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K. Scott Oliphint
Muitos de nós pensamos que, quando nos envolvemos em
apologética, devemos deixar nossa Bíblia em casa; que devemos
usar a razão com os incrédulos somente na base do “terreno
comum”. Scott Oliphint enfatiza, de maneira correta, que o cristão
jamais pode deixar sua Bíblia de lado, pois a Escritura apresenta o
padrão para tudo o que fazemos, incluindo a apologética. Oliphint
analisa algumas das passagens mais importantes da Bíblia — e nos
direciona para muitas outras. Um livro claro e não técnico,
representando um acréscimo útil à literatura de apologética
pressuposicional.
― John M. Frame
A maior parte de nós que deseja ser uma testemunha fiel sabe que
precisamos ― mas amiúde carecemos ― de três coisas: uma
compreensão clara da verdade, a capacidade de expressar nossa
mensagem de forma persuasiva e uma confiança de que o
evangelho não tem nada a temer no mercado intelectual. Como
hábil professor de seminário que também tem servido nas
trincheiras do ministério pastoral e evangelístico, Dr. Oliphint é bem
qualificado para nos dar a ajuda de que precisamos.
― Sinclair B. Ferguson
― Charles Dunahoo
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E M
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1a edição, 2013
1000 exemplares
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INTRODUÇÃO
5. O PSICÓLOGO DIVINO
CONCLUSÃO
SOBRE O AUTOR
ABREVIAÇÕES
Versões da Bíblia
A BATALHA DO SENHOR
Saul estava convencido de que Davi era muito pequeno e
muito jovem para ir à batalha, ainda mais contra um gigante! Saul
considerou as evidências, avaliou a situação e chegou ao que
parecia ser uma conclusão lógica. Um menino, pensou ele, não
seria capaz de derrotar um gigante:
TEMPOS DIFÍCEIS
Os tempos foram difíceis para os primeiros cristãos após a
ressurreição de seu Senhor e Salvador. Houve muita oposição à fé
cristã, tanto de dentro da igreja como de forças políticas e religiosas
de fora. Essa oposição, Paulo nos lembra, era parte de uma batalha
celestialmente perpétua que entra em estado de fúria sempre que
as forças das trevas tentam subverter a verdade de Cristo e destruir
sua igreja (Ef 6.12).
Quando Pedro escreveu sua primeira epístola, os cristãos
experimentavam perseguição; estavam sendo perseguidos
simplesmente porque eram cristãos. Teria sido essa a razão para
Pedro dizer que estavam dispersos (1Pe 1.1)? Os comentaristas
diferem sobre este ponto, mas a intenção clara de Pedro é enfatizar
que naquele tempo ser cristão traria consigo perseguição. Aqueles
cristãos eram um grupo disperso, um grupo sofredor; e quando
Pedro lhes escreveu, eles estavam experimentando uma punição
injusta do governo civil.
Como deveria um cristão agir em tais circunstâncias? Como
deveríamos nós responder quando o mundo à nossa volta parece se
opor à verdade? Deveríamos nos esconder até as coisas
melhorarem? Aguardar um governo mais simpático? Ansiar por dias
de outrora? Antes de analisarmos especificamente 1 Pedro 3,
devemos considerar como Pedro começa sua epístola. Ele
responde estas questões com pelo menos duas dicas, no primeiro
capítulo.
QUEM ELE É
“Mesmo não o tendo visto, vocês o amam; e apesar de
não o verem agora, creem nele e exultam com alegria
indizível e gloriosa, pois vocês estão alcançando o alvo
da sua fé, a salvação das suas almas.” (1.8-9)
O fato de que Deus é invisível pode aumentar sobremaneira
a nossa perplexidade; pode parecer especialmente desconcertante
quando estamos com dor ou medo. Estes são momentos em que
queremos ter alguém ao nosso lado. Podemos pensar que se
apenas pudéssemos ver Deus, mesmo que por um breve momento,
já conseguiríamos perseverar quando as provações viessem.
Com frequência falamos sobre “ver uma luz no fim do túnel”.
Precisamos de algum encorajamento quando as coisas se tornam
sombrias; precisamos conhecer — ver — a luz. É muito mais fácil
suportar a escuridão quando a luz é visível para nós. Mas a
verdadeira Luz não é visível; ela é essencialmente invisível (1Tm
1.17). Mesmo afirmando esta verdade bíblica, nós ainda ansiamos,
às vezes, ver Deus.
Esse anseio é uma coisa boa, embora possa servir muitas
vezes para nos confundir. Somos pessoas “de sentidos”. Somos
guiados pelos nossos sentidos no dia a dia. E, na maior parte das
vezes, eles são guias confiáveis. Quase tudo que fazemos exige,
normalmente, que usemos e confiemos em nossos sentidos. Porém,
visto que estamos sempre relacionados ao mundo à nossa volta
com os nossos sentidos, é muito fácil começarmos a pensar que
esse mundo que experienciamos é tudo o que existe. Poderemos
até começar a pensar: “Se não podemos de alguma forma ‘sentir’
certa coisa, provavelmente ela não é real”.
Esse era parte do problema de Tomé (Jo 20.26ss.). Ele
decidiu que só creria que o Cristo crucificado levantara dos mortos
se pudesse ver as evidências. E quando as viu, dispôs-se
perfeitamente a se submeter e a crer. Era na visão que Tomé
acreditava.
Corretamente lembramos que esse incidente mostra uma
fraqueza em Tomé. Ele ilustra o que devemos nos esforçar para
evitar na vida cristã. Mas ainda que nos seja fácil, em retrospectiva,
criticar Tomé por sua pequena fé, todos nós temos a mesma
tendência. Também preferimos ver a confiar. Afinal de contas, para
muitas coisas que fazemos neste mundo, ver é crer.
Isso pode explicar por que muitos cristãos, mesmo hoje,
buscariam ver a crer. Existem renovados esforços hoje para
“mostrar” que Deus está operando por novos “sinais e maravilhas”.
Esforços são feitos para identificar os atos de cura de Deus para
que assim ele se torne mais “visível” para nós. Desejamos ver as
obras de Deus para termos certeza de que ele ainda está conosco.
Mas Pedro não incentiva esses cristãos sofredores e
dispersos a buscarem sinais e maravilhas para o seu conforto.
Antes, lembra a eles, e a nós todos também, qual deve ser a reação
adequada perante o Deus invisível. Nós jamais veremos Deus. Ele
não seria Deus se pudéssemos vê-lo. Não obstante, devemos amá-
lo e acreditar nele.
Pedro simplesmente nos lembra da admoestação do apóstolo
Paulo — que a jornada do cristão, a “caminhada” da vida cristã
neste lado do céu, é pela fé e não pelo que vemos (2Co 5.7). Essa
caminhada é, pelo menos em parte, pela fé porque Deus é invisível.
Jamais haverá um tempo em que ele nos será visível. Deveríamos
aprender a viver adequadamente agora com o Deus que é invisível
para podermos então viver perfeitamente na eternidade com esse
mesmo Deus invisível.
Visto que Deus é e sempre será invisível, e como é nosso
dever amar ao Senhor nosso Deus de todo o coração, alma,
entendimento e força, nossa prioridade deve ser, em todas as
circunstâncias, fixar a nossa mente no invisível em primeiro lugar.
Embora o próprio Paulo experimentasse perseguição, ele lembra
aos santos de Corinto que as coisas invisíveis é que são eternas
(2Co 4.18). As coisas invisíveis é que devem moldar a nossa visão
do visível, não o contrário.
A exortação de Pedro a esses cristãos perseguidos é que
eles devem fixar sua mente no invisível. Pedro lembra-lhes que eles
já haviam fixado seu coração ali. Muito embora não vejam Deus,
eles o amam. Agora, devem focar seus esforços e sua atenção no
Deus que amam. Devem se lembrar de seu relacionamento com
esse Deus invisível e lembrar que aquele que é invisível é o Deus
único. Este é um lembrete importante que deve ser ouvido pelos
cristãos que sofrem.
Essa é apenas outra parte do que significa ser “peregrino”,
“alienígena” ou “estranho” neste mundo. O mundo à nossa volta não
é o nosso lar. Nós nos treinamos a focar no invisível. Assim
também, aquele que verdadeiramente reina não é aquele que
vemos em poder, mas o invisível que vemos somente por fé (veja
Hb 11).
É nesse contexto que analisamos a passagem central sobre
apologética no Novo Testamento, 1 Pedro 3.15-16.
UM TEMOR ADEQUADO
A perseguição deve nos fazer lembrar pelo menos duas
coisas. Que este mundo não é o nosso lar e que devemos fixar
nossa mente nas coisas do alto, onde Cristo está (Cl 3.1-2). Essas
duas coisas são o foco de Pedro ao escrever aos cristãos
perseguidos.
Pedro escreve para dizer-lhes como devem responder aos
que se opõem às suas crenças ou os atacam por serem cristãos. O
foco de sua admoestação começa no capítulo 3, versículo 8:
Quanto ao mais, tenham todos o mesmo modo de
pensar, sejam compassivos, amem-se fraternalmente,
sejam misericordiosos e humildes.
Não deve escapar de nossa atenção que 1 Pedro 3.1-7 foca
nos relacionamentos familiares. Pedro sabe que Deus ajustou a
família de uma forma específica, e que, na sua raiz, a comunidade
cristã jamais pode ser santificada se as famílias nela presentes não
o forem. Pedro escreve:
Do mesmo modo, mulheres, sujeitem-se a seus maridos,
a fim de que, se alguns deles não obedecem à palavra,
sejam ganhos sem palavras, pelo procedimento de sua
mulher, observando a conduta honesta e respeitosa de
vocês. A beleza de vocês não deve estar nos enfeites
exteriores, como cabelos trançados e joias de ouro ou
roupas finas. Pelo contrário, esteja no ser interior, que
não perece, beleza demonstrada num espírito dócil e
tranquilo, o que é de grande valor para Deus. Pois era
assim que também costumavam adornar-se as santas
mulheres do passado, que colocavam a sua esperança
em Deus. Elas se sujeitavam a seus maridos, como
Sara, que obedecia a Abraão e lhe chamava senhor.
Dela vocês serão filhas, se praticarem o bem e não
derem lugar ao medo. Do mesmo modo vocês, maridos,
sejam sábios no convívio com suas mulheres e tratem-
nas com honra, como parte mais frágil e coerdeiras do
dom da graça da vida, de forma que não sejam
interrompidas as suas orações. (1Pe 3.1-7)
É
O SENHOR É SENHOR
Qual é a verdade suprema que devemos ter em mente
quando nossa fé, e quem sabe nossa própria vida, está sob ataque?
Esta, essencialmente, é a questão com que Pedro é confrontado. O
que seus leitores perseguidos e sofredores devem lembrar?
Com isso em mente, Pedro dá uma ordem a seus leitores. O
versículo 15 do capítulo 3 é traduzido de diferentes formas, mas sua
força está no mandamento de considerar Cristo, o Senhor, como
santo. Sintetizando numa palavra, a ordem de Pedro é
“Santifiquem!”.
A palavra grega normalmente traduzida como santifiquem (ou
tornem santo) é tomada de uma raiz da qual obtemos outras
palavras nas Escrituras, como “santo”, “sagrado”, “santidade” e
“santificação”. Seu significado primário é “separar alguma coisa” de
outra. Santidade, por exemplo, não é primariamente um termo ético
ou moral, ainda que tenha conotações éticas definidas. É, em
primeiro lugar, um termo posicional. Refere-se a uma posição ou
colocação específica de algo. No Antigo Testamento, fogo e coroas
eram coisas que deveriam ser santas. Estas coisas não tinham,
obviamente, qualidades éticas ou morais; eram santas em virtude de
seu lugar ou posição — por causa de como eram usadas em Israel.
Quando as Escrituras se referem a Deus como santo, elas
estão dizendo, em primeiro lugar, que a posição de Deus é
fundamentalmente diferente de tudo aquilo que é profano ou não
santo. Deus, como santo, está além ou acima de tudo o mais, pois
tudo o mais é profano em comparação. Esta é uma parte importante
da mensagem de Pedro. No capítulo 1 ele diz:
Mas, assim como é santo aquele que os chamou, sejam
santos vocês também em tudo o que fizerem, pois está
escrito: “Sejam santos, porque eu sou santo”. (vv. 15-16)
A admoestação de Pedro aqui é que os cristãos, a exemplo
de seu Pai celeste, separem-se das coisas deste mundo,
distanciem-se daquelas coisas que são contrárias ao caráter perfeito
de Deus. Esse distanciamento não é necessariamente espacial. É
impossível viver totalmente à parte deste mundo. Antes, o
“distanciar” em vista aqui é posicional. Devemos ser como Deus em
sua santidade.
Isso sem dúvida terá consequências éticas e morais
definidas. Significa que olharemos e agiremos de uma maneira que
nos tornará diferentes daquilo que é profano. Mas a ênfase aqui é
que devemos ser diferentes porque somos diferentes. Somos “um
povo peculiar” (1Pe 2.9, ESV). Deus nos mudou para nos fazer
peculiares. Pertencemos a ele; ele é o nosso Pai. Logo, devemos
portar a semelhança familiar. Porque somos um povo peculiar,
devemos viver peculiarmente; devemos viver como um povo que
está posicionado diferentemente de tudo que é profano. Nossa
posição neste mundo é a de cidadãos de um reino celestial, de uma
família eterna.
A ordem de Pedro no versículo 15 é a de santificarmos a
Cristo como Senhor em nosso coração. Como trazem algumas
traduções, nós devemos “separar Cristo como Senhor” em nosso
coração. No original grego, a ênfase está na palavra “Senhor”; é a
primeira palavra na oração gramatical. Sempre que uma sentença é
construída desse modo, o autor está dizendo qual é sua ênfase.
Assim, dada a ordem real das palavras, a passagem registra algo
assim: “Como Senhor separem Cristo…” Por que Pedro dá esse
mandamento, e por que está enfatizando o senhorio?
Muitos de nós já vivemos e participamos de eleições
nacionais, estaduais ou municipais de vários tipos. Às vezes
podemos ter um candidato que pensamos estar preparado para
tornar as coisas melhores. Ou, inversamente, podemos nos
convencer de que um candidato específico, se eleito, não fará nada
mais que coisas erradas. Podemos inclusive decidir ser voluntários
para ajudar na eleição de um determinado candidato ou trabalhar
contra algum candidato. Mais uma vez, porque somos “pessoas de
sentidos”, pode ser fácil começarmos a agir como se tudo de bom
ou de ruim correria especificamente sobre um dado candidato ou
sobre um dado conselho de administração. Se o candidato errado
fosse eleito para o ofício, poderíamos começar a acreditar que não
há mais esperança alguma para nós ou nosso país. Se o “nosso”
candidato entrasse, poderíamos nos iludir pensando que tudo dará
certo no mundo, pelo menos nos próximos anos.
Pedro estava escrevendo a cristãos que viviam numa
situação em que certamente foram tentados a pensar que toda
esperança estava perdida. Estava escrevendo a cristãos que eram
desprezados pelo governo, que viviam em condições muito mais
hostis que a maioria de nós sequer pode imaginar. A batalha não
era meramente um choque de ideologias. Esses cristãos
provavelmente enfrentaram a morte por causa de sua fé. Muitos de
seus pares estavam sendo executados pelo imperador, e era sob
essas condições que eles viviam. Não se tratava meramente de seu
líder ser, talvez, fraco em políticas econômicas ou em relações
exteriores, ou simplesmente imoral e ausente de caráter. Quão
rapidamente perderíamos a noção das coisas se alguém viesse à
nossa casa e, por ordem do comandante supremo, levasse um de
nossos entes queridos à morte por causa da fé? Certamente
ficaríamos com medo e tentados a pensar que, visto que o poder da
vida e da morte estava nas mãos do imperador, o poder final
também estava.
Os cristãos naquele tempo estavam tentados a pensar que o
imperador tinha todo o poder. Certamente a pessoa que detém a
vida de você em suas mãos é alguém poderoso, ainda que seu
poder esteja a serviço de algo errado. Era tentador pensar que o
imperador estava no controle e que Deus não estava ouvindo. Era
tentador pensar, como o próprio Pedro certa ocasião
indubitavelmente fizera (Mc 4.35ss.), que o Senhor da criação
dormia enquanto as tempestades assolavam por todos os lados.
A primeira coisa que os cristãos devem gravar em seu
coração nessas circunstâncias é que Cristo, e Cristo somente, é o
verdadeiro imperador; ele é o único Senhor. A primeira coisa que
devemos ter firmemente estabelecido em nossa mente é que, tal
como confessava a igreja primitiva, “Jesus é o Senhor” — e
ninguém mais. Pedro está dizendo que, quando os temores
ameaçam e começam a tomar conta de nossa vida, mesmo quando
tudo à nossa volta parece sombrio, esta é a primeira coisa que você
deve fazer: separar (consagrar) Cristo como Senhor.
