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CATECISMO

. DE

PERSEVERANCA .)

II.

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. .

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UA.TEUIS~IO
DE
' <

PEBSIVIB!NÇ!. ou
EXPOSIÇÃO HISTORICA, DOGMATICA, MORAI., LITURGICA, APOLOGETICA,,
PHILOSOPHICA E SOCIAL.

DA. RELIGii.-0 9
De11cle a orlgem do mundo até nossos dia•

tlGARIO GERAL DA DIOCESE DE NEVERS, CAYALLEIRO DA ORDEM DE S. SILVESTRE,


11.::llBRO DA ACADEMIA DA RELIGIÃO CATHOLICA DE ROMA, ETC,

TRADUZIDO DA 6.ª EDIÇlO DE PARIZ


PELO

Jesus Christus he1·i hDdit, ipse


et in s<ecula. Hcbr. Xlll, 8.
Jesus Christo era hontcm, e é
hoje : o mesmo Lambem será por
todos os scculos.
Deus charil as est. t . .Jorln. IV. 8.
Deus ê a car.ida<.le •

.TOMO II.

I•ORTO:
TYP. DE FRANClSCO PEUEIRA D'AZEVEDO
Rua ·,las llortas 11.º 9:>.

1853.

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CATECISMO
DB

•.,.
ó·~~·.
• ~.
aau~-~·"' V>.~
--
i1 ~ ~Cl:
•~«A&a r.(t' .
~~~ ~
'

PRIMEIRA PARTE.

,
XIX.ª LIÇÃO.

UOl'WDEVIJtlENTO DA RELIGIÃO.

Existe uma Religião? - Que é a Religião? - · Pode haver muitas Reli ..


giõcs? - De quem vem a Religião? - Qual é a verdadeira Religíão '!
Pode mudar a verdadeira Religião? - Palavras de Bossuet e de S.
A.gÕstio~10. - Trecho hisiorico.

QuANno, apoz de longa jornada, o viajante chega ao cimo d'uma


montanha, apraz-lhe descanç·ar e medir com os. olhos as vastas cam . .
pinas que acaba de precorrer : imilemol.:o e suspendamos um instan-
t~ nossos eslud-os para recordar as lições que lemos aprendido. · ·
Transportados nas azas da rasão e da fé, elevamo,..nos ás altas
regiões dos Ceos~ e verificamos a existencia daquelle Ser, que é o
pripcipio e causa de todos os seres. Suas. perfeições adoraveis, sua·
eternidade, independencia, ip:imensidade, deslumbrawnos como os
rutillantes raios daquelle sol sempre claro e sem nuvens, que não
tem levantar-se nem esconder·se no horisonte. Do Ceo · descemo~ ã

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6 CATECJSMO

terra, e contemplamos Deus em suas obras. N,ellas, como cm um


espelho immeuso, ' imos brilhar a cxistencia, 'poder, sabedoria, li-
1

berdade e bondade do Crcador de tudo o que. respira. A har1nonia


do universo, a conservação dos seres na especie e no indjvüluo, o
governo do mundo moral, ludo parece fazer-nos palpar c0Ií1 as mãos
a Providencia d'aqúelle Deus, que divisamos em ludo. Ouviram nos-
sos ouvidos a palavra creadora : Façamos o homem, e nossos olhos
viram apparecer em sua magestade real, entre as crealuras, o tenen-
te de Deus, o reflexo .da sua essencia, a sua mesma imagem. O
corpo do homem com seus admiraveis orgãos, .a alma cpm suas ma-
ravilhosas faculdades, revelaram-nos as mesmas perfeições divinas.
Entrando no Paraiso terrestre, visitamos o palacio deste llrincipe, e
assistimos á sua coroação. A carta que o estabelece rei e pontificc
do universo nos foi lida ; 1wocJamaram-se perante nós seus direitos
e deveres. Percorremos a primeira pagina de sua magnifica histo-
ria, logo lam dolorosa no seu fatal reverso.
Depois de lermos estudado em si e separadamente Deus e ·o ho-
mem, que nos resla senão inquirir se existem relações entre De:us
e .o homem, e quaes sejam estas relações, cujo todo consliluc uma,
sociedade chamada .ein todas as linguas- Reli-giãõ .L .J l'aqui nascem as
seguintes perguntas, de cujo desenvolvimento nos vamos occupar :
1.1) Existe urna Religião? 2. º Que é a Religião·? 3. º Podem exis-
tir muitas Religiões? 4. º De quem vem a Religião? o.º Qual é a
verdadeira Religião? 6. º Pode allera1·-se a verdadeira Religião'?
Consideremos separadamente cada uma destas perguntas que bem
mais nos interessam que as questões políticas, scientificas, lillerarias,
h~dustriaes, a que todavia C(}nsagramos uma grande parle da nossa
existencia.
1.º Existe uma Religião? - Cilareí para aqui, como para um
amphilhe.atro, todos os homens que passaram no mundo, pais, nrtiis,
e filhos, ricos e pobres. Collocar-me-hei no meio deste vasto circo,
e Yoltando-me para todos os pontos da circumferencia, intcrrogarcí
os meus innumeraveis ouvintes pei·guntando-lhes : existem ou não
relações necessarias de superioridade e inferioridade, amor e pro-
tecção, respeito e reconhecimento, entre o pai é o filho, a mãi e
1? filha, os progenitores e a prole ? E yejo unanimemente inc.Jilm-

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DI PERSEVERANÇ.\. 7
l'em-sc to<las as cabeças, moverem-se todos os labios, para responder:
Sim, existem relações necessarias entre o pai e o filho, · a mãi e a
1ilha, os progenitores e a prole. Farei segunda pergunta : acaso .
nasceo o homem de si mesmo como um cogumelo debaixo d'uma ar-
vore, ou foi elle cl'eado por Deus ? O riso irQnico, qúe acolhe a
primeira parle da pergunta, responde á segunda. affirmativamente : o
l1omem não nascco de si mesmo, foi creado po1· Deus. Continuarei
a perguntar : se existem relações necessal"ias de superioridade e in-
ferioridade entre o pai e o filho, por isso que um é pai do outro,
logo existem com igual necessidade entre Deus Creador e Pai do ho-
mem, e o home~ creatura e filho de Deus? E toda a assemblea
se levanta para me responder : isso é evidente, tanto como a lnz do
sol. E tanto mais quanto as relações entre Deus e o homem são
mais intimas, sagradas e nobres que as relações entre pais e filhos;
porque os pais não são creadores, nem conservadores, nem ultime>
tim de seus Hlhos, titulos que convem a Deus e não ao homem.
Ou vidas estas respostas, deixo este auditorio immenso, e digo C(}mi-
go : vejamos se todos estes homens c1ue acabo d'interrogar m:e fat-
iaram verdade, e se os factos confirmam suas palavras~ viagemos
pela redondeza da__lerra_; _e,__por toda a parte e em todos os tempos,
vejo que os poYos li veram uma Religião, que professaram uma Re-
ligiã9, que tiveram templos, altares, sacerdotes, festas, sacrificios.
Não cnconh'o um só povo, por selvágem que seja, sem algum éul-
lo, e termi~o a ·viagem l'epetindo estas palavi:as d'um philosopbo
Pagão : « Se percorrerdes a terra, diz Plutarcho, podereis encontrar
cidades sem muros, nem letras, nem leis, nem palacios, nem l'ique-
1.as, nem moeda, nem escholas, nem theatros. Quanto a uma cida-
de que não lenha templos nem deuses~ que não faça uso d'orações
nem juramenlos, que não consulLe os Oraculos, que não offereça sa-
crificios para obter os bens do Ceo, ou desviar os males que lhe es-
tam imminelites, isso é o que ningttem jamais vio. Seria mais facil
achar uma cidade fundada nas nuvens que um povo sem Reli~
gião. )) (1)

(1) Con lra ColoCco ..

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8 éAftCISMU

Portanto a Religião existe : demais, semprê em toda a parle ex-


íslio. Logo é um facto Universal; por consequencia não é obra do
l1omem, senão de Deus; facto tam necessario como as relacões de·
superioridade e inferioridade que ha entre Deus e o homem, e de
que elle é a manifestação. Logo a Religião é necessaria .
. 2. º Que é a R8ligião ? _. Acabamos de ver que entre Deus
Creador do homem,- e o homem creatura de Deus, ba 1·élações nalu-
raes e ne·cessarias,- como entre Pai e· filho. A estas relações já de
si tam nobres, ajuntou Deus gratuitamente outras mais perfeitas,
fazendo-se eUe mesmo o ultimo fim do homem, d'ora'vante desti-
nado, nâo á: posse e vista mectiata de Deus, mas á posse e vista im•
mediata deste soberano Ser : bemaventurança sobrenatural, isto é,
á qual nao tinha o homem direito, nem aspirações por sua simples
natureza. Estas relações accres~enladas, e a união sublime que d'aqui
resulta, extistiram desde o primeiro instante da creação do homem;
porque - o homem foi creado em estado de graça e justiça sobrena-
luraL (1)
De todas estas- relações naturaes e sobrenaturaes, resulta entre
Deus e o homem uma união, uma sociedade que muito bem se cha-
ma Relig1'.ão, isto é vinculo· por ·excellencia vinculo a maior, vincu-·
1

lo novo.
Se a palavra Religião exprime admiravelmente a união que exis-
tia entre o homem e Deus no estado de innocencia, eom muito mais
rasão eonvem esta pala-vra para designar a união que existe entre
Deus e o homem depois do peccado original. Com effeito, tendo o
peccado de nossos ·primeiros pais rompido o laço sobrenatural que
existia antes da sua revolta, o Filho d.e Deus como já sabeis, dio!

(t) Si quis non confiletur pri.mum hominem Adam, curo mandatum


Dei in Paradiso fuisset transgressus, statim sancfüateni et justitiam in
qua consLitutos fucrit, amisisse ••• anathema sit. Cone. Tricl. sess. VI.
can. 1. -D'aqui vem o ser condemnada pela Igreja esta proposição de
Baio: « Burnanre naturre sublimatio et exaltatio in \Consortium divinro
naturre debita fuil integritati · primro creationis, ac proinde naturalis di-~ '
cenda est, et non superuaLuralis. » Prop. 21.

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DE PERSEVERANÇA .

gnou-sc offcrecer-se para restaurar esta · anião sublime, subtra.hit'


o homem aos castigos devidos ao seu crime, restituir-lhe os bens
·~ue perdera, e restabelecer assim a alliança entre o homem e Deus.
Por isso esta nova allianç.a, ou restabelecimento da antiga, chama-se
Reli,qião 1 isto é segunda união, vinculo novo; da palavra latina
que significa tornar a atar, reunir.
Tal é a significação da palavra Religião. Estas explicações mi ...
nuciosas por cert.o não serão para estranhai· a quem sabe que (hoje
sobre tudo) muitas pessoas fallam em religião sem terem idea nem
aiuda dos seus primeiros rudimentos.
Isto supposto, se nos perguntarem = que é a religião? ltespon- ·
demos com o incomparavcJ S. Agostinho : A Religião é o vinculo
qiie une o !tomem a Deus. (1) A esta definição se reduzem as se-
guintes: a ReligiãG é a sociedadtJ do homem com Deus; ou lam-
bem, é o aggregado das relações que existem entre o homem e Deus.
Totlas estas definições expr~mem igualmente o novo vinculo t]Ue, em
virtude dos meritos do Redcmplor, unio o homem a Deus, depois
que o peccado original l'ompeo a primeira união., a primeira socie-
dade que existia entre um e outro.
3.º Podem liaver mui'tas Religí&s·? - Se vos perguntassem :
Pode ser verdade em Constantinopla que dous e dous são quatro, e
igualmenle verdade em Pariz, que dous e dous não são quatro ? Po-
de ser verdade em Constantinopla que ha um Deus, e igualmente
verdade em Pariz que não ha Deus? Pode ser verdade em Conslan-
tinopla que Deus creou o homem; e igualmente verdade em Pat'iz
·que Deus não creou o homem~ Pode ser verdade em Conslantino-
pla que entre Deus Crcador do homem, e o homem crealura de
Deus, ha relações de superiorid,ade d'uma parte, d'inferioridade da

. {1} Religet ergo nos Rcligio uni omnipoleoli Deo. De vera llelíg.
n. 113. - e e-m outra· parle: Ad unum Deum tendentes, ioquam, cl cí
uni religantes ~mimas nostras, undc Rcligio dieta crc<.litnr, omni supcrs·
titione careamus. lo his verbis mcis ralio c1uro rcddila cst, uodc sit
~icla Religio, pios mihi placnit. Retrace. lib. 1, e. 13, n. 9. -- Vin-
culo pictalis obstricti Deo et rcligati ?mmus: uodc ipsa Religio nomcn
accepit Lact. Di·v. lnstif, lib. IV . ·
2 l[

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10 CATECIS.'10

oult·a, e que estas relac;oos Lrazcm comsigo certos deveres da parle do


homeín ; e ser igualmenle verdade em Pariz que entre Deus Creador
do homem, e o homem crealu..a de Deus, não ha relações de supe-
rioridade d'uma parle. nem d'inferiortdade da oulra, nem tam pou-
co deveres que resultem destas relações? Pode ser verdade em
Conslantinopla que o homem é obrigado a crer em Deus, a esperar
nelle, amai-o e _servil-o como elle mesmo quer; e igualmente ver-
dade em Paril que o homem não é obrigado a crer em ·neus, nem
a esperar nelle, nem a amai-o, nem servil·o como elle quer, nem
ainda como quer que seja ? Pode ser verdade em Constantinopla ·
que o homem tem uma alma immorlal, que ha um juizo depois da
.morte, um inferno, e paraiso eternos ; e igualmente verdad~ em
Pariz que o homem não tem al·ma immorlal, que não ha juízo de-
pois da morte, nem inferno, nem paraiso eterno? Se eu vos fizessu
todas estas perguntas e outras similbantes, qne responderieis ? Por
certo dirieis : A verdade é uma, e ni1o pode mudar pelos gráos de
longitude ; o que é verclade e~ Constanlinopla não pod-e ser fal~o
eni Pariz e reciprocamente.
Se assim não fosse, sel'ia preciso dizer que o sim e o não sfo
uma e a mesma cousa; e que, Deus dirige ao homem esle inlolera- .~

vel discurso : « Que te importa que a verdade- exista ou não ? El-


Ja não existe para ti. O teu dever é obedecer cegamente a lodos
os impostores que se apresentarem como enviados de Deus. Seja
fJUal for <> ·erro que ensinrm, tu os deves amar ; seja qual for o
culto que estabeleçam, lu o deves praticar sinceramente. ~oi lua
sol'le nasceres em terra de pagãos? - Ado:ra os deuses da tua terra ;
sacrifica a Jupiler, á 1\Iarte, a Priapo~ a Venos ; üíiéia piedosamente
tu.as filhas nos mislerios da deusa galhofeira. No Egypto darás hon-
ras divinas aos crocodilos sagrados, e ao deus Apis; ei1Lre os Phe~
nicios, offerecerás teus filhos a ~Ioloch ; no. ~lexico, tomarás armas
para conqoistàr victimas humanas ao horrendo !dolo que ·afli se ve-
nera ; em oulra parle deverás -p1·oslernar-te humildemente dianle tfo
tronco d'uma arvore, diante das pedras, e plantas, e reliquias d'ani-
maes, restos impuros da morte. Nascestes por venlura em Cons-
tanlinopla ? Repete do fundo do l<m coração ; Deus é Deus, e Ma-
homet é seu Propbela-. Em Roma desprezarás este mesmo l\Ialw-

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DE PERSF.,'ERANÇA. 11
mel como um impostor. » (1) Se eu vos perguntasse ainda : o que
e hoje verdadeiro podm·á ser falso ámanhã, depois d'ámanhã, daqui
a cem ou a mil annos? Da m~sma sorte o que era verdadeiro hon-
lem poderia ser falso antes d'honlem, ha cem ou mil annos? Res-
ponderíeis ainda : a verdade é uma, e não muda com os annos. O
que era verdade no primeiro dia do mundo t.ambem o será no ul-
timo.
Tal seria a· vossa resposta, lal a de qualquer menino que ti-
,· esse a inslrucção necessaria para ligar duas ideas ; e esta resposta
n.'io soffre replica. Vêdes PQÍS com a maior ·evidencia possi vel que
não pode haver duas Religiões verdadeiras. Com effeilo, ou estas
Religiõe ensinam todas a mesma cousa, nem mais nem menos, e
neste caso seria uma e a mesm~ Religião ; ou não ensinam a mes-
ma cousa, e neste caso não seriam todas verdadeiras; seriam até
mesmo todas falsas em alguma cousa, exccpluando uma só. togo
lambem vedes claramente que nem todas as Religiões são boas, e
que aqualles que usam de tal linguagem não sabem mesmo o que
tlizem.
Antes tl'acabar cumpre-me fallar aqui d'uma difficnldade que se
terá _:ipresenlado ou poderá apresenlar-sa ao vosso espirito. Falia-
se rnuilas vezes da Religião Natural, ou primitiva ; da Religião Jfo-
snica, e , da Religião Ckristã, e com rasão se diz que Deus é o au-
thor dellas : eis aqui pois lrcs Religiões igualmente verdadeiras. A
conscquencia é falsa, porque estes tres nomes exprimem uma e a
mesma Religião em lres estados differentes : mais simples no tempo
<los Palriarchas, mais desenvolvida no de Moisés, e completa em o
Evangelho, como nas lições seguintes leremonle ver.
4. º De quem vem a Reli'gião? - Evidentemente vem de Deus
ou do homem : aqui não ha meio lermo. Vejamos se pode vir do
homem. A Religiãd é fundada nas relações necessarias que existem,
pelo só facto da creação, entre Deus Creador do hom~rn, e o ho ..
mem crealura de Deus. Elia ·comprehende verdades para crer, de.-
l' eres para cumprir, um culto para dar. Supponhamos que o ho ..

(1) Ro;lSScau, .Emílio.

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.-
CATECmm

mem é o a·ullror da Religião ; é logo pretender que clle é author


das relações que cxistém entre o Creador e a creatura ; author das
verdades, deveres, e culto que devemos crer, cumprir e tributar.
J.ogo houve tempo em - que os direitos do Creador sobre a creatura,
do pai sobre o filho, tlo obreiro .sobre a sua obra, não existiam ou
Hão eram conhecidos ; e foste tu, 6 homem ! que os descobriste e -
lhes determinaste a natureza e a extensão ! llouve tempo em qnn
o bem e o mal, a immortalida<lc <l'alma, o Ceo, o inferno, a orri-
ção, o sacrificio; o culto, a virtude, não existiam ou não eram co-
nhecidas ; e foste tu, ó homem 1 que as inventaste !
Uma só cousa falta a esta bella bypothese : é dar-nos a conhe-
cer o seculo, ·a terra, e o nome deste celebre inventor. Na vercla-
de-, valei'ia lodo o ouro do mundo o saber qual foi o homem que
inventou a DetJS ! Em · que terra se inventou a virtude ! E sobre
todas estas cousas não diz a historia uma palavra : ingrata ! ·"
Islo é evidente, . dizer que o homem inventou a Religião é stfs-
tenlar uma absurdidade diante da qual desapparece qualquer outra,
ainda mesmo a d'aquelle doudo que accusava o seu visinho de ler
roubado as duas torres de Nossa Senhora de Pariz e ·escondiclo-as
nas algibeiras .
•Mas não bastava inventar a Religião, seria preciso impol-a
aos .homens, conservai-a, interprelal"'."a. Ora, de que modo conse-
gnio o inventor da Religião fazer adoptar seus sonhos ao mundo
inteiro ! Em que seculo, e em que paiz se levou ao cabo esla obra
prima 1 · E morto este homem, quem manteve sua- obra a despeito
de todas ~s paixões conjuradas para a deslruir ? Como é que nin. .
guem descobrio a fraude? Quem preservou d'erro assim o dogma,
como a moral e o c-ulto ? }Jiseraveis visionices são todas· estas sup-
posições da incredulidade ! E' tam impossivel ao homem impor aos
outrns UJUa Religião de sua invenção, que Platão, o mais s;lbio e
eloqueqte dos philosophos Pagãos, jamais pôde fazer adoptar um só
artigo da sua divina doutrina, nem ainda á mais insignificante po.,.
voação da Grcciá, W tam impossivel ao homem çonservar intacta
a Religião que houYcsse fabricado, que nem mesmo soube preser~
lar de mil erros a Ueligião que Deus lhe tinha dado. Pouco de~
pojs (}o tHhn io, come~ou '! idolatria ; u qual, por ·tal sorte iufectou

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DE PERSEVERANÇA. 13
o mumlo inteiro, que todas as verdades se to1·naram obscuras ; e,
como disse Bossuel, tudo era Deus, exceplo o mesmo Deus. Ain-
da nos nossos dias, os philosophos, os sabios, os scienlificos irreli-
giosos, andam tam pouco d'accordo, qae Rousseau, que bem os co-
nhecia, dizia com applauso de todo o mundo: (< Ao ouvir os phi-
losophos, quem os não tomaria por um bando de chal'lalães a grilar
cada um para a sua banda, em uma praça publica : vinde cá, vinde
cá; eu só é que não engano? Um pretende que não ha corpos, e que
tudo é em l'eprcsentação ; outro diz que não ha substancia senão a
maleria ; esle declara c1ue não ha vicio nem ''irlude, e que o bem
e o mal são chimeras ; aquelle teima que os homens são lobos, e
que se .podem trincar sem escrupulo de consciencia. » (1)
Em fim é tam imposs•vel ao homem interpretar infallivelmente a
Religião, que sem a· revelação não pode responder cousa certa ás
mais elementares questões r~Jigiosas: por exemplo, devo eu tribu-
tar ao soberano Ser que ú1e creou um culto de 1·espeito e submis-
são ? De que modo e maneira poderei cumprir es_te dever ? Quem
me assegura que lhe é agradavel a minha homenagem? A que sa-
crificio dará a preferencia? Se me tornar culpado, poderei obter o
perdão? Que meio devo empregar para desarmar sua justiça? So
uma vez perdoado o lornar a ultrajar, deverei esperar ainda mise-
ricordia ou entregar-me á desesperação? Quaes são os meus de-
veres para comigo mesmo '! Se eu for justo que tenho a espe-
rar·? Se morro criminoso, que heide temei·? Por estas simplices
perguntas bem vedes como Deus devia, por sua bondade, dar a co·
nhecer ao homem a maneira como queria ser servido. E lá está a
historia para nos informar de que Deus, por sua infinita misericor..
dia, nos. deu. este precioso conhecimento. ('!)
Foi elle communicado ao homem pela revelação. Chama-se re-
velaç.ão a _manifestação exterior e sobrenatural, feita pelo mcsn~º Deus,
d'alguma verdade concernente á Religião. Já vimos que a revela...
ção é nccessaria ; perguntar agora se é possivel é perguntar se

{1) Resposta ao Rei da Polonia.


(i>.) Dergier; art. R~vcl.

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C\ TECIS:uo

Deus potle fallar ao homem e manifestar-lhe as verdades que jnlg::ir


utcis. á sua perfeição e felicidade ; é perguntar se Deus goza, em
relação ao homem, do poder que o homem recebe do mesmo Deus
em relação a seus_similhantes : o poder de se pôr em. communica-
ção com elles. Pois que! Nos, quando queremos, da maneira que
queremos, podemos manifestar nossos pensamentos e vontades a nos-
sos similhantes, e o Creador não hade poder manifestar os seus á
ereatura por nenhuma forma, nem maneira ! ? E' loucura pensai-o,
blasphemca dizei-o ; porque é negar o poder, ou a sabetloria, ou a ·
vontade de Deus ; é negar ainda a fé e crença de todos os poYos.
« Percorrei todos os paizcs, remontai-vos aos mais remotos seculos,
onde achareis uma naç.ão que não tivesse uma Religião positiva ;
que não desse credito ás communicações com a divindade; que não
cresse receber direclamente de Deus urna doulrina que professasse,
praclicas que observasse, regras que seguisse ? E' preci ·o que a
necessidade d'uma revelação se fizesse sentir bem profnnda e uni-'
versalmente, para reunir todo o genel'O humano em a mesma crcn-
~a. Tem os povos divergido entrn si sobre a revelação ; porem
nunca discordaram quanlo á necessidade della ; alteraram, obscure-
ceram, desfiguraram os ensinos primitivos da Religião; mas a per. .
suasão d'um ensino positivo permaneceu constante entre todos os
povos. Este accordo tam absolutamente geral de todos os paizes ·e
tempos do mundo é uma confissão solemne, feita pelo genero hu-
mano inteiro, da insufficiencia da rasão em toda a materia de Reli-
gião. E será admissivel que ~ nosso seculo se revolte contra um
eonse.ntimenlo tam formal, constante e universal dos seculos todos
que o precederam? » (1)
Finalmente, é negar a 11istoria que positivamente •nos diz e in-
vencivelmente nos prova, que Deus fallou. aos homens; que nos in-
dica o _tempo, o lugar, o ohjecto destas communicações; o nome
das pessoas a quem foram feitas. Por isso o livro por excellencia,
não só pela perfeição de sua doulrina e alta antiguidntle, mas Lam...
bem por sua origem divina e authenticidade inconle.stavel, a Biblia,

fl) De Ia· Luzcrne, Disser/. sobre a Revel. e. II, nº. IV.

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nos ensina que os , pais do genero humano receberam de Deus não
só a inlelligencia e o senlimcnlo do bem e do mal, senão lambem
inslrucções, lições, regras de~ proc'edimento ; qne lhes ensinou sua
lei ;- que ouvil'am sua voz e viram a magestade de seu roslo; que
e ta Ueligião primitivamente revelada se. perpetuou nas familias dos
Pa.triarchas ; que ao depois, quando os Judeos se juntaram em cor-
J)O de- nação, Deus fallou de novo a .Moisés; desenvolveu os primi-
Li vos ensinos, ajuntou novos preceitos, e elle mesmo regulou as mi-
nuciosidades do culto que exigia, a fim de que, na plenitude dos
Lcmpos, viesse o mesmo Filho de. Deus falla1· aos homens, comple-
tar todas as instruções dadas a Adam e a_Moisés, e meller o gene-
ro humano de posse de todas as verdades Religiosas que neslc mun-
do deve conhece.r, para servir a Deus como elle quer que o sirvam,
e obter a recompensa que promette a seus fieis. Daqui vem as ln~s
revelações principaes : a i·evelação primitiva feita a Adam ; a Judai-
ca, feita a l\Ioisés ; . a Ckristã, feita pelo Filho de Deus em pessoa a
lodas as naçõPs. Ora, eslas lres revelações, posto que não fossem
igualmente desenvolvidas, lodavía não ensinavam mais que uma e
a mesma Religião, bem como o sol que é sempre o mesmo, tanlo ao
alvorecer como de manhfi~ e ao meio· dia.
5.º Qual é a verdadeira -Religião? - A verdadeira Religião é
· aqueJla que Yem de Deus. Ora, desde. a origem do mundo, muitas
preten<lidas r~ligiões teem apparccido na terra, e todas dizendo : eu
venho de Deus. E' evidente que todas ~entiram, exceplo uma, pois
fJUe já provamos que deve existir uma Religião verdadeira.. Qual é
pois a Religião verdadeira? De que modo reconhecel-a entre tantas
differentes seitas? Não é islo diflicil ; porque a verdade tras comsigo
caracteres que o eno não pode jamais usurpar. Estes caractei·es são
numerosos ; delles citarei ll~s somente : o milagre, a prophecia, a
anliguidade.
1 ~º O milagre. Só Deus pode fazer milagres ; Deus ; sendo a
verdade mesma, não pode fazer milagres para confirmar a menlira :
logo a Religião em abono da qual se ti verem feilo milagres é a ver- '
dadeira llcligião. << Venlm al9·uem, diz Rousseau, fallar-nos deste
modo : mortaes, eu vos annuncio a vonlade do Allissimo ; reconhe-
cei por a minha voz a11uclle que me envia. Eu ortleno ao sol qui~

, .

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16 ·cATECISHO

mude o seu curso ; ás estreJlas, que troquem sua disposição ; á


montanhas, que se aplanem; ás ondas, que se entumeçam; á Lerra,
que tome outro aspecto. A estas taes maravilhas, quem não r~
nhecerá logo o Senhor da natureza ? Elia não obedece aos .im p~
tores. " (1)
2.º A pro1>hecia. Só Deus conhece o futm:o; porque. o futuro
depende da livre vontade dos seres iotelligentes ; porque o futuro
remolo subtrae-se a todos os calculos. Logo só Deus o pode reve-
lar ; só elle pode associar JIID homem a<f seu conhecimento iufinHQ,
e fazer com que annuncie com certeza, muitos seculos antes, um acon--
tecimento pcrleitamente livre em suas causas. Este aclo pelo qual
Deus eleva a intelligencia humana á espbera da sua inlclligencie
infinita é de si mesmo um grande milagre. Ora, sentlo Deu a
verdade mesma , não pode inspirar prophetas para confirmar a
mentira. Logo a Religião em fa:vor da qual so tiverem feito pro-
phecias authenlicas é a verdadeira Religião, l\fas, em todo o de-
curso deste Catecismo veremos um grande numero de prophecias e
milagres, claros como a luz do sol, em favor da Religião de que
somos filhos ;. logo temos direito de concluir desde já que a Reli-
gião Chrislã é só e exclusivamente a Religião -verdadeira.
3.º A antiguidade. A Religião é feita para o homem; desde
que o homem existio na Lerra, iambem a Religião <levia existir ;
porque, desde este momento, houve entre Deus e o. homem rela-
ções necessarias de superioridade e submissão, d'amor e reconheci-
mento. Ora, já vimos que eslas relações são a base mesma da
Religião. Daqui resulta claramente que a verdadeira Religião é
aquella que se remonta á origem do mundo. Logo podeis ler· _t)Or
falsa toda a. Religião da qual poderdes fixar a data. Pois a unica
Religião, que uão começa no meio dos seculos, mas sim com· os se-
culos; a unica Religião, que podemos seguir u'idade em idade alé
o Paraíso terrestre, é a Religião Christã.
O Christiánismo como a Igreja Catholica, fallando aos hereges
pela boca de Tertulliano,· tem o direito de dizer a todas as Reli-

(1) Emílio, 1. IV.

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DE PERSEVERA~ÇA.

giõcs : « Parlamos deste principio, que a verdade existio desde o


começo, e que o erro não veio senão depois. Basta prestar allen-
ção á ordem dos tempos, para concluir que o que foi ensinado pri...
meiro é verdadeiro e divino, e o que foi accrescentado depois é fal-
so e estranho. Eis aqui, 6 religiões differentes do Chrislianismo, e
''os, seitas christãs, eis aqui o que vos confundirá eternamente. Eu
existia antes de vós, vós apenas nascestes hontem ; antes d'hontem
ningnem vos conhecia. Donde viestes pois? Quem vos fez entre os
meus, não sendo dos meus ? Com que titulo, ó l\larcião ! mettes a
fouce na minha seara? Quem te permittio, ó Valentino ! mudar
o curso -dos meus ribeiros ? Quen\ te auctorisou, ó Appelles ! a
transpor os meus limites? Como ottsaes pensar e viver aqui a vos..
so sabor ? Islo pertence-me ; estou de posse ha muito tempo ; sou
senhora antiga ; descendo dos possuidores antigos ; e provo a minha
descendencia por titulos authenlicos. Quanto a vós, não sois mais
que intruzos, posteriores e inimigos. D (1)
O Catecismo mostrará brevemente a magnifica antiguidade da
erdadeira Religião , e o Christianismo se nos offerecerá qual
' 1

uma ca<lea d'ouro; que suspende a terra ao Ceo; cujo primeiro elo
(~slá nos mãos do mesmo Deus, e o ultimo nas do Vigario fie Jesu-
Christo, actualmente sentado no throno immortal dos Pontificcs.
6. º Pode mudar a verdadeira Religião? - Já vimos que a Re-
ligião se funda em a natureza de Deus e a natureza do homem : da
parte de Deus, nas qualidades de Creador, Pai e ullimo fim do ho-
mem ; da parle do homem, nas qualidades de creatura e- filho, in-
dige.nte, mas avido do infinito; não podendo contentar-se senão com
o Ser por excellencia, origem de toda a verdade, de todo o amor e
de todo ·o bem ; a Religião é pois immudaYel, não obstante seus con-
linuos desenvolvimentos.
De facto, quem a poderia mudar? Deus ou o homem? Mas,
d)uma parle, Deus é o mesmo pelos seculos dos scculos ; elle não
muda. (2)

(' .
(1) De Prmscript. p. ~16.
(:2) Ego Dominos et nou mutor. Malach. IH, 6. .
3 li

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18 CATECIS~IO

Ora, pára mudar a Religião na sua essencia, seria preciso que


lambem Deus mudasse de natureza ; isto é. que deixasse de ser
o Creador do homem, e por consequencia o termo necessa1·io das
homenagens e orações do homem ; por outra parte, quando islo fos-
se possível, ainda Deus o não faria, porque mil vezes tem elle dé-
clarado com juramento que a Reljgião hade sempre ser a mesma ;
que o Ceo e a terra passarão, mas que a Religião não hade pas-
sar ; nem se lhe ajuntará ou tirará um só jota. Quem hade pois
mudar a Religião? Será o homem~ ·Mas não foi ·o homem quem
a fez ; logo não lhe e mais facil mudai-a do que mudar a natureza
de Deus ou a sua propria : nem tam pouco lhe será mais possivcl
suhtrahir-se á Religião do que fazer que Deus não seja seu Superior,
Creador, Pai, fim ultimo ; e elle de si inferior, creatura e filhu.
Estas relações, tornamos a dizer, são necessarias e immudaveis.
. Verdade é que nem sempre as leis desta admit'avel sociedade
foram tam claramente conhecidas como depois do Evangelho ; mas
nem por isso deixou a Religião de ser constantemente a mesma.
Teve sim como que suas differenles idades : a sua infancia, desde
Adam até Moisés ; a adolescencia, desde l\loisés até a vinda do ~Ies­
sias ; a virilidade, desde a vinda elo l\Iessias até ao fim dos secu-
los ; . mas em todos estes períodos não deixa a Religião de ser a
mesma sempre. Similhante ao homem que primeiro é menino, de-
pois adolescente, depois homem feito ; e que, passando por estas dif-
ferenles idades, não deixa de ser o· mesmo homem ; t>U ainda como
o soJ, primeiro ao romper d'aurora, depois ao nascer elo dia, em
fim no seu zenilb, dardejando luzes cada vez mais rutilo, sem nun-
ca deixat· de ser o mesmo sol : « A Religião, diz Bossuet, sempre
foi a mesma. Collocaclo entre os dous Testamentos foi fosu-Chrislo
o centro d'um e d'outro ; Jesu-Christo era hontem, é hoje, e o
mesmo tambem. sefá pelos seculos dos seculos. (l) A Religião, de
que Jesu-Christo é o grande objeclo, primeiro cxislio sub a Lei, de-
pois no Evangelho, e subsistirá por toda a eternidade, ciuando Jesu-
Chl'isto, reunido a seus eleitos, subjugará todas as cousas a seu

(1) llcur. XIli, s.

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DE PtRSR,~ERANÇA. 19
Pai, e com elJe será louvado, adorado e glorificado, para todo sem-
pre. Assim é por Jesu-Christ.o, e para Jesu-Chrislo, que todos os
seculos foram feitos; os da Lei antiga, para prepararem os da
Lei da Graça ; e estes, para se irem perder na ELernidade da Glo-
ria. ll
Daqui resulta que o Antigo e Novo Testamento tiveram ambos
o mesmo designio e o mesmo progresso; um prepara a perfeição
com que o outro se .nos mostra ; o antecedente lança o fundamen-
to, o seguinte põe o remate ao edilicio; em summa, um prediz o
que o outro vê cumpri1;-se. Por onde todos os tempos estam uni-
dos, a lradicção do povo Judaico e a do povo Christão não fazem
mais que um mesmo progresso de Religião, e as Escripturas dos
dous Testamentos .não são -que um mesmo corpo, e mesmo livro.
A nossa fé é por lan to a mesma <los Prophetas ; os dogmas que
são object.o della não somente foram nas antigas Escripturas figura-
dos e preditos, senão que lambem estas Escripluras os promettem
e delles. faliam expressamente. E' pois não conhecer o Chrislianis...
mo o consideral-o coino uma Religião nova, que não tenha a raiz. e
o tronco nos seculos· anteriores ao Messias..
A Religião que . professamos subsistio sempre ; pois que do prin-
cipio do mundo a espectativa de Jesu-Christo foi sempre () seu es-
pirilo. « A mesma luz, diz ainda o grande Bossuet, se nos offerece
por toda a parte desde a origem do mundo ; vemol-a nascer com os
Patriarchas, augmentar-se com Moisés e os Prophetas. Jesu-Christo,
maior que os Patriarchas, mais auctorisado que Moisés, emais (!S-
·clarecido que os Prophetas, a faz brilhar a nossos olhos em toda a
sua plenitude. Jesu-Chrislo enlaça todos os tempos, é o centro pa-
·ra onde correm todas as cousas ; a Lei, os Prophetas, o Evange-
lho, e· os Apostolos; a fé em Jesu-Christo t.em sido a fé constante
de todos os seculos. Desde o princ!pio do mundo, o fiel devia crer
em . Jcsu-Christo prometlido, como hoje o Christão em Jesu-Christo
vindo. » ,
· Em uma palana, os antigos Patriarchas não tinham outra Re-
ligião que a nossa, pois se basca,'am nas mesmas promessas ; sus-
piravam pelo mesmo Redemplor. Eram homens evange1icos antes do
EYangelho ; Christflos d'espirito, antes que o fossem de nome.
*

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20 ()ATECISMO

D'esl'arte, aquelles d'entre os Judeos, que reconhecet~am a Jes1~­


€hristo pelo .Messias, não mudaram de Religião fazendo-se Ch1·islãos.
(1) Não fizeram mais do que crer na vinda d'aquelle que esperavam ;
e cuja pron1essa fôra até ent.ãQ obj~cto de sua fé. Ao conlrari'),
aquelles que o desconheceram mudaram então realmente de Religião ;
porque renunciaram á Lei de l\'Ioisés, que lhes ordenava que o re-
cebessem e ouvissem , aos oraculos dos Propbetas, quo o tinham
claramente designado, em sum.ma, á antiga esperança d'lsrael, que
era Jesu,..Christo.
« Com quanto tenham mudado os tempos, diz lambem S. Agosti-
nho, supposto se annunciasse out'rora como futuro o mist~rio da
Redempção, que boje prégamos cumprido, nem por isso mudou a fé
antiga. Não obstante que, antes da vinda do :Messias, se praticasse com
outros nomes e outros signaes a verdadeira Religião, qtJ.e se offere-
cesse d'um modo ·mais occulto, e hoje se exponha de uma maneira.
mais clara, nunca porem houve _mais que uma e sempre a Jfülsma
Religião, O que hoje se clÍama Religião Ckristã existia .entre os
antigos e nunca deixou d'existir uo mundo, descle o principio do gc-
nero humano ale á Incarnação de Jesu-Christo , que é o tempo cm
que a verdadeira Religião começou a chamar-se pelo nome de Chris-
tã. » (2). Quanto é veneranda a Religião por tam alta antiguidade l
Q~e prova da divindade da sua origem o começ&r ella com a ori-
gem do mundo l
Mas se, a este respeito, . me1·ece a Religião ser tam venerada,
.a _perpetuidade della, este progresso continuo e não interrompido
llOJ." tantos seculos, a ~pezar de tantos obstaculos, não demostra evi-
dentemente que é Deus quem a sustenta ? Se, ao primeiro progres-
so da Religião anterior a Jesu-Christo, accrescenlarmos o outro pro.,.
gresso, que 11~0 é mais que a continuação d'aquelle, quero dizer, a

(1) Bem como os protestantes não mudam de Religião fazendo-se


calholicos; mas Gomplclam a aua, admitLindo sinceramen~c ;is consequcn-
. ci~s da verdade que já d'antcs reconheciam.
(2} Rctrat. lih. 1, e. 13. - Vejam-se as mesmas i<leas, e1poslas nes-
ta li~ão e na prcccdontc, provadas e desenvolvidai cm· a erudita obra
de 1\1: J>rach.~ J>o divorçio et~ a S~nagoga.

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DE PERSE\"F.RANÇA.

sussecção da Igr<1ja ·Christã, que aucloridade nãõ ·dá á Religião uina


duração que abrange toda a extensão dos seculos ! E' possivel não
,·er aqui um dcsignio sustentado sempre e progressivamente desen,.
volvido'? uma mesma ordem de divinos conselhos, que prepara, des-
<f e a origem dos tempos, o que pretende acabar no fim deHes ? e •
que, em diversos estados, mas em successã~ constante, perpetua á
vista do universo a sociedade santa, em que a Deus apraz que o
sirvam? (1)
Certamente, uma Religião que se remonta ao primeiro homem,
e tem atravessado, sem alteração, o immenso espaço dos seculos, que
dá rasão de tudo e sem a qual se não pode dar rasão de nada,
não é possivel que outrem seja seu author senão Deus, a Sabedoria
infinita ; oulro o seu sustenlaculo senão o poder daquelle que, tendo
tudo em sua mão, pode come~ar e conduzir ao seu fim este desi-
gino, cm que todos os tempos se cornprehendem.
Isto que temos dilo da existencia, necessidade, e natureza dá
Religião se tornará palpavel pela historia seguinte. ·
Uma mulher mundana que, como muitas outras, não conhecem
hem o que é a Religião, nem com isso se occupam, considerando-a
uma cousa vat'ia \'·el e de convenção, queixava-se muito de sua filha
diante d~um missionario. - Porem, · senhora, lhe · disse este, acaso
ha relações entre uma mãi e sua filha, para que esta seja obrigada
a respeitar-vos e obedecer-vos? - O que ! Senhor, pois eu não sou
sua mãi ? Qualquer que seja a sua idade, não é sempre minha fi-
Jha ? Não é de mim que recebeu tudo~ Não é obrigada sempre a
me respeitar e amar~ - Porem, Senhora, essas relações de supe-
rioridade da vossa parte, e de dependeneia da parte de vossa filha,
não serão tal vez cousas de convenção, que po!!Jsam mudar~ - Mu-
• dar L pois então fazei que eu não seja sua mãi, e ella minha filha :
os direitos de mãi são immudaveis ; porque são fundados na mesma
LJualidade de mãi. - Então credes, Senhora, que entre ''Ós e vos-
sa filha haja relações necessarias, que tendes direito a mandar, e
ella dever d'obedecer, respeitar e aQ.lar; que., se faltar a isto, 9

(1) llist. resumida da llelig.

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CATECISMO .

culpada ; que se não trata aqui d'um negocio de convenção ; mas


d'uma cousa immudavel, sagrada, fundada em vosso titulo de mãi,
e iUa qualidade de filha ; olhai bem. parece-vos isto certo ? - Se
me parece certo ! - Pois bem 1 Senhora, mu<lai os nomes ; ponde
. Deus no vosso lugar, ponde-vos a vós mesma no lugar de yossa
filha, e eis ahi tendes a Religião.

a1oa ...

ORAC~O.
'
O' meu Deus ! que sois todo amor, eu vos dou graças por nos
terdes dado a Religião, que nos ensina a conhecer-vos e amar-vos ;
fazei, Senhor, que sempre conformemos as nossas acções com a nos-
sa fé.
· Eu proteslo amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus; e, em testemunho deste amor,
tomarei todos os dias alguma lwra de meditação.

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OE PERSEVERANÇA.

xx. 2
LIÇÁO.

ANTIGUIDADE DA RELlGllO CHlUSTl.

A Religião ó uma lei, a mais sagrada d~ todas as leis. - A indiffe1·co~a


reUgiosa é um- crime e uma loucura. · ·

, QuANDo consideramos a sociedade aclual, éonlemplamos um es-


tranho espectaculo ! A maior parle dos homens já nem praticam
a Religião, nem resam, nem vão á missa, nem respeitam o domingo,
nem se confessam, nem commungam , nem já dão signal de Chris-
tianismo. Um grande numero de mulheres imitam os homens, e en-
tre aquellas que se dizem christãs , nota-se um desleixo, uma re-
laxação, uma facilidade de peccar, que afflige e conslerna. A esle
especlaculo , não poderemos dizer que a Religião está sendo uma
cousa indHTerente, que cada um julga licito praticar ou não prati-
car , tomar, ou largar , ace.ilar toda, ou lruncal-a, segundo as cir-
cumstancias? em uma palavra , não poderemos dizer, que a Reli-
gião já não obriga, ou qne só- obriga tanto quanto queremos, e uni-
camente porque o queremo~, sem haver que temer em infring1l-a,
- ou esperar em observai-a ? .
Para dissipar este erro, que . não- tem exemplo na historia de
nenhum povo, vamos mostrar que a Religião é uma lei , a mais
sagrada de todas as leis ; Jci universal, sem a qual o homem não
pode exislir ; lei que não é possivcl substituir-se ou dispensar-se; e,
para fazer observai-a , mostraremos alem disso que ella é o mais
magnifico presente que Deus possa dar ao homem.
1. A Religião é uma lei. Se pedirmos aos jurisconsultos e ths-
u

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CATECISMO

ologos a definição de lei , responderão : a lei é um preceito geral,


· justo e permanente, publicado a bem d'uma sociedade, por aquelle que
tem da.rei.to de a governar. (1) Ora , todas estas qualidade con vem
á Reli~ião mil vezes mais que a qualquer lei por mais respei~avel,
e respeitada que seja entre os homens.
Primeiramente a Religião é um preceito, uma ordem, uma regra
<Pacções mais geral que todas as leis humanas. As leis humanas são
necessariamente incompletas, e só regulam os actos externos; a
Religião , pelo contrario , é uma lei complela ; e regula não só os
aotos exteriores , mas , apoderando-se tla consciencia, regula lambem
os pensamentos, desejos, e os menores movimentos da alma; acon-
selha uns, conclemna outros, define o bem e o mal no momeni~ que
o coração o concebe. As leis humanas só regulam as relações dos
homens entre si ; a Religião regula não só as relações dos homens
entre si, mas lambem as relações do homem com Deus. Elia é quem
lhe ensina donde vem, para onde. vai , porque está no mundo ,
o que deve a seus superiores e inferiores , a seus iguaes e a si
mesmo ·; o qne lhe cumpre fazer e evitar, e o que ha-de esperar de-
pois do lumulo. As leis humanas só se referem a certos lugares 1
variam com os povos , envelhecem com os seculos ; a Religião não
tem outros limites que os do mundo ; pertencem-lhe todos os climas;
ao Chln e ao Japonez 1 ao Africano e ao Tartaro, ao Europeu e ao
Americano, como ao selvagem da Polrnésia, ella ensina, manda,
prohibe a mesma cousa ; não varia jamais com os povos ; embora
mudem de linguagem , costumes , leis , forma de governo, ella per-
manece a mesma : sempre a mesma no dogma , na moral , nos sa·
cramentos, nas jerarcbias. Não caduca com os seculos; coeva do
mundo , abraça toda a sua duração; sempre fecunda, moderna sem..
pre, não perde jamais um só de seus dogmas, um só preceito,
um unico rito essencial : similhanle ao sol, que ha seis mil anMs
innunda o universo com torrentes de luz , sem altenuar-se ou enve-
lhecer-se.

(1) Lex nihil allud est qnam qaffidam rationís ordinatio ad bonum
commune ab eo qui curam commumtalis habct promulgata. S. Th. 1 p.
q. 90, arl. {.

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DE PERSEVERANÇA. 25
A Religião é pois uma lei , por isso que é um· prnceilo geJ"al
e permanente: e, ·sobre todas; a· mais veneranda lei, porque é a
mais antiga, geral e permanente.
Em segnntlo lugar, a lei , dizem os jurisconsultos, é um pre-
ceito fusto, publicado a bem d'uma sociedade. Aqui lambem vemos
· a preeminencia da Religião cnlre todas as leis humanas. Quando
comp~lsamos a immensa conceção das leis que os homens fizeram;
leis do'S antigos Egypcios , leis dos antigos Gregos, leis dos anti-
gos Romanos , leis dos Gaulezes , leis dos Lombardos , leis dos Tar. .
taros , leis dos Chinezes·, teremos acaso a certeza d'achar todos es·
tcs preceitos humanos marcados , sem excepção , com o sinete da
justiça e equidade? Não vemos muitas 'rezes a crueldade , a im-
moralidade ,· a· mentira , a violencia , transformadas em regras d'ac·
ções ? não profanam ellas ·o sagrado nome de lei , com qu~· se· ·au..
ctorisam ? Qual é o· povo que se não envergonha de certos rtigos
de seus Codigos? E' bem differ :nta cousa a Religião : ella, como diz
um Prophela, é a Lei immaculada. (1) Tudo o que nos ensina é ver""
dad iro ; tudo ·qoe manda é bom , justo , amavel e moral; tudo quo
prohibe é máo. Não ha virtude que não aconselhe; vicio, que nã
condemn_e; injustiça, ou maldade, que não proscreva. Toda e 1e'-
duz a estes · dous preceitos:· amarás a Deus sob1·e todas as cousas·;
_e ao proximo , isto é a todos os homens , amda os inimigos , como
a ti mesmo , por · amor de Deus. Se amais soment~ aos que vos amam,
que merito tereis nisso? Os Pagãos tambem o fazem. E se apenas
saudacs os quo vos saudam , que merilo ha ~eis ainda 'l Outro tanto
fuzem os publicanos. Amareis pois aos que vos · fazem mal, mor-
rereis por aquelles que vos perseguem, afim que sejaes os filhos <lc
vosso Pai · celeste, que manda o sol para alumiar aos bons e aos maos.
(2) Depois desta simples exposição, sabeis d'alguma cousa mais
·usta que a Religião ? mais capaz de melhorar o homem e ~ egu-
rar a folicidatle do mundo ? Logo é uma lei r ·a mais augusta das
leis.
Finalmente a lei e uma regra ll'acções, da<la a uma sociedade por

(1) Lc:c Domioi immaculala·. Ps. 18.


(21 .Math. V. 1.0, etc.
. 4 1l

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26 CATECISllO

aquelle que tem dfre-'ito de a governar. São respeilaveis , e sem du-


vida devem respeitar-se, as leis justas e sabias , que dimanam de
legisladores humanos. Vós o dizeis todos os dias , e assim obraes
d'accordo ; porque todos os dias se abrem vossos tribunaes para jul-
gar as infracções da lei ; e as prisões , para prender os infractores:
até muitas vezes se levanta o cadafalso , para os punir de morte.
Logo reconheceis nos legisladores humanos, e príncipes das nações,
o direito de fazer leis ; e nos povos o dever de obedecer-lhes. Mas
esta auctoridade legislativa, que attribuis justamente a certos ho-
mens , recusal-a-heis a Deus? Se o filho tem o dever d'obedeccr a
seu pai , e o subdito a seu príncipe , lerá o homem direito de de-
sobedecer a Deus ? São menos formaes as suas ordens que as vos- .1
sas? menos sagrados os seus direitos? Ainda mais : d' onde derivam
as leis humanas sua auctoridade ? Será do mesmo Legislador 'l. Não.
Qualquer que seja o seu nome, rei, imperador, assemblea, senado , ·
o Legislador humano nunca é mais que um homem ; e , com este
titulo não tem direito a impor a sua vontade a seus sirnilhautes ;
porque todo o homem vale tanto como outro homem. Com que di-
reito pois se faz o Legislador obedecer? D' onde deriva a lei a sua
auctoridade? Ainlla que vos escandalize, hei-de-vo-lo dizer : hoje é
moda zombar do direito divino dos reis. Pois bem , a verdade é
que -o direito é divino , em tanto que só Deus pode impor ao homem
a obrigação conscienciosa d' obedecer a outro homem. Por isso , em
a nação , o rei ou chefe do Estado manda em nome de Deus , JlOr
quem os reis reinam ; em a familia , o pai manda em nome de
Deus, de quem a paternidade procede ; toda a vez que o homem
levante a voz para mancta1· a ·seu similhante , é preciso que o in-
ferior ouça dentro de si outra voz. que lhe diga : obedece , é Deus
que manda. No dia que esta voz celeste não for ouvida , e esta
crenç.a da divindade do dit'eito se apague no coração do homem, não -
ficará em pé um .só poder , uma só auctoridade sobre a terra. Aqui
não ha meio termo : no dia em que o homem deixar de mandar
em nome de Deus, deverá mandar em seu proprio ·nome. Nesse caso
que é o poder, a auctoridade, a lei? é um jugo que a violencia im-
põe , a razão nega , e a forçá quebra. A mesma noção do direito
extingue-se ; a vontade do mais forte torna-se a regra dos deveres,

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DE PERSE~ERANÇA. 27
e a moral dos homens fica sendo a moral dos 1obos. Está logo bem
provado que no sentido mais elevado da palavra , a Religião é uma
lei. Por consequencia, está igualmente provado, que os -homens dos
nossos dias , ·que fallam incessantemente em legalidade , que exal-
tam e guindam a legalidade a 'Qma especie d'idolat1·ia , e que , ao
mesmo têmpo , desprezam a lei religiosa , são os mais parvos, ab-
surdos, bem coiqo os mais perigosos, por não dizer os mais cri-
minosos de todos os homens.
2. º A Religião é a mais sagrada de todas as leis. A santidade
d'uma lei nasce da pessoa do legislador de quem dimana , da im-
portancia dos deveres que impõe , da sancção que a confirma. Ora,
estas tres condições reunem-se para alçar esta proposição ao mais
alto gráo d'evidencia ; a Religião é a mais sagrada de todas as leis.
Em primeiro lugar , pela pessoa do legislador. Percorrendo o
mundo , encontro no ro&to dos differentes_ codigos, que teem regido
as nações , os .nomes d'homens mais ou menos respeitaveis : l\linos,
Rhadamante , Licurgo , Solon , Numa , Confucio, Mabomet; os fun-
uadores dos reinos, dos imperios e republicas modernas. Inclino-
me com reverencia a estes nomes que te.em respeitado e ainda res-
peitam milhões de meus similhantes. l\fas no frontispicio do Codigo
sagrado , vejo brilhar um nome que não é o d'um homem , nem
u'um Anjo , nem d'um Archanjo ; um nome superior a todos os no-
ines , diante do qual todo o joelho se dobra no Ceo , na terra e nos
infernos : é o nome de Deus. Ora , se as leis elaboradas por bo..
mens celebres leem direito, em rasão da sua mesma origem, ao nosso
respeito e submissão , quanto nos não deve ser mais respeitavel e
sagrada a lei que dimana de Deus, Legislador supremo, Origem de
toda a justiça , sabedoria e poder ! ?
A importancia dos deveres que impõe. Sem duvida que são
imp-0rlantes os deveres impostos pelas leis humanas. Da fidelidade
em os cumprir dependem , ao menos em parte , a ordem , a paz ~
a prosperidade das nações, a fortuna dos particulares, a sua saude,
e bem estar material. Todavia estas vantagens somente se referem ao
tempo, e acabam com o tempo : só ao corpo aproveitam, em quanto
a alma lhes fica estranha. Que diremos agora dos deveres prescn-
plos pela Religião ? deveres que abrangem assim o corpo como a

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2.8 CATECISMO

alma , o tempo como a eternidade, o homem como a sociedade lotla t


Felicidade , conhecimentos , ' irludes , sociedade, familia , individuos,
1

tudo se avilta, }Jercce tudo , logo que não são respeitados. Ora , o
primeiro dever, que a Religião nos impõe, é crel' ; pois está escriplo:
aquelle que não crer será condemnado. (1) Sim, condeltlnado neste
mundo, e no outro. De facto , infringi o primeiro artigo sagrado,
tirai á Religião o Symbolo, que vos fica'? Par a o individuo, o infer-
no da duvida ; para a sociedade , o cabos. Pcnettai em uma destas
jntelligencias aonde se extinguio a luz da fé. As verdades mais in-
contestavcis , que constituiam a sua mesma vida , desabam uma3 so-
bre outras , como os paineis d'um sanctuario mettido a sacco. De-
pois, vêde surgfr as incertezas , as contradicções , os vãos phan-
tasmas , as hesitações. Todos os delirios d'um ccrebro febril succe-
~lem-se , guerream-se , destroem-se uns aos oulros ; e, em suas in-
terminaveis luctas, fatigam, cançam esta intelHgepcia, e arremessam~
na por fim ao charco immundo d'um materialismo ignobil, ou lal vez
a uma tumba , ensanguentada pelo - suicidio. Tudo islo pertence á
historia. Poqemos hoje contar entre nós , na lnglalerra , Alie-
manha-, França , t~es Apostat~s da fé que sustentam, á cerca de
Deus , da Religião , da sociedade , da familia , thcorias não menos
extravagantes e gmlescas qqe QS systemas vagos, OU informes DO-
ções dos selvagens. Eis-aqui no que pára o cspil'ilo do homem in-
fiel. E será seu coração menos digno de lastima? W o que ':amos
ver.
O segundo dever, que a Religião nos impõe , é pensar, ou an7" .
tes conformar nossos pensamentos, desejos e acções com a grande
regra de proceder que se chama o Decalogo. Que fica sendo o ho~
mem que ousa atropellar esle segundo artigo do Codigo sagrado ? No
fundo de ~eu coraç,ão cêv~-se tres grandes paixões: o orgulho, a
a;vareza, a voluptuosidade. Sollicitam-no noute e dia estas tres fu'"'.'
rias , apertam com elle , esforçam-se por lhe impôr seu vergonhosq
jugo. A unica voz capaz de quebrar o encanto de tam Ielhiferas
sereas, é a grande voz da Religião, com a sua duplice eternidade de

(1) Qui non crc<lidcrit condcumabilur Marc. XVI, 16.

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DE PERSEVERANÇA. 29
~asligos e recompensas. O freio unico, para c~nter estes crueis mons
tros , é a magcsLosa Yonlade de Deus~ Suffocai esta voz, quebra..
este freio , que Yereis ~ Para logo o c01·ação humano se torna esi
cravo destas hycnas ; o homem enlouquece; gozar, gozar muito, go-
iar a todo trance , eis-aqui a sua lei. Honra , -probidade, saude ,
fortuna , consciencia, ludo vende , tudo põe em almoecla, para sa'.T
tisfazer-se. Eu, eu. só e nada mais : esta a sua divisa. Elle a ser~
Nirá a lodo custo , estai certos disto , embora devesse .custar-vos a
;vós a 1wnra e a vida. Todo o genero de baixezas, envenenamentos,
fraudes , crimes os mais atrozes e inauditos, que possam denegrir a
face da terra , são a prova desgraçadamente muito peremptoria desta
verwmhosa verdade: o co1·aç.ão do irnpio é o inferno aberto. .
A sociedade da mesma sorte se definha pelo despr~zo da Reli.,
gião. Não ha sociedade possivel sem o respeito á auctoridade. Ora,
quando os homens chegam a já não respeitar a primeira de todas as
auctoridades , aquella de que todas derivam ; quando chegam a já
·se não importar com Deus, nem com suas leis, não tardam a eles..
prezar as aucloridades inferiores, e violai· todas as leis humanas.
A noção do poder e do dever extinguem-se , os laços sociaes re~
laxam-se. Com rasão se disse : onde Deus não tem altar, não teem
-0s reis Lhrono ; e , rei quer dizer auctoridade , seja qual for seu-
.nome e jerarchia: I>ontifice, rei , magislràdo , pai de familia, an:-
çião. Um odio sm·do, um espírito d~insubordinação fermenta inces-
santemente nos subditos ; ameaçados em seu podei· e pessoas, veem..
se forçados os chefes da sociedade a apertar o jugo, a· usar violen~
ª
cias, isto é, a accelerar e augmentar for~ com que a rebellião
estala.
Não ha sociedade sem crenças communs, admittidas como re.i.
gras immudavei s dos pensamentos e ·acções de todos os cidadãos,
Dra, lira i a Religião , acabaram as crenças divinas , e, por conse..
c1uencia, as crenças communs e sagradas. Tudo fica problematico ;
to.das as verdades se tornam relativas ~ por consequencia muda"'.'
veis, incertas ; adoradas hoje , amaqhã serão açoutadas na praça pu-
blica. A' força de decepções , chega a ~ociedade a duvidar de tudo
e de si mesma. Esla duvida fatal a corroe, enerva, deshonra, tor-
na incapaz de 1udo que e grande; ora lhe Jlroduz o abaHmcnlo, ora

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30 . ~ CATECIS~IO

a vertigem , até que em fim, miseravel e aviltada, acaba nos san-


guinolentos furores da anarchia ou nos ferros do mais brutal despo-
tismo.
Não ha sociedade sem espirito de sacrificio. Todos vos dirão
que a sociedade não pode viver sem o sacrificio <lo interesse par-
tfoular ao interesse cummum. Ora, este sacrificio tam custoso as
paixões, este sacrificio perenne , não poderá obter-se po1· outro meio
que não ·seja o temor de Deus e a esperança de futuras recompen-
sas. Fazei que o homem não creia em Deus, que não tenha certeza·
de seus castigos e recompensas , e vereis o egoismo, o egoismo frio,
cruel, barbaro, d'uma ou d'outra forma, enregelando tudo, tornan-
do-se a lei uni versai de todos. Então já não ha sociedade : essa cbusa
que ainda conserva este nome já não é mais que um montão de
individuos, que empr~gam a astucia e a força para saciarem , á
j

custa uns dos outros, a ignobil _sede do ouro , das honras , e da


sensualidade.
Estas, vérdades, tam evidentes de si mesmas, eslam confirmadas ·
por uma experiencia lam antiga e tam moderna, que o primeiro ax i-
oína de todos os homens cordatos é , que sem Religião não ha so·
cíedade possivel.
« Aquelle, diz Platão, que destroe a Religião, destroe o funda-
mento de toda a sociedade humana )) (1) « As cidades e nações , ac-
crescenta Xenophonle , que mais se entregaram ao culto dí vi no , fo-
ram sempre as mais duraveis e sabias. » (2) « As ]eis de l\1inos , e
de Nuína, diz um celebre jurisconsulto moderno , baseam-se no te-
mor dos deuses.)) Cicero , em seu Tratado das leis, põe a Provi-
dencia como fundamento de toda a legislação. Numa tinha feito de
Roma a cidade sagrada para ~azer della a cidade eterna. . . Não bas-
tam para a moral as leis , que não regulam mais que cert.as accões;
a Religião só é que abraça todas. As le.is apenas suspendem o
braço ; a Religião governa o coração. As leis são- relativas só aos.
.cidadãos ; a Religião apodera-se do homem. Que sel'ia a moral se

(1) De Lcgib. lib. X.


(2) De Socrat.

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DE PERSEVERANÇA. 31
se linutasse á região das sciencias , que força teria ella, se as ins~
lituições religiosas a não fizessem descer d'ahi' para a incarnar no
povo ? A moral sem preceitos positivos deixaria a rasão sem regra ;
sem dogmas religiosos, seria uma justiça sem tribunaes. O dogma e
a moral seriam méras abstrações, se lhes faltassem os rilos, as ce-
remonias , as praticas que lhes dão corpo e consistencia . . Quando
se trata da Religião, mais importa obrar do que saber. Ora, as ac-
ções boas não podem preparar-se e manter-se senão por hab_itos bons.
E' praticando as acções que conduzem á vi~t ude , ou pelo menos lhe
despertam a idea , que aprendemos a amar e praticar a virtude
mesma.
cc A verdadeira philosophia respeita f'S formas tanto, quanto as
despreza o orgulho. Carecem tanto as acções d'uma disciplina , como
as ideas de coordenação. Negar a utilidade dos ritos e pratic~s re-
ligiosas em materia de moral, é negar o imperio das noções sensi-
Yeis sobre os entes que não são puros espiritos ... Uma Religião -sem
culto publico, definhasse, conduz infallivelmenle a multidão á idolatria ..
Se não houvesse um meio para unir aquellcs que professam a mesma
crença, não seriam lautos os systemas religiosos quantos os indivi-
duos? ...
«_Sustentar qúe a Religião nenhuma desordem evita nos paizes
onde é mais honrada , por isso que não impede os crimes e escan-
dalos de que somos testemunhas , é propor uma objecção que fere
da mesma sorte a moral e as leis , pois que a moral e as leis não
podem prevenfr todos os crimes e escandalos ... venios sim os cr~­
mes que a Religião não impede, mas vemos por ventura os que ella
evita? Acaso podemos prescrular as consciencias ! para descubrir
os negros projectos que a Religião suffoca ? todos os salutares pen-
samentos que suScita? D'onde vem que os homens que nos pare-
cem tam máos separadamente são no todo tam honestos ? Não será
porque as inspirações., os remorsos , a que os máos resistem , mas
os bons cedem, bastam para regei· a genel'alidade dos homens no
maior llumero de casos, e manter no decurso or<linario da vida esta
direcção universal e uniforme, sem a qual toda a sociedade dura-
doura seria impossivel? ... Crê-se que são as leis que governam ,
e em toda a parte são os coslumes. Os costm)les são o resultado

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32 CATECTS~IO

tento das circunislancias, dos usos , das instituições.· Ora, de tudo


ó que ha entre os homens , nada abraça o homem completamente
senão a Religião; e porisso nada é mais capaz de o formar em bons
costumes. . . Tirai a Religião á massa dos homens , com que haveis
de ~ubslituil•a? Quem não está preoccupado do bem, está prcoccupa-
do mal ; o espirito e o coração não soffrem estai• vasios. Quando
já não houver _Religião, não haverá patl'ia, nem sociedade para esses·
homens que , recoperando· sua incfopendencia , não terão mais que a
força para abusar della .._ Sobre tudo nos Estados livres , a Religião-
se faz precisa. NeHes , diz Polibio , para não ser obrigado a dar a
alguns homens um poder perigoso , o mais f~rte receio dcv~ ser o-
dos deuses. (1) )>
Acabamos' de considerar a santidade da lei religiosa em relação
á pessoa do legislador, que a estabelece, e á imporlancia dos de-·
veres, que impõe ; rest~nos- estudal-a relativamente á sancção que a
confirma.
~ sancção d'uma lei consiste nas recompensas ou vanlagens pro-
mellidas a quem a observa, e na.s penas impostas contra quem a
infringe. Debaixo deste ponto de ··vista, qual não é a santidade da
lei religiosa? Qnasi nunca as leis humanas estipulam recompensa em
favor· ú"aq-uelfes que as observaÍn. Assim os nossos codigos nenhu-
ma recompensa prometlem a quem não rouba, ou mala, ou diffama
a reputação -d'outrem, ou d~frauda os impostos. .A. unica recom-
pensa que · promettem ; .é proteger-nos da i~justiça, da calumnia ,
da _violencia ; é o g-0zo lranquillo de nossa liberdade , fo1·tuna , ou
salario , e oútras vantagens deste genero que todas se resumem em
um bem estar exterior , passageiro e necessariamente incompleto : a
ReHgião e outra cousa. A paz da consciencia e logo neste mundo o-
P,remio de quem a obServa : é esta safü~fação intíma, que não pode
turv;ar-se ou perder-se , bem estar constante que, como diz a Es-
criptura , faz' ·,da vida um continttado banquete: bem estar, por con-
sequencia-, 'tam completo 1 quanto pode dar-se no triste valle das la-

-(1) Portalis, Discurso á cerca da organisação dos cultos, 1ü gcrmi·


nal an. X.

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DE PERSEVERANÇA.
grimas. Alem disso, em quanto as leis humanas limitam suas 1womes-
sas aos curtos annos do tempo , a Religião realiza~ as suas por toda
a eternidade. Estas as recompensas como sancção da lei. Quanto
ás penas impostas contra os violadores das leis humanas , que são
e1las ? Por mais graves que sejam apenas alcançam o homem por
uma parte do seu ser , o corpo , a liberdade 1 a fortuna , a reputa-
ção, a vida; ainda assim acabam logo com o tempo. Sã0 outra cousa
as penas que sanccionam a lei divina. Ferem o homem na alma
e no corpo. D'aqui vem ·a sentença do divino legislador : Não te-
mais os que só podem matar o corpo ; mas temei antes aquelle que
11ode matar o corpo e a alma : sim, em verdade vos digo qu.e o te-
mais. (1) Ha outra difTerença : em tanto que os castigos que fazem
respeitar as leis humanas acabam, como as recompensas , com o tem-
po , as penas impostas aos infractores da lei divina alcançam o ho-
mem em toda a duração <le sua existeucia presente e futura : a mes-
ma eternidade não as verá terminar. Finalmente, o que muitas ve-
zes diminue a sancção penal das leis humanas, é a possibilidade
d'escapar aos golpes e.la justiça. Conspirastes contra um rei , sois
condemnado á morte; mas. não vos será impossi vel fugir ainda de
seu reino, subLrahir-vos ao castigo; pois vede se podereis sahir do
reino de Deus 1 Attentastes contra a vida d'outrem; prejudicastes sua
fortuna , sua repuLação ; não vos será sempre impossivel negar o
facto , aniquilar as provas mat.eriaes do crime ; e passar por ínno-
cente ; pois ide lá negar no tribunal d'aquelle que sabe tudo 1 Tra-
zido perante os tribunaes humanos, ainda podeis peitar os juizes e
comprar a absolvição ; pois ide tambem peitar a Deus e fa.zel-o con-
nivente, para ficardes impune. Logo fica demonstrado que a Rel!-
gião é a mais sagrada d·e todas as leis.
3.º A Religião é uma lei universal, da qual nenhum homem
pode isentar-se. Ide, ensinaí todas as nações, disse o divino Legisla-
dor, e ensinai-lhes todos os meus preceitos. Todo aquelle que vio-
lar um s6 é violador de toda a lei. (1) D'est'arte abrange a Reli·

{1) l\Iath. x_ 2s. . .


(12• Math. XXVIll,
p
19, S. Tiago II, 10.
D II

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34 CATECISMO

giao todos os tempos , lugares e pessoas : não lhe põe obstacu lo as


montanhas, rios, mares, fronteiras,, distincções de sexos ou raças. Por ·
onde não é mais possível haver Religião nacional uo que sol nacional.
Não ha isenção , nem privitegio para ninguem : reis e subditos, ricos
e pobres , sabios e ignorantes , moços e velhos, gregos e barba-
ros , homens d'hontem e homens d'amanhã, são todos subdito& da
lei divina." Par3: todos o mesmo Evangelho , o mesmo syrnbolo , o
mesmo Decalogo , os mesmos sacramentos, as mesmas pro.messas-,
os mesmos castigos , sem mais differença que a do merito ou de-
merito. Seria ocioso desenvolver esta verdade, se não precisassemos
mostrar quanto é cutpavel a indifferença em rnateria de Religião, e
'quanto é ímpia esta max-ima tam vulgar em nossos dias, que a Re-
ligião só serve para o povo, para _as mulhei=es e creanças. ·
lia duas sortes <l'inditferenças : a indiffere-nça especulativa e a
inditferença pratica. .A inüifferença especulativa é aquella que não
crê em Religião nenhuma, nem_ se dá ao trabalho d' examinar se
ha uma Religião verdadeira. Para a confundir, basta mostrar com(}
raciocina : « Não sei quem me pôz no mundo , nem o que é o-
mundo , nem o que eu mesmo sou. De tudo sou um chapado igno-
rante. Não sei o que é o meu corpo , os sentidos, ou a alma ;
e esta mesma parte de mim que pensa o que digo , .e reflecte cm
tudo e em si mesma, não se conhece melhor que o resto. Vejo
estes medonhos espaços do universo que me rodeam, e acho-me
prezo a um canto desta immensa extensão, sem saber porque estou
antes aqui .--do qne em outra parte; nem porque este pouco tempo,
que me é dado viver, se me concede neste ponto, mais que em ou-
tro de toda a eternidade que me percede e de toda aquella que me
segue. Não vejo senão infinidades por toda a parte, que me absor-
vem como um álomo , e como uma sombra , que passa e nfo tor-
na. Tudo · o que eu sei, é que em breve hei de morrer; e o que
mais ignoro. é esta morte mesma que não posso evitar. · Como não
s~i donde venho, tambem não sei para onde vou ; e apenas conheço
que sahindo deste mundo vou para sempre reduzir-me ao . nada, ou
cahir nas mãos d'um Deus irritado , sem saber qual destas duas
condicções me tocará por sorte.
« Eis-aqui o meu estado cheio de miseria , fraqueza , e <lhs·

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DE PERSEVERANÇA. 35
curidade. E de tudo ísto concluo que devo passar todos os dias da
villa sem cuidar no que me virá a acontecer , e que não devo fa-
zer mais que seguir as minhas inclinações, sem reflectir, nem me in-
quíelar; fazendo tudo o que devo para c.ahir na de~graça eterna ,
no caso de ser verdade o que dizem. Pode ser que eu achasse al-
gum esclarecimento para as minhas duvidas; mas- não estou para
ter trabalho , nem dar um passo para esse fim ; e , -desprezando os
que tanto se afadigam com isto , quero ir sem previdencias nem te-
mores lentar este grande successo, e deixar-me conduzir á - morte
perguiçosamenle, na incerteza da eternidade da minha condição.>l
« Na verdade, é glorioso para a R~igião ter por inill!igos tam
dcsarrasoada gente.» (1)
A indifferença -pratica é aquella que crê u'uma Religião, mas
não cumpre os seus deveres. Para confuridil-a , basta ainda mostrar
como raciocina : <( Creio que ha um Deus , Creadôr e Senhor abso-
luto do mundo e do homem. Creio que este Deus manifestou suas
adorarnis vontades, as quaes reunidas formam uma Religião , que
devo aceitar tal como é , ~cm que me seja permittido ajuntar--lhe
ou tirar-lhe cousa alguma. Creio -que esta Religião não só me im-
põe actos interiores de · fé e adoração, mas lambem actos exterio-
res e positivos de culto externo e publico. Conheço estes aclos , e
sei que · negligenciando cumpril-os constituo-me em estado perma-
nente de revolta contra Deus. Conheço que , para punir meu in-
solente desprezo , abre-se debaixo de meus pés um abysmo de fogo
eterno. Conheço que não estou separado delle senão pela vida pre~
sente. Sei que esta vida presente não é mais que. um fio ; e que
este fio .está nas mãos de Deus , que o pode cortar quando quizer;
e que o fará sem me avisar, talvez esta noute ou este mesmo ins...
tante. E de ludo isto concluo que devo continuai· a vive.r tranquil-
Iamente no meu indifferenlisrno , na certeza de cahir, mais cedo
ou mais tarde, nessa desgraça ete.ma.
Na ''erdatle , tornamos a dizer , é glorioso para a Religião ter
por inimigos ~m desarrasoarla gente.

(1) Pascal, Pensamentos, part. II, art. II.


;jf

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36 CATECISMO

Quanto a esta maxima : A Religilio só serve para o povo , para .


qs mulheres e creanças; é ao mesmo tempo , na boca de C[Uem a
~mitte , uma impiedade, tolice , mentira e crueldade.
E' impiedade. Por quanto, ou dizeis com isto que não ha Re-
Ugião para os homens e para os ricos ; que Deus lhes dá a Jibcr-
dade d'obrar segundo seus caprichos e paixões, impondo só o
dever da continencia aos pequenos e fracos, em ~maior proveito dos
grandes e fortes ; ou quereis dizer que ha uma Religião para os ho-
mens e os ricos, e outra para o povo, as . mulheres e as creanças ;
QU emfim quereis dizer que a Religião é uma phantasmagoria boa'
para entreter o povo, as mulheres e creanças ; mas indigna d occu-
1

par a attenção d'um homem serio .:__ que ainda será um brilhanle
systema para alhnenLar imaginações ardentes e espiritos ociosos ;
mas cujo vacuo e falsidade não embaºa os homens positivos ; que
será tainbem umas andadeiras proprias para ter mão no povo e nas
mulheres que não caiam , pois são umas creanças ; mas completa,
mente inutil quando já um rapaz veste sua niza e lhe assoma no
rosto sua penugemsinha. Ora recordai-vos do que deixamos uemons-
t~ado, a saber : que ha uma Religião, que não ha mais que uma,
que vem de Deus , que obriga a todos os homens sem excepção ,
e dizei-nos se pode haver maxima tam impia como esla que acaba-
mos d' explicar l
· E' uma tolice. Por quanto, oú a Religião é verdadeira ou não.
Se é verdadeira, é boa e necessaria para todos, tanto homens e ri-
cos, como povo, mulheres e creanças ; se não é verdadeira, não é
boa para ninguem·; porque o erro nunca foi util. Demais, se, co-
mo dizeis, a Religião é boa, muito mais o é para os ricos que os
pobres, muito mais,. para os homens que para as muJheres e crean-
ças. Bem vedes que a Religião é um freio imposto ãs paixões. Ora,
quem precisa mais de freio ~ Aquelle que tem mais meios de sa"!'
tisfazer com impunidade as suas paixões ; ou aquelle que não pod11
contar nem· com os mesmos meios, nem com a mesma impunidade?
Evidentemente é o primeiro, isto é, o homem, o rico, o forl.e, _ o
poderoso. Por isso disse com tanta rasão :Montesquieu : « quando
fosse · inutil que os subditos tivessem uma Religião, não o seria que
a tivessem os principes ; estes que não tcem a temer as leis huma~

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DE PERSEVERANÇA. 37
nas, mais importava que este freio lhes domasse a boca. » {1) · t Não
quizera eu, accrescenla Voltaire, ter e ontratos com um prmc1pe
alheo ; se lhe conviesse moer-me n'uma atafona, estava eu logo feito
em farinha. » (2)
Em fim, vós todos que vos julgaes superiores ao povo por vos..
sa posiç.ão, fortuna, ou saber, e que folgaes achar na Religião do
povo a garantia de sua obediencia e respeito para comvosco , cre-
<les por ventura que o povo não gosta lambem de· ter na Religião -
de seus amos a garantia de s~a justiça, moderação e egualdade
para com elle? Nfa te.m o homem mais paixões a domar, por isso
que possue grossas rendas? Dar-se-ha e.aso que debaixo da farda
agaloada do funccionario publico ou da toga do juiz, palpila infalli·
velmenle o coração d'um anjo?
Por ventura a classe elevada, a classe but'g11eza está hoje mui-
to acima da ralé em materia de probidade, lealdade; desint"resse,-
virtudes publicas e privadas? Os motivos do povo para exigir que
scjaes religiosos não são acaso mil vezes mais fortes e bem funda~
dos do que aquelles eom que vós exigis a .religiosidade ·_do povo?
« Não é no seio das mais elevadas condições que a voluptuosidade
é mais refinada, a ambição mais ardente, mais implacavel a vin..
gança, mais indomitas todas as paixões; por isso· mesmo que melhor
podem satisfazer-se? E quereis quebrar, nestas classes da socieda..
de, o freio salutar da Religião ? D' est'arte não pretendeis outra cou:..
sa senão romper o dique pelo lado em que as aguas pesam com
maior violencia ; tirar o remedio d'aquelles lugares aonde o conta-
gio produz maiores estragos ; por outras pálavras, quereís tirar os·
sentimentos religiosos precisamente áquelles qu~ mais · carecem del-
les. Primeiro que tudo, tirai o orgulho ao homem instruido, o egois-
mo ao rico, a cubiça ao negociante e industrios~, a pusillanimida..
de ao magistrado, · a ambi~ão aos grandes ; e depois talvez vos será:
permittido deixar a Religião ao povo. >> (3)

(1) Espírito das Leis. I. XXIV, e. II.


(2) Diccionm·io phil. art. Atheismo .
(3) Fraysslnons , Defesa do Cllrist. Con{; sobre os pi·incipfos reliyio-
. .
$OS, elt.

' .
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38 CATECISllO

E' uma mentira. No parecer dos propagadores desla maxima,


a Religião nem mesmo é boa para o povo, as mulheres ou as crean-
~as : e a prova- é que ·fazem quanto podem para lh'a tirar. Que ou-
tro fim, que outra mira levam as chufas, espertezas, chocarrices e
sarcasmos, com que não cessam de perseguir ou deixar perseguir
em seus livros, lhcatros, jomaes, fabricas, officinas, manufacturas,
salões, cafés, assim os homens, como as cousas e as praticas da Re-
ligião ? Que outro é o motivo da tirannia que exercem com o povo,
o obreiro, o domestico, forçando-os a trabalhar ao domingo, tiran-
do-lhes a liberdade de cumprir com seus deveres religiosos? Que hade
produzir no espirilo de seus inferiores a indifferença absoluta, que
ostentam e de que fazem seu timbre, e sua gloria? O que produz
é a ruina completa da Religião. Sim, se o povo só lem Religião,
bem depressa não terá nenhuma. O povo lambem tem seu orgulho
e sua dignidade: se percebe que o mandam para a Religião como
púa uma cousa despreziveJ, vinga-se tambem desprezando-a. A Re-
Hgião é nada para r1uem não crê. Que importam suas promessas e
