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O Método do Tractatus

James Conant
Eu escrevi um livro chamado “Losch-Philosophice Abhandlung” . . . . Ninguém irá
compreender ele, apesar que eu acredito que seja claro como um cristal.

Wittgenstein, carta a Russell, 13.3.1919

Como Wittgenstein pode ter acreditado que ele escreveu um livro que era claro como
um cristal e que ninguém iria compreender ele? Um critério da clareza de um livro é que
a maioria dos leitores sejam capazes de entender ele. A clareza a qual Wittgenstein faz
alusão é uma que ele prevê que irá iludir a maioria dos leitores. Nesse ensaio, eu espero
jogar uma luz no tipo de clareza que Wittgenstein acreditava ter alcançado (e que
procurou transmitir) no Tractatus. Isso requer jogar uma luz no critério que o próprio
Wittgenstein fornece, no final do seu livro, ao que seria compreender seu livro: ele diz
que qualquer um que o compreende eventualmente reconhece suas proposições como
contrassensos.
Duas leituras padrão do Tractatus de Wittgenstein formaram os modos em que filósofos
contemporâneos pensam sobre contrassenso – ambos como um termo de crítica
filosófica geralmente e como um termo que aparece especificamente nas páginas do
Tractatus. Essas leituras podem ser chamadas de a leitura positivista e a leitura
inefabilidade, respectivamente. Nesse ensaio, eu argumento (1) que essas duas leituras
mutualmente opostas do Tractatus pressupõem uma concepção comum de contrassenso,
uma que o próprio Tractatus buscou eliminar; (2) que as fontes da concepção do próprio
Wittgenstein são encontradas na obra de Frege; (3) que, uma vez que traçamos essa
concepção até suas fontes, nós estaremos em uma posição melhor para ver que tipo de
crítica (a Frege e outros) o Tractatus busca promover; e (4) que, uma vez que vemos
isso, estaremos em uma posição melhor para entender a relação entre a obra inicial e a
tardia de Wittgenstein.
I. Duas leituras do Tractatus
Como eu chego no conceito de um tipo de descrição que eu não posso possivelmente dar?

