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Artigo Jornal de Angola

Título: Alterações ao Código Geral Tributário e o seu impacto na sua vida


Como é sabido a Administração Geral Tributária (AGT) encontra-se em fase de
conclusão da reforma do Código Geral Tributário (CGT), código este onde se
encontram consagrados os princípios fundamentais do sistema fiscal angolano, entre
os quais, o princípio da igualdade fiscal, o princípio da legalidade fiscal, o princípio da
participação, o principio da verdade material dos actos tributários e o principio da
equivalência ou proporcionalidade, entre outros princípios de não somenos
importância.

Se é verdade que no presente momento Angola encontra-se numa situação em que,


por um lado necessita de angariar investimento privado para o desenvolvimento do
país, nomeadamente para combater o desemprego, substituir as importações por
produtos de produção interna e consequentemente reduzir a utilização de divisas na
importação destes mesmos produtos, por outro lado Angola necessita de angariar
receitas do sector não petrolífero para fazer face às suas despesas, nomeadamente as
despesas com os salários da função pública e ao pagamento da dívida contraída.

Como actualmente os impostos do sector não petrolífero são a principal fonte de


receitas do Estado para fazer face as despesas acima mencionadas, o objectivo da
reforma do CGT levado a cabo pela AGT, é o de simplificar os procedimentos
tributários para combater as novas formas de fuga ao fisco que se verificam
actualmente e que se consubstanciam na utilização de diversas formas de contornar a
Lei, sem que ocorra uma violação directa das normas fiscais, pondo deste modo em
causa o espírito das normas e do sistema tributário.

No meu entender este processo de simplificação dos procedimentos fiscais de


liquidação dos impostos deve ser feito com cautela para não se correr o risco de violar
princípios fiscais fundamentais plasmados no sistema fiscal angolano, contribuindo
desta forma para tornar o mercado de negócios angolano menos atractivo do que
aquilo que pretende e necessita ser.

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É pois necessário que a AGT tenha em conta que é no CGT que se encontram
consagrados os principais meios de defesa dos direitos e interesses dos Sujeitos
Passivos, quer ao nível do procedimento fiscal nos processos conduzidos pela AGT,
quer também por aplicação subsidiária, ao nível do processo fiscal dos processos de
matéria fiscal que correm os seus termos nas salas do tribunal fiscal e aduaneiro.

É também no CGT que encontramos os princípios e procedimentos fiscais que devem


ser respeitados pela AGT na realização da liquidação e cobrança dos impostos, quer de
natureza voluntária, quer de natureza coerciva. A reforma do CGT em curso, onde a
AGT procura trazer uma maior celeridade para o procedimento tributário, não se deve
sobrepor à manutenção, ou mesmo ao reforço, dos meios de defesa que os Sujeitos
Passivos têm disponíveis para a defesa dos seus direitos, ou interesses.

O art. 26, nº 2 e o art. 119-A, da proposta de alteração do CGT, colidem com o


Princípio da Verdade Material da Declaração Tributária dos Sujeitos Passivos, pois a
AGT com a aprovação desta alteração pode recusar todos os actos e negócios
realizados pelos Sujeitos Passivos com o fundamento de que estes foram celebrados
com o objectivo de obter vantagens fiscais (artifícios), não partindo antes do princípio
de que as declarações dos Sujeitos Passivos são verdadeiras.
A AGT deve procurar criar uma relação de maior colaboração e cooperação com os
Sujeitos Passivos e partir do princípio de que as declarações apresentadas por estes
são verdadeiras, tal como previsto no art. 105 do CGT, em vez de utilizar o
fundamento de que os actos e negócios realizados pelos Sujeitos Passivos foram
“celebrados com o objectivo de obtenção de vantagens fiscais.”
Os critérios para se definir se os actos, ou negócios são artificiosos, não estão
definidos na lei fiscal, pelo que se está a exigir que os técnicos da AGT decidam sobre
a intenção dos Sujeitos Passivos, ou a extensão dos actos e negócios realizados pelos
Sujeitos Passivos, quando esta tarefa deve ser exclusiva dos tribunais competentes
desta matéria, ou seja, somente os tribunais com competência tributária e aduaneira.
Tal como em outros ramos do direito, a AGT não deve partir do princípio de que os
Sujeitos Passivos agem de má-fé, no entanto quando estas situações ocorram, pode a
AGT adotar as medidas legais necessárias para corrigir, ou anular as mesmas, tendo

