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TEATRO: criação e construção de conhecimento [online], v.1, n.1, Palmas/TO, jun. 2013/nov.

2013

SOBRE O ATOR NA CENA CONTEMPORÂNEA


jogo, exposição e memória

Sílvia Patrícia Fagundes (UFRGS)

71
O artigo analisa o papel do ator na criação cênica contemporânea, que já não se define pela dimensão
de personagem ou estilo específico, e está inserido em uma ampla perspectiva social, histórica e
cultural que questiona os próprios mecanismos e funções da representação. Conectado a uma
complexa rede de referências que o atravessa e o compõe, o jogo do ator dialoga com conceitos e
práticas da dança, artes visuais, cinema, vídeo, novas tecnologias, ciências, filosofia, articulando
saberes diversos. Para percorrer esse território, o trabalho considera referências teóricas e a
experiência do processo criativo dos espetáculos Clube do Fracasso e O Fantástico Circo-Teatro de um
Homem Só, da Cia Rústica de Teatro (Porto Alegre).

Atuação; processos de ensaio; cena contemporânea.

This paper analyses the actor's role in contemporary theatre, no longer defined by the character or any
specific style, and related to a broader social, historical and cultural perspective that questions the own
mechanisms and functions of representation. Connected to a complex web of references which
composes itself, the actor's work dialogues with concepts and practices from dance, visual arts,
cinema, new technologies, science, philosophy, articulating different areas of knowledge. To travel in
this territory, the paper considers theoretical references and the experience of creative process of the
plays Club of Failure and The Fantastic Circus Theatre of Only One Man, by Cia Rustica de Teatro
(Porto Alegre).

Acting; rehearsal process; contemporary theatre.

A multiplicidade de questionamentos e
propostas que marcou a cena do século XX e
continua em plena ebulição no século XXI, teve
como consequência o desenvolvimento de
teorias e práticas diversas (muitas vezes
divergentes) em relação ao papel do ator na
criação cênica. Em qualquer caso, e ainda
quando se contesta seu protagonismo na
composição teatral, como no conceito de "ator-
marionete" de G. Craig, a atuação é um tema
central no debate sobre as artes performativas,
evocando uma complexa rede de referências que
dialogam entre si. Ao invés de uma linha
cronológica estanque, podemos reconhecer uma
nebulosa de ideias, conceitos e práticas
interconectados por várias rotas.

SOBRE O ATOR NA CENA CONTEMPORÂNEA


Cada elemento desta rede está características do nosso tempo. R. Schechner
conectado a outros elementos, cada criador (1996) considera anacrônico o conceito de
dialoga e processa influências de distintas "avant-garde" em uma época em que tudo já foi
fontes: o que fazemos hoje está ligado a diversas testado e repetido milhares de vezes,
tradições. Os pioneiros da cena contemporânea especialmente nos últimos 50 anos. Segundo o
buscaram referências em práticas antigas, como autor, vivemos intelectual e artisticamente em
a commedia dell'arte, o teatro oriental ou a um período "conservador", deixando claro que
encenação medieval, assim como em formas não se refere a uma posição política de direita, e 72
populares mais recentes, como o cabaré, o sim à necessidade de conservar, reciclar e
vaudeville ou o cinema. Entre os próprios reutilizar os recursos que estão disponíveis em
artistas cênicos se estabeleceram diálogos arquivos de múltiplas experiências anteriores,
fecundos que incentivaram o desenvolvimento arte, textos, ideias, sentimentos: "este
de propostas, técnicas e linguagens múltiplas, conhecimento prévio, armazenado e disponível,
em processos de retroalimentação gerados tanto está sendo usado para prevenir a repetição de
por antagonismo como por afinidade. Em uma certos tipos de eventos e para promover certos
palestra, Meyerhold comentou sobre sua relação tipos de novos eventos" (Schechner, 1996: 354).
com Stanislavski: “Se há entre vocês atores que Além do legado de experiências
acreditam estar me agradando ao falar mal de passadas, ao considerar o desenvolvimento de
Stanislavski, estão enganados. Mesmo não conceitos e técnicas sobre o trabalho do ator,
estando de acordo com ele, o tenho respeitado e não podemos ignorar sua inserção em uma
amado, sempre, profundamente.” 1 (Meyerhold paisagem social e histórica que implica um
2003:134). Sabemos que as propostas formais movimento cultural mais amplo. Na primeira
destes artistas diferiam radicalmente, mas não metade do século XX, as novas ideias sobre
sua perspectiva ética: ambos defendiam a atuação estavam relacionadas a novas
importância do ator e de sua preparação, percepções sobre o homem e a sociedade,
desenvolvendo metodologias que exigiam oriundas de campos diversos, como a
dedicação e comprometimento. A declaração de psicanálise, biologia, física, antropologia,
Meyerhold parece resumir a beleza e sociologia e a própria arte. Assim, perspectivas
fecundidade do diálogo entre visões divergentes. sobre atuação hoje tão difundidas, como
R. Cohen reflete esse caleidoscópio de propostas “presença”, “verdade” ou “energia”, estão
inter-relacionadas ao discorrer sobre as técnicas relacionadas a toda uma rede de conhecimento
de "desenvolvimento psico-físico" e atuação do que muitas vezes transcende a área específica da
performer: cena. Nessa rede, não podemos ignorar, por
exemplo, a influência da filosofia oriental, dos
estudos de gênero ou do pós-estruturalismo
Existe uma incorporação de tudo: técnicas
orientais (tai-chi-chuan, ioga, meditação, francês, além de conceitos e práticas da dança,
lutas etc.), mímica, pantomima, técnicas artes visuais, cinema, vídeo, novas tecnologias.
circenses, guignol, ilusionismo, dança Um aspecto recorrente no polifônico
moderna, uso de eletrônica (vídeo, panorama contemporâneo é a reivindicação do
gravadores, microfones etc.), máscara, teatro ator como criador, não um mero executor das
de sombras etc. [...]. Em termos de técnicas ideias de outro artista, seja ele o dramaturgo ou
de criação e atuação se absorveu um pouco o diretor. Já no inicio do século passado,
de tudo [...]. Nesse sentido, a performance é Meyerhold propunha o conceito de um "teatro
uma releitura contemporânea a partir de
uma mixagem (mixed-midia) das idéias da
da linha reta", que enfatizava a relação entre o
modernidade. (Cohen 2007: 105 y 108). ator e o espectador: “o ator não arrebatará ao
público a não ser que, imbuído das ideias do
autor e do diretor, expresse seu próprio eu
desde a cena” (Meyerhold 2003: 48). O diretor
O "tudo" a que se refere o autor inclui seria responsável pela articulação do conjunto,
também as técnicas desenvolvidas por mas “não impõe a realização exata de sua
Stanislavski, o modelo de teatro-laboratório de concepção" (ibid: 49), deixando espaço para que
Grotowski, o Verfremdungseffekt de Brecht, a o ator abra “sua alma livremente" ao espectador
referência do ritual, a herança dadaísta e (ibid: 48). Grotowski define o teatro como “o que
surrealista, o teatro oriental, happenings, acontece entre o espectador e o ator” (Grotowski
psicodrama, circo, magia etc, ou seja, os 1969: 32), e sua proposta é estruturada em
elementos da rede que esboçamos inicialmente. termos de encontrar um “ator santo”, capaz de
A releitura, o múltiplo e o polissêmico são um ato extremo de “autossacrifício” e exposição.

