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Colecéo Primeiros Passos Uma Enciclopédia Critica Pensar a democracia tornousse, no nosso século, ‘uma questao vital para todos aqueles que se interessam pela construgao de uma sociedade livre fe justa, Num pals que vive a experiéncia de ‘manifestag6es politicas caracterizadas por ‘exigéncias democraticas — exigéncia de um ‘governa da maioria e de um governo regido por leis, —, a democracia é mais do que nunca uma pergunta — € uma resposta — que diz respeito 20 ‘nosso futuro, futuro de homens lives © responsavets. Denis L. Rosenfield mostra, em seu livro, como a democracia, no mundo ‘modetno, terminou por confundirsse com o préprio destino da humanidade, ‘Avoas de interesse: Politica, Hist6ria Denis L. Rosenfield DEMOCRATIA, Denis L. Rosenfield OQUEE DEMOCRACIA editora brasiliense LEITURAS AFINS A Etica na Poitica Ventura desventras ‘basen Denis Roce volugéo Politica do tae pir ‘alo Pra J Politica Lumerto Cerro © P6sSoctaismo Alin Traine epeasando 0 Socilismo Tose Genoino| 0 que € Deputado rameico Wetfore 0 que sio Ditaduras Hesldo Sind 0 que sioHleigdes Gon tanga O que ¢tiberdade ‘alo Prado 0 que € Poder “Gerard Lebron © que ¢ Poitca Wolfgang Leo Mar 0 que ¢ Partilpacto Potiica Dalno de Abew Blac querZ Ce Bens L. Rosenfield O QUE E DEMOCRACIA editora brasiliense Copyright © by Dens 1. Rasen, 1986 Norham parte desta publica pode ser gravada, ‘rmacenada em slstemaseltinicox fooroptada, repro por mei mecnicos Ou oniro®quatguer som ‘ttorzagto préva do editor saw ssararans (Pde oh ot queti dome) Pimp 2003 Ros: Dire Brg ¢ Forman Sramero taco: Ente Darson Cpa ey Sara Dados neces de Catsoean a Pabenio CHP) (Ciara ess do tie, SB Tonga en 2 eons ‘ice So eos pons 2) — O Estado Moderne . Indices pr tog seni LL Denoarcia Cena policn—32L8 ee ET ray- ara eae cones SNOT FeceeBn sosan ‘A meméria de Marcos, Sofia, Luise Forming, pelos anos passados. Elconcepto no ex sino une iltima reflexion sobre a vanidade de las cosas y del mundo, Elconceptobrila por un momento sobre la ‘pigina-espejoy se devanece: como todo y odo, es tiempo que se disipa. Octavio Paz, Sor uana Inés dela Cruz ‘Las trampas dea fe. INTRODUCAO A comocracia, no sentide etimolégice da palevra, significa © "governo do poo", 0 “governo da maior: Prevalece nesta primeira aproximacio deste fenémen politico uma definiggo quantitative. Basta lembrar que a ‘democracis, na sntigiidade grega, mis particuarmer te fom Herédoto, é uma "forma de governo” entre dias utras: 4 monarquia ou “governo de um 86" © 9 aio: ‘eracia 04 “govorno de alguns Essa dvisdo tripartda das “Yormas de governa”, ou organizaco da polis, no obedecia entretanto a um ci- {ério meramente quantitative, uma vez que a pergunta ‘que orienta a filosofia politica cssica pode er enunciada da seguinte maneira: qual &a melhor forma de governo? ‘Observa-se que a questao concernente & "forma de ‘governo" 6, para o pensamento antigo, uma questio vital que diz respeito 20 prdprio valor de uma determi nada forma de organizaeZo politica. finalidade da polis = da “cidade” ~ n30 6a simples sobrevivéncia, o bem- Denis L, Rosenfield star material, mas a lberdade politica, 0 "bem viver”, isto 6,0 viver de acordo com os valores de uma communi. dade vinuosa ¢ justa. J Aristoteles dizia que a melhor ‘organizacio da polis devera sero resultado de uma mis- {ura entre a democracia enquanto governo da maioriae 2 ‘ristocracia enquanto governo dos melhores, ou seia, \daqueies que se distinguiram publicamente na conduc dos negocios da coletvidad, Governo da maioria ou soberania popular, como diiamos hoje, © govorne dos melhores constituiam questbes candentes para o mundo ateniense, onde 3 forma de articulaco das relacées polticas se determi ava pela insere30 do individve, enquanto membro da ‘cidade", na comunidade dos homens livres. & “rnaio fia possi aqui um significado restritc, pois ela denota apenas squeles cidadios reconhecidos paltieamente ‘como tas, 2 exclusto de todos aqueles que se dedicavamn 2s tarefas de reproducto fisica e material. A igualdade politica determinava-se, positivamente, pela relacdo do Cidadio ao todo do qual fazia parte ©, negativamente, pela desigualdade social na qul oa estava ancorads. Interessa-me salientar aqui que, entre os cidados, se instaura um verdadeiro espaco piibico: a “agora” ou “praca pibiica". A “praca publica” torna-se.efetiva" ‘mente uin lugar de encontro, de reuniso, de discuss80 © de a¢bes palticas, onde as decisses que dizem respeito 20 conjunto da coletividade s80 eleboradas gragas & confrontap8o de opinides © @ sua deliberagio publica através do voto. 0 mundo social, isto &, @ mundo do trabalho, permanecia & margem desse proceso de deliberacao bli, reservado aos cidadsios. Embora uma tal vias 0 que é Democracia entre 0 social eo politico sob a forme da escravidio soja inaceitavel para 0s nossos olhos modernoe, devemos fentretanto ressaltar que a “escravido" @ um “estatuta juridico” decorrente de uma relacdo de forgas instaurada nna guerra. Para o mundo ateniense, ela no tere os princi ies politicos e morais de organizaco da "cidade". Ennacesséro ainda observar que o politico esta inti- ‘mamente vinculado ao moral. A perguata peta virtude re mete & pergunta da melhor forma de organizaeao politica Hegel, por exemplo, reproduz o dialago de um pai com lum fil6sofo pitagérico, quando o primsiro, cigindo-se {20 segundo, coloca-Ine seguinte questi (Qual @a melhor forma de eduear o meu filho? — Faca-o membro de uma “cidade” cuja leis 580 boas. AA pergunta pelo valor da lei est8 profundamente ‘enratzada na flosofia politica clssica. A resposta do fis: sofo pitagérico poe em relevo que boas leis nio so ddadas, mas nascem de uma conveneso humana produ- Zida pela atividade pica dos cidadtos. ‘Se tomarmos os valores democréticos da “cidade” ateniense, perceberemos que estes no so apenas, representagSes subjetivas, vslidas somente para o ind viduo que se confronta com uma situago politica adver. 