ameaças a quem as tem por chimeras e sonhos d'imaginação illusa?
E como quereis que o povo não venha a descrer, se repara que sua
erenç.a é objecto d'irrh;ão e indifferença n'aquelles que lhe são supc-
rfores por nascim~nto, instrncção, e emprego ?
E' uma crueldade. Dirão que, ficando-se elles ·estranhos á Re-
ligião, todavia a julgam boa para o povo. Supponhamos isso : nes-
se caso se escapam á mentira cahem na crueldade. Que ! pois es-
tam sinceramente convencidos que a Religião é boa para o povo,
e não receiam saqueal-o deste precioso patrimonio ! Teem elles, estes
grans senhores, para mitigar os trabalhôs da vida, a sua posição so-
cial, a sua índependencía de fortuna, as suas festas, bailes, espe-
claculos, viagens, numerosos amigo~ ; e o povo, o pobre povo, não.
- sente a vida senão pela dor, miseria, e desamparo ; e teem a barba-
1·idade de lhe arrancar a unica consolação que lhe resta, a espe..
rança da felicidade em melhor vida ! De facto, é bem claro, e já
ficou provado, que esta indifferença extingue a Religião no co1 ação
1

do povo. Crneis ! que mal vos fez elle ? Sem nenhuma duvida,
só os inimigos do povo, aquelles que o querem aviltar para melhor
o poderem opprimir e explorar, sem temor de Deus, nem vergonha

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DE PERSEVERANÇA. 39
tio mundo, só esses vis traficantes, esses crueis misantropos, dão vo-
ga a esta criminosa maxima: que a Religião é boa par,a o povo.'.
(( Fugi pois daquelles que, por sua indifferença e impias maximas,-
semeam no coração dos homens desoladoras doutrinas. Derribando,
destruindo, calcando aos pés, ludo o que elles respeilam, tiram aos
afilictos a derradeira consolação da sua miseria, aós poderosos e ri-
cos o unico freio das suas paixões; arrancam do coração o remorso
do crime, a esperança da virtude, e ainda por cima gabam-se de
serem os bel!lfeitores do genero humano ! Nunca, _dizem elles, pode
a venlade ser nociva aos homens ; tambem assim o creio ; e no meu
entender, esta é uma grande prova de . que o que elles ensinam não
é a verdade, mas a mentira. >) (1)
4.º A Religião é uma lei que se não pode substituir. Destrui
a Religião, que poreis em seu lugar para tornar o homem virtuoso ?
A honra e o interesse: não vos resta outro incentivo das acções hu-
mana9.
De todas as bases que se pretendem dar á virtude, esta é in-
contestavelmente a mais fraca. Que é a honra? Um sentimento de
dignidade pessoal que, fora da Religião, degenera em orgulho e fa-
tuidade ; um principio mudavel , que inspira alternadamente as a~
ç.ões mais conlrarias e immoraes: a dedicação ao padre, a integri-
dade ao magistrado, a audacia ao assassino, a astucia ao ladrão, o
duelo ao soldado, o suicidio ao fraco - eis o egoismo encapotado,
mostrando fóra o que não é por dentro. E' uma ostentação publi-
ca, que se paga de si, no segredo da solidão , col'rendo pela estrada
das mais vis inclinações. E' um fumo, que turva a cabeça sem pu-
rHlcar o coração. E' um vão ruido, que o sabio menospreza, e o.
uão COD§Ola d'um só infortunio da vida. E' um não sei que, tam.
inconstante como as vertigens das turbas ; uma divindade impolente ,
que uns adoram sem proveito, outros desprezam sem castigo ; por--
que ella muitas vezes dá gloria ao vicio, e á virtude o insulto, o
odio, o desprezo, a'perseguição. Serei eu o primeiro mortal que do _
fiel desempenho de meus arduos dernres tenha colhido este triste

(1) J. - J. Rousseau, Emílio.

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. CATECISMO

fructo ~ Então , para compensar-me , offereccm-ma a alegria


que acompanha o bom testemunho da consciencia? Que irri-
são 1 A alegria da pobreza, da fome, da sêde, das doenças, dos sof-
frimenlos do corpo , e tribulações da alma ; a alegria das prizões
e cadafalsos, a alegria d'uma miseria sem esperança ! (1)
Impotente para aqnelles que creem nella, a honra é nada para
aquelles que della descreem. Como será ella para estes um princi;..
pio de virtudes t ? Como forçai-os a crer na deusa honra? J>orque
meios? Pelo temor do desprezo? « Que é pois o desprezo com que
me fazem coco, se por obedecer ás minhas inclinações atrnpello o
que vos apraz chamar honra, e que eu, pela minha parle, chamo
prejuizo? Que bem real me arrebataes com ella? Que me vai a
mim com .o que os oulros dizem? Tirar-me-hão a saude, as rique-
zas, o sentimento do prazer, a independencia? O desprezo ,não é
nada se eu mesmo o desprezo ; e quando eu tivesse a fraqueza de me
commover com isso, quem me impede que lhe não furte o .corpo'
eomo tantos fazem, envolvendo meus gozos no espesso véo do misterio?
Mas occultando aos outros as minhas fraquezas, nem porisso as occulto a
mim mesmo ; será preciso comprai-as a preço do remorso. Isto agol'a é
mais. serio ; mas Yejamos. Quero que, fóra da Religião, a conscien-
cia não seja um prejuizo, ou que se o é, não o posso eu vencer,
em mim : todavia é certo que, collocado entre o prazer que cubiço
e o remorso que temo, a escolha do crime ou da virlude é um ne-
gocio de imra sensação. Se o desejo vai de cima, succumbo ; ao
contrarw resisto, se o temor póde mais que o desejo. · Ora façam
favor de me dizer qual é a paixão que, se não ha outro castigo a
temer, poderá conter-se pelo simples receio do remorso que depois
se hade ter' por. violar as leis abstractas da ordem~ » (2) _
·O interesse. De que interesse entendem aqui fallar ! Do inle;..
resse publico, ou privado? E' do interesse publico 'l · Respondo-vos
que não destroem sophismas a realidade das cousa. Confundam em-
bora o interesse particular . com o .interesse commum, existe e haclc

(1) Ensaio sobre a indi!ferença t. 1, e. XI, 47õ.


(2) lbid. 180.

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DE PERSEVERANÇA. 4_1
existir sempre entre clles uma opposição ·invcnci vcl a todos· os···Ta:-
ciocinios~ Mil circumstancias ha em que o interesse commum eü-
ge que eu desfaleça na indigencia, que use . e gaste as forças e a
sande em arduos trabalhos, de que outros hão de colher o. fructo ;
que suIToque meus desejos, inclinações e affectos ; que soffra em fim,
e morra. Ora, em quanlo se não ciescubrir que a ~iseria., o sof-
frimento, a morte, são de si mesmas cerlos bens preferi veis ás ri-
quezas; aos prazeres, á vida; sera falso, evidenlemenl(} fals(), que 6
interesse particular; separado do temor do$ casligos ·e esperança da
recompensas · futura~, seja a regra do <léver e fundamento da moral.
(1) « Façam embora todos os outros homens o meu bem á custa
do seu 1 refira..:se tudo só a mim, morra todo o genero humano, se
lauto e preciso, na penuria e miseria, parn me poupai· um momen-
to de soffrimento e de fome : tal ó- a voz interio1· de todo o incre ..
dulo que raciocina. >> (2) .
Fallais do interesse privado~ Responder-vos-hei ainda qlie o
homem, que não espera por outra vida. não tem mais ·q11e um · só
interesse; o de se tornar, pouco imporl.am os meios; feliz na ida
presente. Ora, que extravagante felicidade para propor a· mn tal
homem o combater incessantemente seus desejos,. incUnações, e ale
as necessidades da natureza, sem esperança de recompensa! Que !
t)Ois o interesse do pobre é carecer do necessario, inda q1:1e possa
apoderar-se d'uma parle do que sobeja ao rico 'I E'. que e enfor-
cam se furlar. Entendo : o inleresse de viver deve supperar o de
matai· a fome. logo, podendo elle evilar o supplicio, o segundo in-
teresse, como fica só, detel'minará o dever confrario. · tirai o al-
goz, muda a motal : este é pois 6 pai de todas ás virtudes. Toda-
\! ia, por mais que façam, esle possante moralista não poderia acu-
für a ludo. A maior parle d<>& vicros que minam surdamente a so-
c.iedade, ou lhe perturbam a harmonia : a avareza, a cubiça, o
egoismo, a íngralidão, a dureza do coração, a foveja, o odio, a ca-
luumia, a licenciosidade, todas estas e muitas maist não são de sua

(1) Eosaio sobre a incliffcrença. t. 1, e. XI, 1.80.


(2) Rousseau. Emilío.
6 II

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CATECISMO

·alçada. (1) Ainda mesmo entre os crimes que lhe pertencem, quanfos
lhe não escapam ! Não ha hoje, graças a(} progresso da sciencia ,
mil meios de roubar, enganar, viver á custa alheia, e illudir a lei?
Não é verdade poder-se dizer hoje, mais que nunca, o que um an-
tigo disse, que as leis humanas são teas d'aranha; que só caçam
moscas?
Concluamos pois com este dito de Rosseau : « Não ententlo co-
mo se possa ser· virtuoso sem Religião ; muito tempo nutri eu esla
falsa opinião, de que hoje estou betQ desenganado. » (2)

ORAÇÃO.

O' meu Deus! que s--0is todo amor, inspirai-nos nm profundo


respeito á vossa lei: esclarecei aquelles que a não conhecem, tocai
o coração dos que a desprezam e infringem ; fazei-nos filhos docei~
do mais sabio e melhor dos pais.
Eu protesto amar a Deus sobre lodas as cousas, · a ao pi·o~i­
mo como a mim mesmo por amor de Deus ; e, em testemunho des•
te amol', pedit-ei a Deus pelos i~ndifferentistas.

(1) Id. ih. 479.


(!) Carta sobre os espeelaculos.

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XXI.ª LIÇÃO.

CONDECl1'1E:NTO DA. RELIGIÃO•


O MESSIAS PROMETTIDO E FIGURADO.

A Religião é uma grande graç~, o aggregado de todas as graças. - Fa-


cto historico. - O que a Religião exige de nós. - A. Religião chris ..
tã tnm antjga como o mundo. - Sabedoria de Deus no desenvolvi-
mento successivo da Religião. - Etposicão do plano geral da Religião.
\.-- Primeira promessa do Messias. -- Adam, primeira figura do Mes-
sias. - Patriarchas. - Abol, segunda figura do Mes~ias.

A Religião é uma lei, Jei suprema, universal, base de todas as


leis : já vimos isto na lição precedente. A este nome de lei , pare-
ce que a nªtureza estremece, e sentimos não sei que receio no fun-
do do coraç.ão. Apressemo-nos a reprimil-o ; se a Religião é um
jugo, é um jugo suave e um peso leve ; (1) alem disso é um ma-
gnifico presente, uma graça, um favor, uma gloria immensa para o
homem. . . ainda não digo bem , é a unica origem de toda a felici-
dade e gloria no presente e no provir.
Tal é a face, perfeitamente justa, pela qual devemos, desde o
principio, consiuerar a Religião. A ignorancia do homem, e mais
suas ·más inclinações querem persuadir-lhe muitas vezes que a Reli-
gião é um jugo pesado,. um funesto presente que Deus nos fez.
Victimas deste <leploravef e grosseir<> erro , muitos ha que se não

(1) Jugum meum suave cst et onus memu leve. )fath. XI, 30.

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U.- . CATECISMO

sujeitam a sens salutares preceitos senão por for~,a ou por nietJo ~


outros a deixam escancaradamente ou se ficam para com e11a (ltn
µma criminosa indifferença. O' homens, meus charos irmãos ! Des-
graçados e cegos ! Que estranha loucura ! .Pois não vedes que a
Religi~o ·.é o dom mais precjosó que Deus nos lenha feito ! ~ão
sabeis ·que se a Religião vos impõe um suave jugo, é para livrar-
vos do jugo vergonhoso das paix.ões e dos vicios , que vos prostram
e ~smagam ! Não sentis que a Religião é a luz de vosso cspirito,
a garantia de todos vossos direitos, consoladora de vossas innume-
raveis dores, principio de tudo quanto ha bello, bom, grande e su-
blime na terra. Não c.omprehendeis que sem religião não somos
mais que bmtos, como aquelles que pastam a herva nos prados ou
ruminam· nas estrebarias, ao passo qu~ com ella somos filhos do .Al-
1issiino, deuses da terra" camfülatos do Ceo, émulos dos Anjos, her-
deiros d!um impel'io, cuja magnificencia escurece os esplendores do
firmamento, e cujas nobres delicias são para os prazeres do mundo
como o favo de mel para o absin lhio !
Mas ainda fla um outro lado por onde a Religião deve conside~
rar-se ~m beneficio e magnifica esmola. Ja dissemos que o homem
foi creado em estado sobrenatural de graça e 1ustiça, deslinad9
a passar sem morrer da terra ao Ceo, onde gozada a vista inluili~
\iil de J)eus. Ora, esta f~licidade não lhe era devida. A Religião,
que é a expressão destas relações sobrenaturaes, gratuitamenLe es~
tabelecidas ~ntr~ I)eus e o homem, é por tanto um immenso favor,
é a graça por excellencia, a graça diversificada de mil maneiras.
Com effeito, a theologia catholica define a graça : um auxilio ou ag-:
gr(!gado d'(IU$l~lios sobrenaturaes, (l) que [)ellJS concede graÇuitamen~

(1) Eis aqui d,e que maneira o doutor angelico distingue a diffcren..
~3 ~a necessi~ade que o homen1 tem da graça antes e depois do pecca-
'10: « o homem depois do peccado não -tem mais necessidade d~ graça
de Deus qtie a~tes, · mas somente a precisa para mais cousas: para se
curar e merecer; quando cotão não carecia deHa senão para uma destas cou-
sas, isto é, para merecer. Antes do peccado, podia, sem o dom sobrenatural
<la graça, conhecer as verdades naturaes, fazer todo o bem natural, amar
a Deus naturalmente sobre lo<las as cousas; mas não podia, sem a gra~a ..

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DE PERSEVERANÇA.

_te aos lwmens em attençào aos meritos de Jesu-Cliristo, para openw


sua salvação ; a tbeofogia reconhece ainda duas grandes especics de
grnça: extnrior, e interior. (1)
As graças exteriores são todos os meios s·obrenaturaes visiveis
6U sensíveis, pelos quaes Deus nos ajuda a operar a nossa salvação.
Ora, visto que a Religião é que nos conduz á salvação, esta pri,.. .
meira especie de graça encerra pois tudo o que conslituc exl.erior-
mente a Religião. D'esl'arte, comprehende, cm o Antigo Tcslamen-

-
merecer a vi1la eterna, que é cousa sup eríor á força natural do homem.
Depois do peccado, sem a graça, não pode conhecer senão algum(ls ver-
<ladcs oaturaes, fazer apenas algum bem parlicular da mc~ma _ordem. E
para que possa conhecer e obrnr o hem inteiramente, como antes podia,
r,eleva que a graça cure a enfermidade e corrupção <Ja nature~a. .Em fim,
depois como antes, carece da graca pára merecer a \'ida eterna, par4
~rcr cm Deus, esperar cm Deus, amar a Deus d'um modo sobrenatural,
como obJecto da visãp beatifica. Summa p. 1, q. 95, art. ll, ad 1 ; q!
109, art. II, IH, IV. - D'est'artc, segundo o doutor aogeJico, o ho-
mem antes da sua queda carecia da graça para se elevar acima de si
mesmo até Deus ; mas, depois da queda, ·carece aioda da grnça para se
tilevar primeiro ao nível de si mesmo.
(1) Só !aliamos aqui da graça em geral ; tralaremos da graça em
parl1cular na segunda parle do Catecismo.
A palana sobrenatural é aqui importante, e significa o que e supc~
rior á natureza. Segundo a explicação de S. Thomaz, que é a explica-
flão cathoJica, a graça é um dom so.breQ.atural, não só ao homem. dcca-
hido da perfeição de sua Q.aturcza, mas ao homem na sua natprcza inte...
gra; e não só ao homem, mas a toda a crcatura. Porque a gra~a con~
~luz-nos á visão beatifica; ora, naturalmente entre Deus e a crcatura
h~ urna distancia infinita. Logo é naturalmente impossivcl a uma crca- ~
lura, qualquer que seJa, ver a Deus tal c9mo cllc é, tal como elle mes-
11~0 ~e vê. Cum vita retema ornncm facµllatem cxcedat, non polest homo:
ncque io stalu naturre integr~, nequo in statu naturre corruplre, ipsam
absque gratia et divina rcconciliationc a Deo promereri.-EL in<le est quod
nulla natura crcata cst sufficiens principium actus meritorii \'ilre reternro,
nisi supcraddatur aliquod superuallJr~lo donuw quod gratia dicitur~ P. 1,
~· 114, art. II. ·

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CATECISMO

to,, todas as revelações feitas aos Patriarchas, to<las as p1·omessas,


figuras, e predicções <lo ~lessias ; a Lei, dada no monte Sinai,, o Dc-
calogo, todos os sacrificios, observações, ceremonias, festas , canti-
cos, orações do culto Judaico; as instrucções dos Prophetas, exhor-
tando os Hebreos á vfrtude ; os bons exemplos, dados pelos santos
d'aquelles tempos ; em summa, todos os soccorros exteriores, ten-.
dentes a elevar os homens para o bem sobrenatural; por conse-
quencia, . toda a Religião de l\lo1sés. Logo, é certo que antes da.
"inda do Messias toda a Religião, considerada exteriormente, não é
senão uma grande graça, diversificada de mil maneiras, para con-
duzir o homem á bemaventuranca sobrenatural.
O mesmo succede depois da vintla do Messias. Considerada ex-
teriormente, a Religião pessoalmente desenvolvida pelo Redemptor,
as instrncções admiraveis deste divino Salvador, seus milagres, seus
exemplos, as pregações dos Apostolos, e de todos os seus successo-
res, divulgadas ha desoito seculos por todo o universo ; o Symbolo,
o Decalogo, os Sacramenfos, as festas, os jejuns, todas as leis da
Igreja, os exemplos desta multidão innumeravel de marlires, virgens,
eremitas ; em summa, todos os auxilios exteriores que, depois da
vinda de Jesu-Christo, conduzem os ·homems a fazer o bem sobrena-
tural, são oulras tantas graças exteriores ; por consequencia, ainda
t~da a Religião, depois desta ditosa epocha, não é sénão uma gran-
de graça, diversificada de mil ·maneiras, para conduzir o homem á
bemaventurança sobrenatm·al. (1) .
Tal é a primeira especie de graças, isto é graças exteriores.
Passemos ás graç.as interiores. Esta segunda especie de graças
éomprehende as virtudes infusas em nossa alma pelo baptismo, a fé,
esperança e charidade ; tudo que toca intimamente nosso coração, n.
lumina nosso espfrito, dispõe ao bem sobrenatural, e nos dá a for-
ça. de o operar ; os bons pensamentos, as salutares inspiraç.ões, os
piedosos movimentos, as santas resoluções, os desejos castos, são ou-
tras tantas graças interio1·es. Quem as pode contar? . l\lais facil se·
ria calcular o numero ue cabellos que temos na cabeça.

(1) Veja-se Bergicr, art. Graça .

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DE PEfiSEVEfü\NÇA.

A gl'aça interior, como a exterior, se diversifica de mil manei-


ras ; toma todos os tons, reveste todas as formas ; faz-nos entender
todas as vozes ; a voz da fé, da esperança, do amor, do remorso,
do temor, da tristeza, da alegria; faz-nos ouvir a terna mãi, que
supplica e chora ; o pai irritado, que reprebende e ameaça ; ·o ami-
go, que admoesta brandamente. Noute · e dia , desde o primeiro
alvorecer da nossa· rasão até o nosso ultimo suspiro, o Redemptor
pulsa á porta do nosso coração, repetindo-nos incessantemente, em
Lodas as linguas e em todos os tons: meu. filho, abre; dá-me o teu
coração. (1)
Isto basta para bemdizer eternamente o misericordioso· Deus
que se dignou estabelecer o sagrado vinculo da Religião, rompido
pelo peccado do primeiro homem, inas que elle se não contentou só com
atar de novo. Para glorificar dignamente seu adoravel Filho, fazer
brilhar em todo o seu esplendor a sua misericordia infinita, punir
mais completamente a inveja do demonio, aulhor de nossa ruina,
fez superabundar a graça aonde abundara o peccado, (2) contralan-
uo com o homem decahido uma segunda união, não menos intima,
senão que mais vantajosa que a primeira. Esta simples considera-
ção assaz justifica a admiravel palavra da Igreja, que chama á cul-
pa d' Adam uma ditosa culpa, e accresceuta este ultimo rasgo á de·
monstração desta verdade capital, que a Religião é uma magnifica
esmola. Em que consiste pois a superabundancia de bens que de-
vemos ao Christianismo, isto é, á união restabelecida entre Deus e
o homem pelo Redemptor? Vamos tentar dizei-o.
« Quereis comprehender, diz S. João Chrysostomo, a superabun-
dancia da graça de Nosso Senhor? Escutai : Conlrabio nm servo
uma divida de dez dinheiros ; e não podendo pagai-a, ·foi preso por
seu senhor, que o lançou em um calabouço com sua ~ulher e filhos.
Um homem rico, sabendo disto, vem ter com o creaor e conta-lhe
não só os dez dinheiros, mas dez mil peça·s d'ouro. Depois, en'tran-
do na prisão, fez dalli sahir o deved-0r, e conduzindo-o a um ma-

<1) Prov. XXlll, !6.


(!) Rom. V, io.

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CATECISMO

gnifico palacio, sentou-o sobre um lhrono e coroou-o de gloria é


honras. Isto, e muito mais, é o que Nosso Senhor fez por ,nós-.
Pagou infinitamente mais - do que devíamos , e substituio por bens
superiores as vantagens que o peccado d' Adam nos tin~a arreba--
lado. » (1)
Creados pois em amisade dê Deus, fez-nos Adam filhos da ira .,
devedores da pena de damno por toda a eternidade, privando-nos
da graça em v_irtude da qual o homem pode perseverar. No~so Se-
nhor fez-nos filhos d'adopção,- Hvrou-nos da pena de damno e de
sentido, communicando-nos ao mesmo tempo u.ma graça mais forle
em virtude da qual, a pezar da nossa enfermidade e dos temerosos
inimigos que nos guerream, nós realmente perseveramos.
Creados na innocencia, maculou-nos Adam na transmissão do
pecca'do : Nosso Senhor purifica-nos, não só apagando o peccado ()Ti..
ginal, cerno até os peccados que p<>r nossa pessoal vontade commcl..;
temôs. l\lais forte que o peccado d' Adam, a graça de Nosso Senhor
oppõc um dique á transmissão da macula original , e <l~lla perserd
va a Maria Santissima, sua Augusla :Mãi, a quem faz um manancia~
de inexhauriveis graças, para <> mundo, e um milagre de San.Lida-
cle, que excede ao estado de innocencia. Mais abundante que o pec-
cado de Adam, de que sú a especie humana foi conLaminada, a gra-
ça de Nosso Senhor não somente abrange a todos .os homens nasci-
dos e por nascer, mas ainda mesmo aos Anjos.·
· Creados livre3 dos- ataques tl'uma carne rebelde, legou-nos Adam
a concupiscencia : Nosso Senhor tira d>aqui partido; . para uma lucla
generosa, uma nobre victoria-, em que o homem se exerce 1 espe-
1:ando e'Xtinguil-a completamente . nas felicidades do Ceo.
Creados isentos da morte, sujeita-nos Adam 30° seu negr'o im-"
perio, e nos priva dos fructos da arvore da vida': Nosso Senhor des-
pedaça o sceptro· da morte, faz de si mesmO' a nossa arvore de vi..;
da, dando-nos por alimento a sua carne adoravel, e nos assegura-
_para a. eternidade uma vhla gloriosa e immortal.-
Creados em graça, precipita-nos Adam comsigo das alluras da
ordem sobrenatural, e por pouco nos não reduz ao csbdo cl-0 sim..·

(1) ln Epist_. ad Rom. homíl. X'. 1 t. IX, p. 573 e seguintes.

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DE PERSEVERANÇA. 19
e
ples natureza : Nosso Senhor tomou-nos pela mão, ele\'ou-nos a· uni
cslado · mais perfeito e sublime do que aquelle em que Adam forá
ereado.
Feitos ·á imagem de Deus, fez-nos Adam perder esta augusta
similhança, e ficamos similhantes aos brutos : Nosso Senhor restabe-
lece a nossa similhança com Deus, e, nelle e em Maria Santíssima,
é realçada a nossa natureza acima de todas· as jerarchias celestes.
. Creadôs em justiça original, esbulba-uos Adam ~esta justiça :
Nosso Senhor ·dá-nos em compensação uma abundancia incalculavel
de graças e virtlides. Em primeiro lugar, dá-nos virtudes qüe já-
mais existiriam no estado da innocencia : a paciencia, a penitencia,
o martirio, a virgindade, o apostolado, e uma infinidade d'oulras,
que fazem _da náturcza humana um ·objecto digno da admiração dos •
Anjos. Em segundo lugar communica-nos as graças que elevam es-
tas ·virtudes a uma força que jamais teriam conseguido no estado
d'innocencia. (1) · ·
A Religião é pois o mais bello presente e magnifica esniola que
Deus possa fazer-nos. Dernremos logo adrnil•ar-nos que~s santos de
todos os tempos a tenham preferido a tudo, soffrendo com alegria os
mais horrendos supplicios, antes que• renunciar a este precioso the-
souro 1 Nó momento que escrevemos estas linhas temos um exem-
plo tam 11eroico deste amor da Religião, que nos julgarial11os culpa-
dos se lhe não dessemos toda a publicidade que de nós depende.
Eis-aqui o que escreve um Missionario da China : (< Durante a
perseguição de 1805, deseseis pessoas, das quaes tres éram mulhe-
res, ll'es Tartaros da familia imperial, e um Mandarim, foram des_.,
terrados. Todos supportaram generosamente a perseguição e perse...

(t) Tudo isto acha-se em Cornelius a Lapide. in Epist. nd Rom.~


t. V. O piedoso e sahio interprete concluc nestes termos. t1 Longe ma-
jora bona et dona nobis contulit gratia Christi, qnam Adam abstulcrit,
scilicct toL gratias et dona Spirilus Sancti , quas Christus eontulit apos-
tolis, martyribus, doctoribus, cremitis, episcopis, virginibus, aliisquc
filiis Novi Tcstamenti , quibus caruit Adam, ac tnndcm ipsam glôrtam ct
immortalitatcm ejusquc. dotes maximas 1 plurimas cL divcrsissimas. » T. IX,
p. Si.
7 H

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50 CATECISl\IO

veraram na fé. Outros lrez foram conuemnados a levar a canga, e


lhes gravaram a cruz com ferro candente sobre as plantas dos pés,
para os obrigar a caminhar sobre ella. Morreram dous, passado
muito tempo, como verdadeiros marlires; o terceiro ·ainda vive, e·
ha trinta annos que leva a canga ! ! Chama-se Pedro Tsay ; é di-
gno este nome de memoria ; porque no futuro, tenho confiança em
Deus, que hade ser o nome d'um marlir. Esta só palavra : re-
nuncio ·a minha Religião ! palavra que mil vezes se leem esforç.ado
em vão por arrancar-lhe, bastaria para o livrar do instrumento do
seu supplicio e restituir-lhe a liberdade; mas, pela graça de Deus,
tem sempre sido e será, ce>mo esperamos , inabalavel na fé até ao
µltimo suspiro.
• « Lançaram-no em· uma prisão, junto a uma das portas de Pe...
kin, de geilo que todôs os que passam vejam e contemplem nelle
um exemplo da severidade que devem esperar lodos aquelles~ que
tiverem disposições para abraçar a fé de Jesu-Christo. Este vene-
ravel alhleta da Religião permanece inaccessivel ás promessas e àmca-
ças de seus•perseguidores. Nada mais edificante do que ver o con-
tentamento que experimenta em sua cruel posição. As almas piedo-
sas frequentemente o visitam , -para se e<lificarem, bem como para o
animarem e preslarnm-lhe os allivios que elle pode receber. Este
supplicio tam lento e doloroso, e a facilidade com que poderia li-
vrar-se aposLatando, toma-o mil vezes maior aos olhos de Deus, que
se perdesse a cabeça no cadafalso. Que bella corna lhe reserva o
Senhor no Ceo ! Este confe~sor da fé é um verdadeiro thesouro pa-
ra a nossa Christandade ; é um exemplo que falia vigorosamente á
consciencia de todos, fortifica os tibios, anima os fervorosos e faz
conhecer quanto é ditoso soffrer pelo nome de Jesu-Christo. )) (1)
Este exemplo, por heroico que seja, nada tem GUe possa causar
espanto a um christão, emboi:a fosse mil vezes mais heroico; ver o modo
como a maior parte dos homens tratam a Religião, como ullrajam seus
beneficios e perdem seu direito ao Ceo, por não perder um inslanle
de seus praze~es, islo é o que espanta. Todavia, em comparação

(1.) Annaes da Propaga~ão da Fé, novembro de 1837, p. 112.

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DE PERSEVERANÇA. 51
d-0 Ceo. em comparação da Religião e da posse eterna de Deus, que
é a fugitiva · posse de todas as creaturas existentes ou possiveis?
Nada, absolutamente nada ! Oh, como é inorivel a impiedade, a in..
differença, o desleixo !
Nada ha, desde OSl primeiros rudimentos e mais leves pr_eceilos
da Religiã.o, até o seu mais profundo .conhecimento e os mais graves
deveres que nos impõe, que não deva excitar nossa gratidão e de.. ·
terminar nossa fidelidade. Com effeito, a Religião consiste, da par-
te de Deus, nas· verdades ·que revela ao homem, nos· d_everes que
Jhe impõe, e que são as leis e condições de sua sociedat1e com e11e;
da parte do homem, esta manifestação consiste no cumprimento de
seus deveres para com Deus, para com seus similhantes e para com-
sigo mesmo. Tal é a natureza desta nobre sociedade. Os meios são
os auxilios ou graças que Deus dá ao homem, e a cooperação que o
homem, auxiliado por Deus, dá á graça; seu fim é, para Deus, a glo-
ria ; para o homem, a felici'dade, isto é, á inteira satisfação de to-
das as suas faculdades ; a sancção são as penas e recompensas do tem-
po e da eternidade. Que cousa mais gloriosa, facil e ftnlajos'! que
esta divina sociedade !
Mas é tempo d'e!;fudarmos sua historia. Já vimos que o Filho ~
de Deus, Nosso Senhor Jesu-Christo , fazendo-se nosso l\ledeador , e
Fiador , rcstabeleceo o vinoulo sobrenatural, rompido pela revolta de
nossos primeiros pais. (t) D' onde evidentemente resulta que· não ha mais

(1) Neste lugar como na lnlrodncção, e lambem na lição XXI. , da


primeira parle, e cm. outros Jogares, tomamos o plano d~vino . tal como
clle é e não como poderia ser, raciocinamos segundo a ordem das cousas
que Deus realisou. Ora, esta ordem de cousas consisle: 1.0 na creação
do homem cm estado sobrenatural; 2.º na vontade de Deus cm reparar
a queda do homem, e exigir uma satisfação completa do pcccado. Sup-
postas estas duas cousas, diremos que a Incarnação de,•ia realisar-se.
Todavia sabemos que Bento XIV pcrmitle sustentar a opinião de que a
Incarnação se realisaria ainda na hypothesc da graça conservada. Quan-
to a nós, fallaodo da Incarnação, não raciocinamos, e dcse1amos que se
faça reparo msto, segundo a supposição de tal ou tal estado possível, mas
segundo o estado real do homem ; nem pretendemos violentar a vontade
• *

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ü2 CATECISMO

que uma Religião , a Religião <le Jesu-Chr1sto ·, por c-0nsequcneia , -


que a Religião Chrislã é Lam antiga como o mundo , e o Chrislia. .
nismo , como já vimos, é uma cadea grandiosa , enjo ultimo élo
está em nossas mãos, e o primeiro pende do throno do Eterno.
Que mais brilhante prova desta verdade tam consoladora , ob-
jecto de todas as nossas instrucções , a saber : que a salvação do
homem foi , desde a origem dos tempos , o unico pensamento de
Deus ,, e alvo de lodos os suçcessos l
Sem dm ida, o unico pensamento de Deus, depois da queda
1

original , fói a reparação. Dar ao mundo um Rcdemptor foi a rnir~


de todos os seus designios , até á vinda do Messias ; como llepois,
o fim unioo de todos seus c.lesignios é conservar sobre a terra a obra
<la Redempçã9, e estender seus beneficios a todos os pQvos e indi-
Yiduos. Em summa, salvar todos os homens por Jesu-Christo é a
palavra ullima de todas as cousas; a explicação de quanto Deus tem
feito , desde o principio do mundo ; e assim de tudo quanto houver
de fazer , até á consummaçã.o dos seeulos. Glorificai- no Ceo , com
Je,su-Cbrislo te por Jesu-Christo, a todos os homons, que se apro- ·
veitarem da Redempção, será pois o fim da eternidade. E' ·pois ver-
~Ja<le , _e muito mais do que podel"iamos dizel-o ou comprehendel-o ,
que Deus é a chariclade. (1) E' pois verdade que a grande e unica
instrucção que deve resultar de toda a exposição da Religião é que,
Deus é anumte dos homens. Deus faz todas as cousQs para teste-
1mmhar se1' conor aos ltomens , reparando o rnal que a. si· mesmos
fizeram pelo peecado, e restituíndo.,.l/ies, augmentados, todos os bens
que perderam.
J!or isso que o unico pensamento de DeYs é salvar o homem ,

de Deus,_ impondo-lhe uma necessidade incompativel com a sua perfeita.


Jibcrdade.
Assim adoptamos de boai:nente a seguinte Gonclusão de S. Thomaz :
« PoluiL Deus ex 1nfinita~c sum divinre potentim , alio quam Tncarnatio-
nis opere humanum gemas reparare; scd ut homo facilius eL melius su~rq
,conscqucretur salntcm, hoc nccessarium fuiL ut Verbum CJllS caro Hcrct!
2 p. q. 1, art. XI.
(1) 1. João IV, 8.

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DE PERSEYERANÇA.

talvez perguntareis : porque não enviou elle o Salvador fogo depois ·


fla queda ~ Ou já consideremos a questão do lado de Deus ou do
lado do homem , é a demora uma admiravel prova da sabedoria
e amor de Deus para comnosco.
1.º Quanto ás rasões tiradas da parte de Deus- para explicar a
tardança do Redcmptor, eis..aqui a principal : Deus quiz, neste longo
inlervallo de (1uatro mil annos , predizer o grande acontecimento da
''inda do Messias, com as suas circumstancias ; imprimindo-lhe tam
vivamente o cunho da divindade, que fosse impossivel não reco-
11hccer em Jesu-Christo o Liberlador do genero bumano.
Com t'ste intento , todos os misterios do Redemptor; toda a
economia da nossa salvação , que delles é o fructo , foram · promet-
tidos , fig·zwados , preditos , preparados , por um sem numero d'a-
conlecimentos e signaes , muitos seculos antes de se cumprirem, com
o grao de luz que mais convinha a cada seculo. Nisto obra Deus
corno um Pai cheio de sollicilude e ternura.
Para que o homem vergado ao peso de seus males não cahisse
na desesperação , não cança .de repetir aos ouvidos deste filho que-
rido , e apresentai· a seus olhos humidos de lagrimas, a C'onsofadora
1n·omessa do Libertador. Assim , ó Deus de bondade! satisfazeis
lambem ao vosso coração paternal. Deus não pune· senão com rc-
luctancia ; ora, via elle nossos pais e sua triste posteridade ; via
estas bellas creaturas , que tinha amado lanlo , privadas de sua in-
nocencia e felicidade ; estes reis do uni verso , desthronados e con-
demnados a duros trabalhos, como Yis escravos; arrastando par·a o
tumulo uma longa cadea d'enfermicladeB e dores ; e sua ternura não
podia supportar a vista de tantos infortunios, com quanto aliaz me-
recidos e justos.
Eil-o pois multi plicando as figuras , as promessas , as predições
do grande Libertador. Tende animo!- parecia elle dizer, por
cada um destes meio-s, ás gerações que vinham cumprir na terra
sua dolo1·osa prova , 'rossos males acabarão ; eu sou vosso Pai , sois
sempre meus filhos ; um dia a felicidade tornará a ser vossa herança.
E estas figuras , promessas e prophecias do Libertador, divulgou-as
pelo antigo mundo , semeou-as pela estrada do homem desterrado ;
como no mundo novo , a Igreja planta a cruz , tocante recordação

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5í CATECISMO

do iibertador, nos caminhos , nas praças publica~ , nos desertos,


no cume dos montes, e no remate d'>s edificios, a fim que o e"tilado
do Ceo, para qualquer parte que volva os olhos , descubra o signal
da esperança. E' assim que Deus não cessou jamais, nem ainda cessará,
de recordar ao homem decahido o Redemplor, que o ha de restabe-
lecer no seu primitivo throno.
2. º Quanto ás rasões tomadas da parte d o homem - cumpria
que o homem fizesse uma longa experiencia da sua m iseria , afim
que sentisse melhor a necessidade e o valor do rem edio; que fosse por
largo tempo e profunifamente humilhado , para se curar da soberba,
principio da sua queda; que desejasse mais ardent omenle o :Messias,
para que estivesse mais bem disposto a aproveitar-se de seus exem-
plos e lições ; em fim , que conhecesse bem que só Deus o podia
salvar , pois que todos os esforços dos philosophos e sabios da terra
não poderam tit'al-o do abysmo d'ignorancia e corrupção, cm que se
havia despenhado. De resto, desde o instante de sua qu~da, o hu-
mem conheceu e sent.io QS bcneficios da Incarnação futura, e della
pôde sempre aproveitar-se.
Outra prova, não menos admiravel, da bondade de Deus para
com o homem , é o ter-lhe dado a conhecer pouco a pouco e traço
a traço o Salvador que lhe destinava ; por onde a sabedoria divina
se proporcionava á fraqueza humana. Na ordem da graça, como na
ordem da natureza , tudo se faz suave e gradualmente : Jesu-Chrislo
é o sol do mundo espiritual. Ora, o sol não apparece de repente
no horisonte, com todo o esplendor de suas luzes. E' precedido dos
meigos e ternos clarões d'alva·, seguidos dos raios dourados, e mais
vivos d'aurora. Esta successão gradual prepara os olhos para sup-
portar o deslumbrante fulgot· do astro do dia.
O mesmo succede no mundo espfritual. No principio estavam
os homens como acordando do somno ; uma grande luz poderia des-
lttmbral...os. (t). Poupa-lhes Deus os tenros olhos; não lhes mostra

(1) Nosso Senhor, vindo para dissipar todas as sombras, tambem se


confirmou eom esta lei ; não revelou· a. seus Aposlolos as . verdades de que
os qaeria instruir senão succ\ssiva e graduahncolc; e obrando assim, não.

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DE PERSEVERANÇA. rrn
a pl'lDCIJHO mais que OS clarões d'alva , isto é, não dá aos homens
maiores conhecimentos do mislerio da ltedempção do que elles são
capazes de receber. Assim desde Adam até Moisés é o alvorecer da
Redempç.ão ; é a Religião no tempo dos Patriarchas , ou da lei na-
tural ; lei simples em seus dogmas , moral e culto ; é o esboço do
quadro.
Segue-se depois o brilhante raiar da aurora; é a Religião desde
Moisés até o :Messias, ou a Religião debaixo da Lei. l\lais desenvol-
l7ida em seus dogmas e preceilos , revestida de mais complicado e
magestoso cullo , dá aos homens um conhecimento mais daro do Li-
bertador : é o desenho do quadro.
Emfim , na plenitude dos tempos, estando os homens assaz pre-
parados para supportar a fulgorosa manifestação do grande mistedo
da Redempção , faz Deus appareccr o me.smo sol. Nosso Senhor Jesu-
Christo rodeado de lotlo o esplendor do dia: é a perfeição do qua~
dro.
Estava por lauto resolvido em os conselhos da eterna sabedoria
que o l\lessias não viria immediatamenle apoz <lo peccado original.
Vejamos pois o que devia Deus á sua bondade para consolar o bo-
mem n'uma especlaliva de quatro mil annos.
Sem custo se concebe que Deus· devia : 1. º prometter ao homem
e~te Redemptor ; 2. º dar os signaes delle, afim que, quando chegasse,
o reconhecessem e se unissem a elle; 3.º preparar o mundo para a
sua recepção e estabelecimento de seu reino.
Eis-aqui pois o que Deus fez d>um modo digno da sua infinita
bondade e profunda sabedoria. Demos uma idea deste plano divino,
o qual nos cumpre desenvolver nesta primeira parte do Catecismo.
1.º O JJJessias promettido. Para que o homem não cahisse em
desesperação, e esperasse com paciencia por .espaço de qnai·enta se-
culos 1 prometleu-lhe Deus logo um Redemptor. A mulher · esmagará

quiz mais que proporcionar-se á sua fraqueza 1 não os achando cnpazcs


de luzes mais vivas no momento: aincla tenho, lhe disse ellc, muitas cou-
sas pam ensinar-vos; mas não sois por ora capazes d1 as siipporfar.
João XVI, 12.

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56 CATEGlS:&fO

a cabeça da serpente. ·Esta palavra misteriosa 1 endereçada a nossos·


primeiros pais, no inslanle_immediato á sua queda, faz brilhar em seus
olhos, humidos de lagrimas, o primeiro raio <l'esperança. A' pro-
porção que os sec ulos se desdobram, e o homem se torna idonco
para conhecimentos mais claros, succedem-se as pl'omessas cada vez
mais claras e precisas. E' admiravel seguir este longo encadeamento
de divinas promessas, que, desenvolvendo-se mutuamente, conduzcm-
nos, a pouco e pouco, da generalidade das nações· a um povo par-
ticular , deste povo a uma tribu, desta tribu a uma familia. Che-
gando aqui Deus parou ; acabam-se as promessas ; mas não · acabam
nossas incertezas.
E' verdade que já o homem está certo d'um Re<lemptor futuro;.
sabe que este Redemptor sahirá da familia de David ; mas nesta . fa~
milia, que deve existir sem confundir-se com nenhuma outra até a
ruina de Jerusalem e da nação Judaica , isto é , por mais <le dez
seculos, haverá por certo muitos filhos. Se não vierem esclarecer-
nos novas luzes , impossível será reconhecer entre tantos este des-
cendente de David, que ha de salvar o mundo ;· e eis o gencro hu-
mano exposto ou a repellir o seu Redemptor, quando ''ier a estcn--
der-lhe a mão, para o levantar da sua queda , on a seguir o pri-
meiro impostor da casa de David :1 que se altribuir o nome de l\fes-
sias. A difficuldade é gravissima ; mas soceguemos que Deus a pre-
"Vio. Elle mesmo nos dará os ·signaes deste ii1ho ·de David, a quem
o mundo deverá a sua salvação.
2. º O Messias assignalado. Começa clle por debuxar ~m diver-_
sas figuras ·os signaes do Libertador. Por tempo de tres mil annos,
isto é , desde Adam até Jonas, apparecem uma longa serie de gran-
des per8onagens, que todos . representam o Messias em algumas- cir·
cumstancia!Y de . seu n~scimento , morte , ressurreição e triumpbo. ·
Emprega Deus mil acontecimentos, estabelece uma grande varie-·
dade de ceremonias e sacrificios, que são outros tantos signaes dis-·
persos , cujo aggregado compõe as feições características do Dese-
jado das nações. o~ sacrificios é a mais significativa de todas as
figttras. O sangue das victimas , a immolação perpetua do Cordeiro -
no templo de Jerusalem, quolidianamenle recordava ao povo judaic~
a futura victima, cujo sacrificio se devia substituir a todos os outros,

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DE PERSEVERANÇA. ü7
que nada valiam de si, senão pelo merito que o verdadeiro sacrificio
d'antemão lhes prestava; e esle misterio permanente todo o povo o
entendia. (1)
Todavia , devemos confessar que esLes differenles signaes não bas-
tam : o esboço não é bem o retrato que precisamos. Lançados aqui
e alli, envolvidos eiff sombras mais ou menos espessas, apenas pro_
cJuzem um crepusculo estes luminosos raios, que não o conheci.;.
rnento exaclo uo Libertador futuro. Quiz Deus pois que este retrato
não ficasse só em csboç.o , como bem lhe chamamos , mas que se
aperfeiçoasse e chegasse a um tal grao de similhança , de tal _sorte
caracterislica e circumslanciada , que fosse impossivel ao homem en-
ganar-se e desconhecer o seu Redemplor , salvo o caso que quizesse
cegar-se voluntariamente.
Ora, para dissipar touas as sombras, determinar todas as fi-
guras, fixar todos os signaes , que fez Deus?
Suscita os Propbetas. Associando a inlelligeucia delles á sua ín.-
lelligencia infinita, communica.;.lhes os segredos do futuro.: eis um
rasgo da eterna sabedoria. Elle lhes põe diante dos olhos o Deseja-
do das nações, ordena..:.lhcs que o retratem com tal fidelidade que
seja bem difficil não distinguir, entre todos os outros, csle filb.o
de David, que ha de salvar o mundo. Que são pois as prophecias?
é o retrato completo do Redemptor, promeltido desde a origem dos
tempos, e repr~sentado por mil formas diversas.
Com este retrato nas mãos, procuramos entre os filhos de Da-
vid que viveram antes da ruina do segundo templo , no qual, como
disseram os mesmos Prophetas, devia entrar o Messias; procuramos
digo , qual delles é o retratado, a qual convem a pintura exclusiva
e absolutamente. Nem longo , nem difficil é o inquerito ; ,qual o na;.
"Vegante que , ao avistar a desejada praia, grila com enlhusiasmo :

(1) Quorum qulde1il · sacririciornm signific:ltionem explicite majores


(os mais esclarecidos) cognoscebaot; minores autcm (os menos esclareci··
dos; é o sentido que o niesmo S. Thomaz dá a esta palavra ar/. IV.)
sub velamine illorum sacriliciorum crcdenles ca di vinitos ossc disposita •
ele Christo ventura quodammodo habcbant vclatam cognitioncm. D. Th,
2, q. 2, art. VII ...
8 -11

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58 CATECISMO

terra ! terra ! em breve lhe cahimos aos pés, e com os mais vívos
transportes d'admil'ação , respeito e amor, pronunciamos o adoravel
nome do Menino de Bethlem.
3.º O J/essfos preparado. Deus acaba d'emp regar mais de qui-
nhenl.os annos em dar:nos , pelo orgão dos Prophelas , a descripção
completa do Messias , o lugar do seu nascimento, o tempo da sua
vinda , n'uma palavra , todos os pormenores de suas acç.õs. Que
mais falta ? Vós o adevinhaes : quando um grande rei, ternamente
amado de seu povo , impacientemente esperado , tem de fazer sua
entrada na capital do seu reino , todos se afadigam em lhe aplanar
os caminhos , abrir todas as portas , preparar emfim todos os es-
piritos par~ o receber. Da mesma sorle , o Verbo elerno, o Rei
immortal dos seculos , o Desejado das nações , estando prestes a fa-
zei· sua entrada no mundo , seu Eterno Pai aplana-lhe todos os ca-
minhos , abre-lhe todas as porlas , prepara-lhe os animos para o
receber, e faz convergir todos os successos ao estabelecimento -do
seu reino elernó. Admiravel preparação , grande e mageslosa , que
começa a fazer-se sentir desde a vocação d' Abraham , mas que sH
toma evidente quinhentos annos antes da chegada do grande Rei !
Aqui desenvolvemos o plano divino mostrando, com a auctoridade.
dos Prophetas , . que todos os successos politicos anteriores ao Mes~
sias , e mormente os quatro grandes imperios que , segundo Daniel ,
deviam preceder a sua vinda, concorrem , cada um por seu modo_,
a preparar o reino d'este Desejado das nações, por quem e para
quem tudo foi feito. ·
Ora, se cousiderarmos que estas quatro grandes monarchias não se
levantaram senão pelo decurso dos seculos , que foram preparadas
por uma alluvião de successos , guerras , victorias e allianças , de
que o oriente e occidente foi·am theatro, desde a mais alta anligui":'
dade; e que estas monarchias se desenvolveram absorvendo lodos
os outros imperios ; claramente vemos que ellas conduziram o mun-
do inteiro aos pés de Jesu-Cristo, como os grandes rios conduzem
ao oceano, não só as aguas de suas fontes, mas lambem as de to-
dos os ribeiros seus tributario~. Desta sorte a historia sagrada e
profana eslam d~accordo em dar-nos a prova palpavel destas pala-
vras sublimes : Jesu-Cliristo é o herdeiro de todas as cousas; todos

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DE PERSEVERANÇA. 59
os seculos se referem a elle ; (1) e que não somente a na~ão judaica,
mas todas as nações do globo , eslavam , para assim dizer , gravi.;
das delle. (2)
Com a auctoritlade <los Prophetas mostramos ,. que o primeiro
dos quatro grantles imperios preditos por Daniel , que é o de Babi-
lonia ou dos Assyrios, tinha por fim providencial forçar os Judeos
a conservar inlacto o deposito sagrado da promessa· do Libertador,
sua expectativa e seu culto. Que o segundo , isto é, o elos Persas ·,
tinha por fim attender ao nascimento do Messias na Jutlea, e ope-
rar o cumprimento· das prophecias, segundo as quaes elle devia ·ser
reconhecido como filho de David , e entrar no segundo· templo.
Que o terceiro, que é o dos Gregos , tinha por fim preparar
os espiritos para o reino do Messias, e facilitar-lhe o eslabelecimento,
já vulgarisando, do oriente ao occidente, a lingua ·em que o Evan-
gelho devia ser annunciado ; já dísseminando os Judeos por todas
.as partes do mundo ; já fazendo conhecer universalmente os Livros
Santos , pela traducção d' Alexandria, que ao mesmo tempo os apre-
goa, e os põe a coberto das alterações judaicas.
Mostramos emfim, que o quarto imperio, que vem a ser o
dos Romanos , tinha por fim aplanar todos os caminhos para a pre..
gação do Evangelho , removendo todos os obstaculos que ainda se...
paravam os diversos povos , e nivellando o solo e o pavimento de
longas e espaçosas estradas, d'uma a outra extremidade do mundo;
cnmp1·ir -a celebre prophccia de Jacob moribundo, e dar a ultima de-
mão á preparação Evangelica, fazendo nascer o Messias em Bethlem.
Admiravel philosophia da Religião ! que resume em tres palavras a
historia uni versai de quarenta seculos : Tudo para o Christo, o Christo
Jl~H'a o homem • o homem para Deus. Tal é o magnifico plano que
passamos a explicar.
Enlrnmos com profundo respeito no santuario dos concelhos di-
vinos , e discorramos por esta não interrompida serie de promessas,
figuras, prophecías, e preparações que nos conduzem passo a passo

(1) Hebr. I; 2.
(2) ToLa lex gravida ca·at Christo. - Veja-se a nota da Introducção
p. xxx.
*

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60 ÇAT ECTSMO

peJo longo caminho de quátro mil annos , isto é, desde o prmc1p10


dó mundo -até ao grande successo da Incarnação do Verbo.
l\Ias em primeiro lugar , como sabemos que os Patriarchas , os
hi:irirnns extraordinal'ios que Deus suscitava , de longe a longe, entre
o povo judaico ; que · os sacrificios, os acontecimentos diversos, e
outras mil circumstancias da vida deste povo ;eram outras tantas
figuras do l\Iessias? Nós o sabemos 1. º pela auctoridade dos escri-
}Jtores sagrados ,do Novo Testamento. Alem de mui las formaes pala-
v1~as dó mesmo Salvador e dos Evangelistas , mostrando que todo o
Antigo Testamento era a figura de Jesu-Christo e da Igreja, temos S.
Paulo que diz expressamente, que tudo que succedeo entre os Judeos
é'. a figura do que so cumpre entre os Cliristãos. (1)
2. º Pela auct~ridade "da tradic.ção. Concordam unanimemente os
&autos Padres em , consíderar Jesu-Chrislo e a Igreja como Q grando
objecto envolvido nas sombras do Antigo Testamento. Entendem que
o Antigo Testamento é a rosa em botão , o Novo a rosa desabro-
chada. <r Todo o Antigo Testamonto, diz S. Agostinho, está escon-:
dido em o Novo : os Patriarchas , suas allianças , palavras e acções,
seus filhos e sua vida toda, era uma continuada prophecia da Igreja;
toda a nação judaica, todo' o seu governo era um grande prnphel-a
de Jesu-Christo e do reino Christão. » (2)
Escutemos ainda um dos mais eloquentes orgãos da tradicç.ão.
Eusebio , historiadot· da Igreja, exprime-se nestes termos : « Todas
as prophecias ; todas as antigas Escripturas , as revoluções do estado
politicó , as leis , as ceremonias da primeira alliança , não se diri~
giam senão a Jesu-Christo; só a clle annunciavam e figuravam. Estava
" ~~essias em Adam , como pai da posteridade dos Santos ; inno"".

(1) Ilroc aulem omnía in figura facta sunt nostri. 1.ª Cor. X, 1, - 6.
- Hroc autem omnia in figura contingebant illis. IhicJ. 11. - Corno nos
Jcy<,tria longe citar as passagep.~ dos a"Qctores inspirados, veja-se a Biuli(l.
cJe Yc~ce, prefacio geral sobre o Antigo testamento, t. I, ~M8.
(2) De Calcch. Uudih. - OS. Doutor repete cem vezes esta idca
em suas diO:ercntcs obras; e parlicuhtrmente nos livros contra o Mani-
chco Fausto; Veja~sc lamb~m a Bibliothcca escolhida dos Padres da Igreja,
Origencs, t. II, p. tH; Tcrlulliano id. p. ~74; Ch•ysost. t. XIII, ~29 !

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DE PERSEVERANÇA. 61
cenle, virgem e marlir em Abel; reparadol' do univel'so em Noé ;
bemdito em Abraham; Soberano Pontilice em l\lelchisedech ; ' 'olun..
lal'iamente offere~ido em Isaac ; Chefe dos eleitos em Jacob ; ' endido
1

por seus irmãos em Joseph ; ':iajante e fugitivo, poderoso em obras,


e legislador em l\loisés ; soffredor e abandonado em Job ; aborrecido
e perseguido na maior parte dos Prophetas ; vencedor e rei em Da..
Yi<l ; pacifico e consagrador do novo templo em Salomão; sepulta"
do em Jonas. As Taboas da lei , o manná do deserto , a columna
luminosa , a serpente <le bronze , eram symbolos de seus dons e de
sua gloría. -» (1)
_ 3.º Pela perfeita conformidade enlre estas figuras e o Redem'."'
ptor. Se alguem pretendesse que a similhança que se descobre en-
tre as figuras de Jesu-Christo e o mesmo Jesu-Christo não é mais
que o effeito do acaso , ou d'uma cpmparação arbitrariamente apro-
priada, leria lam pouca rasão ·como a quelle que , vendo muitos rc-
t1·atos <l'um rei, feitos por differentes pinto1·es e lodos mui pareci-
dos • sustentasse que nenhum destes tivera intenção de represen-
tar o monarcha , e que todos estes retratos iÓ por acaso se pare-
ciam com elle. Mas não ba acaso onde se descobre um ·designio ,
uma sutcessão , uma combinação ta m sabia como bem sustentada.
Ora , laes são as figuras do Rcdemptor.
, Esta serie de figuras n1isteriosas , que começam com o munuo
e continuam sem interrupção até Jesu-Cbristo, é a prova irrecusanl
d'um determinado <lesignio da Providencia. Elias . se transmittem ,
como as propheci3' , uma claridade mutua ; acaba uma o que ou-
tra começára; e todas reunidas pintam ao natural a Nosso Senhor Je-
su-Christo , em seus trabalhos pela salv~ção do mundo, sua morte e
resurreição , sua gloria e sua Jgreja.
D' esl' arte consolava Deus e animava por sua bondade aos in re-
lizes homens , recordantlo-lhes frequentemente , e por imagens sen-
si veis, o Redemptor qne os livraria de seus males, que d'antemão
fazia meritorias suas obras , e lhes restiLuiria um dia todos os bens

(1) Eusch. Dcm.onst. Evang. 1. IV, 17l e scg. Veja-se lambem Bos-
suct fazendo um quadro similhante cm um Sermão sobre · os caracleres
<las duas alliancas t. III, p. ~37.

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62 CATECISMO

que perderam. Por quanto , como- já - notamos· , todos conheciam alé


_ certo ponto a significação d' estas figuras, assim como -ente.ndiam,
quanto era necessario , os oraculos e prophecias concernentes ao
Messias. Os mais instruídos tinham dellas um conhecimento mais
claro; os outros as comprehendiam tanto quanto bastava para terem
a fé implicita do misterio da Incarnação do Verbo, indispensavcl
á salvação. (1)
Era tambein por amor de nós que Deus mostrava esta longa
serie de figuras, po1· onde confirmava a nossa crença, mostrando-
nos que a Religião christã estende suas raízes até os mais remotos tem-
pos; que ella é o cumprimento d'um desígnio começado na origem do
mundo , e successivamente desenvolvido por espaço de qua renla se-
culos: este mesmo fim tem as promessas do Messias. Tal é, em
poucas palavras, o vasto plano que vamos estudar. E' tempo d'en-
trarmos em os pormenores.
A primeira promessa do Redemptor foi feita em o Paraíso ter-
restre. Os criminosos pais do genero humano ainda bem não ti-
nham ouvido a sua justa sentença , já se lhes assegurava um ex-
piador de seu crime e l'eparado1· de seus males. A sentença pronun-
ciada contra o demonio ; e contra a serpente , seu orgão , conti-
nha esta consoladora esperança. A mulher te esmagará a cabeça ·;
isto é, nascerá da mulher um filho que destruirá o imperio do
mal e do demonio. Comprehenderam nossos pais a significação ai... -
Jegorica destas . palavras ; e bastou isto para alimentar sua coragell\
e tornar suas obras meritorias pela fé em o Re~mptor futuro.
Todavia , por consoladora que seja , é mui generica esta pl'i-
meira promessa. E' verdade _que annuncia .um Redemptor; mas quan-
do virá elle '? Qual será o lugar e o paiz do seu nascimento ? Quaes
seus caracteres ~ Porque meio salvará o genero humano? Eis uma
incerteza absoluta em todas estas circumstancias. Virá, será fi1ho
d'Eva e Adam , . herdeiro de seu sangue , mas isento do seu pecca-
do, eis ahi tudo. E' um tenue raio do sol cie justiça que um dia
nascerá no mundo ; os olhos enfraquecidos do homem ~cccador não

(1, Veja-se S. Thomas acima cita<lo, 2, q. ~' art. VII .

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DE PERSEVERANÇA. 63
poderiam supportar maior força de luz. Nesta obscuriade mesma
tinha sua f~ mais subido merito e sua culpa um principio d'expia-.
ção.
Para obstar a que o homem não perdesse , um só instante , a
consoladora idea de seu Libertador, apressou-se Deus a confirmar
esla primeira promessa, ou antes a traduzil-a em outra linguagem
não menos eloquente, queremos dizer, a linguagem figurativa. O
proprio Adam foi a primeira figura do seu Redemptor : comprehen-
dendo-se , podia comprehendel-o. Vejamos as tocantes relações que
existem entre estes dous troncos da ·humanidade. Adam é -pai de
lodos os homens segundo a carne. Nosso Senhor é pai de todos . os
homens segundo o espírito : é o filho de Deus que nos ereou e nos
regenerou. Adam é o rei do universo ; é para elle que todas as
creaturas foram feitas. Nosso Senhor é o rei do universo ; é por
clle e para elle que todas as creaturas foram feitas. Adam é o pon-
lifice do universo; é elle que deve offerecer a Deus . a homenagem
de todas as creaturas. Nosso Senhor é o Ponlifice do universo , o
sacerdote calholico do Padre Eterno; é elle que offerece a Deus as nos-
sas homenagens e as de todas as creaturas. (1) Adam está a .prin-
cipio só , cercado d'animaes que não podem ser sociedade sua. Nos-
so Senhor está a principio só sobre a terra, rodeado d'homens escra-
vos das paixões sensuaes ; e, por suas inclinações, simiJhantes aos
brutos.
Adormece Adam ; lira-lhe o Senhor uína costella de que for-
ma sua companheira. Nosso Senhor adormece no somno da morte,
sobre a arvore da Cruz. Durante seu somno, rasgam-lhe o peito ;
da chaga que lhe abriram sahio a Igreja , sua esposa, figurada pelo
sangue e agua. Eva, esposa d'Adam, é sua imagem viva, será
sua companhoil'a e lhe dará numorosos filhos. A Igreja , esposa de
nosso Senhor, é sua imagem viva; será stta companheira e lhe dará
numerosos filhos. Entre . Adam e Eva ha um vinoulo indissoluvel.
Entre Nosso Senhor e a Igreja ha um vinculo , uma sociedade que
não acabará jámais : Jesu-Christo estará com clla todos os dias alé
á consummação dos seculos e depois pof totla a Eternidade. ·

(1) Sacerdos Patris catholicqs._ Tcrtull.

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'CATECISMO

Adam pccca : é expulso do Paraiso. Nosso Senhor encarre-


ga-se dos peccados do muntlo, torna-se peccado (1) e desce do Ceo-.
Adam é condemnado ao trabalho , aos soffrimentos e á morte. Nosso
Senhor condemna-se ás mesmas penas. Adam envolve toda a sua.
posteridade· em sua desgraça. Nosso Senhor salva lodos os homens
pela sua Redempção ; por quanto , diz S. Paulo, assim como a m<>rte
entrou no mundo por um só homem em quem todos peccamm , da
mesma sorte entrotl a vida por um só homem em quem todos se sa[...
vam. (2)
Taes são os principaes caracteres de similhança que a rasão e
a fé n-0s mostram entre o velho e o novo Adam. (3)
E' pol' tanto o pai do genero humano quem principfa esla fon ...
ga serie de prophecias -vivas , que todas juntas nos' offerecem , nas
acções dos Patriarchas, ó perfeito retrato <lo Messias. E' c·erlo que
estes grandes llomens não foram só escolhidos para annunciar com
suas palavras, as maravilhas que Deus obraria um dia na Re<lem..
pção do mundo ; senão que toda a sua vida é tambem uma pro--
phecia deste mesmo successo. (3)
Antes d'entrarmos nesta grandiosa galeria de quadros · vivos ,
cumpre-nos conhecer os Patriarchas que a compoem. Que nobres
e saudosas recordações se associam a ~us nomes! Quem pode ler
sua histor.ia sem recordar-se dos ditosos dias da infancia ; quando
uma piedosa mãi, abrindo sobre os joelhos a Biblia em figuras, com
tanto interesse escutavamos suas narrações , e os· olhos se nos hu-
medeciam ao ouvir o nome d' Isaac , immolado por seu pai , ou o
do menino Joseph, vendido por seus irmãos ?
Palriarcha significa pai ou chefe de familia : dá-se este nome
aos primeiros ascendentes cjo Salvador; contam-se trinta- e quatro·. De..
vemos distinguir tres classes de Patriarchas.
1. º Aquelles que existiram antes do Diluvio , a saber : Adam r
Seth, Enos , Cainan, l\lalaeel, Ja1·ed·, Enoch , ~lathusalem, Lamech,

(1) II Cor. V, 21.


(2) Rom. V, 12.
C3) Veja-ss cm a Biblioth. cscolh .dos Pad1·cs, Tcrtull. t. Ili, p. 29;
S. João Chrysoit. t. XIII. p. ~08, õG9.

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DE PERSEVEnANÇ.A. · 65
Noé.
2.º Aquelles que viveram desde o Diluvio até á vocação d'Abra~
ham , a saber : Sem , Arphaxad ,, Sale , Heber, Phaleg, llehu , Sa-
ru0· Nachor Thare Abraham
º' ' ' . ,
3. º Emtim aquelles que appareceram desde a voe ação d' Abraham até
o captiveiro do Egypto, a saber: Isaaç, Jacob e seus doze fiJhos, que foram
os chefes das tloze tribus d'lsrael. Digamos alguma cousa de suas vidas.
Os Patriarchas eram perfeitamente livres ~ e sua familia cons-
titma um pequeno Estado , onde o pai era como que o rei. Suas ri-
queza.s consistiam principalmente em gado. Por isso estimavam
tanto os poços e cisternas ; pois tinham d'apascentar numerosos re~
banhos , em um paiz onde não ha tnais rios que o Jordão , e- onde
tam raramente chove. Com todas estas riquezas eram não- obstante
mui laboriosos ; estavam sempre no campo, alojavam-se em lendas,
mudando dabitação segundo a commodidade dos pastos; e por isso .
gastavam muito tempo em acampar, e desacampar, porque não po-
diam com tam grande bagagem fazer. jornadas longas. ·
Esta maneira de viver foi sempre lida pela mais perfeita ; por
quanto prende menos o homem ás cousas da terra. Por isso desi-
gnava Lambem melhor o estado dos Pá.triarchas, que a não habitavam
senão como ' iajantes , aguardando as promessas de Deus , que só
1

depois da morte havié!_m de cumprir-se. As mais antigas cidades de


que ha memoria foram edificadas por malvados, como Caim e Nem-
rod. Estes foram os primeiros que se fecharam e fortificaram para
evitar o castigo de seus crimes e commeller novos com impunidade:
roas os homens de bem viviam deseobertos e sem receiar nada.
A principal occupação dos Patriarchas era cuidar em seus re-
banhos. Por innocente que seja a agricultura , mais perfeita é a·
vida pastoril ; não sei que tem mais simples e nobre. Tambem é
menos Jlenosa , prende menos á terra , e comtudo é de maior pro-
vei to. Pode julgar-se do trabalho dos homens pelo das mulheres.
Rebecca vinha de muito longe tirar agua, e a carregava aos. hom-
bros; e Rachel apascentava o rebanho de seu pai : não as fazia deli-
cadas a sua nobreza ou formosura. Sem duvida que esta vida sim-
ples , laboriosa e frugal , era a causa de chegarem os Palriarchas
a tam avancada •
velhice
9
e monerem tam serenamente.
II
Abraham
.
e-

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66 CAl'ECJSMO

Isaac Y1veram perto de duzentos annos ; os outros Patriarchas, cuja


idade conhecemos, todos viveram a mais de cem annos, e não consta
que estivessem doentes em tum longa vida. (1)

(1) Em quanto á longa idade dos primei1·os homens, ouçamos o que


diz a scicncia actual. 1.0 O faclo nada tem d'impossivcl; por quanCo
na conslituição da especie humana ha por ventura alguma cousa que de-
termine a duração do sua cxislencia? Em seu systema, ossoso, ncrrnso-,
muscular, visceral ; nos orgãos digestivos, sanguincos, respiraLorios, ha
por ventura vinte e não trinta, sessenta, e não cem, ou mil annos de vi-
da'! Certo que não; e é tam impossível provar isto a priori que a so-
lução diversificaria segundo as bases das observações e informações dos
factos: porque ha populações cuja exislencía se limita a menos de qua-
renta ~rnnos; outras que duram o dobro por um termo medio.
Já Plutarr.ho fazia, admirado, esta pergunta : porque é que os Elhio··
pes cstam velhos aos lriota annos, quando os Bretões vivt!m até cento
e vinte? De Placid. phil. t. V, e. 30. Os primeiros vivem em círcumslan-
cias tisicas, que ra.pidamenle gastam a \'ida ; os ultimos são favorecidos por
~ircumstancias ·contrarias. Por isso ainda em nossos dias, cm certos pai-
zcs, a mulher é casadoura aos de7. ou doze annos; aos vinte e cinco
está decrepita; ·Q contrario succede em outras parles. Comtudo nestes
systemas oppostos de longa existeocia ou aniquilação rapida, as propor-
ções da vida muitas vezes se c<>nservam e protestam contra as causas
accidcntaes de deterioração.
Agora p9is não se poderá imaginar que haja cireumstaucias 6sicu
ainda mais favoravcis, que aquellas que fazem os homens ,·elhos aos
quarenta annos; e ao contrario, mais ricas em principios vitaes, que
aquellas em que vivem oitenta annos '! Certo que ninguem tem direito
de o negar. Pois eis-nos diante dos primeiros Patriarchas, e é de notar
que o ·Gencsis dá precisamente a rasão porque se alterou a vida com a
alteração, produzida pelo .diluvio, nas circumstancias tisicas primitivas.
Genes. VI, 3. Esta alteração tanto se podia dar nos agentes exteriores
como nos factos secundarios da orgaoisação humana.
2°. Está provado este facto com provas fisicas; pois que a vida mais
ou menos longa não offcrece de per si · cousa impossível ou inverosimil.
A questão -pois é de facto, e por tanto reduz-so a perguntar: exisLio
elle ou não ? Decidam-no as testemunhas e a historia. Ora, se as lcs-

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DE PERSEVERANÇA. , 67
Tal foi em geral a existencia dos Palriarcbas : uma gran<le li-
berdade, sem outro governo que o do pai que imperava com poder ab-
soluto em sua familia : era um modo de vi ver mui naiural e commodo ;·

temunlias dão a um facto desta ordem tal ou tal duração, d~vemos erer
110 qnc dizem ou provar que são falsas. Estabelecida assim a questão,
rccahc sobre nossos advcrsarios: nós estamos de posse, e segundo as re·
gras de direito, ao contestante é q,ue pertence provar as suas pretenções.
Por isso podiamos ficar aqui, esperando que o façam ; ·mas seguros que
nunca o poderão fazer, queremos comtudo mostrar sobre que auctorida-
des se fundam os factos da longevidade primitiva. A primeira é de Moi-
sés. Ora, prescindindo da inspiração e gravidade da testemunha tem ei-
la a seu favor, por consenso unanime, ser o mais antigo historiador, e
por consequencia mais grave e auctorisado que todos os posteriores, sen-
do qne o testemunho negativo destes não bastaria em boa critica para
contrabalançar o seu. Demais, cumpre notar que os outros historiadores,
Jogo que perderam o fio da serie humanitaria, como não podem remon-
tar-se alem do D.iluvio, épocha em que, segundo a Biblia, rednzio Deus a
rnla humana, .o testemunho delles não seria mais que de minima impor·
tancia.. Todavia como a vida dos · Patriarchas posteriores ao diluvio ain-
da ex~edia muito a um século, seria muiLo nalmal descubrir Lra~os des·
te facto nas lradicções profanas.
Assim o testemunho dos Pagãos é a nossa segunda auctoridadc. Ho-
mero queixava-se que em seu tempo a vida dos mortaes estava muíto di-
minuida: .• Joseph cita aos Gregos os seus historiadores Hesiodo, e Heca-
tco, llcllanico, Arccsilao, Ephoro o Nicolau de Damasco, -para lhes pro-
var que os primeiros homens viviam muitos seculos. A mesma crença
vigora entre os Egypcios, e entre os Chioczes.
Que é o qu_e se oppõe a isto? Os factos actuacs com os quaes ar-
gumentam assim: os homens d'hoje não vivem mais de setenta a oiten-
ta ~mnos : logo o mesmo succedia ha cincocnta scculos. O homem rara-
mente chega aos cem annos: logo nunca exislio um systema de consti-
tuição humana, que podesse resistir ao peso de sele ou oi lo seculos.
Nesta como . em todas as ma is ohjccções contra os factos religiosos, é
sempre a sequela estourada do espírito forte: o que não vi nüo existe,
nem cxistio nem deve cxislir·. Vejam-se Tardes de 1'Jontll1ery 1 por Des-
<louits, JII.:i tarde .

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&8 CAT F.CISMO

el:l) gr~nde abundancia do tutlo· o necessario e inteiro despreto do


superfluo , em um trabalho honesto, acompanhado de cuidados e in<lus-
tria, porem sem. inquielação.,ou ambição alguma. (1)
Sendo pais do Messias segundo a carne , eram lambem os Pa-
tria rchas suas figuras e Prophelas. Elles o representavam em suas
relações com a Igreja , isto é , formando-a e estabelecendo-a á força
de trabalhos e fadigas ; immolando-se por ella e por ella sa"z.vando
ltS nações. Este caracter diatinctivo reapparece em todos os outros
personagens , bem como em todos os successos figm·ativos do Dese-
jado das nações .
.- · Sabidos apenas do Paraíso terrestre , conheceram nossos primei-
ros pais , por uma triste cxperiencia, o mal que tinham feilo ,
e a fuuest<). IJJudança que em toda a natureza produzira sua culpa.
Condemn.ado~ aos mais duros trabalhos , comendo o pã(_) com o·· suor
d() ro~lo , quanto não haviam mister de consolações por novos si-
-gnaes da misericordia divina? O Senhor, sempre infinitamente bom,
sempre attento a os animar, veio em seu auxilio.
Dous filhos lhe foram dados. Tevê o mais Yelho o nome de
Caim , o m~is novo chamou-:se Abel. Caim applicou-se a culliYar
a terra : Abel seguio a vida pastoril. Instruídos por seu pai, cos~
tuma-\ am um e outro render a Deus suas homenagens, offereccndo-
1

lhe uma parte dos bens que por sua bondade recebiam. Um dia,
offereccu-lhe Caim as primicias de sua colheita , e Abel immolou-
lhe os primogenilos de seus rebanhos , e offereceu-lbe a gordura de
~u~s viclimas. Mas a.. piedade de Caim era tam escassa COJUO a de
Abel sincera e generosa. Testemunhou o Senhor cl'um modo sen-
sivel .a distincç~o que fazia dos dotJS , sacrificios. A.ceitou o d' Abel
e desprezou o de C~i~.
A inveja não sabe fazer justiça. Em vez de tornar a si a culpa,
quiz vinga1·-se Caim em -seu innocente irmão. Logo que no co-:
ração se concebeu o crime , mostrou-se no rosto. O Senhor , que-
rendo salvar Caim e fazei-o tornar em si , faltou-lhe dizendo : Por~
que é que estás irritado? Como perdeste a serenidade do rosto ?
'Acaso se tizeres bem não terás a recompensa ? se m~l , não· pro-

(1) Veja-se Flcury, Costumes dos lsraelitccs p. 3 e H.

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DE PE'RSEVERA.NÇA. 69
vocará-s logo a minha vioganç.a? }las aind.a é tempo de a evitáres:
por violenta que seja a tua paixão podes resistir-lhe. .
As divinas reprehenções d'um Senhor que procura prevenir os
crimes de seus ser\'os nada puderam no irritado Caim. Alteudendo
só á sanguinaria inveja : vamos ao campo , disse para seu - irmão.
Consentio Abel de bom grado. Até pode ser procurava mitigar a
melancolia que parecia consumir Caim. Mas sem lhe responder,
im·estio com elle e o matou.
Parn logo o Senhor se fez ouvir ao homicida , ainda com uma
suavidade que o fratricida não merecia , e de que não quiz apro-
yeitar-se ; a p1·incipio só lbe tlisse estas pala.vras : Caim , onde está
leu irmão Abel? Eu não sei , respondeu o malvado. Acaso sou ei1
o guarda de meu irmão? Convideis em que tam ins-olenle resposla
mereeia o desferir d>um raio ; mas o Senhor que , .com suas repre-
Jiensõcs , tentara prevenir o crime, ainda queria procuar-lbe o ·m·..
repe.ndimenlo. Que fizeste tu, Caim? tornou elle; o sangue de' teu
irmão clama vingança ·co1)lra tí. Serás maldito sobre a terra , que
forçaste a abrir o seío para beber o sangue de teu irmão. Tu a
cullivarás com grandes fadigas e não corresponderá ás tuas espe- r

ranças nem diligencias. Andarás errante pela face da terra corno


um vagabundo e desgraçado fugitivo.
O criminoso, consternado com esta sentença, exclamou mais de-
zesperado que arrependido : é tam grande o meu c1·ime que não posso
esperar· perdão. Condemnais-me a a·nctar errante por clifferenles pai-
zes sem }larar em nenhum. Tollo o bomem que me encontrar
julgar-se-ha com direito a me dar a moi"te. Não , respondeu o
Senhor , eu quero que tenhas tempo para expiares e repal'ares
teu crime. Aquelle que allentar contra a tua vida será puni-
do sele vezes mais que tu mesmo. Cumpriu Deus a pala-
vra ao fratPicida ; e, para o preservar da morte que temia, im-
primio-lhe no rosto ~ em toda a sua presença não sei que feroeidade
e ar lerrivel que o fazia temer. Mas Caim que tinha abusado das graças
prevenientes que o desviavam do crime ; não se aproveitou melhor
dos recursos · que a paciencrn do Senhor lhe offerecia para a salva-
ç.ão. Modelo nesta parte, como em tudo o mais , muitas vezes imi-
lado por um_sem numero <l'impenitcntes que, sempre enexcusavcis ,

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70 CATECISMO

não cahcm no abysmo senão porque repulsam a caridosa mão que


pretende sustei-os; nem ficam sepultados neHe senão porque
regeitam os auxilios que se lhe offerecem para os livrar. Vemos
em Caim e Abel o que ha de acontecer em todo o decurso
dos seculos, a Igreja de Satanaz investindo com a Igreja de Jesu- -
Chrislo. Desde logo começou a longa perseguição que os malvados
farão aos justos até o fim elo tempo. Mas o castigo de Caim annun-
cia aos bons que a Provi<lencia vela sobre elles para os vingar e
recompensar. A consciencia do primeiro fratricida , entregue aos
remorsos e a continuas receios, o induzi o a edificar a primeira cidade,
para lhe servir d'asylo contra o odio ·e horror de> gene ro humano.
A historia do primeiro Caim e do primeiro Abel é a histol'ia anticipada
d'outro Caim e outro Abel. Quatro mil annos depois, a segunda
devia , como a primeira , escrever-se em letras de sangue , ponco
mais ou menos no~ mesmos lugares; porque Abel é a segunda figura
do ~fessias. '
Abel é pastor d'ovelhas. Nosso Senhor intitula-se a si mesmo
pastor d·ovelhas: chama á lgrejà o seu aprisco, aos christãos seus
cordeiros. Abel offerece um sacrificio que Deus recebe favoravcl-
. mente, ao mesmo tempo que 1•egeita o de Caim. Nosso Senhor offe-
rece-se a si mesmo em sacrificio ;·o qual é recebido favoravelmente,
e. regeitados os da lei antiga. Abel expõe-se á inveja de seu ir-
mão Caim. Nosso Senhor expõe-se · a inveja dos Judeus seus ir~
mãos. Abel é altrahido para o campo , e succumbe aos golpes de
seu irmão. Nosso Senhor é conduzido fóra de Jerusalem .,, e morre
ás mãos dos Judeos seus irmãos. O sangue d' Abel clama vingança contra
Caim. O sangue de nosso Senhor pede misericordia para seus al-
gozes. Em punição de seu fratl'icidio, Caim é condemnado a andar
errante e vagabundo pela terra. Em punição de seu deicidio , são
os Judeos condemnados a andar errantes e vagabundos pela terra~
Ha desoito secu1os , que o mundo inteiro o's vê passar sem sacer-
doles , nem rei , nem sacrificio ; nao estando em parte nenhuma
estam por toda a parte. Caim era objecto d'horr or e temor
para todos que o encontravam. O povo judaico é objecto de
horror e desprezo para todos os povos. Poz Deus um signal no
rosto de Caim para impedir que o não matassem. Um sígnal de re-

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DE PERSEVERANÇA. 7f
provação foi impresso no povo judaico , para im-pedir que o não ex-
terminem ; e , de todos os povos antigos , é élle só que ·sobrevive;
elle só que existe no meio de todos, sem se confundir com nenhum
delles. Adam consola-se ela morte d' Abel pelo nascimento de Seth ,
filho de benção, que perpetua a posteridade dos justos. Consola-se Deus,
para assim dizer, da morte tle Nosso Senhor pelo nascimento de uma
innumeravel multidão de Chrislãos , que são os filhos de Deus po1·
adopção.

ORAÇÃ.O.

O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças por ha-
verdes multiplicado as promessas e figuras do Messias. Fazei , Se-
nhor, que excitem cada vez mais em meu coração -O desejo de vos
conhecer e amar. Dai-me a innocencia d' Abel, o seu zelo pela vossa
glotia , e a sua charidade para com meus irmãos. ,- ,
Eu protesto amar a Deus sobre lodas as cousas , e ao proximo
como- a mim mesmo po1· amor de Deus ; e , em testemunho deste
amor, saudarei aquelles quo me fazem_ mal e orarei por elles.

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72 CATECISMO

XXII.ª LIÇÃO.

O ~IESSIAS PROMETTIDO E FIGURADO.

