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ARTIGO ARTICLE
Saúde e desenvolvimento
Abstract As modern healthcare systems are the Resumo Considerando que os modernos siste-
outcome of complex interactions among econom- mas de saúde são o resultado da complexa intera-
ic, political and social processes, the purpose of this ção de processos econômicos, políticos e sociais, o
paper is to discuss the links between health and objetivo do trabalho é discutir a relação entre
development in Brazil, showing that the depletion saúde e desenvolvimento no Brasil, mostrando
of the liberal economic policy model paves the way que o esgotamento do modelo liberal de política
for a return to development, understood as a blend econômica abre nova perspectiva para a retoma-
of economic growth, changes in the production da do desenvolvimento, entendido como combi-
structure and better living standards. The health- nação entre crescimento da economia, mudanças
care production complex plays a crucial role in na estrutura produtiva e melhora das condições
this process, as a field where technological innova- de vida da população. O complexo produtivo da
tion and capital build-up generate opportunities saúde joga papel decisivo nesse processo, pois cons-
for investment, work and income, in addition to titui um campo em que inovação tecnológica e
spurring major steps forward in terms of upgrad- acumulação de capital geram oportunidades de
ing individual health. The recent adoption of pub- investimento, trabalho e renda, além de produ-
lic policies designed to underpin aspects of eco- zir avanços importantes para melhorar o estado
nomic and social policies shows that the issue of de saúde das pessoas. A recente adoção de políti-
national development has returned to a key posi- cas públicas voltadas para articular, de forma
tion on government agendas, opening up prospects positiva, aspectos da política econômica e da po-
of closer integration between economic logic and lítica social revela que a questão do desenvolvi-
public health logic. However, it must be admitted mento nacional ganhou nova centralidade na
that Brazil has not yet achieved a virtuous associ- agenda governamental, o que abre a perspectiva
ation between healthcare and development. de maior integração entre a lógica econômica e a
Key words Health and development, Liberal model lógica sanitária. Entretanto, é preciso reconhecer
and health, Technological innovation in health, que o Brasil ainda não logrou alcançar uma asso-
1
Departamento de Medicina
Integral care ciação virtuosa entre saúde e desenvolvimento.
Preventiva, Faculdade de Palavras-chave Saúde e desenvolvimento, Setor
Medicina, USP. Av.Dr. saúde e modelo liberal, Inovação tecnológica em
Arnaldo 455/2º andar,
Cerqueira César. 01246-
saúde, Intersetorialidade
903 São Paulo SP.
anaviana@usp.br
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Viana, A. L. D. & Elias, P. E. M.
que transferiu para o setor privado a produção e constituição de um sistema que efetivamente ga-
comercialização de bens e produtos importantes, ranta o acesso à saúde como direito social.
implicando menor capacidade de adoção de polí- O precoce e vigoroso processo de mercantili-
ticas voltadas para o desenvolvimento nacional. zação da oferta de serviços de saúde, que se con-
Do mesmo modo, a passagem para o setor pri- solidou antes que fosse instituída a universalida-
vado da gestão de hospitais e ambulatórios pú- de do acesso, ao formar um aparato previdenciá-
blicos ainda não foi acompanhada de economia rio baseado na compra de serviços para a garan-
de recursos, pois houve expansão do gasto públi- tia do acesso à saúde aos inseridos no mercado
co para essas entidades e a regulação dessas insti- formal de trabalho, constitui uma das razões his-
tuições, pelo setor público, ainda não está forma- tóricas que explicam a descontemporaneidade dos
lizada em contratos de gestão que norteiam seu processos no Brasil. Além disso, o relativo atraso
desempenho segundo os padrões do SUS, isto é, industrial e tecnológico brasileiro nas áreas-cha-
segundo o estabelecimento de redes regionais de ve da terceira revolução tecnológica, associado à
atendimento. insuficiência de políticas de fomento setoriais e,
Por fim, a adoção do consenso liberal resul- em específico, daquelas ligadas ao complexo pro-
tou na ausência de investimentos indutores de dutivo da saúde, como a indústria farmacêutica,
inovação tecnológica na rede pública de labora- resultou em vigorosos processos de desnaciona-
tórios oficiais, que praticamente só realizam ati- lização nas décadas de 50 (em pleno apogeu do
vidades de formulação de medicamentos acaba- nacional-desenvolvimentismo) e 90 do século XX.
