DIREITO PROCESSUAL CIVIL (O PROCESSO CIVIL DECLARATÓRIO) Sumário das aulas
ministradas ao IV Curso de Formação para Magistrados e Defensores Públicos (Centro de
Formação Jurídica 2012) Rui Penha (Juiz Formador no CFJ) 1 Direito processual civil O Processo Civil Declaratório Capítulo I – Introdução 1. Conceito Na definição de Antunes Varela, o direito processual civil compreende “a disciplina normativa de uma série de actos, logicamente encadeados entre si, com vistas à obtenção de uma providência judiciária requerida pelo autor”.1 A expressão tem origem no vocábulo latino pro cedere, ou o qual significa avançar para, caminhar para a frente, avançar para um objetivo. 2 Processo é uma sequência de atos jurídicos destinados à justa composição de um litígio praticado por um órgão imparcial de autoridade (o tribunal).3 Para o processo civil interessam as relações jurídicas entre particulares, ou entre os particulares e o Estado, desde que este esteja despido da função de soberania. Acrescenta Remédio Marques, “Por vezes, os direitos atribuídos pela ordem jurídica às pessoas somente podem ser exercitados através de uma actividade jurisdicional em que intervêm terceiros imparciais”.4 Conforme salienta Lebre de Freitas, “Todo o processo tem na sua base um conflito de interesses e visa a sua composição. Mas esta composição não pode fazer-se arbitrariamente. … a sentença de mérito constitui um meio de tutela dos direitos subjectivos e é realizando esta tutela 1 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 11. 2 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 10 (trata-se “de uma sequência de actos, logicamente articulados entre si, com vista a determinado fim”). Veja-se ainda Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 28-29, e Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 20-23. 3 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, págs. 11-12. 4 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 16. 2 que os tribunais compõem os litígios que lhes são submetidos”.5 Ou seja, a finalidade do processo civil é disciplinar os atos do processo de composição dos litígios, para que esta não se faça de forma arbitrária e respeite os direitos das partes de igual forma. O processo civil resulta da necessidade de resolver certo tipo de conflitos de interesses nas relações entre iguais. 6 Conclui Castro Mendes, processo civil é a sequência de atos destinados à justa composição de um litígio de interesses privados comuns, mediante a intervenção de um órgão imparcial da autoridade, o tribunal.7 2. Características do processo civil 2.1. Ramo do direito público O direito processual civil regula a função jurisdicional do Estado, ao mesmo tempo que serve o interesse público, ou seja, a justiça, impedindo que os particulares recorram à justiça privada.8 Nos termos do art. 118º, nº 1, da Constituição, os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. A função jurisdicional, ou administração da justiça, constitui o exercício de uma autoridade soberana que através do princípio da separação dos poderes foi investida nos tribunais – o poder judicial – de que os juízes são titulares exclusivos. 9 Conforme Castro Mendes, “A natureza pública do direito processual civil, e assim também do processo civil, advém da sua estreita ligação com a função jurisdicional”.10 Ou seja, o direito processual civil é direito público porque existe uma relação de subordinação das partes ao juiz, que explica a força vinculativa das partes às decisões judiciais.11 5 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 36. 6 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 16. 7 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 34. 8 Veja-se Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 23-25. 9 Vasconcelos, Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, 2011, pág. 382. 10 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 125. 11 “O direito público abrange as normas reguladoras das relações em que um dos sujeitos exerce uma função de 3 Segundo Antunes Varela, “Se na acção estão primariamente em jogo os interesses (particulares) das partes, também é certo que no direito processual civil, ao substituir-se a prática da justiça privada pelo sistema básico da justiça pública, se destaca o interesse colectivo da paz social”.12 Acrescenta Ferreira de Almeida, “no direito processual sobreleva o interesse colectivo da paz social, o interesse público primordial da (justa) composição dos conflitos de interesses jurídicoprivados, mediante a aplicação das normas jurídicas adequadas”.13 Para José João Baptista, “É direito público porquanto: disciplina o exercício da função jurisdicional, que é uma função do Estado, cometida aos órgãos de soberania deste Estado, que são os Tribunais; o processo civil constitui-se e desenvolve-se como relação jurídica entre as partes e o tribunal, revestido este das suas prerrogativas de soberania e autoridade; o processo civil tem por fim último e primordial a realização do interesse público, da ordem e paz social, através da justa composição dos litígios entre as partes; as normas de direito processual civil são, em regra, imperativas (jus cogens) e não dispositivas, ou seja, insuscetíveis de serem afastadas pela vontade das partes.14 2.2. Direito instrumental ou adjetivo O direito processual civil é um direito instrumental ou adjetivo, uma vez que as suas normas apenas indicam o caminho a ser seguido para solucionar o conflito entre as partes processuais.15 O tribunal, ao proferir a sua decisão, realiza o direito substantivo.16 Por exemplo, se o autor pede a condenação do réu no pagamento de dinheiro que alega ter emprestado ao réu e o réu nega que tenha havido empréstimo, será o direito substantivo que vai definir se o autor tem ou não esse direito. O direito processual limita-se a ordenar a forma como o tribunal vai decidir a questão de direito substantivo.17 soberania e em que, por conseguinte, se estabelece entre os respectivos sujeitos uma relação de subordinação” (Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 8-9. 12 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 9. 13 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 24. 14 Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 53-54. Veja-se ainda Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, págs. 125-126. 15 Para Castro Mendes esta qualificação não é rigorosa, dado que, por vezes, o juiz fixa ou determina ele próprio elementos da decisão, sem os receber do direito substantivo, como, por exemplo, quando fixa a quantia relativa a danos não patrimoniais (Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 127). Importa referir, contudo, que mesmo nestes casos existem normas ou princípio de direito substantivo que o juiz deve seguir. 16 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 7. 17 “É o direito civil que fornece a substância normativa da decisão. O direito processual civil regula apenas os meios 4 Ou seja, a função do processo civil consiste na tutela do direito material.18 É este que regula as relações jurídicas. Direito material, ou substantivo, é o conjunto de regras que diretamente regulam a matéria da vida social que se pretende ordenar e dirigir. São as normas que basicamente regulam a vida em sociedade e determinam a forma de resolução de conflitos entre as pessoas, nos termos que se têm vindo a expor. O direito processual, ou adjetivo, é constituído por regras que estabelecem, ou regulam o modo como se pode obter o cumprimento das disposições de direito substantivo. São regras meramente instrumentais relativamente à realização dos fins que as primeiras se propõem19. O direito adjetivo é direito público. Numa formulação mais simplista dir-se-á que o direito substantivo define ou atribui os direitos subjetivos das pessoas, e o direito adjetivo regula a forma como esses direitos podem ser exercidos através dos órgãos do Estado especialmente vocacionados para o efeito, os Tribunais. 2.3. Aplicação imediata O direito processual civil contém normas de aplicação imediata. Nos termos do art. 2º do CPC20, salvo disposição em contrário, a lei processual civil é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos atos praticados na vigência da lei anterior.21 Este princípio teve igual consagração no art. 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 1/2006, de 21 de Fevereiro, que aprovou o CPC.22 Contudo, no nº 2 do mesmo preceito veio-se permitir ao juiz uma aplicação mais lata do novo Código, mesmo retroativamente, desde que tal aplicação não quebrasse a harmonia processual e não colidissem com a celeridade processual.23 necessários para, a partir do direito privado, se alcançar a solução concreta do conflito” (Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 8). 18 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 28. Ainda Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 53. 19 Diogo e Januário, Noções e Conceitos Fundamentais de Direito, 2007, pág. 137, e Ascensão, O Direito. Introdução e Teoria Geral, 2005, pág. 355-357. 20 Forma como se designará o Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei nº 1/2006, de 21 de Fevereiro. 21 O art. 5º do Decreto-Lei nº 1/2006, de 21 de Fevereiro, que aprovou o CPC, determinou que o Código entrasse em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, entrou em vigor dia 22 de Fevereiro de 2006. 22 O Código de Processo Civil agora aprovado aplica-se imediatamente aos processos que se encontram pendentes à data da sua entrada em vigor. 23 A aplicação do Código de Processo Civil aos processos pendentes faz-se sem quebra da harmonia processual e 5 A lei nova é aplicável, como regra, aos casos pendentes. Supõe-se que houve alteração na norma processual; o caminho indicado pela norma nova é mais adequado a solução do caso. Pressupõe-se que a norma nova seja mais perfeita que a anterior. Não há que se respeitar a época do facto ou do ato, uma vez que não se trata de direito substantivo. Contudo, é sempre salvaguarda a validade dos atos praticados no âmbito da lei anterior, conformes com a mesma.24 Assim, relativamente a uma petição inicial apresentada antes da entrada em vigor do novo CPC, a mesma é válida, ainda que não obedeça aos requisitos do art. 349º, desde que respeitasse a norma prevista para a petição inicial no Código de Processo que vigorava anteriormente. 25 Porém, todo o restante processo, nomeadamente a obrigação de elaboração de especificação e questionário, já será regulado pelo novo Código. Segundo Ferreira de Almeida, “o princípio geral a aplicar neste domínio é sempre o da aplicação imediata das leis de processo. De modo irrestrito, aos pleitos instaurados após a sua entrada em vigor e, nas próprias acções já pendentes, a todos os termos processuais subsequentes”. “O que significa que, na área do direito processual, a nova lei é de aplicar às acções futuras e, outrossim, aos actos que se vierem futuramente a praticar nas acções pendentes”.26 Seguindo José João Baptista, temos que a aplicação da lei processual se desdobra em dois aspetos: com aproveitamento do processado anteriormente, mediante as adaptações que ao juiz se afigurem adequadas e que não colidam com a celeridade processual. 24 Sobre esta matéria assumem particular relevância as disposições sobre interpretação da lei e integração de lacunas previstas nos arts. 8º a 12º do Código Civil, aprovado pela Lei nº 10/2011, de 14 de Setembro, com entrada em vigor a 12 de Março (art. 19º da Lei), que se passará a referir apenas como Código Civil em contraposição com o Código Civil Indonésio que se designará por CCI. O Código Civil Indonésio recebido como legislação nacional timorense nos termos das disposições conjugadas dos arts. 165º da Constituição da RDTL, 3º, nº 1, do Regulamento da Untaet nº 1/1999, e 1º da Lei nº 2/2002, este com a interpretação expressa pelo art. 1º da Lei nº 10/2003, de 10 de Dezembro, iniciou a sua vigência no território nacional como consequência natural da integração naquele país, iniciando-se a sua vigência de facto com a invasão, ou, pelo menos a constituição do primeiro do governo provisório de Timor-Leste em 17 de Dezembro de 1975, tendo sido formalizada a integração do território de Timor-Leste na Indonésia através da declaração do Presidente da República da Indonésia de 17 de Julho de 1976. 25 Antes da entrada em vigor do novo CPC vigorava a legislação processual indonésia (Hukum Acara Perdata - Regulamento HIR S. 1941-24) e do RGB (Regulamento S. 1927-227), então vigente no território de Timor Leste, igualmente nos termos das disposições conjugadas dos arts. 165º da Constituição da RDTL, 3º, nº 1, do Regulamento da Untaet nº 1/1999, e 1º da Lei nº 2/2002, deverá aplicar-se a legislação indonésia vigente a 25 de Outubro de 1999 (veja- se, entre outros, o acórdão do Tribunal de Recurso de 28-4-2010, processo nº 68/32003). 26 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 55. Veja-se sobre a matéria Varela, Manual de Processo Civil, págs. 45-65, Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 181-190, e Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, págs. 154-171. 6 “Primeiro, diz respeito ao futuro; a lei nova deve aplicar-se a todos os actos processuais posteriores à sua entrada em vigor. Segundo, diz respeito ao passado; a lei nova deve respeitar a validade dos actos anteriores à sua vigência”.27 2.4. Fontes e integração de lacunas Nos termos do seu art. 1º o CPC é a fonte do processo civil. Importa aqui referir que não existe neste momento qualquer outra legislação relativa ao processo judicial ou contencioso, salvo normas dispersas de contencioso administrativo, pelo que o CPC se aplica a todas as situações de resolução de conflitos ou de contencioso. Assim, verificando-se casos omissos recorre-se sucessivamente: a) À regulamentação dos casos análogos previstos neste Código; b) Aos princípios gerais do direito processual civil; c) À norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema (nº 2 do mesmo art. 1º do CPC. Importará sempre verificar se a lei oferece solução para o caso, ou seja, se a situação pode ser regulada segundo o formalismo previsto no CPC, só depois se deve recorrer à analogia ou aos princípios gerais do direito processual civil.28 A analogia não se determina pala igualdade formal das situações, mas pela identidade substancial dos fundamentos da norma jurídica aplicável.29 Verifica-se a existência de várias lacunas no CPC, nomeadamente respeitantes à regulação do processo de jurisdição voluntária30 e aos processos executivos para entrega de coisa certa ou para prestação de facto. Relativamente ao contencioso administrativo tem-se colocado a mesma questão. Assim, tem sido aplicado o CPC devidamente adaptado. Importa, contudo, ter em consideração a Lei Indonésia nº 5/1986, que cria os tribunais administrativos da Indonésia e regula o respetivo processo.31 27 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 67. 28 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 55. 29 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 44-45. 30 Sobre este assunto veja-se o acórdão do Tribunal de Recurso de 28-6-2012, processo 06/CÍVEL/2012/TR, no qual se decidiu que nos processos de jurisdição voluntária se estará numa situação de omissão que implica que a aplicação por analogia do CPC seja devidamente adaptada ao tipo de processo em questão. 31 Esta Lei deve considerar-se vigente no território de Timor Leste, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 7 3. Autodefesa e jurisdição 3.1. Proibição da autodefesa Nos termos do disposto no art. 4º do CPC a ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei. 32 A autodefesa como forma de solução de conflitos corresponde à utilização de força pelo particular para proteger direito próprio (corresponde também à ação direta). Nos casos em que a lei o exige, como por exemplo no embargo extrajudicial de obra nova, previstos no art. 334º, nº 2, do CPC, a auto-defesa carece de ser homologada ou ratificada por posterior decisão judicial.33 Antes da tutela das soluções para os conflitos e interesses jurídicos passarem para o Estado, a autodefesa era uma forma de solução de conflitos. Atualmente, apenas se pode exercer a autodefesa nos casos e dentro dos limites estabelecidos em lei. 3.2. Jurisdição A transferência da solução dos conflitos para o Estado processa-se através de um órgão dotado de jurisdição: O Poder Judiciário ou Poder Judicial. Assim, jurisdição é a função, o poder e o dever que o Estado tem de se substituir aos titulares dos interesses em conflito para decidir com imparcialidade. É a prerrogativa que tem o Poder Judiciário de aplicar o direito. Como já se referiu, nos termos do art. 118º, nº 1, da Constituição, os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. Com a finalidade de salvaguardar a paz social e a justiça, o Estado reservou para si, através de órgão próprios e 165º da Constituição da RDTL, 3º, nº 1, do Regulamento da Untaet nº 1/1999, e 1º da Lei nº 2/2002, na versão que vigorava a 25 de Outubro de 1999. 32 Nos termos do art. 28º, nº 2, a todos é garantido o direito de legítima defesa, nos termos da lei. O Código Civil, nos arts. 327º e 328º define as situações excecionais em que é legítimo o recurso à ação direta e à legítima defesa de direitos. Para além destes temos ainda o estado de necessidade (art. 330º do Código Civil), o consentimento do lesado (art. 331º do Código Civil), defesa da posse (art. 1197º do Código Civil), defesa da propriedade (art. 1235º do Código Civil) e a defesa de outros direitos reais (art. 1236º do Código Civil). 33 Veja-se Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 18-19. 8 independentes (os tribunais) a tarefa de resolução de conflitos entre particulares, ou mesmo entre os particulares e o próprio Estado.34 Assim, a função jurisdicional é exclusiva dos juízes, investidos nos termos da lei, os quais são independentes no exercício das suas funções e apenas devem obediência à Constituição, à lei e à sua consciência (art. 121º, nº 1 e 2, da Constituição). A reserva de jurisdição face às demais funções do Estado é das decisivas garantias do cumprimento do princípio da separação de poderes (art. 69º), na realização do Estado de Direito democrático (art. 1º, nº 1).35 Na definição de Remédio Marques, “A jurisdição, o poder jurisdicional consiste assim na fracção de poder estadual atribuída aos tribunais … para decidir um conflito de interesses, de uma forma independente e imparcial”.36 Face a esta reserva de jurisdição, o art. 26º da Constituição garante a todos os cidadãos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Daí que, nos termos do art. 6º do CPC nenhum juiz possa recusar-se a realizar audiência, julgar ou decidir um caso apresentado aos tribunais.37 Trata-se de manifestação da obrigação de julgar previsto no art. 7º, nº 1, do Código Civil (O tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio). Por outro lado, a todos é garantido o acesso à justiça, conforme previsto no art. 26º, nº 2, da Constituição (a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos). O direito de acesso aos tribunais inclui o direito ao patrocínio judiciário, o Estado devendo promover a igualdade dos cidadãos no acesso ao direito e aos tribunais em caso de carência de meios económicos. Em cumprimento desta exigência constitucional, a lei vem instituir a Defensoria Pública e reconhecer o direito ao patrocínio judiciário gratuito (arts. 3º e 4º do DL nº 38/2008 (Estatuto da Defensoria Pública) e, por outro lado, prevê a isenção de custas para quem for patrocinado pela Defensoria (art. 5º). 34 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 111. 35 Vasconcelos, Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, 2011, pág. 383. 36 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 21. 37 A denegação de justiça pode constituir crime, previsto e punível pelo art. 282º do Código Penal (aprovado pelo Decreto-Lei nº 19/2009, de 8 de Abril. 9 O direito de acesso ao Direito e aos tribunais decorre imediatamente da ideia de Estado de Direito e, independentemente da sua recondução a direito, liberdade ou garantia, este direito fundamental carece de conformação legal e pressupõe, sem dúvida alguma, uma dimensão prestacional a cargo do Estado.38 3.3. O direito de ação O direito de ação surge como consequência do direito de acesso aos tribunais, corolário, por sua vez, da exclusividade da jurisdição estatal. Nos termos do art. 5º, nº 2, do CPC, a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação. O direito de ação é um verdadeiro “direito subjectivo público (ou poder jurídico) de exigir que o Estado, através dos tribunais e do processo, examine a pretensão deduzida em juízo pelo autor”.39 Trata-se, portanto, de um direito irrenunciável, totalmente independente da decisão final, se vai ser ou não favorável ao autor.40 Por outro lado, o direito de ação implica o direito de o cidadão obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar (art. 5º, nº 1, do CPC). No dizer de Ferreira de Almeida, “institucionaliza-se o direito de todos a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante um processo equitativo”.41 O princípio do processo equitativo, encontra-se enunciado no art. 8º da Declaração Universal dos direitos do Homem e consagrado no art. 14° do Pacto Internacional sobre os Direito Civis e Políticos, assinado em Nova Iorque a 19 de Dezembro de 1966, e ratificado pela RDTL através da Resolução nº 3/2003, de 22 de Julho, no qual se determina: Todos são iguais perante os tribunais de justiça. Todas as pessoas têm direito a que a sua causa seja ouvida equitativa e 38 Vasconcelos, Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, 2011, pág. 383. 39 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 102. 40 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 19. 41 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 14. 10 publicamente por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido pela lei, que decidirá quer do bem fundado de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra elas, quer das contestações sobre os seus direitos e obrigações de carácter civil. O direito de acesso aos tribunais, a que se refere o n° 1 do art. 26° da Lei Fundamental, inclui imediatamente o direito de ação e de acesso a tribunais, impondo-se que estes sejam órgãos independentes e imparciais, o direito a um processo, o direito a decisão que verse sobre o mérito da causa e o direito à execução da decisão, sendo certo que tal direito pressupõe a efetividade do resultado final do processo, postulando a consagração de um sistema adequado de providências cautelares que acautele o efeito útil da ação. De resto, o direito de acesso aos tribunais deve realizar-se em processo temporalmente justo e equitativo. No que respeita especialmente ao processo equitativo, ele deve integrar o direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, com proibição de tratamento discriminatório ou arbitrário. Ele corresponde igualmente ao direito de plena defesa e ao direito ao pleno contraditório, no sentido de existir efetiva possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado dessas provas. O direito ao processo equitativo pressupõe ainda o direito a prazos razoáveis de ação e recurso, no sentido de que a prolação de sentença deve acontecer em prazo razoável, atendendo a determinados parâmetros de medição, como sejam, a complexidade/simplicidade do processo, o comportamento tido pelas partes e pelas autoridades ao longo do desenrolar do processo e à situação jurídica sobre que o mesmo versa.42 4. Tipos de jurisdição 4.1. Jurisdição contenciosa Na jurisdição contenciosa o Estado atua com o objetivo de declarar o direito para solucionar o conflito entre as partes, em razão de uma situação de incerteza. 42 Vasconcelos, Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, 2011, págs. 106-107. Sobre o processo equitativo na vertente do princípio do contraditório pronunciou-se o Tribunal de Recurso, entre outros, nos acórdãos de 13-7-2010, processo nº 07/Cível/2005/TR, 21-10-2010, processo nº 12/Agravo/Cível/2010/TR, 31-3- 2011, processo nº 02/Cível/Agravo/2011/TR, e 29-3-2012, Processo nº 03/Cível/2012/TR. 11 Seguindo Antunes Varela, “Nos processos de jurisdição contenciosa, que constituem a regra, há um conflito de interesses entre as partes (credor e devedor; proprietário e possuidor; locador e locatário; etc.) que ao tribunal incumbe dirimir, de acordo com os critérios estabelecidos no direito substantivo”. Acrescentando “Nos processos de jurisdição contenciosa, o tribunal é chamado a exercer a função (jurisdicional) própria dos órgãos judiciários, elaborando e formulando a solução concreta que decorre do direito substantivo aplicável (jus dicendum). Nos processos de jurisdição voluntária há um interesse fundamental tutelado pelo direito (acerca do qual podem formar-se posições divergentes), que ao juiz cumpre regular nos termos mais convenientes”.43 Para Remédio Marques a jurisdição contenciosa exprime a atividade jurisdicional dirigida à composição do conflito de interesses.44 No mesmo sentido Castro Mendes refere a jurisdição contenciosa tem por fim a justa composição de litígios, a voluntária tem por fim e regulamentação de situações anómalas de interesses mas que não são litigiosos.45 4.2. Jurisdição voluntária Na jurisdição voluntária, como se viu já, o Estado regula a administração pública dos interesses privados, em razão da relevância desses interesses.46 Não há necessidade de conflito.47 Nos processos de jurisdição voluntária pretende-se regular a administração pública dos interesses privados, em razão da relevância desses interesses, e não da existência de um qualquer conflito.48 Voltando à definição de Antunes Varela, “Nos processos de jurisdição voluntária a função exercida pelo juiz não é tanto de intérprete e aplicante da lei, como de verdadeiro gestor de negócios – negócios que a lei coloca sob a fiscalização do Estado através do poder judicial”. 49 Os 43 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 69-70. 44 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 102. 45 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 74. 46 Sobre as diferentes posições doutrinárias relativas à definição da jurisdição voluntária e respetiva critica, veja-se Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 120-126. 47 O que não significa que não exista, mas simplesmente que ele não é pressuposto do processo, como acontece nos casos de jurisdição contenciosa. “A distinção entre jurisdição voluntária e jurisdição contenciosa resulta, assim, não propriamente da existência ou não de controvérsia, mas da existência ou não de um litígio em sentido técnico (Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 20-23). 48 Acórdão do Tribunal de Recurso de 28-6-2012, processo 06/Cível/2012/TR. 49 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 70. 12 processos de adoção ou de regulação do poder paternal são processos de jurisdição voluntária,50 e também o serão os processos especiais de interdição e inabilitação (arts. 793º a 907º) e o processo especial de reforma de autos, documentos e livros (arts. 808º a 816º).51 Daí que a aplicação do regime do processo comum de declaração a este tipo de processos implica algumas adaptações importantes.52 Atenta a sua especial natureza, tem a jurisdição voluntária que obedecer a regras próprias um pouco diferentes das regras da jurisdição contenciosa. Nomeadamente: a) Mais intervenção do princípio inquisitório. No campo da jurisdição voluntária predomina o princípio do inquisitório sobre o do dispositivo, nomeadamente no que respeita à averiguação dos factos, em que o juiz não está limitado, como regra, aos factos articulados pelas partes, como sucede no âmbito da jurisdição contenciosa.53 Veja-se, por exemplo, o art. 803º, nº 4, do CPC. b) Menor rigor no formalismo. No acórdão do Tribunal de Recurso de 28-6-2012, decidiu-se que a falta de regulamentação do processo de jurisdição voluntária no CPC constitui uma verdadeira lacuna que importa integrar, devendo-se adaptar o processo comum de declaração a este tipo de processos. Nomeadamente, “num processo de jurisdição voluntária, como é o presente, não há verdadeiramente uma discussão e julgamento, mas apenas diligências de produção de prova, que podem incluir a inquirição de testemunhas. Nomeadamente não haverá lugar à elaboração de especificação e questionário e discussão prévia do litígio, ou seja, não há, ou não tem que haver, uma audiência de discussão e julgamento, mas apenas diligência de produção de prova.54 Ora, não havendo um litígio que imponha a discussão e julgamento da causa, também não tem aqui aplicação o disposto no art. 395º, nº 2, do CPC.55 50 Acórdão do Tribunal de Recurso de 28-6-2012, processo 06/Cível/2012/TR. 51 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 88. 52 Acórdão do Tribunal de Recurso de 28-6-2012, processo 06/Cível/2012/TR. 53 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 121. Veja-se ainda Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 71, e Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 84. 54 Por exemplo, nas providências cautelares a produção de prova também decorre sempre perante juiz singular, independentemente do valor da causa, embora a lei nada refira sobre o assunto. Isso acontece porque se entende que não se realiza uma audiência de discussão, mas apenas uma diligência de produção de prova. 55 Alberto dos Reis, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 85º, Coimbra: Coimbra Editora, págs. 3 e 17, e Alberto Baltazar Coelho, Atribuições do tribunal colectivo no julgamento da matéria de facto nas acções cíveis, Colectânea de Jurisprudência - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, tomo 1º, Coimbra: Casa do Juiz, 1994, páginas 5 e seguintes, ambos citados no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 12-3-1996, processo 088283, relator Machado Soares, in www.dgsi.pt/jstj. De facto, o juiz não declara um direito do autor em face do réu (José Maria Rosa Tesheiner, Procedimentos de jurisdição voluntária segundo o novo código civil, 13 Em conclusão, nos processos de jurisdição voluntária, como sejam os processos de adoção ou de regulação do poder paternal, não é obrigatória a intervenção do tribunal coletivo, não se verificando a nulidade prevista no art. 395º, nº 2, nos casos em que tal intervenção seja preterida”.56 Veja-se o disposto no art. 791º do CPC. c) Menor exigência de legalidade estrita a favor da melhor solução para o caso. Nos processos de jurisdição voluntária o juiz está menos sujeito aos critérios de legalidade estrita, próprios da jurisdição contenciosa, assumindo maior relevância a equidade.57 Não significa isto que o juiz não esteja vinculado à lei, mas que, perante a possibilidade de decidir de diversas formas, é livre de escolher a que entender ser a mais adequada à solução daquele caso concreto.58 d) Modificabilidade das decisões. As decisões podem ser modificadas se houver uma alteração dos pressupostos ou as circunstâncias que as determinaram.59 5. Tipos e formas do processo 5.1. Tipos de ação Estabelece o art. 3º, nº 1, do CPC, que as ações são declarativas ou executivas. Esta distinção prende-se com o fim prosseguido pelo autor. Conforme salienta Castro Mendes, “A composição de um litígio é o fim do processo; é o conteúdo do pedido que o autor ou requerente dirige ao tribunal; e é, portanto, objecto do direito que a parte exerce quando a ele recorre, exigindo a sua intervenção – direito de acção judicial, ou somente acção. Os diferentes tipos de composição de litígio dão assim origem a diferentes tipos de processos, a diferentes tipos de pedidos e a diferentes tipos de acções”.60 Assim, como a própria designação sugere, as ações declarativas destinam-se a obter a Revista Jurídica, nº 307(págs. 27 -60), Porto Alegre, Maio de 2003, pág. 44). 56 Acórdão do Tribunal de Recurso de 28-6-2012, processo 06/Cível/2012/TR. 57 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 121, e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 71-72. 58 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, págs. 84-90. 59 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 122, e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 72. 60 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 230. 14 declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto por parte do tribunal.61 As ações declarativas destinam-se a compor o conflito de interesses através de uma declaração judicial, a solução concreta do litígio, tal como ela resulta do pedido.62 Por exemplo, António considera-se proprietário de um imóvel que se encontra ocupado por Bernardo, que igualmente se considera proprietário do mesmo imóvel. Para solicitar que o tribunal declare que é ele o dono do imóvel deverá intentar uma ação declarativa. Nos termos do art. 3º, nº 3, do CPC, dizem-se ações executivas aquelas em que o autor requer as providências adequadas à reparação efetiva do direito violado. Ou seja, as ações executivas têm por finalidade a reintegração do direito violado, mediante a realização coerciva de uma prestação, que pode ter por objeto uma coisa ou um facto.63 Pretende-se com a ação executiva forçar o obrigado a cumprir uma determinada prestação já previamente determinada judicial ou extrajudicialmente, através dos meios coercivos do Estado colocados à disposição do tribunal.64 Na definição de Antunes Varela, “As acções executivas são aquelas em que, invocando a falta de cumprimento de uma obrigação constante de documento revestido de especial força probatória (título executivo), o autor (exequente) requer a efetiva reintegração do seu direito ou a aplicação das sanções correspondentes à sua violação.65 A ação executiva pressupõe, pois, a existência de um título executivo que certifique o direito do exequente (art. 668º, nº 1, do CPC). Título que tanto pode ser judicial (uma sentença transitada em julgado em que, mediante a ação declarativa se reconheceu o direito do exequente), como extrajudicial (declaração de reconhecimento de dívida feita mediante documento autêntico ou autenticado), nos termos do art. 669º, nº 1, do CPC.66 Por exemplo, se António não paga a Bernardo uma determinada dívida cuja existência não está em dúvida, por ter sido reconhecida pelo tribunal através de uma ação declarativa, ou porque 61 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 130, Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 16, e Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 70. 62 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 16. 63 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 135. 64 Vejam-se Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 16. 65 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 22. 66 Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2012, pág. 24, Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 135- 137, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 16. 15 António reconheceu a dívida mediante escritura pública,67 Bernardo pode solicitar ao tribunal o pagamento forçado (a realização coativa da prestação), nomeadamente mediante a penhora e venda de bens do António no valor necessário para obter tal pagamento.68 Segundo Lebre de Freitas, “Às acções que visam a declaração de direitos, pré-existentes ou a constitui, ou de factos jurídicos, opõem-se aquelas que, não cuidando já de os declarar, têm por fim a reparação material dos direitos violados”.69 5.2. As ações declarativas As ações declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas, tendo por fim: a) As de simples apreciação, obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto; b) As de condenação, exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito; c) As constitutivas, autorizar uma mudança na ordem jurídica existente. Para Antunes Varela, o que distingue os diversos tipos de ações declarativas é a natureza da decisão requerida do órgão judiciário. 70 a) Ações de simples apreciação: Para José João Baptista, “As ações de simples apreciação não pressupõem qualquer facto ilícito, mas apenas situações de dúvida ou incerteza que poderão vir a causar prejuízos. Estas acções, pondo termo a estas situações, contribuem para prevenir litígios e nessa medida tutelam bens jurídicos. Desempenham, assim, uma função preventiva autónoma”.71 Esclarece Alberto dos Reis, “O que caracteriza a acção de simples apreciação e a distingue da acção de condenação é a ausência de lesão ou violação do direito. A acção de condenação pressupõe um facto ilícito, isto é, que o direito já foi violado; a acção de simples apreciação é anterior à violação do direito ou tudo se passa como se o fosse. Na acção de simples apreciação não se exige do réu prestação alguma, porque não se lhe imputa a falta de cumprimento de 67 Art. 669º, nº 1, als. a) e b), do CPC. 68 Não significa isto que se consiga obter a realização coativa do direito, mas apenas que se pode solicitar ao tribunal que a tente mediante os mecanismos de que dispõe (Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 133). 69 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 13. 70 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 16. 71 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 131. 16 qualquer obrigação”.72 Não se pretende com a ação de simples apreciação a condenação do réu no cumprimento de uma qualquer obrigação, mas apenas a verificação e declaração de que um determinado facto juridicamente relevante ou um direito existem ou não existem.73 Daí que a sentença proferida em ação se simples apreciação não possa ser executada, nenhuma prestação se pode exigir ao réu uma vez que o tribunal se limita a considerar a existência ou inexistência do direito.74 A ação de simples apreciação torna-se necessária perante uma situação que impeça uma pessoa de beneficiar do pleno efeito útil normalmente proporcionado pela relação material ou que lhe cause um dano patrimonial ou não patrimonial apreciável.75 O facto cuja existência ou inexistência se pretende ver declarada tem, porém, que ser um facto jurídico e com relevância jurídica, não um facto neutral ou ajurídico (como a declaração de ter ou não chovido em determinado dia do ano).76 As ações de simples apreciação podem ser positivas ou negativas: I. Ação de simples apreciação positiva, é a que tem por fim a declaração de existência de um direito. Por exemplo, no caso de um litígio relativamente à titularidade do direito de propriedade sobre um imóvel, que não se encontra ocupado por nenhuma das partes, por exemplo por ter pertencido ao pai dos contendores e o prédio estar arrendado, pode uma delas pedir que o tribunal declare que é ele o proprietário de tal imóvel.77 72 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 21. 73 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 118, Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 13. 74 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 22. 75 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 71. 76 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 237, e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 21. 77 Como outros exemplos aponta José João Baptista a propositura de ação de simples apreciação positiva para certificar que a mercadoria fornecida por um comerciante está estragada ou que está em condições, para que se declare que um documento é verdadeiro ou que é falso (Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 131). Para Remédio Marquesm se, por exemplo, A., titular de um direito de usufruto, ou de um direito de superfície, vê colocado em questão por B. o uso e fruição do imóvel, por parte de A., embora sem que pratique quaisquer actos que o impeçam, pode o mesmo intentar ação de simples apreciação positiva para que veja reconhecido o seu direito e o consequente diteito de uso e fruição do imóvel (Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 119). Vejam-se ainda os vários exemplos apresentados por Ferreira de Almeida (Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 71-72). 17 II. Ação de simples apreciação negativa é a que tem por fim a declaração de inexistência de um direito. Por exemplo, uma pessoa que pretende vender um prédio tem dificuldade em fazê-lo porque um seu vizinho invoca que tem direito a servidão de passagem sobre o mesmo prédio, o que obviamente desvaloriza o prédio. Aquele pode então solicitar que o tribunal declare que tal servidão não existe, uma vez que a afirmação do vizinho lhe causa evidente prejuízo.78 Nos termos do art. 511º, nº 1, do CPC, nas ações de simples apreciação negativa compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga. Assim, se o vizinho da pessoa que pretende vender o prédio diz na vizinhança que tem um direito de servidão de passagem sobre tal prédio, o dono do prédio apenas que tem que alegar que tal direito não existe, e que a afirmação do vizinho lhe causa prejuízo. Já a existência do direito de servidão de passagem terá que ser provada pelo vizinho que invoca a sua existência. Como já se referiu, a relevância da incerteza jurídica, nomeadamente o prejuízo que dela resulta para o autor é elemento constitutivo do direito de ação, sendo inepta a ação em que não se alegue tal prejuízo, ou a relevância da incerteza jurídica.79 b) Ações de condenação: Segundo Antunes Varela, “Nas acções de condenação, o autor ou requerente, arrogando-se a titularidade de um direito que afirma estar sendo violado pelo réu, pretende que se declare a existência e a violação do direito e se determine ao réu a realização da prestação (em regra, uma acção, mas podendo muito bem ser uma abstenção ou omissão) destinada a reintegrar o direito violado ou a reparar de outro modo a falta cometida”.80 As ações de condenação correspondem às chamadas ações de cumprimento previstas nos arts. 751º e seguintes do Código Civil.81 Tal como acontece com as ações de simples apreciação, também aqui existe a declaração de um direito do autor, mas a esse reconhecimento segue-se a condenação do réu a reparar o direito violado ou a efetuar a prestação em dívida. Efetivamente, a ação de condenação pressupõe que já 78 Exemplo apresentado por Antunes Varela (Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 20-21). 79 Art. 155º, nº 2, al. a), do CPC. Veja-se Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 241. 80 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 17. 81 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 241. 18 foi praticado um facto ilícito (um incumprimento contratual ou um ilícito extracontratual), pressupõe que o direito já foi violado, constituindo uma reação contra essa violação, destinandose a exigir a prestação que deixou de ser prestada, ou a restauração da situação em função da violação do direito.82 Ou seja, seguindo ainda Alberto dos Reis, “A acção de condenação é também uma acção de apreciação; antes de condenar na prestação o juiz tem que apurar se o direito do autor existe. Mas a apreciação aparece aqui como meio para se chegar a um fim último: a condenação; ao passo que na acção de simples apreciação o fim único da actividade jurisdicional é a apreciação”. 