Wittgenstein, Remarks on the Philosophy of Psychology

O que eu estou chamando de “a leitura positivista” do Tractatus veio primeiro


historicamente e foi alegadamente desacreditada. Mas a fama de seu desaparecimento é
muito exagerada. Ela continua a formar a maior parte das interpretações da obra inicial
de Wittgenstein, e, em particular, do que Wittgenstein pretende dizer pelo termo
“contrassenso”. De acordo com a leitura positivista, o Wittgenstein do Tractatus
sustenta que muito do que dizemos na linguagem ordinária é em seu melhor enganador
ou vago e em seu pior vazio. O caráter imperfeito da linguagem ordinária transmite tais
defeitos em nossos modos de expressão invitáveis e possibilita as confusões dos
metafísicos. Os defeitos nos enunciados dos metafisico são disfarçados pelo caráter
imperfeito da linguagem ordinária, fazendo com que o metafisico seja atraído a forma
das palavras que pretendem descrever vários estados de coisas superempíricos. Em tais
casos, os enunciados do metafísico podem ser demostrados como sendo contrassensos
pela exposição deles como logicamente (ou conceitualmente) falhos, onde essas falhas
serão traçadas até infringimentos específicos sobre as condições do discurso com
significado. Versões particulares da leitura positivista diferem sobre questões de
detalhes – algumas dirão que esses infringimentos surgem através de violações dos
“princípios da sintaxe lógica”, outras vão apelar a “critérios de significância cognitiva”,
ainda outros a “regras da gramática.” O que todas tais leituras tem em comum é a ideia
que Wittgenstein busca uma teoria que iria permitir ele (a) a construir um método para
expor as sentenças dos metafísicos como intrinsicamente contrassensuais, e (b) através
da aplicação de tal método demarcar discurso com significado de discurso sem
significados.
O que eu estou chamando de “a leitura da inefabilidade” surgiu em oposição a
leitura positivista. De acordo com a leitura da inefabilidade, o Tractatus busca distinguir
entre tipos de contrassenso – em particular, entre contrassenso enganoso e contra
esclarecedor. De acordo com essa leitura, o primeiro tipo de contrassenso pode ser
descartado, mas o segundo deve ser valorizado por um tipo de insight que ele é capaz de
transmitir. De acordo com a leitura da inefabilidade, o erro da leitura positivista deve ser
traçado a sua dupla suposição de que (1) para o Tractatus todo contrassenso é um
contrassenso enganoso, e (2) alguém trafegaria em contrassenso somente se ele fizesse
isso sem saber.
Em décadas recentes, a leitura positivista tem caído em desuso, e a leitura da
inefabilidade se tornou a leitura padrão. Esse desenvolvimento pode ser traçado ao fato
bruto de que a leitura positivista do Tractatus enfrenta – como uma leitura do texto de
Wittgenstein – muitos constrangimentos exegéticos. O mais notório desses é o que o
livro tem a dizer sobre o estatuto de suas próprias proposições: que elas são
contrassenso. A obra abertamente declara que ela trafega em contrassensos com
consciência disso. A mais notória dessas declarações pode ser encontrada no clímax da
obra, onde o leitor é apresentado a alegoria da escada: é contado ao leitor que foi
oferecido a ele uma série de proposições contrassensuais que formam uma escada – uma
escada que aparentemente tem a pretensão (de alguma forma) de subir, e a subida que
aparentemente (de alguma forma) permite a obtenção de um (presumivelmente, não
alcançável de outra forma) tipo de insight. Qualquer tentativa de levar à sério essa
alegoria arrebatante como uma descrição de uma estratégia literária da obra pareceria
comprometer a atribuir a obriga uma concepção de contrassenso que é suficientemente
ampla para permitir a possibilidade contrassenso esclarecedor. Comentários mais
recentes assumiram que alguma versão da interpretação da inefabilidade é a única
alternativa viável a interpretação positivista: e desse modo, se alguém quer levar a sério
o que a obra tem a dizer sobre o estatuto e o propósito de suas próprias proposições, a
única alternativa.
De acordo com a interpretação da inefabilidade, contrassensos esclarecedores
esclarecem ao “mostrar” o que não pode ser dito. O filósofo esclarecido
intencionalmente se utiliza desse tipo de contrassenso em função de transmitir certas
verdades que excedem o alcance (do uso significativo) da linguagem. Esse tipo especial
de contrassenso zomba das regras da lógica (sintaxe, gramática, o que seja) de um modo
próprio e especial e assim tem sucesso em transmitir um tipo especial de pensamento. O
filósofo que utiliza dessas formas de expressão logicamente autoderrotadas faz isso, não
porque (de acordo com os positivistas) ele não está ciente de seu caráter logicamente
falho, mas porque ele busca por à tona características da realidade que sentenças bem
formadas da linguagem não são capazes de representar. Enquanto a leitura positivista
toma o Tractatus como sendo (ao menos em sua intenção) uma obra resolutamente
antimetafisica, a leitura da inefabilidade toma a obra como resolutamente oposta
somente a possibilidade de uma expressão (com sentido) de um insight metafisico. A
leitura da inefabilidade, portanto, atribui ao Tractatus não somente uma distinção entre
tipos de contrassenso (contrassenso engano e contrassenso esclarecedor), mas também
uma distinção paralela entre tipos de pensamentos: dizíveis e indizíveis. O segundo é
um tipo de pensamento que extrapola os limites da linguagem: um tipo de pensamento
que não devemos tentar – porque nós não podemos – dizer, mas que nós devemos de
toda forma nos esforçar para pensar. Assim, esse leitura concorda com a leitura
positivista que Wittgenstein (i) traça os limites do que pode ser dito, e (ii) nos incita a
relegar o que não pode ser dito ao silêncio – mas, nessa leitura, (a) os limites são
traçados para “mostrar” o que não pode ser dito, (b) o silêncio em questão é um silencia
carregado <pregnant> em que algo (indizível) é “passado adiante”, o que é “passado
adiante” é desqualificado somente como um candidato para ser dito – ele se mantêm um
candidato elegível ao pensamento. Isso coloca duas demandas adicional na teoria de
Wittgenstein (além das que os positivistas atribuem a ele): (iii) explicar como a
estrutura lógica da linguagem obstrui a possibilidade de expressar certos insights em
proposições bem formadas, e (iv) mostrar como esse obstáculo pode ser contornado de
modo a permitir que tais insights sejam, de toda forma. comunicados.
Nesse ensaio, eu vou argumentar que tanto a leitura positivista quanto a leitura
da inefabilidade são simplesmente incorretas sobre o texto. Cada uma dessas leituras
promove uma concepção da tarefa da filosofia (e uma concepção correlativa do objetivo
da filosofia) que aparece centralmente no Tractatus – porém não como sua doutrina,
mas como um candidato para (o que o Tractatus chama de) elucidação. O Tractatus, de
acordo com a leitura apresentada por esse ensaio, pretende demostrar como cada uma
dessas concepções é a imagem no espelho da outra, cada uma alimentando e
sustentando a outra. Há (o que o Tractatus chama) “uma compreensão da lógica da
nossa linguagem” que é comum a essas duas leituras do Tractatus – uma que o próprio
Tractatus busca expor como um mal entendido. É essa (má)compreensão da lógica da
nossa linguagem que permite o positivista imaginar que ele podem construir um método
para expor as sentenças do metafisico como intrinsicamente sem significado (e desse
modo imaginar que ele encontrou a chave para se livrar da metafisica de uma vez por
todas), e que permite o antipositivista imaginar que ele pode alcançar um tipo de
pensamento que não pode ser acomodado pela estrutura lógica da linguagem (e desse
modo imaginar que, apesar do custo de banir ela a uma mudez <wordslessness>, ele
encontrou a chave para resgatar a metafisica de uma vez por todas).
As concepções da linguagem correlativas (i.e., de sentido e de contrassenso) e o
esclarecimento filosófico (i.e., como um leitor da obra deve ser levado ao insight)
pressupostos respectivamente pela leitura positivista e pela da inefabilidade são
expressões dos impulsos filosóficos que o Tractatus busca se ocupar. O leitor deve
sentir a força de cada um desses impulsos mutualmente antagonistas, mas não para se
manter preso a ambos. As concepções que surgem desses impulsos aparecem na obra
como partes dialéticas do caminho que devem ser sucessivamente reconhecidas como o
antepenúltimo e o último degrau da escada que o leitor é convidado a subir – e depois
de ter subido – joga-la fora. Jogar fora a escada é jogar fora as concepções aliadas de
linguagem e de elucidação filosófica sob as quais essas duas leituras (aparentemente)
mutualmente opostas repousam: é reconhecer elas como apenas aparentes concepções
sustentáveis.
II. Elucidação e Contrassenso
Existem autores cuja forma de suas obras correspondem ao conteúdo não apenas como as
roupas fazem com o corpo, mas como a alma faz com o corpo.

Karl Kraus, Aphorismen

Um objetivo auxiliar desse ensaio é de fornecer alguns materiais para responder a


