Você está na página 1de 5

CÂNTICOS DO REALISMO.

O LIVRO DE CESÁRIO VERDE

A REPRESENTAÇÃO DA CIDADE E DOS TIPOS SOCIAIS

• A cidade surge como um espaço que se opõe ao campo. O espaço urbano é visto como opressivo e destrutivo
(por exemplo, nos poemas «Num bairro moderno» e «O sentimento dum ocidental»), tanto para o sujeito poético
como para os populares que para aí se deslocam em busca de melhores condições de vida, na sequência do
enorme êxodo rural que ocorreu nesta época. Em contrapartida, o campo é perspetivado como um local de
liberdade — sendo que o espaço rural não é idealizado, mas descrito de forma realista e concreta.

• Mesmo nos poemas que se concentram no espaço citadino, são feitas referências frequentes ao campo —
como que a lembrar que a vocação do ser humano se orienta para uma vida harmoniosa e natural, que só no
campo se encontra, e que a vida na cidade o desumaniza. Deste modo, no espaço urbano há sempre um desejo
de evasão para o campo.

• A oposição cidade/campo alarga-se também ao campo amoroso: enquanto a cidade está associada à ausência,
impossibilidade ou perversão do amor, o campo representa a possibilidade de vivência plena dos afetos.

• As próprias figuras femininas da obra de Cesário se associam a esta dicotomia: o eu poético sente-se atraído
por dois tipos opostos de mulher — a mulher fatal e a mulher frágil e inocente. No primeiro caso, temos figuras
femininas que se enquadram perfeitamente no espaço citadino (e que surgem, por exemplo, no poema «O
sentimento dum ocidental»). Pertencem a um estrato social superior ao do sujeito poético e ostentam riqueza e
elegância. O desejo que estas mulheres suscitam no sujeito poético é investido de ambiguidade, na medida em
que a sua altivez, ao mesmo tempo que o seduz, provoca nele um sentimento de revolta. No segundo caso,
temos personagens simples, inocentes, frágeis e desamparadas, que, pelas suas características, não se
enquadram no espaço urbano, visto como um local de corrupção (cf., por exemplo, o poema «A débil»). Assim,
ao contrário da mulher fatal, a vulnerabilidade desta figura feminina desperta no eu o instinto de proteção, o
desejo de se redimir das suas faltas e de levar com ela uma existência honesta e tranquila.

• No que diz respeito aos tipos sociais representados na obra de Cesário, temos claramente um sentimento de
empatia do sujeito poético em relação aos elementos das classes mais baixas (cf., por exemplo, os poemas «O
sentimento dum ocidental», «Num bairro moderno» e «Cristalizações»). Com efeito, é feita uma crítica às
condições degradantes em que os elementos do povo viviam: as varinas de «O sentimento dum ocidental»
«apinham-se num bairro aonde miam gatas / E o peixe podre gera os focos de infeção» (vv. 43-44) —, bem como
à exploração a que estavam sujeitos — os calceteiros são descritos, em «Cristalizações», como «bestas […]
curvadas» que têm uma «vida […] custosa» (vv. 61-62); quanto à vendedeira de «Num bairro moderno», é
humilhada por um criado que lhe «[a]tira um cobre ignóbil, oxidado» (v. 29) e se recusa a pagar-lhe mais pela
mercadoria.

• O poema «Cristalizações» parece, num primeiro momento, contrariar este sentimento de compaixão em
relação aos elementos mais vulneráveis da sociedade. De facto, o eu mostra-se pontualmente satisfeito com a
cidade mercantil — isto é, com uma sociedade que se centra apenas no progresso a nível económico, ignorando
as necessidades das classes mais desfavorecidas: «E engelhem muito embora, os fracos, os tolhidos, / Eu tudo
encontro alegremente exato» (vv. 46-47). Contudo, esta perspetiva é posteriormente contrariada pela
contemplação mais demorada dos calceteiros e pela reflexão sobre a dureza que marca o seu percurso
existencial. Assim, o sujeito poético acaba por mostrar a sua admiração por estes trabalhadores: «Que vida tão
custosa! Que diabo!» (v. 62).