Nascimento de Seth. - Henoch arrebatado ao Ceo. -Corrupção do g-encro


humano. - Noé. - Diluvio. - Arco Iris. - Noé, terceira figura do Mes--
sias.

PARA substituir Abel, deu o Senhor a Adam um filho que s~ cha-


mou Seth. A elle pertencia perpeluar na terra a. descendcncia dos
tilhos de Deus. A Escriptura dá este nome de Filhos de Deus
aos homens que viviam segundo o espírito da Religião , e Filhos
dos homens áquelles que só obedeciam ás depravadas inclinações da
concupiscencia. Caim· foi pai destes ultimos. Henoch , um dos
descendentes de Selh , distinguio-se sobre tudo pela fülelidade
com que oliservava a lei de Deus. Em qoanlo esleve ·entre os
homens , não cessou de os exhorta1· á· penitencia , anuunciando-
Ihes o juízo de Deus que cahiria sobre os máos. ·Depois que vi-
veu 365 annos sobre a terra arrebatou-o Deus, isentando-o da morte,
e não apparecéu mais, havendo sido transportado ao Ceo , donde
ha de tornar á terra , no fim do mundo , para converter os Judeos,
e chamar os peccadores á penitencia. (1) Assim que, na posteridade de
Selh, sempre Deus teve servos fieis ; e o elfeito anticipado da Re<lem-
P<ião se tornou sensivel desde o principio do mundo.
Em quanto os descendentes de Setb viveram separados dos de
Caim', conservaram aquelles a sua innocencia primitiva : mas com
o andar do tempo uniram-se e contractaram alliança as duas fami-

(1J Veja-se Disserto á cerca de Benoch, Iliblia de Vence t. 1, p.


350.

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DE PERSEVERANÇA. 73
lias. Deste consorcio nasceram os Gigantes, isto é, homens d'cx-
traordinaria força e estatura. Estes ho!Jlens, cujo nome é celebre
ha l3ntos seculos , espalharam por toda a parle a desordem e a
impiedade. (1) D'aqui se vê que a causa do mal foi desde logo o

[1} A im1>icdadc voltariaria negou a cuslencia dos gigantes, e al-


gumas vezes a mundana leviandade do nosso scculo lhe tem reilo cc-
co. Ora , c!s-aqni algumas provas scicntilicas e historicas <leste facto <lo
. Gcncsis. 1. 0 Os commeritadorcs concordam cm que a palavra da Escriptura
que se traduz por gigantes pode simplesmente significar homens rorLcs e
,·iolcotos: taes como seriam, por exemplo, uma população d'athlclas. O
contexto harmonisa-se pcrfcitamcnlc com esta inLcrprclação, e mcuiocrc-
rncatc com outra. Poderamos ficar aqui e já a incredulidade não linha que
dizer. 2.º Supponhamos que se eleve entender pela palavra gigantes ho-
mens <le desmesurada força e estatura, dizemos que a existcn.cia d'uma
raça gigantesca é crivei, logo qúc se encontrem racios analogos qua se
possam considerar como resullado de circumstancias fisícas favoraveis e
ainda muito naturacs. Pois hem ! Os nossos vcgclacs são anãos compa-
rados com os seus similhanLcs d'America.. Todos sallem que o feto,
que entre nós nJ'o chega a ser nm arlrnsto, ·cresce n'aqnelle clima como
gran<lio~a arvore, a ponto que lhe chamam o feto giganle. Antes de
mais nada clevcr-·sc-hia ter o feto gigante por uma falmla digna <.los
gignnles da Biblia. Agora desçamos ao seio dà terra, e lá vere-
mos gigantes nas reliquias dos dous reinos que dormem debaixo
das pedras. Os monocotylédoncs, que lá formam a crcação organica mais
profundamente enterrada , são fetos e paliúeiras gigantescas, no dizer de
todos· os gcologos. Os fosseis animacs , são, entre outros, lagartos m<ms·
truosos, que chegam a ter setenta pés de compndo; e entre os proúu-
ctos mais conhccido.s , ha o enorme masLodoolc, e o monstruoso mam-
mulh. Ora eis-aqui . temos gigantes exactamcntc nas primeiras idades
do mundo ; mas se existem entre os vegclaes e anímaes, porque rasão
entre os homens não poderia a natureza produzil-os? 3. 0 Visto que se
uão trata senão da possibilidade da cx1stcncia elos giganlcs humanos,
dizemos que alguns factos avulsos do mesmo gcnero bastllm para decidir
.· n thesc em geral. Pois a historia nos tem . con.servado o nome e esta lura
J'alguos homens que com bom direito podemos chamar gigantes. Não fal·
lando de Golialh, podemos citar indivíduos de G, 7, 8, e 9 pés d'allura,
cuja cxi~Lcncia não é contestada. Augusto tinha na sua corte um gigautc
10 11

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_CATECISMO

que sempre depois tem sido, a mistura dos bons com os máos.
Brevemente a corrupção foi geral , e a terra s~ ''io coberta ue
crimes : chegou a tanto a iniquidade , que fez dizer a Dous , que é
a bondade mesma , qu~ se arrependia de os ter creado ! E' espan-

e uma gigante chamados Pusio et Secundilla, cujos csqncletos, conserva-


dos no jardim de Sallustio, tinham , como refere Plínio liv. 8, e. 16 ,
1 O pés e 3 polegadas romanas, ou quasi 9 pés fraocczes. O gigante
Gabbara , mandado da Arabia ao imperador Claudio, tinha menos meio
pé como diz o mesmo auLhor. O gigante Elcazar, enviado a Tiberio por
Artabano, rei dos Parlhas, tinha cinco covados como refere Josepho ,
o que faz mais de sete pés. O imperador Godo Maximino ainda era .mais
alentado; Capitolino lhe dá 8 pés e 7 polegadas romanas. Ora, note-se
que a estada destes personagens em Roma e no meio da corte, de tal
sorte os punha nos olhos do poblico, que era imposs1vel que as nossas te le-
munhas se enganassem ou podessem co3anar esse mesmo publico no que re-
feriam. Isto basta , afora quaesqacr outras provas, para tornar crivei não
só o Goliath da Biblia, como toda a familia gigantesca dos filhos ele
Benoch, á qual pertencia aql_ielle rei de Bazan , cujo feito tinha 9 co-
vados, o que não suppõe mais de 8 e talvez menos tio individuo que
nelle se deitava. 4. 0 Po<leriamos ainda citar a pró <la exislcncia . dos gi-
gantes antcdiluvianos, as tradicções conserrndas entre os Pagãos·; mas
isto nos levar.ia mui LÓ longe ; quaalo mais que se poci cm recordar ou
ler-se na Dissertação da Biblia de Vence, t. 1. p. 3il. - õ.º A' exisLen-
cia dos gigantes não se pode oppor senão este raciocinio absurdo. Já não
ha gigantes , logo nunca os tlouve ,· por conscquencia é impossivcl qne
jamais existissem. Com que direito se apertam desLe modo os lrmiLes do
possivel? l\las terminemos por ama observação importante. Os que ne-
gam os gigantes, não podem comtu<lo negar os anãos. Ora, se a natu-
reza os prod11z, quem ha de contesta\' que não poderia produzir muitos
mais, e até àear nações dellcs? Supponhamos pois qao a natureza des-
de muito tempo só prodazia aoãos; e qae um tlelles, d'altura de tres
pés, começava a racionar como philosopho ancho, e a dizer: Pretendem
que em certa epocha existiram gigantes d'altura de cinco a seis pés. Mas,
isto é impossivel ; porque, desde que ha memoria tl'bomens, nem eu
nem ninguem vio similhantes maquinas. Negando que podcsse cxistil' em
certa epocha homens similhanles a nós , o anão leria dilo uma parvoíce;
não é verdade? Pois logo os taes philosophos tfüem exact~mente a me$-


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DE PERSEVERANÇA, 75
tosa esta expressão da Bíblia. Deus, penetrado do llor até ao fundo,
do coraçcio, disse: Eu destruirei o lwmem qne creei'. (1)
Mas no meio da - depravaç,ão geral , achou-se um justo que se
conservava puro no meio do contagio ; este era Noé , que tinha en-
tão 480 annos. O Senhor o chamou e lhe disse : Os homens leem
corrompidos todos os seus caminhos , estou arrependido de os tei:
creado , e resolvido a destruil-os ; e com elles aos animaes, e reptis,.
e aves, e todas as creaturas infectas dos crimes da ~specie hu-
mana·. Destruirei o mundo pelo diluvio. Tu porem , achaste graça
diante de mim ; faze pois uma arca de madeira solida e liza ,
divide-a em differentes repartimentos , e betuma-é! por dentro e
por fora ; tu a farás de trezentos çovados de compride>, cincoenta
de largo , e trinta d'altura ; farás nella uma abertura' para servir
de janella ; collocarás uma porta em um dos Ja<los, e destribuirás
LocJa a capacidade da arca em tres andares. Logo que a arca es-
tiver acabada, entrarás nella, tu e teus filhos; e farás lambem en".",
trar comtigo animaes de toda a especie, a fim de os perpetuar nâ-
lerra ; metlcrás den lro d:f arca todas as necessa rias pm~isões para
ti e para esses animaes.
Eram justas as medidas do Senhor , e quando , pelos calculos
mais exactos, se não liv~sse verificado , como já se fez , a sua justa
proporção ; pocleriamos deixar o nr.gocio á pericia do grande mestre
qne quiz ser elle mesmo o supel'inlendente e architeclo deste maravilho-
so edificio. (2)
Noé obedeceu ao Senhor, e gastou 120 annos a construir a arca.

ma cousa ; porque se a natureza pode crear hoje homens de tres pés,


e ouLros de 6, lambem os pode produzir simultaneamente de 6, e de
12. E' uma proporção, cujos lres pr!mciros Lermos s~o certos; logo o
quarto é legitimo.
Veja-se Bíblia ~e Vence. t 1. p. 371, e Tardes de JJfontlliery, IIV
Tarde , p. 1U , e seguintes.
(1) Gen. VI, 6.
(2j Veja-se a B1blia de Vcoce , Dissertação sol>re a Arca , t. t ,
~04..

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76 CA TF.CIS~IO

Admir~mos aqui a paciencia de Deus. Muito de proposílo mand~


construir a !lrca á visla dos culpados , para os avisar conlinua-
mcnle do imminent~ castigo que os espera. Nem cansa Noé de os
chamar á penitencia, mas tapam os ouYidos a seus salutares con-
selhos, e riem-se. dos lerrores que lhes quer incutir. Concluida a arca ,
ain~a o Senhor differio por mais sete dias aexecução da sua justiça, e deu
oos peccadores esta ultima espera para se convérterem. Não podia para
assim dizer resolver-se a descarregar o golpe. Já n'outra parte vimos
que a propl~ecia d' Enoch precedera a de Noé ; por onde se vê que
])cus fez durar perto de mil annos os seu3 avisos e ameaças; porem
foi tempo perd~do. Chegou e~n fim a punição ha tanto tempo annun-
chula , "tam de;;prezada sempre, mas que foi tanto mais formidavcl ,
quanto menos temida. · .
No anno do mundo de 1336, fez entrar o Senhor na Arca a
Noé com s~a mu~her e seus tres filhos e esposas, bem como aos ani-
maes de cada espccie para lhes conservar à propagação. Depois do
que , vendo na Arca as 8 pessoas de que havia de sahir o mundo
riovo , e o numero d'animaes destinados a reparar as ruínas do an-
tigo , fechou por fora a porta .da arca, de sorte que a agua não a
potlcsse penetrar. Então podendo já punir ~ culpados sem destruí~
o justo; ·abandonou o mundo aos effeitos da sua indignação.
De repente tresborda o mar : todos os abysmos da terra e rc-
serva torios do Ceo abrem-se, uma chuva , mais tremenda por ·sua
abundancia que por sua duração, desaba continuamente por qua~
renta dias , e quarenta nonles. Inunda-se toda a superficie do glo-
bo, e chegaram as aguas á altura d~ quinze covados acima das
mé!iS allas montanhas. Nada. escapa : homens , animaes , passaros ,
tudo perece. Só a Arca fluctua lranquillamenle sobre as aguas, que
quanto mais abu~dam tanto mais a elevam para o Ceo, conservando en~
seu seio as primicias d'um mundo novo.
Ficou a terra coberta pelas aguas do diluvio por espaço de
cento e quarenla dias. Então fez Deus soprnr um vento que a sec-
cou a pouco e pouco. J>ara saber o que se passava , abrio Noé a
janella da Arca e soitou por ella um corvo. Este animal carnivoro,
como achasse bom pastv entre lanlos cadaveres ' não voltou ; o que
fez crer a Noé que as aguas já estavam consideravelmente diminui-

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DE PERSEVERANÇA. 77
das. Sele dias de.pois deixou ir uma pomba, para o mesmo fim
com que já havia mandado o corvo, porem esta ave como não achasse
onde pouzar tornou para a Arca , apresentou-se a Noé, que a
tomou e recolheu de novo. Esperou o Patriarcha sete dias mais, e
tornou a soltar a pomba , a qual voltou á tarde , trazendo no bico
um rama d'oliveira. cujas foJhas estavam verdes. A este signal
enlendeu Noé que já as aguas se haviam inteiramente retirado. Mas
tomou a delibera~~ão tl'.esperar e om paciencia ainda mais sete dias ,
e pela terceira vez mandou a pomba ; a qual não voltou mais. To-
davia , para saber o que fizesse, esperou as ordens do Senhor ; e ·
estas com effeito lhe foram communicadas no dia 393. 0 depois que
entrou na Arca.
Apenas Noé se vio em libenlade , seu primeiro impulso o levou
a um acto de reconhecimento. Offcreceu 11m sacrificio ao Senhor ;
e o Senhor lhe promettcu de não lornar a fazer perecer o- mundo
pelo diluvio. « Eis-aqui o signal da alliança que para sempre esta~
beleço r.ntre mim e vós, lhe disse o Senhor : qu&ndo eu tiver agglo-
merado as nuvens no ceo, apparecerá no meio dellas o meu arco ,
e me recordarei , ao vel-o ; da promessa que fiz de não tomar a
submergir o mundo por uma inundação geral. )) D'esL'arle toda a
yez que vemos o arco iris , devemos ter animo , e crer que Deus
não tornara a ·fazer perecer o genero humano pelas aguas. Desta
promessa ~ivina , perpetuada pela tradicção , nasceu sem duvida a
veneração que os Peruvianos pareciam ler conservado, ha tanto tem.
po , para éom o arco iris , signal en lre elles manifesto da perpetua.
ce sação daquellas inundaçõe5 lerriveis que produziram o dilu-
\'ÍO. (1)
Se a memoria desta particular circumstaneia se acha entre os
Pagãos, com muita mais rasão devemos achar enlre elles á me-
moria cFaquclla terri vel inundação , que fez perecer o genero
humano. Com effeito a realidade do diluvio eslá escripla com cara-
cleres inde1cveis em dous grandes livros , onde todos podem . ler: a
memoria dos p.ovos, e a superficie do globe. Para nos convencer ,

(1] Cosmogoma de JJloisés, por 1\1. Marcel de Serres , p. 182.

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78 CATEClSl\IO

interroguemos rapidamente as nações que leem apparecido nas ditre-


renles epochas e diversas regiões do mundo. Comecemos pela Asia,
berço do genero humano. Depois da crença bem conhecida dos Ju-
deos ouçamos os antigos Persas que nos dizem : que o diluvio no
qual pereceu a especie humana , · foi causado por uma chuva qne
durou dez dias , e dez noutes. Eis-aqui de que maneira os Imlios
nos contam a historia de~e terrivel acontecimento.
Wichnou dirigiu-se um dia a um rei <le Dravadam , chamado
Satievaraden, príncipe muito religioso. O deus lhe disse · A lua pie-
dade para comigo e charidade para com os homens, · me são mmlo
agradaveis; ouve pois a minha palavra : eu te annuncio que dentro
em sete ·dias o mar ha de submergir o mundo. Quero salvar-te deste
diluvio , a li e aos sete palriarchas. Por tanto prepara-te para este
successo. Eu te enviarei um navio aonde juntarás uma provisão de
toda a .sorte de sementes, -fruclos e raízes. Depois entrarás nelle e
· serás levado sobre as aguas. Fez o principe a dita provisão de se-
mentes e raizes , tanto para seu sustento como para a reproducção
na renovação do mundo. No fim do setimo dia ah.riram-se as ca-
taraclas do Ceo; despejaram as nuvens tam abundante chuva que o
mar cobrio toda a terra. Mas o navio sob a protecç.ão de Wich-
nou era levado por sobre as aguas, e ludo aconteceu como fôra p_re-:-
dito. Acabado o diluvio , sahiram do navio as oito .pessoas conser-
vadas e adoraram Wichnou. (1) Estes mesmos povos atlribuiam o di-
luvio á corrupç.ão do genero humano.
Os Chinezes ~ tam differentes de nós , por suas instituições e
costumes, como tal-vez por sua figura e temperamento, tambem ad-
mitlem um diluvio , e· collocam pouco, ruais ou menos na mesma era
que nós a data deste successo. O seu Chou-king, o livro mais an-
tigo que possuem, começa a historia da China por um imperador
chamado Yao; o qual se nos representa occupado a fazer _escoar
as aguas , que cobriam a maior parte da superficie da Lerra. Os
Chinezes tinham até instiluido uma festa em commemoração dos mor-
. los na inundaçã"o do diluvio. Esta festa celebrada igualmente pelos

( l) Bagadavam , liv. Vlll , p. 213 e seguintes.

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DE PERSEVERANÇA. 79
Japonezes nos ultimos dias do mez d' Agosto; tinha o mesmo fim como
a mesma origem. (1)
Iguaes crenças predominam entre os Arabes, Turcos , l\fongóes
e Chal<leos. Béroso , que escrevia em Babylonia no tempo d' Alexan-
dre, fa~la do diluvio com circumstancias tam similhanles ás. de Moisés,
que parece uma narração bebida na me ma origem ; e a -epocha cm
que o colloca , isto é, logo antes de Belo , pai de Nino, concorda
com a que lhe dá <l Genesi . (2)
Se da Asia passarmos a Africa, os Egypcios nos dizem, que
na epocha em que Osiris se occupava a insl.ruir os homens na Elhi-
opia , tresbordou o Nilo e inundou inteiramente as vastas planícies
que percorre. Todos os homens pereceriam por cffeito deste dilu-
vio , a não ser o possante braço d'Hercules, unico que pôde susle.r
a furia das aguas levantando diques, e sahando assim nma parle
do genero hum ano. (3)
Entrando pelo coração d' A.frica acharemos as mesmas tradicções
entre os Abyssinios.
. Na Europa temos os Scandinavos, que nos dizem que tendo sido mor-
to o gigante Ymus, escoou de suas largas e profundas feridas tam
grande porção de sangue, que submergio a especie humana. Um cer-
to homem , que designam pelo nome de Delgémer , foi com sua
familia o unico que se salvou ; e isto porque, obedecendo á ordens
da divindade, havia-se abrigado em um grande navio. As lradic-
ções dos Celtas ainda são mais explicitas. Segundo elles, como d'ac-
cordo com os mais antigos povos, o diluvio destruio todo o genero hu-
mano, exce1lto Dwvan e Dwz'vach. Estes sós escaparam ao perigo, haven-
do d' antemão construido um navio sem velas, no qual tinham reco-
lhido, de lodos os animaes que exisliam, um macho e fcmea. Alé os
pobres Laponios possuem lambem suas tradicções do diluvio. (4)

(1) Cosmogonia de Moisés , p.


{2/ 1bid. p. 180.
(3) lbid, p. 177.
(ii) Iu1d. p. 18i -- 191.

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80 CATECISMO

Para acabarmos a nossa viagem ao redor do mundo ; aporle_-


mos agora na Ainerica. Os antigos Incas , na sua conquisla do Pc-
nt , procuravam persuadir aos povos , de quem s~ fizeram senhores
absolutos, que, depois do diluvio universal , cuja memol'ia 'se ccm-
servava entre os lndios, o mundo havia sido povoado por sêus an-
tepassados. No dizer delles , seus avós , sahindo em numero de sele
da caverna de Pacaritamho , tinham sós pcrpelua<lo a especie hu-
mana : pelo que todos os homens lhes deviam homenagem e obcdi-
encia ; e eslas ideas não favoreciam pouco o estabelecimento do seu
irnperio.
Esta memoria do diluvio eslava de tal sorte impressa nas diver-
sas tl'ibus do novo mundo , que um dos In<lios de Cuba aposlrophou
a Gabriel de Cabrera , dizendo-lhe : « Porque me insultas ? Não so-
mos lodos irmãos ? Não descendes tu como eu d'aquellc que constrt1io
o grande navio , que salvou a noss~ especie? » Eslas mesmas ideas
vigoravam entre os selvagens d'America Septentrional. (1) Assim se
conservou a recordação do diluvio , e dos crimes que o provocaram,
na memoria de todos os povos. Tal ~ o primeiro livro no qual po...
demos ver este grande acontecimento narrado por l\foisés.
O segundo , é a superficie de nosso globo. Com effeilo , acha ..
se por toda a parte, no alto das montanhas, como nas entranhas da
terra, mesmo a uma grande distancia do mar , uma prodigiosa quan-
tidade de conchas, espinhas de peixe, e destroços d'animacs marinhos,
cujas especies são estranhas a estas regiões. E' evidente que estes
corpos vieram do mar , e foram transporlados, a estes remotos pai-
zes, pela inundação repentina e violenta furia das aguas em toda a
superficie da terra. (2)

(1} Cosmogonia de Jloisés p. 186, 488. -- Bíblia do Vence, t. 1,


1

p. 420. - ... Jehan, Novo t1'alado das sciencias geologicas, p. 295.


{2) Vcja-se Cuv ier, Discurso sobre as 'l'evolttções da superficie tlo
globo. - A seguinte nola offcrece um resumo das provas füicas do di-
luvio tacs como se encontram nos mais abalisados geologos modernos.
Reparemos primeiro que, se a superficic do globo so[reu um calaclysmo
oomo nos affirma o Gencsis e as traJicções elos povos, devem exislir cm
alguma parte da terra os rcstigios dcsla imroensa inundação. Porque o

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DE Pf~nsEVERA~ÇA. 81
A' rírnsma epocha do diluvio indicada por .l\luisés, ·rendem ho-
menagem os factos gc1Jlogicos. Se examinarmos nos Alpes os re-
sultados das acções que deveram começar quando estas montanhas
tomaram suas formas actuaes, taes como a formação dos ~lesabes

tntindo an'ligo devêra espargir estas rcliqiiias aqui · e nl1i por toda a su-
pt!rficie rerolvida das aguas. Demais, segundo o Genesis, as aguas do
mar deviam reunir-se às da chuva, para produzir a innnda~ão ; não é
preciso mais para explicar certos raclos, que reciprocamenlo sorvem de
ponto d'apoio ás inducçõcs, pelas quacs dcscubnntos suas causas. Isto
posto, dizemos : Primeiro facto diluviano, ou, segundo a bclla expressão
ele Bucklaod , o Cuvicr da Inglaterra • J>rimcim medallla do diluvio:
« a existcncia d'arcas marinhas· e conchas, !JOS terrenos d'alluvião dos
nossos continentes actuaes. » Estas immcnsas camadas cl'al'ea e conchas
existem até no cimo das montanluis Se estas conchas e silex sé achassem
cm camadas pedreg-0sas, não tcriarµ rclàção cóm o diluvio;_ mas é nos
terrenos móvcdiços, nos terrenos d'allU\·ião, precisamente n•aqncllcs que
os gco1ogos chamam terrenos diluvianos, que encontramos esta arca e
estas conchas. , Supposlo que, segundo certos gcologos , os dcpositos di-
luvianos não se encontrem no cimo das mais altas montanhas. esta nu-
scncia , se é exacla, nada prova contra a universa-lidadc do diluvio. Com
effeito , os dopositos resultantes da acção impetuosa das conentes bem
podem não apparcccr cm seus pontos de pal'tida e cobrirem somente os
pontos mais baixos da supcrficie <lemudada do globo; da mcsnHt sorte,
no tempo presente , observamos muitas vezes uão ficarem vestigios das
mais violentas inunda~ões sobre aqnellas mesmas montanhas donde par~
tiram.
Segunda meclal!ia do diluvio : « Os vallcs de desnudação. >l Na falta
das conchas o arca do mar no cimo das mais nllas montanhas , og vallcs
de dcsnud,1ção vem alleslar a passagem do terrível flagcllo sobre estes
acrios pincaros. Chamam-se vallcs de desnudação aquelles que foram ex-
cavados na mesma· massa dos mais elevados plainos. Facilmente se 1·cco-
nhcccm por/lue, sobre cada declive das collinas ve-sc uma cxacla co1TC$(>0n-
1

dcncia <las camadas que, antes da cxcavação, crnm evidentemente conti-


nua.das ; pois que hoje se acham precisamente da mesma ·altura , cstnt-
ctura e ordem de sobre posição d'um e outro lado do vallo Nfo se pode
altrilrnir a formação destes vallcs ás correntes d'agna attuacs; pol'quo a
maior parte são Ya11cs scccos; algun:> ha quo tccm ns cam1.1das que for~
11 ll

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82 CAIECISMO

ou escarpas das nrnntanhas , e a das orlas e cumes ; se e8lll-


darmos os nateiros· fol'mados por nosS-Os rios actuaes , e tomarmos
em consideração que as ladeiras e naleiros deviam fazer-se muito
mais rapidamente quando; os declives estavam mais precipitados d~

mam o solo vcrlicacs; e pelas fendas bebem e somem todas as aguas


pfuviaes. De Saussure attribue Lambem a uma violenta acção das agua:s
a desnudação d'cnormes massas de granito que chegam a ter 975 melros
acima dos mais elevados Alpes. _
Terceira medalha do diluvio, a qual como as duas precedentes se
encontra na superfície do globo. ~< Os morros irregulares. » São estes os
fragmentos de rochedos dispersos d'um võlume que varia desde alguns
decimelros alé 1500 metros cubir.os e chegam a pesar 300:000 kil, -=
as mais das vezes estam accumulados nas grandes planicies ou dispersos
em longos seguimentos pelos declives, e aLé sobre a coroa de monlanhasT
a CUJO sol<> são estranhos. O mais notavcl ó, que se cncontrari1 pela
maior parte a mui grandes dislancias das cordilheiras, qüc sós os podiam·
fornecer, e das qnaes se acham separados por valles profundos, e até por
grandes braços de mar. Taes são os que se encontram na Dinamarca,
na Prussia, e ao Norte da Russia Europca, e que prnvem das monla-
nhns da Scandinavia, Fmlaudia, ele. ~onde foram traosporlados a travez
do mar BalLico. Veem-se moulõcs destes rochedos dispersos por toda a
Europa, na Amcrica do NorLe e na Amcrica do Sul. O trausporlc des-
tes enormes morros não se pode explicar senão pelo diluvio ; ellc só por
sua prodigiosa violcncilt podia arrancar assim do cume das monlanhas
massas grani\icas aos milhares e espalhai-as pelos cimos d·outras mon-
~ tanhas.
Quarta medclllia do diluvio : « A cxislcncia de muitos restos d'aoi-
macs terrestres amontoados a lrochc mochc nos terrenos molles, junta-
mente com areas e productos marin_hos. » fü;Le facto inccmtestavel repl'o-
duz-se por iodo o · mundo, até aa Auslralia se descul>riram ullimamenle.
Sobre is Lo devemos notar : 1º Que as espccies, cu;os restos- estes terre-
nos homisiam, são similhantes ás cspecics actualmcnte vivas; apenas um
pequeno numero differc algum tanto; quanto ao mais as soas proporções
são geralmente maiores; ~-º estas reliquias se encontram em climas muito
differentcs d'aquelles aonde vivem actualmcnte estas cspecics; 3.º csta.s
espccics petrificadas a troche mocbe são muitas vezes . ra~as aotipathicas,
incapazes d'habitar juntas; e Dão obstante o estado do Lerrcuo prova

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DE PERSEYERANÇA. 83
que hoje , deveremos concluir com· Deluc , Cnv1er , Buckland , que
as revoluções , que deram ás nossas montanhas as suas formas actu-
aes , e aos nossos rios as correntes 'que hoje teem , não sobem
.á epochas excessivamente remotas; de sorte que a distancia de qua-

que estavam misturadas no momento de sua commum catastrophe ; e de-


mais disso que estavam então concentradas em um espaço muito aperta•
do. Da observação destes factos, reconhecidos por todos os geologos,
devemos concluir:
1. Que, -\'isto que ha misllira dos productos terrestres com os ma-
11

rinhos, estes ult1mos não resultam d'uma precipitacão lenta, feita no seio
do liquido, que houvesse occupado tranquillaruente a superfiicic dos con- .
tinentes acluacs. Os nnimaes terrestres não podiam lambem ajuntar seus
despojos aos dos habitantes do mar senão por etfeito da invasão deste
cm os continentes: é isLo prccisamenlé o que diz a Biblia.
2. 0 Que o tamanho e proporções de certas especies enterradas con-
corda perfeitamente com as ideas qoe nos dá Moisés elo vigor da natu-
reza orgaoica na epocha do diluvio.
3-. Que a di\·crsidade dos climas, aonde vivem as espccies petrifica-
11

das, e daquellcs . aonde encontramos seus- despojos, não pode explicar-se


senão por uma causa accidcntal, mas vigorosa, que houvesse transportà-
do estes aoimaes das suas habituaes latitudes para os pontos e:drema-
mcnte remotos, cm que estas especies teriam perecido. Perguntai a Cti-
. Yier como pôde elle achar juntos o rangiíer o o rhinocerontc cm os nos-
sos clim.as. Este grande naturalista, d·accordo comnosco, vos dirá que,
na hypothe ·e do diluvio, e'.'tptica-sc este phcnomeno quer pelas tentativas
dos animacs, procurando fugir para os pontos ainda não occupados da
inundação, quer pelo transporte ,·iolcnto ele. seus cadaveres macrmcados
e envolvidos pelas ondas. A não ser o diluvio a explicação é totalmen-
te impossível.
Qoe da reunião dos destroços das raças incompaliveis , quo se en-
contram não obstante JUntas, laes como os tigres e as hyenas com os
cavallôs, resulta que numerosos indivíduos dcstns diversas cspecies se
encontraram forçosamente reunidos em mui pequenos espaços, aoo·de todos
estes individuas cgnalrnente pereceram. Esta reunião forçada, e esta con-
centração, seriam precisamente -a coosequencia d'uma invasão gradual das
aguas, tal corno o diluvio descripto por Moisés. Sem esta causa, tudo
é incxplicavcl. O mesmo succcde nas cavernas à'ossos, onde se acham

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84 CATECISMO

tro mil annos da era aclual , que o Genesis dá aó di h1vio ,- pode rnµi
bem concordar com as consequcncias lir~das dos chronometro!:I na-
lnraes. (1)
Todavia o Senho1· não s~ contentou com salvar Noé, fez del10

contundidos os restos de grande numero d'especics iucompativeis, e que


é facil explicar , pel.os costumes dos mesmos animaes > como se lornaran1
seu ponto commum de reunião no perigo que ·os ameaçam a todos.
Estabelecido o diluvio por tantas provas, só nos resta uma questão
a rcsoh·er: pergunta-se porque motivo , entre os destroços lam ahnn-
cJantes do diluvio, não se acha nada que certifique que o homem tinha
existido durante o perio<lo immediatamenle, anterior ; nem ossadas huma-
nas' nem produclos d'industria humana ' como pedras de cantaria ' me-
tacs obrados, ou qualquer outro monumento da civilisa~ão natural ao ho ..
H1em. Aolcs de responder, faremos algumas observações. 1.º A nar-
ração do Genesis assaz se sustenta de si mcsmn , e não carece mendigar
provas na ordem scientifka. Assim , qmrndo não fizessemos mais que
exercer a respeito dos factos gcologicos uma critica negativa , rnosLrnndo
que nenhum dellcs apresenta d1íficuldades insoln,•eis contra a narração de
Moisés, leríamos feito tudo quanto um homem instruído pode exigir
para pôr d'accordo a rasão e a fé. 2.0 • A geologia é uma scicncia qne
ainda cslá no l>crço; e nisto concordam os mais sabios geologos. Jla
cincoenta ~noos ainda não existia. Ora, a marcha progressiva das sci-
encias, e sobretudQ da geologia, só se consegue lenta e pcnosamcnle no
UlCio de duvidas e incertezas, e já deveramos estar cQntenles que depois
d'um longo trabalho e numerosas vicissitudes chegasse a geologia a pôr-
sc d'accoruo cm alguns pontos com o Genesis; livro divino que, como
confessa um illuslre gcologo , é o mais grandioso resumo de todos os
sistcm;is gcologicos; foco da _Yer<lade eterna ; e.entro -d'unidadc , para o
qual ~enm convergir um dia todos os ramos dos coribccimc~tos hufl)a 7
nos.
Agora, rcspoqdendo dircclamenle á pergunta, diremos : 1. º qn? é falsQ

(1) Jlcja-se tamhcm Biot, Beuda.ot, Elic de Beaumoqt. - A esta an-;


e Loridade juntemos o testemunho d'um hom~m, CllJa p~laua faz prova nesta
materia. Dos nionunrnnlos antigos da historia profan~ ainda subsistente~
cm nossos dias, diz M. Champollion, e que remontam a uma cpocha certa,
nenhum contradiz ~ data <lo diluvio, segundo o texto grego da IJiulia <lp~
setenta. » Resumo complet.o ela Clironologfo n.º GO.

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DE PERSEYERANÇ,A. gf,
a terceira figura do l\Icssias. Noé quer dizer Consolador. Jesus quer
uizer ·Salvador. Entre todos os homens, só Noé achou graça diante
de Deus. Só Nosso Senhor achou graça diante de Deus seu Pai. Noé
foi escolhido para de novo povoar a terra. Nosso Senhor foi esco-
lhido para povoar a terra de justos. e o Ceo de santos. Noé rece-
beu ordem de construir uma arca. Nosso Senhor recebeu ordem de
restabelecer a Igreja. Trabalhou Noé, por espaço de cento e vinte
annos , na conslrucção da arca , e não cessou de prégar a peniten-
cja aos homens , que .o não escutaram. Nos~o Seahp1· lrabalhou lo-

nãG se acharem fosseis humanos ou da ~iritisação humana nos dcpositos


do diluvio. Na gruta d~ Bcz"tt, pert-0 de Narbona, l\f. Tourneau des-
cobriu ossa«ias humanas, misturadas com restos de louças e ossos d'a-
nfoia.cs aetualm.entó perdidos, e os materiaes que os enterravam são con-
siderados ·por todos os geologos como pertencentes ao diluvium. Gazela
da Soe. geol. de França , 1830. Outro geologo, M. Schmerling, quc ~ cxa­
minou com o maior cscru1>Ulo as caYcrnas de Maestrich, achou ncllas ca-
beças que recordam , segundo crê, as formas Africanas. Esles craneos
estavam misturados com cacos de louça, agullHts d'osso &e. 2. 0 Quando se não
achassem restos humanos cm nossas regiõe~ occjdenlacs, d'aqui não po-
dia concluir-se nada. Por quanto, é muito de presumir qu_c a cspecic humana
não estava ainda muito espalhadas na epocha do diluvio; e. que estes restos por
consequencia não se encontram senão n'uma só região. Or~, esta região,
onde todas as lradicções collocam o berço do genero humano, esta Asia
central, é ainda geologicamente desconhecida. 3.º E ainda quando nesta
parte do mundo se não achassem vcstigios d'homeos destruidos , nem por
isso poderia conclmr-sc cousa alguma contra a narração de ~loisés. Por
quanto, pode muito bem admillir-sc a hypothesc de Cuvicr , que os
lugares onde os homens habitavam foram obysmados, e seus ossos sepul-
tados no fundo dos mares actuaes, á excepção do pequeno numero d'in-
d_ivilluos que continuaram a propagar a súã cspecic. i. 0 Uma outra causa
que deve tornai· mui raros os destroços humanos anledilu\'ianos é o uso
e universal rnst10cto, qnc ainda se conserva nas tribus mais seh·agens,
de queimar ou enterrar os mortos; e sabe-se quanto esta inhumação ac-
c~lera a decomposição. - Veja-se Cnvicr, Discurso, etc. - Mar"ccl de Ser.
rcs, C~stn. de j/oish. - Degdouits, Tardes de Montlliery. - Jchan, Novo·
tratado das s ~iencias ge-0/ogicas. - Forichon 1 Exame elas quesl. scient,if.

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8G· CATECISMO

da a sua vida e:m construir a Igreja, prégou a penilencia por si mesmo,


por seus Apostolos e pelos successores destes, mas os homens não o
escutam. Noé, construindo a arca, prepara-se para escapar ao nau ..
fragio universal. Nosso Senhor , estabelecendo_ a lg~eja , tem por

fim preparar aos homens urna arca de salvação contra o diluvio de
fogo , que ha de consumir os peccadores eternamente. Noé e mais
os que entraram na arca foram salvos. Fora da Igreja de Jesu--Christo
não ha salvação para aquelles que, conhecendo-a , recusam entrar
nella; ou sabem, para abraçar uma seita estranha. Estava a arca cheia
de creatnras de toda a especie. A Igreja encerra em seu gremio ha-
bitantes de todas as nações. Quanto mais abundavam as aguas do
dilu"io , tanto mais a arca subia para o Ceo. Quanto maiores tri-
bulaçõe_s soffre a Igreja , mais perfeita se torna , mais se eleva para
Deus. A arca , que levava Noé e seus filhos, era a unica esperan-
ça do genero humano. A Igreja,, que possue a Jesu-Christo e seus
filhos , é- a tmica esperança do genero humano. Ao sahir da arca,
offereceu Noé um sacrificio , que o Senhor recebeu favoravelmente .
Sobre a cruz , offereceu Nosso Senhor um sacrificio mil vezes mais
agradavel a Deus que o de .Noé. Deus . fez alliança com Noé. Deus
fez com Nosso Senhor, e por elle com todos os homens, uma alliança
que será eterna. Noé recebe pleno poder sobre a terra e os animaes.
Nosso Senhor recebeu de seu Pai um pleno poder no Ceo e na
terra. Por Noé , restabeleceu Deus o mundo , que tinha destruido.
Por No$SO Senhor , restabeleceu Deus o mundo , nos bens que Q
peccado lhe tinha arrebatado.

O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças pela
paciencia com que esperaes os pecca<lores ; e com que me tendes·
esperado a mim mesmo tanto tempo para .a penitencia. Eu torno

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DE PERSEVERANÇA. 87
para YÓ3, recebei-me pela v9ssa infinita misericordia. Tambem vos
dou graças por me fazerdes nascer no gremio da vossa Igreja, fora
da qual não ha salvação ; concedei-me pois , Senhor , que eu cum-
pra os seus preceitos, e persevere até o fim em tudo o que ella me
ensina.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e , em testemunho deste
amor, renovarei todos os mezes as promessas- do ba11ti'smo. .

XXIII.1' LIÇÃO.

O MESSIAS PROl\IETTIDO E FIGURADO.

Diminuição da vida humana. - Maldi~ão de Chanaan. -Torre de BaheL


1
Principio da Idolatria. - Vocaçüo d Abraham. _: Segunda promessa do
Messias. :- Mclchisedech , quarta figura elo Messias,

DEPOIS do diluvio começou , para assim dizer , um novo mundo ,


uma nova terra ; mas esta , já ferida de maldiç.ão pelo peccado do
primeiro homem, perdeu ainda, por effeito natural de tam longa
immerção d' aguas, uma parte da sua força e fecundidade. O ar
insalubre , sobrecarregado de vapores ; as plantas degeneradas e fal-
tas de vigor ; o alimento das carnes ; o uso excessi-vo do ·vinho ;
tudo contribuio para augmentar as causas da dissolução ; e a vida
humana, que até alli durava perto de dez seculos, encurtou-se pouco·
a pouco até chêgar ao termo de cem annos, e d'ahi para baixo.
Deste modo se executou a sentença · da divina justiça, contra o ho-
mem tantas -vezes culpado. (1)

(1) Gco. VI, 3.

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88 CATECISMO

.Transmillio Noe a seu·s frcs filhos S.em , Cham e Japhel as san-


tas . verdades da Religião, e particularmente a tradicção da promes--
sa divina do Redemptor futuro. (1) O santo Patriarcha lambem plan· ·
tou a vinha, que sem duvida era já d'antes conhecida ; porem só
se contentavam com lhe comer o fructo. Agora descobrio ellc co~
mo ex premendo a uva se lhe podia conservar o licor. O vinho
foi um beneficio déstinado a dar alguma alegria ao coração do ho-J
mem, entristecido pela diminuição de seus· dias, e enfraquecimento
de toda a natureza. ComQ succede pois que tantos abusam deste novo
presente do Pai celeste?
Um dia, tendo Noé bebido deste licor , cuja força ainda não
conhecia , ficou n'nma involuntaria embriaguez , e adormeceu em sua
tenda. Em quanto dormia, succedeu ficar descoberto- d'um modo in-
decente : pm'cebeu isto Ch.am ; e, sem respeito nem pu<lôr, foi logo
dizel-o a seus irmãos. Foram estes mais reverentes; e, tomando uma
manta que sigm·avam por cada exlremidade, foram a seu pai cami-
nhando para trás , e com ella cobriram o venerando velho. Noé ;
quaudo despertou , soube de que modo o tinham tratado. lnspi.rado
subitamente, lançou sua maldição, não contra Cham, em r~speito á
benção que Deus lhe tinha dado ao sahir da arca, mas conlra Chanaan,
Jilho de Cham. « Seja Chanaan maldito sobre a lcrra, disse o Santo Patri-
archa, e venha clle a ser o escravo doS- escravos ele seus irmãos. )) (2)

(1) Durante a nossa estada cm Roma, tiremos a fortuna de trnt.ar


e conversar muitas vezes com o Cardeal MezzolTanti. Este homem uní-
co nos annacs do mundo, falia trint( e tres línguas. e quinic dialccCos,.
sem conlar as divcrsic.ladcs· provincianas. Um dia, perguntamos-lhe se a
philologia podia ajudar ~ demonstrar a unidade de progcnie e trindade
d'espccie, em a humanidade. « Não só auxilia esta dcmonstrnção, nos
disse ellc, mas ella só a faz. Uma cm soa cssencia, a ·tinga.a humana
divide-se em trcs ramos, dos quaes todas as línguas êoohecidas são ~rn
vcrgontcas. Estes tres ramos são : a língua Japhelica, Semctica, e a
Jingua de Cham. » Que se poderá oppor a esLe testemunho? Veremos em a
nota seguinte como esta asserção se confirma pela physiologia.
(~) Vimos em a nota <.la lição XVll3 como .a scicncia aclnal tem
feito ju:stiç-a aos ímpios syslcmas e gratuitas supposi~õcs da philoso.ph!a

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DE l'ERSEVElUNÇA. 89
Tenivel maldição que se verificou depois, quando os Chananeos fo-
ram exterminados e reduzidos á servidão pelos Israelitas , descen..;
dentes de Sem. Maldição sempre subsistente na descendencia de Cham,

anticatholica sobre a multiplicidade das especics humanas: graças aos tta ..


balhos dos moderno3 geologos, a unidade da espccic humana está scien~
tilicamente demonstrada. Certifiquemos ainda outros dou~ factos que são
igualmente acquisição da sciencia. O primeiro é a exislencia de Lres
raças cm a cspecie humana ; o segundo, a superioridade de duas raças
sobre a terceira. Vereis que a sciencia é obrigada a pedir á fé a ex-
plicação deste facto : por outras palavras, neste ponto; como nos demais,
para não ficar incompleta, vê-se forçada a scicncia a tornar-se religiosa,
porque SÓ na Religião lem a solução de seus ultim.os problemas.
1. 0 /lacto. A cxistencia de tres raças na especie humana. O il4
lustre Cuvier, á testa do brilhante cortejo de sabios que se honram de
ser seus discipulos, reconhece tres raças dislioclas: a caucasica, a mon-
gol, e a cthiopica. Estas trcs raças apresenLam·se com carac,crcs d'or..
ganisação, que não pcrmittcm coufundil-as.
A raça caucasica, assim chamada porque um dos seus primeiros asy-
Jos foram as orlas occidcntaes do Caucaso. reconhece-se pelas feições
seguintes: cor branca, rosto oval, nariz proeminente; o aogulo facial,
que parece indicar superioridade d'iotelligencia, é de 86 a 90 gráos.
Esla raça povoou a Europa e uma parte da Asia e America.
A raça .Mongol, assim chamada do nome do pa1z onde faz sua
principal habitação, tem uma cor fulva, rosto achatado, e o angúlo facial
menos aberto que o da raça caúcasica. Occupa ella toda a parle do glo-
l>o que se estende do Oriente do Alar Caspio alé o mar do Sul, a Chi-
na, a Tarta ria chineza, a Sibetia, e o Japão.
A raça ethiopica, assim chamada da Ethiopia, centro principal de
sua habitação, occupa toda a parle da Africa que vai do Meio-dia ao
cabo de Boa Esperança. Tem ella â cor negra, rosto achatado e re-
cuado atraz; o cranco menos espaçoso contem de quatro a nove onças
d'agua menos qoc o dos Europeos; o angulo facial não oll'erecc mais quo
uma abertura de 80 a 82 gráos.
Tres raças distinctas e somente trcs, ê pois um facto reconhecido
pela scieocia actual. l\fas aonde ir buscar a rasão sufficiente deste· fa-
clo? A sciencia balbucia, immudecc, se acaso· não interroga 01ais que as
causas naluraes ; releva que se enderece á sciencia das scicucias - a rc-
U 11

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90 CATECISMO

que ensina aos filhos o respeito e veneração que <kvem ler a seus
pais. (1)
Por um admiravel conselho da Providencia ~ viYetl ainda Noé

vc1ação, que lhe mostra os tres filhos de Noé, pais destas Lr.cs rnçns. A
sciencia inclina-se diante deste facto,. e por cllc possuo a solucuo do
seu ullim~o problema, sobre esta matcria: Assim se torna complel; por-
que é religiosa.
Segundo facto. A superioridade das duas raças sobre a tcrcciri~.
Aqui lambem a historia e o profundo exame da conformação fisica attcs-
tam que a raça caucasica· e mongol leem uma superioridade incontestan~i
~ob re a elh iopica. Com effcito, é nas primeiras que se tecm realizado o
se realizam ainda toe.las os grandes successos. A raça cLhiopira niio faz
mais que um papel muito secundario ; apparece ella em toda a du_ração
de sua existcncia como a serva ; digamos tudo, como a escrava <las duns
outras. Elia tem, como diz Cuvicr, todos os signaes <l'nm aviltamento or-
gaoico e moral. Eis aqui ainda um facto. Se iutcrrognrdcs a sricncia
puramente Ttumana ácerca desta extravagancia natural , di r- vos-ha que nns-
ce do clima, do ar, da natureza da terra e das aguns, da duraç<iú e
inLensidade do frio e do calor. Mas todas estas circumslanci as ntmos-
phericas, gcolog1cas, e outras taes, não satisfazem um espirilo posili voe
sincero ; porque se as admittinles como causas desta <lcca<lcncia organica
e moral, deveria a raça ethiopica estar hoje muito mais arruinada do que
o estava ha mil annos, ha dois mil annos, que digo? deveria estar d es~
truida. Por quanto, suppondo uma causa permanente e setnpre acliva,

(1) A Africa, povoada pelos descendentes de Chatn, é a terra elas.


sica da escravatura. Por mais que nos remontemos na historia, vemos os
negros escravos não somente em sua terra como em as nações estranhas.
E nem a voz poderosa dos PonLificcs Romanos, successorcs daquellc que
se fez escravo para alcançar a todos os homens a liberdade de filhos de
Deu5-, principio da Jiberdade politica, nem os progressos da civilisação,
nem as reclamações dos amigos da humanidade, não poderam ainda con·
seguir que se levantasse a maldição que pesa sobre esla desafortunada
·raça. Acaba de provar-se que, n'um período de quatorze ~moos, isto é
dcsd~ 18Ü. até 1828 exportaram-se d'Africa setecentos mil escravos!
Veja-se a conscieni::iosa obra intitulada : })a auctoridade paterna, e ma-
terna1 por M. Marduel, concgo de Pariz.

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DE PERSEVERANÇA. 91
350 annos depois do diluvio. Assim lhe prolongou Deus a vida, que-
rendo que seus descendentes , durante este longo intervallo , tives--
sem diante dos olhos a seu pai commum , a fim que aprendessem
circumslanciadamente , e conservassem entre os homens , as vercla-
des fundamentaes da Religião , e os factos antigos , de que só Noé
estava por si mesmo informado.
Todavia os filhos desle Patriarclla eram já tam numerosos , que
se lembraram de ·separar-se. Porem , antes desta dispersão , qui-
zeram levar a cabo um projeeto que proclamasse bem alto a sua
loucura e vaidade. « Vinde , disseram uns aos outros. Façamos uma
cidade e uma torre , cuja altura chegue até o Ceo. )) Este louco de-
signio tinha duas causas igualmente vãs : era uma eternizar seu no-
me por um monumento soberbo ; outra , defender-se conLra o roes..
mo Deus , se outra vez quizesse punir a terra por um diluvio. Nisto
se faziam culpados, não tanto de loucura como de incredulidade ;
porque o Senhor promettera não tornar a submergir o mundo por
uma inundação geral. Metteram logo mão á obra ; mas quando tra-
balhavam com maior afinco, lançou Deus entre os obreiros uma tal
diversidade e confusão de linguas , que se não entenderam mais.

cm um scnlido de damnificação, por espaço de secu\os, chegaremos a tal


gr~o de <lecadcnc'ia, que não. restará nada por fim ; pois que é proprio
d'nrn principio actirn, bom on máo, ir sempre desenvolvendo-se e pro-
duzindo cfTcitos cada vez mais fortes. Todavia a raça ethiopica subsiste,
nem mais nem menos arruinada hoje, fisica ou moralmente fallaru.lo, que
na-s primeiras epochas da sna historia. Aqui pois àindá a sciencia, sob
pena de ser incompleta e ridícula, carece d'intcrrogar sua divina mãi, e
ecanheccr nesta dccadcncia a acção d'um castigo divino, a longa puni-
ção d'um crime primitivo. Ora, na terrível maldição de Noé achamos a
solução do problema : Seja Chanaan maldilo, seja o escravo <los escra-
vo de seus irmãos . Gcn. XI. Reparai como a se\'cridadc d'csto ana-
lhcma é temperada pela palavra it'mãos, que, indicando igualdade d'ori-
gem, regula para com esta desafortunada raça o procedei· daqucllas que
gozam dos dous privilegios <la organisasão e poder moral. Devem ser
para com sua aviltada irmã iostrncloras e mãis. O' Igreja catholica r
como cumpre1ú 'admiravelmente este sagrado dernr os teus charidosos
missiouarios ! Veja-se Pkisioloyia lutmana, etc. pelo Doutor Dcvay.
*

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CATECISMO

Não podendo enLão nem mandar nem obedecer, viram-se forçados a.


abandonar a emp1·eza. A cidade e a torre, ficando imperfeitas , cba -
maram-se Babel , isto é, confusão; porque alli confundio Deus a Jin...
gua dos homens , que alé então falia vam todos a mesma lingua , e
os dispersou por todas as regiões do mundo.
Separando-se uns dos outros, levaram na lembrança os filhos
de Noé as principaes verdades da Religião, que tinham aprendido de
seu Pai commum. E' por isso que os grandes aconteciment.os, taes
eomo a creação do homem, sua innocencia, sua queda , a pr~messa
d'um Redemptor, o diluvio, se conservaram mais ou menos perfoiLos
Da tradicção de todos os povos do mundo. Porem o que depois desta
dispersão aconteceu , por extraordinario , e estrondoso que seja, não
é universalmente conhecido : prova manifesta que o vinculo de com~
municação que até alli subsistira enlre todos os homens foi _quebra~
do, e esta communicação interrompida.
As tradicções primitivas não tardaram a alteràr-se por fabulas,
e os homens entregaram-se a excessos muito mais disformes que os
que tinham provocado a vingança do Ceo. Em vão o mundo. ainda
humido das aguas do .diluvio , a notoria diminuição da vida , redu"'-'
zicla a curtos annos , e o estrago e subversão universal , patenle·a-
vam a todos ~ just~ça do Omnipolente ; nada obstou a que o conh~
<;jmento do verdadeiro Deus se não apagasse na mente dos homens 1
A corrupção tornou-se geral , e eis comeca o triste r~inado 4a i<lo·
l;i.lria , filha e mãi tias paixões humanas.
Deploravel cegueira! Recusaram ao Todo Poderoso o tribulo
d'atloração que lhe deve tudo o que respira , e prostituíram-se di~
ante das crealÚras, offerecendo-lhes um sacrilego incenso : o Õuro , a
prala , a pedra, o pao, os mais vis animaes, as estaluas inanima•
~as , viram o homem ' o rei pontifice do universo, prosternar-se
diante deJlas, e dirigir-lhes timidas supplicas. Apo~ deste vergo-
nhoso aclo , eil-o yai , o criminoso filho prodigo , dissipaQdo todo&
QS bens que faziam seu rico palrimonio ; caminha, com incrivel Ioµ-
cura, na estrada da irrnorancia e desordem, que cada dia se alarg~
mais diante delle. Tinha o Sephor adornado-o coµi uma preciosa
coroa de scienc ia e pureza , e elle parece recrear-se em arrancar
um por um os diamai1tes e as flor.es , para deslustrai-as , e conta:

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DE PERSEVERANÇA. 93
m1nal-as. Deixai-o fazer ; que bem de pressa o vereis, prostrado
pelo cançasso dos vicios, deshonrado , abje.cto, não ter já fé senãe
na fatalidade, na morte, na desesperação. Grande e terrivel exem-
plo de que os povos chrislãos nem sempre sabem aproveitar-se!
Apenas se encontrava uma familia ainda fiel ao Deus d' Abraham
e de Noé , e foi preciso que o Altissimo, cançado d'amea~ar, espe-
n1r e punir, reprovasse de novo a especie humana, abandonando~a
á sua mesma perversidade ..No meio desle diluvio de crimes , aonde
irá parar a verdadeira Religião? Acaso resolveu Deus privar della
aos homens criminosos e indignos ? Não , a palavra do Eterno é
irrevogavel ; se elle houvesse consultado os crimes de nossos pais·, .1

certamente aniquilaria logo esta criminosa geração ; mas ao mesmo


tempo que descarrega seus golpes, tempera-os. a sua misericordia ;
jámais este juiz se esquece que é pai. A vista dos futuros merilos da
victima cxpiatoria, que elle tinha annunciado ao genero humano ,
suspende a sua justiça, para recordar-lhe a sua clemencia. D'est'-
arte , sem abandonar as nações, cuja cegueira deviam imputar a si
B1esmas , resolveu Deus escolher um .povo, para conservar intacto o
deposito da revelação primitiva, e sobretudo a grande promessa do
Redemptor futuro.
Abraham , que descendia de Sem, foi escolhido para ser o pai
e tronco deste novo povo, do qual havia de nascer o Messias. Ora,
desde toda a eternidade, determinara Deus que o Messias nascesse na
Judea , cbàmada então a terra de Chanaan. E' por isso que man-
dou vir a este paiz aquelle santo homem , do qual o Messias ha-
via de ser filho , segundo a carne. Abraham habilava mui longe da
terra de Chanaan, n'uma provincia chamada a Chaldea : d'alli o cha-
mou o Senhor , dizendo...Ihe : Sabe da terra que habitas, e vem pará
e paiz que te mostrarei. Eu darei esta terra a teus descendentes ,
6s quaes multiplicarei como as estrellas do Ceo , e as areas do mar.
A esta magnifica promessa accrescentou outra ainda mais grandiosa:
foi a promessa do Messias. e< Eu te abençoarei , lhe diz o, Senhor,
e em ti serão bemditas todas as nações : isto é , n,aque.lfo que ha
d.e nascer de ti , como logo depois o mesmo Senhor expli~a.
Esta segunda promessa feita a Abraham, é muito mais importante
que a primeira. Aquella não dizia de que povo nasceria o ~fes ..

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9í CATECISMO

sias; esta nol-o indica expressamente: elle nascerá da familia d' Abra-
ham. Eis-aqui todas as nações postas <le parte ; já não é entre ellas
que deveremos procurar o Redemptor. A primeira dizia-nos, que elle
esmagaria a cabeça da serpente ; a segunda explica-nos o sentido
destas palavras dizendo : Que o Messias destruirá o imperio do de-
monio; trazendo todas as nações ao conhecimento do verdadeiro Deus,
no qual se acha a verdadeira benção. Assim que , 1. º o germen
bemdito, promettido a Eva, será lambem o germen e vergontea de
Abraham ; 2. º esta victoria; que hade ter sobre o demonio, consis-
tirá em trazer os homens ao conhecimento e culto do Creador ; 3. º
este filho d'Eva e Abraham fará baquear por todo o mundo o im-
perio do demonio 1 destruindo a idolatria , que não é outra cousa
se.não o reino do demonio; e restabelecendo o culto do verdadeiro
Deus. A conversão dos Gentios, isto é , dos Pagãos , é :sempre no-
tada nas divinas Escripturas como a obra distinctiva do Messias.
Cheio de fé , sahio Abraham da sua provincia, acompanhado
de Sara sua esposa , e Lot seu sobrinho , .e chegou á terra de Cha-
naan. Seus rebanhos e os de Lot eram lam numerosos, que não ca-
biam na terra que enlão occupavam. Propoz o Santo Patriarcha a
seu sobrinho o separarem-se ; e com em~ilo Lot se retirou para So-
doma. Est~ separação não esfriou a charidade d' Abraham , do que
logo deu uma estrondosa prova. O rei de Sodoma, e mais quall'o
reis seus alliados, foram batidos e desfeitos por um 1n·incipe de quem
tinliam sido tributarios ; e o mesmo Lot ficou prisioneiro. Abraham,
mal que o soube, poz-se á testa de trezentos e desoilo <lc seus mais
bravos servos , e cheio de confiança no Deus que o protegia, com
este punhado de guerreiros, vai o Patriarcha em seguimento das ''i-
ctoriosas tropas , e dando nellas de subito as desbarata , retoma-lhe
o roubo , livra seu sobrinho , e com elle a todos os companheiros
do seu captiveiro. Cheio de gratidão , veio o rei de Sodoma ao
encontro de seu libertador , e o conjurou a que ~aceitasse, cm re-
compensa de seu beneficio, os ricos despojos dos iniínigos. Porem
Abrahamªnada quiz 1~eceber , e tam somente deu o dizimo dos des-
pojos a l\lelcbisedech , rei de Salem , Sacerdote do Senhor , que
~bençoou Abral1am , depois de ler offerecido um misterioso sacri ...
Hcio de pão e vinho.

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DE PERSEVERANÇA. 9ü
Abraham, na pessoa deste rei ponlifice, honrou o l\lessias íutul'O ~
a quem este sacerdote representava; porque e do Messias que está
escripto. Tu és eternamente o Sacerdote, segundo a ordem de Mel-
chisedech.
Por isso Melchisedech é a quarta figura do Messias. Com effeilo,
Mclchisedech significa rei de justiça. Nosso Senhor é a justiça mesma.
:Melchisedech é rei e ponlifice. Nosso Senhor é rei e pontifice. Mel-
chisedech é sacerdote do Altíssimo ; nosso Senhor e o sacerdote por
excellencia. l\Ielchisedech apparece só. Não se lhe conhece pai nem
mãi, nem genealogia , nem predecessor, nem successor no sacer-
docio. Nosso Senhor não tem pai na terra, nem mãi no Ceo, nem
predecessor , nem successor no sacerdocio : os padres não são mais
que seus ministros. Melchisedech abençoa a Abraham. Nosso Se-
nhor abei~çoa a Igreja, representada .por Abraham. Melcbisedech
offernce em sacrificio pão e vinho. Nosso Senhor offerece-se todos
os dias cm sacrificio sob as especies de pão' e vmho.
Esta figura accrescenta novos traços ao retrato do Messias. As
primeiras nol-o represenlarn. 1.º Como pai do mundo novo. 2.º Co-
mo um justo padecendo e soffrendo perseguiç,ões. 3. ºSalvando o mun-
do do diluvio. Aqui nos apparece elle como sacerdote por toda a
eternidade , offerecendo o pão e o vinho em sacrificio~ As figuras
seguintes virão successivamente animar o quadro com novos toques;
pois que o mesmo succede com estas prophecias vivas , como com
as promessas e predições, desenvolvem-se continua e successiva-
mente.

O' meu Deus! que sois todo amor, eu vos dou graças por J:!âo
terdes abandonado os homens depois do diluvio ; mas antes, apezar
<le lanta ingratidão , lhes conservastes o beneficio da Religião. Bem-
clito sejaes por terdes escolhido um povo , para cpnservar a grande
promessa do Libertador. Livrai-me , Senhor , da soberba ; dai-me J

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96 CATECISMO

para com meus pais o respeito de Sem e de Japhet ; e , para com-


vosco, a fé e a pie<lacle d' Abraham e de Melchisedech.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proxim&
como a mim mesmo p9r amor de Deus ; e , em testemunho deste
amor , respeitarei em tudo a meu pai e mrli.

XXIV .ª LIÇÃO.

O MESSIAS PROMETTIDO E FIGURADO.

Visila dos Anjos. - Promessa do nascimento de Isaac. - Pratica de Abra-


ham com o Senhor. - Destruição do Sodoma. - Sacrificio d'Abrahnm.
Isaac , quinta figura do Messias.

DE nada carecia Abraham senão de filhos, que herdassem seus gran-


des bens, -e ainda mais suas virtudes. Outra vez pois lbe appare- ·
ceu Deus, e havendo contractado com elle uma alliança mais es-
treita , prescrevendo-lhe e a toda a sua posteridade a lei da cir-
cumcisão , declarou-lhe claramente que Sara , sua esposa , em breve_
lhe daria um filho , a quem havia de encher de favores , e o faria
herdeiro de lodas as suas promessas. Eis-aqui como isto se passou.
Um dia; estando Abraham assentado á porta da sua tenda,
pela hora do meio dia , vio vir para elle tres mancebos que julgou
serem viajantes. Era o Senhor que lhe apparecia na figura de tres-
Anjos, symbolo da Sanlissima Trindade. A charidade sóe ser in...
quieta , e para excitar sua ternura basta uma apparencia de neces·
sidade. No mesmo instante levantou-se Abraham , e foi ao encontr()
dos tres viajantes. Depois, proslrando-se em terra: Quem quer qM
~jaes , ·lhes disse , não me deis o desgosto de passar lam perto de
minha casa sem vos digna1·des descansar um momento , e receber
os bons officios ue vosso servo. Eu vou mandar vir agua para vos-

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DE PEllSEVERANÇ,\. 91
lavar os pés. Assentai-vos á sombra destas arvores ; tomareis· al-
guma refeição comigo , e depois continuareis a jornada. Aceila-
1·am os viajantes ; e depois de receberem· esta generosa hosnjlali-
dade, um delles disse a Abraham : dentro d'um anlio, a contar 'deste
dia, tornarei a vu· ver~te, e então Sara , tua esposa 1 terá dado á
luz um filho. Ht1manamente faltando , a promessa do viajante era
·tota1menle destituída de verosimilhança. Sara era já muito idosa, e
Abraham tinha a este tempo 99 annos. Todavia o Santo Palriarcha
não hesitou , não teve a menor duvida !
Desta sorte preparava Deus os homens para crer um dia na fe-
cundidade d'uma virgem, fazendo conceber a uma mulher esteril e
nonagenaria ; e lambem os dispunha de longe a c.rer no mislcrio da
Sanlissima Trindade , mostrando-lhes urna imagem deste mislerio nesta
appariç.ão a Abraham. Tres Anjos se apresentam ao santo PaJ.riarcha,
e a Escripturn lhes dá ., no singular, o grande nome de Deus, o
nome incommunicavel de Jeliovah. Abraham , vendo lres , adm·ou
um só , não fal1ou senão como a um só. Este grande misterio , que
depois se descobtio no Evangelho , não se mostrava no Antigo Tes-
lanwnto senão debaixo de véos; e não podia ser visto senão d)a-
quelles que já desde então tinham o espirilo do Christianismo.
Emfim despediram-se os ires viajantes do seu hospede; o qual por.
Jhes fazer honra foi acompanhal-os. Este novo rasgo de charidade
mereceu-lhe um novo favor, pelo qual o Senhor seu Deus, abrindo-
se com elle com uma familiaridade incrivel ; o fez _confidente de seus
ruais occultos desígnios. Caminhavam de companhia pela estrada·
que conduzia a Sodoma , quando o Senhor , sob a· figura d'um dos
lres Anjos , disse para Abraham : o clamor dos peccados de &Jcloma
e de Gomorrha · tem chegado ate mim, e clama vingança. Vou ver
se está cumulada a medida ; e se é tempo de punir os culpados.
Aproximou-se Abraham res1lectuosamente delle; tanto a charida.de e
o zelo prestam confiança , e disse-lhe : ~las que, Senhor ! Querereis
confunclir na mesma punição o innocente e o culpado? Se uma
deslas criminosas cidades tiver cincoenta justos, acaso os fareis pe-
recer a todos, ou antes perdoareis á cidade toda cm altcnção aos
cincoenla justos? A candura e simplicidade desta oração acharam
graça diante de Deus. Se Sodoma offerecer a meus olhos ciucoenta
13 li

__
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,
!)8 CATECIS~IO
--
justos, disse o Senhor, não destruirei a cidade, e os ciricoenta jusl.os
alcançarão graça para lodos os criminosos. Pois já que comecei a
vos fallar , tornou Abrahnm , eu que não sou mais que cinza e pó,
accrcscentarei ainda uma palavra : se houver quarenta e cinco jus-
tos, querereis perder uma cidade, da qual quarenta e cinco de
vossos servos sollicitarem o perdão? Não te quero affligir , tornou
o Senhor; perdoarei a todos em favor dos quarenta e cinco. Mas ,
ó meu Deus l continuou Abraham , se por desgraça não houver
mais que quarenta que fareis? ainda perdoarei, disse o Senhor.
:Muito tinha já feito Abraham, porem a innocencia e valimento
dos amigos de Deus dá-lhes direitos que os outros nem mesmo co-
nhecem. Assim Abraham, que a principio não fazia com Deus os
seus argumentos condicionaes senão de cinco em cinco, passou logo
a dez , e diminuindo este numero ao ele quarenta : Peço-vos Senhor.
lhe diz, que vos não enfadeis se vos fallar inda : Se houver só quarenta
justos? Perdoarei a todos, respoudeu o Senhor. Pois que tenho con-
seguido tanto, tornou o Santo Patriarcha, ainda irei mais longe : so
houver vinte somente? Esses vinte me desarmarão , respondeu o
Senhor. Conjuro-vos , meu Deus, accrescentou Abraham, que vos
não indigneis se vos fallar outra vez ; se houver apenas dez , que
fareis ? Em altenção a esses dez justos, perdoarei a locla a cidade.
Aqui termina este admiravel dialogo que nos revela ao mesmo tem-
po a infinita bondade de Deus , que tanto a seu pezar nos castiga;
e o poder da oração e i_ntcrcessão dos santos. Não se acharam os
dez justos , e cinco cidades inteiras foram devoradas pelo fogo do
Cco. No lugar onde estiveram vê-se hoje um lago immundo , cha-
mado o Mar Morto. Lo-t e sua familia foram os unicos que esca-
param desta catastrophe , e ainda. assim a mulher de Lot; como se
voltasse para ver a conflagração , foi transformada em estatua de sal,
que ainda se via no tempo dos Apostolos. (1)
Todavia Abraham voltou para a sua tenda ; e, na hora mar-
cada pelO Senhor, nasceu Isaac. Nada mais tinha que desejar o

(1) Vcja-sc a dissertação de Mazarelli á cerca da dcstruiÇão da Pen-


tapolia.

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DE PERSEVERANÇA. 99
Santo Patriarcha ; mas quiz Deus pôr a fé de seu servo a uma der-
radeira e lerrivel prova. Não contente com lhe haver promettido
que o Rcdemptor do mundo sahiria da sua progenic, quer ainda pôr-
Jhe diante dos olhos o mesmo drama da Redempção. No meio da
noute , fallou elle ao sanfo Patriarcha: Abraham ! Eis-me aqui, lhe
respondeu o venerando velho : Toma teu filho unico , lbe dfa o Se-
nhor, este filho que te é tam charo, Isaac, e vai offerecer-m'o em
holocausto sobre a montanha que te mostrarei.
A esta ordem tam repugnante , não respondeu Abraham senão
com uma prompta obedieneia. Em tres dias dispõe elle tudo para _
este grande sacrificio , e parte com seu charo filho para cumprir a
orflem do Senhor. Depois d'andarem tres dias , chegaram ao pé da
montanha do sacrificio : esta montanha, era o Calvario. Ficai ahi ,
meus filhos , disse Abraham a seus domesticos ; meu filho e eu va
mos subir ao alto para offerecer um sacrificio ao Senhor . .Não trans-
pareceu no rosto do santo velho nem a mais leve perturbação·. Com
a mesma lranquillidade , põe aos hombros de seu filho a Jenha pre-
parada para o holocausto , arma-se da espada ·com que devia atra-
vessar o coração d'Isaac , e toma o fogo destinado a consumir esta
chara victima.
As~im hiam o pai e o filho , absertos em pensamentos bem dif-
ferentes , mas ambos com ar contente e passo füme; quando Deus ,
que procurava a seu servo todos os graos de merito , permittio um
desles pequenos incidentos que, sendo tidos em quasi nenhuma conta
nas grandes provas, todavia poem em apertos o mais dedicado amor,
se o não supporta uma total abnegação, um heroismo exlreJl1o. l\leu
pai? Disse Isaac com amavel simplicid~de. Que queres, ·meu filho?
Tornou Abraham. Vejo em vossas mãos, continuou Isaac , o fogo
do holocausto , e eu mesmo levo o lenha ; mas aonde está a victi-
ma? Meu filho , tornou Abraham ,. sem que urna só pala\Ta o tra-
hisse , a victima , o Senhor nol-a deparará. Isaac não perguntou
mais nada. -
Chegados ao alto da montànha , levanta Abraham o altar, pre-
))ara a lenha , tira o ferro , era preciso cmfim explicar-se. Um
olhar , um aceno, um suspiro , bastaram para mostrar a Isaac a vic-
tima : rcconheceo-a elle, e sem hesitar um momento, adora a vontade de

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100 CATECISMO

Deus, sobe á pyra, e deixa-se prender pela mão de seu pai. Abraham
setnpre cheio de ·fé e obediencia , toma o gladio , leyanla-o sobre· a
oabeça da victim~, ·vai ~ descarregar o golpe... mas a prova estava
terminada; .chegara. o tempo da recompensa - «Suspende, Abrabam l
disse o Senhor ; agora conheço a tua fé. Por isso que obêdecesla
á minha voz. te ·aben. oarei ; multiplicarei a tua descend~ncia ; ella
triumphará de seus inimigos, e todos os povos <la terra serão bem-
djtos em Aquelle que hade nascer de ti. » Ao mesmo tempo, vollando-
se o sal)to Patriarcha, vio um cordeiro embaraçado pelas pontas na
rama d'um espinheiro, pegou delle e o immolou em lugar <le seu
filho. O' Jesus, co1·oado d' espinhos! Eu yos reconheço nesta ima-
gem.
De facto, este sacrificio d'lsaac é uma viva imagem do sacrí-
ficjo futuro 4e Jesu-Christo. A figura e a realidade por tal arle e
parecem, que é impossivel ver uma sem se recordar da outra. As-
sim é Isaac a quinta figura do Messias, Isaac é o filho predilecto
tlc seu pai. Nosso Senhor é o filho predileclo de Deus Padre, que
põe nelle todas a.s suas complacencias. Isaac , innocenle , é con-
oo'mnado ~ moa·rer. Nosso Senhor , a innocencia mesma , é oondem-
nado a morrer. Abraha~ , pai d' Isaac, é quem deve e ecular a sen-
tença. O IJ1.esmo Deus Padre ~ pela IQ.ão dos Judeos , é qu.em exe-
cuta as ntença de morte contra seu filho. Isaac, carregado com a
1 .ha , que- o deve consumir , sobe a monJanha 4Q calvario. No~ Q
Senhor, carregado oom o lenho da cruz, sobe, ou antes arrasla.,.se,
sob o peso e a facJiga, ao aHo dQ calvario. Isaac -deixa-se ligar so~
~re a pyra, e otrerece ternamente o pescoço ao cutello que o ha-de
jmmolar. Nosso Se~hor oft'erece as mãos e os pés para o encrava~
rem na cruz ; e co~o um tenro cordeiro, deixa-se i~mQlar selQ
i·esislencia. Isaac não é morto, por<1ue não era mais que uma figura :
Nosso Senhor 1 que era a realidade, soffreu realmente a morte. lsaao
desce da montanha ~heio de vida e cumulado de bençãos : uma nu-
merosa posteridade lhe é promettida! Nosso Se~bor sahe do tumulo
cheio de vida, cumutaqo de gloria; e , em recompensa d~ sua obe":'
dicncia recebe em he~·ança ~odas as nações.
Esta figura accrnscenta duas circumstancias ás precedentes : diz-
nos 1. º e1~1 que lugar ~erá ill)mQlado o Salvador ; 2. º <~ue ~a-de mor-

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DE PERSEVERANÇA. 101
rcr por ordem de seu Pai. D'est'arte se desenha progressivamente o
Redemptor. Eslas duas scenas tam ternas e sim ilhantes , o sacrifi,..
cio crtsaac e o de Nosso Senho1·, não teern entre si uma relação
manifesta? Pode duvitlar-se , lendo-as , que .a primeira não fosse
-0rdenada para preparar a segunda? ·Será possivel recusar esta no-
toria verdade: que o Antigo Testamento não é sénão a predicção
do Novo? E' certo que esta predição está a principio incoberta;
mas o véo se levanta a peuco e pouco , e o objeclo manifesta-se
logo que é eh egado o tempo da manifestação.

O" meu Deus ! que sois todo amor , eu yos dou graças por ter-
des conceditlo a Abraham, vosso fiel servo , as bençãos que lhe con-
cedestes em 1·ecompensa da sua fé e charidade. Concedei-me tarnbem
que eu tenha charidade co~ o meu proximo , ·confiança na oração~
e uma perfeita obediencia á vontade de meus superlotes.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao pro.1im0-
oomo a mim mesmo por amor de Deus ; e, em teste1RDDho deste
amot, entregar-me.-hei flit1Jiramente ás disposições da P,-ovidençi'a.

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102 CATECISMO

xxv. 2
LIÇÃO.

O MESSIAS PROMETTIDO E FIGURADO.

Casamento de Isaac~ - Morte d'Abraham. - Sua sepultura. - Tercei-


ra promessa do Messias ícita a Isaac. - Nascimento de Jacob e d'E-
saú. - Esaú vende seu direito de primogenitura. - Isaac abençoa
Jacob. - Jacob vai para Mesopolamia. - Quarta promessa elo .Mes-
sias feita a Jacob. - Jacob espósa Rachel e torna para Isaac. - Ja-
cob, sexta figura do l\lcssias.

HAVIA pois Isaac chegado á idade de quarenta annos, Abraham


cuidou em lhe dar uma esposa ; mas quiz recebei-a da mão de
Deus, e comportou-se neste negocio com aquclla fé, religião e hu-
mildade que lhe mereceram até o fim o mais ditoso exilo em to-
das as suas emprezas : precioso exemplo que os pais deveriam sem-
pre imitar, quando tratam de dar estado a seus filhos.
Chamou o Santo Palriarcl1a o seu antigo servo, o fiel Eliezer,
e lhe disse : Vai a Mesopolamia, onde deixei meu irmão Nacbor, é
dessa terra e d'entre os meus parentes que deveras procurar uma
esposa para meu filho Isaac. Eliezer escolheu dez camellos entre os
rebanhos de seu amo, carregou-os de presentes magnificos e de to-
das_as especies de riquezas que abundavam em su~ opulenta casa.
Fez-se acompanhar por um numero d'escravos proporcionado á im-
portancia da sua embaixada, partio em fim com ~ pompa que con-
vinha á honra do Santo Patriarcba e ao credito do seu enviado.
Foi feliz a j6mada, e chegou a Mesopotamia, á v.ista da cidade onde
Nachor se tinha estabelecido.

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DE PERSEVERANÇA. 103
Tendo desc.arregado os camellos, os fez descançar ao redor d'um
poço, aonde costumavam vir dar de beber aos rebanhos e bestas
· tle carga : era pela tarde, na hora que as moças da cidade, sem
dislincção de nascimento, ·vinham tirar agua ao poço. Eliezer fez
esta humilde e fervorosa oração ao Deus de seu amo : Senhor Deus
d' Abraham, vinde nesta hora, eu vos conjuro, em meu auxilio, e
mostrai vossa miscricordia para com meu senhor Abraham. Eis-me
aqui junto ao poço onde vem tirar agua as moças da cidade ; não
posso eu discernir entre tantas qual é a que dcstinaes para Isaac.
Considerarei pois como escolhida por vós aquella: que em eu lhe
dizendo : Toma a tna cantara e da-me de beber ; me responda lo-
go : Bebe, e vou lambem dar de beber aos teus camellos.
Em algum homem menos cheio d'aquella fé simples que opéra
os- milagres, e menos costumado a prodigios, um tal procedimento
poderia passar por temeridade ; mas, que não poderá alcançar de
Deus a confiança de SiiUS Santos !
Ainda bem não tinha Eliezer acabado a sua oração, quando vio
,.ir uma donzella, cuja belleza sem duvida se realçava pela modes-
tia, lrazendo ao hombro sua cantara: era Rebecca, filha de Bathuel,
sobrinha d'Abraham. Tirou agua, encheu sua cantara e tornava
embora. O velho servo reparou nella com attenção ; e encantado
de suas maneiras e ar ·de innocencia! disse-lhe com respeito e cor-
tezia : far-rne-hieis a graça de me dar uma gota d'agua da vossa
cantara para me apagar a sêde ? Bebei, meu senhor, lhe disse el-
la ; e logo. abaixando a cantara, offereceo-lh'a em posição commo-
da, e o deixou beber quanto qtiiz; depois acrescentou: vou tambem
lira_r agua para os vossos camellos, até que todos tenham bebido:
Sem esperai· resposla, entornou a agua da cantara nos canos, e vol-
tou ao poço a tirar outra para dar de beber a todos os camellos.
O Servo d' Abraham estav!l considerando-a em silencio, e logo
que os camellos cessaram de beber, endereçou-se á joven desconhe-
cida, offereceu-lhe braceletes, e arrecadas d'ouro, dizendo-lhe : de
quem sois filha? Haverá alojamento na casa de vosso pai? Elia
respondeu : sou filha de Bathuel, filho de Nachor; temos em nossa
casa muito feno e palha, e ha lá muito lugat· para ficardes. Elie-
zer inclinou-se profundamente e adorou ao Senhor. Rebecca, pela

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-
104 CATECISMO

sua pade, foi a correr· annunciar ·a sua mãi tudo o que se passava.
Labão irmão de Rebecca; veio· pedir áque1lc homem que aceilass-e
pousada em casa de seu pai. O , enviado de Abraham ·não se foz
rogar muito. Mas antes <le comer do que lhe offereceram, pedin
Rebecca para Isaac : concederam-lh'a. Então Eliezer fez magnificos
prnsentes a toda a familia, e logo de manhã alcançou licénça de
partir.
Pondo-se a caminho com sua numerosa comitiva, chegoà feliz-
mente á casa d' Abraham. Esposa perfeita, só Rebecca pôde mit.i-
gar a dor que causava a Isaac a perda de sua mãi Sara, por quem
hàvia lres annos que chorava.
Abraham, por outra parte, cheio d'annos e meritos, havia che-
gado á mais bella e honrosa velhice : tinha elle então 175 aunos.
Chegava o t.empo de terminar esta longa vida, assigaalada pelo con~
stante exercicio ·de todas· as virtudes, que convinham a um homem
escolhido por Deus, para ser o chefe d'um n.vo povo, fundador da
Nação santa, e pai do Messias ; digno por sua fé que lhe· chamas-
sem o pai dos crentes, e que o soberano de todos os homens sé'
gloriasse de sei· conhecido entre elles pelo nome de Deus d Abra-
1

ham.
Seus dous filhos mais velhos Isaac~ e Ismael prestaram-lhe seus
uHimos deveres. Foi enterrado como era sua vontade junto de Sa-
ra, sua esposa, na caverna do campo de Ephl'On, filhó de Séor, o
Hclheo. Trinta e oito annos antes, Abraham o tinha comprado, es:.;,
colhendo-o para seu jazigo, porque eslava em o vatle, junto da
montanha onde tinha levantado uni altar ao Senhor seu Deus, de
quem 'esperava a resurreição gloriósa e a consummação da sua fe-
licidade. Tinha o Senhor promellido a Abraham, como já disse-
mos, que da sua posteridade nasceria o Messias; e que os desceu..:
dentes do santo Patriarcha possuiriam um dia a terra de Chanaan ;
por consequencia que o Messias nasceria neste paiz. · Es.ta· pt•omessa
dispensa-nos de procurar o Messias, 1. º em alguma outra tei-ra ; !. º
em outro povo que não seja da descendencia d' Abraham. Mas · esta:
Juz parete ob~curecer-se ; ou antes, esta promessa dem~nda .uma ex._.
plicação nova. - - ,
Tem Abraham sete filhos, dos quaes Isaàc e Ismael são os maís

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DE PERSEVEJUN(jA.

