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TECENDO CONTEXTOS: GÊNESE, HISTÓRICO E CONCEITOS DA


LITERATURA “CELTA” IRLANDESA

Luan Lucas A. Morais

INTRODUÇÃO

Embora a ideia de uma “literatura” irlandesa dividida e classificada pelo conteúdo de


suas narrativas – preservadas em sua maioria em irlandês antigo (goídelc) a partir do século VI
– seja estranha ao contexto histórico e cultural da Ilha Esmeralda após sua cristianização, essa
sistematização é comumente utilizada como forma de explicitar as nuances e características
comuns e divergentes no corpus literário irlandês, em uma tentativa de desnudar e explorar o
passado mitológico e a própria história “céltica” da Irlanda.

É somente a partir do século XIX que estudiosos e acadêmicos europeus debruçaram-


se sobre uma análise filológica da língua irlandesa, recuperando boa parte dos manuscritos
medievais, traduzindo-os e compilando as primeiras gramáticas e dicionários sobre essa língua.
Foram filólogos – sobretudo, alemães e irlandeses – os responsáveis por dividir em “ciclos” as
antigas narrativas irlandesas, sendo estes: Ciclo Mitológico, Ciclo de Ulster, Ciclo Feniano e
Ciclo dos Reis.1

Embora não forneçam, necessariamente, uma continuidade narrativa e cronológica


quando analisados individualmente, estes ciclos literários ajudam a desnudar características e
matizes políticos, históricos e culturais da Irlanda pré-cristã – mesmo que sob o filtro cristão


Doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), membro do Grupo de Pesquisa
Dimensões do Medievo (Translatio Studii – UFF) e do Grupo de Pesquisa em Cultura Escrita e Oralidade na
Antiguidade e no Medievo (ARCHEA – UECE). E-mail: luanlucas7@hotmail.com.
1
A divisão das narrativas em irlandês antigo em ciclos é realizada para fins puramente didáticos, de modo que o
fluxo de personagens que aparecem nas histórias é completamente diverso e difuso, ora ficando restritos a somente
um tipo de narrativa, ora aparecendo em todas as outras categorias. Um personagem do Ciclo Mitológico, como
Angus Mac Óg, por exemplo, aparece em histórias do Ciclo Mitológico, de Ulster e Feniano, deixando claro que
não há limites ou restrições para reter os personagens a cenários específicos de desenvolvimento. James Mackillop
argumenta que os primeiros responsáveis por memorizar e transcrever as antigas histórias irlandesas utilizavam
como método de categorização o uso das primeiras palavras que compunham o título das narrativas. A palavra
cath em irlandês antigo significava “batalha”; já imram indicava “viagem/jornada”, dentre outros exemplos
(MACKILLOP, 2005). Muireann Bhrolcháinn, por sua vez, acrescenta que os enredos são atemporais e
tradicionais, sempre apoiando-se em descrições estereotipadas dos tipos sociais que eram retratados (realeza,
campesinato, guerreiros), bem como das frequentes menções à paisagem natural da Ilha da Irlanda e dos temas em
comum entre as diferentes histórias (BHROLCHÁINN, 2009).
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dos escribas que compilaram essas narrativas – oferecendo aos historiadores, linguistas e
humanistas em geral, determinadas representações acerca das raízes celtas irlandesas.

Portanto, discutir o contexto histórico ao qual os ciclos literários remetem, bem como
sua própria gênese e as diversas ramificações e influências que as narrativas irlandesas geraram
dentro e fora da Ilha durante o medievo, torna-se parte de um esforço teórico-metodológico que
prima por estabelecer uma melhor compreensão dos agentes históricos envolvidos neste
processo, além de delimitar as bases do desenvolvimento de uma cultura escrita existente
graças as condições do período mencionado.

Ao nos debruçamos sobre a produção literária no medievo, primeiramente, devemos


voltar os olhares em direção às raízes dessa chamada “literatura” insurgente no período em
questão. De fato, a própria noção de “literatura”, tal como se concebemos hoje como sendo a
arte/ofício ocupado da produção de textos em prosa ou verso que seguem determinados
princípios teóricos, práticos e estéticos pré-estabelecidos, não cabe à definição ou ideia do que
a “literatura” medieval comportava. Logo, visualiza-se aqui a noção de literatura
contemporânea como um conjunto de textos específicos que exprimem características
compartilhadas, com obras que remetem a um corpo maior de informações como a literatura
brasileira, a literatura russa, a literatura inglesa, etc.

Essa significação era desconhecida dos medievais posto que o termo em latim
litteratura possuía “[...] o mesmo sentido que grammatica e designa, como esta palavra, ou a
gramática propriamente dita ou a leitura comentada dos autores e o conhecimento que
proporciona, mas não as obras em si [...]” (ZINK, 2017, p. 91). Desse modo, no contexto
medieval, o saber letrado e subsequentemente o saber “literário” tinha por preocupação objetiva
o domínio do ofício da escrita e da leitura propriamente dita, caracterizando um status social
elevado de quem os possuísse.

A incursão em torno da literatura do período necessita, sobretudo, de uma revisão dos


agentes históricos que propiciaram o cenário fortuito para este desenvolvimento à época, pelo
simples fato que empreender o estudo das formas literárias no medievo é também enveredar-se
nos meandros da cultura literária medieval, pois esta transcendeu a ordem do período por ser
“[...] fruto de uma coletividade que ultrapassa as fronteiras nacionais [...]” (SPINA, 1997, p.
12), sendo, portanto, uma representação coletiva, parte de um imaginário filiado a construção
de “artefatos culturais escritos” (CHARTIER, 1990, p. 32-33).
3

Ainda que tenhamos noção de que o duplo caráter da literatura, ou melhor dizendo,
das literaturas medievais (ZINK, 2017) – escrita, e principalmente, oral – afetou as práticas de
autoria e aquilo concebido como imagem de um autor, há de se considerar também a variável
que diz respeito à língua nas quais esses indivíduos trabalharam. Porém, ao se analisar o
elemento da letra e consequentemente da escritura, compreende-se que o recurso da oralidade
não impediu que a Idade Média Ocidental “[...] fosse – também – uma idade da escritura [...]”
(ZINK, 2017, p. 90-91), o que leva a uma problematização sobre as trocas do elemento oral
com as práticas de tessitura documental empregadas no período. Delimitar um único sentido
para o que seria a escritura no período não atende às variantes empregadas no medievo, visto
que esta:

[...] poderia referir-se a técnicas, atitudes e condutas diversas, conforme os tempos e


os contextos eventuais. [...] Entre a mensagem a transmitir e seu receptor, a produção
do manuscrito introduz (tanto na transcrição do texto como tal quanto na operação
psicofisiológica do escriba) filtros que impressa em princípio eliminará, mas que, em
contrapartida são estreitamente análogos aos ruídos que parasitam a comunicação
oral. (ZUMTHOR, 1993, p. 99)

Essa premissa reverbera na discussão sobre o termo “literatura” e seus derivados, visto
que grande parcela da população medieval não era alfabetizada. O medievo possuiu, dentre uma
miríade de especificidades, a capacidade de aglutinar e sintetizar diferentes aspectos culturais e
sociais. Se de um lado temos na literatura uma forma de expressão da realidade vivenciada por
homens e mulheres no período, ou uma “arte”,2 isso serviu de mote para diferenciar os estratos
existentes na própria sociedade: os litterati (letrados) e os illiterati (não-letrados):

Os primeiros [litterati] têm uma posição proeminente no plano cultural, mesmo


quando, no fim da Idade Média, já não possuem o monopólio da cultura escrita, na
medida em que se desenvolveu uma literatura em língua vernácula [...]. E numa
sociedade em que a oralidade é a regra, estes letrados exercem igualmente o que
Jacques Le Goff chama o “domínio da palavra”. O poder cultural dominante dos
letrados exerce-se pois ao mesmo tempo, no decurso da Idade Média, no plano da
oralidade e no da escrita. (SOT; GUERREAU; BOUDET, 1998, p. 263, grifo meu)

Tratando-se dos textos medievais cabe ressaltar que as trocas empreendidas entre os
elementos escritos e orais denotavam uma determinada sincronia quando das suas narrativas,
como Michel Zink pontua ao dizer que “[...] A obra medieval, até o século XIV, só existe

2
Umberto Eco oferece uma perspectiva geral do que seria a noção de ars (“arte”) no medievo Ocidental, onde o
cerne da questão está presente no que ele denominou de um “conhecimento de regras objetivas”, que por sua vez
são ancoradas em dois pressupostos básicos para a produção e divulgação desse saber: o elemento cognoscitivo e
o produtivo, ou, dito de outra forma, um saber teórico e prático para se produzir determinadas coisas (ECO, 2010).
Ademais, Eco pontua que a “arte se inscreve no domínio de fazer”, atuando de forma específica no seio da
sociedade por suas formas expressivas de manifestação, sendo a arte literária uma delas. Eco ainda defende que a
arte, em certa medida, imita a natureza, porém “[...] na imitação da arte existe invenção, reelaboração. A arte une
as coisas desagregadas e separa as unidades, prolonga a obra da natureza, faz como a natureza produz e dá
continuidade ao seu nisus [construção; geração] criativo. [...]” (ECO, 2010, p. 202-204, grifo meu).
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plenamente sustentada pela voz [...], pela recitação ou pela leitura em voz alta [...] ”, além de
apontar que “[...] Em um certo sentido, o sinal escrito é pouco mais que auxílio para memória
e apoio [...]” (ZINK, 2017, p. 92). Ora, a própria oralidade desses relatos históricos, das poesias,
canções e epopeias cantadas no medievo possuíam aspectos tão significativos que este aos
poucos foram incorporando-se na transmutação gradual que levou o uso da voz, ou vocalidade
ao texto escrito.

Paul Zumthor destacou que o diferencial do texto pronunciado ao escrito encontra se


na sensibilidade e funcionalidade do primeiro frente ao segundo. O medievalista suíço apontou
que no texto vocalizado “[...] atuam pulsões das quais provém para ouvinte uma mensagem
específica [...] no momento em que ela [a voz] o enuncia, transforma em ‘ícone’ o signo
simbólico libertado pela linguagem.” (ZUMTHOR, 1993, p. 20, grifo meu). Seguindo tal linha
de pensamento, Zumthor finaliza sua acepção conceitual do termo vocalidade como este sendo
intrinsicamente histórico, visto que “vocalidade é a historicidade de uma vez” (ZUMTHOR,
1993, p. 21), ou seja, sua utilização.

Entretanto, a própria existência e domínio da escrita pelos litterati não prendeu os


textos já compilados, fossem de caráter dito “científico” ou mesmo as canções e poesias
anteriormente cantadas, em níveis determinados do mundo letrado. Vestígios históricos como
o são, todos eles faziam parte de um contexto maior, ordenado pelo ensejo da escritura e da
construção de uma memória social. Dessa forma, o elemento da escritura era tido como
instrumento de suporte e vinculado sempre ao mecanismo de memorização em relação ao
elemento oral/vocal.

Diante dos elementos supracitados e cientes da dinamização linguística característica


do Ocidente medieval no período após a queda do Império Romano do Ocidente, cabe elucidar
as práticas, saberes e códigos linguísticos e culturais incorporados, adaptados e utilizados
especificamente nos territórios à margem de influência direta de Roma na Antiguidade, em
especial, à uma ilha situada a oeste do mare nostrum do mundo clássico latino.