seguinte questão: Porque o Tractatus tem a forma que ele tem? (Por que esse livro de
aparência engraçada aparece assim?) A forma da obra é (como filósofos não costumam
dizer) “meramente uma questão de estilo” – uma camada externa de ornamentação
literária da qual a obra pode (e talvez deveria) se livrar sem violar o conteúdo que ela
carrega? Eu devo abordar a obra inicial de Wittgenstein (e pretendo fornecer alguns
materiais que podem encorajar alguém a abordar sua obra tardia) com uma assunção
contrária – as saber, que o modo de apresentação da obra tem uma relação
profundamente intima com suas ambições filosóficas. Para compreender porque o texto
aparece da forma que ele aparece, precisamos entender quais são essas ambições; e,
para compreender como essas ambições são buscadas dentro do corpo da obra,
precisamos entender por quer o texto aparece dessa forma.
Esse ensaio busca, em particular, proporcionar duas peças do quebra cabeças que
precisam estar no lugar certo antes de podermos executar o ponto da famosa penúltima
seção do Tractatus: “Minhas proposições elucidam dessa maneira: quem me entende
acaba por reconhecê-las como contrassensos, após ter escalado através delas – por elas
– para além delas. (Deve, por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido por ela).”
Essa passagem conta a um leitor da obra o que ele deve “acabar por reconhecer” para
que ele entenda seu autor. Nenhuma compreensão do Tractatus é possível sem uma
compreensão do que essa passagem pede de seu leitor – sem, isto é, uma compreensão
de qual a estratégia autoral da obra inteira é. Wittgenstein disse de Carnap que ele
falhou em entender essa passagem e portanto ele falhou em entender “a concepção
fundamental de todo o livro”. O que Carnap falhou em entender, e como essa falha o
levou a não entender a concepção fundamental de todo o livro?
Dois termos importantes ocorrem nessa passagem. Não apenas Carnap, mas
também muitas gerações de comentadores subsequentes não deram atenção suficiente
para o que o próprio Tractatus tem a dizer sobre como esses termos (como utilizados
dentro da obra) devem ser entendidos. Os dois termos em questão são:
1. Elucidar (erläutern)
2. Contrassenso (Unsinn)
Esse ensaio é sobre como entender essas duas palavras no Tractatus. Somente quando
nós entendemos a valência específica que esses termos têm nessa obra nós estaremos
em posição de entender o que o Tractatus diz (em §6.54) sobre seu método.
O objetivo do Tractatus é duplo: (i) elucidar a lógica de nossa linguagem (i.e.,
apresentar a diferença perspícua entre sentido e contrassenso), e (ii) elucidar certos
assuntos filosóficos (i.e., mostrar como a aparente sustentabilidade de certas concepções
filosóficas repousam sob uma má compreensão da lógica de nossa linguagem) Nós
aprendemos, no final da obra, que as sentenças da obra elucidaram quando
reconhecemos elas como Unsinn. Mas para reconhecer elas como isso, devemos
primeiro chegar a um acordo com a questão de em que consiste esse reconhecimento e
logo com a compreensão de Unsinn que a obra busca transmitir. Assim, nossa tarefa é
como tentar quebrar um círculo. Para entender o Tractatus, deve-se entende o que cada
um desses dois termos no livro – “elucidação” e “contrassenso” – significa. Mas uma
compreensão desses termos como aparecem na obra requer uma apreciação da estrutura
e do método de toda a obra. Então essas duas formas de compreensão – uma
compreensão do ponto da obra inteira, e uma compreensão do que cada um desses
termos significa dentro da obra – devem vir juntas ou não irão vir. A obscuridade da
obra é uma função da peculiaridade de seu método, de trafegar no contrassenso – que,
por sua vez, é uma função da peculiaridade de seu objetivo: (que é contado a nós)
elucidação.
O primeiro tradutor do Tractatus, C. K. Ogden, pensou que a obra era
desnecessariamente obscura. Já que ele sabia que Wittgenstein estava trabalhando no
livro por anos, Ogden teve a ousadia de pergunta (em uma carta para Wittgenstein) se
ele não teria, em algum lugar pela casa, uma coleção de material que poderia
suplementar a obra – passagens que não foram inclusas no livro, mas que desenvolvem
mais algumas das linhas de pensamento contidas nele. Wittgenstein respondeu: Sim.
Ogden está encantado. Ele pergunta a Wittgenstein se não seria possível incorporar
alguns desse material suplementar na edição inglesa da obra. Certamente, seria de muita
ajuda para os leitores se esse material fosse adicionado ao livro. Wittgenstein objeta, e
uma das razões que ele dá é de particular interesse para nossos propósitos: “Sinto muito,
porém não posso te enviar os suplementos. Não se pode pensar em publica-los ... Os
suplementos são exatamente o que não deve ser publicado ... ELES REALMENTE NÃO CONTÊM
NENHUMA ELUCIDAÇÃO ... Sobre o livro ser curto, eu me desculpe por isso, mas o que eu
posso fazer? Se você me espremesse como um limão você não tiraria mais nada de
mim” (Wittgenstein, 1973, p. 46). Essas passagens suplementares (Ergänzungen) “são
exatamente o que não deve ser publicado”, pois elas não contêm nenhuma elucidação.
O que há de errado em adicionar ao livro passagem que não contém elucidações? Aqui
está uma amostra da resposta para essa questão, que esse ensaio irá defender: adicionar
passagem a obra que ajudam <subserve> seu objetivo elucidatorio seria comprometer
sua concepção fundamental.
Em §4.1212 do Tractatus, nos somos contados que uma obra de filosofia
“consiste essencialmente de elucidações.” “Filosofia” aqui significa: filosofia como
praticada pelo autor do Tractatus. A noção de elucidação está amarrada em §4.1212
com a ideia de filosofia ser um certo tipo de atividade: “Filosofia não é uma teoria
[Lehre] mas uma atividade. Uma obra filosófica consiste essencialmente de
elucidações” (§4.1212). A palavra ‘Lehre’ que Ogden traduz como ‘teoria’ – é
apresentada como ‘corpo de doutrinas’ por Pears e McGuiness. Wittgenstein afirma que
o trabalho da filosofia, como ele almeja, não consiste em apresentar uma doutrina, mas
sim e oferecer elucidações. Isso dá um critério de adequação que deve ser seguido por
qualquer apresentação textual fiel do que Wittgenstein pretende dizer por “elucidação”:
ela deve ser capaz de iluminar como Wittgenstein pode inteligivelmente ter pensado que
a função filosófica alcançada pelo Tractatus “consiste essencialmente de elucidações” –
onde “elucidação” é o nome de uma atividade que contrasta com a atividade
(convencionalmente filosófica) de apresentar ao leitor uma doutrina. Quando
Wittgenstein diz (em §4.1212) que uma obra filosófica consiste essencialmente de
elucidações, o termo elucidação é uma apresentação da mesma palavra do alemão
(Erläuterung) que ocorre em §6.54 e que também, como veremos em um momento,
aparece permanentemente para os escritos de Frege.
Quando Ogden tenta pela primeira vez traduzir 6.54, ele apresenta a primeira
linha da passagem como o seguinte: “Minhas proposições são explicadas desse modo
para quem me entende.” Wittgenstein corrige essa tradução em dois aspectos
importantes. Ele muda “explicar” por “elucidar”, e ele muda o verbo do intransitivo
para o transitivo: “Minhas proposições elucidam – o que quer que elas elucidam – desse
modo.” Que objeto o verbo transitivo tem? (O que uma elucidação elucida?)
Wittgenstein diz a Ogden que o quer requer elucidações são “assuntos filosóficas”.
Somos contados em §6.54: suas proposições servem como elucidações quando nós –
isto é, o leitor – reconhece elas como contrassensos. Mas como o reconhecimento de
que uma proposição é contrassenso pode elucidar – jogar luz em – qualquer coisa?
Evidentemente nós precisamos de uma melhor compreensão de como essa obra pensa
como contrassenso. Nós precisamos olhar mais perto para essas passagens em que a
obra nos conta o que é Unsinn e, em particular, o que ela nos conta o que não é.
Isso é o que Tractatus tem a dizer sobre o que é distintivo sobre sua própria
concepção de contrassenso: “Frege diz: toda proposição legitimamente constituída deve
ter sentido; e eu digo: toda proposição possível é legitimamente constituída, e se não
tem sentido, isso se deve apenas a não termos atribuído significado a algumas de suas
partes constituintes” (§5.4733). Wittgenstein aqui contrasta uma formulação de Frege
com uma própria. Na primeira olhada, é difícil ver como elas diferem. A diferença
crítica entre a formulação de Frege e a formulação que o Tractatus endossa é que a
primeira implicitamente distingue entre as proposições que são legitimamente
construídas e as que não são, enquanto a segunda rejeita a ideia que há alguma coisa
como uma proposição ilegitimamente construída.” É essa diferença (que Wittgenstein
vê entre sua própria visão e a de Frege) que nós precisamos entender. Como essa
passagem sugere – e como o prefácio do Tractatus deixa claro – um bom lugar para
buscar maior compreensão é “nas grandes obras de Frege.”
III. A Negligência de Frege?
O Tractatus de Wittgenstein capturou o interesse e excitou a admiração de muitos, ainda
assim, tudo que já foi publicado sobre ele tem sido extremamente irrelevante. Se isso tivesse
somente uma causa, essa causa seria a negligência de Frege ... No Tractatus Wittgenstein
assume, e não tenta estimular, uma interesse no tipo de questões que Frege escreveu sobre.

