Você está na página 1de 23

Parcerias

Público-Privadas

na Saúde

Licenciatura em

Administração Pública e Políticas do Território

Trabalho de Avaliação para a disciplina de

Administração Pública e Políticas do Território

Tiago Miguel Correia Rainha | 233725

Lisboa

2021
ÍNDICE

Índice............................................................................................................................. 3

Lista de Abreviaturas ..................................................................................................... 4

1 Introdução ............................................................................................................... 5

2 Definição ................................................................................................................. 6

3.1 Parcerias Público Privada nas Políticas Públicas de Saúde ............................. 6

3.2 Implementação e Enquadramento Jurídico..................................................... 10

4 Metodologia ........................................................................................................... 12

5 Implementação das PPP na Saúde ....................................................................... 13

6 Conclusões............................................................................................................ 20

7 Bibliografia............................................................................................................. 22
Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

LISTA DE ABREVIATURAS

CRP - Constituição da República Portuguesa

ERS - Entidade Reguladora da Saúde

NPM - New Public Management

PPP - Parcerias Público Privadas

UTAP - Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos

SNS - Serviço Nacional de Saúde

TC - Tribunal de Contas

VfM - Value for Money

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 4


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

1 INTRODUÇÃO

A presente análise tem por base o desenvolvimento das políticas de saúde no que
respeita à implementação de modelos de gestão empresariais a serviços públicos no
âmbito da saúde - as Parcerias Público Privadas.

Pretende-se analisar o contexto da implementação deste modelo nas políticas


públicas, as transformações a que foi sujeito ao longo da sua aplicação e o estado
atual da política, disponíveis que estão dados que completam o ciclo clássico das
políticas públicas.

Conclui-se com uma análise critica dos dados face à tomada de decisão política
e consequente implementação deste tipo de modelo no âmbito das políticas públicas
de saúde.

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 5


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

2 DEFINIÇÃO

A política pública de saúde enquadra-se nas funções do Estado, conjuntamente com


outros serviços públicos como a educação ou a construção de infraestruturas, com o
objetivo final de alcançar e promover o bem-estar social. De facto, podemos assumir
que o problema da saúde pública faz parte da agenda sistémica do sistema político
português, pela sua relevância, impacto na sociedade e transversalidade relativamente
aos vários governos, não só numa perspetiva abstrata como particular, como veremos
no âmbito desta análise e relativamente às Parcerias Público Privadas.

Constitucionalmente, de acordo com o n.º2 do artigo 64º da Constituição da


República Portuguesa (CRP), compete ao Estado garantir o acesso universal à saúde
(CRP, 2020, p.30). É assim justificada a abordagem do Estado à saúde, constituindo
esta uma política pública por excelência, na definição de B. Peters “entendida como
um conjunto de atividades do Estado, atuando quer direta quer indiretamente e cuja
intenção é obter um efeito determinante sobre a vida dos cidadãos (Apud Caeiro, 2015,
p.93)”.

O Estado intervém promovendo a execução destes serviços de modo a mitigar


as "falhas de mercado" que surgem da dinâmica entre as necessidades prementes da
sociedade, os seus recursos limitados e a rentabilidade financeira do investimento
necessário, baixa neste caso concreto. Não sendo razoável converter a saúde em
moeda, é óbvio que o investimento deste tipo se traduz num benefício de ordem social,
num impacto positivo ao nível da qualidade de vida dos cidadãos e por conseguinte na
sociedade (Sarmento, 2013, p.11).

Parece-nos basilar a premissa enunciada por Sarmento que “os cidadãos […]
não estão preocupados com quem constrói, gere, presta o serviço ou é detentor do
ativo. O que os cidadãos pretendem, cada vez mais, é ter serviços públicos de
qualidade […]. Que o dinheiro dos seus impostos seja utilizado da maneira mais
correta e eficaz. E que aquilo que pagam através desses impostos tenha
correspondência com aquilo que recebem do Estado (2013, p.41).”

3.1 Parcerias Público Privada nas Políticas Públicas de Saúde

Tradicionalmente o Estado intervém de forma direta no fornecimento do serviço -


promove a construção por via da contratação direta, financia e administra os serviços
de manutenção da infraestrutura, para além da prestação do próprio serviço.

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 6


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

Este Estado previdência viu-se, nas décadas de 70 e 80 do século passado, com


fortes constrangimentos financeiros, surgindo nos países anglo-saxónicos movimentos
reformistas managerialistas que influenciaram todo o mundo ocidental e dos quais
emergiu uma nova conceção de governação - a New Public Management (NPM)
(Tavares, 2019, pp.30, 39).