RESQUÍCIOS ROMANOS: A HIBERNIA

A dualidade entre os cenários do binômio escrito/oral no Ocidente medieval, e


especificamente, ao contexto irlandês da Alta Idade Média, é fruto, em grande medida, do
caráter expansivo e fragmentário que a língua latina sofreu. Ao período que a historiografia
denomina Antiguidade Tardia (BROWN, 1971), cobrindo a época posterior ao declínio do
Império Romano até o início da conquista islâmica e retomada da Europa Oriental pelo Império
5

Bizantino (séculos III-V), o latim “clássico”, utilizado na urbe romana por poetas, oradores e
demais escritores foi transmutando-se à uma linguagem menos rebuscada e utilizada na fala dos
territórios romanizados aquela época, que incorporaram o latim à sua língua e dialetos locais,
modificando a pronúncia e o entendimento das palavras (BROWN, 1971).

Essa lingua romana, referia-se ao latim falado e escrito. Logo, enquanto manifestação
literária propriamente dita, o latim da Antiguidade Tardia era consideravelmente mais
“conservador” em sua estética, gramática e padronização, tendendo, obviamente, a ser utilizado
por uma elite letrada que o utilizava para os mais diversos fins. Somente a partir da virada do
século XI para o XII que o termo lingua romana extrapola os limites conceituais desse latim
“tradicional” e abarca as línguas faladas nas regiões centrais da Europa Continental, como o
francês arcaico, o catalão, o italiano, o valão, etc. (SMITH, 2005).

No que se refere ao mundo letrado propriamente dito, o controle e o domínio da língua


latina ainda era ferramenta de controle social, ou mais precisamente, ao contexto dos séculos
V-VIII “[...] Escrever era ao mesmo tempo uma arte, uma forma de comunicação e uma
ferramenta de persuasão sócio-política.” (JOHNSTON, 2013, p. 8),3 e apesar de, como
mencionado, o latim ter se incoporado às línguas locais, este continuou como principal
instrumento de associação a uma cultura letrada e literária comumente dominada pela Igreja
Cristã.

Há, porém, registros de outras manifestações literárias existentes fora desse quadro de
dominação exclusiva do latim, especialmente nas regiões à oeste da antiga organização
territorial do Império Romano do Ocidente, como é o caso das assim chamadas “Ilhas
Britânicas”.4 Tal fato é observado no mosaico linguístico que compõe até hoje os respectivos
territórios insulares: irlandês, britônico, córnico, gaélico-escocês, galês e o gaélico
manês/manx.

3
“Writing was at once an art, a form of communication and a tool of socio-political persuasion.” Todas as
traduções para o português são feitas pelo autor, exceto quando indicado.
4
Arquipélago situado na costa noroeste da Europa Ocidental, contendo cerca de 6000 ilhas, dentre elas a Ilha da
Irlanda, onde se situam atualmente o país homônimo e a Irlanda do Norte; e a Ilha da Grã-Bretanha, contendo os
atuais territórios da Inglaterra, País de Gales e Escócia e a Ilha de Man, situada ao centro do Mar da Irlanda, entre
as ilhas da Grã-Bretanha e a ilha irlandesa. Em que pese o caráter convencional quase que universalmente adotado
em denominar tal configuração geográfica pelo epíteto “Ilhas Britânicas”, há que se reconhecer as implicações
políticas, diplomáticas e potencialmente nacionalistas de uma identificação unilateral de tais localidades como
parte integrante de uma identidade puramente “britânica” – no sentido de inglesa – além de associada de forma
naturalizada como pertencente aos domínios do Reino Unido. Dessa forma, tal nomenclatura não será aqui
utilizada, optando-se pela nominação individual de cada localidade específica.
6

Embora Roma tenha anexado o centro-sul da ilha da Grã-Bretanha – maior parte do


território hoje conhecido como Inglaterra e País de Gales) – e lá fundado a nova província
romana de nome Britânia, um dos territórios que permaneceram “livres” do domínio romano
foi a Ilha da Irlanda, embora essa ausência de ocupação/domínio militar não significasse o
isolamento total da Hibernia (“terra do inverno”) – nome latino dado à ilha – com o mundo
romano (DI MARTINO, 2003):
Grã-Bretanha e Irlanda fornecem as chaves. A primeira, um posto avançado provincial
do império, possuía uma identidade romana definida, ainda que às vezes contestada.
Embora a Britânia romana não compreendesse toda a Grã-Bretanha, era a potência
dominante. Com um núcleo romanizado e arredores bárbaros, a Britânia era quase um
microcosmo do grande império. A aculturação do nativo romano e do bárbaro
romanizado ocorreu através de suas fronteiras muito menores. Mas a Grã-Bretanha
romana era muito mais que um posto avançado; foi uma participante do mundo
clássico. (JOHNSTON, 2013, p. 9)5

Graças a essa relativa independência do mundo romano, a Hibernia caracterizou-se


como um território “original” em relação à organização social, língua, costumes, cultura e
produção “literária”. O núcleo das narrativas irlandesas permaneceu “imaculado”, em um
primeiro momento, do processo de cristianização empreendido no século V pela figura quase
que onipresente de São Patrício, citado incessantemente nos documentos medievais a partir
dessa época. Desse modo, a originalidade criativa das narrativas irlandesas conservou uma
autonomia muito característica, visto que seus principais temas, personagens e cenários eram
pertencentes e se desenvolviam na própria Irlanda.

Se voltarmos à discussão em torno do binômio escrito/oral, o caso irlandês torna-se


ainda mais interessante em vista do caráter profundamente aristocrático que o uso da língua
vernacular assumiu na documentação escrita no pós-cristianização. Muito além do que a
simples língua usada na comunicação, o irlandês antigo era a língua de uma elite letrada, que
lia em irlandês e escrevia neste mesmo vernáculo, ainda que contasse com a presença do latim
cristão orbitando em torno de si.

Essa característica pode ser debatida segundo a perspectiva de Elva Johnston que
compara o desenvolvimento dos vernáculos insulares supracitados com os vernáculos
continentais, ou especificamente, as línguas românicas. Segundo a autora, os falantes das
últimas não se percebiam como escritores vernaculares, visto que para eles, ao lerem e

5
“Britain and Ireland provide the keys. The former, a provincial outpost of empire, had a definite, if sometimes
contested, Roman identity. Although Roman Britannia did not comprise all of Britain, it was the dominant power.
With a romanised core and barbarian surroundings, Britannia was almost a microcosm of the greater empire.
acculturation of roman, romanised native and barbarian took place across its much smaller frontiers. But roman
Britain was far more than an outpost; it was a participant in the classical world.”
7

produzirem em latim, este seria o seu próprio vernáculo (JOHNSTON, 2013). Ainda segundo
Johnston, o que diferia as línguas insulares e continentais “[…] poderia simplesmente ser uma
função das identidades linguísticas das comunidades de fala, em vez de um preconceito contra
os vernáculos escritos como tais (JOHNSTON, 2013, p. 9-10).6

Desse modo, o irlandês imbuiu-se, desde o início, de uma carga identitária que
posteriormente seria fator decisivo para preservação da própria língua nativa e dos manuscritos
medievais escritos em irlandês antigo pelos monges cristãos que compilaram boa parte do
material histórico, mitológico e cultural relacionado à Ilha Esmeralda, algo que Jacopo Bisagni
recenseia e denomina de uma tradição nascente de narrativas e documentos “hiberno-latinos”.

Como forma complementar e coexistente de preservação das tradições históricas e


culturais irlandesas, o testemunho oral intermediado por uma classe druídica específica cujos
membros eram denominados de fili7, foi outro elemento determinante de sobrevivência dos
relatos irlandeses após o período de cristianização da ilha.

Os filid pertenciam à uma classe específica de druidas8 irlandeses que estavam


diretamente em contato com os saberes intelectuais daquela sociedade pré-cristã, além de
atuarem como poetas, artificies, e mantedores dos saberes e segredos religiosos. Sua atuação,
apesar de diversa, foi pouco documentada em virtude do fato que as práticas druídicas eram de
aprendizado estritamente seleto e oral, pois eram “[...] julgadas sagradas demais para serem
escritas onde pudessem ser dominadas pelos não-iniciados ou pelos profanos.” (MACKILLOP,
2005, p. 26).9

É graças aos primeiros contatos estabelecidos entre o cristianismo e os “celtas”


irlandeses, que se verificou que os últimos não desconheciam por completo a escrita, embora
apenas os filid tivessem o domínio da escrita do ogham. Desenvolvido por volta do século III

6
“[…] could simply be a function of the linguistic identities of the speech communities rather than of a prejudice
against written vernaculars as such.”
7
Em irlandês antigo, fili, sendo filid o plural. No irlandês moderno file, plural filí. O inglês manteve o termo tal
como utilizado pelo irlandês moderno. Ainda pode ser encontrado nas seguintes variantes: gaélico-escocês, filidh,
plural filidhean e gaélico-manês feelee.
8
Qualquer menção ao termo “druida” e seus derivados evoca, ainda que indiretamente, uma rápida associação
destes aos elementos mais esotéricos envolvendo questões espirituais, ritualísticas e simbólicas dos chamados
“celtas”. Todavia, mesmo neste contexto, suas atribuições eram bem delimitadas, abrangendo desde o saber
intelectual, religioso, medicinal e legal das tribos e sociedades aos quais estavam vinculados. Como uma “ordem”
religiosa em si, os druidas irlandeses, britânicos e gauleses foram descritos pelos comentadores clássicos – César,
Posidônio, Diodoro Sículo, Estrabão – como “filósofos”, mediadores de conflito, adivinhos, sacerdotes e juízes
(GREEN, 2010). Logo, a ideia do “druidismo” como termo equivalente para religiosidade e cultura celtas como
um todo é inapropriado, ainda que subsista em diversos estudos e obras sobre essas sociedades (MACKILLOP,
2005).
9
“[…] judged too sacred to be written down where it could be seized upon by the uninitiated or the profane.”
8

d.C, o ogham trata-se de um tipo de alfabeto utilizado nas línguas gaélicas, consistido por
caracteres distintos, dispostos por diferentes traços ascendentes, descendentes e perpendiculares
sobre uma linha vertical, grafados da esquerda para a direita em manuscritos e de baixo para
cima em pedra (DOS SANTOS, 2008). A escrita ogâmica pode ser considerada como um dos
primeiros registros pré-cristãos de uma linguagem vernacular tipicamente insular,
especialmente na região de Gales, Escócia e Irlanda:

O amplo uso do ogam no sul e no sudeste da Irlanda, bem como no sul de Gales e em
partes da Escócia e da Ilha de Man, aponta tanto para a popularidade quanto para a
utilidade. Essa utilidade pode ter sido um pouco circunscrita, já que as inscrições
existentes parecem ser em grande parte memoráveis por natureza; elas fornecem aos
seus leitores nomes e patronímicos, não textos. Além disso, as pedras inscritas podem
ter atuado como marcadores de limite entre os grupos populacionais. (JOHNSTON,
2013, p. 12)10

Embora possuísse claramente seus limites, o ogham configurou-se, também, como um


instrumento linguístico dominado por indivíduos claramente letrados, e após a cristianização
das áreas a si circunscritas, conhecedores de latim básico configurando um cenário, até então,
inédito de bilinguismo cultural nessas regiões (JOHNSTON, 2013).

Desse modo, a partir do século VII (c. 600-630), mesmo a escrita ogâmica acabou por
mesclar-se o latim trazido pelo cristianismo, adaptando o alfabeto latino para as transcrições do
ogham e possibilitando, nesse primeiro momento a composição dos primeiros escritos em
língua latina produzidos na Ilha Esmeralda. Com a obsolescência do ogham a partir do século
VIII e o domínio consolidado do latim como segunda língua, os irlandeses, enfim, começaram
o processo de escreverem e seu vernacular, permitindo a criação de um corpus textual em
irlandês antigo produzido, compilado e preservado nos mosteiros irlandeses (SMITH, 2005).