Poderíamos pensar, em face de tal perseguição, que
“sucumbir” aliviaria a pressão. E, por um tempo, isso poderia
acontecer. Mas Pedro está lembrando a seus leitores que sua
responsabilidade é serem fieis ao verdadeiro rei, o Rei de todos os
reis. Eles devem obedecer a ele, em primeiro lugar.
Recorde que aqui Pedro tem em mente Isaías 8. Mas,
curiosamente, em Isaías é dito que o “Senhor Sabaoth”, o Senhor
dos Exércitos, é que deve ser separado. Nesta passagem, Isaías
está lembrando ao povo do Senhor que mesmo que a Assíria
assalte Israel, o Deus no céu é o Senhor dos Exércitos. Ele é o
capitão de todos os exércitos, e ninguém tem o poder de derrubar
ou levantar a menos que isto seja concedido pelo Rei dos reis (veja
Js 5.13-15 e Jo 19.11).
Pedro muda aqui a designação “Senhor Sabaoth” para “Cristo
como Senhor”. Nessa mudança ele está simplesmente lembrando a
seus leitores que Cristo o Senhor é o Senhor Sabaoth; ele é o
Senhor dos Exércitos. Ele é o comandante dos exércitos de Deus; e,
em última análise, a batalha é sua. Os governos estão sobre os
seus ombros (Is 9.6).
Não haveria razão alguma para defender a fé, comunicar o
evangelho e aspirar à santidade se Cristo não fosse o Senhor. Se
Cristo não fosse o Senhor, alguma coisa diferente ou alguém outro o
seria. Essa “coisa diferente” teria sempre o poder de desfazer,
resistir a, ou apagar o que fizemos de bom. Mas como Cristo é o
Senhor, nenhuma intensidade de oposição pode alguma vez frustrar
seus bons propósitos; nenhuma resistência pode parar a influência
da obediência às ordens dele. Porque Cristo reina, a obediência a
ele jamais pode ser frustrada.
Pedro sabia que o coração desses cristãos estava às vezes
indubitavelmente cheio de temor. Eles temiam o abuso cruel de
poder que o governo estava exercendo. Temiam pela própria vida
deles; o temor havia possuído seu coração. Quando isso acontece,
é difícil se manter fiel. Assim, a ordem de Pedro é realmente de eles
deixarem esse temor de lado e separarem Cristo como Senhor em
seu coração. Em outras palavras, Pedro está dizendo para
“substituírem” o temor que os possui pela fé resoluta de que Cristo
está no comando. Eles devem separar Cristo, não o temor, como
Senhor do seu coração.
É desse imperativo, dessa ordem de santificar a Cristo como
Senhor, que o resto da nossa defesa e recomendação depende.
Separar Cristo como Senhor em nosso coração é a nossa primeira
prioridade. Devemos ter a plena convicção de que somente Cristo
reina e de que os “detentores do poder”, não importa quão
impiedosos sejam, governam em sujeição ao senhorio soberano de
Cristo (Rm 13.1ss.)
É assim que deveríamos nos treinar a pensar. Separar Cristo
como Senhor em nosso coração é separá-lo como Senhor de uma
maneira que nos faça pensar diferentemente. Isso, por sua vez, fará
com que pensemos diferentemente sobre as coisas ao nosso redor.
Porque nós o conhecemos como Senhor, também sabemos que
ninguém tem poder final sobre o corpo e a alma, exceto o próprio
Cristo.
DEFENDENDO O REI
Jesus Cristo é o Rei; somos seus servos. Como servos,
temos o grande privilégio de defender sua realeza. Fazemos isso
quando comunicamos a seus inimigos que somente ele é o Senhor.
Com Cristo separado como Senhor em nosso coração,
devemos estar prontos, a qualquer hora, para dar uma resposta. A
palavra grega traduzida como “dar uma resposta” é interessante por
uma série de razões. Em primeiro lugar, pouca dúvida pode haver
de que Pedro tinha em mente, enquanto escrevia, a advertência do
seu Senhor em Lucas 21, particularmente o versículo 14. Note a
similaridade da advertência de Cristo em Lucas 21.12-14[4] com a
situação daqueles a quem Pedro escreveu:
Mas antes de tudo isso, lançarão mão de vós e vos
perseguirão, entregando-vos às sinagogas e prisões, e
serão levados à presença de reis e governadores por
causa do meu nome. Esta será a oportunidade de darem
testemunho. Estabeleçam, portanto, em vossa mente
não premeditar como haveis de responder.…
No versículo 14, Lucas se refere ao que está “em vossa
mente”. A palavra traduzida como “mente” é, na verdade, a palavra
grega kardia, também facilmente traduzida (o que se dá em algumas
versões[5]) como “coração”. Note que Pedro se refere ao coração
em 1Pedro 3.15.
Também chama a atenção que a raiz da palavra traduzida
como “responder” em Lucas 21.14 é igualmente a raiz de uma
palavra usada por Pedro. Sem dúvida, Pedro esteve ali quando
Cristo deu essa advertência, e enquanto escreve, sem dúvida está
se lembrando das próprias palavras do seu Senhor.
A raiz das palavras parecidas usadas em Lucas 21.14
(traduzida como “responder”) e 1Pedro 3.15 (traduzida como “dar
uma resposta”[6]) é a palavra grega apologia. É a partir desta
palavra que derivamos apologética. Como já dissemos antes,
apologética significa usualmente uma “defesa” ou “resposta” a uma
acusação ou desafio em particular. É uma palavra legal, usada
amiúde no contexto dos tribunais. Carrega a ideia de apresentar
uma resposta a uma acusação. Assim, quando falamos de
apologética, estamos falando de defesa e recomendação da fé
cristã em face aos desafios e ataques que cruzam o nosso caminho.
A força do que Pedro está dizendo aqui chama a atenção.
Particularmente chama a atenção porque o que ele está dizendo é,
na verdade, o que o próprio Senhor está dizendo. Pedro está
dizendo que, como cristãos, nós devemos estar sempre prontos
para defender a fé. Ele está nos contando que parte da nossa
responsabilidade cristã, como estranhos num mundo estranho,
como aqueles que irão sofrer, é sermos um povo que responde
biblicamente às acusações que nos sobrevêm por causa do nosso
compromisso com Cristo. A força e o alcance da ordem de Pedro,
então, é que ao separarmos Cristo como Senhor, também devemos,
nós todos, ser apologistas.
Isso pode ser uma notícia surpreendente, particularmente
àqueles que recém aprenderam o que é ser apologista. Mas a
passagem é clara. Pedro escreve a cristãos que estão em terra
estranha. Diz-lhes que pelo menos parte de sua resposta como
“estrangeiros” é estarem preparados para dar uma resposta quando
a sua fé é desafiada. Pedro não diz que a apologética é reservada
exclusivamente para os profissionais.
Pode haver uma necessidade por aqueles que são treinados
especificamente em apologética (assim espero!). Mas o foco aqui
está em cada cristão; cada cristão deve estar pronto para dar uma
resposta. Quando nos vemos em circunstâncias hostis, devemos ser
pessoas que já estão preparadas. Já devemos ter-nos preparado
para dar uma resposta. Não devemos pensar primeiro em passar
adiante a questão para o pastor ou apologista profissional. Nós
mesmos devemos estar prontos.
Qual é o contexto da resposta que devemos dar? É, como diz
Pedro, que devemos dar uma resposta a todo aquele que pede uma
razão. A palavra grega usada por Pedro aqui, traduzida como
“razão”, é logos. Ela poderia significar algo como “lógica” — não,
evidentemente, lógica em seu sentido formal ou simbólico, mas
lógica no sentido de uma argumentação, ou fundamento,
consistente para a nossa crença.
Algumas das acusações que foram feitas contra os cristãos
na igreja primitiva foram (1) ateísmo, pois eles se recusavam a
adorar deuses pagãos, (2) canibalismo, pois falavam de comer
carne e beber sangue e (3) incesto, pois “irmãos” e “irmãs” pareciam
estar casados uns com os outros. Pedro está nos dizendo que os
cristãos devem estar preparados para dar uma explicação ou
argumentação consistente em resposta a tais acusações.
Estas mesmas acusações não parecem nos incomodar hoje.
Mas outras acusações têm surgido. Os cristãos são acusados de
serem bitolados, irrelevantes, soberbos e fanáticos. Pode
certamente ser verdade que, em nossa pecaminosidade, já
tenhamos, às vezes, agido assim. Mas muitas vezes as acusações
contra nós atacam a própria verdade em que acreditamos e não o
nosso próprio caráter. São estas acusações que devemos estar
preparados para responder.
Devemos estar preparados para ver por que essas
acusações são dirigidas contra nós e devemos estar preparados
para dar uma argumentação e um fundamento para a nossa fé em
Cristo. Por exemplo, se acreditamos que Jesus Cristo é o único
caminho para o Pai, podemos de fato, neste sentido, ser bitolados.
Mas devemos ser capazes de dizer por que pensamos da forma
como pensamos e por que não poderíamos pensar diferente.
Devemos dar a lógica, ou razão, para a esperança que existe
em nós. Lembro-me de ter visto, certa vez, um adesivo de para-
choque que dizia: “Deixei de ter esperança, e me sinto muito
melhor”. É um adesivo humorístico em certo sentido, mas seu
humor está embutido na sua trágica honestidade. Uma pessoa só
poderia se sentir melhor em desistir da esperança se esta
esperança fosse uma esperança em absolutamente nada — uma
esperança na esperança. Este tipo de esperança é vazio; não tem
um objeto real. Como esperança vazia, ela não traz benefícios reais.
Não traz nada além de confusão e ansiedade quando confrontada
diretamente. É melhor, portanto, desistir de uma esperança assim
do que se prender a ela.
Só os cristãos têm uma esperança verdadeira. Nós não
esperamos na esperança, mas em Cristo. Pedro está aludindo aqui
mais uma vez ao “problema” da invisibilidade. Como lembra-nos
Paulo, esperança em um objeto que se vê não é, de fato, esperança
(Rm 8.24). Mas embora reconheçamos que seu objeto é invisível, a
esperança que temos é, todavia, fundamentada naquele que em
pessoa prometeu voltar e nos levar para o nosso, e seu, eterno lar.
Pedro diz aqui que nós devemos responder aos desafios que nos
chegam dando a “lógica” da nossa esperança.
BEM-AVENTURADOS OS MANSOS
Muito do que significa estar preparado para dar uma resposta
tem a ver com o entendimento da Bíblia e suas implicações.
Significa pensar através das verdades das Escrituras de um modo
que traga à tona as verdades para as questões de hoje. Desta
maneira, aprendemos não só o que as Escrituras dizem, por mais
necessário que isso seja, mas também seu significado em situações
particulares. Às vezes pode ser útil nos perguntarmos, quando
lemos as Escrituras, o que, afinal, a verdade que lemos significa à
nossa geração ou a uma situação específica que temos em mente.
Por outro lado, quando encontramos desafios à fé cristã, seja
em algo que lemos, seja numa conversa que tivemos, é muitas
vezes proveitoso tomarmos nota desses desafios e tê-los à mão
quando lemos as Escrituras. Provavelmente ficaremos surpresos em
como o Senhor antecipou em sua Palavra a essência de cada
desafio.
Pedro não apenas ordena que defendamos a fé, mas
também diz como a fé deve ser defendida. Ele usa duas palavras
significativas para descrever como devemos realizar a nossa
defesa. Diz, em primeiro lugar, que a nossa defesa deve ser com
“mansidão”. Pense na intensidade da perseguição que os cristãos
deveriam estar sofrendo quando Pedro escreveu estas palavras.
Quão difícil seria, quando confrontado com seu próprio algoz,
responder com mansidão? Quão fácil seria combater fogo com fogo,
responder ao opressor “na mesma moeda”?
Pedro lembra a atitude tomada pelo seu Salvador. Quando
Jesus foi desafiado, agiu com mansidão. Pedro conhecia a
mansidão de Cristo, pois a testemunhara em primeira mão. Pedro
sabia que aquele que verdadeiramente fora acusado injustamente,
aquele que teria tido uma razão legítima para responder de forma
dura à injustiça grosseira que sofria, respondeu a seus acusadores
com mansidão e benignidade (2Co 10.1, ACF). Assim, Pedro está
nos dizendo aqui para termos a mesma atitude de Cristo; está
dizendo para vivermos como Cristo viveu, mesmo quando ataques e
acusações são feitos contra nós.
Também devemos ser “respeitosos”. A palavra grega
traduzida como “respeito” é a palavra amiúde traduzida como
“temor”. É interessante Pedro usar esta palavra, pois havia mesmo
dito aos seus leitores para não temerem seus opressores. Agora ele
diz para responder-lhes com “temor”. O contexto é de suma
importância para determinar o que Pedro quer dizer com este
segundo uso da palavra temor.
Muitos tradutores corretamente traduzem essa palavra como
“reverência” ou “respeito”. É o que Pedro quer dizer aqui. Devemos
respeitar aqueles que nos perseguem; devemos tratá-los, a despeito
de serem nossos inimigos na fé — ou melhor, porque são nossos
inimigos na fé —, com o respeito que é devido a quem foi feito à
imagem de Deus. Ou, para colocar no contexto de Isaías 8, não
devemos temer os homens, mas a Deus. Temendo a Deus,
respeitaremos sua criação, mesmo aqueles que se põem contra ele.
Essa é uma tarefa difícil. É, sem dúvida, a coisa mais difícil
que somos ordenados a fazer quando enfrentamos nossos
acusadores. É relativamente fácil ajustarmos nossa mente para
entender as Escrituras com o fim de estar preparados para dar uma
resposta. É até relativamente fácil, tendo feito isso, darmos uma
resposta. O difícil é darmos uma resposta que irá imitar, e por sua
vez glorificar, o nosso Salvador. Mas é esta a tarefa colocada diante
de nós pelo próprio Espírito, em sua Palavra. E se tal coisa é exigida
de nós, Deus dará — e ele deu — os meios para realizarmos isso.
De fato, a menos que ele forneça os meios, isso não será realizado.
É algo que só pode ser realizado nele.
Ao que parece, os cristãos têm muito a aprender sobre isso.
Nossa reação natural ao sermos confrontados, ou perseguidos, ou
quando tentados a contra-atacar como “coitados”, é nos lançar
contra os nossos oponentes de uma forma mais dura do que eles
nos trataram. Nosso primeiro impulso, com frequência, é sobrepujar
a beligerância deles, gritar mais alto ou lutar com mais força. Mas
Cristo, que trazia consigo a autoridade dos céus e da terra, não
estava interessado em uma luta pelo poder (Jo 19.11). Ele não tinha
a intenção de mostrar “os poderes constituídos” que estavam
realmente no comando. Cristo respondeu a seus acusadores com
mansidão e humildade.
Esse é o nosso modelo. Esse é o nosso desafio. Esse é o
nosso privilégio — seguir a Cristo, mesmo quando ataques nos
sobrevêm, e responder com mansidão e respeito.
Visto que somos estrangeiros e alienígenas neste mundo,
tanto nosso reino final como nosso Rei são invisíveis. Muito do que
vemos está em oposição ao Rei. Nossa resposta é nos
prepararmos. É importante lembrar que devemos entender sua
Palavra à luz das objeções e perguntas que possam surgir em
nosso caminho.
Para que comecemos a pensar dessa maneira, precisamos
não apenas ler as Escrituras, por mais necessário que isso seja,
mas também meditar no que lemos. Precisamos desenvolver o
hábito de pensar através das implicações e aplicações da verdade
apresentada na Palavra de Deus. Isso pode exigir certo esforço que
inicialmente nos será estranho. Desenvolver um hábito é sempre
mais difícil que mantê-lo. Quando conseguirmos desenvolver o
hábito de fazer perguntas — perguntas de sondagem — sobre o que
lemos nas Escrituras, poderemos eventualmente descobrir que
meditar no que lemos nas Escrituras é algo que nos vem mais
naturalmente.
Pedro não requer que saibamos todas as respostas a todas
as perguntas que possam surgir. Ele requer que estejamos prontos.
A única forma de estarmos prontos é conhecendo as Escrituras, e
conhecê-las de uma forma que sejamos capazes de trazer suas
verdades à tona quando desafios e objeções surgirem em nosso
caminho.
Uma vez estando prontos para dar uma resposta, ver-nos-
emos encontrando objeções à fé cristã, seja frente a frente, seja em
coisas que vemos ou lemos. Poderemos até ficar surpreendidos que
as pessoas levantem certas objeções. Todavia, estaremos prontos
para dar uma resposta. E o mais importante, estaremos mostrando
obediência àquele que nos comissionou a tal tarefa. E estaremos
imitando o nosso Salvador.