52, mas so consttutivos, enquanto instituigBes pUbi- 28, da forma mesma de organizagSo poltica. Cada cids- «Bo pode — e deve — controntar a sua opin com as, dos demais, 0 entendimenta nascenda desta “contra | A comunidade politica 10 Denis L. Rosenfield digo" entre enunciados diferentes que se erticulam obie- tivamente através de insttuigBes reconhecidas por todos ‘como sondo as melhores, Pode-se dizer que 0 nomos (2 lei ou convencSo) ‘adauire a forga da physis (natureza), de modo que o "mundo da lei” vera ser 0 mundo de verdadeira “natu reza humana’. A comunidade politica esté assim aberta 20 seu desenvolvimento e aperfeicoamento gracas a instituiedes que ganham 0 estatuto da “imortalidede”, pois, sendo as melhores, astio destinadas a resistir ad tempo, vivendo além da vida de cada individuo, de cada {geracio e de cada época. ‘Um pai, como vimos a propésito do seu cislogo com um fildsofo pitagdrico, esta profundamente preocu: nado, via educago do seu fho com os destinos da Comunidade, O individuo € antes de tudo cidadéo, ov seja, membro de uma cidade, Nio se trata pols de uma preacupacso estritamente individual, mas diz respeito a Valor e perenidade da coletvidade. A comunidace politica que ¢ legada 8s proximas geractes provém da responea- bilidade que cada um assume, hoje, em relardo aos as- suntos eoletives. Estabeloce:so uma intima vinculacdo entre a ence- nec publics e » participarso poltica de cada cidadso, de modo que a tensio entre as necessidades comunits ries © a participacso politica dos cidados no 6 rompida fem proveito de um corpo administrativo oncarragado dos assuntos coletivos, tal como acontece nos Estados mo demos. 0 publico, na democracia ateniense, diz respeito 20 conjunto da comunidade e, em consequénica, nao é apropriado por especiaistas das leis © da police que, situados acima de nds, se pretendem representantes do 0 que é Democracia “bem comum”, ‘As leis comuns — que no tém nada em comum com nossa Constituigdo anterior, que tinha se tornado tuma colcha de retalhos imposta & nacio — nascem das iscussdes e confrontagdes daqueles que expressam as suas oplnides, que discortem sobre os assuntos publics ‘num lugar reconhecido como seu: o lugar da police Logo, os cidadios se dio coletvamente uma "forma de igoverno"” através de agbes politicas orientadas por valo Fes postos @ prova como pertencentes a todos, Esse lugar ‘comum ganha entio a forma de um espaco public vivi= do @ atualizado pelo olhar, pela palavra e pela acto de cada um, 0 processo de identifcacio da comunidade consi go mesina opera-se através do comparecimento dos. Cidadaos na praca publica, os quais, assim, fazem do publica a forma mediante a qual a “cidede” apresenta-so ‘si pele atividade politica do conjunta da coletividade. As nogces de uma representagio politica que passaria pela formacéo de um corpo independents de polices profs sionais decvinculadas dos eidadiios @ de uma “adminis- ttago" que toma 0 lugar do “publica” so desconhe- Cidas. O concsito de “politica” refere-se efetivamente a0 ‘que 6 coletivo, ao que é comum a todos, OESTADO MODERNO Se insist nestae pigins introdutérae numa breve caracterza¢30 de alguns pontos do conesito gtego do ‘demcracia, foi com 0 intuit de melhor por em relevo © feu contraste quando nos veltermos para a andlise da emocracia moderna ‘rmadiatamente salta 20s olhos a vinculaeio de fato entre a democracia e 0 Estado madera. Mais precisa ‘ante, obsorve-se frequentemente que a democtacs tor | nou'se uma adjtvacdo do Estado em expresséee como "Estado democrsice”. E como se « democracia tvesse perdido @ sua signficaeSo pratca de sero lugar pblico 0 processo de identticacbo da sociodado consigo em Drovelto de uma nova forma de exgeniza¢30 poles Com efit, o Estado maderno ver a cumprir este papel — do estruturacio da sociadade a partir de uma nava pos $80: 0 lugar onde se eria @ mecanisme que, independen- {emente do espaco publica dos cidadiios, ganha existén- cia propria e controla a sociedade desde fora para um centro de poder situado acima da sociedad que é Democracia © conceito de democracia sofre aqui um desloca- ‘mento que alters 0 seu santido, pois, de “organizacso da polis, ele se tornou uma forma de governo possivel do Estado. O Estado moderno configura historicamente, uum fendmeno politico desconhecide que termina por fazor da democracia uma forma de legitimagzo do seu préprio poder A transterBncia do provesso democrético pablico {do tomada de decisdes, que dava forma & comunidad acarretou uma reorganizacdo polltica das retaeSes huma, as, resultando numa transformacio dos proprios con- ceitos de “espaco piblico” ou de “governo da maioria” ‘As categoria da filosofia politica classica tornaram-s In suficientes para aandlse de um fendmeno poltico que, tal ‘como uma substancia, aceltavérias aparéncias sem con tudo modifcar a sua significagso essencial. A democracia ode inclusive vir a signficar uma mera aparén participaeo poltica, embora o seu sentido ork seja precisamente o de uma efetiva participagio dos ind! Viduos nos assuntos piblicos. (© mundo moderno criou uma entidade politica que ‘se encontra além das nogdes provenientes das “consti- ‘igBes antigas”, que, até ent8o, constitulam as catego fias do nosso modo de pensar o paiitice. Com efelto, 0 termo de Estado remote a duas significagdes: 1) uma denota 0 processo de organizagio da socie ‘dade por els mesma em um governa auténomo e, neste sentido, o Estado somos nds; 2) a outra designa 0 aparelho que, com mobiles préprios, governa a sociedade desde uma posiczo que Ihe & exterior. B Denis L. Rosenfield 0 que é Demoeracia 18 Estamos pois controntados com duas signticacdes ‘que, juntas, excedem a um enfoque dos fendmenos pol ‘cos baseados apenas na norBo de “formas de govern (0 Estado no seu sentido de “governo auténomo" corres onde bem & naciio cldesica do "forma de govern: orem, enquanto aparelno moderna de governo, estrutu Fado por uma méquina edministratva centralzads, ele significe simultaneamente uma nova articulac8o do social pelo poitico e do poitico pelo social Estado e saciedade tornam-se dois momentos que 2 medeiam reciprocamente, de tal modo que esta inter Telagao eria um espaco propicio ao desenvolvimento de time administra voltada para a defesa das liberdades, civis indlviduais ¢ dos valores de uma economia de mer: ‘ced, leo significa que a liberdade propria da nova época nasce associada a uma forma de sociedade que fere constantemente os valores nos quais ela esta fundada pois, ao mesmo tempo que procura assegurar 0 bem estar individual, ela exclui grandes grupos sociais das \vantagens desta nova sociabilidade. ‘A liberdade politica, liberdade de intervengao na cena pablica, ver asim a contrapor-se a uma forma es- tatal de organizaco do espa¢o pablico que, em nome da nnecesséria regulaco dos confitos sociais e do bem Ccomum, vem a reduair a possibllidade igualmente dada a ‘ada cidadao de participagao nos assuntos coletvos. 