• A injustiça social denunciada na poesia de Cesário torna-se mais gritante pelo contraste que nela se estabelece
entre o labor permanente dos elementos do povo, que é visto como a força ativa da sociedade, e o ócio que
caracteriza as classes dominantes. Com efeito, no poema «Num bairro moderno», a azáfama da vendedeira e
dos trabalhadores da cidade contrasta com a «vida fácil» (v. 12) dos habitantes deste luxuoso espaço, que às
dez da manhã ainda estavam a começar a despertar. Também em «O sentimento dum ocidental» este contraste
é visível: a descrição dos trabalhadores que regressam a casa ao fim da tarde e dos que se encontram ainda no
local de trabalho torna mais gritante a inatividade das classes dominantes, que jantam nos «hotéis da moda»
(v. 28) ou se entregam ao consumismo nas «casas de confeções e modas» (v. 107).

DEAMBULAÇÃO E IMAGINAÇÃO: O OBSERVADOR ACIDENTAL

• Cesário Verde representa nos seus versos a cidade (e o campo) através do registo de perceções sensoriais:
embora predominem as referências visuais, o eu lírico caracteriza também o espaço urbano pelas constatações
que lhe chegam através do ouvido, do olfato e do tato (cf. «O sentimento dum ocidental» e «Num bairro
moderno», nas páginas 278-283 do manual). Em várias situações essas sensações cruzam-se em sinestesias.

• A caracterização da cidade é feita enquanto o eu lírico caminha pelas ruas, anotando em movimento o que vê,
ouve, cheira e sente. O facto de deambular, de se deslocar no espaço, permite-lhe uma perceção dinâmica e
um conhecimento mais completo da realidade urbana, na medida em que passa por vários lugares e encontra
diferentes personagens (cf. «A representação da cidade e os tipos sociais», nas páginas 65-66 deste livro).

• Mas Cesário não se contenta em apresentar a realidade «como ela é», ou seja, de forma «objetiva». O sujeito
poético coloca a sua subjetividade nessa descrição e fá-la acompanhar de insinuações apreciativas e de
comentários avaliativos: «Como animais comuns, que uma picada esquente, / Eles [os trabalhadores de rua],
bovinos, másculos, ossudos,» («Cristalizações»).

• Esse olhar subjetivo sobre o real e a cidade concretiza-se em vários casos numa representação imaginativa
das figuras, dos elementos e dos espaços que são descritos. A imaginação do sujeito poético leva-o, por exemplo,
a comparar a atriz elegante e intimidada de «Cristalizações» a uma cabra fugidia («Com seus pezinhos rápidos,
de cabra!») ou a falar, no mesmo poema, das «árvores despidas» do inverno como «uma esquadra [fundeada]
em fria paz».

• Esta é uma técnica de representação do real que se propicia à análise e à crítica social: através da comparação,
da metáfora e da imagem condena-se a desumanização do trabalho quando se encontram semelhanças entre
os calceteiros e os animais de carga: «Assim as bestas vão curvadas!» («Cristalizações»), denuncia-se o
«consumismo» da mulher abastada, comparando-a a uma «grande cobra, a lúbrica pessoa», alude-se aos
habitantes da cidade, que vivem em prédios, como encarcerados («os emparedados») — ambos de «O
sentimento dum ocidental». (cf. «Perceção sensorial e transformação poética do real», nas páginas 67-68 deste
livro.)

• Por outro lado, a imaginação criativa e a subjetividade do sujeito poético manifestam-se também na utilização
da técnica impressionista para representar a realidade. Tal sucede quando a caracterização de um lugar ou de
uma personagem é inicialmente definida por características suas (normalmente associadas à luz e à cor) que o
observador perceciona para só num segundo momento esse elemento ser identificado: «Reluz, viscoso, o rio»,
«Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero».