velhos. Qual <lc1lcs será o pai do Messias ? Um novo esclareci-:


mcnlo se nos faz uecessario : não o esperamos por muito tempo ..
Sobreveio uma fome geral em loda a terra de Chanaam, habitada.
por Isaac. Pelo que, cuidou clle em se ausentar d'alli. Foi nesle
momento, que o Senhor lhe appareceo para annunciar-lhe que era
elle o herdeiro da grande promessa, e que d'elle nasceria o Mes-
sias.
Não vas mais longe Isaac; Jhe diz o Deus d' Abraham, fica nes-
ta terra que te vou mostrar. Passarás nella algum tempo como
estrangeiro, e eu serei comligo. Todos estes bellos e espaçosos pai-
zes, eu l'os darei, e mctterei a teus descendentes de posse d'elles.
Farei a tua posteridade Lam numerosa como as estrellas do Ceo.
Todas as Nações e povos da lena serão bemditos n'aquc11e que
nascerá de li. A promessa precedente advertia-nos que o l\fessias
nasceria da familia· d'Abraham. Esta terceira promessa designa Isaac
como o pai do futuro Libertador.
Por isso, todos os povos descendentes d'lsmae), e dos outros.
filhos d' Abraham estam postos de parte : eis uma nova luz. Toda-
via logo se obscurece. - Isaac tem dous filhos, Esaú e Jacob.
Qual delles será o pai do Messias ? E' o que vamos ver.
Depois de vinte apnos de esterilidade, Rehecca, esposa de Isaac 1
teve dous filhos. Em quanto estava pejada luctavam ambos no ven-
tre. Assustada a mãi consultou o Senhor, e elle lhe disse: Tu tra-
zes no ventre dous filhos, dos quaes cada um será chefe d'um gran-
de povo. Serão inimigos um do oull'o; o mais velho será sujeito
ao mais novo, e a posteridade deste levará vantagem á d'aquelle.
Por esta resposta, conheceu Rcbecca que a benção d' Abraham, á
qÚal eslava unida a promessa do Messias, passaria ao mais novo 1
com prefcrcncia ao mais velho.
Quando cresceram os dous gemeos, Esau veio a ser um habil
caçador, e andava sempre pelos campos. Jacob pelo contrario, ten-
do um genio meigo e pacifico, permanecia em casa. ·ora, &au
era .o primogenito, e julgava-se que ao direito de p1·imogenitura an-
dava unida a alliança espiritual com Deus, bem e.orno o privilegio
de trausmittir a seus descendentes a bcução promellida a Abraham
e a Isaac. Esta benção respeitava em particular o nascimento do
H H

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106 CHECISM-0

Messias. ~las Deus, que é senhor de seus dons, linha reservada


esta honra ao mais novo, isto é, a Jacob ; que sabia desta prefe-
rencia por informação de ··sua mãi. Grato por este favor, não per~
dia elle occasião de contentar a vontade do primeiro de todos os
pais, e assegurar-se da posse d'um litulo que já lhe pertencia.
Um dia pois que Esaú tinha ido á caça, Jacob preparava ao
resl.o da tarde um prato de lentilhas. Neste momento chega Esati
muito fatigado. Já me não tenho em pé, disse para seu irmão, da- -
me sem demora esse prato que tens preparado. Não t'o darei, dis-
se Jacob; mas se queres vendo-L'o pelo teu direito de primogeni-
tura.
Não se dá proporção entre um prato de lentilhas e um direito
tl'esla ordem ; mas Jacob olhou á occasião ; e não julgou abusar da
necessidade de seu irmão, em aproveitar-se della para executar os
designios de Deus. A pezar da di~paridade fez-se •·troca. Eu des..
faleço, tornou Esaú, se não obtenho já o que pretendo, e de que mei
servira o meu direito de primogenitura ? Trocou-o pois, comeu o
seu prato de lentilhas e foi-se, dando-lhe pouco cuidado o que aca- -
bava de fazer. E cu que leio éstas cousas não lerei muitas vezes,
qual outl'o Esaú, vendido o meu direito ao _Ceo, por menos que um
prato de lentilhas ? e apoz d'esta vergonhosa troca , dormido a so-
mno solto , sem me dar cuidado o que acabo de fazer? Deus li...
nha promettido a Abraham que o Messias nasceria delle pelos des-
cendentes ·d'lsaac ; e já vimos que havia uma persuasão de que es-
ta honra pertencia ao filho primogenito. Por isso Esaú , vendendo
o seu direito de primogenitura, renunciava á inestimavel ventura
de dar nascimento ao l\fessias. E' por isso que S. Paulo -lhe cba-
ma profano, por ter posto a preço, e preço tam lil, uma cousa
tam santa, como era este privilegio de primogenitura.
Todavia Isaac tinha chegado á idade de cento e trinta e sele
annos. Sua velhice , e a perda quasi total da vista , fizeram-lhe
crer que não estava longe a hora da morte. Quiz por tanto, co-
mo era costume entre aque1las familias, que tinham o conhecimento
elo verdadeiro Deus, ~ar antes <le morrer sua ultima benção a seus
filhos. Este acto <l'auctoridade paterna tinha tal valor, que se con-
siderava como um tesLamento irrevogavel.

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I'

DE PERSEVERANÇ.A. 107
Rebecca não ignorava a importancia deste acto ; e não tencio-
nava deixar escapar o momento de o tornar favoravel.a Jacob~
1~ambem não ignorava a vontade de Deus, que queria fazer recahir
sobre o mais novo os privilegios do primogenito. Estava o negocio
começado pela cessão de Esaú ; mas relevava que fosse confirma~
do pela benção do pai. -
Mandou pois Isaac a Esau que fosse á caça e lhe trouxesse al--
guma cousa que comer ; para que, tendo tomado sua refeição , o
abençoasse : Esaú partiu. Por sua desgraça, houve alguem que ou-
viu esta conversação entre elle e seu pai ; Rebecca tinha . escutado
tud-o , e ~isto se ap1·oveilou sem perda de tempo. Chamou Jacob
e lhe disse : meu filho , ~orre depressa ao rebanho , traze-me dous
dos melhores anhos, eu prepararei um prato para teu pai como sei
c.1ue elle gosla, e tu lh'o apresentaras , para que depois que tiver
comido te abençoe. Pareceu islo cousa facil a Rebecca ; mas não o
par~ceu assim a Jacob. Não sabeis, disse a sua mãi , que meu
irmão é todo cabclludo, e eu sou todo liso ? Se meu pai me vier
apalpar , para certificar-se de quem eu sou, não deixará de me re-
conhecér ; cuidará que eu quiz zombar d'etle, e em lugar de sua
benção , attrahirei sobi:e mim a sua maldiç.ão. Não , meu fi-
lho, respÓndeu Rebecca, não tenhas medo disso ; eu .fico por tudo :
Jacob obedeceu.
Apenas se preparou o prato, vestiu-lhe a mãi os habitos de
Esaú, cobriu-lhe as mãos e o pescoço com a pelle dos cabritos , de
geilo que , fingindo um pouco a lOz, Jacob estava de todo similhan-
te a Esaú. Neste estado , levou Jacob a seu pai o prato que esta-
va preparado. A principio, disfarç.ando-se o melhor que pôde , só
lhe tlisse estas duas palavras : Meu pai. Bem ouço, disse Isaac ,
é um de meus filhos; mas qual dos dous? E' o vosso filho mais
veJho Esaú , respondeu Jacob ; comei da caça que vos trouxe. Pa-
rece que Isaac desconfiou do negocio. Aproxima-tet disse eHe, pa-
Ta que te apalpe e me cerlitique se és com etTeilo meu filho Esaú.
Este era o momento critico ; e se o Senhor não abrevias.se o tempo
da prova, certo que Jacob - não escaparia. Comludo aproximou-se ;
Isaac o apalpou. Na voz , disse o santo velho, é a voz ue Jacob ;
mas as mãos, é Esaú. Es tu na verdade o meu filho Esaú? Sim ,
*

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CATECTSMO

eú o sou, tornou Jacob. Então o santo velho o abráçou ·e abcn;.


çoou. Jacob retirou-se a toda a pressa. (1 ):
Apenas sabiu Jacob da presença de seu pai, chegou Esaú. Sa-
bendo o c1ue se tinha passado, acendeu-se em ira, e: jurou· matar
seu irmão. Isaac adorou o designio de. Deus, e não Tetractou a sua
benção. Rebecca fez partir Jacob para a Mesopot.amia, a fim de o
subtrahir á vingança d'Esaú. Isaac Jhe deu o mesmo conselho , e
Fenovou sua benção , recommendando-Ihe que escolhesse uma esposa
naquelle paiz.
Apartou-se logo Jacob, indo só e sem sequilo ; e um dia c1ue
caminhava com grande diligencia 1 sobreveio a noute. A estação
era bella : determinou-se a passar a noute ao sereno. O filho d'I..
saac não era delicado ; servin··füe .a terra de leito, e de travessei ...
(1) S. Agostinho mostra muito bem que o proc~der de Jacob é to-
do misterioso, e isento de mentira. Diz lambem que Isaac sabia o que
fazia; porque obrava por inspiração do Espírito Santo, que 1hc revelava
á misteriosa figura de que e11e era o instrumento. « Se clle tivesse sido
enganado, diz este grande doutor, como é que, vindo a conhecer o erro,
uão amaldiçoou o · filho irrcvea·ente, que tinha zombado dctle? E toda-
via confirmou a benção , que lhe tinha dado. » Depois accrcscenta :
" Para que se não accuse Jacob de mentira, a Escriptura teve cuidado de
nos dizei' que elle era simples e sem artilicio; demais, elle podia dizer
com toda a verdade que era Esaú, isto é, p filho mais velho, pois que
'.inha os seus direitos, assim pela eleição do Deus, como pelo contracto
celebrado com sou irmão. Emfim <l.eve tomar-se a palavra dol.us no scn"'!
tido de firJura. Dolus in proprietate frans ; in figura, ipsa figura. Om-
nis enim figijrata ct allegoriça lecLivo vel Jocutio, aliud vidctur sonnrc
camalitcr, aliud íosfonal'c spiritualiter. Hanc ergo figuram doli nomina
appcllavit. Quid est ergo venif cio~ dolo et absfolat benedictionem lltarn?
Quia fignratum cral qnod agcbalur, idco dict um est, venit cum _dolo.
Nam illc doloso homin_i henedictionem non confirmarct, cui dcbchatm·
jusia malcdictio. Non ergo erat vcrus illc dolus ? maximc quia non est
mcntitus diccndo, ego sum filius ltms majo1· Esaie. Jam cnium pacLus
crat ille cum fratrc suo, et vendideral primogcnila sua. IJoc se dixit
hahere paLri quod cmcrnt a fralre: quod illc perd1derat, in istum lran-
sierat. ldco scicns hoc io myslerio Isaac, confirmavii bcncdictioncm.
S~nn. IV, n. 2!. De Civil. lJej, /i.b. XVI, e. 37 .. Q1uest. mi. Gqn. 74!.

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DE PERSEVERANÇA. 109·
Fo uma pedra ; e desle modo adormeceu e dormiu tranquillaniente.
Foi este o momento que o Senhor escolheu para lhe dar tl'alguma
sol'te a inveslidura da sua dignidade de Patriarcha , do medo que o
linha feito com seu pai Isaac e seu Avô Abraham. De repente te-
ve um sonho misterioso , e da mais consoladora revelação. Via el-
le uma escada que pousava na terra e chegava até o Ceo. Por el-
1-tl subiam e desciam Anjos ; o Deus dos Anjos e dos homens pare-
t'.ia-lhe pouzar no- alto da escada. Jacob, lhe disse o Seubor, eu sou
o Deus de teus pais, o Deus d'Abraham e d'lsaac. A terra onde
1·eponsas , cu a darei a ti e a teus descendentes.
Bem vêdes que é sempre no momento em que os Patriarc'bas
se affaslam <.la terra de Chanaan que o Senhor lhes promctte de os
estabelecer alli, a elle.s e__a seus descendentes. Com effeito ,- é n'a-
<1uella terra que ~deviam habitar os pais do Messias ; porque é nel-
la que o Messias devia nascer. A multidão de teus descendentes
sera tam innumeravcl como os grãos de poeira, . que éobrem a
terra, accrescentou o Senhor. ToLlas. as nações do universo serão
bemditas em ti, e no Filho que ha de nascer de li. Tu estás a
caminho para u·ma terra estranha ; mas eu tomarei a conduzir-te
para a terra que promelli a teus pais , e reservo para teus filhos.
Tal foi a .quarta promessa do Messias ; a qual nos indica q-ue
na familia de Jacob devemos procurai-o. Assim ficam de parte E-
sau e os povos que delle descenderem ; por onde o inqucrito do
~lessias cada vez mais se facilita. Levanta-se a pouco e pouco o
-veo que encobre este grande mislerio ; e d'esl'arte caminhamos gra-
dualmente ao fim a que Deus quer conduzir-nos.
Despertou Jacob , e cheio de gratidão e temor , prosternou~
se com a face em terra dizendo : Como este lugar é terrivel ! .Não
é menos que a morada de Deus e a porta do Coo ; depois toman-.
do outra. vez o seu cajado conl.inuou seu caminho.
Chegado a l\fosopotamia , encaminhoü-se para a eidade de Ha'.'"
ran, morada de seu tio tabão, e da familia deste. Os costumes dos
habitantes d'Haran ainda se não tinham mudado desde que Rebecca
sahiu d'alli, havia cem annos, para ser esposa d'Isaae. As moças,
filhas -das mais eonsideraveis familias da cidade' ainda pastoreavam
os rebanhos _; :e como a condição de pasto1·a era totalmente innocen-

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...
110 CATECISrtlO

te entre esles povos 1 por isso era officio hom~oso. Jacob pois, cbe..:;
gando muito perto d'Haran , avist.ou um poço no meio do campo, ao
pé do qual descançavam durante o calor do dia tres rebanhos d'o-
velba~. Era este poço uma especie de grande cisterna, aonde a a-
goa se conduzia por canos, e o bocal do poço estava cuitladosamen..,
te coberto com uma grande pedra. Aproximou-se Jacob dos paslo-
r~s e disse-lhes: Irmãos, donde sois? - Somos d'Haran, lhe disse-
ram elles. - Conheceis Labão filho de Nachor ? - Conheceniol-o
perfeitamente; - Está elle bom ? - Sim, está bom; e eis aqui Ra-
cliel-sua filha , que anda com o seu rebanho.
Continuava a conversação , quando chegou Rachel com o reba-
nho de seu pai. Jacob, como sabia que clla era sua prima , a-
pressou-se a levantar a pedra do poço. Logo que as ovelhas se far-
taram de beber ·., Jacob saudou Rachel, e as Jagrirnas lhe -rebenta-
ram dos olhos. Eu sou, lhe disse, o filho de Rebecca, irmã de vos-
so pai. Não e.sperou mais Rachel ; mas correndo a casa de seu pai
annunciou-lhe, quasi esbaforida, o encontro que tivera. Labão, ao
ouvir o nome de Jacob , filho de sua irmã , foi ao encontro do
hospede , abraçou-o ternamente , teve-o muito tempo· estreitado nos
braços , e depois o conduziu para sua casa. Seg\mdo a ordem de
seu pai Isaac, pediu Jacob sua prima em casamento. Foi acceile
a proposta, e Rachel prometlü1a. ~Ias só depois de quatorze ànnos
de penosos trabalhos; passados no serviço de Labão, é que Jacob a
obteve. Então tornou ·, para onde. Isaac , condúzindo comsigo sua
numerosa e rica familia. E' nesta -fornaãa, por occasião d'um com-
bate misterioso que teve com um A~jo, que Jacob recebeu o nome
de Israel , que quer dizer : forte contra Deus. D'aqui veio a seus
descendentes o nome de Israelitas , ou filhos de Israel. Isaac mor-
reu logo depois ; e seus dous filhos, Jacob e Esaú, o enterraram na
caverna do Valle de Mambre, junto de Rebecca sua esposa , de Sa-
ra sua mãi, e de seu pai Abraham.
Fez Deus passar a Jacob por muitas condições , a fim de re-
presentar minuciosamente a vida do l\lessias , de quem este Patriar.:.
cha é uma .das ~ais bellas figuras. Com effeito, por ordem de sea
pai , vai Jacob para uma -lerra muito <listante a buscar uma esposa.
Por ordem de seu Pai, atraye~sa - Nosso_Senhor o immenso espaço,.

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DE PERSEVEftANÇA.. Ut .
que separa o Ceo da terra , para vir formar a Igreja , sua esposa:
- Jacob , filho cl'um pai muito rico, e elle mesmo muito rico, põe-
se só a caminho e a pé. Nosso Senhor, filho de Deus, Deus elle
mesmo, e Senhor de todas as cousas, desce do Ceo, sem mais com-
panhia que sua completa nudez. - Jacob ; alcançado pela noute,
é obrigado a dormir no meio do deseito , e pôr uma pedra debai-
xo da cabeça para lhe servir de travesseiro. Nosso Senhor é tam
pobre, que nem uma pedra tem onde reclinar a cabeça. - Esta
terra, não obstante, pertencia a Jacob. O mundo todo pertencia
tambeni a Nosso Senhor. - Jacob, chegado a casa de seus paren-
tes, é obrigado, para oble1· sua esposa, a sujeitar-se a prolongados e
duros trabalhos. Nosso Senhor, chegando ao meio dos seus, não o
reconhecem ; passa a vitla nos mais duros trabalhos, para formar a
Igreja, sua esposa. - Jacob vê sua união abençoada do Senhor ;
Rachel lhe dá filhos , pais futuros d'um grande povo. Nosso Se-
nhor vê sua união com a Igreja abençoada de Deus , seu Pai ; e
ella mesma lhe dá innumeraveis filhos. - Jacob , vencedor de to-
das as difficuldades, regres_sa á patria, ao seio de seu pai , levando
comsigo suas riquezas e filhos. Nosso Senhor, vencedor de todos os
_seus inimigos, e carregado de seus despojos, volve ~o Ceo , ao seio
de seu eterno Pai, levando comsigo todos os santos da Lei antiga, e
abrindo seu reino a todos os Christãos seus filhos. - Jacob , che-
gando aonde Isaac, recebe de novo sua benção. Nosso Senhor, tor-
nando para o Ceo, é cumulado por seu Pai de toda a sorte de glo-
ria e benç.ãos.

O' meu Deus ! que sois todo amor, eu _vos dou graças por nos
terdes dado, em os Patriarchas, modêlos perfeitos de todas_ as virtu-
des ; e pelas promessas e figuras, com que annunciaes tam antici-
padamcnte o Reclemptor do mundo. Mais felizes que Isaac e Jacob,
possuimos nós o que elles esperavam,; permitli pois , Senhor , que

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lti CA'fECISMo -

sejamos, se é possivel, ainda mais gratos e fieis ; fazei sobre· tudo


reviver , para os Christãos, a ama·vel simplicidade dos costumes d'a-
quelles primeiros tempos.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao· proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e, em testemunho deste a-.
mor, direi muitas vezes comigo mesmo : JJeus está aqui.

O MESSIAS PROMETTIDO E. FIGURADO.

Ainda uma palavra sobre a vida. dos -Patriarchas. - Os doze filhos de


Jacob. - Joseph vendido por seus irmãos. -- Conduzido ao Egypto. -·-
lttaltado em gloria. -- Reconhecido por seus . irmãos. -- Chegada de
Jacob ao Egypto. -- ~osoph , sctirua figura do l\lcssias.

JACOB teve doze filhos que foram os pais das rloze tribus d'fs..._
·rael. Eis aqui seus nomes : Rubens , Simeão, Levi, Juda, Issachar,
Zabulão, Gad, Azer, Dan, Nephthali, Joseph, e· Benjamin. A vida de
Jacob , como a de seus pais , fui a vida pastoril. Para comp.lelal·
as noções que ja deixamos expostas, digamos ainda uma palavra á-
cerca desta vida tam bella , e cuja narração tantos encanlos tinha
em a nossa infancia. Eram os Patriarcbas perfeitamente livres , e
sua familia pode considerar-se como um pequeno Estado , onde o
pai era o soberano, ou como uma pequena Igreja onde o pai era o
Pontífice. Vemos, com effeito, que os Patriarchas offereciam sacri·
ficios · ao Senhor. Suas propriedades consistiam especialmente em
rebanhos de cabras, oveJhas, camellos, bois e jumentos; não tinham
cavallos nem porcos : suas ricruezas eram grandes ; e iodavia , nõ
meio desta opulencia, eram muito laboriosos. Como ainda eram es-
tranhos na lena· de Chanaan, a · qual Deus reservava para seus_.des·

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DE PERSEVERANÇA. 113
cenJentes , não eJifieavam casas. Ilabila vam em lendas, que 1lla~1-
t.a vam no lugar onde achavam pastos para os gados; e que, no 1M-:
mento de partir, arrancavam , para de novo planlal' em outras pas-
tagens. Bem poderam edificar cidades , como os outros porns , mas
preferiam a_ vitla pa.sloril corno majs sim-pies, e mais capaz de ter o ho-
mem t.Iesapegado da terra , fazendo-Ih.e allendcl' a um patria mais
perfeita. Por clles lambem nos qu eria Deus ensinar que a ,·ida do
Chrislão não é outrn cousa no mundo que uma peregrinação.
Seu alimento era frugal, como o prova o prato de Jenlilhas que
Jacob linha preparado, e que pôde tanto para tentar Esaú ; ou ain-
da aquella refeição que Abraham serviu aos Anjos , a qual consta-
va d' um cordeiro assado t pão fresco, mas cosido d.ehaixo da cinza,
e mauLciga e leite, Uma de suas grandes virtudes era a hospitali-
dade. Algumas vezes chegavam a ser importunos com os passagei-
ros, que tal vez eram como forçatlos a aceitar seus con viles. Nestas
occas1ões alvoro ta vu-sc a casa toda, J>ara tesLemunbar seu zelo em
obsequiar os hospedes, que tinham por enviados do Ceo. O Senhor
da casa lavava-lhes os pós, dava suas ordens, escolhia as rezes, e
vinha elle mesmo servir á mesa. Nestas occasiões não appareciam
as mulheres, ou se o faziam occultavam.:se com seu veo; lanla era
a modestia nestes ditosos tempos ! E quaes as bençãos desta ' 'ida
tam differente dos voluptuosos gostos , e enervados costumes dos
nossos . dias? Alli era ver o desapego do mundo, a união fra-
ternal, a sã e larga vida, _que terminava por um simples . a<lormeei-
mento, porque em fim nada é eterno neste mundo Tal era o vi-
ver de Jacob e de sua familia : isto vemos parlict1larmente ua his-
toria de Joseph.
Este filho querido, e tam digno de o ser , era o mai& lll6ÇO, á
6xcep.ção de Benjamin. A modcslia, candura , ingenmdade e inno-
cencia, pareciam innatas neste menino. Impossível foi a Jacob uão
lhe dai' a preferencia em seu coração. l\las, p<>r mais cuidado que
t~uha um pai em dissimular a sua predilecção , logo lh'a devassam
os olhos atlcnlos de ~eus outros filhos. Jacob, sem o qtterer, acen-·
deu contra Joseph .o ciume de todos seus frmãos. Grande e lerri-
vel lição, que jamais os pais não devem esquecer ! Uma tunica de
diversas · córcs , que füe mandou f~tzer, foi .quanto . bastou para os ir-
15 11

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1U CATECISl\IO'

ritar. A necessidade em que se viu Joseph d'avisar a Jacob d'um


grande cfüne que tinham commettido, augmentou o incendio. füu
fim , o que poz o cumulo á inveja , foi a narração de dous sonhos
que denunciavam a futura grandeza de Joseph.. Parecia-me, lhes diz
elle, que estavamos em um campo atando feixes d'herva , e a mi-
nha gavela tinha-se em pé em quanto as vossas se prosternavam
diante d'ella. O que! lhe disseram seus irmãos, dar-se-ha caso que
pretendas ser um dia nosso rei, e vêr-nos sujeitos a teu dominio '?
Joseph não replicou.
Pouco depois disse-lhes ainda com a mesma simplicidade : Eu
vi em sonhos o sol , a lua e onze estrellas que me adoravam.
Jacob, que era um velho prudente, prevendo as consequencias
destes discursos, reprehendeu a Joseph , dizendo-lhe : Que quer isso
dizer? Por ventura tua mãi, t~us irm~os, e eu, teremos de te a-
tlorar na terra ? Os irmãos de Joseph roíam-se de inv~ja ;
porem Jacob, não podendo deixar d'entrever alguma cousa misle.rio-
sa nestes sonhos , -considerava tudo em silencio.
Passado tempo, foram os filhos do santo Patriarcha pastorear
os rebanhos pelos arredores da cidade de Sichem. Joseph não foi
com elles ; mas d'ahi a dias chamou por elle · Jacob, e lhe disse:
Vai ver se teus irmãos se comportam bem, se os rebanhos eslam
em bom estado , e volta depois a dizer-me o que se passa. No mes-
mo instante preparou-se Joseph para partir. Abraçou seu pai,
despedindo-se , sem o saberem , para se não tornarem a ver tam
cedo. Partiu Joseph, chegou felizmente ao termo da jornada ; mas,
apenas o avistaram ao longe seus irmãos, começou sua inveja a irri-
tar-se. Ahi vem o nosso sonhador , disseram uns para os outros,
/
matemol-o e lancemol-o a uma cisterna : diremos depois que uma
fera o devorou , e então veremos de que lhe serviram os seus so-
nhos.
Seria muito para admirar que entre tantos filhos d'uro Santo
passasse este projecto sem contestação. Rubens , o. mais velho de
todos , emprehendeu salvar a innocente victima. Não , lhes diz el-
le, não o matemos ; Jancemol-o antes, se quereis , a essa velha eis..
terna ; mas não manchemos as mãos em seu sangue. Isto lhes di-
zia com inlen~o de o li Har delles, e restiluil-o depojs a seu pai..

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DE PERSEVERANÇA.
Tornaram o parecer de Rubens. Em quanto dispunham assim da yb·
da do innocenle Joseph, este amavel menino, cheio d'alegria por ve~
seus irmãos , aproximava-se com alvoroço, e corria , sem o saber, a
metter-se nas mãos de seus algozes. Apenas . chegou, agari·aram del..
le, despiram-lhe sua linda tunica, objeclo da antiga inveja, e o de -
ceram ao fundo da cisterna , que haviam escolhido para ali o dei~
xar morrer.
Depois sentando-se friamente a comer, viram chegar uma cara-;
vana de me;·cadores Ismaelitas, que vinham de Galaad , trazendo
seus camellos carregados d'aromas para vendEtr no Egypto.- Então
Juda disse para seus irmãos : Que lucramos nós em deixar perecer
este menino? Em fim, é nosso irmão e nosso sangue. Vendamo!-
º antes a estes mercadores. App1·ovaram os outros · a lembrança .;
tiraram Joseph da cisterna , ·e o venderam , por vinte moedas d~
prata, áqaellcs mercadores, que o levaram comsigo para o Egypto.
Depois disto, ,toma1·am a tunica, e, embebendo-a no sangue d'nm cor-
deiro, a enviaram a Jacob dizendo-lhe : Eis aqui uma tunica que en ..
eontramos ; vêde se sera a de vosso filho. Ao vêl-a, Ja~ob excla-
mou chorando : é a tunica de' meu filho, uma fera cruel o tragou , u-
ma besta feroz devorou Joseph. E dizendo isto, rasgou seus ves-
tidos, tomou o cilicio , e e-horou largo tempo por seu eh aro Joseph .
.Não ignoravam seus .filhos que o tinham ferido no mais melindroso
do seu coração. Chegaram-se para elle, a fim de lhe mitigar a dor;
mas não quiz receber consolação alguma : Chorarei sempre, lhes dis-
se, até que va no tumulo juntar-me com meu filho.
Entretanto os Ismaelitas , tendo chegado ao Egypto , venderam
Joseph a um nobre senhor d'aquelle paiz, 'chamado Putiphar gene-
1

ral dos exercitos de Pharaó. A hella presença e modestia- do jo~


ven escravo recommendavam-no a seu Amo. Deus estava com elle,
e tudo prosperava nas mãos de Joseph. Putiphar, que percebeu is-
to, confiou delle tudo, e lhe deu a mordomia de sua casa.
Ainda isto era apenas o exordio dos favores que o Deus d' A-
bl'aham, <nsaac e de Jacob preparava a .Joseph ; mas cumpria que
este , da sua parte, se preparasse gradualmenle para as maiores pro-
vas, em que a sua virtude devia triumphar. Quiz a esposa de Pu-
·fiphar seduzil-o , para otTender a Deus ;_ mas ellc lhe r(lsistiu- com
-Ir

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116 CATECISMO

·horror. Um dia ena lhe travou do manto ; e Joseph, p:rra Sü snb:..


trahir ás suas sollicitações, escapou-se-lhe , deixando-lh'o nas mãos~
Acesa em raiva; por-se ver desprezàâa , foi esta criminosa mulher
accusar o innocente a &eu esposo. Pulipbar, nimiamente crcdnlo ;
mandou lançar Joseph n'uma eseura prisão , destinada aos crimi-
nosos d'Eslado. Desceu o Senhor com elle a esta sombria masmor-
ra ; e conciliou-lhe a amizade do carcereiro, que lhe confiou a au-
ctoridade e superintendencia de todos os prezos.
Estavam lambem na prisão o copeiro e o padeiro mor do rri;
os quaes, ambos n'uma noute, tiveram um sonho que · muíto os per-
turbou. Joseph explicou-lhes o sonho , annunciando ao primeiro que
dentro de tres dias estaria restabelecido no exercício do seu cargoí
e pediu-lhe. que nesta condição se não esc1necesse delle; ao oulro
disse-lhe, que dentro de tres dias lhe dariam a morte.
Tudo isto aconteceu como Joseph o tinha predito.
Se a gratidão fosse a virtudo propria elos · felizes e grandes da
terra, podia Joseph conlat· com um prompto livramento ; mas o co-
peiro mor , todo embebido na sua boa fortuna , não se lembrou
mais de quem lh'a tinha annunciado. ·O virtuoso prisioneiro espe-
rou por tempo de uous annos que chegasse o termo de suas des-
graç.as, e o momento de sua liberdade.
O rei do Egypto leve · um sonho em que viu sete vacas magras
devorar a sete vacas gordas, e sete espigas seccas e aridas dcrorar
a sete formosas e pingues. Esta visão inquielou o monarcha. to-
go ao romper do dia deu ordem a todos os adevinhos do Egyplo
para que se apresentassem em palacio. -Chegados que foram , ex-
poz-lhes os sonhos ; mas nenhum pôde explicar-Ih'os. Então se lem.-
brou de J-Oseph o copeiro mor ; e delle fallou a Pharaó, que o man-
dou chamar immediatarnente. Contou o rei seus sonhos ao joven in-
terprete. Os dous sonhos do rei, lhe respondeu Joseph, significam
ambos a mesma cousa. As sete vacas gordas e as sete espigas bem
nutridas significam sefe annos de fertilidade ; pelo contrario, as se-
te vacas magras . e as sete espigas seccas , designam sele
annos de fome , que se hão de seguir aos primeiros. Escolha pois
o rei nm homem prudente e habil, e revista-o de sua auctoridadc,
para prover a Ludo nas prcsenles circumslancias. Este primeiro ;ni~

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DE PERSEVERANÇ·A. 117
ni~lro lerá ás suas ordens officiacs subalternos , que eslabelecerão
cellei1·os em todas as citlades do 1;eino ; para onde mándarão con-
duzir o trigo que houverem comprado por auctori dade do rei, que
deverá ser a quinta parte de todos os pães , que se colherem em
tempo d'abundanci_a. Isto será um seguro recurso para os sete an;..
nos d'esterilidade, que depois causarão desolação no paiz. Se não
houver esta precaução, quando chegar a calamidade, vossos subditos
perecerão de fome, por antes se haver _dissipado, e Yendido o pão
a vossos visinhos.
Onde acharemos um homem mais habil e prudente? exclamou
Pharaó -- Es tu nrnsmo que terás auctoridade em todos os meus
Estados ; obedecer-te-hão todos os meus subditos ; em todo o reino
sú eu te serei superior. Ditas estas palavras ; tirou o principe n
seu annel , e o metteu na mão de Jos~ph ; mandou-lhe dar um
m~nlo de fino linho , lançou-lhe ao pescoço um collar d'ouro , e o
fez montar no carro que seguia immediatamente o coche real. A-
diante dclle caminhava um arauto, e gritava em alta '\"OZ : Dobrem
todos o joelho diante <le Joseph , e saibam que Pharaó o constituiu,
abaixo de si, Governador de toda a terra llo Egypto. Pharaó mu-
dou lambem o nome de Joseph , e lhe poz outro que signilicava
Salvador do mundo. Não linha Joseph mais d~ trinta annas , quan-
do foi apresentado a Pharaó, e passou de miseravel escravo a vali-
do do rei e senhor ·do reino. Apenas toqiou posse da sua digni-
dade , proveu-se d'equipagens e ·officiaes convenientes, correu todas
as provincias, e estabeleceu celleiros em todas as cidades. Por es~
ta sabia e maravilhosa economia, tornou-se depois o Egypto o refu-
gio cl'uma infinidade d'infelizes que, a não ser isso, teriam morrido
de fome.
Entre as muitas familias, que soffriam pc1a esterilidade, merece
particular menção a de Jacob. Habitavam ainda na terra de Chana-
an, aonde a pennria, logo no primeiro anno, foi tam grande , que
o Santo Patriarchã teve de mandar seus filhos ao Egypto para
se prover de pão. Parlit'am elles, excepto Benjamin, o mais novC>,
qne ficou na companhia de seu pai.
Chrgados á capital , a primeirª cousa que fizeram foi apresen-
tar-se ao vice-rei; porque nada se fazia sem a sua sn1)erinten-
~

\
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CA TECIS~JO·

deocfa. Foram admitlidos a audiencia geral, e quando chegou a smr


ez de fallai\ havendo-se proslernadu humildemente, Joseph os reco-
. nheceu; mas seus irmãos o não conheceram a elle ; porqu~ tendo
então tlinta e oito annos, havia vinte e dous que vivia ausenle de
sua famiJia, e estava muito demudado. Tomou elle um ar severo,
e disse-lhes em duas palavras, como a hom(ms suspeitos e desco-
nhecidos : D' onde vindes vós'? que é o que quereis? Vimos da ter-
ra de Chanaan, lhe disseram e1lcs, para comprar aqui trigo. Ven-
do-os a seus pés na mais submissa posição, lembrou-se Joseph d
sonhos que tivera outr'ora , e adotou interiormente as disposições
da Pro' idencia. Vós não sois o que quereis parecer, lhes disse el-
le ; mas sim espreitas enviados para observar os lugares fracos do
reino. Não senhor, responderam elles a tremer, tal não somos~
Os vossos servos não Yieram aqui senão para comprar trigo ; lodos
nós somos filhos do mesmo pai : ~ão viemos com nenhuma inten..
ção má.
Joseph que pretendia saber se seu pai Jacob, e Benjamin seu
irmão mais novo, vi viam ainda, continuou a manifestar as mesmas
suspeitas : Vós me enganaes , bem percebo que sois espias. Esla
suspeita do Ministro embaraçava em extremo a seus irmãos : não sa...
biam o que fazer para o dissuadir. Um delles tomou a palavra e
disse-lhe com ar de muita franqueza: Nós, vossos servos, eramos doze fr...
mãos , todos filhos d'um ~ó homem, estabelecido na terra de Cha-
naan ; 'º mais novo ficou com nosso pai, o immediato já não vive,
e vós vêdes os dez restantes a vossos pés.
·Joseph estava satisfeito ; mas não o queria dar a demostrar~
E' o que e.u digo, tornou elle, sois espias ; e para informar-me, ju-
ro pela saude de Pharaó, que não sahireis d'aqui , sem que eu veja
este irmão mais novo de que me fallais, e que, certamente menos
málicioso do que vós, me hade revelar o criminoso segredo da vos-
sa jornada. Um de vós irá buscar esse menino. Quanto aos mais,
ficarão em ferros até que roe tenha inteiramente informado da ver-
dade ou falsidade de vossas asst~rções. Joseph, com tudo, contentou-
se com relei· um em refens, que foi Simeão, e deixou ir os outros
n~ve. ..
Quiç.á pela primeira vez , depois de vinte an nos , fizeram elles

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DE PERSEVERANÇA. 119
serias reflexões sobre a c!lusa de seu mal. Nós merecemos hem,
disseram elles, os males que soffrcmos ; são o justo castigo da cru~
eldade com que tratamos nosso irmão. Pobre menino ! que chora-
va a nossos pés, implorava nossa clemencia ' e não o quizemos es-
cutar; agora o Ceo se vinga. Bem vul-o disse eu, ajuntou Rubens,
não vos avisei que não fizesseis mal áquelle innocente ? Não quizes-
tes attender-mc, e eis que o Ceo nos reclama o seu sangue.
Todos estes discursos se passavam em presença de Joseph. Co-
mo lhes tinha sempre fallado por interprete, -não cuidavam que os
entendia. Partiram em fim , e chegaram a casa_ de Jacob , a que"!
inforn1aram de tudo que se passava. O primeiro ministro , accres~
centaram elles, mandou-nos que lhe levassernos Ilenjam in , sob pena
de nos tomar por traidores, mandar matar Simeão, e não nos dar
mais trigo. Sou bem desgraçado, respondeu o santo velho ; se vos
hei de dar credito, em brele ficarei sem. filhos. Já perdi Joseph ,
Sjmeão eslá prezo no Egypto, e ainda agora quereis que vos en~
Lrcgue Benjamin ! ?
· Entre tanto continuava a fome , foi forçoso , para não morrer,
~eixar ir Benjamin ; mas Juda empenhou sua vida por elle. Pnze-
ram-sc pois a caminho com este menino, e chegaram ao Egyplo. Seu
primeiro cuidado foi pedir audiencia, e apresentar-se ao ministro.
Concedeu-lh'a Jo_seph, e mandou tirar Simeão da prizão, a fim que
todos fossem testemunhas da scena que se hia passar. Na hora mar-
cada, entrou Joseph na sala , e foram admillidos os estrangeiros.
Saudou-os e disse-lhes : Vosso pai , de quem me fallasles , está em
boa saude? ainda vive? Nosso pai vive ainda , lhe responderam
elles , e goza de boa saude. Proferintlo estas palavras, inclinaram...
se profundamente , e esperavam nova pergunta. Joseph procurava
com os olhos a Benjamin, porque· era este charo menino filho de
Rachel como elle, e seu irmão predilecto. Havendo-o discernido no
meio dos outros : Não é· este, lhes diz ,. aquelle irmão mais novo
<le quem me linheis faltado? E, sem esperar 1·esposta, accrescen-
lou : Deus te abençoe, meu filho. Nem pôde conter-se por mais
tempo : commoveram-se-lhe as entranhas, rebentaram-lhe ás lagrimas
dos olhos, e pouco faltou que o seu segredo lhe não escapasse com

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120 CATECISMO

eHas. Retirou-se bruscamcnle para o seu gabinete , · e ·as: dt•jxou


correr em abundancm.
Alliviado o seu coração, lavou o rosto , e tornou a apparecer
com ar tam desassombrado que ninguem o percebeu : dPpois rnan..,
dou que servissem o janlar. l\Ias seus 1rmãns ainda não tinham
passado pelas ultimas provas, a que elle resolvern pôl-os. Ordenott
ao seu iiften<lente que enchesse os saccos de trigo , e pozesse á b~
ca do sacco a somma que cada um trouxera. Ainda farás mais ,
lhe disse elle ; no sacco do mais no''ª esconderás , com o prc..
ço do trigo , a laça de prata J)Or onde costumo beber. Assim·
se fez.
De madrugada parliram os viajantes aleg1·cmcnte de volta para
casa. Já hiam fúra da cidade , quando Joseph chamou seu intenden-
te e lhe disse : Vai depressa em seguimento daqueJles homens ; pren-
de-os e pergunla-lhes : Porque tornastes vós o mal pelo bem ? A
taça que furlasles é aquella de que meu amo costuma servir-se. Em
breve alcançou o mensageiro os viajantes ; e não se pode dizer qual
foi o seu espanto, quando se ouvfram accusados de roubar uma
taça de prala. Se algum de nós, e·xclamaram clles, estiver cul·
pado ele tal crime , queremos que morra , e que os· out1·os fiquem
por toda a vida vossos escravos, Dito isto, abriu cada um o seu·
sacco. O intendente examinou a todos, começando pe]o mais velho ,
e achou a lava no sacco de Benjamin.
Ao ver islo, rasgaram seus vestidos, e tornaram a carregar as
,"' alimarias , para se irem lançat' aos pés do vice-rei. Esperava-os
elle na mesma sala onde antes os tinha saudado. Prosternaram-se;
lodos com a face em terra, para ouvir, nesta humiliante posição, o
que seu Juiz decidiria da sua sorte. Armou-se Joseph d'um ar se~
-vero. capaz de amedrontar culpados, e até desconcertar innoeenles.
Fez-lhes duras reprehenções, e concluiu mandando pôr Benjamin ent
custodia. .Tnda , fallando em nome de seus irmãos , supplicou-lh&
que deixasse ir aquelle menino , alias seu pai moneria d'afflicção.
Ja era islo muito para o coração de Joseph. Ordenou a lodos
os Egypc.ios que se retirassem. Depois que se viu só com seus ir~
mãos , deixou correr as Jagrimas ; e, levantando a voz , disse-lhes :
En sou Joseph ; meu pai ainda ,·ive?

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DE PERSEVERANÇA. 1·2.1
A estas palavras ficaram e.lles assombrados e cheios ele terror;
mas Joseph accrnscentou cheio de ternura : Abraçai-me , eu sou
, Joseph vosso irmão , a quem vendestes, e fizestes trazer ao Egyplo;
não temaes nada. Foi para vosso bem que o Senhor me enviou a-
qui adiante de vós. Voltai a toda a pressa para meu pai, e dizei-
lhe : Eis o que vos ~anda dizer vosso filho . Joseph : Deus me foz
senhor de todo o Egypto. Vinde ter comigo , não tatdeis. Apenas
pronunciou estas palavras.,· tançou-se uos braços do seu charo Ben~
jamin, e abraçados e_stiveram por muito tempo , derramando um e
outro ternissimas lagrimas . . Abraçou depois a lodos os mais ; e lhes
mandou .dar carros e vi veres para a viagem , com ricos presentes
para elles e para Jaoob.
'Chegaram felizmente aonde o santo velho, e 1hedisseram: Voss&
filho Joseph não morreu ; é elle quem governa todo o Egyplo. Ja-
cob, ao ouvir isto., ficou como fora de si , parecia-lhe despertar de
um profundo somno : não podia crer o que lhe diziam. Todavia
quando viu os carros que trnuxeram, e os magnilicos presentes que
lhe ' apresentavam , ·então exclamou: Eia pois ! se é que meu filho
1oseph ainda vive, irei vêl-o antes de descer ao lumulo.
Joseph tem sido sempre considerado , e com rasão, como uma
tlas mais bellas figuras do Messias. De facto, Joseph é o filho pre-
dileclo de seu pai ; Nosso Senhor é o Filho predilecto de Deus -seu
Pai. - Joseph traja uma tunica de ditferentes côres: tem sonhos que
presagiam sua grandeza futura ; e por isto é objecto da inveja de
seus irmãos. Nosso Senhor é adornado de todas as vit-tudes ; an-
nuncia aos Judeos, seus irmãos, a sua grandeza fntura ; e por isto
é Óbjccto d'odio, inveja e perseguição. _:. Joseph é enviado a seus
irmãos. Nosso Senhor é enviado aos homens seus irmãos. - Joseph,
chegando ao pé de seus irmãos, é maltratado por elles ; tomam a
l'esolução de lhe tirar a vida ; vendem-no a mercadores estrangei-
ros. Nosso Senhor~ chegando ao meio dos Judeos, seus irmãos , é
por elles maltratado; Judas o vende ; os Judeos o entregam aos
Romanos , e estes lhe dão a morte. - Joseph, vendido , é levado
ao Egyplo, e yem a fazer-se senho1· deste reino. Nosso Senhor,
vendido e humilhado, oblem em recompensa um poder illimilatlo no
Ceo, e na terra. - Joseph, condemnado por um crime que não com-
16 II

\
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C..\ TECISMO

melleu, é lançado em ferros. Nosso Senhor , conclemnado por cn-


mes que não comrnetteu, é _lançado em ferros e depois morto. -
Joseph acha-se na prizão com dous criminosos d'Estado ; annuncia a
um o livramento, a outro o supp1icio. Nosso Senhor acha-se na
cruz entre- dous malfeitores ; promelle o Ceo a um, e deixa o ou-
tro em sua condemnação. - Joseph passa da prizão ao fasligio da
gloria, _e trilha os mesmos degraos do Lhrono de Pharaó. Jesu-Chri-
sto passa da cruz ao mais alto dos Ceos , e senta-se á dextra de
Deus Padre. - Joseph salva o Egypto d'uma grande fome. Nosso
Senhor salva o mundo, que morria por fome de verdade. - Joseph
é proclamado por Salrador do Egypto, e cumulado d'honras d'uma
a outra extremidade do rein.o. Nosso Senhor é proclamado o Sal-
vador do mundo, e é adorado, bemdito e glorificado d'nma a outra
exlremidade do mundo. - Joseph é chamado o salvador do mun-
do pelos estrangeiros, antes de o ser por seus irmãos. Nosso Se-
nhor foi reconhecido por Salvador do mundo pelos Gentios antes de
o ser pelos Judeos seus irmãos. - Em quanto os irmãos de Joseph
não vieram pedir-lhe trigo, _estiveram expostos a morrer de fome.
Em quanto que os Judeos se não converterem a Jesu-Christo , sof-
frerão a fome da verdade, serão escravos do erro . - Em ilm , os
irmãos de Joseph decidiram-se a vir ao Egypto ; os Judeos hão de
decidir-se em fim a vir a Jesu-Chrislo , abraçando o Christianis-
mo. - Joseph, reconhecido por seus irmãos, perdoa-lhes, abraça-os
e os faz fehzes. Noss() Senhor, reconhecido alfim pelos Jude:os, lhes
perdoará e os cumulará de bençãos.
Esla figura confirma o que já nos tinha dito uma das . prece-
dentes • que o Salvador será perseguido por seus irmãos. Diz-nos
alem disso 1. º , que será condemnado por um crime que não lerá
commetlido ; 2. º, aponta-nos a ordem porque os povos se conver-
terão, primeiro os Genlios, depois os Judeos ; 3.º, mostra-nos a
bondade com que o Salvador perdoará a seus inimigos.

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• DE PERSEVERANÇA. 123

ü> meu Deus ~ que sois todo amor, eu vos dou graças de to..
do o meu coração, por terdes revelado ao mundo o seu Redemplol'
em uma figura lam terna e amavel. Eu adoro a infinita sabedoria
que, segundo os tempos e as precisões , ajunlava luminosos traços
ao divino quadro, de que o Salvador é o rnodêlo. Dai-me, ó meu
Deus ! a innocencia de Joseph, a sua doçura, humildade e chari-
tlade para com meus irmãos , ainda aquelles que me tiverem fei-
to mal.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas e ao proximo
como a mim mesmo pelo amor de Deus ; e , em testemunho deste
amor , expulsarei de mim todo o sentúnento cNnveja.

XXVII.ª LIÇÃO.

O MESSIAS PROMETTIDO ~ FIGURADO:

Jacob vai ao Egypto. - Quinta promessa do Messias feita a Juua. _..: Se-
pullura <lc Jacob no jazigo d' Abraham. - Morte de Joseph.- Nascimento
de Moisés. - E' salvo e criado pela filha de Pharaó. - Retira-se para
o deserto de l\fadiao. - Apparecc-lhc Deus o man<la·lhc livrar o seu po-
vo. - Vocnção d'Arão. - Pragas do Egyplo. - O Cordeiro Pascal,
oitava figura do Messias.

A FAMILIA de ~acob , em numero de trinta pessoas , reuniu-se por


ordem do santo Patriarcha, e parlio do valle de Mambre para ir
primeiro a Belhsabée ou poço do Juramento, que não ficava longe do
rio que separa o Egyplo da terra de Chanaau. Parou Jacob n~ste

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12' CATECISMO

lugar para consultar o Senl1or. Tocante exemplo , que nos ensina


a não cmprehender jamais cousa aJguma sem pedir a Deus as suas
luzes. Nada temas lhe disse o Deus de seus pais, desce ao Egyplo,
ahi quero eu multiplicar a tua posteridade ; d 'ahi chamarei os tens
descendentes para os estabelecer com· gloria na terra que lhe tenho
)lfOmettida. Confirmado por esta revelação , caminhou o Palriarcha
para a capital do Egypto·. Quando chegou a distancia d'algumas Je.,.
goas; mandou seu filho Juda que fosse adiante, para avisar a Jo-
seph· da sua chegada ; o qual, apenas o soube, mandou arreiar o
seu cavallo , e sahindo-lhe ao encontro , abraçou seu pai com aque11a
emoção que é facil imaginar-se ,_ e depois o conduzio , com todos
os seus irmãos , para os apresentar a Pha raó.
Jacob honrava os reis da terra como homens revestidos da au ...
cloridade de Deus ; mas a sua qualidade de Patriarcha e chefe da
familia santa, collocava-o muito acima delles. Tendo pois saudado
o principe ·, o santo velho, mostrando no aspecto aquella dignidade
que convinha á sua velhice,. e glorioso destino, fallou a Pharaõ di ...
• · zendo : O Senhor meu Deus derrame sobre vós as suas bençãos , e
vos conceda prosperos annos. O principe, pela sua parte, pergun.,.
tou~Jhe que · idade elle tinha. Os dias da minha peregrinação na terra
são cento e trinta annos , respondeu Jacob ; dias curtos e máos ,
que poucos são, comparados com a longa vida de meus pais. Depois
desta curta audiencia despedio-se Joseph do rei , que deu a Jacob e
a sua familia a província de Gessen , uma das mais ferteis do Egy...
plo , que foi o paiz onde h~bitaram e se multiplicaram rapidament-e
~~ filhos d'Isra~I.
VjYeo Jacob ainda desesete annos, não tendo mais nada a de-
sejar na terra desde que recuperou seu fiJho Joseph, e assim viu
tranquillaillente aproximar-se a hora ultima. Mandou então chamar
Joseph que viesse ter com elle , porque já não sabia de seu leito ;
e lhe exigio pronwssa de o não enterrar no Egypto, porem mandai-o
conduzir á terra de Chanaan , e sepu ltal-o junto de seus pais Abra.,.
bam e Isaac : Joseph Jh'o promctteu assim , e lhe pedi o confiasse
iia sua obediencia.
Vendo-se Jacob proximo ao fim da vida , apressou . .se a consa-.
grar este momento ultimo pol' uma das mais memoraveis prophecias

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DE PERSEVERANÇA. 125
que o Senhor tenha "jamais inspirado. Tendo reunido seus doze filhos
em redor <lo seu leito , annmiciou:-lhes Q que de, ia acontecer a seus
1

descendentes ; em que dilferentes estados se ach:.iriam, depois do seu


eslabelecimenlo na Terra prometlida , e que singulares caracteres
distinguiriam a cada uma das doze tribus de c1ue elle era o tronco.
Breve chegou a J uda , e de repente o santo velho pareceu ou-
tro. Encarando J uda , e vendo com santa complacencia a grandeza
futura da sua tribu : Juda, exclama elle , teus irmãos te louyarão ,
tua mão será sobre a cabeça de teus inimigos ; os filhos de teu pai
se inclinarão diante de ti. O septro não sahirá de Juda até que ve-
nha aquelle que deve ser enviado, e que será a espectativa das
nações.
1. º Esta promessa prophetica confirma o que as precedentes nos
teem an·nunciado á cerca do Redemptor. Ella nos diz que elle será
a espectaliva e salvação de todos os povos ; por onde a conversão
dos Gentios é o grande signal pelo qual principalmenle deverá ser
l'econhecido.
2. º Este famoso oraculo de Jacob, não se limita , como as pro-
messas precedentes, a predizer um Salvador, esperança das nações;
senão que determina a epocha em que deve apparecer. Será .guando
a auctoridade soberana , figurada pelo sceptro , tiver sabido da casa
.de Juda. (1)

(1) As parap1'rases chaldaicas, os mais antigos doutores Judeos, os


mais sabios rabbinos tecm sempre applicado e applicam ainda unanimemente
este oraculo de Jacob ao Messias. Veja-se Munimen Fidei , part. 1. e.
U. O mesmo fizeram todos os Padres da Igreja Oriental. Para compre-
heoder bem o sentido desta propllecia; e desfazer logo todas as dafli-
culdades d~s incrcdulos, é preciso notar que a palavra sreplro não de-
signa sempre a realeza no senliuo rigoroso ; exprime somente uma ·pree-
mmoncia , uma auctoridadc analoga nos diverso~ cs&ados ·da nação. To-
dos os interpretes estam d'accordo neste ponto. ·
Por consequcncia , Jacob prediz a · Juda ; 1. 0 Uma superioridade de
força sobre todos os seus irmãos; compara-o a um leão : 2. 0 uma pro-
prfodadc melhor ; a qual designa pela abundancia do .leite e do vinho:
3.º a auctoridadc, significada pelo sccptro ou bastão do commando : 4. º

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126 CATECISMO

Palavras preciosas r que nos fazem ver hoje 'com os propriQs


olhos , a Jesus, Filho de l\laria , este divino Messias promettido por
Jacob moribundo.
3/ Esta promessa nos tira d'outro grande embaraço. Sabemos,
pelas -promessas precedentes , que o Messias nasceria de Jacob ; po-

o privilegio de dar o na~cimento ao Messias: 5. 0 que os chefes ou ma-


gistrados sahirão da sua tribn , até que chegue o enviado de Deus para
unir lodos os povos.
Os Iudeos não contestam nenhuma destas circumstancias, as quacs
foram cxactamento cumpridas.
1. 0 A Tribu de Juda foi sempre a mais numerosa, como se vê dos
arr<»lamcntos que se fizeram no deserto, e pela precmincncia que lhe é
attribuiua nas diyersas epochas. Num. 1, 27, XXVI, 2~. Deut. XXXIII,
7; Josué, XV; Juizes, 1, 1.
2.º Em a distnbuicão da Terra promettida , teve Juda a parte mais
consi<leravel, e foi collocada no centro ; seudo incluida no seu patrimo-
nio a cidade de Jerusalem; eram celebres as vinhas daquelles arredores.
11.º Foi sempre a mais poderosa , mesmo no reinado de Saul , to-
mou, depois da morte deste principc, a David por seu rei , e formou
um estado separado. No reinado de Reboão, continuou a ser um rein·o
separado, com o seu proprio nome de Juda ; muitas vezes rcsistio ás
dez tribus. Durante o captiveiro de Babylonia, conservou seu · go-verno
e administração propria ; são prova disto a historia de Suzanna , de Da--
niel, e o livro de Esther, XVI, onde se diz expressamente que os Judcos
tinham conservado suas leis. Depois do captiveiro , continua a man-
ter-se em corpo de nação , usa de suas leis e magistrados; era tal o seu
domínio que se lhe incorporaram os restos de Lcvi e Benjamin, os quacs
perderam seus nomes, ficando d'orávanle com o nome de jiideos, ou filho·s
de Juda , commum a toda a progenie '1e Jaco'J.
~.º Depois, no tempo elos Machabcos ou reis Asmoncos, assim cha- .
mados d'Asmoaeo seu avoengo, da tribu de Levi , a lribu de Juda con-
servou a sua auct<íridacle e preeminencia; porque esta Lribu compunha
só de per si quasi Loda a nação Judaica; e a nação os linha escolhido
livremente para chefes, o que foi um acto de sua soberania e auclori-
dade. Depois ficou o governo nas mãos do Senado e porn Judaico, cm
cujo nome obravalV os reis ; é isto que provam 1.º_o livro primeiro dos
Machabcos XII, 1G; 2.º Joscpho, liistonador elos Judeos, liv. XI, e.

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DE PERSEVERANÇA. 127 .
rem · Jacob lem doze filhos; qual delles será o pai do Redemplor?
A prophecia do :;anto velho tira-nos todas as duvidas , põe de parle
onze lribus , e adverte-nos que procuremos o Messias na tribu de
Juua. Jacob não parou aqui. Para provar a seus filhos · a verdade
·desta grande prop_hecia, accrescentou segunda prediç,ão, que de\·ia
cumprir-se muito antes da primeira.. O' Juda, accrescentou elle, ó
meu filho 1 como será fertil e bem escolhida a tua parte na Terra
ela promissão ! As vinhas serão a sua riqueza , e com o vinho ,
tum abundante como a agua, poderás lavar os teus vestidos. Tudo se
verificou ao pé da letra. Pelo tempo adiante, a lribu de Juda, ainda mes-
mo antes de dar reis ao seu povo , foi sempre a mais polente ;
numerosa, e rica de todas as tribus.
Apos de ter instruido a seus filhos , morreu Jacob ·lranquil-
lamente no - meio delles, todo enlevado no pensamento e desejo d'a-
quelle Redcmptor, que Deus lhe havia promeltido , e de quem elle
mesmo foi , não só figura , mas famoso propheta ; por isso excla-
mou morrendo: Eu esperarei, Senhor, o Jlessias qtte deveis enviar.
Mandou Joseph embalsamar o coi·po do santo Palriarcha , e trans-
portai-o , com grande pompa , ao paiz de Canaan , onde foi sepul-
tado ao lado d' Ahraam e Isaac.
Não tai·dou o mesmo Joseph a seguir seu pai ao tumulo. Os.
relevantes serviços , que tinha prestado ao Egypto , foram prompla-
menle esquecidos; taro pouco devemos -contar com a gralidão dos

~.º; 3. 0 a carta d'Antiocho aos Judcos: « O rei Antiocho ao Se1wdo e.los


Judeos e aos mais, saude. » li dos l\lachab.
ã.º No tempo dos Romanos, o poder tle Juda é forlcmcutc abalado;
tem um novo revcz pela nomeação de Herodes; cm fim é aniquilado -na
1·uina de Jorusalem. Logo, nesta cpocha o Messias devia ter vindo. Alé
cnlão tinha Juda conservado as suas genealogrns , possessões, e precmi-
nencia ; mas chegado o Messias e promulgado o seu Evangelho~ os porns
. de Juda deviam unir-se em uma nova Igreja, d·a qual Juda não era mais
c1uc a figura.
Logo cumprio-se o oraculo de Jocob cm todas as suas partes. Ve-
3a-se Libermano ,..t. 1. Bcrgicr, art. Juda; Coroei. a Lapid. ln. Gco.
CXLIX.

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128 CATECISMO

homens ! Outro r~i suhio ao throno ; o qual, amedrontado ,de ''et


os filhos de Jacob multiplicar-se , e como que fazer um novo povo
nos seus Estados, resolveu logo enfraquecei-os assoberbando-os com
dur·os trabalhos : e como este meio lhe não sahio á medida da von...
tade, tomou outra resolução bem digna d'um tiranno ; pois ordenou
que se matassem todos os filhos dos Hebreos logo que nascessem.
Mas que pode a malicia dos· homens contra o Senhor, e os seus pro-
tegidos?
Vede como esta crueldade veio a ser a ruina fie Pharaó.
Um dia a filha deste principe veio ás margens do rio , para se
banhar; e percebeu no meio elos canaviaes um cesto betumado e ve-
dado cuidadosamente ; mandou-o buscar; e abrindo-o , achou nelle
nina criancinha que chorava. E' o filho d'um hebreo, disse a prin-
ceza, movida de compaixão. l\Iaria, irnÍã deste menino , que tinha
ficado proxiwa , ouvindo estas palavras : Se quereis, lhe disse , irei
buscar alguma mulher dos Hebreos, para criar esse menino. Ide, lhe
respondeu a princeza. Correu l\faria a chamar sua mãi ; e em che-
gando , disse-lhe a filha de Pharaó : Toma esse menino para o cri-
ares, e eu te recompensarei; então ella ·o adoplou por seu, e lhe
poz o nome de Moisés , que quer dizer, tirado das a9uas. Cres-
cendo este ,menino, foi enviado á princeza , e eduoado na mesma
corte de Pharaó.
Entl'e tanto l\loisés , que não ignorava o segredo do seu nasci-
mento , doia-sc no seu coração de ver seus irmãos escra visados , e
coricebeu a idea de os libertar. O Senhor o tinha tambem esco-
lhido para cumprir este memoravel livramento; e lhe inspirou que
sahisse da corle de Pharaó , e se retirasse ao pa.iz de l\ladian. Alli
passou }loisés quarenta annos , occupado, corno os Patriarcha·s, em
apascentar os numerosos rebanhos de Jelhro, sen padrasto. Um: dia 1
que se tinha internado pelo deserto , achou-se ao pé d'uma alta e
fertil montanha, chamada Oreb. Alli lhe appareceu o Senhor subi-
tamente, no meio d'uma sarça ardente, na figura d'uma chamma clara
e bella, que brilhava com um resplendor mui suáve, e que lhe pa-
recia não consumir nem os ramos nem ainda as folhas do arbusto.
M9isés admira~o, disse comsigo mesmo : lrei ver esta maravilha;
examinarei porque esta sarça 1 ardendo , não se queima.

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DE PERSEVERANÇA.
Aproximava-se, quando o Senhor, que lhe queria fazer consitle~
i'ar esta apparição com o profundo respeito , que demanda a sua:
tremenda magestade, fez-lhe ouvir a sua voz , e disse-lhe : « ~foi-_
sés ! Moisés ! não te aproximes mais desta sarça. Tira as tuas sau-.
dalhas , porque a terra que pizas é uma t~rra santa. Eu ·sou o
Deus d' Abraham e de Jacob.· Moisés tremendo , cobrio o rosto. · Eu
vi a aftlição do meu povo , continuou o Senhor ; chegou o tempo de
o tirar da escravidão , e introduzil-o na terra de benção, que pro-
melli a seus pais. Prepará-te, porque és tu aquelle a quem escolhi para
libertar o meu povo do captiveiro do Egypto.
Moisés se escusou por muito tempo ; a modestia e ·a humildade
foram sempre as virtudes distinclivas dos maiores homens, como lambem
dos maiores Santos. Os Ifebreos não me darão credito , accrescen-
tou eUe ; mas dirão : Não é verdade; o Senhor não te appareceu·. ·
Pois bem! Disse o Senhor, eu te vou dar com que convenças os
incredulos. Que tens tu agora na mão~ E' um cajado , respondeu
Moisés. Lança-o á terra , disse o Senhor : :Moisés obedeceu , e a
vara no mesmo instante se converteu em tam horrivel serpente, que
lhe poz medo , e o obrigou a fugir. Nada receies , disse Deus
a seu servo , toma esta serpente pela cauda. Elle o fez , e achou
que linha na mão a sua vara · como d'antes. O que acaba d'operar-
se diante de ti , accrescentou o Senhor, tu o fa1·ás na presença dos
Ilebreos·, e conhecerão por este signal que o Deus que te appare-
ceu é o Deus de seus pais , o Deus d' Abraha1n , d'lsaac e de Ja-
cob. Se este prodigio não bastar, eis-aqui outro que os persuadirá . .
Tomarás em sua presença agua do rio; e elles a verão subitamente
mudada em sangue. Teu irmão Arão te coadjuvará no ministerio
que te encarrego.
Fe~ pois o Senhor ouvir a sua voz a Arão, que eslava no Egypto,
e. disse-lhe ·: Parte sem demora ; vai ao deserto encontrar-te com teu
irmão Moisés ; elle te informará quaes são os meus designios á cer-
ca de ti e delle. Partio logo Arão; e se reunio a seu irmão~: A
uniã-0 destes dous grandes homens foi a salvação d'Israe1. Vieram
á terra de Gessen , aondé estavam os Israelitas. Fez Moisés cm sua
presença os milagres que deviam auctoi'isar a sua missão. O povo :·
reconheceu a verdade d'ella , e bem disse ao Senhor, que se linha
17 11

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130 CATECISl\10

recordado do seu povo. D'alli foram os dous irmãos ter com Pha-
raó, e lhe disseram, com a auctoridade que convinha ao seu ca-
racter : Eis-aqui o que vos diz o Senhor Deus _cl'Israel : Dai ao meu
p~vo a liberdade de me ir offe~ece1· um sacrificio no deserto. O ti-
ranno, irritado por uma linguagem que não costumava ouvir, respon-
deu-lhes aspera e severamente, mas foi viclima da sua resistencia.
O Senhor ferio o Egypto com dez grandes pragas. (1) A ca<la

(1) Eis-aqui algumas das pragas ou flagellos· com que o Senhor fc ...
rio o Egypto, pelo minislcrio de Moisés: 1. A agua d~ Nilo mudada
0

cm sangue: 2. uma innumeravcl multidão de rãas, sahidas das lagoas,


0

que se espalharam por todas as casas e appnreciam até so~rc as viandas~


3. uma nnvcm de mosquitos, Cujas ferrotoadas incommoda vam horri\'CÍ·
0

mente os homens e as bestas; 4. 0 os temores e ufccras ' com que os


homens e animacs foram atormentados.
A cscrjptura diz: que os magicas de Pharnó fü:ernm cousas sim i-
lhantes, fecerunt similiter. Sobre o que bom será fazermos os seguintes
reparos: 1. 0 Deus pcrmittio sem duvida estes prestigias dos magir.os ,
para punir Pharaó e seu povo, endurecendo-o, e deixando-o- na sua corr-
tumacia contra a ordem expressa do Senhor. Estes encantamentos, qua
parcciam cgualar os milagres de Moisés-, e pôr ao par o · poder dos deu-
ses do EgypLo e o do Deus d'Isracl, convinham aos lerrivc•s consclhos-
da Justiça divina 1 e serviam ao cumprimento deste palavra : Eu cndu-
'l'Cccrei 'O coração de Pharao , lndiirabo cor Pharaonis. 2. º Deus porem,
que sempre deixa bastante luz aos peccadores , para conhecer o mal
que fazem , irnprimio nos mifagres de Moisés um cunho tal , que fosse
impossível não os reconhecer como obra do Omnipotente. Com cffeito,
os magicos não puderam íazer tudo o que fez Moisés , nem ainda conse...
guiram livrar suas pessoas das ulceras com que Moisés ferio os Egypcios;
quando Moisés estendia o flagcllo a lodos os Egypcios e a tudo que lhes
perLencia, não poderam os magicos fazer nenhum mal aos llcbreos, nem
aos seus animacs domcsticos; em fim , entre os prestigias dos encanta-
dores e os milagres de )foisés havia tal differença, que o mesmo Pha-
raó foi obrigado a exclamar, foliando destes ullimos: Odedo de Deus é
realmente o que obra aqui. O mesmo succede cm todos os tempos, e
o mesmo se ve ainda hoje. Apezar de todas as subtilezas da increduli-
dade, os verdadeiros milagres leem caracteres de tal sorte exclusivos e

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DE PERSEVERANÇA. 191
cafamidade promettia Pharaó deixar ir os fi1hos d'lsrael; mas ape-
nas cessava o castigo , retractava-se o obstinado principe. Em fim,
a decima }lJ'aga foi tam cruel, que Pharaó se deu pressa a conjurar
õs Hebreos, que ·se ausentassem quanto antes. Eis qual foi a decima
praga : No meio da noute, quando tudo estava em socego e silencio,
enviou Deus o seu Anjo exterminador, que ferio de morte, sem escapar
nenhum, os primogenitos dos Egypcios, desde o fllho do soberbo Pha-
raó , até o do obscuro escravo , condemnado de dia a duros tra-
balhos , e de noute aos rigores da prisão. Da mesma sorte perece-
ram os prímogenitos dos anímaes. Pela manhã retumbavam por todo
o Egypto os clamores , e gritos de desolação ; não havia casa que
não tivesse um morto. Pharaó manda immediatemente chamar l\foi-
s~s e Arão : Parti , lhes disse , retirai-vos de meus Estados , vós e
Jod9s os filhos d' Israel.
A1guns. dias antes desta sanguinolenta exterminação, tinha Moisés
pre~nido os Hebreos. Para vos resguardar dos golpes do Anjo exter-
minador , eis-aqui, lhes disse elle , o que vos ordena o Senhor Deus
de nossos pais : No decimo dia dest~ mez, cada pai de familia porá
de parle u·m cordeiro sem macula , macho e d'um anno. Se. a fa-
Jnilia não for assás numerosa para comer o cordeiro, em um sô ban-
quete , convidará a algum de seus visinhos. O cordeiro, posto as-
$im de parte no decimo dia , será guardado até o decimo quarto.

e-videntes , que todo o homem de boa fé sabe e saberá sempre discer-


oil-os.
Finalmente, se nos remontarmos nos tempos de Moisés, se con-
siderarmos o estado das nações, e .em particular a do Egypto , se-
pultadas nas trevas da idolatria , e do materialismo, que é sua conse-
quencia, conceberemos logo a rasão dos numerosos prodígios, de que
faz menção o Antigo Testamento. Deus , mal conhecido , devia fazer-se
reconhecer por uuico Senhor <la natureza. Eram nccessarios maravilhosos
prodigios, para fazer impressão cm povos que ainda estavam na infancia,
dispostos sempre a adorar as crcaturas cm lugar do Creador. Assim é
rrue a Providencia })roporciooa sempre o rcmedio ao mal , oppõe a luz
<la verdade ás trevas da mentira , e justifica~sc aos olhos do homen1 es-
c1arccido, bem como diante do símples fiel .

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CATECISMO

N~, tarde desl~ dia todos os filhos d'lsrael immolarão o seu cordeiro~
guardarão o sangue da victima ; e com elle ungirão as duas um-
hreiras e a verga da po1~ta de cada casa , onde se fizer o banquole.
O Cordeiro será assado inteiro; vós o comereis com pães asmos e lei~
tugas bravas. Agora eis-aqui em que estado deveis est~r par~
o, comer tereis os rins cingidos , os pés calçados , e um bordão
na ~ão ; co~ereis de pé e á pressa, como passageiros; porque é
esta a Pascoa , isto é, a passagem do Senhor. O sangue da victima,
com que se tiverem ungido as portas, será o escudo dos filhos cl'Is-
r~l. Eu verei este sangue , diz o Senhor , e não entrarei armado
com a espada da minha vingança .em as casas que estiverem mar-
cadas com elle. Ainda Deus prohibio, não sem alguma rasão mis..
teriosa , que se não quebrasse osso ao Cordeiro ; porque o Cordeiro
Pascal é a oila va figura do Messias.
O Cordeiro Pascal devia ser immaculado. Nosso .Senhor é o
Cordeiro de Deus, o Cordeiro immaculado, a pureza mesma. Q\Sor-
deiro Pascal devia ser comido em a. mesma casa. Nosso Senhor não
pode $er comido-senão em a mesma casa , a lg reja Catholica. Não
se devia q~ebrar osso ao Cordeiro Pascal. Na cruz , não se que-
brou osso a Nosso Senhor, supposto quebrassem as pernas aos dous
ladrões. O Cordeiro Pascal devia ser comido com pães asmos , ou
sem fermento. Nosso Senhor deve ser comido com a maior pureza
do coração , e sem fermento de peccado. O Cordeiro Pascal devia
ser comido com hervas azedas. Nosso Senhor deve ser comido com
as bervas azedas da mortificação e penitencia. Aquelles que comiam
o Cordeiro· Pascal deviam ter os lombos cingidos , um bordão nas
mãos, e os pés calçados, como passageiros promptos a partir. Aquel-
les que comem a Nosso Senhor devem ter os lombos cingidos, ima-
gem da castidade ; um bordão nas mãos, imagem da força, para re-
sistir ao demonio ; e os pés calçados , como passageiros que já não
tocam na terra , e caminham para -0 Ceo. Foi no momento de dei-
xar o Egypto , e por-se a caminho para a Terra prom ettida , que
os Hebreos comera1n o Cordeiro Pascal~ E' quando estamos. resol-
vidos a deixar o pr.ccado, e caminh_ar _para o Ceo, verdadeira Terra
promellida , que noa é permiUido com.er a Nosso Senhor, O san~
guc do ConJciro Pascal foi derra1uc,ld~ sobre as po rtas das casas ,

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DE PERSEVERANÇA. 133
e todas as casas marcadas com este signal foram respeitadas pelo
Anjo exterminador. O sangue de Nosso Senhor ó derramado em nos-
sas almas, e todas as almas marcadas com este sig.nal divino, quan..
do o tiverem recebido dignamente, serão perdoadas pelo Senhor, quan..
do vier a exterminar os máos.
Esta figura faz-nos conhecer demais que as precedentas. 1. º um
dos mais brilhantes caraoleres do Messias , sua 3llmiravel doçura ;
será como um Cordeiro. 2. º revela-nos que o Messias se unirá aos
homens como a comida se une ao corpo. 3. º que se não salvarãG
senão aquelles que se unirem a este novo Adam, por algum dos
diffcrenles modos porque o exige.

ORAÇXO.
O' meu Deus l que sois todo amor , eu vos dou g_raças . por me
ao
terdes livrado da servidão do peccado, como ·livrasl.es vosso povo
da servidão do Egypto ; eu vos dou graças so~retudo por me ter-
des nutrido com a carne adoravel de vosso Filho, verdadeiro Cor ..·
deiro , do qual o dos Hebreos não era mais que a figura. . Dai-me
todas as disposições de pureza 1 santidade , força, ·e desapêgo do
mundo , que são necessarias para o receber· dignamente. .
Eu protesto amar a Deus· sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus; e; em testemunho de~te amo1·
farei qiianto puder para commungar frequentemente". · · ·

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CATECISMO

XXVlll.ª LIÇÃO.

O MESSIAS PRO:\IETTIDO E FIGURADO.

Partida dos Israelitas. - Columna de nuvem. - Passagem do Mar Ver-


melho. - Manoá ;. nona figura do Messias. - Rochccto d'Orcb. - Viclo·
ria alcaoçada dos Atnalccitas. - Chegada ao pé do Sinai.-·Publicação
da Lei.

Ecs a hora para sempre solemne e memoravel, em que o povo de


Deus vai sahir do seu longo e duro captiveiro. Começando a nar-
ração de sua miraculosa viagem, recordemo-nos de que esta longa
serie de prodígios, que vamos ver operados, entravam nos designios
geraes da Providencia , já para confirmar os Hebreos em sua fé, já
para esclarecer as nações idolatras , mostrando-lhes , por provas de-
cisivas e numerosas , que o Deus d'Israel era o unico Deus verda-
deiro , arbitro supremo ela natureza e dos elementos, bem como dos
reis e das nações.
Em quanto os Egypcios se occupavam em enterrar seus mortos,
deu l\lo1sés aos Hebreos o signal da partida. Em numero de quasi
seiscentos mil homens, sem contar as mulheres e crianças, poem-se
a caminho os descendentes de Jacob e dirigem-se para o Mar Ver-
melho. Desde logo mostrou o Senhor ao seu povo , por um mi-
lagre perenne , a sua protecção. Para lhe dar a conhecer ·o cami..
nho que devia seguir , o tempo de caminhar e de parar, os luga~
res d'acampemento e a demora da parada, formou uma grande co . .
lumna , cuja base correspondia á largura do futuro Tabernaculo , e
o cume elevava-se a grande altura. Durante o llia , linha a cor

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DE PERSEVERANÇA. 13a
d'uma formosa nuvem ; mas de noute parecia de fogo , e alumiava
como o sol. Um Anjo estava encarregado de conduzir a columna,
que protegia e guiava os Hcbreos. Quando era para marchar , le-
vantava-se e collocava-se sobre o pavilhão da tribu que devia par-
tir primeiro. Marchavam. pois em quanto ella se movia, seguindo
exactamente a sua direcção. Qnando deviam parar, parava a co-
lumna , e então descançavam até que o Senhor a fizesse mover de
novo , para advertir. o povo que a seguiss.e. O cimo da columna ,
elevando-se , inclinava-se para o lado do sol , e , estendida como um
grande toldo sobre lodo o povo, protegia-o dos ardores do sol, que,
a não ser isto, seriam insupportaveis nas ardentes areas do deserto.
Depois d'alguns acampamentos, chegaram á beira do l\Iar Ver-
melho. Estavam os Israelitas cercados por todos os lados: .tinham
na frente o mar, nas costas o inimigo ; porque Pharaó , arrependido
de ter deixado sahir os Ilebreos , reunira o seu exercito , e vinha
em seu alcance. Moisés porem, cheio de confiança no Senhor, ani-
mou os Hebreos dizendo-lhes · «Não temais nada , esperai somente
o milagre que o Senhor vai fazer por vossa causa. >> Immediata-
mente mudou de lugar a columna , que ia na frente dos Israelitas ,
e foi collocar-se entre elles e os Egypcios. Esta nuvem estava lu-
minosa do lado dos lsraelilas ; mas do lado dos inimigos, fazia uma
sombra tam escura que os cegava. Neste momento, estendendo Moi-
sés a mão para o mar, dividaram-se as a·guas, e os Israelitas
entraram pelo meio deltas a pé enxuto , tendo as ondas á direita e
esquerda , como se foram altas muralhas. Assim etfeituaram , du-
rante a noute (1), a milagrosa passagem. Aos primeiros raios d'au-
rora , perceberam os Egypcios que lhes escapam a sua preza; pelo
que se arremessaram precipitadamente por aquelle novo caminho .,
que não tinha sido aberto para elles. Alli é que o Senhor os es-
perava. De repente sobrevem no exercito uma confusão horrivel ;
quebram-se os carros , e atropellam-se uns aos outros, e não se ouve
mais que este grito : Fujamos dos Hebreos , o Senhor combate por

(1) A'cerca da passagem do Mar Vermelho, e a jor~ada pelo deserto,


vejam-se as Cartas do sahio Padre Sicard, l\füsiooario ~o Egypto, cm a
Collccção de Cartas edificanlcs.

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136 _ J CATECISMO

ellcs. Mas já era tarde; o Senhor disse a :Moisés: Eslende a mão


sobre o mar, afim que as aguas. se unam , e na sua cerrente abys-
mem os Egypcios com os seus carros e ca vallei ros. Moisés estendeu
a mão, fechou-se outra vez o abysmo, e tudo desappareceu sub.;.
merso Das ondas. Não escapou um só homem , que levasse ao Egy·
pto a nova do terrivel desastre. A' vista deste milagre , Moisés e
todo o povo testemunharam a sua alegria e gratidão rompendo cm
um cantico d'acção de graças. Jamais houve milagre tam averigua ·
do , pois se passou á vista de mais de seiscentas mil testemunhas.-
Depois de 1mssar o l\Iar Vermelho, entraram os Israelitas n>um
· vasto deserto , para chegarem á Terra promellida. Brevemente fal.:.,
taram as pro,·isões , e começou o povo a murmurar contra ~foisés
e Arão. O Santo conductor recorreu a Dens, que lhe ordenou di~
sesse ao povo : Eu prepararei aos filhos d'Israel um alimento descido
do Ceo. O povo sahirá pela manhã : e cada um recolherá exacla-
mente o que lhe for precizo para sustento d'um dia. No sexto dia,
recolherão duas medidas , para poderem santificar o setimo , que é
o dia de sabbado. Moisés, por tanto , annunciou logo ao povo <Y
oraculo de seu -Deus : « A' manhã , lhes disse elle , o· Senhor vos
enviará do Ceo um 3:limento , que d'ora em diante não vos faltará
jamais. Com effeilo , o manná não cessou de cahir regularmente to-
das as manhãs, excepto no dia .do. sabbado, por espaço de quarenla 1

annos, que os Israelitas passaram no deserto.


Ao outro dia pela manhã a promessa do Senhor se eumprio. Vi..
1·am-se todos os arredores do campo cobertos d'um orvalho,. sobre o
qual estavam espalhados grande copia de grãosínhos brancos , tam
unidos uns aos outros, que pareciam um gelado estendido pelo chão.
Nunca se tinha visto cousa similhante. Os Israelitas admirados per-
guntavam uns aos outros , em sua lingua , man-hu , que é· isto "l _..
donde veio o chamar-se-lhe manná. A principio ninguem ousou to-
car.olhe: foram consultar a Moisés. E' este o pão , lhes disse elle , ·
que o :senhor vos promeUeo. Apenas o souberam, mãos á obra;·
cada Israelita fez sua colheita. Alguns quizeram ajuntar para mui-
tos dias i mas o que se-não comeo no primeiro dia corrompeu-se :
quiz Deus desde logo que os homens aprendessem a se não inquietar
senão com o presente , e deixar á Providencia o cuidado do futuro.-

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DE PERSEVERANÇA. t37
Para se alimenlar <lestes grãosinhos reduziam-nos a uma massa branca 1
pizando-os com uma pedra, e depois, cozidos em agua , ficava um -
pão delicioso. Aquellcs que , por sua fé, se tornavam agradaveis a
Deus, achavam de mais, neste alimento, a exquisila propriec.lade de
produzir todos os gostos que desejavam. Cumpria colher o manná
ao ai vorecer , porque se derretia aos raios do sol.
Este é um dos maiores milagres que o Senhor fez por amor d<J.
seu povo ; e , como -ides ver , é ellc uma das mais admiraveis fi.;.
guras ,do :Messias. O manná era um alimento que descia do Ceo.
Nosso Senhor, na Santissima Eucharislia , é o rão vivo, que des-
ceu do Ceo.. O manná cahia todos os dias. A Santa Eucharislia
é o pão do cada dia. O mnnná era só para os Israelitas. A San-
tissima Eucharistia não é senão para os Chrislãos. O . manná não.
se deu aos Israelitas senão depois da passagem do Mar Vermelho. A
Sanlissima Eucharistia não se dá aos Christão~ senão depois do ba-
plismo , figurado . pela passagem do Mar Vermelho. O manná suppre
todos os a1imcntos. A Santissima Eucharistia é o pão .por exccllen-
~ia. pão que supprc todas as necessidades. O manná linha todos os
gostos. A Santissima Eucharistia tem todos os gostos ; fortifica os
fracos, consola os affliclos , illumina o espirito , abraza o coração.
O manná comtudo não evitava a morte. A Santissima Euchari:)lia é
o penhor <la vida eterna~ O manná cahio sempre em quanto o povo
esteve no deserto. A Sanlissima Eucharislia será sempre dada aos
lwmens em quanto estiverem na terra. O manná cessou quando os
Ilcbreos entraram na terra promeltida. A Sanlissima Eucharislia ces-
sará, quando entrarmos no Ceo; isto é, quando virmos sem nuvens
o Deus, que 1·ecebemos sob as cspecies do sacramento.
Esta figura accrescenta ·novos traços ao quadro do Messias : 1. ºem
quanto que o Cordeiro Pascal só se devia comer uma vez por anno,
o manná, figura da Sanlissima Eucharistia, deve comei·-se lodos os
dias : 2. º annuncia-nos que o alimento , que o Salvador dará ás .nos-
sas almas , será um alimento celeste : 3. º que este alimento nos será
dado em quanto peregrinarmos na terra.