dos, sem integração da produção e síntese das Ao mesmo tempo, não houve aproveitamento
matérias-primas. Destaque-se que os laborató- adequado do parque público na área de labora-
rios farmacêuticos brasileiros tiveram origem e tórios e institutos de pesquisa para a inovação
apresentam características distintas da experiên- tecnológica. Esta situação é completamente dis-
cia internacional. Em vez de funcionarem como tinta daquela observada nos principais países de-
fonte de P&D e parte do sistema nacional de ino- senvolvidos da Europa, onde parte expressiva do
vação, como no padrão internacional, surgiram complexo produtivo da saúde se fortaleceu na
associados ao atendimento à assistência farma- mesma época de formação e consolidação dos
cêutica à população e à cobertura das lacunas sistemas nacionais de saúde, de modo que houve
existentes na produção nacional de vacinas e me- uma articulação positiva entre as necessidades de
dicamentos essenciais5. O Brasil possui hoje de- valorização do capital e as necessidades de saúde
zoito laboratórios públicos vinculados às Secre- da população, o que impulsionou o desenvolvi-
tarias Estaduais de Saúde (9), ao Ministério da mento (econômico e social) desses países.
Saúde (1), às Forças Armadas (3) e às Universi- Uma dificuldade adicional a ser considerada é
dades (5), integrantes da Rede Brasileira de Pro- que a constituição de uma indústria nacional jun-
dução Pública de Medicamentos6. Com algumas to ao complexo produtivo da saúde, caso se efeti-
exceções, como é o caso da produção de anti- ve, deverá levar em conta que vivemos hoje um
retrovirais, a maioria dos produtos fabricados período de financeirização da economia mundial,
pelos laboratórios públicos é composta de me- cujo resultado é, de um lado, o crescimento da
dicamentos simples, o que evidencia a limitada participação dos haveres financeiros na compo-
capacidade tecnológica desses laboratórios, que sição da riqueza privada e, de outro, o aumento
somente a partir de 2005 passaram a contar com mais que proporcional dos valores dos papéis
um programa de apoio à produção pública de representativos da riqueza financeira (ações e ati-
medicamentos para financiamento dos investi- vos financeiros em geral) em comparação com os
mentos de modernização e ampliação da capaci- valores dos ativos reais que esses papéis represen-
dade instalada7. tam8. Nessa nova etapa do capitalismo, as gran-
A descontemporaneidade dos processos de des corporações capitalistas são organizações
desmercantilização do acesso (saúde como direi- empresariais de corte multifuncional (produção,
to), mercantilização da oferta (saúde como bem comercialização e finanças), multissetorial (vári-
econômico) e formação do complexo industrial os segmentos industriais) e multinacional, estru-
da saúde (saúde como espaço de acumulação de turas corporativas que atuam com critérios pu-
capital) produziu, no Brasil, uma situação que ramente financeiros em mente, ou seja, sua atua-
não foi capaz de romper com a natureza dual do ção obedece a uma lógica financeira geral na defi-
sistema de saúde brasileiro, caracterizado pela seg- nição, gestão e realização da riqueza9. Tal situação
mentação de clientela e predomínio de interesses pode acarretar outros tipos de dificuldades para
ligados às duas últimas dimensões, impedindo a a constituição e o fortalecimento de uma indús-
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conservadores. Seguindo mais para o enfoque do dos, Japão, Alemanha, Suécia, Holanda, etc. O
Estado no novo desenvolvimentismo, alguns au- segundo grupo é formado por sistemas de inova-
tores14 apontam a necessidade de rever os dois ção de países de catching up (países que estão se
modelos anteriores – o de Bem-Estar Social e o aproximando em termos de renda per capita e
Neoliberal – para a criação de um novo padrão desenvolvimento industrial e tecnológico dos pa-
de desenvolvimento. Como destacam Sicsú et al.14, íses líderes), como Coréia do Sul, Taiwan e Cin-