Christopher Pollit define este modelo reformista como sendo baseado na gestão
empresarial, com a crença de que uma melhor gestão é a solução eficaz para um vasto
campo de males económicos e sociais (Apud Bilhim, 2014, p.20).

Resulta assim a tendência para abrandar ou reverter o crescimento do setor


administrativo em termos de despesa pública e funcionários e um movimento para a
privatização e para a concessão e num enfâse na subsidiariedade na prestação de
serviços. Passa-se por isso a recorrer mais frequentemente à subcontratação e ao
outsourcing de serviços prestados por entidades privadas, definem-se contrapartidas
financeiras pela utilização dos serviços para suscitar pressões do tipo mercado com
consequências positivas na eficácia e eficiência. (Mendes, 2021, p.20). Pretende-se
aumentar o Value for Money, ie, aumentar a utilidade retirada do dispêndio público,
tendo como base a premissa de que nenhum privado utilizará mais recursos que os
necessários, sob pena de não ter os lucros esperados ou até eventualmente ter
prejuízo (Sarmento, 2013, pp.15, 35).

Conforme define Sarmento (2013, p.15), o Value for Money baseia-se não no
menor custo de aquisição/produção, mas sim na máxima eficiência dos gastos
públicos; procura-se garantir que o dinheiro dos contribuintes é aplicado da forma mais
eficiente possível.

A entrada de entidades privadas no financiamento de políticas públicas, em


substituição total ou parcial do investimento público tradicional, constitui a figura da
Parceria Público-Privada (PPP).

“As PPP são contratos de longo prazo entre entidades públicas e privadas para
a provisão de serviços públicos, nos quais as entidades privadas assumem
risco significativo, são responsáveis pela gestão, e são remuneradas de acordo
com o seu desempenho (World Bank, 2017, p.1).”

No contexto da saúde, a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS)


acrescenta, relativamente às PPP:

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 7


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

“Apesar do investimento e exploração destas unidades ser privado, como


hospitais integrados no SNS, o acesso aos serviços clínicos é o mesmo
disponível nas restantes unidades hospitalares do setor público, ou seja, os
utentes mantêm os direitos e deveres previstos no acesso ao SNS. As
Administrações Regionais de Saúde assumem o papel do Estado enquanto
entidade contratante das PPP (ACSS, 2016).”

Esta introdução de entidades privadas na esfera da atuação pública não


desresponsabiliza o Estado do financiamento e pagamento destes serviços,
concretamente, no âmbito deste trabalho, dos serviços de saúde; o Estado apenas
deixa de ser responsável por todas as fases do processo (Sarmento, 2013, p.13) e
passa a ser, idealmente, uma entidade reguladora e fiscalizadora - regulador enquanto
definidor dos requisitos e métricas que balizam e pelas quais se avalia o serviço e
fiscalizador enquanto entidade contratante que verifica o cumprimento dos serviços e
os financia, ao longo da sua vida útil/contratual. Trata-se, portanto, de uma politica
pública do tipo regulatório.

No que respeita ao financiamento, “relativamente à Entidade Gestora do


Estabelecimento, os pagamentos pelo Estado são baseados na produção clínica
efetivamente realizada por grandes linhas de atividade (internamento, consulta
externa, urgência e hospital de dia) e pela disponibilidade do Serviço de Urgência. Por
seu turno, a remuneração da Entidade Gestora do Edifício é baseada na
disponibilidade da infraestrutura (ACSS, 2021).”

O Estado designa-se por concedente e o privado por concessionário (Sarmento,


2013, p.14). Note-se a diferença da PPP face à privatização. Nesta, existe a cedência
definitiva do ativo para o privado e, por conseguinte, do risco associado à iniciativa e
à atividade. Por outro lado, nas PPP o ativo pertence sempre ao Estado que o
concessiona para que o investidor o construa e tipicamente o explore, por um período
definido contratualmente, findo o qual o ativo retorna à esfera pública. As PPP surgem
assim como um método intermédio entre a contratação tradicional e a privatização
(Sarmento, 2013, p.14). O risco é partilhado entre as partes.

Que risco é este e porquê a sua relevância no modelo PPP? Trata-se do risco
associado à rentabilidade do investimento, o retorno esperado em face do retorno
efetivamente obtido, que está assim associado um grau de incerteza. Esta incerteza é
assumida pela entidade privada, com o objetivo de garantir um Value for Money
superior para o Estado, certa de que conseguirá uma gestão mais eficiente, gerando

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 8


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

mais valias para si própria e um custo inferior para o Estado, para um mesmo serviço,
perfeitamente definido previamente.