83 A ação de condenação tem como finalidade obter do tribunal uma ordem, um comando destinado ao réu para que este cumpra.84 A ação não pressupõe, porém, que já se tenha verificado a violação do direito, podendo inclusivamente ser intentada apenas no pressuposto de posterior violação do direito.85 Ou seja, como explica Lebre de Freitas, “pressuposto lógico da condenação é a violação dum direito, mas não é necessário que a violação esteja consumada à data do recurso a juízo ou mesmo à data da sentença”.86 O melhor exemplo do que foi referido é constituído pela ação de reivindicação. Se uma pessoa pretende obter a entrega de um imóvel que diz pertencer-lhe e que se encontra ocupado por outra pessoa terá, antes de mais, que demonstrar que é o titular do direito de propriedade sobre tal imóvel. Só depois de tal apreciação. Ou seja, só depois de o tribunal constatar que o autor tem o direito de propriedade sobre o imóvel, poderá então condenar o réu a entregar o aludido imóvel ao autor, que era o que efetivamente o autor pretendia ao intentar a ação. Uma vez apreciado e confirmado o direito invocado pelo autor e condenado o réu a proceder à entrega do imóvel ao autor, se aquele não cumprir a ordem constante da sentença, pode o autor pedir a sua execução forçada, através do processo executivo. Segundo Remédio Marques, “As acções de condenação constituem, desta maneira, a forma 82 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 21. 83 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 22. 84 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 232.Veja-se ainda Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 240). 85 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 14, e Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 77. 86 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 25. 19 de tutela jurisdicional civil declarativa dotada de maior eficácia tendo em vista a (ulterior) realização forçada ou coactiva da prestação devida”.87 c) Ações constitutivas: Regressando à definição de Antunes Varela, “Nas acções constitutivas, o autor pretende obter, com a coadjuvação da autoridade judicial, um efeito jurídico novo, que altera a esfera jurídica do demandado, independentemente da vontade deste”.88 O que se pretende aqui não é a condenação de ninguém em qualquer tipo de prestação. Pretende-se apenas constituir uma nova relação jurídica, ou alterar ou extinguir uma situação jurídica já existente. O autor não requer a condenação do réu, na medida em que o efeito jurídico pretendido não depende da vontade do demandado. Porém, o tribunal só pode conceder a providência requerida depois de verificar, se necessário mediante julgamento, e sempre com audiência da parte contrária, se ocorrem os requisitos legalmente exigidos para o reconhecimento do direito invocado.89 Embora o exercício dos direitos potestativos não esgote o campo das ações constitutivas, estas são o meio de exercício judicial de tais direitos.90 Seguindo Lebre de Freitas, “perante o pedido de alteração das situações jurídicas das partes, o juiz, pela sentença, cria novas situações jurídicas entre elas, constituindo, impedindo, modificando ou extinguindo direitos e deveres que, embora fundados em situações jurídicas anteriores, só nascem com a própria sentença”.91 Enquanto nas ações de simples apreciação ou condenatórias se reconhece e aprecia uma situação pré- existente, a ação constitutiva cria uma situação nova.92 As ações constitutivas podem dividir- se em ações constitutivas-constitutivas, Ações 87 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 126. 88 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 18. 89 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 74-75. 90 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 19, Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 242, Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, págs. 25-26, e Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 13. 91 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 26. 92 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 23. 20 constitutivas-modificativas e ações constitutivas-extintivas.93 I. Ações constitutivas-constitutivas. Trata-se de casos em que se pretende obter a criação de uma nova situação jurídica que não existia anteriormente. Por exemplo, se o dono de um terreno não tem acesso ao mesmo, por o terreno não confrontar com qualquer caminho público, não lhe sendo concedida passagem pelo dono do terreno vizinho que confina com o caminho público, pode pedir ao tribunal que constitua uma servidão de passagem sobre o terreno do vizinho por forma a poder aceder ao seu terreno (arts. 1437º, nº 2, e 1440º, nº 1, do Código Civil).94 Neste caso, comprovada pelo tribunal a necessidade de passagem pelo prédio vizinho, independentemente da vontade do dono deste, pode o tribunal constituir uma situação jurídica nova de servidão de passagem. II. Ações constitutivas-modificativas. Trata-se de casos em que se pretende obter a modificação de uma situação jurídica já existente anteriormente. Por exemplo, o dono de um terreno onerado com uma servidão de passagem a favor do terreno vizinho, pode pedir ao tribunal que altere o lugar da servidão (o local por onde o beneficiário da servidão passa), para outro lugar onde lhe cause menos prejuízo (art. 1458º, nº 1, do Código Civil).95 Ou exemplo, ação de separação judicial de bens, nos termos do art. 1644º do Código Civil, caso em que se mantém a relação de casamento mas o regime de bens do mesmo é modificado para a separação absoluta de bens dos cônjuges. Mais uma vez, comprovados pelo tribunal os requisitos legais (a má administração do outro cônjuge), independentemente da vontade do dono deste, pode o tribunal alterar a relação jurídica do casamento. III. Ações constitutivas-extintivas. Trata-se de causos em que se pretende obter a extinção de uma situação jurídica existente. Por exemplo, o dono do prédio beneficiário da servidão não usar a mesma durante o prazo de vinte anos, o dono do prédio serviente (onerado com o direito de servidão do prédio vizinho), por pedir ao tribunal que declare a extinção da servidão (art. 1459º, nº 1, al. b), do Código Civil).96 Numa ação de divórcio também se extingue a relação de casamento (art. 1664º do Código Civil).97 Para Alberto dos Reis e José João Baptista, a ação de 93 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 134, e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 19. 94 Veja-se os arts. 674º e 695º do CCI. 95 Veja-se o art. 692º do CCI. 96 Veja-se o art. 707º do CCI. 97 Veja-se o art. 707º do CCI. 21 divórcio é simultaneamente extintiva do casamento e igualmente constitutiva do estado de divorciado.98 5.3. Formas de processo declarativo Nos termos do art. 347º, nº 1, do CPC, o processo de declaração pode assumir a forma comum ou especial. Mais se acrescenta no nº 2 do mesmo artigo que o processo comum é utilizado em todos os casos a que a lei não faça corresponder expressamente a forma de processo especial. Ou seja, o processo comum aplica-se a todos os casos não especificados na lei como correspondentes aos processos especiais. O processo comum constitui, pois, a regra, aplicando-se a todos os casos para os quais não está previsto nenhum processo especial. 99 Assim, para se determinar em certo caso se deve usar processo especial ou o processo comum, deve utilizar-se, portanto, o seguinte método: vê-se, sobretudo no CPC, mas também em leis avulsas, se algum tipo de processo se encontra especialmente previsto para regular a situação em causa, caso não exista aplica-se o processo comum.100 Ou seja, o processo comum constitui a regra, enquanto o processo especial constitui a exceção.101 Assim, os processos especiais são aplicáveis apenas aos casos expressamente previstos em lei, são excecionais e taxativos (especificados na lei).102 São os seguintes os processos especiais previstos no CPC (art. 790º): a) Interdição e inabilitação b) Reforma de autos, documentos e livros; c) Prestação de caução; d) Divórcio e Separação de pessoas e bens; e) Prestação de alimentos; f) Revisão de sentença estrangeira; g) Inventário; h) Ação de indemnização contra magistrados. 98 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 23, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 134. 99 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 249. 100 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 249. 101 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 68. 102 Sobre o assunto veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2012, págs. 285-296. 22 A lei pode ainda criar expressamente outros processos especiais, para além dos previstos no CPC. Os processos especiais regulam-se por normas próprias e, subsidiariamente, pelas normas do processo comum de declaração (art. 348º do CPC). Sendo omissas essas normas, aplica-se o que dispõe o art. 1º, nº 2, do CPC). 5.4. As ações executivas Como já se referiu, a ação executiva visa a realização coerciva (forçada) do direito já reconhecido ou declarado. Toda a execução tem por base um título (o título executivo) que determina os seus fins e limites (art. 668º, nº 1, do CPC). Ou seja, a execução não pode exceder o que consta do título, nem se pode executar coisa diversa do que consta do título. A ação executiva tem uma única forma de processo: o processo comum de execução (art. 666º do CPC). Porém, de acordo com o seu fim, a ação executiva (execução) pode destinar-se (art. 668º, nº 2, CPC): a) ao pagamento de uma quantia certa (por exemplo, a execução decorrente de uma sentença que condenou o réu no pagamento da quantia de $1000,00 USD); b) a entrega de coisa certa (por exemplo, a execução decorrente de uma sentença que condenou o réu a entregar uma determinada casa); ou c) a prestação de um facto positivo ou negativo: Facto positivo: por exemplo, a execução decorrente de uma sentença que condenou o réu a realizar uma reparação numa casa: Facto negativo: por exemplo, a execução decorrente de uma sentença que condenou o réu a demolir uma casa. O elemento diferenciador, o que distingue os diversos tipos de ação executiva é, pois, o fim da execução ou natureza da obrigação exequenda. 103 103 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 121. 23 Sem dúvida que o processo executivo para pagamento de quantia certa é o mais comum e o mais importante, quer por ser a mais frequente, quer por nela se converterem com frequência as execuções para entrega de coisa certa ou para prestação de facto. 104 Porém, a falta de regulamentação específica para o processo executivo para entrega de coisa certa ou para prestação de facto traz sérias dificuldades aos intervenientes processuais, nomeadamente ao juiz, uma vez que, conforme alerta Castro Mendes, “a classificação das execuções pelo fim tem profunda repercussão nas suas respectivas formas, na marcha por que se desenvolvem”.105 Efetivamente, o processo comum de execução foi forjado para a execução para pagamento de quantia certa, pelo que não é possível encontrar no CPC, nas normas que regulam o processo executivo, o procedimento a adotar para obter a entrega forçada de uma coisa ou a prestação de um facto, seja positivo, seja negativo. Assim, afigura-se adequado a adoção dos procedimentos previstos no Decreto-Lei nº 32/2008, de 27 de Agosto, sobre Procedimento Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 1º, nº 2, als. b) e c), do CPC. Efetivamente, este diploma prevê expressamente nos seus arts. 66º e 67º regras próprias para a execução para entrega de coisa certa e para prestação de facto que faz todo o sentido sejam seguidas nas execuções em processo civil, com as necessárias adaptações. Como processo executivo especial temos no ordenamento jurídico nacional o processo de execução por custas e multa, previsto nos arts. 69º a 76º do Código das Custas Judiciais.106 6. Princípios de processo civil 6.1. Conceito e relevância Nos termos do art. 1º, nº 2, al. b), do CPC, uma das formas de integração das lacunas da lei processual civil é o recurso aos princípios gerais da lei processual civil. Os princípios de processo civil são resultantes das opções, ou as valorações político- 104 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 99. 105 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 273. 106 Aprovado pelo Decreto-Lei nº 16/2011, de 13 de Abril. 24 legislativas que em certo momento prevalecem no ordenamento jurídico.107 Como é óbvio, não existe uniformidade de opiniões na doutrina sobre quais são os princípios mais relevantes do direito processual civil. Procurar-se-á, portanto fazer uma síntese das várias posições doutrinais sobre a matéria. Segundo Bento Herculano Neto, “os princípios jurídicos fundamentam todos os compartimentos do direito, de modo a se tornarem alicerce das mais diversas construções legislativas. Os princípios, também na ciência jurídica, funcionam como a moldura que enquadra a obra, limitando-a e complementando-a, simultaneamente e com uma importância muitas vezes não enxergada”. Torna-se, por isso, imperioso estudar os princípios que alicerçam o direito processual civil, “pois são eles que delineiam as opções tomadas pelo legislador, tanto no plano constitucional como no infraconstitucional.108 6.2. Princípio do dispositivo A primeira regra do direito processual civil está contida no art. 7º do CPC (princípio do pedido), nos termos do qual o tribunal não pode conhecer de qualquer litígio entre as partes, sem que tal lhe tenha sido pedido por uma delas. Este pedido faz-se, como é óbvio, através da petição inicial ou requerimento inicial. Segundo Ferreira de Almeida, “O processo só se inicia sob o impulso ou iniciativa da parte (autor, requerente, exequente), através do respetivo pedido (disponibilidade do início do processo) e não sob o impulso do juiz.109 Trata- se de manifestação do princípio da livre disponibilidade dos direitos subjetivos. Se o titular de um direito real, por exemplo, pode dele dispor livremente, pode igualmente não se opor a que outra pessoa usufrua do seu bem, ainda que sem o seu consentimento.110 O princípio do dispositivo tem consagração expressa no art. 220º, nº 1, do CPC, que estatui 107 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 193-194, e Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, pág. 15. 108 Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito, 2009, págs. 23-24. 109 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 238. 110 Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, págs. 25-27, Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, págs. 121-128, e Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito, 2009, pág. 64. 25 que a iniciativa e o impulso processual incumbe às partes. 111 Ou seja, as partes devem não só pedir a resolução do litígio ao tribunal, como igualmente ficam obrigada a impulsionar o processo, formulando os requerimentos necessários ou legalmente exigidos para o decurso normal deste.112 Por outro lado, ainda nos termos do art. 7º do CPC, o tribunal só pode resolver os litígios entre as partes dentro dos limites do pedido formulado.113 Assim, o juiz não pode condenar em objeto diferente do pedido e para além do que foi pedido (art. 409º, nº 1, do CPC), sob pena de nulidade da decisão (art. 416º, nº 1, al. e), do CPC). Ou seja, o pedido delimita o objeto da ação. No dizer de Bento Herculano Neto, “o princípio do dispositivo está consubstanciado, inicialmente, pela necessidade de provocação da jurisdição e pela limitação do juiz à chamada litiscontestatio”.114 Daí que, se faltar ou for ininteligível o pedido a petição é inepta sendo nulo todo o processo (arts. 155º, nº 2, al. a), e 349º, nº 1, al. e), do CPC). Para José João Baptista o princípio do dispositivo comporta as seguintes consequências: “- o processo só se inicia mediante impulso da parte que apresenta a petição inicial (autor)”, conforme o art. 7º do CPC; “- as partes é que definem o objecto do processo, ou seja, a matéria da causa a decidir pelo tribunal; “- o desenvolvimento do processo tem de ser continuamente estimulado pelas partes; “- as partes podem por termo ao processo (desistência da instância) e determinar o conteúdo da sentença de mérito (confissão do pedido, transacção e desistência do pedido) ”, conforme art. 245º do CPC; 111 Como se pode ver pela leitura do art. 220º, o CPC não faz qualquer distinção entre o princípio do dispositivo e o princípio do pedido, considerando ambos como dispositivo, embora a doutrina diferencie os mesmos com frequência (Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito, 2009, pág. 66). 112 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 196-197. 113 Pedido é a pretensão formulada pelo autor na petição inicial. 114 Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito, 2009, pág. 64. Veja-se ainda Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 6. 26 “- ao juiz não é consentido indagar, de modo autónomo, a verdade dos factos, pelo que o processo se restringe aos factos alegados pelas partes”.115 Como manifestações deste princípio temos, assim, que o juiz não pode conhecer de factos que não tenham sido alegados pelas partes (art. 412º do CPC), nem podendo condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (art. 409º do CPC). Com o princípio do dispositivo liga-se o princípio da auto-responsabilidade das partes, segundo o qual, na definição de José João Baptista, “as partes são as responsáveis pela boa ou má condução do processo, visto que o processo nasce e desenvolve-se por sua iniciativa e no seu interesse”.116 Conforme salienta Ferreira de Almeida, “Competindo às partes o accionamento dos correspondentes meios de ataque e de defesa, serão também elas a suportar as consequências negativas as suas eventuais omissões ou inércia, ou seja, uma decisão de sentido desfavorável às suas pretensões ou posições”.117 Por exemplo, se a parte não apresentar alegações do recurso que interpôs no prazo legal, o mesmo é considerado deserto, dicando sem efeito (art. 243º, nº 2, do CPC). Assim, temos o princípio da preclusão que impede a parte de exercer certo direito ou de alegar certos factos ou direito se não o fizer nos prazos especialmente consignados para o efeito.118 Será o caso de o réu deixar decorrer o prazo perentório para a presentar a contestação, que o impede de o fazer posteriormente. 6.3. Princípio do inquisitório O princípio do inquisitório expressa a possibilidade do juiz intervir ativamente na condução do processo por forma a alcançar a verdade material e, consequentemente, a decisão mais justa para o caso. 115 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 74. Veja-se igualmente Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, págs. 183 a 190. 116 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 75. 117 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 245. Veja-se ainda Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, págs. 43-47. 118 Veja-se Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, págs. 145-14, Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, págs. 100-101, Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 256-262, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 201. 27 O princípio do dispositivo, embora assuma um caráter preponderante no direito processual civil, tem importantes limitações, nomeadamente consagradas no próprio art. 220º do CPC. Assim, nos termos do nº 3 do referido art. 220º, o juiz tem o poder de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade, quando aos factos que lhe é lícito conhecer.119 O princípio do inquisitório que tem particular relevância na instrução do processo. No dizer de José João Baptista, “Segundo este princípio o processo não deve estar na total disposição da vontade das partes, mas sim da vontade do juiz”.120 O juiz tem liberdade de instrução do processo, cabendo às partes o dever de colaborar na descoberta da verdade material (art. 221º do CPC).121 Consagra-se, assim, o princípio da prevalência da verdade material sobre a verdade formal.122 Como exemplos do princípio do inquisitório, entre muitos outros, temos o art. 521º (inquirição oficiosa das partes), o art. 575º (inquirição oficiosa de testemunhas), o art. 220º (produção oficiosa de provas), o art. 27º (regularização oficiosa do processo). Outra manifestação deste princípio encontra-se no art. 222º do CPC, nos termo do qual cumpre ao juiz remover os obstáculos que se oponham ao andamento regular da causa, quer recusando o que for impertinente ou meramente dilatório, quer ordenando o que se mostrar necessário para o seguimento do processo. Consagra-se aqui a direção formal do processo pelo juiz que o conduz da forma que tecnicamente e de acordo com a sua estrutura interna se afigure mais correto. 123 O princípio do inquisitório tem, porém, como se vê, menor relevância, não sendo frequente a intervenção oficiosa do juiz na marcha do processo, uma vez que são a próprias parte quem tem 119 Relembre-se que o juiz só pode conhecer dos factos alegados pelas partes, não podendo oficiosamente usar outros factos para fundamentar a sua decisão (412º do CPC). 120 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 75. 121 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 138. 122 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 239. 123 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 141. 28 interesse na apresentação da prova necessária à procedência da sua pretensão. 124 6.4. Princípio do contraditório O princípio do contraditório traduz a garantia de cada uma das partes de efetiva participação em todos os atos do processo (art. 8º do CPC). Princípio estruturante do processo civil, o princípio do contraditório consiste na possibilidade que é concedida a ambas as partes de influenciarem a decisão judicial.125 Assim, a parte deve ser sempre ouvida antes de tomada qualquer decisão no processo que a possa afetar. Deve ser sempre dada oportunidade à parte, contra quem é formulado um pedido, invocado um argumento ou produzida uma prova, de se pronunciar, não sendo proferida qualquer decisão antes de tal acontecer. Ou seja, relembra-se, a possibilidade concedida às partes de influenciarem a decisão do tribunal. O juiz não pode decidir quaisquer questões de facto ou de direito, sem as partes tenham tido oportunidade de se pronunciarem sobre essas questões126 (exceto se tal for expressamente consentido por lei, como pode ocorrer com algumas providências cautelares).127 Para além da possibilidade de a parte poder responder aos argumentos da outra parte, ela pode ainda pronunciar-se sobre a legalidade ou admissibilidade do pedido formulado pela parte contrária (nomeadamente na produção de prova). Segundo Lebre de Freitas, “Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma concepção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.128 O princípio do contraditório enquadra-se no princípio do processo equitativo, enunciado no art. 14º do Pacto Internacional sobre os Direito Civis e Políticos, assinado em Nova Iorque a 19 124 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 139. 125 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, págs. 96-97. 126 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 199. 127 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 196 (o princípio não é absoluto, comportando exceções). 128 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, págs. 7-8. 29 de Dezembro de 1966, e ratificado pela RDTL através da Resolução nº 2/2003, de 22 de Julho. O Supremo Tribunal da Áustria declarou que o direito de contraditório é um princípio tão fundamental que qualquer omissão do mesmo resulta na nulidade do processo (caso OGH, 8 0b 333/98y de 28.1.1999).129 O princípio do contraditório funciona como essencial garante da ampla defesa (princípio da ampla defesa) e até da igualdade processual, devendo o juiz zelar pela igualdade de oportunidade de impugnação, pelos interessados, a tudo que ingresse nos autos.130 Daí que o princípio do contraditório enforme todo o processo civil e esteja presente em todas as fases processuais.131 Manifestação deste princípio encontra-se na obrigatoriedade de a secretaria notificar oficiosamente a parte contrária de todos os requerimentos apresentados pela outra, a menos que o juiz entenda diferentemente e deva pronunciar-se previamente (como acontece nas providências cautelares), bem como ambas as partes de todos os despachos proferidos no processo, sempre com cópia dos requerimentos ou dos despachos, nos termos dos arts. 190º, nº 2 e 3, e 191º, nº 2, e 3, do CPC.132 Outro exemplo, a parte tem o direito de contraditar a prova apresentada pela outra parte, mas também pode opor-se à própria admissibilidade da prova requerida pela parte contrária, pelo que os requerimentos de prova a produzir em julgamento devem ser sempre notificados à parte contrária.133 Outra manifestação do princípio do contraditório é o princípio da audiência contraditória, consagrado no art. 504º do CPC. 6.5. Princípio da igualdade das partes O princípio da igualdade das partes encontra-se especialmente previsto no art. 9º do CPC, o 129 Acórdão do Tribunal de Recurso de 21-10-2010, Processo nº 12/Agravo/Cível/2010/TR. 130 Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito, 2009, pág. 68. 131 Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, pág. 63, e Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, págs. 194-196. 132 Veja-se Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 402. 133 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 249-250. 30 qual prescreve: O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa, na aplicação de cominações ou de sanções processuais, e garantindo a assistência técnica pela Defensoria Pública nos termos da lei.134 Assim, juiz tem o poder/dever de tomar todas as medidas necessárias a que efetivamente se assegure este princípio. Trata-se de um reflexo do princípio da igualdade, consagrado no art. 16º da Constituição, e do princípio do processo equitativo consagrado no já analisado art. 14° do Pacto Internacional sobre os Direito Civis e Políticos. Conforme salienta Remédio Marques, “Este princípio processual decorre naturalmente da ideia de contraditório. E serve ele para exprimir a ideia de que, ao longo de todo o processo, as partes devem ser tratadas à luz de um estatuto de igualdade substancial (mesmo que haja uma desigualdade de meios económicos ou desigualdade de poder no tráfego jurídico)”.135 A possibilidade de intervenção da Defensoria Pública visa precisamente obviar a que a desigualdade económica possa afetar o princípio da igualdade das partes. Segundo José João Baptista, através deste princípio “procurou-se conceder uma certa protecção aos mais desfavorecidos economicamente, pois a igualdade não deve ser apenas jurídica mas também prática”.136 Contudo, o princípio da igualdade das partes não contende (nem pode contender) com o dever de imparcialidade do tribunal.137 Tal como se sublinhou no Acórdão do Tribunal Constitucional de Portugal nº 358/98, “o processo de um Estado de direito (processo civil incluído) tem, assim, de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade”. 138 E, por isso, cada 134 A assistência das partes em processo civil pela Defensoria Pública encontra-se regulamentada no Estatuto da Defensoria Pública Decreto-Lei nº 38/2008, de 29 de Outubro. 135 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 199. Veja-se ainda Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, págs. 105-106. 136 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 76. 137 Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito, 2009, págs. 41-42. 138 Acórdão de 12-5-1998, relator Messias Bento, publicado no Diário da República, 2ª série, de 17 de Julho de 1998. 31 uma das partes há-de, pois, poder expor as suas razões perante o tribunal (princípio do contraditório). E deve poder fazê-lo em condições que a não desfavoreçam em confronto com a parte contrária (princípio da igualdade de armas). 139 A vinculação da jurisdição ao princípio da igualdade, mais do que significar igualdade de acesso à via judiciária, significa igualdade perante os tribunais, de onde decorre que as partes têm de dispor de idênticos meios processuais para litigar de idênticos direitos processuais. O processo civil tem estrutura dialética ou polémica, pois que assume a natureza de um debate ou discussão entre as partes. E estas (repete-se) devem ser tratadas com igualdade. Para além do princípio do dispositivo ou da livre iniciativa e do ditame da livre apreciação das provas pelo julgador constituem, assim, traves mestras do processo o princípio do contraditório e o da igualdade das partes (igualdade de armas). O princípio do contraditório (audiatur et altera pars), enquanto princípio reitor do processo civil, exige que se dê a cada uma das partes a possibilidade de deduzir as suas razões (de facto e de direito), de oferecer as suas provas, de controlar as provas do adversário» e de «discretear sobre o valor e resultados de umas e outras. 140 Os princípios da igualdade das partes e do contraditório assumem dignidade constitucional por derivarem do princípio do Estado de direito.141 6.6. Princípio da legalidade Segundo o princípio da legalidade a tramitação do processo deve obedecer ao que consta do CPC, não podendo o juiz ou as partes decidir livremente quais os trâmites que o processo deve seguir. Daí que a preterição de formalidades essenciais impostas pela lei processual ou a prática de atos não admissíveis segundo a lei possa conduzir à nulidade dos atos do processo.142 Nos termos do art. 107º, nº 1, do CPC, A forma dos diversos atos processuais é regulada pela 139 Acórdão do Tribunal Constitucional de Portugal, nº 88/2003, de 14-2-2003, relatora Maria dos Prazeres Beleza, publicado no Diário da República, 2ª série, de 24 de Maio de 2003. 140 Acórdão do Tribunal Constitucional de Portugal, nº 249/97, de 18- 3-1997, relator Messias Bento, publicado no Diário da República, 2ª série, de 17 de Maio de 1997, citando Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, I, Coimbra, 1956, pág. 364. 141 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 253. 142 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 79. Veja-se ainda Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, págs. 162-164. 32 lei que vigore no momento em que são praticados. No dizer de Castro Mendes, estamos perante uma forma de processo rígida.143 6.7. Princípio da celeridade processual Segundo Lebre de Freitas, “O entendimento do direito de acesso à justiça como direito efectivo à jurisdição implica ainda que a resposta judicial à pretensão deduzida tenha lugar em prazo razoável, pois uma decisão ou uma providência executiva tardia pode equivaler à denegação de justiça”.144 Nos termos do art. 6º do CPC, nenhum juiz pode recusar-se a realizar audiência, julgar ou decidir um caso apresentado aos tribunais em conformidade com as disposições deste Código.145 Ou seja, constitui denegação de justiça a falta de resposta à pretensão. Embora se trate essencialmente de atender ao interesse do autor (ou do réu reconvinte), o réu também pode ter prejuízo com o prolongar indevido do processo, face à situação de indefinição que acarreta.146 Contudo, o princípio da celeridade processual não pode por em causa a necessidade de ponderação, que exige o tempo necessário à averiguação completa da verdade e à análise da relação jurídica controvertida.147 A violação do princípio da prolação de decisão em prazo útil pode fazer incorrer o Estado em obrigação de indemnizar a parte que sofra prejuízos com tal atraso, nos termos do art. 435º do Código Civil.148 Efetivamente, a utilidade económica e a consistência jurídica da decisão do tribunal podem ficar seriamente comprometidas com a demora da decisão.149 6.8. Princípio da economia processual Relacionado com o princípio da celeridade processual, impõe o art. 102º do CPC que não é 143 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 34. Nos sistemas de common law a regra é a da forma de processo flexível (determinada pelo juiz ou pelas próprias partes). 144 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 111. 145 A denegação de justiça dolosa ou com negligência grosseira constitui crime, nos termos do art. 282º do Código Penal. 146 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 111. Veja-se ainda Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, págs. 185-186. 147 Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, pág. 186, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 78. 148 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, págs. 112-113. 149 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 266. 33 lícito realizar no processo atos inúteis, incorrendo em responsabilidade disciplinar os funcionários que os pratiquem, acrescentando-se no art. 103º, nº 1, que os atos processuais terão a forma que, nos termos mais simples, melhor corresponda ao fim que visam atingir. Por outro lado, as partes tem, porém, o dever de, conscientemente, não requerer diligências meramente dilatórias (art. 220º, nº 2, do CPC), devendo o juiz remover os obstáculos que se oponham ao andamento regular da causa, quer recusando o que for impertinente ou meramente dilatório, quer ordenando o que se mostrar necessário para o seguimento do processo (art. 222º do CPC). O princípio da economia processual exige que cada processo resolva o maior número possível de litígios (economia de processos), daí a possibilidade de coligação para a apreciação de diversos litígios (diversas relações jurídicas) conexos (art. 34º do CPC), ou a possibilidade de dedução de reconvenção (uma pretensão do réu deduzida contra o autor na mesma ação intentada por este contra aquele), prevista no art. 229º do CPC, para além das diversas situações de suprimentos de irregularidades processuais previstas na lei processual. Por outro lado, o princípio da economia processual impõe que o processo comporte apenas os atos e formalidades indispensáveis ou úteis para o fim que se pretende, como se referiu supra (economia de atos e formalidades).150 Ou seja, o princípio da simplificação, na expressão de Martins Leitão.151 O art. 224º do CPC consagra o princípio da estabilidade da instância estipulando que, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação previstas na lei. Este princípio contém inúmeras exceções, expressamente previstas no CPC, como a modificação quanto às pessoas, mediante os incidentes de habilitação ou de intervenção de terceiros (arts. 225º a 227º), 152 quanto ao pedido e causa de pedir mediante alteração ou ampliação do pedido ou da causa de pedir, ou mediante dedução de reconvenção (arts. 228º e 229º do CPC). 6.9. Princípio do juiz natural A competência do Tribunal fixa-se com a interposição e distribuição da ação, não podendo ser criados Tribunais Especiais para a apreciação de uma ação em concreto. Se a ação foi 150 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 163, e Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 264-266. 151 Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, págs. 191-193. 152 O incidente de habilitação encontra-se previsto nos arts. 295º a 301º e o incidente de intervenção de terceiros encontra- se previsto nos arts. 271º a 285º. 34 proposta em Tribunal competente, segundo a lei então em vigor, esse Tribunal continuará a ser competente para julgar a ação até final. A independência dos tribunais articula-se e complementa-se com a garantia da independência dos juízes (art. 121º, nº 2, da Constituição) no exercício da função jurisdicional de que são os únicos titulares (art. 121º, nº 1, da Constituição), a garantia da inamovibilidade (art. 121º, nº 3, da Constituição) que reserva ao Conselho Superior da Magistratura a nomeação, colocação, transferência, promoção e ação disciplinar (art. 128º da Constituição) e, por fim, a garantia da irresponsabilidade “pelos seus julgamentos e decisões” (art. 121º, nº 4, da Constituição).153 Daqui não resulta que não possa haver a substituição do juiz titular do processo desde que tal substituição resulte do normal funcionamento dos tribunais, como em resultado de movimento de juízes no âmbito do movimento judicial, ou no caso de exoneração, doença prolongada ou falecimento do juiz. O que não se pode é afastar o juiz para que determinado processo seja entregue a outro juiz. Segundo Bento Herculado Duarte Neto, “Este princípio também é inerente à jurisdição, configurando uma garantia em prol do cidadão, de forma a que seja protegido em face de eventual parcialidade judicial”.154 Nos termos do art. 123º, nº 2, da Constituição, são proibidos os tribunais de exceção e os tribunais especiais para certo tipo de julgamentos.155 Manifestação deste princípio encontra-se na forma de distribuição dos processos, por meio de sorteio, conforme imposto pelos arts. 178º, nº 1, e 179º, nº 1, do CPC. 6.10. Princípio do duplo grau de jurisdição O princípio do duplo grau de jurisdição consiste na possibilidade de as decisões dos tribunais poderem ser apreciadas, do ponto de vista da matéria de facto e da matéria de direito, por um tribunal superior. Ou seja, a possibilidade de as decisões dos tribunais de primeira instância serem objeto de recurso. 153 Vasconcelos, Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, 2011, pág. 385. 154 Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito, 2009, pág. 42. 155 Embora a Constituição se refira ao julgamento de causas de natureza criminal, o mesmo princípio vigora para o processo civil. 35 Este princípio encontra-se genericamente consagrado no art. 428º, nº 1, do CPC (é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei). Porém, como acontece com a maioria dos princípios processuais, também comporta exceções. Assim, só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal (arts. 428º, nº 2, e 917º, nº 1, do CPC).156 Seguindo Segundo Bento Herculado Duarte Neto, “O duplo grau de jurisdição consiste numa garantia concedida ao jurisdicionado, destinada a lhe propiciar uma maior segurança. … a competência recursal é exercida, por excelência, por órgãos colegiados, o que implica em tese, em uma melhor apreciação da matéria”.157 6.11. Princípio da cooperação O princípio da cooperação, com expressão nos arts. 221º e 506º, nº 1, do CPC, impõe a cooperação de todos os intervenientes no processo, incluindo aqueles que não são parte (como testemunhas, peritos, etc.), de boa fé, para a descoberta da verdade material, sob pena de serem condenados em multa (art. 506º, nº 2, do CPC). 158 No dizer de Ferreira de Almeida, “Trata-se, no fundo, de uma directriz ou, se se quiser, de uma ‘regra programática’, orientadora da conduta processual, não apenas dos magistrados, como também dos mandatários judiciais e das próprias partes”.159 Apontando os fins pretendidos com este princípio refere Lebre de Freitas: “O apelo à realização da função processual aponta para a cooperação dos intervenientes no processo no sentido de nele se apurar a verdade sobre a matéria de facto e, com base nela, se obter a adequada decisão de direito. O apelo ao prazo razoável aponta para a sua cooperação no sentido de, sem dilações inúteis, proporcionarem as condições para que essa decisão seja proferida no menor período de tempo compatível com as exigências do processo, ou, na acção executiva, para que 156 A alçada dos tribunais de primeira instância encontra-se fixada, neste momento, em mil dólares americanos (art. 917º, nº 1, do CPC). 157 Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito, 2009, pág. 54. 158 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 202. Veja-se ainda Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, págs. 205-206. 159 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 288. 36 tenham lugar com brevidade as providências executivas. No primeiro sentido, poder-se-á falar duma cooperação em sentido material; no segundo, duma cooperação em sentido formal”.160 Contudo, como lembra Ferreira de Almeida, “O dever de cooperação tem, porém, como limites fundamentadores de recusa legítima: por um lado, o limite absoluto do respeito pelos direitos fundamentais, tais como o direito à integridade pessoal, o direito à reserva da vida privada e familiar e o direito à inviolabilidade do domicílio, da correspondência e das telecomunicações” (art. 30º, nº 1, 36º e 37º, nº 1, da Constituição); “por outro, o respeito pelo direito ou dever der sigilo (sigilo profissional e religioso, sigilo dos funcionários públicos e segredo de Estado), salva a possibilidade de escusa em caso de colisão de deveres”.161 Consequência do princípio da cooperação é a proibição da má fé processual, prevista no art. 662º do CPC. Esclarece o nº 2 deste preceito: Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a)Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b)Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c)Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d)Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. 6.12. Princípios relativos à prova 6.12.1. Princípio da aquisição processual O princípio da aquisição processual, consagrado no art. 502º do CPC, constitui manifestação do princípio da verdade material, consagrando que no julgamento da matéria de facto o tribunal deve considerar e atender a todas as provas produzidas nos autos, ainda que estas aproveitem à parte contrária relativamente a quem as apresentou.162 Ou seja, toda a prova apresentada fica adquirida no processo, sendo validamente utilizável na decisão final, independentemente de quem a tenha produzido.163 Concretizando, acrescenta Martins Leitão, “a parte apresentante não 160 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 150. 161 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 290. 162 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 207- 208. 163 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 277-278. 37 pode renunciar às provas que juntou aos autos.164 Embora os factos tenham que ser alegados pelas partes (art. 412º do CPC) o juiz pode ordenar quaisquer diligências de prova que se afigurem necessárias ao apuramento de tais factos (art. 220º, nº 3, do CPC), podendo, por maioria de razão, usar todas as provas que se encontrem no processo, independentemente de quem as apresentou. No entanto, ainda que não tenham sido alegados pelas partes, pode ainda o juiz considerar os factos notórios e instrumentais, tal como previsto no art. 391º do CPC. 6.12.2. Princípio da livre apreciação No direito processual civil timorense vigora o princípio da livre apreciação da prova. Nos termos do art. 503º do CPC, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal. No mesmo sentido veja-se o art. 403º, nº 1, do CPC. Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.165 Na definição de Lebre de Freitas, “o princípio da livre apreciação da prova significa que o julgador deve decidir sobre a matéria de facto da causa segundo a sua convicção, formada no confronto dos vários meios de prova”.166 A livre apreciação da prova e o grau de discricionariedade implícito na formação do juízo e valoração do julgador não se confunde, porém, com o mero arbítrio.167 A livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser nunca puramente subjetiva ou emotiva, e, por isso, há-de ser fundamentada, racionalmente objetivada e logicamente motivada, de forma a susceptibilizar controlo. 164 Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, pág. 130. 165 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 274-275. 166 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 165. 167 Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, pág. 122. 