0 politico, no seu sentido antigo e moderno, esté pois embutido no conceito maderno de Estado e, depen Sendo da significagdo privlagiads, teremos ume forma de ebordegem da politica moderna que tanto pode con duzir a um efetivo governo da maiora, baseado na por unta clissica da melhor forma de governo, como pode 16 Denis L. Rosenfield desembocat no impéri total do Estado sobre a sociedade 08 individuos, A revolucio e 0 Estado moderno Para podermos comoreender 0 carter propio do novo Estedo nocasirio quo nos vltemos para a Revo- Iugdo Francesa, sto 6, para forma medianto 8 qual © Eotado 6 reposto pela expeioncierevlucondria © pels necessicedes da nova socodade, “Tocaucvilo nite sobre 0 fato de quo o Estado pée-rveluciondro uma coninoago do ttada abso $st, um prelongemento do "Antigo Regine, pec ole asinalagualmene que onove regime 6 portador de um nove, admiistario, nasida de necessidedes sbclo Cconomeaetamoer reas. segundo sae pros lavas, 0 progresto da sociodedo que, cra‘o cada Ftante nove nesssdades, ransformando 08° mes. ‘mo. antiga adminitragio, No momento em que a Frang, er 1789, precipita 0 ne expertincia evoliclona, so-so Um nove espa G0 pallco onde, nada estendo decdo, vas possi- Sinden paiom sor visumbrades. A nova aminsterso fo estave necesceramente. insta nos destinos da Tovolugao, mas, uma vez que ee fokengondrada, deve ‘mos prguna-nos sobre qual 6a sua funglo ”A rovolcto & una experionia de dostuigo da tiererquia sci poten eretgiosswigontee 9 av subs tiuldo por uma soctdade baseada na lgvaldade dos Cidade. Restle entetarto deste proceso. cingBo © © desenvolvimento do uma forma de orgonizacSo paltea 0 que € Democracia {ue restabelece @ hierarquia sob uma forma incividualista © administrative. So todos os individuos tornaram-se Doliticamente iguats, eles vioram a ser iqualmente dom ‘nados por uma inst8ncia que thes & superior, No seio mesmo do Estado absolutista podia sor considerada uma compatibilidede entre © governo mo: arquico (mais tarde governo absoluto) ¢ a uniform 2acKo, iqualizacdo e homogeneizaco dos cidadiios (qua lidades estas que faciitam o exercicio do poder em ver de impedilo). Porém, se uma retundigo do social tornou- se necesséria, era porque ela também visava es smbolos «valores da antiga forme de dominaciio na perspectiva ‘mesma de criago de uma nova sociedade: AA cena revolucionéria veio a ser um lugar de con: fluéncia de exigéncias propriamente poliicas, nascidas dda tentativa de instauragfo efetiva da liberdade pare todos, ¢ de reivindicardes socias, provenientes de uma grande massa de individuos que’ viviam na miséria. A ‘cena pibica torna:se assim um lugar nip s6 de embates politicos, mas também de luta pela satisfago das exigén cias mais elementares de uma grande parte ca popu loca. E nesta dupla determinacso do espago piblico ‘modemo que o Estado se afirma o ge desenvoive, sendo pois reposto pelo comparecimanto na praca publica de novas reivindicagdes de fundo social. Se © Estado fol reaproveitado neste processo de recriacio do social porque ele responcia a uma necessidade entdo presente, © advento de uma economia de marcado, que, na crveza da Revolugao Industrial, desagregou es relages sociaise langou 0 individuo assim abandontado no merce do, engendrou s sociedade moderns. As relagSes socials tomaram-se progressivamenterlagdes ont inviduos ISlodos uns aos outro, submetisos tanto 90 poder das ile do mercado como a0 pode do Estado. © processo. de reposilo. do Estado moderne 8 entio esimentado por exigonclas soca provenintes de uma oconom Ge moreado quo faz com que as “ols poblcas” se decomponnom em uma expéci de aaministorao do social. Sciodade de mercado ¢ Estado Brno obo oreverso um do ouvo,ombos elemen- tos aves de um mesmo process de dlugdo do poltco Sm algo soca, da modo que a cane pblon adauire cada ez mats um carder meramonto admristatvo, Uma revirayolta social ~— A moderna caractariza-s por uma, profunds transformagao das relagées humanss, destacando-se, a hivel politico, a emancipacio das relagdes sociais de {qualquer inscriego natural ou divina — 0 corpo do rei Gomo corpo da naglo, por exemplo — e, 2 nivel sécio- econdrmico, o primado do mercado e dos valores mercan- tis-utiltrios sobre as outras esferas da vida humana. ‘0 movimento aconémico da nova sociedade con verte tudo o que se apresenta em seu caminho em merca: ‘ora, o homem ea terra inclusive. Os homens tornam-se Ceisas, devineulams uns dos outros ompem multas fdas igagdes que os uniar a outras formas de sociabil- dade. O que hoje aparece como “natural”, dando-nos 2 jiusio de leis econémieas que independem da vontade ddos homens, 6 0 resultado historco e politico de profun {das vansformagées socials que chegaram a questioner © Denis L. Rosenfield 0 que é Democracia | | | ‘que entendemos por natureza humana, ‘Uma tal situagio, por exemplo, era inexistente no Estado absolutista, onde, mediante 6 sistema mercanti- lista, a destruico do partcularisma do comércio focal © intermunicipal eo subseqiente desenvolvimento do mor ‘cado nacional acarretavam simultaneamente uma maior regulamentago da vida econémice. 0 econémico per- ‘manecia submetido ao politico, Karl Polanyi assinala que a concorréncis, subordi- nada ao contol estatal¢ as relagbes socials nBo-mer- cant, permanecia contida nos limites impostes por uma administragso centraizada que favorecia formas autir- uicas de Sobrevivencia nas farmiias camponesas assim como na vida nacional. Oe fato, a regulamentacio eo ‘mercado cresceram juntos, sondo que a dia de um mor ‘cado que se auto-regula era desconhecida. O apareci- mento da idéia de auto-regulacso do mercado por ele mesmo e a tentativa politica do realz-la praticamente fepresentam na verdade uma completa reviravolta na tendéncia entao vigente da sociedade. © eavento de uma economia de mercado imprime, pela oliminaco gradativa ou violenta de formas socials ‘o-mercantis, um novo movimento tendencial a soci dade, que torna o cidadio um mero objeto de troce. social, o que significa também os individues, fica por ‘assim dizer comprimido entre o econémico e © poitico, pois a automatizacio das relagtes econdmicas lancou cs individuos assim atomizados nos bragos do Estado, em busca de proteeo mas também de uma nova instituig8o do politic. {As relacdes contratuais foram estondidas 8 terra (socularizago dos bens da igreja) @ aos homens (trabalho 19 Denis L. Rosenfield ‘ssolariado), de tal maneira que o Estado veto a ocuper 8 pposi¢do de mediador destas relagdes de troca. Desenvol verse, em decorréncia, toda uma organizaco administra tiva @ Juridica cuja fungSe consiste em encarregar-se desta atvidade de regulacko. ‘A especificidade de um tal proceso reside no fato {de que no se trata de uma simples troca de objeto, mas do homam