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Igor Mendes

LÊNIN
INCENDIÁRIO
Lições da tática bolchevique
durante a primeira revolução
russa de 1905
Nota introdutória

Dois motivos me animaram a escrever este brevíssimo ensaio so-


bre a tática bolchevique em 1905, aos quais se soma a celebração pelos
150 anos de nascimento do grande Lenin. Foram eles:
1) O evidente interesse histórico do tema. Há, hoje em dia, duas
espécies de ataques ao marxismo: um, vindo dos seus inimigos declara-
dos, que querem transformar a primeira investida pelo socialismo numa
série de “erros” e de “crimes”; que pintam esta democracia burguesa, pu-
trefata, como o cume do desenvolvimento humano, além do qual não há
nada. Outro tipo de ataque, mais insidioso, funciona como uma espécie
de Cavalo de Troia: em nome do marxismo, invocando as experiências
revolucionárias (oportunamente deturpadas), alguns querem converter
seus dirigentes em seres anêmicos, dúbios, quando não, em liberais pela
metade, em ícones inofensivos etc. É um velho truque. Estes “amigos”
querem fazer, em suma, deste fantasma inventado pela extrema-direita
– o tal “marxismo cultural”, que nada tem a ver com o marxismo de
Marx – um ser de carne e osso; querem converter a doutrina que en-
sina o proletariado a lutar pelo poder num mero guia comportamental,
eleitoral, perfeitamente adaptado à velha ordem. Em parte, isto explica
porque – sobretudo nos períodos de auge - alguns jovens preferem acor-
rer às frases grandiloquentes e ocas do anarquismo a seguir semelhante
“marxismo”.
O leitor verá que a potência do maduro Lenin de 1917, chefe da
revolução e da guerra civil que a seguiu, já existe no relativamente jovem
Lenin de 1905. Um propósito, uma única posição de classe, uma atuação
revolucionária coerente, uma militância ardente, apaixonada, incendiária
mesmo: este é o Lenin de carne e osso. Vários temas que reaparecerão
em 1917 – a dualidade de poderes, a criação do exército revolucionário,
a luta de morte contra os oportunistas, a necessidade de preparar cons-
cienciosamente a insurreição e fixar o momento exato da sua data – já
estão aqui, em 1905. Na verdade, os bolcheviques nunca renunciaram às
heranças da primeira tentativa, ao contrário, propuseram-se a aprender
dos erros para “afiar mais a lâmina”, e por isso venceram. Esta lição, de
fundo, válida neste processo histórico concreto, parece ser válida também
para analisar o processo histórico no seu conjunto. Uma grande questão
para o triunfo da revolução no século XXI é saber defender as heranças
da revolução no século XX.
2
2) A política. Em todo o mundo, e particularmente na Améri-
ca Latina, no último ano, eclodiram rebeliões populares. Não raro, elas
chegaram ao limiar da guerra civil. Como se orientar quando a maré da
luta de classes parece ultrapassar as forças próprias dos revolucionários?
Como não se perder, em meio ao turbilhão? Como fazer ecoar as vozes
que chamam as massas ao combate decisivo, quando parecem ser mais
fortes – e, num certo sentido, ao menos material, certamente são mais
fortes – as vozes que as chamam à capitulação?
Mutatis mutandis, em 1905 os bolcheviques se depararam com
interrogações deste tipo. Observar como Lenin as respondeu é particu-
larmente relevante, agora. Parece paradoxal, mas observar mais de perto
seus passos de há 115 anos talvez seja, hoje, uma questão das mais ur-
gentes.
Finalmente, um último ponto: o método. Isto não é uma compi-
lação de citações, porque elas já existem e melhores do que eu poderia
fazer. Tentei enquadrar os textos dentro da situação real. Lendo os arti-
gos de Lenin, percebe-se que ele foi não só o intérprete perspicaz, como
também o melhor narrador da revolução em curso. Além dos tomos
VIII, IX e X das obras completas, que abrangem o período em vista
(versão Akal editor, que apareceu na Espanha em 1974, disponível na
íntegra no site marxists.org), também foi de grande utilidade a leitura das
suas cartas de 1905, que estão no tomo XXXVIII da referida edição. Nas
cartas, veremos, além do teórico de vulto e do organizador intrépido, o
homem prático, apaixonado, que também se aflige, se impacienta, que se
preocupa e aconselha seus camaradas e anseia voltar, o quanto antes, para
a Rússia revolucionária. Para completar o quadro, usamos também como
fontes o “Compêndio de História do Partido Comunista (bolchevique)
da URSS”, aparecido na URSS em 1938, cuja primeira edição brasileira é
do Editorial Vitória de 1945, e a biografia “Lenin (sua vida e sua obra)”,
escrita na URSS em 1945 e publicada no Brasil pelo Editorial Vitória
em 1955. Em apenas duas ou três ocasiões, no máximo, recorri a textos
de Lenin posteriores a 1905, ainda assim, quando estavam estritamente
relacionados aos acontecimentos narrados. Não faria sentido reconstituir
uma batalha, emprestando aos combatentes armas que eles desconhe-
ciam. O interessante é mesmo ver através de quais batalhas as novas
armas serão forjadas.

Rio, dezembro de 2019


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Lenin incendiário
Lições da tática bolchevique durante a primeira revolução
russa de 1905

“Indo ao combate, devemos desejar a vitória e saber indicar o verdadeiro caminho que
a ela conduz”. (Lenin)

Em dezembro de 1907, a direção bolchevique decidiu pela saída


de Lenin da Rússia1. Após dois anos de auge revolucionário, dois anos
da maior revolução popular desde a Comuna de Paris (1871), arrefecia a
força das massas, caía a noite sobre sua primeira investida contra a auto-
cracia czarista.
O chefe do partido proletário iniciaria seu segundo período de
emigração, o mais longo e penoso. Após meses de febril atividade na
própria Rússia, dirigindo reuniões clandestinas, escrevendo e intervindo
em numerosas polêmicas, falando diretamente às massas, consolidando os
grupos de combate - “embriões do exército revolucionário” - Lenin teria
que defender desde o “maldito exílio” os princípios do marxismo contra os
renegados e capituladores. Sobre este período de provações, Stalin diria,
4
em “Lenin, águia das montanhas” (1924), quando o Poder dos Sovietes já
era um fato histórico mundial: “Lenin foi então o único que não se deixou
levar pelo contágio e que manteve erguida a bandeira do Partido, reunin-
do, com paciência assombrosa, com persistência extraordinária, as forças
dispersas e combalidas do Partido, combatendo no interior do movimento
operário todas as tendências hostis ao Partido, defendendo o princípio
do Partido com uma coragem fora do comum e uma perseverança sem
paralelo”. Sua fé na causa permaneceria inabalável. Ele sabia que o novo
auge viria, custasse o que custasse, apesar dos desterros, dos cadafalsos,
das Centúrias Negras.
Provavelmente, era nas lições da primeira revolução russa que ele
pensava quando se pôs a caminhar naquela fria noite de fim de outono
na Finlândia. Impossível tomar um navio diretamente no porto principal:
seria preso. Saindo da choça onde se escondia, através de um lago con-
gelado, Ilitch sentiu de repente o gelo estalar sob seus pés. “Que forma
estúpida de morrer!”, recordou ter dito de si para si, mais tarde. Correndo
risco de vida, atravessou. Levava na bagagem a rica experiência revolucio-
nária adquirida nos “grandes dias que condensavam vintenas de anos”. E
estava convencido de que, da próxima vez, armados com este tesouro ob-
tido no próprio terreno, sempre confrontado com a experiência histórica
e com os princípios basilares do marxismo, armados destas lições o prole-
tariado e as massas populares venceriam. Lenin não poderia prever que as
suas teses seriam postas à prova precisamente em 1917; mas ele já sabia
que a vitória num futuro incerto dependeria, em larga medida, da justa
apreciação deste verdadeiro prólogo chamado 1905 que ficava para trás.