Então, o que diríamos a Marv se ele já se convenceu de que
Freud está certo? Poderíamos começar perguntando por que ele
confia no que Freud disse em vez de nas palavras de Cristo. Ele
poderia responder que não tem certeza do que Cristo disse. Este é
o tipo de resposta que nos dá uma abertura para compartilhar o
evangelho. Ou poderíamos pedir para ele nos contar com algum
detalhe o que Freud disse e por quê. Poderíamos pedir para ele
defender a visão freudiana de mundo, das pessoas e da mente
humana. Pode ser que Marv só esteja pesquisando, e não veria
problema algum em desistir de Freud se outra coisa lhe fosse
oferecida.
Qualquer que seja a resposta de Marv, tenhamos nós lido ou
não Freud, as Escrituras são suficientes para nos dar as respostas
de que Marv precisa. Sua confiança em Freud é apenas outra forma
de desconfiar de Cristo. Assim, defendemos a verdade do
evangelho fazendo Marv se voltar de Freud para o nosso fiel
Salvador, que, ao contrário de Freud, derramou seu sangue para
que pessoas assim como Marv e nós pudessem realmente viver.
Esta verdade é digna de ser defendida — e contada!
O INIMIGO INTERIOR
Antes de focar no que Judas pede para seus leitores fazerem
em tal situação, seria útil considerarmos mais especificamente a
oposição que essas igrejas estavam enfrentando. A descrição que
Judas faz dos inimigos que abriram caminho dentro da igreja é
esclarecedora. Ele não os descreve como meramente pessoas
mundanas.
A lista paulina de pecados em Romanos 1.29-30, por
exemplo, é uma lista de pecados tipicamente mundanos, pecados
da incredulidade nua e crua. Paulo descreve pessoas que são
perversas, avarentas, maliciosas, etc. Mas Judas descreve em
termos muito diferentes o pecado daqueles que se introduziram
sorrateiramente na igreja. Ele fala do pecado deles em termos que
mostram tanto a sutileza como a tensão que surge quando a
oposição vem de dentro da igreja, e não de fora. São indivíduos que
“prosseguiram pelo caminho de Caim”. Eles, “movidos de ganância,
se precipitaram no erro de Balaão, e pereceram na revolta de Corá”
(v. 11).
Essas ilustrações são tiradas do Antigo Testamento. Judas
remete seus leitores a pecados bem conhecidos que ocorreram na
história do povo do Senhor. E não devemos esquecer que esses
pecados ocorreram no contexto do povo do Senhor. Esses pecados
são infames entre o povo do Senhor porque foram cometidos “na
igreja”, por assim dizer.
Judas não faz uso de exemplos mais óbvios, como os dos
assírios ou filisteus em suas tentativas de conquistar e subverter
Israel. O que é peculiar nos pecados mencionados por Judas é que
eles não eram meramente pecados mundanos. Ao contrário, eram
pecados que serviram de alguma forma para minar a obra do
Senhor entre seu próprio povo. Judas usa essas três ilustrações
para lembrar a seus leitores, como lembra um autor de hinos, que
há “falsos filhos no seio” da igreja.
Aqueles que se infiltraram na igreja ou igrejas a que Judas
escreve não são meramente estrangeiros que chegam para
conquistar e governar. Esses encrenqueiros são mais ardilosos do
que isso. Eles sabem algo sobre “a tradição” das igrejas que eles
procuram subverter. Podem vir de fora, mas são manipuladores
astutos dentro dela. Conhecem a tradição e podem “falar a língua”.
Por isso, são ainda mais perigosos do que alguém que viesse
forçosamente de fora. Devemos notar a ênfase que Judas dá
nesses exemplos.
Caim, evidentemente, foi o primeiro assassino. Ele não matou
um inimigo. Matou seu próprio irmão, motivado por uma ira no
coração. Caim não era um estranho para o povo do Senhor. Ele
pertencia à “primeira família”. Era o primogênito da família de Adão.
Por uma questão de direito, a linhagem do povo do Senhor deveria
ter sido traçada por meio dele.
Mas, em vez disso, ele se tornou o pai dos que se rebelam
contra o Senhor (Gn 4.25-26; 1Jo 3.12). Embora fosse inicialmente
identificado com o povo do Senhor, Caim agiu de uma forma que,
não fosse a provisão de Deus, acabaria por destruir esse povo. Por
seu ato de pecado, ele tanto se separou do povo de Deus como o
deixou sem um “pai”. Se Deus não tivesse fornecido Sete, o povo de
Deus não teria continuado.
Ao escolher o caminho de Caim, os invasores desejavam, de
acordo com Judas, inverter a direção da igreja. Eles queriam
assassinar, por assim dizer, a linhagem de Jesus Cristo, e movê-la
assim rumo à sua própria destruição. O caminho de Caim era o
caminho do assassinato, assassinato a partir de dentro da casa do
Senhor.
A referência de Judas a Balaão se refere, sem dúvida, à
condenação que Moisés fez de suas ações em Números 31.16. Foi
por causa do conselho de Balaão que Israel quase foi destruída.
Nos dias de Judas corria a ideia de que a atitude de Balaão fora
motivada por dinheiro. Ele se encontrava com os midianitas quando
foi morto (Nm 31.6-8). Alguns sustentavam que ele estivera entre
estrangeiros, portanto, para coletar sua recompensa. Judas usa
essa ideia para comunicar a esses cristãos que os falsos mestres
em seu meio estão preocupados apenas com seu ganho pessoal.
Aqueles que, nas palavras de Judas, estão “banqueteando-se juntos
sem qualquer recato, pastores que a si mesmos se apascentam” (v.
12). Assim como Balaão fora responsável pela morte de milhares de
israelitas por causa do lucro, esses falsos mestres estavam
preocupados apenas com seu próprio lucro, não importando
quantos do povo do Senhor eles poderiam, nesse intuito, fazer
desviar. Ao usar este exemplo, Judas tentava mostrar que esses
falsos mestres, embora fingindo estar com eles, estavam longe do
discipulado que o próprio Cristo ensinara, um discipulado de serviço
e abnegação.
A referência a Corá deve ter sido particularmente chocante
aos leitores de Judas (veja Nm 16 e 26). Essa é provavelmente a
razão de Judas ter se referido a Corá antes. Sua referência é
chocante de diferentes formas.
Em primeiro lugar, Corá era um sacerdote de Israel. Ele
supostamente se dedicava à continuidade da devoção de Israel ao
seu Senhor. Mas Corá usou sua condição de sacerdote para se
rebelar contra a ordem e a estrutura que Deus firmara em Israel.
Colocando em linguagem neotestamentária, Corá usou sua posição
de liderança na igreja para exaltar a si mesmo e sua própria agenda.
Ele não se contentava em manter seu posto; queria assumir outras
posições de liderança e derrubar junto o povo do Senhor.
O uso que Judas faz de Corá também é surpreendente
porque não alude somente à revolta de Corá. Judas quer lembrar a
seus leitores o resultado da revolta de Corá. Quer lembrar-lhes o
julgamento de Corá. Ao chamar a atenção para o julgamento de
Corá, Judas não está simplesmente lembrando a seus leitores o
pecado de Corá numa comparação com o pecado dos falsos
mestres que se introduziram; está também lembrando o fim de Corá
— um fim que, subentende Judas, virá sobre todos aqueles que
seguirem os passos de Corá. Esse tema do julgamento é uma parte
significativa da carta de Judas (veja especialmente vv. 14-15). Esse
é um lembrete não só de que é errado seguir aqueles que se
desviam, mas, também, de que seguir essas pessoas traz uma
eternidade de punição. Corá foi o símbolo veterotestamentário
dessa punição (Nm 16.33).
É interessante, também, que Judas usa uma palavra para
descrever a revolta de Corá que não remete fundamentalmente às
ações de Corá, mas às suas palavras. Aparentemente, Judas
escreve dessa maneira para chamar nossa atenção à influência
perigosa e sedutora que os argumentos podem ter sobre nós. A
disputa de Corá, seu debate, é que seduzira outras pessoas em
Israel para junto de Corá e, assim, para sua própria destruição. Essa
palavra é usada três outras vezes, apenas, no Novo Testamento —
todas no livro de Hebreus. Ela é usada em Hebreus 12.3, aplicando-
se à oposição que o próprio Cristo teve de suportar:
Considerai, pois, atentamente, aquele que suportou
tamanha oposição [traduzido como “revolta” em Judas
11] dos pecadores contra si mesmo, para que não vos
fatigueis, desmaiando em vossa alma.
A oposição em vista aqui, em Hebreus, atingiu seu clímax na
cruz. A crucificação de Jesus foi a tentativa final de destruir o plano
de Deus e, por sua vez, seu povo. A revolta de Corá era um símbolo
dessa mesma oposição. Era uma oposição, um argumento, contra a
autoridade da igreja no Antigo Testamento. Assim sendo, era um
argumento contra o próprio Cristo. E, como está dizendo Judas,
assim são as disputas rebeldes dos falsos mestres também.
Essas três ilustrações no Antigo Testamento destacam a
preocupação de Judas com os falsos mestres. Seria difícil enfatizar
demasiadamente o problema a que Judas remete em sua carta. O
problema é que a igreja tem sido infiltrada por aqueles que se
opõem ao evangelho. Eles vieram para dentro da igreja e vivem
entre os cristãos.
Professando ser parte da igreja, esperam fazer com que
outros se desviem. Eles são como alguns dos israelitas que, embora
libertados do Egito, foram destruídos (v. 5). São como os anjos que,
embora criados bons pelo próprio Senhor, rebelaram-se e decaíram
de sua posição criada (v. 6). São como os habitantes de Sodoma e
Gomorra (v. 7). Todos esses servem para ressaltar a situação
perigosa em que essas igrejas se encontravam quando Judas
escreveu. O joio estava em plena floração e sufocaria a vida de
qualquer trigo que ali houvesse, a menos que o Senhor interviesse
através de seus servos fieis.
Como, então, deveriam os cristãos responder?
O BOM COMBATE
O propósito de Judas ao escrever era incentivar e impelir
seus leitores à ação. Os inimigos internos, como vimos, eram sutis e
perigosos. Na mente de Judas, havia uma coisa que os cristãos
tinham de fazer. Eles tinham de lutar, combater.
Combater não é uma daquelas palavras que normalmente
associamos à fé cristã. E é assim que deve ser. O cristianismo se
preocupa com a reconciliação. Sua mensagem é uma mensagem de
“boas novas”, e parte de sua meta é reunir pessoas de toda tribo,
língua, povo e nação (Ap 5.9). Pretende-se que essas diferentes
pessoas sejam finalmente um reino e como um reino para adorar e
louvar ao Rei dos reis e Senhor dos senhores. A mensagem do
cristianismo não é na essência uma mensagem de divisão e
conflitos, mas de unidade e paz. Somos chamados a preservar a
unidade do Espírito no vínculo da paz (Ef 4.3). O próprio Jesus
Cristo é chamado por Isaías de “Príncipe da Paz” (Is 9.6).
Mas há outro lado em nossa fé que é necessário também
lembrarmos. É necessário por causa da pecaminosidade que
permanece no mundo até o retorno de Cristo. Você se lembra do
que o Príncipe da Paz disse aos Doze antes de enviá-los?
Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer
paz, mas espada. Pois vim causar divisão entre o
homem e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora
e sua sogra. Assim, os inimigos do homem serão os da
sua própria casa. (Mt 10.34-36)
Por que essa nota de tensão? Por que Cristo nos quer fazer
compreender que haverá esse tipo de oposição? Isso não soa como
paz, mas como divisão e discórdia.
Essas palavras podem ser difíceis de entender. Parece óbvio,
no entanto, que pelo menos parte do que Jesus está dizendo a seus
discípulos é que o nosso compromisso de segui-lo deve ser um
compromisso “devotado”. Jesus está dizendo, aqui, o que nos disse
em outro lugar — que é impossível servir a dois senhores. Qualquer
tentativa de servir a dois senhores resultará em nosso ódio por um e
amor pelo outro (Mt 6.24).
Até coisas muito boas, coisas que com razão devemos
estimar, coisas que nos trazem alegria e bênção, coisas como
relacionamentos familiares, jamais devem assumir a posição de
“Senhor” em nossa vida. Uma vez que escolhemos seguir a Cristo,
nossa lealdade final não pode ser colocada em qualquer outro lugar.
Seguir a Cristo significa deixar para trás qualquer outra coisa que
previamente seguíamos — ainda que isto inclua membros da
família!
Mas a linguagem que Jesus está usando aqui é muito mais
forte que a de uma mera lealdade. Ele fala de inimigos, guerra e
combate. O próprio Cristo estava preparado para combater. Como o
Príncipe da Paz, ele veio, não obstante, trazer espada (Mt 10.34).
Vale lembrar que o próprio apóstolo Paulo falou de um
combate. No fim de sua vida, escrevendo para aconselhar o jovem
pastor Timóteo, ele lembrou a Timóteo de que combatera o bom
combate (2Tm 4.7). Essa é talvez a melhor maneira de pensar sobre
a tarefa a que Judas chama seus leitores. É a melhor maneira de
pensarmos sobre a tarefa apologética que nós também, igualmente,
temos. Embora possa soar paradoxal, somos chamados para
combater um “bom” combate. Este combate, como diz Paulo em
outro lugar, é o bom combate da fé (1Tm 6.12). Pode ser até mesmo
dito que o único bom combate é o bom combate da fé. É o combate
que tem seu centro e foco na fé cristã.
Judas chama seus leitores, e nós com eles, a combater o
bom combate. Como vimos, Cristo ensinou a seus discípulos que
“os inimigos do homem serão os da sua própria casa”. Se isso é
verdade acerca de nossa própria família, é certamente verdade
acerca da casa ou família da fé. Nossos inimigos irão viver e
trabalhar eventualmente na mais estreita proximidade conosco —
talvez em nosso lar, e até mesmo na igreja de Jesus Cristo.
Assim, segundo Judas no versículo 3, devemos “batalhar”
pela fé. A palavra traduzida como “batalhar” não é usada em
nenhum outro lugar do Novo Testamento. Ela era comumente usada
em outros lugares para aludir a combates militares ou competições
atléticas. Ao usar esta palavra, Judas deve ter feito seus leitores se
lembrarem automaticamente de uma batalha militar ou evento
atlético. As duas metáforas, a militar e a atlética, são familiares nas
Escrituras. Paulo encoraja Timóteo a “participar dos sofrimentos
como bom soldado de Cristo Jesus” (2Tm 2.3). Ele nos ordena, em
outro lugar, a competir de tal forma que levemos o prêmio (1Co
9.24, ESV).
O ponto de Judas, no uso dessa palavra, é destacar o fato de
que esses cristãos deveriam se ver como se estivessem em meio a
uma batalha ou competição difícil, até em meio à igreja! Por causa
da sua profissão de fé, por seguirem a Cristo, eles são recrutados
dentro de um exército, por assim dizer, e é hora de eles
empregarem um grande esforço em prol da sua fé, para a glória de
seu Salvador.
Como iremos ver no próximo capítulo, nosso combate
certamente não deve ser feito usando as armas do mundo. O
combate que fazemos será apenas um “bom” combate se ele tiver
Cristo, o Senhor dos Exércitos, como seu capitão. Esse combate
deve ser feito utilizando somente as armas que o nosso capitão
forneceu.
Mas a presença dessas forças oponentes dentro da igreja
significava que não havia tempo para moleza e relaxamento nas
igrejas às quais Judas escreveu. Elas deveriam proteger aquele rico
depósito que lhes fora dado no Evangelho. O modo como Judas
descreveu esse combate mostra como a guerra espiritual deve ser
travada.
O COMBATE FIEL
Se seguíssemos a ordem original das palavras usadas por
Judas em sua descrição da fé no versículo 3, seria algo como:
Batalhem pela “fé que uma-vez-por-todas-foi-entregue-aos-santos”.
Judas chama nossa atenção para três elementos desta fé. Iremos
considerá-los brevemente, mas antes precisamos compreender o
que Judas entende por “a fé”.
Na maioria das vezes em que usa a palavra fé, a Escritura se
refere à nossa fé como um dom de Deus (Ef 2.8). Fé, neste
contexto, é algo interno.
O aspecto interno da fé relaciona-se primariamente à nossa
atividade. Esta é a forma mais frequente em que o Novo Testamento
usa a palavra. Tal fé pode ser grande ou pequena (compare Mt
15.28 com 16.8). Ela moveu o Salvador a curar (veja Mc 2.5; 5.34).
Pode ser forte ou fraca (Rm 4.19-20). Quando as Escrituras falam
da fé desta maneira, estão se referindo àquele dom de Deus que é
aplicado e exercido por nós. Esta fé é aplicada e exercida,
inicialmente, em nossa conversão, e continua a ser exercida por nós
em nossa caminhada cristã (o que as Escrituras chamam de
santificação).