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disponível em última instância o recurso aos tribunais especializados para determinar a
validade, ou a eficácia dos actos e negócios realizados pelos Sujeitos Passivos.
Desta forma pode-se evitar que sejam pessoas menos preparadas e sem o impreterível
conhecimento legal e dos princípios inerentes ao exercício da magistratura judicial, a
julgar e a decidir questões importantes para os Sujeitos Passivos e que podem ter
impacto na vida de centenas de pessoas.
Não é pois aceitável que quer a intenção dos Sujeitos Passivos, quer a validade, ou a
extensão dos actos e negócios realizados pelos Sujeitos Passivos sejam decididas por
técnicos da AGT, sem qualquer desprimor para com o trabalho realizado por estes. Os
tribunais especializados devem ser os únicos órgãos legalmente qualificados para estes
efeitos.
Por outro lado, o art. 54, n. 2, alíneas a) e b) da proposta de alteração do CGT,
conjugado com o número 4, traduzem um princípio protector da AGT “In dubio pro
AGT”, violando o princípio da igualdade tributária.
Em função do disposto nos artigos acima referidos, os Sujeitos Passivos durante a
pendência de um processo administrativo ou judicial, a que tenham recorrido para a
defesa dos seus direitos e interesses, são obrigados a assumir o risco das eventuais
actualizações que possam ocorrer no valor da UCF, o mesmo já não acontecendo com
a AGT, que em função de qualquer erro que possa cometer no processo de liquidação
dos impostos e consequentemente seja obrigada a indemnizar os Sujeitos Passivos
com juros indemnizatórios e juros de mora, estes devem ser calculados sem que o
valor da UCF seja actualizado.
Esta alteração é igualmente inaceitável por conduzir a um tratamento desigual entre a
AGT e os Sujeitos Passivos, o que deve ser evitado, se não em todas as situações, pelo
menos tal deve ser feito sempre que possível. O valor da UCF deve poder ser
actualizado sem abrir qualquer excepção para a AGT.
Uma vez que a AGT já tem ao seu dispor outros instrumentos legalmente tutelados
para a cobrança coerciva dos impostos, não se justifica que a AGT possa, sem o
consentimento dos Sujeitos Passivos, proceder à compensação de créditos não
tributários, tal como previsto no art. 59, nº 1, da proposta de alteração do CGT. Uma

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vez que havendo interesse dos Sujeitos Passivos em regularizar a sua situação fiscal,
deve a AGT trabalhar com os Sujeitos Passivos para a utilização do mecanismo da
compensação tributária.
A introdução do n. 8, no art. 62 da proposta de alteração do CGT, que permite que a
contagem do prazo da caducidade possa ser suspensa com um simples despacho ou
uma ordem de serviço de início de inspecção externa, põe em causa o Principio da
Segurança Jurídico – Tributária dos Sujeitos Passivos. Com esta alteração, a contagem
do prazo de caducidade passará a depender da possibilidade que esta disposição legal
confere a AGT, de emitir ordens de serviço, ou despachos, para suspender a contagem
dos prazos de caducidade.
Devido a importância que este instituto tem na administração, estabilidade financeira e
fiscal das empresas é desaconselhável abrir a possibilidade de a AGT poder suspender
a contagem do prazo da caducidade com um simples despacho ou uma ordem de
serviço. Esta mudança poderá trazer insegurança para os Sujeitos Passivos, podendo
ter um impacto negativo na angariação de investimento privado em Angola. Ao invés,
eu defendo que deve-se reduzir o prazo de caducidade para 4 anos pois entendo ser
este um período de tempo razoável para que a AGT possa corrigir, ou cobrar
coercivamente qualquer situação fiscal irregular e desta forma transmitir aos Sujeitos
Passivos a ideia de um melhor funcionamento dos serviços da AGT e
consequentemente uma maior confiança para realizar investimentos no mercado
angolano.
Acredito que no art. 80, alínea c), da proposta de alteração do CGT, a AGT não teve
em conta que os Sujeitos Passivos não estão obrigados a constituir mandatários
especializados para apresentarem as sua reclamações, ou recursos hierárquicos, pelo
que entendo que a AGT não deve deixar de responder as mesmas, quanto muito, para
informar que a reclamação é extemporânea, ou que sofre de um qualquer outro vício
que impede a AGT de conhecer da mesma e neste caso informar os Sujeitos Passivos
sobre os outros meios disponíveis para a defesa dos seus direitos e interesses (Dever
de Colaboração art. 84, do CGT).