O prólogo do prólogo
Engels dizia, a respeito de Marx, no prefácio à terceira edição
alemã de O 18 Brumário:
“Essa notável compreensão da história viva da época, essa lúcida
apreciação dos acontecimentos ao tempo em que se desenrolavam, é, real-
mente, sem paralelo”2.
Pode-se dizer que Lenin ombreava com Marx nesta capacidade,
adquirida não só através de árduo estudo, como também pela participação
direta na luta de classes.
Em 1904 estourou a guerra russo-japonesa. Lenin recusou qual-
quer atitude defensista, ou seja, de “defesa da pátria”, nesta guerra de
partilha. Ao contrário dos mencheviques, ele denunciou vivamente a guer-
5
ra como uma disputa entre dois bandos imperialistas e previu que ela
aceleraria a decomposição da autocracia czarista3. Assim, escreveu Lenin
sobre a fragorosa derrota sofrida pelo Império na Batalha de Porto-Artur,
em que as tropas russas perderam cerca de 120.000 homens entre mortos,
feridos e prisioneiros: “A capitulação de Porto Artur é o prólogo da capitulação
do czarismo”4.
A 9 de Janeiro de 1905, 140.000 pessoas se reuniram em São
Petersburgo. Seu objetivo era entregar uma petição ao Czar reclamando
melhorias nas condições de vida. A direção deste movimento estava nas
mãos de um agente provocador, o Padre Gapon, que seria justiçado em
1906 por um grupo de combate ligado ao partido socialista-revolucioná-
rio. Nas cercanias do Palácio de Inverno, a tropa abriu fogo contra os
operários desarmados: mais de mil deles morreram na hora. A indignação
varreu a Rússia e o “Domingo Sangrento” foi a chispa que incendiou toda
a pradaria. Assimilando o impacto destes episódios na consciência das
amplas massas, Lenin diria, ainda no calor dos acontecimentos:
“Não haverá medidas draconianas nem proibições capazes de con-
ter as massas das cidades, enquanto se deem conta de que, sem armas, se
verão condenadas a ser metralhadas em massa pelo governo, ao menor
pretexto. Cada qual se esforçará por todos os meios a procurar um fuzil,
ou pelo menos um revólver, por ocultar suas armas à polícia e por se
preparar para oferecer resistência aos sanguinários lacaios do czarismo. Os
começos, diz o adágio, são sempre difíceis. Aos operários custou muito
trabalho passar à luta armada. Porém o governo os obrigou agora a isso.
Deu-se o primeiro passo, o mais difícil de todos”5.
A revolução, afinal, rebentara, confirmando a genial previsão de
Lenin.
*
Lenin recebeu no exílio, em Genebra, os informes do estouro da
revolução na Rússia. É apaixonada sua primeira saudação aos operários
insurretos, publicada no jornal Vperiod (órgão bolchevique), a 24 de janei-
ro de 1905:
“Força contra força. Ferve a luta nas ruas, se levantam barrica-
das, crepitam as descargas e troam os canhões. Correm rios de sangue,
se levantam as chamas da guerra civil pela liberdade. Moscou e o Sul, o
Cáucaso e a Polônia se dispõem a unir-se ao proletariado de Petersburgo.
‘Liberdade ou morte!’, é agora a consigna dos operários. Muito se decidirá
hoje e amanhã. A situação muda a cada hora. O telégrafo transmite notí-
6
cias espantosas e todas as palavras empalidecem ante os acontecimentos
de que somos testemunhas. Cada um deve estar preparado para cumprir
com seu dever de revolucionário e de social-democrata. Viva a revolução!
Viva o proletariado insurreto!”.6
A revolução crescia. Teses há muito defendidas pelos marxistas
na Rússia, como o papel dirigente do proletariado na revolução futura, e
que foram objeto de longos trabalhos teóricos da juventude de Lenin –
dentre os quais se destaca “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia” (1898)
– realizavam-se perante os olhos de todos. Apenas em janeiro o número
de grevistas atingiu a cifra de 440.000, o que equivalia a mais do que fora
registrado nos dez anos anteriores. Atrás dos operários, animadas por eles,
começavam as sublevações camponesas, cresciam as manifestações estu-
dantis e intelectuais, a revolução ganhava um caráter realmente popular.
Os problemas da tática, isto é, do que fazer nestes momentos crí-
ticos, em que não se admitia a menor perda de tempo, passavam à ordem
do dia.
“É preciso saber ensinar algo à revolução”
O movimento espontâneo de massas ultrapassava em muito as for-
ças orgânicas social-democratas, elas próprias, cindidas entre bolcheviques
e mencheviques e uma série de grupos intermediários, que Lenin chamava
de “o pântano”. Mas esta era só uma faceta da questão. De toda a Rússia
brotavam forças novas, frescas, apresentando-se para a luta revolucionária.
Lenin não admitia, nestas horas, nenhum ar de desalento, de reclamação, de
decadência, e estigmatizava os camaradas presos aos velhos tempos. Já em
fevereiro, dizia, no seu trabalho “Novas tarefas e novas forças”:
“O organizador prático que se queixa, nestas condições, da falta
de homens, se equivoca como se equivocava madame Rolland quando em
1793, no momento culminante da grande revolução francesa, escrevia que
a França não tinha homens, que todos eram pigmeus. Quem assim se ex-
pressa não vê o bosque porque o impede as árvores; reconhecem que os
acontecimentos os cegaram, que em vez de dominar, como revolucionários,
com sua consciência e atividade, os acontecimentos, se deixam dominar e
ultrapassar por eles. Semelhantes organizadores deveriam passar à reforma e
abrir caminho às forças jovens, cuja energia substitui amiúde com vantagens
o que lhes falta em experiência”7.
Como é evidente, os problemas de organização entrelaçavam-se
profundamente às grandes questões da direção política do movimento. Le-
nin já cimentara muito antes, em “Que Fazer?” (1902), os princípios ideo-
7
lógicos do partido marxista de novo tipo, assentando a justa relação entre