G. E. M. Anscombe, An Introduction to Wittgenstein’s Tractatus

Como pode a negligência de Frege ser a razão de muito do comentário sobre o


Tractatus de Wittgenstein seja extremamente irrelevante a uma compreensão adequada
dessa obra? O que pode haver de mais amplamente aceito e banal sobre o livro do que o
fato dele desenvolver e responder a ideias colocadas por Frege e Russell? Mas o ponto
de Anscombe presumivelmente não é que Frege é raramente mencionado nas discussões
do Tractatus de Wittgenstein. O ponto dela deve ser que nós não sabemos quem Frege é
para o autor do Tractatus – uma apreciação dessa obra pressupõe uma imersão em um
certo pano de fundo filosófico (“um interesse no tipo de questões que Frege escreveu
sobre”), que a maior parte do comentário sobre essa obra perdeu de vista. Não que não
sejamos familiarizados com os textos de Frege ou de Wittgenstein, mas que nos
falhamos em ver o que está em questão neles. Nos falhamos em nos apossar das
questões que aparecem mais centralmente nesses textos e do tipo de questões que essas
questões são para Frege e para Wittgenstein. Um objetivo desse ensaio é de chamar
atenção para dois aspectos do pano de fundo do qual nos perdemos de vista: o
pensamento de Frege sobre o caráter do contrassenso filosófico e a concepção de Frege
de elucidação.
A tese central desse ensaio pode ser sumarizada como o seguinte: Wittgenstein viu uma
tensão nos pensamentos de Frege entre duas concepções de contrassenso, quais eu devo
chamar de a concepção substancial, e a concepção austera, respectivamente. A
concepção substancial distingue entre dois tipos diferentes de contrassenso: mero
contrassenso e contrassenso substancial. Mero contrassenso é simplesmente ininteligível
– não expressa nenhum pensamento. Contrassenso substancial é composto de
ingredientes inteligíveis combinados de uma maneira ilegítima – ele expressa um
pensamento logicamente incoerente. De acordo com a concepção substancial, esses dois
tipos de contrassenso são logicamente distintos: o primeiro é mera baboseira, enquanto
o segundo envolve (o que os comentadores do Tractatus gostam de chamar de) uma
“violação da sintaxe lógica.” A concepção austera, por outro lado, sustenta que mero
contrassenso é, de um ponto de vista lógico, o único tipo de contrassenso que há. Junto
dessas duas concepções diferentes de contrassenso vão duas concepções diferentes de
elucidação: de acordo com a concepção substancial, a tarefa da elucidação é “mostrar”
algo que não pode ser dito; de acordo com a concepção austera, é mostrar que estamos
propensos a uma ilusão de significar algo quando não significamos nada. O Tractatus é
padronizadamente lido como defendendo a concepção substancial. Isso é errar a isca
pelo gancho – erra o alvo da obra por sua doutrina. Na leitura do Tractatus que devo
tentar esboçar aqui, o Tractatus deve ser visto como resolvendo a tensão no pensamento
de Frege entre essas duas concepções de contrassenso em favor da visão austera. A
estratégia do Tractatus é de dar um curto circuito nas visões de Frege a partir de dentro,
juntando essas duas metades do pensamento de Frege em uma proximidade imediata
uma com a outra.
A concepção substancial de contrassenso representa o (já previamente indicado)
common ground entre as interpretações positivistas e inefável do Tractatus. (É optando
por essa concepção, de acordo com o Tractatus, que o movimento crucial no truque de
conjuração filosófico é feito, e esse é o que nos estamos aptos a pensar que é o mais
inocente.) Esse pequeno pedaço de common ground pode parecer insignificante em
comparação com a veemência com que a interpretação da inefabilidade lamenta a
obtusidade da interpretação positivista (epitomizada por seu fracasso em permitir a
possibilidade de contrassenso esclarecedor) e a veemência igual com que a interpretação
positivista rejeita o misticismo da interpretação da inefabilidade (epitomizado por sua
anseio por formas de insight inefáveis). Buscando enfatizar suas diferenças uma da
outra, proponentes das duas interpretações tendem a articular os detalhes da concepção
substancial em dois modos aparentemente distintos. Portanto, ajudará distinguir entre
duas (aparentemente distintas) variantes da concepção substancial. Eu devo nomear
essas a variante positivista e a variante da inefabilidade (devido as leituras do
Tractatus em que elas respectivamente aparecem). De acordo com a primeira variante,
violações da sintaxe logica são um tipo de fenômeno linguístico: identificar uma
violação da sintaxe lógica é uma questão de isolar um certo tipo de (logicamente mal
formada) cadeia linguística. De acordo com a segunda variante, uma violação da sintaxe
lógica é um tipo de fenômeno que só pode transpirar pelo meio do pensamento, e
necessariamente ilude o meio da linguagem. Apesar dos proponentes da variante da
inefabilidade sustenta que a linguagem não tem poder para expressar tais pensamentos,
eles de qualquer modo consideram a linguagem uma ferramenta indispensável para
“transmitir” tais pensamentos. Eles sustentam que a linguagem pode “dar dicas” sobre o
que ela não pode dizer.
Antes de olharmos como o Tractatus buscar resolver a tensão no pensamento de