O caráter identitário desse processo torna-se perceptível quando visualizamos na


documentação sobrevivente a própria história mitológica do surgimento do povo irlandês e do
Old Irish. O Lebor Gabála Érenn11 [“Livro das Invasões”] é um conjunto
de manuscritos medievais que relatam a construção nacional irlandesa como soma das diversas
invasões sofridas pela Ilha Esmeralda desde a sua criação até ao século XI, compilados por
volta deste mesmo período (c. 936-1075).

10
“Ogam’s widespread use across southern and south-eastern Ireland, as well as south Wales and in parts of
Scotland and the Isle of Man, points to both popularity and utility. this usefulness may have been somewhat
circumscribed, as the extant inscriptions seem to be largely memorial in nature; they provide their readers with
names and patronymics, not texts. additionally, the inscribed stones may have acted as boundary markers between
population groups.”
11
Denominado a partir daqui como LGÉ.
9

No documento, de caráter pseudo-histórico, e escrito tal qual à maneira das sagradas


escrituras, os irlandeses são descendentes de um povo chamado scoti, que por sua vez têm este
nome devido à uma princesa egípcia que se chamava Scota/Scotia (MACKILLOP, 2005). Os
scoti, assim como os hebreus, são um povo exilado no Egito, e logo são chamados por Moisés,
líder hebreu, para juntar-se ao Êxodo. James Mackillop pontua que estes ancestrais dos
irlandeses são “[...] presumidamente originários da Cítia12 [...] de fato, scoti é uma variação de
scotti, um dos vários nomes que os romanos históricos deram às populações na Irlanda antiga”
(MACKILLOP, 2005, p. 129).13

Ainda de acordo com os paralelos bíblicos, o LGÉ também menciona que após o
cataclisma dilúvico, Noé dividiu o mundo entre seus filhos, garantido que sua descendência
repovoasse a Terra, sendo os antigos gaedils (gaels) descendentes diretos da linhagem de Noé:

Após isso, Noé fez com que um altar fosse edificado para Deus [o primeiro altar feito
após o Dilúvio]. Trezentos e cinquenta anos viveu Noé após o Dilúvio: e Noé dividiu
o mundo em três partes entre seus filhos.
Os nomes dos filhos de Noé: Sem, Cam, Jafé. O nome de suas esposas a partir de
então: Ola, Olivana, Oliva.
Quanto a Cam, ele se estabeleceu na África e no lado sul da Ásia. Sem sobre o meio
da Ásia, do rio Eufrates até a fronteira oriental do mundo. De Jafé é o lado norte da
Ásia e o povo de toda a Europa: e de sua descendência somos nós os gaels [irlandeses].
(MACALISTER, 1938, p. 35-36)14

Adiante, é dito que um ancestral dos irlandeses, o rei cita Fénius Farsaid, esteve
presente durante a separação das línguas na Torre de Babel, deixando a cargo seu neto, Goídel
Glas, a responsabilidade de moldar a língua gaélica:

Agora é a época em que Goídel Glas, [de quem os gaels são] nasceu de Scota, filha
de Faraó. Dela são nomeados os escotos, como dito anteriormente.
É Goídel Glas quem moldou a língua gaélica dentre as setenta e duas línguas: estas
são os seus nomes, bitínias, citas, etc. Assim cantou o poeta. (MACALISTER, 1939,
p. 13)15

12
Região da Eurásia, que abrange os atuais territórios fronteiriços da China, Rússia, Mongólia, Cazaquistão.
13
“[…] presumed to have originated in Scythia […] in fact, Scoti is a variant of Scotti, one of several names the
historical Romans gave to peoples in ancient Ireland.”
14
No original: “Thereafter Noe caused an altar to be builded to God [, the first altar that was made after the Flood].
Three hundred and fifty years was Noe alive after the Flood: and Noe divided the world into three parts among his
sons. The names of the sons of Noe: Sem, Ham, Iafeth. The names of their wives thereafter: Olla, Olivana, Oliva.
As for Ham, he settled in Africa and the south side of Asia. Sem over the middle of Asia, from the river of
Euphrates to the eastern border of the world. Of Iafeth is the north side of Asia, and the people of all Europe: and
of his progeny are we who are Gaedil.”
15
“Now that is the time when Gaedel Glas, [from whom are the Gaedil] was born of Scota, d. Pharao. From her
are the Scots named, ut dictum est. It is Gaedel Glas who fashioned the Gaelic language out of the seventy-two
languages: these are their names, Bithynians, Scythians, etc. Unde poeta cecinit.”
10

Desse modo, a tradição identitária dos irlandeses em conjunto com o uso do vernáculo
original para os escritos, tornou os habitantes da Ilha Esmeralda em um povo densamente rico
e complexo de se analisar. Como visto acima, desde as primeiras manifestações orais de
transmissão dos contos, histórias e lendas do passado histórico da ilha, passando pelas primeiras
inscrições grafadas na cultura material do período, até a assimilação do latim como língua
literária, e as posterior adaptação do alfabeto latino para o uso do irlandês antigo na preservação
de boa parte do legado cultural irlandês, esses “celtas latinizados” souberem valer-se das
influências e do legado romano para se estabeleceram como um povo único ao oeste da Europa
continental, fato que será refletido diretamente no tipo de literatura produzida nas verdejantes
paisagens da antiga Hibernia.

EXPLORANDO OS CICLOS: IMAGINÁRIO E REPRESENTAÇÕES NA


LITERATURA CÉLTICA IRLANDESA

Em uma perspectiva histórica, temos à vista uma dicotomia aparente: como uma
literatura de cunho eminentemente oral em sua gênese tornou-se ao longo dos séculos
instrumento de memória documental, compilada e escrita para servir de testemunho – e
representação de uma específica realidade – às futuras gerações?

O uso da narrativa literária e suas imbricações com o cenário social do medievo nos
oferece a oportunidade de analisar o alcance que os antigos escritos irlandeses tiveram no
período. Dentro da linha de raciocínio seguida até aqui, essa “literatura”, presente em um
quadro maior de explanação que seria o imaginário, representa por meio de sua própria
estrutura conjuntural, regimes de representação e verossimilhança com o real.

Ademais, se levarmos em consideração o imaginário como sendo um conjunto de


ideias construídas a partir das representações das sociedades (PESAVENTO, 2007), podemos
ainda compreendê-lo como “[...] um sistema de imagens que exerce função catártica e
construtora de identidade coletiva ao aflorar e historicizar sentimentos profundos do substrato
psicológico de longuíssima duração. Ou, ainda mais sinteticamente, imaginário é um tradutor
histórico e segmentado do intemporal e do universal.” (FRANCO JR, 2010, p. 70).

Enquanto documento, as obras inseridas nesse mesmo imaginário “[...] não podem dar-
lhes [aos historiadores] sobre aquilo para o que não foram feitas: elas são em si próprias uma
realidade histórica. Medíocres ou geniais [...], não obedecem a motivações, regras ou
finalidades iguais às dos documentos de arquivo que o historiador está habituado a trabalhar
[...]” (LE GOFF, 1994, p. 6, grifo meu); ao mesmo tempo que direcionam e apontam os
11

caminhos existentes para um novo olhar e uma nova abordagem sobre os retratos sociais ali
descritos que se referem à uma Irlanda pré-cristã.

Logo, baseando-se nos conceitos acima, a análise dos ciclos literários irlandeses como
tradutores históricos do chamado passado “celta” da Ilha Esmeralda pode – e deve – valer o
esforço do historiador de se debruçar, questionar e analisar estruturas sociais, linguísticas,
políticas e culturais da Irlanda céltica em um período relativamente desconhecido de seu
desenvolvimento histórico. Entretanto, é válido ressaltar que ao trabalhar com esses sistemas
imagéticos/representativos, deve-se compreender que o que o próprio conceito de imaginário
fornece são tentativas de representar modelos, sejam sociais, psicológicos ou morais.

Desse modo, as diretrizes para a compreensão e estudo dos ciclos literários irlandeses
tornam-se inteligíveis do ponto de vista conceitual e metodológico, facilitando a apresentação
e análise dos mesmos e sua inegável contribuição para os estudos sobre as “literaturas”
medieval e, em específico, a irlandesa.

DEUSAS, DEUSES E POVOS DIVINOS: O CICLO MITOLÓGICO

As narrativas contidas neste ciclo referem-se especialmente aos seres divinos que
teriam povoado a Irlanda em sucessivas levas migratórias situadas nos tempos mitológicos. A
principal fonte que atesta o processo de construção das identidades sociais irlandesas é o
supracitado LGÉ, cuja história narra a conquista da ilha pelos Tuatha Dé Danann [povos da
deusa Danu] e seus descendentes.

Os Tuatha Dé Dannan são um dos povos comumente evemerizados16 na tradição


mitológica irlandesa, visto que muitos de seus membros são descritos nas narrativas como
detentores de características físicas fantásticas e atributos sobre-humanos, como força, destreza,
velocidade, fôlego, etc. Ademais, outra característica imputada aos Tuatha Dé Danann é a
proficiência destes no campo das artes (são apresentados como mestres da poesia, música,
pintura) e como os principais arquétipos de pureza, beleza, honra e realeza a serem seguidos
pelos demais habitantes da Ilha da Irlanda. Não por acaso, os monges cristãos que copiaram e
compilaram as narrativas acerca dos Tuatha Dé Danann atribuíram-lhes o status de divindades,
reis e heróis mitológicos (MACKILLOP, 2004).

16
Teoria hermenêutica de interpretação dos mitos criada por Evêmero entre os séculos IV e III a.C, e popularizada
em sua obra Hiera Anagrafe [História Sagrada]. Segundo Evêmero, os assim chamados “deuses” nada mais eram
que seres mortais que viveram em épocas remotas e foram “divinizados” pela tradição religiosa e oral que
amplificaram o tamanho e importância de alguns de seus feitos paras as comunidades em que viveram.
12

Segundo a linha cronológica das invasões à ilha, este povo teria sido um dos últimos
a chegar nas terras irlandesas, sendo precedido pelos povos denominados a partir de seus líderes
ou grupos dominantes, sendo respectivamente: o povo de Cessair; os partholonianos (de
Partholón); os nemedianos (Neméd); os Fir Bolg; os Tuatha Dé Dannan e os milesianos. Ainda
sobre estes povos, o LGÉ deixa claro que todos os grupos invasores, exceto os milesianos, são
seres divinos, ou ao menos, destituídos de algum grau de mortalidade. (MACKILLOP, 2005;
MACALISTER, 1939).

Um dos mais famosos membros dos Tuatha Dé Dannan é Lug Lámfhota [Lugh do
braço longo], descrito como uma divindade imberbe, jovem, de porte atlético e boa aparência,
também versado nas mais diversas artes e conhecimentos, apontado como rei em algumas
narrativas e como pai do principal herói do Ciclo de Ulster e da mitologia irlandesa em geral,
Cú Chulainn (BHROLCHÁINN, 2009).

Outro aspecto comumente visualizado nas histórias do Ciclo Mitológico é a frequente


descrição dos elementos que compõem a paisagem natural da Ilha Esmeralda, dos rios, florestas,
campos e montanhas, há, de forma geral, uma preocupação dos irlandeses de explicar e dotar
de significados simbólicos e particulares cada lugar ou indivíduo que faz parte de sua história:

A própria terra era reverenciada como uma deusa. Os rios, os lagos, poços, planícies,
colinas e montanhas têm nomes – muitos deles são de deuses e deusas: a Ilha de Man
é nomeada de Manannán mac Lir, deus do mar. Rios têm nomes de deusas como
Boann (Boyne, a vaca justa) e Eithne (Inny). Alguns dos principais locais – Carmun,
Tailltiu, Tlachtga (a Colina da Ala) e Temair (Tara) – são áreas rituais nomeadas pelas
mortes e enterros de várias deusas associadas à fertilidade e à terra.
(BHROLCHÁINN, 2009, p. 28)17

O simbolismo animal também é parte importante nas histórias do ciclo, sobretudo pelo
cruzamento da documentação escrita com as fontes materiais oriundas da cultura material.
Touros, cavalos, cães, javalis, ursos, corvos, lobos, veados e cisnes são alguns dos animais que
estão presentes nas esculturas antropomorfizadas e em alguns casos completamente
zoomórficas, acompanhadas de inscrições que os ligam à sua natureza divina
(BHROLCHÁINN, 2009).