consciência e espontaneidade, ou, entre a organização dos operários e a
organização dos revolucionários. Agora, diante da maior revolução desde a
Comuna de Paris, que punha fim ao período de “desenvolvimento relativa-
mente pacífico” atravessado pela Europa em quarenta anos, a vida submetia
o partido a uma prova muito séria. Lenin sempre defendeu a necessidade
de aprender das massas, observar e colher suas formas de luta e seu espírito
criativo, “entretanto – anotava - a tarefa não é somente aproveitar os ensinamentos
da revolução; é preciso também que saibamos ensinar algo à revolução, imprimir-lhe um
cunho proletário, a fim de assegurar-lhe a vitória verdadeira” 8. Ou seja: o problema
da tática nada mais é do que o problema de assegurar os meios para que o
proletariado dirija a revolução, e não se prostre covardemente na cauda dela,
lamentando a “debilidade das próprias forças”, a “incultura das massas” ou
outros disparates do tipo, sempre ressuscitados pelos reformistas. Dizia:
“A todos os oportunistas agrada dizer-nos: aprendam da vida. La-
mentavelmente, eles entendem por vida só as águas quietas dos períodos
pacíficos, os tempos de estancamento, nos quais a vida apenas avança. Eles,
gente cega, ficam sempre atrasados com relação aos ensinamentos da vida
revolucionária. Suas doutrinas mortas sempre ficam atrás da torrente impe-
tuosa da revolução, que expressa as mais profundas reivindicações da vida,
aquelas que involucram os mais arraigados interesses das massas popula-
res”9.
Lenin reclamava não apenas uma análise científica, criteriosa, da cor-
relação de forças e do futuro do movimento revolucionário, mas também
um vivo trabalho de agitação e propaganda entre as massas, orientado por
consignas acessíveis, combativas e claras. Repudiava o método oportunista
de eludir as grandes necessidades do tempo com frases tão grandiloquen-
tes quanto ocas. Dizia, a propósito: “O oportunista necessita sempre de consignas
que, vistas de perto, só contém frases sonoras, como uma espécie de decadente acrobacia
verbal”10.
Defendia e empenhava grande parte do seu tempo em escrever edi-
toriais curtos, acerbos, palpitantes, para o órgão do Partido e as organiza-
ções locais. Deste modo:
“Nos artigos de Lenin publicados pelo Proletári, o Partido recebe
uma análise marxista científica da marcha da revolução, brilhantes prognós-
ticos sobre seu desenvolvimento ulterior, palavras de ordem claras e preci-
sas, amplas diretivas e indicações”.11
Além do órgão ilegal do Partido, ele logrou, nestes meses tempes-
8
tuosos, com a ajuda de Máximo Gorki, fazer circular um jornal político legal
de massas, o Novata Jizn (“Vida Nova”).
No entanto, não era apenas o problema das consignas que atraía a
sua atenção. A questão das novas formas de luta apresentadas pela revo-
lução russa – destacadamente, da transformação da greve de massas em
insurreição armada – assumia grande relevo:
“Por outro lado, para determinar de modo concreto a tática de um
partido revolucionário nos momentos mais tempestuosos da crise nacional
de que sofre o país, é a todas as luzes insuficiente limitar-se a assinalar quais
classes são capazes de atuar em prol do triunfo da revolução. (...) Por isso,
se ao avaliar os períodos revolucionários, nos limitamos a determinar a linha
de ação das distintas classes sem analisar suas formas de luta, nosso juízo será
incompleto, desde o ponto de vista científico não será dialético, e desde o
ponto de vista político prático degenerará em raciocínios mortos”12.
Lenin fustigava, portanto, os “dirigentes” que se contentavam em
ser “intérpretes do movimento”, ficando à margem dos acontecimentos;
fustigava os que se limitavam a propor tarefas, sem saber forjar os instru-
mentos capazes de realizá-las. Exigia de todo o partido que se educasse e
educasse às massas nas próprias ações de combate. Ensinava a militância
(sobretudo os dirigentes) não só a ler nos livros, ensinava-a também a ler na
própria vida.
Material para tanto não faltava. A revolução seguia seu curso, impla-
cável. As greves de massas se estendiam pelo país, e os primeiros Sovietes
da história se formaram. Na primavera, o campo entrou decididamente na
luta: mesmo nos recônditos mais sonolentos da velha Rússia semifeudal o
chão parecia tremer, e a luta de classes despertava as massas camponesas,
não raro reprimidas com selvageria pelos gendarmes. Destacamentos guer-
rilheiros formavam-se espontaneamente. Em junho de 1905 ocorreu um
fato de importância capital: o Encouraçado Potemkin, um dos orgulhos da
frota de guerra do czar, se sublevou perto de Odessa, onde os operários
vinham travando uma luta política encarniçada. Durante vários dias a ban-
deira vermelha tremulou perante o mundo.
Esta situação punha na ordem do dia o problema da insurreição
armada. Esta questão ocupa, de fato, desde o início dos acontecimentos
revolucionários, e principalmente a partir do segundo semestre, todas as
atenções e toda a energia de Lenin. Contudo, antes de passar à nova fase,
havia uma outra questão histórica fundamental posta sobre a mesa: a da
relação entre a revolução burguesa e a revolução socialista.
9
“Somos partidários da revolução ininterrupta”
Um dos novos problemas apresentados em 1905 foi o do papel do
proletariado na revolução democrático-burguesa, nas condições particula-
res do século XX. Este problema tinha, no seu cerne, a questão da aliança
operário-camponesa, e era, desde logo, um ponto de divergência irreconci-
liável entre bolcheviques e mencheviques.
Nas primeiras semanas das jornadas revolucionárias, Lenin escre-