É este o aspecto da fé de que a Confissão de Westminster
tão eloquentemente fala:
Por essa fé o cristão, segundo a autoridade do mesmo
Deus que fala em sua palavra, crê ser verdade tudo
quanto nela é revelado, e age de conformidade com
aquilo que cada passagem contém em particular,
prestando obediência aos mandamentos, tremendo às
ameaças e abraçando as promessas de Deus para esta
vida e para a futura; porém os principais atos de fé
salvadora são — aceitar e receber a Cristo e firmar-se
só nele para a justificação, santificação e vida eterna,
isto em virtude do pacto da graça. (14.2)
As Escrituras enfatizam esse tipo de fé porque ele é uma
parte crucial e muito importante de nossa experiência cristã.
O aspecto da fé a que Judas se refere, porém, não é
fundamentalmente o aspecto interno da nossa fé. A fé a que Judas
se refere não é a fé que temos em Cristo ou a fé forte ou fraca
presente em nós; antes, é algo que está fora de nós. É a fé. E,
conquanto esteja certamente relacionada à nossa fé interna, ela é
uma coisa completamente diferente.
Embora possamos crer na fé, e certamente os leitores de
Judas criam nela, não era por sua própria crença pessoal que eles
travariam o combate. Era por algo externo a eles, algo que existia
ainda que não cressem nisso. (Claro, se não cressem nisso, eles
não teriam nenhuma razão para travar o combate) Eles haviam se
comprometido com essa fé, e era por essa fé externa que eles
travariam o combate.
É importante lembrar isso por duas razões. Antes de tudo,
quando estamos batalhando por nossa fé, não estamos, em primeiro
lugar, travando combate por algo que temos, e que poderíamos
perder. O ponto em disputa não é a fé dada a nós por Deus. Antes,
é a verdade das Escrituras; mais especificamente, aquelas verdades
que compõem o Evangelho. Em segundo lugar, porque aquilo pelo
que batalhamos é o Evangelho, precisamos saber do que ele trata.
Precisamos saber no que consiste a fé, pois somos chamados a
travar combate por ela.
Encontramos essa fé externa mencionada também no livro de
Atos. Em Atos 6.7 nos é dito que “se multiplicava o número dos
discípulos; também muitíssimos sacerdotes obedeciam à fé”. Aqui, a
fé de que se fala é um tipo de padrão, uma régua, a que os cristãos
se tornam obedientes. Em outros lugares, a fé é algo em que os
cristãos devem ficar firmes (At 14.22) e ser fortalecidos (At 16.5).
Quando as Escrituras aludem “à fé”, estão se referindo a um
corpo de verdades ou doutrinas em que passamos a crer quando
confiamos em Cristo. Embora elas não estejam se referindo à minha
crença em si, estão relacionadas à minha crença no fato de que eu
me comprometi com essas verdades. A fé, em certo sentido, é
aquilo pelo que devo estar disposto a morrer. Ela inclui o próprio
evangelho que nos salva (Rm 1.16). É a fé na qual passamos a crer.
“A fé” era um modo de se referir às verdades em que os
cristãos acreditavam. Era chamada de a fé pelo menos em parte
porque se referia ao que eles criam. Há certas verdades em que
cada cristão deve crer para ser cristão. Embora apenas crer que
essas coisas são verdadeiras não torna uma pessoa cristã, não se
pode ser cristão sem essa crença.
Esse corpo de verdades é chamado de a fé. Inclui coisas
como a verdade das Escrituras, a existência de Deus e a
encarnação, morte e ressurreição de Cristo. Inclui o fato de que
Deus salvou seu povo, que Cristo virá novamente, etc. Essas
verdades são cruciais para a vida da igreja. Sem essas verdades a
igreja não teria como ajudar e ministrar àqueles que buscam crescer
na graça.
É por isso que, desde cedo na história da igreja, cristãos
definiram credos e confissões como expressões daquilo em que
acreditavam. Essas coisas são designadas não apenas para dizer
aos outros no que acreditamos, mas também para nos lembrar do
que acreditamos. São designadas para nos ajudar a ver a unidade,
harmonia, profundidade e riqueza da diversidade da revelação
escrita de Deus a seu povo.
Muitas igrejas ainda recitam o Credo Apostólico em seus
cultos. Se recitamos o credo, queremos dizer que cremos, por
exemplo, que Deus é o Pai Todo-Poderoso, Criador dos céus e da
terra, que Jesus Cristo é seu Filho unigênito e nosso Senhor, que
ele foi concebido pela Virgem Maria e padeceu sob o poder de
Pôncio Pilatos. Não estamos dizendo algo sobre o nosso exercício
pessoal de fé — se ela é forte ou fraca, por exemplo. Antes,
estamos dizendo algo sobre o conteúdo da verdade da nossa
crença. Estamos declarando a fé. É por tal coisa que a audiência de
Judas deveria batalhar. E é por tal coisa que nós mesmos devemos
batalhar.
Não temos nenhum modo de saber no que, exatamente,
consistia “a fé” quando Judas escreveu sua epístola. O credo cristão
mais antigo de que temos ciência consistia da afirmação “Jesus é
Senhor” (1Co 12.3). O Credo Apostólico ainda não havia sido escrito
quando Judas escreveu sua epístola. Mas não devemos subestimar
a capacidade dos cristãos no primeiro século de articular sua fé.
Embora o Credo Niceno estivesse a séculos de ser escrito, há
pouca dúvida de que, quando Judas escreveu, Cristo já era visto
como plenamente Deus. A primeira confissão — “Jesus é Senhor”
— expressa isso.
Judas estava particularmente preocupado com a forma como
os falsos mestres haviam pervertido a graça de Deus. Alguns
comentaristas se referem a esses falsos mestres como
“antinomianos”, significando que eles eram “contra a lei”.
Geralmente o termo se refere a pessoas que interpretam a graça de
Deus como uma licença para pecar. Elas não veem nenhum uso
real para a lei de Deus.
O relacionamento entre a graça e a obediência é um dos
ensinamentos mais difíceis e controversos na história da igreja. No
entanto, não deve escapar de nossa atenção que Judas parece ter
tido conhecimento suficiente sobre a graça de Deus, e sua relação
com a obediência, para saber que havia alguns na igreja que
estavam distorcendo e manipulando estas verdades para os seus
próprios fins perversos.
Assim, muito embora não tenhamos o texto de qualquer
credo ou confissão de fé que possa ter sido usado naquele tempo,
pouca dúvida pode haver de que Judas sabia o suficiente sobre a
graça de Deus para reconhecer suas falsificações — e Judas
esperava que seus leitores soubessem o mesmo. “A fé” para Judas
e seus leitores, portanto, continha provavelmente a maior parte do
que o cristianismo ortodoxo sempre sustentou como verdade. Ela
pode não ter sido articulada de forma tão precisa ou nas palavras a
que estamos acostumados, mas deve ter estado presente ali, não
obstante. E era por esta fé, a fé, que os cristãos deveriam
vigorosamente batalhar.
ENTREGA ESPECIAL
A fé “uma-vez-por-todas-entregue-aos-santos” não é apenas
“uma vez por todas”, mas também “entregue”. Isso nos remete à
fonte da fé que defendemos. A fé é entregue, ou legada, para nós. A
palavra usada aqui por Judas enfatiza o fato de que a nossa fé é
revelada. É uma fé que nos foi dada pelo próprio Deus. Não é algo
que inventamos por conta própria. Não é uma fé que tem sua fonte
em Judas, nos apóstolos ou no intelecto humano. Ela tem sua fonte
somente em Deus:
Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais
penetrou em coração humano o que Deus tem
preparado para aqueles que o amam.” Mas Deus no-lo
revelou pelo Espírito. (1Co 2.9-10)
A fé que temos, aquelas verdades que devemos defender,
são verdades que nos foram dadas por Deus. Desde que têm Deus
como a sua fonte e origem, elas são verdades literalmente
“celestiais”. Temos uma fé celestial que jamais foi, nem poderia ser,
produzida por uma mente meramente humana. Nossa fé vem da
mente de Deus.
Isso deve ter deixado os falsos mestres nas igrejas se
sentindo desconfortáveis. Eles eram “murmuradores, descontentes,
andando segundo as suas paixões;… aduladores dos outros, por
motivos interesseiros” (Jd 16). Se os cristãos haveriam de defender
a fé contra tais mestres, precisariam saber que aquilo que
defendiam de modo algum se originara com eles, ou com Judas, ou
mesmo com algum outro dos apóstolos. O que eles defendiam se
originara somente com Deus; fora dado pelo seu Espírito.
Assim, a autoridade que estava por trás de sua defesa da fé
era somente Deus. Uma parte de sua defesa deve ter sido (como
deve ser a nossa) “Assim diz o Senhor”. Os falsos mestres, os
“aduladores dos outros”, devem ter recuado diante de tal humildade
(porque aquilo que dizemos é a palavra de Deus e não a nossa),
combinada com essa autoridade do Senhor.
Qualquer defesa do cristianismo, portanto, deve se basear na
revelação divina. Se formos inquiridos ou desafiados a dar uma
razão para a nossa fé, não devemos nos atrever a pensar que
cremos em coisas que se originaram em nós mesmos. Não
devemos nos atrever a sugerir que cremos no que cremos porque
somos mais espertos ou mais perceptivos que aqueles que não
creem. O que temos, temos pela graça de Deus. O que cremos, não
cremos porque olhos viram, ou ouvidos ouviram, ou coração
imaginou — mas porque, e apenas porque, Deus no-lo revelou por
seu Espírito. Se havemos de defender a fé, é para a revelação de
Deus que devemos ir. É ali que a fé é dada; é nessa revelação que
ela é explicada. Ela nos foi entregue, e é pela graça de Deus que a
recebemos.
PARA SE APROFUNDAR
1. Quais são algumas formas de se proteger contra ataques à fé que
partem de dentro da igreja de Jesus Cristo?
2. Você está familiarizado com alguma situação (pessoa ou
instituição) em que houve um declínio da fé? Poderia traçar o
declínio? Ele poderia ter sido evitado? Como a apologética poderia
ter ajudado em situações assim?
3. Por que, muitas vezes, argumentos parecem mais poderosos em
nos enganar do que comportamentos? O que isso diz sobre
apologética? O que isso diz sobre o coração humano?
4. O que faz o cristão combater um bom combate? Como podemos
evitar transformar o bom combate em um mau combate?
5. Quais são os dez principais elementos da fé? Como você sabe
quais elementos são os mais importantes?
6. Como a completude da revelação nos ajuda na defesa e
recomendação da fé?
3. O ataque surpresa
DEMOLIÇÃO
Nós demolimos argumentos. Esta é uma das coisas que
caracterizam o ministério do apóstolo Paulo. Como vimos no
capítulo 1, esta é também uma das coisas que devem caracterizar
nossa vida e nosso ministério. Sabemos que há e sempre haverá
hostilidade à fé cristã. Também sabemos que qualquer coisa que se
oponha ao cristianismo será, exatamente por isso, falsa. Mas nós
não sabemos disso porque somos mais inteligentes que os outros, e
sim por causa do que a graça de Deus fez em nossas vidas.
Deveríamos notar nessa passagem bíblica a forte linguagem
ofensiva usada por Paulo. Uma coisa é defender a fé contra
ataques. Se usarmos a analogia de uma competição desportiva, o
time que está na defensiva tenta fazer o outro parar de avançar.
Este é um elemento significativo e crucial na apologética. Nós
oramos e trabalhamos enquanto Deus nos usa para parar o avanço
do inimigo, o próprio Satanás. Mas também devemos ser ofensivos.
Também devemos tomar nossas armas e marchar contra o inimigo.
Claro, ao sermos ofensivos também estamos sendo defensivos.
Mas o “time” ofensivo é mais ativo que o defensivo. O time ofensivo
está determinado a avançar.
Um exemplo poderia ajudar a ilustrar isso. Com frequência é
dito aos cristãos que o problema do mal mostra que a sua fé não é
racional. Em outras palavras, argumenta-se, com frequência, que a
existência de um Deus bom, onisciente e onipotente é simplesmente
inconsistente com a abundância de mal no mundo. É-nos dito,
assim, que deveríamos desistir da crença em um Deus como esse.
As respostas a esse desafio podem ser mais ofensivas ou
mais defensivas. Uma resposta mais defensiva tentaria mostrar que
o argumento em si tem pouco peso; apresentaria o argumento como
tendo sérios problemas. Desse modo ela interromperia o avanço do
argumento. Uma abordagem mais ofensiva, porém, responderia ao
problema, e não apenas ao argumento, para ajudar o desafiante a
começar a pensar sobre o problema de um modo diferente, cristão.
A apologética ofensiva, então, oferece o modo cristão de pensar e
agir como parte de sua abordagem.
A preocupação de Paulo nessa passagem é que, em nossa
defesa, nós também sejamos ofensivos. Paulo sabia que os
invasores de Corinto estavam construindo sua própria causa
mediante a derrubada do seu ministério. Ele sabia que um ataque
ao seu ministério representava um ataque à verdade do próprio
evangelho. Assim, escreveu os quatro últimos capítulos de 2
Coríntios para responder a esses ataques. Os seis primeiros
versículos do capítulo 10 formam a introdução geral para o que ele
dirá no resto da carta. Paulo quer deixar seus leitores cientes de que
sua resposta irá demolir os argumentos dos invasores.
Parece provável que a abordagem e os argumentos adotados
por esses falsos mestres se originaram de um grupo de filósofos
conhecidos como sofistas. O nome sofista é tomado da palavra
grega para “sabedoria”. Pode ter havido alguma autenticidade nos
sofistas na época em que sua seita começou, mas agora não havia
mais nada de admirável sobre eles.
Entre os filósofos gregos, por exemplo, os sofistas foram os
primeiros a cobrar uma taxa para compartilharem sua sabedoria. Até
então, a promoção do conhecimento era tomada como algo tão
importante em si mesmo que se considerava impróprio fazê-lo por
recompensa financeira. Os sofistas, no entanto, literalmente
“estavam nisso por dinheiro”.
Como regra geral, os sofistas tinham pouca preocupação
pela verdade. Eles se moviam de lugar para lugar, na Grécia e em
outros lugares, mostrando às pessoas como vencer seus debates
independentemente de seus méritos. Eles não se preocupavam com
a verdade, mas com a melhor forma de argumentar. Eles davam
grande importância à disputa; desenvolveriam argumentos em favor
de uma posição, qualquer que ela fosse, e venderiam esses
argumentos para os compradores interessados.
É dos sofistas que obtemos nossa palavra sofisma. Sofisma
refere-se a um argumento falso apresentado com o intuito de se
obter algum benefício pessoal. O filósofo grego Aristóteles
descreveu os sofistas exatamente nesses termos.
Uma vez que os sofistas estavam interessados apenas na
arte da disputa, sua perícia estava em usar dispositivos retóricos
como a ironia, o paradoxo, o sarcasmo e a subversão. Sua
abordagem para argumentar era humilhar seus oponentes atacando
sua integridade. Como não havia nenhum interesse pela verdade,
eles não tinham tempo para desenvolver a verdadeira reflexão. O
que quer que tivesse de ser feito, pensavam eles, poderia ser feito
através da técnica do debate e da argumentação.
Há pouca dúvida de que Paulo tinha esse tipo de sofisma em
mente quando escreveu 2 Coríntios. E também tinha isso em mente
quando escreveu 1 Coríntios:
ARMAS DE SURPRESA
Nós “destruímos argumentos” (2Co 10.4), mas “não militamos
segundo a carne” (v.3). Esta é provavelmente a coisa mais difícil
que devemos perceber ao pensar sobre o dever de defender a fé.
Nós não militamos “segundo a carne”, isto é, “segundo os padrões
humanos” (NVI). Paulo diz: “Porque, embora andando na carne, não
militamos segundo a carne” (v. 3). Esta tradução nos ajuda a ver o
que Paulo tem em vista.
No versículo 3, Paulo está respondendo as acusações que
menciona no versículo 2. Havia alguns na igreja dizendo que Paulo
era “mundano”, no pior sentido da palavra. Essas pessoas o
estavam acusando de não ser espiritual, de viver e lidar
confortavelmente com as coisas deste mundo, não com as coisas
“espirituais”. Havia uma falsa espiritualidade em Corinto que Paulo
precisava abordar aqui. Ele tinha duas respostas.
Primeiro, diz ele, nós andamos sim segundo a carne. Paulo
obviamente não queria dizer aqui que nós andamos segundo o
pecado que permanece em nós (veja Rm 6-7). Antes, pretendia
refutar aqueles dentro da igreja que definiam espiritualidade por seu
distanciamento da vida diária. Havia alguns dizendo que o caminho
para ser verdadeiramente espiritual era evitar as coisas mundanas
desta vida, evitar os “produtos” físicos deste mundo. Aqueles que
não evitavam tais coisas, como Paulo, eram chamados de carnais,
mundanos.
