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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS

BRENDA SILVA CARDOSO

ANÁLISE DAOBRA “SENHORA” DE JOSÉ DE ALENCAR

GOIÁS
2015
BRENDA SILVA CARDOSO

ANÁLISE DA OBRA “SENHORA” DE JOSÉ DE ALENCAR

Trabalho apresentado á disciplina Teoria da Literatura do


Curso de letras da UEG de Goiás, sob orientação do professor
Sanderson Mendanha Peixoto.

Goiás
2015
Este é um trabalho de análise da obra “Senhora” de José de Alencar tendo em vista os
conceitos de mímese, verossimilhança e significado do texto literário apresentado por
Aguiar (1979) e Pereira (2008).

Brenda Silva Cardoso


Introdução

“Senhora” foi publicado em 1875. Na obra Alencar descreve uma sociedade que lhe é
contemporânea, na segunda metade do século XIX, reflete a decadência dos valores de
uma sociedade corrompida pelo dinheiro, uma crítica social que caracteriza a obra
atemporal. O enredo traz características românticas, como se pode notar pelo núcleo
simples, esquematizado pelos dramas de amor do romantismo, no entanto se caracteriza
como um romance urbano relatando as complicações sentimentais, sociais e financeiras
comuns á maioria das pessoas, não deixando de criticar os costumes da sociedade,
sendo assim traz-nos nuances do realismo.
Alencar faz uma inversão de papéis enaltecendo Aurélia, uma menina de dezenove anos
que é dona de uma personalidade marcante, destaca-se da maioria das meninas por sua
inteligência e altivez, faz muito uso do jogo das palavras com muito sarcasmo no
decorrer da trama.O autor traça um perfil psicológico da personagem feminina que se
convencionou a chamar de seus “perfis de mulher”. Já Fernando se encontra em uma
situação “humilhante” para um homem pois dentro de uma sociedade machista e
antropológica ele se vê rendido aos caprichos da moça que faz uso do seu poder sempre
que pode para mostrar-lhe que é um homem vendido.
O narrador faz com que nós, leitores, fiquemos a par de todos os acontecimentos antes
mesmos dos personagens o que permite um julgamento prévio e talvez justo com ambas
as partes. Os personagens por sua vez só descobrem os motivos e razões do
comportamento do outro na hora da ação. Ele também marca um diferencial em seu
romance, pois começa com o meio da história, quando fala da ascendência de Aurélia na
corte até a proposta por ela feita a Fernando, depois volta ao início narrando a vida
difícil de Aurélia até a herança recebida do avô que a torna rica e por último o fim da
história.

Autor
José Martiniano de Alencar nasceu do dia 1 de Maio de 1829 na cidade de Mecejana,
Ceará. Quando adulto, se tornaria conhecido em todo o Brasil como José de Alencar,
considerado um dos maiores escritores do Romantismo.Se matriculou na faculdade de
direito em 1846. Tinha aos 17 anos incompletos ostentava a cerrada barba que nunca
mais rasparia.O jovem cearense jamais se adaptaria ás rodas boêmias tão assiduamente
freqüentadas por outro companheiro que também ficaria conhecido: Alvares de
Azevedo. Aos dezoito anos Alencar já esboçava seu primeiro romance – Os
contrabandistas.

Enredo
Senhora é um romance que se divide em quatro partes não obedecendo uma ordem
cronológica. A primeira (O Preço) nos relata o momento da vida de Aurélia no qual ela
se encontra já rica e dona de suas próprias vontades. Alencar descreve a personagem
como “...a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade.”(S.p.17).
Aurélia impressionava a todos com sua beleza e graciosidade, sempre acompanhada por
D. Firmina Mascarenhas, parente distante de Aurélia que lhe serve como mãe de
encomenda para condescender ás exigências da sociedade. Vivia cercada de bajuladores
e pretendentes no entanto a moça acreditava que a pretendiam somente pela sua riqueza,
Aurélia reagia a essa afronta dando-lhes o merecimento relativo a cada um. Atribuía aos
rapazes valores monetários que possivelmente obteriam no mercado matrimonial,

“-É um moço muito distinto, respondeu Aurélia sorrindo; vale bem como noivo cem contos de réis; mas
eu tenho dinheiro para pagar um marido de maior preço, Lísia; não me contento com esse.” (S.p.19)

