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James Conant
Eu escrevi um livro chamado “Losch-Philosophice Abhandlung” . . . . Ninguém irá
compreender ele, apesar que eu acredito que seja claro como um cristal.
Como Wittgenstein pode ter acreditado que ele escreveu um livro que era claro como
um cristal e que ninguém iria compreender ele? Um critério da clareza de um livro é que
a maioria dos leitores sejam capazes de entender ele. A clareza a qual Wittgenstein faz
alusão é uma que ele prevê que irá iludir a maioria dos leitores. Nesse ensaio, eu espero
jogar uma luz no tipo de clareza que Wittgenstein acreditava ter alcançado (e que
procurou transmitir) no Tractatus. Isso requer jogar uma luz no critério que o próprio
Wittgenstein fornece, no final do seu livro, ao que seria compreender seu livro: ele diz
que qualquer um que o compreende eventualmente reconhece suas proposições como
contrassensos.
Duas leituras padrão do Tractatus de Wittgenstein formaram os modos em que filósofos
contemporâneos pensam sobre contrassenso – ambos como um termo de crítica
filosófica geralmente e como um termo que aparece especificamente nas páginas do
Tractatus. Essas leituras podem ser chamadas de a leitura positivista e a leitura
inefabilidade, respectivamente. Nesse ensaio, eu argumento (1) que essas duas leituras
mutualmente opostas do Tractatus pressupõem uma concepção comum de contrassenso,
uma que o próprio Tractatus buscou eliminar; (2) que as fontes da concepção do próprio
Wittgenstein são encontradas na obra de Frege; (3) que, uma vez que traçamos essa
concepção até suas fontes, nós estaremos em uma posição melhor para ver que tipo de
crítica (a Frege e outros) o Tractatus busca promover; e (4) que, uma vez que vemos
isso, estaremos em uma posição melhor para entender a relação entre a obra inicial e a
tardia de Wittgenstein.
I. Duas leituras do Tractatus
Como eu chego no conceito de um tipo de descrição que eu não posso possivelmente dar?
Wittgenstein, Zettel
Aqui está como Geach resume a região do pensamento de Frege que é “corrigido sem
infidelidade” na (que ele toma como) distinção tractariana entre dizer e “mostrar”:
“Frege ... sustentou ... que há distinções de categorias lógicas que vão claramente se
mostrar em uma linguagem formalizada bem construída, mas que não podem ser
adequadamente asseridas na linguagem: as sentenças em que nós buscamos transmitir
elas no vernáculo são logicamente impróprias e não admitem tradução em formulas bem
formadas da lógica simbólica”. (Geach, 1976, p.55). O exemplo favorito de Frege de
uma distinção de categoria lógica que se mostra claramente em uma linguagem
formalizada bem construída (mas que “não pode adequadamente ser asserida na
linguagem”) é a distinção entre conceito e objeto – e é um exemplo que continuou a
exercitar Wittgenstein por sua vida. Algo ser um objeto (ou um conceito), para Frege,
não é possuir certas características metafisicas ou psicológicas, mas sim pertencer a uma
particular categoria lógica. Frege toma como um “sinal claro” de confusão se a lógica
parece “necessitar de metafisica ou psicologia” (Frege, 1967a, p.18).