Paulo afirma que vive e age no mundo. Não é algo não
espiritual estar familiarizado com, e andar entre, os caminhos deste
mundo. Estas coisas não tornam um cristão automaticamente
“mundano”. Paulo usa a palavra andar para afirmar que ele, assim
como nós, deve conduzir a vida, executar as rotinas diárias, no
contexto deste mundo. Essa é uma parte essencial da própria
oração de Cristo, e do próprio desígnio de Deus, para o seu povo
(Jo 17.13-19).
Mas quando conduzimos nossa vida neste mundo, nós não
militamos de uma forma mundana ou carnal. Paulo já tinha aludido a
isso. Ninguém que chega “pela mansidão e pela benignidade de
Cristo” (2Co 10.1, ARA) pode responder ao mesmo tempo de forma
mundana. Mas agora Paulo quer que seus leitores entendam
exatamente como ele propõe destruir argumentos. Na mansidão e
benignidade de Cristo, Paulo alega que essa demolição é feita com
armas de poder divino. O que ele estaria querendo dizer com isso?
A preposição grega vertida em “com” poderia ser traduzida de
várias formas, mas todas indicam que as armas de Paulo não
derivam seu poder do mundo, mas de Deus somente. A discussão
de guerra que Paulo faz aqui é, de muitas maneiras, parecida com
aquela em Efésios 6.10-18. Ali Paulo dispõem-nos quais armas
devemos usar “no Senhor e no seu forte poder” (Ef 6.10). Pode nos
ser útil olhar brevemente a descrição que Paulo oferece ali.
Em Efésios 6, Paulo lembra-nos que a batalha que lutamos
não é uma batalha carnal. Com isso ele quer dizer precisamente o
que disse em 2 Coríntios 10. Nós devemos “andar segundo a
carne”, isto é, neste mundo, mas nossa batalha não é mundana.
Não usamos meios mundanos para fins mundanos. Nossa batalha é
de um poder de “outro mundo” contra poderes de “outro mundo” —
da Autoridade Espiritual contra outras autoridades espirituais. Nossa
batalha é contra as forças do mal nos lugares celestiais. Ainda que
usássemos armas mundanas nesse tipo de batalha, elas não teriam
efeito algum. Bombas, metralhadoras e canhões são inúteis contra
poderes e autoridades espirituais.
Uma batalha espiritual requer armas espirituais. Assim, Paulo
diz em Efésios 6 como devemos nos armar nesse tipo de luta. As
armas que ele lista são familiares; lutamos com a verdade, a justiça,
o evangelho da paz, a fé, a salvação e a palavra de Deus.
Indubitavelmente, Paulo descreve cada uma dessas coisas como
peças de nossa armadura. Todas elas servem para nos proteger e
defender. Não deveria escapar da nossa atenção, contudo, que
cada uma dessas armas vem de Deus somente. Todas elas trazem
consigo a autoridade de Deus.
A verdade, a justiça, o evangelho, a fé, a salvação e a
palavra de Deus são todas armas que jamais poderiam ser
produzidas, construídas, controladas ou tomadas por nós. Elas só
poderiam ser criadas e entregues por Deus. Somente ele é o criador
dessas armas. Somente ele as pode dar para nós. E quando ele no-
las dá, elas vêm com a autoridade plena dele. Assim, não pode
haver arma mais forte para usar. São as armas que nos dão o que
precisamos para sermos fortes no Senhor e no seu forte poder (Ef
6.10).
É curioso que Paulo em Efésios 6 comece sua lista da
armadura com o cinto da verdade e termine com a palavra de Deus.
O que Paulo poderia estar querendo dizer por “verdade” que, em
algum sentido, fosse algo distinto da palavra de Deus? Parte, pelo
menos, do que ele deveria estar querendo dizer é que devemos
chegar armados com um verdadeiro entendimento do mundo e da
natureza dos problemas que confrontamos. Isso significa que
devemos olhar para as coisas deste mundo pelas lentes das
Escrituras. Assim nossa “leitura” da situação se tornará informada
daquilo que é realmente o caso. Precisamos ver o mundo como ele
realmente é; precisamos vê-lo da forma como Deus o descreve. Isso
pode soar fácil, mas uma falta de visão bíblica tem levado a
inúmeros erros cometidos na defesa do evangelho.
É de uma visão escriturística, que chamamos por vezes de
cosmovisão bíblica, que Paulo está falando aqui ao se referir ao
cinto da verdade. Esta pode ser uma das armas mais cruciais de
todas. É a primeira arma que Paulo menciona. Ele a menciona
primeiro para que aqueles que estão armados para a batalha
possam ter a estratégia militar apropriada. Isso é parecido com o
que Pedro escreveu quando nos instruiu a focar em primeiro lugar o
senhorio de Cristo quando nos preparássemos para a nossa
defensa.
Por exemplo, não devemos pensar que aqueles que alegam
ter autoridade última realmente a têm. Os coríntios não deveriam
pensar que os intrusos eram realmente apóstolos ou, nas palavras
de Paulo, “super-apóstolos” (2Co 12.11). Quando nos engajamos na
batalha espiritual, devemos perguntar: qual é a realidade, a verdade
da situação? É que devemos, por assim dizer, enviar o batedor
militar à frente de batalha para nos reportar a “configuração da
terra”. Devemos estar armados com o cinto da verdade, tal que
possamos estar equipados para lutar com a espada do Espírito.
São estas nossas armas na batalha. É fácil, muito fácil, lutar
as batalhas do mundo de forma mundana. Esta é uma grande
tentação para nós. Precisamos tão somente olhar como
respondemos em outras situações para ver como isso é fácil. Uma
das coisas que têm surpreendido a mim e minha família é a
diferença de cultura no dia-a-dia em que vivemos agora em relação
a onde costumávamos morar. Por exemplo, em nosso antigo lugar
de residência, havia um ritmo mais lento e educado nas estradas.
Onde estamos agora tudo é qualquer coisa, menos lento e educado.
Mas o que nos têm surpreendido recentemente é quão aculturados
nos tornamos a esse respeito. Parecemos ter assimilado os maus
hábitos dos motoristas daqui, quase inconscientemente! Agora nos
vemos travando batalhas nas ruas exatamente como os demais
motoristas.
Quanto mais isso é verdade quando “andamos” no mundo?
Paulo diz que não devemos lutar dessa forma. Devemos pegar
armas de uma fonte diferente e, portanto, lutar de forma diferente.
Nossa batalha, a batalha real, é contra os poderes e autoridades
nos lugares celestiais.
É de comum conhecimento entre comandantes militares que
a primeira prioridade de uma ofensiva militar é o elemento de
surpresa. Se o inimigo não sabe de onde o ataque está vindo, ou
não sabe como ou quando ele virá, a possibilidade de sucesso
aumenta dramaticamente. Uma das armas militares mais
formidáveis já desenvolvidas nos Estados Unidos é um avião
comumente chamado de “bombardeiro surpresa”.[12] A vantagem
dessa arma é que, a despeito do seu enorme tamanho (com uma
envergadura de 50 metros), dificilmente pode ser detectada por um
radar. Ela pode voar na batalha sem o inimigo sequer saber que ela
está chegando.
As armas que devemos usar em nossa defesa são “armas de
surpresa”. Devemos ir para a batalha com armas invisíveis, armas
com as quais o inimigo não está familiarizado, armas que irão
surpreendê-lo. Quando o inimigo é pego de surpresa, fica muito
mais suscetível à derrota ou rendição. As armas espirituais são
nossas armas de surpresa. Embora aqueles que atacam o
cristianismo eventualmente esperem que respondamos como eles,
somos encorajados por Paulo a responder com armas que apenas
nós podemos compreender — a verdade, a fé, a justiça, uma
espada espiritual. Nosso inimigo será surpreendido com estas
armas. E, pela graça e providência de Deus, poderá mesmo se
render ao evangelho da graça.
PRISIONEIROS DE GUERRA
A última alusão militar de Paulo está na seguinte declaração:
“levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2Co
10.5). O verbo traduzido para “levando cativo” se refere a um
prisioneiro de guerra. Paulo está na batalha de sua vida. Ele está
em guerra, demolindo e destruindo aquelas coisas que se levantam
não só contra ele, mas contra o próprio conhecimento de Deus.
Agora Paulo nos diz que está preocupado não apenas em demolir
aqueles pensamentos, aquelas coisas altivas que se levantam
contra o conhecimento de Deus, mas em trazê-las em cativeiro. Ele
está preocupado em torná-las prisioneiras de Jesus Cristo.
Essa é uma declaração impressionante, particularmente em
nossos dias, quando poderíamos pensar que pensamentos são
muito abstratos ou sem importância para nos preocuparmos com
eles. Num sentido, Paulo está traçando o problema em Corinto ao
pensamento dos coríntios. Isso não deveria nos surpreender. Após
sua exposição do evangelho em Romanos 1-11, Paulo começa a
discutir a aplicação desse evangelho no capítulo 12, ao nos dizer
para sermos transformados. Mas como devemos ser
transformados? Quando ouvimos a palavra transformação, talvez
nossa propensão inicial seja pensarmos na forma como vivemos,
em fazer as coisas certas. Tendemos a pensar na vida cristã como
uma série de “faça” e “não faça” observáveis. Essas coisas são de
fato importantes, e as Escrituras têm muito a dizer sobre elas. Mas a
primeira coisa na mente de Paulo quando ele começa a pensar na
transformação de nossa vida cristã é a renovação da mente.
Significa que a forma como pensamos tem muito a ver com a forma
como vivemos.
Essa ideia precisa ser enfatizada mais uma vez hoje na igreja
de Cristo. Por causa do acesso sem precedentes da tecnologia à
nossa vida “privada”, podemos nos convencer de que, quando
navegamos na internet e batemos papo, somos anônimos. Isso
explica a explosão de pornografia e outros negócios imorais na rede
mundial. Podemos cair como presas na ideia de que Deus só se
importa com como agimos “em público”.
Mas essa noção expõe uma ignorância das prioridades
bíblicas. Devemos ser transformados não em melhorar nossa vida
pública, mas em renovar nossa mente. Devemos ser mudados à
imagem de Cristo pela mudança de nossa mente, em primeiro lugar.
Quando fazemos isso, percebemos que não existe distinção, aos
olhos de Deus, entre vida pública e vida privada. Encontramo-nos
plenamente na presença de Deus tanto quando navegamos e
batemos papo no computador como quando estamos na igreja ou
no trabalho. Focar o comportamento para negligenciar a mente é
algo que, em outras palavras, inevitavelmente nos levará à tentação.
Devemos levar cativo todo pensamento à obediência de Cristo. Não
devemos nos deixar levar por sofismas e coisas que se pretendem
sábias. Nosso pensamento deve ser moldado pelo pensamento das
Escrituras, de modo que quando “coisas altivas” aparecerem em
nosso caminho — coisas altivas que se levantam contra o
conhecimento de Deus —, possamos imediatamente reconhecê-las
como nada mais que bazófia.
Haverá coisas altivas no mundo com que deveremos lutar. O
mundo, desde a Queda, nunca careceu de argumentos para minar
ou destruir a fé cristã. É impossível aprender sobre todos eles;
ninguém tem tempo para fazer isso. O que é possível é começar a
levar todo pensamento cativo à obediência de Cristo. Então, quando
aqueles argumentos vierem, estes pensamentos cativos serão
exatamente o que é necessário para iniciar a demolição. E tudo isso
deverá ser feito, é claro, na mansidão e benignidade do próprio
Cristo.
Nosso plano de ataque é como aquele de um bombardeiro
surpresa. Devemos atacar com armas que são invisíveis ao olho
natural, movendo-nos com a espada do Espírito, a fim de penetrar o
coração dos nossos oponentes, para que também eles, pela graça
de Deus, sejam levados cativos ao Rei dos reis.
Í
ROMA NÃO FOI CONSTRUÍDA…
Paulo nunca havia visitado a igreja em Roma. Ele ansiava vê-
los (Rm 1.11), mas ainda não tinha tido a oportunidade. Não é certo
ainda como, ou por quem, a igreja em Roma foi fundada. Sabemos
que ela não foi fundada em alguma das jornadas missionárias de
Paulo. Provavelmente alguns que tinham ouvido Pedro pregar no
Dia de Pentecoste (At 2.10) voltaram para Roma e iniciaram ali uma
igreja. É possível, assim, que a igreja de Roma tenha sido fundada
antes da própria conversão de Paulo. Em todo caso, Paulo escreve
para falar-lhes do seu desejo de visitá-los e para explicar-lhes o
poder e a glória do evangelho de Jesus Cristo.
A explicação paulina do evangelho faz com que a carta aos
Romanos se destaque entre seus escritos e, na verdade, em todo o
Novo Testamento. Visto que Paulo não tinha estado ali para lhes
ministrar pessoalmente, ele pode ter desejado ajudá-los a entender
o evangelho que tinha pregado no curso de suas jornadas
missionárias. Ele assume como seu dever apostólico explicar o
evangelho para eles. Por esse motivo, o evangelho é apresentado
nesta carta numa das formas mais claras e profundas de todo o
Novo Testamento.
Pode ser por isso que o Senhor achou por bem usar o livro
de Romanos de uma forma tão maravilhosa na história da igreja.
Agostinho, considerado por alguns o maior dos pais da igreja, foi
convertido lendo Romanos 13.14. Martinho Lutero, um monge
agostiniano, foi transformado para sempre pelo entendimento de
Romanos 1.7. Ele foi usado por Deus para reformar a igreja e
reestabelecer alguns de seus princípios mais básicos. Aqueles
homens que trabalharam por diversos anos para escrever a
Confissão de Fé de Westminster e os Catecismos foram mais
dependentes de Agostinho que de qualquer outro teólogo. Assim,
por trás do maior pai da igreja, do catalisador da Reforma e da
(indiscutivelmente) maior confissão de fé já escrita está o livro de
Romanos. Suas verdades têm sido singularmente poderosas em
edificar a igreja de Jesus Cristo.
A razão por que Paulo escreveu Romanos está explícita na
própria carta. À medida que lemos o livro, seu propósito — ou, pelo
menos, um de seus propósitos —, torna-se óbvio. Para entendê-lo,
precisamos pensar como os cristãos do primeiro século pensavam.
Seria difícil superestimar a natureza radical do cristianismo do
primeiro século. Lembro-me de ter visto um documentário sobre
uma mulher que, já adulta, descobriu que tinha uma irmã gêmea
morando em algum lugar no mundo. Isso tinha sido uma descoberta
perturbadora. Ela ficou empolgada por saber que tinha uma irmã
gêmea, mas confusa por saber que sua família era maior do que
pensara durante toda a sua vida. De modo similar, por séculos a
igreja havia sido estritamente definida ― pelo Senhor ― como a
nação de Israel. Mas a vinda de Cristo desafiou tudo isso, e a
família de Deus foi subitamente expandida para incluir os gentios.
Não é que o povo do antigo pacto de Deus tivesse sido
completamente cortado. Antes, os outros, que não estavam
incluídos no antigo pacto, é que agora estavam sendo incluídos no
povo do novo pacto de Deus. A parede de separação entre os dois
grupos, judeus e gentios, havia sido derrubada (Ef 2.14-15). A
nação de Israel não era mais o lugar em que o Senhor “abrigava” o
seu povo. Eles logo seriam encontrados entre muitas nações ―
entre todas as nações, no fim das contas. “O povo de Deus” não era
mais a nação de Israel, mas a igreja de Jesus Cristo, cujos
membros viriam de toda tribo e língua e povo e nação (Ap 5.9). Essa
foi uma mudança radical na história. Ela ocorreu porque Deus
enviou seu Filho Jesus Cristo ao mundo.
Não nos surpreende, assim, que os cristãos no primeiro
século tenham lutado para determinar sua identidade. Em grande
parte eles sabiam que não seriam mais identificados com a nação
de Israel; mas como, então, deveriam ser identificados? Se por
séculos Deus depositara seu favor no Israel étnico, como os gentios
deveriam pensar acerca de si mesmos e de sua relação com Deus?
Paulo escreveu à igreja romana para ajudá-los com essa luta.
Havia na congregação romana, ao que parece, um bom número de
judeus. Também havia gentios. É possível que um grupo estivesse
inquirindo sobre o status do outro. Talvez acusações estivessem
sendo feitas. Qualquer que fosse o caso, Paulo pretendia corrigir a
confusão; e sabia que a clareza adviria de uma explicação do
evangelho.
Assim, o versículo 16 do capítulo 1 é central para todo o livro.
Paulo declara ali por que estava “disposto a pregar o evangelho
também a vocês” (v.15). Ele estava “disposto” a pregar lá, como diz
no versículo 16, porque o evangelho é “o poder de Deus para a
salvação de todo aquele que crê”.
Esta é a primeira preocupação de Paulo ― assegurar-se de
que os cristãos romanos entendam que esse evangelho é o poder
de Deus. Ele não é simplesmente uma noção inventada por Paulo.
É o próprio poder de Deus para salvar. E visto que o evangelho é o
poder de Deus, Paulo deseja também que os romanos saibam que
ele não se envergonha dele.