38 Como exceções a este princípio pode-se invocar o valor probatório pleno dos documentos autênticos e a limitação de prova à prova documental, previstos respetivamente nos arts. 581º, nº 1, e 578º, nº 1, do CPC. Daí que, nos termos do art. 401º, nº 2 e 3, do CPC, a matéria de facto seja decidida por meio de acórdão ou de despacho, consoante o julgamento incumbir a tribunal coletivo ou a juiz singular, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.168 Ou seja, conforme refere Miguel Teixeira de Sousa, “O tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão, fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente”.169 6.13. Princípios relativos à audiência e produção de prova 6.13.1. Princípio da imediação Segundo o princípio da imediação, os atos de produção de prova devem ter lugar perante o tribunal a que compete o julgamento da decisão de facto, nisto consistindo o princípio da imediação.170 Veja-se neste sentido o disposto no art. 400º, nº 3, do CPC. Como já se referiu, nos termos do art. 401º, nº 2 e 3, do CPC, a matéria de facto seja decidida por meio de acórdão ou de despacho, consoante o julgamento incumbir a tribunal coletivo ou a juiz singular, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. Acrescenta- se no art. 555º, nº 1, do CPC, que as testemunhas depõem na audiência final. Segundo Martins Leitão, “o princípio da imediação consiste no contacto directo entre o 168 Trata-se de manifestação da obrigatoriedade do juiz fundamentar todas decisões judiciais imposta pelo art. 123º, nº 1, do CPC. 169 Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, 2ª ed., Lex Editora, Lisboa, 1997, pág. 348, citado no acórdão do Tribunal de Recurso de 21-10- 2010, processo nº 12/Agravo/Cível/2010/TR. 170 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 155. 39 julgador (quem decide a acção), as partes e as testemunhas (quem fornece os principais elementos de prova que interessam à decisão)”.171 Seguindo Ferreira de Almeida, “O princípio da imediação decorre logicamente dos princípios da prossecução da verdade material e da livre apreciação das provas, uma vez que ambos reclamam um contacto directo (imediação) do tribunal com os diversos intervenientes no processo e com a respectiva actividade alegatória/probatória, com vista a proporcionar ao julgador uma melhor apreciação, ou seja, um juízo mais correcto acerca da veracidade ou falsidade de uma dada afirmação ou alegação fácticas”.172 Efetivamente, o contacto direto entre o juiz e as testemunhas permite ao juiz fazer perguntas que entenda pertinentes e não formuladas pelas partes, nomeadamente para aferir a própria credibilidade da testemunha, analisar a reação desta (por vezes meramente facial ou gestual) às perguntas ou ao desenrolar do depoimento, o que não seria possível perante por exemplo, prova escrita.173 Como exceção a este princípio temos as situações previstas no já referido art. 555º, nº 1, do CPC. 6.13.2. Princípio da concentração Nos termos do art. 404º, nº 2, do CPC, a audiência é contínua, só podendo ser interrompida por motivos de força maior, por absoluta necessidade ou nos casos previstos no nº 4 do artigo 398º, no nº 2 do artigo 399º e no nº 2 do artigo 402º. Em cumprimento dos princípios da economia processual e da imediação, o princípio da concentração impõe que os atos processuais de produção de prova se realizem seguidamente e com o menor intervalo de tempo possível entre eles.174 O princípio da continuidade da audiência implica que todos os atos de produção de prova se realizam durante uma única audiência de discussão e julgamento e que esta deve ser contínua, ou 171 Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, pág. 138. 172 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 20-23. 173 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 209. 174 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 157. 40 seja, não se devendo iniciar-se outro julgamento sem se concluir o já iniciado.175 Assim, se não for possível concluir a audiência no mesmo dia em que se iniciou, o presidente marcará a continuação para o dia imediato, se não for domingo ou feriado, mas ainda que compreendido em férias, e assim sucessivamente, sendo os julgamentos já marcados para os dias em que a audiência houver de continuar são transferidos de modo que o tribunal, salvo motivo ponderoso, não inicie outra sem terminar a audiência iniciada (art. 404º, nº 2 e 3, do CPC). Acrescenta Remédio Marques, “O apuramento dos factos e o valor a conceder à prova produzida exigem uma concentração temporal e uma concentração espacial”.176 Porém, conforme salienta Martins Leitão, face ao elevado volume de serviço e imprevisibilidade da demora na realização dos julgamentos, no caso de não se conseguir concluir a audiência de julgamento no mesmo dia, dificilmente se consegue cumprir esta obrigação.177 6.13.3. Princípio da oralidade Ainda relacionado com a produção da prova, determina o art. 400º, nº 3, do CPC, que as provas devem ser produzidas em sessão de atos orais (essencialmente durante a audiência de julgamento). Segundo Ferreira de Almeida, “o princípio da oralidade significa que os actos de instrução, discussão e julgamento da matéria de facto se devem fazer de seguida e oralmente (de viva voz)”.178 O princípio da oralidade significa uma prevalência da palavra como meio de expressão, em detrimento da escrita. Ou seja, embora exista prova escrita, prevalece a oralidade da discussão da causa. Porém, conforme acentua Remédio Marques, “Ele significa, igualmente, a proibição de reduzir a escrito os actos que tenham lugar oralmente”.179 Assim, fora dos casos previstos no art. 570º, nº 1, do CPC, não são admitidos depoimentos testemunhais por escrito. 175 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 281. 176 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 206. 177 Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, pág. 152. 178 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 282. 179 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 210. 41 6.13.4. Princípio da plenitude da assistência dos juízes Devido à imediação e oralidade na produção da prova, só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os atos de instrução e discussão praticados na audiência final (art. 402º, nº 1, do CPC). Assim, se algum dos juízes falecer ou ficar definitivamente impossibilitado de prosseguir o julgamento, terão que se repetir todos os atos já praticados (art. 402º, nº 2, do CPC). A violação deste princípio gera nulidade processual, nos termos dos arts. 163º, nº 1, 167º e 168º, nº 3, do CPC.180 6.13.5. Princípio da publicidade Nos termos do art. 404º, nº 1, do CPC, a audiência é pública, salvo quando o tribunal decidir o contrário, em despacho fundamentado, para salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral pública, ou para garantir o seu normal funcionamento. O princípio da publicidade tem dignidade constitucional, conforme o art. 131º da Constituição. A exigência consta igualmente do art. 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.181 O princípio da publicidade pretende garantir a transparência da função judicial, “a fim de evitar o arbítrio do secretismo e permitir o controlo público da boa administração da justiça.182 Segundo Remédio Marques, “Este princípio processual assenta na ideia de controlo popular dos tribunais, que são, como se sabe, órgãos de soberania; permite combater a desconfiança na (independência e na imparcialidade) administração da justiça; e permite reforçar a legitimidade democrática de que se revestem as decisões dos tribunais, embora os juízes não sejam eleitos por sufrágio directo e universal”.183 Quanto mais se tornar público o serviço prestado, maior será o seu acompanhamento e 180 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 287. 181 Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida. 182 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 109. Veja-se ainda Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 284. 183 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 211. 42 fiscalização.184 Como exceção ao princípio da publicidade temos as situações em que a publicidade possa ofender a dignidade das pessoas, a intimidade da vida privada ou familiar, como poderá acontecer nas ações relativas ao estado das pessoas, nomeadamente em ações de divórcio, de investigação de maternidade ou de paternidade, de regulação do poder paternal, etc.; ou as situações em que a publicidade possa por em causa a eficácia da decisão, como pode ocorrer em algumas providências cautelares, nomeadamente o arresto.185 Porém, a restrição à publicidade refere-se apenas à discussão e instrução da causa, mas não à audiência em que se decide a matéria de facto, revestindo aqui o princípio caráter absoluto.186 O princípio da publicidade manifesta-se ainda na no direito de acesso ao processo, consagrado no art. 132º do CPC, bem como à possibilidade de divulgação pública, através dos meios de comunicação social do teor dos atos processuais e do que ocorreu no decurso da audiência.187 6.14. Princípio da submissão ao direito substantivo Segundo o princípio da submissão ao direito substantivo, o processo não pode conduzir a resultados que a lei substantiva proíba. Trata-se de consequência da natureza instrumental do processo, que o sujeita a limitações decorrentes do direito substantivo.188 Segundo Castro Mendes, “se a vontade das partes não pode conseguir certo efeito jurídico fora do processo, não deve ser lícito à pura vontade das partes conseguir tal efeito através de actuações processuais: não o deve ser nem directamente, nem indirectamente, nem eventualmente”.189 Manifestação deste princípio encontra-se na impossibilidade de confissão, transação, ou desistência relativamente a direitos indisponíveis, como o direito de alimentos (arts. 251º, nº 1, e 184 Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito, 2009, pág. 51. 185 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 211. 186 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 110. 187 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 110, e Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 285. 188 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 79. 189 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 206. 43 365º, als. b) e c), do CPC). 44 45 Capítulo II – Pressupostos Processuais 1. Conceito Pressupostos processuais são os requisitos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão de fundo, sobre o pedido, concedendo ou negando a providência requerida. Parte é a pessoa pela qual e contra a qual é requerida a providência judiciária, através da ação. Embora a parte seja determinada com relação ao direito substantivo, não se confunde com a titularidade do direito (a ação pode precisamente visar a determinação da titularidade de um direito). Parte é a pessoa, singular ou coletiva, que, na petição inicial ou no requerimento inicial, aparece indicada como demandante ou demandada. 2. Personalidade judiciária ou processual 2.1. Conceito e medida da personalidade judiciária Nos termos do disposto no art. 10º, nº 1, do CPC, a personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte. A personalidade judiciária consiste na possibilidade de requerer ou contra si ser requerida, em nome próprio, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei. O critério geral fixado na lei para se saber quem tem personalidade judiciária é o da correspondência (princípio da coincidência ou equiparação) entre a personalidade jurídica (ou capacidade de gozo de direitos) e a personalidade judiciária. Esse princípio está consagrado no art. 10º, nº 2, do CPC. 46 Nos termos do art. 63º, nº 1, do Código Civil, a personalidade jurídica adquire-se no momento do nascimento completo e com vida. 190 A personalidade jurídica só cessa com a morte e a ninguém pode ser retirada a personalidade jurídica (arts. 65º, nº 1, e 64º do Código Civil). 191 Relativamente às pessoas coletivas: Para as sociedades comerciais a personalidade jurídica adquire-se com o registo do seu ato constitutivo (art. 4º da Lei sobre Sociedades Comerciais). 192 As associações civis gozam de personalidade jurídica após a sua constituição por escritura pública (arts. 150º, nº 1, e 159º do Código Civil).193 As fundações carecem de reconhecimento da autoridade administrativa (arts. 150º, nº 2, do Código Civil).194 2.2. Extensão da personalidade judiciária Por razões de ordem prática, há, todavia, exceções ao referido princípio da coincidência, todas elas orientadas no sentido estender a personalidade judiciária a quem não goza de personalidade jurídica. É aquilo a que se chama extensão da personalidade judiciária. São os casos previstos nos arts. 11º, 12º e 13º do CPC. Assim: A herança jacente (herança aberta mas cujos titulares ainda não estão determinados ou porque não se sabe se há sucessíveis ou porque os sucessíveis, embora conhecidos, anda não a aceitaram) embora carecida de personalidade judiciária, pode propor ações em juízo (de reivindicação, confessórias de servidão, de cobrança de dívidas, etc.) sendo a herança a verdadeira parte na ação e não o sucessível (herdeiro), o curador ad hoc ou o Ministério Público 190 Veja-se, no Código Civil Indonésio (CCI) os arts. 1º a 3º. 191 Veja-se, no Código Civil Indonésio (CCI) o art. 3º. 192 Lei nº 4/2004, de 21 de Abril. Contrariamente ao que sucedia no anterior regime, que se bastava com a celebração por escritura pública do pacto constitutivo da sociedade (art. 1624º do CCI). 193 Veja-se, no Código Civil Indonésio (CCI) os arts. 1653º. 194 Veja-se, no Código Civil Indonésio (CCI) os arts. 1653º. 47 que atue em nome dela; Os patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não estiver determinado, que gozam de igual tratamento, são constituídos por aqueles bens ou massas unificadas de bens cuja titularidade seja incerta (doações ou deixas testamentárias a nascituros). 195 O mesmo tratamento têm também as associações sem personalidade jurídica, e as comissões especiais; as sociedades civis (conjunto de pessoas, ao qual não seja reconhecida personalidade jurídica); as sociedades comerciais, até à data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem; os navios, nos casos previstos em legislação especial. As sucursais, agências, filiais ou representações podem também demandar ou ser demandadas, quando a ação proceda de facto por elas praticado. Estas entidades, como meros órgãos de gestão local dentro da estrutura da sociedade ou pessoa coletiva, não gozam de personalidade jurídica porque não constituem sujeitos autónomos de direitos e obrigações. Apesar disso, no art. 12º, nº 1, a lei reconhece-lhes personalidade judiciária sempre que, como se disse, a ação proceda de facto por elas praticado. Trata-se, por exemplo, de uma ação destinada a obter o pagamento (amortização de capital e juros) de um empréstimo concedido a um cliente do BNU Caixa Geral de Depósitos, pela filial de Baucau. Apesar de o mutuante ser o BNU, cuja representação cabe ao conselho de administração da sede (que é em Díli), a filial de Baucau goza de personalidade judiciária para propor a ação (ou para ser demandada), porque a ação nasce de um ato praticado pela referida filial (a concessão do empréstimo). A decisão que vier a ser proferida nesse caso goza de eficácia não apenas contra a filial diretamente demandada, mas também contra o próprio BNU. Mais ainda, no caso de a pessoa coletiva ou sociedade ter a sede ou domicílio em país estrangeiro, a lei, no art. 12º, nº 2, do CPC, amplia a esfera da personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em Timor-Leste. Nesse caso, mesmo que a ação proceda de facto praticado pela administração principal, as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em Timor- Leste, terão personalidade judiciária quer para demandar quer para ser demandadas, se a obrigação a que se refere a ação 195 Art. 63º, nº 2, do Código Civil. Veja-se no mesmo sentido o art. 2º do CCI. 48 tiver sido contraída com um timorense ou com um estrangeiro domiciliado em Timor-Leste. De acordo com o preceituado no art. 13º, nº 1, do CPC, a pessoa coletiva ou sociedade que não se ache legalmente constituída, mas que proceda de facto como se o estivesse, não pode opor, quando demandada, a irregularidade da sua constituição; mas a ação pode ser proposta só contra ela, ou só contra as pessoas que, segundo a lei, tenham responsabilidade pelo facto que serve de fundamento à demanda, ou simultaneamente contra a pessoa coletiva ou sociedade e as pessoas responsáveis. Ou seja, a pessoa coletiva ou sociedade nas referidas condições não pode propor ações mas pode ser demandada (isto é, as sociedades irregulares têm personalidade judiciária passiva mas não têm personalidade judiciária ativa, exceto no caso da dedução de reconvenção). De acordo com o nº 2 do mesmo artigo, sendo demandada a pessoa coletiva ou sociedade, élhe lícito deduzir reconvenção (art. 379º do CPC). 2.3. Consequências da falta de personalidade judiciária A falta de personalidade judiciária, em princípio, não é sanável ou removível e constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso (arts. 372º, nºs 1 e 2, 373º, nº 1, al. c), e 374º do CPC). Há todavia, alguns casos em que a sua falta pode ser suprida, embora não expressamente previsto na lei. Será, nomeadamente, o caso de a ação ter sido proposta por uma sucursal, agência, filial, delegação ou representação fora do condicionalismo do citado art. 12º. Quando tal suceda, deve o juiz fixar o prazo dentro do qual a administração principal poderá sanar o vício, intervindo ela na ação e ratificando os atos anteriormente praticados, sob pena de o réu ser absolvido da instância (art. 222º do CPC). Fora desses casos, deve ser fundamento de indeferimento liminar da petição inicial, se, sendo manifesta, for detetada pelo juiz logo no primeiro despacho a proferir no processo (art. 355º, nº 1, al. b), do CPC) ou, se só detetada no despacho saneador, deve dar lugar à absolvição do réu da instância (arts. 386º, nº 1, al. a) e 240º, nº 1, al. c), do CPC). 49 3. Capacidade judiciária ou processual 3.1. Conceito e medida Para que o juiz possa apreciar o pedido, concedendo ou negando a providência requerida, não basta que as partes tenham personalidade judiciária; é também preciso que tenham capacidade judiciária ou, não a tendo que se encontrem devidamente representadas ou autorizadas. A capacidade judiciária, prevista no art. 14º, nº 1, do CPC, consiste na possibilidade de estar, por si mesmo, em juízo. Tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos (art. 14º, nº 2, do CPC e art. 64º do Código Civil). Verifica-se em relação aos cidadãos maiores, homens ou mulheres, nacionais ou estrangeiros, que não só podem ser partes na ação como podem estar diretamente em juízo, por si mesmo ou através de representantes por eles escolhidos. Já o mesmo não sucede com os menores ou os interditos que, tendo embora personalidade judiciária, não podem estar por si mesmos em juízo. Assim, gozando embora de personalidade judiciária, não podendo estar por si em juízo, as pessoas (interditos, menores, inabilitados) destituídas de capacidade judiciária, necessitam que seja suprida essa sua incapacidade. O suprimento é garantido através do representante legal ou do curador, de acordo com as prescrições do direito civil. Tratando-se de menor ou interdito, o incapaz é substituído, quer como autor (desde a propositura da ação), quer como réu (desde a citação), pelo seu representante legal. Tratandose de simples inabilitado, o incapaz é assistido pelo respetivo curador, exceto quanto aos atos que possam exercer pessoal e livremente (vejam-se os artes. 15º a 18º, inclusive, do CP). O representante legal (quer se trate dos pais quer do tutor) age em lugar do incapaz. O curador atua ao lado do inabilitado, dando a autorização necessária à validade dos atos por este praticados. Sendo a ação proposta contra o inabilitado, terá o incapaz de ser citado, tal como o 50 curador, visto ser ele quem fundamentalmente está em juízo (arte. 18º, nº 1, do CP). Porém, como os seus atos necessitam de autorização ou de ratificação do curador, concede-se prevalência à orientação deste, no caso de divergência com o incapaz (arte. 18º, nº 2, do CP). Pode no entanto suceder que o incapaz não tenha representante ou curador, na altura em que há necessidade de propor ação em nome dele ou contra ele. Haverá que promover então a nomeação desse representante geral ou do curador, junto do tribunal competente, tendo legitimidade para a requerer as pessoas indicadas no art. 16º, nº 4, e devendo o Ministério Público ser ouvido, sempre que não seja o requerente da nomeação (nº 5 do arte. 16º). Se, porém, houver urgência na nomeação, que se não compadeça com a demora inevitável do processo normal de escolha do representante geral ou do curador, pode promover-se, no próprio tribunal da causa, à nomeação de um curador provisório, que fica incumbido de representar o incapaz provisória ou temporariamente, apenas e enquanto não é designado e investido o representante geral, cuja nomeação deve ser requerida no tribunal competente, logo que a ação seja proposta (art. 16º, nº 1). 3.2. Anomalias existentes ao nível do pressuposto da capacidade judiciária As anomalias existentes ao nível do pressuposto da capacidade judiciária podem traduzir-se na incapacidade judiciária ou na irregularidade de representação. A incapacidade judiciária, se não for suprida, provoca a absolvição da instância, devendo o juiz abster-se de conhecer do pedido (arts. 386º, nº 1, al. a) e 240º, nº 1, al. c), do CPC). A incapacidade judiciária pode ser fundamento de indeferimento liminar da petição inicial, se, sendo manifesta, for detetada pelo juiz logo no primeiro despacho a proferir no processo (art. 355º, nº 1, al. b), do CPC) ou, se só detetada no despacho saneador, deve dar lugar à absolvição do réu da instância (arts. 386º, nº 1, al. a), e 240º, nº 1, al. c), do CPC). Ou seja, o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância, em obediência ao disposto no art. 240º, nº 1, al. c), quando entenda que alguma das partes, sendo incapaz, não está devidamente representada ou autorizada. 51 Assim poderá ocorrer quando, por exemplo, sendo o autor um menor, a ação tiver sido diretamente proposta por ele, ou pelo pai ou apenas pela mãe, sendo ambos os progenitores vivos e não se tendo procurado obter o consentimento do outro cônjuge. E assim poderá ocorrer também quando, sendo o réu um interdito, a ação tiver sido instaurada diretamente contra ele. Se, não sendo a falta ou irregularidade de representação transparente no texto da petição inicial e esta não tiver sido liminarmente indeferida, pode a falta ou irregularidade ser sanada posteriormente (arts. 26º, 27º e 28º do CPC). O juiz deve mesmo, de acordo com o art. 27º, nº 1, oficiosamente (isto é, por sua iniciativa) providenciar pela sanação do vício e fixar o prazo dentro do qual deve ser sanado. Se o vício não for sanado dentro do prazo fixado e a falta ou irregularidade respeitar ao autor, o réu será absolvido da instância. Respeitando a falta ou irregularidade ao réu, o processo prosseguirá à revelia dele. O vício existente ficou devidamente sanado (corrigido), desde que se deu ao representante legítimo do incapaz a possibilidade de deduzir defesa. Se este a não aproveitou, a culpa é do representante do réu e não do autor. Para que a falta ou irregularidade de representação se considerem sanadas, não basta, no entanto, a intervenção na ação do representante legítimo do incapaz. A ação só prosseguirá, como se o vício não tivesse existido, se o representante legítimo ratificar os atos anteriormente praticados; de contrário, ficará sem efeito todo o processado posterior ao momento em que a falta ocorreu (art. 26º, nº 2 do CPC). Têm-se levantado dúvidas na doutrina acerca do alcance preciso da sanção aplicável à falta de ratificação, por parte do representante legítimo, dos atos anteriormente praticados. No entanto, tem-se vindo a considerar que, se a falta ou irregularidade se referem ao autor (que, sendo incapaz, litigou por si próprio ou por tutor já removido da tutela) e o seu legítimo representante, chamado a intervir, não ratifica a petição inicial por ele apresentada, a solução aplicável não pode deixar de ser a da absolvição do réu da instância. Note-se que a lei prevê, antes da concretização desta solução drástica, a possibilidade de renovação do ato (art. 26º, nº 2, do CPC). 52 Se a incapacidade ou a irregularidade da representação respeitam ao réu e o representante legítimo não ratifica a contestação apresentada (pelo próprio réu ou por quem não era o seu legítimo representante), dá-se ao legítimo representante do réu a possibilidade de oferecer nova defesa em nome do incapaz. E, só na hipótese de o representante não apresentar contestação é que o Ministério Público deverá ser citado, nos termos do art. 20º do CPC. 4. Legitimidade 4. Legitimidade processual singular Para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da questão, julgando a ação procedente ou improcedente, não basta que as partes tenham personalidade judiciária e gozem de capacidade judiciária. É preciso, além disso, que gozem de legitimidade para a ação. A legitimidade processual consiste na suscetibilidade de, numa instância (ação) concreta, ser a parte certa do lado ativo ou passivo da relação processual. Ser parte legítima na ação é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível. A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão perante o demandado, admitindo que a pretensão exista; e terá legitimidade como réu, se for ela a pessoa cuja esfera jurídica é diretamente atingida pela providência requerida. Se assim não fosse, a decisão que o tribunal viesse a proferir sobre o mérito da ação não poderia surtir efeito útil, visto não poder vincular os verdadeiros sujeitos da relação controvertida, que não estariam no processo. O vendedor a quem não seja pago o preço, terá legitimidade para exigir judicialmente do comprador em mora o seu pagamento, por ser o demandante, em face do direito substantivo, o titular da relação contratual que serve de fundamento à pretensão e por ser o demandado (comprador) o outro titular da mesma relação, sujeito ao dever correspondente de prestar. 53 Se for, porém, o sócio da sociedade comercial, sem poderes de administração, quem vem a juízo reclamar o preço que o comprador da mercadoria ficou a dever à sociedade, a pretexto de ter interesse económico no cumprimento, o juiz deverá pura e simplesmente absolver o réu da instância, abstendo-se de conhecer do mérito da causa, por ilegitimidade do autor. A pessoa que figura na ação como autor não é, perante o direito substantivo aplicável, o titular da relação contratual que serve de fundamento à pretensão por ela trazida a juízo. Titular dessa relação é a sociedade comercial, a quem não pode vincular a decisão que viesse a ser proferida num processo em que não participou. Aqui já não se trata de saber quem pode propor a ação ou contra quem pode a ação ser proposta. Desde que tenha personalidade e capacidade judiciária, qualquer pessoa pode propor a ação em juízo ou nela ser demandada. O que se pretende saber, através do requisito da legitimidade, é que posição devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo, para que o juiz possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa, julgando a ação procedente ou improcedente. Enquanto a personalidade e a capacidade judiciárias são qualidades pessoais das partes a legitimidade, pelo contrário, consiste numa posição da parte perante determinada ação; a posição que lhe permite dirigir a pretensão formulada ou a defesa que contra esta possa ser oposta. Critérios estabelecidos na lei para se aferir a legitimidade singular das partes: A. Critério do interesse direto em demandar e do interesse direto em contradizer (art. 29º, nº 1, do CPC) A lei define a legitimidade através da titularidade do interesse em litígio. É parte legítima como autor, segundo o referido critério, quem tiver interesse direto em demandar. Será parte legítima como réu quem tiver interesse direto em contradizer. Assim, o credor terá legitimidade para requerer a condenação judicial do devedor no cumprimento, por ser ele o portador do interesse que a lei substantiva protege através do direito de crédito. O devedor terá legitimidade para intervir como réu, por ser o portador do interesse oposto, dentro da mesma relação. 54 Pelo mesmo raciocínio, o proprietário (não possuidor) da coisa será parte legítima como autor na ação de reivindicação, sendo parte legítima como réu o possuidor ou detentor da coisa, que se recusa a abrir mão dela. A mulher não terá legitimidade para reivindicar de terceiro os bens próprios do marido, tal como o pai não tem legitimidade para cobrar judicialmente os créditos do filho maior, porque nem um nem outro são os portadores do interesse protegido pelo direito invocado. A legitimidade não satisfaz a existência de qualquer interesse, ainda que jurídico, na procedência ou na improcedência da ação. Exige-se que as partes tenham um interesse direto, seja em demandar, seja em contradizer; não basta ter um interesse indireto, reflexo ou derivado. Assim, por exemplo, o promitente comprador não tem legitimidade para requerer a declaração judicial de validade do contrato pelo qual o promitente vendedor adquiriu a coisa (de terceiro), embora tenha um interesse indireto na manutenção do contrato. O sublocatário, pela mesma razão, carece de legitimidade para intervir como réu na ação de despejo, apesar de ser indiretamente prejudicado com a resolução do contrato de arrendamento. B. Critério formal constante do nº 3 do art. 29º: a relação material controvertida configurada unilateralmente pelo autor Sempre que a lei não disponha de outro modo, considerar-se-ão como titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade, os sujeitos da relação material controvertida. Mas, qual é a relação controvertida que serve de base a tal determinação: a relação com a configuração subjetiva que o autor (unilateralmente) lhe dá ou a relação tal como se apresenta ao tribunal, depois de ouvidas ambas as partes e de examinadas as razões de uma e outra? O art. 29º, nº 3, do CPC estabelece que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor. Ou seja, na determinação da legitimidade deve atender-se apenas à configuração que o autor, unilateralmente, dá à relação material controvertida. É ao autor que cabe “desenhar” a relação controvertida e indicar os pólos dessa relação. Se o 55 réu traz ao processo factos que prejudiquem a versão que o autor apresenta, tais factos não serão atendidos em sede de legitimidade processual mas, ao invés, em sede de apreciação do fundo ou mérito da causa. Ou seja, uma coisa é a legitimidade como pressuposto processual, outra a do mérito da ação, tendo aquela precedência sobre esta na ordem de decisão do juiz, que não pode, ao apreciar a legitimidade, fazer um julgamento por antecipação do mérito da causa. Deste modo, saber se, verdadeiramente, a relação jurídica invocada pelo autor existe ou não e em que medida, respeita ao mérito da ação e não à legitimidade. Portanto, se as partes são legítimas, mas posteriormente se demonstra que nada têm a ver com a questão de mérito em discussão, a ação tem de improceder, por o autor não ser titular do direito de que se arroga. Exemplo: Na petição inicial, A pede uma indemnização a B alegando que foi por ele atropelado, tendo sofrido várias lesões. Na contestação, B vem dizer o seguinte: A diz que foi atropelado mas não fui eu que o atropelei; foi o motociclista C que lhe provocou aqueles danos. À luz do art. 29º, nº 3, quem é que tem legitimidade processual? Como vimos, na determinação da legitimidade processual deve atender-se à fisionomia da relação material hipotética dada pelo autor. O autor diz que foi atropelado por B, pelo que quem tem legitimidade processual ativa (para demandar) é A e legitimidade processual passiva (para contradizer) é B. Saber se foi B que provocou o atropelamento, isso já não é uma questão formal, de legitimidade, mas um problema de mérito da ação. Se se chegar à conclusão de que B não atropelou A, aquele não será absolvido da instância, porque tem legitimidade processual. Ele vai ser absolvido do pedido. 4.2. Legitimidade nas relações com pluralidade de interessados 56 Na maioria dos casos são apenas duas as partes que se defrontam em tribunal. Ou seja, a regra é a da dualidade das partes. Ex: O proprietário como autor numa ação de reivindicação demanda o detentor como réu. O mutuante demanda o mutuário. Por vezes, porém, verificam-se casos de pluralidade de partes: pluralidade ativa se a ação é proposta por dois ou mais autores contra o mesmo réu; pluralidade passiva quando a ação é proposta por um autor contra vários réus; pluralidade mista quando a ação é intentada por mais de um autor contra vários réus. Litisconsórcio verifica-se quando a relação material subjacente respeitar a várias pessoas, quando se trata de uma obrigação plural, seja ela solidária ou conjunta. No litisconsórcio há pluralidade de partes mas unicidade da relação material controvertida (art. 33º do CPC). Ex: contrato de mútuo com empréstimo pela mesma pessoa a várias outras (com possibilidade de poder pedir a totalidade a qualquer um ou mesmo apenas a quota parte de cada um). Litisconsórcio voluntário quando a cumulação depende exclusivamente da vontade das partes. Há uma acumulação de ações e cada um dos consortes atua com independência em relação aos outros (art. 30º do CPC). Há litisconsórcio voluntário no caso das obrigações conjuntas (nº 1 do art. 30º) e no caso das obrigações solidárias (nº 2 do art. 30º).196 Litisconsórcio necessário quando a cumulação resulta de determinação de lei, de prévia estipulação dos interessados ou da natureza da relação jurídica (art. 31º do CPC). Há uma só ação com pluralidade de sujeitos (art. 33º do CPC). O art. 32º do CPC prevê casos especiais de litisconsórcio necessário. Apenas o litisconsórcio necessário gera ilegitimidade da parte (art. 31º, nº 1, do CPC). 196 No mesmo sentido pode ver-se o art. 451º do Código Civil. 57 Há coligação quando os pedidos formulados por ou contra várias pessoas resultam de relações materiais distintas. Ou seja, à pluralidade de partes corresponde a pluralidade de relações materiais litigadas. A coligação pode resultar da unicidade da fonte das relações. Ex: acidente de viação com vários lesados, que demando o responsável em conjunto. Pode resultar da dependência entre os pedidos formulados pelos vários intervenientes. Ex: o autor pede a resolução do contrato de arrendamento por o subarrendatário ter feito obras na casa (com o consentimento do arrendatário) e pede a condenação do subarrendatário a repor a casa no estado em que se encontrava. Pode resultar de conexão de substancial entre os fundamentos destes. Ex: duas pessoas que celebraram dois contratos semelhantes com o réu demandam este com o fundamento na nulidade de tais contratos. A intervenção de terceiros pode conduzir igualmente a casos de litisconsórcio ou de coligação. 5. Falhas ao nível dos pressupostos processuais e exceções dilatórias Não se verificando algum destes requisitos, tais como a legitimidade das partes, a capacidade judiciária de uma delas o de ambas, o juiz terá, em princípio, que abster-se de apreciar a procedência ou improcedência do pedido, por falta de um pressuposto essencial para o efeito. A falta do pressuposto processual não impedirá o juiz apenas de proferir sentença sobre o mérito da ação, mas também de entrar na apreciação e discussão da matéria que interessa à decisão de fundo. A decisão de absolvição da instância, para que aponta o art. 240º, nº 1, do CPC como consequência geral da falta de qualquer pressuposto processual, constitui um verdadeiro ato processual, integrador da relação jurídica criada entre as partes e o tribunal. A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto (art. 58 241º, nº 1, do CPC). Segundo o art. 372, nº 2, do CPC, as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (isto ocorre em caso de incompetência relativa, conforme o art. 78º, nº 3, do CPC). A enumeração das exceções dilatórias, que consta do art. 373º, nº 1, do CPC, reveste carácter meramente exemplificativo. 6. Patrocínio judiciário O patrocínio judiciário consiste na assistência técnica prestada às partes por profissionais forenses (advogados ou defensores públicos), na condução do processo ou para a realização de certos atos processuais em concreto. O patrocínio judiciário justifica-se pela própria complexidade técnica do processo. Casos de constituição obrigatória de advogado (art. 36º). Nas causas em que seja admissível recurso, nos recursos e nas causas propostas no Supremo Tribunal de Justiça. Só é admissível recurso ordinário nas ações de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre (arts. 428º, nº 2, e 917º, nº 2, do CPC). A alçada do tribunal distrital é de mil dólares americanos (art. 917º, nº 1, do CPC). Também é obrigatória a constituição de advogado nos casos em que seja admissível recurso independentemente do valor da causa, como, por exemplo, nas ações em que se aprecie a validade ou subsistência de arrendamento para fim habitacional (art. 428º, nº 6, do CPC). Cessa a obrigatoriedade de constituição de advogado nos casos em que a lei atribua a representação da parte ao M. Público ou admita a representação por defensor público. O mandato judicial é conferido por instrumento público ou particular, ou por declaração verbal da parte durante qualquer diligência do processo (art. 38º do CPC). 59 Conteúdo e alcance do mandato (art. 39º do CPC). Confere poderes de representação da parte em toda e qualquer fase processual. Presume-se que inclui poderes para substabelecer. Para ser válida a confissão do pedido ou transação feita por mandatário judicial, a procuração deve conter a menção de poderes especiais para o efeito (art. 40º do CPC). Porém, a procuração com poderes gerais vincula a parte relativamente às afirmações do mandatário e à confissão expressa de factos (art. 41º do CPC). Revogação e renúncia do mandato (art. 42º do CPC). No caso de renúncia, se a parte não constituir novo mandatário, suspende-se a instância se a falta for do autor, e a ação segue se a falta for do réu, aproveitando-se os atos praticados. Não se conseguindo notificar o réu, ou reconvindo, se a constituição de advogado for obrigatória, será nomeado defensor público. Nomeação de defensor público (art. 44º do CPC). No caso de pedido de nomeação pelo réu, o prazo para contestação interrompe-se. Falta insuficiência e irregularidade do mandato: A falta de patrocínio judiciário nos casos em que a constituição de advogado é obrigatória provoca os efeitos próprios da falta de um pressuposto processual. Assim, a falta gera absolvição do réu da instância ou não ter seguimento o recurso, se a falta for do autor ou do recorrente, ou ficar sem efeito a defesa, se a falta for do réu (art. 37º do CPC). Antes de cominar qualquer sanção o juiz deve notificar a parte para suprir a falta dentro de certo prazo, que o mesmo estipulará. O art. 37º do CPC refere-se às situações em que é a própria parte que intervém, sem constituir mandatário, nos casos em que esta constituição é obrigatória. 60 Nos casos em que em que um advogado intervém sem apresentar procuração da parte, ou apresentando procuração irregular ou insuficiente, rege o art. 43º do CPC. Falta, insuficiência ou irregularidade do mandato podem ser suscitadas oficiosamente pelo tribunal ou serem suscitadas pela parte contrária. Mais uma vez, antes de cominar qualquer sanção o juiz deve notificar neste caso o mandatário em questão para suprir a falta dentro de certo prazo (art. 43º, nº 2, do CPC). Findo o prazo, sem que tenha sido suprida a falta, insuficiência e irregularidade do mandato, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo advogado, sendo condenado nas custas. Se tiver agido com culpa, pode ser condenado a indemnizar os prejuízos a que tenha dado causa. 7. Organização Judiciária e Competência dos Tribunais 7.1. Competência Para Miguel Teixeira de Sousa “a competência jurisdicional é um pressuposto processual, isto é, uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa através de uma decisão de procedência ou de improcedência. Como qualquer outro pressuposto processual, a competência é aferida em relação ao objecto apresentado pelo autor” 197 . Competência abstrata designa a fração do poder jurisdicional atribuída ao tribunal. Competência concreta designa o poder de o tribunal julgar determinada ação. Regras de competência são as normas definidoras dos critérios que presidem à distribuição do poder de julgar entre os diferentes tribunais. Jurisdição designa o poder de julgar genericamente atribuído ao conjunto dos tribunais, dentro da organização do Estado. 197 Teixeira de Sousa, A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, reimpressão, Lisboa; Lex-Edições Jurídicas, 1994, pág. 36. 61 Competência define o poder resultante do fracionamento do poder jurisdicional entre os diferentes tribunais. A competência do tribunal é apreciada em função dos termos em que a ação é proposta, determinando-se pela forma como o autor estrutura o pedido e os respetivos fundamentos, independentemente da apreciação do seu acerto substancial. A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente. 7.2. Competência internacional A competência internacional designa a fração do poder jurisdicional atribuída aos tribunais timorenses, em face dos tribunais de outros países, para julgar ações que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídicas estrangeiras. A competência interna assenta no fracionamento do poder de julgar entre os tribunais do Estado Timorense. As normas de competência internacional, em jeito de normas de conflito, delimitam o exercício da função jurisdicional pelo conjunto dos tribunais timorenses no quadro de relações jurídicas conexas com mais de uma ordem jurídica estrangeira. As normas de competência internacional definem a suscetibilidade de exercício da função jurisdicional pelos tribunais nacionais, tomados no seu conjunto, relativamente a situações jurídicas que apresentam elementos de conexão com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras. Importa ainda considerar as convenções internacionais sobre esta matéria. Segundo Lebre de Freitas, para além de receberem competência do art. 48º do CPC, os tribunais recebem-na também de Convenções internacionais, sucede que estas, no seu campo específico de aplicação prevalecem sobre as normas processuais, nomeadamente as reguladoras da competência internacional constantes do Código. 198 198 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, págs. 137-131. Veja-se também Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado, vol. I, Coimbra: Almedina, 2000, pág. 494, e Miguel Teixeira de 62 Nos termos do art. 9º, nº 2, da Constituição, as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial. Observa o Gomes Canotilho que a Constituição terá, assim, aderido “à tese da recepção automática, condicionada apenas ao facto de a eficácia interna depender da sua publicação oficial” e que “a ideia do legislador constituinte foi a de aceitar a vigência das normas internacionais como tais e não como normas internas”199 . A competência internacional encontra-se fixada no art. 48º do CPC. Não é necessária a existência cumulativa ou conjunta das circunstâncias, basta a verificação de uma delas. Art. 48º, nº 1, al. a) – ter o réu ou algum dos réus domicílio em território timorense, salvo tratando-se de ações relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro. É também manifestação do princípio da coincidência expresso na al. b). Efetivamente, a norma supletiva para a competência interna em razão do território é a da competência do tribunal do domicílio do réu (art. 53º, n. 1, do CPC). Veja-se, quanto à exceção prevista na segunda parte do preceito o disposto no art. 49º, al. a), do CPC. Art. 48º, n. 1, al. b) – dever a ação ser proposta em Timor-Leste, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei timorense. Princípio da coincidência. A ação dever ser proposta em Timor-Leste segundo as regras da competência territorial (interna) estabelecidas na lei timorense. Sousa e Dário Moura Vicente, Comentário à Convenção de Bruxelas, Lisboa: Lex, 1994, pág. 124. 