Os Israelitas , nutridos d'um pão milagroso , continuaram sua
jornada p~o deserto ; mas, como se esgotassem as provisões d'agua,
o povo , segundo o seu costume , começou outra vez a murmurar.
18 li

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13.8 ºCATECISMO

O Senhor , em sua inexgota vcl bondade, não respondeu a suas quci-·


xas senão por um novo prodígio. Elle disse pois a Moisés : Toma
a vara com que feriste o rio do Egypto ; fer~ o rochedo d'Oreb ,
verás sahir aguas em tam grande abundancia , que lodos os homens
e animaes terão com que apagar a sede. Obedeceu Moisés; ao pri-
meiro golpe da vara milagrosa rebentou do rochN.lo urna veia d'agua
tam abundante e rapida que todo o valle ficou alagado , como se
nelle desaguasse um christallino ribeiro.
Em pouco tempo sobreveio novo perigo. Os Amalecitas ., na-
ção barbara e populosa , vieram acommetlel-os. Em quanto que os
filhos d'Israel combatiam na planicie , subio Moisés á montanha vi-
sinha para orar; e cada vez que erguia os braços ao alto , tinha·
Israel .uma vantagem consideravel ; mas apenas os abaixava , leva-
vam os Amalecitas a melhor. Percebeu-se esta alternativa. Então
Arão , e outro Israelita , que estavam com Moisés, susLentúam-lhe
os braços elevados para o Ceo , até ao por do- sol , e Israel levoLl
a victoria. Notavel exemplo de quanto pode a oração auimada
pela fé.
Depois deste novo prodígio·, continuaram a dirigir-se para a
interior do deserto. Quarenta e seis dias -depois da passagem <lo
l\Iar Vermelho., veio a columna collocar-se ao pé do monte Sinai.~·
De todas as estações do povo Hebraico no deserto, esta seguramente 1

foi a mais celebre, por causa da proclamação da Lei. Eis-aqui com01


isto se passou.
As verdades que Deus tinha ensinado a Adam, e que,. pela tra . .
dicção, tinham passado dos pais aos filhos , começavam a alterar-se;
era para temei· que breve se não varressem da memoria dos homens.
Para consei·val-as e avivar , sobretudo , a grande promessa <lo l\tes~
sias, quiz o Senhor dal-as por escripto. Chamou pais a Moisés ao ·
alto da montanha , e ordenou-lhe dissesse da sua parle aos Israeli-
tas : Tendes visto por que modo vos tirei do Egypto., e como vos'
escolhi para serdes meu povo. Se escutardes a minha voz , e guar-·
dardes a minha allianç.a , estabelecerei entre vós o meu reino : se-
reis a nação santa. Moisés desceu da montanha , e relatou ficl'-
mcntc aos Israelitas o que o Senhor lhe tinha dito. Pediõ-lhes. uma

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DE PERSEVERANÇA. 139
resposta decisiva ; e toda ·a nação respondeu a uma voz unanime:
Faremos tudo o que disse o Senhor.
Vollou Moisés, a levar a resposta ao seu Deus, o qual Jhe disse:
Purifica os teus Hebreos , estejam promplos para o terceiro dia ;
enlão descerei eu diante de todo o povo á montanha do Sinai. Po-
rás uma barreira em torno da montanha ; será prohibido passai-a
sob pena de· morte. Todos estes preparativos eram necessarios para
a solemnidade da publicação da tei, e para dispor os corações a
recebei-a com sentimentos de reJigiosa veneração. Na manhã do ter-
ceiro dia toda a montanha estava em fogo, bramiam os trovões, fu-
zilavam os raios ; uma espessa nuvem a cobria toda ; do seio da
, {jual se ouvia o estrepitoso som d'uma trombela, que ·convocava o
povo. Mas elles, temerosos e cheios de pavor, conservavam-se abri-
gados em suas tendas. Moisés porem os animava ; e obrigando-os
a sahir ,. coordenou-os no espaço que ficava entre o acampamento e
a barreira que circumva1lava a fralda da montanha. Então fez Deus
ouvir a sua voz <lo meio da nuvem inflammada, e publicou os dez
mandamentos da sua Lei , escriptos em duas taboas de pedra. Esta
Lei é o que se chama o Decalogo.
I..ogo que o Senhor acabou de fallar , tornou a ouvir-se o bra-
mir dos trovões e o resoar das trombetas, como tinha sido antes.
A montanha, sempre fumeganle , cobe1·ta de nuvens , e chammejando
rnios , tremeu alé os alicerces. Os Hebreos , cheios d'um inexpri-
mível terror, retiraa.:am-se tremendo, para as suas tendas, e Moi-
sés os seguio. Os anctãos disseram pois a l\Ioisés : Fallai-nos d'a-
qui em diante vós mesmo ; e não nos torne o Senhor a fallar dfre-
cL.amente , aliás não poderemos supportar a vida. Qae é um homem
de carne para escutar a voz do Deus vivo , quando elle falla do
meio das chammas ? l\foisés partio ; e entranhando~se pelas tremen-
das trevas, que cobriam a montanha, representou ao Senhor os
sustos do seu povo. Eu ouvi o seu pedido, respondeu o Senhor;
e não me desaprou\re.
Escolheu Deus este momenlo, para renovar a toda a nação, e da
maneira mais tocante, a grande promessa do :Messias. Voltarás para
o povo , disse elle a .Moisés , e lhe dirás : O Senhor promelle dar-
vos um Prophela da vossa nação, cxlrahido d'ent.rc vossos irmãos,

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HO CATECTSl\IO

similhante a mim, que venho encarregado de vol-o annunciar. Vosso


Deus pora as suas palavras na . sua boca : vós lhe obedecereis com
submissão. Se alguem não quizer ouvir esse Propheta, Deus tirará
.c.lelle tremenda vingança.
Estas pafavras annunciavam o Messias ; S. · Pedro , fallando aos
Judeos, as applica a Nosso Senhor, que elle lhe prégava. Esta pro-
messa dá~nos a conhecer um novo caracter do Redemptor. Ensina-
nos que elle fará um dia, d'uma maneira suave o familiar • o que
acabava de fazer-se no meio d'um apparalo formidavel ; já não será
com terror , mas com doçura e bondade , que elle manifestará aos
homens a vontade de Deus. Ensina-nos alem disso, que elle será
como ~foisés, Legislador, Mediador entre Deus e os homens , Chefe
e Libertador de seu povo, supposto que cl'uma maneira mais exccl-
·lente. Ora , tudo isto se realisou litteralmentc em nosso Senhor ~
Filho de Deus , nascido do sangue dos reis de .T uda, Chefe, Legisla:-
.dor, l\le<liador, e Salvador d'u.m novo povo.

ã:ãlGOGZ

ORA.Çi.O.

O' meu Deus ! que .sois todo amor , eu vos dou graças por
terdes confirmado com tam estrondosos milagres as verdades da mi-
nha fé. Con<luza.-me a vossa luz no caminho da vida, como a co-
lumna conduzia o vosso povo na peregrinação do deserto. Eu vos
·dou graças por me haverdes tantas vezes alimentado com o verda-
. deiro pão descido do Ceo, e dado-me, por Nosso Senhor Jesu-Chrislo,
a Lei ·da graça, tam supe1·ior á lei antiga. Fazei pois que eu
diga,
com majs sinceridade que os Is1·aelitas ~Eu farei tudo o que o Se-
nhor me ordenar. ·
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
eome a mim mesmo por amor de Deus ; e , em ·testemunho deste
_amor , buscare.i oceasiã.Q <l' ensinar os ignorantes.

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DE PERSEVERANç.,\.. l't 1

XXIX. LIÇÃO.
3

O MESSIAS PROMETTIPO E FIGUEADO .


Confirmação da alliançn. - Sangue das \'ictímas derramado sol1re o llº"º·
- Sacrificíos, <lecima figura do Messias. - Idolatria dos Israelita!':.
- O.hezerro d'ouro. - O Senhor desarmado por Moisés. - Descripção
da Arca e do tabernaculo. - Marcha do povo em o dcscrt0-.. - Re-
volta de Calicsbarnc. - A serpente du bronze, uodecima figura do
Alessias.

ALEM das duas taboas de pech'a, nas quaes estava gravado o De-
calogo, deu o Senhor a :Moisés muitas outras leis iufinitamente sa-
bias, e r.elaLivas já ás ceremonias da Religião, já ás acções da vi-
<la. (1) Escreveu-as Moisés, e logo ao outro dia <le manhã mandou
erigir uµi allar ao pé da montanha, que era como o throno de
Deus. Ao redor do a1Lar estavam doze columnas que representa-
.vam as doze tribus d'Israel. Concluída e~ta obra , convocou Moisés
.o povo para a· ceremonia da confirmação da alliança.
Alli se juntaram todos, e estando coordenados em re<lor do al-
tar, immolaram-se as victinias. Mojsés tornou a ler o livro da Lei.
Todo o povo respondeu : Nós faremos t.udo o que o Senhor ordena.
Então Moisés, estando em pé djante do Altar, mandou que lhe trou-

(t) Veja-se, ácerca das leis dos Hebrcos, entre outras obras, a de
M. Frere; o Homem conhecicló pela revelação, e sobre tudo a Critica dos
legislado1·es Pagãos, e defeza da legislação mosaica, por J. Bruna li, prof.
-n9 Seminario de Brescia, em 8.º; Dissertação sobre o Deuteronomio, · Di-
blfa de Vence. t. IV, p. 8 e seguintes.

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1U CATECISMO

xes~em um ramo d'hyssopo e 1ã tinta de escarJate, e lendo mistura-


do agua pura com o sangue das victimas, aspergiu com elle o li-
vro da ·Lei. Depois aspergiu as doze tribus pela ordem que se a-
presentavam uma apos d'outra, dizendo : Este é o sangue da alii ... ·
ança que o Senho1· contractou comvosco. Por esta aspersão , o Se-
nhor, na pessoa de Moisés , ratificou a sua alliança , e se obrigou
a cumpril-a. O povo, tinto do sangue das victimas , confirmava
seus juramentos , ~ sujeitava-se aos castigos das suas transgressões-.
Em virtude deste contracto os filhos d'lsrael tornaram-se desde logo,
por um titulo parlicular, o povo de Deus ; e o mesmo Deus se cle-
elarou especialmente o Deus, Pai, e Rei dos filhos d'lsrael. Jamais
se vira ceremonia tam augusta e magestosa. Todavia não era mais
que a somb..a daquella que, passados quinze seculos , devia confir-
mar a nova alliança do Senhor com todos os homens , quando o
Messias, Filho de Deus, e Deus elle mesmo, a quiz ratificar pela
effusão de seu proprio sangue , e ser ao mesmo tempo a victima e o
Mediador do contracto. Mediador divino, de que Moisés era apc~
nas a fi gora.
· Com effeito, para confirmar a antiga alliança, levanta Moisés um
altar cercado de doze columnas. Nosso Senhor , para confirmar a
nova alliança, exige lambem um altar, cercado de seus doze Apos-
tolos. - As doze columnas representavam todo o povo d'lsrael-. Os
doze Apostolos representam toda a Igreja. - Depois de ter descido
da Montanha , d'onde trouxera aos Israelitas a Lei de Deus , é que
l\loisés offereceu o sacrificio. Depois que desceu do Cco, d'onde nos,
trouxe uma lei divina, é que Nosso Senhor se offereceu em sacri-
ficio. - Moisés immolou victimas , e derramou sangue sobre o po-
vo. Nosso Senhor immolou-se a si mesmo,· e deu seu precioso san-
gue a beber a seus Apostolos. - Moisés, derramando o sangue das
victimas, dizia estas palavras : Este é o sangue da alliança , que o
Senhor contractou comvosco. Nosso Senhor, dando o seu sangue a
seus Apostolos, disse estas mesmas palavras: Este é o sangue · da
nova alliança, que o Senhor faz com os homens. - O Po,ro , linto - .
do sangue das victimas, tornou-se o povo de Deus , que promelleu
de o proteger no deserto e conduzil-o á Terra da promissão. Lava..
~los no sangue de Nosso Senhor , viemos a ser os verdadeiros Fi..

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DE PERSEVERANÇA, U3
lhos de Deus, que prometle p.roteger-nos no deserto da vida e' con-
d nzir-nos ao Ceo, figurado pela Terra da promissão. Depois que a
alliança se confirmou, não houve entre os Hebreos senão duas espe-
cies de sacrificios, sacrificios cruentos e incruentos. (1) Depois que
Nosso Senhor confirmou a sua nova alliança, ha entre os Christãos
o sacrifício cruento do Cal-Vario , e o sacrifício incruento de nossos
altares. - Nos sacrificios cruentos da Lei antiga , a victima era
deslruida. No sacrificio cru~nto da nova Lei, a viclima foi destrui-
t.la. - Nos sacrificios incruentos da lei antiga , não se destruia a
.victima. No sacrificío incruento da nova lei, a victima não é mor-
ta co.mo no Calvario , mas só misticamente immolada , porque Nosso
Senhor, havendo resuscitado, não pode tornar a morrer. - A ma-
teria do sacrificio incru~nto da Lei an"tiga era farinha e vinho. A
materia do sacrificio incruenlo da Lei nova , é o pão e o vinho,
que se convertem no corpo e sangue de Nosso Senhor. -- Todos os
diversos sacrificios da lei antiga eram offerecidos para quatro fins
princi paes : adorar, louvar, pedir , e expiar. O. sacrificio da · no-va
Lei encerra em si todas estas vantagens : é o sacrificio d'adoração,
eucharistico, deprecalorio, e expiatorio. Na Lei antiga, para supprir
a estes sacrificios, immolava-se cada dia, pela manhã e á tarde, um
cord~iro sem macula. Para perpetuar o sacrificio do Calvario, que
suppre a todos os sacrificios anligos, o Cordeiro de Deus é immola-
do cada dia, e a cada hora do dia e da noute, em nossos altares;
porqu~, ha dezoito seculos, em alguma parte do mundo, eslam sem-
pre Padres ao altar, que celebram o Santo Sacrific10 da l\lissa.
D' aqui se vê que · todos os sacrificios da Lei antiga não eram
mais que a figura do Sacrificio de Nosso Senhor, assim como a Lei
antiga não era outra cousa que a figura da Lei nova. Dest'arte conta-
mo~ os sacrificios antigos pela decima figura de Nosso Senhor.
Ditando a lei aos Israelitas , e fazendo alliança com elles , ti-
nha:.Jhes . dado Deus uma grande prova da sua bondade · mas ainda
' .
lhes deu outra maior, perdoando-lhes o incrivel peccado de que se
tornaram culpados mesmo ao pé do Sinai. Depois da confirmação

(1) Não queremos dizer que antes não exisLiram.

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tu qATECISVO
da alliança, tornara Moisés a subir a montanha, envolta sêmpt'e eüt
fumegantes nuvens. Julgou o povo que sua auscncia apenas seiia de
alguns dias, quando muito d'aÍgnmas semanas ; mas, havendo-se pas-
sado um mez, sem terem noticia do que se passava no al Lo , co..
meçaram a murmurar. O Senhor sem duvida nos abandonou,
disseram clles; façamos deuse~, para caminharem adiante de nós, e
nos tirarem do deserto onde estamos mettidos. Quem o poderia crer,
se não soubessemos quanto é inconstante _o coração humano ! Estes
perversos discursos agradaram ás turbas. Fizeram um bezerro d'ou-
ro ; offereceram-lhe abominaveis sacrificios ; e pozeram-se depois a
comer , e a beber, e a dançar em redor do idolo.
A eslc espectaculo disse o Senhor a Moisés: Vai, desce; o
leu povo -, que tiraste da terra do Egypto, peccou contra mim ; fi-
zeram um bezerro d'ouro, que adoram em meu lugar. Deixa~me, a
fim que a minha colcra se inflamme contra este povo, e eu o ex-
termine. 1\foisés conhecia bem o coração de seu Senhor, não desco-
roçoou, nem Jargou a- preza. Càhiu de joelhos e orou nestes termos:
Não, meu Senhor! não ferireis o vosso povo que tirastes da servi-
dão do Egyplo. Quereis que os Egypcios insultem o vosso Santo
Nome, dizendo que maliciosamente o conduzistes a estas solidões ,
para o fazer perecer? Lembrai-vos das promessas que fizestes a
Abraham, a Isaac e a Jacob. Vós jurastes multiplicar seus descen-
dentes como as eslrellas do Ceo , e estabeleccl..os na torra de
Chanaan.
Prodigioso poder da oração ! A' ·voz de l\loisés , ficou o Se-
uhor desarmado; revogou-se o decreto d'exterminio. Sómente os
mais culpados foram punidos como mereciam.
Ordenou depois o Senhor a l\loisés que construisse a Arca da
alliança. Era um cofre destinado a guardar, entre outras cousas,
o livro da Lei, e as duas taboas de pedra, nas qnaes estava grava-
do o Decalogo. Era a Arca feita de pao incorruptível , tendo dous
covados e meio de comprimento , e covado -e meio de largnra
e .altura. Era toda forrada do mais fino ouro por dentro e por
fóra. Uma corôa d'ouro a cingia em volla, e sobre a tampa que a
fechava pousavam dou~ cherubins d'ouro massiço: Era d'alli que o

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DE PEUEVERANÇA. H!j

Senhor queria d ora em diante intimar a sua vontade, e ouvil' a


1

supphcas do seu povo. Eslava collocada em o tabernac·ulo.


Era o labernaculo um pavilhão forrado de preciosos estofos , mati-
zados de ricas bordaduras ; linha trinta covados de comprido e dez
de hlrgo. Esle templo porlalil representava a Igreja miliLante na
terra, em estado de mobilidade, e como de passagem ; assim lam-
bem o templo de Salomão fig_!Irou depois a lg reJa , no seu estado
d'immobilidade e permanencia no Ceo. Levava o tabernaculo a tri-
b'u de Levi, toda consagrada ao Senhor. Arâo, que era desta
tribu, foi escolhido para Summo Pontífice.
Estabeleceu tambem o Senhor tres festas principacs, cm memo-
1'ia das tres maiores graças , que- linha feito ao seu povo. A fcsla
<la Pascoa , em memoria da sahida do Egyplo e passagem do lar
Vcrmelh~ ; a festa de Pentecostes, cm memoria da publicação da lei '
no monte Sinai ; celebrava-se sete se~anas depois da Pascoa; em
fim , a festa dos Tabernaculos·, ou tias Tendas, em memoria da mi-
la O'rosa jornada do deserto ·, durante a qual tinham habitado em
lendas.
Durava esta festa sele · dias como as duas precedcnl<'s. e-
les sele dias habitavam os Israelitas em ban·acas ou debaixo de
caramancheis. .Depois que foram senhores da Lerra promelh-
da, eram todos obrigados a comparecer em Jerusalem nestas ·tres
grandes solemnidades ; lambem se permiUia que · as mulheres alli
fossem.
Assistiam ás orações, e sacrificios, sempre acompanhados de
musica, e segDidos d'innocenles folgares. Da,;a-sc por feliz aquelle
que assistia, assim como se julgava desg1•açado o que não podia
concorrer áquellas solemnidades. Assim fosse o proceder, . e o sen-
lil' dos Christãos naquelles dias augustos em que celebram os bcne-
fic · que receberam do Deus.
E ndo reguladas todas estas cousas , abalou-se a cohuirna de
nuvem, e ausentaram-se da montadha para sempre celebre do Sinai.
is aqui a ordem por que se puzeram em manha . Todo o povo
e fo1·mou .em quatro diYisõcs, compostas cada uma de lrcs tribus ;
no meio clelles ia o Tabernaculo levado pelos LeviLas. E te qua-
tro grandes corpos, bem como as trihus , riue os compunham , não
rn II

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H.6 CATECISMO

deviam jámais confundir-se, quer acampados, quer cm marcha;


por maneira que sempre estivessem em estado de n\sislir e fa-
zer frenle ao inimigo , por qualquer lado que os acommellcssem.
Cada tribu linha seu chefe , -e seu estandarte ; e levava no cen-
tro as mulheres , crianças , velhos , bagagem , e rebanhos. As-
sim caminhavam sem confuzão e na melho1· ordem que podia ima·
ginar-se,
Começaram pois a jornada com esta ordem toda divina , que
produzia o mais grandioso e formi<lavel espectaculo que jámais se
viu. Era .um exercito de mais de seiscentos mil combalentes, sem
contar dous milhões de mulheres , crianças e velhos , que já de si
faziam um grande povo, conduzidos todos pelo Senho-1· seu Deus ,
que se gloriava de marchar na frente d'elles , e conduzil-os , coor-
denados como iam , com seus estandartes e chefes, á conquista .da
Terra promeltida a seus pais, para n'ella <:'slabele~er, sobre~a rnina
dos antigos habitantes, suas familias , Religião e irnperio. Tal era
a empreza ~ cujo bom · exito não pendia mais c1ue da fidelidade
crisrnel.
Quasi dous mezes depois que partiram do Sinai , chegaram os
lsrilelilas á vista ,da terra de Chanaan. Então parou a colmnna no
lugar chamado Cade~barné ; onde queria Deus se pr~parassem e re-
cebessem õs ultimos conselhos para acommelter o inimigo e tomai·
posse d'aqueHa terra , ha tanto tempo promettida. Acamparam, e
Moisés lh~s · fallou assim: Filhos cl'Israel ! A Terra que avistaes é
ac1uella on<le o Senhor hade estabelecer-nos , segundo as promessas -'
que fez a nossos pais. E' tempo d'emprehendermos conquislal-a,
sub a sua prot~ção. Nada temais; o lriumpho será infallivelmentc
nosso ; pois que assim nol-o asseguram os auxilios e as promessas
do Omni polen le.
Antes porem de passar ·a fronteira, resolveram enviar alguns
homens a reconhecei· o Lerreno. Elegeram pois doze deputados,
um por cada tribu, entre os quaes estavam -Caleb e Josué. · Parti-
ram clles, e deram boa conta da sua comm1ssão. Quando voltaram
trouxeram, entre outros fructos; figos e romans. Mas especialmen-
te um cacho d'_uvas lam prodigioso, que se viram obrigados a fcn··
der-lhe o pé , e enfiar-lhe urna comprida vara; e dcsl'ar!e o

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DE PERSEVERANÇA. 147
earregavam <lous homens aos hombros. (t) Durou a excursão qua-
renla dias , no fim dos quaes chegaram os deputados ao cat'npo de
Ca<lesbarne.
Logo que os avistaram, todos se agrupavam ao redor de .Moi-
sés e Arão, a quem os doze viajantes vieram publicamente dar
conta de slia commissão. Primeiramente fizeram fallar por si os_
frnclos que traziam. Julgai, disseram eJles ao povo, por estes mons-
truosos fructos, qual seja a fertilidade da terra que fomos reco-
nhecer ; não vos enganaram em dizer-vos que alli corriam arroios
de leite ·e de mel. Estava Moisés encantado deste primeiro resul-
tado ; mas qual foi seu espanto e afflicção, quando ouviu os depu-
tados continuar nestes termos : l\las este paiz está cheio de grandes
cidades bem muradas ; é habitado por homens de exlraordinarià
força e estatura ; alli vimos até enormes gigantes ; ao pé dos quaes,
nós outros, apenas somos gafanhotos. A mesma terra , apezar de
ser fertil , devora os _seus habitantes; e não nos seria possível habi-
tar nella.
Podeis julgar . das estranhas impressões que uma tal narraç,ão,
atleslada pelo grande numero dos enviados, fez no povo·, já mal
contente e disposto á revolta. Apparec.ia o desalento em todos os_
rostos, e o murmurio começava em todas as fileiras. Todavia, dous
<lcputados fieis, Caleb e Josué, esforçaram-se por desenganar o po-
vo. Iltudem-vos grosseiramente, exclamaram elles, tenhamos sómen-
te a coragem de nos apresentar ;l nossos inimigos , e vêl-os-hemos
desappareccr diante de nós.

(1) A prodigiosa fertilidade, e vigorosa vegetação da Terra promct-


lida são factos taril conhecidos, e univcrsahnente confirmados, ainda pe-
los modernos viajantes, que seria ocioso trazer aqui provas. Vejam-se
as Cat'las d'alguns Judeos etc., pelo Padre Guéné. - Sómente accrcs-
ccntarcmos um caso de que faz menção um sabio e piedoso Arcebispo,
ultimamente Missionario na Syria. " Estando cm Alep, diz clle, trou-
xeram-nos dos arredores um cacho d"uvas tam prodigioso, que cu e os
meus companl.1eiros, ao todo sete pcssoq,s, não só comemos dclle até far-
tar, mas nem pudemos acabai-o todo. Tive a curiosidade de mandar
exprcmcr o que restava, e ainda produziu cinco garrafas de vinho. "

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' CATECISMO

A111·ox1ma' a- e a noute ; o povo entrou· em uas temia ; mas


o tempo <la refle~ão não fez mais que angmentar o mal. Ao oulro
dia de manhã, todo o campo era uma confusão horrivel ; todos ela..
mavam contra Moisés e Arão : Porque não m-0rremos no Egyplo ?
lhes diziam na cara ; p9rque nos não acabam a lodos neste deser-
to? Não, por nenhum modo entraremos nessa terra , para ahi . cr. .
mos immolados por nossos injmígos. Em vão admoestava Moi és 1•
summamente afflicto; em vão gemia e_exhorlava ; ninguem o qne
ria ouvir : a sedição augmeotava cada vez mais.
Era tempo que o Senhor tomasse sobre si a causa de seus mi-
nistros. No Jl).Omenlo ém que se preparavam para os apedrejar, a
columna de nuvem, que repousava sobre o Tabernaculo , lrQcou-se
.em Jemeroso fogo, e deu a entender toda a indignação d'um Dl:\I s
µ-_llraJado , proximo a exlerminar aquclles fu. iosos. O mesmo ~loi-
és, tremen~o por amor delles, correu a pedir miseri cordia. O Se-
llhor respondeu com uma bondade que Moisés quasi não esperava ·
Eu ll)es perdôo como desejais ; não perecerão lodos em µm dia pe..
la p~sl~, como eu tinha determinado; mas eu sou o Deus vivo , e
juro por mim mesmo que a minha gloria não hade soffrer por cau-
sa do perdão que lhes concedo. Eis aqui a sentença que lhes an-
nunciar~is : Sereis tratados como desejastes ; todos vós que, da ida-
de de vinte annos para cima, murmurastes contra mim ; acabareis
no deserto ; abi se corromperão vossos corpos ; por nenhum modo
entrareis na terra que jurei a vossos pais dar a seus ·descendentest
N~o .e!cepluo dest~ senten~a seµ,ãQ a Caleb e Josué; mas ' 'ossos fi-
lhos !}n~arão qua.renta annos pêla solidão ; até que os ca<laveres de
etJS pais estejam consumidos.
Ao mesmo tempo os dez deputados infieis cahiram mortos , feri.,.
dos pela mão de Deus, em presença da multidão. O Senhor foi in-
floxivel, e não tiveram mais remedio senão tomar o caminho do de~
-se1·to, para ver perecer alli um milhão d'homens proscriptos , e exe-
cutar , durante mais de trinta e oito annos, a sentença pronuncia-
da pelo justo juiz , no dia da ~qa indignação, contra Q seu povo
rebelde. .
Passados alguns annos, tornaram a revoltar-se os Israelitas. Pa-
ra os punir por suas continuas murmuraçõ~s, enviou o Senhor con-

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DE PERSEVERANÇA.
Ira elles uma raça de serpentes , cuja mordedura , ardente como
fogo, ·lhes causava a morte. Neste iníminenle perigo , correram á
tenda de Moisés : Peccamos, lhe disseram elles , fallando contra o
Se.nhor, e contra ti ; pedi-lhe que nos livre destas serpentes.
Deus escolheu esle momento para nos dar uma nova figura do
l\lcssias. Moisés orou por elles , e o Senhor Ih~ disse. : Faze uma
serpente de bronze, e levanta-a em lugar alto ; aquelle que olha~
para clla será curado da sua ferida. l\Ioisés obedeceu ; e o veneno
desapparecia logo que os moribundos volviam os olhos para a ser·
pente, que pendia d'um madeiro. Esta é pois a ·undecima figura
do l\fessias. - Os Hebreos são mordidos por serpentes , que lhes
causam a morte. O genero humano, na pessoa d' Adam, foi mordi-
do pela serpente infernal, que lhe deu a morte. - O Senho~ com-
padece-se dos males que as serpentes causam a seu povo. O mes-
mo Senhor se compadece dos males que a serpente infernal faz aos
homens. - Deus man<la fazer uma serpente de bronze, e collocal-a
cm um lugar elevado. Nosso Senhor se faz homem , e por ordem
de seu pai é levantado na cruz. - Todos aquelles que olhavam pa-
ra a serpente de bronze eram curados de suas mordeduras. Todos
aquelles que olham com fé e amor para Nosso Senhor crucificado,
são curados das mordeduras da serpente infernal. - A serpente de
bronze não esteve exposta senão á vista d'um só povo. Nosso Se-
nhor está exposto á ,·isla do mundo inteiro. - A serpente de bron-
ze não esteve longo tempo á vista do povo. Nosso Senhor estará
sempre exposto na cruz, para curai· as mordeduras, que a serpen-
te infernal fizer aos homens , até o fim do mundo. - As mordedu-
ras não podem ser curadas senão pela vista da serpente de, bronze.
As chagas feitas em nossa alma pelo demonio não podem ser cura-
das senão pela fé em nosso Senhor.
Esta figura nos diz demais que a IJrecedente : 1. º que · o l\Ies-
sias curará ·os males da nossa alma; 2.º que para ser . curado será
·preciso olhar pata elle; islo é, amal-o e crer nelle ; 3.º que elle
será o unico medico da humanidade.

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CATECISMO

O' meu Deus I que sois lodo amor , eu vos dou graças por lo-
dos os prodígios que fizesles em favor do vosso· povo ; permilli que
eu seja grato por todos os que vos dignastes fazer em meu favor •
immolando-vos na cruz como um tenro cordeiro. Dai-me a fé e
charidade necessaria para tirar proveito da vossa morlo.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e , em testemunho deslo
·amor, trarei sempre comigo um crucifixo.

xxx.~ LIÇÁO.

O MESSIAS PROMETTTDO E FIGURADO.

Novas murmurações dos Israelitas. ·- Aguas de contradicção. - Morte


d"Arão. - Eleição de Josué. - Despedida de Moisés. - Sua morlc. -
Moisés , dccima segunda figura do Messias.

HAVIA já mais de trinta e nove annos que ós Israelitas divagavam


pelo deserto. Depois de muitas marchas , acampamentos , . e circui-
tos, tornou o Senhor a conduzil-os ás fronteiras da Terra promet-
- tida: aproximava-se o momento d'enlrar nella. Porem como faltasse
a agua ; logo tornaram a começar as murmurações. lleuniram-se cm
tumulto ao redor de Moisés e Arão ; alevantaram-se contra elles;
pediam a morte ; carpiam-se de a não ler achado como tanlos ou-

http://www.obrascatolicas.com ,.,
DE PERSEVERANÇA. 151
tros , que viram morrer no deserto. Cumpre que o digamos, para
vergonha do coração humano , era esta a linguagem familiar d'ls-
rael: a sua maneira ordinal'ia de peuir_uma graça era insultar aquel-
les de quem a deviam obter. Moisés e Arão foram ao Tabemaculo.
Alli se prosternaram com a face em terra : Senhor Deus d'lsrael,
ex-clamaram elles, escutai os gritos do vosso povo -, dai-lhes um ma-
nancial abundanle d'agua viva,' a fim que apaguem a sede.
Commo\T~u-se Dous pelas supplicas de sens servos: Tomarás a
tua vara , disse elle a Moisés ; reunirás o povo ao redor do roche-
do; tu e Leu irmão vos aptoximareis da pedra, não f~r~is mais que
ordenar-lhe em meu nome que produza agua. A ped:a obedecerá;
as aguas correrão , a muHidãiJ terá abundancia para apagar a sede,
·e haverá igualmente para saciar os rebanhos. Fez Moisés o que o
Senhor lhe ordenára. Mandou reunir o povo em redor do rochedo;
mas um ligeiro movimento de duvida passou em seu coração. Não
duvidou que o Senhor podessc; nias sim que quizesse · fazer o mi-
" Jagre. Ai·ão participou das suspeitas de seu irmão; ambos treme-
ram pelo exilo ; e foi neste momento d'anciedade que Moises ferio ·
a pedra. Não obedeceu ella : l\foisés reconneceu a sua culpa ; fe-
rio segunda vez , mas com aquella · viva fé e humilde arrependi-
mento, que oper:'l os prodigios . . A agua correu em tam grande
abundancia , que todo o povo e lodos os animaes beberam sem custo.
Offendeu-se o Senhor da heitação de ~loisés e de seu irmão. Tal
é o nosso Deus , que não pode soffrer desconfiemos · da sua bondade;
mormente se temos recebido delle assignalados favores. Antes deste
funesto acontecimento , Moisés e Arão não tinham sido condemna-
dos a morrer no deserto como os murmuradores. A sua culpa, supposto
pcrdoavel em homens menos dislinctos, os fez comprehender na sen-
tença da proscripção geral ; e o Senhor seu Deus não quiz que o
ignorassem. Pois crue duvidastes de mim , lhes 'lisse elle, e me
não honrastes em presença dos filhos d'Israel , não introduzireis o
meu povo na terra que lhe destin.ei.
Esta exclusão tam admiravel contem em si um mislerio. EIJa ~
nos mostra que não é Moisés nem a sua Lei que ha-de conduzir-nos
á perfeição ; ftue , não podendo dar:.nos o cumprimento <!_as pro·

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1H CATECISMO

messas , somente nol-as mostra de longe , ou quando muílo apenas


nos -conduz á porta da nossa herança.
Breve sahfram deste funesto sitio , ao qual se deu o nome de
manancial de contradicção , e foram acampar-se ao pé da monta...
nha d'Hor. Foi neste acampamento que o Senhor chamou a Moi-
sés para lhe intimar a mais dolorosa ordem que jamais executou ,
desde que estava á lesta cio seu pov()... Disponha-se teu irmão Arão
para morrer, lhe disse o Senhor ; es tu quem lhe advertirás que é
hoje o seu .ultimo dia. Não entrará na terra onde vou conduzir os
filhos d'Israel. Eis como isto se ha-de executar : Levarás a teu ir-
mão Arão, e Eleazar seu filho mais velho , tu os acompanharás ao
cimo da montanha d'.flor ; despirás o pai das suas vestes de Pon-
tifice , e de todas as insígnias da sua dignidade; revistirás com ellas
a seu filho , para o iniciar no soberano sacerdocio ; depois desta
ccremonia , Arão passará em teus. braços e irá reunir-se a seus pais.
Similhante commissão devera de ser bem dura para um irmão.
Não se sabe em que termos a cumpriu ; mas sabe-se com que co-
ragem estes dous grandes homens , tam eslreilamenle unidos, e lam
aceitos a seu Deus , seguros de se reunir no seio d' Abraham , an-
tes do fim d'um anno , se submetteram ás ordens de seu soberano
Senhor. -
Aéompanhados d'Eleazar, subiram ao alto da montanha, á vista
da multidão dos filhos d'lsrael. Moisés tirou a seu irmão, com suas
proprias mãos , as vestes pontificaes, e com ellas revestio a Eleaza1-.
Durante este tempo , Arão , sem fraqueza nem doença , nem mais
ameaças da morte que a palavra de seu Deus , espera em . paz seu
ultimo momento; e apenas termina a triste ceremonia, expira sem
violencia , nem dor, nos braços de seu irmão e de seu filho.
·Assim morreu 1 em punição d'um peccado d'alguns momentos ,
e para instrucQão de todos os ponlifices seus successo1·es , o pri-
meiro ·Summo Pontifico <la nação santa, depois de trinta e tres an-
nos d'um glorioso mas arcluo sacerdocio. Tinha elle cento e vinte
e tres ·annos. O povo o chorou sinceramente e o lucto' durou irinLa
dias.
Es'1a morte foi o preludio d'outra ainda· mais dolorosa. :Moisés
devia brevemente seguir a seu irmão. O Santo homem não o igno-

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DE PERSEVERANÇA.
rava , submisso , e humilde .á vontade do seu Deus , sempre cheio
da mesma ternura para com o povo que lhe fôra confiado , ende.;
reçou-se ao Senhor , e lhe disse : Senhor Deus, que conheceis o co-
ração de todos os homens, dignai-Yos dar um chefe aos filhos d ' fs~
rael , -para que não sejam · como um rebanho sem pastor; mas te-
nham um guia , que os conduza por terras inimigas, e os comman-
tle nos combates , que hão de combater. Tomarás lhe disse o Se-
nhor, a Josué , filho de Nun ; é ·a eile que tenho communicado t
como a ti, a plenitude do .meu espiriio; tu o apresentarás ao sum...
mo pontifice Eleazar , em presença da . mullidão ; e impo1·ás sobre
elle as mãos em ~ignal da escolha que lenho feita.
Nenhuma eleição podia ser mais conforme ás inclinações de ·
~loisés ; nenhum chefe mais conveniente á nação santa, _que o bravo
Josué. Depois de quarenta annos era cite o discípulo e amigo do ·
santo legislador. Elle mesmo tinha já no-venta e tres annos d'idade,
sutf1Ciente espaço para estudar na eschola d'aquelle grande homem.
Sua idade, probidade, bravura, ludo o r~commendava aos filhos
d'Israel. Cumpriu Moisés as ordens do Senhor, impoz as mãos a
Josué , e o associou ao governo do povo, que breve lhe devia con..
fiar inteiramente.
Similhante ao pai moribundo , terrto amante d'uma familia que-
t·ida , a quem está proximo a deixar , quiz :Moisés , por derradeira
consolação ,· assegurar aos filhos d'lsrael um longo porvir de pros:.
peridades. Para isto , féz .que o povo renovasse a promessa , tan-
tas vezes reiterada , de serem fieis ao Senhor: Convocou pois a to-
do o povo, e lhe fallou nestes termos: Excutai-me, filhos d'lsrael, ·.
escolhei entre estes dous partidos _que o Senhor me ordena que vos
proponha. Se guardardes a Lei de vosso -Deus , sereis o maior , o
mais glorioso e feliz <le todos os povos da terra ; ver-vos-heis cheios
de todas as bençãos ; todas as nações tremerão diante. de vós ; os
!besouros du . Ceo vos serão abertos; os orvalhos .e chuvas cahirão
a , seu tempo para-fortilisar vossos campos; vossas prosperidades an ..
nuncial'ão a todos os povos .que sois os mimosos do Todo P.odernso.
Se ao contrario) não fordes fieis ás vossas promessas, sereis o opp_ro-
, ·brio e maldição do universo; o Ceo que volve sobre _vossas_. ~abeças
se vos tornará de bronze ; ·a terra onde tendes os :·pós se .Yos _fará
20 Il

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~------~--
CATECISMO
ele ferro ; em vez d'orvalho e chuva , não ·cahirá em vossos campos
senão esteril e ardente poeira ; sereis expatriados , e andareis bani-
dos por todos os reinos do mundo. Se não quizerdes servir o Deus
de vossos pais no seio da prosperidade e da paz, servireis aos seus
e vossos inimigos; mas vós os servireis ..com fome, sede e nudez.
Se sacudirdes o jugo suave , que vos honra e felicita , curvareis a
cerviz a um jugo de ferro, que vos avilte e esmague. Eu lomo agora
por testemunha o Ceo e a terra : nada vos dissimulo ; offereço-vos
a vida , ou a morte ; não hesiteis na escolha , ó Israelitas ! escolhei
as bençãos e a vida para vós, para vossos filhos, e para os filhos de
vossos filhos. - Tal foi a despedida que Moisés deu a seu povo.
Em quanto que os Israelitas ficaram em silencio e consterna-
ção , separou-se delles o santo homem , acompanhado somente d'Elea-
zar e Josué, para serem testemunhas da sua morte , como elle. mes-
mo o havia sido da de seu il'mão , e subio- ao alto da montanha
de Nebo. Alli , no mais elevado pincaro , chamado Phasga , man-
dou-lhe o Senhor que percorresse com os olhos a terra de Chanaan.
Considerou-a elle toda, áquem e alem do Jordão , e então o Se-
nhor lhe disse : Eis ahi a terra que jurei a Abraham , a Isaac e a
Jacob , de dar á sua posteridade : vou cumprir as minhas promes-
sas. Tu viste esta terra com teus olhos , mas não entrarás nella.
Quando o Senhor acabou estas palavras, Moisés , na ida.de de
cento e vinte annos, mas tam vigoroso ainda que n.ão sentia en-
fermidades , nem sua vista ·enfraquecida , nem abalado nenhum d~
seus dentes , entregou a Deu~ o espirilo , e deixou seu corpo n;is
mãos de seus dous fieis amigos Eleazar e Josué. Este grande ho...
mem é uma das mais perfeitas figuras do Messias.
Com effeito , quando Moisés nasceu , um rei cruel mandava ma...
tar tQdos os filhos dos Hebreos. Quando Nosso Senhor nasceu , He-
rodes mandou matar todos os meninos em Bethleem e seus arredores .
Moisés escapa á furia de Pharaó. Nosso Senhor .escapa á furia d'He-
rodes. l\loisés é criado fora de sua familia, na corte do Rei do Egy-
pto, em terra estranha. Nosso Senhor é 'criado por aJgum tempo no
·Egypto, em terra estranha~ ~Ioi.sés, chegando a maior idade tornou para
o Egypto , juntar-se aos Israelita~ seus irmãos. Nosso Senhor tornou .
para a Palestina, juntar-se aos Judeos seus irmãos. Moisés é esco-

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DE PERSEVEl\ANÇA. tã5
lhido por Deus para livrar os Israelitas da servidão de Pharaó. Nosso
Senhor é escolhido por Deus seu Pai para livrar todos os homens
da servidão do demonio. Antes tle se dar a conhecer aos Hebreos,
passa Moisés quarenta annos no deserto. Antes de se manifestar
ao mundo , passou Nosso Senhor trinta annos em vida obscura , e
quarenta dias no d:eserto. Moisés faz grandes milagres para provar
que é enviado de Deus. Nosso Senbor faz grandes milagres para pro~
var que é enviado e Filho de Deus. Moisés manda immolar o Cor-
deiro Pascal. Nosso Senhor , verdadeiro Cordeiro Pascal , a si mes ...
mo se immola , e manda a seus Apostolos e successores que conti-
nuem o seu sacrifiéio. Moisés faz passar o l\Iar Vermelho aos He-
breos , e assim os separa dos Egypcios. Nosso Senhor faz passar o
seu povo pelas aguas salutares do Baptismo, que separam os Chris-
tãos dos infieis. Moisés conduz os Ilebreos a travez d'um grande de-
serto , para um paiz onde correm arrois de leite e de mel. Nosso
Senhor conduz os Christãos pelo deserto da vida para o Ceo, que
é a verdadeira Terra de promissão. :Moisés nutre o seu povo com
um .alimento descido do Ceo. Nosso Senhor nutre os Christãos com
um pão vjvo descido do Ceo. Moisés dá uma lei a seu povo. Nosso
Senhor dá aos Christãos uma lei mais perfeita. Tremendos prodi-
gios acompanham a promulgação da Lei de Moisés. Prodigios de
bondade e charidade acompanham a publicação da Lei christã .. Moi-
sés tlesarma muitas vezes a justiça de Deus , irritado contra sett
povo. Nosso Senhor desarma incessantemente a justiça de Deus ,
1rritadô contra os peccados dos homens. l\Ioisés offerece o sangue
das victimas para confirmar a antiga alliança. Nosso Senhor offe-
rece seu proprio sangue , para confirmar a nova alliança. A Lei de
Moisés era só temporaria. A Lei de Nosso Senhor é perpetua. Moi-
sés não teve a consolação d'introduzir os Hebreos na Terra pro-
mettida. Maio1; que Moisés, Nosso Senhor abrio o Ceo aos homens,
conduzindo comsigo todos os justos da Lei antiga , e preparando o
luga1· a todos os que h"ão ·de vir até o fim dos tempos.
Esta decima segunda figura do Messias não deixa nada a de·
sejar : é inteira e completamente a imagem de Nosso Senhor Jesu·
Christo.

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186 1
CATECIS1'f0

O' meu Deus! que sois todo amor , eu vos dou graças por me
terdes pei~oado tantas vezes as minhas desobediencias , com muit&
maior misericordia do que usastes com os Israelitas. Dai-me d'orá~ .
vante maior fidefülade na guarda de vossos santos Mandamentos.
En pro lesto amar a Deus sobre todas as cousas .e ao proxim(}
como a mim mesmo por amor de Deus ; e , em testemunho desle
amor ~ .fámaJs commetterei peccado venial com deliberado proposito ..

. .
Noção da Terra promeLtida. - omes qoe tem tido. - Passagem do Jordão'.
Tomada de Jericó - Punição d'Achan - Renovação da alHança. - As-
tucia dos Gabaonitas. - Victoria de Josué. -Sua .morte. - Josué, deci-
ma lerceira figura do Messias.

Mon~o Moisés ' chorou o pºovo por elle trinta dias. No fim àesto
tempo, Josué, successor de Moisés, emprehendeu, por ordem de Deus,
a admiravel revolução, que_ fez mudar de senhores a Terra p]'(}mettida
a Abraham e á sua posteridade , quinhentos annos antes. Eara en·
trarmos na historia deste grande successo , convem que primeiro
tenhamos algumas noções deste ]laiz Jlara sempre celebre que lhe
scrvio de theutro.

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DE PERSEVERANÇA. tp7
·A terra aonde lnam entrar os Israelitas está ~jtua<la na Asia e
tem tido varios nomes. Chamaram-lhe 1.º Terra de Clwnaan, por-
que foi occupada pelos descendentes de Chanaan , neto de Noé. Nella
habitavam sete differentes povos , quando a conquislat·am os Judeos
couduzidos por Josué; 2.º Terra 71romettida, porque Deus tinha pro-
meltido a Abraham , Isaac e Jacob, que a daria á sua posteridade."
3.º Teve o nome de Judea, depois do Captiveiro de Babylonia; por-
que a maior .parte dos que voltaram e a habitaram de novo , eram da
tribu de Juda. 4. ºChamaram-lhe Palestina dos Palestinos ou Pbilisteus,
que os·Gregos e Romanos conheceram antes <los Israelitas por trato de
commercio. ã.º Os Christãos em fim chamaram-lhe Terra Santa,
nome que ainda hoje tem , em rasão dos misterios que alli operou
Nosso Senhor, para Redempção do genero humano. Tem este paiz
perto de sessenta legoas de Norte a Sul, e oitenta do Oriente ao
Occidente. O unico rio que o banha é o Jordão.
Os Israelitas , em- numero de perto de s~iscentos mil combaten-
tes , estavam acampados nas margens deste rio. D'alli ·avistavam as
muralhas da primeira cidade inimiga , chamada Jericó; Josué esco-
Jheu entre os seus bravos dous homens d'intelligencia e coragem ,
a quem -Ordenou que passassem occullamente o Jordão , e fossem a
Jericó , examinar com diligencia o terreno e a cidade-, e tornassem
o mais breve possivel a informal-o da situação dos lugares e disposi-
ção dos animos.. Acharam · os enviados um váo por onde atravessaram,
e pela tarde estavam á porta da cidade. Entraram; e a difficuldade foi
achar onde pousar aquella noute. Dirigiram-se porem a casa de certa
mulher, chamada Rahab, a qual os recebeu. · Por importante que fosse
o seu segredo , julgaram ·poder-lh'o confiar ; e confiaram-se bem ;
porque Rahab satisfez ás suas perguntas , e deo-lhes todas as infor-
mações que desejavam. l\Ias em quanto conversavam, eis que se
feébam as portas da cidade. Não tarda que se ouça um grande al-
voroto de gente , que se aproxima da casa de Rahab. Eram homens
enviados pelo rei , para prender os dous Israelitas, que não pode-
l'am entrar na cidade tam occultamente, nem hospedar-se com tanta
precauç.ão, que não constasse ao principe o que se passava. Apres-
iOU-se Rahab a os fazer subir ao telhado da casa. aonde os cobrio ·
com arestas. Depois, faltando ·aos Commissarios do ·rei, disse-lhes, ._que

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138 CATECISMO
era verdade terem estado dous estrangeiros em sua casa , mas que
fora só 9e passagem. (1) Creram no que dizia. Ao outro dia lle
manhã foi Rahab ter com êlles , e pedio-lhes, em premio do serviço
que lhes .tinha prestado, ~ que lhe salvassem a vida, e á sua fanii...
lia, quando os Israelitas tomassem Jericó. Assim lh'o promelteram ..
Então prendeu ella umas cordas a uma janella de sua casa , que
dava para o campo , e os dous Israelitas desceram · sem custo até
abas.e e.lo muro. ·Dous dias depois estavam de volta no campo, onde
deram conta a Josué de tudo o que passaram , e o povo recebeu
ordem para se abalar de madrugada. Santificai-vos, clisse Josué, por
que ámanhã fará o Senhor por vós grandes cousas.
De madrugada abalou-se o povo. Os sacerdotes, levando a
arca da alliança t marchavam na frente. O exercito, formado em
duas columnas , seguia em boa ordem. Chegando ás margens do J or...
dão , os sacerdotes assustados da fundura do abysmo, avançaram e
poseram pé nas aguas. Deus tinha fallado, o rio obedeceu. Em
um instante vio-se retrocedei· a corrente, e formar alli como uma
alta montanha-, em quanto as aguas inferiores se escuaram. Ficou ,
secco um grande espaço. A arca parou no meio do rio e todo o
exercito passou á margem opposta. Então o Senh()r disse a Josué:
1\fanda doze homens escolhidos das doze tribus d'Israel, e-dize-lhes : Ide
tomar debàixo dos pés dos sacerdotes , ao meio do leito do rio, doze
grandes pedras ; as quaes leyareis ao primeiro acampamento do Exer·
cito. Alli as disporeis em um altar; e quando vossos filhos vos p·er...
gtmtarem um dia o que significa este monumento no meio de vossos
campos, i·esponder-lhes-heis : Quando passavamos o Jordão para tomar
posse da terra que habitamos , a Arca do Senhor , levada pelos sa..
cerdotos , parou no meio do rio ; e as aguas , suspensas por sua
:virtude, nos deixaram o caminho livre.
Executou-se a ordem do Senhor, a Arca sahio do rio, que vol~
veu á sua corrente ordinaria. Breve chegaram á vista de Jericó.

(1) Note-se que a Escriptura faz menção da mentira de Rabab sem


approval-a. Se esta mulher e sua familia foram isentos do saque de Je..:.
ricó, -foi em recompensa da generosa hospitalidade que deu aos enviadoi -
do general Israelita.

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DE PERSEVERANÇA. 139
Era uma das maiores e mais fortes cidades de· Chanaan. O Senhor
disse a Josué : Eu te entreguei Jericó e o seu rei , e todos os seus
habitantes. Para os vencer bastar-vos-ha obedecer-me ; e eis-aqui o
qur. fareis : poreis vossos soldados em som de guerra ; mandal-os-heis
marchar diante da A1·ca da minha alliança , tfUe será levada por
quatro sacerdotes da tribu de Levi ; outros sete sacerdotes, tendo
cada um uma trombeta , precederão· _a Arca , que será seguida -
pela multidão do povo. Com esla ordem , por sete dias succes-
-sivos ; dareis uma volta em redor das muralhas de Jericó : toda a
genle guardará silencio durante a marcha ; nem se ha-de ouvir ou-
tro ruido senão o soar das trombetas.- Na selima e ultima vez ,
que derdes vt>Ha ao redor da cidade , .no momento em que as trom-
betas soarão com um tom mais demorado e agudo , toda a multidão
dos filhos d'Israel dará grandes vozes; e no mesmo instante , os
muros da cidade cahirão até os fundamentos , e cada um entrará
pelo lado diante do qual estiver collocado. Josué eommunicou ao exer-
cito as ordens do Omnipotente. Lembrai-vos, aecrescentou elle, que
esta ·cidade está votada ao anathema : ninguem dele reservar para
si cousa nenhuma della : a menor prevaricação . neste ponto nos tor-
naria a todos desgraçados. Tomadas estas precauções , começa-
ram a obra , e no/ se.timo dia, como o Senhor tinha predito , as
muralhas de Jericó desabaram em terra; a cidade foi tomada, sa-
queada .e destruida até os fundamentos ; ninguem escapou senão a
charidosa Rahab e sua familia.
,Passados alguns dias em descanso, resolveo Josué marchar a
uma nova conquista. Enviou tres mil homens para pôr cerco á pe-
quena cidade chamada Hai. Os Israelitas foram derrotados. O santo
general entendeu por isto que o Senhor estava irritado ; foi logo pros-
trar-se diante da Arca da alliança e alli ficou o dia inteiro;• Em
fim o Senhor ouvio a sua oração e disse-lhe : Israel peccou ; violou
as condições da minha alliança. Conservou parte dos despojos de
Jericó, e os tem escondidos em sua bagagem. Reune o povo : a sorte
te fará conhecer o culpado ; tu o condemnatas a ser queimado , e
tudo que lhe pertence será consumido com elle no fogo. Fez Josué
como o Senhor lhe ordenara, e a sorte cahio em um homem da
tribu de Juda, chamado Achan. Meu filho , lhe disse Josué com

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1GO CATECISMO

muiia brandura , que fizeste tu '? Pequei lhe respohdeu Achan ; p '
gue ten lo visto entre os de pojos um manto de purpura, que me
pareceu magoifico, e .duzentos siclos de prata , e uma barra d'out·o
de pe o de cincoenla siclos : eslas riquezas tentaram a minha ,cu ..
biça ; Jcvei-as occuUamenle , e as enterrei n'uma cova que· fiz no
chão díl minba tenda.
Josué intimou-lhe a· sentenç.a que o Senhor -tinha pronunciado
contra elle, e logo foi executada. Eis um exemplo que nos mostra
orno somos todos solidarios uns dos outros ; se as boas obras dos
J.ust,os são omnipotentes para chamar as bençãos do Ceo e fazel-as
participar a lodos , os crimes dos máos não o são menos para pi;o. .
..vocar os castigos , e fazel-os cair em todos. Satisfeita a gloria do
Senhol', Josué não receiou mais dos inimigos. A pequena ci lade
.d'IIai foi tomada e trnlada como Jericó. Então o Santo General fez
renovar a alliança de seu povo com Deus. Esta renovação fez-se
com ceremonias proprias para impressionar . toda a multidão, e tor-
nal-a para sempre fiel.
Dividiram o povo em duas partes iguaes ; uma ficou poslada
na montanha de Garizim, a outra na montanha de Ilebal. Na pla-
nici~ que _ as separava estavam os sacer<lotes com a arca da alliança.
As tribus collocadas nas duas montanhas pronunciaram em. alta voz
~.loze formulas de benção em favor dos fieis observadores <la Lei , e
outras tantas formulas de maldição contra os infractores. As tribus
collocadas na montanha opposta respondiam: Amen : isto é, assim
sejam recompensados os observadores da Lei; assim punidos o.s re-
b.eldes ao Senhor. As primeiras tribus, levantan<lo a voz, pro-:- -
nunciaram esta. -imprecação. l\laldito seja aquelle que fizer idolo.s e os
adorai· em sua tenda. E as outras seis tribus , respondendo , dis-
seram: Amen, assim seja. Continuaram deste modo até o fim das
doze formulas de benção e maldição. O Senhor, representado pela
Arca, collocada no meio dos dous campos , estava alli p~ra ouvir
~ ~.ontirmar estes· tremendos juramenlos.
. :Entre tanto os r.ei e o povo · de Chanaan assustados do pro-
gress.o dQs Jsra~lilas, ligaram-se para os combater çom forças jun~
\a . Os habitantes da cidade de Gabaon foram os unicos que
tQ1;wram o.utr.a rcsoluç.ão. Como e não "ulgas em .eguros p.ela

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DE PlRSEVERANÇA. 161
·força , usaram de mànha. Enviaram embaixadores à Josué ; mas
eom uma equipagem que desse a entender que vinham de muit<J
longe. Levavam jumenlos carregados de provisões, metteram pães duros
e esmigalhados em saccos velhos , e os odres do vinho eram rotos e
recozidos; os mesmos çapatos que calçavam estavam remendados e
cheios de tombas. Neste estado se pozeram a caminho os embai-
xadores • que em poucas horas chegaram ao campo d'lsrael ·, e fo...
ram admitlidos á audiencia do General. ·Nós ' ri mos, disseram ellcs,
eom ar de muita simplicidade, d'uma terra muito remota, para fa-
zermos alliança comvosco. Aqui ·viemos buscar-vos em nome do
vosso Deus, pois que a fama das maravilhas de sua Omnipotencia
e das grandes cousas que por vós obrou no Egypto , tem ~hegado
alé nós. Po1· isso, os anciãos que nos govemam nos · enviaram a
buscar-vos. Tomai viveres e provisões , nos disseram elles , porque
a jornada é longa. Julgai. do caminho que temos andado pela · equi-
pagem que trazemos. Quando sahimos de nossas casas lomainos · pães
frescos e ainda quentes do forno , vêcle como estam esmigalhados ·e
duros como .pedras. Estes odres do vinho eram novos, e agora es-
tam acabados; nossos vestidos e oapatos fazem-nos vergonha diante
tio vós , por ~afados que estam do caminhe.
Pareciam tam fogcnuos e sinceros estes discu·rsos dos ·Gabaoni-
tas que se teria escrupulo de suspéitar deJles: · Por -isso não ·con-
sultaram o Senhor : nem mesmo creram que nisto bou·vesse mat~
ria . de deliberação. O general lhes concedeu a paz. Estipulou-se
expressamente no tratarlo que lhes não dariam ·a morte. Os Gaba-
. enitas não quizeram mais ; tornaram-se muito contentes , a partiéi-
par aos seus aquella feliz ·negociação; ·
O pedido dos habitantes de Gabaon irritou os ·reis de Cha-
naan ,· que resolveram fazei-os arrepender-se deste procedimento. Po ...
zeram ·cerco á cidade; e Josué, supposto descubriase o engano ; cor-
reu em soccorro dos seus ·amados· e ganhou uma grande victor1a
dos cinco reis que faziam o cerco : · o Senhor combatia por elle , e
fez cahir sobrn os inimigos uma chuva de peckas que inató'u grande
quantidade delles: Todavia ·-aproximava-se a noute; e muito pezava à
Iosné por ver quo tantos inimigos lhe escapavam. Por uma repen-·
1lna inspiração , orou ao Senhor em presénça de seus soldados;

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162 CATECISMO

e depois le antando os olhos_para o Ceo : O' sol , exclamou elle, pára


ahi diante de Gabaon. O' sol , ou antes o mesmo Deus, quiz obede-
cer á voz d'um homem , a quem tinha revestido do seu poder. Por
admiravel que pareça este milagre , nada tem que possa abalar
a nossa fé. Nada é difficil ao Todo -Poderoso. Não custa mais lançar
o sol ao meio do espaço, do que fazei-o parar ou movei·-se. To-
das as crealuras são para Deus c.omo brincos nas mãos d'um me-
nino. O sol parou , pois, por tempo de doze horas. Aproveitou-se
Josué destes preciosos momentos, e os inimigos foram completamente
desfeitos.
Depois de seis annos de combates, assenhoreou-se o illuslre ge..
neral ~o paiz de Chanaan e o dividio entre as doze tribus d'lsrael :
tinha o santo velho cumprido a sua missão. Sentindo aproximar-se a
morte fez renovar a allia.nça com o Senhor; deu a seu povo os mais
salutares conselhos, e adormeceu em paz na idade de cento e dez
annos. Este grande homem, digno successor de" Moisés, mereceu
os elogios do Senhor ; mas o seu mais bello pergaminho é o ter
sido, como o seu mesmo nome o indica, a figura d'aquelle que de-
via ser um dia o Salvador de todos os poYos.
Com effeito, Josué é a decima terceira figura do Messias. Josué
quer dizer Salvador. Jesus quer dizer Salvador. Josué succede a
?.foisés , que não pôde introduzir os Hebreos na Terra promettida.
Nosso Senhor succede lambem a Moisés; á lei do Sinai substituc· a
lei da g1·aça ; .elle só introduz aos homens no Ceo. Josué triumpba
milagrnsamente dos inimigos do seu povo. Nosso Senhor , por seus
milagres , triumpha do mundo , que -se oppunha ao estabelecimento
do Christianismo. Josué faz parar o sol proximo ao seu occaso. Nosso
Senhor sustenta o facho da verdade , proximo a extinguir-se, e faz
brilhar sobre o mundo a rutillante luz do Evangelho. Josué é obri..
gado a- combater -durante seis annos contra os idolatras,- inimigos de
seu povo. Nosso Senhor cambate durante trezentos annos o ·paganismo,
inimigo de soa doutrina. Depois de seis annos de combates e vi-
ctorias , Josué estabelece o seu· povo ·na Terra promettida. Depois
de tres seculos estabelece Nosso Senhor a sua Igreja , que reina so..
bre o mundo. Josué morre depois de ter dado os mais sabios con..
selhos aos Hebreos. Nosso Senhor sobe ao Ceo, depois ele ter dado

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DE PERSEVERANÇA. 163
ao mundo, e a seus discipulos as mais admiraveis lições. Em· quanto
os filhos d' Israel são fieis. aos conselhos de Josué, vivem feJizes.
Em quanto os Christãos são fieis ás lições de Nosso Senhor , são
tambem felizes. Logo que os IsraeJitas desprezam os conselhos de
Josué, tornam-se escravos de seus inimigos. l.ogo que somos in-
fleis aos preceitos de Nosso Senhor , tornamo-nos escravos do demo-
nio e de nossas paixões. Esta figura descobre-nos um novo cara-
cter do Messias ; pois nos ensina que elle inlroduzlfá o genero hu-
mano no Ceo , representado pela Terra promellida.

O' meu Deus 1 que sois todo amor, eu vos dou graças por ha~
verdes estabelecido o vosso povo na terra de Chanaan , e me terdes
feito nascer no- gremio da Igreja Catholica. Conduzi-me ao Ceo ,
verdadeira Terra promettida , onde vos louvarei e amarei sem re-
ceio de vos perder por toda a eternidade.
. Eu · protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e , em testemunho deste
amor , nada jamais farei por um motii•o purametlte humano.

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CATECfSMO

XXXII.ª LIÇÃO.

O :MESSIAS PROMETTIDO E FIGURADO.

Parlilha da Terra promellida. - Governo dos Juizes. Israel cabe na


idolatria. - E' punido. - Gedeão suscitado por Deus para os livrar
dos l\Iadianitas. - Duplice milagre do Vcllo. - Victoria de Gedeão.
Gedeão, decima quarta figura do Messias.

DErors d'uma . guerra de seis annos . quasi toda a Terra prometlida


foi tomada a seus antigos habitantes. Os Israelitas , soberanos se-
nhores della, dividiram-na em doze peq1iena provincias, que fica-
ram sendo d'abi ept diante o palrimonio do povo de Deus. Cada
lribu teve a sua provin ia,exc pto a tribu de Levi.Consagrados ao mini te-
r10 ecclesiastico, não quiz Deus que os Levitas tivessem um patri-
monio á parte; mas que andassem espalhados pelas outras tribus,
a fim de que, por seu exemplos e discursos, edifica sem eus irmãos
no serviço do Altissimo , e conservassem entre elles , com a memo~
ria de seus beneficios , a Religião verdadeira. Caleb e ·os Anciãos
governaram depois de Josué; ·mas nem a sabedoria da sua adminis-
tração , nem .os exemplos que davam de si mesmos, podcram evitar
as desordens em que então se precipitaram os ingratos Israelitas.
Esquecidos dos beneficios do Senhor , contrahiram allianças com os
povos visinhos, e participaram da sua idolatria. Não lardou porem
a vingança do Senhor, a retribuição que mereciam os violadores
daquella sua alliauça, que tantas vezes juraram.
Em verdade , quando refleclimos nos maravilho nos prodigios de
que os Israelitas foram testemunhas; quando nos recordamos do3 ex-
.traordinarios beneficios que receberam , das mil promessas que fi-
zeram de fidelidade , nã-0 se podem crer -as infindas re·rnltas deste
povo ingrate. Mas que dizemos~ - não se i1odem crêr~L. Repa·

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DE PERSEVERANÇA. 165
:l'enlos em as nossas proprias resistencias contra as luzes da fé e as
mais fortes impressões da graça ; consideremos as scenas já extra-
vagantes, já ridiculas, já escandalosas, que a contumacia ou a fra_.
queza nos mostram ainda hoje; e não teremos que admirar-nos se-
não da profunda ingratidão e depravada indocilidade do coração
humano.
Não tinha Josué destruido todos os Chananeos , antes .poupou a
grande numero delles, que ainda habitaram por muito _tempo em.
differentes partes da Terra promettida. Assim o permiltiu Deus , ou
fosse para ter Israel exercitado e fazei..o merecer , por sua fidelida-
de no meio dos idolatras, os beneficios que resolvera prodigalizaã·-
lhes; ou · para servir-se destes mesmos Chananeos, como d'um açou-
te contra o seu povo , quando se tornasse culpado ; pois é certo
que nos permitte Deus as tentaçõe~, para provar nossa virtude , e
<lar-nos occasião d'augmentar nossos meritos.
Não se tiveram muilo tempo os Israelitas· no meio desta prova.
Cahiram em mil prevaricações , e até chegaram a submergir-se na
idolatria. Desta delesta,·el infidelidade deu o pnmeiro exemplo uma
certa mulher da tribu de Ephraim , d'idade- avançada, viuva, su-
persticiosa, e ao que parece senhora sua e do seus gostos. Esta
mulher, pois, dispoz d'uma consideravel somma de dinheiro para
mandar fazet· deuses estranhos , simi1hantes aos dos Chananeos. Ti-
nha ella um filho chamado l\Hcbas, tam supersticioso como sua mãi,
e ambos de commum accordo ajustaram com um obreiro de lhes fa-
zer idolos, e os collocaram em sua casa. Faltava procurar o sa~
cerdote qQe -queimasse o incenso e offerecesse os sacrifícios. Michas
não achou nisto difficuldade. Quem ·faz deuses de sua feição, lam-
bem . lhes pode dar ministros seus ; e assim este lhes deu seu
filho mais velho, que se fez sacerdote dos idolos.
Era já um grande mal para Israel , que uma familia particular
ousasse- alçar o estandarte da idolatria i mas o peor é que foi uma
faisca, que apegon, um grande incendi_o ; e , atiçado pelas paixões
e pelos crimes, abrazou, em poucos annos, quasi que a nação to-
da. . Para castigar tam grande malicia, chamou pois o Senhor aquel-
1es reis Chananeos, que ainda restavam na Terra promellida; e. ora
um, ora outro , iam escravisando a · todo Israel; Nada pode tanto

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166 CATECISMO

como a adver~idade. 'Este povo obdurado, quando se via punido,


abria o coraÇão ào arrependimento; e então o Senhor, sempre mise-
ricordioso~ á proporção da sua penitencia , màndava-lhes àlgum ho-
mem providencial ,. que os livrava do vexame de e.us m1m1gos.
Tal é, em duas palavras , a historia dos Hebreos durante o go-
verno dos Juizes , isto é, desde t' morte de Josué até Saul , sen
primeiro rei. Um destes homens extraordinarios~ que Deus suscitou
para livrar o seu povo, foi Gedeão. Com o receio em que esta-
vam da prox1ma invasão dos inimigos, dispunha-se Gedeão,_como os
demais, para fugir, e fazia pr-0visões para sua familia. Estando pois
occupado a debulhai· e joeirar o trigo, um Anjo o saudou dizendo:
O Senhor é comtigo, ó fortissimo entre os filhos d'lsrael ! Senhor,
respondeu Ge<leão, se o Senhor é comnosco, como estamos pois as-
soberbados de males? O Anjo volveu para elle um olhar cheio de
ternura, e disse-lhe: Não, o Senhor não vos abandonou , és tu que
elle escolheu para livrar o seu povo da perseguição de Madian. Se·
assim é, tornou ·Gedeão , dai-me um signal , por .onde eu conheça
que sois vós, ó meu Deus, que me fallaes. Quem quer que sejaes,
demorai-vos aqui , em quanto vos vou buscar de comer. Gedeão
trouxe um cordeiro e alguns pães asmos. Toma estas viahdas e es:
tes pães , disse o Anjo do Senhor , põe-nos sobre essa pedra que
tens diante de ti: Gedeão obedeceu. Com a extremidade da vari-
nha , que tinha na mão , Locou o Anjo as carnes e os pães, sa~
biu da pedra um subito fogo , que consumiu o holocausto , e o An
jo desappareceu. Gedeão nãô duvidou mais da sua vocação.
Entretanto uma nm·em de Madianit3:S e Amalecitas deu nas ter-
ras d'lsl'ael. Para cima de cento e trinta e cinco mil , com seus
numerosos rebanhos, haviam passado o Jordão, e estabelecido-se tran..
quillamente no formoso valle de Jezrael. Apossou-se de Gedeão o
êspirito de Deus ; convocou para junto de si todos os bravos d'ls-
rael , os quaes acudiram á sua voz, e em poucos dias ·achava-se o
novo general á testa de trinta e dous mil homens. Para os encher ,
a todos de ·confiànça, -supplicou ao Senhor lhe concedesse alguns mi-
lagres, que provassem ao seu exercito que o seu chefe era chama~
do e auetorisado ·pelo Ceo. Senhor , disse elle em alta voz , em
presença dos officiaes e de todo o exercito , se é verdade que por

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DE PIRSEVEl\iNÇA. 167
meu ministerio resolvestes salvar Israel, ·dai-me a prova, que eu es-
colhi, <la verdade da minha missão : vou estender no campo um
Vello ele lã, o qual, se ficar só , molhado do orvalho, e toda a
terra em derredor enxuta , conhecerei que me tendes escolhido.
Assim o fez. Estenderam o Vello sobre a terra , e Gedeão, le-
vantando-se de madrugada, ·achou a terra perfeitamente secca, mas
a lã tam molhada que d' ena ex premeu grande quantidade d' agua~
Gedeão não se contentou com este pri~eiro prodigio. Senhor , dis-
se elle, não se acenda contra mim a vossa ira, se ainda vos pe-
dir que façaes , com o mesmo Vello, um prodigio em ludo contra-
rio d.O primeiro : quizera que a terra ficasse coberta d'orvalho , e
o Vello perfeitamente secco. Condescendeu o Senhor com os dese-
jos e supplicas do seu general. .() VeUo ficou enxuto 7 e" toda a
terra ao redor coberta d' orvalho.
Mas o Senhor, que concedera a Gedeão prodígios da sua Omni-
potencia , logo depois exigiu delle prodígios de confiança. Por sua
ordem partiu Gedeão de noute e foi acampar-se, á lesta de seus
trinta e dous mil homens, no alto do valle de Jezrael. Estavam os
l\fadianitas estendidos pelo valle, em numero de cento e trinta mil.
Já o partido era bem desigual ; mas ainda o Senhor julgou que Ge•
deão tinha gente de mais.
E' muito numeroso o teu exercito , lhe disse o Senhor ; não
entregarei Madian em tuas mãos, por medo que Israel, em menos·
cabo de minha gloria, atlribua a si mesmo a honra do seu livra•
mento. Ajunta o teu exercito, e, segundo a determinação da Lei ,
manda publicai· em alta voz por todas as fileiras, que não so per-
mittes mas até ordenas a todos os soldados , que tiverem medo,
que se . retirem para suas casas. Mais de dous terços deixaram o
campo, ficando só Gedeão com dez mil homens de tropas. Ainda
é muito, lhe disse o Senhor, conduze os teus .dez mil homens ás
margens d'um ribeiro, ahi os quero eu provar. Obedeceu o gene·
ral, e pozeram-se em marcl1a durante uma parte do dia, de geito
que os soldados deviam estar fatigados e cheios de· sêde ,. quande
chegassem á beira d~ agua. (1 Senhor tinha dito a .Gedeão : Alguns
de teus soldados se deitarão sobre as bordas· do ribeiro para á sua
tonta de apagarem a sêde; outros, . pelo contrario , nã-0 farão mais

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CATECISMO

que .abaixar-se de passagem, e levar nas mãos algumas golas : sepa~


ra-os-uns dos outros.
Posto o exercito a esta prova, dos dez mil homens , que então
contava o general, apenas trezentos não pararam para beber ; senão
que, marchando sempre, molharam a boca com a pouca agua que
podiam trazer com a mão. · Estes, portanto, poz Gedeão de parte.
Serão elles, Jhe disse o Senhor, esses trezentos homens , os unicos
de que vou servir-me .para livrar o meu povo : quanto aos mais 7,
despede-os. Estes nove mil e setecentos homens ausentaram-se no
escuro da ·noute.
Com os trezentos bravos , que lhe restavam , acampou Gedeão .
á borda do ribeiro , n'um terreno elevado , acima do exercito de
• Madian, qu~ enchia toda a extensão do valle. No meio da noule,
chamou o Senhor a Gedeão, e disse-lhe : Quero que saibas de teus
mesmos inimigos como elles se consideram já vencidos a entregues em
. ~uas mãos . . Desce ao valle com um de teus domesticos, e ouvirás os
seus discursos. Gedeão, acompanhado só de Phara , aproximou-se
ao -campo inimigo , e chegou lam perto das _sentinellas , que podia
ouvir o que -diziam ; e eis o que um delles discursan com o seu
c-ompanheiro: Parecia-me ver em sonhos um pão de cevada cozido
debaixo da cinza; que, rolando elo alto do. monte para o nosso cam..
po , chegou á tenda do general, e a subverteu com seu peso. Es-
te sonho é serio , respondeu - o soldado Madianita. Eis aqui sem
duvida o que nos annuncia : o pão de cevada é a espada do- Is..;
raelila Gedeão ; o Deus que elle adora entregou cm suas mãos .a l\fa-
• dian; estamos perdidos.
· Tendo Gedeão ouvido este sonho~ e sua interpretação , deu gra ...
ças ao Senhor e tornou ao campo. Levantai-vos, disse para seus
soldados, porque o Senhor nos entregou os ~ladianita:s. _Levareis
uma tr,ombeta em uma das mãos , e na outra uma cantara vasia
com uma lanterna no fundo. Eu darei o signal :· quando eu tocar,
'locai todos tambem ; depois quebraremos com grande estrepito as
cantaras umas contra as outras; e cada um tomará na mão esquer-
da a· sua lanterna e a levantará acimã. da cabeça ; em quanto com
a direita não cessará de embocar a trombeta. De quando em quan-
do daremos todos grandes gritos , dizendo de chusma : A espada do

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DE l>EMEVEltANÇA. 169
Senltor e a espada de Gedeão. Pozeram-se pois cm marcha, e chc,
garam por tres differentes lugares ao campo inimigo. Dado o si-
gnal, soam todas as trombetas, _quebram-se as cantaras, levanlam-
se as lanternas, e ·por toda a parte resoa o grito de guerra: A (lS-
pada do Senhor e a espada de Gedeão. Não se moveram d'onde
estavam, mas só continuaram a Locar e a grilar : A espada do Se-
nhor e a espada de Gedeão.
Um repentino terror se apodera do campo. inimígo. Cada um
foge por onde pode, em confusão e tumulto. Atropellam-se, matam-
sc uns aos outros na obscuridade da noutc. O sangue do Madian
inunda em poucas horas o valle de Jezrael , sem que os soldados do
Gedeão descarreguem um só golpe. Os que escaparam da matança
tomaram a fuga e repassarão o Jordão.
Depois de ter livrado o · seu povo dos inimigos , cuidou Gedeão
em destruir a idolatria, que tantas calamidades trouxera a Israél.
Se não conseguiu extinguil-a inteiramente , alcançou fazer temer es-
te crime , e circumscrevel-o em limites que ninguem ousou ·ultra-
passar, em quanto elle viveu, com aquella escandalosa liberdade que
provocava infallivelmenle a vingança do Senhor. Gedeão governou
o povo por quarenta annos, no fim dos quaes morreu cheio de dias
e de meritos , glorioso por seus feitos , e ainda mais por sua simi-
lhança com o Messias, de quem é a figura decima quarta.
Com cffeito, Gedeão é o derradeiro d'entre seus irmãos.Nosso Se-
nhor dignou-se parecer o ultimQ dos homens. - <;iedeão, apezar de
sua fraqueza, é escolhido por Deus para livrar o povo da tirannia
dos l\Iadianitas. Nosso Senhor, apezar da sua fraqueza apparente,
ó escolhido por Deus para livrar o mundo da tirannia do demonio.
_..... Get1eã0; antes de livrar o povo, offerece um sacrificio. Depois
<le se ter offerecido em sacrificio na cruz, é que Nosso Senl1ot· livra
o mundo. - Dous grandes milagres proYam que o Senhor escolheu
a· Gedeão. Dous milagr~s maiores provam lambem que Nosso Se-
nhor é o Libertador dos homens. - Pelo primeiro milagre, feito· em
favor de Ge<leão , só o Vello se cobriu d'orvalho , em quanto ficou ,
sccca a terra toda em redor. A graça _de Nosso Senhor , o vcrda- ·
deiro rocio do ceo cahiu primeiro sobre o povo Judaico sómente.
1

Pelo segundo milagre, feito cm favor de Gedeão , o Vello ficou


22 II

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170 CATECISMO

secco, em quanto toda a terra se cobriu d'orvalho. Em punição


de suas ingratidões, o povo Judaico é privado do orvalho celeste ,
quando todas as nações o recebem dos Apostolos enviados por Nos-
so Senhor. - Gedeão marcha para o combate com trezentos homens
contra innumeraveis inimigos. Nosso Senlior marcha á conquista do
universo inteiro com doze pobres pescadores. - Os soldados de
Gedeão nem mesmo param para beber. Os .A poslolos de Nosso Se-
nhor, ·para converter o mundo, esquecem as cousas mais necessa-·
rias á vida, e privam-se de todas as satisfações terrestres. - Os
soldados de Geljeão não levam armas. Os soldados de Nosso Senhor
tambem não levam armas. - Os soldados de Gedeão não usam
mais que de trombetas e lanternas acesas. Os Apostolos de Nosso
Senhor não empregam mais que a trombeta da prégação e a luz da
charidade. - Os soldados de Gedeão triumpham dos l\ladianitas. Os
Apostolos .de Nosso Senhor triumpham de todo o mundo. - Ge_deão
altenuou a idolatria. Nosso Senhor a deslruio.
Esta figura .diz-nos, demais que as precedentes , que Nosso Se-
nhor salvará o mundo pelos mais fracos meios, e que os gentios fi-
carão no lugar <los Judcos.

O' meu Deus 1 que sois todo amor , eu vos dou graças pefa
g~ande misericordia que tantas vezes tivestes com o vosso povo,
não obstante as suas infidelidades. O' Senhor ! e quam misericor-
dioso haveis sido comigo t Quantas vezes me haveis tambem per. .
doado ! D'or' avante farei todos os sacrificios para vos ser fiel , co-
mo os soldados de Gedeão o foram , apezar · da sêde ~ da fa·
diga.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proxímo
como a mim mesmo por amor <le Deus ; e , . em testemunho deste
amor , todos os dias me pri·varei d~alguma cousa vor expiafãO dos
meui peccados. .

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DE PÊRSEVERANÇA. 171

XXXTII.ª LIÇÃO.

O MESSIAS PROMETTIDO E FIGURADO.

Recahem os Israelitas na idolatria. - São escrnvisados pelos Philistheos.


Recorrem ao Senhor. - E'-lhes enviado Samsão para os livrar.- Quei-
ma as Searas dos Philislhcos. - Leva as portas de Gaza. - E' tra-
hido. - Morre. - Samsão , decima quinta figura do Messias.

CaoRARAM os fieis Israelitas a morte de Gede~o ; mas não sentiram


toda ·a gravidade desta perda senão pela renovação da idolatri~ e
as calamidades que se lhê seguiram. Os ingratos Israelitas rompe-
ram , pois , a alliança ·do Deus d' Abraham ; d' Isaac e de Jacob ,
·para entrar em sacrilegos tratados com Baal, ·jurando reconhecel-o
por Deus. Foi tam rapida. e geral esta resolução , que se não po- ·
I deria crer , se já, antes não vissemos pelo proceder dos Hebreos que
de tudo era capaz a sua inconstancia.
Não lhes tardou muito o castigo; porque o~ Philistheo{, nação
idolatra, que habitava uma pequena provincia da Terra promettida,
chamada Palestina~ os reduziram á mais ignobil servidão. Desarma-
ram todos os Hebreos; até lhes levaram todas as suas õbras de ferro
e aço , de sorte que era predso ir ao paiz dos Philistheos para
concertar a relha do arado. Tal foi a nova especie de captiveiro
a que foram reduiidos desde logo os Israelitas, e que durou por
vinte annós. Então clamaram ao Senhor ; a sua inconstancia carecia
d'uma longa prova ; pelo que se prolongou a sua escravidão por mais
vinte annos. Todavia, durante aquclle tempo; concedeu-lhes Deus um
•.Jil-

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CATECISMO

novo juiz , para lhe mitigar o rigor ; o qual , não só cm sua vida,
mais sobretudo na sua morte , alterrou de geito os inimigos tlc
seu povo , que o jugo dos Philistheos pareceu totalmente quebrado , .
e recuperada a liberdade d'lsracl.
Este novo juiz , tam differente dos outros salvadores (l'lsracl ,
este guerreiro que , sem companheiros , nem armas , nem soldados ,
lucla só contra um povo inteiro , é o celebre Samsão, tam faÍnoso _
na historia do povo de Deus. Foi elle milagrosamente concedido aos
, rogos e orações ele seu pai e ~ãi. O Senhor o abençoou dando-
lhe uma prodigiosa força , revelando-lhe as grandes acções que de-