Frege entre a concepções de contrassenso substancial e austera, irá ajudar primeiro ver
que Frege pode ser lido como priorizando, não somente a concepção substancial, mas
especificamente a variante da inefabilidade. Ver isso requer que nós vejamos como o
que é tipicamente tomando como sendo a doutrina central e mais original doutrina do
Tractatus – a doutrina de que há certos insights que podem somente ser “mostrados” e
não podem ser ditos – pode ser detectadas (por alguns leitores de Frege) como sendo
uma doutrina central na filosofia de Frege. Que tal doutrina já aparece no pensamento
de Frege já foi argumentado particularmente por Peter Geach; e, de fato, Geach atribui a
ocorrência de tal doutrina no Tractatus à influência de Frege: “Reflexão sobre ‘as
grandes obras de Frege’ ... nunca podem estar fora de seu lugar para qualquer um que
quer entender seriamente Wittgenstein ... A influência de Frege sobre Wittgenstein foi
penetrante e vitalícia, e claramente não está limitada a lugares onde o nome de Frege é
mencionado ou abertamente referencia ... Aspectos fundamentais do contraste
dizer/mostrar de Wittgenstein já podem ser detectados nos escritos de Frege” (Geach,
1976, p. 55). Eu penso que Geach está certo ao pensar que Wittgenstein encontrou em
Frege uma concepção do que não pode ser dito, mas somente “mostrado” – e que o
Tractatus já foi creditado em afirmar tal concepção com uma originalidade que não
pode ser atribuída justamente. Geach continua: “Apesar de ser paradoxal, a doutrina de
aspectos da realidade que aparecem mas não podem ser expressos proposicionalmente, é
difícil ver qualquer alternativa viável a ela enquanto nos confinamos na filosofia da
lógica: e nesse domínio Wittgenstein corrigiu as visões de Frege sem infidelidade ao
espirito de Frege” (p. 68). Geach aqui atribui uma certa doutrina tanto a Frege quanto ao
Tractatus: a doutrina que há certos aspectos da realidade que não podem ser expressos
na linguagem, mas podem, não obstante, serem transmitidas através de certos tipos de
emprego da linguagem. Eu penso que Frege está errado ao supor que o Tractatus busca
simplesmente incorporar essa doutrina fregeana a seu próprio ensinamento. Isto é, penso
que Geach está certo em encontrar essa doutrina proposta onde a maioria dos
comentadores falharam em procurar (a saber, em Frege), e errado em achar ela proposta
onde a maioria dos comentadores assumem que eles devem procurar por ela (a saber, no
Tractatus), Eu devo, portanto, me ocupar de argumentar que o Tractatus, em sua crítica
as doutrinas fregeana, busca montar uma crítica das doutrinas que são normalmente
atribuídas a ele. ]
Para ver isso, primeiro precisamos de evitar de falar sobre a distinção entre dizer
e mostrar do modo vago usual. Onde a maioria dos comentadores do Tractatus somente
apontam uma distinção, precisamos de ver que há duas diferentes distinções
trabalhando. Uma versão de cada uma dessas distinções já estão em jogo na obra de
Frege. Mas essas distinções são traçadas na obra de Frege de um modo que elas estão
profundamente enroladas uma na outra, enquanto elas são remodeladas no Tractatus de
um modo que permite que elas sejam desenroladas. A primeira distinção é traçada
dentro do corpo de proposições com significado. (Assim, de acordo com o esse primeiro
sentido, somente proposições com sentido podem mostrar.) A segunda distinção marca,
dentre vários modos de empregar a linguagem, um modo particular de empregar
estruturas (aparentemente com significado) similares a sentenças – um emprego que
“toma como seu objeto” (o que Wittgenstein chama em sua carta para Ogden) “assuntos
filosóficos” <philosophic matters> (Wittgenstein, 1973, p. 51). (Assim, de acordo com
esse segundo sentido de ‘mostrar’, contrassenso pode mostrar.) A primeira dessas
distinções é (ao menos terminologicamente) é a mais familiar e notória das duas: ela é
(a que é chamada no Tractatus) a distinção entre dizer e mostrar (ou, mais precisamente,
no jargão tractarianos, a distinção entre o que uma proposição diz e o que ela mostra). A
segunda distinção é relativamente negligenciada e é a com que o resto desse ensaio irá
se ocupar. É uma distinção entre dois diferentes tipos de uso da linguagem: usos
constativos, em que uma proposição afirma o que é o caso (ou, no jargão tractarianos,
representa um estado de coisas), e usos elucidatórios, em que um aparente uso
constativo da linguagem (um que oferece uma aparente representação de um estado de
coisa) é revelada como ilusória. É primariamente através dessa maneira que o Tractatus
reformula a segunda dessas distinções fregeana em que a crítica a Frege é construída.
Somente quando nós entendermos como o Tractatus busca modificar a concepção de
Frege de elucidação (Erläuterung) estaremos em posição de entender o que o Tractatus
pretende dizer sobre ele mesmo quando ele declara que ele é uma obra que “consiste
essencialmente de elucidações”.
IV. Frege sobre Conceito e Objeto
O estilo de minhas sentenças é extraordinariamente fortemente influenciado por Frege. E
seu eu quisesse, eu poderia estabelecer essa influência onde ninguém veria à primeira vista.