veu, em seu artigo “Duas táticas”: “A partir de 9 de janeiro, o movimento operário
está se convertendo perante os nossos olhos em uma insurreição popular”13. Apoiando-
-se na famosa carta de Marx, em que este dizia que o triunfo da revolução
democrática na Alemanha dependeria de uma “segunda edição das guerras
camponesas”, assim como na sua posição acerca da repartição da terra nos
Estados Unidos (passagens cuidadosamente soterradas pelos oportunistas),
o chefe da revolução russa dirá:
“Dificilmente haverá no mundo outro país no qual o campesinato
tenha que sofrer tantas torturas, tal opressão e humilhação como na Rússia.
Porém, quanto mais sombria tenha sido a opressão, tanto mais poderoso
será o despertar, tanto mais irresistível sua acometida revolucionária. E ao
proletariado revolucionário com consciência de classe corresponde apoiar
com todas as suas forças esta acometida, para que não deixe pedra sobre
pedra da velha e maldita Rússia autocrática, feudal, escravista, para que faça
surgir uma nova geração de homens livres e intrépidos, uma nova Rússia
republicana, na qual possa travar-se livremente nossa luta proletária pelo
socialismo”14.
Em outra parte, cravará: “Pois da revolução democrática começare-
mos a passar em seguida, e precisamente na medida das nossas forças, das
forças do proletariado com consciência de classe e organizado, à revolução
socialista. Somos partidários da revolução ininterrupta. Não nos deteremos
na metade do caminho”15. É preciso reconhecer que nascia aí o esboço da
formulação que, doze anos depois, orientaria os bolcheviques no labirinto
histórico instalado entre fevereiro e outubro de 1917.
Além do problema camponês e da relação entre revolução burguesa
e socialista, cujo desenvolvimento já constituía um enorme passo à frente
em relação ao século XIX, Lenin sentava com estas formulações as bases
de uma verdadeira teoria da hegemonia, que se demonstraria crucial à me-
dida em que as tempestades revolucionárias se deslocavam para o Oriente,
onde a classe operária era apenas uma minoria da população. Como atuar
no movimento democrático-burguês florescente? O proletariado defende-
ria uma revolução do tipo da de 1848 – isto é, um aborto de revolução – ou
10
uma do tipo de 1789, isto é, verdadeiramente popular, radical, jacobina? Os
comunistas deveriam marchar a reboque da burguesia traidora ou à frente
do proletariado e do campesinato revolucionários? Estas questões ocupam
uma parte enorme dos escritos (e, consequentemente, do valioso tempo) de
Lenin naqueles dias.
Aos que temiam que o proletariado “perdesse” a direção do movi-
mento, e usavam este temor como justificativa da inércia e da paralisia, ele
replicava:
“Desde o ponto de vista proletário, a hegemonia corresponde, na
guerra, a quem luta com maior energia, a quem sabe aproveitar todas as oca-
siões para assestar um golpe ao inimigo, àquele cujas palavras não diferem
dos fatos e que é, portanto, o dirigente ideológico da democracia, que critica
tudo o que sejam posições às meias”16.
Para Lenin, a formulação madura, cientificamente exata do proble-
ma, seria: ditadura democrático-revolucionária do proletariado e do campe-
sinato, cujo órgão seria o governo provisório revolucionário, apoiado nas
massas armadas. Como se sabe, foi esta a linha adotada pelo III Congresso
do POSDR (reunido em abril, em Londres, que foi sabotado pelos menche-
viques, que se reuniram em Conferência à parte), cujas teses Lenin desen-
volveu no seu magistral trabalho “Duas táticas da social-democracia na revolução
democrática”, aparecido pela primeira vez em julho daquele ano, em Genebra.
Aí, Lenin não deixará pedra sobre pedra do menchevismo e da sua tor-
pe posição de fazer do movimento revolucionário um mero apêndice da
burguesia liberal contrarrevolucionária. Trata-se, na verdade, não apenas de
duas táticas, como também de duas estratégias distintas e antagônicas.
A título de ilustração, compare-se a original, e dialética, formulação
leninista da passagem da revolução democrática à revolução socialista, da
aliança operário-camponesa e da luta do proletariado por assegurar a hege-
monia na revolução, com o que dizia o menchevique L. Trotsky naqueles
dias:
“O poder revolucionário só pode se apoiar numa força revolucioná-
ria ativa. Quaisquer que sejam os pontos de vista quanto ao desenvolvimen-
to posterior da revolução russa, o fato é que nenhuma classe social, salvo o
proletariado, mostrou-se até hoje capaz de apoiar o poder revolucionário e
nem sequer disposta a fazê-lo”17.
Que papel dirigente caberia ao proletariado na revolução, se se resig-
nasse a ser tão-somente vanguarda dele mesmo? Que seria feito do “poder
revolucionário” se ficasse isolado, incapaz de se apoiar numa espécie de ree-
dição das guerras camponesas? Para Lenin, Trotsky, com efeito, não passava
11
de um “charlatão”:
“Quando o charlatão Trotsky escreve agora... que um ‘padre Gapon
só pode surgir uma vez’, que ‘não há lugar para um segundo Gapon’, o faz
simplesmente porque é um charlatão. (...) Para chegar a ser grande, uma
revolução democrática que recorde e sobrepasse a dos anos 1789-1793, e
não a de 1848-1850, tem que pôr de pé massas gigantescas, incorporá-las à
vida ativa e aos esforços heroicos, a uma ‘fundamental realização histórica’;
tem que arrancá-las da terrível ignorância, da opressão inaudita, do incrível
atraso e do estupor sem esperança em que vivem”18.
Como se vê, nenhuma semelhança havia entre a tese da “revolução
permanente” à lá Trotsky e a teoria científica da revolução permanente de
Marx e da revolução ininterrupta de Lenin. Somente a falsificação histórica
poderia reivindicar algum parentesco entre estas e aquela.