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As alterações introduzidas no art. 85, da proposta de alteração do CGT, são de todo
inaceitáveis. Note-se que o instituto do Direito de Audição está directamente
correlacionado com o Princípio da Colaboração Mútua e com o Princípio da Participação
dos Sujeitos Passivos na formação das decisões que lhes digam respeito. Os técnicos
da AGT devem pois prestar as informações e os esclarecimentos que os Sujeitos
Passivos necessitem e devem trabalhar com os Sujeitos Passivos segundo as regras da
boa-fé.
O Princípio da Participação é efectivado via o Direito de Audição, ou seja, via o direito
que os Sujeitos Passivos tem de intervir na tomada de decisões de que sejam
destinatários e não ser meramente informados dos projectos de decisão, ou dos
relatórios das inspecções efectuadas. Assim, estas alterações devem salvaguardar que
os Sujeitos Passivos possam exercer o Direito de Audição Prévia para a protecção dos
seus direitos ou interesses legalmente tutelados.
A Audição Prévia deve ocorrer antes da liquidação, antes do indeferimento dos
pedidos, reclamações, recursos e petições, antes da revogação de benefícios, ou de
um acto administrativo, antes das decisões de aplicação de métodos indirectos e antes
da conclusão dos relatórios de inspecção tributária.
Assim sendo, são inaceitáveis quaisquer tipos de limitações do Direito de Audição que
levem a que os Sujeitos Passivos apenas sejam chamados para se pronunciarem sobre
assuntos do seu interesse, depois de a AGT ter concluído o procedimento tributário e
lhes apresente o projecto de decisão.
Os Sujeitos Passivos devem ser ouvidos antes da conclusão da instrução dos
procedimentos tributários, seja em que fase do procedimento se encontre o seu
processo ex. Reclamação, ou recurso hierárquico, para poderem colaborar com a AGT
no mérito das suas decisões.

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Por outro lado, nas situações em que a determinação da matéria colectável e
liquidação sejam oficiosas, continua a ser imperioso que os Sujeitos Passivos possam
pronunciar-se mediante o exercício do Direito de Audição Prévia. Muito embora a
matéria colectável tenha sido apurada com critérios legais objectivos, não deve ser
retirado o direito dos Sujeitos Passivos exercerem o seu Direito de Audição Prévia, para
que lhes seja assegurado o exercício do Princípio do Contraditório.
As alterações propostas neste artigo põem em causa o Princípio do Contraditório, que
se encontra consagrado não apenas no nosso ordenamento jurídico, mas também na
maioria dos ordenamentos jurídicos dos países democráticos e na Declaração Mundial
dos Direitos do Homem.
O Princípio do Contraditório constitui um princípio fundamental de um Estado de
Direito, que pode ter um forte impacto no relacionamento da AGT com os Sujeitos
Passivos, assim como influenciar a angariação de investimento privado em Angola.
Todos os Sujeitos Passivos devem ter o direito de contestar as acusações de que sejam
alvo por parte da AGT, antes da formação de qualquer espécie de decisão pela AGT.
Com a aprovação desta alteração, os Sujeitos Passivos vêem-se impossibilitados de ter
um tratamento igualitário em termos de oportunidades de defesa, qualitativas e
quantitativas, para intervirem nos procedimentos tributários que lhes digam respeito
para a defesa dos seus direitos e interesses.
Com esta proposta de alteração, um outro princípio posto em causa é o Princípio da
Igualdade, que é, juntamente com o Princípio do Contraditório, gravemente afectado,
quando os Sujeitos Passivos não têm as mesmas oportunidades que a AGT para
intervir em um processo tributário que lhes diga respeito e em que tenham interesses
legítimos a defender.
A alteração proposta no art. 102, da proposta de alteração do CGT, com a inclusão do
n. 8, leva a que a AGT cobre aos Sujeitos Passivos, por estes recorrerem aos serviços
da AGT para confirmar a sua situação tributária com carácter vinculativo. Esta
alteração parece dever-se à pretensão da AGT de reduzir a utilização desta garantia
pelos Sujeitos Passivos para tornar os procedimentos tributários mais céleres. A AGT

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parece penalizar os Sujeitos Passivos por estes solicitarem à AGT a emissão de um
documento com carácter vinculativo, o que é dever da AGT, ou seja, é dever da AGT
colaborar para o esclarecimento de quaisquer questões tributárias dos Sujeitos
Passivos.
Nos arts. 84-A e 101-A, da proposta de alteração do CGT, a AGT pretende também
tornar obrigatória a colaboração de pessoas públicas e privadas, colectivas e
individuais na liquidação dos impostos.
Face a situação actual do país, onde se pretende angariar investimento privado, a AGT
deve poder recolher todas as informações sobre os Sujeitos Passivos e deve também
procurar estreitar a colaboração com os mesmos, mas sempre sem a violação de
princípios fundamentais para os Sujeitos Passivos, como é o caso do Princípio da
Confidencialidade. Princípio este fundamental não apenas no foro particular mas
principalmente no foro dos negócios, onde a possibilidade de se manter a
confidencialidade dos negócios é muitas vezes um dos factores de decisão do local
onde se realizar os investimentos.

O Advogado

_______________________________
Rui Afonso | Inscr. OAA nº 575
NIF: 100274130MO0320

Tel.: 922782573

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