SÍLVIA PATRÍCIA FAGUNDES


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A maioria dos grandes diretores do celebra as diferenças e incompatibilidades


século XX reconhece a centralidade do ator na inerentes aos processos grupais, aceitando a
cena, investiga seu ofício e celebra seu papel impossibilidade de perfeita harmonia e
criativo, ainda que possamos questionar o compreensão entre as pessoas de uma equipe,
espaço real de criação ocupado pelo ator em reconhecendo o teatro como um lugar onde
propostas em que a articulação geral do discurso diferentes visões, sensibilidades e intenções se
cênico é responsabilidade exclusiva do diretor. chocam.
Nesta perspectiva, a autoria do ator se concentra 73
em seu trabalho individual, não se estendendo
Não há visões claramente singulares,
para a montagem como um todo.
não há uma linha autoral obsessiva de
A performance art propõe uma relação
controle minimalista ‒ improvisação,
distinta, articulando-se como prática em que,
bricolagem, a junção de diversas
com frequência o performer reúne todas as
atividades ‒ obtendo-se um mundo
funções criativas, constituindo-se como o "autor
completamente desordenado ‒ do
da obra". No entanto, R. Cohen pondera que “a
antagonismo de ações, abordagens e
performance não é um teatro de ator, porque
intenções. [...] A colaboração é apenas
[...] o discurso da performance é o discurso da
uma boa maneira de confundir
mise en scène, o que torna o performer uma
intenções? Eu acho que sim, porque
parte e nunca o todo do espetáculo[...] ele poderá
confio em descobertas e acidentes e
ser todo enquanto criador mas não enquanto
desconfio de intenções [...] Colaboração
atuante” (Cohen 2007:102). Assim, Cohen
então não como uma forma de perfeita
considera como "artistas de performance"
compreensão do outro, mas sim uma
Robert Wilson e Richard Foreman, diretores de
visão e audição imprecisas, uma falta
espetáculos que envolvem trabalho em equipe,
deliberada de unidade. E este aspecto do
sem que isso os impeça de concentrar e firmar a
processo colaborativo encontra eco no
“autoria da obra”.
trabalho, pois em cena o que vemos não
As práticas de criação coletiva dos anos
é uma unidade homogênea — mas sim
60/70 buscaram romper com a perspectiva de
uma colisão de fragmentos que não
estabelecer um único autor para a criação
chegam a se pertencer, fragmentos não
artística, através da estratégia de diluir funções e
se veem e se não se ouvem de forma
responsabilidades entre todos os membros de
perfeita. Uma espécie de puro jogo nisso
um grupo. Este procedimento acabou por
também. (Etchell 1999: 55 y 56).
revelar-se pouco eficaz na articulação dos
processos criativos, pela própria indefinição e
tentativa de homogeneidade que propõe. No T. Etchells é membro de Forced
Brasil, dentro da atual difundida perspectiva do Entertainment, um grupo fundado em 1984,
"processo colaborativo", a divisão de funções localizado em Sheffield, cidade do interior da
não é considerada como um fator negativo que Inglaterra, formado por seis artistas2‒ a última
implica uma hierarquia rígida, e sim é percebida alteração na composição do grupo foi em 1989.
como um procedimento mais fértil que a Seu processo de trabalho está estruturado em
indefinição generalizada de responsabilidades. "diálogo, ensaio, improvisação, acidente,
Todos, não apenas o diretor, podem ser discussão e oportunidade, e nasce de uma
responsáveis pela autoria do espetáculo, sem intimidade que não tem nome" (ibid: 58).
que componham um idealizado conjunto Embora Etchells seja responsável pela direção e
homogêneo em que todos desenvolvem as finalização do texto (sempre trabalha com o
mesmas funções. De qualquer forma, a desenvolvimento de dramaturgia própria), a
colaboração efetiva continua a oferecer um concepção e a criação dos espetáculos são
imenso desafio (trabalhar sozinho ou sob o assinados pelo grupo.
controle de uma única direção criadora pode ser Também neste aspecto, Forced
bem mais fácil). Entertainment evidencia um procedimento
Por outro lado, o exercício da importante da cena contemporânea: o uso de
colaboração criativa encontra um espaço experiências vividas como material de
especialmente favorável na cena contemporânea composição da cena, em uma estratégia que
justamente a partir da perspectiva do reconhece e reforça o papel criativo do ator. Não
fragmentado, do heterogêneo e do contraditório se trata da aplicação das experiências pessoais
que marca nossa época. Em vez de lutar por um na composição de personagens fictícios, como
conjunto de unidade homogênea, Tim Etchells propôs Stanislavski, e sim da exposição das