Por que Paulo apresenta o evangelho glorioso em termos de
vergonha? Provavelmente sua preocupação era que o evangelho
poderia parecer trivial para alguns sob a sombra do poderoso
Império Romano. O poder em Roma era determinado por conquistas
e guerras. Era simbolizado por vitórias e celebrações. Mas o
evangelho não é assim. Ele não se define pelo número de guerras
vencidas ou vitórias celebradas. O evangelho carrega consigo o
próprio poder de Deus; carrega dentro de si a força do próprio Deus.
Como tal, ele é capaz de destruir qualquer barreira que possa ser
erigida contra Deus e seu povo.
MOSTRE E DIGA
PARA SE APROFUNDAR
CONHECENDO A DEUS
Muitas vezes é difícil seguir a linha de raciocínio de uma
passagem bíblica. Às vezes, quando você pensa que entendeu um
argumento específico nas Escrituras, o versículo seguinte desafia
tudo o que você pensava saber sobre a passagem. Recordo-me
bem de quando certa vez comecei a trabalhar em um sermão
pensando que a passagem que escolhera era bastante simples e
direta. Porém, quanto mais profundamente eu olhava a passagem,
mais percebia quão pouco havia compreendido o que o autor
(Paulo) realmente tentava dizer. Meu único conforto era que o
próprio apóstolo Pedro admitira haver coisas em Paulo que eram
difíceis de entender (2Pe 3.15-16). Se Pedro teve problemas para
entender algumas coisas nas Escrituras, então certamente nós
também teremos.
Porém, na passagem que vamos analisar neste capítulo, este
problema não é tão sério. Embora ninguém fosse alegar
conhecimento exaustivo do que Paulo está argumentando aqui,
essa seção em Romanos é um daqueles raros lugares em que você
quase pode ver a mente brilhante de Paulo em ação enquanto ele
escreve. Isso deveria nos ajudar, então, a seguir sua linha de
pensamento.
A preocupação inicial de Paulo nessa seção é mostrar que
todos nós estamos na mesma condição acerca do nosso
relacionamento com Deus. Paulo destaca o caráter universal do
pecado, no sentido de ele se aplicar e afetar a todos e a cada um de
nós.
Paulo havia mesmo explicado que o evangelho tem agora
uma dimensão universal que não estava presente sob o antigo
pacto. O evangelho pode ser para os judeus primeiro, mas é para os
gentios também. Ele deve ir até os confins da terra. Mas então a
seguinte questão se levanta: Qual é o estado daqueles a quem o
evangelho chega? Estaria eu levando o evangelho a pessoas que
são inocentes, porquanto nunca ouviram o evangelho? Quando o
evangelho chegar aos gentios, eles terão alguma ideia de quem é
esse Deus acerca do qual falamos?
Paulo entrelaça duas ideias básicas nessa passagem.
Primeiro, ele quer que entendamos a resposta ao conhecimento de
Deus daqueles que estão alheios a Cristo. Segundo, ele nos fala
sobre a resposta de Deus a tal resposta (pecaminosa). Vamos ver
como estas duas ideias se encaixam.
No último capítulo, vimos que Deus revela tanto o evangelho
como a sua ira. Paulo enfoca a ira de Deus no restante de Romanos
1. Ele está preocupado em nos dizer por que essa ira vem. Ele quer
que vejamos por que e em quais circunstâncias Deus responde em
ira, em vez de graça ou misericórdia.
Assim, Paulo começa dizendo-nos no versículo 18 que a ira
de Deus é revelada do céu, e que ela é dirigida contra a impiedade
dos homens. Isso não significa que Deus revela sua ira somente
onde a impiedade é maior. A revelação da ira de Deus é universal, e
vem contra “toda impiedade e injustiça dos homens”. A ira de Deus
é revelada em todo lugar, manifestando sua raiva sobre a maldade
universal dos seres humanos pecadores.
Paulo introduz então uma ideia que ele sabe que exigirá mais
explicações. Ele descreve essas pessoas ímpias e perversas como
aqueles “que suprimem a verdade pela injustiça”. Isso poderia ser
traduzido como “que mantêm a verdade em injustiça”. A explicação
dessa ideia ocupará o pensamento de Paulo durante grande parte
do capítulo 1 e um pouco do capítulo 2.
Essa noção, que pecadores suprimem a verdade, precisará
de algum esclarecimento, e Paulo sabe disso. A primeira questão
que surge à mente é: Qual verdade? Paulo antecipa esta pergunta e
começa a respondê-la no versículo 19. A verdade que é suprimida é
“o que de Deus se pode conhecer”. E isso, Paulo diz, “é manifesto
entre eles”. A palavra traduzida como “manifesto” poderia ser
facilmente traduzida como “claro” ou “evidente”. O que quer que seja
conhecido sobre Deus, isso é algo claro. Não é algo que somente
alguns poucos podem ver, ou que está antes oculto ou é obscuro.
“O que de Deus se pode conhecer” é tão claro e evidente como o
mundo ao nosso redor.
Mas isso é algo claro não porque vemos muito bem, ou
porque temos usado nossa mente para descobrir essa verdade, mas
“porque Deus lhes manifestou”. Esta é uma verdade importante que
merece uma boa dose de reflexão. O que podemos aprender aqui é
que existe um conhecimento de Deus que é claro e evidente
precisamente porque Deus o tornou claro e evidente. Paulo nos
direciona aqui à atividade revelacional de Deus.
Como vimos no último capítulo, esse tipo de revelação da
parte de Deus é comumente chamado “revelação geral” de Deus. É
importante entendermos estas duas palavras. Ela é uma revelação
geral porque chega a todas as pessoas. Uma definição padrão de
dicionário para geral é “envolvente, relacionado ou aplicável a todo
membro de uma classe, tipo ou grupo”. É dessa forma que a palavra
é usada aqui. Paulo está descrevendo uma revelação que envolve,
se relaciona e é aplicável a todas as pessoas. Ele não está
pensando aqui em revelação especial, que foi destinada ao povo
especial de Deus, a igreja de Jesus Cristo. A revelação aqui é
universal. Por esse motivo, ela é geral.
É importante observar aqui o que Paulo não tem em mente. A
revelação geral não é uma revelação que pode nos salvar. O
evangelho não faz parte do seu conteúdo (veja Rm 10.7-15). A
revelação geral não traz aquilo que é necessário para o
conhecimento salvífico de Deus. Isso se torna óbvio a partir do
contexto. Paulo começa com uma revelação da ira de Deus, não da
sua graça. Ele nos lembra de que a ira de Deus é revelada contra
aqueles que são ímpios e perversos. A impiedade e perversidade
dessas pessoas estão ligadas à sua supressão da verdade. Paulo
está explicando qual é a verdade suprimida em injustiça.
Nós agora sabemos que é a verdade sobre Deus, a verdade
que Deus tornou evidente e que, portanto, é clara a todos nós.
Devemos enfatizar aqui que Paulo está discutindo a atividade de
Deus, não a nossa. Ele está afirmando que nós, de fato, vemos
claramente, e que, portanto, conhecemos a Deus. Mas esse
conhecimento não vem como resultado de nossos esforços
intelectuais nem tampouco de estarmos buscando a Deus. Não há
quem busque a Deus (Rm 3.11). “O que de Deus se pode conhecer”
é conhecido porque foi dado por Deus, não por causa de qualquer
encorajamento que recebemos, ou esforço que empreendemos,
para conhecer ou vê-lo. Deus é o único agindo aqui; somos
receptáculos passivos dessa revelação que Deus faz de si mesmo.
Mas Paulo não nos diz especificamente o que quer dizer com
“o que de Deus se pode conhecer”. Mais uma vez ele antecipa a
pergunta que seus leitores poderiam fazer: O que é que pode ser
conhecido sobre Deus? Paulo responde a pergunta no próximo
versículo.
Para responder essa pergunta, Paulo nos leva de volta à
criação do mundo. Essa é uma das razões por que podemos dizer
que Paulo está pensando universalmente neste ponto. Ele não está
pensando em indivíduos ou grupos isolados. Antes, está nos
apontando ao princípio dessa revelação, essa manifestação clara e
evidente dada por Deus. Paulo diz que essa revelação geral nos foi
dada por Deus “desde a criação do mundo” (v. 20).
Essa referência à criação nos diz que a revelação geral de
Deus não é em si mesma uma resposta ao pecado. Não é como se
Deus tivesse decidido, após o pecado de Adão, que deveria se fazer
conhecido de uma forma diferente da de antes da Queda. A
revelação geral de Deus está embutida na própria criação. Desde a
época em que criou o homem e a mulher à sua imagem, Deus tem
se revelado por meio de sua criação ― claramente a nós e em nós.
Deus revelou em sua criação seus “atributos invisíveis… seu
eterno poder e sua natureza divina” (v. 20). Charles Hodge está
provavelmente certo em seu comentário sobre essa passagem. Ele
observa que esses termos são abrangentes em escopo. “Eterno
poder e natureza divina” não são atributos ou perfeições específicos
de Deus. Antes, diz Hodge, essa revelação geral de Deus a todos
os homens inclui “todas as perfeições divinas”.[15] Os termos gerais
incluem os termos mais específicos.
A Confissão de Fé de Westminster tem um bom resumo
dessas perfeições:
Há um só Deus vivo e verdadeiro, o qual é infinito em
seu ser e perfeições. Ele é um espírito puríssimo,
invisível, sem corpo, membros ou paixões; é imutável,
imenso, eterno, incompreensível ― onipotente,
onisciente, santíssimo, completamente livre e absoluto,
fazendo tudo para a sua própria glória e segundo o
conselho da sua própria vontade, que é reta e imutável.
É cheio de amor, é gracioso, misericordioso, longânimo,
muito bondoso e verdadeiro remunerador dos que o
buscam e, contudo, justíssimo e terrível em seus juízos,
pois odeia todo pecado; de modo algum terá por
inocente o culpado. (2.1)
Tudo isso, diz Paulo, é tornado conhecido por Deus e é
conhecido por toda a humanidade. Isso, obviamente, não é apenas
um conhecimento vago e impreciso; não é uma capacidade para
conhecimento ou potencial para conhecimento que requer
suplementação. Nem tampouco é meramente um sentimento ou
ideia abstrata. Paulo não está dizendo que todos temos alguma
ideia de que existe algum deus em algum lugar.
Esse é um conhecimento verdadeiro, certo, claro e rico do
próprio Deus. Paulo deixa isso ainda mais claro no versículo 18,
onde fala de “o que de Deus se pode conhecer”. Isso poderia ser
mais bem traduzido como “conhecendo a Deus”. Esta é a verdade
da questão: todos nós, criaturas feitas à imagem de Deus,
conhecemos a Deus! Paulo não poderia ser mais claro aqui. Sua
linguagem é direta e inequívoca. Mesmo aqueles alheios a Cristo,
por viverem e se moverem na criação de Deus, e por Deus se
manifestar nessa criação, conhecem-no clara e evidentemente.
Apenas para assegurar-se de que deixou claro seu ponto,
Paulo diz mais uma vez no versículo 20 que essa revelação que
Deus dá “desde a criação do mundo… têm sido vist[a] claramente,
sendo compreendid[a] por meio das coisas criadas”. Deus, que nos
criou, não deixa espaço para ignorância em suas criaturas
humanas.
Devemos lembrar-nos de onde Paulo começou essa
discussão. Ele começou com a revelação da ira de Deus. Paulo nos
disse que a ira de Deus é contra toda injustiça. Ele então nos fez
saber que na raiz do nosso coração ímpio não reside ignorância,
mas uma supressão da verdade. Essa supressão modela nossa
impiedade; ela é seu elemento definidor. Agora aprendemos que a
verdade que é suprimida é na realidade o conhecimento claro e
universal de Deus, que é dado pelo próprio Deus.
Não deveríamos considerar levianamente o peso da análise
da incredulidade feita por Paulo aqui. Ele está dizendo que não
existem ateus de verdade. Indubitavelmente alguém poderá dizer
em seu coração (como lembra o salmista) “Deus não existe” (Sl
14.1). Mas o salmista chama essa pessoa de tola, em parte, ao
menos, porque ela diz em seu coração o que obviamente não
procede. Esse é o cúmulo da tolice. O tolo diz em seu coração o que
sabe não ter procedência. O ateísmo, podemos dizer agora levando
em conta o que Paulo nos ensinou, é simplesmente uma supressão
do conhecimento verdadeiro de Deus.
A forma como Paulo expressa essa verdade requer que
digamos, sem hesitação, que todas as pessoas conhecem a Deus.
Isso não significa que todas as pessoas acreditam que existe um
deus. Não estamos dizendo que o conhecimento que as pessoas
têm é como uma crença vazia ― uma crença em OVNIS, por
exemplo. Eu posso crer que existem OVNIS, mas não tenho
nenhuma evidência para essa crença, e isso terá (espera-se) pouco
efeito sobre a minha vida diária. Paulo não está dizendo que o
conhecimento de Deus que todas as pessoas têm é assim. Não é
um conhecimento sem evidência, um conhecimento que não tem
efeito sobre o nosso viver. Na verdade, é exatamente o oposto
disso.
Esse conhecimento que todos os seres humanos têm é
conhecimento de uma pessoa. É Deus quem todas as pessoas
conhecem. Isso significa que todas as pessoas estão num
relacionamento com Deus. A rigor, os ímpios não estão, e nem
podem estar (à parte de Cristo), num relacionamento salvífico com
Deus. Mas eles estão num relacionamento, não obstante. Talvez o
ímpio possa ser comparado a alguém que está na prisão. Que
relacionamento uma pessoa na prisão tem com seu governo? Ela
certamente não está “fora de um relacionamento” com seu governo.
Ela conhece seu governo muito bem, pois vive num ambiente
proporcionado por ele. Na verdade, ela está onde está, e sua vida é
tal como é, por causa de sua resposta às leis do seu governo. Ela
permanece num relacionamento com seu governo, apesar de ser
um relacionamento que não é feliz.
O mesmo vale para aqueles homens ímpios e perversos que
suprimem a verdade em injustiça. Como Paulo está descrevendo a
incredulidade aqui, poderíamos dizer que o mesmo vale para todos
os que estão fora de Cristo. Estamos relacionados com Deus pelo
fato de o conhecermos. Sabemos como ele é; somos confrontados
com ele dia após dia, pois nele vivemos, nos movemos e existimos
(At 17.28).
Isso poderia ser chamado de relacionamento pactual. Pacto é
um relacionamento contratual entre duas ou mais pessoas. Esse
relacionamento é iniciado pelo próprio Deus. Ele tem-se revelado
desde a criação do mundo. Nossa obrigação é reconhecer essa
revelação e nos arrepender (Rm 2.4). Estes são os termos do
contrato. No entanto, em vez de nos arrependermos, suprimimos a
verdade que vem por meio dessa revelação. Somos assim
violadores de contrato, ou pacto. Mas ser um violador de pacto
assume que existe um pacto em primeiro lugar. Visto que
conhecemos a Deus, e nos recusamos a nos arrepender de nossa
impiedade, preferindo suprimir esse conhecimento, ainda estamos
nos relacionando com Deus enquanto vivemos neste mundo.
Há um ponto adicional, um ponto mais importante, que Paulo
desenvolve no versículo 20. Visto que todas as pessoas conhecem
a Deus, e visto que esse conhecimento vem pela revelação clara e
contínua de Deus no mundo, Paulo conclui que aqueles que
suprimem esse conhecimento são “indesculpáveis”. A palavra grega
traduzida como “indesculpáveis” é usada no Novo Testamento
somente aqui e em Romanos 2.1. Ela é transliterada como
anapologetos. Está relacionada à palavra grega para “apologética”,
e poderia ser facilmente traduzida como “sem uma apologética”.
Aqueles que suprimem o conhecimento de Deus que ele continua a
dar através de sua criação estão agora, assim como estarão no Dia
do Juízo, sem uma defesa perante Deus.
Essas são boas novas para os cristãos, à medida que
continuamos nos preparando para fazer apologética. Estamos
cientes do fato de que as pessoas têm desenvolvido teorias e
filosofias elaboradas para evitar o claro conhecimento de Deus que
está dentro delas e é evidente ao seu redor. Sabemos que a
oposição a Deus não é silenciosa. Mas Paulo nos diz aqui que todas
essas filosofias, todas essas teorias, todas essas objeções
apresentadas contra o conhecimento de Deus no fim das contas
equivalem a nada. Todas as posições oponentes são em última
análise indefensáveis.
Novamente, precisamos treinar nossa mente para pensar
dessa maneira. Precisamos crer em Deus e não no homem. Não
importa quão intimidantes, quão articulados ou quão sofisticados
sejam, os argumentos levantados contra o cristianismo não são
capazes de uma defesa racional. Isto deveria estar queimando em
nosso coração: toda e qualquer posição que seja oposta ao
cristianismo é absolutamente indefensável.