enquanto objeto trocado. A regulagio da ‘roca entre homens tratados como objetos tomaré @ forma juridica da logislaréo social, visando a protego do hhomem contra a decomposi¢ao sofrida pelo tecido social Observerse que a tensio nascida da oxigincia de uma malor participago politica por parte daqueles que slo excluidos de uma vida digna em sociedade tanto pode tomar a forma de uma efetiva iberdade politica ‘como pode cair em reivindicardes. que terminam por assegurat a porenidade do Estado. O que importa salien tar & que a conquista de vantagens sociais, um direito conquistado pelos trabalhadores, ao ampliar a propcia esfera de atuago da democracia modeme, teve também ‘como conssqiléncia una maior adesio moral @ polfica ‘20s valores desta sociedade. A passividade poltica ‘obsorvada nos Estados modormnos & ola mosma decor- ronte do predominio crescente dos valores individualistas de uma sociedade regida pela idéia do bem-estar materiel do medo de enfrentar-se a um Estado paderoso cujos tentéculos tandem a controlar a vida de cada um, ‘A wransformagao da situaco material da socie- ‘dade, se ea no vier acompanhada de uma efetiva demo: ‘ratizago dos esparos ocupados pelo aparelho estata ‘nfo modificaré as condiges politicas que tornaram esta sitvacdo possivel. Uma administrago sitvada fora do 0 que é Demoeracia processo de deciséo pollica permanece & margem do ue & pilblco, ou soja, @ burocracie estatal apropri-se dos mecanismos reguladores da vida social e econdmica sob uma forma que se pretonde imparcial, como se a domocracia fosse um simples ritual eeltoral. A "coisa ables”, numa tal siwacdo, 6 tudo menos publica, A busca do benrestar material pode ocupar 0 lugar 4 acio politics, ¢ em vaz de termos individu’ preocu: ppados com os assuntas politicos da comunidade teremos individuos egoistes e apaticas, sam nenhuma preacu: pagio com 0 outro. Esse tendéncie, uma ver rescividos ‘8 problemas basicos mats prementes da sociedade — ‘como & 0 caso nos paises industrializados —, & a da ind ferenga, do interesse estritamente particular, chegando inclusive @ atingir 0 carater mesmo das manifestapdes politicas que ganham um cunho corperativo, O direito de voto, apesar de ser uma das mais importantes conquistas operaries do século XIX, pode {omar-se um simples ritual, deixando intacta a estrture politics @ social so ele no vier acompanhade de outias ‘formas de intervensio politic, Em Estados que transitam pare e democracia, como 0 nosso, 0 descompasso entre manifestacbes de ‘ua que exigem a soberania popular e a apropriacio pelo Estado dos mecanismos de decis#0 poltica pode vir a gerar tanto uma efetiva democratizagio do pals como sua apropriaeao formal por uma elite politica, sem falar a possiblidaue de uma nio-transi¢So & democracia, Importaressatar que o Estado pode inclusive forta- lecer-se, 0 que significa qua a partcipacao politica possa tomar-se cada vez mais uma forma de obter favores e concessées do Estado, em vez de reivindicar uma efetiva En | J MM Denis L. Rosenfield abertura do espago publice. A democracia, enquanto forma de exercicio de berdade politics, nfo se confunde ‘com a satistagio das necessidades materais da popula io, que pode também tomar formas poitcas eutorts- ias © mesmo totalitrias. O predominio do mercado ‘Seomercado, naintensidade sem limites do sou de senvolvimenta, tornou fragals todas as instituiges ex Tentes, se ele desenraizou o homem do seu contexto tradicional e comunitrio, todas as medidas tomades para ‘controlé-o deveriio considerar esta instabilidade que veio 2 ser um dado bruto dos tempos modernos, O individua- lismo da nova época no 6 aponas a emergéncia de novos: direites do Individuo, mas também a busca desenfreads do lucro, o abandono de cada um diante das leis do mercado, 1 dificuldade reside, para uma anslise deste fend- ‘meno, em manter juntos estes dois lados do mesmo pro- blema, pois tontativae obsorvadas no século XX, de elimi rnopdo do mercado, terminaram acarratando a supresss0 10s dcetos dos individuos e da propria liberdade poitcs Na época moderna, percebemos um processo de socialzacio do dominio piblico e de controle administra tivo do que & coletivo, ambos processes criando condi 60s pars o desenvolvimento de uma sociedade baseads hos valores. do bem-estar material e da utlidade. Isto significa que 0 bemestar de um individuo ou de um Grupo social, nas condigbes de uma economia "selva- f3em'" de mercado, implica a eliminactio de outros indivi. 0 que é Democracia duos e grupos sociais das mesmas vantagens econ6: micas @ sociais. Novas desigualdades socisis entio se \deservolvem, tornando necessario © engendramento de ‘uma instancia tando como funglo a protec des fortu- nas privadas e do seu processo de reposicgo. Observe-se 3 produgo, como lados da mesma ‘moeda, de dois dominios igualmente independentos no que diz respeito 30s individuos: 0 Estado, inetancia pol tico-administrativa, @ capital, sondo ambos fatores ati- vos de uma nova temporalidade histérica. O capital, por exemplo, thanscende as fortunas individuals, invade rslera do Estado (empresas estatas), d& nova forma 8 relagbes sociais © permanece quando nés jé no mais ‘estamos I. Essa autonomizagao do econémico @ do politico & uma das eondigdes do advento de uma socierede que iguala todos os individuos como objetos. A singularidade de cada individuo tende a desaparecer em proveito de tuma uniformizagio do social, isto € passa a vigorar na sociedade um mesmo comportamento que faz com que © pdblico, © politico, se torne uma questo medida am ‘wimos de utldade materiale individual, Devernos assim ‘nos perguntar se 8 voracidade de uma sociedade de con: sumo no 6 uma forma de antropofagia da niatureza hu ‘mana por ela mosma, tondo como consequéncia a elimi nagio de tudo aquilo que podia ser considerado como lum ponto de referéncia humano, Poréin & necessirio igualmente resealtar que, embora esta forma de sociedade seja um dos tragos cis tintivos da nossa época, ela no se esgota em uma ta for mulaglo. A sociodade moderna, no seu percurso, anu ciava ~ @ anuncia — outros valores e outras alternativas 2 mo Denis L. Rosenfield historicas. C. Lefort pbs bem em'relevo que a producao & o desenvolvimento dos direitos civsliberdade de expres: ‘io, de imprensa, de circulagdo e de organizagao sind call percorrom todo este processo histérico e s80 deter minados por ele, criando pois condicSes para 0 surgi ‘mento de novas formas sociais, bem como de outros ‘modos de participagao politica XO que veioa ser chamado sociadade civil desenvol vveu-se nos embates do advento de uma economia de ‘mercado segundo os principios de uma estrutura politica {que acolhia em si processo de aperfeigoamento de suas instituigBes, Ela nBo se deixa reduzir & mera defesa dos interesses materais, porém indica outros caminhos @ |serem trihados, outras formas de exercicio da cidadania. 