A discussão de Frege mais famosa sobre a distinção entre conceito e objeto é seu
artigo intitulado “Sobre Conceito e Objeto” – um artigo que é estruturado em torno de
sua resposta a uma objeção colocada por Benno Kerry. Kerry objeta a afirmação de
Frege de que conceitos não podem ser objetos e objetos não podem ser conceitos. Kerry
propõe como um contraexemplo para Frege a seguinte afirmação: “o conceito cavalo é
um conceito facilmente obtido.” Essa afirmação parece asserir que algo – o conceito
cavalo – cai sob um conceito (a saber, o de ser um conceito facilmente obtido). Agora
qualquer coisa que cai sob um conceito (de primeira ordem) deve – na concepção de
Frege de um objeto – ser um objeto. Isso é o que é ser um objeto para Frege – ser o tipo
de coisa de que conceitos podem ser predicados. Então, para Frege, o sujeito gramatical
da afirmação de Kerry – o conceito cavalo – (já que ele cai sob um conceito) deve ser
um objeto. Mas, se o que a afirmação diz é verdade, então ele é um conceito facilmente
obtido, e se ele é um conceito facilmente obtido, então é um tipo de conceito. As duas
pontas do argumento de Kerry, baseadas em seu contraexemplo putativo, podem ser
sumarizado como o seguinte: (a) dada concepção de Frege de o que é ser um objeto, nós
temos razão (em virtude de seu papel lógico na afirmação) de concluir que “o conceito
cavalo” é um objeto; e (b) dada a (aparente) verdade do que a própria afirmação assere,
nós temos razão de concluir que ele é um conceito. Então Kerry conclui que sua
afirmação nos fornece um exemplo de algo – o conceito cavalo – que é tanto um objeto
quanto um conceito.
O artigo de Frege respondendo Kerry começa com a seguinte observação:
A palavra ‘conceito’ é usada de varias maneiras: às vezes seu sentido é
psicológico, às vezes lógico, e talvez às vezes como uma mistura confusa de
ambos. Já que existe essa licença, é natural restringir ela requerendo que quando
um uso é adotado ele deve ser mantido. O que eu decidi foi manter estritamente
o uso lógico ... Me parece que a má compreensão de Kerry resulta de ele não
intencionalmente confundir seu próprio uso da palavra ‘conceito’ com o meu.
Isso imediatamente dá origem a contradições, a quais não são culpa do meu uso.
(Frege, 1984, p. 182)
Frege insiste aqui que ele usa a palavra ‘conceito’ em um “sentido estritamente lógico”
e que a má compreensão de Kerry de suas visões é devido ao seu fracasso de perceber
isso. Em particular, Frege irá dizer que o aparente contraexemplo de Kerry é gerado
pelo equivoco entre um sentido “estritamente lógico” e (o que Frege irá chamar) um
sentido “psicológico” do termo ‘conceito’. Mas o que é usar a palavra ‘conceito’ em um
sentido estritamente lógico? Essa questão é melhor abordada através de uma
consideração dos três princípios de Frege (que ele apresenta no início de seu Die
Grundlagen der Arithmetik):
Na investigação que segue, eu mantive três princípios fundamentais:
(1) Sempre separar nitidamente o psicológico do lógico, o subjetivo do objetivo;
(2) Nunca perguntar o significado de uma palavra isolada, mas somente no
contexto de uma proposição;
(3) Nunca perder de vista a distinção entre conceito e objeto.
(Frege, 1968, p. x)
Cada um desses princípios é retrabalhado e tem um papel central no Tractatus. Esses
três princípios estão ligados proximamente: negar qualquer um deles é negar cada um
dos outros dois. O próprio Frege imediatamente explica como a negação do primeiro
princípio nos leva para a negação do segundo: “Em conformidade com o primeiro
princípio, eu usei a palavra ‘ideia’ sempre no sentido psicológico, e tenho distinguido
ideias de conceitos e de objetos. Se o segundo princípio não é observado, se é quase
forçado a tomar como os significados das palavras imagens mentais ou atos de uma
mente individual, e desse modo se ofende também o primeiro princípio” (p. x). Se nós
desobedecemos o segundo princípio e perguntamos sobre o significado de uma palavra
isolada, devemos buscar pela resposta no reino do psicológico – devemos explicar o que
é um termo ter um significado em termos de acessórios mentais (como as associações
psicológicas que uma palavra carrega consigo), ou em termos de atos mentais (como a
intenção linguística com que nós enunciamos); e isso vai constituir uma violação do
primeiro princípio.