“Por Deus, não confiem nos mencheviques”


Em janeiro de 1905, embora formalmente membros do POSDR,
bolcheviques e mencheviques compunham duas organizações distintas.
Após a vitória das teses de Lenin no II Congresso (1903) – daí sua denomi-
nação de “bolcheviques”, isto é, maioria – os mencheviques nunca acataram
as suas disposições, em tese, obrigatórias para todos os membros. Valen-
do-se da posição de trânsfuga de Plekhanov, que queria se fazer passar por
“independente”, mas marchava de fato com os mencheviques, estes deram
um golpe no jornal Iskra (“Centelha”), fundado por Lenin, e fizeram dele o
seu órgão central. Embora contassem com apenas 4 comitês na Rússia, de
um total de mais de vinte existentes, os mencheviques denominavam o seu
próprio centro de “Comitê Central”. Eram estes os métodos oportunistas
de travar a luta no partido.
Numa carta endereçada ao “Birô dos Comitês da Maioria”, centro
bolchevique, de janeiro daquele ano, Lenin adverte seus camaradas:
“Por Deus, não confiem nos mencheviques nem no CC, sigam
adiante com firmeza, em todas as partes e com a maior energia, a ruptu-
ra, ruptura e a ruptura. Nós aqui, levados pelo entusiasmo da revolução,
estivemos a ponto de unirmo-nos com os mencheviques numa reunião pú-
blica, mas eles nos enganaram novamente e da maneira mais vergonhosa.
Insistimos em advertir os que se querem passar por tontos: rompimento e
rompimento absoluto”19.
A verdade é que, com o estalar da revolução, às velhas divergências
no terreno de organização, somavam-se outras, também graves, a respeito
do papel do proletariado na revolução democrático-burguesa, assinaladas
12
acima. A cisão, longe de arrefecer, aprofundava-se.
Os bolcheviques convocaram o III Congresso do POSDR para exa-
minar as grandes questões dos dias, mas os mencheviques o sabotaram.
Lenin teve que vencer uma dura luta interna para realizá-lo como evento
independente, rigorosamente marxista, pois muitos bolcheviques mostra-
vam-se dispostos a fazer concessões para atrair a minoria oportunista. Ele
alertou-os, diversas vezes, para que não alimentassem ilusões:
“A verdade é que muitas vezes creio que as nove décimas partes dos
bolcheviques são, na verdade, uns formalistas. Uma de duas: ou unimos em
uma organização realmente férrea os que querem lutar, para dar a batalha,
com este partido pequeno mas firme, ao monstro fofo dos heterogêneos
elementos neoiskristas [isto é, mencheviques], ou demonstramos com nossa
conduta que merecemos sucumbir como uns deploráveis formalistas. (...) O
Congresso deve ser simples, breve e com poucos delegados. Trata-se de um
congresso do partido para organizar a luta. Tudo demonstra que vocês têm,
neste sentido, muitas ilusões”20.
Em abril, em Londres, reuniu-se o III Congresso, bolchevique, ao
qual assistiram 24 delegados em nome de 20 comitês russos. Ao fim dos
trabalhos, os delegados, como ocorrera no II Congresso, visitaram o túmulo
de Marx. Ao mesmo tempo, em Genebra, reuniu-se a Conferência menche-
vique. Avaliando o resultado destes eventos, Lenin diria: “Dois Congressos,
dois partidos”. Dando respostas diametralmente opostas às grandes ques-
tões da revolução, é claro que a luta entre bolcheviques e mencheviques
recrudesceu. Lenin exigia que se intensificasse, nas organizações de base do
partido, a luta contra os oportunistas. Esta política de rigorosa demarcação
enfrentava, no entanto, enormes resistências para ser aplicada.
Dentro da Rússia, diversos operários jovens não entendiam por que
os “socialistas” – incluindo os socialistas revolucionários - marchavam se-
parados, quando, aparentemente, “todos estavam do mesmo lado”. Lenin
dedicava enorme atenção, por isso mesmo, à necessidade de explicar e fun-
damentar à militância os termos das divergências. Assinalava:
“Para criar uma ‘unidade de luta’ real e efetiva, e não puramente
verbal, deve-se saber com clareza e de forma definida, e também pela ex-
periência, concretamente em quê e até onde podemos marchar juntos. De
outro modo, as conversações acerca da unidade de luta não serão mais que
palavras, palavras e palavras; e esse saber se adquire, entre outras coisas, por
meio dessa polêmica, dessa luta e dessas dissensões das quais vocês falam
com palavras tão terríveis”21.
Lenin não recusava chegar a acordos táticos, transitórios, com ne-
13
nhuma força, desde que conservados os princípios ideológicos e a indepen-
dência orgânica do partido do proletariado. Manejava, com sagacidade, a
política. Dizia, a propósito: “Deveremos, inevitavelmente, getrennt mars-
chieren (marchar separados). Podemos, mais de uma vez, e em particular
agora, veremt schlagen (golpear juntos)”22. E exigia dos bolcheviques a mes-
ma sagacidade na luta em defesa do partido. Numa carta a Lunacharski, de
agosto de 1905, dizia, aflito:
“Aqui se está travando uma luta muito séria, a qual o III Congresso
não pôs fim, senão que simplesmente abriu uma nova etapa dela; os da Iskra
são ágeis e rápidos, descarados como mercadores, e têm uma longa expe-
riência em matéria de demagogia, enquanto que em nossa gente prevalece
uma ‘estupidez honesta’, ou uma ‘honestidade estúpida’. Não sabem brigar,
são pouco hábeis, torpes, toscos, tímidos... São bons rapazes, mas absurda-
mente ineptos como políticos. Falta-lhes tenacidade, espírito de luta, agili-
dade e rapidez. (...) Quanto ao nosso CC, em primeiro lugar tampouco ele é
muito ‘político’, é demasiado bondoso, também ele tem o defeito de carecer
de tenacidade, não sabe manobrar, lhe falta sensibilidade, não tem habilida-
de para aproveitar politicamente cada detalhe da luta no partido... Falta o
entusiasmo, o impulso, a energia; as pessoas não sabem trabalhar nem pe-
lejar por si mesmas... Na luta política a paralisação é a morte... A influência
pessoal e falar nas reuniões tem grande importância na política. Sem estes
elementos não pode haver uma atividade política e inclusive o escrever se
torna menos político. E frente a um adversário que tem poderosas forças
no estrangeiro, perdemos em uma semana o que não poderemos recuperar
em um mês. A luta pelo partido não terminou, e não obteremos a vitória
definitiva se não colocamos em tensão todas as nossas forças”23.
De fato, havia entre os bolcheviques uma enorme subestimação do
peso dos mencheviques, e não poucas tendências conciliatórias para com
eles. Na verdade, os mencheviques estavam ancorados em todo o oportu-
nismo internacional, que prevalecia já na II Internacional e no seu órgão
executivo, o Birô Socialista Internacional (BSI). Em fevereiro, o próprio
Bebel escreveu a Lenin, oferecendo-se para “arbitrar” a disputa entre as
duas frações do POSDR. Lenin, polidamente, respondeu-lhe que somen-
te o Congresso poderia decidir a respeito. Kautsky escreverá na imprensa
alemã – então, a mais importante imprensa operária do mundo – diversos
artigos reclamando a “unidade” dos social-democratas russos. Tratava-se
das maiores autoridades socialistas da época, que ostentavam o título de
colaboradores diretos de Marx e Engels. Essa era a briga que Lenin estava
travando.
14
Depois do III Congresso, Plekhanov ofereceu-se para representar
o Partido no referido Birô, prometendo “imparcialidade”, contando com a
clara simpatia do BSI. Lenin dizia, em carta ao CC bolchevique, de julho:
“Não esqueçam que quase todos os social-democratas do estrangeiro são
partidários dos ‘ícones’ [isto é, os conhecidos intelectuais exilados, como
Plekhanov] e não nos têm em grande estima, nos menosprezam” 24. Por fim,