Vivendo uma infância pobre, a moça não valorizava tanto sua riqueza ao contrário ás
vezes mostra certo desprezo, principalmente pela sociedade machista na qual vivia que
quando pobre a excluía e agora na opulência a exaltava.
“Esquece que desses dezenove anos, dezoito os vivi na extrema
pobreza e um no seio da riqueza para onde fui transportada de repente.
Tenho as duas grandes lições do mundo: a da miséria e a da opulência.
Conheci outrora o dinheiro como um tirano; hoje o conheço como um
cativo submisso. Por conseguinte devo ser mais velha que o senhor
que nunca foi nem tão pobre, como eu fui, nem tão rico, como eu
sou.” (S.p.30)

Aurélia teve pelas dificuldades propostas pela vida um amadurecimento precoce, frieza
e racionalidade ao tratar de seus assuntos pessoais.
“Era uma expressão fria, pausada inflexível, que jaspeava sua beleza,
dando-lhe quase a gelidez da estátua. Mas no lampejo de seus grandes
olhos pardos brilhavam as irradiações da inteligência. Operava-se nela
uma revolução. O princípio vital da mulher abandonava seu foco
natural, o coração, para concentrar-se no cérebro, onde residem as
faculdades especulativas do homem.” (S.p.28,29)
Aurélia faz uso de seu dinheiro para chegar ao objetivo almejado casar-se com
Fernando Seixas o homem a quem a moça depositou seus sentimentos e que a
abandonou por um dote de trinta contos de réis dois anos atrás, contando com o auxílio
de seu tutor e tio Sr. Lemos. Na época, metade do século XIX-Segundo Reinado, vigora
o regime de casamento dotal, no qual o pai da noiva, no caso de Aurélia ela mesma,
deveria dar um dote ao futuro marido. Sr. Lemos com um pouco de resistência atende
ao pedido da moça e vai a encontro de Seixas que lhe é proposto um casamento ás
escuras por cem contos de réis. Fernando desfaz seu compromisso com Adelaide
Amaral e aceita se casar com Aurélia porém desconhece esse fato.
Fernando filho de um empregado público e órfão aos dezoito anos, foi obrigado a
abandonar os estudos, pois sua mãe se viu impossibilitada de bancar as regalias que seu
filho dispunha. Um moço muito bem composto e elegante, vivia uma dupla existência.

“Homem de família no interior da casa, partilhando com a mãe e as irmãs a pobreza herdada, tinha na
sociedade, onde aparecia sobre si, a representação de um moço rico.” (S.p.41).

Alencar mostra seu descontentamento na moral dos homens que se moldam aos sabores
das circunstâncias em relação ao dinheiro e deixa isso claro na personalidade de
Fernando que era um homem honesto mais que se transfigurava aos reclamos da
ambição.

“Era incapaz de apropriar-se do alheio, ou de praticar um abuso de confiança; mas professava a moral
fácil e cômoda, tão cultivada atualmente em nossa sociedade.” (S.p.55)

Segundo a Professora Dr. Danielle Pereira a mimese é um termo aristotélico que


significa imitação. O poeta faz uma desrealização para poder recriá-la utopicamente.
Com isso desmascara a realidade que se encontra alienada. A mimese é a capacidade
que faz o mundo aparecer no texto, o autor fala das coisas não como são, mas como
poderiam ser. (Pereira,2008 p.8)
A mimese retrata a realidade da personalidade dos seres humanos, no caso de Seixas a
define como uma moral fácil e honestidade flexível, exemplificando esse conceito que é
comum á nossa sociedade atual, ou seja, uma imitação da realidade.

O Sr. Lemos marca com Seixas o dia em que finalmente irá conhecer a noiva, o
encontro se dá na casa de Aurélia, quando Fernando a vê de início sente-se humilhado,
depois de um tempo recobra a calma e sente uma satisfação íntima, e não deixou presas
ás amargas preocupações que pouco antes o dominavam. A partir daí Seixas se encontra
com Aurélia todas as noites em sua casa ou na sociedade.
Então chega o dia do tão esperado casamento, uma cerimônia simples realizada na casa
das laranjeiras, com convidados seletos. Na câmara nupcial Fernando espera consumar
o seu casamento num ato de amor, no entanto Aurélia revela sua verdadeira intenção.