O assumir que o privado consegue atingir um determinado Value for Money tem
por base as premissas de ser capaz de, num contrato de construção/exploração,
avaliar a longo prazo o ciclo de vida do projeto, mitigando erros e constrangimentos de
base, ao nível da construção e no planeamento, como também com implicações
futuras relevantes na manutenção com custos acrescidos, ou na dificuldade de
prestação de serviços e consequente perda de receitas.

O custo da construção e equipamento da infraestrutura fica do lado do privado


até ao início da exploração, altura em que o Estado inicia o pagamento acordado. A
operação é financiada, em grande parte, por entidades bancárias, a um custo superior
ao que o Estado obteria (Sarmento, 2013, p.15). Este custo adicional terá que ser
considerado no VfM, tornando ainda mais relevante a eficiência dos processos a
implementar não só na construção, mas no horizonte da exploração.

De facto, o fator horizonte de implementação/exploração e a responsabilização


integral por parte do privado, permite a adoção de medidas de inovação, assunção de
novas estratégias e métodos de gestão que deverão gerar eficiência.

Por outro lado, os decisores políticos estão constrangidos pelo fator tempo, pelas
restrições orçamentais e pelo contexto político, situações que concorrem para que não
se olhe para o longo prazo, mas para a solução à data da celebração do contrato e
depois na inauguração. Ora, as PPP, pelo longo horizonte de desenvolvimento (e de
“amortização”) criam, nos decisores, a tentação de desorçamentação da solução, uma
vez que os custos não são considerados orçamentalmente no imediato ou na
legislatura em causa, sobrecarregando a longo prazo o erário publico e constituindo
um problema para a sustentabilidade das finanças públicas, pelo peso orçamental
acrescido a prazo (10 e 30 anos) – não fossem as PPP, seriam efetuados todos os
investimentos naquela legislatura?

Desta mesma forma, cria-se um vazio de accountability por um lado do decisor


político que, à data do início da exploração e portanto do pagamento, pode já não estar
em funções, e por outro da própria PPP que responde não perante os cidadãos, como
faz o Governo, mas perante os acionistas.

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 9


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

3.2 Implementação e Enquadramento Jurídico

Durante os dois primeiros governos liderados pelo primeiro-ministro Cavaco Silva,


surgem as primeiras iniciativas que visam, entre outras, a desintervenção do Estado
na economia, inspiradas por princípios gestionários. As primeiras experiências de
subcontratação e concessão de serviços a privados iniciaram-se também neste
período (Tavares, 2019, p.51, 52). Podemos considerar ser neste ponto que se faz a
formulação de alternativas, reportando ao ciclo das politicas públicas.

A politização do processo é coerente entre os dois partidos do “arco da


governação” e a resolução do Conselho de Ministros n.º162/2001 do XIV Governo
Constitucional (do Partido Socialista), resolve criar "uma estrutura de missão com a
finalidade de executar a estratégia de promoção de formas inovadoras de gestão no
âmbito do SNS […] nomeadamente através da criação de parcerias público-publicas e
público-privadas" de acordo com a Lei de Base da Saúde (lei n.º48/90 de 24 de agosto)
com a designação "Parcerias. Saúde". Identifica-se aqui a tomada de decisão, no
mesmo paradigma.

Os objetivos desta equipa de missão passam por identificar projetos passíveis de


serem realizados através de contratos de gestão, conduzir análises de viabilidade,
coordenar e emitir parecer sobre formas inovadoras de gestão empresarial de
unidades hospitalares e de prestação de cuidados de saúde, desenvolver
metodologias e exercer funções de regulação económica.

Da estrutura de missão, com um mandato de dois anos, espera o Ministério da


Saúde propostas de implementação de público-publicas e público-privadas, posições
acerca dos concursos entretanto lançados e a preparação dos instrumentos
normativos necessários à implementação das parcerias (resolução do Conselho de
Ministros n.º162/2001).

O modelo NPM expande-se assim ao setor da saúde com a definição do regime


jurídico das parcerias em saúde com gestão e financiamentos privados (decreto-lei
n.º185/2002, de 20 de agosto) já no decurso do XV Governo Constitucional (com
maioria do PSD). Em 2003 são publicas as normas especiais aplicáveis às parcerias
público-privadas, definidas no decreto-lei n.º86/2003, de 26 de abril, revisto em 2006
e depois em 2012.

