremoni~. Irritado pela resistencia, ordenou l\la-
ximiano que a legião fosse dizimada, e mortos os soldados em quem
a sorte caisse. Assim se fez, mas a legião ficou inhabalavel. Vi-
am-se os soldados velhos exhortando-sc mutuamente a morrer, an-
tes que violar o juramento que tinham prestado ao Rei do Ceo , no
dia do seu Baplismo.
Segunda vez foram dizimados ', mas sem màis etfeito que da
primeira; protestando os cjue ficaram vivos, que jámais obedeceriam
a tal ordem. l\faurjcio , f;xupero e Candido, seus pl'incipaes chefes, -
não contribuiam menos para os confirmar nestes bellos sentimentos ;
pelo que Maximiano lhes mandou declarar , que ou obedecessem ou ·
morreriam lodos. Os generosos 3oldados , animados pelos seus .offi-
" ,J
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:mo CAIECISMO
ciaes, enviaram ao cmct imp~rador esta reposta , cheia tle nobre fir ..
meza.
« Senhor! somos vossos soldados , mas lambem servimos ao
Deus verrladeiro. De vós recebemos o sol<.lo , mas de Deus a_vida.
Não podemos· obedecer ao imperador, n'aquillo que Deus prohibe ;'
que tanlo é elle nosso Deus , como é vosso. Mandai, pois. Senhor,
o que não enconlre a nossa Lei , que promplos estamos a obedecer,
como alé aqui o lemos feito. Primeiro, ó imperador, juramos obe-
die1i'éia a Deus, do que a vós ; e poderíeis -acaso confiar n'esle se-
gundo juramento, se violassemos aqueJle primei1'0 ~ Ahi ' 'imos as-
sassinar os nossos companheiros sem nos quéixarmos, antes alegran-
do-nos pela boa ventura que. tiveram , de morrer pela sua Religião.
A extremidade a que estamos reduzidos não é capaz de nos Lentai·
a revolta. Temos as armas nas m]os, mas não· sabemos resíslir-vos ;
porque antes queremos morrer innocenles, que não viver culpados. »
· A legião Thcbana era composta de quasi dez mil homens bem
armados , que podiam vender caras as suas vidas , mas nossos pais
sabiam , que dando a Deus o que é de Deus , nem por isso deviam·
deixar de dar a Cesar o que era de Cesar; e moslravam mais valor
morrendo pela fé , do que vencendo batalha~. l\Jaximiano, vendo a
sua inhaba lavei constancia , mandou-os cercar pelo exercito. Longe
de fazerem a menor rcsistencia, t.odos depozeram as armas, e se dei-
xaram trucidar, sem que um só se relractasse. Ficou a terra jnn·
cada de cadaveres e innundada cJe sangue. ·
Em quanto os brutaes soldados despojavam os que a~abavam de
Msassmar , chegou um veterano chamado Victor , que não perten-
cia ao mesmo corpo ; o qual. cheio de indignação se retirou ; sem
querer tomar parle na feroz alegria dos algoze~. Perguntaram-lhes,
se era chrislão , e como dissesse que sim, lançaram-se todos a rlle,
e o mataram. Urso e Victor, ambos da legião Thebana, achando-se
lambem ausentes ao tempo da execução , foram martyrisados em So-
ladora, ou Soleure , aonde inda hoje se veneram as suas reliquias.
· Assim morreu esta venturoza Legião. O seu exemplo ensinou aos ,
futuros seculos a formar uma justa idea do verdadeiro valor. O heroe
christão ama os seus inimigos, e anlcs quer soffrer as mais duras pro ..
vações, do que revollar-se. Nen-hum sacrificio lhe é custoso, quaJ1do
so trata de con5crvar a virtude.
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m~ PEl\SEURANÇA. 351
Até aqui Diocleciano e seus collegas não tinham persegui'do nos-
sos pãis senão em consequencia dos edictos de seus antecessores.
ChegaYa, porem,' o momento, em que o seu nome devia reunir-se
ao dos tirannos, que desde tres seculos armavam o mundo pagão
conlra a Igreja nascente. Esta nova lucta será mais furiosa que ne-
nhuma das outras; é o ultimo exforço do paganismo agonisante, Es-
poza .muito amada do Homem-Deus, não temas ; que o celeste
espozo tem a seu cuidado segurar-te a vicloria. E' tempo de ma-
nifestar á luz do dia os desígnios da Providencia, ácerca de leu~ im-
rnorlaes deslinos; e desenvolver uma das mais bel.las figuras do
antigo testamento, que em ti se hade cumprir.