• Por fim, note-se que a imaginação do sujeito lírico é também responsável por trazer para o presente alusões
ao passado da cidade, seja esse passado glorioso ou sombrio: «Assim que pela História eu me aventuro e
alargo». Os grandiosos tempos idos da pátria emergem pela evocação de «Mouros, baixéis, heróis, tudo
ressuscitado» ou de Camões; os períodos de obscurantismo revelam-se quando, por exemplo, duas igrejas
recordam os tempos da Inquisição: «um ermo inquisidor severo» (exemplos de «O sentimento dum ocidental»).
• Tal significa que esta imaginação poética contribui decisivamente para dar significado (valorização, crítica,
sentido, etc.) à realidade que o sujeito poético descreve. Óscar Lopes (1987: 470-473) sugere mesmo que essa
imaginação funciona através da interseção, do cruzamento de diferentes planos: objetivo e subjetivo, realidade
e imaginação, ou presente e passado.

PERCEÇÃO SENSORIAL E TRANSFIGURAÇÃO POÉTICA DO REAL

• Na poesia de Cesário, há um sujeito poético que se encontra em permanente deambulação e cujo olhar, à
semelhança de uma câmara de filmar, vai captando imagens, como instantâneos cuja rápida sucessão é por
vezes sugerida através do recurso ao assíndeto (recurso expressivo que consiste na omissão da conjunção
coordenativa entre os constituintes, que se separam apenas por vírgulas). Assim, a visão desempenha um papel
fundamental nestes poemas. O próprio sujeito poético tem consciência deste facto, afirmando, no poema «Nós»:
«Pinto quadros por letras, por sinais.»

• No entanto, o sujeito poético não se limita a descrever objetivamente a realidade que observa nas suas
deambulações. A «luneta de uma lente só» («O sentimento dum ocidental», v. 85) pode ser entendida como
uma metáfora de um olhar criador, que tem o poder de transfigurar tudo o que o rodeia. É nesta sequência que
assistimos, por exemplo, ao aparecimento de um corpo formado pelas frutas e pelos legumes da vendedeira no
poema «Num bairro moderno» — através do qual o sujeito poético como que reverte a humilhação a que esta
figura feminina é sujeita pelo criado, na medida em que substitui, por momentos, todo o espaço citadino — bem
como a exploração do campo que ele representa — por uma imagem associada à vitalidade do espaço rural. A
realidade é também transfigurada, no poema «Cristalizações», no momento em que o eu configura as camisas
dos calceteiros como uma bandeira, que se institui como um símbolo de todo o sofrimento inerente à sua vida,
funcionando, portanto, como uma forma de denúncia das injustiças sociais. Finalmente, é possível também
considerar o momento de transfiguração das lojas que o sujeito poético observa em «O sentimento dum
ocidental» como um passo que tem subjacente uma intenção crítica, dado que a sua configuração como uma
imensa catedral com diversas capelas pode ser interpretada como uma condenação da elevação do consumismo
à condição de algo sagrado.

O IMAGINÁRIO ÉPICO (EM «O SENTIMENTO DUM OCIDENTAL»)

• O poema «O sentimento dum ocidental» foi publicado em 1880 no número especial do periódico Jornal de
Viagens, que nessa edição pretendia comemorar o terceiro centenário do falecimento do autor d’Os Lusíadas.
(Já aqui se vislumbra alguma ligação entre a composição de Cesário e a epopeia camoniana.)

• «O sentimento dum ocidental» é um poema longo que se centra na experiência de vida na Lisboa da segunda
metade do século XIX, como cidade ocidental moderna, bem como nos sentimentos de melancolia, desânimo e
até desespero que tal vivência desencadeia.

• Quanto à estrutura externa, o poema encontra-se organizado em quatro partes, cada qual com onze quadras,
formadas por um decassílabo e três alexandrinos. Na edição de O livro de Cesário Verde, as quatro partes
receberam os títulos: «Ave-Marias» (seis da tarde), «Noite fechada», «Ao gás» e «Horas mortas».

• Em termos de estrutura interna, assistimos ao percurso de um sujeito poético que percorre Lisboa à medida
que as horas passam e a noite se vai adentrando. As quatro partes correspondem, pois, a fases do fim do dia:
fim da tarde, chegada da noite, noite instalada e iluminada pelos candeeiros a gás e a noite cerrada das «Horas
mortas».