Como exemplo, temos narrativas que apresentam a presença do cisne como elemento
simbólico que remete à beleza, sorte, pureza e, ao mesmo tempo, energia sexual, devido ao

17
“The earth herself was revered as a goddess. The rivers, the lakes, wells, plains, hills and mountains have names
– many of them are of gods and goddesses: […] the Isle of Man is named from Manannán mac Lir, god of the sea.
Rivers have goddess names such as Boann (Boyne, the fair cow) and the Eithne (Inny). Some of the principal sites
– Carmun, Tailltiu, Tlachtga (the Hill of Ward) and Temair (Tara) – are rituals areas named from the deaths and
burials of various goddesses associated with fertility and the earth.”
13

formato fálico que seu longo pescoço possui. Este animal também é representado como sendo
capaz de transpor de forma mágica as barreiras entre o mundo físico e o plano espiritual
(MACKILLOP, 2005), e é possível visualizar tais características nas seguintes histórias
atribuídas ao ciclo mitológico: Tochmarc Étaine [O cortejo de Étaín]18; Aislinge Óenguso [O
sonho de Angus]19 e a mais famosa das narrativas irlandesas sobre cisnes, Oidheadh Chlainne
Lir [A trágica história dos filhos de Lir].20

Em Aislinge Óenguso, o deus do amor Angus Mac Óg [Angus, o jovem] acaba por ser
visitado em sonho por uma bela jovem desconhecida. Angus estende a mão para tentar alcançá-
la e trazê-la até sua cama, mas a jovem repentinamente desaparece, deixando Angus confuso
em relação à essa súbita visita. O jovem deus resolve permanecer acordado pelo restante da
noite, ansioso pelo reaparecimento de sua visão, ficando, porém, doente do coração enquanto
esperava, pois “[...] adoeceu por conta da aparição que tinha visto e não havia falado. Comida
nenhuma passou por seus lábios” (JACKSON, 1971, p. 93).21

Na noite seguinte, Angus é novamente visitado pela jovem que desta vez trouxe
consigo um alaúde, tocando uma melodia que faz o deus adormecer calmamente. Novamente
acometido pela angústia de não ter conversado com a moça, Angus permanece adoentado.
Durante um ano, a jovem continuou visitando Angus em seu leito, fazendo com que o deus se
apaixonasse por ela e fosse cometido por uma espécie de doença do amor (JACKSON, 1971).

Embora fosse uma divindade, Angus aos poucos ia definhando enquanto ninguém
sabia de fato o que afligia o jovem deus. Médicos de toda a Irlanda foram chamados, sem
conseguir diagnosticar a doença que o acometia. Por fim, Fínghin, renomado médico da
província de Ulster consegue fazer o diagnóstico e fala ao deus “Ah, situação infeliz! [...] Tu se
apaixonaste em abstinência. [...] Tu caíste em um estado miserável e não se atreveu a contar a
ninguém.” (JACKSON, 1971, p. 93).22

Aconselhado por Fínghir de buscar auxílio em seus pais, Angus pede a ajuda de sua
mãe Boánn e de seu pai Dagda, deuses dos Tuatha Dé Danann, para encontrar a misteriosa

18
GANTZ, Jeffrey (ed.). The wooing of Étaín. In: _______. Early Irish myths and sagas. London: Penguin
Books, 1981, p. 37-59.
19
JACKSON, Kenneth (ed.). The dream of Oenghus. In: _________. A Celtic miscellany. London: Penguin
Books, 1971, p. 93-97.
20
DUFFY, Richard J. (ed.). Oiḋe ċloinne Lir: the fate of the children of Lir. Dublin: Society for the Preservation
of the Irish Language, 1883.
21
“He fell ill because of the apparition which he had seen and had not talked with. No food passed his lips.”
22
“Ah, unhappy plight! […] You have fall in love in absence. […] You have fallen into a wretched state, and have
not dared to tell it to anyone.”
14

jovem. Após um ano em companhia da mãe e sem sucesso na busca da jovem, Angus recorre,
enfim, ao pai que delega a missão de buscar o paradeiro da moça ao rei da província de Munster
(sul da Irlanda), Bodhbh, irmão de Angus.

Após mais um ano, o rei de Munster consegue localizar a jovem e partilha as boas
novas com Dagda e Angus “Viajei por toda a Irlanda até que encontrei a garota no Loch [lago]
Bél Dragon, em Crotta Cliach [atualmente Montanhas Galtee, no sul da ilha].” (JACKSON,
1971, p. 94-95, grifos meus).23

Angus parte imediatamente em direção ao lago, avisado por Bodhbh que ele mesmo
teria de reconhecer a garota, e que nada poderia fazer para tê-la para si naquele momento,
apenas observá-la. Ao chegarem no lago:

Viram cento e cinquenta jovens, e a própria garota estava entre elas. As moças não
alcançavam seu ombro. Havia uma corrente de prata entre cada par; e um colar de
prata em volta de seu próprio pescoço, e uma corrente de ouro refinado. Então Bodhbh
disse, ‘Reconheces aquela garota?’ ‘Reconheço, de fato,’ disse Angus. [...] ‘Quem é
esta moça, Bodhbh?’ disse Angus. ‘Eu sei, verdadeiramente,’ disse Bodhbh, ‘ela é
Caer Ibhormheith, filha de Ethal Anbhuail da colina das fadas de Uamhan na terra de
Connaught [atual província de Connacht, no leste da Ilha da Irlanda]. (JACKSON,
1971, p. 95, grifo meu)24

Após o breve “encontro”, Angus recorre novamente à ajuda de Dagda para que este
possa interceder junto ao pai da misteriosa jovem que permita, enfim, que Angus posso tomar
para si a moça. De início, o pai da moça não concorda em entregar sua filha para o jovem deus,
mas depois de uma série de ameaças, concorda em fazê-lo, deixando claro que o motivo para a
recusa anterior residia inteiramente na natureza sobrenatural de sua filha, avisando que “[...] o
poder mágico dela é maior que o meu. [...] ela fica na forma de uma ave a cada dois anos e na
forma humana nos outros. [...] Próximo Samhain ela estará em Loch Bél Dragon na forma de
um cisne, e pássaros maravilhosos serão vistos lá junto dela, haverá cento e cinquenta cisnes
em volta dela” (JACKSON, 1971, p. 96).25

23
“I went round the whole of Ireland until I find the girl at Loch Bél Dragon, at Crotta Cliach.”
24
“They saw three times fifty grown girls, and the girl herself among them. The girls did not reach above her
shoulder. There was a chain of silver between each couple; and a necklace of silver round her own throat, and a
chain of refined gold. Then Bodhbh said, ‘Do you recognize that girl?’ ‘I do, indeed,’ said Oenghus. […] ‘Who is
this girl, Bodhbh?, disse Oenghus. ‘I know, truly,’ said Bodhbh, ‘she is Caer Ibhormheith, daughter of Ethal
Anbhuail from the fairy hill of Uamhan in the land of Connaught.”
25
“[...] her magic power is greater than mine. […] she is in the shape of a bird every other year, and in human
shape the other years. […] Next All Hallows she will be at Loch Bél Dragon in the shape of a bird, and wonderful
birds will be seen with her there.”
15

Com essa informação, Angus vai até o lago e lá chegando vê os cisnes ao redor do
mesmo, presos em suas correntes de prata e com cachos dourados na cabeça. É então que chama
por sua amada:

‘Venha falar comigo, Caer!’ ‘Quem me chama?’, disse Caer. ‘Angus lhe chama.’ ‘Eu
irei, se tu te comprometeres em tua honra, que irei retornar ao lago novamente.’ ‘Eu
juro sua proteção,’ disse ele. Ela foi até ele. Ele lançou os braços sobre ela.
Adormeceram sob a forma de dois cisnes, e circularam o lago três vezes, de modo que
a promessa não foi quebrada. Partiram na forma de dois pássaros brancos [...] e
cantaram uma música para que as pessoas dormissem por três dias e três noites.
(JACKSON, 1971, p. 97)26

Terminada a história, o que se percebe na narrativa é o que uso da figura do cisne em


Ailinsge Óenguso concentra-se no ideal da pureza sexual de Caer, visto sua condição de
permanecer acorrentada no lago como que em estado constante de vigilância de sua castidade,
bem como do tom sobrenatural que a própria transformação em cisne causa na história, ao
romper as barreiras do plano físico para o espiritual, como visualizado em suas visitas
constantes a Angus no período de um ano, sempre à noite, sempre em sonho. Por fim,
semelhante ao final de Tochmarc Étaine, os amantes unem-se sob a forma de cisnes,
simbolizando o êxtase e a potência sexual que o animal representava no imaginário daquela
sociedade (MACKILLOP, 2005).

Embora relativamente “contidas” em relação ao escopo e desenvolvimento temático,


a descrição natural do convívio entre seres divinos e humanos no Ciclo Mitológico acabam
dando vazão a outro conjunto de histórias que envolvem o conflito entre estes grupos sociais,
desta vez centradas nas disputas territoriais, bélicas e aristocráticas. Estas são canalizadas na
figura de seus principais personagens, que a saber, darão nome ao próximo ciclo: os heróis.

TEMPO DO ÉPICO, TEMPO DO CONFLITO: O CICLO DE ULSTER OU DOS


HERÓIS

Se as narrativas do Ciclo Mitológicos se concentram em figuras divinas e suas relações


com a paisagem e a construção lendária da ilha e do povo irlandês, é no Ciclo de Ulster que as
pulsões bélicas e políticas deste processo tomam forma. Também chamado de Ciclo dos Heróis,
suas histórias têm como contexto a disputa intermitente entre as províncias de Connacht (parte
ocidental da Ilha) e Ulster (parte norte), centradas nos feitos de seus personagens heroicos –

26
“ ‘Come to speak to me, Caer!’ ‘Who calls me? Said Caer. ‘Oenghus calls you.’ ‘I will go, if you will undertake
on your honour that I may come back to the lake again.’ ‘I pledge your protection,’ said he. She went to him. He
cast his arms about her. They fell asleep in the form of two swans, and went round the lake three times, so that his
promise might not be broken. They went away in the form of two white birds […] and they sang a choral song so
that it put the people to sleep to sleep for three days and three nights.”
16

homens e mulheres – bem como na intervenção ocasional de seres divinos. Importante ressaltar
a quem eram dirigidas tais narrativas:

As histórias foram escritas para um público aristocrático, e são também os aristocratas


da sociedade que aprecem em maior parte – embora funcionários como copeiros,
músicos, quadrigários, poetas apareçam. Parece haver uma tentativa deliberada de
criar uma sociedade amplamente pré-cristã, mas algumas histórias mencionam Cristo
e o Cristianismo. Esse ciclo domina o período inicial da escrita criativa dos séculos
VIII e IX e atravessa o período de retrabalho dos séculos IX e XII. (BHROLCHÁIN,
2009, p. 42)27

Remetendo à uma tradição épica e heroica também visualizada nos escritos gregos e
latinos, o Ciclo de Ulster é um dos mais prolíficos de todos os ciclos, com cerca de 75 histórias
e uma vasta quantidade de personagens, conhecendo-se por nome um total de 53 guerreiros
(BHROLCHÁIN, 2009). Devido ao caráter épico de suas narrativas, como o Táin Bó Cuailnge
[O roubo do gado de Cooley], este ciclo é muitas vezes associado ao ciclo bretão-arturiano
como exemplos de histórias características que exaltam um mito fundador de suas respectivas
nações.