o Partido nomeou Lenin seu representante no Birô.
As coisas chegaram a tal ponto que Rosa Luxemburgo escreveu
um artigo no principal jornal socialista alemão, o Neue Zeit, chamado “Pro-
blemas de organização na social-democracia russa”, no qual replicava por
completo a interpretação menchevique da cisão. Tal artigo foi difundido em
vários idiomas e, na própria Rússia, traduzido pela nova Iskra oportunista.
Lenin, consciente das implicações ideológicas e políticas da polêmica, es-
creveu um artigo de resposta e o enviou para o órgão, mas Kautsky, editor
do mesmo, vetou a sua publicação, como também trabalhou para soterrar a
difusão, em alemão, das resoluções do III Congresso bolchevique. Esta era
a “arbitragem” que os oportunistas da II Internacional pretendiam fazer.
Isto levou Lenin a escrever uma carta ao próprio BSI, em que diz:
“4) Posto que o Birô Internacional julga adequado informar-se por
‘certos periódicos alemães’, me vejo obrigado a declarar que quase todos
os jornais socialistas alemães, especialmente Die Neue Zeit e Leipziger Volks-
zeitung estão por inteiro do lado da ‘minoria’, e enfocam nossos assuntos
de um modo muito unilateral e inexato. Kautsky, por exemplo, também se
diz imparcial e, não obstante, na realidade chegou a se negar a publicar em
Neue Zeit a refutação a um artigo de Rosa Luxemburgo em que ela defendia
a desorganização no partido. Em Leipziger Volkszeitung, Kautsky inclusive
aconselhou que não se difundisse o folheto alemão que contém a tradução
das resoluções do III Congresso!! Depois disso, não é difícil compreen-
der porque muitos camaradas na Rússia se inclinam a considerar o Partido
Social-Democrata Alemão parcial e cheio de prevenções no problema da
divisão nas fileiras da social-democracia russa”25.
Como se vê, foi titânica, e cheia de percalços, a luta em defesa do
Partido. O que para Lenin já era então claro – a necessidade da ruptura
implacável com os oportunistas – demoraria ainda vários anos para con-
quistar as cabeças duras de muitos dirigentes. Somente em março de 1912,
na Conferência de Praga, os bolcheviques reconstituiriam o POSDR como
autêntico partido marxista independente. A degeneração ideológica de vá-
rias “sumidades socialistas” da época teria ainda que esperar o estouro da I
Guerra Mundial e os acontecimentos dramáticos de traições e renegações
15
– e também delações e assassinatos - que se seguiriam para se apresentar
madura perante o mundo.
Nesta situação, os quadros capazes e dedicados eram poucos e par-
ticularmente valiosos. Lenin preocupava-se com eles, ocupava boa parte do
seu tempo procurando condições razoáveis para abrigar os que chegavam
ao exílio, ou para mandar de volta à Rússia, em segurança, os portadores de
tarefas urgentes. Exige que se lute com coragem, mas não se conforma com
perdas desnecessárias; insta sempre seus camaradas a fortalecer o trabalho
conspirativo. Em abril, escreve preocupado a Gusiev, responsável, na época,
por boa parte dos seus enlaces com a direção na Rússia:
“Estimado amigo: você me escreveu que começaram a segui-lo. Por
outra parte, a informação que pude reunir entre as pessoas aqui chegadas há
pouco de São Petersburgo confirma este fato. Já não podemos abrigar dú-
vidas neste sentido. Eu sei, por experiência própria e de muitos camaradas,
que a um revolucionário resulta muito difícil abandonar um lugar perigoso a
tempo. No momento mesmo em que deve abandonar o trabalho numa certa
localidade, este trabalho se faz particularmente interessante e particularmente
necessário; assim parece sempre à pessoa interessada nele. Por tal motivo,
considero que meu dever é exigir-lhe, com toda energia, que abandone São
Petersburgo por um tempo. É absolutamente necessário. Nenhuma descul-
pa ou argumento quanto ao trabalho pode dilatar esta decisão, porque o
prejuízo que ocasionará sua detenção será imenso. (...) Uma vez mais lhe
aconselho com insistência que parta imediatamente às províncias por um mês.
Em todas as partes há muito trabalho a realizar, e a direção geral é sempre
necessária em todos os lados. Se há desejo de ir (e deve haver desejo) a viagem
sempre se pode arrumar”26.
O enlace de Lenin com a Rússia era, aliás, um tema sempre crítico.
Em 1905, mesmo dentro das fileiras bolcheviques repercutia a influência
dos elementos oportunistas, e não raro apareciam tendências de isolar o
chefe do partido, ainda exilado, da marcha dos acontecimentos. É disso que
se queixa Lenin, furioso, em uma carta endereçada ao CC bolchevique:
“Decididamente, lhes acusarei formalmente no quarto congresso
do crime de ‘restabelecer um duplo centro de direção’ que contradiz os es-
tatutos e a vontade do partido. Estejam seguros de que cumprirei minha pa-
lavra! Porque se trata decerto de um duplo centro de direção, já que entre as
funções do meu cargo figura a obrigação de dirigir o órgão do Comitê Central. Não
é assim? Porém, como posso cumprir com esta tarefa quando não recebo
informação alguma sobre a tática e não respondem à pergunta formal sobre
a reunião ‘prefixada’ para 1 de setembro do novo calendário! Pensem vocês
16
que consequências nos acarretariam os desacordos entre nós! Por acaso é
tão difícil fazer com que alguém escreva pelo menos sobre os assuntos de
‘importância estatal’?”27.
Tratava-se, realmente, de um crime: privar Lenin das informações
que lhe permitiriam não só interpretar os acontecimentos, como indicar
a direção da marcha. E o que os acontecimentos punham na ordem do
dia, com redobrada força, era o problema da insurreição armada. Não só
do ponto de vista histórico-estratégico, mas já político-tático. Após um pe-
ríodo de indefinições e incertezas, no qual as labaredas acesas na primeira
fase da revolução pareciam arrefecer, novas reservas de material inflamável,
insuspeitas, enquistadas no mais fundo do tecido social, ardiam em chamas.
Como em qualquer grande levantamento, este também se desenvolvia por
ondas, e era preciso muita atenção para não confundir o que seria apenas
um rescaldo do que era de fato um aprofundamento do incêndio revolucio-
nário.
Nos primeiros dias de outubro, os principais centros operários es-
tavam em greve. O epicentro da crise deslocara-se de São Petersburgo para
Moscou, onde os bolcheviques detinham a direção do Soviete de deputados
operários, recentemente eleito. A partir deste centro, a greve geral irradiou-
-se para o país. Os casos de motins no exército, de recusa em reprimir o
povo, se sucediam. Em meados do mês a velha Rússia czarista estava parali-
sada, ajoelhada aos pés da nova Rússia revolucionária. A 17 de outubro, en-
curralado, o Czar faz um pronunciamento à Nação, prometendo a liberdade
política. A reação dá um passo atrás, coloca-se em espera, na defensiva. No
mesmo dia, Lenin interpreta assim a situação:
“A revolução chegou até o ponto em que à contrarrevolução não
convém lhe atacar, tomar a ofensiva. Para nós, para o proletariado, para os
democratas revolucionários consequentes, isso é, todavia, insuficiente. Se não
subimos um passo mais, se não logramos uma ofensiva independente, se
não quebramos a força do czarismo, se não destruímos seu poder real, sairá
uma revolução às meias, a burguesia enganará os operários”28.
Este “passo mais”, capaz de quebrar a força do czarismo, era a in-
surreição armada. Lenin sabia que a dualidade de forças não duraria para
sempre. Sabia, igualmente, que a direção de tarefa tão complexa reclamava
a presença, no próprio teatro de guerra, do chefe do partido e da revolução.
Chegara a hora de retornar à Rússia.