Wittgenstein, Zettel

Aqui está como Geach resume a região do pensamento de Frege que é “corrigido sem
infidelidade” na (que ele toma como) distinção tractariana entre dizer e “mostrar”:
“Frege ... sustentou ... que há distinções de categorias lógicas que vão claramente se
mostrar em uma linguagem formalizada bem construída, mas que não podem ser
adequadamente asseridas na linguagem: as sentenças em que nós buscamos transmitir
elas no vernáculo são logicamente impróprias e não admitem tradução em formulas bem
formadas da lógica simbólica”. (Geach, 1976, p.55). O exemplo favorito de Frege de
uma distinção de categoria lógica que se mostra claramente em uma linguagem
formalizada bem construída (mas que “não pode adequadamente ser asserida na
linguagem”) é a distinção entre conceito e objeto – e é um exemplo que continuou a
exercitar Wittgenstein por sua vida. Algo ser um objeto (ou um conceito), para Frege,
não é possuir certas características metafisicas ou psicológicas, mas sim pertencer a uma
particular categoria lógica. Frege toma como um “sinal claro” de confusão se a lógica
parece “necessitar de metafisica ou psicologia” (Frege, 1967a, p.18).
A discussão de Frege mais famosa sobre a distinção entre conceito e objeto é seu
artigo intitulado “Sobre Conceito e Objeto” – um artigo que é estruturado em torno de
sua resposta a uma objeção colocada por Benno Kerry. Kerry objeta a afirmação de
Frege de que conceitos não podem ser objetos e objetos não podem ser conceitos. Kerry
propõe como um contraexemplo para Frege a seguinte afirmação: “o conceito cavalo é
um conceito facilmente obtido.” Essa afirmação parece asserir que algo – o conceito
cavalo – cai sob um conceito (a saber, o de ser um conceito facilmente obtido). Agora
qualquer coisa que cai sob um conceito (de primeira ordem) deve – na concepção de
Frege de um objeto – ser um objeto. Isso é o que é ser um objeto para Frege – ser o tipo
de coisa de que conceitos podem ser predicados. Então, para Frege, o sujeito gramatical
da afirmação de Kerry – o conceito cavalo – (já que ele cai sob um conceito) deve ser
um objeto. Mas, se o que a afirmação diz é verdade, então ele é um conceito facilmente
obtido, e se ele é um conceito facilmente obtido, então é um tipo de conceito. As duas
pontas do argumento de Kerry, baseadas em seu contraexemplo putativo, podem ser
sumarizado como o seguinte: (a) dada concepção de Frege de o que é ser um objeto, nós
temos razão (em virtude de seu papel lógico na afirmação) de concluir que “o conceito
cavalo” é um objeto; e (b) dada a (aparente) verdade do que a própria afirmação assere,
nós temos razão de concluir que ele é um conceito. Então Kerry conclui que sua
afirmação nos fornece um exemplo de algo – o conceito cavalo – que é tanto um objeto
quanto um conceito.
O artigo de Frege respondendo Kerry começa com a seguinte observação:
A palavra ‘conceito’ é usada de varias maneiras: às vezes seu sentido é
psicológico, às vezes lógico, e talvez às vezes como uma mistura confusa de
ambos. Já que existe essa licença, é natural restringir ela requerendo que quando
um uso é adotado ele deve ser mantido. O que eu decidi foi manter estritamente
o uso lógico ... Me parece que a má compreensão de Kerry resulta de ele não
intencionalmente confundir seu próprio uso da palavra ‘conceito’ com o meu.
Isso imediatamente dá origem a contradições, a quais não são culpa do meu uso.
(Frege, 1984, p. 182)
Frege insiste aqui que ele usa a palavra ‘conceito’ em um “sentido estritamente lógico”
e que a má compreensão de Kerry de suas visões é devido ao seu fracasso de perceber
isso. Em particular, Frege irá dizer que o aparente contraexemplo de Kerry é gerado
pelo equivoco entre um sentido “estritamente lógico” e (o que Frege irá chamar) um
sentido “psicológico” do termo ‘conceito’. Mas o que é usar a palavra ‘conceito’ em um
sentido estritamente lógico? Essa questão é melhor abordada através de uma
consideração dos três princípios de Frege (que ele apresenta no início de seu Die
Grundlagen der Arithmetik):
Na investigação que segue, eu mantive três princípios fundamentais:
(1) Sempre separar nitidamente o psicológico do lógico, o subjetivo do objetivo;
(2) Nunca perguntar o significado de uma palavra isolada, mas somente no
contexto de uma proposição;
(3) Nunca perder de vista a distinção entre conceito e objeto.
(Frege, 1968, p. x)
Cada um desses princípios é retrabalhado e tem um papel central no Tractatus. Esses
três princípios estão ligados proximamente: negar qualquer um deles é negar cada um
dos outros dois. O próprio Frege imediatamente explica como a negação do primeiro
princípio nos leva para a negação do segundo: “Em conformidade com o primeiro
princípio, eu usei a palavra ‘ideia’ sempre no sentido psicológico, e tenho distinguido
ideias de conceitos e de objetos. Se o segundo princípio não é observado, se é quase