vj3 obrar , .em qualidade de libertador d' Israel , contra os Philis-
tbeos. Conheceo elle que tinha nascido para seu flagello ; que lhe
assistiám os direitos do grande Deus que o enviava ; que não era
obrigado a formalidades e declarações de guerra ; que tudo quanto .
fizesse para ruina (Paquelles · idolatras seria do agrado do Senhor.
Penetrado destas duas grandes ideas , ainda bem não tinha chegado
á idade de trinta annos quando se poz em campo.
Fez uma jor~da á Terra dos Philistheos, e, para ter occasiao
de lhes fezer todo o mal que mereciam, resolveo ele se casar alli. A
muito custo consentiram seu pai e mãi ; pois ignoravam que Deus é que
dispunha todas estas cousas. Acompanharam porem a seu filho ,
para ajustar as condições do casamento: Quando se aproximavam á
cidade", entraram em. uma vinha, onde Samsão insensivelmente se
apartou delles. Foi alli que ellc fez o primeiro ensaio de suas prodi-
giosas forças.
Avislou um leão que, chamejantes os olhos, corria para elle com
b,orriveis- ru.gidos. Samsão não tinha alli armas nem páo ; mas am-
mado do espirito do Senhor , agarrou o animal e o despedaçou com
tanta facilidade como s,e fosse um ca,briti.nho. Disto não ~isse Pª"
1~ vra. a seu p9.i e mãi.
. . .Concluido o c,asamento, tornou Sa~são para a su'll tem1, e pas-
sando pel~ vinha, teve a curiosidade de vei· o cadaver d'aquelle aui~
~al ; mas qual foi seu espanto, q\Iando vio na boca do leão morto
um .enxame d'abelhas e um favo de mel ! Em breve chegou o dia.
(~ suas nupcias : assistiram a ellas trintajovens Philislbeos. Qnero,

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DE PERSEVERANÇA. 173 .
ihes disse elle, segundo o costume d'aquelles tempos, (1) propor~vos
um enigma, e dou-vos sete dias para o explicardes. Se o adevinhar-
. dcs , eu vos darei trinta vestidos ; aliás dar-me-heis vós tantos como
vos promelto. Os Philistbeos tomaram o caso em brio, e acei-
taram a aposta. Eis-aqui pois o- enigma,. tornou Samsão : aquelle
qzie devora forneceu o alimento ; e da força sahio a doçura. O eni-
gma era -facil para quem soubesse o caso do leão despedaçado por
Samsão , e . do mel achado em sua boca ; mas isto era o que nin-
guem sabia. ·
Os Philistheos _por tanto deram tractos á imaginação, mas de-
balde ; nada acharam que os satisfizesse. Recorreram á esposa de
Samsão , a qual a principio não pôde resolver seu marido a que lhe
dissesse o segredo. Chegava o setimo dia , e a Philislhina tanto
o apertou , que Samsão fatig.ado por suas importunações .se dei-
xou vencer e lhe explicou o mislerio , que a infiel correu a com-
rnunicar aos Philistheos. Vieram elles ter çom Sams ão , e com ar.
de triumpho lhe deram a explicação do enigma. Tendes rasão disse
elle , per<li a aposta , eu a pagarei. No mesmo ponto o espirito
de Deus se apoderou delle , corre fora da cidade , mata trinta Phi-
listheos e lhes tras os despojos. Feita esta terrivcl execução, deixa brus-
camente sua esposa e retira-se para casa de seu pai. Passado algum
tempo consta-lhe que esta mulher, crendo-se desprezada, esposara
um moço Philislheo dos que assistiram ás nupcias. Não era Samsão
para · deixar impune uma tal affronla : declarou guerra a todos os
Philistheos.
Era no tempo da colheita , e as searas aguardavam só a fouce
dos segadores~ foi occasião para Samsão meditar uma vingança de
que ninguem talvez se poderia leinbrár. A terra d'Israel era in-
festada por immenso numero de raposas, e hoje mesmo certificam
os viajantes que muitas vezes os habitantes são obrigados a reunir-
se. para as montea1·, sob pena d'assolarem e destruirem tudo. Sam-
são lhes deo caça, e ajuntou até trezentas. Amarrou-as duas a duas
pelo rabo , ao qual atou um facho aceso , e assim as soltou nas bel-

(t) A historia profana olTerecc muitos exemplos deste facto , como


se vê na Vida d'Esopo, e.te.

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CA TECIS:BIO
las· planicies dos Philistheos, que se preparavam para segar os tri-
gos. As rapozas corriam furiosas e abrasavam tudo , sem que fosse
possivel atalhar o incendio , que rompia por tantas parles <lifferen-
tes. Arderam os tdgos sem remedio; o fogo apegou.;.se ás vinhas
e oliveiras. Foi irreparavel a perda, e inevitavel a fome.
Feito isto , retirou-se Samsão a uma caverna no territorio da
tribu de Juda. Não tardou muito que os Philistheos não soubessem
quem tinha sido o author da sua desgraça e descobrissem o seu es-
conderijo. Ajuntaram um exercito , e vieram acampar a algu-
ma distancia da caverna. Uniram-se .a elles os ·habitantes da tribu
de Juda em numero de tres mil homens , com ordem de capturar e
prender Samsão. Acharam-no em a caverna, e começaram por
lhe exprobtar suas temerarias vinganças. De que se queixam os Phi-
listheos ? Responde elle friamente. Não lhes faÇo mais do que me-
recení. Pois seja co·mo for , tomaram os soldados, nos vimos para
te agal'l'ar e entregar-te em suas mãos. Jurai-me que me não ma-
tareis, disse Samsão , e eu. me deixarei prender por vós. Deram-
lhe a sua palavra , e Samsão se deixou amarrar com duas cordas
novas, e conduzir preso {\ vista do campo inimigo.
Apenas os Philistheos. o viram n'aquelle estado tudo foram
acclamações e vivas. Correram a apoderar-se do prisioneiro ; mas
Samsão se bem que Jigado não estava preso. .O espirito _do Senhor
se apodera delle , despedaça as cordas , agarra n'uma queixada de
burro que jazia em lerl'a, e <la primeira investida mata mil Phi-.
listheos somente , porque os mais fugiram.
~ Assim vencedor de seus inimigos, deita,-se Samsão · tranquilla..
mente sub as azas do Senhor; mas apenas· se refez de forças , cui-
dou em continuar suas façanfias contra os inimigos do seu povo.
E' de crer que , nos vinte annos que foi juiz em Israel, muitas fez ·
elle que nos não são conhecidas. O certo é que ensinou os Philistheos
a serem mais comedidos., e os fazia __tremer só com o terror do seu
nome.
Um clia . entrou elle . em uma de suas cidades chamada Gaza ,
e foi descoberto e trahido pela dona _da casa onde se alojava , a
qual o denunciou aos seus concidadãos. Ficaram muito contentes ,
cuidando que desta vez tinham segura a preza. Tomaram pois suas

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DE PERSEVERANÇA. • 175-
ínedidas , mas sem fazer motim , por medo que não acordasse o
Leão 'e inundasse de sangue a cidade , antes que o podessem do-
mar. Contentaram-se com fechar muito bem as portas da cidade ,
e pôr-se de guarda mui ·calados , a fim de o matar quando de ma-·
nhã quizesse sahir. Samsão dormio até meia noute; a esta hora
levantou-se e veio á porta da cidade. Foi nesta occasião que mais
excedeu a prodigiosa força do heroe d'Israel : arrancou ambas as
ametades da porta com os seus postes e fechaduras, e carregando..
as ás costas levou-as ao alto d'uma _montanha. Acordaram as sen-
linellas ao ruido , mas não se atreveram a perseguil-o.
Estas acções parecem-nos muito exlraorc}inarias , mas assim cum-
pria que fossem , para impressionar os espiritos d'um povo grosseiro.
Para confundir o orgulho Madianita, já Deus tinha vencido seu exercito
de cento e trinta e · muco mil homens com os trezentos soldados de Ge-
deão , armados somente de trombetas e lanternas ; agóra , para hu-
milhar o orgulho dos Philistheos entendeu guerrear um povo inteiro
com um só homem ; um dia ainda será tnaior o prodigio , quando
doze pobres pescadores conquistarem o mundo inteiro.
Demais , se considerarmos estas cousas maduramente, veremog
que eram essenciaes no plano da Providencia. Perservar da idola-
tria a um povo que vivia no meio de nações idolatras , tendendo
por suas inclinações ao culto seductor dos idolos ; recordar o co-
nhecimento d'um Deus unico aos Pagãos ; tal foi , desde o Diluvio
até o Messias, o desígnio d'aquelle Deus Creador e-·Pai, que cura
de todos os filhos dos homens. Ora , para alcançar este fim , que
outro meio mais efficaz que o dos milagres? e que milagres mais aptos
a fazer impressão n'aquelles povos grosseiros e ignorantes, que apenas
viviam pelos sentidos, do que estes prodigios d'uma ordem natural,
que provavam taro· evidentemente que todas as creaturas, adoradas
como deuses , eram um mero brinco na mão do Deus- ·d'Israel ,
. do Deus verdadeiro?
Os Philistheos pois desespera9os de vencer Samsão pela força, re-
correr~m ao ardil. Ajustaram com certa _mulher ·de sua ·nação, cha-
mada· Dalila, em casa de quem Samsão pousava muitas vez-es , que
fizesse. por saber delle d'onde é que lhe vinha' ,aquella prodi-
giosa força. Se o consegu~res, lhe disseram elles, cada um ·de

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17 6 CATECISMO

nós te dará mil e cem moedas de praia. Dalila prometteu fazN o


que lhe pediam , e logo que se avistou com Samsão : Dize-me, cu
te peço , perguntou ella com grande empenho , d'onde te vem esta
p1·odigiosa força, e que cousa haverá que possa atar-te <le modo que
te segure? Similhante pergunta, feita por uma mulher dos Philis-
theos não podia por certo illudir a um homem prudente. Samsã9.
não cahio no laço. Se me atarem , respondeo elle , com sete cor-
das de nervos ainda verdes não poderei quebrai-os , e ficarei tam
debil como os mais homens .
Apenas se. foi embora, correu a mulher avisar os Philistheos.
Vieram pois a casa della , trazendo as cordas de nervos , e se es-
çonderam em grande numero n'um aposento proximo á camara onde
ella recebia Samsão. Veio elle . no dia que. o esperavam , e teve a
· condescendencia de se deixar atai· por aqueHa mulher, com as cordas
que tinha indicado; a qual, apenas o julgou seguro, começou. a gritar :
&alva-te Samsão, que te prendem os Philistheos. Ao grito de Dalila, o
forte d'lsrael rompe os seus laços com a mesma facilidade com que
o fogo consome um fio d'eslopa. Queixou-se Dalila do enganado :
ao menos ho1e, lhe disse ella, dize-me o teu segredo. Samsão pre-
gou-lhe ainda outra peça. Entre tanto Dalila não cessava de se lhe
queixar, nem de o importunar com seus rogos , até que • · vencido
dos prantos e affagos da perli<la, cahio na deploravel fraqueza que o per-
deu. Eu sou Nazareno, lhe disse eUe, consagrado a Deus desde a minha
,infancia. Um dos votos da minha consagração é não cortar os
cabellos ; jamais se poz ferro sobre a minha cabeça. - Se me fôr ra-
pada , hir-se-ha de mim a minha fortaleza.
Avisou logo Dahla os principes dos Philistheos. Juntam-se lodos
no dia marcado , na camara contigua á de Samsão. Adormece elle;
Ualila corta-lhe as sete tranças d'onde lhe nascia a sua força. Feita
a operação , a pedida exclama : Samsão acorda , que os Philistheos
dão sobre ti. Samsão acorda ao grito; mas ai delle ! O espirito
· do Senhor o Linha abandonado : foi-se-lhe toda a sua força. · . Sahi-
ram os Philistheos da emboscada, aferram-no, prendem-no com f~rtes,
cadeas , arrancam-lhe os olh.os , e o conduzem a Gaza. Alli o fe-
charam em um _carcere , onde o obrigavam a dar volLas a uma ala--
fona.

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DE PDSEVEl\ANÇA. 117
Algum tempo depois , os príncipes dos Philistheos fizeralif \lma
ftista solemne , para agradecer ao seu deus , · chamado Dagão, por .
lhes ler entregue o tlagello do seu povo. Apres~ntaram-se em Gaza
os príncipes e grandes da n!lção, foram ao templo e immolaram gran.-
de quantidade de victimas. Acabados os sacrificios, começaram os
ban1yuetes por toda a extenção do templo , que retumbava com lou..
vores a Dagão. Só ·faltava uma cousa para que a festa terminasse
a gosto e -satisfação .de todos : era Samsão , carregado de ferros , e
exposto aos insultos dos Philislheos. :Mandaram-no vir.
Uma criança conduzia o pobre cego, tirando-o pelos ferros ; e
o fo{ collocar entre duas columnas no meio do edificio , onde fi-
cou exposto á zombaria e passatempo da multidão. Entretanto
Samsão, cujos cabellos tinham começado a crescer, sentio que as
suas forças lhe tornavaJD ; não se· mostrou porem offendido de -nada;
durou Jargo tempo este agl'adavel entretenimento de seus especla..
dot·es ; e até foi attrahindo outros que se apinhavam nos vestibulos
e ainda· sobre o telhado , para tomar parte na barbara comedia que
se representava. O numero dos que vie·ram de novo , sem compre-
hender os principes e grandes , e os que tinham .assistido aos ban..
qucles no templo do idolo , subia a perto de tres mil pessoas , ho.-
mens e mulheres.
A occasião era propicia para livrar Israel dos reis, seus per-
seguidores , e acabar uma façanha· de tal estrepito , que atterrasss
toda a- Palestina.
O Senhor· inspirou a Samsão o designio, depois de lhe te1· dado
a
o poder; e supposto lhe custaria vida, o generoso heroe não he-
sitou na execução. O teclo do templo era sustentado por duas co-
lumnas principaes. Samsão , que conhecia a estructura do edificio ,
disse ao rapasmho qU:e lhe servia de guia: deixa-me que eu apalpe
as duas grossas columnas , que sustentam o templo , a fim de me
encostar e desca nçar um pouco. Então invocou elle o Senhor seu
Deus , dizendo : Lembrai-vos de mim , ó meu Deus ! Dai-me ·a mi-
nha ·força , para que eu -vingue de um só golpe as· duas chagas
que me fizeram, arrancando-me os olhos : é tempo ·que eu - puna a
sua crueldade exaltando a vossa gloria; e abraçando-se com as <luas
columna~ : Morra Samsão, continuou em voz alta ; mas morra · com
23 II

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178 cAn:cmro
os .Philislheos. No mesmo instante sacode rijamente · as duas eolum--
nas ; desaba o templo sobre ·lodos os princip.es dos Philistheos, e
sobre todo 'o povo que eslava nelle ; .e Samsão matou mais inimi-
gos de Deus morrendo, do que antes matara, em quanto foi vivo. Assim
acabou Samsão por sua morte o livramento d.'lsrael, obra tam feliz-
mente começada em sua vida ; nías foi propriamente no dia que se-
pultou comsigo os tirannos de seu povo , que mereceu os bellos no-
mes do Salvador de seus irmãos, e Restaurador da sua liberdade. Por
isso é que Samsão tem sido sempre considerado como uma figura
do l\Jessias.
Com effeito, Samsão nasce por um modo milagroso. Nosso Se-
nhor nasce tambem por um modo milagroso. Samsão passa vinte an- ·
11os com seu pai e mãi , sem se dar a conhecer por Salvador de
seu povo. Nosso Senhor passa trinta annos com Maria , sua mãi ,
e Joseph seu pai supposto, sem se dar a conhecer por Salvador dos
llo1pens. · Sarnsão recebe uma esposa d'enlre os Philislheos. Nosso
Senhor escolheu a Igreja , sua esposa , entre as nações pagãs. Sam-
são mata um leão que o vinha devorar. Nosso Senhor subjuga o
mundo pagão que , como um leão , procurou por tres seculos de-
vorar a Igreja ·nascente. Salnsão acha um favo de mel na boca do
1 leão. Nosso Senhor acha, entre os pagãos , outr'_ora inimigos dos
Christãos , homens d'uma docilidade e charidade celestial. Samsão
mala !llil Philistheos com a queixada d'um burro. Nosso Senhor vence
o mundo com um instrumenlo ao parecer o mais fraco : a sua cruz.
Samsão é cercado por seus inimigos na cidade de Gaza. Nosso Se-
nhor é encen~ado por seus inimigos no tumulo. Samsão desperta no
meio da noute, arranca as portas e os ferrolhos , e , a pezar d.os
guardas , sahe vencedor da cidade , onde estava prisioneiro. Nosso
Senhor , depois de ter descido ,ao Jirnbo , aonde quebrou as portas
do inferno e da morte , surge do. tumulo cheio de vida, a pezar
dos soldados que o guardavam. Sámsão, morrendo , faz cabir o tem-
plo de Dagão. Nosso Senhor; morrendo , derriba o templo do de-
monio , isto· é, .a idolatria. Samsão , morrendo, causa maior mal -
aos Philistheos do ·que em toda ·a _sua ''ida. Nosso Sonhor , mor-
rendo , causa maior mal ao demonio , e faz maior numero de Dis-
cipulos do que em toda . a sua vida.

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DE PEftSEVEIUMÇA. 179
Por esta figura vemos tres no''ªS feições no divino retrat<> do
Messias. Revela-nos 1. º que elle nascerá por um modo milagroso ;
2. º que escolherá a Igreja·, sua esposa, enlre os gentios ; 3. º que
por sua morte ganhará sobre o clemonio uma completa victoria, que
será como o rema~e de todas as suas obras.

O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças por ter-·
des dado a Samsão o vosso êspirito de fortaleza , para destruir os
inimigos de vosso povo ; dai-me, Senhor, o mesmo espirito , para
vencer os inimigos da minha salvação.
Eti protesto amar a Deus sobre lodas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e , em testemunho desle
amor, fugirei com diligencia ás occasiões do peccal(o .

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1SO CATECJSJIO

XXXIV.ª LIÇÃO.

O MESSIAS PROMETIIDO E FIGURADO.

Heli, juiz d'lsracl. - Samuel lhe saccede. - Eleição dos reis. - Saul,
primeiro rei d'Israel. - E' rejeitado pelo Senhor. - David, joven
pastor, escolhido cm seu lugar. - David aplaca os furores de Saul.
- Combale com Galialh. - Morte de Saul. - David Loma a fortaleza de
Sião - TransporLe da Arca. - Oza ferido de morte. - David dan-
ra diante da Arca. - Sexta promessa do Messias feita a David.

DEPOIS da morte de Samsão , o Summo Sacerdote Heli foi o


JUiz d'Israel. Era homem irreprehensivel em seus costumes ; mas
attrahiu contra si, sua familia e todo o povo, os mais terriveis ·er-
feiLos da vingança do Senhor, por sua negligencia em não reprimir
as desordens de seus dous filhos, Ophni e Phineas. Em um com-
.. bate com os Philislheos Israel é derrotado, trinta mil ficam mortos
no campo ; a Arca santa cabe nas mãos do ·inim'igo ; perecem os
dous filhos d'Heli, e o desafortunado pai , ao receber tam tristes
novas, cahe abaixo de sua cadeira , fere a cabeça e morre.
Samuel foi chamado por Deus para succeder a Heli. Depois de
ganhar aos Philistheos uma sanguinolenta batalha, em que os des- '
fez completamente, esle grande homem restabeleceu o culto divino,
em sua anliga pureza , exterminando do meio d'Israel tod:is as di-
vindades mudas das nações. Por· este tempo fez-se uma grande
mudança no governo elos Hebreos ; o que não foi a menor prova
da ingratidão deste povo inconstante. Os juízes, como já dissemos,
não eram mais do que magistrados d'uma republica , da qual o. Se-
nhor mesmo era o Presidente ; mas como Samuel envelhecesse, des-

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I

I>E PEllSI'.VEUNÇA. 18t


goslaram-se os Israelitas desta administração, e quizeram, a exem-
plo dos povos vi sinhos, ter reis que os governassem.
O primeiro foi Saul ; uous annos depois que subiu ao throno,
ousou desobedecer a Deus , e des11rezar as leis da Religião: foi por
isso· reprovado, e sua corôa passou a cingir uma fronte mais digna,
Mesmo em vida de Saul, Dav~d, joven pastor da lnbu de Juda , foi
secretamente eleito em seu lugar por Samuel ~ e sagrado rei na
' idade de dezeseis annos , pela effusão do oleo santo. Eis como isto
se passou.
Um dia fez o Senhor ouvir a sua voz -a Samuel , e disse-lhe:
Toma o teu vaso d' oleo, - e vai a Be.thlem , a casa de Jessé : é para
um de seus filhos que eu destino a coróa.
Samuel apresenta-se em Bethlem, -·e convida Jessé e sua fami-
lia a comer com elle. Manda vir teus filhos para que eu os ve.Ja ,
lhe dissé Samuel. lesse apresentou-lhe sete. Não tens ainda ou-
tro? lhe diz Samuel. Sim, tenho, tornou o pai, mas e um menino
de quinze a deze5eis annos, que se occupa ainda em guardar os re-
banhos. Manda-o chamar, diz o Prophela, não me assentarei á me-
sa sem que primeiro o veja : chegou por fim o pequeno Da,•id.
Era um menino esbelto, de côres vivas e amavel presença. A-
penas appareceu , o Senhor disse a -Samuel : Eis ahi o rei d'lsrael,
consagra-o sem demora. No mesmo instante , derramou · Samuel so-
bre a cabeça de David o vaso d'oleo, que tinha trazido. Desde
aquelte dia, o espirito do Senhor repousou em David , e abandonou
·o desgraçado Saul. Pela permissão de Deus .apossou-se Jogo daquel-
le principe um espirito maligno, que o atormentava com summa
-violencia. A consagração de David ficou em segredo para todo o
i;eino. Elle mesmo, certo d'uma coróa que só deveria cingir aos
tr~nla annos, esperou até este tempo que Deus lh'a concedsse , sem
dar jámais motivo para suspeitar-se que a pretendia.
Entretanto os ofíiciaes de Saul, vendo seu amo cruelmente ator-
mentado do espirito maligno, deram-lhe de conselho que empregas-
'Se, ·contra a violencia do mal, . o som d'instrumentos musicos. Man-
dou pois Saul procurar em todo o reino o mais habil tocador d'har-
pa. Disseram-lhe que um dos filhos de Jessé-, chamado David, sa-
-bta perfoilamcnte tocar ~u1uelle instrumento. M.andou-o pois chamar

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182 • CATECISMO"-.

no mesmo instante: chegóu David .á Corte. Apenas o Yiu Sa-ul, a~


mou-o ternamente, e <> fez seu escudeiro. Cada vez que o máo es-
pirito se apoderava do rei, David tomava a sua harpa, e cf ella tira-
va tam melodiosos sons, que o dÕenle experimentava um grande
allivio.
Passados alguns mezes , os Philislheos declararam guerra aos
Israelitas. Em ~reve se alistaram os dous exercitos, e acampa-
ram em duas montanhas , separadas por um profundo valle ; mas.
estiveram muito tempo a olhar-se e ameaçar-se , quando <le repente
se viu um espectacu]o que attrahiu a attenção d'ambos os campos.
Um homem do partido dos lªhilistheos surgiu das fraldas da
montanha , e deu signal aos Jlebreos que o ouvissem : chamava-se
Goliath. Era um gigante de. prodigiosa estatura ; e tam mal encara-
do que atterrava a um exercito inteiro. Trazia na cabeça um ca-
pacete de bronze , e vestia couraça do mesmo.metal. Eram de bron-
ze as botas que lhe resguardavam as pernas, e tinha sobre os hom-
bros um escudo tambem de bronze. A lança que meneava era de
um peso incrivel ; só o ferro tinha perto de trezentos arrateis.
Assim esquipado, e precedido de seu escudeiró, vem o gigante apre-
sentar-se diante das fileiras d'lsrael , que estavam formadas na mon-
tanha opposta, e lhes fez este desafio : Escolhei d'entre vós um
campeão, que venha combater comigo ; se me vencer , os. Philis.;.
theos serão escravos dos Israelitas ; mas, se eu levar a melhor , se-
rão os Israelitas escravos dos Philistheos : todo o exercito de Saul
ficou passado <le medo. Os insultos do gigante ,pro]ongaram-se por
quarenta dias, durante os quaes, de manhã e á tarde , repelia o inso:.
lente seu desafio.
David, que tinha ido outra· vez guardar os rebanhos de seu pai,
não estava então no exercito. Chegou porem a tempo que Goliath
jogava as suas chufas , e cheio d'indignação : Que se dará, pergun-
tou o joven pastor, a quem matar este Philistheo ~ Responderam-
· lhe que Saul tinha promelli<lo a quem o matasse magnificas recom-
pensas. Dav_id, cheio de confiança em o Senhor, apresentou-se ao
rei e disse-lhe : Aqui estou eu, para ir combater com o gigant~.
·Que se te mette em cabeça? tornou Saul ; que és tu diante d'a~
quelle monstro '? Tu 1 um menino, criado a apascentar rebanhos ; e

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DE PERSEVERANÇA. t83
Oolialh um gigante, feito desde a infancia no exercicio das armas !
Poren1 David insistiu · dizendo : Na protecçãQ de Deus confio ; não
nas minhas forças , nem no meu valor.
Tanta piedade e ousadia cm um mocinho·, persuadiram a Saul
que Deus o enviava. Vai pois , meu filho, lhe ilisse, e o Senhor
·seja comtigo. Então lho poz o seu mesmo capacete na cabeça ,
vestiu-lhe a sua couraça, e cingiu-lhe a sua espada. Começou Da-
vid a dar alguns passos , a ver se -estas arma~ o não vexavam; e
Jogo disse para Saul : Não posso caminhar assim veslido de ferro,
não estou acostumado a estas cousas : e largando logo a armadu-
ra, toma o seu cajado de Jlastor, esco]he no fundo da torrente cin-
co pedras das mais puiclas , mette-as no alforge, lança mão da sua
funda, uespede-se do rei, e marcha ao encontro do Philistheo. ·
Goliath o -viu avançar para elle ; mas quando conhceu que era
um rapaz , um menino de tez delicada , nada lendo de notavel se-
uão a belleia de seu rosto, julgou que o insultava; e cheio de de~
peitÔ e colera grita-Jhe cpm a sua voz açanhada e de Estentor : O'·
, lá! sou eu um cão, para me vires atacar armado de pao? Chega~
te, que te quero dar de pasto ás aves do Ceo , e ás bestas da
terra.
Eu venho em nome do Senhor dos exercitos , lhe respondeu
David, em nome do Deus das fileiras d'Israel, a quem não temeste
.insultar ; é eHe que te , vai entregar em minhas mãos , a fim que
toda a terra saiba que ha um füus em Israel.· Ainda bem David
não tinha acabado, o gigante avançava para o acommelter : lambem
David lhe sahia ao encontro. Os dous exercitos aguardavam em
silencio o successo deste famoso combate. Davi'1, sem perder tem-
po, leva a mão ao alforg.e, tira uma pedra, ageita-a na funda, des-
pede-a , e fere o inimigo no meio da testa com tal vigor , que lhe
enterrou a pedra pela cabeça dentro. O gigante baquéa, desaba em
terra com espantoso ruiqo. David lança-se sobre ellc , arranca-lhe
a espada , e decepa-lhe. a cabeça.
Ao ver isto, os Philistbeos não souberam mais que fugir : os
Israelitas os perseguiram com grandes grilos , e fizeram nelles hor~ ,
ri--vel matança. David , na volta do combaie , foi apresentado a
Saul. Trazia elle na mão a cabeç,a de Golialh, como um tropheo

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da sua vicloria. Saul, acompanhado de Da\·icl e de lodo o exer· .
eito, regressou para o interior do seu reino. Em todas as cidades
por onde passavam, sabiam as mulheres ao encontro do vencedor.,
e dançando ao som d'instrumenlos, diziam: Saul desbaratou mil Phi.:
lislheos , mas David matou dez mil. Este elogio excitou a inYeja
de Saul, que por isso buscou matar David, que se salvou pela fu-
ga. Alguns annos depois, Saul morreu n'uma batalha, e David foi
rec<>nhecido rei, primeiro pela Lribu de Juda, e depois pelas outras
onze lribus d'Israel. Começou elle o seu reinado por uma expedi-
ção mui gloriosa. - '
Jerusalem, a mais bella , grande e forte cida<le da Terra pro..
mellida, ha muito que estava em poder dos filhos d'Israel , que
tinham exterminado seus habitantes ; mas uma _p·arle delles havia-
se retirado para a cidade alta, situada sobre a monlanba de Sião,
de que tantas vezes se faz menção na Escriptura. Alli occupavam
uma ~ida deli a tam forte que se considerava inexpugnavel. Quatro-
cen los annos havia que os Hebreos em vão tentavam tomai-a. ·na..
vid pois lhe poz ce1·co e intimou os habitantes para que se' rendessem ;
as quaes responderam com chufas: David, diziam elles, tu não e.n-
lrarás na fortaleza de Sião ; tememos tam pouco os teus esforç.os,
que empregaremos os cegos e os · coxos para te resistir. Não se
espantou David da insolente resposta. l\landou publicar p_or todó
o exercito que aquelle que primeiro montasse á muralha de Sião ,
e matasse aquelles cegos e coxos que lhe ·resistiam, receberia em
recompensa o titulo de general dos seus exercitos. Joab , sobrinho
de David, foi o heroe que teve esta honra. Tomaram a fortaleza
d'assalto, e alli edificou David o seu palacio. Assim se tornou Je-
rusalem a capital do reino , residencia dos reis : e pouco depois a ·
séde da Religião , pelo transporte que para alli se fez da Arca · da
alliança. .
Darid, que tinha ainda mais Religião do que vàlor, formou o
designio de collocar a Arca do Senhor na fortaleza que a~~bava de ·
conquistar ; -e o povo acolheu a proposta com applauso. l\Iandou
pt·eparar no seu palacio um magnifico pavilhão para a receber. Con~
vidaram-se os póvos por toda a extensão da Palestina a que ' ies-1

sem a Jerusalem assistir á ceremonia. As tribus d'lsrael deputa..

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l>E PEllSEvERANÇA:. 1.sa
ram frmta m11 homens escolhidos. David poz-se á frente delles, se~
.guido por quasi toda a tribu de Juda , e subiram á collina onde
estava a casa de Abinadab, a quem fora confiado guardar a Arca.
Trouxeram um carro novo, tirado por bois que ainda não tinham
servido 1 e n'elle collocaram a Área santa.
Acompanhava o preslito um povo immenso. O mesmo rei, cer·
cado de musicos e tocadores de ioda a sorte · de instrumentos , vinha
adiante e fazia cantar os bellos Psalmos· que elie tinha composto ..
Chegaram perto de Jerusalem, com transportes d'alegria e senlimen-
Los de devoção, que mal se podem exprimir ; mas aqui occorreu
um accidente que perturbou este. jubilo" Começaram os bois a agi-
tar-se com violencia. Inclinou-se a Arca e pareceu em perig-0 de
cahir: um lelita chamado Oza alçou a mão para sustei-a. A lei
defendia; sob pena de morte, aos simples levitas., o iocar na Arca
do Senhor. Para hlspirar a este povo reunido o profundo s~nli ...
mento de respeito que a sua presença merece , feriu Deus de mor.te
o. lemeratio Oza. ,.
O rei, atletndo ao ver tal castigo, nâo ousou, como primeiro
ten~ionara; receber a Arca em seu palacio. Determinou deposilal-a
em casa d'um homem vfrtuoso que se .chamava Obededom ; onde fi..
cou por trcs mezes , e foi para o feliz Israelita um manancial de
bençãos. Então David, animado pelos favores que acompanhavam
a Arca, resolveu de novo transportai-a para o seu palacio; mas to ..
mou escrupulosamente todai as precauções que tam santo deposito
demandava.
No dia assignado veio o rei com os anciãos d'lsrael e os offi·
eiaes do exercito a casa d'Obededom. Tomaram os sacerdotes a Ar•
ca sobre os hombros, e quando tinham dado seis passos , immola-
vam uma victima. O rei tinha despido os seus ornamentos reaes ;
e vestido, como os levitas,. um habito de linho fino. Desta manei-
ra caminhava. á frente do cortejo, acompanhado de. sete coros de
:Qinsicas, tocando a sua harpa, e animando com seus canticos a a-
legria publica. Todas as vozes e instl'Umentos lhe respondfam • e
clle mesmo . dançava diante da Arca em signal d'alegria_ Cot...
locada . que foi uo lugat· que lhe estava preparado, terminou o

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186 CATECISMO

rei a festa por sumptuosos sacrificios e larguezas que fez a Lodo ·


o povo.
Estas vivas demonstrações de piedade da parte de David não
agradaram ·ª l\lichol sua esposa. Em quanto durou a ceremonja ,
esteve ella olhando da janella do seu palacio, d'onde via toda esta
procissão. Pareceu-lhe aviltada a dignidade real pelos canticos ~ a
musica, as danças do rei seu esposo, e mais que tudo por se des-
pir das insignias reaes, que David julgou se não deviam ostentai'
n'uma assemblea religiosa. Ella pois lhe disse por mofa : O rei de·
Israel teve boje muita honra em dansar como os histriões em pre-
sença de seus subditos. Respondeu-lhe David : Sim , dansei diante
do Senho-r que me escolheu para chefe do seu povo . ainda me abai-
xarei mais , e me desprezarei a mim mesmo , para honrar aque1le
que é Soberano Senhor dos reis e dos subditos. Assim fallou
este principe, que sabia melhor que nenhum rei da terra con...
ciliar a humildade d'um santo com a magestade d'um monarcha.
Por haver zombado delle , l\lichol foi esleril todo o resto de
seus dias.
Tantas honras dadas á Arca da al1iança ainda não baslavam
para satisfazer o religioso rei. Eu habito um palacio magnifico ,
dizia elle, cobrem...me fastig1os de cedro , e a Arca do Senho1· não
é coberta senão de pelle.s. Concebeu pois o projecto de edificar um
templo digno da magestade do Deus d'Israel.
Um dia que estava todo embebido ~ nesle designio , o Senhor
lhe fallou pela boca do Propheta Nathan. Foi este o momento que
escolheu o Deus d' Abraham , d'Isaac e de Jacob , para renovar a
promessa do Messias. Tu sabes, disse elle a David , que, desde o
dia que tirei os filhos d'Israel do capliveiro do Egypto, até aquel-
lc em que te fallo , tenho sido viajante com o meu povo. Tenho-o
seguido por toda a parte, não tendo outra habitação que um ta-
bernaculo e uma tenda. Todavia não serás tu quem me ha de edi-
ficar um templo: esta honra está reservada a teu filho. Eu porei
no teu throno. um filho que sahirá de li. Estabelecerei o seu lhro-
no para sempre : serei seu Pai ~ e elle será meu Filho : a tua casa
subsislirá para sempre, e o teu lh1·ono sorá eterno.
Quem é este filho que o Senhor promelle com exr1ressões taw

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DE .PERSEVERANÇA. 187
· magnificas ? E' Salomão ? Não, pois que Salomão não é Filho de
Deus, e filho de David ao mesmo tempo, e a eternidade nã-0 pode
convir a um puro homem, e a um reino temporal. .' Quem é pois
este filho de David, que o Senhor aqui prometle ? E> evidentemen..
te o Messias Nosso Senhor.. De facto, só Nosso Senhor é Filho de
Deus e filho de David ao mesmo tempo : só Nosso Senhor é eterno;
só elle consolidou para sempre o throno de David , pois que é na
qualidade d'Ilomem Deus , Filho de Deus e filho de David , que
t~lle reina e reinará sempre no Ceo e na terra.
Esta promessa ajuda-D-Os muito a reconhecer ·º l\lessias : a:pri-
meirn promessa feita a Adam annuncia-nos um Redemptor, sem nos
dizer o tempo nem o lugar do seu nascimento, nem o povo de que
ha de sahir ; a segunda, feita a Abraham, diz-nos que nascerá da
posteridade d' Abraham; a terceira, feita a Isaac, ensina-nos que nas·
cerá delle ; a quarta, que nascerá não d'Esaú, mas de Jacob; a
quinta, feita por Jacob moribundo, adverte-nos que sahirá da trib.u
de Juda ; em fim esta ultima revela"."nos que ~er4 da familia de
David. D'ora em diante, todas as nações d.o mundo, as demais tri-
bus d'Israel , e ainda as familias da tribu de Juda, não descenden- ,
tes <le David, são todas excluidas. Não teremos que buscar em ou...
tra parte o Salvador do mundo, senão só na familia deste santo
rei. E' assim que chegamos, de degrao em degrao, a pôr o dedo,
para ;\ssiiµ c.lizer, no menino de Bethlem.

o· meu Deus 1 que sois todo amor, eu vos dou graças por ter-
des enchido de beneficios o santo rei David ; e mais pela nova pro-
messa do l\lessias que vos dignastes faler-lhe. Permilli , Senhor,
que eu seja como David na humildade, piedade, e viva gratidão a

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18S CATECISMO

vossos favores, e no valor constante contra os inimigos da minha


salvação.
Eu protesto amar a Deus sobt·e todas as cousas, e ·ao proximG
como a mim mesmo por amor de Deus ; e , em testemunho deste
amor, ajoelharei toda a vez que passar por diante dç mim o San-~
ta·ssimo Sacramento. ·

XXXV.º LIÇÃO.

D:avid pecca. - Nathan: lhe é enviado. - Revolta d' Absalom. - David


sahe de Jeràsatcm. - Desfeita e morte d' Absaloni. - Novo peccado do
David. - Sua morte. - David, decima sexta figura do Alessias.

N-0 meio da gloria alc~nçada por suas façanhas e virtudes, David;


este principe tam prudente e piedoso, por algum ten1po se esque..,
ceu de si, e moslrou, por seu exemplo, quanto o homem deve te-
mer da sua fraqueza, e precaver-se contra os perigos a que está
exposto. David commetteu dous crimes enormes; e esteve na ini,,-
mizade de Deus por tempo d'um anuo ; tam profundas são as tre~
vas em que, pelo peccado, se sepultam as almas, ainda as mais
santas! Quando porem vivia neste esquecimento de Deus, e de
seus deveres, o Senhor teve compaixão delle, e lhe enviou o Pro-
pheta Nathan, para lhe desvendar os olhos, e obrigai-o a tornar
em si.
Cumpi·iG o Propheta corajosamente a sua missão. Em castigo
do teu duplice crime , lhe disse e.Ue, a espada da justiça virá d~
tua familia : da . lua mesma _casa é que o Senhor tirará os minis~
tros da sua vingança ; ella vai tornar-se um theatro de desgraças.

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DE Pl!'RSEVEIANÇA. 189
David, commovido das reprehensões do Prophela, cabio eni sl, e
conheceu o seu crime. Esquecido da dignidade real e somente lem•
--- brado do seu peccado, a si mesmo se condemnou , sem procurar
desculpas. Pequei contra Deus , disse elle , penetrado de dor, -
e com humilde submissão aceitou todos os males que Nathan lhe
predisse cahiriam em sua familia. O Senhor, que jámais rejeita um
, coração contricto e humilhado , mandou-lhe dizer pelo mesmo Pro-
pheta, que o restituia á sua graça ; mas por amor da sua glo1·ia, e.
por interesse do mesmo penitente, lhe fez expiar os crimes que lhe ·
tinh~ perdoado. .
Absalom, um dos filhos de David , revo1tou..,se conlra seu pai.
Tinha elle grangeado a atfeição do povo, fazendo-se popular. To-
das as manhãs se punha á porta do palacio, e quando algum Israe-
lita vinha ll'atar negocios com David, Absalom se cbegava com mui-
ta urbanidade, e lhe fazia mil caricias. Contai-me , dizia elle , o
que vos traz á corte. Quando lhe satisfaziam a curiosidade :~ Na
verdade, acrescentava elle, na<la é mais justo e razoavel do que o
que pedis ; mas que vos vale ter justiça ! O rei a ninguem nomeou
para attender ás reclamações de seus subtlitos ! Se eu tivesse al-
guma aucloridade em Israel , para julgar os subdilos do rei ; te-
riam um facil accesso, eu ouviria a todos ; sacrificar-lhes-hia o
meu repouso:, e daria sentenças com equidade e justiça. Se alguem
o cortejava, estendia-lhe a mão ou abraçava:...o. Com todos conver-
sava e tratava familiarmente ; de sorte que ninguem se despedia d' el-
le que não fosse encantado do seU' caracter affavel , officioso e
meigo.
Com estas falias e. maneiras seductoras, grangeon Absalom um
grande numero de parlidarios ; e quando lhe pareceu ser occasião
opportuna, sahio de Jerusalein com pretex.Lo d'ir cumprir um voto.
Acompanharam-no seus parciaes , a elle se fe~ acclamar rei. A es-
ª
ta nova, veio o ·povo em multidão juntar-se eHe, e marcha1·am pa-
ra Jerusalem.
Para evitar maiores males , resolveu David tomar a fuga. Sa-
Jliu da-capital acompanhado de seus bravos soldad.os; tendo a este
tempo mais -de sessenta annos. Atravessou a torrente do Cedron, .e
subio a montanha das Oliveiras , com a cabeça cobel'la, e os

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CATECISMO
olhos alagados em lagrimas. Entretanto Absalom entrou trilimpl1ante
em Jerusalem. Tudo se prostrava diante delle. David da sua par-
te, cada vez se ausentava mais. Nesta triste jornada bebeu até ás
fozes o calis das humilhações. Um descendente de Saul , chamado
Semei, vendo David neste estado a que· o Senhor o reduzira, quiz
ter o cobar<le prazer de o insultará sua vontade-. Subio a uma col-
Iina , e seguindo David passo a passo , não houve improperio que
não soltasse contra elle ;e chegou a ponto a. insolencia de lhe
atirar pedras, e aos soldados que o acompanhavam. Um dos offi-
ciaes de David pedio ao rei lhe permitlisse ir castigar aquelle pe-
tulante ; o santo rei contentou-se com lhe responder: Deixai a esse
homem maldizer um criminoso que Deus pune, é o Senhor que se
serve contra mim da malicia de Semei , _e quem somos nós para
lhe pedir contas do seu procedimento?
Entre.tanto, a demora d' Absalom em Jerusalem deu tempo a Da..
vid de se apreslat· e engrossar o seu exercito. Os rebeldes por fim
pozeram-se em m.archa, e vieram acampar assaz perto das tropas
1·eaes. Dispozeram-se de parle a parte para dar batalha. David queria
eommandar o exercitopessoalmeule;mas representaram-lhe queeraneces..
sario pôr a sua vida em seguro. Uma nova, que a este tempo che..
gou ao campo de David, servio para animar a esperança do bom
successo. Achitophel, que tinha sido a alma da conspiração, o con-
selheiro d' Absalom , o traidor que entregara ao filho a corôa do
pai, cheio de despeito por se ·ver desprezado , enforcou-se em sua
propria casa.
David ehamou os seus lres generaes, antes de os enviar ao
eombale, e disse-lhes, na presença de todo o exercito : Sobre todas
as cousas conservai a meu filho Absalom. Vindo pois ás mãos, o exer·
cito rebelde foi derrotado: e o mesmo Absalom, d' envolta com os
que fugiam, embrenhou-se por uma floresta proxima : alli foi encon-
trado pelos soldados do exercito de David; os quaes, lembrados das
ordens do rei, o deixaram ir fugindo. l\lontava elle uma mula de
ext.rema velocidade, e corria a toda a brida , quando, ao passar por
baixo d'um frondoso carvalho, ficou travado , ou pelo pescoço entre
-dous galhos , ou -pelos cabellos na espessura dos ramos. A mula
• passou e o deixou suspenso entre o Çeo e a terra.

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DE PERSEVEWANÇA. 191
Neste estado foi descoberto pO'r uni soldado do exercito de Da-
vid, que foi a correr dizer a Joa_b : Eu vi o filho do rei no bos-
'Jue, suspenso d'um carvalho. Tu o viste, tornou este general , e
não lhe atravessaste o corpo com a tua espada? da·r-te-hia dez mQe-
das de prata, e um talabarte. l\Iil que me desseis , respondeu o
soldado, não levantaria mão contra o filho do rei; todos estavamos
presentes quando vos elle mandou que sobre todas as cousas con-
servasseis a seu filho Absalom. Pois já que não queres, tornou Joab,
eu mesmo o farei por minhas proprias mãos. Dito islo , tornou
tres dardos e roCao s1lio que lhe fora indicado. Alli achou o des-
graçado principe e lhe val'Ou o peito de tres golpes ; e co_mo ainda
latejava, suspenso sempre da mesma arvore • dez moços escudeiros
ou ajudantes de Joab foram-:;e a elle e o acabaram ás espaueira-
das : terrivel màs justo casligo d'um filho ittgrato e rebelde a
seu pai.
O general despediu logo um correio para levar a David a no:-
rn da vietoria ; o qual, em chegando, ajoelhou-se diante do mi, , e
lhe disse : Bemdilo seja o Senhor Deus de David, que confundio to-
dos os rebeldes. l\Ias o meu filho Absalom, tornou o 1·ei , o meu
filho, está elle vivo ? Em quanto o primeiro enviado procurava
1·esponder, chegou segundo a confirmar a nova da victoria. l\1as
vós não me fallaes d' Absalom , diz o rei , não lhe aconteceu mal ?
·Possam todos os inimigos do rei , meu Senhor! respondeu o correio,
sei· tratados como este filho rebelde! Da,·id comprehendeu o qu~
significavam estas palavra~. Insensível a ludo , e só pre~cupado
da morte de seu filho, nem inquiriu quaes foram as cfrcumstancias,
, nem os authores della, mas retirando-se á sua ca~ara : l\feu filho Absa-
1om, exclamava elle, Absalom meu filho, que não possa eu morrer
por ti ! Não dizia outra cousa, nem sabia outro nome de sua bo-
ca senão o de seu filho ; todo fóra de si, coberta a cabeça com o
seu manto, lornava a começar a mesma cousa : Absalom meu filho,
meu filho Absalom ! . O' alma cbristã ! Estas patheticas palavras
de David devem lembrar-te os ais muito mais sentidos de teu Salva-
dor, quando tens a desdita de perder a vida da graça pelo pecca-
do. Poderás ainda consentir em contristar o coração deste amoro-
so pai?

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192 C.\ TECISMO

Joab; offendido de que o rei se impo1·tasse tam pouco d9 folit


succe~o de suas armas-, apresentou-se diante de David e ousou ex-
probrar-lhe o amar aquelles que o ·odiavam, em qnanlo odiava
aquelles que o amavam. Obrigou-o a mostrar-se em publico, para
receber ·de seu povo as felicitações da victoria que havia alcança-
do. David era clemente ; mas lem a clemencia seus limites. ·Per-
doou a todos aquelles que tomaram o partido de seu filho ; porem
quanto a Joab, que tam insolentemente violara suas ordens 1 re-
commendou a Salomão, á hora da morte, que o mandasse matar, o
que elle assi~ fez.
Restituido ao throno, David restabeleceu a ordem aonde quer
que a revolla a perturbara. A paz de que então começava a gozar<>
foz cahir em novo delicto, menos g~ave sem duvida do que aquel...-
les po1· que Deus o havia tam severamente punido, mas todavia tal 1
que foi causa d'um grande flagello para seu povo. l\Iemoravel ex-
emplo de que o homem, por justo e penitente que seja, é sempre
homem , sempre sujeito a lenlações e quedas. David quiz , por _um
movimento de vaidade, faz:cr o arrolamento de seo povo. Reprn-·
sentaram-lhe: que. este fausto otfenderia o Senhor, e não deixaria de·
trazer a Israel novos castigos ; mas não qu·er ouvir conselhos a
vaidade dos grandes. David instou que obedecessem , e fez-se <>-
arrolamento. Apenas satisfeita a sua vaidade, conheceu o mal que·
tinha feito. O Senhor lhe perdoou, mas com estas condições, que lhe man-
dou intimar por um de seus Propbetas. ·
Princípe, lhe disse o Prophela, eis-aqui o que diz ~o Senhor :
Não escaparás ao castigo que merecesfe ; · mas de tres flagellos que·
te proponho , es·colhe o que quizeres. Ou o teu reino será devas-
tado por uma fome de tres annos, ou por tres mezes fugirás dian-
te de teus inimigos, ou a peste assolará por tres dias a Israel.
Vejo-me cruelmente embaraçado , respondeu David; mas, já
que é força escolher, prefiro o flageHo em que a malieia dos bo-
mens lenha a menor pa1·te , porque melhor é cah1r nas mãos de
Deus, que nas dos homens : e David escolheu a peste. No mesmo
instante o terrivel flagello se espalhou por todo o refno. Antes do
fim do terceirOJ dia , já setenta mil homens tinham perecido. Da-
vid1 penetrado de dor, prosternou-se com a face em tei:ra dizendo:

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.
DE .
PERS.EYERANt~ A. 193
· Senbol' ! fui cu que pequei , fui eu que fiz o mal. Que mal
fizeram estas innocenles ovelhas? Descarregai em mim os gol-
pes, e na casa _de meu pai ; mas , eu ·vos conjuro, perdoai ao
vosso povo. ,
A oração de Davi<l era smcera : Deus não pôde resislir. . Jhc.
l\fandou ao seu Anjo que metlessc a espada na bainha. Eis como
peJo crime (fum só homem ó punido todo um povo; tanlo é ver-
. dade, como já_ dissemos, que, se os justos podem ludo para procu-
rar a seus irmãos as bençãos do Ceo, os máos não são menos po-
- derosos para attrahir maldições e castigos.
Chegava David aos seus setenta annos. Suas grandes fa-
digas o tinham em extremo enfraquecido ; entendeu que se a-
proximava a sua morte. Mandou pois chamar Salomão , seu
filho e succcssor , para lhe dar. suas ultimas inslrucçõcs. Es~
tou proximo a morrer , meu filho , lhe disse elle , tem animo e por-
ta-te como príncipe genocoso. Observa os mandamentos do ~c­
nhor Leu Deus , a fim de mereceres as suas bençãos e consolida-
res a tua corôa.
Depois d'outros conselhos relativos ao governo , adormeceu
David nff seu ullimo somno , e descançou com seus pais ,
cheio de <lias e de meritos·, respeitado e querido de seu po-
vo , que mais governou como pai que como í·ei ; amado de seu
Deus , a quem teve a desgraça d'offender nos mais beJlos dias
da sua vida, não obstánle ter passado sua mocidade no tra:..
balho e innocencia , mas com quem se reconciliara pelo fervor
da sua penitencia e humildade de sua s~1bmissão. Rei segun-
do o espirilo de De_us , ao mesmo tempo foi o· pai ; o propheta.
e a figura do Messias .
. Com effeito , David nasceu em Bethlem. Nosso Senhor nasceu
cm Bethlem. - David é agradavel a Deus, que o escolhe para .set·
o rei e libertador de seu povo. No so Senhor é o objeclo das com-
p1acencias do Pai, que o escolhe para ser o Rei e Libertador dos
homens. - David e chamado para aplacar os furores de Saul 1 de
quem o cspirilo maligno se possuira. Nosso Senhor é chamado a
expulsar os demonios e aniquilar o seu imperio. - David , armado
.só d'um páo e urua funda , vai ao encontro de Golialh que : pór
25 II .

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CATECISMO

quarenla dias, insullava o cxercilo d'Israel. Nosso Senhor, armado


da sua cruz , sabe contra Satanaz que , por quarenta seculos , insul-
tava o genero humano. - Golialh zomba de David , e despreza sua
fraqueza. O demonio e o mun<lo zombam da fraf1ueza apparcnte de
Jesu-Christo, chamando á sua cruz uma loucura. Apesar da des-
igualdade de forças, 'David mala Goliath. Apesar da apparenle des- -
igualdade de forças, Nosso Senhor subjuga o mundo e o demonio.
- David é perseguido por Saul , a quem todavia não fez senão
bem. Nosso Senhor é perseguido pelos Judeos e o mundo, a quem
todavia não lem feito senão bem. - David não resiste a Saul se-·
não pela doçura e a paciencia. Nosso Senhor não resiste aos r1ue
o perseguem senão pela doçura e a paciencia. - David perdoa du-
as vezes a Saul. Nosso Senhor perdoa continuam~nte a seus inimi-
gos. - Depois de mais de trinta annos de trabalhos e persegui-
ções, David é em.fim reconhecido como rei por todos ·os filhos de Ja-
.cob. Depois de trinta e tres annos de humilhações, trabalhos e sof-
frimenl'os, é alfim reconhecido Nosso Senhor pelo Rei dos reis ; de-
pois de tres seculos o universo o adora , e no fim dos tempos os
mesmos Judeos abraçarão sua santa lei. - David pecca, e para
expiar seu crime- é obrigado a fugir de Jerusalem. 'Nosso Senhor
toma sobre si os peccados do mundo, e, para expiar os crimes que
não tinha commettido, é conduzido fora de Jcrrisalem. - David
passa, chorando, a torrente do Cedron. Nosso Senhor , penetrado
de dor, passa a mesma torrente do Cedron. - David sobe ·descal-
ço a montanha das Oliveiras. Nosso Senhor sobe lambem a monta-
nha das Oliveiras. - David é acompanhado por nm pequeno nu-
mero' de seus fieis servos. Nosso Senhor é acompanhado por sua
Mãi Santissima , S. João e algumas pessoas piedosas. - Da-
vid; em sua afflicção , é insullado por Semei. Nosso Senhor ,
sobre a cruz, é insultado- pelos Judeos. - David prohibe que
façam mal ao insolente que o amaldiçoa. Nosso Senhor pede
a seu Pai que perdoe a seus algozes. - Achitophel , que
atraiçoa David , enforca-se desesp1~rado porque o desprezam. Ju-
das , que entrega a Nosso Senhor , tambem se enforca descs-
perndo porque os sacerdotes o desprezam. - David torna tri-
umphanle 1 e recebe as homenngcns d_e seus sub<lilos. Nosso Se 4

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DE PERSEVERANÇA. 195
nhor sabe lriumphante do tumulo, e recebe as homenagens do
mundo inleiro. _
- Esta figÚra mostra-nos dous novos caracteres do Messias : 1. º
será Rei , mas rei clemenlissimo ; 2. º não conseguirá fundar o seu
imperio senão á forç.a de trabalhos e _contraclicções.

OBA.Çl.O.

O' meu Deus ! que sois tooo amor , eu vos dou graças por
haverdes perdoado com tanta bondade ao santo rei David: dignai-
vos perdoar-me coin a mesma misericordia, e dar-me sempre um
coração conlricto e humilhado, com uma grande sinceridade na con-
fissão de minhas culpas.
Eu protesto amar a D~us sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor do Deus ; e , em t~stemunho deste
amor , ntio estarei jamai·s ocioso.

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19G CATECfSMO

XXXVLª UÇ.\O.

O ~IESSIAS PRO~IETTIDO E FIGURADO.

Salomão rei. - Sua oração ao Senhor. - Outem a . sahcdoria. - Comc~a


:i cdificn~ão do lcmplo. - Dcscripçfio dellc. - Sua dcdicnção. - Nuvem
milagrosa. - Fogo descido do Cco. - Rainha de Sahà. Queda <lc Saio·
mão. - Salort1ão, dccima salnna figura tio Messias.

1\f ORTO David, o primeiro cuidado de Salomão, seu filho e succcssor,


foi dar-lhe as derradeiras honras e cumprir para com elle seus ul-
limos deveres, com toda a magniffcencia devida a um pai, que lhe
linha deixado por herança um ·dos mais bellos reinos do mundo. Elle
o mandou sepultar na cidade de Sião, que desde então se chamou ,
e ainda hoje ~e chama, a cidade de David. Instruido pelas lições
e exemplos de seu virtuoso pai, começou Salomão o seu governo pelo
fiel cn~J1l'imenlo de Lodos os deveres d'um bom principe. A jus-
tiça e clemencia com seus subditos, :;t piedade com Deus, uma pru-
dente desconfiança de si mesmo, foràm os lisongeiros auspicios de
seu reinado. A exemplo de David, gloriava-se de offerecer home-
nagens ao Senhor, de quem recebera a coroa e a vida.
Um dia foi elle á montanha de Gabaon, onde se co11servaYa
aincla o paYílhão que Moisés tinha mandado fazer no doserto , para
cobrir a Arca da -allianr.a. Depois d'um sacrificio solemne, offerecido
na presença de toda a corte, retirou-se Salomão á parte para des~
cnnsar. O Senhor, agradado d'uma piedade tam terna e rara em
um jovcn rei , não l:irdou cm a recompensar. Ne$la mesma noule,

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DE PtRSEVElt4.NÇA, 197
appareceo-lhe em sonho e disse-lhe : Que queres tu de mim? Pede
e serás ouvido. O' Senhor! respondeu Salomão , vós me fizestes
. reinar no lhrono de David meu pai , mas eu não sou mais que uma
criança inexrerienle, que não sabe conduzir, nem governar um povo:
peço-vos um animo docil , um coração recto, em uma palavra, a
sabedoria necessaria para o governo.
Desejos tam puros não podiam deixar de ser ou,·idos de Deus.
Pois que me pedes isso, lhe disse o Senhor, e não todos esses bens
que lisongeam a ambição e cobiça dos reis , a dilalad a vida , as ri-
quezas, a gloria , , concedo-te o que desejas ; terás uma sabedoria
como nenhum homem ainda Leve, nem terá jamais depois de Li.
A este favor ajuntarei o que me não pediste , riquezas , prosperi-
dade , e gloria.
A estas palavras despertou Salomão. Cheio d'ti:n novo fervor ,
vai a Jer~salem, e offerece numerosos sacrificios, para Leslemunhar
ao Senhor o vivo reconhecimento de que estava penelratlo. Pouco
depois ~posou a filha do rei do Egyplo , e lhe mandou edificar um
magnifico palacio.
Entre tanto florecia sen reino· em paz e prosperidade. Os povos
visinhos procuravam sua amisade com tribulos, presentes, e embaixa-
dorns. Os Israelitas, ao abrigo de seus insultos, gozavam uma ditosa lran-
quillidade. Ajuntavam-se as familias sem inquietações nem receios á
sombra das vinhas ou das figueiras, para alegres colherem seus fru -
clos, e fazerem seus innocenles banquetes. D'uma a outra extre-
midade do reino , ·não se ouvia fallar de perturbações , nem cont('n-
das , ·nem esterilidade , nem indigeocia. Taes foram os fruclos de
benção , de que o novo rei achou as sementes no seu acc('sso ao
throno. Bastava-lhe só cullival-as em paz , e augmentar a magni-
ftcencia d'um Estado que lhe deixaram opufonto , parecendo ser a
sua principal missão o cmprehendcr e acabar a grande obra da edi-
ficação do templo.
Sabia elle com effeilo, que era para isso que o Senhor lhe po-
sera a coroa na cabeça , e ·não perdeu um momento em cuidar na
empreza. A primeira cousa que fez foi escrever ao rei de Tyro,
chamado Iliram , antigo amigo e atliado de David, dizendo-lhe : Tu
sabes qual foi o desígnio do rei meu pai , e q.ue lhe não fo i possi-

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198 CATECISMO

vel edificar um templo á gloria êlo seu Deus, pelas continuas guer-
ras·, que se vio precisado a sustentar de todas as parles· em todo
o tempo do seu reinado. Eu porem tenho agora o mesmo designio;
mas careço do teu auxilio nesta grande empreza. Preciso d' cxcel·
lentes obreiros, bem como d'uma grande quantidade de madeira de cedro
do Libano; tu só me podes prover d'ambas estas cousas. Não quero
1>0rem que este obsequio te seja penoso. Estabelece tu mesmo o
preço , e estarei pelo que estipulares. Hiram estimou muito a carta,
e apressou-se a enviai· a Salomão todos os cedros e obreiros de que
preciza'va. Immedialamente se começou a obra.
Trinta mil homens se occupavam em cortar as arvores e prn·
parar as madeiras, mdo por turnos dez mil cada mez para o monte
Libano ; oitenta mil trabalhavam .em tirar a pedra ; setenta mil ,
em fazer a~ conducções; e lres mil e seiscentos, em dirigir os tra. .
b;;ilhos. Todas as petlras e ma.deiras, quando as traziam , já vinham
apparelhadas para se collocarem em seu lugar ; de sorte que se não
ouvia no templo o baler do marleJlo , oQ. do machado em quanto
se edificava.
Lançaram-se os primeiros fundamentos deste grandioso edificio
no quarto anno do reinado de Salomão ; quatro cenlos e oitenta ,
depois da sabida do Egypto ; mil , antes do nascim ento de Nosso
Senhor. Foi construido segundo .o modelo do Tabernaculo~ que ~foi­
sês tinha erigido no deserto, e do qual o Senhor mesmo tinha dado
a planta. Toda a differença consistia na magnitude das dimensões e
· riqueza dos ornatos.
O templo linha quatt·o pa~·tes.
1. 0 O atrio d' Israel. Era um vasto pateo cercado de galerias,
e edificios , que serviam para alojar os ·sacerdotes , e guardar os
thesouros do templo e os vasos destinados ao culto divino. Toclos
os Israelilas podiam entrar neste primeiro rednto.
2. º O atrio interior. Era um pateo menos amplo · que o pri-
meiro mas igualmente cercado de galerias e edificios. Ordinaria·
mente só entravam. nelle os sacerdotes. Tinha no centro o altar
dos holocaustos , e uma grande bacia ele bronze , onde os sacerdo-
tes se punficavam antes de exercer as suas funcções. Era alli que
·se queimava a carne e a go~dnra das vielimas.

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DE PtRSEVERANÇA. 199
3.º O Santo. Adiante do alrio interior, eslaYa a parle chama-
da o Santo ou o lugar santo. No meio deste novo recinto havia
um allar d'ouro, chamado altar dos perfumes, sobre o qual se quei-
mavam, de noule e de dia, a1·omas d'excellente fragrancia ; tinha dez
candieiros d'ouro , de muitas hastes , que sustentavam alampadas
d'ouro, que o mesmo Summo Sacerdote devia conservar constante-
mente acesas. Estàvam. tambem alli dez mezas d'ouro para receber
os pães de proposição. Eram doze pães sem fermento, que todas as
semanas se renovavam. Só aos sacerdotes s~ Jlermittia comer os que
se tiravam.
4.º O Santo dos Santos. Nesta parte do templo·, a mais sanla
e a mais tremenda, estava collocada a Arca da alliança. Era todo
forrado por dentro e por fora de finíssimo ouro. Ninguem alli po-
dia entrar senão o Summo Sacerdote , e esse mesmo só uma vez
cada anno. Todas estas· immensas fabricas, que formavam uma grande
fortaleza , tinham o nome de Templo.
A construcção deste augusto eclificio , uma das maravilhas do
mundo , durou sete annos. A dedicação fez-se com inaudita magni-
flceneia. Prestemos attenção á sua interessante historia. Todos os
anciãos de Israel, todos os chefes das tribus e um povo innumera-
vel, apresentaram-se em Jerusalem no dia que o rei linha indicado.
Foram buscar primeiro a Arca da alliança do lugar onde estaYa de-
positada :-era levada pelos sacerdotes. Vinha á frente delles o Sum-
mo Ponlifice Sadoc , precedido de mais cento e cincoenla sacerdo-
tes , filhos d' Arão , os quaes , ao som de suas sagradas trombetas ,
rompiam a marcha e apregoavam o triumpho do Deus d'lsrael. Se-
guia-se o rei acompanhado dos .chefes de familia , dos officiaes e de
toda a sua corte. Vinha. depois , mas na melhor ordem 1 a mul-
tidão immensa do povo.
Esta marcha. triumphal era interrompida por paradas regulares ,
durante as quaes reteniam os ares com o som das trombetas e de
todos os instrumentos musicos , aos quaes respondiam os córos que
cantavam uníssonos. Quanto é grande , quanto adoravel, mas sobre
tudo quanto é arnavel, quanto é bom, o Deus d' Israel? .A sua mi-
sericordia estende-se de secido a seculo, e perpetua-se até á consum-
mação dos tempos! Cada vez que a Arca parava, o que se fazia

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200 CATECISMO

regularmente depois d'um certo numero de passos, immolavam-sc


viclimas.
Chegaram emfim á porta do templo , onde começaram de novo
o soar das trombetas, a harmonia dos instrumenlos, o canlo dos
Psalmos, e a immolação das viclimas. Collocaram enlãc;> a Arca no
Santo dos Santos, e os sacerdotes sahiram. No mesmo instante ap-
pareceu um d'aquelles prodígios com que ªP.razia ao Deus d'Israel
assignalar seu poder , e manifestar a satisfação que seu poYo lhe
dava. Uma nuvem milagrosa se espalhou do fundo do Santo dos ,
Santos , onde se formara , por toda a extenção do témplo, de sorte
que os sacerdotes não podiam exercer as funcções do seu ministerio.
Era o Senhor que enchia de gloria a sua nova habitação , e a con-
sagrava com a sua presença.
Ao ver isto , Salomão se prostrou em terra·, abençoou o seu
povo , a exemplo de :Moisés e David : deyois , dirigindo-se ao Se-
nhor, fez esta oração : Senhor, Deus d'Israel, não ha outro Deus
senão vós, no Ceo nem sobre a terra. E' pois criv('} que vos di-
gneis habitar com os homens ~ · Se toda a extensão dos Ceos não
é bastante para vos conter , como pode esta casa , que edifiquei ,
receber lam grande mageslade? Assim não é ella destinada senão
.a ser o lugar aonde escutareis propicio as supplicas de vosso servo,
e as de vosso povo. Estejam pois abertos os vossos olhos, Senhor
e atlentos os vossos ouvidos ás humilissimas supplicas, que vos fizer-
mos neste lugar. Escutai-as do alto dos Ceos~ onde é o vosso throno,
e usai comnosco de miserisordia.
:Não tardou o Senhor a declarar quanto esta oração 1he foi aceite.
Immolavam por toda a parte viclimas que otfereciam sobre o altar,
.quando do repente um fogo sagrado , descendo do Ceo , consumiu
instantaneamente as victimas e holocaustos. Era o mais sensivel tes-
temunho que se podia dar de quanto . apraziam a Deus todas as ac-
ções deste dia solemne.
Logo depois seguio-se outro prodígio , que poz o cumulo no
Jubilo e reconhecimento d'Israel. A magestade do Senhor, symbo-
Jisando-se em uma nuvem luminosa, encheu segunda vez todo o am-
bito· do tempio. Assombrados por este segundo prodigio, lodos os filhos
se
d'I~rael prosternaram com a face em terra, e começaram a lou-

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DE PERSEVERANÇA.
var e bemdizer ao Deus de seus pais, cantando canlicos em hônra
de sua infinita bondade eeterna misericordia.
Durou sete dias a solcmnidade da dedicação·, aos quaes se accres-
centaram outros sete por causa da festa dos Tabernaculos. No dia
decimo quinto retirou-se o povo cheio d'alegria e fervor.
A reputação <le Salomão em breve se divulgou por todo o Oriente.
Uma princeza celebre , maravilhada do que a fama apregoava delle,
quiz ~ertificar-se da verdade. Era a Rainha de Sabá. .J-\presentou-
se em Jerusalem com um cortejo digno da magestade real, de que
estava revestida ; e da grandeza do re.i a quem visitava. Salomão
a recebeu com uma sumptuosidade que a principio a deslumbrou.
l\Ias o que ella mais pretendia era averiguar as qualidades pessoacg
do rei d'Israet Fez-4he pois as mais tlifficeis perguntas , a que o
principe satisfez com prodigiosa facilidade. Tantas maravilhas , tanta
_ sabedoria , fizeram tal impressão na rainha estrangeira , que ficou
como fora de si, sem poder dizer palavra.
O auge de gloria a que Salomão se vio exaltado, por lam es..
plenuida e lisongeira visita, parece que foi o lermo da sua sabedoi·ia, é
o escolho da sua innocencia. Elogiado por toda a parte , e111 paz
com os antigos inimigos do seu povo, adorado no universo, respeitado
de seus subditos, sem cuidados no interior , depois que terminou suas
reaes emprezas, tudo isto o foi avisinhando a pouco e pouco do precipício
em que se despenhou emfim pela seducção do prazer , de que uma
\'irtuosa mocidade nem sempre põe a coberto os derradeiros annog
d'uma velhice vergonhosa. Salomão., o rei dos reis, o sabio por
excellencia , o favorecido do Ceo , é vencido por ignobeis paixões.
Depois de ter edificado o. primeiro templo ao verdadeiro Deus , ado-
rou tantos falsos deuses quantos lhe deram a conhecer mulheres es-
trangeiras. Espantosa queda , que nos faz gelat· de medo !
O Senhor , justamente irritado das desorcÍens deste principe ,
enviou-lhe um Propheta que lhe disse da sua parte : Por isso que
não guardaste a fidelidade que me devias , dividirei o teu reino e
darei uma parle delle a um de teus servos , não o fârei comtudo
em lua vida , em consideração de David; inas será no reinado de
teu filho , que cu verificarei esla ameaça. Não lhe tirarei o reino
inteiro ; por causa de David ,· meu servo ? lhe deixarei uma lribu ,
26 II

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202 CATECISMO

e a cidade ele Jerusalem, que escolhi para fazer adorar n~lla o meu
santo nome ; eu lh'a conservarei, a fim que o meu sel'vo David le-
nha sempre uma alampada, que brilhe diante dclle; isto é, uma fa-
isca da sua progenie.
Salomão morreu depois d'um reinado de quarenta annos , cujos
principios, sabios o gloriosos, prornelliam as mais felizes consequen-
cias. Ignora-se. se se arrependeu ·das suas culpas anles de appa-
recer no lribunal de Deus. Como quer que seja , Salomão é , como
David seu pai , uma das grandes figuras do l\Ie3sias ; mas do l\Ies-
sias glorioso e triumphante.
Com effeito, Salomão, gozando das viclorias de David seu pai ,
sobe ao throno e reina em paz sobre seus inimigos vencidos. Nosso
Senhor , gozando de suas victorias e de seus trabalhos , sobe ao
mais alto dos Ceos , ao throno de seu pai , e reina em paz sobre
seus m1m1gos. Salomão recebe por esposa a filha d'um monarcha
estrangeiro. Nosso Senhor escolhe a Igreja , sua esposa , entre os
genlios, estranhos ao povo Judaico e á vercladeil'a Religião. Salomão,
por esla alliança, encorpora com seu povo esta princeza estrang-0ira,
e a enche <l'bonras. Nosso Senhor , por sua alliança , purifica a
·Igreja ., faz della seu povo, e a enche de graças na terra e de
gloria no CeQ. Salomão edifica um tempo magnifico ao verdadeiro Deus.
Nosso Senhor transforma o mundo, que antes não era mais que um vasto
templo d'idolos, cm um templo do verdadeiro Deus. Os Judeos e os Tr-
rios unem-se para construir o templo de Salonião. Os J u·deos e os Gen-
tios unem-se para fundar a Igreja , templo do verdadeiro Deus. E'
Salomão quem convida os estrangeiros a tomar parte com seu povo
nesta grande obra. E' Nosso Senhor quem chama os Gentios , para
formar ~ com os Judeos , o grande edificio da Igreja. E' Salomão
que communica aos obreiros o . plano t.la obra. E' nosso Senhor que
revela aos J udeos e Gentios o plano da Igreja , o meio de a esla-
belecer, seus combates , suas .victorias, seu triumpho no Ceo. Salo-
mão emprega muitos mais estrangeiros do qne Judeos na constrnc-
ção do templo. Nosso Senhor emprega muitos mais Genlios do que
J udeos na edificaç.ão da Igreja. Salomão manda lançar no fu11da-
menlo do templo grandes pedras de consideravel preço. Nosso Se-
nhor chamou-se a si mesmo a pedra angular , a pedra fundamental

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DE PERSEVERANÇA. 2.03
da Igreja. Salomão manda apparelhar longe do templo todas as pe-
dras que devem servir na sua construcção. Nosso Senhor manda
purificar na terra todos os Fieis que devem um dia entrar; , como
outras tantas pedras espirituaes , na edificação da Igreja celestial.
o cinzel e o martello tiravam as pedras tudo o que tinham d'aspero
e superíluo. E' pelo cinzel da mortificação e o niartello da penitencia que
se tiram de nossas almas as asperezas e superfluidades, islo é, os affectos •
desregrados e a soberba. Ao ouvir a fama da sabedoria de Salomão, arai-
nha de Sabá, sahe de seu reino , Ao ouvil' o nome de Jesu-Christo Nosso
Senhor , as nações sahem do imperio do demonio. A rainha de Sabá
admira a sabedoria de Salomão e a felicidade de seus povos. O mun-
do aJmira lambem a sabedoria de Nosso Senhor e do seu Evangelho,
reconhece a felicidade d'aquelles que vivem como Christãos , sup-
. posto que nem sempre tenham os mundanos a coragem de os imitar.
A p inha de Sabá offcrece ricos presentes a Salomão. As nações
tcem offerecido a Nosso Senhor seus corações e riquezas.
Todas as figuras precedentes mostram-nos o Redemptor perse-
guido, padecente , eíferecendo um sacrifício, combatefülo contra seus
inimi()'os : esta nol-o representa ao contrario triumphante , lrai)quillo
e glorioso. D esl'arte, totlas as figuras -reunidas descrevem-nos a vida
completa· do Redemptor : vida de trabalhos na terra , de gloria e
bemavenlurança no· Ceo.

O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças por ha-
verdes escolhido uma habitação entre os homens : inspirai-me um
profundo respeito pela vossa Igreja , e mais por mim mesmo , que
sou vosso templo vivo. · '
Eu protesto amar a _Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e , em testemunho deste
amor , cont.ribufrei segundo as minhas posses para o ornamento das
Igrejas.

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20i CÃT&CISMO

O MESSIAS PROl\íE'l'TIDO E FIGURADO~


Scisma das dez tribus. - Sua idolatria. - Jonas os cxhorta a conver-


ter-se. - Recebe ordem de ir prégar a penitencia a Ninivc. - Procura
esquivar-se a esta commissão. - E' lançado ao mar, e engulido por
um peiíc, que o depõe sobre- a praia. - Préga cm Ninive. - Peniten-
cia dos Ninivitas. - Queius de Jonas por se lhe murchar uma hera.
-AdmQestações do .Senhor. -Jonas, · deci1~1a figura do ~rossias!

NAS figUFas precedenles vimos o Salvador ora soffrenuo precisões, ora


perseguido , ora humilhaclo ; depois exaltado ao fastigio da _gloria, rei"'.'
nando em paz sobre seqs inimigos vencidos. Para acabar este ma~
gnifico retrato, restava só dizer-se-nos como é que o Salvador passa-
ria ~ssim da humilhação á gloria. E' o que a Providencia quiz si-
_gnifjcar-nos por esta decima oitava figura , ultima do nos~o Cat.e-
ci.$pio.
Salomão tinha ·sobrecarregado seus subditos de tributos nos .ultb
mos al)nos do seu reinado. Depois da sua morte , procuraram os
Judeos. ~lliviar-se d'este jugo, sob o qual gemiam; e elíldereçando-se
a Reboam , filho e successor do Salomão , apresentaram'."'lhe este re-
querimento : Vp·sso pai impoz-nos um jugo mais que muito pesado ;
nos vos conjuramos a que allivieis o rigor com que elle nos tratou.
E logo nos submetteremos á vossa auc.toridade , e vos prestaremos
a mais perfeita obediencia: ,
Reboam consultou primeiro, sobre este ponto, os anciãos que,
pertenceram ao conselho de Salomão ; os quaes foram de parc~er

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DE PERSEVERANÇA. 203
que se concedesse ao povo o que pedia. Roboam porem não gostou deste
_conselho , e convocou um bando de moços corlezãos , educados com
elle nas delicias da coi·Le, a quem propoz a mesma questão. Estes pois
lhe aconselharam que estabelecesse a sua auctoridade por um golpe
vigoroso, e o determinaram a 'responder asperamente , clizendo ao
povo : Meu pai ~os impoz um jugo pesado , e eu o farei ainda mais
insupportavel ; n,.eu pai vos castigou com varas, e eu vos castigarei
eom um azonague armado de pontas de ferro. Deus permiltiu q~e
este conselho prevalecesse.
A resposta do rei excitou uma geral sublevação ; $epararam-se
dez tribus de Reboam, ficando apenas em sua Õbediencja a tribu
de Juda e a de Benjamin. Assim se cumprio a aqieaça que o Se...
phor havia féito -a Salomão.
A nação judaica ficou pois dividida em dous Estados. O das
dez tribus tomou o nome de reino d'lsraeJ, o Qutro chamou-se reino
de Juda. J ernboam , chefe do reino d' Israel , estabeleceu sua resi- •
dencia n'uma cidade chamada Sichem. Sessenta annos depois, Anll'i,
um dos seus successore~; mandon edificar a cidade de Samaria ,
que foi a capital do rei_l}Q 4'1srael , como Jen1salem a do reino de
,Juda. · ~
Jeroboam , temendo que as dez tribus se reuníssem a seus if.,.
mãos de Juda , prohibio a seus subdilos de irem sacrificar ao tem-
plo de Jerusalem. Erigio pois dous bezerros d'ouro, a que deo o
nome de deuses d'lsrael, e os fez adorar. , Conservou comludo a lei
de Moisés , que interpretava segundo a sua phantasia.; porem man-
dava observar quasi todo o regimen exterior, de iiorte que o Pentateuco
foi sempre tido em veneração pelas tribos separadas. Do meio desle
reino scismatico permittio o Senhor , cuja misericordia é infinita,
que salusse um homem que foi uma das mais bellas figuras do Re-
dernptor, fallamos de Jonas : Propheta e figura do Messias simulta-
neamente , foi elle , para assim dizer , a transição das figura~ para
as prophecias .
..Depois de ter por muito tempo exhortado o reino d'lsrael a re-.
nunciar seus falsos deuses , foi enviado a prégar a penitencia aos
pabitanles da cidade de Ninive. Vai, Propheta, lhe diz o Senhor,
v~j ~ grande cidade de Ninive ; annuncia a se"us habitantes que o

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206 CATEClSl\fO

clamor de suas iniquidades subio até mim e sollicila a minha vin-


ganç:i. Afigurou-se a Jonas que.a commissão era perigosa. Bem conhecia
elle as entranhas do Senhor; e começou a discorrer comsigo, que os Nini-
vitas , movidos e atterrados por seus discursos e amea~, as recorre-
riam á penitencia; que o Senhor, inclinado como é á misericonlia,
não se resolveria a os exterminar ; e que nisto lhe iria a elle não só
a honra como 'até a vida ; pois o teriam depois por um Propheta
falso.
Portanlo, determinou Jonas fugir da face do Senhor. Em lu-
gar de partir para Ninive , apresentou-se cm .Toppe , porto de mar
no litloral dos Philistheos ; e achando um navio prompto a dar á vela
para a cidade tle Tharsis , ajusta com o piloto a tiua passagem , e
embarca=-se para alli.
Propheta , é em vão que chamas em teu auxilio o mar e os
,~entos ; não se evita a presença do Senhor pela distancia e a fuga.
Apenas sa.hiram do porto levantou-se um vento tam rijo; tam furiosa
wmpestade cahio em cima dclles ; que parecfa a cada instante que se
abysmavam. Espalhou-se o terror pelos marinheiros, e chegaram
a lançar ao mar todas as mercadorias, para alijar o navio.
Entretanto Jonas tinha descido ao porão, onde dormia profun-
damente. Foi o piloto ter com elle e disse-lhe : Como podes dor-
mir' no meio do perigo que nos ameaça? Levanta-te, invoca o teu
Deus , póde ser que se compadeça de nós. Jonas poz-se a orar ;
mas o Senhor foi inexorave1. Não sabiam que mais· haviam d~
.fazer, quando os passageiros começaram a dizer uns para os outros :
Deve de estar entre nós algum criminoso que excita a colera do Ceo;
deitemos sol'les e saibamos quem é o culpado : assim fizeram , e a
sorte cahio e'm Jonas. Perguntaram-lhe d' onde era, para onde ia , \
qual era a sua nação , e sobre ludo que tinha elle feito, para dar cau-
a
sa tám espantosa tempestade. Sou Hebreo , respondeu Jonas, sir-
vo ao Deus do Ceo, qu~ fez o mar e a terra ; sou culpado peran-
te elle; porque fujo da sua presença, para não executar as suas
ordens.
Este discurso encheu de pavor toda a equipagem. Que fare-
mos nós de ti , perguntaram elles ao . Propheta , para serenar o Ceo
e aplacar as ondas ? Porque as vagas cada vez mais se encapel •

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DE PERSEVF.~ANÇA. 207
lavam. Pegai de mim, lhes disse Jonas, e lançai-me ao m&r: o
Senhor fará cessar a tempestade. O conselho de Jonas não lhes a-
gradou. Como se vissem todos em termos de morrer , não podiam
os passageiros resolver-se a tirar a vida a um estrangeiro , que se