“Da defesa ao ataque”


Em fins de outubro, Lenin deixa a sonolenta Genebra para voltar a
17
uma Rússia convulsionada. Na verdade, ele não via a hora de se encontrar
em pessoa com a revolução. Diria, numa carta destes dias: “Temos na Rús-
sia uma boa revolução, asseguro-vos! Esperamos voltar logo, as coisas se
orientam para essa eventualidade com uma rapidez espantosa.”29.
Em Estocolmo, Suécia, onde teve de aguardar uns dias, ele escreveu
um artigo intitulado “Nossas tarefas e o Soviete dos Deputados Operá-
rios”, em que os caracteriza como órgãos do novo poder revolucionário.
Por infelicidade, este escrito de uma clarividência ímpar se perderá, só vin-
do a ser encontrado e publicado na União Soviética em 1940.
Na Rússia revolucionária, a vida é tão intensa quanto perigosa. Após
a chegada em São Petersburgo, nos primeiros dias de novembro, Lenin vive
às voltas com os espiões da Okhrana1*, e tem que mudar constantemente
de casa, de documentos, de cidade, até que por fim fixa residência na Fin-
lândia (à época, parte do território russo). Lenin fala às massas, participa
de reuniões no jornal, intervém em reuniões clandestinas, quase sempre
sob pseudônimo, quase sempre em condições precárias. Assim, relata uma
militante as condições em que se reuniu a Conferência de S. Petersburgo
do POSDR, em julho de 1907, a qual assistiu Lenin, e que podemos julgar
típicas de todo aquele período:
“Ouvimos os líderes em condições pavorosas: de início havíamo-
-nos reunido na casa de um taberneiro. Nem bem Lenin começara a falar, o
dono veio avisar que a polícia ameaçava fechar-lhe a taberna. Então fomos
para o bosque. Para despistar a polícia, dirigimo-nos até lá um a um; chovia
a cântaros; a chuva impediu-nos de adotar uma resolução”30.
Apesar da fragilidade aparente, era ali que se reuniam as forças so-
ciais novas, irresistíveis, que abalariam a Rússia – e o mundo - em todos os
seus alicerces.
Em princípios de dezembro, reuniu-se, por iniciativa de Lenin, a
Conferência bolchevique, em Tammerfors (Tampere), Finlândia. Ele sabia
que assegurar a coesão ideológica e política do partido era condição sine qua
non para que este pudesse dirigir a contento os combates que se anunciavam
em Moscou. Coube a ele pronunciar dois informes, um sobre a situação
política e outro sobre a questão agrária. Nesta reunião, Lenin e Stalin, que
mantinham correspondência, encontraram-se pela primeira vez:
“Foram – evoca Stalin – discursos inspirados, que despertaram o
entusiasmo da Conferência. O extraordinário poder de convicção, a simpli-
cidade e a clareza da argumentação, as frases breves e compreensíveis para
todos, a ausência de afetação, de gestos teatrais, de linguagem requintada
1 *
Denominação da polícia política czarista.
18
para produzir efeito, tudo isso distinguia vantajosamente os discursos de
Lenin dos oradores ‘parlamentares’ habituais”31.
Por proposição de Lenin, a Conferência abreviou os seus trabalhos,
e os delegados saíram dela diretamente para assumir seus postos na insur-
reição.
*
Como vimos, as primeiras exortações de Lenin aos operários, no
início das Jornadas Revolucionárias de 1905, já falavam na necessidade de
se preparar para a guerra civil. Este tema está presente praticamente em todos
os seus escritos daquele ano. Lenin tomou muito a sério as lições deixadas
por Marx sobre a derrota da Comuna de Paris. Em março, no guia de uma
intervenção que pronunciou sobre o tema, ele escreveu:
“12. Catástrofe. Defeitos de organização. Atitude defensiva. Com-
posição entre Thiers e Bismarck (papel de Bismarck, assassino a soldo). A
semana sangrenta de 21 a 28 de maio de 1871. Seus horrores, deportação
etc. Calúnias. Mulheres e crianças... Pág. 487 [no original, de Lênin, não
aparece a fonte]: 20.000 foram assassinados nas ruas. 3000 morreram nos
cárceres, etc. Conselhos de guerra: até 1 de janeiro de 1875 foram condena-
das 13.700 pessoas (80 mulheres, 60 crianças), deportação, cárcere.
13. Ensinamentos: a burguesia não se deterá perante nada. Hoje,
liberais, radicais, republicanos; amanhã, traição, fuzilamentos. Organização
independente do proletariado – luta de classes – guerra civil. Todos, no
movimento atual, descansamos sobre os ombros da Comuna”32.
Lenin não alimentava, como se vê, qualquer ilusão com uma espécie
de “transição pacífica”. Aprendera, aconselhando-se com Marx e Engels,
que com uma insurreição não se brinca; que fazê-la é uma arte; e que o
segredo dessa arte é estar sempre na ofensiva.
1905 foi, como se vê, em tudo e por tudo, o rascunho da obra-pri-
ma de 1917. Um rascunho que teve, por pincéis, fuzis, e por tinta, suor e
sangue.
Em 1 de fevereiro, ele atacava, no artigo “Duas táticas” (não con-
fundir com o livro “Duas táticas da social-democracia...”, que é de julho) a
crítica menchevique de que ele queria “fixar a data da revolução”:
“’A data de uma revolução popular não se pode fixar de antemão’.
Porém, sim, a de uma insurreição, sempre que os que a fixem tenham in-
fluência sobre as massas e saibam determinar da forma correta o momen-
to”33.
A 7 de julho, repercutindo a sublevação no Encouraçado Potemkin,
dirá que “Exército revolucionário e governo revolucionário são as duas
19
faces da mesma moeda”. Assim:
“O exército revolucionário é imprescindível, porque os grandes
problemas históricos só podem resolver-se pela força, e a organização da
força é, na luta moderna, a organização militar. (...) Para a vitória total do
povo sobre o czarismo, a imediata organização da direção política do povo
levantado em armas é tão necessária como a direção militar de suas for-
ças”34.
Em setembro, Lenin comentou a ação de um destacamento armado
de operários que assaltou um presídio em Riga (Letônia), a fim de resgatar
dois líderes populares condenados à morte. A ação heroica, que resultou
na morte de dois guardas e no ferimento de dez, conseguiu libertar os pri-
sioneiros. Ele conferiu importância histórica a este acontecimento, que se
produziu na periferia da tormenta revolucionária, num artigo significativa-
mente chamado “Da defesa ao ataque”:
“Salve heróis do destacamento revolucionário de combate de Riga.
Que o seu êxito sirva de estímulo e exemplo para os operários social-demo-
cratas da Rússia. Viva os iniciadores do exército revolucionário!”35.
Não era apenas uma exortação apaixonada, era também método:
Lenin pinçava este fato com propósito, via nele uma iniciativa que deveria
ser generalizada:
“O número de combatentes de tais destacamentos, de 25 a 75 ho-
mens, pode ser aumentado em várias dezenas em cada cidade grande e
amiúde nos subúrbios de uma grande cidade. Os operários acudirão por
centenas a estes destacamentos; o único que se requer é passar imediata-
mente a propagar tal ideia, em vasta escala, e passar a formar estes destaca-
mentos, dotá-los de facas e revólveres até bombas, instruí-los e educá-los
militarmente”36.
Para ele, nessa nova fase da luta, “a bomba deixou de ser a arma
de um homem-bomba solitário e se converteu numa arma necessária do
povo”. Uma vez que os operários formem rapidamente e com energia suas
próprias unidades de combate, ele conclui, “não haverá força capaz de en-
frentar os destacamentos do exército revolucionário, providos de bombas,
que numa boa noite realizem simultaneamente uns quantos ataques como
o de Riga, depois dos quais – e esta última condição é a mais importante