forçado a tomar como os significados das palavras imagens mentais ou atos de uma
mente individual, e desse modo se ofende também o primeiro princípio” (p. x). Se nós
desobedecemos o segundo princípio e perguntamos sobre o significado de uma palavra
isolada, devemos buscar pela resposta no reino do psicológico – devemos explicar o que
é um termo ter um significado em termos de acessórios mentais (como as associações
psicológicas que uma palavra carrega consigo), ou em termos de atos mentais (como a
intenção linguística com que nós enunciamos); e isso vai constituir uma violação do
primeiro princípio.
Subjazendo esses princípios há uma doutrina da primazia do julgamento. Frege
escreve: “Eu não começo com conceitos e os reúno para formar um pensamento ou
julgamento; eu chego nas partes de um pensamento ao analisar um pensamento” (Frege,
1979, p. 253). Frege aqui se opõe a uma visão extremamente intuitiva de como nós
chegamos em um pensamento: a saber, tomando conta de seus componentes pensáveis
independentemente e reunindo eles de modo a formar um todo coerente. O tipo de
“partes” que estão em questão aqui é somente identificado ao comparar e contrastar a
estrutura lógica da proposição completa e vendo como as respectivas “partes” se
assemelham e diferenciam uma da outra na contribuição que elas fazem em seus todos
respectivos. Aqui está uma das muitas exortações de Frege para o leitor não perder de
vista a primazia do todo proposicional sobre suas partes: “Nós deveríamos sempre
manter diante aos nossos olhos uma proposição completa. Somente em uma proposição
as palavras realmente tem um significado. Pode ser que imagens mentais flutuam diante
de nós todo o tempo, mas essas não precisam corresponder aos elementos lógicos no
julgamento. É suficiente se a proposição tomada como um todo tem um sentindo; é isso
que confere a suas partes seu conteúdo também” (Frege, 1968, p.71). Para determinar o
significado de uma palavra, de acordo com Frege, nós precisamos descobrir que
contribuição ela faz para o sentido da proposição em que ela aparece. Nós precisamos
saber qual o papel lógico que ela exerce em um contexto de julgamento. O que nós
queremos descobrir, portanto, não pode ser visto se olhamos uma mera palavra isolada
ao invés das partes em funcionamento da proposição atuando. Assim, por exemplo, o
mero fato de que as palavras no início da sentença de Kerry pretendem se referir a (algo
chamado) “o conceito cavalo” dificilmente é suficiente, aos olhos de Frege, para
garantir que elas de fato se referem a um conceito com sucesso. Quando Frege insiste
que ele vai se manter ao um uso estritamente lógico da palavra ‘conceito’, ele está
declarando seu interesse em como um certo tipo de parte operante de um julgamento – o
que ele chama de a parte não saturada ou predicativa – contribui para o sentido do
julgamento inteiro.
Não há símbolos para termos como ‘função’, ‘conceito’, e ‘objeto’ no
Begriffsschrift de Frege. Não obstante, esses termos executam um papel ineliminável
em suas explicações de seu simbolismo. Ele acha que uma compreensão desses
símbolos é necessária se pretende-se dominar a notação do simbolismo e entender
adequadamente seu significado. No entanto, ele também insiste que ao que ele deseja
chamar nossa atenção – quando ele emprega, por exemplo, a palavra ‘conceito’ em um
sentindo estritamente lógico – não é algo que pode ser adequadamente definido.
Somente pode ser exibido através de (o que Frege chama de) uma elucidação. Tais
elucidações, por sua vez, exercem somente um papel transicional: uma vez que elas
transmitiram com sucesso as distinções lógicas que formam a base da Begriffsschrift de
Frege, podemos ver que não há como expressar os pensamentos que elas (aparentam
estar tentando) transmitem em uma Begriffsschrift. No entanto, se nós percebemos o
caráter logicamente fundamental das distinções em que a Begriffsschrift de Frege é
baseada, então nós veremos que qualquer coisa que pode ser pensada pode ser expressa
na Begriffsschrift. Ao compreender a distinção entre o que pode e o que não pode ser
expressado em uma Begriffsschrift, nós nos fornecemos uma articulação precisa da
distinção entre o que é (em um sentindo estritamente lógico) um pensamento e o que
não é um. Desse modo, as elucidações de Frege devem executar um papel de uma
escada que subimos e então jogamos fora. Frege poderia ter dito sobre suas próprias
observações elucidatórias, ecoando §6.54 do Tractatus: “Minhas proposições elucidam
desta maneira: quem me entende reconhece minhas proposições não podem ser
expressas em minha Begriffsschrift, após ter escalado através delas – por elas – para
além delas. Deve, por assim dizer, jogar fora a escada após ter usado ela para subir até
minha Begriffsschrift.”
V. Elucidação Fregeana
Deus pode fazer tudo, isso é verdade, mas há algo que ele não pode fazer, e isso é falar
contrassensos.