'Aparece no horizonte a possibilidade de retomada, pelos cidadios, das condig¥es efetivas de uma participaco poitica que, voltada para a liberdade politica, possa ser ccapaz de diminuir as desigualdades sociais sem cait na ‘miragem de urna sociedade plena e ansparente. As representagdes democraticas ¢ o Banco Central 0 processo de reposic¥o do Estado aumentou a dis: tncia entre as representacbes politicas democraticas @ 0 ‘desenvolvimento de toda ume estrutura administrative, criarido uma contradig8o entre as novas possibilidades de produce de um espaco piblico e as condicdes sociais ¢ ‘écnicas que podem tomar aleatéria uma tal realizacdo. Embora o sufrégio universal tenha:se tornado uma realidade nas democracias ocidentals (ou esté se tor 0 que é Democracia 25 nando naqueles paises que transitam para a democracia) embora diferentes formas logislativas tenham-se aperfei {oado, no é menos verdedeiro que decisBes que dizem, diretamente respeito & vide nacional s80 freqUentemente tomadas sem nenhuma consulta popular. A poitica fiscal, econdmica e financeirs permanece, sob a forma de uum saber esotérico © do controle de informacoes ‘como vemos cotidianamente num pals como 0 nosso —, fora dos processos democraticas de tomada de dec'sbes 8 executada & margem do controle legisiativo. K. Pola yi, cua obra A Grande Transformagéo foi publicada em 1944, podera estar falando do Brasil de hoje: “Politica mente, a identidade da nacio ere estabelecida pelo go vverno, economicamente ela provinha do Banco Central” ra, s80 precisamente estas poltices que confi ‘Quram 0 rosto da nacéo e a rearticulseao interna das rela. es entre os diferentes grupos e classes socials, trando de uns para dar @ outros. Pode-se denominar esta fun¢o do Estado de fungio mediadora, pois elo ocupa uma posigo central no processo de identificacdo da sociedade consigo mesma, Eatraves dele que a sociedade se determina. Ou ainda, © Estado coloca-se acima deste processo, modelendo-o. Se a nogio de "modelagem da sociedade conhe- cu um destin tao funesto nas experiéncias totalitirias 6 porque, de certa mancira, este destino j se anunciava no ‘modo através do qual a sociedade percorra o seu proprio. rocesso de identificardo. Isto significa que 0 Estado voio 2 ser um mecanismo funcionando segundo uma ligica propria, garantindo a0 mesmo tempo 0 seu fortalect mento, encenando © bem comum e destituindo os cida «aos da sua capacidade de intervirpolitcamente nos 6 Denis L. Rosenfield assuntos pibicos. importante sublinhar aqui que a légica particular do poder 6a de uma maquina aspirando em si 0 processo de determinagao do social. N3o fosse esta instincia ‘superior, @ sdcledade poderia detotminar-se diferente. mente, como tivemos @ ocasiio de ver a propésito da cidade groga. ‘Nada mais “normal” entao — para aqueles que cotham a sociedade atual como a dnica possivel — do que Considerar 0 “crescimenta” do Estado como algo “natu fat", quando ele nda é seniio 0 outro lado da socializar30 roderna do individuo. A morte progressiva do politico Vio acompanhada do governo da burocracia, | ‘Observamos ent3o que, se o Estado tomar uma forma ‘social, ela sata a de um espaco administratvo, aberto @ todos 08 individuos, uniforme em si, decidindo Sobre tudo 0 que diz respeito 20 futuro da sociedade e & Vida dos cidadios. Nao se pode pois confundi-to com um |. espaco publico, lugar de discussio e de acto, lugar de NX geesso 30 politico e, logo, lugar de apresentacto da “Sociedade @ si, Basta pensarmos nas grandes manifes tacdes por eleigtes diretas para nos darmos conta da diferenca existente entre as tentatives poltico-adminis- trativas de fechamento da sociedade e uma perticipagio politica visando a verdadoira criago de um esparo pablo, Em outras palavras, 0 espaco administrative, en ‘quanto espaco aberto a todos, tom a aparéncia dé um ttetivo espaco publica, produzido pela livre escolha dos tidadios, quando é, na verdade, um esparo que res- tringe a participagao politica e desresponsabliza os inivi duos de suas acbes. © que 6 Democracia a” Ve-se aqui mais claramente a distingSo entre esta instituigdo moderna e a “forma de governo"” democratica no sentido cléssico, pois esta pertence aos cidadaos | livres reunidos em praca pablice segundo normas criadas// coletivamente e reconhecidas por todos, enquanto aque la coloca-se acima dos individuos, reguiando:Ihes a vide privada e publica Conchiindo, a classificacio cléssica da “cidade'” ‘em "formas de.governo” pressupde a existéncia de uma ‘comunidade politica organizada segundo os valores do hhomem concebido enquante animal racional e politico. Ora, no momento em que estes valores foram postos praticamente em questo pelo advento de uma economia regida pelo mercado e pelas experiéncias revoluciondrias modernas tornou-se necessério repensar a questo do politic. ‘Vimos a dificuldade de dfinir 0 Estado moderno utiizando apenas as categorias filosoficas clissicas, uma vee que ele representa uma reulidade desconhecida, nascida da sociedade ¢ da ideologia modernas. Devernos distinguir “cidade” e “Estado”, bem como “constitui- 20” no sentido antigo @ moderna. A modernidade pol tico-social caracteriza-so pelo individualismo, pela econo- mia de mercado, pela atomizacio social e pela presenca: politica do absoluto, Logo, @ noc moderna de Estado! fepousa sobre uma concepeo do homem enquanto ani ‘mal @-social ¢ e-poliico (Hobbes), 0 que significa que a nova sociedade isola os individuos uns dos outros fazen- do com que as relacdes humanas sejam mediadas plas rolagdes entre coisas. 