199 José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição, Coimbra: Almedina, 2000, pág. 913. 63 Ex: art. 74º, n. 1, do CPC – um português e um australiano celebraram um contrato na Indonésia, para ser cumprido em Timor-Leste. Art. 48º, n. 1, al. c) – ter sido praticado em território timorense o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram. Princípio da causalidade. A expressão facto para frisar a causa de pedir expressa não a normatividade mas, sim, ocorrência real, concreta, específica, factualidade. É a vivência da substanciação. Seguindo ainda Alberto dos Reis “A causa de pedir nada tem que ver com a qualificação jurídica do facto ou factos submetidos à apreciação do tribunal; a causa de pedir está no facto oferecido pela parte, e não na valoração jurídica que ela entenda atribuir-lhe. Essa valoração é simples apreciação ou ponto de vista mental; se a parte ou o tribunal modificar a qualificação ou valoração, nem por isso se dirá que houve mudança da causa de pedir”.200 Quando a causa de pedir tenha mais que um facto, bastará que um deles tenha ocorrido em Timor-Leste. Para a teoria da substanciação acolhida pelo direito processual civil timorense vigente o que releva como causa do pedir é o facto concreto gerador do direito cujo reconhecimento o autor pretende.201 Mas isto equivale a dizer que o autor pode invocar, conforme as circunstâncias, ou um facto simples causal ou um «facto» complexo ou, dito de outra forma, factualidade causal. Este normativo deve ser interpretado no sentido de alargar a competência e não de a restringir. Seguindo o assento do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de nº 6/94, de “Longe de pretender restringir, implica o reconhecimento de uma certa amplitude, larga, à competência internacional dos tribunais portugueses”.202 200 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 127. 201 Luso Soares, Processo Civil de Declaração, Coimbra: Almedina, 1985, pág. 587. 202 Assento do Supremo Ttribunal de Justiça de Portugal nº 6/94, de 17-2-1994, relator Cardona Ferreira, publicado 64 Ex: acidente de viação (art. 58º, n. 2, do CPC). Ex: divórcio tendo um dos factos que o fundamentam ocorrido em Timor-Leste, mas sendo a autora e o réu estrangeiros e residentes no estrangeiro (art. 59º do CPC). Art. 48º, n. 1, al. d) – não poder o direito invocado tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território timorense, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real. Princípio da necessidade. Segundo Teixeira de Sousa, “Estes critérios (da coincidência, da causalidade, da reciprocidade e da necessidade, indicados segundo uma ordem decrescente de aplicação prática) apresentam, em medida variável, uma conjugação de diversos interesses. As regras sobre a competência internacional directa devem dar expressão aos interesses do Estado no julgamento, pelos seus tribunais, das questões que apresentam com ele uma conexão relevante, mas também devem respeitar os interesses dos indivíduos na proximidade da justiça e ainda os interesses da comunidade internacional numa distribuição harmoniosa da competência dos tribunais estaduais”.203 E convém sublinhar, com Lebre de Freitas, que “Cada um dos factores atributivos de competência tem valor autónomo, pelo que basta a verificação de um deles para que os tribunais portugueses sejam competentes”.204 Ou seja, uma vez verificada qualquer das circunstâncias enumeradas nessas alíneas, tem-se desde logo como reconhecida a competência internacional dos tribunais timorenses. 205 Importa considerar: Ainda que o Tribunal possa ter competência em função desta norma, o direito aplicável terá no Diário da República de Portugal, Série I, nº 75, de 30 de Março de 1994 203 Teixeira de Sousa, A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, reimpressão, Lisboa; Lex- Edições Jurídicas, 1994, pág. 36. 204 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 137. 205 Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. I, Coimbra: Almedina, 1963, pág. 124. 65 de ser determinado em função das normas de direito internacional privado, podendo concluir-se que o direito invocado não tenha proteção no regime aplicável. Ou seja, esta norma não permite o afastamento das regras de direito internacional privado. Tem sempre que se verificar a conexão pessoal ou real com a ordem jurídica nacional. Terá que existir um elemento ponderoso de conexão. Art. 49º do CPC, competência internacional exclusiva dos tribunais timorenses. Importa ainda considerar a competência internacional fixada por convenção das partes. Aos tribunais timorenses cabe aferir da sua própria competência internacional e, bem assim, da dos tribunais estrangeiros com que se relacionam as questões levantadas, de acordo com as regras de competência internacional direta consagradas nos arts. 45º, 48º, 49º e 67º do CPC, e indireta estabelecida no artigo 840º, al. c), do mesmo Código. Dispõe o art. 67º do CPC que as partes podem convencionar qual a jurisdição competente para dirimir um litígio determinado, ou os litígios eventualmente decorrentes de certa relação jurídica, contanto que a relação controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica (nº 1), exigindo, para que “a eleição do foro” seja válida, a verificação cumulativa dos requisitos nele enunciados (nº 3). Segundo Lebre de Freitas, os arts. 67º e 68º do CPC regulam “a competência convencional internacional e interna, isto é, regulam o princípio da liberdade contratual enquanto factor de atribuição de competência directa. O primeiro prevê os pactos de jurisdição, através dos quais as partes convencionam sobre a jurisdição nacional competente para apreciar um litígio que apresente elementos de conexão com mais de uma ordem jurídica (competência internacional)”.206 7.3. Competência interna 7.3.1. Competência em razão da matéria 206 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 189. 66 Ainda que não se encontrem instalados, a Constituição prevê a existência de tribunais administrativos e fiscais e tribunais militares, para além dos tribunais judiciais (art. 123º da Constituição). A competência em razão da matéria designa o tribunal competente em face das diferentes espécies e categorias de tribunais, que se situam no mesmo plano, sem nenhuma relação de subordinação ou dependência entre eles. Princípio da especialização. A competência judiciária em razão da matéria (ao lado da competência hierárquica e da competência internacional) é de ordem pública. E só pode decorrer da lei, sendo indelegável, a não ser que a própria lei permita a delegação. Fixa-se em função da natureza da matéria a judicar, sendo critério relevante da sua atribuição, a escolha do tribunal que mais vocacionado estiver para dela conhecer. Reclama a eficiência de organização judiciária com vista à melhor prestação da qualidade da justiça. Por isso, releva de interesse público fundamental, dando lugar à sanção da incompetência absoluta do tribunal que dela conheça, em violação das regras que a determinam (art. 69º do CPC). E determinam-na, procurando adaptar o órgão à função, assegurando a idoneidade funcional do juiz, através de uma relação de pertinência o mais apropriada possível, entre ele e a matéria da causa de que deve conhecer. O critério de atribuição de competência material ao juiz projeta a vocacionalidade, aptidão, adequação ou agilização do tribunal à causa. Todos são vocábulos de conteúdo homólogo, traduzindo, na essência, a habilitação funcional do tribunal para a matéria que constitui objeto do conhecimento que em cada causa estiver. Idoneidade do juiz, como se começou por referir, e também assim lhe chamou o Alberto do Reis.207 207 Alberto do Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1944, pág. 107. 67 Num Estado de Direito, é fundamental a bondade da lei organizativa judiciária, no acerto e determinação dos fatores objetivos de conexão ou elos materiais de ligação correspondentes, para que o Estado cumpra, ao mais alto nível possível, a qualidade da prestação judiciária pública. E quanto mais apurado for o critério atributivo de competência material (só para falar desta), melhor sortirá a garantia da qualidade com que a Justiça é administrada ao cidadão a quem se destina. Quando a Constituição e a Lei estabelecem e organizam (estatuem) a Ordem Judiciária do Estado, fixam as competências dos órgãos judicias integrantes da estrutura judiciária. Por forma que, a cada categoria judiciária orgânica é atribuída uma parcela ou medida da jurisdição. É a competência ou fração de poder jurisdicional da categoria orgânica respetiva a que são afetadas certas matérias. Portanto, basta examinar a lei orgânica de determinada categoria de tribunais, para se verificar se certa causa está, ou não, compreendida na área da sua jurisdição (comum ou administrativa, em regra). Os tribunais judiciais têm competência residual. Apreciam todas as questões que não sejam expressamente atribuídas a outras jurisdições. Isto é consequência da circunstância de os tribunais judiciais constituírem a regra dentro da organização judiciária (art. 50º do CPC). A distinção entre atos de gestão pública e de gestão privada assenta na questão de saber se a conduta que concretamente é tida como ilícita, integra atividade regulada pelo direito público ou pelo direito privado. A construção de uma estrada nacional, cuja empreitada fora adjudicada por uma entidade pública e de que tenham resultado prejuízos para particulares, não se configura como uma relação administrativa mas é antes regulada pelo direito privado e, assim, da competência dos tribunais comuns. Trata-se de verificar a existência dos pressupostos da responsabilidade civil regulados nos artigos no Código Civil. 68 Dos vários critérios de distinção (o da natureza dos interesses; o da posição dos sujeitos; ou o da qualidade em que intervêm na relação), aquele que mais tem recolhido o consenso generalizado da doutrina e da jurisprudência, é o que considera a qualidade em que o sujeito (público) intervém na relação jurídica.208 Será uma relação de direito público, quando um dos sujeitos (o de direito público) intervém na relação jurídica que em causa estiver, numa qualidade que lhe confere, por lei, e em razão do interesse publico que prossegue, uma posição de supremacia sobre o outro sujeito dessa mesma relação, impondo-lhe unilateralmente a sua vontade, por via da necessidade daquele prosseguimento. Com a crescente criação de situações novas de tipo social a tutelar pelo direito, em domínios onde o traço de demarcação entre o público e o privado é cada vez mais difícil de definir (assim, por exemplo: no direito do trabalho, no direito financeiro, da bolsa, da banca, dos seguros, do consumo, do ambiente, da bioética, do desporto, da negociação à distância, das nova tecnologias,...) uma correta perspetivação do que seja, e deva ser, o âmbito do direito público e privado, impõe-se, como forma de modelar a intervenção do próprio direito (e do Estado) na vida social, aproximando-se, tanto quanto possível, e na medida socialmente útil, da sua real função normativa, reguladora da vida das pessoas, e delas próximo, enquanto cidadãos - agente individual ou intergrupo. É exatamente com este sentido que pode afirmar-se que nada caracteriza melhor uma determinada Ordem Jurídica do que a relação em que, dentro dela, são colocados, um em face do outro, o Direito Público e o Direito privado, e o modo como aí são distribuídas, entre estes dois domínios, as diversas relações jurídicas. Trata-se de uma relação de poder, que se estrutura na vertical. De cima para baixo, como estrutura típica do poder, através da relação Estado/Cidadão. E de cima para baixo enquanto projeta o exercício de um poder de soberania (na linguagem antiga: um poder majestático), ou uma sua parcela, mas sempre de forma imperial, impositiva e unilateral, como ato de poder soberano (o tão apregoado Jus Imperii). 208 Veja-se Carlos Alberto da Mota Pinto, António Pinto Monteiro, Paulo Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2005, págs. 32 a 45. 69 Ao contrário, a relação de direito privado estrutura-se na horizontal, ou seja, pessoa a pessoa, numa posição em que os dois sujeitos, estão confrontados numa situação de igualdade, formal e substancial: são verdadeiros pares ou partes iguais, gozando de um igual estatuto, e de idêntica qualidade relacional, igualmente vinculados na modelação das correspondentes prestações obrigacionais recíprocas a que estão adstritos. Nenhum dos sujeitos tem, ou atua, na qualidade de "Majestade" na relação que os vincula reciprocamente. Nenhum tem posição de superioridade jurídica sobre o outro, ainda que um deles, mais do que de um direito subjetivo, possa ser titular de um direito potestativo sobre o outro. Mas ambos estão colocadas no mesmo plano de estatuto jurídico, sem que um se superiorize ao outro, na regência do vinculo jurídico que os liga, por direitos e deveres. De todo o modo, o que por agora importa ter presente é que terá que ser a Lei a fixar a competência dos tribunais administrativos. Toda a matéria que cujo conhecimento a própria lei não atribuir aos tribunais administrativos será da competência dos tribunais judiciais comuns. Nisso se traduz a competência residual dos tribunais judiciais. 7.3.2. Competência em razão da hierarquia A competência em razão da hierarquia resulta da distribuição de funções entre as diferentes ordens de tribunais escalonados verticalmente, dentro da mesma espécie ou categoria. Ou seja, em cada categoria ou espécie de tribunais pode haver ordens distintas de tribunais, organizadas em termos verticais ou mesmo hierárquicos, a que são distribuídas funções determinadas, permitindo-se, normalmente, ao tribunal de plano superior a possibilidade de revogar ou confirmar a decisão proferida pelo de plano inferior, suscitada usualmente por via de recurso, consubstanciando-se assim, na designada atribuição da competência em razão da hierarquia. Em tal âmbito, e no que se reporta aos tribunais judiciais, a hierarquização faz-se a partir dos 70 tribunais de primeira instância, culminando no Supremo Tribunal de Justiça,209 sem prejuízo de ser atribuída, em primeira linha, competência ao Supremo Tribunal de Justiça (art. 52º, nº 4, do CPC), por exemplo para a revisão e confirmação de sentenças estrangeiras, nos termos do art. 839º, do CPC. A hierarquia judiciária reflete-se apenas no poder conferido aos tribunais superiores de, por via de recurso, revogarem e reformularem as decisões dos tribunais inferiores (art. 52º do CPC). A hierarquia judiciária não interfere nem pode interferir com a independência do tribunal. 7.3.3. Competência em razão do valor e da estrutura do tribunal Dentro da mesma hierarquia, o tribunal judicial julga em coletivo ou em singular, em função do valor da ação (art. 51º do CPC). Não autonomizada relativamente à competência material, distingue-se ainda a denominada competência funcional, ou seja, “a que delimita a jurisdição dos diferentes tribunais materialmente competentes dentro do mesmo processo e segundo as suas fases e para a prática de determinados actos de cada fase ou grau de jurisdição”. 210 A realização de julgamento por juiz singular, quando devesse ser realizado com intervenção do tribunal coletivo, nos termos do art. 51º, determina a nulidade do julgamento (art. 395º, nº 2, do CPC). 7.3.4. Competência em razão do território A competência territorial ou em razão do território é a que resulta de aos vários tribunais da mesma espécie e do mesmo grau de jurisdição ser atribuída uma circunscrição territorial. Sabido que determinada causa é da competência dos tribunais judiciais e deve ser deduzida num tribunal distrital, importa determinar qual o tribunal distrital territorialmente competente. 209 Atualmente apenas se prevê a existência de duas instâncias, a primeira correspondente aos tribunais distritais e a segunda e última instância, o Supremo Tribunal de Justiça (art. 52º, nº 3, do CPC), de momento substituído pelo Tribunal de Recurso (art. 164º, nº 2, da Constituição, e art. 14º do Regulamento da UNTAET nº 11/2000, com a redação dada pelo Regulamento nº 25/2001). 210 Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. I, 6ª Edição, Lisboa: Verbo, 2010, pág 148. 71 Só após a definição da competência em razão da matéria é que operam as regras em função do território. 211 A competência territorial não tem que ver com a matéria nem com a razão funcional (como é o caso da competência material e funcional), que relevam da natureza e da existência do próprio poder jurisdicional, mas apenas com critérios de delimitação territorial do exercício do poder jurisdicional (a jurisdição) material e funcionalmente fixado. I. Foro do domicílio do réu (art. 53º do CPC) Constitui a regra geral ou critério supletivo. Sempre que não exista disposição especial em contrário, o tribunal competente para a ação é o tribunal em cuja circunscrição o réu tenha o seu domicílio. Não se trata aqui da residência ocasional do réu, ou do lugar onde o mesmo se encontre. A lei atende apenas à residência habitual do réu. Assim, se o réu tiver mais que uma residência habitual, pode ser demandado no tribunal do lugar de qualquer uma delas, mas se não tiver residência habitual, embora a tenha ocasional, será demandado no tribunal do lugar do domicílio do autor (art. 53º, nº 2, do CPC). 212 Ex: ações de anulação, declaração de nulidade ou de resolução dos contratos, de prestação de contas, de reivindicação de coisas móveis, de averiguação ou impugnação de paternidade ou maternidade. Por se tratar de uma competência supletiva, importa antes de mais verificar se a competência não se encontra especialmente prevista noutra norma. No caso de o réu não ter domicílio em Timor-Leste, e aqui não for encontrado, o tribunal competente é o do lugar do domicílio do autor. A competência residual é do Tribunal Distrital de Díli. 211 Alberto do Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1944, pág. 204. 212 Lopes Cardoso, Código de Processo Civil Anotado, reimpressão, Lisboa: Petrony, 2004, pág. 97. 72 Art. 54º - competência para conhecer de ações dirigidas contra pessoas coletivas ou sociedades. Se o réu for o Estado, ao domicílio do réu substitui-se o do domicílio do autor. Se o réu for outra pessoa coletiva ou uma sociedade, será demandada no tribunal da sede da administração principal ou no da sucursal, agência, filial, delegação ou representação, conforme a ação seja dirigida contra aquela ou contra estas. Se a pessoa coletiva ou sociedade for estrangeira, mas tiverem sucursal, agência, filial, delegação ou representação em Timor-Leste, pode a ação ser proposta no tribunal do lugar destas, ainda que se peça a citação da administração principal. Art. 55º - pluralidade de réus e cumulação de pedidos. Havendo mais de um réu na mesma causa, devem ser todos demandados no tribunal do domicílio do maior número. Se for igual o número relativamente a vários domicílios, o autor pode escolher um dos tribunais correspondentes. Se o autor cumular pedidos para cuja apreciação sejam competentes diversos tribunais, o autor pode escolher um deles, exceto se em relação a algum a competência for de conhecimento oficioso, caso em que a ação terá que ser posta no tribunal competente para este pedido (art. 55º, nº 2, do CPC). Quando se cumulem pedidos em relação aos quais haja uma relação de dependência ou de subsidiariedade, a ação deve ser posta no tribunal competente para o pedido principal (art. 55º, nº 3, do CPC). Art. 56º - ações em que seja parte o juiz, seu cônjuge ou certos parentes. Trata-se de assegurar que o juiz não possa julgar causa em que tenha interesse. Assim, sendo o juiz, cônjuge, ascendente ou descendente, ou qualquer outra pessoa que com ele viva em economia comum parte numa ação, o processo deve transitar para o juiz substituto, no caso de haver mais de um juiz no mesmo tribunal (art. 56º, nº 4, do CPC), ou ser remetido para o tribunal 73 mais próximo, se não for possível substituir o juiz no mesmo tribunal (art. 56º, nº 1 e 2, do CPC). Vejam-se ainda os arts. 87º e 88º do CPC. II. Foro real ou da situação dos bens (art. 57º do CPC) As ações referentes a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis, as ações de divisão de coisa comum, de despejo, de preferência e de execução específica sobre imóveis, e ainda as de reforço, substituição, redução ou expurgação de hipotecas, devem ser propostas no tribunal em cuja circunscrição se situam os bens. Trata-se de uma norma imperativa. A ação não pode correr por outro tribunal (art. 77º, n. 1, al. a), do CPC). III. Foro obrigacional (art. 58º, n. 1, do CPC) A ação destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento, ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento, será proposta, à escolha do credor, no tribunal do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou no tribunal do domicílio do réu. O art. 705º, nº 1, do Código Civil, estipula que, na falta de estipulação ou disposição especial da lei, a prestação deve ser efetuada no lugar do domicílio do devedor. Porém, quando se trate de uma obrigação pecuniária (em dinheiro) a obrigação deve ser cumprida no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento (art. 708º do Código Civil).213 Trata-se de normas supletivas, pelo que as partes podem no contrato estipular lugar diverso para o cumprimento das obrigações. IV. Foro da ocorrência do facto (art. 58º, n. 2, do CPC) A ação destinada a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, deve ser proposta no tribunal do lugar em que o facto ocorreu. 213 No âmbito do Código Civil Indonésio, o pagamento devia ser efectuado no lugar do domicílio do credor (art. 1393º). 74 Trata-se de uma norma imperativa. A ação não pode correr por outro tribunal (art. 77º, n. 1, al. a), do CPC). Abrangem-se neste caso, por exemplo, os acidentes de viação, a responsabilidade civil por factos tipificados como crime, a ofensa à honra, etc. V. Foro do domicílio do autor (art. 59º do CPC) Para as ações de divórcio e separação de pessoas e bens. Art. 60º - competência para conhecer de ações de honorários. O art. 60º do CPC nada tem a ver com a competência em razão da matéria; tem unicamente por fim resolver um problema de competência territorial, supondo, por isso, já resolvidos os problemas de competência que logicamente estão antes deste, e consequentemente o problema da competência em razão da matéria.214 Art. 61º - competência para conhecer de processos de inventário e de habilitação Foro hereditário. É competente o tribunal do lugar da abertura da sucessão (art. 61º, nº 1, do CPC). A sucessão abre-se no lugar do último domicílio do seu autor. Se o autor da sucessão tinha domicílio no estrangeiro, será competente o tribunal do lugar da situação dos imóveis ou da maior parte deles, ou na ausência de bens imóveis do lugar da situação da maioria dos móveis (art. 61º, nº 1, al. a), do CPC). Não havendo bens é competente para a habilitação o tribunal do lugar do domicílio do habilitando. Para o inventário sucessivo de cônjuge sobrevivo, é competente o tribunal onde decorreu o primeiro inventário (art. 61º, nº 3, do CPC). Situação semelhante ocorre no caso de cumulação de inventários. 214 Alberto do Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1944, pág. 204. 75 Art. 62º - procedimentos cautelares e diligências antecipadas. Arresto e arrolamento no tribunal onde deva ser posta a ação respetiva ou no tribunal do lugar onde se encontrem os bens (art. 62º, nº 1, al. a), do CPC). Embargo de obra nova no tribunal do lugar da obra (art. 62º, nº 1, al. b), do CPC). Os outros procedimentos cautelares no tribunal onde deva ser posta a ação respetiva (art. 62º, nº 1, al. c), do CPC). Diligências antecipadas de prova no tribunal onde a diligência deva efetuar-se (art. 62º, nº 1, al. d), do CPC). Art. 63º - notificações judiciais avulsas. No tribunal do lugar onde resida a pessoa a notificar. 7.4. Competência em matéria de execuções Em matéria de execuções é competente para a execução o tribunal do lugar onde a obrigação deva ser cumprida (art. 682º, nº 1, do CPC). Como a execução tem por fim obter a reparação do direito violado, a competência para dela conhecer pertence, logicamente, ao tribunal do lugar onde a obrigação devia ser cumprida. 215 Não se verificando as exceções previstas no nº 2 do citado artigo 682º, e baseando-se a execução em título que não seja decisão de um tribunal comum ou arbitral, a regra é a do foro obrigacional.216 Se a execução for para entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real, é competente o tribunal do lugar onde a coisa se encontra ou da localização dos bens (art. 682º, nº 2, do CPC). Trata-se de uma manifestação do princípio expresso no art. 57º do CPC. O mesmo princípio prevalece para o caso de o credor não ter domicílio em Timor-Leste, mas 215 Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. I, Coimbra: Almedina, 1963, pág. 161. 216 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 177. 76 aqui ter bens. Para a execução de sentença é competente o tribunal do lugar onde a causa tenha sido julgada, correndo a execução por apenso ao processo declarativo (art. 679º do CPC). Se a ação tiver sido proposta no Supremo Tribunal de Justiça é competente o tribunal do domicílio do executado (art. 680º do CPC). Para a execução fundada em sentença estrangeira é competente o Tribunal Distrital de Díli (art. 683º do CPC). 7.5. Extensão e modificação da competência O tribunal competente para a ação é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa (art. 64º do CPC). Os incidentes (arts. 254º e seguintes do CPC) são procedimentos anómalos, atos que saem fora da tramitação normal do processo. Estes incidentes são processados na própria ação, pelo que o seu conhecimento é da competência do tribunal onde corre a ação e esta regra não admite exceções.217 Art. 65º - questões prejudiciais. Se o conhecimento do objeto da ação depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie. Nos termos do art. 65º, nº 1, do CPC, a questão prejudicial não será em princípio da competência do tribunal onde corre a ação, que deve suspender a ação até decisão da questão. Porém, se a ação penal ou a ação administrativa não for exercida dentro de um mês ou se o respetivo processo estiver parado, por negligência das partes, durante o mesmo prazo, a suspensão fica sem efeito e o juiz do processo ganha competência para decidir a questão (art. 65º, nº 2, do CPC). Questões prejudiciais são questões cuja resolução constitui pressuposto, ou seja, cuja resolução é necessária, para a decisão do mérito da ação, e que devam ser decididas noutro processo (art. 234º, nº 1, do CPC).218 217 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 180. 218 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 184. 77 Art. 66º - questões reconvencionais. O tribunal da ação é competente para as questões deduzidas por via de reconvenção, desde que tenha competência para elas em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia; se a não tiver, é o reconvindo absolvido da instância. O reconvindo, ou seja, o autor contra quem o réu deduz a reconvenção só será absolvido da instância reconvencional, prosseguindo o processo para conhecer apenas do pedido principal formulado pelo autor, se ocorrer uma situação de incompetência absoluta do tribunal para a reconvenção (art. 69º do CPC). Se a reconvenção tiver consequências apenas ao nível da competência relativa (art. 75º do CPC), deve o juiz oficiosamente remeter o processo para o tribunal competente (art. 78º, nº 3, do CPC). 7.6. Competência convencional Art. 67º - pactos de jurisdição. As partes podem convencionar qual a jurisdição competente para dirimir um litígio determinado, ou os litígios eventualmente decorrentes de certa relação jurídica, contando que a relação controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica (art. 67º, nº 1, do CPC). Pactos de jurisdição são as convenções através das quais as partes determinam por acordo sobre qual a jurisdição nacional competente para apreciar um litígio que apresente elementos de conexão com mais de uma ordem jurídica (competência internacional).219 Necessário é, porém, que essa conexão com o tribunal nacional exista para que a convenção seja válida.220 Art. 68º - competência convencional. Pacto de competência é a convenção pela qual as partes designam como competente para o julgamento de determinado litígio um tribunal diferente daquele que resulta das regras de competência interna (pacto que, diga-se, só pode incidir sobre a competência em razão do território, desde que a incompetência relativa não seja aqui de conhecimento oficioso), uma vez que não se podem afastar as regras de conhecimento oficioso (art. 68º, nº 1, do CPC). A competência convencional é a que resulta de uma convenção entre as partes. As partes podem, na verdade, modificar dentro de certos limites as regras de competência fixadas na lei e usam com relativa frequência desse poder, especialmente nas cláusulas que, dentro dos chamados 219 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 189. 220 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 191. 78 contratos de adesão, estabelecem um foro convencional. 221 Os arts. 67º e 68º do CPC regulam a competência convencional internacional e interna, isto é, regulam o princípio da liberdade contratual enquanto fator de atribuição de competência direta. 222 Seguindo ainda Lebre de Freitas, “O primeiro prevê os pactos de jurisdição, através dos quais as partes convencionam sobre a jurisdição nacional competente para apreciar um litígio que apresente elementos de conexão com mais de uma ordem jurídica (competência internacional), e o segundo os pactos de competência, em que as partes dispõem sobre a competência dos tribunais portugueses no seu confronto recíproco (competência interna)». «Para além destes casos, podem ainda as partes, através da convenção de arbitragem, atribuir a um tribunal arbitral competência para dirimir determinado conflito”.223 Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 223. Em resumo: a convenção sobre a competência pode regular a competência interna ou internacional ou atribuir competência a um tribunal arbitral para apreciar um determinado litígio, mesmo que eventual; atendendo à diferenciação desses objetos, a convenção sobre a competência pode ser, respetivamente, um pacto de competência (art. 68º do CPC), um pacto de jurisdição (art. 67º do CPC) ou uma convenção de arbitragem.224 A celebração de convenções sobre a competência [quer de pactos de jurisdição, quer de pactos de competência, quer de convenções de arbitragem] está genericamente sujeita às mesmas regras de formação (atinentes à declaração de vontade e aspetos conexos) e aos mesmos requisitos de validade de qualquer contrato substantivo. No plano processual, as convenções sobre a competência atribuem competência a um tribunal, em exclusividade ou em concorrência com a competência (legal ou convencional) de outro tribunal. 225 221 Miguel Teixeira de Sousa, A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, reimpressão, Lisboa: Lex, 1994, pág. 99. 222 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 189. 223 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 189. 224 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 223-225. 225 Miguel Teixeira de Sousa, A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, reimpressão, Lisboa: Lex, 1994, pág. 100. 79 7.7. Violação das regras de competência 7.7.1. Incompetência absoluta A infração das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional, salvo quando haja mera violação de um pacto privativo de jurisdição, determina a incompetência absoluta do tribunal (art. 69º do CPC). A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença, com trânsito em julgado, sobre o fundo da causa (art. 70º do CPC). Deve ser conhecida no despacho inicial (art. 335º, n. 1, al. b), do CPC), ou no saneador (arts. 386º, n. 1, al. a), 240º, n. 1, al. a), e 273º, n. 1, al. a), todos do CPC). Pode ainda ser conhecida imediatamente, logo que o tribunal, oficiosamente ou por alegação da parte, o verifique, se antes do saneador, ou obrigatoriamente de imediato se verificada após a prolação do despacho saneador (arts. 71º e 72º, n. 1, do CPC). O conhecimento oficioso, ou mediante requerimento de uma das partes, pode mesmo ocorrer no tribunal de recurso.226 Aproveitamento dos articulados (art. 72º, n. 2, do CPC). A existência da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância. No entanto, se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes ser aproveitados, desde que estando as partes de acordo sobre o aproveitamento, o autor solicite a remessa do processo ao tribunal competente. Valor da decisão sobre incompetência absoluta (arts. 73º e 74º do CPC). 7.7.2. Incompetência relativa A infração das restantes regras reguladoras da competência determina a incompetência relativa do tribunal (art. 75º do CPC). Regime de arguição da incompetência relativa (art. 76º do CPC). A incompetência relativa só pode ser invocada pelo réu na sua contestação (ou de oposição, quando não se trata de 226 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 230. 80 uma ação); não pode ser invocada pelo autor e o tribunal não pode conhecer a mesma oficiosamente, exceto nos casos previstos no art. 77º, nº 1 e 2, do CPC.227 O autor pode responder no articulado subsequente da ação ou, não havendo lugar a este, em articulado próprio, dentro de dez dias após a notificação da entrega do articulado do réu (art. 76º, nº 2, do CPC). Trata-se de um incidente inominado (arts. 254º a 256º do CPC), pelo que as partes têm que indicar imediatamente (com o articulado ou resposta) as provas necessárias (arts. 76º, nº 3, e 255º, nº 1, do CPC). A incompetência relativa é sempre decidida antes do despacho saneador (art. 77º, nº 3, do CPC). A ação não avança enquanto não se decidir a questão da incompetência (art. 78º do CPC). Tem que haver caso julgado. Daí que o recurso interposto da decisão que declare a incompetência relativa do tribunal suba imediatamente e nos próprios autos (art. 78º, n. 5, do CPC). O recurso interposto do despacho que declare o tribunal competente sobre também imediatamente, mas em separado (art. 78º, n. 5, do CPC). A incompetência relativa tem como única consequência a remessa do processo para o tribunal competente (arts. 78º, n. 3, e 372º, nº 2, do CPC). Seguindo Antunes Varela, “O julgamento da incompetência relativa apenas interessa à fixação do tribunal competente para a preparação e julgamento da causa, não tendo influência alguma na validade dos atos praticados na ação. Assim, se a exceção de incompetência relativa for julgada (definitivamente) procedente, os autos serão remetidos para o tribunal competente; se for tida como improcedente, o processo prosseguirá o seu curso normal, no tribunal em que se encontra pendente”.228 A incompetência relativa é de conhecimento oficioso nos casos previstos no art. 77º, nº 1 e 2, do CPC. Importa ter em especial atenção as situações de incompetência territorial referidas na al. a) do nº 1, do art. 77º do CPC. 7.8. Conflitos de competência 227 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 234. 228 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 235-236. 81 Há conflito de competência quando dois ou mais tribunais se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão: o conflito diz-se positivo no primeiro caso e negativo no segundo (art. 81º, nº 1, do CPC). O conflito pressupõe que ambas as decisões (em que dois juízes se declaram incompetente, situação mais comum, ou competentes) tenham transitado em julgado (art. 81º, nº 2, do CPC), enquanto a decisão for passível de recurso este pode ser interposto por uma das partes e o tribunal de recurso decidir contrariamente ao decidido na primeira instância. O processo seguirá a forma prevista nos arts. 82º a 85º do CPC, sendo a decisão da competência do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.229 7.9. Garantias da imparcialidade do juiz O juiz está impedido de ser titular do processo, ou de intervir no processo, em todas as situações previstas nos arts. 87º, nº 1, e 89º do CPC. Se ocorrer alguma destas circunstâncias, o juiz deve logo, por despacho nos autos, declarar-se impedido (art. 88º, nº 1, do CPC). Se o não fizer, podem as partes, até à sentença, requerer a declaração do impedimento (art. 88º, nº 1, do CPC). Se o juiz declarar que não está impedido, no caso de incidente suscitado por uma das partes, seja qual for o valor da causa, é sempre admissível recurso da decisão de indeferimento, para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 88º, nº 1, do CPC). O recurso sobe imediatamente e em separado, seja qual for a forma do processo (art. 88º, nº 1, do CPC). Declarado o impedimento, o processo é remetido ao tribunal competente, passará ao juiz imediato ou ao substituto, conforme os casos (art. 88º, nº 3, do CPC). Quando o juiz ser indicado como testemunha, no caso de o juiz declarar que tem efetivamente conhecimento dos factos que estão em discussão no processo fica impedido (art. 620º do CPC), este impedimento deve aliás ser logo declarado pelo juiz quando se aperceba que conhece os factos do processo (arts. 87º, nº 1, al. h), e 88º, nº 1, do CPC). Caso o juiz declare que não conhece os factos não se verifica o impedimento, podendo, porém, a parte invocar o impedimento nos termos do referido art. 88º, nº 1, do CPC. Para Lebre de Freitas “Este regime representa o ponto de equilíbrio entre, por um lado, o 229 Hoje do Presidente do Tribunal de Recurso. 82 direito da parte à prova e a proibição da utilização do conhecimento privado dos factos pelo julgador e, por outro, a necessidade de evitar que a parte consiga, sem fundamento, afastar o juiz do processo, mediante o expediente de o dar como testemunha”.230 Os impedimentos respondem às situações mais graves, que segundo a experiência comum são em regra idóneas a afetar a imparcialidade do juiz, do Ministério Público, ou dos funcionários judiciais (para estes conforme o art. 90º do CPC).231 Os fundamentos para o impedimento são, por isso, taxativos (só pode haver impedimento nos casos previstos nos arts. 87º, nº 1, e 89º do CPC).232 No caso de se verificar qualquer outra situação que possa comprometer a imparcialidade do juiz, pode pedir que seja dispensado de intervir na causa (arts. 91º, nº 1, e 92º, nº 1, do CPC). Seguindo ainda Lebre de Freitas, “As suspeições correspondem a situações de menor gravidade ou risco, consubstanciando-se em circunstâncias que apenas em concreto podem ser sentidas como susceptíveis de comprometer a imparcialidade do juiz ou do funcionário judicial”.233 Ou seja, a seriedade e gravidade do motivo ou motivos causadores do sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz têm de ser consideradas objetivamente, não bastando um puro convencimento subjetivo da parte, ou do próprio juiz na escusa, para se ter por verificada a ocorrência da suspeição. É a partir do senso e experiência comuns que tais circunstâncias devem ser ajuizadas.234 Conforme referido no citado acórdão do Tribunal de Recurso de 28- 10-2010, “o legislador utilizou, para as causas geradoras de suspeição e fundamento de recusa, uma fórmula ampla, abrangente de todos os motivos que sejam adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz”. 230 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 572. 231 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 231. 232 Acórdão do Tribunal de Recurso de 28-10-2010, processo nº nº 01/Pedido de Escusa/2010/TR. Esta tem sido jurisprudência seguida unanimemente pelo Tribunal de Recurso. 233 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 231. 234 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-7- 1996, Colectânea de Jurisprudência, ano XXI, tomo 4º, Coimbra: Casa do Juiz, 1996, pág. 63. 83 A lei preocupa-se não apenas em assegurar, no plano jurídico, a independência funcional do juiz, como também a sua independência a influências estranhas; e justamente para assegurar essa independência de fato, o sistema legal impõe-lhe a obrigação de abster-se de julgar quando existam determinadas circunstâncias.235 Assim, para o efeito de apresentação do pedido de escusa, o que importa é determinar se um cidadão médio, representativo da comunidade, pode, fundadamente, suspeitar que o juiz, influenciado pelo facto invocado, deixe de ser imparcial e, injustamente, o prejudique.236 Caso o juiz não peça a sua escusa, podem as partes deduzir incidente de suspeição do juiz (art. 92º do CPC). O direito de a parte recusar o juiz não está, necessariamente, condicionado à possibilidade ou à probabilidade de que ele esteja realmente propenso a prejudicá-la; basta apenas a ocorrência de uma causa legal que justifique a desconfiança sobre a sua imparcialidade, pois o que está em jogo, afinal, é a confiança depositada na justiça.237 O incidente processa-se nos termos dos arts. 93º a 98º do CPC, sendo a decisão da competência do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. 235 Gian Antonio Michelli, in “Corso di diritto processuale civile”, vol. I, Milano, 1959, pág. 183, citado no mencionado acórdão do Tribunal de Recurso de 28-10-2010. 236 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 5-3-1996, Colectânea de Jurisprudência, ano XXI, tomo 2º, Coimbra: Casa do Juiz, 1996, pág. 281. 237 Karl Larenz, in “Derecho justo - Fundamentos de Ética Jurídica”, Madrid, 1993, pág. 18, citado no mencionado acórdão do Tribunal de Recurso de 28-10-2010. 84 85 Capítulo III – Tramitação Processual Secção I – Articulados 1. Petição inicial 1.1. Conceito A condição indispensável para que o tribunal dirima o litígio introduzido em juízo consiste na fixação, em concreto, dos termos da controvérsia, sendo essa a finalidade dos articulados. Dá-se o nome de articulados às peças escritas através das quais as partes introduzem a lide, expondo os fundamentos da ação e da defesa e formulando os pedidos correspondentes (art. 117º, nº 1, do CPC). A designação de articulados resulta da circunstância de tais peças deverem ser deduzidas por artigos (art. 117º, nº 2, do CPC). Causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento à ação. São os factos geradores do direito (a fonte do direito). Não são abstrações, conclusões, ou qualificações, são os factos concretos. A petição inicial é o articulado em que o autor propõe a ação (art. 117º, nº 1, do CPC). Como manifestação do princípio do dispositivo, só mediante a iniciativa da parte se inicia o processo. A petição inicial é o articulado em que o demandante expõe os fundamentos da ação e formula o correspondente pedido, introduzindo, por conseguinte, o feito em juízo. No art. 7º do CPC está consagrado o princípio do pedido ou da instância como emanação primordial do princípio mais amplo do dispositivo, segundo o qual “… o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes…”. Esta solução é compreensível uma vez que no âmbito do direito civil se discutem 86 maioritariamente direitos de índole privada, disponíveis pela parte. Assim, podendo dispor desses direitos, sobre eles recai o impulso processual, não podendo o tribunal oficiosamente resolver litígios não solicitados pelos titulares dos respetivos interesses ou direitos. A petição inicial traduz-se num ato processual constitutivo da relação processual e é o único articulado absolutamente indispensável à existência do processo. 