No contexto mais abrangente da administração pública portuguesa, A. Tavares


refere que o enquadramento legal construído no período 2003-2009 é coerente com

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 10


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

os princípios da Nova Gestão Pública (NPM) e constitui um conjunto coeso tendo em


vista a sua aplicação (2019, p.57).

A implementação da política pública no formato em estudo foi firmada ao abrigo


desta legislação, sendo contratadas as PPP que se abordam no presente. Em
fevereiro de 2008 é assinado o contrato de gestão do novo hospital de Cascais, em
fevereiro de 2009 o do hospital de Braga, em outubro de 2010 formaliza-se o contrato
de gestão do novo hospital de Vila Franca de Xira e em dezembro de 2010 é a vez do
hospital de Loures.

O decreto-lei 111/2012, de 23 de maio teve como um dos principais objetivos a


constituição de uma Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (UTAP) com
a função de avaliação da política pública.

O decreto-lei é ajustado por força da entrada em vigor na nova Lei de Bases da


Saúde (lei n.º 95/2019, de 4 de setembro) em sucessiva legislação que o consolida na
redação atual.

A resolução do Conselho de Ministros n.º 10/2020, de 3 de março assume a


manutenção do modelo de PPP (dual) para os hospitais de Cascais, mas a
internalização e a reversão da gestão para a esfera pública dos hospitais de Braga e
de Vila Franca de Xira, extinguido, pelo menos parcialmente, a política pública no
modelo PPP, fechando o ciclo típico das políticas públicas.

O decreto-lei n.º23/2020 vem limitar a celebração de contratos PPP a casos de


necessidade fundamentada, mantendo-se o problema na agenda sistémica, agora
limitadas as alternativas disponíveis para resolução do problema público.

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 11


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

4 METODOLOGIA

O presente estudo centra-se na obtenção de dados previamente compilados e tratados


por entidades públicas como seja o Tribunal de Contas e pela academia,
concretamente a Universidade Católica e o repositório da Universidade de Coimbra.

Pesquisaram-se abordagens na literatura genérica relativa às PPP como política,


a contextualização destas no plano maior da administração pública e na
implementação das políticas de saúde com base nas PPP.

Incluiu-se ainda a pesquisa em artigos de jornais como forma de enquadrar estas


opções políticas na sociedade civil, contrastando com as posições técnicas e formais
anteriores.

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 12


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

5 IMPLEMENTAÇÃO DAS PPP NA SAÚDE

O setor da saúde foi pioneiro no estabelecimento de Parcerias Público-Privadas em


Portugal, tendo duas vagas: na primeira vaga cada hospital tem duas PPP associadas
– uma constrói e gere o edifício por um prazo de trinta anos e outra PPP gere os
serviços médicos, por dez anos. Neste modelo foram construídos os hospitais de
Cascais, Loures, Vila Fanca de Xira e Braga (Sarmento, 2013, p.59).

A segunda vaga de PPP contempla apenas a construção e gestão do edifício e


não a gestão dos serviços médicos.

O Ministério da Saúde, em 2016, no site da Administração Central do Sistema de


Saúde descreve o modelo de cada uma das componentes destes contratos de PPP:

- uma Entidade Gestora do Edifício, que assume a prestação dos serviços


infraestruturais durante um período de 30 anos, sendo responsável pela
conceção, construção, financiamento e manutenção do edifício;

- uma Entidade Gestora do Estabelecimento, que assume a aquisição e


financiamento do equipamento médico necessário ao funcionamento da
unidade hospitalar e a gestão da prestação dos serviços clínicos durante um
período de 10 anos.

A opção pela constituição de duas PPP para cada hospital, uma relativa à
construção, exploração e manutenção da infraestrutura e outra relativa aos serviços
clínicos, constituiu uma novidade a nível internacional (Tribunal de Contas, 2009, p.7)
– a norma era manter os últimos na esfera da prestação de serviços pelo Estado.
Constata-se assim a adoção do modelo de decisão de racionalidade limitada, no que
respeita à inovação, ao método global, ao objetivo de solução completa e à
reversibilidade do processo.

Os processos de contratualização das PPP da chamada “primeira vaga” não


foram parcos em vicissitudes. De facto, o Tribunal de Contas (TC) decide, em sessão
de 17 de abril de 2008, pela “constituição de uma equipa de projeto e de auditoria,
interdepartamental e interdisciplinar com o objetivo de desenvolver uma análise à
Gestão do Programa” Português de PPP da Saúde, considerando a relevância das
consequências negativas que a demora na contratualização dos processos tem no
erário público e para a disponibilidade aos utentes de bens de interesse público
(Tribunal de Contas, 2009, p.5).