“Representamos uma comédia, na qual ambos desempenhamos o


nosso papel com perícia consumada. Podemos ter este orgulho, que os
melhores atores não nos excederiam. Mas é tempo de pôr termo a esta
cruel mistificação, com que nos estamos escarnecendo mutuamente,
senhor. Entremos na realidade por mais triste que ela seja; e resigne-se
cada um ao que é, eu, uma mulher traída; o senhor, um homem
vendido.” (S.p.75)

Na segunda parte do romance (Quitação) o leitor toma conhecimento das dificuldades


vividas por Aurélia e sua família, o falecimento de seu pai Pedro de Sousa Camargo e
seu irmão Emílio. A perda das duas figuras masculinas na família deu-se uma certa
invulnerabilidade a mãe e filha. D. Emília insistia com Aurélia para ir até a janela,
destacando uns dos costumes da época aparecer e brilhar diante da alta sociedade
quando em idade de casar.
“Redobraram pois as insistências da pobre viúva; e Aurélia ainda
coberta do luto pesado que trazia pelo irmão condescendeu com a
vontade da mãe, pondo-se á janela todas as tardes.” (S.p.84).

Essa exposição de sua beleza era para a ingênua menina uma cruel humilhação porém
submeteu-se a tal martírio para a felicidade de sua mãe que queria vê-la amparada na
sua falta, pois se encontrava muito doente.
Na janela Aurélia conheceu Sr. Lemos, seu tio, que se aproximou da moça de um modo
faceiro, a moça temendo uma aproximação com a sua família conversava todas as tarde
com seu tio. Uma tarde o homem entrega a moça uma carta de capa floreada com um
sentido figurado.
“O velho acreditou que a sobrinha, com tantas infelizes arrebatadas
pelo turbilhão, estava á espera do primeiro desabusado, que tivesse a
coragem de arrancá-la da obscuridade onde a consumiam os desejos
famintos, e transportá-la ao seio do luxo e do escândalo. Apresentou-
se pois francamente como o empresário dessa metamorfose, lucrativa
para ambos; e acreditou que Aurélia tinha bastante juízo para
compreendê-lo.” (S.p.87)

Aurélia com toda a sua perspicácia guardou a carta e não comentou com ninguém o
ocorrido e a usou na hora certa como vemos no trecho abaixo uma hipotética chantagem
para conseguir o que deseja.

“ Se estes argumentos jurídicos não lhe satisfazem, apresentar-lhe-ei um que me é pessoal.”(S.p.30).


Nos é contado o desfecho do romance de Seixas e Aurélia. Seixas passa a frequentar a
casa da moça e se enamora por ela. No entanto se dá conta de que os gastos de uma
mulher da alta sociedade são altos e ele não poderia sustenta-los, porém achava injusto
abandonar uma órfã e pobre menina. O rapaz foi se distanciando de Aurélia até que um
dia comunicou-a sua decisão de se casar com Adelaide. Uma certa manhã bate a porta
de D. Emília um senhor que se identifica como Sr. Lourenço Camargo avô paterno de
Aurélia que a reconhece como neta e deixa consigo uma carta que a pede para guarda-la
em segredo. D. Emília sabendo que agora a filha não estaria desamparada morre em
paz. A menina órfã agora passa a viver com sua parenta distante D. Firmina, quando em
um dia um correspondente de seu avô a procura comunicando-a o falecimento do
fazendeiro alertando-a que a carta que detinha em seu poder era o testamento de seu avô
que declarava Aurélia sua herdeira universal.
Voltando a câmara nupcial Aurélia efetua o pagamento do restante que devia a Seixas
oitenta contos de réis.
Na terceira parte (Posse) vemos Fernando arrasado de vergonha, e se inicia a fase da
hipocrisia conjugal. As representações de felicidade diante da sociedade se tornaram
comuns entre os dois, diante das pessoas fingiam amor eterno, Fernando até oferecia o
braço a Aurélia e fazia juras de amor, nos momentos a sós era a vez dos jogos de
palavras regados á sarcasmos e ironia.
Temos o exemplo no diálogo de Aurélia e Seixas a plurissignificação conceito dado por
Aguiar.
“A linguagem literária é plurissignificativa ou pluri-isotópica, porque nela o
signo lingüístico, os sintagmas, as frases e as sequências transfrásticas são
portadores de múltiplas dimensões semânticas.(...) As palavras chegam ao
escritor carregadas de valores semânticos nascidos e replasmados ao longo de
uma complexa tradição lingüística e literária.” (Aguiar.p.50,1979)

No diálogo temos o uso da irônia onde a palavra “ordena” já não tem o seu real sentido,
pois na metade do século XIX a mulher não manda no marido vivendo ela em uma
situação de total abnegação por este.

“- Prove desta lagosta. Está deliciosa, insistiu Aurélia.