SOBRE O ATOR NA CENA CONTEMPORÂNEA


próprias experiências como elemento criadas explicitamente a partir de episódios
dramatúrgico/cênico e da remoção parcial ou biográficos, são desenvolvidas a partir de ideias,
total do personagem dramático, destacando a sentimentos, discursos e visões dos atores, sem
persona do ator. Brecht já reivindicava a o filtro de um personagem fictício. Em
exposição do ator através do Verfremdungseffekt, consonância com o questionamento dos
mas hoje a cena vai além da exploração da mecanismos de representação característico de
dualidade ator-personagem. Em um movimento nossa época, discute-se a própria ideia de
que também se afasta da proposta de Grotowski interpretação e articulam-se propostas de não 74
de usar o papel como uma ferramenta para atuação.
revelar o ator (defendida no período do Teatro- M. Kirby (1972) propôs uma
Laboratório), a partir dos anos 1960/70 o categorização da atuação a partir da quantidade
personagem dramático é frequente e de simulação, representação, personificação e
deliberadamente retirado do jogo cênico. Elinor ficção que pode haver no trabalho do performer,
Fuchs (1996) anunciou a "morte do em uma linha que vai da não atuação até a
personagem", reconhecível tanto em propostas atuação complexa (deixando claro que não há
construídas a partir de material autobiográfico nenhuma valorização de qualidade entre os
como em montagens que, mesmo não sendo extremos do gráfico).

NOT-ACTING ACTING
Nonmatrixed nonmatrixed received simple complex
performing representation acting acting acting

Living Theatre, referente ao momento que os


A não atuação designa a execução de atores se dirigiam diretamente aos espectadores
ações concretas sem intencionalidade, como dizendo frases como “Não estou autorizado a
fazem, por exemplo, os contra-regras do Kabuki, viajar sem um passaporte”, em uma situação em
que movem os objetos cênicos, auxiliam os que não representavam personagens fictícios,
atores a trocar de figurino, servem chá: estão em reconheciam o espaço real (o teatro), narravam
cena mas não atuam. (Talvez a melhor palavra fatos reais e pareciam sinceros a respeito dos
para traduzir a atuação, neste caso, seja enunciados. Ainda assim, estavam atuando
interpretação, os atuantes aqui não interpretam porque selecionavam e projetavam uma emoção
nada). A representação nonmatrixed refere-se a para o público com intencionalidade: “they were
situações em que o performer executa ações não acting their own emotions and beliefs” (ibid: 103).
intencionais, mas elementos externos dão A atuação se torna complexa quando mais
sentido a sua presença ou atividade, como uma elementos são implicados na projeção de
peça de roupa. (Por exemplo: um homem vestido intenções: emoção, características de
de preto sentado no palco, a percepção é personagem, construção de espaço dramático,
alterada se o mesmo homem na mesma posição gestos significativos etc. Segundo o autor, a
usar um turbante). Quando as referências atuação complexa, assim como qualquer outro
aplicadas à ação do performer se tornam mais elemento do gráfico, não está vinculada a
numerosas e complexas, chegamos à atuação nenhum estilo cênico específico, de modo que as
recebida, quando não há intenção por parte do propostas de atuação de Stanislavski e
ator de comunicar algo específico nem a Grotowski podem encontrar-se na mesma
projeção ativa de qualquer emoção. (O homem categoria.
com turbante senta-se, enquanto três homens
com uniformes de soldado permanecem em pé Entretanto a análise da atuação de acordo
atrás dele). A projeção de emoção é, para M. com os conceitos de simples/complexo não
Kirby, um dos fatores mais importantes para necessariamente distingue um estilo do
distinguir a atuação da não-atuação, pois um outro, embora pudesse ser usada para
ator pode estar em uma situação não comparar estilos de atuação. Cada estilo tem
representacional em muitos aspectos, mas ainda uma certa abrangência quando medido em
assim estará atuando se projetar emoções ou uma escala de simples/complexo, e na
ideias com intenções prévias. O autor propõe um maioria das performances o grau de
exemplo a partir do espetáculo Paradise Now, do complexidade varia de momento para
momento. Seria impossível dizer que o estilo