Linha confiado nelles. Esforçaram-se por tomar terra á força de
remos ; mas nada conseguiram. Então tomaram o partido que o
mesmo culpado não cessa''ª de lhes suggerir. Lançaram Jonas ao
mar, e no mesm~ instante serenou a tempestade.
Não se esqueceu o Senhor do seu Propheta : conduziu para alli
um peixe de monstrnoso tamanho , que cngulio Jonas e o livrou do
naufragio. No ventre desta balea permaneceu o Propheta por tres
dias e lres noutes. (1) E' um milagre tal como o da conservação
dos trcs meninos na fornalha de Ilab1 l~nia ; mas os milagre nada
cust.am áquclle que creou o uni verso 1 e dispõe ele todas as ereatu-
ras a seu bel prazer. (2)
Supposlo nos não seja hcito prescrular os conselhos do Altissi-

(1) Crê-se que este peixe não era uma balea propriamente dita,
senão um uaquellcs grandes ,cclaccos, rujo esophago offrrecc livre pas-
sagem a um homem ~· ivo.
(~) Quando atacaes um milagre da Escriptura, deveis atacar todos _
e a Escriptura mesma, ou receber todos com os Livros Sagrados que os
conlccm. Aut omnia divina miracula credenda sunt, aut hoc cur non crcdatur,
cansa nu lia cst. S. Agost. Epist. 102 in qurest. 6 de Jonas, n.º 31. Direis que
este milagre de Jonas ó mais extraordinarío que os outros'/ Responderei
\Himeiro que não é logico negar um facto por cllc ser cxtraordinario, S('Dão
porque não está bem provado. Perguntarei em segundo Jugar, se a
conservação de Jonas, no ventre d'um monstro marinho, é mais extraot-
dinario que a resurrcição ue Llzaro, morto de quatro dias, ou a de J.
C., trcs dias depois da sua crucifixão? Todavia uão podeis negar estes
factos, mil vezes mais hem provatlos que os de Socrates, dos quncs nin-
gncm duvida, nem pode duvidar sem rejeitar toda a certeza hislorira.
Nem tam pouco se diga que o milagre de Jonas é impossi\'cl, porque
então vos perguntaria quem vos deu o direito de _pôr assim limites ao poder
do Crcador, e ele dizer ao Allis5imo : Até aqui virás,· mas não passarás
adiante. A scicncia moderna nega todas estas pretcnditlas impossibili-
dades, e vos atira a luva para que proveis alguma no facto de Jonas. .

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!08 CATECISMO

mo, e o bom senso nos diga que Deus nada faz sem rasões dignas
da sua infinita sabedoria, embora nós as não conheçamos , todavia
parece natural ver no milagre de Jonas dous prinêipaes molivos. Q
Senhor envia O' P1·opheta a um povo pagão, ao meio d'uma cidade
immensa, entregue às criminosas distracções dos prazeres. Ora, como
receberiam seus voluptuosos habit~ntes este estrangeiro, cabido, para
assim dizer, do meio das nuvens, sem caracter nem missão? Comct
ouviriam, as duras palavras deste lugubre Propheta, que lhes vinha
impor 0' mais penoso de todos os sacrificios, qual é o das proprias
paixões ? Não tedam direito de lhe :pedir as- suas cartas· creden-
ciaes 'l E, em quanto as não mostrasse , seriam culpados em o con-
siderar conlo impostor~ Ao contrario , se· virem em Jonas , cuja
miraculosa hisCoria a fama divulgava,. um Propheta que , por lhes
annunc1ar a imminente ruina de sua cidade , quitera subtrahir-~e
pela fuga á poderosa vontad·e d·e Deus que o enviava , ·mas .a
quem as tempestades e os monstros mnrinhos forçaram a cumprir
sua missão ; qu·e effeito não deveria produzír em seus animos a
pregação ·d'um tal homem, conservado tam milagrosamente por tres di-
as e tres rroules no ventre d'um pefxe, e a qu~m Deus livrara des-
te horrendo carcere, unicamente para pregar a penitencia em Nini-
ve !~ D'est'arte nos quer parecer que o primeiro molivo do mila-
gre é auctorizar a divina missão de Jonas.
O segundo, é dar a Lodos os seculos uma eloquente propbecia
do artigo mais importante da nossa fé: a resurreição de Jesu-Chris-
to. Este segundo motivo, _viuculando· o facto de Jonas ao plano
geral da Providencia, que queria fossem figuradas e· preditas todas
as circumstancias da vida e morte do Messias, dá~·füe uma alta im-
portancia ; e, por assim dizer,. dem·onstra a sua necessidade.
Entretanto, do fundo deste. tumulo vivo , fez Jonas uma fervo-
rosa oração, a qual o Senhor ouvfo, mandando ao peixe que resli-
tmsse o deposito que lhe fôra confiado, o que assim foz, vonutan- "f.
do-o na praia. Vai, lh"e· disse eulão o Senhor, vai á grande cida-
de de Nin1ve, e annuncia aos habitanles. sua prox1ma rnma ,. em
punição de suas iniquidades. ~
Jonas parte sem replicar, e entra em Nimve. Era uma cida-
de a tres grandes jornadas de caminho. Reve5tido da aucLorida<le

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DE PERSEVERANÇA. ~09

de seu Deus , Jonas percorre as ruas e as praças , gritando em al-


ta voz : Ainda quarenta dias, e Ninive será destruída: Estas pala-
vras, pronunciadas por um estranho quo ninguem conhecia, _mas
que sabiam era auctorizado por um brilhante milag1·e , fizeram tal
impressão naquelles idolatras, que se converteram a Deus, e abri-
ram o coração á penilencia. Desde o maior até o mais pequeno,
Lodos se vestiram de sacco. O mesmo rei desceu do seu throno .,
despiu todas as insignias da sua dignidade, vestiu-se de penitente ,
assentou-se sobre a cinza, e ordenou um jeJnm publico e universal.
Deixemos nossas iniquidades, di"sse elle a seus subdilos , humilhe·
mo-nos, façamos penitencia, clamemos ao Senhoi• ! Quem sabe se, ·
compadecido do nosso arrependimento , não embainhará a espada
que tem erguida sobre nossas cabeç,as ? Todos obedeceram ; a pe-
nitencia foi sincera. O Senhor , satisfeito, revogou a sentença de
Jll'OSCripção.
Tal é o grande Senhor, ou antes o terno Pai a quem servimos :
a seu pezar nos pune. Pelos rasgos da sua clemencia , muito mais
que da sua justiça, lhe apraz dar-se-nos _a conhecer. Os homens ,
(1ue não podem sondar o abysmo da sua cha1·idade, indignam-se
talvez da sua paciencia.
Jonas era um destes homens severos, que não teem grande
compaixão dos culpados. Affligio-se, e até se initou por ver que,
segundo todos os indicios , a suà predição não se cumpriria. Re-
tirou-se para o campo , ao nascente da cidade, e abrigou-se debai-
xo d'urna folhagem a ver o que succederia. Quando passaram os
quarenta dias sem nada se cumprir do que tinha predito, ressentio-
se vivamente , e não pôde conter-se que não murmurasse e disses-
se para o Senhor : Não é isto o que eu tinha previsto, quando es-
tava ainda na minha terra ? Eu sei como sois bom , misericordio-
so, · clemente~ vossa paciencia não se esgota assim, não podeis· re..
.~ solver-vos a ,castigar , senão depois de largas esperas. Ao menor
signal d'arrependimeuto, que vos dão os culpados, cabem-vos as ar-
mas das mãos. Eis aqui porque eu fugia para Tharsis , por não
ser constrangido a fazer, em vosso nome , propbecias que não ha-
vieis de verificar. Depois d'esta atft·onta, peço-vos a graça de · me
enviardes a morte.
27 li

·,

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210 CATECISMO

Pensas tu, respondeu brandamente o Senhor, que tens r~lZão de


te queixar? .Jonas não replicou. Profundamente l'essenlido, uã() es_-
tava em condi_c.ão de se aproveitar das admoestações de seu Deus.
Ta~bem não era isto mais que o primeiro balsamo , que o Senhor
.derra!11ava em suas feridas ; e, preparando-lhe um remedio efficaz ,
o dei~ava entretanto desafogar sua dor.
A folh~gem, que abrigava Jonas, estava quasi inteiramente sec-
ca, e o Propheta so1fria muito pelo ardor do sol. Fez Deus nascer,
em uma nqute, por sobre sua cabeça, uma frondosa hera. Jonas ,
descobrindo pela manhã esta paternal attenção do Senhor , ficou
. ~beio d'alegl'ia e reconhecimento. Ao outrn dia, desde o amanhe-
cer, ordenou Deus a um verme que roesse a raiz elo arbusto, e
n'um instante seccou, e ·cahiram as folhas.
Ao r~i?r ~lo dia, suscitou o ~enho1· um vento abrazador ; o
qual , junto aos raios do sol, que feriam a prumo a cabeça de Jo-
nasr fazia-lhe soffrer mn calo1· insupportavel. Senhor, exclamou el-
i~, vós me op_primis cada vez mais ; já vos conjurei que me desseis
a. morte, e eu vol-a peço com JDaior instancia.
Como assim ! respolllÍeu o Senhor, parece-te que tens razão de
te. enfadares , por causa d' uma hera , cuja sombra perdeste~ Sim ,
tenho razão, responµeu bruscamente o Propheta. Não sei o que ha
de ser de mim, espero pera morte.
Escuta-me, lhe disse o Senhor, e procura tirar proveito das
tuas culpas. Enfadas...te, murmuras , impacientas-le pela perda d'u-
ma hera , que não plantaste, nem le 'custou disvellos, n m trabalho,
que reverdeceu ppr cima de tua cabeça, aem que nisso le mettesses,
gue nasceu hon tem, e se definhou hoje. Ora, segundo dizes , devi
~u conservai-a , para te resguardar dp calor do sol ; e querias , só ,
porqu~ predísses~e a de~truição de Nioive, .que eu nâo perdoasse a
es.ta grande cidade , onde. ha mais de cento e vinte mil crianças ,
'lUe não sabem discernir ~ mão direita da esquerda ! Querias que
eu exterminasse homens, mulheres, crianças, e até os animaes da
terra e as a~· cs do campo l
A este discurso do Senhor, tornou Jonas e~ si, como d'um pro-
funtlo somno ; e reconheceu o seu erro. 9 Senhor , que não que-
ia mais <lo que instruil-o., penloou-lhc com bondade, logo que o

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DE PERSEVERANQA. Ht
vio confnndido. Jonas voltou para· a sua terra , e convencilto, por
um modo tam manifesto, de que Deus não ameaça senão para apla-
car-se , fez pu~lico o succéssó de Ninive, e não se esqueceu ct·e mencio-
m1r circumslancia alguma, que podesse produzir a conversão dos pecca-:
dores e alimentar sua esperança. ·
No dia de juizo , o exemplo dos· Ninivilas servirá de condemna..
ção a muitos Christãos ; porque aquelles, senuo infleis, converte..
·ram-se á voz de Jonas , que não era mais que um Propbeta ; e es-
tes; ouvindo o Senhor dos ·Prophelas, teem desprezado os seus con-
selhos e admoestações.
Finalmente, Jonas não é só o Propheta do Messias ; elle foi
sempre considerado como uma das suas figuras mais caracteristicas.
· Com effeito '~ Jonas era um Propheta , · encarregado de chamar os
homens á penitencia. Nosso Senhor é mais que Propheta, enviado
·por seu Pai , para chamar os homens a pe~itencia. - Jonas não é
escutado dos Israelitas, seus irmãos. Nosso Senhor não é escutado
dos Judeos, seus irmãos~ _;_- Jonas recebe ordem de prégar a peni-
tencia aos idolatras de Ninive·, e elles se convertem. Nosso Senhor,
pelo orgão de seus Apostolos, prega ,a penitencia ás nações idolatras,
e estas se convertem. ~ Jonas , culpado de desobediencia , susc'ita
uma violenta têmpestadê, e ·é lançado ao mar. Nosso ·s·enhor, inno-
cente, mas carregado dos peccados do · mundo, âltrahe sobrê si· toda
a ira de seu Pai, e é _votado á morte. - Jonas apenas é lançado-
ªº mar, serena o Ceo e acalma a tempestade. Nosso Senhor , ape-
nas morre, desarma a justiça de Deus, e a converte em misericor-
dia. - ·Jonas permanece tres dias e tres noutes no ventre da ba-
lea , d'onde sabe depois, cheio de vida·. Nosso Senhor permanece
tres dias e tres noutes no sepulchro, d'onde resurge cheio de vida.
- Jonas, sahindo do seu .tumulo , préga a penitencia em Ninive.
Nosso Senhor, resuscitando, ordena a seus Apostolos que annuncíem
o Evangelho ás nações.
Assim cumprio Nosso Senhor esta palavra, que repelia frequen-
tes vezes : Eu sou enviado a buscar as ovelhas perdidas da casa de
Israel, isto é, aos Judeos ; e é aos Judeos somente que elle pré-
gou o Evangelho durante a sua vida mortal. l\fas como era o Sal-
vador de todos os home1is , ordenou a seus Apostolos , depois da
*
..
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CATECISMO

sua resutreição, que se espalhassem por toda a terra, e annunciag-


sem a boa nova a todos os povos.
Esta figura ensina-nos 1. º que os Judeos recusarão converter-
se , e em seu logar serão chamadgs os Gentios ; 2. º que o Messias
será morto ; 3. º que estal'á tres dias e tres noutes no tumulo ;
-'· º que resuscitará, e converterá as nações depois da sua resur- 1 .
reição.

O' meu Deus! que sois todo amor , eu vos dou graças por
,.nos terdes dado , perdoando aos Ninivitas , uma prova tam Locante
da vossa infinita misericordia. Permitti, pois, que eu espere sem-
pre em vós , seja qual for o numero e à enormidade de meus pec-
cados.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas, e ao prox.imo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e , em testemunho desle
amor, não desanimarei ·jamais, sejam quaes forem as minhas culpas.

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DE PF.RSEYEIUNÇA • i .13

.Jesn-Chrislo, objrcto das prophec1as. - O que provam as prophccias. -


Minucaosidadcs á rcrca <los PropheLas. - DaviJ : Propheta do Messias.

DEsDF. a queda de nossos primeiros pais , não cessou Deus , como


temos visto , de prometter aos homens um Redemplor. Mostrou-lh'o·
de longe em mulliplicadas figuras, que se desenvolviam e illucida-
vam com . o volver dos seculos. Assim como as imagens e figuras
são os livros dos meninos , tambem o Pai celeste não tem até aqui
apresentado aos homens a mais sublime verdade da fé senão em
forma d'emblema e imagem symbolica. Fallava-lhes a lingua .da in-
fancia , para que depois entendessem. a da virilidade. (1) E' pois
evidente que as differentes figuras do Messias , qÜe temos até aqui
examinado, não são de si sufficientes: pois são mais um esboço do que
o retrato que precisamos. Lançados aqui e alli, envolvidos em som-
bras mais ou menos espessas , apenas produzem um crepusculo estes
luminosos l'aios , que não o conhecimento exacto · do Libertador
futuro. Quiz Deus, pois , que este retrato não ficasse só em es-
boço , como bem lhe chamamos , mas que se aperíeiçoa.sse e che-
gasse a um tal grao de similhança , de tal sorte caracleristica e ·

{I) VeJa-sc )1. Drach. Do ·divorcio, etc. p. XVII.

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2.11 CATECISMO

cfrcumslanciada, que fosse impossiYel ao homem enganar-se,e desconhecer


o seu Redemptor, salvo o caso que quizesse cegar-se Yoluntariamenle.
Ora, para dissipar todas as sombras , determinar todas as . figu-
ras, fixar todos os signaes , que fez Deus ? Suscita os Prophetas.
Associando a intelligencia delles á sua intelhgencia infinita , commu-
nica-lhes os segredos <lo fuluro; eis um rasgo da eterna sabedoria.
Elle lhes põe diante dos olhos o Desejado das nações , .ordena-lhes
que o 1·etratem com tal fitlelidade, que seja bem difficil não dis-
tinguir , entre todos os outros, este filho de na,·id que ha-de $ahar
o mundo. Que são pois as prophecias? é o retrato completo do Rc-
demptor, p1·ometlido desde a origem dos tempos, e representado em
mil diversas figuras. ,
Na verdade , diz um dos fnais celebres Orientalistas , exami-
nando com attenção o texto sagrado , · vê-se claràmente que todas as
prophecias não são , deixai-me assim dizer , senão um grande cir-
culo, cujos raios convergem lodos para um centro commum , o qual
não é , nem pode ser oulro senão Nosso Senhor Jesu-Chrislo , o Re-
demplor do gencro humano culpado desde o peccado d' Adam. Tal e·
o objecto e o fim unico de todas as propllecias, que concorrem para
o retratar por tal arte , que não podemos desconhecel-o. Elias fo1·-
mam no todo "_um. perfeilissimo quadro. Os mais antigos prophetas
lr~çam o primeiro contorno ' r ao passo que se. substituem ' -mi cada
um ácaban~o os relevo3 que seus antecessóres deixavam imperfeitos.
Quanto mais se avisinham. do successo, mais se animam suas cores;
terminado o quadro , desapparécem os artistas. O ultimo , quando
se retira, tem o cuidado. d'indicar o personagem que ha-tfe levantar
o veo que o encerra no
futuro : Eis que vos envio , diz elle (1) em
nome do
Eterno, Élias o Prophetà (João B-aptisla), antes que venha
o <lia grande_ e terrivel do . Senh01·. (2) ~
As p~ophecias são pois o retrato do Rec1emptor; leem ellas por
fim dar-nos a conhecer suas differentes feições. O que uma começa a
outra acaba; de tal sorte que, reunindo...;as todas, tem~s o retrato com-
pleto do Redemptor , ~ retrato que convem perfeita e exclusivamente

(f) Malach. Ili, 33.


[!) Drach. Primtira ·Ca1La ao-... JaraehLa1, pi.-Ü•

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ao menino de Bethtem ; d'o1•de resulta que () l\lessias predito pelos
I>rophelas é ve1·dadeiramente Nosso Senhor Jesu- Cbristo.
Sim , todas as circumstancias do Nascimento, vida • morte, e
triumpho de Nosso Senhor, foraQl predita& por vaticínios mais claros
,que o sol. A historia exacta e completa do F·ilho de ~faria , foi
d'antemão escripta por home!lS que viveram , sete, ou quatro -secu-
los , ou mil annos antes dclle. ~
Ora , é certo 1. º que todas eslas prophecias precederam a vinda
do l\lessias , pois que as vemos nas mãos dos Judcos • nação mais
amiga que a vinda do :Messias, inimiga jurada dos Chrislãos; que
longe de ler recebido de nós estas prophecias , e1·a seu maior in·
teresse supprimil-as , pois que encerram a sua condemnação , dando
á nossa fé um testemunho iuvencivel.
E' certo , 2. º que as prophecias provam sem replica a verdade
da Religião, em favor da qual foram feitas. Por quanto , só Deus
conhece o fulul'O , o qual , dependendo do livre concurso das von-
tades e paixões humanas, escapa a todos os calculos. Logo só Deus
pode dar ao homem o conhecimento do futuro. O dom deste co-
nhecimento , que faz participar a intelligencia creada tlas -luzes da
intelligencia increada, é um ·dos maiores milagres que possam operar-
se. Mas Deus não pode fazer· milagres para auclol'isar a mentira :
logo Nosso Senhor é verdadêiramenle o Filho. de Deus; e a sua Re-
ligião, por consequencia, é a. Religião verdadeira; pois que Jesu-
Christo, e a sua Religião , são cousas annunciadas muiLo tempo
antes que existissem , por incontestaveis prophecias.
E' certo, 3. º (JUe todas as pr9phecias , que annunciam o Mes-
sias futuro , referem-se a Noss~ S.enho1· Jcsu-Cbristo; pois que todas
. lhe convem a eJle , e só a elle. ·
Por tanto, das duas cousas uma, ou as prophecias do Redem-
ptor nada significam, ou designam· a Jesu-Chl'isto ; porque sómente
nelle se cumpriram todas litteralmente. Antes de examinarmos esta
admiravel conformidade. entre as propbecias . e Nosso Senhor, diga..
mos ~Jgumas palavr.as do nume.ro e vida dos Prophetas~ ·
Chaµia-~e Prophcta o homem que prediz o futuro por inspiração
divina. Deus, que sa~e tudo, passado, presente e futuro, pode
communicar a quem lhe aprouver o conhecimento de certôs acon..

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!16 CATECISMO

tecimentos futuros , que toda a sabedoria humana não poderia pre.


ver. Deu elle este conhecimento do porvir a grande numero d'ho-
mens , já do antigo, já do novo Testamento. Não fallamos aqui se-
não dos Prophetas da antiga alliança; que se dividem em duas
classes: uns que não escreveram suas prophecias, taes são Nathan, Gad,
Elias e Eliseo ; outros que as escreveram. Destes ullimos uns se
chamam Proplietas maiores, porque temos ma10r numero de seus
escriptos ; taes são David, Esaias , ~eremias, Ezechiel, Daniel ; ou-
tros, que se chamam Prophetas menore.~, porque temos menor nu-
mero de seus escriptos, estes são em numero de doze , a saber :
Oseas , Joel , Amos, Abdias, l\ficbeas , Jonas, Nahum, Habacuc, So-
phonias , Aggeo , Zacharias e l\lalacbias.
Eis qual era de ordinario a vida destes homens inspirados. , Vi-
,·iam como religiosos·, longe da cidade, separados do povo , e na
solidão ; formavam com seus discípulos communidades, e occupavam-
se em trabalhar 1 estudar e ensinar. Elles mesmos construiam suas
celtas, e para isso cortavam a madeira que precisavam. Seu ves-
tltlo era o sacco ou cilicio , isto é , o habito de penitentes , quo
mostrava que faziam continuamente penitencia pelos peccados de todo
o povo. A pobreza lranspal'ecia em todo o seu modo de viver. Fa-
ziam-lhes presentes de pão, e davam-l"hes as primicias das colheitas ,
como a pobres. '
Não prophelisavam continuadameute; mas quando o espírito do
Senhor descia sobre elles , sabiam de seus retiros , é iam annunciar
as vontades do Ceo aos reis e aos povos. Fallavam com muita li-
berdade , como convinha a homens inspirados , enviados de Deus.
Expunham-se muitas vezes á violencia , dos príncipes, cuja impiedade
expl'obravam ; e aos insultos , e cbufas da plebe , cujas desordens
cofülemnavam. Os prégadores da verdade tiveram sempre esta mes-
rnà sorte. Muitos delles , como depois veremos, acabaram de mor; te .
violenta ; e foram do numero daquelles santos, cujas virtudes e sof-
frimentos o 'Apostolo tanto exalta, dizendo : uns morreram a pau-
ladas.• não querendo resgatar a sua vida, por te1·em mellior resur-
1·eição. Outros soffreram zomba1·ias e açoutes, cadeias e carceres;
foram apedrejados, serrados, p1·ovâdos de todas as maneiras. Ca-
hiram pela espada , andaram errantes , cobertos de pelles d'ovellta,

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DE PEl\SEVER!NÇ1. 217
abandonados , alfliclos , perseguidos ; elles , de quem o mundo não
em digno , passaram a vida nos desertos e montanh-as , escondidos
nas covas , e nas cavernas da terra. (1)
En1 meio destas perseguições e ludibrios, estavam sempre se-
nhores de si, desprezando a morte , os perigos e tormentos ; ful-
'ininando , com espantosa inLrepidez , tudo aquillo que se oppunha a
neus. Da\'am de mão ás riq~1ezas, ao favor , ás honras, com um
.desinteresse que maravilhava e confundia os que se esforçavam por
abalar sua constancia , ou lentar sua ambição.
As casas dos Prophetas e suas communidades eram azilos con-
tra a impiedade. Alli vinham os povos consultar o Senhor , alli se
j un1ava m para ou vir a- leitura da lei. Eram escholas da ''irlude ,
e refugios da innocenc1a.
Se bem que a prophec_ia não dependa da industria , estudo ou
vontade dos homens, o Senhor comtudo communicava ordmaria-
mente o seu espirilo aos filhós ou discipulos dos prophetas ; seja por
causa da pureza ele seus costumes , e santidade de sua vida ; seja
CJllC a· Yocação ao estudo da sabedoria, e companhia dos P1·ophetas,
fosse já da parte de Deus uma disposição proxima para a graç,a da
prophecia.
Quando o espírito do Senhor descia sobre elles , não eram de
ta1 sorte arrebatados_que lhe não podessem resistir. Nisto eram bem
differcnles dos sacerdotes dos ídolos , que se possuiam do máo es-
pirilo, do qual não podiam refrear os impetos, senão que per-
diam o uso dos sentidos , e até o da rasão. O espirito que ani-
mava os prophetas era-lhes submisso, diz S. Paulo , (2) e a Igreja
condcmnou · o erro dos ~lontanistas , que allribuiam aos Prophetas
do Antigo e Novo Testamento o que só convinha aos sacerdotes ido-
]alr'cls, que a seu pesar fallavam por inspiração do máo espirito.
Os Prophetas estavam serenos, e tranquillos, e senhores de si.
Não fallavam senão porque queriam obedecer ás ordens dÕ Senhor.
Sabiam o que diziam , e comprehendiam muito bem o sentido do
seus discursos. -

(1) llebr. XI , 3õ.


(2) 1.ª Cor. XIV.
28

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!18 CAHCIS~fO

Para auctorisar suas palavras, annunciavam os Prophetas ordi~


nariamenle duas cousas : uma proxima , e outra r(lmola. O cum-
primento da primeira garantia o da segunda. (t) D'esl'arte Isaias
prediz a Achaz , rei de Juda , que se livraria dos reis de Samaria
e Damasco , seus inimigos ; eis o evento proximo, cujo cumprimenlo-
prova o successo mais remoto , que !saias prediz ao mesmo tempo ~
a saber : o nascimento do l\lessias d'uma Virgem l\fãi. O primeiro
objeclo é claro e proximo ; o segundo, obscuro e remolo ; um é
fiador do outro. Em summa , por esta duplice predição , os Pro-
phelas diziam : Nós vos annunciamos acontecimentos remotos, de
que não vereis o cumprimento ; mas, para vos provar que dizemos
a verdade, ahi tendes um acontecimento proximo e sensivel , que
vereis realisar-se em -vossa vida. ·
Como se eu mesmo dissesse : D'aqui a cem annos nascerá nesla
cidade, de tal familia lal dia e hora , um menino que terá tal·
j

nome, que fará tal cousa ; que viverá· tantos an11os , que morrerá
de tal maneira ; sim , isto succcde:rá como vol-o digo; e para vos
provar que digo a verdàde , vou predizer-vos um successo que ve-
reis cumprir-se _dentro d'um mez, e que ninguem neste mundo pode
prever. Assim, dentro d'um mez, tal dia , choverá aqui , desde
tal minuto até outro _minuto , nem mais cedo nem mais tarde. Co-
meçará e acabará a chuva por um trovão , e não cahirá senão em
tal lugar. E' bem certo que depois de ler visto o· cumprimento do
successo que deve realizar-se dentro d'um mez , e que ninguem no
mundo pode prever, forçoso seria crer com certeza no nascimento
d'aquelle homem , que só d'ahi a cem annos devia realizar-se.
Outras vezes , para provar um facto remoto e menos notavel ,
annunciavam outro que devia cumprir-se mais cedo e ser tam es-
trondoso , que todos os po,·os o testemunhassem, sem poderem du-
vidar mais delle que da exislencia do sol. Por exemplo, Esaias pre-
diz , setecentos annos autes da vinda de Nosso Senhor , que os Ju-

(1) « As pnhwras dos Prophctas, diz Pascal, eram cntrcmeiadas de


prophccias particulares, e <las do Messias, a lim que estas ultimas niio
ficassem sem pro,·as, nem aqucl'oulras sem fructos. » Pensamentos,
cap. XV, o.º 13.

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DE PERSEVERANÇA.

<leos desconheceriam o Messias, que o couririam d'injurias , e lhe •


cnspirhlm no rosto : eis-aqui o facto distante -e menos notorio. Em
prorn disto Esaias annuncia outro facto, que nenhum homem houve,
nem haverá no mundo, que se atreva a negar. Este facto é a mina
da cidade de Tyro. No tempo em que fallava Esaras , Tyro era
uma das mais populosas · e fortes cidades d'Asia: e talvez a mais
opulenl.a de todo e mundo. Apezar disso , o Propheta prediz , em
termos explicitos, que esta rainha dos mares virá a ser um dia uma
povoação miseravel. E eis que a soberba Tyro, onde aportavam
oulr'ora as naos de to<las as nações, qne enviava seus altivos bai-
xeis , carregados de ricos estofos, pedras preciosas, e todo o ge-
nero de riquezas, a lodos os portos do mundo, eil-a, a soberba Tyro, -
deslruida por Alexandre, que n_~o é hoje mais que uma pobre al-
dea, habitada por cincoenta ou sessenta indigentes familias , que se
abrigam em humildes choças, e vivem da cultura d'alguns pães e
d'alguma pescaria que fazem. Eis-aqui um facto que todos podem
ir verificar.· Ainda ha pouco visitou as rui nas de Tyro um famoso
impio , que ao ver o que Isaías linha predito, não pôde deixar de
exclamar: Cu.mprio-se o oraculo !
Confrontemos agora as prophecias do Messias com o menino de
Bethlem. David é o primeiro Prophela que descrev'e circumslancia-
damenle os caracteres do l\lessias. (1) Para prova de suas predições
á cerca do Libertador do mundo, o Santo rei annuncia aos Judeos
snccessos proximos , cujo cumprimento garanliria a certeza dos de- -
mais. Estes successos proximos; preditos por David, são, entre ou-
tros, o captiveiro de Babylonia, que só devia realisar-se cl'ahi a qua-
trocentos annos, e o reinado magnifico de Salomão, de que os Ju-
deos iam ser testemunhas. -E' nos Psal mos qu~ Da vitl nos traç.a an-
ticipadamenle a historia de Nosso Senhor.
o. Prophcta Rei começa por annunciar o grande caracter do Mes-
sias , dizendo que converterá as nações, e as trará ao conhecimento
do verdadeiro Deus. Todos os povos , diz elle , con!iecerão. e glo-
rificarão ao Se'llltor , todos os reis da terrn o adorarão , todas as

(1) Veja-se a Biblia de Vence; Disserl. sobre os Prophctas, t. XIII,


p. 12 e seg.

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~--

229 CATECISMO
1
nações llze serão sujez'tas; ne~2lwma ngüio, nenlium pm"- .i;e . ub-
t1·tiMrá ao seu poder. (1) Fói Nosso Senhor e seus Apostolos qne
converteram o mundo : logo Nosso Senhor é o ~Iessias annunciad
por David. Predisse que os reis estrangeiros viriam adorar o Nlcs-
sias , e offerecer-\hc presentes. Os ,reis de Tltarsis, os d'Arabia e
de Sabá , lhe tira~·ão preciosas offerendas. (2) osso . Senhor fui ado-
rado pelos Magos , dos quaes uma constante tradicção assevera que
erall?- reis ; elles lhe offernccram presentes: logo Nosso Senhor é o
Messias predito pQr David.
Annuociou que os Judeos desconheceriam o Messias, que dei-
x11riam_ de ser o seu povo, e os ·Gentios ficariam no lugar drl-
les. . . São estas palavras que elle põe na boca do :Mes ias , fallando
, com sêu Pai : Vos 'me livrareis das contradicções do meu povo , e
me estabelecereis entre as nações. Um 11ovo que eii não coiiliec·ia
se consrt,qrou ao men serviço; obedeceu-11ie ao ouvir a minha vo~ :
meu filltos , ao contrario , já estranhos a seu pai , cançar11m-se
tle me segui·r. (3) O .J udeos de conheceram a Nosso Senhor , e per-
deram a verdadeira Religião ; caj.o conbecimcnlo passou aos Gentios,
que o receberam pela 1uz do Evangelho : logo Nosso Senhor é o ?\[es-
sias annnnciado por David.
Predisse qué o l\f essias seria sacerdote segundo a ordem de Mel-
chisedech , isto é , que não teria predecessor , nerri succossor no
Saccrdocio , e que· offereceria o sacrilicio do pão e d~ vinho. O Se-
nhor , diz elle , o jnrou; e ncio .se retractai·á ; vós soi! sacerdote para
sempre, segundo a ordem de Jfelcltisedech. (4) Nosso Senhor não leve •
predecessor , nem successor no Sacerdocio ; é sacerdote para: lodo
sempre , e offerecc , como Melchisedech, o sacrificio do pão e do
'?inho : logo Nosso Senhor é. e Messias predito por David.
Vio o Propheta os reis e os povos colligarem-se contra o l\{es-
sias. As nações bramiram, e os povos meditaram vaidades : os reis 1

da terra cleclararam guerra ao Senhor .e ao seu Chr1ºsfo; 1nas o

(1) Psal. tXXXV. ·


(2) Psal, LXXl.
(il) Psal. X \'li
[4 )"' P:1al. CIX.

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DE PERSEYF.RANÇA. , Ht.
Srnhor se ri de seus insensatos projrctos: ellP consolido1t apezar
deltcs o imperio llo seli Ch.n~slo ; e sobre elles mesmos o estabeleceu.
( l) Foi contra Nos5o Senhor que os reis e os povos se colligaram ;
nrns seus esfon;:.os leem sido baldados. Nosso Senhor lrinrnphon ;
forçou-os a snbmelter-se á sua Lei : logo Nosso Senhor é o Me~sias
predito por David.
Desereveu os ullrajrs, o gf'nero de morte , e todas as circums-
lancias do supplicio , a que o Messia·s seria r.ontlemnado. Eis-rtqui
as queixas quo ellc lhe ouve fazer: A. que/le que e.fitava sentado ú
minlw niesii assignalo1i a sua perfidia contra mim ; busquei'. alguem
que me consolasse. e a-niuguem acl1e1. (2) meus úu'nugos me i'nsul-
taram, acenaram cpm a cabeça, e dissc1:am: Já que elle confiou em /Jeus,
que l'ell!ia Dens lil'ral-o. Trespassaram-me os pés e as miio.ç, par-
tWwram qs meus vestidas, e lançaram. stJr/es s~bre 11dnha tunÚa:
quando tive sede, deram-me a beber 1;inngrr. (3) , Nosso Senhor foi
trahido por Judas, que estava sentado á sua mesa; abandonaram-no
todos os sens discipnlos ; cuspiram-lhe no rosl.o ; no C:ih-ario , are-
ua vam os Jutleos /con1 a cabeça , e diziam : fa que esperou em [)pus,
que venha Deus agora , e que o livre. Furaram-lhe os ·pés e as
mfos ; parlilha"ram os soldados seus veslidos , sortearam sua tu-
nica , e deram-lhe a beber vinagre. Tudo aquillo pois, que David pre-
disse , . cumpriu-se mais ·de mil annos depois em Nosso Senhor : logo
Nosso Senhor é o Messias predito por David.
Finalmente annunciou que o Messias resuscitaria, sem ter soffrido
a corrupç.ão do tumulo. Eis as palavras que lhe faz dizer : A mi-
nlza carne repousará em esperança : não deixareis a mw!w alma
tio inferno ; ntio permittireis que o vosso Santo veja a corrnpçao.
(.í) Nosso Senhor morreu ; desceu ao limbo ; mas não cxpel'imen-
lou - corrnpção, porque sahio triumphante do tumulõ, trcs dias dl"\pois
<la sua morte: logo Nosso Senhor é o l\lessias predito por Da,'id.

(1) Psal. II.


(2) Psal. XL.
(3) Psal. lXI.
(i) Psal. LX VIII ,,.
·'

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- H! CATECISMO

ORA_C~ J.o.
'
O' meu D~us ! que- soi;;; todo amor, eu vos dou graça~ por lrr-
des feito annunciar, tantos secnlos antes , os mislerios do Messias ,
llando-nos assim uma prorn infallirel da \'Prdade da nossa fr.
_Eu prolPst.o amar a Deus sobre torl:Js as cousas , e ao proximo
como :\ mim mesmo por amor de Deus; e, cm testemunho deste
amor, lerei o vosso Evangelho com o mais profundo respeito.

xxx1x.~ uçio.

O 11ESSIAS PREDITO.

Estado do reino f..l'lsrncl. - Estado do reino de Juda. - l~aias, Prophe-


la. - Aconlccimcnlos proximos que . prediz cm prova tia sua missão.
O que annuncia· do Messias.

EM quanto as doze tribus rebeldes e scismalicas abandonavam a


seu Deus, e a seu rei , as outras duas tribus, com o nome de rei-
no de Juda , conservaram-se fieis a Deus e a David, a quem tinham
elegido, e permaneceram na alliança e fé de_ seus ·p;liS, observan-
do a lei ele Moisés em toda a sua extensã0-. A.sshn se fez a famosa

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DE PERSEVERANÇA.
divisão do povo Hebraico. O crime d'um só princ.ipe deu causa
ao primeiro scisma que dilacerou o seio da verdadeira Igreja. E'
assim que Deus mostra aos pais, que suas recompensas ou castigos
estendem-se alem da sua morte, e sobreYivem cm seus filhos. D'es-
l'arle quer sujeital-os ás suas ieis, pelo interesse que lhes é mais
charo, o interesse de familia.
O reino d'Israel durou .duzentos e cincoenta e quatro anuos.
Durante esle tempo, enviou o Senhor grande numero de Prophelas,
entre oulros Elias e' Eliseo, para tirar os Israelitas de sua idola-
tria. Poucos comludo foram doce.is a suas palavras. AHim , irrita-
do o Senhor, chamou Salmanaza.r , rei da Syria , que lomou Sama-
ria depois d'um cerco de tres annos, e levou as dez lribus captivas
para Ninive. Assim acabou o reino d'Isrnel.
Quanto ao reino de Juda, nada poupou o Senhor para o con-
servar na pratica da Yerdadeira Religião. ~Ja~ o exemplo das dez
lribus scismaticas em bre.ve os induzio á idolatria. Roboam foi o
primeiro que deu o exemplo. Para . vingar o ultraje feito ao seu
nome, suscitou o Senhor contra Jerusalem o rei do Egyplo Cesac,
'lllC se apoderou ' dos thesouros do templo. Ensinados os Judeos
por este revez, renunciaram as divindades de pedra e pao, que lhes
não valeram no perigo. :Mas passados poucos annos, este povo in·
constante tornou ao erro anli~o. Esta alternativa de conversões e
recabidas é todo o essencial da historia do reino de Juda , alé á sua
ruina, isto é, até ao capliveiro de llabylonia.
Todavia não lhe faHaram os ª''isos. · Por espaço de duzentos
annos, uma longa serie de Propbclas não cessaram de lhes annuu-
ciar os males que os ameaçavam, se persistissem na idolatria, bem
como as bençãos com que seriam recompensados , se perseverassem _
fieis ao Deus d' Abraham e de David. Estes Propbelas não tinham
somente por fim o manter a verdadeira Religião no l'eino de Juda ,
mas eram lambem encarregados d'annunciar o Messias e desenhar
successivamenle as feições caraclerislicas por onde dernriam reco-
nhecei-o. Foi Isaias o pí·imeiro e o mais admiravel destes homens
exlraQrdinarios.
-Era este Propheta filho d' Amos , da familia real de David. Pro-
phelizou durante os reinados de quatro reis de Juda, Osias,, Joatham,

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CATECIS1'IO

Achaz e · Esechias , isto é, 700 annos antes de .Tesu-Christo. O Se-


nhor. o escolheu desde a sua infancia para chamar seu povo á peni-
tencia, e annunciar de novo o grande mislerio do Messias Um fü~­
raphim tomou do altar urna braza ardenle, e com e11a locou st•us
Jabios, para os purificar. Isaias fallou ofo só com uma eJoquencia,
que não tem cousa que se Jhe compare , mas lambem com toda a
dignidade da sua missão divina. Manasses, successor Lle Ezechias,
irritou-se das reprehensões que o Santo Prophela lhe fazia de suas
impiedades. Para se vingar, esle rei cruel e· impio, mandou ser-
rar !saias· pelo . meio do corpo, com uma serra de madeira : li-
nha enlão lsaias quasi cento o trinta annos. Seus eseriptos depo-
zeram-se no tempo de Jcrusalem, otH.le se conservaram com religio-
so cuidado.
Para mostrar aos Judeos qiie elJe era· verdadeiramente enviado de
Deus, e tudo <1ue annunciava do Messias se cumpriria nm dia, pre-
disse lres pl'incipaes eventos , de que os Judeos foram teste-
munhas.
Annunciou-lhes : 1. º qne Phacée, rei d' Israel, e Razin , rei da
Syria, que se tinham ligado para destruil' o n:~ino de J uda , nüo o
conseguiriam. (1) Todavia ludo promellia llm foliz exilo a estes
prineip~s que batiam ás pol'las de JPnBalcm, á lesta d'um fonni-
davel exercito. Eslaram consternados o rei e o povo. E' neste mo-

(1) Parece-nos util referir aqui algumas minucio~i<lailcs áccrra des-


ta prophccia fundamental. Rccopilarcmos a dissertação afima cilada Je
AI. Dracll.
. Achaz, rei de Juda, príncipe cruel e incrcdulo , luclou por muito
tempo· com Rasio e Phacée , reis das lrilrns scismalicas d'lsraer. Esta-
vam estes dous principcs dclwixo dos muros de Jerusalem, não só para
assolar os campos e a cnpitnl de seu inimigo con1mum , como para ani-
quilar a casa real de David , e substituir-lhe uma nova dynnstia. Foi
então que o Senhor enviOu o Prophela !saias n dizer ao rei de Juda :
• Nada temas: não irá por diante o projccto de teus inHnigos. » Isa ias ..
Vil, ~. O silencio da incredulidade acolhen a palavra consoladora do
Propheta. Pa·ra vencer a obstinação d' Achaz ·' Isa ias disse-lhe: a Para
pro.var a verdade do que acabo de annunciar,:- le, pede tu mesmo um s1-

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DE PERSEVERANÇA.
menlo afílictivo que Isaias veio dizer ao rei , da parte tle Deus: So-
cega ; nada temas ; o projecto_do teus ·inimigos não irá por diante,
a casa de David subsistirá. Pelo conl~ario, cm poucos annos o rei
de lsrae será destruído , e Israel não será mais um povo. A pa-
lavra do Propheta cumprio-se ; ~s dous reis inimigos não poderam
tomar Jerusalem , e o reino d'ls1~ael foi destruido alguns annos
depois.
2.P Que Sennacherib não conseguiria os seus designios contra

gnal a Jehova teu Deus. » IJ. VH, 11. « Não pedirei signal algum ,
re~pondeu Achaz com sacrílego desprezo, não quero lenlar Jcliova. » ld.
VII, 12.
A estas palavras, o homem de Deus, cheio d•uma santa indignação•
deu as costas ao rei incredulo ' e endereçando-se a lodos os príncipes
da familia real, disse-lhes: ' Pois que assim é , escutai vós, casa de
Da,·id. O Senhor mesmo vos dará um signal, que será um penhor cel'lo
da conservação da linhagem real : eis que a \1irgcm conceberá e parirá .
um filho, que se chamará Emmanncl, Deus conmosco. Esle Deus co111-
nosco será ao mesmo tempo verdadeiro homem, porque sera nulrído co-
mo os outros meninos, com mnntciga e mel, até que chegue á idade cm
que saiba escolher o bem e rejeitar o mal. »
Corno este succcsso era remoto, cuidou o Propheta em o abonar
nnnunciando um facto proximo. Tinha eJle trazido comsigo seu joven fi-
lho chamado Schecr-Yaschub. Então dirigindo-se ao mesmo Achaz :
« E~te rapazinho, lhe disse, não saberá ainda distinguir o bem do mal ,
quando os dous reis leus inimigos desapparecerão de sua propria lena. •
Só pela idade de sete annos é que se distingue ·o bem do mal. O filho
d'Jsaias, sendo provarnlmeole mmto novo ainda, o lermo indicado podia
talvez parecer mui distante ao incredulo mooarcha. Isaías Lcm ainda o
cuidado de lhe dar uma nova segurança. Eu vou 1 disse elle ao rei ,
ser pai d'um filho, a quem chamarei: Apressa-te a trazer os despojos.
Pois bem ! Antes que este futuro menino cst~a em csLado de dizer :
meu pai, minha mãi (o que de onlinario succede pela idaJo de dou~
aunos, ) vossos inimigos já não existirão ! » lsa1as VIII, á.
De faclo, dous anoos, pouco mais ou menos, depois desta predição,
Theglatphnlasar mandou matar Uasin. Pelo mesmo tempo, Phar.éc pereceu
ás mãos de Oséc, filho d' Ela, que se tinha conspirado contra cllc. IV Reis, XV,
~9 1 XVI, 9.
29 II

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226 CATECJSMO

Jerusalem. Scnnacherib era um rei da Syria, <1ue declarou gncri'a


a Ezechias, rei <le Juda:, e marchou contra elle á frente d'um exer-
cito de mais de duzentos mH . homens. Tudo fugia diante d'elle.
Ezechias não estava em estado de lhe resistir. Foi ainda neste.
aperto que Isaias veio dizer-lhe , contra toda a humana previ('encia :
Tem animo , · o rei da Syria não entrará a cidade ; sera obrigado
·a voltar vergonhosamente pelo mesmo caminho que veio. Alguns
dias depois, cttmpriu-se o oraculo. O Senhor enviou um Anjo que,
durante a noute, matou cento e -0itenta e cinco mil homens do
campo de Sennacherib. Este principe , acordando de manhã) e ven-
do Lam estranha mortandade , ficou estupefacto, e não cuidou mais
que em fug.ir para os seus Estados, onde ·foi morto por seus dous
filhos.
3. º Que Jerusalem seria tomada por Nahuchodonosor , e os .r u-
cleos levados captivos para Babylonia, d'onde tornariam depois para
a terra de seus pais. Veremos adiante o r,umprinÍenlo desta pro-
phecia. Entretanto examinemos o que !saias pr~disse do Ue-
demplor.
Annunciou elle, como David e os mais Prophetas, que o gran-
de caracter do Messias , o signal distinclivo por onde o reconhece-
riam, é a conversão dos Gentios. Sahirá urna vara do tronco de
Jessé, pai de David. Esta vara será posta como ttm estandarte
á vista de todos os povos. Os Gentios virão fazer-llte suas orações:
elle será o Chefe e o Preceptor dos Gentios. Os Ge.ntios verão eS.le
justo : todos os reis da terra conhecerão este lwmem tam celebre nas
prophecias de Siao. Elle ensüwrá a. justiça aos Gentios. Então os
homens arremessanio para longe de si· os seus t'dolos d' ou1·0 e pra-
ta, não amarão senão ao Senhor. (1) Quem converteu as nacõcs e
destruiu o reino dos idolos? ão foi Nosso Senhor, e só No~so Se-
nhor? Logo é ellc o Uedemplor predito por !saias.
~isse elle mais, que o :Messias nasceria d'uma mãi sempre vir-
gem. - Eis qiee a VIRGEM conceberá e parirá um filho, que se cha-
mará Emmmmel, isto é, Deus-homem, ou Deus comnosco. (2) Nos-

(1) Isa ias, II, 10.


{2) ll1. VII, U.

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DE· PERSEVERANÇA. 227
so Senhor nasceu <la gloriosa e sempre virgem Maria. Ninguem se-
não elle nasceu d'nma virgem : log.o Nosso Senhor é o RedemptC)f
predito por Isaias (1)
Vê elle- as qualidades deste precioso menino ; prediz que será
adorado pelos reis , que tera um precursor. Um menino nos é da-
do, diz elle, deu-se-nos urn filho. Elle levará em seu hombro o instru-
mento do seii poder. Elle se chamará o Admiravel, o. Forte, o Pai
do scculo futuro, o Prinâpe ·da paz. O Nome incommuni'cavel de
JJeus será seu .Nome. As8entar-se-ha ~o throno de JJavi'd; os reis
vfrfío honrar seu berço e offerecer-:l!ie presentes. Ouvir-se-ha no ·de-
serto a voz daquelle que clama : Preparai os caminhos do Sen!tor.
(2) osso Senhor levou sobre seu hombro a cruz , instrumento do
seu poder, porque é por ella que venceu o mundo ; Nosso Senhor
fo i aclarndo pelos Magos em seu berço, e delles recebeu presentes;
Nosso Senhor teve por precursor a S. João BaptisLa,~ que repetia a-
quellas m mas palaYra do propbeta lsaias : Eu sou a voz daquel-
1 que clama no deserto : Pr·eparai · os caminhos do Sen!tor : a
ningu m se podem applicar, senão a Nosso Senhor , todas es-
tas ci roumslanchls. Logo Nosso Senhor é o Messias predito por
Isa ias.
Annnnciou elle que o Messias será a doçura mesma ; que . fará
um sem numero de milagres em favor dos homens. O 11/essias se-
rá cheio de doçura, diz o Prophcta , conduzi'rá o seu povo como mn
pastor condtiz o sw rebanlto : ajuntará os cordcirúilws, e os levará
em sen seio; mio será turbulento; 1uio calcará aos pés a cana meia
1

quebraria; nc1o extingnirá o faclio ainda fumegante. Seu poder será

(1) Veja-se a magnifica explicação _desta prophecia cm l\f. Drach,


ttcrceira carta aos lsraeliLas , e. 1.º p. 45 e seguintes. Cousa hem no:..
avcl 1 A cspeclaliva d'uma Virgem, qne devia conceber um Deus , cs~·
lava propngada cm lodo o mundo Pagão. Veja-se Jesu-Christo perante o
Se cu lo , e Harmonias entre a l!Jr~ja e a Syna{]O[JO, t . 2. º, p . 259 e se-
gu inlcs. - Ifa nlguns annos, achou-se, cm Châlons, nma pedrn nnliga,
com esta inscriprão : Virgini deum pnnlurêB Druiues : os Druidas á Vir-
gem de quem ha de na ~;rer um Deus.
(2) Isaías, XL, 3.
*

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CATECISMO

igtial á sua bondade. Os ollws <los cegos uerâo o dia .: os o·uvidos


dos surdos serão abertos; o coxo saltará como o veado, e a h'n,qua
- dos mudos será solta. (1) Nosso Senhor foi a doçura mesma ; foi
o bom pastor; curou lodos os enfermos que vieram reclamar sua
bondade. Ninguem senão elle possuio todos estes caracteres; sú el-
le op~rou todos estes milagres. Logo -Nosso Senhor é o Ue<.lemplor
predito por Isaías ..
Vê elle o :Messias estabelecendo um sacerdocio novo , e esco-
lhendo padres que não serão da descendencia d' Arão , mas tirn<los
da Gentilidade. Eu escolherei, diz o :&lessias pela boca do Prophe-
1

ta , entre aquelles que tiverem escapado á geral descrença dos Ju-.


lleos, homens q1UJ eu marcarei com um signal particular. En os en-
viarei ás nações, e tiranio do rneí'o dellas os qü-e !tão de vir a se·r
vossos irmãos. Olferecel-os-hão a Deus como uma oblação santa, •
entre elles escolherei eu os meus JJadres e levitas. (2) Só Nosso Se-
nhor estabeleceu um sacerdocio novo. Escolheu padres que não
eram da descendencia d'Arão; enviou-os ás nações ; e d'entre os
Gentios co11verti<los ao ·'Evangelho ordenou os seus padres. To-
dos os doutores hebraicos, que precederam o nascimento de Jesu-
Ch}·isto , referem .como nós ao ~léssias . promettido os textos que ci-
tamos. Ora, todos estes textos se verificaram em Nosso Senhor ,
iogo Nosso Senhor é o Redemptor predito por Isaias. _
Descreve eHe as iguominias e a morte do Messias com tal mi:
m1ciosidadc , que mais parece ler-se o Evangelho que uma prophe-
eia. Ouçamos: A uara de Jessé se le·tiantará diante do Senhor co-
flW tmi ar·bftsf-Osinlio, que salie cl',imia terra arida; está elle sem
hflleza , tle'ln e~plendor; nós o vimos e mio o conlrncenws , pareceu-
no~ p ultimo dos homens , o homem do solfrimento. Pozeram-no
em o m~mero dos· malfeito.res; foi condemnado por Juizes; tira-
ram-no da .terra .dos viuenJes, e morre:U em .:meio de dores. Foi
únmola.do porque elle mesm<J o quiz. Levaram-no á morte como
uma ouel/1a que uio dPg!'laJ'.. Callou-se unno u.m cr>rdfi.ro dwnle

(1) Isa ias, XUl, L


{~) lhiJ 1 L\ \' l. ·

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DE PERSEVERANÇA. !29
d'aquelle que o tosquia. JVão e tJe/os seus peccados qtte elle solfre; 'elle
tom.ou sobre si· as nossas fraquezas e as nossas iniquidades ; foi
trespassado de feridas, e nós fomos curados pelas suas pizaduras.
(1) Nosso Senhor, no dia da sua paixão, perdeu todo o seu esplen-
dor. Seu bello rosto eslava desfigurado ; era o 110mem de dores ;
compararam-no com o malfeitor Barrabas , e cruciílcaram-no entre
1Jous ladrões ; foi condcmnado por Pilalos, e morto no meio dos tor~
mentos; não abriu a boca para se queixar , mas para implorar o
perdão de seus algozes. Era innocente , mas encarregou-se d'expiar
os pP.ccados ·de todos os hom(\ns ; entregou-se por si mesmo á mor-
te , e os prodigios que acompanharam seu ultimo suspiro provaram
que so dependia delle o livrar-se de seus inimigos. Nosso Senhor é
pois <> Redemptor predilo por lsaias.
Annuncia elte que em recompensa de seus sotTrimentos , e de
sua morte, o Messias será v·encedor do demonio e do mundo , e que
seu sepulcbro será glorioso. JJJas por isso que soffreu a morte ,
conlinua o Propheta, uma dilatada posteridade nascera dei/e ; seu
sepulcltro sera' glorioso. Elle aáquirio o únperio, e repartvrá os
despojos dos fortes; ·verá o fructo do que sua alma solfreu, , e se-
ra saciado, e santificará por sua doutrina a mn grande tmrnero
d'homens. (2) Nosso Senhor ''io lodos os povos correr para elle
depois da sua morte. Seu sepulchro ha dezoito seculos é o objecttl
da veneração do mundo inteiro ; o Oriente e o Occidcnte se dis-
putaram a posse d'ellc ; para alli enviam ricos presentes , e
seus deputados velam noute e dia em sua conservação. Sua
doutrina grangeou a salvação a milhões d'homens de todas as na-
ções e idades. Log9 Nosso Senhor é o Redemptor predito por
)saias.
Vê elle em fim a prodigiosa fecundidadé da Igreja. Esta lgre-
Ja, formada a principio no Paraizo terrestre, por longo tempo es-
teril, não tinha dade a Deus senão alguns adoradores ; mas tornan-
.ào-s_e fecunda pelo sangue do Salvador, ella vai, diz o Prophet~

Cl ) Isaias, Lili, 5. 8. 9.
<.2> Isa ias, II, 10, etc. ..

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!30 CATECISMO

)saias , dilalar-se por todas as nações , e povoar a terra de fieis ·e


de Santos. Nada pode comparar-se com a ·magnifica pintura que o
Propheta faz desta admiravel propagação <lo Evangelho. Alegra-te
esteril, que não tinhas filhos, entoa canticos e dá vo::;es d'alegria ;
porque aquella que estava abandonada , quer dizer a Gentilidade ,
tem agora mais fi'llios do que a que finita rnarido, isto é , a na-
ção Judaica, unida ao Senhor pela alliança d'Abraham. Leva_ntai os
olltos, vede esta grande multidão que vem reunir-se ao meu povo ;
todos estes novos fillws sen1o para ti como um precioso vesti"do. · Os
teus desertos, as tuas solidões, serão estre{tas para conter toda estri
multidão que vern a ti. Estenderei a minha nuio para as naç<Jcs
e levantarei o meu estandarte diante de todos os povos ; elles te lra-
'l'âo seus filhos e fil!tas, e entüo toda a carne saberá que eu son o
Senhor. (1) Nosso Senhor estabeleceu a sua lgrej'a. Esta Santa
Esposa deu-lhe rapidamente tam grande numero de Christãos, seus
filhos fieis , que, trinta annos depois da morte do Salvador, S. Pau-
lo escre,·ia que o Evangelho era prégado e crido ~m todo o uni-
verso ; e, passado um seculo , Terlulliano dizia aos Pagãos : Nús
apenas somos. d'hontém , . e já enchemos as vossas cidades, aldeas ,
exerc1Los, campos ; o Senado , o Forum, o palacio ; não vos deixa-
mos vasios senão os vossos templos e theatros. (2)
D'est'arte, todas as feições do Redemptor, desenhadas pelo Pro-
pheta lsaias , convem só á Nosso Senhor , e a ninguem mais. Lo-
go Nosso Senhor é o Messias predito por lsaias.

OR~Ç~O.

O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos <lou-gráças por ler~
des envfatk.; tantos Propbetas ao vosso _povo , para os chamar á pe-
nitencia e almunciar-lhes o Messias. Tornai-me <locil á voz dos Pro-

(1) Isaias, XLIX.


.,
<2> Apol. e. XXX VIII.

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DE llEJlSEVERANÇA. 231
phelas da nova Lei, vossos Ministro.s, que ~m vosso Nome me cha-
mam á penilcncia, e· me annunciam o Ceo em recompensa da mi-
nha docilidade.
Eu pl'otesto amar a Deus sobre Lotlas . as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus; e , em testemunho desle
amor , assistirei com respeito á Catechesis.

XL.ª LIÇÃO.

O ~IESSIAS PREDITO.

O:;cas , Propfi"cta. - Successos prox1mos que prediz. -O que annuncia do


· Messias . ..!.... Miehcas, Prophcfo. - Acontecimentos prox1mos que prediz.
- O que annunc.ia do Afossias. - Joel , ProphcLa. - Sua vida. - Suas
prophecias.

Üs dous ·reinos d'I srael e de Juda, depois que se separaram , ca-


hiram em espantosas desordens. Nunca se viram tantos crimes ,
nem tam violenta inclinação á idolatria. Deus. da ·sua pàrle, aman-
do sempre os homens , jamais se mostrou Lam attento em velar o
· Santo deposito da Religião , conservar a tradic. ão da grande pro-
messa , e proclamar solemnemente a vinda do Redemptor. Nunca
as pl'ophecias foram tam numerosas e circumstan'ciadas como as d'es-
les múos tempos.
Ainda Isaias vivia, e já um novo Propheta alevantava a sua
voz em Juda : era Oseas, este novo enviado, filho de Beeri, que nas-
ceu cerca de sclecenLos annos anles de Nosso Senhor. Não se sa-
bem os pormenores da sua vida e morte. Par~ provar aos Ju-0.eos
que as suas prophecias do Iledemptor e dos tenipos posteriores são •

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CATECISMO

verdadeiras , annuncia-lhes dous acontecimentos que em breve se


realisariam. O primeiro é a rnina de ~amaria ; o segundo a ruina
do réino de J uda.
Prediz elle que o Messias, sendo ainda menino , irá ao Egyplo,
e que d'alli o chamará seu Pai. O mesmo Senhor , fallando por fi-
gura , exprime-se assim pelo orgão do seu Propheta. lsrael ainda
era apenas um menino, quando eu já o amavfJ: eu cltamei' do Egy-
pto a meti filho. (1) Nosso Senhor, sendo ainda menino , foi con-
duzido ·ªº Egypto com sua Mãi , por S. Joseph ~ segundo a ordem
que teve do Ceo , e alli permaneceu até a morte d'Herodes , a fim
que se cumprisse, c~iz S. ~latheus , o que o Senhor linha dito pela
boca do Prophela : Ett chamei do Egypto a meM· fil!to. (2) Nosso Se-
nhor é pois o Messias predito por Oseas. O grande caracter do Mes--
sias, a conversão das nações idolatras ' que não eram o povo de
Deus, enleva o Propheta , que , fallando cm Nome cio Omnipotente,
exclama : Chamei .meit povo áquelle que não ·era men povo ; e foi o
objecto d a minha rn·isericordia aquelle que não era objecto da 11u-
nha mi~ericordia. E succederá qUie aquelles a quem se Unlta dito:
Vós não sois meu povo, serão chamados fil!tos do flws -vivo. (3)
Foi Nosso Senhor que convertea as nações 1 e foz dos- idolatras
o s~u povo bem amado , ~ filuos de Deus. Logo é elle o l\fossias
predito por Oseas. (4)
O mesmo Prophela ·ve lambem a reprovação dos Judeos , o es-
tado de desolação em que hoje vivem , e em fim a sua conversão
no fim dos tempos: Os filhos d' Israel ·permanecerão~ largo tempo
immoveis , sem re( · nem prrncipe , nem sacri{icfo , nem altar-, nem
exercicio publico de sua Religião. E depois disto os fillws d'lsrael
voltarão , e procurarão o Senhor seu JJeus , e ficarão passados de

(1 ) Oscas , U, t.
('!) Math. li, 1õ.
(3)' Oseas, II, 23, !õ, e 1, _10.
[4J O mesmo S. Paulo applica a Nosso Senhor as palana~ deste
Prophela ná sua Epistola aos Romanos <IX , 23.)

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DE PERSEVERANÇA. !33
medo diante do Senltor, recebendo os bens que clle lhes dar<* nos
ultimos dias. l 1)
Nosso Senhor- foi d~sconhecido dos Judeos ; os quaes anelam hoje
errantes, sem altar , nem sacrificio. Esta primeira pa1·te da pro-
phecia , cujo cumprimento vemos, assegura-=nos que a segunda parle
se cumprirá lambem , e .que no fim dos tempos os Judeos se con-
verterão. Por tanto :Nosso Senhor é o unico em quem se verificam
todos os caracleres desta prophecia. Logo é elle o Messias pre<lilo
, por Oseas.
Pelo mesmo· tempo appareceu oulro Prophela , que nos deixou
uma das mais notaveis predições tocantes ao Redemplo1· : Este Pro-
pheta é Michcas. Annuncia elle primeiro dous súccessos proximos, as
desgraças e a mina do reino d'Israel , as desgraças e a ruina do
reino de Juda. Depois , passando ao Messias, exprime-se nest.es ler-
mos : E tu Betklem, Ephrata (é o antigo nome de Bethlem) , tu és
pequena entre as. -cidades de Juda; todavia é de ti que sahirá Aquelle
qzte lia-de reinar em lsrael. Aqi1elle cuja geração é eterna. (2) Em
consequencia desta prophecia , os J udeos sabiam muito bem que o
:Messias devia nascer em Betblem. Quando os Mqgos chegaram a Je-
. rusalem , éonvocou Herodes todos os príncipes dos sacerdotes e os
. doutores do povo, e perguntou-lhes aonde havia de nascer o Chrislo,
o Messias. Responderam-lhe sem hesitar : em Bethlem de J uda, se-
gundo a predição· do Propheta; e citaram-lhe as palavras de Micheas.
·o l\lessiás devia por tanto nascer em .Bethlem. Ora, foi em Beth-
lem que nasceu Jesu-Christo·, no tempo e com as circumslancias as ..
signadas para a vinda do :Messias : logo é elle o Redemplor predito
por. Micheas.
Annuncia o Propheta que a geração do Redemptor é eterna, que
ellc converterá as nações, que será a nossa Paz , e que o seu im-
perio não tel'á fim. Seu imperio. subsistirá; elle apascentará o seu
rebanlio com a fortaleza do Senltor, e os povos se converterão ;
porque a sua grande.za. chegará até ás extremidades do mwulo : Elle
,,. .

(1) Oseas , III 1,1 o.


(2) Mich. V. 11.
30

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CATECISMO

é que será a nossa Paz. (1) Nosso Senhor, Deus e Homem simuf- ·
taneamente , é gerado no seio de seu Pai , desde toda a elernidade . .
Nasceu em Bethlem no tempo, da mais pura das Virgens; ene só
possue um imperio ·eterno; converteu as naç9es; tem um poder so..
berano ; e é a nossa Paz e reconciliação , pelo Sangue qu_e derra-
mou na Cruz. Bem vedes que só a NQsso Senhor conveem á letra .
os caracteres designados nesta prophecia ; logo é elle o Messias pre-
dito por Micheas. ·
Joel, outro Propheta , contemporaneo do precedente , descreveu
duas grandes feições do Redemptor : a descida do Espiri to Santo , e
o Juizo final. Para auctorisar a sua palavra, annuncia Joel um facto
que os Judeos seus contemporaneos viram cumprir-se : foi uma hor-
renda fome , que desolou todo o paiz. Eis-aqui de que modo elle
se e~prime : « Ouvi , velhos, e ·-vós- todos habitantes da terra, appli~
« cai o ouvido. Acaso succedeu cousa . igual no vosso tempo , ou.
« no de vossos pais? O gafanhoto comeu o qne ficou da lagarla;.
cc e o brugo-, o que ficou do gafanhoto ; e a ferrugem, o que ficou-
cc do brugo. Toda a terra está assolada;- toda em lagrimas; porque·
« está tudo estragado; a vinha perdeu-se, as oliveiras definham-se~
«- Porque uivam os animaes? Porque mugem os bois , senão porque
« não teem. onde pastar , e· õs mesmos rebanhos· d' ovelhas· perecem
« de fome ~ » (2) _
· Passando depois ao Messias , mostrou-o derramando seu espiriCo
na sua Igreja , e vindo a julgar o mundo , com formidavel mages-
tade. « Nos ulti.mos .tempos , disse o Senhor , derramarei o meu es-
ct pirilo sobre toda a· carne ; vossos filhos e filhas prophetizarão; vos-
« so·s meninos terão visões ; e os velhos sonharão sonhos : nestes dias-
« derramarei meu espirito sobre meus servos e servas , e elles pro.. -
« phetizarão. D (3) Nosso Senhor, segundo a sua promessa, envÍoll
o seu Santo Espirilo aos seus Apostolos , e elles propbetizaram ; e
este di vinõ espirilo commuuicou o do.m da prophecia a grande nu""'

(1) Mich. V, 4, 5.
{~) Joel, 1.
(3) ld. 11, 28.

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DE PERSEVERANÇA. 235
mero de fieis dos secnfos seguintes. -O mesmo S. Pedro nos dá a
·mtelligencia desta predição. Os que estavam no Cenaculo foram cheios
do Espiri1o Santo, e eis que os Judeos de Jerusalem perguntam es~
panlados uns aos outros : «Que quer dizer isto?» Outros zombavam
" dizendo: « Estam embriagados.> Então Pedro, sahindo com os onze
« Apostolos, disse-lhes : Estes não estão embriagados como cuidais,
« mas é o cumprimento d'aquillo que diz o Propheta Joel: Eu der-
« ramarei o meu Espirito ; (1) e cita-lhes a dita prophecia de Joel.
O Propheta annuncia em segundo lugar que o Messias virá jul-
gar o mundo com formidavel solemnidade. E' o mesmo Messias que
falla : « Farei apparecer prodigios no Ceo e na terra , sangue , fogo
<t e turbilhões de fumo. O sol se mudara em trevas , e a lua
« em sangue, antes que chegue o dia grande e terrível do Senhor. '
cr Eu ajuntarei todos os povo~, e -os conduzirei áo valle de Josa-
« phat, e lá entrarei em Juizo com elles. » (2) Nosso Senhor virá
·julgar o mundo ; elle mesmo nol-o diz no Evangelho , e descreve-
nos os signaes precursores deste dia terrivel , em termos similhan--
les aos do Propheta. Nosso Senhor enviou o Espirito Santo a seus
Aposlolos, como Joel havia predito; logo tambem virá j_ulgar o mun-
do no fim dos tempos : o cumprimento d~ primeira prophecia afi-
ança-nos o da segunda. Logo Nosso Senhor é verdadeiramente o Mes-
sias predito por Joel.
. Perto de cincoenta annos depois destes Prophetas, de que aca-
bamos de fallar , suscitou Deus Jeremias : é o Propheta das dores.
Largo tempo se escusou elle d'aceitar a lugubre missão que o Senhol'
queria confiar-lhe. «A , a, a, dizia elle, Senhor Deus , eu não sei
fallar ; não sou mais que uma criança. » O Senhor respondeu-lhe :

(1) Act. II, 15.


(!) Joel, II e III, Valie de Josaphat significa simplesmente, se-
gundo o hebraico, valle do Juizo. Ilouve quem teve a paciencia de cal-
cular que , existindo o mundo ha seis mil annos . sempre tam povoado
como hoie, dando a cada individuo um espaço d'um pe quadrado , cin-
coenta legoas quadradas de -Franca, ou vinte e cinco da Allcmanha, bas- •
tariam para conter todas as gcr;çõcs. Veja-se Catcc. phil. de Fctler,
p. õ62.

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,
"236 CATECISMO

Não digas : Não sou mais que ttma criança ; mas vai a toda a part·e
onde eu te enviar, e dize tudo o que eu le ordenar que digas.
' Não lemas apparecer diante delles , porque eu estou comtigo parn
le livrar. <1 Senhor estendeu sua mão , tocou a boca de Jeremias,
e disse-lhe : Agora ponho as minhas palavras em tua boca ; desde
hoje te estabeleço Propheta ; Jeremias obedeceu emfim. · ·
As desgraças com que ameaçou os Judeos, e a santa liberdade
com que exprobrava suas desordens, de tal sorte os irritou contra
elle, que o lançaram a uma cova cheia de lodo , d'onde o mandou
tirar u·m ministro do rei Sedecias. Depois da tomada de Jerusalem, _
uma parte dos Judeos, que ficaram na Judea, refugiaram-se no Egy-
to por medo do rei de Babylonia. Jeremias, oppoz-se quanto pôde
a este designio ; mas foi constrangido a seguil-os com Seu discipulo
Baruch.. Alli não cessou de· lhes reprehender seu crime com seu
ordinario zelo , e prophetizou contra elles e contra os Egypcios. A
Escriptura não falla da sua morte; mas crê-se que os Judeos, exas-
perados por suas continuas ameaças , q apedrejaram no anno 590
antes de Jesu-Chrislo. ·
Para auctorisar as suas prophecias concernentes ao Redemplor,
,e os successos i:emotos, annunciou --Jeremias outros factos proximos,
que a humana previdencia-não podia alcançar, e dos quaes não obs-
tante logo se vio o cumprimento. Citemos entre outros a espantosa
-l'llina de Jcrusalem, por Nabuchodonosor, e o captiveiro de Ba-
bylonia . Ouçamos de que modo predisse elle aquella terrivel calas-
trophe : <e Vai, lhe diz o Senhor, e toma um Yaso d'oleiro. >>O Pro-
pbela obedecendo, sahio da cidade e foi acompanhado dos anciãos
do povo, e dos mais antigos sacerdotes, a um valle situado ás
portas de Jerusalem. «Rei de fada, e habitantes de Jerusalem, lhes
(< diz elle, eis o que diz o Senhor dos exercitos : eu farei cahir esta

. « cidade em tam grande afflicç.ão que quem ouvir fallar della ficará
« como assombrado do raio.>) Levantando então o vaso á vista ele
todo o povo , accrescentou : « Eis o que diz o Senhor dos exer-
« citos: Eu quebrarei este pov~ e esta ci_dade Mmo um vaso d'o-
« leiro. )) A estas palavras , arremessou o vaso e o fez em pedaços ..
Alguns annos depois o soberbo Nabuchodonosor veio cumpri_r á
lelra a lrislo prophecia de ~eremias ; deslruiu a cidade até os fm~- ·

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DE PEILS.EVERANÇA. 237
amentos, e levou o povo caplivo para Babylonia. Passan o de·
pois aos successos remotos , Jeremias prediz que no nascimento -do
fessias mandarão matar os meninos de Bethlem, e que suas mãis
ficarão inconso1aveis. « Um grande clamor , exclam elle , se ouvio
« em Roma, de gemidos e gritos lastimosos ; é &lcbel chorando a
« morle de seus filhos , e não quernndo consolar-se, porque já não
{( existem. )) (1)
Nascendo em Bethlem Nosso Senhor , Herodes, com intento de
o perder , mandou matar os meninos de Ilethlem e dos arredores ,
d'idade de dous annos para baixo. Então se ouviram os -lastimosos _
prantos das mãis ; e S. :Matheus nos diz que era o cumprimento das
palavras de Jeremias, que acabamos de citar. Nosso Senhor é por
tanto o Re<lemplor predito por Jeremias.
Não se esqneceu o Prophcta do grande caracter do I;ibertador ;
diz que ellc ensinará a verdade ás nações,. e fará com os homens
uma nova alliança mais perfeita que a antiga : Eu te estabeleci Pr'o-
plrnta .para as nações , (2) lhe diz o Senhor ; e o mesmo Mes-sias
accrescenta , pelo orgão de Jeremias : -« Um tempo virá em. que farei
<< uma nova alliança -com a casa d'Israel e .a casa · de Judá ; então

« escreverei minhas . Leis em seus corações , e todos me eon.hecerão,


« desde o mais pequeno até o maior. » (3) Só Nosso Senhor en-
sinou a verdade ás nações idolatras ; só elle converteu o mundo , e
_ fez com os homens uma nov~ alliança maís perfeita que a antiga.
Nosso Senhor é por tanto o Redemptor predito por Jeremias. S.
Paulo reconhece expressamente que é de Nosso Senhor que Jere-
mias fa]lou nesta prophecia. (4)

O' meu Deus! que sois todo amor, eu vos don graças por nos
~erd0$ enviado o l\fessias tantas vezes predito pelos Prophétas; f~zei .

(1) lerem. XXXI, 15.


(2) ld. 1, 6.
(3) ld. XXXI·, 31.·
~ ~) lfobr. X, H.

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238 CATECISMO

que eu o escute com a docilidade d'uma ovelha fiel , para que no


dia tremendo em que vier julgar-nos mereça eu ouvir esta consola-
dora palavra: Vinde, bemditos de meu Pai , possui o reino que
vos está prepa do desde a origem do mundo.
Eu protesto amar a Deus sob1·e todas as cousas, e ao proximo
como a mim mesmo por amor de Deus ; e , em testemunho deste
amor, direi muitas vezes : Deus julgará esta acção, esta palavra,
esta leitura.

XLI.ª LIÇÃO

O MESSIAS -PREDITO.

Ezechicl Propheta. - Succcssos proximos que annuncia. O que pre-


diz do Messias. - Danie1, Pro'pheta. - Sua historia .. - Explica o so-
Dho de Nabuchodonosor. - Os meninos na fornalha ardente.

EsrAVAM em fim verificadas as terriveis predições de Isaias, Je-


remias, e outros Prophetas, contra Jerusa1em. Esta opulenta cida-
de arrazada até os alicerces , e seu templo augusto , uma das
maravilhas do mundo, não eram mais que um montão <.1e cinzas ; os
seus habitantes, levados por Nabuchodonosor, gemiam em Babylonia
nos ferros do captiveiro. Foi enlão que appareceu um novo Pro...
pheta , suscitado por Deus , para reprehender e consolar os desgra-
çados captivos , e mormente para lhes annunciar o Messias , Liber-
tador de todos os homens.
Ezechiel, que é este grande Propheta de que estamos fallando ,
foi lambem captivo para Babylonia, onde fez uma parte de ·suas
predições. Para provar aos Judeos o que propbetiza do Redemptor,
annuncia-lhes, como seus antecessores , acontecimentos proximos 1-

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DE PERSEVERANÇA. !39
<1ue hão de verificar-se á vista d'elles ; e outros de que o mundo
inteiro é ainda hoje irrecusavel testemunha.
A primeira cousa que prediz a seus irmãos é a sua tornada pa·
ra a Judea; e a reedificação do templo de Jerusalem (1), dous fa-
ctos que se cumpriram á letra, quasi quarenta annos depois. A se:
gunda cousa que predisse, .e a qual nos prova com que penetração divina
lia Ezechiel no mais remoto futuro, é que desde Nabuchodonosor, con-
temporaneo do Propheta, o Egypto não teria mais reis de sangue
Egypcio ; eis aqui o texto desta admiravel predição: Vou dar a
Nabuchodanoso1·, rei de Bábylonia, a tei·ra do Egypto; elle tomarà
todo o povo, fará d' elle sua preza; e não haverá no futuro mais
princi'pes da terra do Egypto. (2) Quem se lembraria de que a
terra do Egypto , mãi <las sciencias , mestra das nações, seria pri-
vada para sempre de reis. da extracção indigena , e curv aiia eterna-
mente a cervis ao jugo estranho '! E todavia , ha já vinte e tres
seculos que se cumpre o oraculo d'Ezechiel ; e que, como notou um
impio dos .nossos dias (3) , o Egypto, arrebatad~ a seus naturaes
proprietarios , tem soffrido sem interrupção o jugo d"estranhos.
Fallando do Messias: annuncia Ezech.iel que elle sahirá -da des- ·
cendencia de David, que será pastor, mas pastor unico ; que sal-
vará o seu rebanho e reunirá todas as ovelhas no mesmo aprisco.
Ouçamos o Senhor mesmo, fazendo-nos, pela boca do Propheta, es·
ta consoladora promessa : Eu salvarei o mei~ rebanho ; que não fi-
cará mais exposto a perigos; julgarei entre ovelhas e ovelhas; sus-
citar-llies-hei, para as apascentar, o PASTOR UNICO, DAVID MEU SER-
VO. Elle mesmo terà cut"dado de as guardar; e estará no meio
d'ellas, como seu prz"ncipe. (4)
Nosso Senhor mesmo nos dá a conhecer o sentido desta predi-
ção, quando diz, fallando aos Judeos,: Eu é que sou o bom Pas-
tor. O bom pastor dá a vida por suas .ovelhas. Ainda tenho ou-

m Ezech. XX.XIX e XLII.


(2) Ezech. XXI, 13.
(3) Voloey, Viagem á Syria, t. J, e. 6.
<U Ezcch. XXXIV, 22.

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CATECISMO

tras ovelhas que não são deste curral ; cumpre que eu as ·. ajunte
r

e não haja mais que um rebanho, e um pastor. Buscou Jesus· es-


t'outras ovelhas, isto é, as nações idolatras ; ajuntou-as com as da
casa d'Israel , e não ha hoje mais que um so aprisco, que ea Igre-
ja, e um so Pastor, que é elle mesmo. Accrescente-se a isto, pa-
ra que nada falte ao cumprimento da prophecia, que est~ Pastor
unico devia ser da progenie de David, ou antes o verdadeiro David.
Ora, Nosso Senhor é da descen<lencia de David, e o verdadeiro David,
isto é, o bêm ·amado por excellencia.
· Ezechiel ·accrescenta que o Messias estabelecerá uma allianç~
riova mais perfeita que a antiga. Eu farei com minhas ovelhas uma
álliança de paz, diz o Messias pela boca do Prophela. A mi-
. nha alli'ança será eterna. Eu multiplicarei as minhas ovellws.
Hstal1elecerei para se?npre o meu sant~rio no meio dellas. · O
meu Tabernaculu estarà entre ellas }. eu serei o seu Deus; ellas
serão o meu povo, e as 1.ações saberão que eu é que ·sou o Se-
nhor e o Santificador d'/srael; quando o meu santuarfo esti-
ver para semprB no meio do meu povo. (1) Foi Nosso Senhor que
estabeleceu uma alliança nova e mais perfeita que a antiga, uma
àUiança eterna. Foi elle que reunio os Judeos e os Gentios no mes-
mo aprisco ; foi elle lambem da descendencia de David , · e o bem
' amado por excellencia. Logo Nosso Senhor é o l\Iessias predito por
Ezechiel.
Pelo mesmo tempo, e na mesma cidade de Babylonia , prophe-
tizou o ultimo dos prophetas iv-aiores ; fallamos de Daniel , cuja in-
teressante hisroria passamos a Jer.
· Nabuchodonosor quiz ter na sua corte alguns mancebos d'aquel-
la nação Judaica, que elle linha trazido em captiveiro. A sua intenção
era mandar-lhes ensinar a lingua e as sciencias de Babylonia. Or-
denou pois ao intendente do seu pala cio que os escolhesse ; .e e11e,
dirigido pelo Senhor, escolheu a Daniel, e a mais tres de seus companbei:..
ros, chamados Ananias, l\füael, e Azarias. Alojaram-nos em uma
casa commoda para seus estudos ; e o rei, em signal de seu real

m Ezech. XXXVII.

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DE PERSEVERANÇA. 2U·
favor, mandou que lhes dessem de comer das suas mesmas igua-
rias ; e <le beber do mesmo vinho que elle bebia. Assim haviam de
ser mantidos por tres annos , no ·fim dos quaes passariam a sei·
officiaes do rei , para servirem sempre na sua presença.
Uma só cousa inquietava a estes virtuosos mancebos : era o
trazerem-1.hes de comer das iguarias, e do vinho da mesa do princi-
pe ; pois que facilmente podiam vir comidas prohibidas aos Judcos, ~
e até mesmo offerecidas aos idolos : pelo que se resolveram a não
se çujar com ellas. Daniel fallou nisto ao intendente do palacio ~
encarregado de os alimentar , o qual respondeu que, como o rei não
quel'ia em seu serviço senão mancebos formosos , elegantes e de boa
presença, tinha expressamente ordenado º.~-.modo como deviam sel'
trai.adas ; que se, por não usar do vinho e viandas da mesa do
principe, viessem a emmagrecei· ou desmerecer da.. sua fo1·mosura t
logo se saberia o motivo , e nisto perigava a sua fortuna , e talvez
mesmo a sua vida.
Daniel não desanimou. fürigio..,se a l\lalassar, official subalter-
no , encarregado especialmente deli e e de. seus tres companheiros , e
disse-lhe : Desejamos que nos dês legumes para comer, e agua para
beber. Só vos. pedimos dez dias d'experiencia. Depois examinai
nossos rostos, comparai-nos com os outros manceb.os que comem· da
mesa do rei. Se tiverdes de que vos arrepender da vossa condes-
cendcncia , sujeitar-nos-hem9s a tudo que quizerdes. Consentio l\fa..
lassar~ e deu a Daniel e a seus companheiros, por espaço de de?;
dias, somente legumes ; e· no fim esta~1 am ainda mais nuiridos e
formo3os que os outros mancebos que comiam da mesa do principe.
Malassar · continuou pois de muito boa vontade a tratai-os do mesmo
modo, e sempre com o mesmo resultado.
Acabados os Ires annos da sua criaç.ão, apresentaram ao rei os
quatro moços Israelitas. Ficou encantado Nabuchodonosor da graça
que brilhava em seus rostos , e em toda a sua presença, e mui to
mais ainda quando vio a sua habilidade e saber. Não t.enho no
meu reino, exclamou elle, doutores comparaveis aos quatro moços
hebreos. Não hcsiLou por tanto em os conservar junto de si ; e
deu-lhes empregos na corle , querendo que servissem sempre em sua
presença . . Assim come~ou a elevação do Propheta Daniel. O Sc-
31 Il

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• CATECIS~IO

nbor, sempre mfinitamente bom, _ia por este modo preparando fulu•
ros recursos aos caplivos Israelitas. '
Passados alguns annos , teve Nabuchodonosor um sonho, que o
inquietou extremamente. Quando despertou, mandou chamar todos
os encantadores, adivinhos e magicos de Babylonia: Tive esta nou-
te um sonho, lhes disse elle, que me -aterrou ; mas a, perturbação
que se· lhe seguiu , fez que eu o perdesse inteiramente da memoria.
Se conseguirdes recordar-me o meu sonho , e dar:me a explicação
d~lle, prometto-vos uma recompensa digna de mim ; mas se o não
fizerdes , mandar-vos-hei matar a todos.
O que exigis,. Senhor, responderam elles, não é possivel a ne-
nhum mortal. Ao ouvir isto, o rei , aceso em colera, mandou que
acabassem logo com aquelles impostores. Executava-se a ordem sem
piedade, quando Daniel, cheio de confiança em Deus, e subitamen-
te inspirado, foi ao palicio , onde achou o rei sepullado na mais
