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Figura 1: esquema representando a molécula de DNA. A molécula encontra-se enrolada em
fita dupla no núcleo das células. A fita dupla é composta por duas partes (vermelha e cinza). Os
pequenos pedaços ligando as duas fitas são as pontes de hidrogênio unindo os nucleotídeos (A-T e C-G)
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também apresenta sensibilidade muito superior a da cultura, chegando em muitos casos a
100 %, enquanto a cultura chega em média a 60 % , sendo ambos 100 % específicas para o
nosso caso em particular.
A especificidade da PCR se deve a determinados componentes da reação, os
iniciadores. Para entendermos esse mecanismo, vamos examinar um pouco a técnica da
reação em si (ver figura 3)
A multiplicação natural do DNA é feita por uma enzima, chamada polimerase , que,
a partir de uma fita do DNA, adiciona novos pedaços, chamados nucleotídeos, a um
pequeno pedaço iniciador. Para a PCR colocamos no tubo de ensaio a fita original (da
biópsia, por exemplo), a enzima, esses nucleotídeos e os nossos iniciadores, tudo comprado
no comércio.
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Reação em cadeia da polimerase (PCR
Desnaturação (abertura
da fita)
1 min, 94 oC
Passo 2: religação da
fitas
45 segundos, 54oC
iniciadores
Etapa 3: alongamento
das fitas (extensão)
2 min, 72 oC
Figura 3: O esquema da PCR, como acontece no interior do tubo de ensaio. O processo de reprodução
natural é similar, mas bem mais complexo.
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A seguir, a máquina abaixa a temperatura para cerca de 50 oC, por mais ou menos
45 segundos. Nessa temperatura as fitas do DNA presentes no tubo procuram se juntar
novamente. A diferença é que agora entram em ação os iniciadores, que vão também se
juntar às fitas já existentes. A ligação de uma fita velha com um fragmento iniciador gera
fitas mistas, com uma cadeia maior do que a outra. Novamente, a máquina eleva a
temperatura, dessa vez até 72 oC por dois minutos. Nesse momento, começa a agir a
polimerase sobre os fragmentos iniciadores, aumentando os mesmos até que as fitas mistas
tenham dois pedaços de tamanhos iguais.
Esse ciclo de temperaturas (94-50-72) vai se repetindo cerca de 30-35 vezes. No
entanto, ele pode sofrer pequenas variações, de acordo com o DNA a ser amplificado. Não
é necessário decorarmos diferentes “receitas de bolo”, e sim entendermos o que acontece
em cada etapa do processo, que é o mesmo para cada PCR realizado: desnaturação,
religação, alongamento.
A enzima e os nucleotídeos são semelhantes para qualquer PCR realizado. No
entanto, os iniciadores são específicos para o DNA que queremos amplificar. Por exemplo,
se queremos amplificar o DNA de Leishmania presente em biópsias de lesões cutâneas,
utilizamos um iniciador que só reconhece DNA de Leishmania e, portanto orienta a enzima
para que só este DNA seja amplificado. É por isso que a especificidade da PCR é garantida
pelo iniciador utilizado. Existem diferentes tipos de iniciadores, para cada DNA a ser
amplificado. Em nosso laboratório, utilizamos um iniciador que amplifica qualquer DNA
de Leishmania presente no material de estudo. Isso permite que identifiquemos a presença
de qualquer parasita deste gênero na amostra. A partir daí, realizamos outras técnicas que
permitem a identificação da espécie a que pertence aquele DNA amplificado.
Após cerca de duas horas, retiramos o tubo da máquina. O que teremos a olho nu?
Um tubo de plástico com algumas “gotinhas d’água” (figura 4). Na verdade, teremos uma
“sopa” de moléculas de DNA multiplicadas extraordinariamente. Como para cada fita velha
de DNA são originadas duas novas fitas e assim sucessivamente, se iniciarmos o PCR com
uma única cópia de DNA, teremos, ao final de 35 ciclos de amplificação, cerca de 34
bilhões de cópias da mesma molécula de DNA!!!! (como mostra a figura 5.).
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Figura 4: quando tiramos o PCR da máquina, só conseguimos ver um tubo com algumas “gotinhas
d’água”
Figura 5: esquema mostrando o processo de amplificação exponencial, na qual em cada ciclo gera-se o
dobro das fitas do ciclo anterior.
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maiores mais perto. A figura 6 mostra um esquema de cuba de eletroforese com o gel já
aplicado
Direção da corrente
elétrica e do arraste do
DNA
Pólo negativo Pólo positivo
Figura 6: esquema da cuba de eletroforese. A “caixa plástica” (cuba) está cheia de solução condutora
(amarelo). Os pólos negativo e positivo estão representados em preto. O gel de agarose (gelatina) é
vermelho, com um orifício para colocarmos algumas gotas do material amplificado. A seta mostra a
direção da corrente elétrica, que vai arrastar o DNA, separando os pedaços maiores dos menores.
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gel de exemplo do que podemos visualizar. O gel então é fotografado e temos um registro
permanente de nossa reação.