• «O sentimento dum ocidental» é predominantemente um poema lírico, na medida em que representa a


vivência de um eu (poético) numa cidade moderna do mundo ocidental. Contudo, o poema contém marcas que
recordam o estilo épico mas que acabam por o subverter (ou seja, por o contrariar). Essas características
emergem logo por se tratar de um poema longo com um forte pendor narrativo, como sucede numa epopeia: o
eu poético relata o seu percurso pela cidade. Mais ainda, esse sujeito podia estar a celebrar Lisboa e a vida dos
seus habitantes; mas, na verdade, está a criticá-la: a cidade é um lugar decadente, sem brilho nem valor.

• Há, contudo, uma dimensão épica no poema; mas essa não pertence ao presente, à Lisboa moderna. O Tejo,
a estátua de Camões e alguns outros elementos remetem para um passado em que Portugal conheceu a
grandeza e a glória. As alusões aos Descobrimentos e ao Império Marítimo são, assim, um esboço de uma
epopeia do passado, que o presente torna amarga porque já não é essa a realidade moderna.

• Como sucederia com Camões, se tivesse vivido no fim do século XIX, o sujeito poético perdeu o motivo para
celebrar a pátria decadente e a cidade sem brilho. No presente do eu poético, a viagem que se pode fazer já
não é a das Descobertas, plena de aventura, mas a fuga, a evasão para outro lugar diferente: «Levando à via-
férrea os que se vão. Felizes! / […] Madrid, Paris, Berlim, São Petersburgo, o mundo!»

• Por fim, também as personagens que povoam a cidade moderna não são já os heróis militares, cívicos,
políticos e artísticos de outrora. São agora personagens decadentes como burgueses, dentistas ou gente que
trabalha mecanicamente, que não trazem estatuto épico à cidade.

• O estilo de Cesário é prosaico e de tom coloquial, o que o situa longe do estilo elevado, retórico e
grandiloquente das epopeias. O próprio vocabulário do quotidiano da cidade («varinas», «boqueirões», «becos»)
em nada se confunde com o léxico rico e ostentatório de um poema épico.

LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA

1. Estrutura

• Cesário Verde investe grande cuidado na busca da perfeição formal dos seus poemas. Essa é uma das razões
que levaram alguns estudiosos a aproximar a poesia deste autor da dos poetas do Parnasianismo (ver glossário).

• Em termos de estrutura estrófica, Cesário recorre frequentemente à quadra, sejam os poemas longos («O
sentimento de um ocidental», «Nós») ou curtos («Sardenta»). Mas o poeta revela também o seu gosto pela
quintilha (estrofe de cinco versos), com que compõe «Cristalizações» ou «Num bairro moderno».

• Quanto à métrica, a preferência de Cesário incide nos versos alexandrinos (verso de doze sílabas métricas) e
nos decassílabos. Em alguns poemas — como «Cristalizações» ou «O sentimento dum ocidental» — surgem os
dois tipos de verso na mesma estrofe. Os alexandrinos e os decassílabos são versos mais extensos e permitem
ao poeta, de forma mais folgada e distendida, descrever a cidade e refletir sobre as perceções que dela tem;
mas estas são também estruturas métricas usadas porque permitem criar uma cadência musical.

• As composições poéticas de Cesário recorrem sempre à rima como forma de as organizar formalmente e de
lhes incutir musicalidade. Nos poemas constituídos por quadras, encontramos rima cruzada (abab) ou
interpolada e emparelhada (abba). As quintilhas estruturam-se geralmente num tradicional e ritmado abaab.

2. Linguagem e estilo

• Cesário Verde inovou a literatura portuguesa, em fins do século XIX, ao trazer para o domínio da poesia uma
nova linguagem, menos retórica e menos elevada. Esta coaduna-se com o tratamento original e novo de temas
antigos (campo, mulher) e modernos (cidade) e com o tipo de arte que o autor cultivava.