profunda melancholia ; supplicou-1he que lhe concedesse alguns mo-
mentos para lhe explicar o seu sonho. Vai, Danjel, lhe disse o rei,
toma o lempo que precisas.
Daniel retirou-se e passou a noute em oração. Logo que ama-
nheceu , um dos officiaes da corte o introduzio na camara do rei,
e disse-lhe, apresentando-o: Eis aqui, Senhor, um dos captivos de
Jerusalem, que dará ao rei, meu Senhor, o esclarecimento que de:.
seja. Parece-te, disse o príncipe a Daniel, tjue podes recordar-me
o meu sonhó, e dar-me a explicação d'elle? O so.qho que tivestes.,
·lhe respondeu modestamente Daniel , excede as luzes de todos os
magicos; mas ha um Deus no Ceo, que é o Deus unico ~ o Deus
que eu adoro, para quem nada é occullo; que revela , quando, e a
quem llle apraz, as cousas mais reconditas. Foi élle, grande princi-
pe, que vos mostrou, durante a obscuridade da noute, os successos
que devem cumprir-se nos ultimos tempos.
O príncipe e toda a sua corte tinham os olhos fitos no joven
Prophela , quando ellc começou desta sorte : Eis aqui , Senhor , _o
sonho que rivestes. Appareceu diante de vós uma grande esta lua,
a qual eslava em pé ~ e tinha um olhar tcrrivel. A sua cabe-
ça era d'um ouro finissimo ; o peito e os braços , de pra-
ta ; o ventre e as _coxas , de bronze ; as pernas , de ferro .; e os

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DE PERSEVERANÇA.

pés, em parle de ferro , e em parte d'argilla. Estaveis muito at-


tento a esta visão , quando uma pedra se despegou por si mesma.
d'um monte, e ferio os pés de ferro e argilla, e os fez em pedaços. A
mesma cslalua ficou reduzida a cinzas, como a poeira que o vento
levanta no estio ; mas a pedra que a ferio tornou-se em
uma grande montanha, que encheu a terra toda : tal é o vosso so.-
nho , grande rei. Eis agora a explicação.
Vós, principe, sois o maior dos reis ; sois vós o representadb
pela cabeç.a d'ow·o-; depois de vosso irnperio levantar-se-~ha outro,
menor que o vosso , figurado pela prata. Virá depois terceiro, desi-
gnado pelo bronze, que se estenderá po1· toda a terra ; o quarto im-
perio, similhanle ao ferro, que quebra e doma todos os melaes , as-
sim lambem destruirá e domará tudo o que tentar oppor:-se ao seu estabele-
cimento. Todavia, o qua1·to imperio ser-á ~nfraquecido por suas di-
visões, e isto é o que se exprime pela mistura do ferro e argilla
dos pés da eslatua. Emfim , nos tempos em que estes reinos sub-
sistirão ainda, o Deus do Ceo suscitará um reino que não será ja-
mais destruido, e que derribará todos os outros. E' elle que se vos
figurou na pedra que, despegando-se por si mesma da montanha ,.
reduzio a pó a argilla, o ferro, o bronze, a prata e o ouro.
Para nós, que vivemos depois do successo , é facil distinguir
estes imperios , cuja successão foi annunciada por Daniel. O primei-
ro, representado pela cabeç.a d'ouro, é o imperio dos Chaldeos; o
segundo, representado pelo peito de prata, é o dos Medos e Persas ;
o terceiro, figurado pelo ventrn e coixas de bronze , é o dos Gre-
gos , no reinado d' Alexandre Magno. Este imperio , nos diz o Pro-
pheta, que se estenderá por toda a t.erra. Com effeito, Alexandre le-
vou suas conquistas ás tres partes do mundo. O quarto imperio, re-
presentado pelas pernas de ferro, designa claramente o imperio roma-
no ; o qual , assim como o ferro, que corta os metaes, esmigalhou e re-
duzio a pó· lodos os reinos que antes subsistiam nas tres partes do
mundo conhecido.
· · Quanto áquella pedra, que se despegou da montanha, sém au-
xilio de . mão humana ; que destruio a esta tua , e depois engrossou ·
e · cobrio toda a terra ; que formou um imperio, cuja dura-
ção será eterna ; claramente denota o imperio espiritual de Nosso

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2H CATECISMO

Senhor , formado sem auxilio de nenlium homem , viclorioso de. to--


tios, que não passará a algum outro povo; imperio tam grande co-·
mo o mundo,, e lam duravel como os seculos. A que outro reino
enão ao de Jesu-Cbristo podem convir estes caracteres '?
Ao ouvir o Prophela, Nabuchodonosor , oomo assombrado,
parecia-lhe ver em Dan.iel o proprio Deus em figura lrnn~ana.
Prostrou-se com a face em terra, adorou-o "'profundamente , e
mandou · que lhe offerecessem incenso e lhe sacrificassem vi-
climas. Daniel obstou a este culto impio, e apressou-se a referir
todas estas homenagens ao .Deus que o tinha inspirado. Nabucho-
do1;10sor rec011heceu que o Deus de Daniel era verdadeiramente o
Deus dos deuses , e o Senhor tios reis. Depois exallou Daniel e seus
companheiros ás primeiras dignidades do imperio.
Em breve os moços hebreus experimentaram , como tantos ou-
tros., que para ser odiado não é preciso ser máo , basta ser feliz.
O favor de que eram objecto grangeou-lhes inimigos e emulos , que
re;olvcram perdei-os. Persuadiram pois a Nabuchodonosor que prohibis-
se a lodos os seus subditos o adorar qualquer outro Deus que .não
fosse dos de Babylonia. Em consequencia disto, Nabuchouonosor
mandou fazer uma grande estatua d'ouro , d'altura de sessenta co-
vados , ·e a fez collocar no meio d'uma grande planicie , nos subur-
bios de Babylonia. Ao mesmo tempo mandou aos officiaes do exer-
cito, magistrados, juizes, inlendentes , governadores de provincias ,
que todos se apresentassem n'aquelle sitio no dia e hora designada,
para render á estatua o culto que o rei lhe destinava ; e que todo
o que não obedecesse seria immediatamente lançado a uma fornalha -
urdente. ...
Os tres companheiros de Daniel, Ananias , Misael e Aaarias,
appresentaram-se como os mais na planicie. Mas ao signal dado,
qllando todos os assistentes se prosternaram com a face em terra,
os tres Israelitas ficaram-se de pé, -sem dar o menor indicio d ado-
ração. Ao ver isto, correm os seus inimigos a avisar o rei , que,
aceso em ira , ordena que os arremessem iwmedialamente á forna-
lha, aquecida sete vezes mais que ·d'ordinario. Foram presos os ge-
nerosos atltletas, pelos mais possantes de seus guardas ; ligaram-lhes
os pés e a mãos ; e aLiraram-nos ao -meio das chammas. Mas o

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DE Pll\SEVERANÇA.

-Deus d'Israel ~nlron alli com elles; o fogo consumio as ligaduras


sem offendl!r as pessoas , e elles passeavam tranquillamente no a~ra­
zado abysmo, e os ouviram cantando hymnos em louvar do Senhor.
A' vista da milagre, · approxima-se Nabuchodonosor á fornalha, e cha-
ma por elles, d_izendo : Servos do Deus Altissimo, sahi e vinde pa-
ra mim. Elle mesmo proclamou que o Deus d'lsrael era o unico
verdadeiro Deus, e fez um decreto, no qual probibio, sob pena de
morle, ífUe o blasphemassem. Esta solemne homenagem é uma no-
Ya pi·ova d'aquella misericordiosa Providencia do Pai celesle, que
não permittia as perseguições de seus servos, e a mistura de seu
povo com as nações infieis , senão para fazer resplandecer a sua
gloria, confirmar Israel na fé de seus pais, e preparar pouco a pou-
co os Genlios para o culto do verdadeiro Deus. -

O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças por
terdes conservado no meio das chammas vossos fieis servos ; dai-
me a sua fidelidade para com vossa santa Lei, e o seu valor para.
arrostar C(}m os respeitos humanos, ·a fim de ser eu mesmo livre das
chammas eternas.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas ,, e ao proximo·
como a mim mesmo por amor de ·Deus ; e , em tesLe~unho deste
amor, -não comer~i jamai·s carne nos dias proMbidos.

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- 246" CATECISMO

XLil. LIÇÃO.
3

O MESSIAS PREDITO.

Continuação da hislorin de Daniel. - · Visão de Ballhazar. - Daniel a ex-


plica. - Morte de Balthazar. - Daniel no palco dos leões: - ldolo de
Bel. - Daniel prediz a cpocha do nascimento do Messias.

ENTENDE-SE facilmenlc que o milngre, operado na fornalha, eslahele-


cen a reputação dos jovens companheiros de Daniel. Estes vir-
tuosos Israelitas não se valeram da sua aucloridade senão para fazer
cónhecer o poderoso Deus que os tinlla conservado, e melhorar a sorl6
de seus irmãos captivos.
Entre tanto morreu Nabuchodonosor , e no reinado de seu suc-
ccssor Daniel ficou no escuro. Estava ellc já avançado em annos ,
e só cuidava em servir o Senhor seu Deus no retiro , e orar por
seus charos captivos ; mas o Senhor tinha mui differentes inlençõefJ
das de seu servo. Era·deste mesmo Daniel, velho e esquecido como
estava, que a Providencia queria servir-se para consummar a grande
obra do livràmento de seu · povo.
Balthazar, neto de Nabuchodonosor, acabava de subir ao throno
de seu avô. Muito mais altento aos seus prazeres que ao cuidado do
_ reino , lembrou-se um dia de dar um magnifico banquete , para o
qual convidou mil dos mais poderosos senhores do seu reino. Entre-
gue a uma louca e_,excessiva alegria , bebeu o rei sem medida ; e,
,, com ebrio delírio, mandou a seus officiaes que lhe· trouxessem para
~ alli os vasos d'ouro e pra\a, que Nabucbodonosor trouxera -do templo

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DE PERSEVERANÇA.
de Jerusalem , a fim de beber por elles , e mais os senhores e mu-
lheres que se achavam no banquete. O rei deu o exemplo , e todos
quizeram ter a honra de o emitar. Pareciam apostados a qual pro-
fanaria com maior insolencia os sagrados vasos. Bebiam por elles o
vinho a largos tragos, cantando hymnos em honra de suas falsas di-
vindades: --o desgraçado Balthasar , punha d'est'arte o cumulo a seus
crimes , e enchia a medida fatal que Deus esperava , para destruir
a sua monarchia.
De repente viram-se como que os dedos da mão d'um 11omem, que
escrevia na parede, defronte do lustre que· alumiava a salla do bãn-
quefe , e o rei via distinctamenle , com seus olhos, o movimento
<la mão que escrevia. Enlão muda de cor , seu espi rito se perturba,
suas forças o abandonam , seus joelhos , tremendo , balem um no-
oulro ; apenas lhe fica força para gritar : chamem já os adivinhos,
os agoureiros, todos os magicos.
Obedeceram promptamente. Aquelle d' entre vós, lhes disse Balthazar,
que me lei· esta esc.riptura , e me explicai· o que diz , eu o manda-
rei vestir de purpura, e Jhe darei um collar d' ouro, e será a ter- .
ceira pessoa- do meu reino: Todos aquelles embusteiros metteram
mãos á obra , mas foram baldados seus esforços. Augmentava a de-
sesperação do rei, recabia em seu primeiro desmaio, e a corte, es-
pavorida, não sabia que partido tomasse: era o momento que Deus
aguardava. A rainha, informada do- que se passava, entra na salla
do banquete : Senhor, diz ella ao rei, tende animo ; ha um homem
no vosso remo , a quem os deuses santos conimunicam seu espirito,
chama-se Daniel. 1\landai-o vir, que elle vos tirará da vossa inquie-
la~ão. O rei mandou chamar Daniel , e apenas o avislou: E's tu
Daniel, lhe diz, um dos filhos de Juda, que meu pai trouxe ao
capliveiro? Se me explicares esta escript.ura , traçada na parede ,
por uma mão desconhecida , vestir-te-bas de púrpura , terás um
collar d'ouro, e serás, depois da rainha e de mim, o primeiro do
meu reino.
Daniel conheceu todo o perigo desta commissão ; mas havia já -
oilenta annos c1ue aprendia a não temer dos poderosos da terra.
Grande rei , disse elle a Balthazar, não aceitarei esses presentes ,
mas vou ler as palavras cscnplas na parede, e ·explicar-vol-as. Está

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U8 CATECISMO

cscriptura consta de tres palavras: .lJlane, Tllecel, Phm·es. Eis o


que significam : Afane ~ o Senhor contou os dias do leu imperio, e
tocam o seu termo. T hecel; foste lançado na la lança , e achou-se
que eras muito leve. T hares ; o teu reino se dividio, e fui dado aos
Medos , e aos Persas. Apezar da perturbação e pavor, que simi-
lhante explicação devia causar em sua alma , o rei obrigou o Pro-
pheta a aceitar as honras que lhe tinha prometlido.
A exec1l1ção da terri vel sentença estava mais proxima do qne
Ballhazar cuidava. N'aquella mesma noute , Cyro , rei dos Medos
e dos Persas, entrou em Babylonia; suas tropas in \adiram o pa1acio,
e Balthazar pereceu rio morticinio daquella noute , para sempre fa ..
, mosa por um banquete sacrilego , um milagre da mão de Deus , a
morte d'um poderoso rei, o fim d'uma grande monarchia, e o cum-
p1·imento <los vaticioios de tres Propetas : de Daniel , que annunci-
ara alguns annos anles, a destruição <lo imperio dos Assyrios; d'lsaias
e Jeremias, que linham , um duzentos annos , e outro setenta
. annos antes , predito , com as mais minuciosas circumstancias, a- to-
mada de Babylonia pelos Medos , e pelos Persas. (1)
Com a nova dynastia , gozava Daniel do mesmo favor (JUe com
os reis Assyrios ; mas os grandes da corte, invejosos do rnerito e
fol'luna do Prophela, resolveram pordel-o. Para este fim; persuadi-
ram ao rei que prohibisse , por um decreto solemne , que se fizes-
sem votos ou orações a nenhum homem ou divindade , por espaço
de trinta dias, em toda a exlensão do reino ; e que todo aquelle, ,
l]Ue se apanhasse em contravenção, fosse precipila<lo no pateo dos
leões , para alli sea· devorado das feras.
Nada podia ser mais injusto e absurdo que esta proposta; mas
o rei , que temia os senhorns da sua corte , ou precisava delles,
não teve mais remedio senão mandar lavrar e publicar o decreto. Daniel
podia illudir o edllo do principe : não precisava mais do que não
apparecer cm publico a offerecer oração a Deus; mas entendeu_que,
na presente conjunctura , esconder o culto, que dava ao Senhor,
era renegal-o. Por tanto não alterou o seu costume : tres vezes por
dia , abria as suas janeHas , que davam para Jerusalem, ajoelhava,

(1) Isaias, XIII, XIV, XXI; Jeremias, XXVII, 6_ e 7, e L e LI.

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DE PERSEVERANÇA. U9
01·ava , e adorava a sP.u Deus. Assim continuou a fazer , supposto
não ignorasse que o espreitavam. Apenas o apanharnm em oraç.ão,
correram seus triumphantes inimigos -a dar parte ao rei do desprezo
com que elle infringia as suas ordens. Daniel , lhe disseram elles ,
este escravo judeo , a quem fizestes vosso primeiro valido, é tam..
bem o primei~·o infractor do vosso decreto.
Quando o rei ouvio fallar em Daniel , ficou realmente afflicto ;
' porque amava este grande homem, respeitava suas virtudes, honrava
sua velhice, e apreciava os seus serviços. Nada respondeu aos ac·custt..
dores, e Ol'denotI que o deixassem só, até que declarasse suas intenções.
Sua vontade era salvar Daniel , e isto comprehenderam os seus·
inimigos , que, entrando brnscamente no palacio , disseram ao rei ,
com ar ameaçador: Não sabemos, Senhor , o que suspende a vossa
justiça ; mas sabei que não sois superior ás leis, e é lei funda-
mental entre os l\fedos e Persas , que o rei não pode revogar os
seus decretos. A isto o rei , intimidado , mandou chamar o Pro-
pheta ; e enternecido com a presença rlo venerando velho , não lho
disse maia que e.stas duas palavras : Vai Daniel, aonde te arraslam
os teus inimigos; o teu Deus, que uão cessaste d'adorar, te lin·ará
de suas mãos. Estava o rei lam persuadido disto, que quiz seg\1ir
de perto os executores da sua sentença. Acompanhado pois de toda
a sua corte, dfrigio-se á cova dos leões, e havendo sido precipitado
1iclla o Propheta, mandou tapar a entrada com uma pedra, que sel-
lou com o seu sinete , .e com o de todos os grandes senhores , que
assistiram á execução , a fim qne a malicia dos homens nada po-
dcssc ajuntar á crueldade das feras. ,
Vollou o rei para o palacio agitado por uma inquietação mor-
tal : não podia tomar alimento , nem repouso. Apenas rompeu o
dia Jevanlou-se e foi á cova dos leões. Aproximou-se a tremer ; e:
com os olhos cheios de lagrimas , gritou com voz lastimosa : Daniel:
fiel servo do Deus vivo , não pôde o teu Deus livrar-te do furo1·
dos leões? Sim , Senhor , responde tranquillamenle Daniel : o meu
Deus enviou o seu Anjo , que cerrou as fauces dos leões , e elles
me não leem feilo nenhum mal.
O rei , exultando d'alegria , mandou no mesmo inslànle lirar
Daniel da cova. Não se achou ferida em seu corpo. O monarcha
32 u

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!50 CAIECIS&JO

infiel, vendo com seus olhos quanto pode a fé do :verdadeiro Deus.


para a salvação d'aquelles que con~iam nelle , não resislio a_ um mi-
lagre taro manifesto. Adorou a este Deus soberano, com toda a
sinceridade do seu coração , e mandou lançar ao pateo dos leões
os impios accusadores de Qaniel. Então aquelles desgraçados mal
tinham chegado ao fÜndo da cova já os leões lhes dilaceravam as
carnes , e esmigalhavam os ossos.
Daniel, mais poderoso que nunca , empregou todos os r<'cm·sos
da sua pmdencia para tirar da idolatria o novo rei de Ilabylonia.
Era este rei Cyro o grande ; o qual, em chegando aos seus Estados,
encontrou um idolo chamado Bel ., tido en1 grande veneração pelos
Assyrios. Declarou-se lambem seu adorador , e todos os dias ia
render-lhe suas homenagens ; mas nada pôde resolver Daniel a acom-
panhai-o ao. templo do ·falso deus. O rei, notando a ausencia do seu
ininistro, perguntou-lhe : Porque não adoras tu Bel? O santo velho
respondeu : E' porque não adoro idolos feitos por mão d,homens. Ha
um Deus vivo, que creou o Ceo e a terra , e é o àbsoluto Senhor
de todas as cousas ; a este adoro .eu desde a infancia , e adorarei
, sempre. Pois que! Tornou Cyro, Bel não é lambem um deus vivo?
Não vedes quanto elle come e ,bebe cada diaJ De facto, o idolo ue
Bel era uma enorme estatua, á qual serviam, quotidianamente , doze
grandes medidas de farinha do melhor ,trigo , quarenta carneiros , e
seis enormes odres de generoso vinho. Isto comtudo era só para
um jantar , e nada deixava para o outro dia. Senhor , tornou Da-
niel surrindo-se , não vos enganeis na conta. Este pretendido deus
não é mais que uma eslalua de barro, vestida de bronze. Prolcsto-
' 'OS que nunca comeu nem bebeu.
Cyro, muito admit·ado, mandou logo chamar os sacerdotes de Bel, e
disse-lhes com a1· severo : Se me não disserdes quem é que come as
viandas e bebe o vinho, que se serve ao iclolo de Bel, man<lar-vos-
hei malar a todos ; porem se me provardes que é o deus fJUe come
e bebe, mandarei matar Daniel, para vingar Bel das blasphemeas ífUe
soltou contra elle. Consinto , disse Daniel, acceito a condição.
Os sacerdotes do idolo parecia-lhes que tinham já a victoria ga-
nha , e que se lavavam -no sangue de seu inimigo. Eram ellcs em
numero de sclenla , sem conlar _suas mulheres, filhos, e netos. Ti·

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DF. PF.RS&VRRANÇ,A. 2üt
Tiham feito , por baixo da mesa do altar , uma porta falsa , de que
ainguem sabia, e por· alli entravam todas as noutes , e levavam as ·
viandas, a farinha e o vinho : e ludo faziam com tal disfarce que
não temiam os descobrissem. .
Conjuraram pois o rei para que fosse ao templo com Daniel ·,
e disseram-lhe : Nós vamos sahir ; e vós, príncipe , mandai ll'azer as
viandas , a farinha , e o vinho costumado, e depoi~ fechai a porta ,
e sellai-a com o vosso sinete real. A'manhã voltareis ; e , se não
achardes que Bel consumio ' tudo durante a noute, mandar-nos-hei!l
tirar a. vida; mas ao contrario , se li\:ct comido tudo , mandareis
/ matar a Daniel , que blasphemou contra o nosso deus, e calumniou
os seus ministros. ·Logo que sahiram -pois, mandou o rei que poses-
sem diante de Bel sua costumada comida. Daniel , pela sua parte ,
ordenou a alguns de seus domesticos que lhe troo essem cinza e um
crivo ; e a peneirou por todo o po\·imenlo, em presença do rei ,
que estava muito admirado sem poder entender e le enretlo. Sa-
hiram por fim ambos do templo, e o rei, mandando fechar a
porta , a sellou com o seu annel.
Pelo meio da noule, vieram os sacerdotes de Bel, com suas
mulheres e filhos, pela porta ·falsa , levaram a comida , como cos-
tumavam, e juntando-se todos em um grande banquete, chasqueavam
da simplicidadé do principe , e insultavam , com amarga ironia,
o seu velho ministro. E' facil imaginar como estariam alegres: mas
a cousa não lhes sahio como esperavam.
O rei, levantando-se ao amanhecer, chamou Daniel , e ambos
se dirigiram ao templo. Apenas · chegaram, disse o rei para o seu
ministro : Não ha duvida , os sellos estam inteiros. Sim , príncipe,
r~spondeu Daniel , nos sellos ninguem bulio. Abrio-se a porta, e
o rei , vendo que nada estava sobre a mesa do altar, exclamou
com tr~n3porte : Tu és grande , ó Bel ! Justificas plenamente a
sincel'idade ·de teus ministros~ Daniel começou-se a rir , .e de-
tendo o rei , para que não entrasse : Examinai, lhe disse , o pavi-
mento do templo , e dizei-me de quem são estas pégadas ? Oh ! ex.-
clama o príncipe fora de si , isto são pégactas d'homens, e de mu-
lheres , e de crianças ! Como é isto ? e mandando logo trazer os
sacerdotes de Bel , e suas familias, intil!lou-lbes que lhe dissessem que

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CAH:CJSMO

tramoia era aquclla? Foram elles a tremer mostrar-lhe o falso por


onde entravam e sabiam, levando o que se offerecia na mesa <lo idolo.
O rei cumprio a sua palavra ; mandou-os matar a todos, e entre•
gou o idolo á discripção de Daniel 1 que no mesmo instante o dPr-
ribou , e despedaçou , e fez depois demolir o templo que lhe era
consagrado. D'est'arte conseguio converter Cyro ao verdadeiro Deus
d'lsrael, e o persuadio a restituir aos Judeos a sua liberdade.
Daniel , como já dissemos , é o ullimo dos Prophelas maiores.
Para provar a verdade das suas prophecias, concernentes ao :Messias,
aununciou muitos successos que se realisaram á vista dos Judeos e
dos Assyrios. O primeiro é a successão dos quatro grandes irnpe-
rios. Predisse elle que o imperio dos Assyrios, · cujo rei era Na- ·
buchodonosor, pa,.ssaria aos Medos e aos Persas ; que o imperio dos
l\1edos e dos Persas passaria aos Gregos , commandados por Ale~
xandre ; e em fim qne o imperio dos Gregos passaria aos Roma-
nos. (1) O segundo é a epocha precisa em que Jerusalem , des-
truida por Nabuchodonosor, seria re~dificada. (2) Tudo isto se cum-
prio á letra : os Judeos e os hisloriadores profanos estam perfeita-
mente d'accordo a este respeito. (3)
Passando ao Rec.lemplor , · annunciou Daniel que o Messias tam
desejado viria d'alli a quatrocentos e noventa annos, que seria morto;
que os Judeos o renegariam e deixariam de ser seu povo; que o
templo e a cidade de Jerusalem seriam destruidos ; que o :Messias
estabeleceria uma nova alliança ; que os sacrificios da lei antiga aca-
bariam ; e que então começaria a desolação em que aindà hoje ve-
mos o povo deicida. Para entender bem- as palavras de Daniel ,.
cumpre advertir que havia entre os Judeos, como entre outros po-
vos, duas sortes de semanas : as semanas de dias, como as nossas,
e as · semanas d'annos , que eram de sete annos. E' destas ultimas
que se trata na celebre prophecia de Daniel , cujo texto é como se
segue : O Archanjo S. Gabriel falia a Daniel e lhe diz : (( Setenta

(1) Dan. li l 36 e seg.


(~) ld. IX, 2õ.
(3) Bossuot, Uist. univ. t.• porte.

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J>E PERSEVERANÇA. !53
« semanas, >) isto é 490 annos, ( foram fixados à respe.Ho de vosso
~ porn , e de vossa santa cidade. Então cessarão as prevaricações;
" o peccado lerá fim ; a iniquidade sel'á expiada, virá a justiça
' elerna., as visões e prophccias serão cumpridas. Aquelle que é
u: o Sanlo dos sanl.os receberá a unção ; o Chrislo sera morto , e o
" Pº"º que o .ba-de negar não será mais seu povo. Um Pº''º es-
a: tranho virá com seu chefe ; e destruirá a cidade e o santua-
" rio , que serão inlriramente arrazados. A guerra será seguida da
« desolação que se resolveo. O ·Chrislo confirmará a sua alliança
" com o mundo. Enlão os sacrificios serão abolidos. Haverá no
« templo a abominação da desolação , e a desolação não terá mais
" lermo. >) (1)
Por esta prophecia fica demonslra<1o á evidencia: 1.º que o Mes-
sias já vc~io. Por quanto , Daniel annuncia que a ruína do templo e
da cidade de Jerusalem deve seguir-se á morte de Christo. O Christo
1

será morlo diz eJJe , e a cidade e o sanluario se1·ão deslruidos.


!

Ora , Jernsalem foi tomada e destrnida , e o seu templo queimado -


pelos Romanos, no anno setenta da era n1lgar. togo o Christo,
ou o Mess~as predito por Daniel, já tinha Yindo; e logo tambem l.i-
nha sitio morto antes desta epocha. E' pois em ''ão que os Judeos
esperam ainda o l\fossias. 2. º Fica <lemonslraclo pela mesma pro-
phecia que o Christo, ou o ~lessias pl'edilo por Daniel, é Nosso Senhor
Jesu-Christo.
De facto ,._o Messias annunciado por Daniel eleve expiar as ini-
quidades do mundo. E' delle que S. João Baplisla dizia : Eis o Cor-
deiro de Deus, que apaga os peccados do mundo. O Messias pre-
•lilo por Daniel deve trazer á terra o reinado de todas as virtudes.
Foi Nosso Senhor que trouxe á terra o l'einado de todas as virtu-
des, abolindo a idolatria e conduzind.o lodos os p&-vos ao conheci-
mento do ''erdadeiro Deus. O l\lessias predito por Daniel deYe cum-
prir em si todas as propliecias. Nosso .Senhor cumprio lilteralmenle
todas as prophecias, seja em seu nascimento, em sua vida, em sua
morte e resurreição. O Messias deve ser o Santo dos santos, Deus,

(1) Dan. IX.

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!5(. CATECIS~IO

em uma palavra. Nosso Senhor é o Santo por exce1lencia, tam santo


que desafiava a seus morlaes inimigos que descobrissem nelle algum
peccado ; para provar que era Deus fez um sem numero de mila-
gres, que os Judeos nunca poderam contestar; tal, por exemplo, o
da resurreição de Lazaro. O l\fessias predito por Daniel deve esta-
belecer uma nova alliança. Só Nosso Senhor estabeleceu com o mun-
do uma nova a1hança. O Messias predito por Daniel deve ser morto,
e , -por causa desta . morte , o povo Judaico deixará de ser o povo
de Deus , e Jernsalem e o templo serão deslmidos. Nosso_Senhor foi
morto pelos Jndeos • que o negaram; depois, por causa· de.sta morte
é que os Judeos, segundo a mesma prophecia de Nosso ·Senhor,
cabiram no estado de desolação em que hoje os vemos, e a cidade
e o tempo de Jernsalem foram destruídos até os fundamentos. Nosso
• Senhor reunio pois lodos os caracteres do Messias predito por Da-
niel ; estes caracteres não convem senão a elle somente : logo Nosso
Senhor é o ~Iessias predito por Daniel.

·ORAÇi.O.

O' meu Deus l que sois lodo amor, eu vos dou graças por ler-
des annunciado com tanta exactidão o nascimento e caracteres do
Messias; é frans~ortado de jubilo ~que eu reconheço es.te divino Mes·
sias em Nosso Senhor Jesu-Christo, o qual só reunio em si .lodos
os caracteres do Messias predito por Daniel. _
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proximo
como a mim mesmo por amor de ·Deus ; e , em testemunho deste
amor , orarei· pela conversão dos Judeos.

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nE PERSEVtRANÇA.

XLIII.ª LIÇA.O.

O :MESSIAS PREDITO.

Decreto de Cyro. - Tornada dos Judeos para Jcrusalcm. - Aggeo, Pro-


pheta. - Zacharias, Propheta. - Reedificação <la cidade e Lcmplo de
Jerusalem. - Malachias ·, ulLimo PropheLa.

Üs esforços de Daniel , para libertar os Judeos e restituil-os á


sua patria, foram em fim coroados com o mais feliz successo. Cy-
ro lanou aquclle famo~o decreto, pelo qual se concedeu aos Judeos,
captivos em Babylonia, inteira liberdade de voltai· para a Judea ,
l'ecdilicar o templo e tomar a povoar Jerusalem. Apressaram-se
elles a tomar as necessarias providen_cias , para se apprO\'eilarem
sem demora da permissão do principe. Como era impossivel que
todos voltassem ao mesmo tempo para um paiz inculto, que hnia
quasi setenta annos não produzia fruclos , uma parte dos captivos
somente se poz a caminho, conduzida pelo Summo Pont1fice Josué,
e Zorobabel ; joven príncipe tla familia de David. Cyro restituio-
lhes lodos os vasos sagra~os t.lo templo , os quaes fez contar em sua
presença, e achou-se que eram cinco mil e quata·ocentos, tanto d'ou-
ro como de prata.
Partiram no decimo mez .do septuagesimo e ultimo anno do
captiveiro. . A viagem foi longa , porque estando Jerusalem na dis-
t~mcia de quasi trezentas leguas de Babylonia, caminhavam para alJi
familias inteiras, mulheres, velhos e meninos. Depois de quatro me-
zes de penosa marcha, chegaram em fim a pizar a terra da Judea.
Alli fizeram o arrolamento da gente , que subio a quarenta e duas
mil trezentas e sessenta pc·ssoas. O prime.iro cuidado dos exilados,

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CATECISMO
na vo1ta para a patria, foi levantar um altar ao Senhor, em quan-
to não tinham recursos para edificar um templo. Passado um an-
no , lançaram os primeiros fundamenlos para elle ; mas JeYantaram·
se grandes difficultlades ; e , segundo a prophecia de Daniel , a
obra não conlinuon senão muitos annos depois. ·
Como Josu~, Zorobabcl, e sobre tudo os velhos, q·ue tinham
visto o templo <le Salomão, esla vam descoroçoados ao ver quanto o
novo templo seria inferior ao antigo , quiz o Senhor consolar a
uns e animar a oull·os.
Para este fim chamou o Prophela Aggeo, e disse-lhe : Fallà
a Zorobabel , cabcç.a de J uda , e a Josué , Summo Sacerdote , e a
todo o povo, e <l1ze-lhes: A'quelles d'enlre ,·ós, que viram o auligo templo
em toda a sua gloria, não está parecendo que este é nada em comparação
d'elle? Todavia, ó Zorobabel ! tem animo, diz o Senhor ; Josué , Sum-
mo Sacerdote, tem animo, e vós lodos, _restos do meu povo , ten-
de animo todos, e mellei mãos á obra. « Ainda um pouco , e cu
a: abalarei o- Ceo e a terr·a , o mar, e todo o universo ; eu abala-
« rei todos os povos, e o DESEJADO DE roo.\s ·As NAÇÕES vm ..\ , e eu
« encherei de gloria esta casa pela sua presença. A gloria deste
« segundo templo será muito maior que a do primeiro , porque é
« neste lugar que eu darei a Paz. » (1) Os Judeos e os Chris-
tãos arnrmam igualmente que esta predição se refere ao · Messias.
· Ora~ ella prova duas cousas : 1. º que o Messias ja . veio - porque
o ·Propheta diz, que o l\Iessias entrará pessoalmente no segundo
templo, e que por isso a gloria deste segundo templo será inlini-·
tamente superior á do primeiro. Como o segundo templo foi abra-
zado pelos Romanos, no anno selenla da era chrislã, o Messias,
por consequencia, já linha vindo anles desta epocha, e é muito em
vão que os Judeos continuam a esperar por ello. •
A segunda cousa é que osso Senhor Jesu-Chrislo é verdadei-
ramente o Messias predito por Aggeo - Por quanto , o Prophela
annuncia que á chegada do Messias , Deus abalará o ·Ceo e a ter-
ra ,. º. ma_r e todo o universo. Ora, ua vinda tle Nosso Senhor ,

('I) Agg. 11.


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DE PERSEVERANÇA.•

o Ceo, a terra, o nrnr , abalaram-se com prodigios : o concerto dos


Anjos que annunciou seu nascimento ; a estrella , que o indicou aos
Magos ; o· Ceo aberto em seu baptismo ; as trevas que cobriram o
mundo, na sua morte ; foram outr~s tantos prodigios operados no
Cco : a terra espantou-se· com a fall!a· de suas obras ; o mar sentiu
a sua omnipole,ncia ; com uma só palavra serenou · as furiosas va..
gas , e obrigou as entumecidas ondas a servir de base solida aos
pes de S. Pedro ; o universo revolveu-se vela queda successiva das
grandes monarchias dos Persas e dos Gregos , invadidas pelos Ro-
manos.
Demais, o Propbeta designa o Messias pelo nome de Desejado
das nações ; é assim que Jacob moribundo o designou lambem a seus
filhos. Ora, é certo que na -vinda de Nosso Senhor , ·todos os po-
vos estavam. em anciedade, e espectação d'um personagem misterioso,
que devia apparecer na Judea , e vir a ser o Senhor do mundo.
Dous historiadores pagãos, Taeito e Suelonio, dizem-nos que elle era
esperado segundo anligas tradições, vulgarizadas em todo o Oriente.
Depois · da vinda de Nosso Senhor, as nações cessaram d'esperar es-
te misterioso personagem , que devia sahir ela Judea, e fazer-se Se-
nhor do mundo ; logo, Nosso Senhor era verdadeiÍ'amente o Dese..
jado das Nações ; e pois que o Desejado das Nações, como ja vimos,
era o l\Iessias, segue-se necessariamente que Nosso Senhor é o ver•
<ladeiro Messias.
O Propheta annuncia que .é no segundo templo que o Senhor
dar<1 a Paz. Esta Paz não é limitada a certo povo ou a certo
tempo ; ·mas é sim a Pa.z propriamente dita , a pai eterna , cons-
tante, comprehendendo todos os bens , abraçando todos os povos ;
é a paz do Ceo com a terra , a reconciliação de todas as creaturas
com ó Creador, do genero humano com Deus. Eis aqui a obra
reservada ao Messias predito por Aggeo.
Ora, quem deu a paz ao mundo, a paz com Deus, a paz que
comprehendc todos os bens , e abraça todos os povos, senão Nosso
Senhor? Quem deu a paz, que é a rcconciliaç.ão do Ceo com a ter-
ra, senão a viclima do Golgolha? Não é dellc que os Anjos annun-
ciaram a vinda dizendo : Paz aos homens de boa vontade? Não foi
e1le que deixou a paz ao mundo, por unica herança? Eu vos tlou
33 II

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CATECISMO

a paz, dizia elle, eu vos deixo a minha paz, não a paz que o mnn•
do dá. E não foi no mesmo templo de Jcrusalem que nol-a annun-
ciou este divino Salvador, Ministro desta paz ? Não foi neste mes-
mo templo que esta paz se concluio, quando o Salvador derra-
mou as primicias ele seu sangue , sob o cutello da circumci~
são~ Nosso Senhor é pOl' tant-0 o verdadeiro Messias predito
por Aggee>.
Para provar aos Judeos a verdade das suas predições concer-
nentes ao ~lessias , annuncia-lhes o Propheta dous factos de que
- eltes iam ser testemunhas. O '1. º é a cessação da longa esterili-
dade que já durava ha dez annos, e a volta da abundancia; .o 2.º
é a queda dos reinos estrangeiros, a destruição da monarchia dos
Persas pela dos Gregos, a dos Gregos pela dos Romanos , e sobre
tudo a conservação . <l3i casa real de Judá , até ao na~cimenlo d0
Messias que, pel-Os descendentes de Zorobabel, devia sahir de David,
Jacob, Isaac, e Abraham. Estes dous successos verificaram-se. Ag-
geo prophetizava cerca de quinhentos e vinte annos antes <la vinda
de Nosso Senhor.
· Apenas tinha Aggeo feito ao povo de Deus todas estas- conso..
)adoras promessas, quando Zacharias, outro Propheta do Senhor, as
' 1 cio confirmar e ajuntar-lhe novas. Segundo o indispensavel de-
ver de todos os Prophetas , começa elle p~r estabel~cer a sua
missão divina , predizendo acontecimentos proximos , cujo curo..
primento affiançasse a verdade de suas prndições tocantes ao
Messias.
Annuncia elle 1. º que Jerusalem, tantas vezes infiel, não reca ..
hirá mais na idolatria , e se chamará a cidade da verdade. Esta
prophecia verificou-se ; desde a volta do capliveiro, Jémsalem não se
deu mais ao culto dos ido los : 2. º que, apezar de todas as difílcul-
dades acluaes, Jerusalem seria reedificada e povoada. Ainda se ha
de ver , diz este Propheta , nas praças de Jerusalem, os velhos apc-
. gados a seus bordões , pot· causa de seus largos annos ; e as ruas _ ·
da cida(le cheias de meninos e mQninas, que brincarão nas praças
publicas : 3. º que a terra dos Philislheos, antigos inimigos do povo
e1colhido, ficaria deserta e desolada. Esta ultima· predição realisou..

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DE PERSEVERANÇA.
se por Alexandre o Grande (1) , como a precedente pelos reis
da Persia.
Passando ao :Messias , entra o Propheta em interessantes miou..
eiosidades., diz que elle apagará a iniquidade do mundo , que será
rei, justo, Salvador ; que será manso e humilde ; que entrará em
Jerusalem montado em uma burrinha e sobre um jumentinho; que
será ferido ; á vista do que fugirão seus discipulos ; que será ven•
uido por trinta dinheiros de prata i que este dinheiro será )evado ao
templo , e dado a ·um oleiro ; que lhe hão de trespassar as mãos ;
eni fim diz que ha. de converter as nações, que aquelles que o hão
de malar acabarão pelo reconhecer, e que haverá um grande pran·
to em Jerusalem. (2)
Nosso Senhor apagou a iniquidade do mundo ; declarou alta-
mente a Pilatos que era rei, e reina actualmente no mun<lo , do
qual mudou as ideas e costumes ; é justo , e tam justo , que seus
inimigos não poderam achar cou a que lhe lançar em rosto ; é o
Salvador por excellencia ; é manso e humilde : Aprendei de mim ,
diz elle, que sou manso e ltumi'lde de coração. (3) Entrou em Je-
rusalem montado em uma jumentinha, seguida do seu burrinho ; foi
preso no jardim das Oliveiras , e abandonado dos seus Apostolos ;
foi yendido por trinta dinheiros de prata , e este dinheiro , preço
d'um Deus , 1evou-o Judas aos sacerdotes , que compraram com elle
o campo d'um oleiro ; foi elle e só elle que converteu as nações ;
clle, e só elle que os Judeos choraram amargamente, quando reco-
nheceram, depois da sua resurreição, que tinham crucificado o Filho
de Deus : Nosso Senhor, por tanto, é realmente o Messias predito
llOr Zaeharias.
Animados pelas palavras d' Aggeo e de Zacharias , sobre a futu-
ra grandeza do templo, trabalharam os Ju<leos com ardor na cons-
trucção deste edificio. Nem as fadigas e difficuldades da obra, nem
os máos designios de seus inimigos, puderam fazei-os afrouxar.

(1) Zarhar. VIII e IX.


(2) ld. III, VIII: IX, xn e XIII.
(3) l\lath. XI, 29.
lf.

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260 CATECISMO
1
D ahi a alguns annos, Esdras, que estava ainda em Bab-ylonia.·
occupando um fogar muito dislincto , obteve permissão do rei para
conduzir á Palestina uma segunda colonia dos Judeos que restavam
nos seus Estados. Tenclo. reunido todos estes pel'egrinos, foliou-lhes Esdras
deste . m-0do : ~leus irmãos, nós estamos sós, 8em armas , sem defe-
za, havendo de atravessar um vasto paiz , cercado d'inimigos , que
pl'ocurarão assaltar-nos. Pudera eu pe<lir ao rei soldados, que nos
acompanhassem, mas confesso-vos que teria vergonha de o fazer.
Sabeis o que tenho dito a este pl'incipe diante de vós , ácerca da
lloderosa protecção com que o Senhor Nosso Deus honra a lodos
aquelles que o procuram com simplicidade de coração, e que n'elle
poem sua confiança. Mas para nos tornarmos dignos da sua prolcc- ·
ção, passemos um dia em oração e em jejum ~ pedindo-lhe , com
fel'vQrosas. supplicas, que se digne ·ser o nosso guia e protector, du-
·ranle a nossa jornada.
Teve Esdras a consolação de ver que todos os Judeos partilha-
vam os seus sentimentos. Não houve um só que não considerasse
a oração e o jejum como uma defeza mais segura, que todas as cs-
col1tas, que lhes podessem dar. Não foi vã a sua esperança ; pois
chegaram felizmente á palria, ondµ se uniram a seus irmãos, e tra-
balharam incessantemente em erguer a cidade das ruínas, e acabar
a construcção do templo. Esdras leve a fortuna de concl~ir esta
augusta obra ; e o Senhor escolheu Nehcmias para reedificar os mu- · ·
r-0s de Jerusalem, e restabelecer a nação judaica em estado de se
fazer respeitar dos invejosos , e numerosos inimigos que a ro-
deavam.
Foi então que appareceu Malachias, o ultimo dos · Propbclas.
Auctorizado já por seus antecessores, sem carecer de provar sua
missão por aconlecimentos proximos (1) , foi elle enviado para
annunciar aos Judeos que os sacrificios que de novo começavam a
offerecer-se no templo de Jel'Usalem , nem sempre seriam agrada-
Yeis ~o Senhor ; que outro sacrificio mais santo dnvia suhslituil-os ;

(1) Veja-se a Bíblia tJc Vence, Dissertação ácet·ca dos Pro1)/1elas e


Prefacio sobre JJJalachias.

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DE P!RSEVERANÇA. !61
que a .sua 1·cligião não era pois mais que a preparação e ·o esboço
._ruma alliança mais perfeita, .(fUe o Senhor resolvera celebrar, ·não
com um só povo , mas com todo o genero humano. · Transportado
ao porvir, vê elle já como cumprida a grande maravilha de que o
mundo é hoje testemunha, a augusta victima offerecida em· todos os
ponlos do globo em lugar dos antigos sacrificios. EndereÇando-se
aos sacerdotes da Lei, falla-lhes nestes termos : « Eis aqui o que
« diz o Senhor : A minha affeição não é para comvoseo ; e não re-
« ceberei mais a offerenda de vossas mãos, porque desde o Orien-
« le até o Occidente o meu nome é grande entre as nações, e em
« todos os lugares offerecem-mc um sacrificio, e apresentam-me uma
« oblação pura á gloria do meu nome ; porque o meu nome é gran-
« de enlre as nações, diz o Senhor dos exercilos. » (1-)
:Malac.hias annuncia tambem que 0 Messias terá, .nm. precursor,
que ha uc pn:parar os homens para o ouvirem. « Eu vou enviar
cc o meu Anjo (diz o Senhor) e elle p1·eparará o .caminho diante de
« mim ; e logo o Dominador que procuraes, o AnJo da alliança que
« dcsejaes, virá ao seu templo. ~)) Para fazer reconhecer este precur-
sor, diz o Prophela que elle sera um outro Elias , que unirá de
coração os pais com os filhos , e os filhos com os pais. (2)
Nosso. Senhor te,;e o pre~ursor João Baptista. O Anjo que an-
nuneiou o nascimento deste milagroso menino havia dito : Elle ca-
minhará diante do Senhor, no espirito e Yirtude de Elias , para unir
os corações dos pais com seus filhos , e pre.parar ao Senhor um
povo perfeito e disposto a o receber. (3) Logo João Baptista é o
precursor predito por Malachias. l\Ias João Baptista caminhou adi-
ante de Nosso Senhor; foi para elle e só para elle que o precursor
preparou o caminho : logo Nosso Senhor é aquelle Dominador , a-
quelle Anjo da alliança, aquelle Messias desejado pelos Ju<leos , que
l\Ialachias annunc.iou.
Qual é agora o grande sacrificio de que falla o mesmo Prophe-

tt) Malach. 1.
ld. IV.
('.2)
{3) Luc. 1, 16.

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!6! CATECISMO

ta? Evidentemente é o augusto sacrificio da nova alliança. Com


effeito, Malachias diz que vão cessar os sacrificios dos J udeos ; qut!
o Senhor os não quer mais. Annuncia para os substituir um sacrl-
ficio, que se offerecerá do Oriente ao Occidenle : ora, só o sacrifi-
cio da nova Lei é offerecido do Oriente ao Occidente. Diz mais o
Propheta, que será um sacrificio puro, que fará grande entre as na- .
çõe.s o nome uo Senhor: mas só o sacrificio da nova alliança é um .
sacrificio puro, um sacrificio que faz grande, infinitamente grande o
nome do Senhor entre as nações. Por tanto, o sacrificio da nova
alliança é o sacrificio predito por Malacbias. Logo, a Lei antiga fi-
cou derrogada desde o dia em que o novo sacrificio , destinado a
substituir todos os outros, e sellar a nova alliança, foi para sempre
estabelecido; por consequencia o Messias, mediador desta nova al-
liança , linha necessariamente vi,ndo antes do dia em que os antigos
sacrificios foram abolidos ; e a historia nos diz que elles o foram
ha dezoito seculos. Ha pois dezoito seculos que o Messias veio , e
Nosso Senhor Jesu-ChrisLo é verdadeiramente este Messias ; pois foi
elle quem instituiu o sacrificio da nova alliança. Cumpre pois ne..
cessariamenle que ludo · esteja consummado~ e que d' ora em diante
a esperança dos Judeos não seja senão uma illusão, e uma ce. .
gueira.

O' meu Deus ! que sois todo amor, eu vos dou graças por ter-
des velªdo com tanta solliciLude o vosso povo , em quanto esteve
no meio das nações infleis; e pelo haverdes tirado do captiveiro e
restituido á terra de seus pais. Velai lambem sobre mim , ó :n:ieu
Senhor 1 em quanto estou no meio do mundo , que vos não conhece.

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DE PERSEVERANÇA. !63
Tirai-me deste exilio, e conduzi-me á minha patria cel~ste, aonde
- vós estaes.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao proxime
como a mim mesmo por -amor de Deus ; e , em testemunho deste
amor, assistirei com mtiita devoção ao santo sacrificio da missa.

XLIV.ª LICÃO.
•.

. RESUMO GERAL > E APPLICAÇA'O DAS PROMESSAS , FIGURAS E PROPBEClAS ,


A NOSSO SENHOR JESU-CHRISTO.

PARA conhecer e sentit· bem o que vamos dizer, imaginai um mo-


narcha poderoso, feliz, magnifico , habitando um palacio refulgente
d'ouro e diamantes, cercado d'uma corte pomposa e brilhante, de re-
pente cabido , despojado da coroa e da purpura , coberto d'andra-
jos, atass-alhado de feridas , e precipitado no fundo d'um escuro car-
cere : eis-ahi Adam , eis o homem , depois da sua queda original.
Deus porem compadecendo-se do rei da creação,. desta creatura,
a quem amara tanto, resolveu arrancal-o do abysmo , e restabele-
cel-o no lhrono, e na posse <los bens que perdera : Este o fim da
Redempção, e da Incarnação do Verbo; este o objecto de toda a
Religião. ,
Um Reparador, um Salvador, será pois enviado a este monar-
cha decahicto ; e se o Reparador não deve vir immediatamente ,
concebe;_se bem que Deus por sua bondade ha-de anuuncial-o ao homem,
para o consolar ; dar-lhe os signaes , para o reconhecer ; e preparar
o mundo , para receber com bom exilo a sua m1ssao.
De facto, apenas o homem decahio, annuuciou-lhc Deus um Sal-

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26i CU'ECISMO

-vador. Esta primeira promessa ,é vaga e indeterminada. <Da , mu..


lher nascerá aquelle que vos ha-de salvar , diz o Senhor aos pais do
genero humano ; mas quando virá este Salvador~ Em que terra ap..
parecerá elle? De que poYO sahirá ~ Nada dislo uiz a promessa :.
o que só diz é que elle virá.
Devolvem os seculos , uma nova promessa vem elucidar a pri-
meira. Esta é feita a Abraham : Deus lhe diz, que da sna d~scen­
dencia nascerá o Messias. Eis-aqui postos de parle lodos os povos,
que não descendem d' Abraham. Não- é na generalidade das nações
que deveremos procurar o Messias, mas somente na posteridade d'a-
quelle Patriarcha. Ora , aqui se apresenta uma nova difticuldade.
Abraham tem sete filhos : qual delles será o pai do Messias ? A ter-
ceira promessa nol-o vem dizer.
Feita a 1saac, põe de parte -todos os mais filhos d' Abraham é
os povos descendentes dellcs. Assim a verdade cada vez apparece
mais clara, mas de r~pente sobrevem uma nuvem , que a escurece.
Isaac tem dous filhos , Esaú e Jacob. De qual nascerá o :Messias~
De Jacob, nos diz a quarta promessa.
Esta nos desembaraça por tanto <}'Esaú, e fixa-nos exclusivamente
nos descendentes- de Jacob. Já é mais um p~sso, mas eis-nos re-
cabidos em oul a ·difficuldade. Jacob tem doze filhos, que hão de
ser pais das doze tribus d'Israel. Será de Rubens , o primogcnito;
ou de Joseph , o virtuoso e innocentc filho de Jacob, que· o Messias
devera nascer? Uma nova promessa se torna necessaria, ·e não se
faz esperar por muito tempo.
Esta quinta promessa feita a Juda por Jacob muribundo, põe de
parte os outros filhos do Santo Patriarcha, e a onze tribus d'lsrael 1
de que serão chefes. Mas na tribu de Juda ba muitos ramos ; qual
será pois a ditosa familia, que dará o na~cimento ao Redemplor do
mundo? Será a familia de Jessé. (1) Porem nesta familia de Jessé,
qual será a casa designada para dar ao mundo o Christo Salvador?
E' o que vem dizer-nos a ultima promessa, que o Senhor frz a David.
Logo é na casa de David que devemos procurar o Salvador tanlas

(t) II Rcg. VII, 12 e scg. III id. XI, 34, 36 .

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DE PERSEVERANÇA. • !65
vezes annunciado. As figuras ·succedem-se em linha paralella ás pro-
messas. Em quanto as primeiras nos dão a genealogia do Messias,
e nos conduzem passo a passo , do genero humano a um povo par...
ticufar , deste povo a uma de suas tribns , desta lribu a uma fa-
milia , desta familia a uma casa ; as ultimas desenham o retrato do
filho de David, que ha-de salvar o mundo. Por el1as se nos re-
presenta elle em Adam , como pai d'um novo mundo , dando nas ...
cimento , durante o somno , a urna esposa , osso de seu osso, carne
de sua carne; em Abel, innocente·, morto por seus proprios irmãos;
em Noé, salvando o mundo da ruina unh·ersal e novamente povoando
- a terra de filhos de Deus; em Melchisedech, sem predecess()r, nem
successor no Sacerdocio , . offereccndo em sacrificio ao Altissimo o
pão e o vinho ; em Isaac , offerecendo um sacrificio na montanha
do Calvario , immolado pela mão de se\l Pai; em Jacob, trabalh<m-
clo largos annos , para obter uma esposa digna dellc ; em Jósepb,
vendo por seus irmãos , entregue a estranhos , condemnado por
um crime de que está innoce11te , collocado entre dous criminosos ,
a um dos quaes annuncia· a vida , a outro a morte ; e emfim en-
®endo generosamente de bens a seus deshumanos irmãos ; no Cor-·
deiro Pascal , offerecendo-se .em sacrificio, e preservando seu povo do
Anjo exlermrnador : no Manná, alimentando milagrosamente a na-
ção peregrina , com um pão descido do Ceo ; em os sacrificias , ex-
piando, adorando, deprecando e louvando ao Senhor ; na serpente
de bronzt, levantado na cruz , e curando , pot· sua presença , a
ardente mordedura das serpentes ; em Moisés , tirando o seu povo
do capli veiro , dando-lhe uma Lei , que o torna um povo querido
de Deus ; em Josué, introduzindo o seu povo em uma terra de ben-
çãos ; em Gedeão , lriumphando dos inimigos do seu povo, com um
punhado de soldados, e com os mais fracos meios ; em Samsão , . to-
mando uma esposa d'entre os gentios, e luctando só contra uma na-
Ção inteira ; em David, derribando o gigante, a pezar da desigualda-
de apparentc das forças ; mallratado por um envejoso príncipe , per- .
seguido por um desnaturado filho, arrastando-se, ·dcscalso e banhado
cm lag1'imas, ao alto da montanha das Oliveiras; insuflado por um
homem , a quem p1'ohibc que façam mal ; em Salomão, assentado cm
um magnifico lhrono, cercado de poder e de gloria ; dotado · de urna
. 31 11

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266 CATECISMO

sabcdo~·ia divina , e Ieva.olando á g1oria de Deus um templo mara.-


vilho o; ·finalmente, em lonas, prégando a penitencia ãos Judeos 1
que o não escutam , permanecendo tres dias e Lres nou les no seio
d uma balea ; sahindo depois cheio de vida , e prégando a . penilen-
cia aos Gentios que se convertem * sua voz .
. .Bem vedes que estes differenles caracteres convem tam perfeita
e. exclusivamente ao ~Iessias, isto é, a Noss~ Senhor ~esu-Christo 1
gue é impossível não o reconhecer por modelo de todas estas figu-
ras , e origmal de lodos estes quadros.
Toda via estes traços diss~minados ·não são, como já disse'...
mos , sufficienles. OccuHos em sombras mais ou menos espessas 1 •
apenas produzem um crepusculo estes luminosos raios; que não oco-
nhecimento exacto cfo Libertador futuro. Ora, o retrato completo é
.o qne precizamas :.Deus nol-o dá pelos Propbetas.
Escutemo~: O Messias, nos dizem elle·, uns mil, outros sele 1
cinco , ou quatrocentos ~nnos ·antes ~ o Messias será Deus e homem
simultaneamente ; será filho de Deus e filho de David ; nascerá em
· Belhlem de Juda, d uma mãi sempre virgem ; seu nascimenlo se rea-
lisará , quando o Sceptro de David honvei· pas ado a estranhos. Vi·
rão os reis adorai-o no berço , offerecendo-füe presentes d' ouro e
perfumes. Por occasião de seu nascimento , mandarão matar os me-
ninos de Bethlem , e dos arredores ; suas mãis espavoridas soltarã0
pelos monles inconsolaveis -gemidos. Relirar-se-ha para o Egypto ,
d'onde Deus seu Pai o fará voltar depois. Será pobre ; e a humi( ..
dade, . bondade, e justiça , serão suas qualidades cnracteristicas. Será
tam manso, que não acabará d'esmagar a cana já quebrada, nem
extinguirá o facho que ainda fumecra.
Diante delle irá um precursor que , levantando a voz no de ..
serlo. , prégará a penitencia , annunciará a sua proxima chegada , e
se esforçará por perparar os homens par~ o reconhecerem e se uni-
rem a elle. Este precursor terá de tal sorlo_o cspirilo e a virludé
d'Elias , que será ·c1e si mt.~mo outro Elias. O Messias prégará a
salvação aos pobres e pequenos; numer(}sos prodigios , operados no
Ceo , na terra e n mar , darão testemunho dclle ; curará os le-
prosos , livrará os possessos , dará vista aos cegos : fará ouvil' o
urdos , resuscilará os morto .

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DE PERSEVERANÇA. !67
Entre tanto o seu povo o ha-de desconheéer, será perseguido,
contradito , calumniado ; enlra1·á em Jerusalcm , no meio elas accla-
mações , montado em um~ jumenla, seguida de seu burrinho ; virá
em pessoa ao novo templo, que por isso será mais glorioso que o
primeiro ; annunciará a reconciliação do Ceo com a terra , dos ho-
mens com Deus. Um de seus discipulos, que comia á sua mesa,
o lrahirá e venderá, por trinta dinheiros; este dinheiro será trazido
no templo ·' e dado a um oleit o, em pagamento de seu campo. Seu
inimigos se apoderarão de sua pessoa ; fugirão todos os seus disci-
pulos; e será açoutado , dilacer~do , coberto de escarros , tratado
como um verme da terra. Trespassar-lhe-hão os pés e as mãos ,
lle não abrirá a boca para se queixar, qual o cordeiro que levam
para o matadouro. Será collocado entre malfeitores; dar-lhe-Mo vi-
m1grc a beber , partilha ão- -seus vestido$ , e deilar.ão sortes sobre
sua tunica. Em fim, será morto; e isto , dizia Daniel , succedcrá
<l'aqui a quatrocentos e novenla annos.
_Por sua morte expiará totlas as iniquidades do mundo, as quaes
voluntariamenle tomou sobre si mesmo. Permanecerá tres dias no
tumulo ; d ahi surgirá cheio de vida, subirá ao Ceo , e enviará o
E pirilo Santo aos seus disc1pulos. Fará uma nova alliança mais per-
feita que a de Moisés. Converterá todas as nações , ttne por toda
a parle abandonarão seus ídolos , para o seguirem ; d'uma exlremi-
.dade do universo a outra , reunir-s"C-hão os poyos , os ma~s diffe-
-rentes em costumes e lingua, para o adorar. ..Estabelecerá um sa-
crificio novo , que substituirá todos os sacrilicios, que será offere-
'cido , não em um só paiz ou templo , mas em todos os paizes do
mundo , do Oriente ao Occidenle ; e este sacrificio será santo 1 e
tornará grande o nome do Senhor.
Quanto ao povo que o ha-de negar, cess·ará de ser seu povo;
e para o punir de Ler matado o l'tle ias , a cidade e o templo de
Jerusalem serão arrazados , incendiados por um povo cslranl)'ei1·0,
commanclado pessoalmente por seu principe , e os ftlltos d 1 rael ;
errante e desprezados , ficarão sem altares , n m sacrifi io , nem
padres , em um estado de desolação , que dur~rá até o fim dos
tempos. ·
Enlão Elias descerá do Ceo para os conycrter , e logo depois
*

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268 • CATECISMO

haverá espantosos signaes no sol , na lua , e nas eslreHas ; todos · os


elementos estarão em confusão ; e o Messias, reunindo todas as ge-
rações no valle de Josaphat, virá julgai-as, cercado de grande po-
de!' e magestade. .
. . Eis-~qui o Messias , retratado pelos- Prophetas. O filho de Da-
,·id , que reunit· . todas estas diversas feições i será pois o Messias
tantas vezes promeltido, tam ardentemente desejado, e tam indis-
pensavelmente necessario, que n~o haverá salvação senão nelle e
por elle.
Com esle retrato nas mãos , procurai .entre todos os filhos de
David, que viveram antes da ruina de Jerusalem e do templo , c1ual
é aquelle , a quem este retrato convem inteira e completamente :
e.sse pois será o :Messias. Devereis unir-vos a elle, fazer tudo o que
vos disser s9b_ ~p~nª _de_ não serdes-jamais tirado do abysmo da qu(\da
original, e restabelecido no throno celestial , cronde havicis cabido.

.
Con1eçai o vosso ifüruerito ; ah I o inquerito nem é longo nem diffi-
cil. Vós conheceis e conhecemos. todos um filho de David , a quem
' este rctralo convem completa e exclusivamente; e com a mais pro-
funda admiração , respeito, e amor, pronunciamos o adoravel nome .
-

~e NOSSO SENHOR JESU-CHRISTO ! ! !


E' pois admiravel a exactidão e minuciosidade , com que os
Propbetas traçaram, -tantos seculos antes, o retrato do Messias ; mas
o que é t~lvcz ainda mais admiravel , é o meio que Deus escolheu,
im·a conservar e leYtlr ao conhecimento de todos os povos estas ad-
mira veis Prophecias. Quem poderia nunca imaginar que o povo Ju-
d~ico , o mais interessad~ em rasgar e aniquilar as prophecias , pois
que o condemnam, <lesacreditam e <leshomam, é precisamente o en-
carregado de as guardar? _E, por um novo milagre , este povo as
consei·va religiosamente , com summo amor ; levando-as comsigo por
toda a parte , fazendo;as ler a todas as nações , e dando testemu-
nho dellas a todos e contra todos. Admiravel Providencia ! que ra~
zeis da incredulidade dos Jud~os uma das prova-s mais fortes da Re-
ligião ! Se os Judcos se tivessem convertido , a impiedade não se
- esqueceria de dizer , que eram suspeitas todas as nossas teslemu-
nhas da antiguidade , e csla-riap!os menos dispostos a crer cm ~eµ

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DE PERSEVERANÇA. !69,
depoimento: Se fossem todos exterminados, se acabasse este povo como
acabam os de.mais, nesse caso nãó teriamos nenhuma$.
Mas não succede assim ; ve-se ha desoito seculos este povo ,
o menos suspeito de nos favorecer, depondo em nosso favor , apre-
goando por todo o mundo, com insubornavel veracidade, a sua con-
. demnação e as nossas provas. Prodigio unico na historia l Aquelles
que guardam , como precioso thesouro, os livros que nos provam
que Jesu-Christo é o Messias, são os mesmos que o cruxificaram e
negaram; os mesmos de quem esses livros. diziam que o haviam de
ci-uxifrcar e negar ! Tanto é verdade que o povo judaico é visivel- ·
mente um povo creado de proposito, para dar eterno testemunho ao
Messias!

,
ORA.UÃ.O.

O' meu Deus ! que sois todo amor , eu vos dou graças não só
por nos lerdes promettido um Salvador, mas tambem pelo terdes re-
tratado tam claramente por esta longa serie 40 figuras e prophe-
cias. Eu me prostro perante vós , ó meu Senhor Jesus 1 Reconhe-
ço-vos pelo Filho de D~vid, Reclemptor do mundo. Tambem vos
dou graças por terdes escolhido um meio. tam admiravel de conser-
var as vossas santas Escripturas , e levai-as ao conhecimento de to-
dos os povos.
Eu protesto amar a Deus sobre todas as cousas , e ao- pro-
ximo como a mim mesmo por amor de Deus ; e , em testemunho
deste amoi: , pronunâarei sempre com summo respei"to o ailoravel
?iome de Nosso Senhor .lesu-Chris·to.

FIM DO SEGUNDO VOLUME.

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.,

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/

D. Jeron9mo José da Costa Rebello , por Mercê de Deus e da


Santa Sé Apostolica, Bispo do Porto - do Conselho de Sua
1'fagestade Fidellissima - Par do Reino - e Gráo Cruz da
Ordem Religiosa , e 'IJ{ilitar de S. Mauricio e S. · Lazm·o dà
Sardenha.

NA ExonrAÇÃO Pastora,!, que em 10 d' Abril de 18i8 derigímos aos


lleverendos Parochos, Clero, e Fieis Nossos Diocesanos, recom-
mendamos-lhes como um - Livro d'Ouro - o Catecismo da Doutrina
· "christão explicado, composto pelo Licenciado José Santmgo Garcia
l\fazo , Magestral na Sé de Valhadolid, e vertido em Porluguez pelo
fallecido Sabio D. José (~e Urcullu. Iloje porém deparou-Nos a Di-
vina Providencia a bem consoladora opporluuidade de enriquecer-
mos a Nossa Amada Diocese com um Thesouro de grande valor,
pelas muitas preciosidades , que em si contém , qual é a obra· inti-
tulada - O CATECISl\10 DE PERSEVERANÇA.- do Padre J. Gaume,
Vigario Geral , e Conego na Cathedraf de Nevers , e traduzido em
linguagem pelo benemerito Presbytero Portuense - Henrique da Silva
llarboza - que muito Nos _gloriamos de haver elevado ao Sacerdoc10;
porque o ennobrece com suas virtuosas acçoens , e exemplos , com
o seu saber , e com os importantes serviços , que está fazendo , e
continuará a fazer á Religiã<J, no exercicio do Magisterio , no de
Orador Evangclico muito deslincto, e pela traducção, que empre-
hendco da mencionada Obra , e que bem , e fielmente desempenhou.
Pelo exame , que / no meio dos est)inhosos , e incessaales trabalhos


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!72 APPROVAÇÕES.

do Nosso Ministerio 1 Nos foi possivel · fazer do - CATECISMO DE


PERSEVERANÇA - e á vista do elevado conceito, que cl'elle for-
mou o Soberano Ponlifice Gregorio XVl de Gloriosa memoria , e do
Subido apreço, em que o tiverão , e ainda hoje tem , muitos dos
Respeilaveis , e Sabios Prelados da França , não podêmos deixar de
o avaliar como o complemento ·daquelle primeiro Catecismo , pelo
mais amplo , e admiravel dezenvolvimento, que o seu illustrado Au-
tor deo , em eslilo claro , e convencente , energico , e ao mesmo
tempo ameno , á Historia , e provas do Chrisfianismo , aos Dogmas ,
e Moral da Religião, e á Lyturgia da Igreja Catholica , na adminis-
tração dos Sac1·amentos, e ceremonias do Culto Divino ; e tudo ma-
ravilhosamente encaminhado para que os Fieis, e com especialidade
á Juventude d'ambos os sexos , depois da sua primeira Communhão,
persevere até ao fim da sua perigrinação n>este val1e de lagrimas ,
e de soffrimentos , nos Santos propositos , e nos sentimentos _verda-
deiramente Ghristãos , com que se preparou pela lição do dito· pri-
meiro Catecismo , para se assentar no Celestial banquete , e parti-
cipar do Pão dos Anjos , que dá a vida eterna.
Por todas. estas tão ponderosas conciderações , e tambem para
de algum modo correspondermos á obsequiosa Dedicatoria , que o
benemerilo Traductor Nos fez da sua Obra, damos a esta , Nossa
plena approvação ; authorizamos a sua publicação; e com muita effica-
cia a recommendamos aos Reverendos Parochos, e Clero ; aos Pais,
e· Chefes de familia ; aos Direclores de Collegios de educação ; aos
1\lestres de Escolas publicas , ou particulares, e gerahnenle a todos
os Fjeis Nossos D.iocezanos, para que , bem instrui dos _nas proveilo-
zas lições , que ella encerra , se sinlão suavemente impellidos a amar,
e praticar os prec~itos de uma Religião , tão abundante em con-
solaçõ~s para o Coração n' este desterro da vida , e ião ferlil de ew-
peranças para a vida futura.
. Dada no Paço Episcopal do Porto Sob Nosso Signal, e Sel1o das
Nossas Armas aos 18 de Julho de 1853.
~

Jeronymo - Bispo do Porto.

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1
Al>PROV AÇÕES. 273

m.m e Rcv.mº Snr.


0

S. Em.a o Snr. Cardeal Arcebispo Primaz me encarrega de agra-


decer em seu nome a v. s.ª oprecios()presenle, que v. s.ªlhe offc-
receu do prim_eiro volume do Cat~cismo "de Perseverança do Padre •
J. Gaume, traduzido em linguagem por v. s.ª e de lhe participai'
haver sido approvado para· este .Arcebispado peta -irrclusa circular ,
que ha-de ser lida em todas ·as egrejas parochiaes do __mesmo Arce~
bispado.
Deus guarde a v. s.ª
Draga 10 de Agosto de 1853.
Ili.mo e Rev.m Snr. Henrique da Silva Barbosa.
0

_Joaquim Pfres da Veiga.


Seçretario de S. Em.ª

Felizmente chegou á nossa mão o primeiro volume do Catecismo


de Perseverança do Padre J. , Gaume , viga rio geral , e conego na
cathedral de Ncvers, traduzido em linguagem pelo pre~bitero IIen-
rique da Silva Barboza, da diocese do Porto. Neste volume, e
nos mais de que se compõe o dilo Catecismo , que mereceu elogios
do Supremo Pastor da Egreja , e a approvação de muitos illuslra-
dos, e virtuosos prelados não só nada se acha contrario á doutrina
fla egreja , mas nelle se desenvolvem a historia, e provas do chris~
lianismo , os dogmas· da religião , a moral do Evangelho , e as ce...
remonias elo Culto, em um estilo, que fatiando ú imaginacão, moye
35 _ _ II •

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1 '

274 APPllOVAÇÕES.
.
o coração , e por um methodo claro , e proprio a gravar na me-
moria dos fieis as importanlissimas verdades, de que se acham abun-
tlantemenle enriquecidos. E' de esperar, que a juventude de ambos
os sexos , preservando-se de habitos maos, e viciosos , que corrom-
pem o coraç.ão , pela instrucção que receben , e que con vem con-
tinue a receber desta excellenle obra persevere até á morte nos
santos , e louva veis propositos , que formou perante os altares na
primefra communhão , e nos sentimentos religiosos , que ella ins-
pira. E porque nos cnmpre conduzir ao porto da salvação eterna
os fieis , que a Divina Providencia commetleu aos nossos cuidados
pastoraes , e a leitura do Catecismo é um meio apto , e acommo-
dado para conseguir tão desejado fim , não só approvamos para a
· nossa diocese o dito primeiro volume , traduzido em linguagem (os ·
ruais volumes traduzidos em Hngu_agem , impressos , e publicados ,
sejam consideradôs por nós appro\\ldos, senão ·declararmos o con:-
trario ,) mas recommendamos a leitura de tão excellente obra aos
reverendos parochos , e clero , aos paes de familia , e aos mestres
das escolas primarias. Aos parochos, ~ clero a fim de explicarem
aos povos os dogmas da religião , a sublimQ moral do Evangelho ,
os adroiraveis effeitos dos Sacramentos , e as ceremonias do Culto Di-
vino , aos paes de familia , e mestres das escolas primarias , para
ensinarem aquelles aos seus filhos ~ e d·omesticos , e estes aos seus
discipulos a doutrina christan, e fazerem-lhes conhecer pela 11islo-
ria , e provas do christianismo , que o Catecismo propõe em um ·
estylo agradavel, e ameno , que a egreja catholica, apostolica, ro-
mana , é a unica , em c1ue os homens podem preencher o fim da
sua creação , o qual é , andarmos na presente vida pelos caminhos
da piedade, e da justiça , como diz o Apostolo - ut sobrie, et jus-
te , et pie vivámus in hoc seculo - e gosarmos na outra do summo
bem por toda a eternidade.
O reverendo arcipreste de. . . . . . . . . . . . ; . . . . . . .
faça correr esta nossa circular por todos os parochos do seu dis-
tricto , ordenando-lhes, que a leiam á estação da missa conventual.
Draga 10 d'Agosto de 1833.
P. C. A. Primaz.

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INDEX
,.
DAS

MATERIAS CONTIDAS NO SEGUNDO VOLUME .

.-

CONHECIMENTO DA RELIGIÃO.
_ Pag.
Existe uma Religião? - Que é a Religião? - Pode haver muitas Re-
ligiões? - De quem vem a Religião? - Qual é a verdadei~·a Reli-
gião'! Pode mudar a verdadeira Religião? - Palavras de Bossuet e
de S. Agostinho. - Trecho historico. • • . • . . õ
XX.ª LIÇÃO.
ANTIGUIDADE DA RELIGIÃO CHRISTÃ.

A ReUgião é uma lei , a mais. sagrada ·de todas as leis. - A inditrc-


rcoça religiosa é um crime ~ uma loucura . . • . . 23
XXI.ª LIÇÃO.
CONHECIMENTO DA RELIGIÃO.
O "l\IESSÍAS PROMETTIDO E FIGURADO.

A, Religião é uma grande graça, o aggregado de todas as graças. -


Facto historieo. - O que a Religião exige de nós. -A Religião chris-
tü tám antiga como· o mundo. - Sabedoria do Deus no tlescnYol·

)
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276 INDEX

.
v1men l o succcss1vo
. da Re1·1g1ao.
.., - E
· xpos1çao 1 Pag,
. .. do p1ano gera l <a
Religião. - Primeira promessa do Messias. - Adam, primcir:a fi-
gura do Messias. - Patriarchas. - Abel, scgu~nda figura do Messias. ~3

XXII.ª LIÇÃO.
O l\IES.SIAS PROi'\IETTlDO E FJGURADQ.

Nascimento de Seth. - Bcnoch -arrebatado ao Ceo. - Corrupção do gc-


ncro humano. - Noé. - Diluvio. - Arco Iris. - Noé, terceira figura
do Messias • . • . . . . . . . . . . . . . . . . 72
XXllI.ª LIÇÃO.
O :MESSIAS PROi'\IETTIDO E FIGURADO.

Diminuição da vida humana . .,. ,. Maldtção de Chanaan. - Torre de Ba-


bel. - Principio da Idolatria. - Vocação d'Abraham. - Segunda
promessa do Messias. Melchisedcch , quarta figura do Messias. 87
XXIV.ª LIÇÃO.
O .l\IESSIAS PROMETTJDO E FIGURADO.

Visila dos Anjos. - Promessa do nascimenlo , de Isaac. - Pratica de


Abraham com o Senhor. - Destruição de Sodoma. - Sacrificio de
Abraham. Isaac e quinta figura do Messias. . . . . . ~6

XXV.ª LIÇÃO.
O MESSIAS P~OMETTIDO E FIGURADO.

Casamento de Isaac. - Morte d'Abrabam.- Sua sepultura. - Terceira


promessa do Messias feita a Isaac. - Na~c1meoto de Jaeob e de
Bsaú. - ;Esaú vende seu direitQ de primogenitura. -·Isaac abençoa
Jacob-Jacob Yai para Mesopotamia. - Quarta promessa do Messias
feita a Jacob. - Jacob espósa Rachel e torna para Isaac. - Jacob,
aexta figura 40 l\le.ssias . . . • . . . . 10~

XXVI.ª LIÇÃO.
O l\IESSIAS PROl\IETTIDO E FIGURADO.

Ainda uma palavra sobre a vida dos Patriarchas. - Os doze filhos


_ de Jacob. - Joseph :veod1dp por seus irmãos. - Conduzido ao Egy-

,
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DAS . MAT~RlAS. .!77
. Paq.
pto. ~' Exallado em gloria. -- Reconhecido por seus irmãos. - Che·
gada de Jacob ao Egyplo. - Joseph, selima figura do Messias. · 112
.-
XXVII. ª LIÇÃO.
O MESSIAS PRO~IETTIDO E FIGURADO.

J:acob foi ao Egypto. - Quinta promessa qo l\fessias feita a luda. -


S~pultura• <le Jacob no Jazigo d'Abraham. - l\forle de Joseph. - . ,
Nascimento de Moisés. - E' salvo e criado pela filha d_c Pharaó. -
Retira-se para o deserto de Madian. - Apparece-lhc Deus e man-
da-lhe livrar o seu povo. - Vocação. d'Arão.- Pragas do Egypto.
O Cordeiro Pascal , -Oitava 1;gura do Messias. . • • 123

XXVII ta LIÇÃO.
O l\IESSIAS PRmlETTIDO E FIGURADO.

Partida dos l.sraelilas. - · Columna de nuvem. - Passagem do Mar


Ycrn1c\ho. - Manná ; nona figura do Messias. - Rochedo d'Oreb. -
Victoria alcançada dos Amalecitas. - Chegada ao pé do Srnai. -
Publicação da Lej. . . . . . . . . . . 13.i
XXIX.ª LIÇÃO.
O MESSIAS PROllETTIDO E FIGURADO .

Confirmação da alliaoça. - Sangue das vict1mas derramado sobre o


povo. - Sacriticios 1 dccima figura do Messias. - Idolatria dos Israe-
Jilas. - O bezerro d'ouro. - O Senhor desarmado por Moisés. -
Dcscripção da Arca_ e do tabernaculo. - Marcha do povo em o de-
serto. - Revolta de Cadcsbarnc. - A serpente de bronze, undecima
.figura do Messias . . . _ , . . • _. . • . . . . • . H 1

XXX.ª LIÇÃO.
O ~IESSIAS PROMETTIDO E FIGURADO.

Novas murmurações dos Israelitas. - Aguas de · conlradicção. - Morte


. d'Arão. - Eleição de Josué._.:: Despedida ~e Moisés. - Sua morte .
.- Mois~s , decima segunda figul'a do .Messias. . • • . . . . H>6

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278 INDEX ·~

XXXI.ª LIÇÃO.
O MESSIAS PROMF.TTIDO E FIGURADO.

"" .da Terra promeU1'd a. - Nornes que tem -t1·d o.· - passagem doPag ·
Noçao
Jordão. - Tomada de. Jericó, . . :. Punição d'Achan. - Renovação da
alliança. - Astucia dos Gabaonitas.-Victoria de Josué. - Soa worle.
Josué, decima terceira figu~a do MQssias • . , . . . . 156
XXXII. ª LIÇÃO.
O l\IESSIAS PRO~i"ETTIDO E FIGURADO,

Partilha da Terra promctlida. - Governo dos Juizes. - Israel cahe na


idolatria. - E: punido. - Gedeão suscitado por Deus para os Jivrar
dos Madianitas .. - Duplice nritagrc l1o--VóHo-. - Victoria de Gedeão-.
G_cdcão, dccima quarta figura do Messias. . . . . 1 ª'
XXXIII.ª LIÇÃO .
.
O MESSIAS PRO::\IETTJDO E FIGURADO.

Rccahem os Israelitas na idolatria. - São cscravisados pelos Philis-


theos. - Recorrem ao Senhor. - :E;'-lhcs enviado Samsão para os
livrar. - . Queima as Searas· dos Philistheos . - Leva as parlas de
Gaza. - E' trahido. - Morre. - Samsão , dccima quinta figura do
Messias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
XXXIV.ª LIÇÃO:
O MESSIAS PROMETTJDO' E FIGURADO.
Deli , juiz d'lsrael. - Samuel lhe succede. - Eleição dos reis. - Saul,
primeiro rei d'lsracl. - E' rejeitado pelo Senhor. - David, joven
paslor,. escolhido em seu lugar. - Da\'id aplaca os furores de Saul.
Combate com Galialh. - Morte de Saul. - David loma a fortaleza
de Sião. - Transporle da Arca. - Oza ferido de morle. - David
dança diante da Arca, - Sexta promessa do Messias feita a David. -180
XXXV.ª LIÇÃO.

.
O MESSIAS PROMETTIDO E FlGURADO.
(

David pecca. - Nathan lhe é enviado. - Revolta d'Absalom. - David

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DAS MUElllAS. !79
. .
· . . Pa.
sahc :de Jerusnlem. - Desfeita e morte d'Absalom. - Novo p'1ccàdó g
de Davi'd. - Sua mor&c. - David , decima sexta figura do Messias. 188
XXXVP LIÇÃO.
O MESSIAS PROMETTIDO E FIGURADO.

Salomão rei. - Sua oração ao Senhor. - Obtem a sabedoria. - Começa


a edificação do templo. - Descripçã'.o delle. - Sua dcdicaçao. - Nu·
Yem milagrosa. - Fogo descido do Cco. - Rainha-de Sabá. - Que- .
da de Salomão. - Salomão, dccima sctima ' figura do Messias. • • 196
XXXVII. ª LIÇÃO.
O MESSIAS PROMETTIDO E FIGURADO.

Sq,isma das dez tribus. - Sua- idolatri.a. loD4S os_ e_xhor_la a cônver-
'e:'

tcr-se. ·_ Recebo ordem de ir prégar a penitencia a Ninive. - Pro-


cura esquivar-se a esta commissão. -- Ir lançado ao mar, e engu-
lido por um peixe, que o depõe sobr.c a praia. - Préga em Ni-
nive. - Penitencia dos Nimvitas. - Qu~ixas de ~onas por se lhe
murchar uma hera. - Admocstacões do_Senhor. - Jonas, decima
figura do Messias . . . • . . . . . . . • • . . !04

-XXXVIII. ª LIÇÃO .•
O MESSIAS PREDITO.

Jesu-Cnristo, objecto das prophecias. - O que provam as prophecias.


l\Iinuc1osidadcs á çerca dos ·Prophetas. - David, Propheta d<> Messias. 213
XXXIX. ª LIÇÃO.
O MESSIAS PREDITO.

Estado do ~eino d' Israel. - Estado .do reino de Juda. - Isaías, Pro-
pheta. -- Acoutecimenlos proximos que prediz em prova da sua
nmsão. - O que amrqncia -.do Messias. • . . . . • . . . .. 22!
XL.ª LIÇÃO.
O MESSIAS PREDITO.

Oscas, Prophcta. - Successos proximos que ·prediz. -. O que annuncia

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280 . Í:iiDEX

• • y • • • Pág.
do Messias. - Machcas, Prophcta. - Aconlec1mentos prornnos que· -
prediz. - O que annuncia do Messias. - Joel, Prophcta. - Sua ~· ida.
Suas prophccias. • . . • , • . .. · . . 2:11

· · XU.ª LlÇÃO.
O l\IE~SIAS PREDITO.

Ezechiel Propheta. Succcssos proximos que ann uncia. O que


prediz do Messias. - Daniel, Propheta. - ··Sua historia. - Explica
o sonho de Nabuchodonosor. - Os meninos na . Tornalha. ardente . 23&

XLll.ª LIÇÃO.

Contmuação d~ historia de 'Daniel. - Visão dé Ballhazar. - Dauicl a


explica. - Morte de Balthazar. - Da.niel no pateo dos lcõc~; - Idolo •
· de Bel. - Daniel prediz a cpocha do nascimento do Messias. . • . 2i6

XLIII.ª LIÇÃO.
•O MESSIAS PREDITO.

Decreto de Cyro. - Tornada dos Jadeos [Klra Jcrusalcm. ~ Aggco,


Prophcta·. - Zacharias, Propheta. -..Reedificação da cidade. e wm-
plo de Jcrusalem. - Malachias, ulLimo Prophela., · • • . . • 25ã

XLIV.:i LICÃO

.
· Resumo ger.al , e applicação das promessas , figuras e prophecias , -
a Nosso Senhor 1esu-Chrislo • - • . • • . · . 263
l1 pprovaçõcs • • • • • • f • • • 62."/ l

·-
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