No caso de Ulster, nacionalistas irlandeses no século XIX apropriaram-se das


narrativas heroicas e dos feitos de Cú Chulainn contra os invasores de Emain Macha (atual
Armagh), capital da província, como elementos simbólicos de resistência nacional aos ingleses
e a reivindicação de uma Irlanda unida. Nenhum dos guerreiros, entretanto, destaca-se tanto
como Cú Chulainn, principal herói e personagem central da maioria de histórias referentes aos
heróis de Ulster. Chamado de “Cão de Culann” ou “Cão de Ulster”, Cú Chulainn é um dos
guerreiros-heróis cujo parentesco remonta às linhagens divinas e aristocráticas: filho de Lug,
dos Tuatha Dé Dannan e da mortal Deichtire, irmã de Conchbar Mac Nessa, rei de Ulster.

27
“The stories were written for an aristocratic audience, and it is also the aristocrats of society that appear for the
most part - little information being given about the lives of ordinary people, although functionaries such as cup-
bearers, musicians, charioteers, poets do appear. There seems to be a deliberate attempt at creating a largely pre-
Christian society, but some stories mention Christ and Christianity. This cycle dominates the initial period of
creative writing of the eighth and ninth centuries and through the period of re-working of the ninth to the twelfth
centuries.”
17

FIGURA 1 – MAPA DAS PROVÍNCIAS IRLANDESAS

Fonte: <https://i0.wp.com/irishprimaryteacher.ie/wp-content/uploads/2017/09/map-of-
ireland.jpg?fit=984%2C1200&ssl=1>. Acesso: 04 abr, 2020.

O primado do Cão de Ulster é atestado logo em tenra idade, quando aos sete anos acaba
matando o cão de guarda do ferreiro do rei em autodefesa, e prontamente se oferece como
voluntário para proteger a propriedade do dono. É desse ato, inclusive, que o herói ganha seu
nome, pois anteriormente era chamado de Sétanta (JACKSON, 1971). Cú Chulainn é também
conhecido por sua aparência exótica e seu frenesi quando entra em batalha. Embora descrito
nas narrativas como assustadoramente perigoso e feroz, o mesmo detinha um excelente
prestígio e reputação em relação às mulheres:

Relatos sobre aparência física de Cú Chulainn diferem, mas ele é mais frequentemente
visto como baixo, moreno, sem barba e cheio de autoestima. Seu cabelo é de três
18

cores, castanho na raiz, vermelho-sangue no meio e loiro no topo. No Táin, ele é


descrito como tendo quatro covinhas em cada bochecha, cada covinha vermelha e
azul, ele tem sete pupilas em cada olho, sete dedos nos pés e nas mãos, cada um com
o aperto de um falcão ou grifo. (MACKILLOP, 2004, p. 115)28

Como todo guerreiro, Cú Chulainn nunca é descrito sem a companhia de suas armas:
a lança Gáe Bolg [lança da dor] e a espada Caladbolg [dura fenda], considerada a versão
irlandesa da britânica Excalibur e da galesa Caledfwlch. De fato, é comum nas narrativas que
Cú Chulainn saque e utilize cada uma dessas armas de acordo com o grau de ameaça da
situação, seja em um duelo particular ou nos campos de batalha em terreno aberto.

É no Táin Bó Cuailnge29 que os principais feitos de Cú Chulainn nos são revelados e


sua figura heroica explode como o centro principal das narrativas épicos e heroicas do ciclo. O
Táin é a epopeia máxima da literatura irlandesa antiga, considerado como a Ilíada insular, e foi
escrito majoritariamente em prosa, cujo manuscrito mais antigo data de 1106 e está preservado
no Lebor na hUidre [Livro da vaca de Dun] (MACKILLOP, 2005).30 Dentro do “cânone”
literário irlandês, as sistematizações mais acuradas não fazem menção aos ciclos aqui
mencionadas, visto que tal divisão é moderna (BHROLCHÁIN, 2009). Aos antigos poetas e
escribas, as categorias comumente mobilizadas eram designadas de acordo com o tema
principal de suas histórias, comumente remetidas no título das mesmas, como é o caso do Táin
Bó, que em irlandês significa “roubo de gado”:

28
“Accounts of Cúchulainn's physical appereance differ, but he is most often seen as short, dark, beardless, and
filled with high spirits. his hair is of three colours, brown at the roots, blood-red in the middle and blond at the
crown. In the Táin he is described as having four dimples in each cheek, each dimple crimsom and blue, he has
seven pupils in each eye, seven toes, seven fingers, each with the grip of of a hawk or gryphon.”
29
Não há tradução para o português do Táin. Duas traduções em língua inglesa são as mais conhecidas pelos
acadêmicos: a primeira, de Thomas Kinsella, The Táin, data de 1969, enquanto uma mais recente, de Ciaran
Carson, homônima, foi publicada em 2007. C. KINSELLA, Thomas. The Táin. Dublin: Dolmen Press, 2009 e c.
CARSON, Ciaran. The Táin: a new translation of The Táin Bó Cuailnge. London: Penguin Books, 2007. O esforço
mais recente de uma tradução para o português (de forma indireta) foi realizado por Cristiano Pinheiro de Paula
Couto (UFRGS), que traduziu parte do épico e publicou-o em 2019 na Brathair – Revista de Estudos Celtas e
Germânicos. C. COUTO, Cristiano Pinheiro de Paula. Tradução: Táin Bó Cuailnge. In: Brathair – Revista de
Estudos Celtas e Germânicos, UEMA, Dossiê: Paisagem e Memória entre Celtas e Germânicos, v. 19, nº 1, 2019,
p. 246-274. Disponível em: <http://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair/article/view/1873>. Acesso: 04 abr,
2020.
30
Uma das fontes mais antigas preservadas sobre a mitologia e histórias da Irlanda, o Lebor na hUidre [Livro da
vaca de Dunn] está preservado em dois manuscritos incompletos, o MS 1129-23 e o MS 1129-25 da Royal Irish
Academy, em Dublin. Embora sejam datados dos séculos XII e XIII, suas narrativas referem-se à contos,
personagens e localidades dos séculos VIII-IX. Os manuscritos originais encontram-se no acervo da Royal Irish
Academy e podem ser consultados no site da Irish Script on Screen. Disponível em:
<https://www.isos.dias.ie/master.html?https://www.isos.dias.ie/libraries/RIA/RIA_MS_23_E_25/english/index.h
tml?ref=https://www.isos.dias.ie/libraries/RIA/english/ria_menu.html?ref=https://en.wikipedia.org/>. Acesso: 04
abr, 2020. Há também uma edição crítica do manuscrito, publicada em irlandês pela Royal Irish Academy em
1929, editada por R.I. Best e Osborn Bergin. Disponível em:
<https://ia800306.us.archive.org/4/items/lebornahuidreboo00best/lebornahuidreboo00best.pdf>. Acesso: 04 abr,
2020.
19

As divisões feitas pelos escribas da época, no entanto, eram outras (Táin Bó, Immram,
Fled, Tochmarc, Compert e Aided / Roubo de Gado, Viagem, Festa / Festival, Cortejo,
Concepção e Morte, em Pt-Br). Assim, sabemos que a temática do roubo do gado
(Táin Bó) era muito importante para a literatura do período, o que nos leva para a
segunda elucidação. O leitor precisa saber que, apesar de mais conhecido, o Táin Bó
Cúailnge não é a única obra deste gênero. Há outras narrativas do tipo na literatura
irlandesa. Táin Bó Flidaise, Táin Bó Aingen e o Táin Bó Dartada, por exemplo, são
apenas mais algumas obras que se encaixam na mesma categoria. Ou seja, há diversos
tána. Isto significa que o tipo de história que é contada no Táin, antes de ser
classificada como pertencente ao “Ciclo do Ulster”, integrava, junto com inúmeras
obras, primeiramente, um gênero próprio de narrativa, o Táin Bó. (DOS SANTOS;
FARRELL, 2018, p. 2)

Desse modo, como uma categoria específica centrada no ataque à propriedade e no


roubo de gado, a narrativa do Táin concentra-se no conflito entre as regiões de Connacht e
Ulster, bem como pela “disputa” iniciada pela rainha Medb e seu marido Ailill – ambos de
Connacht – em relação a quem possuía o maior patrimônio. Durante uma “conversa de
travesseiro” (KINSELLA, 1969), Medb e Ailill relembram as condições de suas bodas, ora
gabando-se das heranças divinas e territoriais (Medb) e ora dos direitos à realeza, seus poderes
e virtudes (Ailill).

Ao final da conversa, Ailill diz à esposa que era dono de um belo e forte touro branco,
Finnbennach, e Medb, enciumada, deseja possuir por si mesma um touro que rivalize com o do
marido (KINSELLA, 1969). Sobre esse assunto, James Mackillop pontua que a “posse de gado
era o padrão de riqueza na Antiga Irlanda, uma sociedade pastoril; na cultura pré-cristã eles
eram adorados” (MACKILLOP, 2005, p. 203).31

Medb fica sabendo que há na província do Ulster um touro tão poderoso quanto
Finnbennach, e fazendo uso dessa informação, trata de obter para si a posse do animal.
Primeiramente, pela via diplomática, Medb envia um mensageiro até o dono do touro, com
promessas de riquezas, amizade e até a mesmo a insinuação de favores sexuais da própria rainha
(KINSELLA, 1969). Porém, o dono do touro nega o pedido de Medb, culminando na fúria da
rainha e no planejamento de invasão da província do Ulster apenas para reclamar seu “prêmio”:
Donn Cuailnge, o touro marrom de Cuailnge [Cooley].

De acordo com Muireann Bhrolcháinn, o roteiro narrativo do Táin é relativamente


simples: a marcha dos homens de Connacht até o norte em busca do touro; a defesa das terras
do Ulster por Cú Chulainn; a batalha final entre os exércitos de Connacht, liderados em pessoa
pela própria Medb, e Ulster; e por fim, o duelo entre os dois touros (BHROLCHÁINN, 2009).

“Possession of cattle was the standard of wealth in early Ireland, a herding society; in pre-Christian culture they
31

were worshipped.”
20

Apesar da aparente simplicidade da narrativa do Táin em si, várias histórias complementares


somam-se aos eventos principais, como nos diversos duelos que Cú Chulainn trava sozinho
contra os homens de Connacht.

Devido ao caráter único de sua composição, enredo e significado para a cultura


irlandesa – ao ponto das narrativas do Táin e a resistência heroica do Cão de Ulster contra os
invasores serem apropriadas pelo movimento nacionalista irlandês nos séculos XIX e XX – é
tão grande que todas as histórias vinculadas ao Ciclo do Ulster convergem direta ou
indiretamente até o Táin. Sejam contos introdutórios à narrativa principal, os remscéla, ou
mesmo outras histórias paralelas aos acontecimentos principais, é fato que:

Os antigos irlandeses provavelmente viram sua tradição nativa como equiparável aos
novos textos em latim e podem ter composto o Táin para proporcionar um épico
nativo. O texto está escrito na combinação familiar de prosa e poesia. [...] A história
pode pertencer ao Ciclo Heroico, mas o Táin tem muitas características mitológicas.
O papel central dos touros é reconhecido pelos comentaristas; a história começa e
termina com eles, e suas mortes batizam a paisagem e explicam a criação da terra. Os
touros são uma parte importante dos nomes e da iconografia celta, e eles passaram a
existir por meio das transformações dos criadores de porcos. (BHROLCHÁINN,
2009, p. 53)32

Reconhecido, então, o lugar de destaque do Táin dentro do Ciclo de Ulster, bem como
o de Cú Chulainn como herói nacional irlandês por seus extraordinários feitos, as narrativas
épicas e marciais do Ciclo dos Heróis nos mostram um rico e vívido panorama de uma
sociedade pré-cristã, pautada não apenas nos relatos fantásticos e idílicos de uma Irlanda
habitada por seres divinos, criaturas sobrenaturais e deuses, mas também por uma sociedade
em vias de construção, compreensão e aceitação dos papéis sociais da guerra, das alianças
matrimoniais e dos conflitos internos inerentes às sociedades antigas.