- Ordena? Perguntou Fernando prazenteiro, mas com inflexão particular na
voz. Aurélia trinou uma risada.
- Não sabia que as mulheres tinham direito de dar ordens aos maridos. Em todo
o caso eu não usaria do meu poder para coisas tão insignificantes.
- Mostra que é generosa.
- As aparências enganam.” (S.p.120-121)

Na quarta parte (Resgate) temos o desenrolar da trama na qual intensificam os caprichos


e contradições do comportamento de Aurélia. Intensifica-se também a transformação de
Fernando que não faz uso da riqueza de Aurélia, permanece com sua conduta elegante
porém modesta, assíduo na repartição onde trabalhava já demonstra uma regeneração,
mostra dignidade e caráter que nunca tivera.
Aurélia obedecendo a mais um de seus caprichos realiza uma festa em sua casa, nela se
dá a quadrilha dos casados, fazendo juízo ao nome era uma dança realizada pelos
casados, Fernando sede ao desejo da mulher e dança com Aurélia, arrependido do ato
tenta desviar as atenções porém a beleza da mulher naquela noite não passava
despercebida atraído pela força poderosa embebeu-se no êxtase da adoração, percebeu
que em onze meses de casado nunca havia tocado Aurélia e agora se encontrava
enlaçando pela cintura sua mulher e tendo-a em seus braços sentia o fulgor da paixão.

“Quando a mão de Aurélia calcava-lhe o ombro,transmitindo-lhe com


a branda e macia pressão o seu doce calor, era como se todo o seu
organismo estivesse ali, naquele ponto em que um fluido magnético
opunha em comunicação com a moça.” (S.p.185)

Em um dia normal Aurélia esperava Seixas para jantar neste dia o marido se atrasou,
quando chegou fez as refeições e comunicou a mulher com seu jeito cortês que desejava
lhe falar. Mais a noite no toucador da mulher eles se encontram, a moça vestida
exatamente igual ao dia do casamento observou o homem. Seixas começou a falar que
se envergonhava de sua condição neste casamento por conveniência, e também como se
sentia humilhado por prestar tal papel e que um homem, no caso ele, não desonraria sua
palavra e cumpriria o contrato assinado, pois não tinha a quantia certa para desfazê-lo
como dois negociantes que eram. No entanto Seixas havia conseguido os vinte contos
de réis que junto aos oitenta que havia guardado somava os cem contos de réis Fernando
os entregou a Aurélia com a proposta de divórcio, como ela não era carrasca aceitou o
dinheiro. O marido com a liberdade que havia restituído explicou-se a moça,
evidenciando a sua regeneração. Alencar acredita na ideia de que o homem
originalmente é puro, mas é corrompido ao entrar em contato com a civilização
(Ideologia iluminista de Jean Jacques Rousseau)nos remete ao romance indianista.

“A sociedade no seio da qual me eduquei, fez de mim um homem á sua feição;


o luxo dourava-me os vícios, e eu não via através da fascinação o materialismo
a que eles me arrastavam. Habituei-me a considerar a riqueza como a primeira
força viva da existência, e os exemplos ensinavam-me que o casamento era
meio tão legítimo de adquiri-la. (...) Não me defendo; eu devia resistir e lutar;
nada justifica a abdicação da dignidade.” (S.p.2013)

Aurélia vendo que Seixas irá partir se joga aos seus pés sem medo da humilhação pois
amava-o e isso não importava mais.
“Pois bem, agora ajoelho-me eu a teus pés, Fernando, e suplico-te que aceites
meu amor, este amor que nunca deixou de ser teu, ainda quando mais
cruelmente ofendia-te.” (S.p.214)

E pela primeira vez eles dão o beijo de amor. Alencar termina a obra com a certeza do
amor romântico.

Conclusão
Com base no estudo feito nessa análise pode-se compreender os elementos verossímeis
compostos no obra que são traduzidos pelo fato de Aurélia comprar seu marido,
retratando na sociedade um casamento por conveniência e ambição. Nos faz um recorte
do comportamento humano que nos leva a compreensão da mimese, que se dá na
imitação da realidade, a plurissignificação que faz um estudo pautado dos diálogos
irônicos da trama.

Referências Bibliográficas
ALENCAR, José de. Senhora. Trad. João Luiz Lafetá. São Paulo: Editora Ática,1875.
PEREIRA, Danielle Cristina Mendes. Teoria da Literatura, 2008.
AGUIAR, Vitor Manuel, Teoria da Literatura, Coimbra: Livraria Almedina, 1979.

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