– se alcem centenas de milhares de operários que não esqueçam a jornada
‘pacífica’ de 9 de janeiro e anseiem com ardor um 9 de janeiro em armas”37.
Como se vê, seria igualmente falso atribuir a Lenin a expectativa de
que o exército revolucionário nascesse pronto, a partir da mera divisão do
exército reacionário, tese bastante corrente em vários círculos revisionistas.
20
Não: Lenin propõe organizar militarmente os próprios operários, partindo
das formas mais simples de luta.
Lenin instava todo o partido a estudar questões militares e a técnica
militar propriamente dita. Em 16 de outubro, numa carta destinada ao Co-
mitê de luta junto ao Comitê de Petersburgo do Partido, dirá:
“Dirigi-vos aos jovens. Formai imediatamente, em todos os luga-
res, grupos de combate, formai-os entre os estudantes e sobretudo entre
os operários etc, etc. Que destacamentos de 3 a 10 e até de 30 e mais, se
formem logo. Que eles próprios se armem de imediato, como puderem,
um de revólver, outro de um trapo impregnado de querosene para servir de
archote, etc. (...) Formai imediatamente um destacamento, armai-vos como
puderdes, trabalhai com todas as vossas forças, ajudar-vos-emos como pu-
dermos, mas não espereis tudo de nós, trabalhai vós mesmos... Os destaca-
mentos devem começar imediatamente sua instrução militar por operações de
combate. Imediatamente”38.
A 7 de dezembro, estala a greve política em Moscou. O Soviete,
dirigido pelos bolcheviques, conclama: Às armas! As massas populares res-
pondem com decisão, e, a 9 de dezembro, a cidade torna-se uma fortaleza
de barricadas. Por toda a Rússia, em vários outros centros, respondendo ao
chamado dos seus irmãos e irmãs moscovitas, operários e camponeses em-
punham as armas. Isto ocorre em Krasnoiarsk, Motovilica (Perm), Novo-
rossisk, Sormovo, Sebastopol, Cronstadt, e também na Georgia, na Ucrâ-
nia, na Letônia. Lenin, mais tarde, no seu trabalho “As lições da insurreição
de Moscou” (que é uma das coisas mais brilhantes que ele escreveu), dirá:
“A ação de dezembro em Moscou demonstrou com evidência que a
greve geral, como forma independente e principal de luta, se tornou obso-
leta e que o movimento ultrapassa, com uma força espontânea e irresistível,
este quadro estreito e gera a forma suprema da luta, a insurreição”39.
Homens, mulheres, idosos e crianças erguem barricadas. Há reu-
niões e demonstrações nas ruas. Bandeiras vermelhas tremulam no topo
dos prédios. Enquanto isso, nos subúrbios, grupos de combate, móveis e
flexíveis, assestam golpes nas tropas, algumas das quais vacilam. Dubassov,
mando do exército czarista, não confia nos seus homens e pede reforços,
que só chegam dia 15. A 17, as tropas reacionárias obtém uma vantagem
numérica esmagadora em homens e armas. O bairro de Présnia, baluarte da
revolução, segue lutando mesmo sem armas, até cair, exausto, banhado em
sangue. A Moscou vermelha, após nove dias de luta heroica, é derrotada.
Notem que o grande centro operário russo da época, São Peters-
burgo, permaneceu à margem dos acontecimentos. Faltou, nessa hora crí-
21
tica, aos seus camaradas em armas. Por que? Certamente, não se poderia
arriscar nenhum argumento sobre a capacidade de luta dos seus operários,
que desempenharão papel central doze anos depois.
É que o Soviete de São Petersburgo era dirigido pelos mencheviques,
e Trotsky era seu presidente. Vendo que a situação se radicalizava, muitos
deles faziam ardentes discursos “pela insurreição”, mas providências, nada.
Após a derrota, Plekhanov dirá: “não se devia ter tomado as ar-
mas”. Enquanto os bolcheviques diziam que era preciso tirar todas as lições
da insurreição de Moscou, os seus adversários reformistas propunham uma
mera debandada. Os bolcheviques conclamaram o boicote à Duma czarista,
denunciando-a como instrumento para enganar o povo; os mencheviques,
apressaram-se a apresentar candidatos. O primeiro ano da revolução termi-
nava, e embora a agitação perdurasse, ela tivera na insurreição de dezembro
de Moscou o seu ápice. Lenin, atacando com indignação a atitude menche-
vique, dirá:
“Pelo contrário, o que era preciso era pegar em armas mais deci-
dida, enérgica e ofensivamente, o que era preciso era explicar às massas a
impossibilidade de uma greve puramente pacífica e a necessidade de uma
luta armada intrépida e implacável. E agora devemos, por fim, reconhecer
abertamente e proclamar bem alto a insuficiência das greves políticas, de-
vemos fazer agitação nas mais amplas massas pela insurreição armada, sem
esconder esta questão por meio de nenhum ‘grau preliminar’, sem a enco-
brir com nenhum véu. Esconder das massas a necessidade de uma guerra
desesperada, sangrenta e encarniçada, como tarefa imediata da ação próxi-
ma, significa enganar-se tanto a si próprio como ao povo. Tal é a primeira
lição dos acontecimentos de dezembro”40.
E, sempre mirando o futuro, asseverará:
“A revolução pode ainda ir mais além do que os grupos de combate
de Moscou, pode ir muito, muito mais além, tanto em amplitude como em
profundidade. E a revolução avançou muito desde dezembro. A base da
crise revolucionária tornou-se incomensuravelmente mais ampla; agora é
preciso afiar mais a lâmina”41.
Palavras proféticas. Viria o período da reação stolipiniana, estou-
raria a I Guerra Mundial, a Internacional Socialista iria à bancarrota pelas
mãos dos seus dirigentes social-imperialistas, eclodiria a revolução de fe-
vereiro, a dualidade de poderes... ao longo de todos estes anos, Lenin e os
bolcheviques não jogaram fora as armas de 1905; apenas “afiaram mais a
lâmina”, e venceram com ela em outubro de 1917.
22
Notas
Informações biográficas deste período, agora e doravante, retiradas de: “Lenin
(sua vida e sua obra)”, editorial Vitória, Brasil, 1955. As exceções serão assina-
ladas.
2
Engels, “Prefácio à terceira edição alemã de O 18 Brumário de Luís Bonapar-
te”, na coletânea “Textos - volume 3”, Edições Sociais, p.201.
3
Para o pano de fundo dos acontecimentos, ver “Compêndio de História do
Partido Comunista (bolchevique) da URSS”, aparecido originalmente em Mos-
cou, em 1938, e publicado pela primeira vez no Brasil pelo editorial Vitória, em
1945.
4
Lenin, “Obras completas”, Akal Editor, Espanha, Tomo VIII, p. 44.
5
Lenin, idem, p. 105.
6
Lenin, idem, p.65.
7
Lenin, idem, p.226.
8
Lenin (sua vida e sua obra), p. 94.
9
Lenin, op.cit., tomo IX, p.199.
10
Lenin, op. cit., Tomo VIII, p. 169.
11
Idem, p.103.
12
Op.cit, Tomo XV, p.50.
13
Op.cit, Tomo VIII, p.150.
14
Idem, págs. 342-343.
15
Op. cit, Tomo IX, p.232.
16
Idem, p.71.
17
L. Trotsky, “A Revolução de 1905”, aparecido originalmente em 1909. Dis-
ponível na internet em: https://www.marxists.org/espanol/trotsky/ceip/per-
manente/conclusionesde1905.htm#_ftn1
18
Lenin, op. cit., Tomo VIII, p. 301.
19
Lenin, op.cit., Tomo XXXVIII, p.75.
20
Idem, págs.144-145.
21
Lenin, op.cit., Tomo VIII, p.158.
22
Idem, p.164.
23
Op. cit, tomo XXXVIII, págs.123-125.
24
Idem, p.119.
25
Idem, págs. 117-118.
26
Idem, p.95.
23
27
Idem, p. 138.
28
Lenin, op.cit., Tomo VIII, p.415.
29
Lenin (Sua vida e sua obra), p.106.
30
Idem, p.122.
31
Idem, págs.108-109.
32
Lenin, op. cit., Tomo VIII, págs.213-214.
33
Idem, p.154.
34
Idem, págs.643-644.
35
Op. cit., Tomo IX, p.280.
36
Idem.
37
Idem, p.281.
38
Idem, p.348.
39
Lenin, op.cit., Tomo XI, págs.175-183.
40
Idem.
41
Idem.

24

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