Desse modo, se o conflito bélico e a estrutura épica dão o tom para o Ciclo de Ulster,
ao sul da Ilha, nas províncias de Leinster e Munster, um outro tipo de narrativa desenvolveu-se
– paralelamente – às produções criativas do Norte da ilha. Aqui, a lírica, o místico e a poesia
voltaram a se unir, criando as bases para o florescer de uma tradição cultural que valoriza não

32
“The early Irish probably saw their native tradition as equal to the new Latin texts and may have composed the
Táin to provide a native epic. The text is written in the familiar combination of prose and poetry. [...] The tale
might belong to the Heroic Cycle, but the Táin has many mythological features. The central role of the bulls is
recognized by commentators; the story begins and ends with them, and their deaths baptize the landscape and
explain the creation of the land. Bulls are an important part of Celtic names and iconography, and these have come
into existence through the swineherd’s transformations.”
21

apenas o guerreiro, seus feitos e conquistas, mas também a vida em grupo, o ideal de irmandade
e lealdade entre irmãos de armas.

“A VERDADE EM NOSSOS CORAÇÕES, A FORÇA DE NOSSOS BRAÇOS E A


CONSTÂNCIA DE NOSSAS LÍNGUAS” 33: FINN E OS FIANNA

As histórias deste ciclo derivam de seu protagonista, Finn mac Cumaill (ou Fionn mac
Cumhaill) e de seu séquito de guerreiros, conhecidos como fianna34 [grupo de guerreiros].
Embora dê nome ao ciclo, o termo “feniano” trata-se de um neologismo criado no início do
século XIX, com o intuito de anglicizar a palavra irlandesa fianna.

De acordo com James Mackillop, “Para alguém que desconhece o irlandês, as palavras
Féni [primeiros habitantes da Ilha da Irlanda] e fianna podem parecer semelhantes, mas, de suas
raízes, elas não possuem conexões linguísticas.” (MACKILLOP, 2005, p. 220).35 Ademais, o
termo foi ressignificado durante o século XIX, sobretudo a partir da criação da Irmandade
Republicana Irlandesa, em 1858, em que, novamente, nacionalistas anti-britânicos apropriaram-
se de narrativas heroicas e lendárias da literatura irlandesa para colocarem-se em oposição ao
domínio britânico na Ilha (MACKILLOP, 2005).

Entretanto, se o termo “feniano” foi visto como equivalente aos fianna, isso denota
uma certa coerência, pois embora a figura proeminente de Finn mac Cumaill receba o devido
destaque, este acaba compartilhando o protagonismo com outros personagens importantes,
como seu filho Oísin e Caílte, seu sobrinho, e os demais membros de seu fianna. Sobre esses
guerreiros, evidências históricas e arqueológicas (MACKILLOP, 2004) apontam que:

[...] os fianna estão enraizados na história, enquanto Finn, apesar de tudo, apesar da
crença sustentada e apaixonada em sua historicidade, nunca foi um ser mortal. Os
Fianna Éireann capitalizados são as criaturas do terceiro ciclo da literatura heroica
irlandesa, mas os fianna de classe baixa faziam parte do cotidiano da vida medieval
irlandesa. (MACKILLOP, 2005, p. 220)36

O conjunto de leis antigas da Irlanda, as Brehon Laws, relatava que os fianna eram um
grupo de indivíduos vivendo às margens das comunidades, nunca “presos” ou “ligados” à terra,
seja pela ausência de vínculo pessoal com alguém ou pela falta de posses (KELLY, 1988).

33
Lema dos fianna, no Acallam na Senórach [Colóquio dos Anciões]: “The truth in our hearts, the strength in our
arms, and the constancy of our tongues”. (DOOLEY; ROE, 1999, p. 6)
34
Fían, no singular.
35
“To someone who knows no Irish the words Féni and fianna might appear similar, but from their roots they
have no linguistic connections.”
36
“[...] the fianna (sing. fian) are rooted in history, while Fionn, despite sustained and passionate belief in his
historicity, was never a mortal being. The capitalized Fianna Éireann are creatures of the third cycle of Irish heroic
literature, but the lower case fianna were an everyday part of medieval Irish life.”
22

Embora marginalizados, cabia aos fianna a defesa da Ilha Esmeralda contra as ameaças
externas, fossem de natureza humana ou divina. Embora comandados por seu líder, sua primeira
fidelidade era ao ard rí [alto rei], e na ausência deste, serviam aos reis menores em troca de
abrigo e sustento (MACKILLOP, 2005).

Mesmo nas narrativas do Ciclo Feniano, Finn e seus fianna não representados de
maneira unicamente positiva. O caráter dúbio e nômade desses guerreiros, bem como a natureza
específica de alguns de seus ritos de passagem e características de filiação, eram vistos pelos
demais habitantes da Ilha Esmeralda como saqueadores, mercenários e ingovernáveis, vivendo
da caça e dos tempos de guerra (BHROLCHÁINN, 2009).

Quanto à filiação, o vínculo era exclusivo, mas não hereditário. Um aspirante deveria
ser testado nos limites de suas capacidades físicas e mentais. Embora fossem descritos em
algumas histórias como seres brutos e não-civilizados, os fianna eram letrados, dotados de
capacidades técnicas em relação ao cultivo das artes, como o manuseio de instrumentos
musicais e a composição de lais e poesias relatando seus feitos e os de seus companheiros em
batalha:

Ele deve se tornar um poeta nobre e dominar doze livros de poesia. Entre as provações
que ele teve de suportar, ficar de pé até a cintura em um buraco armado apenas com
um escudo e um galho de avelã, enquanto nove guerreiros atiravam suas lanças até
ele à uma distância de nove sulcos; sofrer uma única ferida era falhar. Ele seria
rejeitado se suas armas tremessem em suas mãos, se seus cabelos trançados fossem
desmanchados por galhos pendurados ou se seu pé quebrasse um galho morto
enquanto ele caminhava pela floresta. Ele deve ter a capacidade de dar um pulo
correndo sobre um galho igual à altura da sobrancelha ou passar facilmente sob um
tão baixo quanto seu joelho. Um dos testes mais difíceis exigiu que ele puxasse um
espinho do pé enquanto corria, sem diminuir a velocidade. (MACKILLOP, 2005, p.
221)37

Considerado o ciclo melhor documentado, e o mais conhecido em ambas tradições


escrita e oral, o Ciclo Feniano, por seu caráter poético, sobreviveu às transformações culturais
e linguísticas nas regiões insulares da Europa Ocidental, com suas histórias sendo reproduzidas
no gaélico-escocês, galês e gaélico-manês.

As principais fontes sobre o Ciclo Feniano foram compiladas durante o século XII,
embora o esforço dos copistas para preservar os escritos em Old Irish tenha se estendido até

37
“He must become a prime poet and master twelve books of poesy. Among the ordeals he had to endure was
standing waist-deep in a hole armed only with a shield and a hazel stick while nine warriors threw their spears at
him from a distance of nine furrows; to suffer even one wound was to fail. He would be rejected if his weapons
quivered in his hands, if his braided hair was disturbed by hanging branches, or if his foot cracked a dead branch
as he strode through the forest. He should have the ability to make a running leap over a bough equal to the height
of his brow or to pass easily under one as low as his knee. One of the most difficult tests required him to pull a
thorn from his foot while running, without slowing down.”
23

meados do século XIV.38 Algumas das principais histórias de Finn e os fianna estão contidas
no Lebor na hUidre [Livro da vaca de Dunn] (c. 1100), como o poema sobre o inverno cuja
autoria é atribuída ao próprio Finn; há relatos sobre o dia a dia dos fianna e seus feitos no Book
of Leinster [Livro de Leinster] (c. 1160)39 e na prodigiosa coleção poética Duanaire Finn
[Livros dos lais de Finn].40 O texto mais importante do Ciclo Feniano é o Acallam na Senórach
[Colóquio dos Anciões],41 que conta com narrativas prosimétricas e é um dos únicos relatos
originais preservados sobre a história e mitologia da Irlanda medieval, sobretudo em relação
aos períodos que compreendem os séculos IV-V d.C.

O Acallam na Senórach narra o desmembramento dos fianna após a morte de Finn


mac Cumaill e acompanha a jornada de Oísin e Caílte pela Irlanda e seu encontro com São
Patrício. O elemento “fantástico” do texto reside na própria presença de São Patrício, retratado
com um ancião de quase 700 anos de idade, bem como a própria longevidade sobrenatural de
Oísin e Caílte. Um outro elemento de destaque do texto é a troca entre os elementos pagãos e
cristãos realizada nos diálogos entre os fianna sobreviventes e o santo:

Há um quadro narrativo das jornadas de santo e guerreiro ao longo de toda a extensão


da Irlanda cristã antiga do final do século V. Há centenas de histórias e poemas na
obra, representando uma enorme massa de tradições literárias medievais irlandesas,
desde pseudo-história, mito, saga, elogio bárdico e hagiografia; estes são organizados
e representados de uma grande variedade de maneiras. Certos grandes temas são
reiterados ao longo da coleção: a grandeza de Finn como líder de guerreiros, [...] as
relações privilegiadas entre os guerreiros do fían e os habitantes do Outro Mundo
irlandês; [...] a insistência constante do valor da música, da poesia e da própria
narrativa; o código moral cristão exemplificado pelas histórias envolvendo São

38
Um estudo sobre o Ciclo Feniano e o mapeamento das narrativas em prosa e em verso que sobreviveram até o
século XVIII foi realizado por Kuno Meyer e publicado pela Royal Irish Academy em 1910 sob o título de
Fianaigecht. C. MEYER, Kuno. (ed.). Fianaigecht – being a collection of hitherto inedited Irish poems and tales
relating to Finn and his fianna, with an English translation. Dublin: Royal Irish Academy, 1910. Disponível em:
<https://archive.org/details/fianaigechtbeing00meye/page/n2/mode/2up>. Acesso: 05 abr, 2020.
39
Preservado no acervo do Trinity College, em Dublin, dentro do manuscripto MS H 2.18 (1339), com edição
diplomática traduzida para o inglês, em 6 volumes, publicada entre 1954-1983 pelo Dublin Institute of Advance
Studies. C. BEST, R.I.; BERGIN, Orgine; O’BRIEN, M.A.; O’SULLIVAN, Anne. The Book of Leinster –
formerly Lebar na Núachongbála. Dublin: Dublin Institute Advance Studies, 1954-1983, 6 v. O Corpus Eletronic
of Eletronic Texts (CELT), da University College Cork disponibiliza 5 dos 6 volumes online. Disponível em:
<https://celt.ucc.ie//published/G402562/index.html>. Acesso: 05 abr, 2020.
40
Proveniente de um manuscrito compilado entre 1626-1627, o Duanaire Finn está preservado no acervo da
University College Dublin. Entre os anos de 1908 e 1953, Eoin Macneill e Gerard Murphy editaram e traduziram
para o inglês o Duanaire Finn, publicando uma série bilíngue (irlandês-inglês) em 3 volumes publicada pela Irish
Texts Society. C. MACNEILL, Eoin; MURPHY; Gerard. (ed). Duanaire Finn – the book of the lays of Fionn.
Dublin: Irish Texts Society, 1908-1953, 3 v. Disponível:
<https://archive.org/details/duanairefinnbook07macnuoft/page/n6/mode/2up>. Acesso: 05 abr, 2020.
41
O Acallam na Senórach está preservado em cinco manuscritos: três do século XV, o MS Laud Miscellaneous,
o MS Rawlison B 487 e o Book of Lismore [Livro de Lismore], todos da Bodleian Library, em Oxford; um outro
do século XVI, o MS Franciscan (OFM-A4, atualmente na University College, em Dublin. Há também uma edição
inglesa publicada pela Universidade de Oxford em 1999, com tradução do irlandês-médio original, introdução e
notas organizadas por Ann Dooley e Harry Hoe. C. DOOLEY, Ann; ROE, Harry. (ed.). Tales of the elders of
Ireland. New York: Oxford University Press, 1999.
24

Patrício e a harmonização geral dos valores das elites guerreiras, das dinastias reais e
da Igreja. (DOOLEY; HOE, 1999, p. viii)42

Desse modo, a variedade narrativa e a importância do Acallam na Senórach dentro do


Ciclo Feniano justificam-se por um amálgama das tradições pagãs irlandesas com
desenvolvimento de uma cultura cristã que aos poucos disseminava-se pela literatura medieval
irlandesa.