• Uma estranheza imediata que um leitor do século XIX teria sentido ao entrar na poesia de Cesário Verde
emergiria do discurso pouco ornamentado e pouco rebuscado que contrastava com a retórica pesada e
sentimental de alguma lírica romântica. Ao representar a realidade moderna da segunda metade de Oitocentos,
Cesário socorre-se de vocábulos e expressões da vivência citadina, sobretudo a que se associa ao povo. E a
poesia começa a ser frequentada por termos que até então não tinham aí entrada, como «via-férrea», «varinas»,
«infeção», «esguedelhada», «macadamizada », etc.

• A lírica de Cesário Verde aproxima-se da prosa não apenas pelo seu tom coloquial e antideclamatório mas
também, e como vimos, pelo uso do verso longo — como o decassílabo e o alexandrino e do encavalgamento.

• Ainda assim, a poesia de Cesário não é despida de recursos expressivos. O poeta cultiva a comparação e a
metáfora, em muitos casos, de forma a propor semelhanças entre aspetos da cidade (e os seus habitantes) e
outros elementos que dão sentido ou criticam: «Semelham-se a gaiolas, com viveiros / As edificações», «Como
morcegos […] Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros», «Que grande cobra, a lúbrica pessoa», «E tem
marés, de fel».

• Algumas metáforas têm uma natureza fortemente visual ou pictórica, decorrente do carácter descritivo desta
poesia e de ela ter pontos de contacto com a pintura; muitas destas ocorrências são mesmo imagens: «homens
de carga», «Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero».

• Também o recurso à enumeração se associa ao carácter descritivo de alguns poemas de Cesário Verde («O
sentimento dum ocidental», «Num bairro moderno»). Nestas composições, o poeta elenca elementos do real,
em muitos casos de forma justaposta, para depois os analisar ou criticar: « Cercam-me as lojas […] Com santos
e fiéis, andores, ramos, velas.» As enumerações contribuem para criar o efeito de que o eu poético procura
representar a totalidade do real.

• Já a sinestesia (o cruzamento de perceções sensoriais de tipos diferentes) resulta do processo de captação


de sensações para a caracterização da vivência de um lugar: «brancuras quentes», «luz macia» (visão e tato).
Desta forma se dá conta do modo complexo como alguém experiencia, por exemplo, a cidade ou a relação com
uma mulher.

• Não sendo um recurso muito comum, a hipérbole surge para representar de forma expressiva e gritante alguns
aspetos da cidade: «De prédios sepulcrais, com dimensões de montes, / A Dor humana busca os amplos
horizontes».

• É de forma surpreendente e original que Cesário utiliza os adjetivos, sobretudo quando surgem antes de
nomes ou quando ocorrem em pares ou em grupos de três: «E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes, /
Amareladamente, os cães parecem lobos» («O sentimento dum ocidental»). A sucessão de quatro adjetivos
assume uma forte expressividade e representa uma tentativa de definir com rigor o elemento que caracterizam.
Como antecedem o nome, adquirem um significado que vai para além do seu sentido literal.

• O advérbio é também muito usado de forma surpreendente e, por isso, muito expressiva: «Amo,
insensatamente, os ácidos, os gumes / E os ângulos agudos». Nos versos «E sujos, sem ladrar, ósseos, febris,
errantes, / Amareladamente, os cães parecem lobos», o advérbio traduz engenhosamente a condição faminta e
enferma destes animais que erram pela cidade.

• É de forma muito criteriosa que Cesário seleciona os adjetivos e os advérbios que utiliza. A subjetividade no
uso destas classes de palavras representa, em vários momentos, uma técnica da pintura impressionista aplicada
à literatura. Com o advérbio «amareladamente», a cor ganha importância e, como numa tela impressionista, o
elemento é retratado tal como o observador o perceciona e nas condições (de visibilidade, do clima) que o
rodeiam. Vejamos outros exemplos do uso da técnica impressionista: «Mas, todo púrpuro a sair da renda / […]
O ramalhete rubro de papoulas» («De tarde»), e «Mas, depois duns dias de aguaceiros, / Vibra uma imensa
claridade crua.» («Cristalizações»).

Você também pode gostar