0 Estado reposto pela necessidade de reagit & sociedade moderna jé nilo & o mesmo Estado, pois ele 8 Denis L. Rosenfield Tove de enfrontar a destruig&o do tecido social, @ incapa: cidade da sociedade de assegurar a cada individuo digni- dade social e moral bem como o bemvestar material de | tod08 08 cidade. ADEMOCRACIA Assinalamos nas paginas precedentes que a socie- dade @ 0 Estado modernos situam-se numa posicso dé descontinuidede om relaco a outras formas de orgeni 2a¢Ho do social ¢ do politico. Observamos também que festa descontinuidade no era somente @ causa de uma desorganizagso das relardes sociais entlo existentes,, ‘mes que ela tinha igualmente acarretado, através da ‘emancipacio do morcado da coergio estatal, a formaco de. uma separagdo entre a estera econémica e 2 estera /, politica, ‘Assim, 0 advento de uma sociedade de mercado foi lum fator central para o nascimento de novas formas de representaglo politica bem como de novos direitos ¢ I brdades. Isto significa que o espaco economic do mer- ado foi 6 lugar de uma nova instituigle do politico: a democracia liberal € contemporanea ‘da sociedade de mercado, ‘A democracia, nascida nesta soctedade, produziu, 30 Denis L. Rosenfield ‘de um lado, valores cuja validade Utrapassa as condiges: histéricas que os geraram e, de outto, estes valores ‘devern a sua existéncia 8s condigBes do mercado. Esta ‘contradig8o est na base dos dilemas atuals das socieda- ‘des que, tentando eliminar 0 mercado, terminaram na vverdade ‘eliminando @ democracia. A’ experiéncia do "socialism real” 6, neste sentido, bastante eloqiente ‘Assim, no devemos, um pouco apressadamente, identficar o fim de uma sociodade de mercado, enquanto mercado auto-regulador, com a eliminag80 do mercado. (© mercado pode perfeitamente deixar de ser um meco- nismo com a virtude que the 6 atribulda da auto-regu lagdo, mantondo as funeGee de ascegurar a liberdade do consumidor, de indicar as mudangas da oferta © da pprocura, bem como determinando os ganhos do produtor te servindo de instrumento de contabligede social ‘As tentativas politico -burocraticas de supress8o do mercado culminaram na morte das instituigBes democrs- ticas pois 4) foi eliminada uma determinagSo central da mo- dernidade que veio fazer parte do nosso proprio ser. Ela '5@ incorporou aos nossos habitos e costumes, const ‘tuindo todo um sistema do roferéneia através do qual ros orientamos om nossas agbes. A sua eliminacto acar- retaria uma desorganizacSo total do jd precério equil: brio da netureza humana; 2} na modernidade engendraram-se formas que asseguram a liberdade do individuo, as diferenciacbes sociais préprias desta forma de organizacBo da existéncia ‘material dos homens e plone liboracSo das paixtes o atv ddades que visam a satisfag0 dos valores provenientes da busca do bem-estar material 0 que é Democracia 3) rat's do ugares dterminados onde se desdo- bram diferentomente: on valores marie tben-estr, pride de prod @ de onsum soci ier fo expresso, do pencamento de orgenzatdole pol teas liberdde pole, 0 aeseo de Todos 90 espace pubic. (0s preblemss do Estado moderna e, particular mented aun foceta Uber, s8o nossos problemas has ua nites e nas suas congulstas Nas suas limites, poe, no stu facasso hist ‘eo, embora oe Inerdesse contnvamente sobre os mecaniames do mercado para liberlo, 0 Estado loot tomou-se vitima das abruptas oscilagdes do mercado e | do loceramento do tecdo seca. A democrats velo & | Ser openes formal, pos prinipalmente votada pare | broteed0 das fortunes pekvadat © dos novos prvlegics!- Nos suas conquistas, uma vex que os valores emocrticos, gras ts ites sci qu os repuseram ¢ Transormaram, mosvaran-abcapezes de ample ede ‘Heptarso bs exigoncle de sociedads, Assim consul Se atvats do det de vato um nove espaco pablo que acolou om si todos aqueles que, atl enti, estavemn excludos da care pales e do berectar material da sociedad ‘A democracia modema ganhard um novo rosto, inaugurando um nove sentido do potco, eo determin Seo umasparo publica de dscuesbo, delat, do nego Giegdo o de dtlogo. A roungo de todos aqueles cue Constiuem a sociedad numa forma de organics pol Sica aberta a0 sou aperfelgoamento da gos cxadios um novo sentido da comunidade, no exci ringuem a 2 Denis L. Rosenfield por principio, dos assuntos piblicos. Embora a defasagem entre o principio 2 sua apii- cago possa ser muito grande, ela cria novas possibil dades de ago politica pela construg3o de um espaco ‘comum a partir do qual cada um pode detorminar-se. & ‘somente através de uma pratica politica comum que as lutas sociais podero encontrar caminhos onde as pa: lavras de uns poderio encontrar eco na de outros, erian do condiedee para uma sociablidade politica baseada numa nova relago com as regres evaloresque regem esta sociedade, As novas liberdades © sentido mais amplo da damocracia opte-se enti 20 seu sentido mais estito, pois este, apregoando as vr tudes do mercado como forma de resolugo de todos os ‘males socsis, termina por restringir a noe8o do politico @ lum mero exerccio formal da democracia. Trata-se entio de recuperar, desta forma de instituicé0 politica e de estruturago das relagBes econdmicas, os valores liber ddades que se tornaram nossos, Deve-se portanto dissociar as liberdades conquis tadas no transcurso dos sboulos XIX e XX, que fazem doxavante parte do ser do homem, do desmoronamento dde uma economia baseada na auto-regulaco do mer- cado. A separagio entre 0 econémico e o politico, bem como entre o particular e 0 piblico, vieram a ser determi. hagdes da iberdade, Toda tentativa de "igualé-los” pode Cconduait 20 surgimento de um Estado com pretenses rotaliarias. 0 gue é Demoeracia 0 Estado democritico &, por assim dizer, um siste- | .. polo compost do rvliploe cmonsdos, qu so | | desenvolvem em diferentes niveis de profundidade. 0 feu soré processual. Isto significa que 8 realidade produ zida por um regime democratico constitu-se de vérias formas de liberdades. A democracia engendra-se neste cruzamento de berdades quo, assim, a concretizam, Espaco pluridimensional, a democracia abre-se 20 ‘seu perpétuo deciframento de si, a novos intentos de ee cerutar 0 sentido do que, nela, est nascenda, Se a nogo de todo € importante para que possamos aprender o ‘movimento de artculaeao destas dimensoes ave, na sua eterminacao reciproca, a produzem, devemos entendé- ona sua abertura origindra, isto €, no seu movimento de ‘expansio, produtor de novas iberdades e direitos. Em conseqiinci, 0s direitos civicos que assegu: rama no publicidade do que é privado, o direito a0 bem- estar material 6 0 dirito do individuo & livre afirmagio das suas capacidades nas diferentes esferas de vide humana determina ¢ so detarminados pelo direito pu bico. Neste tomam forma as diferentes iberdades const ‘utivas da sociedade chil, de tal modo que @ lberdade politica, enquanto live participago de todos nos assur tos pibicos, possa realizar-se plonament, Podemos conceber 2 democracia como se seus momentos (as liberdades) fossom fotos capazes de captar a profundidade infinita das colsas, um filme que nos fizesse ver que a liberdade no & um mero assunto dos governantes ou dos ditos representantes do povo, pporém se dissemina em diferentes niveis da realidede. Do bairroao