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realista de atuação é necessariamente mais ator representando a si mesmo). Ainda assim


complexo que o estilo "Grotowski" haverá o desdobramento. Segundo, porque
expressionista. O realismo, na sua forma sempre que estamos atuando (e isso é
mais detalhada e completa, certamente seria extensível para todas as situações da vida)
considerado relativamente complexo. No existe um lado nosso que “fala” e outro que
entanto, existem muitas abordagens para o observa. (Cohen 2007: 96).
realismo; algumas — as quais são usadas em
muitos filmes — exigem muito pouco do ator
e seriam consideradas relativamente A reflexão prática sobre as dinâmicas de 75
simples. Os atores de cinema fazem muito relação ator-personagem, considerando a
pouco, enquanto a câmera e o contexto variação entre os extremos da escala de Kirby e
físico/ informativo “agem” por ele e para ele. Cohen, assim como o uso de material biográfico
Um estilo não-realista, entretanto, tal como o na composição cênica, marcou o processo de
desenvolvido por Grotowski, pode ser duas montagens desenvolvidas pela Cia Rústica
extremamente complexo. (Kirby, 1972: 107). de Teatro3, nas quais atuei como encenadora:
Clube do Fracasso, estreada em outubro de 2010,
M. Kirby sugere que o mais comum é e O Fantástico Circo-Teatro de Um Homem Só,
que uma montagem oscile entre os extremos da estreada exatamente um ano depois, ambas em
escala. Mesmo usando terminologia diferente, R. Porto Alegre, RS. Ainda que os dois espetáculos
Cohen (2007) propõe um esquema que aborda desenvolvam linguagens cênicas diversas,
uma temática similar ao analisar a relação partem da memória como impulso criativo e são
ator/personagem, expressando-a em uma atravessados por elementos autobiográficos da
variável P, na qual se equipe envolvida. No primeiro, não há a
P = 0, temos apenas o ator, elaboração de personagens fictícios, os atores
P = 1, temos apenas o personagem. usam seus próprios nomes em uma estrutura
O autor enfatiza que casos extremos de dramatúrgica fragmentada, dividida em vários
0 e 1 são uma idealização teórica, o que jogos, que não desenvolvem uma narrativa
prevalece são todas as situações intermediárias progressiva. O segundo é um solo em que o ator
entre os dois extremos, correspondendo a um conduz a narrativa a partir de alguns episódios
conceito de interpretação x atuação. É possível de sua vida, atravessada pela representação de
que a diferença de terminologia entre os dois personagens-tipo em momentos pontuais. Em
autores se deva principalmente a uma questão ambos os casos, os atores encontraram um
de idioma: em inglês o termo "interpretar" não é grande desafio em "ser si mesmo" em cena, sem
usado em referência ao trabalho do ator, a articulação de um personagem. É claro que
enquanto em português sim (ainda que no Brasil necessitamos ponderar que a própria expressão
o termo pareça tender ao desuso, várias escolas "ser si mesmo" é bastante questionável, dado
mudaram o nome de aulas de "interpretação" que é muito difícil definir o que sejamos nós
para "atuação", por exemplo). A escala 0-1 de R. mesmos, tanto na vida real como na arte.
Cohen e o conceito de "no-acting" de M. Kirby Representamos diversos papéis contínua e
correspondem a um nível muito baixo ou nulo de diariamente. Na cena, há a exigência de um estar
representação de um personagem. extra-cotidiano, que poderíamos chamar de
Por outro lado, não podemos deixar de estado performativo, bastante específico e
reconhecer diferenças importantes entre as exigente, ainda que não envolva a representação
propostas dos dois autores, já que R. Cohen não de um personagem.
considera a projeção de emoção como um fator O ponto de partida para Clube do
que distancia a atuação da escala 0, enquanto M. Fracasso consistiu na temática que o próprio
Kirby sim: "not-acting" implica na execução de título indica, direcionando o olhar ao erro e à
ações sem intenção ou emoção. A escala de R. fragilidade humana, na tentativa de inverter a
Cohen é dividida em "ser ele mesmo" (o ator) ou lógica de discursos de sucesso e superioridade. A
representar um personagem, ainda que insista dramaturgia foi composta em sala de ensaio, a
que um ator jamais possa estar “apenas partir de perguntas e provocações que poderiam
atuando”. ser respondidas de forma escrita, performativa,
visual: o primeiro grande fracasso da vida, lista
dos 10 maiores atos ridículos cometidos,
Primeiro, porque não existe o estado de
espontaneidade absoluta; à medida que
desastres amorosos, desejos de sucesso, o que
existe o pensamento prévio, já existe uma mais teme, vivências específicas etc. Através
formalização e uma representação. Mesmo desses dispositivos, os atores 4 e a direção
que a personagem seja autorreferente (o compartilhavam as próprias experiências,