Claro, quando paramos e refletimos a respeito, sabemos que
esse é o caso, sendo nós cristãos. Sabemos que o cristianismo, e
somente o cristianismo, é verdadeiro. Sabemos disso pela graça de
Deus e não por nossa sabedoria. Mas sabemos. Qualquer posição,
portanto, que se levante em oposição ao cristianismo é
necessariamente falsa. E uma posição falsa é falsa em parte por
causa de sua incapacidade de lidar com a forma como as coisas
realmente e verdadeiramente são. Uma posição ou declaração falsa
tenta dizer algo sobre o mundo que simplesmente não é verdadeiro
ou real.
Assim, aqueles que suprimem o conhecimento de Deus em
injustiça estão no empreendimento de constantemente negar o que
é real, o que é verdadeiro. O mundo que essas pessoas veem com
olhos pecaminosos não é o mundo real. Não é o mundo onde Deus
reina em Cristo. Não é o mundo em que nosso propósito é glorificar
a Deus e gozá-lo para sempre. É um mundo falso, onde alguma
coisa além de Deus reina e onde estamos destinados a glorificar
nossos próprios desejos e vontades. Mas esse mundo não é o
mundo real. Como então poderia ser defendido? Paulo lembra que
não há como fazer isso. Aqueles que suprimem a verdade não
possuem uma defesa ― não têm nenhuma apologética.
É importante perceber também o que Paulo está nos dizendo
sobre evidências para a existência de Deus. Muita tinta tem sido
despejada sobre a questão das evidências a favor da existência de
Deus. O argumento é simples e direto. O poeta Joseph Addison
entendeu isso:
PARA SE APROFUNDAR
1. Como você poderia dizer se alguém está suprimindo a verdade
em injustiça?
2. Que diferença faz que o conhecimento de Deus adquirido por
meio da criação é conhecimento de uma pessoa e não apenas de
fatos?
3. Por que Paulo inclui a adoração em sua descrição da troca feita
pelo incrédulo? Quais características de adoração um incrédulo
exibiria?
4. Onde, na sociedade, você veria evidências da restrição que Deus
faz do pecado?
5. Como a descrição do coração incrédulo feita por Paulo ajuda
você em sua abordagem apologética?
6. Jerusalém encontra Atenas: apologética em
ação
É
POR QUE FAZER APOLOGÉTICA?
Vimos no capítulo 1 que o Senhor ordenou seu povo a fazer
apologética. Esta é a nossa primeira resposta à pergunta “Por que
fazer apologética?”. Nesta seção de Atos, no entanto, vemos outra
razão, a qual tem a ver com a forma como vemos o mundo à nossa
volta. Lembre-se de que Paulo estava em Atenas esperando seus
dois amigos. Como não tinha planejado ir a Atenas, Paulo poderia
ter dado uma pausa muito necessária em sua agenda sufocante.
Mas o zelo de Paulo pelo evangelho não o deixou descansar.
Enquanto circulava por Atenas, ele ficou grandemente perturbado
com a idolatria desenfreada na cidade. É provável que Paulo tivesse
essa experiência de Atenas em mente quando mais tarde escreveu
aos romanos. Ele sabia por que havia ídolos lá; sabia por que os
filósofos erigiam e adoravam esses ídolos — “Dizendo-se sábios,
tornaram-se loucos e trocaram a glória do Deus imortal por imagens
feitas segundo a semelhança do homem mortal” (Rm 1.22-23). Os
ídolos estavam lá porque os “amantes da sabedoria” haviam
suprimido de forma tola o conhecimento de Deus. Visto que, como
criaturas feitas à imagem de Deus, eles não eram capazes de deixar
de adorar, começaram então a adorar imagens de coisas criadas.
Paulo ficou indignado com essa idolatria. Assim, a exemplo
do que fizera em outras cidades, ele começou a arrazoar com os
judeus na sinagoga. Mas visto que estava em Atenas, também foi
para a ágora para arrazoar com aqueles que lá se encontravam. Ali
Paulo encontrou os filósofos epicureus e estoicos, e isso por sua
vez o levou a seu discurso no Areópago.
De certa forma, é mais difícil para nós hoje ver os ídolos que
são adorados em nossa cultura. Eles não aparecem, como se dava
em Atenas, como maravilhosas obras de arte no centro de nossas
cidades. Não há mandatos do nosso governo para adorá-los. Mas
em outros aspectos, os ídolos são tão óbvios agora como o eram,
então, para aqueles que tinham olhos para ver. Não deveríamos
automaticamente rotular como ídolo qualquer coisa que pensamos
ser má ou não saudável. Ídolo é qualquer coisa que toma o lugar de
Deus na vida de alguém. É, então, algo com que um incrédulo está
comprometido de todo coração, não apenas algo que é usado ou
abusado.
Há ídolos em toda cultura e na vida de toda pessoa que
rejeita o conhecimento de Deus dado no mundo. Ver esses ídolos
deveria nos motivar a nos engajar em apologética. Paulo não se
contentou em esperar no “Atenas Hilton Hotel” até que seus amigos
chegassem. Ele foi levado à ação por causa do que viu naquela
cidade. Foi essa motivação que deu a Paulo uma oportunidade “não
planejada” de defender a fé cristã.
A PRIORIDADE DA PERSUASÃO
Antes de olhar especificamente para a apologia de Paulo no
Areópago, precisamos entender um elemento importante da
apologética. É o elemento da persuasão. Existem três tipos básicos
de argumentos discutidos em cursos introdutórios de lógica. O
primeiro tipo de argumento é o argumento válido. Um argumento
válido consiste de premissas (declarações iniciais) e de uma
conclusão (uma declaração relacionada às anteriores). A validade
de um argumento não diz nada sobre a veracidade de suas
premissas ou de sua conclusão. Diz apenas que se as premissas
forem verdadeiras, então a conclusão deve seguir delas. Aqui está
um exemplo:
A APOLOGIA DE PAULO
Lucas nos conta a verdadeira razão por que Paulo foi
solicitado a se dirigir à multidão no Areópago. Não foi porque suas
discussões no mercado tivessem sido muito bem sucedidas; não foi
porque Paulo estivesse ganhando convertidos onde quer que fosse;
não foi porque Paulo tivesse sido tão eloquente que eles queriam
ouvir mais. Paulo foi convidado a falar porque muitos o haviam
achado estranho. O termo que os filósofos usaram para Paulo ―
“tagarela” (v. 18) ― era um termo depreciativo. A palavra poderia
ser traduzida mais literalmente como “catador de sementes”. Neste
contexto, refere-se a alguém que parece ser incoerente, apanhando
“restolhos” intelectuais de vários lugares e lançando-os ao público.
Mas, como nos diz Lucas, os atenienses adoravam gastar tempo
ouvindo as últimas novidades, e por isso ficaram intrigados com a
“tagarelice” de Paulo. Assim, trouxeram-no ao Areópago ― a colina
do deus grego Ares (os romanos o chamavam Marte) ― onde certas
questões religiosas ainda eram resolvidas. O Areópago era também
um concílio de atenienses cujos deveres incluíam resolver certas
disputas religiosas e filosóficas.
Paulo começa sua apologética atraindo a atenção desses
atenienses. Quando se lhes refere como “muito religiosos”,
propositadamente usa uma palavra que é ambígua. É uma palavra
que poderia ser ou elogiosa, ou crítica. Indubitavelmente, a
audiência de Paulo não estava certa do sentido que ele queria dar à
palavra — que é, provavelmente, o motivo de Paulo tê-la usado! Há
evidências de que uma pessoa não deveria fazer elogios no
Areópago, pois isso era visto como um tipo de suborno.
Paulo usa essa palavra, no entanto, para que seus ouvintes
precisem ouvir mais se quiserem saber o que ele quer dizer. Paulo
poderia estar dizendo que eles eram pessoas religiosas. A maioria
dos que estavam ali teria concordado com isso e ficado satisfeita.
Ou ele poderia estar dizendo que eles eram supersticiosos, algo que
não teriam gostado de ouvir. A estratégia de Paulo, aqui, era atrair a
atenção deles usando um termo que precisava de esclarecimento.
Há três coisas, basicamente, que Paulo realiza em sua
apologética no Areópago. Ele quer que sua audiência saiba, antes
de qualquer outra coisa, que Deus existe. Então, quer que
entendam quem eles são à luz desse Deus. Por fim, quer que eles
entendam o evangelho. Não pode haver resumo melhor da nossa
responsabilidade na apologética. Na defesa da fé cristã, essas três
coisas devem ser de extrema prioridade em nossas discussões.
Com muita frequência uma delas é enfatizada em detrimento das
outras.
Tradicionalmente na apologética a discussão tem se focado
somente na existência de Deus. Mas se esse é o único tópico, o
evangelho nunca será apresentado como parte da nossa defesa.
Por outro lado, algumas vezes tudo que é discutido é o próprio
evangelho, sem uma tentativa de lutar e responder os desafios que
surgem. Isso também pode distorcer o quadro. E às vezes a ênfase
está simplesmente sobre quem somos ― sobre nossas
necessidades e desejos. Em todos esses casos pode haver uma
distorção de nossa mensagem.
Deveríamos notar, entretanto, que o discurso de Paulo não
tem a intenção de nos dar categorias rígidas. Como Paulo discute a
existência de Deus, nossa responsabilidade perante esse Deus e o
evangelho, não deveríamos concluir que todos esses tópicos devem
fazer parte de toda apresentação apologética. As Escrituras não
estão nos dando um mandato aqui. Todavia, nessa passagem,
temos de fato um equilíbrio de tópicos que deveriam estar no
primeiro plano de nossa mente.
Paulo começa anunciando que irá declarar-lhes algo que já
disseram ser desconhecido. Esse foi um anúncio surpreendente. Os
filósofos tinham habilidades intelectuais que estavam muito além
das do público em geral. Eles usavam essas habilidades para
trabalhar com as questões mais importantes da vida. Poderíamos
bem desejar que tais questões fossem feitas com mais frequência
hoje. Poderíamos também desejar que elas fossem feitas para nós.
O trabalho do filósofo era responder essas importantes
questões. Quando eram dadas respostas, as pessoas se sentavam
e tomavam nota. Poucos, exceto outros filósofos, tinham a
capacidade, ou se davam ao luxo, de discordar das conclusões
propostas. Assim, os filósofos debatiam essas importantes questões
e ofereciam, por sua vez, respostas ao resto do povo.
Paulo ― não um filósofo, mas um “catador de sementes” ―
veio junto ao Areópago e ousadamente anunciou a esses
intelectuais que lhes poderia dar informação que eles decidiram
estar indisponível. Sem dúvida isso fez os “amantes da sabedoria”
prestarem atenção. Sem dúvida alguns ficaram agitados. Outros
podem ter ficado com raiva. Quem era esse homem para chegar e
invadir o território deles? Eles já tinham decidido que havia um deus
desconhecido; agora, esse catador de sementes estava
reivindicando não só ter conhecimento dele, mas ser capaz de lhes
declarar esse conhecimento! Sem dúvida eles eram todo ouvidos
nesse momento.
Há uma lição apologética aqui de que devemos nos lembrar:
não importa quão inteligente ou habilidoso o incrédulo for, você
sempre terá sabedoria e conhecimento que ele desesperadamente
precisa ouvir. Em todos os casos ele precisará ouvir a lógica em
favor da verdade do evangelho. O incrédulo pode ser mais esperto.
Pode ser o campeão do time de debatedores. Mas se ele é pego em
incredulidade, você sempre saberá algumas coisas cruciais sobre
Deus, sobre as pessoas e sobre o mundo que ele jamais poderia
saber por sua própria sabedoria.
A exemplo de Paulo, não devemos ficar intimidados com as
habilidades, por mais impressionantes que sejam, daqueles com
quem falamos. Ninguém jamais chegou a Cristo por meio de
habilidades superiores. De fato, como escreveu Paulo aos coríntios
(logo após deixar Atenas):
TACHAS DE BRONZE
Algumas centenas de anos atrás, quando os rifles eram
fabricados em abundância, um artesão primeiro determinava o
tamanho e o calibre do cano. Então configurava a coronha e o
sistema de gatilho. Após esses elementos principais estarem
finalizados, ele consultava o comprador para saber como o rifle
deveria ser adornado ou decorado. Os rifles eram frequentemente
embelezados com tachas de bronze (“brass tacks”) e outras
decorações que os tornavam únicos. As tachas de bronze eram os
detalhes que distinguiam os rifles uns dos outros.
Hoje em dia, a frase “getting down to brass tacks” passou a
significar algo como “descer aos detalhes”. Na defesa de Paulo no
Areópago, Lucas nos dá algumas das “tachas de bronze” de nossa
abordagem apologética. Vamos mencionar apenas três delas,
embora haja outras que poderiam igualmente ser observadas.
A primeira “tacha” a observar é o entendimento de Paulo
sobre Deus. Esse ponto não pode ser demasiadamente enfatizado.
É profundamente lamentável que em nossos dias a visão bíblica de
Deus esteja sendo sacrificada em favor de uma miragem ou ilusão
da liberdade humana. Muitos cristãos têm negado certas
características que sempre foram atribuídas a Deus ― como sua
eternidade, imutabilidade, infinitude e controle sobre todas as coisas
― porque essas características são vistas como restritivas da
liberdade humana ou muito difíceis de entender. Não devemos nos
deixar enganar por essa tendência. Se o fizermos, não teremos
defesa alguma para oferecer. O que é pior, também não teremos
evangelho a oferecer.
Paulo não teve medo de começar a defesa de sua fé
mencionando o controle absoluto de Deus sobre o universo. Ele
sabia que os epicureus e estoicos tinham suas próprias teorias
sobre o universo. Mas também sabia que eles usavam essas teorias
para suprimir o que realmente sabiam (mas não iriam reconhecer).
Assim, Paulo começa sua defesa dizendo aos ouvintes o que eles já
sabiam. Como vimos nos dois últimos capítulos, eles já conheciam a
Deus. Eles conheciam o Deus. E seu altar dedicado a um Deus
desconhecido não era uma tentativa de encontrar Deus, mas de se
esconder daquele que eles conheciam.
Assim, Paulo começa lembrando-lhes o que Deus já lhes
vinha dizendo o tempo todo através do mundo criado:
O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há é o
Senhor dos céus e da terra, e não habita em santuários
feitos por mãos humanas. Ele não é servido por mãos
de homens, como se necessitasse de algo, porque ele
mesmo dá a todos a vida, o fôlego e as demais coisas.
(At 17.24-25)
Deus é o Criador. Como Criador, ele é Senhor. As duas
coisas andam de mãos dadas. Como criou todas as coisas, ele
governa sobre todas as coisas. E, diz Paulo, como Deus criou todas
as coisas, ele não precisa de nada.
Paulo segue adiante e diz a eles que “de um só fez Deus
todos os povos, para que povoassem toda a terra, tendo
determinado os tempos anteriormente estabelecidos e os lugares
exatos em que deveriam habitar” (v. 26). Numa palavra, Paulo
começa enfatizando a soberania de Deus. Não precisamos enfatizar
esse ponto em cada discussão apologética, mas devemos sempre
lembrar-nos de sua verdade central. A soberania de Deus não deve
ser comprometida ou diluída por conveniência ou para evitar ofensa.
Ela é uma verdade que desafia pecadores ― pecadores que
querem, eles mesmos, ser pequenos soberanos.
Uma vez que Deus governa sobre as coisas que fez, ele não
tem necessidade de coisa alguma. Lembro-me bem de uma
apresentação do evangelho que ouvi anos atrás. Na conclusão da
mensagem, o homem disse à sua audiência: “Quero tocar uma
música para vocês. Quero que pensem nessa música como sua
música para Deus”. Ele então tocou uma música chamada “Você
precisava de mim”. É difícil imaginar uma apresentação mais
antagônica à verdade do evangelho.
Esse não é um problema novo. Mesmo o antigo Israel já
esteve convencido em certo momento de que Deus precisava deles
e dos seus sacrifícios. O Senhor então veio e repreendeu Israel por
sua desobediência:
Não tenho necessidade de nenhum novilho dos seus
estábulos, nem dos bodes dos seus currais, pois todos os
animais da floresta são meus, como são as cabeças de gado
aos milhares nas colinas… Se eu tivesse fome, precisaria
dizer a você? Pois o mundo é meu, e tudo o que nele existe.
Acaso como carne de touros ou bebo sangue de bodes? (Sl
50.9-13)
Israel, em sua rebelião e impiedade, convencera-se de que
Deus realmente precisava dos seus sacrifícios. Eles tinham
imaginado um deus que sentia fome. Esse Deus, assim como o
“deus desconhecido” dos filósofos, era um ídolo.
Qualquer Deus que não seja soberano é um ídolo. Paulo
sabe disso, e ataca assim a idolatria em sua raiz. Ele declara Deus
como soberano. Com essa declaração, não há espaço para ídolos.