a estratégia novo-desenvolvimentista, embora te- gapura. O terceiro grupo abrange os sistemas não-
nha suas origens no ‘velho desenvolvimentismo’, maduros, abaixo do catching up, que podem ser
ainda que com um olhar crítico em alguns aspectos subdivididos em três outras categorias: i) países
dessa estratégia, busca adequar a estratégia desen- que já possuem sistemas de ciência e tecnologia
volvimentista aos novos tempos e à realidade brasi- constituídos, mas com uma infra-estrutura de
leira atual. ciência e tecnologia pouco eficaz (Brasil, México,
A discussão de um novo modelo de desenvol- Índia, África do Sul); ii) países do leste europeu,
vimento tem sido retomada tanto pelos intelectu- que compartilham características comuns do pas-
ais independentes, como pelos organismos inter- sado “socialista” e a presente transição para uma
nacionais. Entretanto, é importante atentar para economia de mercado (Rússia, Polônia, Hungria,
a importação de modelos e para os impactos e Bulgária, etc.); e iii) países do sudeste asiático, que
condicionamentos que essas idéias, na sua maio- compartilham uma realidade de crescimento re-
ria advinda de países com grande força política e cente (Tailândia, Malásia, Indonésia, Filipinas).
econômica, podem ter nos países periféricos. O quarto grupo inclui os sistemas de inovação
Aponta-se a necessidade de avançar na concep- inexistentes ou imaturos, como Turquia, Afega-
ção de desenvolvimento não só como moderni- nistão e países da região da África subsaariana.
zação, mas também como políticas que emba- Considerando que as características do pro-
sem um verdadeiro projeto nacional de enfrenta- gresso tecnológico e dos fluxos de informação
mento das desigualdades sociais e de construção variam consideravelmente entre os diversos seto-
de uma cidadania plena. Ao mesmo tempo, há res da economia, Albuquerque e Cassiolato15 su-
quase uma unanimidade no sentido de resgatar a gerem que é possível desagregar um sistema naci-
questão da inovação tecnológica como base para onal de inovação em diferentes setores. Os auto-
um novo modelo de desenvolvimento. res citam que estudiosos da economia da inova-
ção têm se surpreendido com a proximidade da
relação entre a ciência e tecnologia no setor saúde
Sistema de inovação e que, desse ponto de vista, o setor saúde pode ser
e complexo produtivo em saúde demarcado por outras atividades econômicas em
termos de dinâmica inovativa, daí a idéia de um
Um sistema nacional de inovação, de acordo com subsistema de inovação do setor saúde. Três fe-
Albuquerque e Cassiolato15, é uma construção nômenos importantes são citados como pontos
institucional, produto de uma ação planejada e de partida para possibilitar uma visualização ini-
consciente ou de um somatório de decisões não cial dos fluxos de informação científica e tecnoló-
planejadas e desarticuladas, que impulsiona o gica no interior do sistema de inovação em saúde:
progresso tecnológico em economias capitalistas O conceito de complexo médico-industrial
complexas. Esses arranjos institucionais envolvem da saúde, desenvolvido no Brasil de forma pio-
as firmas, as redes de interação entre empresas, as neira por Cordeiro16,17, que se refere a uma arti-
agências governamentais, as universidades, os ins- culação que envolve a assistência médica, as redes
titutos de pesquisa, os laboratórios das empresas de formação profissional (escolas, universidades),
e a atividade de cientistas e engenheiros. Os ar- a indústria farmacêutica e a indústria produtora
ranjos institucionais se articulam com o sistema de equipamentos médicos e instrumentos diag-
educacional, o setor industrial e empresarial e as nósticos;
instituições financeiras, completando o circuito A existência de um sistema biomédico de ino-
dos agentes que são responsáveis pela geração, vação, sugerido por Hicks e Katz18 em um estudo
implementação e difusão das inovações. que apontou que as instituições fora do circuito
De acordo com a tipologia sugerida por esses acadêmico, no caso os hospitais, têm participa-