SOBRE O ATOR NA CENA CONTEMPORÂNEA


atualizando o vivido. Relembrar episódios de como atores e aqui deve haver esta
"fracasso" consistiu sem dúvida um desafio, que transformação. Somente colocamos o que
nos levou a zonas dolorosas e encontros com Ron traz para um texto e formalizamos isso:
resistências. Por outro lado, as histórias, isso que definitivamente vem de Ron como o
conhecemos, como ele se apresenta ao
lembranças, sensações a princípio individuais se mundo e depois, claro, quando você
ofereciam como matéria bruta comum, formaliza isso se torna público em uma
resignificando experiências através da troca com performance, e faz com que seu nível suba.
o outro. O material que cada um disponibilizava Isso não é dizer que Ron está apenas sendo 76
poderia ser fragmentado, deslocado, ele mesmo, mas você está tomando as
reapropriado, transformando-se em um novo qualidades que ele tem e você está de certo
tecido tramado coletivamente. Além das modo elevando-as e colocando-as nesta
experiências pessoais da equipe, os fios dessa estrutura. (Dafoe en Auslander 1997: 41).
trama incorporaram referências de muitas
outras fontes, como livros, filmes, internet, Dafoe define uma situação performativa
pessoas entrevistadas nas ruas (o espetáculo em que o ator não é "ele mesmo" e tampouco
inclui vídeos dessas entrevistas). A montagem se "outro”, o que, segundo P. Auslander, relaciona-
fez como um mosaico de percepções, relatos, se, de certa forma e dadas as proporções, aos
sensações, memórias transformadas, reflexões e personagens-tipo do Renascimento italiano ou
questionamentos sobre o tema do fracasso, ao cinema moderno, em um sistema circular em
articulando conceitos com a matéria bruta da que "a pessoa performativa de Dafoe é tanto sua
vida e do cotidiano, transmutando experiências apresentação de si mesmo para o público como
individuais em experiência compartilhada. sua imagem de si mesmo atuando" (Auslander
Na composição final, não houve uma 1997: 45).
preocupação com a "verdade" dos fatos em Em O Fantástico Circo-Teatro de um
correspondência à biografia dos atores, ainda Homem Só, trabalhamos igualmente com a
que a maior parte dos relatos fosse composição de personas, ainda que a linguagem
correspondente. E mesmo com a ausência de cênica e o processo desenvolvidos tenham sido
personagens ficcionais, podemos considerar que distintos de Clube do Fracasso. O ponto de
inclusive nessa cena em primeira pessoa há partida para a montagem, que começou a ser
personagens ou personas, pois a composição pensado em 2008, foi o desejo do ator Heinz
artística em determinado tempo-espaço supõe Limaverde de montar um solo que reunisse
escolhas do que queremos mostrar, ou seja, diferentes personagens, afetos e aspectos de sua
editamos, selecionamos, compomos uma figura, relação com a cena. Entre várias ideias e
uma persona específica, a partir de nós mesmos. possibilidades discutidas ao longo dos anos
Outras personas-personagem seriam possíveis, (enquanto escrevíamos fragmentos de
somos vários. dramaturgia e projetos solicitando
Ao considerar o trabalho do Wooster financiamento), escolhemos como embrião
Group, P. Auslander (1997) indica como dramatúrgico e cênico um texto de quase duas
fundamental o conjunto de "performance páginas escrito pelo ator, que esboçava um início
personas" desenvolvido por seus membros, que de biografia pautado por suas primeiras
aparecem em diversos espetáculos e refletem a experiências com a arte. O circo aparecia nesse
personalidade e as relações entre os atores. relato e acabou tornando-se o vetor aglutinador
Essas "personas" correspondem a uma zona da diversidade de referências que o projeto
ambígua em algum lugar entre a não-atuação e a evocava, abrigando tanto a autobiografia como a
atuação complexa, emergem da ação concreta de representação de personagens-tipo fictícios
cada montagem e também da personalidade dos (uma velha que se transforma em vedete, a
atores em confronto com o próprio ato de atuar. mulher barbada, palhaços, fragmentos de figuras
O autor entrevista o ator William Dafoe sobre o — com frequência, tais tipos eram compostos a
processo criativo do grupo e mais partir de traços ampliados da própria
especificamente do espetáculo LSD (... Just the personalidade do ator, como o palhaço Azia ou o
High Points ...), apresentado durante 1984 e Nordestino).
1985: Além de constituir uma experiência
importante na vida do menino que vivia no
Quando fazemos uma peça de teatro, de interior do Ceará, o circo integra um imaginário
certa forma acomodamos os aspectos em que coletivo especialmente potente, alimentado não
os performers são bons ou a forma como só pelo próprio, como pelo cinema, televisão,
atuam. Eles têm funções, portanto, não é brinquedos, músicas etc. A memória pessoal do
como se nós tratássemos uns aos outros

