Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
OPINIÃO
Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua
manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a
prisão ilegal.
Parece claro que o ônus de manter a prisão é do Estado. Do Ministério Público e do juiz. Essa foi a mens
legislatoris. E é de fácil leitura.
Aliás, diz a lei que essa (re)fundamentação deve ser de ofício. Não depende de requerimento defensivo. É a lei ajudando na
interpretação da própria lei.
https://www.conjur.com.br/2020-out-12/lenio-streck-revisar-prisao-cada-90-dias?imprimir=1 1/5
12/10/2020 ConJur - Lenio Streck: O que é "revisar a prisão a cada 90 dias"?
Impetrou habeas ao STJ, que lhe foi negado liminarmente. Foi ao STF e teve uma liminar deferida pelo Ministro Marco Aurélio, sob
o fundamento da leitura literal do aludido dispositivo. No caso concreto, o sujeito estava preso e, condenado, lá permanecia com
prisão preventiva e, na pendência de recurso, a prisão não foi refundamentada no prazo de 90 dias. O Ministro Fux, na qualidade de
presidente do STF, cassou a decisão, em uma suspensão liminar que levou o número 1.395.
O MP e o juiz cochilaram, como bem disse a jornalista Madeleine Lackso. Rodrigo Maia também respondeu muito bem à 3ª Turma
do STF (Globo News), que estava enlouquecida com a decisão de MAM. Maia foi no rim! O "Ministro" Valdo Cruz, da Globo News,
redarguiu: "— mas era um traficante condenado...". Maia respondeu: "— Mais ainda por isso é que o MP deveria ter ficado
atento!" E Maia complementou: " — Por que sempre colocam a culpa na política?"
Veja-se: a questão, sob o ponto de visto do Direito — que, para mim, é o único que importa — é muito singela: não há, dentre as
atribuições do presidente do STF (art. 13, RISTF), disposição para que este "atravesse" decisões liminares em HCs construídas a
partir de uma racionalidade técnico-jurídica, como é o caso. O Min. Marco Aurélio, ainda que a sua decisão possa ser, eventualmente,
reformada, deferiu a liminar com amparo no excesso de prazo. A fundamentação, nesse sentido, segue uma lógica jurídica coerente.
Por outro lado, o argumento do Min. Fux para cassar tal decisão — ainda que o RISTF o conferisse essa prerrogativa, o que não
ocorre — não faz sentido ("supressão de instância"), na medida em que o HC pode ser concedido de ofício, quando diante de
flagrante ilegalidade.
https://www.conjur.com.br/2020-out-12/lenio-streck-revisar-prisao-cada-90-dias?imprimir=1 2/5
12/10/2020 ConJur - Lenio Streck: O que é "revisar a prisão a cada 90 dias"?
Todavia, o que me interessa é o segundo ponto, mais do que o primeiro. Quero discutir a interpretação do parágrafo único do artigo
316 do CPP. O Ministro Fux diz que houve supressão de instância, porquanto a questão do prazo nonagesimal não foi apreciada pelo
STJ e, tampouco, o indeferimento liminar do HC foi desafiado por agravo regimental, o que impediria o conhecimento no STF; o
Ministro Schietti disse no HC que gerou o HC em tela, que não havia excesso de prazo e indeferiu liminarmente a ordem. O excesso
aventado, no entanto, se vinculava ao período em que o paciente estava preso (8 meses) e não propriamente em relação à
interpretação do novel art. 316, parágrafo único, do CPP. Não estava em questão o artigo 316 na decisão de Schietti.
De todo modo, importa, em termos de teoria do direito, processo penal e hermenêutica, é discutir e questionar o modo como uma
dogmática jurídica como a brasileira facilmente adere a interpretações despistadoras. Facilmente, parcela da dogmática faz análise
teleológica, isto é: primeiro olha se o dispositivo é bom, se agrada, e, depois, arruma argumentos para sustentar a tese. Li textos nas
redes dizendo que onde está escrito “revisar” não se deve ler “revisar”. Mas, céus, devemos ler o quê? Devemos chamar os
originalistas e ou os textualistas americanos para ajudar? (aqui)
Outra vez: é obvio que a revisão deve ser de ofício. Isto porque o ônus é do Estado e não da defesa. O Estado quer prender? Então
tem o ônus de, a cada 90 dias, dizer por que mantém preso. Ou será que a prisão e sua manutenção passaram a ser ônus do réu?
O Ministro Gilmar Mendes, em voto no HC 179.859, tem claro que a reforma legislativa (Lei 13.964/2019) introduziu a revisão
periódica dos fundamentos da prisão preventiva, sendo que a manutenção da prisão preventiva depende de fundamentação periódica.
Bem na linha do que aqui vai sustentado e do que disse o ministro Marco Aurélio.
https://www.conjur.com.br/2020-out-12/lenio-streck-revisar-prisao-cada-90-dias?imprimir=1 3/5
12/10/2020 ConJur - Lenio Streck: O que é "revisar a prisão a cada 90 dias"?
também de textualidade) não é ruim e nem feio. A menos que a lei (dispositivo) seja inconstitucional (ver aqui as seis hipóteses pelas
quais um juiz pode deixar de aplicar uma lei). Caso a lei passe por esse filtro, a sua aplicação é obrigatória. Um dever fundamental.
É o caso do parágrafo único do artigo 316 do CPP. Se ele não é inconstitucional e nem padece de outro vicio hermenêutico (como
explico nas seis hipóteses), deve se aplicado sem culpas e consequencialismo. Foi o que o Min. Marco Aurélio fez. Que foi também a
posição do Min. Gilmar no HC 179.859.
A pergunta que não cala: Por que é sempre mais difícil fazer cumprir leis garantidoras? Lutamos três anos para retornar à singela
literalidade do artigo 283 do CPP. E agora temos de demonstrar que onde está escrito revisão de 90 em 90 dias deve-se ler “revisão de
90 em 90 dias”. E que o ônus é do Ministério Público. E do Estado-Juiz. Desculpem-me, mas mais simples que isso é impossível.
Nosso Duque de Maringá já nem sabe mais o que fala. Para criticar seus desafetos, ataca. E dá tiro no pé. Mais um.
Por que o Moro não explica o projeto que queria fragilizar o HC, usar prova ilícita de boa fé e quejandos? E agora quer dar lição de
moral? Ah, eu fui contra... Ah, bom.
Maia está certo. Faz-se uma lei para preservar direitos, autoridades não cumprem e depois põem a culpa no legislador. Logo, logo, vai
aparecer um deputado ou senador histriônico para revogar o parágrafo único do artigo 316. Sabem por quê? Porque o MP e o juiz
cochilaram em um caso. Que tal? E haverá aplauso de gente do Direito.
https://www.conjur.com.br/2020-out-12/lenio-streck-revisar-prisao-cada-90-dias?imprimir=1 4/5
12/10/2020 ConJur - Lenio Streck: O que é "revisar a prisão a cada 90 dias"?
Lenio Luiz Streck é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade
Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.
https://www.conjur.com.br/2020-out-12/lenio-streck-revisar-prisao-cada-90-dias?imprimir=1 5/5