autores15, os sistemas de inovação dos diferentes ção importante na produção científica; e
países podem ser classificados em quatro grupos As interações entre as universidades e as in-
principais. O primeiro grupo inclui os sistemas dústrias na geração de inovações tecnológicas em
de inovação maduros, como os dos Estados Uni- saúde, além de inúmeras particularidades na in-
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tratualização que impulsionam os agentes a se- ser exercida por meio de três diferentes políticas:
guir lógicas de competitividade e eficiência em suas políticas comerciais, políticas de P&D e políticas
atividades e o Estado como agente central de pro- de saúde. As políticas comerciais podem influir
moção e regulação em saúde. Esse mesmo estudo no financiamento e criação de empresas, princi-
aponta os fatores-chave para alçar o desenvolvi- palmente no setor de equipamentos médicos (via
mento do complexo industrial da saúde a um créditos, subvenções etc.); as políticas de P&D em
patamar de destaque na condução das políticas geral podem promover o desenvolvimento de tec-
públicas nacionais: a relevância econômica e o nologias particulares que podem, a curto e médio
potencial de inovações do setor, fonte de captação prazo, transformar os serviços de saúde (biotec-
de novos paradigmas tecnológicos; a abrangên- nologia, telecomunicações, microeletrônica etc.);
cia da atuação do Estado na área de saúde, que e as políticas de saúde exercem um impacto direto
pode usar seu poder de compra em benefício do sobre a oferta de cuidados em saúde, notadamente
desenvolvimento do complexo em negociações quanto à regulação da entrada de equipamentos
internacionais, mantendo situações de flexibilidade e medicamentos nos sistemas de saúde. O desa-
no mercado interno para estimular a produção fio, para autora, consiste em encontrar um equi-
nacional; e a busca pela redução da vulnerabilida- líbrio naquilo que parece ser a adoção de uma
de externa da política social voltada para a saúde, política esquizofrênica: de um lado, buscar for-
que não pode ficar à mercê das oscilações do mer- mas para incentivar a consolidação de uma in-
cado externo no que diz respeito às importações. dústria lucrativa e que joga papel importante no
A relevância do complexo industrial da saúde desenvolvimento econômico; de outro lado, ado-
pode ser evidenciada pelos dados que confirmam tar medidas vigorosas de controle das despesas
a ampla participação do Estado brasileiro no se- de saúde.
tor e, conseqüentemente, revela oportunidades de Ainda segundo Lehoux20, é bastante provável
ação em favor do crescimento econômico e social que continue a pressão crescente sobre os custos
do país em áreas ligadas ao setor saúde. Respon- em saúde, dado o dinamismo das atividades ino-
sável por 70% da demanda por produtos, bens e vadoras, sendo que muitos aproveitam esse mo-
serviços em saúde, o Estado ainda responde por mento de tensão para propor a privatização da
¾ dos investimentos no setor. O PIB registra a oferta e do financiamento dos cuidados. Entre-
participação do complexo industrial da saúde na tanto, destaca a autora, a questão que realmente
casa dos 5%, sendo que 30% da renda gerada importa não é a de determinar se uma maior par-
ficam com a iniciativa pública. A área de saúde ticipação do setor privado seria capaz de melho-
responde ainda por cerca de 25% do orçamento rar a performance do sistema de atenção à saúde,
das agências federais de fomento para Ciência e mas, antes, a de examinar como as preocupações
Tecnologia23. de saúde pública podem se conjugar aos interes-
Essas características gerais permitem conferir ses do mercado. Para isso, é preciso que o Estado
ao Estado o relevante papel de potencial indutor assuma o papel de protagonista no desenvolvi-
para o estímulo e regulação em saúde e de articu- mento de tecnologias que sejam mais eficientes e
lador de políticas de integração entre as esferas socialmente legítimas.