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ator disponibilizava assim um fértil canal de o relato do ator se oferece a esse exercício, e a
conexão para tornar-se memória comum, sem evocação de suas memórias passa a ser uma
abdicar de sua singularidade. Durante o matéria comum de reinvenção. Da mesma forma,
processo, a experiência de Heinz no interior do os espectadores projetam uma espécie de
nordeste de alguma forma se comunicou com a personagem protagonista no ator, que seria "ele
minha (e com a de toda equipe5) na capital do mesmo".
estado mais ao sul do Brasil, e nos tornamos Tais questões recorrentes na cena
cúmplices no picadeiro que inventamos, contemporânea — ator X personagem, verdade 77
tramando uma dramaturgia em que os X representação, ficção X realidade —
fragmentos trazidos por cada um se confundem correspondem a vetores fundamentais do
e dialogam. pensamento de nossa própria época, que
Talvez seja justamente através da questiona os processos de construção de
singularidade, da experiência vivida na carne ou identidade, os mecanismos de representação, o
da memória enquanto corpo, que se estabeleça a papel e a importância da memória na
condição para uma zona compartilhada de constituição humana e social. Neste contexto,
experiência. Percebemo-nos no outro através de não podemos deixar de reconhecer distâncias
sua particularidade, de sua presença sensível, de entre o "eu" e a performance de si mesmo.
seu testemunho marcado na pele — não através
da precisão dos fatos, mas da experiência vital A identidade autoperformativa está sob
que lembramos por vias tortas e incompletas, constante desafio da memória seletiva e de
que nos faz. uma oscilação entre a autoespelhamento,
Tivemos a oportunidade de apresentar autoquestionamento e autoinvenção e
existem distinções entre os termos
ambas as montagens para os mais diversos tipos "identidade”, 'pessoa', 'eu' e "autobiografia".
de público, em diferentes cidades e contextos. [...]. Performances autobiográficas são, afinal,
Com certa frequência, há uma curiosidade em ficções autorizadas. Tudo o que podemos
saber o que é "verdade", uma questão complexa saber como autêntico é o aqui e agora.
de responder. Pois tudo é verdade e mentira (Freeman 2007: 95 e 96).
simultaneamente. No caso de Clube do Fracasso,
as histórias partem da vida real, mas não
Se reconhecermos que a "identidade" é
correspondem necessariamente a quem as
uma construção, se "atuamos" na vida cotidiana,
conta, e foram editadas, misturadas,
a cena baseada na experiência vivida não fornece
transformadas. No caso de O Fantástico Circo-
exatamente a "realidade" de si mesmo — há
Teatro de um Homem Só, os personagens trazem
inevitavelmente uma mistura entre realidade e
histórias inventadas, e mesmo que os relatos do
ficção no processo de formatar experiências: a
ator pertençam a sua biografia real, também
memória em si funciona como um filtro na
passaram por um processo de edição e
recriação de sensações, fatos e ideias. A ficção
composição, reinvenção. No picadeiro da
está contida na realidade, e a realidade na ficção.
memória, realidade e imaginação se confundem.
Se assumimos que a identidade não é fixa,
De qualquer forma, o público ativa
imutável e sólida, se temos muitos "eus", então
processos de reconhecimento com os
escolhemos alguns para levar para a cena. A
testemunhos e relatos oferecidos a partir de suas
persona do ator também é personagem.
próprias experiências. Ao presenciar
É importante ponderar que a exposição
testemunhos de fracassos em primeira pessoa na
ou projeção da persona do ator não implica a
cena, aciona-se o dispositivo relacional que
exclusão da técnica na atuação: estar no palco
resgata as vivências de quem assiste, atualizando
não é uma situação cotidiana ou "natural", é
o vivido — e o que mais importa assim não é o
necessário habilidade para ser "real" e
episódio relatado, e sim o processo presente de
verossímil em cena. A preparação do ator
reatualização, nesse espaço virtual entre o palco
permanece uma questão crucial de nosso tempo.
e a plateia onde se dá o teatro.
O conceito surgiu no início do século XX e se
Ao presenciar o relato fragmentado de
desenvolveu em diferentes metodologias,
uma possível biografia de um homem em cena, o
frequentemente vinculadas a uma estética
público preenche as lacunas, recriando uma
específica, a uma jornada particular. Ainda que
história de vida — mesmo que essa história não
não exista uma metodologia universal, podemos
seja efetivamente contada, apenas lembranças
reconhecer na diversidade de propostas uma
esparsas balizam diferentes números com
ética comum que enfatiza a importância do ator
inspiração mais ou menos circense. Tentamos
e implica dedicação, desenvolvimento e
organizar o vivido, dando sentido à experiência:
compromisso. Da mesma forma, na maioria das