Em relação aos elementos textuais, a estrutura prosimétrica e o constante uso de


interlúdios poéticos ao longo da narrativa demonstram a preocupação dos autores e escribas em
tornar inteligível e pedagógico algumas falas e elementos simbólicos da obra, sobretudo em
relação às partes em que São Patrício pregava aos fianna ou destinava seus sermões
correlacionando os elementos paisagísticos da Irlanda com a vida social dos indivíduos
(DOOLEY; HOE, 1999).

Graças ao vasto escopo de gêneros literários dentro da tradição medieval irlandesa,


algumas narrativas tornaram-se difíceis de se classificar em relação aos três ciclos apresentados.
Embora esta sistematização em ciclos seja eminentemente moderna, outras inúmeras aventuras
foram agrupadas em um conjunto de histórias que fazem menção às estruturas políticas ligadas
ao ideal de realeza, soberania e autoridade dos inúmeros reis que povoaram a Ilha da Irlanda
entre os séculos III e VIII. Ao grupo dessas histórias, deu-se o nome de Ciclo dos Reis ou Ciclo
Histórico.

REIS, REALEZA E PODER SOBERANO: O CICLO DOS REIS

As múltiplas narrativas que fogem às características comuns dos ciclos Mitológico,


Heroico e Feniano por tempo sobreviveram como material incomum, “alheio” ao cânone
tradicional sistematizado por estudiosos da literatura irlandesa a partir do século XIX. Os textos
de viagens (immram; ecthra), de visões (físi), de genealogias e relatos de santos ficaram por
muito tempo “órfãos” de um grupo para chamar de seu.

Embora diferentes entre si, algumas dessas narrativas possuíam como elemento
comum a presença de um, ou mais, reis e rainhas, cujos feitos estavam intimamente atrelados

42
“There is a frame-narrative telling of the journeys of saint and warrior throughout the length and breadth of the
early Christian Ireland of the late fifth century. There are hundred of stories and poems in the work, representing
a huge mass of medieval Irish literary traditions, from pseudo-history, myth, saga, bardic eulogy, and hagiography;
these are arranged and represented in a great variety of ways. Certain great themes are reitered throughout the
collection: the greatness of Finn as a leader of warriors, [...] the privileged relations between the warriors of the
fían and the inhabitants of the Irish otherworld; [...] the constance insistence of the value of music, poetry and
storytelling itself; the Christian moral code which the stories involving St Patrick exemplify and the general
harmonizing of the values of the warrior élites, the royal dinasties, and the Church.”
25

ao fio condutor central dessas histórias. Enquanto os outros ciclos direcionavam sua atenção
para a jornada de guerreiros, poetas, seres divinos, os governantes da Ilha Esmeralda estiveram
presentes nos ciclos anteriores apenas como coadjuvantes no desenrolar das histórias.

Diante desse quadro, e considerando o rico cenário que estava colocado, Myles Dillon,
no seu clássico The Cycles of the Kings (1946), destacou logo no título (“ciclos)” que este
conjunto narrativo é composto por diferentes subenredos envolvendo as questões de realeza e
reinado na literatura medieval irlandesa. Dillon também comenta o suposto caráter “histórico”
imputado às narrativas do Ciclo dos Reis, argumentando que os governantes irlandeses
mencionados nas fontes atendiam a uma preocupação específica dos autores dos textos e
posteriormente dos escribas que os copiaram e compilaram: a exaltação do caráter especial da
realeza (DILLON, 1946). Desse modo, é importante compreendermos que:

Os escribas que escrevem sobre o rí [termo irlandês para rei] parecem estar
implicando um rei do modo como ele teria sido compreendido na cultura clássica.
Esses mesmos escribas antigos escrevem sobre o rí como a personificação da sorte e
prosperidade de seu povo. Sua iniciação [do rei] exigiu um ritual profundo e
misterioso que sinalizava uma intimidade espiritual e física com a soberania. Ele era
sagrado porque podia desempenhar funções negadas aos mortais comuns, bem como
a figuras tão elevadas como druidas e poetas. (MACKILLOP, 2005, p. 48, grifo
meu)43

Historicamente, a Ilha Esmeralda nunca foi compreendida politicamente enquanto um


reino organizado no período medieval, pelo menos até a instituição do Senhorio da Irlanda em
1171, após a Invasão Normanda (1169-1171). Mas a Irlanda antiga, paradoxalmente, sempre
foi populada por vários reis. Segundo Francis J. Byrne, o número de reis nunca esteve abaixo
de 150, desde o século V até o XII (BYRNE, 2001), o que pode ser visualizado nas crônicas e
nos anais irlandeses, como é o caso dos Annala Uladh [Anais de Ulster],44 que menciona vários

43
“Scribes who write of the rí appeared to be implying a king as he would have been understood in classical
culture. These same early scribes write of the rí as the embodiment of the luck and prosperity of his people. His
initiation called for profound and mysterious ritual that signalled a spiritual and physical intimacy with
sovereignty. He was sacred because he could perform functions denied to ordinary mortals as well as to such
elevated figures as druids and poets.”
44
Conjunto de crônicas irlandeses que compilam os assuntos políticos referentes a província nortenha de Ulster,
dos anos de 431 a 1450. O manuscrito original está preservado no acervo do Trinity College Dublin, e data do
início do século XV. Uma cópia do século XVI que preenche algumas lacunas do documento original está
preservada na Bodleian Libray, em Oxford, que é o MS Rawl B 489. Uma tradução para o inglês foi publicada em
4 volumes, entre 1897-1901, pela Royal Irish Academy. C. HENNESSY, William M. (ed.). Annala Uladh –
Annals of Ulster – a chronicle of Irish affairs from A.D. 431, to A.D. 1540. Dublin: Royal Irish Academy, 1897-
1901, 4 vols. Disponível em: <https://archive.org/details/annalauladhannal01magu/page/n4/mode/2up>. Acesso:
07 abr, 2020. Outra edição comentada e traduzida para o inglês foi publicada em 1983, por Séan Mac Airt e
Gearóid Mac Niocaill. C. AIRT, Séan Mac; NIOCAILL, Gearóid Mac (ed.). The Annals of Ulster (to A.D. 1131).
Dublin: Dublin Institute for Advanced Studies, 1983.
26

reis pertencentes à dinastia dos Dál Fiatach, grupo dinástico dominante em Ulster durante os
séculos V e XIII (HENNESSY, 1887).

Cada rei era responsável por administrar e governar um túath [palavra irlandesa para
“povo”], que no contexto medieval pode ser traduzido e compreendido como “reino”. Em
termos gerais, essas comunidades podiam ser compreendidas enquanto “tribos”, intimamente
ligadas à figura do rei e sua parentela. Ao final do século VI, com a aproximação e capilaridade
do clero sobre as questões dinásticas, houve um estreitamento entre os reis e a rede episcopal
irlandesa, sedimentada no apoio mútuo entre esses estratos sociais para garantir a perpetuação
de grupos familiares no governo dos túatha e o estabelecimento de redes monásticas cada vez
mais alinhadas aos interesses reais (WICKHAM, 2019).

Esse “cristianismo à irlandesa” era justificado não somente pelos fatores descritos
acima, mas também por manter uma estrutura de organização clerical bem particular em relação
ao controle exercido pela Igreja Romana. A autossuficiência da Ilha Esmeralda em relação ao
resto do mundo latino manifestou-se também na própria construção de uma “Igreja celta” que,
segundo Chris Wickham possuía:

[...] opiniões mais firmes sobre a acumulação de riqueza por meio da terra (em
oposição ao gado) do que a maioria dos reis e aristocratas, e, por volta do século VIII,
seus líderes eram, provavelmente, mais ricos do que os reis, com exceção de alguns
poucos casos; isso seria um futuro recurso para o poder político (e, no século IX, um
objeto de cobiça por rivais régios, também). A Igreja irlandesa tinha certo sentido de
identidade associada a toda a Irlanda, assim como acontecia com a profissão jurídica.
Os concílios da Igreja tiveram início já nos anos 560 e também a educação em latim
deve ter começado em torno dessa mesma época; e no século VII houve um
florescimento da literatura eclesiástica – hagiografias, penitenciais, poesia, gramáticas
– em paralelo ao da legislação secular. (WICKHAM, 2019, p. 247)

Desse modo, faz sentido que as narrativas do Ciclo dos Reis sejam consideradas e
categorizadas como menos fantásticas que as do Ciclo Mitológico, menos heroicas que as do
Ciclo de Ulster e menos românticas ou poéticas que os textos fenianos, embora nem por isso
sejam escritas ou narradas em termos artísticos considerados inferiores. Majoritariamente, as
fontes disponíveis concentram-se na dinastia dos Uí Niéll, descendentes de um dos alegados
ard rí [alto-rei] da Irlanda, Niall Noígíallach [Niall dos Nove Reféns], que dominaram a
província de Leinster dos séculos dos séculos V ao X.

“Alegado”, porque o destaque dado aos Uí Néill e ao próprio Niall derivam de um


esforço criativo e poético dos autores de evidenciaram os feitos dos senhores aos quais serviam,
atribuindo-lhes características e realizações que não foram suas, bem como agregando
elementos mitológicos aos fatos históricos para construir uma narrativa que fizesse sentido e
27

atendesse os propósitos dessas dinastias reais. Logo, reis como o próprio Niall e seus
descendentes foram considerados como figuras históricas devido às disputas políticas
perpetuadas entre os reinos vizinhos, sempre com a ação sendo levantada por um alto-rei e os
demais “reis menores” que o apoiavam.

Dentre as narrativas que destacam essas características está Buile Suibhne [A loucura
de Sweeny]45, cujo relato concentra-se no protagonista Suibne mac Colmáin, rei de Dál nAraid,
e sua participação na histórica Batalha de Mag Rath (637 d.C), conflito que sacramentou o
domínio político dos Uí Néill sobre a província de Leinster, e que foi travado entre entre o alto-
rei Domnall mac Áedo, dos Uí Néill, e Congal Cáech, dos Ulaid (povo no noroeste de Ulster).
A história de Suibne pode ser dívida em três partes: I – o confronto com São Rónán Finn e a
maldição do santo; II – a loucura de Suibne [Suibhne Geilt] e a peregrinação pela Ilha da
Irlanda; III – o retorno para casa e a morte de Suibne.

Na primeira parte, Suibne antagoniza com São Rónán e os esforços do santo de


estabelecer uma igreja nas vizinhanças do reino de Dál nAraid. Incomodado com o badalar do
sino da igreja de Rónán, o rei foi ao encontro do santo para expulsá-lo de suas terras. A esposa
de Suibne, Éorann, tentou dissuadi-lo de perseguir Rónán, chegando a puxar o manto que o rei
usava quando saiu para confrontar o santo e assim deixando-o nu na tentativa de impedi-lo
(O’KEEFFE, 1913).