1.2. Requisitos da petição inicial (art. 349º do CPC) A. Introito ou preâmbulo: A.1- Endereço. O art. 349º, nº 1, al. a), do CPC, impõe que o autor, na petição inicial, designe o tribunal onde a ação é proposta, elemento relevante na aferição do pressuposto competência. Esta designação efetua-se por referência à categoria do tribunal. Embora apenas se exija a designação do tribunal, generalizou-se a prática de dirigir a petição ao magistrado judicial do tribunal competente, o que se deverá porventura a um antigo formulário oficial de diplomas e atos públicos, estabelecido em Portugal pelo Decreto 22.470 de 11/4/1933 que, no seu art. 11º determinava: “As petições … que forem dirigidas a qualquer autoridade judiciária começarão: Exmº Sr. Juiz … ou Exmº Sr. Presidente do Tribunal”. A.2- Identificação das partes. O autor deve, na petição inicial, identificar as partes, indicando: Os seus nomes (quando se trate de pessoas físicas). Firmas ou denominações sociais de sociedades ou outras pessoas coletivas. Domicílio; a residência (quanto às pessoas físicas) e a sede (quanto às pessoas coletivas). Profissões e locais de trabalho (quando possível). 87 Indicação do legal representante (quando se trate de incapaz ou de pessoa coletiva, o que se reveste de utilidade prática uma vez que a citação deve ser feita na pessoa dos legais representantes). A menoridade, quando útil para aferir da capacidade judiciária. A.3- Forma de processo. Exige o art. 349º, nº 1, al. c), CPC, que o autor indique a forma de processo, a qual constitui elemento relevante para a classificação do papel pelo funcionário distribuidor (arts. 177º e 185º o CPC). A forma de processo de indicação obrigatória é a estabelecida nos arts. 3º e 347º do CPC. Exemplos: - “Acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum”. - “Acção declarativa de condenação sob a forma de processo especial de divórcio”. É usual fazer-se a indicação de determinados tipos de ações referenciados no direito substantivo ou consagrados no léxico forense: - Ação de reivindicação. - Ação de impugnação pauliana. - Ação de preferência. Embora não obrigatória, esta indicação constitui todavia uma fórmula sintética de aludir ao objeto da causa. A omissão da indicação da forma de processo é motivo de recusa do recebimento da petição inicial (art. 175º do CPC). A errada indicação da forma de processo é uma nulidade processual com o regime previsto no art. 161º do CPC. B. Narração: 88 Chama-se narração ao trecho da petição inicial em que o peticionante expõe os fundamentos da ação (art. 467º, nº 1, al. d), do CPC). Esses fundamentos distribuem-se por três planos: O plano dos factos concretos: é constituído pelas afirmações dos factos indispensáveis à decisão da causa, isto é, os que sejam suscetíveis de preencher a hipótese legal em que se estriba o efeito jurídico pretendido. O plano do clima moral: circunstancialismo envolvente, explicativo do litígio e útil á sua compreensão, ainda que não indispensável ao preenchimento da hipótese legal relevante, mas que lhe dá vida, podendo aliás influir, de algum modo, na convicção do julgador. O plano das razões de direito: refere-se à invocação das normas jurídicas aplicáveis, incluindo as máximas da experiência, equidade ou regras de lógica. B.1- Forma. Os factos concretos integradores da causa de pedir terão de ser deduzidos com subordinação a números ou artigos, exceto quando a lei dispense a narração sob forma articulada (art. 117º, nº 2, do CPC). Visa-se pois, proporcionar um exercício esclarecido do contraditório, por banda do réu, tendo em conta o ónus de impugnação especificada que sobre ele impende (art. 370º, nº 1, do CPC), bem como facilitar a condensação da matéria de facto. Assim sendo, é recomendável que se deduza um facto por artigo, recortando-o de forma concisa nos seus traços essenciais, sem prejuízo, todavia, dos respetivos elementos acidentais que relevem para a decisão (modo, tempo, lugar etc.) e que se proceda a uma ordenação da matéria de facto lógica e cronologicamente sequencial e coerente, para que não saia prejudicada a sua dimensão integral. Do clima moral fazem parte aquelas considerações que, não integrando a estrutura fáctica da causa, favorecem o seu enquadramento no contexto comportamental dos litigantes, tornando aquele factualismo mais explícito aos olhos do julgador. Relativamente às alegações de direito, tanto pode consistir na mera citação das disposições legais (artigos) como na reprodução das normas deles extraídas. Por outro lado, a alegação de 89 direito deve ser quanto possível sóbria, pois o desenvolvimento das teses jurídicas tem o seu momento próprio no quadro das alegações de direito, aquando da discussão da causa ou das alegações de recurso. Como resulta do princípio do dispositivo, incumbe ao autor que invoca a titularidade de um direito especificar a causa de pedir (fonte desse direito, o facto ou ato necessário para que o seu direito proceda). Assim, antes do juiz analisar a matéria de facto, já esta foi selecionada numa primeira fase, de acordo com o direito invocado (autor) ou o meio de defesa escolhido (réu), no sentido de serem alegados e provados factos para que a pretensão ou defesa sejam procedentes. A necessidade da correta alegação da matéria de facto está diretamente relacionada com a natureza dos interesses que importa assegurar, quem invoca um direito tem o ónus de alegar factos constitutivos desse direito, quem se defende por exceção tem de alegar os factos extintivos, modificativos ou impeditivos subjacentes (conforme o ónus de prova previsto no art. 510º do CPC). A necessidade de alegação dos factos essenciais que integram a previsão abstrata da norma ou normas jurídicas, relaciona-se também com o respeito do princípio do contraditório. O direito de defesa só pode ser eficazmente exercido se o autor expuser de forma clara a sua pretensão, para que o réu responda especificadamente sobre cada facto articulado. Por outro lado, o ónus de alegação da matéria de facto que integra a causa de pedir está conexionado com os limites que o art. 412º do CPC impõe ao juiz, cuja sentença, em princípio, se deve limitar aos factos articulados pelas partes. A problemática da distinção surge quando o autor elabora a petição inicial e tem que cumprir o ónus de alegar matéria de facto. Não existe um critério universal que permita a distinção, esta tem que ser feita caso a caso, atenta a problemática que se suscita no processo. Não é irrelevante a opção a tomar uma vez que dela pode depender o sucesso da ação, a matéria de direito não pode ser incluída na especificação ou no questionário (art. 387º, nº 1, do 90 CPC), ser objeto de instrução (arts. 389º do CPC) ou de integrar a decisão sobre a matéria de facto (art. 412º do CPC). Exemplos de afirmações de direito: - Má fé; - Abuso de direito; - Culpa; - Economia comum; - Proveito comum do casal; - Conduzir por conta de outrem. Exemplos de afirmações de matéria de facto: - Árvore; - Terreno; - Secretária; - Computador. Exemplos de afirmações técnico-jurídicas qualificáveis como matéria de facto (são expressões com um significado jurídico e vulgar corrente, facilmente percetível pelas pessoas comuns): - Vender; - Detenção; - Fruição; - Despedimento; 91 - Arrendamento; - Renda. Causa de pedir simples é aquela que é constituída por um facto singelo. Ex: invocar direito de crédito com base em contrato celebrado e não cumprido. Causa de pedir complexa é aquela que é constituída por vários factos. Ex: invocar o direito de indemnização resultante de acidente de viação provocado por veículo tripulado por comissário. Causas de pedir múltiplas. Podem surgir em regime de cumulação real, subsidiária ou alternativa. Ex. Pedido de divórcio baseado em vários comportamentos integradores da violação de múltiplos deveres conjugais. Exemplos de causas de pedir. - Ações baseadas em contratos. O núcleo da causa de pedir é constituído pela celebração de um contrato que gera direitos. Para além de alegar as cláusulas concretas do contrato definidoras da obrigação, deve remeter para o documento (contrato) junto com a petição inicial que contenha as cláusulas contratuais. - Ações constitutivas. Ex. Resolução do contrato de arrendamento, a causa de pedir consiste na alegação da relação de locação (contrato de arrendamento) e dos factos que, de acordo com o art. 1018º do Código Civil constituem fundamento da resolução do contrato. Ex. Ação de divórcio, a causa de pedir consiste na alegação da relação matrimonial (casamento) e é constituída pelos factos concretos invocados como integradores dos fundamentos legais do divórcio. - Ação de anulação ou declaração de nulidade. 92 A causa de pedir é integrada pelos factos (erro sobre o objeto do negócio, coação moral, negócio contrário à ordem pública) de onde o autor faz derivar a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico. - Ação de simples apreciação. Apreciação positiva: a causa de pedir implica a alegação de uma específica relação jurídica de que resultam direitos e obrigações cujo conteúdo se discute. Apreciação negativa: a causa de pedir integra a alegação da inexistência do direito ou facto específico e dos factos indiciadores do estado de incerteza que justifica o litígio. - Ações de responsabilidade civil. Trata-se de causa de pedir complexa, de acordo com os casos, pressupõe a alegação do evento, ilicitude, culpa, ou responsabilidade objetiva, prejuízo e o nexo de causalidade entre o evento e o dano. - Ações de filiação. A causa de pedir é integrada pelos factos que confirmem (ação de investigação paternidade/maternidade) ou neguem (ações de impugnação paternidade/maternidade) a existência da relação biológica. - Ações reais. A causa de pedir é preenchida pelos factos de onde o autor faz derivar o direito real. Ex. Ação de reivindicação, a causa de pedir integra o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre o bem, com invocação da aquisição originária (por exemplo, usucapião ou acessão). - Ações executivas A causa de pedir integra os factos que consubstanciam a relação de crédito em que o autor fundamenta o seu direito a uma prestação de quantia certa, coisa certa ou de facto positivo ou negativo, comprovada pelo documento (cheque, letra, livrança) que constitui o título executivo e 93 determina os fins e limites da ação executiva. Os documentos juntos com a petição podem complementar a causa de pedir, apenas se a parte remeter para os mesmos e como complemento do alegado na petição inicial. Na fundamentação da ação deve dar-se primordial importância às razões de facto. Enquanto na matéria de facto o juiz está vinculado às alegações das partes, na indagação, interpretação e aplicação do direito o Tribunal age livremente (art. 412º do CPC). 1.3. O pedido 1.3.1. Noção O pedido corresponde ao efeito jurídico que o autor pretende retirar da ação intentada, traduzindo-se na providência que o autor solicita ao tribunal. Pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor. O pedido delimita a ação. O juiz não pode condenar em objeto diferente do pedido e para além do que foi pedido (art. 416º, nº 1, al. e), do CPC). Manuel de Andrade define o pedido como “a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendido pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar”.238 Antunes Varela, acrescenta “o pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor”. 239 A formulação do pedido integra duas componentes: A) A componente substantiva: - Afirmação do efeito jurídico material pretendido Ex. Reconhecimento de um direito, resolução ou anulação de contrato, averiguação de paternidade. 238 Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra: Coimbra Editora, 1956, pág. 299. No mesmo sentido Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 105. 239 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 245. 94 - Especificação do objeto sobre o qual incide aquele efeito. Ex. Coisa móvel ou imóvel, certo comportamento etc. B) A componente processual: - Enunciação do tipo de atividade ou providência solicitada ao tribunal como modo de atuar o efeito jurídico pretendido (declaração, condenação, execução etc.). Exemplos de algumas fórmulas consagradas na prática: - Nas ações declarativas de simples apreciação: “Nestes termos, D. (distribuída) e A. (autuada), deve a presente ação ser julgada provada e procedente e, em consequência, reconhecido o direito de propriedade do autor sobre o prédio X”. - Nas ações de condenação: “Nestes termos, D. e A. deve a presente ação ser julgada provada e procedente e o réu condenado a pagar ao autor a quantia de $ ……” (a prestar determinado facto ou a abster-se de o praticar). - Nas ações constitutivas: “Nestes termos, D. e A. deve a presente ação ser julgada provada e procedente e, em consequência disso, declarado resolvido o contrato” (decretado o divórcio etc.). A doutrina exige que o pedido seja explícito. Tem que estar bem destacado, fora da parte que contém a narração dos factos, e tem de se conter dentro da petição inicia. A jurisprudência portuguesa tem sido menos exigente, admitindo mesmo pedidos implícitos. 1.3.2. Tipos de pedidos (arts. 350º a 354º do CPC) No caso dos pedidos alternativos (art. 350º) ou dos pedidos subsidiários (art. 351º), existe uma cumulação meramente aparente de pedidos. No caso dos pedidos subsidiários, formula-se um pedido principal, para valer em primeira linha, e, para a hipótese de ele não ser atendido, 95 formula- se um segundo pedido. O pedido pode ser formulado em alternativa quando a obrigação é alternativa (art. 447º, nº 1, do Código Civil). Neste caso, pertencendo a escolha da obrigação ao autor ou ao réu (ou mesmo a terceiro), o autor pode formular pedido alternativo, para que afinal o réu seja condenado a efetuar uma obrigação à sua escolha ou de outra pessoa, consoante os casos.240 O autor não manifesta aqui qualquer preferência, podendo mesmo não o fazer quando a escolha pertence ao réu. No pedido subsidiário o autor formula igualmente dois pedidos, mas pretende que o réu seja condenado no primeiro pedido, formulando o segundo apenas para o caso de o primeiro não poder proceder. Enquanto no caso dos pedidos alternativos as pretensões se equivalem juridicamente, no caso dos pedidos subsidiários há uma graduação das pretensões do autor.241 Em ambos os casos (pedidos alternativos ou pedidos subsidiários), porém, o autor formula dois pedidos mas apenas pretende a condenação do réu num deles. Os pedidos subsidiários podem ser opostos. Não pode haver subsidiariedade de sujeitos. Cumulação real de pedidos (art. 352º do CPC): pedidos vários que se formulam para valerem conjuntamente. Os pedidos têm que ser compatíveis. É usual aditar-se o pedido de condenação em custas e condigna procuradoria. Não é obrigatória a sua formulação, já que a condenação em custas e procuradoria é oficiosa (art. 653º, nº 1, do CPC). É também habitual requerer-se o fim do articulado a citação do réu, empregando-se fórmulas do tipo: - “Para tanto, R. (requeiro) a V. Exª que, D. (distribuída) e A. (autuada a presente petição), se digne mandar citar o Réu para contestar, querendo, no prazo e sob cominação legal, 240 Veja-se Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 255-258. 241 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 259. 96 seguindo-se os demais trâmites processuais”. Não é obrigatória a sua formulação, já que a ordem de citação é oficiosa, como resulta do art. 359º, nº 1, do CPC. Os pedidos genéricos são pedidos respeitantes a bens não rigorosamente determinados (art. 353º, nº 1, do CPC). Os casos em que são admitidos os pedidos genéricos constituem situações excecionais,242 pelo que os pedidos genéricos não são admissíveis fora dos casos previstos no CPC. Os pedidos de prestações vincendas visam prestações já determináveis que devam vencer-se na pendência da ação (art. 354º do CPC). Nos termos do art. 104º do CPC, a petição inicial, como qualquer outro ato judicial, deve ser elaborada numa das línguas oficiais (tétum ou português). 2. Valor da causa Importa distinguir o valor da causa do valor tributário (art. 257º do CPC e arts. 5º a 10º Código das Custas Judiciais243). O valor da causa (os critérios de determinação encontram-se nos art. 258º e seguintes do CPC) tem efeitos quanto: - À competência do tribunal; - À forma do processo; -À alçada. O valor tributário tem efeitos quanto a custas e demais encargos legais e são primeiro estabelecidos pelo Código das Custas Judiciais e subsidiariamente no CPC. 242 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 265. 243 Aprovado pelo Decreto-Lei nº 16/2011, de 13 de Abril. 97 Nas ações é obrigatória a indicação do valor da causa (arts. 357º, nº 1, e 349º, nº 1, al. f), do CPC), mas já o não é nos incidentes (art. 268º, nº 1, do CPC). Relativamente à maneira de o indicar, embora a lei o não indique, é conveniente que se faça por algarismos e por extenso. Ex. “Valor da causa: US$ 14.000,00 (catorze mil dólares)”. A petição inicial deve ser acompanhada do comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça (art. 116º, nº 1, do CPC). A petição inicial deve ser acompanhada de duplicados (art. 118º, nº 1, do CPC). 3. Formalidades iniciais (distribuição) A petição inicial é entregue na secretaria geral do tribunal a que é dirigida, considerando-se intentada a ação na data da entrega da petição na secretaria (art. 115º do CPC). Entregue a petição inicial na secretaria procede-se à sua distribuição (art. 173º, nº 1, al. a), do CPC). A distribuição visa repartir com igualdade e impessoalidade o serviço do tribunal (art. 171º do CPC). Entregue a petição inicial na secretaria do tribunal, a mesma pode ser rejeitada pela própria secretaria se não contiver os requisitos externos exigidos pela lei (art. 175º, nº 1, do CPC). Em caso de dúvida a questão deve ser colocada ao juiz que preside à distribuição, o qual decidirá (art. 175º, nº 2, do CPC). Desta recusa pode a parte reclamar para o juiz que preside à distribuição. Do despacho deste cabe recurso de agravo nos termos gerais. Formalidades da distribuição (arts. 176º a 184º do CPC). Espécies na distribuição na primeira instância (art. 185º do CPC). 98 Se a petição for recusada pelo juiz que a ela preside, pode o autor corrigir a irregularidade e apresentar nova petição até à distribuição seguinte, a fim de beneficiar do regime previsto no art. 357º, nº 2, do CPC. Ou seja, o autor aproveita a data da propositura da ação inicial para efeitos de tempestividade da mesma e o pagamento de taxa de justiça já efetuado. 4. Despacho Inicial Recebida a petição inicial na secretaria, após a distribuição, e instruído o processo, o mesmo é concluso ao juiz, no prazo de cinco dias (art. 131º, nº 1, do CPC). O juiz deve proferir despacho em dez dias (art. 125º do CPC). Para os despachos de mero expediente o prazo é de dois dias, o que significa que o despacho inicial não é considerado um despacho de mero expediente. São os seguintes os tipos de despacho inicial possíveis: 4.1. Indeferimento liminar A petição deve ser liminarmente indeferida quando se reconheça que é inepta (art. 355º, nº 1, al. a), do CPC). Diz-se inepta a petição (art. 155º, nº 2): A) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir. Importa distinguir a falta de causa de pedir de causa de pedir deficiente, esta não contém todos os factos de que depende a procedência da ação ou apresenta-se articulada de forma incorreta ou deficiente. Pode conduzir à prolação de despacho de aperfeiçoamento (art. 358º nº 1, do CPC) ou, em caso de não acolhimento do convite ao aperfeiçoamento, à improcedência do pedido no despacho saneador ou na sentença final. A petição inepta por falta de causa de pedir constitui nulidade absoluta e, caso não tenha havido indeferimento liminar, implica a absolvição da instância no despacho saneador, exceto no 99 caso do art. 155º, nº 3, do CPC (art. 240º, nº 1, al. b), do CPC). Exemplos de situações de falta de causa de pedir: - Articular em ação de divórcio que a “ré violou os deveres conjugais” sem alegar quais. - Indicar factos vagos ou genéricos. Ex. Ação de manutenção de posse, apenas alegar que o réu tem praticado atos de “perturbação do seu direito”, sem especificar quais. - Em ação de simples apreciação negativa alegar que “O autor nada deve ao réu”, sem concretizar os factos a que se reporta tal declaração. Considera-se inepta a petição apresentada em termos obscuros ou ambíguos e que impeça a compreensão segura da causa de pedir. A ininteligibilidade pode derivar da formulação (não se compreende o que o autor pretende) ou da fundamentação do pedido (falta de nexo entre o pedido e a causa de pedir ou a norma legal invocada). Admite sanação pela posterior intervenção do réu, desde que se reconheça que este interpretou corretamente a petição inicial (art. 155º, nº 3, do CPC) ou através da ampliação da matéria de facto em réplica. B) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir. A petição inicial deve apresentar-se sob a forma de um silogismo, premissa maior (razões de direito), premissa menor (razões de facto) e o pedido corresponderá à conclusão. Ex: O autor invoca a nulidade de negócio jurídico com base em simulação absoluta e conclui pedindo o direito de preferência e a transmissão para o preferente do bem. A existência de contradição conduz ao indeferimento liminar, nos casos admitidos por lei, por ineptidão da petição inicial ou, em fase posterior, á absolvição da instância. C) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis. Contradição substancial de causas de pedir. Ex: Ao arguir a anulabilidade do contrato, o autor 100 pede a anulação deste e ao mesmo tempo, a condenação do réu na prestação nascida do contrato (como se este permanecesse válido). É admissível a alegação de causas de pedir contraditórias quando invocadas a título subsidiário. Só existe ineptidão quando se torna impossível discernir qual é, na realidade, a pretensão que pretende ver judicialmente reconhecida. 244 Se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta. 245 A ineptidão deve entender-se segundo esta diretiva geral: não ser possível saber, em face do articulado, qual a ideia do autor quanto a rasgos essenciais da ação. Deve tratar-se de uma verdadeira ininteligibilidade do pensamento do autor. 246 Ou seja, o que releva é o pensamento do autor e não a qualificação do direito que o mesmo faça. A maioria da doutrina exige que o pedido seja explícito, bem destacado e fora da narração dos factos. No entanto, para norma idêntica, a jurisprudência portuguesa vem aceitando, de forma pacífica e na sequência do exposto supra, que o pedido possa ser inserido no próprio articulado, desde que dele resulte claro. Isto é, sem necessidade de formulação final autónoma, embora tal devesse ser a fórmula empregue. A petição deve ser liminarmente indeferida quando seja manifesta a incompetência absoluta do tribunal, a falta de personalidade ou da capacidade judiciária do autor ou do réu, ou a sua ilegitimidade (art. 355º, nº 1, al. b), do CPC). Veja-se o art. 386º, nº 1, al. a), do CPC. Não sendo manifesta na petição inicial a 244 Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. I, Coimbra: Almedina, 1963, págs. 388-389. 245 Alberto do Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, Coimbra: Coimbra Editora, 1944, pág. 364. 246 Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra: Coimbra Editora, 1956, pág. 178. 101 incompetência absoluta do tribunal, a falta de personalidade ou da capacidade judiciária do autor ou do réu, ou a sua ilegitimidade, qualquer destas situações determinará a absolvição do réu da instância, no despacho saneador. A petição deve ser liminarmente indeferida quando a ação foi proposta fora de tempo, sendo a caducidade de conhecimento oficioso, ou quando, por outro motivo, for evidente que a pretensão do autor não pode proceder (art. 355º, nº 1, al. c), do CPC). Vejam-se os prazos de caducidade e de prescrição de direitos. A petição deve ser indeferida quando a forma de processo escolhida pelo autor não corresponder à natureza da ação e não possa ser utilizada naquele caso concreto a forma de processo adequada (art. 355º, nº 1, al. c), do CPC.) No caso de acumulação de pedidos, sendo o processo adequado para um deles, deve ser aproveitado relativamente a esse, por razões de economia processual. Caso contrário, cita- se o réu e absolve-se da instância no saneador, relativamente ao pedido para o qual o processo não seja adequado. Não é admissível o indeferimento liminar parcial, a não ser que do indeferimento resulte a exclusão de algum dos réus (art. 355º, nº 2, do CPC). Isto significa que, ainda que seja manifesto que uma parte do pedido deve improceder, se a ação tiver que prosseguir para apreciação da restante parte, não haverá lugar a indeferimento liminar. Deverá antes ser proferido despacho de aperfeiçoamento, ou despacho de citação. O indeferimento liminar dá lugar à extinção da instância (art. 239º, nº 1, al. a), do CPC), nos casos previstos no art. 355º, nº 1, al. c), primeira parte, do CPC. Não havendo indeferimento liminar, as causas deste dão lugar à absolvição da instância, no despacho saneador (art. 240º, nº 1, do CPC). O indeferimento liminar justifica-se por razões de economia processual. Não vale a pena prosseguir com a ação, sujeitando o réu a incómodos e a despesas, se pela simples leitura da petição o juiz conclui que a pretensão do autor não pode proceder. 4.2. Atitudes do autor face ao indeferimento liminar da petição 102 A. O autor pode conformar-se com o despacho e renuncia à ação, não só aceita a decisão, como decide não intentar nova ação. O despacho transita em julgado tendo como efeito a extinção ou absolvição da instância. B. O autor aceita a decisão, mas não renuncia à propositura da ação. Se apresentar nova petição na qual corrija a falta que determinou o indeferimento, dentro do prazo de dez dias a contar da notificação da decisão, seja da primeira instância, seja da decisão sobre o recurso interposto, a ação considera-se proposta na data em que a primeira petição deu entrada na secretaria do Tribunal (art. 357º do CPC). Neste caso, se tiver havido recurso do despacho de indeferimento e o réu tiver sido citado para os seus termos, o réu será apenas notificado para contestar (art. 357º, nº 2, do CPC). Se o réu não chegou a ser citado, será então citado para os termos da ação. Tudo se passa como se a instância não tivesse sido interrompida, aproveitando o autor a data da propositura da ação inicial para efeitos de tempestividade da mesma, a distribuição efetuada e o pagamento de taxa de justiça já efetuado. A doutrina tem entendido que a petição tem que ser corrigível e que a nova petição não introduza outros sujeitos ou outra causa de pedir. Tem que se a mesma ação e não outra completamente nova. Se o autor apresentar nova petição depois de decorrido o referido prazo de dez dias, tratar-seá de uma nova ação. C. O autor pode recorrer do despacho que indefere liminarmente a sua petição. Atenta a gravidade das consequências do indeferimento, admite-se recurso desse despacho, seja qual for o valor da causa (art. 356º, nº 1, do CPC). Independentemente do fundamento do despacho o recurso é de agravo (art. 356º, nº 1, do CPC). Em obediência ao princípio do contraditório, uma vez que a questão interessa sem dúvida ao réu, no despacho que admita o recurso é ordenada a citação do réu, tanto para os termos do 103 recurso como para os da causa (art. 356º, nº 3, do CPC). Ou seja, o réu pode então pronuncia-se sobre o recurso, nomeadamente alegando em defesa da manutenção do despacho de indeferimento, podendo também preparar a sua defesa para o caso de vir a proceder o recurso. Neste caso será apenas notificado para contestar a ação, ma vez que já foi citado (arts. 356º, nº 4, e 357º, nº 2, última parte, do CPC). Se o recurso não proceder a entrada do processo na secretaria do Tribunal de primeira instância é logo notificada ao autor, começando então a correr o prazo de dez dias para o autor apresentar nova petição, nos termos do art. 357º, nº 1, do CPC (art. 356º, nº 4, do CPC). A decisão do Tribunal de Recurso não faz caso julgado relativamente às questões previstas no art. 355º, nº 1, al. c), do CPC, apenas se assegurando o prosseguimento da ação. 4.3. Despacho de aperfeiçoamento Nos termos do art. 358º, nº 1, do CPC, só existe despacho de aperfeiçoamento quando não ocorra nenhum caso de indeferimento liminar. - Exemplos de situações objeto de despacho de aperfeiçoamento: A) Quando a petição não possa ser recebida por falta de requisitos legais. Ex: falta de indicação do valor da causa, falta de menção da forma de processo, falta de articulação das razões de facto, falta de assinatura do mandatário, ou da parte, incompleta identificação das partes. B) Falta de documentos (art. 595º, nº 1, do CPC). Ex: falta de título executivo apesar de invocado no requerimento inicial; falta de certidão de nascimento em ação de filiação, falta de certidão de casamento na ação de divórcio. Outras situações de falta de documentos. Ex: falta, insuficiência ou irregularidade da procuração; falta de constituição de advogado nos casos em que é obrigatória; falta de autorização, deliberação ou consentimento (arts. 26º a 28º do CPC) e falta de cumprimento de obrigações fiscais. C) Existência de irregularidades ou deficiências suscetíveis de comprometer o êxito da ação. 104 Ex: falta de factos da causa de pedir; quando a petição era confusa e desordenada, embora se percebesse a causa de pedir e o pedido; uso de expressões de direito desacompanhadas de matéria de facto, quando não se especificasse que se consideram ou não provados. Exemplo de despacho de aperfeiçoamento: Verifica-se da leitura da petição inicial que o autor não especificou com detalhe as circunstâncias em que ocorreu o acidente. Tal descrição revela-se essencial para se poder determinar a responsabilidade pela ocorrência do mesmo. Assim, convido o autor a apresentar nova petição, descrevendo detalhadamente as circunstâncias em que ocorreu o acidente, no prazo, de quinze dias. Notifique. Não se pode considerar o uso desta faculdade como quebra da imparcialidade do juiz. Tratase de uma faculdade conferida com vista ao esclarecimento do objeto da ação, que tanto pode levar à procedência como à improcedência da ação. A intervenção oficiosa do juiz tem sempre como base a adequação à finalidade do processo e a oportunidade. Caso o autor satisfaça a solicitação do juiz beneficia do regime previsto no art. 357º, nº 2, do CPC, ou seja, tudo se passa como se a instância não tivesse sido interrompida, aproveitando o autor a data da propositura da ação inicial para efeitos de tempestividade da mesma, a distribuição efetuada e o pagamento de taxa de justiça já efetuado. Se o autor não satisfizer a solicitação: No caso da primeira parte do art. 358º, nº 1, do CPC, e apenas nestes, a petição deve ser indeferida. Não podendo a petição ser admitida por falta de requisitos legais e não suprindo o autor a irregularidade, a decisão só pode ser a de indeferir liminarmente a petição. O despacho de aperfeiçoamento é aqui um poder vinculado. Nos casos da segunda parte do art. 358º, nº 1, do CPC, se o autor não corrigir a petição, o juiz 105 deve proferir despacho de citação, prosseguindo a ação e sujeitando-se o autor às consequências futuras da elaboração deficiente da sua petição. Trata-se aqui de um poder discricionário do juiz. É discutida na doutrina, e na jurisprudência comparada, a questão da admissibilidade do recurso do despacho que convida o autor a suprir as irregularidades ou insuficiências da petição (ou seja, do despacho de aperfeiçoamento). Afigura-se mais correta a segunda posição, ou seja, que não é admissível recurso do despacho de aperfeiçoamento. No caso da primeira parte do art. 358º, nº 1, do CPC, em virtude de o autor poder depois recorrer do despacho de indeferimento e no caso da segunda parte do art. 358º, nº 1, do CPC, em virtude de se tratar do uso de um poder discricionário do juiz (art. 429º, al. b), do CPC). 5. Citação 5.1. Conceito Citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (art. 190º, nº 1, do CPC). Trata-se do ato que, em obediência ao princípio do contraditório conclui a formação da relação processual. Não pode haver citação sem despacho prévio do juiz (art. 191º, nº 1, do CPC). 5.2. Despacho de citação Notificação é o ato pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa. A citação assume especial relevância pelo papel que desempenha, pelo que o legislador cuidou em particular desta forma de comunicação do ato inicial do processo. Como já se referiu, a citação depende de despacho a proferir pelo juiz nos termos do art. 359º, nº 1, do CPC. 106 A citação constitui um convite ao réu para contestar a ação. O despacho de citação deve indicar a modalidade da citação, o prazo que o réu tem para contestar, o prazo de dilação (se houver), as consequências da falta de contestação, se é ou não obrigatória a constituição de advogado (arts. 359º, nº 1, e 198º, nº 2, do CPC). O prazo para contestar é de trinta dias (art. 366º, nº 1, do CPC), acrescido eventualmente do prazo de dilação se previsto no art. 210º do CPC. É obrigatória a constituição de advogado nos casos do art. 36º, nº 1, do CPC. No ato da citação o réu deve ser advertido de que a falta de contestação tem como consequência a confissão dos factos articulados pelo autor (art. 359º, nº 1, do CPC). A citação é normalmente ordenada após a distribuição e a conclusão do processo ao juiz a quem foi distribuído. A citação pode, porém, preceder a distribuição. Em caso de urgência e por forma a obviar a demora decorrente da distribuição (lembre-se que a distribuição é efetuada apenas duas vezes por semana (art. 176º, nº 1, do CPC) e da demora na conclusão do processo, o autor pode requerer que a citação prévia (art. 359º, nº 2, do CPC). Neste caso o processo é imediatamente concluso ao juiz presidente que poderá ordenar (se se verificarem os requisitos que determinam a urgência da citação) que a citação seja realizada de imediato, antes de se proceder à distribuição do processo. As situações mais frequentes para justificar a citação prévia são a iminência de ausência do réu, havendo assim necessidade de o citar antes de o mesmo sair do país, e a iminência da prescrição. O despacho que ordena a citação do réu pressupõe que a petição não enferma de nenhum dos defeitos que poderiam determinar o seu indeferimento liminar, nem de qualquer vício que a torne deficiente ou irregular. Porém, daí não resulta que as questões que poderiam determinar o indeferimento liminar e que o juiz não conheceu não possam ser conhecidas posteriormente, nomeadamente no despacho 107 saneador, determinando-se então a absolvição do réu da instância (arts. 360º, nº 2, e 196º, nº 2, do CPC). Ou seja, o juiz pode ainda, no despacho saneador, por sua iniciativa ou a requerimento do réu, julgar por exemplo a petição inepta, o tribunal absolutamente incompetente, a ação extemporânea ou prematura, ou improcedente, em face dos termos da própria petição inicial. O despacho de citação é irrecorrível (arts. 360º, nº 1, e 196º, nº 2, do CPC). Esta norma é ditada por razões de economia processual. Uma vez que o juiz não fica impedido de conhecer no sanador da irregularidade da petição inicial, não haverá necessidade de recorrer do despacho de citação, devendo o réu concentrar toda a sua defesa na contestação. 5.3. Efeitos da citação 5.3.1. Efeitos materiais (ou substantivos) A citação faz cessar a boa fé do possuidor (art. 361º, al. a), do CPC).247 A posse é de boa fé quando quem a exerce ignora que lesa o direito de outra pessoa. Assim, se o autor vem invocar algum direito sobre o bem possuído, após a citação, o possuidor não pode mais ignorar que outra pessoa se arroga direitos sobre o mesmo bem. Daí que cesse a boa fé do possuidor. A citação interrompe a prescrição. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (art. 314º, nº 1, do Código Civil). 248 Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias (art. 314º, nº 2, do Código Civil). 247 No mesmo sentido o art. 532º do Código Civil Indonésio. 248 Arts. 1979º e 1980º do Código Civil Indonésio. 108 A anulação da citação ou notificação não impede o referido efeito interruptivo (art. 314º, nº 3, do Código Civil).249 A citação constitui o devedor em mora após a mesma (arts. 410º, nº 2, al. b), do CPC, e 738º, nº 1, do Código Civil). Só com a citação a obrigação pura se vence e a não satisfação da obrigação passa a ser facto ilícito. A citação constitui uma interpelação judicial do devedor que produz o vencimento da obrigação, no caso das obrigações sem prazo certo. 5.3.2. Efeitos processuais (ou adjetivos) A citação torna estáveis os elementos essenciais da causa, nos termos do art. 224º (art. 361º, al. b), do CPC). Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, as pedido e à causa de pedir, salvas as modalidades de modificação previstas na lei (art. 224º do CPC). Os elementos essências da causa, através dos quais a ação se identifica, são os sujeitos (autor e réu), o pedido (pretensão formulada pelo autor) e a causa de pedir (facto concreto que serve de fundamento jurídico à pretensão). Importa ter presente que a citação torna estes elementos estáveis mas não imutáveis ou inalteráveis. Efetivamente podem ocorrer alterações subjetivas (intervenção de terceiros e sucessão do direito litigioso)250 e mesmo objetivas (alteração ou ampliação do pedido ou da causa de pedir)251 . A citação inibe o réu de propor contra o autor ação destinada à apreciação da mesma questão jurídica (art. 361º, al. c), do CPC). A citação do réu cria a favor do autor a exceção (eventual) da litispendência, na hipótese de o réu propor contra o autor ação destinada a apreciar e solucionar a mesma questão jurídica. 249 Contrariamente, o art. 1981º do Código Civil Indonésio retirava os efeitos interruptivos à interpelação ou citação declarada inválida ou anulada. 250 Arts. 271º, 276º e 280º, nº 1, e arts 295º, nº 1, e 300º, nº 1, todos do CPC. 251 Art. 228º do CPC. 109 A exceção da litispendência deve ser na ação proposta em segundo lugar, considerando-se proposta em segundo lugar precisamente a ação em que o réu tenha sido citado posteriormente (art. 378º, nº 1, do CPC). Trata-se precisamente da manifestação dos princípios contidos no art. 361º do CPC. 5.4. Modalidades de citação O art. 195º, nº 1, do CPC, prevê apenas duas modalidades de citação, a citação pessoal e a citação edital. Como modalidade de citação pessoal, no art. 204º, nº 2, do CPC, está prevista ainda a citação postal para réus residentes no estrangeiro. 5.4.1. Citação pessoal A citação pessoal é feita mediante contacto pessoal da autoridade competente com o citando (arts. 195º, nº 1, do CPC, e 1º, nº 1, do Dec. Lei nº 2/2006, de 1 de Março). Ordenada a citação a secretaria solicita a sua realização ao administrador do distrito da área em que aquela deva realizar-se, entregando-lhe todos os elementos necessários à mesma (arts. 197º, nº 1, do CPC, e 2º, nº 1, do Dec. Lei nº 2/2006, de 1 de Março). Compete ao administrador do distrito determinar a efetivação da citação pelos respetivos serviços, podendo delegar nos órgãos de subdistrito (art. 197º, nº 2, do CPC, e 1º, nº 2, do Dec. Lei nº 2/2006, de 1 de Março). A citação deve ser efetuada no mais breve prazo possível (art. 197º, nº 4, do CPC). Logo que efetuada a citação por contacto pessoal, o administrador do distrito devolve o expediente ao tribunal competente (art. 197º, nº 3, do CPC). Caso a citação não seja efetuada no prazo de quinze dias o administrador do distrito deve informar o tribunal das razões pelas quais a citação não se realizou (art. 197º, nº 3, do CPC, e 2º, nº 2, do Dec. Lei nº 2/2006, de 1 de Março). Passados trinta dias sem que a citação se mostre efetuada o autor é informado das diligências efetuadas e dos motivos da sua não realização, sendo o processo concluso ao juiz para que ordene 110 as diligências que entender mais adequadas (art. 196º, nº 1, do CPC). No ato de citação é entregue ao citando o duplicado da petição inicial e cópia dos documentos que a acompanharem, comunicando-se-lhe que fica citado para a ação a que o duplicado se refere e o tribunal onde corre o processo (art. 198º, nº 1, do CPC). No ato de citação será comunicado ao citando o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a necessidade de patrocínio judiciário, se ela existir, e as consequências de não contestar a ação (art. 198º, nº 2, do CPC). Será então lavrada ata da citação, assinada pelo citado (art. 198º, nº 2, do CPC). Se o citado se recusar a assinar a ata ou a receber o duplicado o funcionário certifica tal facto, sendo a certidão assinada por duas testemunhas, e informa o citado de que o duplicado fica à sua disposição na secretaria do tribunal (art. 198º, nº 3, do CPC). Neste caso considera-se efetuada a citação pessoal. 