SOBRE O ATOR NA CENA CONTEMPORÂNEA


diferentes técnicas e concepções, o corpo se Cieslak. Embora a sua presença
apresenta como protagonista. especialmente forte e intensa destaque a
A centralidade do corpo na cena dissolução da oposição entre corpo e
contemporânea se afirma intensa e mente/consciência, a dissolução é
verdadeira para todos os performers com
extensamente, em propostas que vão desde presença. (Fischer-Lichte 2008: 98-99).
Meyerhold a grupos como o inglês DV8, cujo
trabalho é designado como "teatro físico" (termo
discutível, uma vez que podemos considerar que O corpo gera presença através da 78
o teatro é, por natureza, físico). A exposição da emissão de energia, que alimenta o ciclo de
pessoa do ator evidencia seu corpo, que se feedback autopoiético com o espectador e supera
afirma no real, constrói-se como experiência e a divisão corpo-mente. Nesta perspectiva,
percepção, um corpo que é memória e história. rejeita-se a busca direta da emoção e construção
Tudo começa e termina no corpo, não apenas na psicológica racionalizada, um movimento
cena como na sociedade, "o corpo, os corpos de característico tanto de propostas experimentais
todos e cada um de nós, são os preciosos como de práticas mais tradicionais. Atacando os
enclaves onde acontecem complexas transações pilares do "método" desenvolvido por Lee
de poder. Meu corpo = corpo da multidão" Strasberg nos EUA, D. Mamet, por exemplo,
(Preciado 2008: 93). Reivindica-se o corpo como defende a atuação como algo concreto e físico:
um sistema integrado, unidade entre corpo e
mente — as pessoas que têm amputações ainda A tentativa de manipular os sentimentos dos
"sentem" o membro ausente, o corpo imagina e outros é chantagem. É desagradável e cria
se imagina como um todo: "Corpo sou eu ódio e hipocrisia. Se perguntarmos a um
integralmente, e nenhuma outra coisa; e alma é trabalhador honesto ou a um artesão “o que
apenas uma palavra para designar algo no você quer que sinta seu cliente quando
corpo" (Nietzsche 2007: 64). O. Cornago receber seu trabalho”, seguramente ficará
evidência a correspondência entre o corpo e a mudo. Ele não trabalha para criar uma
ética na cena contemporânea: "o corpo não é emoção no destinatário, mas sim no objeto
[...]. Para o artesão do teatro, trabalhar para
apenas objeto de criação, matéria artística e
manipular as emoções dos outros é um erro
objeto sacrificial, [...] mas um espaço em que o abusivo e inútil. No teatro, e fora dele, nos
biológico, o social, o natural e o político se incomodam aqueles que sorriem muito
manifestam ao entrar em conflito" (Cornago efusivamente, que atuam muito
2008:81). amavelmente, ou demasiadamente tristes, ou
E. Fischer-Lichte (2008) identifica a demasiadamente felizes, que de fato narram
"fisicalidade" como um dos fatores que seu suposto estado emocional. [...] Atuar é
determinam a materialidade da cena, que é uma arte física; está muito próxima do
gerada e percebida por dois fenômenos em estudo da dança e do canto. (Mamet 1999:
73-76).
especial: processos de "incorporação" e
presença. O conceito de "incorporação" que a
autora apresenta não se refere de modo algum à Neste contexto, a abordagem do aspecto
"incorporação" de um personagem dramático, e lúdico da atuação é um fenômeno especialmente
sim confronta a dicotomia corpo x mente, significativo. Desde o início do século XX, o jogo
enfatizando que o ator se manifesta como corpo, foi reconhecido como um elemento básico da
in corpo. O corpo é ação, unidade, sentido e natureza humana, necessário para o
presença. desenvolvimento social e essencial para a
criatividade artística. Antropólogos,
Na minha opinião, a presença representa um
psicanalistas, dadaístas e outros artistas
fenômeno que não pode ser compreendida celebraram a importância do jogo, destacando a
por uma dicotomia como corpo versus espontaneidade, sinceridade e criatividade das
mente ou consciência. Na verdade, a brincadeiras infantis 6 . Hoje, é comum que
presença erradica tal dicotomia. Quando o programas pedagógicos de teatro incluam jogos
ator traz seu corpo com energia e, portanto, e improvisações na sua formação; o ator deve
gera presença, ele se apresenta como mente "saber jogar". A própria criação é, muitas vezes,
incorporada. O ator exemplifica que corpo e entendida como um jogo, mais alegre ou mais
mente não podem estar separados um do
obscuro, mas ainda assim um jogo, que envolve
outro. Cada um é sempre implícito no outro.
Isto não se aplica apenas aos atores e
risco e abertura para o inesperado: "O jogo como
bailarinos orientais que Eugenio Barba um estado onde o sentido é fluxo, onde as
testemunhou, ou ao ator "santo" Ryszard possibilidades irrompem, onde as versões se

SÍLVIA PATRÍCIA FAGUNDES


TEATRO: criação e construção de conhecimento [online], v.1, n.1, Palmas/TO, jun. 2013/nov. 2013