Estado, ela & portadora de diferentes palavias e iscursos, fazendo-se presente nos mais diversos lugares 3 34 Denis L, Rosenfield © que é Democracia e problomes, i (0 discurso democratico 6 assim, no seu préprio lidade e & provisoriedade de tudo 0 que existe. Ficidade dos diferentes segmontos do real, & imprevisibi- devéssemos tudo recomerar e, para nossa sUrpresa, NOS ddéssemos conta de que 0 ato de percorter novamente as imagens do fimme nos fizesse ver algo que nBo estava con. ‘ido na nossa flmagem, algo que foi criado por este proprio processo que faz com que a “coisa” cheque a0 principio, uma pluralidade de discursos, abertos 8 especi ; | E como se, no fim desta sucesso de imagens, | | | 1 “ipiblico” @ 0 “povo" ao governo do seu “Estado” a soberania das leis formes de soberania que, ne verdad, constuem uma ery oberania de meiora eo soberania ds fais. Uma 2 2Sbre'e pope do povo ne cago de Intiuicbos ‘iucrespondem aoe ancdios da malone, acuta, sobre 8 Sbftwndodees prmantncio do insti creda. ‘0 probleme consiste eno em coneliaro governo da meiona com isttugbes objatvas que, no Sou prince fio se bacclom na lure das opines e lls que Sseegurern a necessria otaglo dos governas submo tis periogicamente b soberania dos quo os elegeram. Pet sgnifica agua ll malr, 0 se, 0 Const tuigto, que regula sida poll da soctodade. Prem naan tode’Cosstvicto &'2 expressio da voniade da | ae ‘Se observarmos a histéra recente de nosso pals, 3 | | A soberania da maioria TTemos pois ne democracia a confutncia de dias | | Asnovas liberdades, 2 Denis L. Rosenfield poderemos ver até que ponto @ Constituiedo esté disso- Giada do processo de determinaco da sociedade por ola mesma, tondo se tornado um conjunto de leis imposto & rnagdo. Ela & bem legal sem ser no entante legitima, pois, Ihe faz falta 0 necessério respaldo daqueles que vive & ppensam segundo as suas regras. Ou soja, se no ocorre lum proceso de recriagdo da lei, esta pode tomar-se formal o artificial, de tal maneira que surge uma nova recessidade politica, a de transformar as leis existentes mediante a elaboragao de ums let superior. A legitimi ade pode situar-se do lado da etaborac3o de uma nova Constituiglo, enquanto a legalidade pode vir a ser uma. usurpacie dos direitos da maioria, ‘Um conceito to propalado como ode “Assembléia Constitute” recobre precisamente a exigéncia de supe- rar um tal impasse politico. Se analisarmos as duas pala ‘ras que © constituem, veremos quo a primeira designs lume reuniso de cidadios, eleitos pela nago, que tém ‘camo objetivo explicito elaborar um novo conjunto de leis, enquanto a sogunda denots este objetivo, esta meta ‘como sendo uma condicao fundamental para um reer ‘contro da naco consigo mesma. (O conceito de “Assembléia Constituinte” ver a ter ‘uma importincia fundamental quando o Estado encon- tra-se desacreditado, tendo a Constituicdo anterior se tor- nado um instrumento a servigo daqueles que no visavam senfo & permanecer no poder. A rigor, néo se deveria ‘mais falar de Constitui¢Z0, uma vez que, 20 invés de unr ‘ana¢3o, este conjunto de leis a desarticula. O sentido da lei 8 precisamente o de igaros cidadios entre si. Ora, uma Constituigo que desune em vez de unir no & mais pro- priamente uma Constituicdo. © que é Democracia ” Assinal-setambim que uma tal Assombilia & acessaiamente extaordnii, pots ua nove Const ‘uip0 fomou-se necessara pelo vaso sutoal no «uel cio pas, desorgntzando anda mals a9 rg Soci potas Porant, no se pode confunir um poder const ‘uit, larament lst para cumpriruma al aret ors © poder legislativo em suas tarefas habituais, pois a Constitugao, una vernstiuid,tanscondeo eto quo # gerou e pasa a rego a vida pes da noo. A sober ta reside no poo, mas st ho quer der eure Cae {uso dove oir ou tansformase segundo es conn {urs poteas ou mesmo 08 desjos provisos a Pn. Giatos da mai, come acortace foxontamonta ha red alune feos palcos ue sletom ferarare& ‘A pura vortade da msioa conjugada com a pecs ‘edad ds lis podem tomas umn ieportonte faor do instabicode institucional. eiando condgdos, pera rai porgosas avons poles, Avorn maar 40 & necessariamente democratica, podendo ser tam:” bém tirdnica. podend “ © que cractaria uma Conse & preciamen eto de que a se scrove normatvmente nea due Gio destnads a ultopatear a vida de vei goapbs, & feberana da le, propria da democrat, fndse no “povo", na "rape" sem contudo desoWver se nt outs arunéca momentanes dona malta, Hannah Avert escrevendo a presto da Revoluese Amrcana: puma muito ola expresso, quo 0 gna do ove sna Cano reside “host extaorinao pedor de Conse {uo detave de ontem com o nos dos sSelse nor 38 Denis L. Rosenfield ‘A domocracia caracteriza-se, assim, por esta dupla | //determinacio: governo da maioria e governo das leis. ‘Trata-ae de dois lados do mesmo conceito, 0 primeiro indicando 0 ato politico de instituigdo de uma nova forma {de governo @ o sagundo 0 processo de consolidago das novas instituiedes que se despegam do tempo visando lnira sociedad segundo novos principios. A “coisa publica” e a “coisa material” Uma das condigtes da sociedade democrética & 3 no confusio, tebrca e prética, entre a “coisa piblica’” ‘2 “coisa material”, uma vez que este deslocamento de ‘sentido anuncla uma modificaro do significado dos va- lores que regem esta forma de Estado, Deste modo a sociedade, em vez de ser regida pela liberdede police, € ‘determinada por uma outra forma de Estado onde predo. rminam os valores de uma igualdade materialmente com- preendida, ‘J4 Tocqueville havia assinalado que o bem-estar materiat era compativel com um governo despético. A liberdade poltca, ao contrrio, pressupde a capacidade {dos homens de agirem e discurearem sob o Gnico império dale ‘Uma sociabilidade regida apenas pela preocupac3o do“bem-estar” desune os homens, isolando-os uns dos ‘outros e fazendo com que percam a nocdo do que & ‘comm, Neste sentido, 86 a liberdade @ capaz, uma vez que se tome o principio reitor da atividade poitice, de impedie a sociedade de escorregar neste terreno Ingreme podendo condusi-laa tania, Em vez de desunir os indivi 0 que é Democracia » duos, @ tberdade 0s une, em ver de distanci-los, ela 0s aproxima, Fica claro que esta concepeSo da liberdade no se cconfunde de modo nenhum com o livre-arbitrio de vontade particular. A sua signticaco repouss, 30 con: wari, na criagBo de tm espaco comum onde os homens se retinem para delzearem juntos sobre seus problemas coletivos, no somente sobre os grandes problemas do Estado mas sobro tudo 0 que diz respeito, do bairro & escola, a seus assuntos