5.4.2. Citação com hora certa Trata-se ainda de uma citação pessoal (art. 199º, nº 5, do CPC). A citação com hora certa tem que ser sempre precedida das formalidades previstas no art. 199º, nº 1, do CPC. Sempre que se apurar que o citando reside ou trabalha efetivamente no local indicado, não sendo encontrado pelo funcionário encarregue de efetuar a citação, o funcionário deixará nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao citando (art. 199º, nº 1, do CPC). Se o funcionário não encontrar pessoa que possa transmitir ao citando a aludida nota, afixará o respetivo aviso no local que entender mais indicado para o citando o ler (art. 199º, nº 1, do CPC). No dia e hora indicados o funcionário efetuará a citação na pessoa do citando se ali o encontrar (art. 199º, nº 2, do CPC). Se não encontrar o citando, o funcionário faz a citação em pessoa que esteja em condições de a transmitir ao citando, que assim fica incumbida de a 111 transmitir ao citando, sob pena de cometer crime de desobediência (art. 199º, nº 4, do CPC), conforme o art. 199º, nº 2, do CPC. Neste caso a certidão de citação é assinada pela pessoa que a recebeu (art. 199º, nº 2, do CPC). Caso o funcionário não encontre pessoa capaz de transmitir a citação ao citando, afixa no local mais adequado para ser conhecida pelo citando a nota de citação, com indicação dos elementos necessários, declarando que o duplicado e os documentos ficam à disposição do citando na secretaria judicial (art. 199º, nº 3, do CPC). Neste caso deverá o funcionário efetuar a afixação na presença de duas testemunhas que assinarão a certidão (art. 199º, nº 3, do CPC). No caso da citação com hora certa, ao prazo de contestação acrescerá a dilação de cinco dias (art. 210º, nº 1, al. a), do CPC). A secretaria faz o processo concluso ao juiz para proceder à nomeação de defensor público ao réu (art. 200º, nº 1, do CPC). Se a citação não se realizar por o citando padecer se anomalia psíquica evidente ou por outra incapacidade, será nomeado curador provisório ao citando, no qual se fará a citação (art. 201º do CPC). Caso o citando esteja ausente em parte certa e por tempo limitado (por exemplo em férias, ou provisoriamente a trabalhar no estrangeiro), não havendo quem esteja em condições de lhe transmitir imediatamente a citação, o processo deve ser concluso ao juiz. O juiz é que determina se a citação se faz com hora certa ou se o processo aguarde o regresso do citando (art. 202º do CPC). Por exemplo, no caso de ausência em férias por um período não superior a um mês, é razoável que se aguarde o regresso do citando. No caso de ausência em trabalho, por um período superior a seis meses, já será excessivo exigir que o processo fique parado durante tanto tempo, pelo que se poderá determinar que a 112 citação se faça com hora certa. Quando o réu resida no estrangeiro, observar-se-á o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais (art. 204º, nº 1, do CPC). Neste caso assume particular relevância a Convenção Relativa à Citação e Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matérias Civil e Comercial, concluída em Haia, em 15 de Novembro de 1965. No que concerne ao réu residente em país estrangeiro, ou a sociedade ou pessoa coletiva nas mesmas condições, de acordo com a mencionada Convenção de Haia, ressalvada a existência de um acordo bilateral determinando procedimentos diversos, expressamente salvaguardado no art. 25º da Convenção, ou a notificação, por parte do Estado em que o réu se encontra, da oposição quanto a determinadas formas de citação direta, a via postal é o meio adequado para executar a citação do réu. Com efeito, se o Estado destinatário nada declarar, a Convenção não obsta, designadamente, à faculdade de remeter diretamente, por via postal, atos judiciais às pessoas que se encontrem no estrangeiro (art. 10º, proémio e al. a) da Convenção). Resulta desta disposição de origem internacional que, não havendo reserva em contrário de alguma das partes da Convenção, esta não constitui obstáculo a que o tribunal do Estado do foro proceda à citação de alguma pessoa singular ou coletiva, que esteja domiciliada ou sediada, independentemente da sua nacionalidade, no território de outra das partes internacionalmente vinculadas pela Convenção. Por seu lado, a legislação timorense também estabelece que, no caso de o citando residir ou ter a sede no estrangeiro, na falta de tratados ou convenções internacionais, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de receção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais (art. 204º, nº 2, do CPC). A citação por via postal é feita por carta registada com aviso de receção, de modelos oficialmente aprovados diretamente para o citando e, no caso de se tratar de sociedade, a dirigir para a respetiva sede ou local onde funciona normalmente a administração (art. 141º, nº 3, do CPC). 113 Situação discutida na jurisprudência comparada, nomeadamente em Portugal, consiste em sabe se a citação no estrangeiro por via postal obriga à tradução da petição inicial e dos documentos juntos. A maioria tem-se pronunciado pela desnecessidade da tradução. Aliás, muitas das vezes tal citação é dirigida a nacionais. Já quando dirigida a estrangeiros a solução é mais duvidosa, embora aí se possa recorrer à carta rogatória que impõe tal tradução. Se não se conseguir efetuar a citação por via postal, por a carta ser devolvida ou por outro motivo, sendo o réu timorense, deve efetuar-se a citação por contacto pessoal através do consulado de Timor-Leste mais próximo da residência do citando (art. 204º, nº 3, do CPC). Se o réu for estrangeiro ou, sendo timorense se não se lograr a citação por meio do consulado, será expedida carta rogatória (art. 204º, nº 3, do CPC). A carta rogatória é endereçada diretamente à autoridade ou tribunal estrangeiro e faz-se por via diplomática ou consular, sendo para o efeito entregue ao Ministério Público (art. 146º, nº 2 a 4, do CPC). Quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta, ou logo na petição inicial o autor refira que o réu está ausente em parte incerta, a secretaria diligenciará oficiosamente (sem despacho do juiz) por obter informação da última morada do citando junto dos serviços ou entidades públicas (art. 203º, nº 1 e 4, do CPC). Porém, para obter tais informações junto das bases de dados, nomeadamente dos serviços de identificação civil, é exigido despacho prévio do juiz (art. 204º, nº 1, do CPC). Também se pode obter informação junto das autoridades policiais, apenas no caso de absoluta necessidade, mediante decisão judicial (art. 204º, nº 1, do CPC). Não se localizando o citando, procede-se à sua citação edital, a qual terá que ser determinada por despacho judicial. Os incapazes, os incertos, as pessoas coletivas e os patrimónios autónomos são citados na pessoa dos seus legais representantes (art. 193º, nº 1, do CPC). Quando a representação pertença a mais de uma pessoa, basta que seja citada uma delas (art. 193º, nº 2, do CPC). 114 As pessoas coletivas e as sociedades podem ainda ser citadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou no local onde funciona normalmente a administração (art. 193º, nº 3, do CPC). A citação pode efetuar-se em qualquer lugar onde seja encontrado o citando, designadamente na sua residência ou local de trabalho (art. 194º, nº 2, do CPC). Ninguém pode ser citado no dia do seu casamento, no dia do falecimento do seu cônjuge, pai, mãe ou filho, nem nos oito dias seguintes (art. 194º, nº 1, do CPC). No caso do falecimento de qualquer ascendente ou descendente, irmão ou afins nos mesmos graus referidos no artigo, a proibição abrange o dia do falecimento e os cinco dias seguintes (art. 194º, nº 1, do CPC). Ninguém pode ser citado dentro de templos ou enquanto estiver ocupado em ato de serviço público que não deva ser interrompido (art. 194º, nº 3, do CPC). 5.4.3. Citação edital A citação edital por incerteza do lugar em que o citando se encontra realiza-se de harmonia com as formalidades previstas nos arts. 205º e 206º do CPC. A citação realiza-se pela afixação de editais e pela publicação de anúncios (art. 205º, nº 1, do CPC). Estes terão o conteúdo descriminado no art. 206º do CPC. Em certos casos ou quando o juiz o determinar, podem ser dispensados os anúncios (art. 205º, nº 4, do CPC). Os editais e anúncios são depois juntos ao processo (art. 209º do CPC). No caso de citação edital por incerteza das pessoas aplicam-se as especialidades previstas no art. 208º do CPC. A citação considera-se feita no dia em que se publique o último anúncio ou, se não forem publicados anúncios nos termos do art. 205º, nº 4, do CPC, no dia em que sejam afixados os editais (art. 207º, nº 1, do CPC). 115 A partir da data da citação conta-se o prazo da dilação e, findo este prazo, começa a correr o prazo para o oferecimento da defesa (art. 207º, nº 2, do CPC). O prazo de dilação é de trinta dias (art. 210º, nº 3, do CPC). Dilação: O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um ato ou o início da contagem de um outro prazo (art. 110º, nº 2, do CPC). No caso, o prazo de dilação faz adiar para outro momento o início da contagem do prazo para defesa (art. 210º do CPC). O prazo para a defesa já constitui prazo perentório, segundo a definição do art. 110º, nº 3, do CPC. Ao prazo de citação acresce uma dilação de cinco dias quando a citação tenha sido realizada em pessoa diversa do réu (art. 210º, nº 1, al. a), do CPC). Ao prazo de citação acresce uma dilação de cinco dias quando a citação tenha sido realizada fora da área do tribunal onde pende a ação (art. 210º, nº 1, al. b), do CPC). Porém, se o réu for citado no distrito de Oecússi, correndo a ação noutro distrito, ou sendo o réu citado noutro distrito, correndo a causa no distrito judicial de Oecússi, o prazo de dilação é de quinze dias (art. 210º, nº 2, do CPC). O prazo de dilação é igualmente de quinze dias quando o réu tenha sido citado para a ação na ilha de Atauro (art. 210º, nº 2, do CPC). Quando o réu tenha sido citado para a ação no estrangeiro ou a citação for edital o prazo de dilação é de trinta dias (art. 210º, nº 3, do CPC). A dilação prevista no art. 210º, nº 1, al. a), do CPC (citação em pessoa diversa do réu nos termos do art. 119º, nº 2 e 3, do CPC), acresce às restantes previstas no art. 210º do CPC, caso se verifiquem as respetivas situações. Por exemplo, no caso de citação feita em pessoa diversa do réu em Oecússi, correndo a ação no Tribunal Distrital de Díli, a dilação será de vinte dias (cinco dias nos termos do art. 210º, nº 1, al. a), e mais quinze dias nos termos do art. 210º, nº 2, do CPC). 116 Primeiro conta-se o prazo de dilação e depois o prazo de defesa. Porém, os prazos contam-se como um só (art. 113º do CPC). Assim, ainda que o prazo de dilação termine num Sábado ou num Domingo, o prazo de defesa inicia-se imediatamente. 5.5. Nulidade da citação 5.5.1. Falta de citação É nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta, quando o réu não tenha sido citado, ou quando não tenha sido citado o Ministério Público, no caso em que deva intervir como parte principal (art. 156º do CPC). Há falta de citação quando o ato tenha sido completamente omitido (art. 157º, al. a), do CPC). Enquadra-se nesta alínea, por exemplo, o caso de uma certidão de citação ter sido forjada, o que poderá suscitar o incidente da falsidade. Há falta de citação quando tenha havido erro de identidade do citado (art. 157º, al. b), do CPC). Há erro de identidade do citado quando tenha sido citado o representante de uma sociedade em seu nome pessoal e não em nome da sociedade. Já não se verifica a falta de citação quando acaba por ser citado o verdadeiro réu, apesar de ter sido indicado com outro nome na petição inicial. Há falta de citação quando se tenha empregado indevidamente a citação edital (art. 157º, al. c), do CPC). Emprega-se indevidamente a citação edital quando se citem por éditos pessoas cuja residência ou paradeiro é afinal conhecido, ou quando as pessoas indicadas como incertos são afinal pessoas determinadas. Há falta de citação quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou, no caso de pessoas coletivas ou sociedades, depois da extinção destas (art. 157º, al. d), do CPC). Por exemplo, é citado o representante de uma sociedade, já depois da extinção desta. Outro caso é o da citação em pessoa diversa do citando, mediante citação com hora certa, de pessoa entretanto já falecida. Porém, se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, a nulidade considera-se sanada (art. 158º do CPC). Ou seja, a nulidade processual 117 resultante da falta de citação é suprível. A falta de citação só afeta o processo em relação a todos os réus, havendo vários réus, nos casos de litisconsórcio necessário (art. 159º, al. a), do CPC). No caso de litisconsórcio voluntário o processo prossegue contra os réus regularmente citados, sem prejuízo de o autor poder requerer a citação do réu em falta até ao despacho que designa dia para julgamento (art. 159º, al. b), do CPC). 5.5.2. Nulidade da citação É nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei (art. 160º, nº 1, do CPC). Será o caso, por exemplo, de não se comunicar ao citando o prazo para apresentar a sua defesa, ou o prazo de dilação, quando o mesmo exista. O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo (art. 160º, nº 2, do CPC). Se a irregularidade consistir em ter sido indicado prazo para a defesa superior ao legal, esta deve ser admitida dentro do prazo indicado, a menos que o autor tenha feito citar novamente o autor em termos regulares (art. 160º, nº 3, do CPC). A arguição de nulidade só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado (art. 160º, nº 4, do CPC). A falta de citação é de conhecimento oficioso (art. 164º, nº 1, do CPC). Também é de conhecimento oficioso a nulidade da citação edital ou quando não tenha sido indicado prazo para a defesa (art. 164º, nº 1, do CPC). Nos demais casos a nulidade da citação só é conhecida após reclamação dos interessados (art. 164º, nº 2, do CPC). A falta da citação e a nulidade da citação podem ser arguidas em qualquer estado do processo, enquanto não deverem considerar-se sanadas, e devem ser conhecidas imediatamente (arts. 166º, nº 2, e 168º, nº 1, do CPC). A arguição de qualquer nulidade pode ser indeferida sem 118 audição da parte contrária, mas só pode ser deferida após se ouvir a parte contrária, salvo caso de manifesta desnecessidade (art. 169º do CPC). O ato de citação nulo não pode ser renovado (art. 170º do CPC). Porém, se o réu for novamente citado em termos regulares dentro de trinta dias a contar do trânsito em julgado do despacho que declara a nulidade da citação, mantêm-se os efeitos da citação anulada (art. 362º do CPC). 6. Notificações A notificação serve para, fora dos casos de citação, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto (art. 190º, nº 2, do CPC). A citação e as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto (art. 190º, nº 3, do CPC). As notificações às partes podem exercer duas diferentes funções, a saber, função informativa e função convocatória. Dentro desta segunda, há que distinguir a convocação para a prática de ato que possa ser praticado por intermédio de mandatário da que se destina a chamar a parte para praticar ato pessoal, isto é, que só por ela possa ser praticado. Efetivamente, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais, do Ministério Público ou do defensor público (art. 211º, nº 1, do CPC). Só quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal será notificada a própria parte, para além do seu mandatário, indicando-se a data, o local e o fim da comparência (art. 211º, nº 2, do CPC). As notificações às partes ou aos seus mandatários são pessoais (arts. 212º, nº 2, e 213º do 119 CPC).252 Tem aplicação às notificações o disposto nos arts. 193º e 194º do CPC. A secretaria deve notificar oficiosamente as partes: - dos despachos que designem dia para qualquer ato em que devam comparecer determinadas pessoas ou a que as partes tenham o direito de assistir (art. 191º, nº 2, do CPC); - das sentenças e dos despachos que a lei mande notificar (art. 191º, nº 2, do CPC); - de todos os despachos que possam causar prejuízo às partes (art. 191º, nº 2, do CPC); - dos requerimentos a que, por virtude de disposição legal as partes possam responder (art. 191º, nº 3, do CPC); - sempre que, por virtude de disposição legal, as partes possam oferecer provas (art. 191º, nº 3, do CPC); - sempre que, por virtude de disposição legal, as partes possam exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz ou de despacho judicial (art. 191º, nº 3, do CPC). 7. Notificações judiciais avulsas A notificação judicial avulsa constitui, assim, um ato judicial que não se insere em qualquer processo pendente. Tem lugar como que num processo ad hoc, para os efeitos declarados na lei substantiva, permitindo a realização de atos de comunicação sobre cuja verificação e termos se pretende não venha a haver dúvidas. As notificações avulsas dependem de despacho prévio que as ordene (arts. 191º, nº 1, e 218º, nº 1, do CPC). O despacho prévio do juiz visa essencialmente apreciar da validade formal do requerimento, 252 Vejam-se ainda os arts. 214º, nº 2, e 215º do CPC. 120 apurar da existência, em termos abstratos, do direito subjacente ao requerido na notificação judicial avulsa e por último verificar da legitimidade do requerente e do destinatário em face do peticionado. E nada mais. No que toca à validade formal do requerimento, deve o juiz, para além de apreciar da inteligibilidade do requerimento em si, verificar se é o meio próprio para o requerente providenciar pelo direito de que se arroga, podendo indeferir tal requerimento nomeadamente se for ininteligível ou se houver erro na forma de processo. No que diz respeito à apreciação da legalidade em abstrato do direito invocado, deve o juiz apreciar se o mesmo está legalmente consagrado na lei vigente, com vista a evitar o exercício de pretensões ilegais. Por último, deve o juiz verificar, se face ao requerido, em abstrato, o requerente é o titular do direito invocado, ou se o exerce legalmente por força de qualquer norma legal ou disposição contratual e ainda se o destinatário tem legitimidade para receber a notificação. Contudo, não tem que analisar o alegado pelo requerente no sentido de saber se este tem ou não o direito concreto que se arroga. A lei processual não exige que subjacente à notificação preexista uma relação jurídica entre o requerente e o notificado. Basta o interesse legítimo do requerente em dar conhecimento de determinado facto a alguém. Do despacho de indeferimento da notificação judicial avulsa cabe recurso de agravo (art. 219º, nº 2, do CPC). A notificação judicial avulsa não é mais do que um aviso que uma parte faz a outra por intermédio do tribunal; o que assegura a prova da sua comunicação através da certidão de notificação, conferindo-lhe carácter de autenticidade por ser feita por funcionário judicial. Assim, as notificações judiciais avulsas não admitem qualquer oposição, devendo os respetivos direitos fazerem-se valer apenas na ação competente (art. 219º, nº 1, do CPC). O requerimento deve ser apresentado em duplicado, sendo tantos os duplicados quantas as pessoas a notificar, que vivam em economia separada (art. 218º, nº 4, do CPC). 121 A notificação judicial avulsa é feita na própria pessoa do notificando, à vista do requerimento, entregando-se ao notificado o duplicado dos documentos que o acompanhem (art. 218º, nº 1, do CPC). O funcionário lavra certidão do ato, que é assinada pelo notificado (art. 218º, nº 2, do CPC). Depois, o requerimento e a certidão são entregues a quem requereu a notificação (art. 218º, nº 3, do CPC). Têm aqui aplicação as restrições previstas nos arts. 193º e 194º do CPC. A notificação judicial avulsa pode ser feita em pessoa diversa do notificando, nas mesmas circunstâncias em que é admissível a citação em pessoa diversa do citando. Porém, a notificação judicial avulsa não pode ser feita editalmente, já que não colhe qualquer apoio na letra da lei e nem sequer dá resposta a esta. A notificação judicial avulsa pode interromper a prescrição, mas apenas desde que contenha os elementos essenciais da própria ação, constitui um verdadeiro ato de exercício do direito. 8. Contestação 8.1. Conceito e efeitos Contestação é a peça escrita pela qual o réu, chamado a juízo para se defender, responde à petição apresentada pelo autor. Contestar significa negar, contrariar, desdizer, regatear, discutir. A contestação é o ato pelo qual o demandado responde à pretensão formulada pelo autor. Com a contestação consolida-se a relação processual iniciada com a propositura da ação e continuada com a citação do réu. Integrado o núcleo fundamental do princípio do contraditório, a contestação completa a versão dos factos apresentada pelo autor, facilitando o apuramento da verdade dos factos e a correta aplicação do direito. 122 Em função do seu conteúdo a contestação pode ser contestação-defesa ou contestaçãoreconvenção. Na contestação-defesa o réu limita-se a repelir, direta ou indiretamente, a pretensão do autor, nos termos em que ela é deduzida. Trata-se da situação mais frequente. Por exemplo, numa ação de cobrança de dívida, o réu alega que o autor não lhe chegou a entregar a mercadoria que lhe encomendara, ou que nada deve porque já pagou, ou que o tribunal não tem competência para conhecer a questão, ou que a dívida já prescreveu. Na contestação- reconvenção o réu vem deduzir uma pretensão autónoma contra o autor, distinta do simples pedido de improcedência da ação. Por exemplo, na aludida ação de cobrança de dívida o réu invoca defeitos na mercadoria para pedir indemnização pelos prejuízos resultantes de tais defeitos, numa ação de despejo o réu formula na contestação pedido de condenação do autor a pagar-lhe o valor de benfeitorias efetuadas na casa arrendada. Na contestação deve o réu individualizar a ação e expor as razões de facto ou de direito por que se opõe à pretensão do autor (art. 368º do CPC). Já não são necessários os elementos de identificação das partes previstos para a petição inicial (art. 349º do CPC), uma vez que com a distribuição a ação recebe um número que a identifica, constando já dos autos os elementos referidos. 8.2. Defesa por impugnação e defesa por exceção Na contestação cabe tanto a defesa por impugnação como por exceção (art. 367º, nº 1, do CPC). O réu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição inicial ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor (art. 367º, nº 2, do CPC). O réu defende-se por exceção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da ação ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido (art. 367º, nº 2, do CPC). 123 O réu defende-se por impugnação quando ataca diretamente a realidade dos factos conforme descritos pelo autor: Negação direta dos factos. Por exemplo, numa ação de indemnização por responsabilidade civil extracontratual em que o autor imputa ao réu ter-lhe chamado corrupto, o réu defende-se por impugnação se negar a prática do facto (não é verdade que tenha chamado tal nome ao autor). Negação indireta dos factos. Neste caso o réu não nega a prática dos factos mas dá-lhes uma versão diferente, contrariando assim a verificação dos factos constitutivos do direito do autor. Por exemplo, numa ação de reivindicação de um terreno por usucapião, o autor alega o seu uso por mais de trinta anos, e o réu não nega esse facto mas alega que o autor usa o terreno apenas com a sua autorização e não contra a sua vontade. O réu defende-se ainda por impugnação quando, não negando os factos, discorda ou critica a conclusão jurídica que o autor deles pretende extrair. Por exemplo, numa ação de indemnização por facto ilícito, resultante de acidente de viação, o réu não nega a descrição dos factos feita pelo autor mas entende que a responsabilidade pela produção do acidente é do autor por ter sido ele que lhe deu origem. No caso de o réu declarar que não sabe se determinado facto é verdadeiro, tal declaração equivale a impugnação se tal facto não for pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento (art. 370º, nº 3, do CPC). A defesa por exceção compreende toda a defesa indireta. Sem negar propriamente a realidade dos factos articulados na petição inicial, nem atacar isoladamente o efeito que o autor deles pretende extrair, o réu alega factos novos tendentes a afastar a pretensão do autor. A defesa por exceção abrange a que, baseada em factos capazes de obstar à apreciação do mérito da ação, provoca a absolvição da instância ou a remessa do processo para outro tribunal e a que, fundada em factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo autor, determina a improcedência total ou parcial do pedido (arts. 367º, nº 2, e 372º do CPC). As exceções são dilatórias ou perentórias (art. 372º, nº 1, do CPC). As exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à 124 absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (art. 372º, nº 2, do CPC). São, por exemplo, exceções dilatórias a incompetência do tribunal, absoluta ou relativa, a nulidade de todo o processo, a falta de personalidade ou capacidade judiciária de alguma das partes, a irregularidade de representação, a ilegitimidade de alguma das partes, a coligação ilegal das partes, a litispendência ou o caso julgado (art. 373º, nº 1, do CPC). As exceções perentórias consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor e importam a absolvição total ou parcial do pedido (art. 372º, nº 3, do CPC). São exemplos típicos de exceções perentórias o pagamento, a remissão, a novação, a prescrição, a caducidade, o erro, o dolo, a coação, a simulação. 8.3. As exceções de litispendência do caso julgado A litispendência e o caso julgado constituem exceções dilatórias (art. 373º, nº 1, al. h), do CPC). Importa aqui analisar estas exceções uma vez que as mesmas ainda não foram abordadas anteriormente. Verifica-se a litispendência quando se intenta uma causa estando pendente outra idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, e verifica-se a existência de caso julgado quando se intenta uma causa estando já definitivamente decidida outra idêntica igualmente quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (arts. 376º, nº 1, e 377º, nº 1, do CPC). Tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (art. 376º, nº 2, do CPC). Assim, é sobre a decisão propriamente dita e não sobre a sua motivação que se forma o caso julgado, embora a motivação da decisão seja de considerar quando se torne necessário reconstruir e fixar o conteúdo da decisão. Não se verificam as aludidas exceções se a outra causa estiver pendente num tribunal 125 estrangeiro, salvo se for outra a solução resultante de tratados ou convenções internacionais (art. 376º, nº 3, do CPC). A questão traduz-se, pois, em apurar se os sujeitos, as causas de pedir e os próprios pedidos são idênticos em ambas as ações. Há identidade de sujeitos se as partes são as mesmas sob o ponto de vista das suas qualidades jurídicas (art. 377º, nº 2, do CPC). Há identidade de sujeitos quando as partes ocupam a mesma posição jurídica quanto à relação substantiva, e não quanto à posição processual. A diversidade de posição processual não obsta à identidade de sujeitos como requisito do caso julgado ou da litispendência. Por exemplo, o réu numa ação pode ser o autor na outra e viceversa. A jurisprudência portuguesa, relativamente a disposição semelhante, tem reconhecido a autoridade reflexa do caso julgado, estendendo-a a terceiros juridicamente interessados, com relações concorrentes ou dependentes, dispensando neste caso a verificação das condições enumeradas como pressupostos do caso julgado. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (art. 377º, nº 3, do CPC). Manuel de Andrade define o pedido como “a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendido pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar”. 253 Antunes Varela, acrescenta «o pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor».254 Salienta ainda Calvão da Silva, para que haja identidade do pedido entre duas ações não é necessária uma rigorosa identidade formal entre um e outro, bastando que sejam coincidentes no 253 Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra: Coimbra Editora, 1956, pág. 299. No mesmo sentido Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 105. 254 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 245. 126 objetivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma delas.255 Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (art. 377º, nº 4, do CPC). Quanto à causa de pedir, para o Manual de Andrade, “é o acto ou facto jurídico donde o autor pretende ter derivado o direito a tutelar, o acto ou facto jurídico que ele achar como título aquisitivo desse direito”. 256 Alberto dos Reis, reproduzia o conceito legal, escrevendo “há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo acto ou facto jurídico”. 257 A causa de pedir é, assim, o ato ou facto jurídico de que procede a pretensão deduzida em juízo. São abrangidos pela força do caso julgado as soluções das questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença. A litispendência deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar, considerando-se proposta em segundo lugar a ação para a qual o réu foi citado posteriormente (art. 378º, nº 1, do CPC). Se em ambas as ações a citação tiver sido feita no mesmo dia, a ordem das ações é determinada pela ordem da entrada das respetivas petições iniciais (arts. 378º, nº 2, do CPC). Diferente da situação analisada, conhecida por caso julgado material, é a do caso julgado formal, ou processual, previsto no art. 420º do CPC. Segundo este, os despachos, bem como as sentenças que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, salvo se por sua natureza não admitirem o recurso de agravo. 8.4. Princípio da concentração da defesa na contestação ou da preclusão da defesa Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuando os incidentes que a lei mande deduzir em separado (art. 369º, nº 1, do CPC). 255 Calvão da Silva, Estudos de Direito Civil e Processo Civil (Pareceres), Coimbra: Almedina, 1999, pág. 234 256 Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra: Coimbra Editora, 1956, pág. 300. 257 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 121. 127 Preclude-se, com a apresentação da contestação o direito de alegar factos que nesse articulado deviam ser aduzidos, não podendo tomar-se em consideração os que foram então omitidos e venham a alegar-se posteriormente, nomeadamente em sede de recurso. Depois da contestação só podem ser deduzidas exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado o momento da contestação, ou de que se deva conhecer oficiosamente (art. 369º, nº 2, do CPC). 8.5. Ónus de impugnação especificada Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante cada um dos factos articulados na petição inicial (art. 370º, nº 1, do CPC). Os factos devem ser impugnados especificadamente. Segundo Antunes Varela, quer dizer que “a impugnação tem que ser feita facto por facto, não em termos genéricos, por meio de referência global. Pretende-se deste modo que o réu, negando as afirmações do autor, assuma a responsabilidade jurídica e moral da negação perante cada facto, para que não possa comodamente refugiar-se, no caso de fracasso parcial da sua tese, na alegação de que negara, não todos os factos, mas apenas a linha geral dos factos traçados pela contraparte”.258 Assim, não é admissível a contestação por negação, em que o réu se limite a negar os factos alegado na petição inicial na sua globalidade. É porém possível a negação simples, desde que dirigida concreta e definitivamente a factos determinados dos articulados (arts. 370º, nº 5, do CPC). O ónus de impugnação especificada não implica que tenham de ser expressamente negados todos os pormenores fácticos que o impugnante queira contradizer, bastando, para que tal ónus seja cumprido, que o réu apresente uma versão dos eventos essencialmente oposta à apresentada pela outra parte. Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados especificadamente (art. 370º, nº 2, do CPC). 258 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 317. 128 Já se consideram os factos impugnados, não obstante a falta de impugnação especificada, se os mesmos estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto (art. 370º, nº 2, do CPC). Igualmente não se verifica a cominação no caso de não ser admissível confissão sobre os factos e de só poderem ser provados por documento escrito (art. 370º, nº 2, do CPC). Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real: - quando se trate de um facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento, a declaração equivale a confissão (art. 370º, nº 3, do CPC); 259 - quando não se trate de um facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento, a declaração equivale a impugnação (art. 370º, nº 3, do CPC). 260 O ónus de impugnação especificada não tem aplicação ao Ministério Público ou ao defensor público, quando intervenham em representação dos incapazes, ausentes e incertos (art. 370º, nº 4, do CPC). 8.6. Contestação-reconvenção O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor (art. 229º, nº 1, do CPC). O art. 229º, nº 1, do CPC introduz uma exceção ao princípio da estabilidade da instância, consagrado no art. 224º do mesmo Código, ao permitir que o réu altere o objeto da causa, deduzindo, em reconvenção, pedidos contra o autor. Com a reconvenção passa a haver uma nova ação. É um pedido e, consequentemente, tem que assentar em factos próprios, que não sejam mera oposição ao pedido do autor. Segundo Antunes Varela, “O pedido reconvencional é autónomo, na medida em que transcende a simples improcedência da pretensão do autor e os corolários dela decorrentes”.261 259 Será facto pessoal, por exemplo, a afirmação que o réu assinou determinado documento em determinado dia, que numa data concreta estava em certo local. São factos que ele não pode desconher, porque tem intervenção direta nos mesmos. 260 Não são factos pessoais do réu saber se o custo da reparação do carro do autor foi uma quantia determinada, uma vez que ele não acompanhou o autor à oficina e não tem que saber o montante da reparação. 261 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 323. 129 O pedido reconvencional deve extravasar o campo da própria defesa, na medida em que transcende a simples improcedência da pretensão do autor. A admissibilidade da reconvenção depende da verificação dos requisitos substantivos do art. 229º, nº 2, do CPC, a par de requisitos adjetivos, designadamente quanto à competência absoluta do tribunal e à compatibilidade de formas de processo (conforme os arts. 66º e 229º, nº 3, do mesmo Código). A reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge de facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa (art. 229º, nº 2, al a), do CPC). 262 A reconvenção é admissível quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida (art. 229º, nº 2, al b), do CPC). 263 A reconvenção é admissível quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter (art. 229º, nº 2, al c), do CPC). 264 É taxativa a enumeração dos casos de admissibilidade da reconvenção constantes do art. 229º do CPC. Para a reconvenção não existe indeferimento liminar, nem convite para correção dos seus vícios, visto que o seu exame apenas se virá a fazer no despacho saneador. A improcedência da ação e a absolvição da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo autor (art. 299º, nº 4, do CPC). A reconvenção pode mesmo ser deduzida apenas para a hipótese de a ação vir a ser julgada procedente. 262 Por exemplo, num acidente de viação, o réu, além de impugnar a sua culpa na verificação do acidente, invocando o mesmo acidente (o mesmo facto jurídico que serve de fundamento à ação), pede em reconvenção a condenação do autor a pagar-lhe o valor dos prejuízos no seu carro. 263 Será o caso da reivindicação de um imóvel, em que o réu pede a condenação do autor a pagar o custo de reparações necessárias feitas no imóvel (arts. 207º, nº 1 e 2, e 1193º, nº 1, do Código Civil). 264 Será o caso de uma ação de divórcio em que, embora com fundamentos diferentes dos invocados pelo autor a ré pede também o divórcio em reconvenção. 130 A reconvenção deve ser expressamente identificada e deduzida separadamente na contestação, nos mesmos termos em que deve ser formulada a petição inicial conforme o art. 349º do CPC (art. 379º, nº 1, do CPC). A exigência deste artigo basta-se com o facto de, embora englobadas no mesmo articulado, a matéria da contestação e da reconvenção sejam apresentadas de forma diferenciada, não sendo necessário que a matéria da reconvenção seja encimada pela epígrafe reconvenção. O reconvinte deve ainda declarar o valor da reconvenção; se o não fizer o reconvinte é convidado a indicar o valor, sob pena de a reconvenção não ser atendida, embora seja recebida a contestação (arts. 379º, nº 2, do CPC).265 O valor da ação passa a corresponder à soma do valor dado na petição inicial com o valor atribuído à reconvenção (arts. 371º, nº 1, e 191º, nº 3, do CPC), conforme o art. 260º, nº 2, do CPC. A contestação é oficiosamente notificada ao autor, sem necessidade de despacho judicial, (arts. 371º, nº 1, e 191º, nº 3, do CPC). Havendo várias contestações, a notificação só se faz depois de apresentada a última ou de haver decorrido o prazo para o seu oferecimento (art. 371º, nº 2, do CPC). Tem-se discutido na jurisprudência comparada a questão de saber se a compensação deve ser arguida em sede de reconvenção ou de exceção perentória. Segundo alguma jurisprudência portuguesa, se o valor do crédito do réu for inferior ou igual ao do crédito do autor, a compensação deve efetua-se por exceção perentória, só sendo admissível reconvenção se o crédito do réu for superior ao do autor e apenas na parte em que exceder este. Para outra jurisprudência a compensação deve sempre operar-se mediante reconvenção, nos termos expressos no art. 229º, nº 2, al. b), do CPC. 8.7. Prazo para a entrega da contestação 265 Veja-se o art. 266º, nº 4, do CPC. 131 O réu pode contestar no prazo de trinta dias a contar da citação (art. 366º, nº 1, do CPC). O prazo começa a correr desde a data da citação. Sendo a citação pessoal a data é aquela em que o funcionário entregou ao réu cópia da petição inicial e duplicados dos documentos e lhe comunicou os elementos referidos no art. 198º, nº 1, do CPC. Quando existam vários réus e termine em dias diferentes o prazo para a defesa de cada um deles, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar (art. 366º, nº 2, do CPC). Pretende-se assegurar a possibilidade de todos os réus se defenderem conjuntamente. Se o autor desistir da instância ou do pedido em relação a algum dos réus ainda não citados, serão os réus que ainda não contestaram notificados da desistência, contando o prazo para apresentarem a contestação a partir da data de notificação da desistência (art. 366º, nº 3, do CPC). Acontece com frequência o autor, quando seja difícil citar um dos réus, desistir da instância em relação a este, a fim de não atrasar mais o processo. Por outro lado, os restantes réus, já citados, aguardam a citação do réu em causa para apresentarem a sua contestação. Havendo desistência em relação ao réu ainda não citado importa então notificar os restantes réus para que contestem, uma vez que já não beneficiam do prazo deste. Neste caso, se algum réu já tiver apresentado a sua contestação pode requerer que a mesma seja substituída por outra que apresente ainda dentro de tal prazo. O prazo de trinta dias só começa a correr depois de decorrido o prazo de dilação, quando exista (art. 366º, nº 1, do CPC). Existe prazo de dilação nos casos previstos no art. 210º, nº 1, do CPC. O prazo é dilatório ou perentório (art. 110º, nº 1, do CPC). O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um ato ou (hipótese que aqui interessa) o início da contagem de um prazo perentório (art. 110º, nº 2, do CPC). Daí que o prazo dilatório corra em primeiro lugar. 132 O decurso do prazo perentório faz extinguir o direito de praticar o ato (art. 110º, nº 3, do CPC). Porém, nos termos do art. 113º do CPC, quando um prazo perentório se seguir a um prazo dilatório, os dois prazos contam-se como um só. Isto significa que, na hipótese de o prazo de dilação terminar, por exemplo, num sábado, o prazo para a contestação inicia-se no dia de domingo que se lhe segue e não apenas no primeiro dia útil seguinte. Conforme resulta do art. 110º, nº 3, do CPC, decorrido o prazo para a contestação sem que a mesma tenha sido apresentada fica definitivamente precludido o direito. A apresentação tardia da contestação integra uma nulidade principal que é de conhecimento oficioso. A contestação pode ser apresentada fora de tempo em caso de justo impedimento (art. 110º, nº 4, do CPC). Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato (art. 111º, nº 1, do CPC). Por exemplo: A doença do advogado da parte só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o ato, avisar o seu constituinte ou substabelecer o mandato; Não constitui justo impedido um fluxo anormal de trânsito que atrase a parte na entrega da contestação, por o mesmo dever ser previsto; Mas constitui justo impedimento uma avaria do veículo, se se tratava de veículo novo e não fosse previsível que avariasse. A invocação do justo impedimento, para evitar o efeito extintivo do decurso do prazo, tem de ser feita logo que cesse a causa impeditiva. A parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respetiva prova (arte. 111º, nº 2, do CP). Trata-se de um incidente que será processado nos termos dos arts. 111º e 254º a 256º do 133 CPC. A parte contrária é sempre ouvida, antes de ser deferido o justo impedimento (art. 111º, nº 2, do CPC). É de conhecimento oficioso a verificação do justo impedimento quando o evento seja notório (art. 111º, nº 3, do CPC). Por exemplo, se a secretaria estiver fechada por tolerância de ponto no último do prazo para praticar o ato. Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis posteriores ao termo do prazo, desde que a parte pague até ao termo do primeiro dia útil posterior à prática do facto uma multa igual a um quarto da taxa de justiça devida pelo processo por cada dia de atraso, não podendo exceder cinquenta dólares americanos, nem ser inferior a dois dólares (art. 110º, nº 5, do CPC). Decorrido tal prazo sem que a parte tenha pago a multa a secretaria notifica-a (sem necessidade de despacho do juiz) para pagar multa de montante igual a metade da taxa de justiça devida, não podendo exceder cem dólares (art. 110º, nº 6, do CPC). O juiz pode determinar a redução ou dispensa da multa, a requerimento do interessado (art. 110º, nº 7, do CPC). O prazo de contestação pode ainda ser prorrogado nos casos previstos no art. 366º, nº 4 e 5, do CPC, conforme o art. 112º, nº 1, do CPC. A apresentação do requerimento de prorrogação não suspende o prazo em curso (art. 366º, nº 6, do CPC). Isto significa que, se o pedido for indeferido, a contestação terá que ser apresentada no prazo inicial. Daí que o requerimento tenha que ser apreciado em vinte e quatro horas e a decisão seja de imediato notificada à parte (art. 366º, nº 6, do CPC). 8.8. Revelia do réu Se o réu, além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo, verificará o tribunal se a citação foi feita com as formalidades legais 134 e mandará repetir a mesma quando encontre alguma irregularidade (art. 363º do CPC). Nos casos de revelia absoluta, o réu não contestar nem constituir mandatário, a lei impõe especiais cautelas, uma vez que isso pode resultar da circunstância de o réu não ter tomado devido conhecimento de contra ele ter sido intentada a ação. Se o réu não contestar, e tiver sido citado regularmente na sua própria pessoa ou se tiver junto procuração a favor de advogado, consideram-se confessados os factos alegados pelo autor na petição inicial (art. 364º, nº 1, do CPC).266 Segundo Antunes Varela, “A falta de contestação preclude obviamente a possibilidade de alegação posterior, por parte do réu, de quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor”.267 A falta de contestação constitui uma confissão tácita ou presumida dos factos alegados pelo autor. A circunstância de se considerarem confessados os factos articulados pelo autor altera o regular desenrolar do processo, passando-se diretamente para a fase da sentença, sem saneamento ou julgamento. Daí que, verificada a falta da contestação, o processo seja facultado para exame pelo prazo de dez dias, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, se este tiver constituído mandatário, para alegarem por escrito, em consonância com o preceituado no art. 405º do CPC (art. 364º, nº 2, do CPC). Seguidamente é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito (art. 364º, nº 2, do CPC). Não ocorre nenhuma condenação de preceito. Ou seja, apenas se consideram confessados os factos, podendo o tribunal interpretar juridicamente os efeitos jurídicos de tais factos, condenando o réu apenas parcialmente ou mesmo absolvendo o réu do pedido. 266 Veja-se o art. 158º do CPC. 267 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 345. 135 Por outro lado, o tribunal pode nem chegar a conhecer do mérito da causa se julgar procedente alguma exceção dilatória que seja de conhecimento oficioso, conforme o art. 408º, nº 1 e 2, última parte, do CPC. Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e fundamentação sumária (art. 364º, nº 3, do CPC). A revelia é inoperante: - quando havendo vários réus algum deles contestar, relativamente aos factos que este contestar (art. 365º, al. a), do CPC); - no caso de o réu ter sido citado editalmente (arts. 365º, al. b), e 364º, nº 1, “a contrario”, do CPC); - quando o réu ou algum dos réus for incapaz e a causa da ação se situe no âmbito da sua incapacidade (art. 365º, al. b), do CPC); - quando a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico pretendido (art. 365º, al. c), do CPC); - quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito (art. 365º, al. d), do CPC). Neste último caso, devem considerar-se confessados os restantes factos e ser o autor convidado a apresentar os documentos em falta para prova dos restantes. Nos restantes casos tem aplicação o disposto no art. 388º do CPC. 9. Réplica 9.1. Resposta à contestação Se for deduzida alguma exceção, pode o autor responder, mas somente quanto à matéria da 136 exceção (art. 380º do CPC). O autor tem mesmo o ónus de impugnar na resposta à contestação os factos alegado pelo réu na contestação que seja impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo autor (art. 382º, por remissão para os arts. 364º, nº 1, e 370º, nº 2 e 3, do CPC). O autor só não terá que replicar se na sua petição já tiver antecipadamente impugnado os factos que o réu alegou na contestação em matéria de exceção. Se o autor não respeitar os limites fixados para a elaboração da réplica, haverá nulidade parcial do articulado, cuja sanção envolverá a eliminação de toda a matéria que exceda a resposta à exceção (e eventual condenação em custas). No caso da resposta à contestação a réplica deve ser apresentada no prazo de dez dias a contar da notificação da contestação (art. 380º do CPC). 9.2. Resposta à reconvenção Se o réu tiver deduzido reconvenção ou a ação for de simples apreciação negativa, pode o autor responder (art. 381º do CPC). O autor tem mesmo o ónus de impugnar na resposta à reconvenção os factos alegado pelo réu (arts. 382º, 364º, nº 1, e 370º, nº 2 e 3, do CPC). Tal ónus é ainda mais evidente uma vez que a reconvenção é uma verdadeira nova ação enxertada na primeira. No caso especial das ações de simples apreciação negativa, a réplica servirá para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para invocar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que o réu haja arrogado. No caso da resposta à reconvenção a réplica deve ser apresentada no prazo de vinte dias a contar da notificação da contestação (art. 380º do CPC). Não é admissível articulado de resposta à réplica (ou tréplica). 10. Articulados supervenientes 137 Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem (art. 383º, nº 1, do CPC).268 Dizem-se supervenientes os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos para apresentação da contestação e da réplica, bem como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem tais prazos (art. 383º, nº 2, do CPC). Neste caso a parte deve produzir prova de só ter conhecido dos factos depois daqueles prazos (art. 383º, nº 2, do CPC). O articulado superveniente pode ser apresentado até ao fim do julgamento (art. 383º, nº 1, do CPC). Ou seja, até às alegações orais sobre a matéria de facto. O articulado superveniente deve ser apresentado no prazo de dez dias posteriores à data em que ocorreram ou em que a parte deles tomou conhecimento (art. 383º, nº 3, do CPC). O juiz rejeitará o articulado superveniente se for apresentado fora do tempo ou quando seja manifesto que os factos alegados não interessam à decisão da causa (art. 383º, nº 3, do CPC). Se o articulado for admitido, a parte contrária é notificada para responder em dez dias (art. 383º, nº 3, do CPC). Também neste caso a parte está vinculada ao ónus de impugnação especificada (art. 383º, nº 3, do CPC). As provas são oferecidas com o articulado superveniente e com a resposta (art. 383º, nº 4, do CPC). Se a especificação e questionário ainda não tiverem sido elaborados, os factos relevantes para a decisão da causa são neles incluídos (art. 383º, nº 5, do CPC). Se a especificação e questionário já tiverem sido elaborados, os factos relevantes para a decisão da causa são acrescentados aos mesmos (art. 383º, nº 5, do CPC). Não é admissível reclamação sobre o despacho que acrescenta os factos à especificação e 268 Veja- se o disposto no art. 411º, nº 1, do CPC. Veja-se ainda o art. 369º, nº 2, do CPC. 138 questionário (art. 383º, nº 5, do CPC). Do despacho que ordenar a alteração da especificação e questionário nos termos referidos cabe recurso de agravo, que subirá apenas com o recurso da decisão final (art. 383º, nº 5, do CPC). A apresentação de articulado superveniente depois de ter sido designado dia para a audiência de discussão e julgamento não suspende as diligências para a mesma nem determina o seu adiamento (art. 384º, nº 1, do CPC). No caso de não se possível proceder dos termos referidos no art. 383º, nº 3, do CPC, devido à proximidade da data designada para julgamento, o despacho a admitir ou rejeitar o articulado é proferido em audiência e, caso seja admitido, a parte contrária é imediatamente notificada, devendo também apresentar a sua resposta no decurso da mesma audiência (art. 384º, nº 1, do CPC). Embora a resposta deva ser apresentada em audiência, podendo ser verbalmente, transcrevendo-se em ata, se a parte contrária não prescindir do prazo de dez dias para responder e apresentar provas e houver inconveniente na produção imediata das provas relativas à nova matéria, deve suspender-se a audiência, para continuar após decurso do prazo necessário (art. 384º, nº 2, do CPC). No caso de tudo decorrer em audiência todos os atos são orais e ficam consignados em ata (art. 384º, nº 1, do CPC). Se não houver tempo para notificar as testemunhas para comparecerem em julgamento, a parte que as oferece terá que apresentar as mesmas em audiência (art. 384º, nº 1, do CPC). 139 Secção II – Despacho Saneador Especificação e Questionário 1. Tentativa de conciliação Findos os articulados, o processo é concluso ao juiz, o qual pode marcar uma tentativa de conciliação, desde que a ação não diga respeito a direitos indisponíveis, conforme art. 385º, nº 1, do CPC. A tentativa de conciliação, como o próprio indica, visa obter o fim do processo por uma das formas previstas no art. 245º do CPC. Ou seja, pretende-se que as partes resolvam por acordo o litígio, normalmente através da celebração de transação, ou através da desistência do pedido ou parte dele pelo autor, ou de confissão do pedido ou de parte dele pelo réu. No dizer de Lebre de Freitas, através da tentativa de conciliação, “O juiz promove o encontro das partes, … para uma negociação de que possa resultar de que possa resultar, no campo do direito disponível, a auto-composição do litígio, ou de parte dele, mediante transacção”.269 É por se pretender esta composição por acordo do litígio que não se deve proceder à tentativa de conciliação no caso de ação versar sobre direitos indisponíveis, uma vez que nesses casos não é possível fazer acordo (ou transigir), desistir do pedido ou confessar o pedido,270 como resulta do art. 251º, nº 1, do CPC.271 Da expressão pode ter lugar uma tentativa de conciliação resulta que o juiz não está vinculado a marcar a diligência, ainda que a mesma tenha sido requerida conjuntamente pelas partes, como prevê o artigo. Assim, a diligência será apenas marcada se, mesmo que solicitada conjuntamente pelas partes, o juiz o julgar oportuno. Efetivamente, se as partes pretenderem conciliar-se não necessitam de o fazer em audiência de conciliação, podendo sempre fazê-lo por termo lavrado na secretaria ou por documento 269 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 388. 270 Pode-se, porém, atenta a natureza dos interesses envolvidos, desistir do pedido nas ações de divórcio e de separação de pessoas e bens, embora se trate de ações que versão sobre direitos indisponíveis (art. 251º, nº 2, do CPC). Trata-se de norma excepcional, pelo que não deve ser interpretada extensivamente ou por analogia. É aconselhável a realização de tentativa de conciliação nos processos de regulação de poder paternal. 271 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 160. 140 assinado pelas partes, nos termos do art. 252º do CPC. No entanto, se ambas as partes requererem a diligência haverá toda a conveniência e marcá-la, uma vez que tal requerimento conjunto indicia que as partes estão próximas do acordo, necessitando eventualmente da mediação do juiz para resolverem definitivamente o litígio. O juiz da causa é, pela natureza da sua função e pelo conhecimento direto do litígio, a entidade mais qualificada para tentar conciliar as partes, sendo a fase processual em que findam os articulados a melhor para a tentativa de conciliação, uma vez que as partes já expuseram as suas razões de facto e de direito e a conciliação nesta altura evitará a preparação e realização do julgamento, que implica sempre custos económicos. Salienta Lebre de Freitas: “Compete ao juiz esboçar, e retocar à medida do diálogo das partes, as bases equitativas da solução, que deve ser oferecida (por via de regra mediante aproximações sucessivas) – e nunca imposta, nem sequer recomendada sob pressão – aos desavindos”.272 Ou seja, conforme acentua Alberto dos Reis, “não é lícito ao magistrado abusar do seu poder e da sua autoridade para impor a conciliação, isto é, para a arrancar à custa de ameaças ou de pressões”.273 As partes são notificadas para comparecerem pessoalmente, ou fazerem-se representar por mandatário judicia com poderes especiais para transigir, quando residam na área do tribunal distrital (art. 385º, nº 2, do CPC). Caso residam fora da área do tribunal onde corra o processo, as partes só são notificadas para comparecerem se a sua comparência pessoal não representar sacrifício considerável, atenta a natureza e valor da causa e a distância da deslocação. A falta de comparência da parte pode ser suprida pela comparência de advogado com poderes especiais para transigir. 274 Pretendendo-se obter uma resolução consensual do litígio, é indispensável que as partes estejam pessoalmente presentes ou que “fale por elas advogado munido de procuração com poderes especiais para transigir”, isto é, de procuração passada nos termos do art. 40º, nº 2, do CPC.275 Importa, contudo, referir que o advogado que não esteja munido de procuração com poderes especiais para transigir não está impedido de celebrar acordo, nos termos do art. 253º, nº 3, do 272 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 376- 377. 273 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 178. 274 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, pág. 1. 275 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 169. 141 CPC. Trata-se de um regime especial o da nulidade proveniente da falta de poderes do mandatário ou da irregularidade do mandato.276 No pressuposto que o mandatário expresse fielmente a vontade do seu mandante, aceita-se que confesse o pedido (pelo réu), desista do pedido (pelo autor), ou celebre acordo (em nome do autor ou do réu, consoante quem represente), lavrando o juiz imediatamente despacho de homologação, nos termos do art. 252º, nº 3, do CPC. 277 Após a prolação do despacho, o juiz manda notificar o mesmo à própria parte, com a cominação, ou advertência, de que se nada disser fica suprida a nulidade (art. 253º, nº 3, do CPC). A parte pode declarar no processo que ratifica o ato do mandatário, ficando suprida a nulidade resultante da aludida falta de poderes. Também pode nada dizer, ficando igualmente suprida a nulidade face à cominação constante da sua notificação. O prazo para a invocação da nulidade será de dez dias, a contar da notificação, nos termos do art. 119º, nº 1 e 2, do CPC, a menos que o juiz fixe um prazo mais longo no seu despacho. Se a parte declarar, expressamente, que não ratifica o ato do mandatário, este perde a sua eficácia, ficando assim sem efeito a confissão, desistência ou transação. A falta de alguma ou de ambas as partes que tenham sido convocadas não é motivo de adiamento, mesmo que se não tenham feito representar por advogado com poderes especiais para transigir (art. 385º, nº 4, do CPC). 278 A parte, ou partes faltosas devem, porém, ser condenadas em multa (arts. 221º e 506º, nº 2, do CPC). O despacho de condenação em multa da parte faltosa pode ser proferido, para a ata, durante a audiência de tentativa de conciliação, mas também pode ser proferido, por despacho escrito, decorrido o prazo para justificação da falta. Neste caso, o despacho terá que ser notificado à própria parte e seu mandatário (art. 211º, nº 1, e 2, do CPC). A falta pode ser justificada no prazo de cinco dias após a realização da audiência, à semelhança do que acontece em relação à audiência de discussão e julgamento (art. 399º, nº 4, do 276 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 580. 277 Não podendo o juiz recusar a homogação do acordo com fundamento na falta de poderes por parte do mandatário (Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 581). 278 Não falta a parte que não está presente e que não se faz representar por advogado com poderes especiais para transigir. 142 CPC).279 A tentativa de conciliação pode ter lugar em qualquer outra fase do processo, desde que o juiz o julgue oportuno, mas não podem convocar-se as partes mais de uma vez exclusivamente para esse fim (art. 385º, nº 5, do CPC). 280 2. Despacho saneador 2.1. Conceito Como a própria designação indicia, o despacho saneador visa limpar o processo, ou seja, verificar a existência de alguma impureza, alguma situação que impeça a prolação de decisão sobre o mérito da causa. Conforme definição do art. 372º, nº 2, do CPC, as exceções dilatórias impedem o conhecimento do mérito da causa, importando a absolvição do réu da instância, ou a remessa do processo para o tribunal competente, nos casos da incompetência relativa. Assim, uma vez findos os articulados, importa verificar se ocorre alguma exceção dilatória que impeça o conhecimento do mérito, uma vez que não faria qualquer sentido prosseguir com o processo para julgamento, para depois deste se decidir em sentença que afinal existe uma exceção que obsta a que o juiz resolva o litígio entre as partes. Ou seja, o processo ou finda neste despacho por uma sentença de forma (sentença de absolvição da instância), ou, se prossegue, fica limpo de mazelas suscetíveis de impedir a apreciação do fundo da causa, ficando assim a certeza, ou quase certeza que, prosseguindo o processo, se obterá uma sentença de mérito. 281 Segundo Salreta Pereira, o despacho saneador foi motivado pelo princípio da economia processual. Não se compreende que se procedesse “à instrução completa do processo, à audiência de discussão e julgamento e, ao decidir-se, verificava-se que toda essa atividade processual havia 279 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, pág. 2. 280 Ainda que se tenha realizado tentativa de conciliação, ele é igualmente obrigatória antes do início da audiência de discussão e julgamento, desde que a causa esteja no âmbito do poder de disposição das partes (art. 400º, nº 2, do CPC). 281 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 182. 143 sido inútil, pois o juiz não podia conhecer do pedido, porque o tribunal não era competente, as partes não eram legítimas, o réu não tinha sido regularmente citado, ou por qualquer outro motivo que implicasse uma decisão formal”.282 Ou seja, pretende-se que o processo seja logo decidido, ou findo, caso se verifique alguma situação que impossibilite que o mesmo prossiga (ocorrendo então absolvição da instância), ou, devendo continuar, devem-se fixar os termos essenciais do objeto da causa.283 O despacho saneador deve ser proferido pelo juiz no prazo de vinte dias (art. 386º, nº 1, do CPC). Este prazo conta-se a partir da data de conclusão do processo ao juiz, seja depois de frustrada tentativa de conciliação, seja após os articulados se o juiz decidir não marcar tentativa de conciliação.284 Como se sabe, a violação deste prazo por parte do juiz não tem quaisquer consequências processuais, apenas sujeitando o juiz a responsabilidade disciplinar e, eventualmente, podendo o Estado ser civilmente responsabilizado pelos prejuízos que possam resultar para as partes do atraso processual. 2.2. Funções do despacho saneador A prolação de despacho saneador é obrigatória.285 Ainda que o juiz decida dispensar a prolação de especificação e questionário ao abrigo do disposto no art. 388º do CPC, tem sempre que proferir o despacho saneador. As funções do despacho saneador encontram-se enumeradas no art. 386º, nº 1, do CPC. 2.2.1. Conhecer as exceções dilatórias e nulidades (despacho pré-saneador) Antes de proferir o despacho saneador importa que o juiz procure suprir as exceções ou irregularidades que possam ser supridas, mediante aquilo que a doutrina chama despacho présaneador (art. 221º do CPC). Incumbe ao tribunal providenciar oficiosamente pelo suprimento de pressupostos processuais sanáveis, ou outras irregularidades da instância, ou convidar as partes a praticar os atos necessários a suprir tais nulidades ou irregularidades.286 Assim, o juiz deve 282 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, pág. 3. 283 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 504. 284 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, pág. 2. 285 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 382. 286 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 507, Freitas, Machado e Pinto, Código de 144 ordenar oficiosamente a citação dos representantes dos incapazes ou das pessoas coletivas, quando as mesmas não se encontrem regularmente representadas (art. 27º, nº 1, do CPC). Também pode o juiz convidar a parte a suprir alguma irregularidade, designadamente no caso de falta de autorização ou deliberação especial (art. 28º, nº 1, do CPC), falta ou irregularidade do mandato judicial (arts. 37º e 43º, nº 2, do CPC). O juiz pode ainda convidar as partes a suprirem deficiências nos articulados (embora para a petição inicial o deva fazer logo no despacho inicial – art. 358º, nº 1, do CPC), ou juntarem documentos necessários à apreciação dos pressupostos processuais, como, por exemplo, certidão de casamento no caso do litisconsórcio necessário previsto no art. 32º do CPC.287 A omissão deste despacho pré-saneador para suprimento de irregularidades ou de exceções dilatórias constitui nulidade processual (art. 163º, nº 1, do CPC), a qual deve ser arguida no prazo de dez dias a contar da notificação do despacho saneador (arts. 167º, nº 1, e 119º. nº 1, do CPC).288 2.2.2. Exceções dilatórias Nos termos do art. 386º, nº 1, al. a), do CPC, no despacho saneador, o juiz deve conhecer pela ordem designada no artigo 240º do CPC das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos deva apreciar oficiosamente. Isto significa que o juiz não deve deixar para a sentença final o conhecimento das exceções ou das nulidades, tendo de conhecer de umas e outras no despacho saneador.289 Estas questões só podem deixar de ser resolvidas no despacho saneador se o estado do processo impossibilitar o juiz do seu conhecimento, caso em que terá que justificar a sua abstenção (art. 386º, nº 2, do CPC).290 Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 401, Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1982, pág. 163, e Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 409-411. 287 Vejam-se mais exemplos em Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 507-512, Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1982, pág. 163, Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 409-411, e Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 376-385. 288 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 382. 289 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 185. 290 Embora o Código preveja esta possibilidade e a doutrina se esforce por encontrar exemplos que o conhecimento das exceções ou das nulidades possa não ser conhecida no saneador, entendo que se trata de situações raras, podendo 145 Assim, seguindo a ordem do art. 240º, nº 1, do CPC, o juiz começa por verificar se ocorre alguma situação de incompetência absoluta do tribunal, ou seja, alguma das situações previstas no art. 69º do CPC (violação das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional). Após esta verificação, o juiz escreve no despacho saneador que o tribunal é competente em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional, a menos que conclua que se verifica algum caso de incompetência absoluta, caso em que deverá apreciar a mesma e, consequentemente, absolver o réu da instância (arts. 240º, nº 1, e 372º, nº 2, do CPC). O art. 240º, nº 1, não faz referência à incompetência relativa (infração das regras de competência fundadas no valor e estrutura do tribunal, na divisão judicial do território timorense ou decorrentes do estipulado nas convenções de jurisdição – art. 75º do CPC), uma vez que a incompetência relativa é um incidente que, a verificar-se, deve ser conhecido antes de ser proferido o despacho saneador (art. 77º, nº 3, do CPC), remetendo- se o processo para o tribunal competente, no qual será então proferido o despacho saneador. Só no caso de o juiz considerar que não se verifica a situação de incompetência relativa, arguida pelo réu, é que deverá proferir o despacho saneador, no mesmo despacho que apreciou a incompetência (art. 77º, nº 3, do CPC), uma vez que aqui não há que remeter o processo para outro tribunal.291 Seguidamente o juiz deverá conhecer da personalidade e capacidade judiciária das partes, da sua legitimidade e de quaisquer outras exceções dilatórias, como a falta de autorização ou deliberação que o autor devesse obter e não obteve no prazo fixado pelo juiz para o efeito, a falta de constituição de advogado por parte do autor, etc.292 A enunciação das exceções dilatórias do art. 373º, nº 1, do CPC não é taxativa, podendo existir outras que não estejam ali previstas. Porém, todas elas devem ser conhecidas, nos termos dos arts. 386º, nº 1, al. a), e 240º, nº 1, al. e), do CPC. O juiz conhece das exceções segundo a ordem prevista no art. 240º, nº 1, do CPC. Assim, o ocorrer, porém, por exemplo, em casos de litisconsórcio necessário, em que seja necessário fazer prova do teor de um contrato verbal mediante prova testemunhal. 291 Embora o art. 240º, nº 1, do CPC, não faça referência expressa à incompetência relativa, podendo considerar-se que a mesma está incluída na al. e), no caso de não ter sido suscitada a incompetência e a mesma não seja declarada oficiosamente, nos casos do art. 77º, nº 1, do CPC, costuma-se declarar o tribunal competente ainda em razão do território. 292 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 5. 146 juiz só deve conhecer as exceções posteriores depois de verificar que as anteriores não procedem.293 O juiz tem a obrigação de analisar todas as exceções indicadas no art. 240º, nº 1, do CPC, nem que seja para declarar que nenhuma das referidas exceções se verifica.294 O juiz deve dizer, assim, as mais das vezes (caso não se verifique nenhuma exceção), que o tribunal é competente, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, e não há exceções nem nulidades a apreciar (é aquilo a que se chama saneador tabelar).295 2.2.3. Nulidades Nos termos do art. 240º, nº 1, al. b), do CPC, o juiz deve conhecer no despacho saneador das nulidades que anulem todo o processo. A nulidade que efete todo o processo constitui ela própria uma exceção dilatória, nos termos do art. 373º, nº 1, al. b), do CPC. Em princípio apenas a ineptidão da petição inicial implica a nulidade de todo o processo (art. 155º, nº 1, do CPC. Porém, o erro na forma do processo, também pode implicar a nulidade de todo o processo, quando o mesmo não possa ser aproveitado, nos termos do art. 161º, nº 2, do CPC. Fora destes casos, incluindo a maioria dos casos de erro na forma do processo, as nulidades são apenas parciais (arts. 156º a 163º do CPC). Isto significa que apenas a ineptidão da petição inicial e o erro na forma do processo, quando implique a nulidade de todo o processo, serão apreciadas após o conhecimento da incompetência absoluta do tribunal e antes de se conhecer da falta de personalidade ou de capacidade judiciária das partes, nos termos do art. 240º, nº 1, al. b), do CPC. Não quer dizer que não se devam conhecer as demais nulidades, antes pelo contrário esse conhecimento é igualmente obrigatório no despacho saneador para as nulidades que tenham sido invocadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso, a menos que tenham sido decididas anteriormente (conforme o art. 168º, nº 2, do CPC). Simplesmente, segundo a ordem 293 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 184. 294 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 393. 295 Veja-se Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1991, pág. 405. 147 do art. 240º, nº 1, do CPC, esse conhecimento deve ser feito no final do despacho saneador, depois de conhecidas todas as exceções dilatórias.296 Conforme salienta Antunes Varela, “O julgamento da nulidade processual que não constitua excepção dilatória, quer a arguição dela seja fundada, quer infundada, cabe na função saneadora do despacho”.297 2.3. Conhecer as exceções perentórias Nos termos do art. 386º, nº 1, al. b), do CPC, depois de conhecer da eventual existência de exceções dilatórias e nulidade do processo, o juiz deve, nos despacho saneador decidir se procede alguma exceção perentória. A definição das exceções perentórias encontra-se no art. 372º, nº 3, do CPC (constituem exceções perentórias os factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor).298 Assim, são exceções, entre outras, a prescrição, a caducidade, o pagamento. As exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido (art. 372º, nº 3, do CPC), o que significa que o conhecimento das mesmas implica o conhecimento do mérito da causa (art. 443º, nº 2, do CPC). 299 Neste caso, como quando se conheça do mérito por outros motivos, o saneador terá o valor de uma sentença (é o chamado saneador-sentença).300 O ónus de prova das exceções cabe ao réu, que as invoca (art. 510º, nº 2, do CPC), pelo que terá o mesmo que trazer ao processo todos os elementos de necessários a que se possa concluir pela verificação da exceção logo no despacho saneador. Se não o lograr fazer e o processo não contiver os elementos necessários, terá que se conhecer de tais exceções em sentença, após julgamento para produção de prova sobre as mesmas. Ou seja, “o juiz só deve delas conhecer se o processo lhe fornecer os elementos indispensáveis a uma decisão conscienciosa, não carecendo 296 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 10, Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 401-402, Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 184-185, e Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1982, págs. 167-168. 297 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 383. 298 Veja-se igualmente o art. 367º, nº 2, última parte, do CPC. 299 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 386, e Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1982, pág. 169. 300 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 414. 148 de especificar os elementos em falta para justificar a sua relegação para a sentença final”.301 No caso das exceções da prescrição ou da caducidade os autos costumam fornecer os elementos de facto necessários à decisão. Já quanto às restantes, pode-se dizer que, normalmente, não estando ainda realizada a fase de instrução do processo, não se possa conhecer de mérito no despacho saneador.302 Porém, excecionalmente, com o encerramento da fase dos articulados, pode acontecer que o processo contenha já todos os elementos necessários para se proferir uma decisão, desde que o se possam considerar já como provados os factos articulados, sendo a decisão a proferir meramente de direito.303 2.4. Conhecimento do mérito da causa Nos termos do art. 386º, nº 1, al. c), do CPC, o juiz deve ainda, no despacho saneador, conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos. Trata-se aqui, como já se referiu, de um saneador-sentença, dado que o juiz conhece o mérito da causa.304 Também, aqui, embora a situação não seja frequente, pode acontecer, excecionalmente, com o encerramento da fase dos articulados, que o processo contenha já todos os elementos necessários para se proferir uma decisão, desde que o se possam considerar já como provados os factos articulados, sendo a decisão a proferir meramente de direito.305 Aqui, os factos podem 301 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 12. Veja-se ainda Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1991, pág. 405 (citando o acórdão do STJ de Portugal de 28-4-1972, BMJ nº 216, pág. 118). 302 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 385. 303 Imagine-se a seguinte situação: o autor pediu a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de US$ 5.000,00 que lhe emprestara; o réu contesta, não impugnando que o autor lhe emprestou o dinheiro, mas alegando que já pagou tal quantia no prazo que fora acordado; o autor não responde à contestação do réu. Neste caso, os factos constitutivos do direito do autor (o empréstimo do dinheiro) devem considerar-se provados, por força do disposto no art. 370º, nº 2, do CPC. Porém, também se deve considerar provada a exceção perentória do pagamento, invocada pelo réu, uma vez que o autor não impugnou o mesmo (arts. 380º e 382º do CPC). Assim, o juiz deve, no depacho saneador, julgar procedente a exceção perentória e absolver o réu do pedido formulado pelo autor. 304 Valem, por isso, todas as considerações feitas a propósito do conhecimento das exceções perentórias. 305 Imagine-se a seguinte situação: o autor pede a condenação do réu a pagar-lhe US$ 1.200,00 por prejuízos que sofreu no seu carro devido a um embate que ocorreu com o carro do réu, num cruzamento, apresentando-se o carro do réu pela esquerda do autor; o réu não impugna os factos articulados pelo autor (pelo que os mesmo se devem ter por provados, nos termos do art. 370º, nº 2, do CPC), limitando-se a alegar que a culpa do acidente foi do autor, porque não cedeu a prioridade de passagem nos termos do art. 30º, nº 1, do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto-Lei nº 6/2003, de 6 de Abril. Neste caso todos os factos estão admitidos por acordo, logo considerados como provados, sendo a decisão a proferir meramente de direito, pelo que deve o juiz conhecer do pedido logo no despacho saneador. 149 encontrar-se provados por meio de prova documental, com força probatória plena (arts. 581º, nº 1, e 586º, nº 1, do CPC), ou por meio de confissão ou acordo (art. 370º, nº 2 e 3, do CPC).306 No sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-7-1981, escreveu-se “só deve conhecer-se do pedido se o processo contiver, seguros, todos os elementos que possibilitem decisões segundo as várias soluções plausíveis de direito e não somente aqueles que possibilitem a decisão de conformidade com o entendimento do juiz do processo. Assim, se uma dessas soluções impuser o prosseguimento do processo em ordem ao apuramento dos factos alegados, não pode proferir-se decisão sobre o mérito da causa.307 Ou seja, o juiz deve conhecer do pedido no despacho saneador, se não houver possibilidade de elaborar um questionário, se não existir matéria a provar em julgamento, por todos os factos se deverem considerar já provados.308 O Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, para disposição semelhante, entendeu: “Os tribunais devem fazer uso prudente e cauteloso do poder que lhes é conferido [pelo art. 386º, nº 1, al. c), do CPC]. Se a justiça precisa, para sua eficiência, de ser rápida, muito mais precisa, para seu acerto e prestígio, de ser convincente e bem fundada”.309 Concordando acrescenta Alberto dos Reis: “É muito conveniente que a seja pronta; mas é muito mais conveniente que ela seja justa”.310 O próprio preceito legal permite o conhecimento apenas parcial do pedido. Seguindo Alberto dos Reis: “Suponha-se que a acção assenta em vários fundamentos; um deles pode perfeitamente ser apreciado no despacho saneador; mas o outro ou outros têm que ficar para sentença final”. Neste caso, é permitido ao juiz conhecer apenas o primeiro no despacho saneador. Ou seja, “não devem deixar-se para a sentença final questões que podem perfeitamente ser arrumadas e decididas no despacho saneador. Que a questão seja de forma ou de fundo, pouco importa; desde que o estado do processo habilite o juiz a julgar no despacho saneador, é dever do magistrado 306 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 414. 307 Boletim do Ministério da Justiça de Portugal nº 314, Lisboa, 1981, pág. 361 (citado por Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1991, pág. 409). 308 Veja-se ainda Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 402-405. 309 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 5-5-1944, na Revista de Legislação e Jurisprudência, nº 77, pág. 148, citado por Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 16, e Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 189. 310 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 189. 150 não relegar a questão para a sentença”.311 Nos termos do art. 386º, nº 6, do CPC, nas ações destinadas à defesa da posse (arts. 1196º e 1197º do Código Civil) deve ter lugar no despacho saneador uma decisão de mérito provisória, consistente em ordenar a manutenção ou restituição da posse ao autor (art. 1198º, nº 1, do Código Civil), quando esta não tenha sido impugnada pelo réu. Se o réu invocar o direito de propriedade sobre o imóvel (ou outro direito real menor de exercício incompatível com a posse do autor) a questão será decidida a final quanto a esta matéria, mas não quanto à posse, que se mantém com o autor até à decisão final, mercê da presunção do art. 1188º, nº 1, do Código Civil312). A final decide-se se o réu é ou não proprietário, havendo devolução do bem ao mesmo se tal pretensão do réu proceder.313 2.5. Recursos Do despacho saneador pode interpor-se recurso nos termos gerais (art. 426º, nº 1, do CPC). Não é, porém, admissível recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer (art. 386º, nº 5, do CPC). 2.5.1. Recurso de apelação Cabe recurso de apelação do despacho saneador que decida do mérito da causa (art. 443º, nº 1, do CPC). Ou seja, deve interpor-se recurso de apelação do despacho saneador que julgue procedente alguma exceção perentória ou da decisão de mérito, proferidas nos termos do art. 386º, nº 1, als. b) e c), do CPC. Efetivamente, neste caso, como já se viu, o despacho saneador passa a ter o valor de sentença.314 O recurso de apelação, sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo se o despacho saneador puser termo ao processo (arts. 444º e 445º, nº 1, do CPC), ou seja, só no caso de a decisão de mérito ser total, ou o conhecimento de alguma exceção perentória implicar o fim do processo. 311 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 193. 312 No mesmo sentido os arts. 548º, nº 1, e 549º, nº 1, do CCI. 313 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 406-407. 314 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 195. 151 Caso o conhecimento do mérito seja parcial, ou a exceção perentória for julgada improcedente, o que implica que o processo prossiga para conhecer do resto ou da totalidade do pedido, o recurso sobe apenas a final, depois da sentença final que conheça o resto ou a totalidade do pedido, embora mantenha o efeito suspensivo da decisão (arts. 444º e 445º, nº 2, do CPC).315 Importa, porém, lembrar que, ainda que o processo haja que prosseguir e o recurso só suba a final ao Supremo Tribunal de Justiça, caso a parte não concorde com a decisão, deve interpor o recurso no prazo de dez dias a contar da notificação do despacho saneador (art. 436º, nº 1, do CPC), e terá que apresentar alegações no prazo de trinta dias após notificação do despacho que recebeu tal recurso (art. 447º, nº 1, do CPC), não podendo deixar para o recurso da decisão final a impugnação das questões que foram conhecidas no saneador sentença (arts. 110º, nº 3, e 243º, nº 2, do CPC). 2.5.2. Recurso de agravo Do despacho saneador que se pronuncie sobre a existência, ou inexistência das exceções dilatórias (art. 386º, nº 1, al. a), do CPC), deverá ser interposto recurso de agravo (art. 467º do CPC). Ou seja, o recurso será de agravo sempre que o saneador não conheça o mérito da causa.316 Por exemplo, se no despacho saneador for julgada procedente alguma exceção dilatória (a incompetência absoluta do tribunal, ou a falta de personalidade ou de capacidade judiciária, a ilegitimidade de uma das partes), o réu será absolvido da instância (arts. 372º, nº 2, e 240º, nº 1, do CPC), assim terminando o processo, mas o recurso ainda é de agravo e não de apelação, uma vez que o despacho não conheceu o mérito da causa.317 No caso do recurso de agravo dias hipóteses podem ocorrer: a) Se o despacho saneador põe termo ao processo, com absolvição do réu da instância, por julgar procedente alguma exceção dilatória, o agravo sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (arts. 468º, nº 1, al. a), 470º e 474º, nº 1, do CPC). 315 Veja-se Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 405. 316 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 23. 317 A definição da exceção dilatória, prevista no art. 372º, nº 2, do CPC, refere precisamente que a mesma impede o conhecimento do mérito da causa. 152 b) Se o despacho saneador não põe termo ao processo, por julgar improcedente alguma exceção dilatória invocada pelas partes, ou por conhecer de nulidade que não ponha termo ao processo, o agravo sobe diferidamente, com o primeiro recurso a interpor posteriormente que suba imediatamente (seja ela de agravo ou de apelação), nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 469º, nº 1, e 474º, nº 1, a contrario, do CPC). Neste caso o recurso sobre nos próprios autos ou em separado, conforme o regime de subida do recurso posterior com o qual haja de subir. Também aqui importa lembrar que, ainda que o recurso tenha subida diferida, não subindo imediatamente, caso a parte não concorde com a decisão, deve interpor o recurso no prazo de dez dias a contar da notificação do despacho saneador (art. 436º, nº 1, do CPC), e terá que apresentar alegações no prazo de quinze dias após notificação do despacho que recebeu tal recurso (art. 477º, nº 1, do CPC), não podendo deixar para o recurso da decisão final a impugnação das questões que foram conhecidas, ou não apreciadas, no despacho saneador (arts. 110º, nº 3, e 243º, nº 2, do CPC). 2.6. Alcance do despacho saneador (efeitos) Quanto aos casos em que o juiz conhece no despacho saneador das exceções perentórias ou do mérito da causa, o despacho saneador passa a ter o valor de uma sentença, pelo que, não havendo recurso do mesmo, a questão se tem por definitivamente resolvida (art. 419º, nº 1, do CPC).318 A questão coloca-se relativamente aos casos em que o juiz se pronuncia no despacho saneador sobre a existência ou inexistência de exceções dilatórias. Ou seja, uma vez proferido o despacho saneador, se as questões nele decididas passam a ter carácter definitivo, não podendo mais ser apreciadas em sede de sentença, ou, no caso das de conhecimento oficioso, em sede de recurso.319 O entendimento seguido pela doutrina tem sido o de considerar que se alguma parte suscitou uma exceção que o juiz teve que apreciar em concreto, ou se apreciou em concreto alguma exceção dilatória, analisando em pormenor os factos e se a mesma se verifica ou não, então a 318 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 396. 319 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1982, pág. 164. 153 decisão, não sendo interposto recurso, faz caso julgado formal, nos termos do art. 420º do CPC. Caso o juiz profira despacho genérico em que se limita a declarar que o tribunal é competente, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, e não há exceções nem nulidades a apreciar (o saneador tabelar a que se fez referência supra), a decisão sobre tais questões não faz caso julgado, podendo ser reapreciada a questão na sentença final, ou mesmo em sede de recurso.320 No dizer de Alberto dos Reis, “a declaração vaga e abstracta não há excepções nada decidiu e por isso não pode constituir caso julgado”.321 O Tribunal de Recurso decidiu já, em sede de recurso, declarar oficiosamente o réu parte ilegítima, absolvendo-o da instância.322 3. Especificação e questionário 3.1. Conceito e função Nos termos do art. 387º, nº 1, do CPC, se o processo houver de prosseguir, o juiz, no próprio despacho a que se refere o artigo anterior selecionará entre os factos articulados os que interessam à decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, especificando os que julgue assentes por virtude de confissão, acordo das partes ou prova documental e quesitando, com subordinação a números, os pontos de facto controvertidos ou necessitados de prova. Se o processo houver de prosseguir, ou seja, se não se conheceu de mérito no saneador, ou julgou procedente alguma exceção dilatória, ainda no mesmo despacho, o juiz profere especificação e questionário (art. 387º, nº 1, do CPC). 320 Veja-se Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 412- 413, Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, págs. 164-167, Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 393-395, Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 400, e Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, págs. 20-23. 321 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 200. 322 Acórdão do Tribunal de Recurso de 9-7-20120, processo nº 05/Cível/Apelação/2005/TR. 154 Efetivamente, se o réu foi absolvido da instância ou foi condenado ou absolvido do pedido, o processo termina, não se podendo já proferir o despacho seguinte (a especificação e questionário).323 Estamos perante a fase da condensação, que se traduz numa seleção feita pelo juiz da matéria de facto relevante para a decisão final sobre o mérito da causa, que ele considere provada e daquela que carece de prova.324 Embora sejam despachos distintos, o despacho saneador e a especificação e questionário são tratados como um despacho só, pelo que logo após a redação do despacho saneador é elaborada a especificação e questionário, no mesmo despacho (segundo a terminologia legal).325 No dizer de Antunes Varela, há uma ampliação do âmbito do despacho saneador para abranger a especificação e o questionário. “A finalidade da junção das três peças no mesmo acto judicial foi a de conseguir que o despacho saneador só fosse proferido depois de ponderadamente se verificar quais os factos que são na verdade essenciais à decisão da causa, quais deles se encontram provados e quais necessitam ainda de prova”.326 É aquilo a que se chama despacho saneador lato sensu. 327 Esta seleção da matéria de facto fixa os limites da atividade instrutória e o objeto do poder jurisdicional do tribunal.328 A elaboração da especificação e questionário pode, porém, ser dispensada pelo juiz, mediante despacho fundamentado, que será notificado às partes, nas ações não contestadas ou de pequena complexidade (art. 388º do CPC). Ou seja, nas ações não contestadas ou de pequena complexidade a prolação de especificação e questionário é facultativa. 