Não devemos ter esquecido , que o povo d,e Israel, alraYes-
sando o deserto, para t.lirigir-se á terra promellida , encontrou os ·
filhos de Amelec, que oppunham ~om innumeravel ármada insup~
ravel obslãculo á sua passagem. Foi inevitavel dar batalha , que se
d1spoz para o dia seguinte. Desde o nascer cio dia, sahio :Moises·
do campo ôe Israel, e subro ao cimo d'uma proxima monlanlrn.-
Alli elevou elle o coração e as mãos ao Ceo 1 implorando a ,·iclo-
ria para o seu povo. Empenhado o co_!11bate, quiz o Senhor,- para mos- ·
trar que o resultado pe1~ uia da oração âe Moyses, que os lsraelilas -
levassem vantagem , qnando- e seu servo pPrrnaneeia com as mãos
· levantadas para o Ceo ; e perdessem terreno, quando as- deixava cair
para a temi. Assim é que os acontecimentos humanos- são muitas
wzes determinados pelas oraç.~es dos amigos de Deu.s ! ·Esta crença
é lam antiga como a existencia do homem. Todos os povos tem
orado, para obter favores tempóraes. ou desviar de si as catamida-
des deste mundo ; logo todos os povos lem crido na influencia da
oração, sobre os aconlecimenlos humanos.
Os p~gãos por exemplo , se iam a guerra ; antes de se pô1:em
a caminho, dirigiam-se·solemnemenle aos templos dos deuses~, faziam vo-
. los e rogalivas • e offereciam sacrifici'os para obter a ·victoria. Se
depois a alcança mm vinham suspender, nas abobadas _dos templos,
os tropheos, que julgavam devidos ao auxilio do Ceo. Nas cala-
midades publicas , epidemias e perigos , a oração se levantava dos
altares, <l'envolla ·com o fn'mo do insenso. Sem duvida , er'a sena
rasão que os pagrios allribuiam a seus <ieuses as vantagens e favores,
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" I
CATF.CISMO
J •
de · que se regosijavam ; mas o seu proceder não prova menos a
crença invariavel d~ lodos os povos, na influencia da oração sobre -
·os acontccimen tos do mundo : Lodos os lances d~ sua historia o pro-
vam evidentemente. Donde , pois , nasceu este facto , senão da
prim1liva revelação , que nos ensinou , que o mundo é regido por
uma Proviuencia , livre em suas detel'minações ; e que suspende e
modifica as sua3 leis , para recompensar ou punir os habitantes da
terra? Os annaes sagrados estam cheios de factos, que comprovam
esla mesma verdade. Os meninos na fornalha de Babilonia, Judith
e os habitantes de Be_lhulia , os Chrislãos de Jeru$alem, oi·antto por
Pedro prezo por Herodes ; Paulo em o navio , ameaçado da tempes-
tade ; e mil outros successos , publicarão eternamente a crenç;t dos
povos , e a efficacia da oração. Este dogma fundamental está de
tal ~nodo arraigado no coração do genero humano, que se encontra
entre as hordas mais selvaticas da America e ,da Africa central.
Quem. não lerá ou vi do fallar cias festas de guerra entre os selva-
gens, e da immolação das viclimas humanas no Darfur, ou seja
para obter a victoria , ou para altrair as bençãos do Ceo sobre
as Searas?
Voltan<lo , pt>rem ao nosso ohjecto , no momento preciso em
que ia empenhar-se_a grande batalha do paganismo contra o Chris-
,tianismo , no mesmo instante em que de uns a outros confins do
imperío ia retumbar o grilo : Os christãos ás feras ! no momento em
que tenros men.inos, e frageis mulheres iam _descer aos amphilhea-
lros, e subir aos cadafalsos ; Deus faz partir para os de,sertos e
santas montanhas da Thebaitla novos l\loyses. Do fundo de suá
solidão , Paulo, e Autonio, e os seus numernsos discipulos ele,•aram ao
Ceo. as suas vozes, e as ,supplicantes mãos, que imploravam graça ·
·para a "Igreja ; perdão , para os perseguu.lores ; e coragem, para seus
irmãos , que combaliam.. nas ensanguenladas áreas. Os claq10res da
virtude alcançaram graç.a para os lirannos , coragem para os mar-
tyres, e Constantino para a Igreja.
E' tempo de dar a conhecer- os chefes deste exercito escolhido,
dosla Santa Coloma do desrrlo, encarregada ue fazer violencia ao
0
Ce 0.
. .. Paulo , primeiro erermila, nasceu na baixa Thebaida, no Egipto_
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l>I~ l'ERSEYERANÇi\.
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CATECISMO
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DE PERSEVERANÇA. 355
envolver o meu corpo , o manto que te deu o Bispo Athanasio. »
Não dizia isto , · porque lhe importasse muito, que o seu corpo fosse
~epullado , mas queria· poupar a Antão a dor de o ver morret· ; e
testemunhar-lhe o respeito que tinha a S. Athaoasio, e ao grande e
ardente zelo da fé, (leia qual aquelle grande Bispo soffria então os mais
crueis tormentos.