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 13


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

A imprensa critica, referindo-se a 2007, que “as PPP continuavam envolvidas


num processo pouco transparente para a opinião pública e contribuintes e
inexplicavelmente moroso”. É crítica do modelo de PPP dupla, questionando
interesses de grupos privados e o seu favorecimento por parte do poder político, em
detrimento do acesso à melhor prestação de cuidados clínicos por parte dos
contribuintes (Jornal de Negócios, 2008).

Mas, no relatório n.º15/2009 AUDIT referente à Auditoria ao Programa de


Parcerias Público Privadas da Saúde – Primeira vaga de Hospitais, de abril de 2009,
as conclusões do TC são claras e apontam responsabilidades no atraso do Programa
ao Estado, tais como:

- [...] cinco anos depois de ter sido lançado o primeiro concurso [...] ainda não
havia dado origem, definitivamente, a qualquer processo de contratação
completo, pondo em causa a credibilidade daquele Programa;

- As expectativas iniciais, transmitidas pelo Estado ao mercado, acabaram por


não se concretizar [...];

- [...] o Estado não foi capaz de impor, a si próprio, uma adequada disciplina de
gestão dos processos contratuais;

- Na maioria dos concursos, a fase de avaliação de propostas foi aquela em


que se verificaram os maiores atrasos [...] uma derrapagem entre os 160% e
os 360%;

- Outra fase, na qual se verificaram extensos atrasos foi a da negociação final


[...] estenderam-se por 17 meses; [...] outubro de 2008, no concurso para o
Hospital de Braga, a negociação com os concorrentes decorria já há cerca de
20 meses, sem que se previsse o seu terminus;

- No essencial, pode concluir-se que nenhum dos objetivos de contratação


inicialmente definidos foi, até agora, atingido, o que conduz, neste domínio das
PPP Saúde, a que se possa concluir por ineficácia, por parte do Estado.

Outro aspeto bastante focado no relatório prende-se com o carater


experimentalista do Programa e a falta de competência do Estado na elaboração do
concurso e na sua avaliação (Tribunal de Contas, 2009, p.18):

- Ausência de um prévio auto-diagnóstico de capacidades;

- Ausência de uma estratégia coerente do Estado;

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 14


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

- Opção pelo experimentalismo para implementar o processo;

- Não consideração de experiências internacionais comparáveis;

- [...] incapacidade de resposta por parte do Estado;

- Atuação das Comissões de Avaliação de Propostas limitada à aprovação dos


trabalhos desenvolvidos pelos consultores externos.

Por outro lado, o setor privado reclama, no mesmo documento, que “foram
goradas as expectativas que lhe haviam sido criadas” e que “o Estado introduziu uma
atitude de desconfiança face aos concorrentes que pretende por parceiros […]”.
Resulta que “[…] de futuro, assumirá uma abordagem mais cautelosa relativamente às
intenções do Estado no domínio das PPP/Saúde”, com óbvios impactos negativos para
a política pública em causa e para a credibilidade do Estado (Tribunal de Contas, 2009,
p.15, 20).

Por tudo isto, as PPP na Saúde continuaram a gerar desconfiança. O Estado


recuou na política que, na sua gênese previa a construção de 11 unidades hospitalares
em PPP, ao ritmo de 2 a 3 por ano, resultando apenas em 4. As PPP da segunda vaga
apenas incluíram a construção e gestão do edifício hospitalar, passando a gestão dos
serviços médicos a ser assegurados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), opção
coerente com a experiência internacional (Sarmento, 2013, p.60).

No período de exploração, as PPP foram alvo de estudos intercalares por parte


da academia. Referenciamos, em 2016, o Estudo de Avaliação do Value for Money da
Parceria Público Privada do Hospital de Braga elaborado pelo Centro de Estudos
Aplicados (CEA) da Católica Lisbon Bussiness & Economics e, no mesmo ano, um
estudo similar que inclui também o hospital de Cascais.

As abordagens dos estudos incidem na comparação do Value for Money (VfM)


para cada uma destas unidades hospitalares em regime PPP, face a unidades de
referência do SNS que o Estado designou para comparação.

No estudo, o hospital de Cascais apresenta, no período 2012-2015 um VfM


acumulado de 24%, correspondente a uma poupança de 70 milhões de Euros para o
Estado (CEA, 2016, p.35). Relativamente ao hospital de Braga, o VfM representa no
mínimo 15% correspondente a um valor de poupança acumulado de 101,2 M€ (CEA,
2016, p.38).