Ao encontrar o santo, Suibne toma das mãos de Rónán o saltério do clérigo e o atira
em direção ao lago mais próximo. Quando estava prestes a matar o santo, o rei ouve o soar dos
chamados para que tomasse parte do exército de Congal Cáech na Batalha de Mag Rath. Antes
de partir, Suibne é amaldiçoado por Rónán, que clama aos céus dizendo:

‘Completamente nu ele veio aqui


torcer meu coração, me perseguir;
Por essa razão, Deus irá causar
que Suibne sempre nu ficará.
Éorann, filha de Conn de Ciannacht,

45
A história de Suibne está preservada em três manuscritos: dois localizados no acervo da Royal Irish Academy,
MS B iv 1a, (século XVII) e MS 23 K 44 (século XVIII) e MS L 3410 (século XVII), localizado na Bibliothèque
Royale de Belgique, em Bruxelas. Disponível em: <https://www.vanhamel.nl/codecs/Buile_Shuibne>. Acesso: 06
abr, 2020. Estima-se que o texto original foi produzido entre os séculos XII-XIII (O’KEEFFE, 1913). Uma edição
crítica, traduzida para o inglês foi publicada em 1913 pela Irish Texts Society, cuja tradução, notas e comentários
foi realizada por J.G. O’Keeffe. C. O’KEEFFEE, J. G. (ed.). Buile Suibhne – The frenzy of Suibhne: being the
adventures of Suibhne Geilt, a middle-Irish romance. London: Irish Texts Society, 1913. Disponível:
<https://archive.org/details/builesuibhnethef12okee/page/n8/mode/2up>. Acesso: 06 abr, 2020.
28

esforçou-se para segurá-lo pelo manto;


minha benção para Éorann, portanto
e minha maldição sobre Suibne.’ (O’KEEFFE, 1913, p. 9)46

Desse modo, Suibne parte para o campo de batalha, e alheio à maldição de Rónán,
toma parte nas ações de seu exército contra o inimigo. O santo também se dirige até Mag Rath,
na tentativa de negociar a paz entre os combatentes. Em meio ao conflito, ambos se
reencontram, com Rónán espalhando água benta sobre os combatentes até que algumas gotas
atingem Suibne, e este, enfurecido, acaba matando um dos acompanhantes do santo. Suibne
acaba arremessando uma lança em direção a Rónán, que milagrosamente, é salvo por um sino
que carregava junto a si. O santo agradece pela proteção divina e, novamente, reforça sua
maldição sobre o rei:

Minha maldição sobre Suibne!


grande é a sua culpa contra mim,
seu dardo suave e vigoroso
ele empurrou através do meu sino sagrado.
Aquele sino que você feriu
te enviará entre os ramos,
para que sejas um com os pássaros –
o sino dos santos diante dos santos.
Como em um instante foi
o eixo da lança no alto,
tu podes ir, ó Suibne,
na loucura, sem descanso! (O’KEEFFE, 1913, p. 13)47

Após estas palavras, Suibne continuou a combater, porém, ao olhar em direção ao céu,
o rei foi tomado por um súbito pânico, medo e euforia, abandonando, assim, o campo de batalha
em Mag Rath e fugindo em direção à floresta. Durante a fuga, Suibne correu tão rápido que
seus pés deixaram o chão, e o levaram até o topo das árvores, como havia previsto Rónán. Com
o abandono de Suibne, o exército inimigo triunfou em Mag Rath, e o rei, tomado pela loucura,
parte em direção ao seu exílio pela Ilha.

46
“Stark-naked he has come here / to wring my heart, to chase me / on that account God will cause / that Suibhne
shall ever naked be. Eorann, daughter of Conn Ciannacht, / strove to hold him by his cloak; / my blessing on
Eorann therefor, / and my curse on Suibhne.”
47
“My curse on Suibhne! / great is his guilt against me, / his smooth, vigorous dart / he thrust through my holy
bell. / That bell which thou hast wounded / will send thee among branches, / so that thou shalt be one with the
birds – / the bell of saints before saints. / Even as in an instant went / the spear-shaft on high, / mayst thou go, O
Suibhne, / in madness, without respite!”
29

Durante sua peregrinação, Suibne lamenta-se constantemente por sua condição e por
ter abandonado seus companheiros em Mag Rath. Em meio à sua jornada, o rei chega até Glen
Bólcain, local onde os loucos e sábios irlandeses buscavam abrigo para viver. Constantemente
visitado por seus compatriotas, todos falharam em convencer o antigo rei a retornar para casa,
e este passou sete anos vagando por toda a Irlanda. Não por acaso, em seu exílio, que Suibne
começa a declamar longos versos poéticos, demonstrando um outro processo de transformação
do antigo guerreiro em um poeta bem versado, ainda que Suibne não tenha tido a educação
artística própria para este ofício:

‘Sem uma casa cheia,


sem a conversa de homens generosos,
sem o título de rei,
sem bebida, sem comida.
Ai que eu fui separado aqui
do meu poderoso exército armado,
um louco amargo no vale,
desprovido de sentido e razão.’ (O’KEEFFE, 1913, p. 27)48

Podemos perceber nestes versos que uma das reclamações de Suibne é em relação à
perca de seu status real, da destituição do título de rei e do poder soberano e distinto que o
garantia os demais privilégios dos quais gozava a realeza irlandesa. Após tanto vagar pela Ilha,
e estabelecer-se na terra dos loucos em Glen Bólcain, Suibne aos poucos recupera sua sanidade,
e quando visitado por um de seus antigos súditos pede a este que entregue uma mensagem à
sua esposa Éorann para esta fosse visita-lo. Após o reencontro, Éorann reafirma seu amor por
Suibne, afirmando que aceitaria partilhar uma vida com esposo, mesmo em meio à loucura e
miséria.

Embora tenha aceitado retornar para casa junto de Éoraan e reconquistar o status de
rei, a sanidade de Suibne não tarda a desaparecer novamente. Em meio aos súbitos ataques de
pânico e o medo constante das lembranças de Mag Rath e do santo Rónán, o rei acaba por
abandonar sua casa e sua esposa, indo exilar-se na ilha da Britânia. Após mais um longo período
de exílio, Suibne retorna à Irlanda uma última vez e, sabendo do retorno do antigo rei, Rónán

48
“Without a house right full, / without the converse of generous men, / without the title of king, / without drink,
without food. / Alas that I have been parted here / from my mighty, armed host, / a bitter madman in the glen, /
bereft of sense and reason.”
30

trata de buscar proteção e garantias que o rei louco não volte a perseguir a Igreja, enviando um
grupo de monges para assustá-lo e atormentá-lo por causa de seus pecados contra Deus.

Consternado, Suibne acaba buscando abrigo no mosteiro de São Mo Ling (614-697),


antigo bispo de Ferns (sudoeste do Leinster), que ao apiedar-se do rei louco, oferece-lhe comida
e santuário a cada noite. O santo passa a ouvir os feitos de Suibne, e aproveita para registrá-los
em seus escritos. Embora contasse com o afeto do santo, os demais habitantes do mosteiro
estavam desgostosos de ter um pecador e pagão sob o mesmo teto. Em uma noite, Suibne é
atacado por um dos monges, sendo ferido por uma lança. Debilitado, o rei louco confessa seus
pecados para São Mo Ling, e falece ao receber os sacramentos finais do santo, libertando-se,
enfim, de sua longa maldição.

O que a narrativa de Suibne representa, além das menções às figuras e eventos


históricos como a Batalha de Mag Rath, os reis de Ulaid e Uí Néill e São Mo Ling – que
caracterizam o processo de desenvolvimento histórico das relações de poder entre a realeza
irlandesa e o clero irlandês – é própria configuração da imagem do rei e das redes de poder que
envolvem as disputas políticas entre as redes monásticas e a validação de um grupo familiar no
centro da autoridade de governo na Ilha da Irlanda. Ademais, dentro da história de Suibne, o
conflito entre o rei e Rónán pode ser visualizado como um vestígio das disputas entre os
resquícios pagãos e a consolidação e ressignificação cultural que o cristianismo imputou às
antigas lendas e histórias que construíram a identidade nacional dos irlandeses ao longo do
período medieval. Não por acaso que boa parte dos termos, personagens, fatos e elementos
históricos ou não, foram apropriados pelos irlandeses no período contemporâneo para justificar
ações em defesa de uma ideal identitário e nacional do que representa o “espírito irlandês”.

Desse modo, o Ciclo dos Reis, ao ressignificar e desenvolver os elementos que


envolvem os ideais de realeza, reinado e soberania, acabou por diferenciar-se dos demais ciclos
apresentados por focar na articulação dos elementos políticos e culturais que demarcaram a
estrutura organizacional da Ilha da Irlanda no período “antigo” medieval dos séculos VI ao XII.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O irlandês é uma das línguas vernaculares mais antigas da Europa Ocidental.


Desenvolvendo-se enquanto vernáculo escrito a partir do século V com o advento do
cristianismo, em sua forma mais antiga, o goídelc, este só adquiriu caráter “literário” – como
apresentado ao longo deste trabalho – do século VII em diante. Desse modo, o conjunto de
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textos que se compreende por “literatura medieval irlandesa” é um dos mais ricos e diversos
em todo o cânone literário europeu.

O caráter único do processo histórico de desenvolvimento cultural e político da Ilha


Esmeralda em relação ao resto do mundo latino continental foi exaustivamente explorado nas
produções literárias nacionais insulares. Desde o caráter identitário do irlandês enquanto língua
nacional e posteriormente, literária, passando pela própria estruturação do clero irlandês nas
características de um “cristianismo insular” denotaram e demarcam a relevância da
compreensão histórica sobre a Irlanda medieval para os estudos sobre a literatura na Ocidente
medieval.

Uma saída para suprir as lacunas ou “silêncios” na historiografia medieval sobre a


Irlanda, é a incorporação e articulação dos saberes já conhecidos acerca do desenvolvimento
literário do Ocidente medieval com o cenário “céltico” e suas influências culturais, sociais e
religiosas na construção dessas identidades culturais. A relevância da literatura irlandesa
medieval encontra-se não única e exclusivamente residente na crítica e na incorporação da
documentação proveniente dos territórios insulares, mas na própria manifestação de uma
presença histórica advinda de “centros periféricos” nas produções historiográficas medievais
(DOS SANTOS; FARRELL, 2016), como é o caso específico da Irlanda.

Os ciclos literários aqui apresentados demonstram um pouco do vigor cultural que a


literatura medieval irlandesa pode oferecer para os estudos em História medieval que mobilizem
cada vez mais categorias auxiliares de compreensão da literatura e da História enquanto campos
de pesquisa complementares. Sejam descritas e analisadas em seus aspectos formais ou de
estrutura textual, sejam compreendidas enquanto manifestação cultural e política dos grupos
sociais que as produziram, as narrativas mitológicas, heroicas, fenianas e dos reis fornecem
vestígios e evidências interdisciplinares que ajudam a esclarecer e suscitar reflexões sobre
localidades e temporalidades históricas à margem dos centros culturais e políticos do medievo
Ocidental,

Portanto, elucidar e apresentar os aspectos contextuais, teóricos, conceituais e


metodológicos no trato às fontes literárias irlandesas medievais torna-se uma tarefa cada vez
mais produtiva para abrir o campo de discussões em torno de como a literatura pode ser
observada como uma ferramenta de compreensão e análise de comportamentos sociais e de
manifestações culturais de uma época ou de um povo, seja por intermédio de narrativas
fantásticas, épicas, poéticas ou políticas.
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