Subjazendo esses princípios há uma doutrina da primazia do julgamento. Frege
escreve: “Eu não começo com conceitos e os reúno para formar um pensamento ou
julgamento; eu chego nas partes de um pensamento ao analisar um pensamento” (Frege,
1979, p. 253). Frege aqui se opõe a uma visão extremamente intuitiva de como nós
chegamos em um pensamento: a saber, tomando conta de seus componentes pensáveis
independentemente e reunindo eles de modo a formar um todo coerente. O tipo de
“partes” que estão em questão aqui é somente identificado ao comparar e contrastar a
estrutura lógica da proposição completa e vendo como as respectivas “partes” se
assemelham e diferenciam uma da outra na contribuição que elas fazem em seus todos
respectivos. Aqui está uma das muitas exortações de Frege para o leitor não perder de
vista a primazia do todo proposicional sobre suas partes: “Nós deveríamos sempre
manter diante aos nossos olhos uma proposição completa. Somente em uma proposição
as palavras realmente tem um significado. Pode ser que imagens mentais flutuam diante
de nós todo o tempo, mas essas não precisam corresponder aos elementos lógicos no
julgamento. É suficiente se a proposição tomada como um todo tem um sentindo; é isso
que confere a suas partes seu conteúdo também” (Frege, 1968, p.71). Para determinar o
significado de uma palavra, de acordo com Frege, nós precisamos descobrir que
contribuição ela faz para o sentido da proposição em que ela aparece. Nós precisamos
saber qual o papel lógico que ela exerce em um contexto de julgamento. O que nós
queremos descobrir, portanto, não pode ser visto se olhamos uma mera palavra isolada
ao invés das partes em funcionamento da proposição atuando. Assim, por exemplo, o
mero fato de que as palavras no início da sentença de Kerry pretendem se referir a (algo
chamado) “o conceito cavalo” dificilmente é suficiente, aos olhos de Frege, para
garantir que elas de fato se referem a um conceito com sucesso. Quando Frege insiste
que ele vai se manter ao um uso estritamente lógico da palavra ‘conceito’, ele está
declarando seu interesse em como um certo tipo de parte operante de um julgamento – o
que ele chama de a parte não saturada ou predicativa – contribui para o sentido do
julgamento inteiro.
Não há símbolos para termos como ‘função’, ‘conceito’, e ‘objeto’ no
Begriffsschrift de Frege. Não obstante, esses termos executam um papel ineliminável
em suas explicações de seu simbolismo. Ele acha que uma compreensão desses
símbolos é necessária se pretende-se dominar a notação do simbolismo e entender
adequadamente seu significado. No entanto, ele também insiste que ao que ele deseja
chamar nossa atenção – quando ele emprega, por exemplo, a palavra ‘conceito’ em um
sentindo estritamente lógico – não é algo que pode ser adequadamente definido.
Somente pode ser exibido através de (o que Frege chama de) uma elucidação. Tais
elucidações, por sua vez, exercem somente um papel transicional: uma vez que elas
transmitiram com sucesso as distinções lógicas que formam a base da Begriffsschrift de
Frege, podemos ver que não há como expressar os pensamentos que elas (aparentam
estar tentando) transmitem em uma Begriffsschrift. No entanto, se nós percebemos o
caráter logicamente fundamental das distinções em que a Begriffsschrift de Frege é
baseada, então nós veremos que qualquer coisa que pode ser pensada pode ser expressa
na Begriffsschrift. Ao compreender a distinção entre o que pode e o que não pode ser
expressado em uma Begriffsschrift, nós nos fornecemos uma articulação precisa da
distinção entre o que é (em um sentindo estritamente lógico) um pensamento e o que
não é um. Desse modo, as elucidações de Frege devem executar um papel de uma
escada que subimos e então jogamos fora. Frege poderia ter dito sobre suas próprias
observações elucidatórias, ecoando §6.54 do Tractatus: “Minhas proposições elucidam
desta maneira: quem me entende reconhece minhas proposições não podem ser
expressas em minha Begriffsschrift, após ter escalado através delas – por elas – para
além delas. Deve, por assim dizer, jogar fora a escada após ter usado ela para subir até
minha Begriffsschrift.”
V. Elucidação Fregeana
Deus pode fazer tudo, isso é verdade, mas há algo que ele não pode fazer, e isso é falar
contrassensos.