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 15


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

Analisado o aspeto financeiro, com clara vantagem para as PPP, outro aspeto
salientado no estudo é a qualidade do serviço. A inexistência de indicadores, fatores
de comparação e a ausência de escrutínio nos hospitais do SNS, não permite a
formulação de argumentos objetivos, mas não pode deixar de ser referido o
reconhecimento do hospital de Braga pela sua superior qualidade pelos numerosos
prémios e certificações, sendo o primeiro hospital com Sistema Integrado de
Qualidade, Ambiente e Segurança e acreditação, inédita a nível mundial, pelo Caspe
Healthcare Knowledge System. Está ainda implementado um escrutínio por inquéritos
aos utentes, com muito boas avaliações (CEA, 2016, p.14).

Também em 2016, no mês de fevereiro, o Ministério da Saúde solicitou à


Entidade Reguladora da Saúde (ERS) uma avaliação da gestão dos hospitais em
regime de PPP, de modo a suportar as decisões necessárias por aproximação da data
de caducidade dos contratos de gestão. Esta entidade, num relatório com enfoque nos
indicadores de qualidade e performance da prestação de serviços face aos hospitais
do SNS, posicionou-se de forma neutra relativamente à opção PPP (Tribunal de
Contas, 2021, p.22).

A Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (UTAP), constituída por


iniciativa do Secretário de Estado da Saúde, com a mesma missão, emitiu os seus
relatórios intercalares em outubro de 2016, confirmando a boa opção das PPP e
aconselhando à formulação de novos procedimentos concursais para a gestão clínica
dos hospitais de Cascais, Vila Franca de Xira e Loures, embora opondo-se à
renovação dos contratos existentes. Quanto à PPP do hospital de Braga, o parecer foi
para a renovação do contrato (Tribunal de Contas, 2021, p.23).

Em outubro de 2018 o jornal Expresso faz uma análise comparativa das unidades
hospitalares mais eficientes – das cinco, duas são os hospitais de Braga e de Vila
Franca de Xira. Escreve:

Se todos os hospitais no grupo de oito unidades onde se inclui Braga,


conseguissem tratar os seus doentes-padrão ao mesmo valor desta unidade, a
poupança somaria quase 320 milhões de euros.

Com os dados disponibilizados nos quatro relatórios de auditorias de resultados


aprovados, entre 2014 e 2019, pelo TC relativos às Parcerias Público-Privadas, conclui
esta entidade que as unidades hospitalares no modelo contratual PPP produziram
acima do contratado, ie, prestaram serviços de saúde adicionais face ao que estava

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 16


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

previamente considerado nos modelos, mas não foram remuneradas pelo Estado ou
foram a preços marginais, inferiores aos da produção base (figura 1).

Figura 1 – Produção do conjunto das PPP Hospitalares (TC, 2021, p.13)

O Governo atende às recomendações técnicas dos relatórios da UTAP, por via


da resolução do Conselho de Ministros n.º 10/2020 de 3 de março, mas apenas em
dois hospitais (Cascais e Loures) a opção pela continuidade da PPP de gestão clínica
teve concretização.

Relativamente ao hospital de Vila Franca de Xira o Governo determina a


internalização e a reversão da gestão para a esfera pública, por motivos de superior
interesse público. Quanto ao hospital de Braga, o Estado assumiu a gestão clínica a
partir de 1 de setembro de 2019, prevendo um prazo de cinco anos para a reavaliação
da oportunidade de lançamento de nova PPP (Tribunal de Contas, 2021, p.23).

A 23 de maio de 2020 entra em vigor o decreto-lei 23/2020, de 22 de maio em


que a celebração de contratos PPP na saúde fica condicionada, não à avaliação de
benefício económico para o Estado e na ponderação de indicadores de economia,
eficiência e eficácia, como o Value for Money, mas a “casos de necessidade
fundamentada” e “com caráter supletivo e temporário”.

Volvida pouco mais que uma década da celebração das primeiras PPP e na
circunstância de balanço dos contratos PPP da primeira vaga referentes à prestação
dos serviços médicos nos hospitais de Braga (2009), Cascais (2009), Loures (2012) e
Vila Franca de Xira (2011), o TC emite o Relatório nº 5/2021 que sintetiza a posição

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 17


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

da UTAP relativamente às 4 PPP (relatórios de auditoria de resultados, entre 2014 e


2019), concluindo pela existência de Value for Money face à alternativa de gestão
pública e identifica uma poupança total estimada de €203,3M (Tribunal de Contas,
2021, p.22).