tecnológicas, industrial e social, conferindo ao
complexo da saúde o patamar de destaque na
condução geral das políticas de desenvolvimento As políticas atuais
nacional. De fato, o Estado deve ser visto como voltadas para a integração
peça-chave na regulação desse processo, contri- entre política econômica e social
buindo para reduzir os efeitos negativos do mer- e o rompimento da díade contraditória
cado quanto à oferta de cuidados em saúde, in-
tervir no processo de inovação (de modo a orien- Em 1985, foi criado o Ministério de Ciência e Tec-
tar a natureza das tecnologias e seu impacto so- nologia – MCT, que definiu como áreas prioritá-
bre os custos) e avaliar os aspectos éticos e sociais rias de atuação a química fina, a microeletrônica,
engendrados pela utilização do conhecimento téc- a biotecnologia e novos materiais. Essas áreas
nico-científico moderno, que exige uma tomada deveriam ser fortemente apoiadas pelo Estado,
de posição coletiva. mas essa política só começou a ser implementada
Como o Estado pode concretamente orientar de fato a partir de 1999, com a criação dos Fun-
e sustentar projetos particulares de P&D no âm- dos Setoriais de Ciência e Tecnologia, que articu-
bito da saúde e favorecer o uso apropriado das lam a academia e o setor produtivo mediante a
tecnologias? Para Lehoux20, essa influência pode cooperação entre empresas e centros de pesquisa,
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Fonte: Brasil. Diretrizes da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior. [Paper na Internet]. 2003 Nov 23 [acessado
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Viana, A. L. D. & Elias, P. E. M.
de qualidade dos medicamentos produzidos para entre as diferentes políticas voltadas para o de-
uso humano e sua adequação às exigências do senvolvimento do setor saúde – política de C&T,
órgão regulador nacional; reduzir o déficit comer- política industrial e política de saúde. O lança-
cial da cadeia produtiva; estimular a realização de mento do Programa de Aceleração do Crescimen-
atividades de pesquisa, desenvolvimento e inova- to (PAC), lançado em janeiro de 2007 e que obje-
ção no país; e fortalecer a posição econômica, fi- tiva promover a aceleração do crescimento eco-
nanceira, comercial e tecnológica da empresa na- nômico, o aumento do emprego e a melhoria das
cional. Os dados de desempenho do Profarma condições de vida da população brasileira, é um
mostram resultados bastante favoráveis: até ju- exemplo desse esforço. Para tanto, pretende im-
lho de 2007, o programa acumulou 48 operações plantar medidas em cinco grandes blocos – in-
em carteira (contratadas, aprovadas, em análise vestimento em infra-estrutura, estímulo ao cré-
ou enquadradas), totalizando R$ 972,4 milhões dito e ao financiamento, melhora do ambiente
em financiamentos que viabilizam investimentos investimento, desoneração e aperfeiçoamento do
totais de aproximadamente R$ 1,9 bilhão. Do to- sistema tributário e medidas fiscais de longo pra-
tal financiado, 53,9% foram destinados a proje- zo – mobilizando recursos públicos e privados da
tos de aumento da produção, 34,3% a operações ordem de R$ 503,9 bilhões. Embora os investi-
de fusões e aquisições de empresas nacionais e mentos do PAC possam contribuir para melho-
11,8% para doze empresas com projetos de pes- rar, de forma indireta, as condições de saúde da
quisa, desenvolvimento e inovação25. população, é importante notar que ele não con-
Apesar dos resultados positivos, algumas la- templa programas específicos na área da saúde.