A segunda “tacha” de Paulo é lembrar aos seus ouvintes
quem eles são perante esse Deus soberano. Eles são aqueles que
vieram de “um só [homem]” (v. 26). Eles vivem na presença de Deus
(v. 27). A rigor, vivem, se movem e têm sua existência nesse Deus
(v. 28). Essa é a aplicação paulina da soberania de Deus sobre a
vida deles. Não se trata apenas de que Deus governa do alto (pois
ele não habita em templos feitos pelo homem ― v. 24), mas que seu
governo como Senhor é mesmo anterior à sua criação. É mesmo
anterior a nós, suas criaturas.
Essa é apenas outra forma de dizer o que Paulo afirma em
Romanos. Visto que Deus está ativamente se revelando em toda a
criação, ele está presente em, e com, essa criação. Isso significa
que todas as pessoas vivem sua vida perante a face de Deus.
Também significa que para as pessoas serem de fato pessoas, elas
devem viver, se mover e existir em Deus. Em outras palavras, a vida
e a própria existência delas depende de Deus. O autor de hinos
coloca isso da seguinte forma:
O SEGREDO DO SUCESSO
Tem havido muita discussão sobre o discurso de Paulo no
Areópago. Alguns têm dito que Paulo ficou tão desencorajado após
isso que, quando foi a Corinto, decidiu parar de arrazoar, e se
limitou a pregar a “Jesus Cristo, e este, crucificado” (1Co 2.2). Isso,
contudo, parece perder de vista a própria ênfase paulina no
ministério.
Mas como deveríamos medir o sucesso de Paulo na Colina
de Marte? Como você sabe se foi bem sucedido em apresentar sua
defesa do cristianismo? Note a reação ao discurso de Paulo:
Quando ouviram sobre a ressurreição dos mortos,
alguns deles zombaram, e outros disseram: “A esse
respeito nós o ouviremos outra vez”. Com isso, Paulo
retirou-se do meio deles. Alguns homens juntaram-se a
ele e creram. Entre eles estava Dionísio, membro do
Areópago, e também uma mulher chamada Dâmaris, e
outros com eles. (At 17.32-34)
Será que essa resposta foi um indicativo de sucesso?
Por alguns padrões, não. Mas devemos lembrar qual é o
nosso objetivo na apologética. Embora devamos desejar e orar por
conversões, o objetivo da apologética não é converter outras
pessoas; nem tampouco ganhar o argumento. Só Deus pode
produzir conversões. Nosso objetivo na apologética é simplesmente
dizer a verdade de uma forma bíblica. Se fizermos isso, teremos
obtido sucesso aos olhos de Deus.
Não deveríamos ter a intenção de “ganhar” argumentos. Isso
parece algo estranho ao pensamento bíblico. Poderíamos estar tão
consumidos pelo desejo de ganhar o argumento que acabaríamos
ou comunicando o evangelho de uma forma ofensiva, ou de fato
negligenciando sua comunicação. O evangelho carrega sua própria
ofensa (2Co 2.15–16). Nosso trabalho não é adicionar ofensa a ele.
PARA SE APROFUNDAR
1. O que podemos aprender da motivação de Paulo em defender a
fé, em Atos 17.16?
2. Quais são algumas diferenças entre prova e persuasão?
3. Quais são algumas das coisas mais cruciais que devemos saber
sobre Deus quando defendemos o cristianismo?
4. Como você sabe se sua defesa do evangelho foi bem sucedida?
5. Quais elementos da sociedade, cultura ou incredulidade
geralmente podem ser usados por você como elementos de
persuasão numa conversa apologética?
Conclusão
Como temos visto, a Bíblia inteira pode ser vista como uma
apologética. Tendo dito isso, contudo, há uma série de passagens
específicas que podem nos ajudar a pensar sobre os princípios
discutidos neste livro. A lista abaixo é fornecida (1) como um
suplemento para as passagens discutidas neste livro e (2) como um
recurso inicial para um estudo bíblico da apologética.
Ela de forma alguma é uma lista exaustiva de passagens. Há
muitas outras que poderiam ser adicionadas. Como o foco deste
livro está no Novo Testamento, e como a maioria de nós tem mais
familiaridade com o Novo Testamento, a lista foca passagens do
Antigo Testamento que trazem uma ênfase ou temática apologética.
A lista é fornecida para aqueles que gostariam de estudar outras
passagens bíblicas relacionadas à defesa e recomendação da fé.
Êxodo
14.13-31
15.1-18
Deuteronômio
7.9-11, 21-24
32.36-43
33.7, 27-29
Josué
1.9
4.23-24
5.13-15
6.15-16
24.8-13
Juízes
1.2, 22
4.13-16
1 Samuel
2.6-10
14.6
2 Samuel
22.2-20, 26-51
1 Reis
8.44-49
2 Reis
14.26-27
19.14-37
20.1-6
1 Crônicas
12.18
14.8-11
16.35
22.17-19
29.10-19
2 Crônicas
13.13-18
14.9-12
15.1-7
16.7-10
20.5-12, 22-23
25.7-8
32.20-23
Neemias
1
4.12-20
9.22-33
Jó
2.4-6
9.1-12
12.13-25
Salmos
2
3.1-8
4
5
7.1-17
8.1-9
9.1-12, 19
10.1-18
11.4-7
12.3-8
14.4-7
16.1, 6-11
17
18.16-50
20.1-2
21.1-13
22.19-21
24.7-10
25.20-22
27.1-6
28.3-5
31.1-5, 13-24
33.10-22
34
35
36.7-12
37.12-19, 33, 39-40
38.21-22
40.1-3, 11-17
41.11-13
44.1-8
45.1-7
46.1-11
47
50.1-6
52.7-9
54
55.16-19, 22-23
56.1-13
57.1-6
58
59
61.1-4
62.1-2, 7
63.9-10
64
66.1-12
68.1-3, 17-21
69
70
71
73.18-20
74
75.4-8, 10
76
78.65-66
79
80.8-11
81.5-7
82
83
86.14-17
89.8-14, 50-51
90.17
91
92.9
94
97
99.1-4
102.12-22
103.13-14, 17-18
106.8-12
109.21-31
110
113.4-9
115.9-13
116
118.5-17
119.145-151
120
121.1-8
124.1-8
129.1-4
132.12-18
135.8-14
136.23-25
138.7-8
140
141.8-10
142
143
144
145.14, 17-21
146.5-10
147.1-6
149.4-9
Provérbios
11.8, 21
15.25
16.5, 11
18.10
21.1, 30-31
22.22-23
29.26
Isaías
9.6-7
10.33-11.5
11.11-16
13.9-11
14.24-27, 32
22.1-5
24
28.5-6
33.20-22
34.1-7
35
37.15-20
40.1-5
41
42.1-4
49.22-26
50.7-9
52.6-12
56.1
63.8-14
Jeremias
1.13-19
6.18-23
9.9-11
12.16-17
20.12-13
46
47
49.14-16
51.54-58
Lamentações
3.55-66
Ezequiel
25.12-17
26.19-21
28.1-10
32.1-16
35
36.33-38
38.19-23
39.1-24
Daniel
3.15-30
6.26-28
7.11-14
Amós
1.3-2.3
Obadias
8-10
Jonas
2.1-9
Miqueias
5
7.7-10
Naum
1.1-12
Habacuque
3.19
Sofonias
2
Ageu
2.1-9
Zacarias
9.14-17
10
12
13
14
Malaquias
1.1-5
3.1-3
4.1-3
1 Coríntios
1.18-25
15.56-57
2 Coríntios
1.8-10
6.1-10
Efésios
1.22-23
Colossenses
2.13-15
2 Timóteo
4.16-18
Apocalipse
1.7
6.1-2, 12-17
9.1-6
11.15-18
14.17-20
15
16
17.6-14
19.1-3, 11-21
20.1-5
Gênesis
22.16-19
Deuteronômio
28.1-14
32.44-47
Salmos
25.10-15, 21-22
39.1, 8
123.3-4
128.1-6
130.5-8
Provérbios
8.6-10
11.30-31
14.29
15.26
16.7, 18, 24
18.8
22.5
24.17-20
25.21-22
29.8
31.8-9
Atos
24.10-25
25.7-12
1 Coríntios
9.24-27
15.58
16.13-14
2 Coríntios
4.7-12
5.11, 20
Efésios
6.10-20
1 Tessalonicenses
5.4-11
Tito
3.1-7, 9-10
Hebreus
12.14-15
Tiago
4.1-10
1 Pedro
3.8-17
Judas
3-4
SABEDORIA NA DEFESA
Salmos
37.8, 30-31
15.1-5
11.10
119.25-29, 65-80, 130
Provérbios
2.1-15
3.7-8
4.7, 11-13
12.18-24
13.1, 10, 14, 20
14.3, 6, 15-16
15.6-7
16.21-23, 25
17.12
18.13, 15, 21
19.1-3, 8, 20-21, 25
21.16, 21-22, 29-30
22.10-12, 24-25
23.12
24.5-6, 10-11, 15-16,
21-26, 28-29
25.7-13
26.4-5, 12
28.7, 11, 26
29.9-11, 20
30.5-6
Jeremias
8.8-9
9.12-16
Daniel
2.19-22
Oseias
14.9
Lucas
21.10-19
Atos
19.8-9
1 Coríntios
10.12-13, 32-33
Colossenses
2.1-4, 8-10
3.16-17
4.5-6
1 Tessalonicenses
2.3-4
2 Timóteo
2.22-26
Tiago
1.5-8
3
1 Pedro
5.6-11
CONFIANÇA NO SENHOR
Deuteronômio
8.18
1 Crônicas
5.19-20
Salmos
4.4-5
5.7, 11-12
22.2-5
25.1-5
26.1-7
27
28.6-9
31.1-8, 17-18, 24
32.10-11
37.1-7, 34-38
39.7-9
40.4
55.23
60.10-12
62
69
78.21-22
80.1-3, 17-19
84.11-12
111.5-8
119.89-96
123.3-4
125.1-5
128
130.5-8
131
146.1-4
Provérbios
3.5-6
7.1-5, 24-27
11.28
14.26-27
16.20
19.23
20.22
21.2
22.4
23.17-18
28.25
29.25
Isaías
12.2-4
25.8-9
26.1-8
31.1
40.28-31
43.10-12
50.10-11
Jeremias
39.16-18
Atos
9.31
Romanos
9.17
2 Coríntios
2.14-17
1 João
5.4-5
Salmos
9.15-16
10.2-3
69.22-23
73.3-12
81.15
92.6-8
Provérbios
5.22-23
6.12-15
8.35-36
10.10, 21, 24-25
12.10-14, 17, 26
13.9-10, 13, 21, 25
14.1, 11-12, 18
18.1-3
19.5, 9
27.20, 22
28.5, 10, 14, 18
29.1, 6
Mateus
16.2-4
Filipenses
3.18-19
Sobre o autor
K. Scott Oliphint, ministro na Igreja Presbiteriana Ortodoxa dos
Estados Unidos, é Professor de Apologética e Teologia Sistemática
no Seminário Teológico de Westminster, Filadélfia. Atualmente é a
principal autoridade em apologética vantiliana. Oliphint é autor de
vários livros e inúmeros artigos acadêmicos.
[1] Nos capítulos que seguem, vamos analisar mais de perto a palavra “apologética”. Por
ora, podemos resumir seu significado como simplesmente “uma defesa da fé cristã”.
[2] Fierce may be the conflict, strong may be the foe, / But the King’s own army none can
overthrow: / Round his standard ranging, vict’ry is secure; / For his truth unchanging makes
the triumph sure. / Joyfully enlisting by thy grace divine, / We are on the Lord’s side, Savior,
we are thine. [tradução livre]
[3] Na língua inglesa, “apologética” (apologetics) tem a mesma raiz de “desculpar”
(apologize). [N. do T.]
[4] Tradução livre da ESV. [N. do T.]
[5] Por exemplo, a ACF. [N. do T.]
[6] O autor se refere à ESV; na NVI a tradução também é “responder”. [N. do T.]
[7] A NVI traz “plenamente preparado”. [N. do T.]
[8] Ye servants of God, your Master proclaim, / And publish abroad his
wonderful Name; / The Name, all-victorious, of Jesus extol; / His kingdom is
glorious, and rules over all.
[9] Jerome H. Neyrey, 2 Peter, Jude, Anchor Bible (Doubleday: New York, 1993), 27.
[10] Aqui, “altivo” tem o sentido de “sublime”. [N. do T.]
[11] C. S. Lewis, The Silver Chair (New York: Collier Books, 1953), 21.
[12] Conhecido também como bombardeiro invisível, o Stealth Bomber (ou B-2 Spirit
Stealth Bomber) é o avião mais caro do mundo. Ele entrou em operação em 1993 e
custaria em torno de 2,4 bilhões de dólares em valores atuais. Alcança a velocidade de
1.010 km/h, mesmo podendo carregar 18 toneladas de bombas convencionais ou
nucleares. [N. do T.]
[13] Make me a captive, Lord, / And then I shall be free; / Force me to render up my sword, /
And I shall conqu’ror be; / I sink in life’s alarms / When by myself I stand; / Imprison me
within thine arms, / And strong shall be my hand.
[14] I’m not ashamed to own my Lord, / Or to defend his cause, / Maintain the honor of his
Word. / The glory of his cross.
[15] Charles Hodge, Commentary on the Epistle to the Romans (reimpressão, Grand
Rapids: Eerdmans, 1980), 37. Embora possa ser o caso de nenhuma pessoa conhecer
cada um dos atributos de Deus em cada aspecto, o objetivo de Paulo ao usar as categorias
gerais de “eterno poder” e “natureza divina” é incluir todos aqueles atributos específicos de
Deus que o tornam Deus. Assim, no versículo 32, vemos que até mesmo o incrédulo sabe
que sua desobediência é digna de morte. Esse conhecimento requer um conhecimento a
priori, por exemplo, da santidade e justiça de Deus.
[16] The spacious firmament on high, / With all the blue ethereal sky, / And spangled
heav’ns, a shining frame, / Their great Original proclaim. / Th’ unwearied sun, from day to
day, / Does his Creator’s pow’r display, / And publishes to ev’ry land / The work of an
almighty hand. // Soon as the evening shades prevail, / The moon takes up the wondrous
tale, / And nightly to the list’ning earth / Repeats the story of her birth; / Whilst all the stars
that round her burn, / And all the planets in their turn, / Confirm the tidings as they roll, / And
spread the truth from pole to pole. // What though in solemn silence all / Move round this
dark terrestrial ball? / What though no real voice nor sound / Amidst their radiant orbs be
found? / In reason’s ear they all rejoice, / And utter forth a glorious voice; / Forever singing,
as they shine, / “The hand that made us is divine.”
[17] Embora a NVI não traga “conhecimento”, outras versões em português o fazem, como
a Almeida Revista e Atualizada: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento
anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela
conhecimento a outra noite”. [N. do T.]
[18] Blind unbelief is sure to err, / And scan his work in vain; / God is his own interpreter, /
And he will make it plain.
[19] F. F. Bruce, The Books of the Acts, The New International Commentary on the New
Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1986), 24.
[20] Vale lembrar que o apóstolo João usou a ideia do Logos para descrever Jesus Cristo
(veja Jo 1.1, 14; 1Jo 1.1-2).
[21] There’s not a plant or flow’r below / But makes your glories known / And clouds arise
and tempests blow / By order from your throne; / While all that borrows life from you / Is
ever in your care, / And everywhere that man can be, / You, God, are present there.
[22] Joseph A. Fitzmyer, S. J., “The Acts of the Apostles: A New Translation with
Introduction and Commentary,” em The Anchor Bible, vol. 31 (New York: Doubleday, 1997),
608.
[23] Lucretius, “De Rerum Natura”, trad. W. H. D. Rouse, em The Loeb Classical Library,
ed. T. E. Page (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1959), 131.
[24] “Um dos seus próprios profetas chegou a dizer: ‘Cretenses, sempre mentirosos, feras
malignas, glutões preguiçosos’.” [N. do T.]
[25] Veja, por exemplo, Fitzmyer, “Acts of the Apostles”, 610ss.
[26] Salmos 50.10. [N. do T.]
[27] John Calvin, Institutes of the Christian Religion [João Calvino, As Institutas – Edição
Clássica; São Paulo: Cultura Cristã, 1985], ed. John T. McNeill, trad. Ford Lewis Battles
(Philadelphia: Westminster Press, 1960), 1.7.4.
[28] Ibid.
[29] The Spirit breathes upon the Word, / And brings the truth to sight; / Precepts and
promises afford / A sanctifying light. / A glory gilds the sacred page, / Majestic, like the sun:
/ It gives a light to every age; / It gives, but borrows none. / The Hand that gave it still
supplies / The gracious light and heat: / His truths upon the nations rise; / They rise, but
never set.