multiplicam e os limites do real são apagados, teatro uma arte viva. O espaço de criação do ator
distorcidos, quebrados. Jogo como não se resume à representação de um papel ou
transformação ilimitada, transformação sem fim ações individuais, porque o teatro é uma ação
e nunca imóvel" (Etchells 1999:53). Jogo como compartilhada que se faz a partir do outro. O
transformação, exploração, pluralidade. Jogo ator-criador é também responsável pelo todo da
como sinônimo de cumplicidade para encontrar cena e de seus processos, o que é por sua vez
o outro: escuta e atenção. Jogar é estar inteiro no oportunidade e imenso desafio. A colaboração
aqui e agora, presente e em relação: não há cena efetiva demanda comprometimento e entrega, o 79
sem jogo. O ator deve "buscar o jogo" com seus exercício criativo implica a articulação de um
pares, com seu corpo, com o espaço, com discurso estÉtico que vai além da expressão
objetos, com o público, com as palavras e as individual. As questões relativas à atuação que
coisas. O jogo leva a(à) "construção de um cara a atravessam a cena contemporânea, como jogo,
cara com o outro, uma viagem para o exposição pessoal, presença, não-representação,
desconhecido de si mesmo, símbolo do social, memória, autobiografia e autoria compartilhada,
que se transforma no processo da atuação" comportam questionamentos filosóficos e
(Cornago 2007: 73). Ação e reação, fluxo, estar políticos que conectam ética e estética de forma
acordado, vivo, sensível. O ator é um jogador. indissociável. Todo procedimento e poética
O jogo evoca sinceridade: não se pode artística nascem de um conjunto de opções que
fingir que está jogando, você joga ou não joga, e implica uma relação particular com o mundo e
isso é sempre evidente. A sinceridade está ligada com o outro: opções éticas. O teatro, como
à "verdade", e novamente chegamos aos experiência que acontece entre pessoas, tanto no
redemoinhos que relacionam realidade-ficção, momento de ensaios quanto de apresentações,
verdade-mentira, arte e vida. De múltiplas articula microterritórios sociais, onde outras
formas, o trabalho do ator está conectado à realidades são possíveis. No contexto da arte
busca do verdadeiro (ou do que pelo menos contemporânea, no qual o aspecto relacional é
pareça verdadeiro). Ainda que o próprio especialmente valorizado, o teatro revela-se
conceito do que é verdadeiro em cena e as como um território fecundo, em que núcleos e
propostas estéticas divirjam, a ânsia ética está lá: coletivos de trabalho operam como zonas
temos fome de verdade. autônomas, atravessadas por questionamentos,
dificuldades, desafios, impermanências e
transformações, experimentando a criação como
Seja a verdade aparente da imagem
representada, a verdade visceral do corpo exercício poético e político. Essa é a busca da Cia
que sangra ou o olhar que encontra o nosso, Rústica e de tantos outros agrupamentos
para o bem ou para o mal, é a verdade que espalhados pelo mundo. Na perspectiva que
desejamos, na performance não menos do desenvolvemos ao longo desse texto,
que na política, na vida não menos do que na consideramos o ator como um artista relacional,
lei e na arte não menos do que no amor. que propõe relações com o outro e com o
(Freeman 2007:89). mundo, compondo a partir do jogo, do corpo, da
exposição, da memória e do vasto arquivo de
O corpo e a exposição da persona do práticas e experiências anteriores e atuais
ator, em toda vulnerabilidade e idiossincrasia, a disponível a todos os artistas, na rede polifônica
presença e a energia, o jogo e o encontro com o que alimenta a cena contemporânea.
outro é a atuação no aqui e agora que faz do

REFERÊNCIAS

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Routledge.

COHEN, R. (1989). Performance como Linguagem. São Paulo: Perspectiva, 2007.

_________ (1998). Work in Progress na Cena Contemporânea. São Paulo: Perspectiva, 2006.
CORNAGO, O. (2008). Éticas del Cuerpo. Madrid: Fundamentos.

SOBRE O ATOR NA CENA CONTEMPORÂNEA


ETCHELLS, T. (1999). Certain Fragments. Contemporary Performance and Forced Entertainment. London:
Routledge.

FISCHER-LICHTE, E. (2008) The Transformative Power of Performance. London and New York: Routledge.

FREEMAN J. (2007). New Performance/New Writing. New York: Palgrave Macmillan.


80
FUCHS, E. (1996). The Death of Character. Perspectives on Theatre After Modernism. Bloomington and
Indianapolis: Indiana University Press.

KIRBY, M. “On Acting and Not-Acting” (1972) en BATTCOCK, Gregory y NICKAS, Robert. The Art of
Performance. A Critical Anthology. New York: Dutton, 1984, pp. 99-117.

MAMET, D. (1999). Verdadero y Falso. Herejía y sentido común para el actor. Barcelona: Ediciones del
Bronce.

MEYERHOLD, V. E. (2003).Teoría Teatral. Madrid: Fundamentos.

PRECIADO, B. (2008). Testo Yonqui. Madrid: Espasa Calpe.

SCHECHNER, R. (2006). Performance Studies: an Introduction. Second Edition. London and New York:
Routledge, - “The Five Avant Gardes or … or none?” en HUXLEY, Michael e WITTS, Noel (Ed.). The
Twentieth Century Performance Reader. London: Routledge, 1996, pp. 342-356.

1 Todas as traduções são da autora.

2 Robin Arthur, 
Richard Lowdon, Designer, Claire Marshall, Cathy Naden, Terry O'Connor e o citado Tim Etchells 


3 Para mais informações, ver www.ciarustica.com

4Elenco: Francisco de los Santos, Heinz Limaverde, Lisandro Bellotto, Marina Mendo e Priscilla Colombi. Trilha Sonora
de Simone Rasslan, cenografia de Álvaro Vilaverde.

5Trilha Sonora de Simone Rasslan, cenografia de Juliano Rossi e Paloma Hernandez, figurinos de Daniel Lion,
produção executiva de Rochele Beatriz e Priscilla Colombi.

6Uma referência pioneira e fundamental nesse campo é a obra de Johan Huizinga, Homo Ludens, publicada pela
primeira vez em 1938. Outra referência básica é a obra de Roger Caillois Os Jogos e os Homens, publicada em 1958.

SÍLVIA PATRÍCIA FAGUNDES

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