Surpreendente (ou não) é transversal ao relatório as boas prestações de


cuidados de saúde, a todos os níveis, não só do ponto de vista absoluto, mas relativo,
evidenciando-se uma capacidade maior e mais eficaz quando comparadas estas
unidades com hospitais do SNS. Confirmam-se, genericamente as evidências do
estudo da Católica Lisbon Bussiness & Economics acima referenciado, salientando-
se:

 As PPP geraram poupanças para o Estado e foram genericamente mais


eficientes do que média dos hospitais de gestão pública comparáveis (Tribunal
de Contas, 2021, pp.6, 7);
 A prestação de cuidados de saúde pelos hospitais em PPP foi, por vezes,
superior à contratada, mas esta parcela não foi remunera ou foi remunerada a
preços marginais inferiores (p.7), com óbvios benefícios para a sociedade com
prejuízo para o privado/investidor;
 Quanto aos indicadores de qualidade e eficácia dos cuidados de saúde, o
hospital de Cascais apresentou sempre melhores resultados do que a média
dos hospitais comparáveis, enquanto relativamente aos restantes não se
identificaram diferenças substanciais entre os dois modelos de gestão (p.7);
 O Estado avaliou de forma positiva o desempenho das PPP na componente de
gestão hospitalar, concomitantemente com avaliações externas independentes
(p.8);
 Os hospitais geridos em PPP apresentam padrões de qualidade mais exigentes
do que os aplicados na monitorização dos hospitais de gestão pública,
protegendo assim os utentes de forma mais eficaz. Os hospitais PPP são
penalizados quando se verificam incumprimentos, no âmbito de auditorias
regulares (p.8).

De referir uma das guide-lines aconselhadas no relatório (Tribunal de Contas,


2021, p.8) no que toca aos contratos PPP na área da saúde:

A fundamentação da escolha entre a contratação pública tradicional e as PPP,


em análises custo-benefício, por forma a garantir a melhor aplicação dos
dinheiros públicos para a satisfação de necessidades coletivas, em

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 18


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

observância dos princípios da economia, da eficiência e da eficácia da despesa


pública.

O relatório data de 29 de abril de 2021, sensivelmente um ano após a entrada


em vigor do diploma que “dificulta contratos com privados” (Expresso, 2020).

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 19


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

6 CONCLUSÕES

A opção de implementação de uma política de PPP na saúde foi uma opção de


racionalização de custos com o objetivo de aumentar e garantir a qualidade do acesso
à saúde por parte dos cidadãos, envolvendo o setor privado, na linha do que se vinha
fazendo no mundo ocidental, possibilitando a execução de elevados investimentos
sem o impacto orçamental imediato no erário público.

Ao longo do presente, evidenciou-se a inadequação e falta de experiência dos


serviços do Estado no desenho, avaliação e negociação dos processos de concurso,
o que resultou numa demora substancial entre o lançamento da Estrutura de Missão
Parcerias. Saúde em 2001, a definição do regime jurídico das PPP na saúde em 2002
e a efetiva contratualização em 2009, com prejuízo para os cidadãos, privados de uma
politica adequada, para os privados, logradas, a prazo, as espectativas promovidas
pelo programa e para a credibilidade do Estado.

Evidenciou-se que, mesmo neste contexto, a experiência das PPP de gestão


clínica tem vantagens para o cidadão ao nível dos cuidados de saúde, confirmado pelo
maior escrutínio à qualidade do serviço prestado. De facto, o TC aconselha a aplicação
da monitorização e dos indicadores de desempenho de resultados previstos nos
contratos PPP a todos os hospitais do SNS.

No que respeita à racionalização de custos, evidenciou-se que o gasto nas PPP


de gestão clínica tem um retorno de valor para o Estado muito superior ao conseguido
pela gestão pública, por via da comparação do indicador Value for Money, sendo
aconselhado pelo TC a prévia elaboração de análises de custo-benefício para
fundamentação da escolha entre a intervenção pública tradicional e a contratação
PPP.

No entanto, no XXII governo da República opta-se por reverter/não renovar as


PPP. A atmosfera política é agreste ao tema e a Assembleia da República aprova a
nova Lei de Bases da Saúde que prioriza a intervenção e responsabilidades do Estado
nas políticas de saúde.