Leo Tolstoy, The Gospel According to Tolstoy

A distinção entre elucidação e definição em Frege se baseia em uma distinção anterior


entre o que é primitivo e o que é definido em uma teoria. Qualquer termo teorético que
não é suscetível a uma definição formal requer uma elucidação. Toda ciência deve
empregar alguns termos primitivos cujo significados devem ser pressupostos desde o
princípio. Até em uma linguagem logicamente perfeita haverão alguns termos que não
são (e não podem ser) introduzidos por definição e que devem se manter indefiníveis. O
objetivo das elucidações é de transmitir o significado de tais termos:
Definições próprias devem ser distinguidas de elucidações. Nos primeiros
estágios de qualquer disciplina não podemos evitar o uso de palavras ordinários.
Mas essas palavras são, na maior parte, não realmente adequadas para os
propósitos científicos, porque elas não são precisas o suficiente e flutuam seu
uso. A ciência necessita que termos técnicos tenham um significado preciso e
fixado, e para alcançar uma compreensão sobre esses significados e excluir
possíveis confusões, nos damos elucidações [Erläuterugen] de seus usos. (Frege,
1979, p.207)
Em “Sobre Conceito e Objeto”, Frege está preocupado somente com uma espécie de
elucidação, a saber, a atividade de elucidar o que é logicamente primitivo. Quando se
está envolvido nessa espécie particular de elucidação, Frege pensa que se está obrigado
a usar sentenças que não podem ser traduzidas em uma Begriffschrift adequada.
Pode-se perguntar: Frege não nos fornece exemplos de afirmações que definem o que
um conceito ou um objeto é? Frege responderá que nada que suas próprias sentenças
(aparentam) asserir sobre a natureza de conceitos ou objetos poderão, sem entrar em
confusão, ser tomadas como (uma contribuição para) a definição de que tipo de coisa
um conceito ou um objeto é. Para algo contar como uma definição, para Frege, deve ser
possível poder invocar ele em provas. Onde quer que seja que o definiendum ocorre em
uma sentença, deve ser possível substituir ele pelo definiens. Nada do tipo é possível,
Frege mantém, para esses termos que ocorrem em suas observações elucidatórias que se
referem a categorias logicamente primitivas. O significado deles devem ser
pressupostos desde o princípio. O máximo que se pode fazer é conduzir o leitor ao o que
se pretende por tais termos – ao que suas palavras estão tentando apontar – através de
uma serie de pistas. Logo no início de sua resposta a Kerry, Frege insiste no papel
ineliminável das pistas ao oferecer uma elucidação do que é logicamente fundamental e
logo, indefinível:
Kerry contesta o que ele chama de minha definição de ‘conceito’. Eu observaria,
em primeiro lugar, que minha explicação não se pretende como uma definição
adequada. Não se pode requerer que tudo deva ser definido, da mesma forma
que não se pode requerer que um químico decomponha toda substância. O que é
simples não pode ser decomposto, e o que é logicamente simples não pode ter
uma definição adequada. Porém, algo logicamente simples não nos é dado desde
de o princípio assim como a maior parte dos elementos químicos não são; ele é
alcançado somente através de trabalho científico. Se algo foi descoberto como
senso simples, ou ao menos deve contar como simples até então, precisamos
cunhar um termo para ele, já que a linguagem não irá conter originalmente uma
expressão que atenda exatamente. Ao introduzir um nome para o que é
logicamente simples, uma definição não é possível; não podemos nada além de
conduzir o leitor ou o ouvinte, através de pistas, a entender a palavra como se
pretende. (Frege, 1984, pp. 182-183)
No entanto, em algumas poucas linhas depois, Frege oferece algo que tem a aparência
de oferecer uma especificação do significado do termo ‘conceito’: “Um conceito (como
eu entendo a palavra) é predicativo. Por outro lado, o nome de um objeto, um nome
próprio, é incapaz de ser usado como um predicado gramatical.” Frege imediatamente
diz: “Isso certamente precisa de uma elucidação, caso contrário pode parecer falso” (p.
183). O termo ‘elucidação’ aqui significa <stands for> a atividade de conduzir o leito
por meio de pistas ao que se pretende por um termo que denota algo logicamente
primitivo. Isso requer não somente que contemos com a paciência e boa vontade da
audiência enquanto nós os encorajamos a adivinhar o significado pretendido, mas
também que – no escopo da mais precisa de todas ciências: a ciência da lógica – nos
recorremos a modos de expressões figurativos (e.g., ao falar sobre objetos sendo
“saturados” e conceitos sendo “não saturados”). Ainda pior, Frege pensa que na
elucidação de noções logicamente primitivas (tais como na de conceito ou objeto) há
um papel ineliminável exercido por (pelo emprego habilidoso de) contrassenso. De
acordo com Frege, ao elucidar o significado de termos como ‘objeto’ e ‘conceito’, nós
tentamos ajudar nossa audiência a fixar o significado pretendido de um termo em algo
logicamente fundamental usando formas de expressão erram o alvo, e assim ajudar
nossa audiência a ver como e porque elas erram o alvo.
É de crucial importância ao oferecer tal elucidação, Frege diz, que o próprio
originador entenda o caráter transicional da fala em que ele se envolve, e que ele saiba
em todo ponto o que ele pretende dizer com um termo particular e se mantenha em
concordância consigo mesmo:
Já que definições não são possíveis para elementos primitivos, alguma
outra coisa deve aparecer. Eu a chamo de elucidação [Erläuteng] ...
Alguém que executa a pesquisa sozinho não precisaria dela. O objetivo
das elucidações é pragmático, e quando alcançado, devemos estar
satisfeitos com ele. E aqui devemos poder contar com um pouco de boa
vontade e entendimento cooperativo, até mesmo com adivinhação; pois
frequentemente não poderemos fazer sem um modo de expressão
figurativo. Mas para tudo isso, podemos demandar do originador da
elucidação [Erläuteng] que ele mesmo saiba com certeza o que ele
pretende dizer; que ele se mantenha em concordância com ele mesmo; e
que ele esteja pronto para completar e emendar sua elucidação
[Erläuteng] a qualquer momento que, dada até a melhor das intenções,
surja a possibilidade de uma má compreensão. (Frege, 1984, pp. 300-
301)
Frege francamente concede que um processo de oferecer pistas e de contar com
adivinhações pode, em princípio, nunca culminar no desejado encontro de mentes entre
o elucidador e a audiência de uma elucidação. Ele se apressa em reafirmar para nós que,
de qualquer modo, acontece que, em pratica, nos somos bons em adivinhar o que uma
pessoa pretende dizer mesmo até quando tudo que nos é oferecido é uma serie de dicas:
“Teoricamente, alguém pode nunca alcançar seu objetivo dessa forma. Na prática, de
qualquer modo, nos conseguimos alcançar uma compreensão do significado das
palavras. Claro que temos que ser capazes de contar com o encontro de mentes, com
outros adivinhando o que temos em mente. Mas tudo isso precede a construção de um
sistema e não pertence dentro de um sistema” (Frege, 1979, p. 207). Essa última
sentença faz alusão a um ponto que tocado anteriormente: uma vez que a elucidação tem
sucesso, o recurso a modos de discurso figurativos e a pedaços de contrassenso pode ser
dispensado; as elucidações terão servido a seu proposito transicional e pragmático e
serão jogadas fora. A atividade de elucidação “não tem espaço em um sistema de uma
ciência. Seu papel é inteiramente propedêutico.
O procedimento de Frege em “Sobre Conceito e Objeto” depende de uma
compreensão da estrutura lógica da linguagem implícita no domínio cotidiano da
linguagem ordinária de seu leito. O propósito de Frege – quando ele introduz termos
como ‘conceito’ e ‘objeto’ – é de isolar e cunhar termos para as partes funcionantes
logicamente discretas de um julgamento: partes que podem parecer executar papeis
logicamente distintos no conteúdo antecedentemente compreendido das sentenças
cotidianas. Ao mirar em comunicar o significado desses termos que ele cunhou, Frege
(já que ele não pode recorrer a uma definição) apela para o “sentimento geral” para
nossa linguagem comum (nosso senso compartilhado da contribuição que partes de uma
proposição da linguagem ordinária fazem para o sentido do todo). É através de nosso
sentimento geral para nossa linguagem comum que nós alcançamos concordância sobre
o que é uma segmentação lógica adequada de uma sentença de nossa linguagem e logo
o que é (e o que não é) um conceito ou um objeto.
A estratégia elucidatória do artigo “Sobre Conceito e Objeto” pode (de acordo
com essa leitura de Frege seguindo o espirito de Geach) ser vista como um
procedimento em cinco passos: (1) deixar explicita a distinção lógica implícita em
nossas práticas linguísticas cotidianas, (2) demonstrar que o emprego de Kerry da
terminologia ‘objeto’ e ‘conceito’ falha em rastrear a distinção em questão, (3) de
fornecer afirmações (empregando a terminologia de ‘objeto’ e ‘conceito’) que buscam
rastrear a distinção em questão, (4) de provocar uma apreciação do que é defeituoso em
tais afirmações, e (5) de indicar como um reconhecimento do caráter defeituoso de tais
afirmações permite que se atinja um insight (e.g., o que é um conceito) que não poderia
ter sido comunicado de qualquer outra maneira. Assim, Frege poderia ter dito: aquele
que reconhece minhas observações em “Sobre Conceito e Objeto” como defeituosas me
entende. Tal leitura de Frege (no espírito de Geach) – de acordo com que as elucidações
fregeanas devem ser entendidas como uma estratégia de transmissão de insights de
características inefáveis da realidade – como veremos, tem um paralelo intimo com a
leitura do Tractatus defendida pelos proponentes da interpretação da inefabilidade.

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