Produtos amplificados
Marcador
Figura 7: fotografia de um gel de agarose após exposição à luz ultravioleta. O DNA aparece como
bandas brancas sobre o fundo de gelatina preto. Os números de 1 a 5 são diferentes DNAs aplicados,
um em cada furinho do gel. 2 é meu DNA de cultura de Leishmania. 1, e 5 são amostras contendo
outros DNAs que não são de Leishmania., amplificados em outro PCR. 3 e 4 são amostras suspeitas. 3 é
negativo (não apresenta banda) e 4 é positivo, com uma banda do mesmo tamanho do meu DNA
controle (2)
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Vantagens, desvantagens e utilizações
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A PCR comporta-se, sob um aspecto, de forma complementar ao teste de
Montenegro: ambos podem ser positivos em casos de infecção subclínica. Assim o fato de
um indivíduo ser positivo à PCR para Leishmania não significa que ele teve ou terá
leishmaniose doença, mas indica um contato prévio com o parasita. Considera-se que para
que o DNA de Leishmania esteja presente no organismo hospedeiro, tem que haver pelo
menos um parasita vivo, liberando este mesmo DNA no sangue ou na biópsia, pois o DNA
fora da célula é rapidamente degradado. Por segurança, recomendamos coletar material
para PCR antes da realização do teste de Montenegro.
Como já foi dito, podemos aplicar a PCR no diagnóstico clínico e em estudos
epidemiológicos com pacientes, animais reservatórios e vetores. No entanto, quando é mais
vantajoso aplicar a PCR? Consideramos, para o diagnóstico clínico, em pacientes
Montenegro positivos com lesões típicas ou atípicas que se tenham demonstrado negativas
nos testes parasitológicos (se o paciente já é positivo no parasitológico, a PCR não será tão
útil). A seguir, relatamos alguns exemplos da aplicação da PCR na resolução de problemas
na pesquisa e no serviço frente às leishmanioses.
Em estudos de avaliação de uma vacina canina, Borja-Cabrera e colaboradores
(Borja-Cabrera et al., 2002) realizaram a PCR após o protocolo de vacinação nos cães
vacinados e controles (que receberam apenas placebo) e evidenciaram DNA de Leishmania
apenas nos cães controle, mostrando com isso a proteção obtida com a vacina. A PCR foi o
único exame que diferenciou exatamente os dois grupos, já que alguns cães controles foram
positivos à sorologia e IDRM, mas nenhum cão vacinado foi positivo à PCR.
Outro estudo (Costa et al., 2002), dessa vez para investigar a presença de parasitas
na corrente sanguínea de indivíduos assintomáticos, contactantes de pacientes de
leishmaniose visceral mostrou que 8 em 108 pessoas examinadas (7,4%). Os oito
indivíduos PCR - positivos eram também positivos ao teste de Montenegro e negativos à
sorologia. O autor questiona se essas pessoas PCR positivas podem ser fonte de infecção
para flebotomíneos, o que pode influir no ciclo de transmissão da doença nessa área.
Casos de leishmanioses com sintomatologia atípica vem ocorrendo mais
freqüentemente, por conta, por exemplo, da infecção pelo vírus da imunodeficiência
adquirida humana (HIV). Nessas situações várias complicações clinicas podem ocorrer, e
necessita-se de técnicas sensíveis e rápidas para a resolução dos problemas diagnósticos
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encontrados. Em Minas Gerais, Silva e colaboradores (Silva et al., 2002) encontraram uma
criança de 1 ano e 7 meses, HIV positiva, com sintomatologia sugestiva de leishmaniose
visceral e com sorologia positiva (1:320). No entanto, o parasita causador, identificado por
técnicas moleculares (PCR e hibridização) foi a Leishmania braziliensis, que normalmente
não produz doença visceral.
Em avaliação de pacientes no Rio de Janeiro, (Coutinho et al., 2002) foi encontrado
DNA de Leishmania em ¼ dos pacientes na fase ativa da doença, em pacientes curados e
em 1/3 dos indivíduos sadios, Montenegro positivos, testados. Nessa situação, a presença
do DNA parasitário não foi, no entanto, associada a recidivas ou a resistência ao
tratamento, tendo esse autor encontrado em sua população sinais de proteção e resistência à
reinfecção por Leishmania, em decorrência da resposta imune bem modulada apresentada
por estes pacientes e ex-pacientes.
Por outro lado, a presença de DNA do parasita em sangue doado em bancos de
sangue (Otero et al., 2000) nos mostra a necessidade de investigar mais criteriosamente o
sangue utilizado em transfusões, pelo menos nas áreas com grau de endemicidade
importante, ou caso o indivíduo tenha história clínico-epidemiológica sugestiva de contato
com L. chagasi.
Em estudo de infecção de animais reservatórios e vetores, a PCR pode ser utilizada
na identificação de reservatórios domésticos e silvestre, como nos mostra Telleria e
colaboradores (Telleria et al., 1999), que conseguiram identificar vários roedores e outros
animais como reservatórios de Leishmania amazonensis em um foco na Bolívia. Para esses
estudos, quanto mais sensível a técnica empregada, melhores os resultados obtidos. O
mesmo pode-se dizer para estudos de identificação de infecção natural em flebotomíneos. É
conhecido de todos a dificuldade de encontrarmos um flebotomíneo naturalmente
infectado, utilizando nossas ferramentas mais tradicionais (dissecção e visualização do tubo
digestivo do flebótomo em busca de promastigotas). No entanto, a elevada sensibilidade da
PCR aumentou a capacidade de detecção de infecção natural e possibilitou estudos como o
de da Silva e colaboradores (da Silva and Grunewald, 1999), no Rio Grande do Sul, que
identificaram 3 exemplares (2 Lutzomyia pessoai e 1 Lu. missionensis) com infecção por
Leishmania (Viannia). Este estudo corrobora outro, realizado em populações humanas no
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mesmo estado (Fagundes et al, no prelo), que encontraram pela primeira vez, através da
PCR, a infecção por Leishmania (viannia) em populações humanas no Rio Grande do Sul.
Referências Bibliográficas
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