O Governo aprova o decreto-lei 23/2020, de 22 de maio em que a celebração de


contratos PPP fica condicionada, não à avaliação de benefício económico para o
Estado e na ponderação de indicadores, como o Value for Money, tal como
preconizado pelo TC, mas a “casos de necessidade fundamentada” e “com caráter
supletivo e temporário”.

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 20


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

Neste ponto, resta-nos relacionar o percurso das PPP de gestão dos serviços
clínicos, primeiro com uma iniciativa transversal de racionalização de recursos e
otimização na prestação de cuidados de saúde e depois, já recentemente, com a
reversão da politica pública, com uma agenda ideológica de estatização e
centralização no Estado na prestação de serviços sociais, concretamente da saúde,
em sentido oposto dos preceitos de “menor Estado, melhor Estado”, adotados desde
os finais dos anos 90 e repetidos por diversos executivos (Tavares, 2019, p.55),
embora estes tenham sido confirmados pela experiência destas duas décadas, não
sem problemas, mas com casos de claro sucesso.

Este trabalho apenas aflorou a problemática da partilha de risco nos modelos


PPP na saúde, ponto chave no conceito uma vez que é deste risco que podem resultar
lucros para o privado, como incentivo para economia e eficiência, e, pelo menos, a
manutenção de patamares de qualidade das prestações de serviços aos cidadãos,
com a eficácia necessária. Mostra-se relevante o equilíbrio na partilha do risco entre
os parceiros Estado e privados e o seu estudo aprofundado, com base na experiência
acumulada.

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 21


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

7 BIBLIOGRAFIA

Administração Central do Sistema de Saúde. (2016, s/d). Parcerias Público-Privadas.


http://www.acss.min-saude.pt/2016/10/12/parcerias-publico-privadas

Arcanjo, M. (2008, maio 12). As parcerias público-privadas na Saúde: a (in)experiência


portuguesa. Jornal de Negócios.
https://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/as_parcerias_publico_privadas_n
a_saude_a_inexperiencia_portuguesa.

Bilhim, J. (2014). Ciência da administração (3a ed.). Universidade Aberta.

Caeiro, J. (2015). Estado social, políticas públicas e política social. Edições Instituto
Superior de Ciências Sociais e Políticas.

Centro de Estudos Aplicados da Católica Lisbon Bussiness & Economics. (2016).


Estudo de avaliação do value for money da parceria público privada do hospital de
Braga. https://www.clsbe.lisboa.ucp.pt/pt-pt/OPPP

Centro de Estudos Aplicados da Católica Lisbon Bussiness & Economics. (2016).


Estudo de avaliação do value for money da parceria público privada do hospital de
Cascais. https://www.clsbe.lisboa.ucp.pt/pt-pt/OPPP

Constituição da República Portuguesa. (2005). Diário da República: I-A série, n.º 155.
https://data.dre.pt/eli/leiconst/1/2005/08/12/p/dre/pt/

Mendes, I. (2021). Ciência da administração. [PowerPoint Slides]. Plataforma de e-


learning Moodle. https://elearning.iscsp.ulisboa.pt/

Resolução do Conselho de Ministros n.º162/2001. (2001). Diário da República: I série,


n.º 266. https://data.dre.pt/eli/resolconsmin/162/2001/11/16/p/dre/pt

Sarmento, J. (2013). Parcerias público-privadas. Fundação Francisco Manuel dos


Santos.

Santos, A. (2018, outubro 26). Conheça os cinco hospitais públicos mais eficientes,
dois têm gestão privada. Expresso. https://expresso.pt/economia/2018-10-26-
Conheca-os-cinco-hospitais-publicos-mais-eficientes-dois-tem-gestao-privada

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 22


Parcerias Público-Privada na Saúde ISCSP

Santos, A. (2020, junho 12). Advogados garantem que a nova lei das PPP na saúde
dificulta contratos com privados (mas isso não convence os partidos mais à
esquerda). Expresso. https://expresso.pt/economia/2020-06-16-Advogados-
garantem-que-a-nova-lei-das-PPP-na-saude-dificulta-contratos-com-privados--
mas-isso-nao-convence-os-partidos-mais-a-esquerda-

The World Bank. (2017). PPP Reference Guide – version 3.

Tribunal de Contas. (2009). Auditoria ao programa de parcerias público privadas da


saúde, primeira vaga de hospitais – Relatório n.º15/2009 audit

Tribunal de Contas. (2021). Relatório síntese - parcerias público-privadas hospitalares


no SNS - relatório n.º5/2021 - OAC.

Tiago Rainha – 233725 | ISCSP 23

Você também pode gostar