cunas ainda precisam ser enfrentadas pelo BN- Para essa finalidade, entretanto, o Ministério da
DES no âmbito do Profarma4,24: necessidade de Saúde vem trabalhando na formulação do cha-
ampliar a atuação no financiamento de projetos mado “PAC da Saúde”, conjunto de medidas que
relacionados ao tratamento de doenças negligen- deve beneficiar diversos setores do complexo pro-
ciadas e a produtos gerados com base na rota dutivo da saúde, incluindo a produção de medi-
biotecnológica; falta de apoio específico ao desen- camentos para hipertensão, diabetes e colesterol,
volvimento dos laboratórios oficiais; baixa atra- aparelhos de ultra-som, marca-passos e catete-
tividade para as empresas de capital estrangeiro, res, além de vacinas e hemoderivados. O objetivo
que conseguem captar recursos no mercado in- é fortalecer a produção nacional desses produtos,
ternacional com juros ainda menores que os pra- reduzindo a dependência de tecnologia do exte-
ticados pelo BNDES e com menos exigências de rior. Os critérios utilizados para seleção dos seto-
garantia; e limitação de recursos para financia- res a serem beneficiados são coerentes com esse
mento do componente de pesquisa, desenvolvi- objetivo: aqueles ligados a doenças que mais ma-
mento e inovação. tam no país; onde as despesas do governo são
As aprovações da Lei de Inovação, de 2 de mais elevadas; e setores em que já existe alguma
dezembro de 2004, e da Lei 1.196, de 21 de novem- produção nacional26.
bro de 2005, conhecida como “MP do Bem”, cons- Tais iniciativas do governo brasileiro eviden-
tituem instrumentos importantes para fomentar ciam que a questão do desenvolvimento nacional
uma cultura de inovação no Brasil, seja aproxi- voltou a ser um eixo prioritário na agenda públi-
mando os diversos atores envolvidos no proces- ca, isto é, torna-se explícita a idéia de que cabe ao
so de inovação, seja estimulando a criação de Estado incentivar uma política industrial pauta-
empresas que tenham como propósito desenvol- da pela inovação sistêmica de base endógena, pela
ver pesquisas tecnológicas, seja ainda estabelecen- regulação dos setores estratégicos do complexo
do incentivos fiscais para empresas que realizam produtivo da saúde, por arranjos produtivos lo-
investimento em atividades tecnológicas. A cria- cais e por mudanças institucionais do próprio
ção do Conselho Nacional de Desenvolvimento Estado para lidar com as questões tecnológicas e
Industrial (CNDI) e da Agencia Brasileira de De- sociais atuais, rompendo assim a chamada “día-
senvolvimento Industrial (ABDI), em 2005, re- de contraditória”27.
presenta, por sua vez, tentativas de coordenar es-
forços acionados a partir da PITCE, bem como
de promover o desenvolvimento industrial e tec- Considerações finais
nológico brasileiro por meio do aumento da com-
petitividade e da inovação. O Sistema Único de Saúde explicita claramente as
Como sugerem todas essas iniciativas, o Bra- conseqüências geradas pela separação entre polí-
sil vive hoje um momento de maior integração tica social e política econômica: o sistema se efeti-
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O Brasil, pelas razões já apontadas ao longo complexo, cujo resultado evidencia-se na grande
do texto, não logrou construir um sistema de saú- dependência de tecnologia do exterior, faz com
de capaz de garantir a saúde como direito ao mes- que o país seja um exemplo de modelo não virtuo-
mo tempo em que se consolidavam os processos so de associação entre saúde e desenvolvimento.
de mercantilização do acesso e da formação do Entretanto, a recente adoção de políticas e pro-
complexo produtivo da saúde. Tal característica, gramas indutores do desenvolvimento nacional,
combinada com a ausência histórica de políticas com iniciativas específicas para a área da saúde,
públicas voltadas para formar um sistema nacio- sugere que o Brasil tem trilhado caminhos im-
nal de inovação na área da saúde, fortalecer a in- portantes rumo ao modelo de transição. Resta
dústria nacional e ampliar a capacidade instalada saber se essas iniciativas serão suficientes e bem-
de empresas inseridas em setores estratégicos do sucedidas.
Colaboradores Referências
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BEC003EFAEB?OpenDocument
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