Admirou-se S. Antão, que elle lhe pedissê o manto. que lhe déra
S. Athanasio , porque ninguem senão sómente Deus podéra ter re-
ve11ado este .fact~ ao bemaventurado Paulo ; mas sem querer profundar
o motim de 'tal supplica , cuidou em obdecer. Beijou as mãos do
seu veneravel amigo , e sem demora se poz a caminho do seu mos-
lci1·0. Dous , dos seus discípulos lhe sahiram ao encontro , e lhe
disseram : -Padre , aonde tendes estado tanto 1empo? Não sou mais
que um miseravel peccador • respondeu elle ; sou indigno de me
chamar servo de Deus. Vi Elias, VI João Baptista, não digo bem,
''i Paulo em um raraiso. E sem dar 1nais palavra, entrou na sua
celta , tomou o manto, e parl.10 immedialamente. Apressou o passo,
receioso que .não morresse o Patriarcha, antes que elle chegasse : e era
bem fundado _receio ; pois no dia seguinte, ao romper da aurora ,
vio subir ao Ceo a alma do bemaventuraclo Paulo, no meio dos An-
jos , dos Prophetas e dos Apostolos. Prostrou-se com o rosto em
terra , del'ramou torrente de lag1:imas , e erguendo-se depois, conti-
nuou o seu caminho . ·
Chegado á , cova , achou o corpo <lo Santo de joelhos , com a
cabeça levantada, e as mães erguidas para o Ceo : é assim que ora-
vam os primeiros cbrislãos. Pcrsuadio-se, pois, que elle estava orando,
e poz-se a orar lambem ; mas não o ouvindo suspirar , como cos-
tumava, na oração, isto bastou para conhecer que estava morto,
como de feito estava.
Cuidou, pois, em prestar-lhe os ultimos oft1cios: envolvendo
seu corpo no mant·o de Athanasio, tirou-o da gi·uta, cantou os hvmn os
e Psalmos da tradicção da lgréja Catholica ; mas quando tratot~ de o
enterrar, vio-se em extremo embaraço .; por não ler instrumentos
com que abrir a sepulturn. Deus , porem , veio logo em seu auxi-
lio ; pois, levantando os olhos, vio vir o Santo ao longe dous ~orpu
lentos leões , sacudindo suas Oucluantes jubas , e eorrendo para ella
'
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356 CATECISMO
~
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Df. l'l·:llSEVEllA N~.i\.
ORA.Çi.O
O' meu Deus ~ que sois todo amor , eu vos dou g1~aças, por
haverdes prolegido t.am benignamen!e a vossa Santa Igreja. Dai-me,
Senhor , o valor dos generosos soldados da legião Thebana , e o
espiritÕ interior de S. Paulo eremita.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo , por· amor de Deus ; e , em teslemunho deste
amor , prometto nunca mais murmurar dos me1M superiores.
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'
....
•
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INDEX
UÇÃO.
Pag.
LVI.ª LIÇÃO.
OBJECTO l>A NOSSA UNIÃO COM O NOVO ADA.IU PELA CHARID •.\DE.
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360 INDEX
LVII. ª LIÇÃO.
DO QUE PÓDE ROMPER A NOSSA UNIÃO COM NOSSO SENHOR, O NOVO ADAM -
DO PECCADO.
Pag.
O que é o pecrado. - Peccado original. - Peccado aclual, - mortal e
venial. - O que é nccessario para ha\'er peccado mortal. - Enormi-
dade do peccado mortal em si mesmo, em seus cffeitos e castigos. -
Grandeza do peccado venial. - Peccados mortaes propriamente ditos.-
Peccados contra o Espirito Santo - Pecrados que bradam ao Ceo. -
Virtudes contrarias. - Das paixões. .. .. .. .. 37
LVIII.ª LIÇÃO.
QUE É O QUE PERPETUA A NOSSA UNIÃO COM O NOVO ADAM.
TERCEIRA PARTE
1.ª LIÇÃO.
O CHRISTIANISMO ESTABELECIDO.
II.ª LIÇÃO.
O CHRISTIANlSMO ESTABELECIDO.
•' /
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DAS MATÉRIAS. 361
Pag.
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VI.a LIÇÃO.
O CHRISTIANISMO ESTABELECIDO.
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362 , · I~DEX
Pag.
YIII.ª LIÇÃO.
O CHRISTIANISMO ESTABELECIDO.
IX.ª LIÇÃO.
O CHRISTIANISBO ESTABELECIDO.
Prin ipio da grande lucta. entre o Pagani ~mo e o Chri tiani mo.-Dez
grande per eguiçõe . A rim ira JlO reinado de ero; retrato deste
prin ipe, particularidade e ta perseguição.-Juizo de Deus obre
Nero.-Juizo de Deu obre J ru alem; ruina da idade e d templo.
Segunda perseguição no reinado de Domiciano, retrato deste principe;
S. João lançado em uma caldeira de azeite fervendo.-Juizo de Deus
sobre Domiciano . 245
XI.ª LIÇÃO.
O CHRISTIANISMO ESTABELECIDO.
XII.ª LIÇÃO.
O CHRISlIANISMO ESTABELECIDO.
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INDEX 363
Pa,q.
gia de S. Justino - Juizo de Deus sobre os romanos. Sexta perse-
guição .sob Marco Aurelio, retrato deste principe; piartyrios de S.
Justino e S. Policarpo . - . 276
XIII.ª LIÇÃO.
O CHRJ'STIANISMO ESTABELECIDO.
XIV.ª LIÇÃO.
O CHRISTIANISMO ESTABEJ,ECIDO.
O CHRISTIANISMO ESTABELECIDO.
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