comuns, Somente assim podem © incividvos desiigar-se dos seus negécios privados, intervindo na resolugso dos problemas da coletividade, Deve:se aqui distinguir 0 dominio poiitice do social « familiar, cada qual quardando as suas proprias esferas de validade com as regras que thes s80 proprias, A pas- ssagem de um dominio ao outro da-s0 no interior de um todo cuja articulaeao impede, em principio, a usurpacso de uma esfera por outra. Dizemos bem "em principio” ois, na pritica, as fronteiras #0 muito menos nitid 1, no Sendo jamais definitivas. Cada cultura organiza-se de ‘uma forma determinada @ em cada uma, supondo a sua estrutura politics como democratica, estas transigdes so objeto de confitos, debates e mudangas, Ora, 0 que & especitico a0 Estado democratico 6 precisamente @ aceitacdo do confizo e da discussio | sobre as suas proprias formas de estruturacio sem, entretanto, pdr em questo © principio que @ informs Assim: sendo, a sociedade assegura-se de um movimento de expanséo das suas liberdades. Perece-nos da maior importincia esta distingso entre 0 piblico © 0 privado, s6 capaz de assogurar 0 desenvolvimento do espaco pablico e a capacidade indi- Denis 1. Rosenfield vidual de agir, evitando toda reduce superficial do polt tico ao individual e do individual 20 social. Ela €, por assim dizer, 0-“espirto” da democracia num processo de interagdo entre ambas as esferas permitindo a circulago das idéiase aintervengo politica de cada um. H. Arendt estabolece um bonito contraste entre 0 |piblico, onde cada um & visto e ouvido, @ o privado, garde recolhimentoe de reflexdo. E no movimento que leva de um @ outro, saindo do "fundo opaco' do privado para a “visibiidade"” do pubiice ou, inversamente, ret fando-se da luz ptblica para 0 descanso sem rho do privado, este lugar que é tocado apenas por alguns raios de luz, que a linerdade pode realizar-se enquanto princi- pio de organizagsio do sociale do politico, A adminisiragao do social Entretanto, estas condigBes nocossérias da demo- cracia nl sio condigbes suficientes, considerando que o ‘esp2¢o pilbico, no Estado moderno, esta estreitaments Vinculado a0 esparo administrativo sob a forma da repre- \ sentaglo poltica ¢ sob as formas da administragdo eco- \\némice,financoira, fiscal e social ‘0 mecanismo administrativo encontra-se colocedo ‘acima dos homens, embora os cidados possam, ainda {que eles no 0 facam sempre, exercer sobre ele um controle periédico, Porém, 0 problema reside no fato de {que 0 dominio econdmico-financeiro tende 2 tornar-se independente de qualquer controle politico como se fosse neutro e ge sityasse fora do alcance do piblico. como se 0 primade do econdmico — @ da sua forma de 0 que é Democracia a dominago —, fato hist sco de modemidede,tvesse se Tornado natural oj no admisso creas. ‘Obuerva-se nas democracasocientas que a lei ies mudam a aquipe no poder som no entanto moet Brofundamente com os mecanismos econbmices, do} tomada de decisbes, A administracao, sob a sua forma Polica,&eficazmente controlade pelo perouidece de Siigdes baseadae no suléglo universal onquanto a saivaedo db “co nat” tome ua Toms ‘uase natural, no posendo supostamente configure de outra mansira. rs aaaneaane Um exemplo bestante eloqiente& a nosso nego ciagio da dvda externa. Prima, o Estado, contolane ot governs naseox de uma tara miler Bo ti legtimidede para conti uma tal dvds. Segundo, soles tee nardaa suborinogdo as ets do FM pon ‘dade no sau sentido material e social, fez com que a sociedade se tornasse uma sociedade de trabalhadores, ‘oltsda para a satisfago material e para a acumulaco de Fiquezas. No momento em que nas democrecias aciden- tais dos Estados industralizados criavam-se condicdes ‘para uma emancipacdo do trabalho, os homens torna ‘am-s@ incapazes dé agi livre epoliticamente E necessario lembrarmos que apenas recentemnte © trabalho ganhou uma conotagao positiva, como por ‘exemplo em Hegel © Marx, enquanto na idado Média ele fra considerado como uma atividade penosa e negatva, 01 seje, 0 estado daqueles que softer. Esta confiuéncia | de significagdes € tragicamente clara no lema dos cam pos de concentracio nazistes "O trabslho libera” ou, finda, nos campos de reeducacio de alguns Estados secialstas baseados no trabalho forcado. Dads @ forma sécio-ecdndmica de organizacso da sociodade, este "emancipacdo do trabalho’ tem tomado a forma “perversa”” do desemprego, 0 que, em ver de conduzir a uma reorganizacSo destas sociedades demo: craticas om diracso de uma ampliago de suas lberda ‘des, tom resultado num enfraquecimento do tecido social ‘eem condig6es que viabilizam uma explosdo socal. Esta situaco tome-se ainda mais grave om paisos ‘menos lives e industraizados que, organizados segundo ‘0s mosmos valores do ber-estar material (sendo 0 nosso “desenvolvimento econdmica” uma das suas vertentes), 9 encontram hoje dianto da nacessidade de ropensar © seu espaco puiblico. 0 nosso desenvolvimento econdmi co recente, Seguindo os passos de um fortalecimento do Estado o da destruicdo coga das formas de sociabilidade J tradicionais existentes, engendrou uma nova “pobreza”, nascida das novas condi¢bes capitaistas do pals. Contra. diges socisis graves de um lado, subordinacao econd. mico-financeira aos centros do capitalismo de outro, cconfiguram uma cena politica caracterizada pelo cruz ‘mento de varios caminhos: uns podendo levar a uma reinvencio da democracia, outros a0 seu total menos- prezo. ‘A questiio & a de saber se as transformagBes sof {das pela sociedade e pelo Estado, tratando-se de aumen 10 0u diminuic8o dos impostas, de ampliag3o ou encolhi- mento da esfera de atuaco do Estado, de maior ou ‘menor satistagao dos dtetos sociais, vio ou no no sent Uma Enciclopédia Critica “Dp«cp nayscrseno , Fagin wz FRAN EvfsNe worlacaico Erocio rom Bt oc pea Baie " eaasuo Feowoca ams sOMNCE FOUL FE coccx Rie era EENowo oe cree ira eeereee Feta ura Sigs esos iiexo Rusts See eer ieee eb vagamo Bee (Sacee three renal ae for Uemura Ponca OUITICA CUTURAL SUBDESENVOLMIMENTO | aoe Hes ruloenaa ote ee nico itera ine ste ee -FUTEBOL ow POUTICASOCL By ey a is aa Boosey Mun | ead ied ee Bee mee | Bisittarpos eae a, Serene eta ae eons Ee aa ey Ho Ota Fatcoiooa Teagan. ee 5 nsomm | Beene ie Pa = ee Hee esc Be Beunhorate foe Epes ue Be Ee Ibiekeen Isic BUSS Sis ore urns eas Be seen Bravia ce os, ee ica ee ete Maasio. | #410 € ONS LS MOLENGA CONTRA A MAHER ae SE Be % See 0 nae | Beef amos En eam S Eo SHAS ac Borers Pt een pac SetNacio us, fence ovo San

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