329 As ações não contestadas a que se refere o art. 388º são aquelas em que não se verifica o 323 Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 201. 324 Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 214-215. 325 Porém, se a especificação e questionário forem organizados autonomamente, em despacho separado posterior ao despacho saneador, não se verifica nenhuma nulidade, mas apenas uma mera irregularidade que não influi no exame ou decisão da causa (Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1991, pág. 409, citando o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16-12-1982, sumariado no BMJ nº 324, pág. 637). 326 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 402. 327 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 421. 328 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 524. 329 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 410. 155 efeito cominatório da revelia previsto no art. 364º, nº 1, do CPC, ou seja, as ações referidas no art. 365º, als. b) e c), do CPC. Assim, numa ação de divórcio, de investigação de paternidade, de adoção, ou outras sobre o estado das pessoas, nas ações contra incapazes ou ausentes (que serão representados pelo Ministério Público, nos termos do art. 20º do CPC), a falta de contestação não tem o efeito cominatório da confissão dos factos, pelo que, não obstante não haver contestação, o autor está obrigado a fazer prova (em audiência de julgamento) dos factos que alegou na sua petição inicial, que são constitutivos do seu direito (art. 510º, nº 1, do CPC). Ora, nestes casos, existindo apenas um articulado, torna-se muito mais simples verificar qual a matéria de facto cuja prova é necessário fazer em julgamento, não sendo necessário o roteiro sobre tal matéria que constitui o questionário, pelo que não se torna necessária a sua elaboração.330 Também as causas simples não justificam a prolação da especificação e questionário. Se o autor alega que emprestou dinheiro ao réu e este não pagou e, na sua contestação, o réu se limita a dizer que o autor não lhe emprestou dinheiro nenhum, ou diz que embora o autor lhe tenha emprestado dinheiro já o pagou, a questão controvertida é de tal modo simples, é tão evidente a matéria de facto provada e a que importa provar em julgamento, que não há necessidade de elaborar a especificação e questionário. Efetivamente, a especificação e questionário constituem um verdadeiro roteiro do julgamento,331 que permite às partes perceberem qual a matéria de facto que já não precisam de provar em julgamento (por já estar considerada provada e levada à especificação) e aquela matéria de facto que têm que provar em julgamento (e que consta do questionário). Como se pode ver trata-se de uma peça processual que visa simplificar e balizar a audiência de julgamento. 3.2. Especificação Importa começar por notar que na especificação e o questionário devem ser considerados apenas os factos alegados pelas partes (arts. 387º, nº 1, e 412º do CPC), mas apenas aqueles que 330 Importa contudo referir que o juiz pode elaborar a especificação e questionário nestes casos. A lei apenas faculta a dispensa da prolação do despacho, mas não a impõe. 331 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1982, pág. 173. 156 interessam à decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. Ao fazer referência às várias soluções plausíveis da questão de direito pretende-se evitar que o juiz considere apenas os factos relevantes segundo a sua perspetiva pessoal da questão, uma vez que esta pode ser diversa da do juiz que venha a proferir a sentença, ou dos juízes que possam vir a decidir a questão em sede de recurso.332 Porém, o juiz não tem que estar atento, ao elaborar a especificação e questionário a toda e qualquer interpretação peregrina, ou manifestamente infundada, sobre a questão de direito.333 No dizer de Lebre de Freitas, “seja qual for a sua visão do que deva ser a decisão jurídica da causa e o caminho para a atingir, o juiz tem de seleccionar também os factos que interessem a outras vias de solução possível do litígio, tidas em conta as posições assumidas pelas partes quanto à fundamentação jurídica das pretensões e excepções e as correntes doutrinárias e jurisprudenciais formadas em torno dos tipos de questão que elas levantem”.334 A especificação é elaborada por alíneas335 e deve conter, de entre os factos articulados pelas partes336 (independentemente de quem os alegou)337 e deve conter os que o juiz julgue assentes por virtude de confissão, acordo das partes ou prova documental. Embora o efeito prático seja o mesmo, a confissão dos factos feita nos articulados (contestação ou resposta à contestação) consiste na afirmação expressam de que os factos são verdadeiros (art. 41º do CPC), enquanto o acordo sobre a realidade de um facto consiste no seu reconhecimento tácito, por falta de impugnação do mesmo (arts. 370º, nº 2, e 382º do CPC).338 Os documentos serão apenas aqueles que fazem prova plena, nos termos dos arts. 581º, nº 1, e 586º, nº 1, do CPC.339 Os factos provados desta forma são factos sobre os quais há prova plena, 332 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 415. 333 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 29. 334 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 411. Veja-se ainda Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 417-418. 335 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 203, e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 401. 336 Princípio do dispositivo (veja- se o Capítulo I, parágrafo 6.2). 337 Princípio da aquisição processual (veja-se o Capítulo I, parágrafo 6.12.1). Veja-se Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 527. 338 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 27. 339 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 411, Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 203. 157 pelo que não carecem de ser submetidos à apreciação e decisão do tribunal em sede de julgamento.340 A especificação tem como resultado que sobre os factos nela incluídos não há lugar a instrução, ou seja, não há produção de prova, nem pode haver julgamento, sendo o juiz da causa quem previamente define por essa via os factos que a integram, logo após os articulados.341 3.3. Questionário Nos termos do art. 387º, nº 1, do CPC, com a elaboração da especificação procede-se à elaboração do questionário, quesitando, com subordinação a números, os pontos de facto controvertidos ou necessitados de prova. 342 Ou seja, os factos que foram expressamente impugnados (arts. 267º, nº 2, e 370º, nº 1 e 3, do CPC), ou aqueles que, não tendo sido expressamente impugnados, se achem em contradição com a defesa considerada no seu conjunto (art. 370º, nº 2, do CPC).343 O questionário contém, sob a forma de quesitos, ou perguntas, subordinados a números, os factos que interessam para a decisão da causa e que têm que ser provados em julgamento. Após o julgamento o tribunal responde às perguntas formuladas no questionário, decidindo se os factos quesitados se consideram provados ou não provados. Trata-se, portanto de um elemento fundamental do processo, simplificando o julgamento (os advogados apenas têm que fazer prova relativamente às perguntas), nele se baseando toda a atividade de instrução do processo.344 Alberto dos Reis considera que o questionário “É uma das peças mestras da arquitectura processual; é também um acto que põe à prova as qualidades de inteligência e ponderação do juiz, as suas faculdades de síntese, compreensão e domínio da matéria do pleito. Perante uma mole, por vezes imensa e confusa, de factos, o juiz há-de dar-se ao trabalho fatigante e difícil de fazer a depuração do que é útil e o abandono do que não interessa”.345 Como já se referiu, o juiz 340 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 27. Veja-se ainda Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1982, pág. 175. 341 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 402. 342 Controvertidos são os factos que não se encontram provados por acordo das partes, confissão ou prova documental (Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 30). 343 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 30. 344 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 403. 345 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, págs. 204-205. 158 não deve quesitar toda a matéria controvertida articulada pelas partes, mas apenas a que se mostrar relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. Acrescenta, por isso, Antunes Varela, “Trata-se de uma das peças mais difícil de elaborar em todo o processo, por duas razões: primeiro, pela dificuldade de distinguir, em muitos casos, entre os factos irrelevantes (que devem ser indirectamente rejeitados) e os factos essenciais à decisão da causa (que devem ser seleccionados); segundo, porque não é fácil, muitas vezes, distinguir entre a matéria de direito (submetida ao julgamento do juiz da causa ou do juiz sentenciador) e a matéria de facto que lhe serve de suporte (a única que pode constituir objecto do questionário)”.346 Ou seja, o questionário apenas pode conter factos e não matéria de direito (art. 395º, nº 3, do CPC). 347 Assim, deve redigir-se os quesitos em ordem a interrogar o tribunal de julgamento unicamente sobre a ocorrência de determinados factos materiais, sobre realidades concretas, e não sobre a qualificação jurídica de tais acontecimentos, ou conclusões dos mesmos. 348 Exemplificando, não se pode quesitar se determinado acidente ocorreu por culpa do réu (é óbvia matéria de direito a determinação da responsabilidade pelo embate entre veículos, por exemplo), ou se determinado contrato é um contrato de arrendamento ou outro tipo de contrato. A matéria de facto, porém, integra tanto os acontecimentos do mundo exterior (no dia 10 de Maio o veículo X era conduzido pelo réu), como os eventos do foro interno (em consequência do embate o autor sofre dores), ou mesmo ocorrências hipotéticas (o condutor do veículo teria podido travar o carro se os travões estivessem em condições), ou ainda juízos periciais do facto (o autor ficou com uma incapacidade permanente de 30%).349 Tem-se, contudo, evoluído relativamente a esta questão, admitindo hoje grande parte da doutrina que se quesitem conceitos jurídicos que já entraram no léxico do cidadão comum, desde 346 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 403. 347 Esta regra é igualmente válida para a especificação, mas assume, como se vê, particular relevância na elaboração do questionário. 348 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 208, e Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 414. 349 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 407-410, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 525-526. 159 que a própria qualificação jurídica não seja controvertida.350 Na medida em que podemos tomar os conceitos jurídicos pelo seu sentido vulgar, deixa o termo de ser considerado jurídico e sujeito ao regime para este reservado.351 Assim, vem-se admitindo que se quesite se no contrato de arrendamento verbal foi fixada a renda de US$ 200,00 (embora a qualificação do contrato como arrendamento seja uma conclusão jurídica), desde que o que esteja em causa seja o acordo relativo à renda (que também é uma qualificação jurídica da contraprestação paga pelo inquilino) e não a qualificação do contrato. Se o litígio tiver por objeto a qualificação do contrato, já não se pode quesitar se o contrato celebrado entre o autor e o réu é um contrato de arrendamento (trata-se de qualificação jurídica que o juiz deverá extrair em sentença dos factos concretos que envolveram a celebração do contrato). Importa lembrar que os quesitos são perguntas que vão ser feitas às testemunhas, não se podendo perguntar às testemunhas questões que importem já uma decisão jurídica da causa (essa é a competência exclusiva do juiz). Por outro lado, não se devem formular quesitos na negativa, exceto se os mesmos são constitutivos do direito. 352 Não é possível, ou é difícil, fazer prova do facto negativo, a não ser através da prova de um facto positivo que impeça a ocorrência do outro. Por exemplo, é impossível ao autor fazer prova de que o réu não pagou determinada quantia. Mas já é possível ao réu provar o pagamento (daí que o ónus de prova do pagamento incida sobre o réu – art. 510º, nº 2, do CPC). É impossível, ou muito difícil, provar que em determinado dia o réu não estava em sua casa, a menos que se prove que se encontrava em outro lugar. Os factos acessórios ou instrumentais podem (e devem) ser quesitados se forem importantes para se compreender melhor os contornos do litígio, nomeadamente em sede de recurso. Ou seja, o juiz só pode incluir no questionário os factos articulados pelas partes, mas pode quesitar os factos instrumentais que considere necessários ao apuramento da verdade.353 Relativamente à elaboração de quesitos que apenas possam ser provados por documentos (art. 578º, nº 1, do CPC), ou confissão das partes (por exemplo o caso do art. 304º do Código 350 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 532-535, e Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, págs. 38-39. 351 Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1991, pág. 412, citando Castro Mendes, Conceito de Prova, pág. 570. 352 Sobre esta matéria veja-se infra o Capítulo III, Secção III, parágrafo 3.1. (repatição do ónus da prova). 353 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 412- 417. 160 Civil), 354 duas soluções se apresentam igualmente viáveis: a) Os factos são quesitados, mas deve fazer-se referência no final do questionário que os factos dos quesitos em causa só podem ser provados por documento (ou por confissão, se for esse o caso). 355 Esta é a solução que se me afigura preferível, por se revelar mais clara para a perceção das partes. b) Os factos não são incluídos no questionário e, depois do mesmo, referem-se expressamente quais os factos que não foram quesitados por só poderem ser provados por confissão ou por documento, para que a parte possa produzir tal tipo de prova sobre os mesmos, sendo igualmente tais factos considerados na sentença (art. 407º, nº 3, do CPC). Não precisam ser quesitados os factos notórios, ou que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (art. 391º do CPC). Isso não obsta a que devam figurar na especificação, caso tenham sido alegados por alguma das partes.356 Em conclusão, podem-se considerar como válidas as seguintes regras básicas na elaboração do questionário:357 a) Cada quesito deve conter um único facto; b) Os quesitos devem ser formulados de forma tal, que o tribunal possa responder com precisão e simplicidade, por um sim ou por um não; c) Não devem desdobrar-se as questões em alíneas (deve antes formular-se vários quesitos, um por cada questão); d) Devem dispor-se os quesitos por ordem cronológica e não por ordem dos articulados apresentados, por forma a melhor se compreender a questão; e) Não se devem formular quesitos na negativa, exceto se foram factos constitutivos do direito invocado. 354 Igual o art. 1982º do Código Civil Indonésio. 355 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 412. 356 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 420. 357 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 34. 161 A especificação e questionário não fazem caso julgado, podendo ser modificados por acolhimento de novos factos invocados em articulado superveniente (art. 383º, nº 5, do CPC), ou inclusivamente em sede de julgamento ou de sentença (arts. 395º, nº 1, 398º, nº 2, al. f), e 407º, nº 3, do CPC). Conforme salienta Castro Mendes, “O questionário não faz caso julgado formal, é um complexo de questões, não de decisões”.358 Nos termos do art. 387º, nº 2, do CPC, a especificação e o questionário podem ser organizados mediante simples remissão para o artigo dos articulados, considerando-se a remissão limitada à matéria de facto nele contida. Ou seja, não se considera incluída a matéria de direito que conste do mesmo artigo para o qual se remete. Neste caso, no prazo de dez dias, a secretaria juntará ao processo, cópia integral da especificação e questionário em que se reproduzam os artigos dos articulados para os quais sejam feitas remissões (art. 387º, nº 5, do CPC), para que as partes possam verificar os termos em que efetivamente foi elaborado o questionário (ou a especificação). Desaconselha-se o uso deste mecanismo pela confusão que normalmente gera, devido à forma por vezes confusa como as partes articulam, com mistura da matéria de direito com a alegação de factos. Ou seja, só se deve recorrer a esta faculdade quando os articulados separem devidamente a matéria de direito da matéria de facto e contenham uma descrição precisa dos factos, sem conceitos de direito, e sem alegação de vários factos no mesmo artigo. 3.4. Reclamação Nos termos do art. 387º, nº 3, do CPC, o despacho da especificação e questionário é notificado às partes que, no prazo de dez dias, dele podem reclamar por deficiência, excesso, complexidade ou obscuridade. Como se viu anteriormente, do despacho saneador cabe recurso nos termos gerais (art. 426º, nº 1, do CPC). Porém, da especificação e questionário cabe reclamação. Ou seja, embora integrados no mesmo despacho, procede-se aqui a uma separação material das várias peças processuais (despacho saneador, especificação e questionário). 358 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1982, pág. 177. Veja-se ainda Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 415, Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 427-429, Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1991, pág. 412. 162 A reclamação visa estabelecer um processo de colaboração especial entre as partes e o juiz, capaz de facultar o aperfeiçoamento das duas peças que têm uma importância fundamental na evolução posterior da ação.359 Daí que o juiz deva encarar a mesma como meio de auxílio, e não como um incómodo. Por isso, a reclamação deve entender-se como integrando o andamento regular do processo e não como um incidente anómalo, pelo que a parte que reclamou, ainda que a reclamação não seja atendida, não deve ser condenada em custas. A reclamação pode ser apresentada por qualquer das partes, pelo que pode ser apresentada pela parte que tenha articulado o facto em causa, como também a parte contrária.360 A reclamação tem por fundamento deficiência, excesso, complexidade ou obscuridade.361 Verifica-se deficiência quando exista uma omissão, a não inclusão de um facto, ou mais, na especificação ou no questionário, que a parte considere essencial para a decisão da causa. O excesso existe quando se considerou um facto provado na especificação, quando esse facto tinha sido impugnado pelo réu, ou quando se leva à especificação ou questionário facto que não foram articulados pelas partes, ou por ser irrelevante. Neste último caso, porém, uma vez que não há qualquer prejuízo, não se costuma justificar a reclamação. A complexidade verifica-se quando se quesitam vários factos no mesmo quesito não sendo fácil responder aos factos na sua globalidade. Existe obscuridade quando se formulam quesitos de forma que não seja totalmente compreensível (importa lembrar que os quesitos são perguntas que vão ser feitas às testemunhas, pelo que têm que ser compreensível pelo cidadão comum). Também se pode considerar como obscuridade a contradição entre factos especificados e factos quesitados.362 Apresentada a reclamação, no prazo de dez dias a contar da notificação do despacho contendo a especificação e questionário (art. 387º, nº 3, do CPC), deve ser notificada (oficiosamente, pela secretaria) a parte contrária para responder, ainda no mesmo prazo (arts. 359 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 421-422. 360 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 225. 361 Sobre a matéria veja-se Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 422-423, Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 225-226. 362 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 537. 163 8º363 e 119º, nº 1, 191º, nº 2, e 418º, nº 1 [este por remissão do art. 414º, nº 3], todos do CPC). Após a resposta, ou o decurso do prazo para a mesma, o juiz decide a reclamação, indeferindo a mesma, mantendo a especificação e questionário inalterados, ou deferindo (total ou parcialmente), alterando a especificação e/ou o questionário, em conformidade. Do despacho judicial que for proferido sobre a reclamação não cabe recurso autónomo, podendo, porém, ser impugnado no recurso interposto da decisão final (art. 387º, nº 4, do CPC).364 3.5. Indicação das provas Uma vez proferido o despacho contendo a especificação e o questionário, a secretaria notifica (oficiosamente)365 as partes do despacho saneador e para, em quinze dias, apresentarem o rol de testemunhas, requererem outras provas ou alterarem os requerimentos probatórios que hajam feito nos articulados e requererem a gravação da audiência final; no mesmo prazo qualquer das partes pode requerer a intervenção do tribunal coletivo, nos termos do nº 2 do artigo 51º (art. 389º do CPC). Conforme se refere no acórdão do Tribunal de Recurso de 15-1- 2013,366 “este prazo de quinze dias após a notificação do despacho saneador é um prazo perentório, nos termos definidos no art. 110º, nº 3, do CPC. Assim, uma vez decorrido o mesmo, ficam as partes impedidas de praticar o ato posteriormente.367 No dizer de Ferreira de Almeida, “A fixação legal ou judicial dos prazos peremptórios serve, assim, de factor de compulsão à prática do acto, estimulando a diligência da parte onerada, em ordem a prevenir a sua eficácia extintiva”.368 Ou seja, a gravação da prova só terá lugar se alguma das partes o solicitar, no aludido prazo do art. 389º do CPC, a menos que o tribunal o decida oficiosamente.369 Trata-se, pois, de manifestação do princípio do dispositivo. O princípio do dispositivo tem 363 Princípio do contraditório (veja-se o Capítulo I, parágrafo 6.4). 364 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 414. 365 Art. 191º, nº 2, do CPC. 366 Processo nº 12/Cível/2012/TR. 367 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 235. 368 Almeida, Direito Processual Civil, volume I, 2010, pág. 479. 369 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 417. 164 consagração expressa no art. 220º, nº 1, do CPC, que estatui que a iniciativa e o impulso processual incumbe às partes.370 Ou seja, as partes devem não só pedir a resolução do litígio ao tribunal, como igualmente ficam obrigada a impulsionar o processo, formulando os requerimentos necessários ou legalmente exigidos para o decurso normal deste.371 Com o princípio do dispositivo liga-se o princípio da auto-responsabilidade das partes, segundo o qual, na definição de José João Baptista, “as partes são as responsáveis pela boa ou má condução do processo, visto que o processo nasce e desenvolve-se por sua iniciativa e no seu interesse”.372 Conforme salienta Ferreira de Almeida, “Competindo às partes o accionamento dos correspondentes meios de ataque e de defesa, serão também elas a suportar as consequências negativas as suas eventuais omissões ou inércia, ou seja, uma decisão de sentido desfavorável às suas pretensões ou posições”.373 Assim, temos o princípio da preclusão que impede a parte de exercer certo direito ou de alegar certos factos ou direito se não o fizer nos prazos especialmente consignados para o efeito”.374 O art. 389º do CPC não se pronuncia, porém, sobre uma questão essencial: se as parte (ou apenas uma delas) apresentar reclamação da especificação e questionário o prazo conta-se desde a data da notificação inicial do despacho contendo a especificação e questionário, ou apenas a partir da data da notificação do despacho que apreciar a reclamação? Parece lógico que tal prazo deva iniciar-se apenas depois da notificação do despacho que se pronuncia sobre a reclamação. Desde logo porque o despacho que incide sobre a reclamação integra (passa a fazer parte) do despacho reclamado (art. 418º, nº 2, segunda parte, do CPC), o que significa que só após aquele este fica completo. 370 Como se pode ver pela leitura do art. 220º, o CPC não faz qualquer distinção entre o princípio do dispositivo e o princípio do pedido, considerando ambos como dispositivo, embora a doutrina diferencie os mesmos com frequência (Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito, 2009, pág. 66). 371 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 196-197. 372 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 75. 373 Almeida, Direito Processual Civil, volume I, 2010, pág. 245. Veja-se ainda Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, págs. 43-47. 374 Veja-se Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, págs. 145-14, Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, págs. 100-101, Almeida, Direito Processual Civil, volume I, 2010, págs. 256-262, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 201. 165 Por outro lado, no despacho que aprecia a reclamação pode proceder-se à alteração do questionário, só então se podendo conhecer qual a matéria de facto que a parte tem que provar em julgamento. Ou seja, tendo a prova que incidir sobre a matéria do questionário e não podendo a prova recair senão sobre os factos constantes do questionário, só depois de definitivamente fixado este é que as partes ficam em condições de saber que provas hão-de oferecer e produzir.375 A não se entender assim, teria sempre que se respeitar o disposto no art. 398º, nº 3, do CPC, mas apenas para a eventualidade de se aditarem novos quesitos ao questionário (já não para o caso de se indeferir a reclamação). Cautelarmente, devem as partes indicar as provas no prazo de quinze dias a contar da data da notificação inicial do despacho contendo a especificação e questionário, alterando o rol de testemunhas, nos termos do referido art. 398º, nº 3, do CPC, ou do art. 390º, nº 1, no caso de haver alteração a tal despacho em consequência de reclamação. Como resulta do próprio art. 389º do CPC, as partes podem (e devem, por segurança) indicar as provas logo nos articulados (indicam então a prova dos factos que alegam),376 porém, a fase mais adequada é após a prolação do questionário, pelos motivos já referidos.377 O rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até vinte dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias (art. 390º, nº 1, do CPC). Esta faculdade concedida à parte contrária não impede que ela mesma, antes ou depois de usar da mesma faculdade, alterar o seu rol, desde que o faça no referido prazo de vinte dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento.378 O único inconveniente desta alteração ou aditamento é que as testemunhas não são notificadas para julgamento, nem se pode requerer a sua inquirição por deprecada, tendo a parte que procedeu à alteração ou aditamento que apresentar as testemunhas a julgamento (art. 390º, nº 2, do CPC). 375 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 234. 376 Veja- se o art. 349º, nº 2, do CPC. 377 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 235. 378 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 420. 166 O prazo para indicação das provas previsto no art. 389º do CPC é um prazo perentório, pelo que o seu decurso impede a parte de apresentar rol de testemunhas, uma vez decorrido o mesmo (art. 110º, nº 3, do CPC), daí que por segurança se aconselhe a apresentação do rol de testemunhas com os articulados.379 Isto significa que, se a parte não apresentou o rol de testemunhas no prazo de quinze dias fixado no art. 389º do CPC, não pode depois usar o mecanismo do art. 390º, nº 1, do CPC, para corrigir tal omissão (não se pode alterar ou substituir uma coisa que não existe).380 Por outro lado, também fica vedada a inquirição de testemunhas indicadas apenas na audiência de discussão e julgamento pela parte que deixou passar o prazo do art. 389º do CPC, oficiosamente, pelo juiz, nos termos do art. 575º, nº 1, do CPC.381 Nos termos do art. 394º, nº 1, do CPC, no mesmo prazo referido no artigo 389.º para a indicação das provas as partes requererão o envio de cartas rogatórias ou precatórias quando for o caso. As cartas rogatórias são pedidos, nomeadamente de inquirição de testemunhas feito a entidade judiciais estrangeiras; as cartas precatórias são dirigidas outros tribunais judiciais nacionais (porém, é admissível a inquirição por carta precatória de cidadãos nacionais residentes no estrangeiro, através do consulado de Timor-Leste no país de residência). Por se tratar de um diligência realizada noutro tribunal, no requerimento é obrigatório indicar os factos a que devem ser perguntadas as testemunhas a inquirir por carta (art. 394º, nº 1, do CPC). Por outro lado, não se requerendo a expedição da carta ou sendo esta recusada por falta de indicação do objeto do depoimento, recai sobre a parte a obrigação de apresentar as testemunhas na audiência final (art. 394º, nº 1, do CPC). Ou seja, se a testemunha residir na área de distrito judicial diferente daquele em que corre a ação, a testemunha só será notificada para comparecer e prestar o seu depoimento se este se processar por carta precatória (se for no estrangeiro, carta rogatória ou precatória). Se a parte não requerer a expedição da carta, terá que apresentar a testemunha em julgamento. 379 Já a prova documental pode ser apresentada até às alegações sobre a matéria de facto em julgamento, embora a parte possa ser condenada em multa (art. 595º, nº 2, do CPC). 380 Veja- se Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 421, e o acórdão do Tribunal Constitucional de Portugal nº 519/2000de 29-11-2000, processo nº 725/99, relatora Maria Helena Brito, publicado no Diário da República de Portugal, II Série, nº 26 de 31-1-2001, por aqueles referido. 381 Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1991, pág. 418, citando o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9-6-1982, na Colectânea de Jurisprudência, ano VII, tomo 3º, Coimbra: Casa do Juiz, 1982, pág. 84. 167 Secção III – Instrução do Processo (Provas) 1. Conceito Nos termos do disposto no art. 500º do CPC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Ou seja, a instrução do processo consiste na atividade processual tendente a trazer ao processo os meios de prova a utilizar para prova da matéria do questionário e preparar a sua utilização.382 Segundo Remédio Marques, “A fase de instrução é a fase processual que traduz a sequência de actos processuais destinados a trazer ao processo os meios de prova que aí serão produzidos, assumindos e valorados pelo tribunal. Pelo que é, também, uma actividade processual destinada a formar a convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos”.383 A fase de instrução começa com a notificação a que se refere o art. 389º do CPC e termina, normalmente, com a inquirição das testemunhas durante o julgamento (art. 400º, nº 1, al. d), do CPC). Segundo Antunes Varela trata-se de uma instrução probatória.384 As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Prova, ao que nos importa, quer assim significar o meio, ou os meios através dos quais se procura descortinar, encontrar, a verdade dos factos. A demonstração da realidade a que tende a prova não é uma operação lógica, visando a certeza absoluta. Os factos que interessam ao julgamento da causa são, as mais das vezes, ocorrências concretas do mundo exterior, ou situações do foro espiritual, que pertencem ao passado e não podem ser reconstituídas nos seus atributos essenciais. A demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode assim visar um estado de certeza lógica e absoluta, sob pena de o direito falhar clamorosamente na sua 382 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 182. Veja-se Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 419 e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 429. 383 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 538. 384 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 431. 168 função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens. A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. 2. Objeto da prova Relativamente ao seu objeto estabelece o art. 501º do CPC, que constituem objeto da prova os factos relevantes para o exame e decisão da causa que sejam considerados controvertidos ou necessitados de prova. Como se depreende igualmente da leitura do art. 412º, parte final, do CPC, a prova tem por objeto mediato factos. É sobre factos, e não sobre regras de direito, aplicáveis ao julgamento da causa, que recaem as diligências destinadas à produção da prova.385 Além disso, nem sobre todos os factos que interessam à causa pode recair a instrução do processo. Em primeiro lugar, os factos têm que ter sido alegados pelas partes, só estes podem ser usados (art. 412º do CPC); para além disso, dos factos alegados pelas partes apenas interessam os que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, ou seja, os factos que, sendo controvertidos, interessem à decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. É no despacho saneador que basicamente se faz a triagem – de um lado, os factos que já se podem considerar assentes; do outro, os que integram a base instrutória da causa. A prova produzida antes desse despacho pode, entretanto, ter influído na elaboração dos factos assentes ou especificação. 386 Seja como for, só os factos controvertidos (os que integram o questionário) é que constituem o objeto mediato da prova.387 Nos termos do art. 391º, nº 1, do CPC, não carecem de prova nem de alegação os factos 385 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 437. 386 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 439. 387 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 543. 169 notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral. Facto notório é aquele que é de conhecimento geral, facto conhecido do público em geral, incluindo o próprio juiz e as partes.388 São notórios os factos que podem ser conhecidos pela generalidade das pessoas normalmente informadas de determinado espaço geográfico, de tal modo que não haja razão para se duvidar da sua ocorrência. 389 Assim, são factos notórios as situações de convulsão ocorridas em 1999 e 2006.390 Também não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; quando o tribunal se socorra destes factos, deve fazer juntar ao processo documento que os comprove (art. 391º, nº 2, do CPC). Segundo Alberto dos Reis, “O juiz não pode fazer uso de factos que tenham chegado ao seu conhecimento por via particular; mas nada obsta a que faça uso de factos que chegaram ao seu conhecimento por via oficial”.391 O juiz deve usar factos de que teve conhecimento através de outro processo e que sejam relevantes para a decisão da causa. 3. Ónus de prova 3.1. Repartição do ónus de prova O princípio geral, constante do artigo 510º do Código Civil, impõe àquele que invocar um direito a prova dos factos constitutivos do direito alegado (nº 1), sendo que tratando-se de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, a prova compete àquele contra quem a invocação é feita (nº 2).392 Lembra-se que os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito constituem exceções perentórias (art. 372º, nº 3, do CPC), e o ónus de prova de tais factos compete a quem os invoca. 388 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 260. 389 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 13. 390 Veja-se a doutrina citada por Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1991, pág. 419-420. 391 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 266. 392 Para Castro Mendes os factos modificativos que sejam favoráveis ao autor devem ser provados por este (Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 194). 170 Ou seja, o que a lei diz é que a parte tem o ónus de provar o facto que aproveita à sua pretensão, sob pena de ter de suportar desvantajosas consequências, se o não fizer. Compreendese, por isso, que em primeira linha seja às partes que é atribuída a faculdade de deduzir pretensões probatórias, no tempo que para isso é destinado, bem como que sejam elas que voluntariamente empreendam atitudes de natureza probatória, tendentes àquele fim.393 Por exemplo: o autor alega que entregou uma quantia (mil dólares) em dinheiro ao réu com obrigação deste devolver tal quantia (contrato de mútuo ou empréstimo) e que o réu não devolveu o dinheiro emprestado no prazo acordado; por sua vez o réu alega que já pagou tal quantia ao autor. Cumpria ao autor fazer a prova da entrega do dinheiro ao réu mediante obrigação deste de o devolver num determinado prazo (factos constitutivos do direito), nos termos do art. 510º, nº 1, do CPC. 394 Por seu lado, o réu está obrigado a provar o pagamento que alegou (facto extintivo do direito invocado pelo autor), nos termos do art. 510º, nº 2, do CPC. Se o réu não provar o pagamento será condenado a entregar ao autor os referidos mil dólares, uma vez que não cumpriu o seu ónus de prova do facto impeditivo. Factos constitutivos são os factos que dão vida à relação jurídica, como por exemplo os factos que integram a constituição de um contrato (a entrega de dinheiro de uma parte a outra com obrigação desta de o devolver num determinado prazo, contrato de mútuo; a cedência temporária de uma casa por uma pessoa, senhorio, a outra, inquilino, com obrigação deste de pagar uma renda, contrato de arrendamento; a entrega de uma coisa a outra pessoa, com obrigação desta de pagar um determinado preço, contrato de compra e venda). Factos extintivos são os factos que fazem cessar a relação jurídica, ficando as partes desobrigadas, como por exemplo o pagamento por parte do comprador, ou a restituição do dinheiro emprestado, a destruição do bem objeto do contrato. O facto extintivo terá, por isso, que ser posterior ao facto constitutivo da relação jurídica.395 Factos impeditivos são os factos que impedem que a relação jurídica produza os seus efeitos 393 Sobre as diferenças entre o onus de prova nos sistemas de civil law e de common law veja-se John J. Barcel´o III, Burden of Proof, Prima Facie Case and Presumption in WTO Dispute Settlement, Cornell International Law Journal, Vol. 42, 2009, págs. 23-43. 394 No caso tal não seria necessário porque o réu não impugnou tais factos, apenas afirma que já pagou. Se o réu tivesse dito que não tinha recebido dinheiro do autor, já este teria que provar tal facto (art. 510º, nº 1, do CPC). 395 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 294. 171 normais, como por exemplo a incapacidade de uma das partes, as causas de anulação do negócio. Os factos extintivos são aqueles que, supondo ter nascido validamente o direito o extinguem; os factos impeditivos são os que obstam a que o direito tenha nascido eficazmente396 Factos modificativos são os factos que alteram a relação jurídica, como por exemplo o pagamento parcial, o aumento de rendimentos do obrigado numa ação de prestação de alimentos.397 A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art. 510º, nº 2, do CPC). Ou seja, cada uma das partes tem o ónus de alegar e provar os factos correspondentes à previsão da norma que aproveita à sua pretensão ou à sua exceção. 398 Cada uma das partes tem de provar os factos que constituem os pressupostos da norma que lhe é favorável.399 Quanto aos factos negativos, a sua prova impende sobre o autor quando os mesmos sejam constitutivos do direito.400 Importa, porém, ter presente que se trata aqui de situações especiais, como a impugnação de paternidade (em que impede sobre o marido da mãe do menor a prova de que o mesmo não é seu filho), a extinção de uma servidão pelo não uso (em que incumbe ao proprietário do prédio onerado o ónus de prova do não uso). No entanto, a natural dificuldade de prova dos factos negativos torna aconselháveis menores exigências quanto à prova dos mesmos factos.401 Segundo Távora Niess “as regras de distribuição do ônus de prova visam facilitar o encontro da verdade”.402 As regras do ónus de prova visam fixar as consequências da falta de prova de determinados factos, uma vez que o tribunal tem sempre que decidir a questão, ainda que falte a prova dos factos alegados (art. 6º do CPC).403 396 Neto, Código Civil Anotado, 1993, pág. 225. 397 Niess, O ônus da prova no processo civil e no processo penal, 1982, pág. 196. 398 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 455. 399 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 278. 400 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 288, e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 461. Veja-se ainda Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 194. 401 Neto, Código Civil Anotado, 1993, pág. 227 (citando Pereira Coelho, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 117º, pág. 95). 402 Niess, O ônus da prova no processo civil e no processo penal, 1982, pág. 195. 403 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 157. 172 Para Lebre de Freitas “As normas sobre a distribuição do ónus de prova constituem normas de decisão, pois se destinam em primeira linha a possibilitar a decisão no caso de falta de prova; mas não deixam de influenciar o comportamento das partes, consequentemente levadas a ter a iniciativa da prova para evitar o risco de uma decisão desfavorável”.404 No mesmo sentido se pronuncia Castro Mendes, segundo o qual o ónus de prova “não pertence já ao domínio da prova, em rigor, mas ao da construção da sentença e sua fundamentação.405 O art. 511º do CPC prevê alguns casos especiais de repartição do ónus da prova. Assim, nas ações de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga (art. 511º, nº 1, do CPC). Como já se viu a ação de simples apreciação negativa é a que tem por fim a declaração de inexistência de um direito.406 Justificando esta especialidade escreve Alberto dos Reis: “O autor no aspecto formal ou processual é realmente réu no aspecto substancial”.407 Ou seja, uma vez que é o réu quem invoca o direito, deve ser ele a provar os factos constitutivos do direito que invoca, cabendo ao autor apenas invocar a inexistência do mesmo e a incerteza jurídica que é pressuposto das ações de simples apreciação. Nas ações que devem ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei (art. 511º, nº 2, do CPC). Trata-se do conhecimento do prazo de caducidade (art. 323º, nº 1, do Código Civil).408 Nestas hipóteses, cabe ao réu a demonstração do decurso do prazo, ou seja, que o autor conhece da possibilidade de exercício do direito há mais tempo do que o previsto para que se verifique a caducidade.409 A caducidade, como a prescrição extintiva, são factos extintivos, pelo que a sua prova deve impender sobre o réu.410 404 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 13. 405 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 192. 406 Capítulo I, parágrafo 5.2. 407 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 289. 408 Verifica-se a caducidade opera quando o direito não é exercido dentro de um dado prazo fixado por lei ou convenção (Ana Prata, Dicionário Jurídico, 4ª edição, Coimbra: Almedina, 2005, pág 179). 409 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 576. 410 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 459. 173 Se o direito invocado pelo autor estiver sujeito a condição suspensiva ou a termo inicial, cabe-lhe a prova de que a condição se verificou ou o termo se venceu; se o direito estiver sujeito a condição resolutiva ou a termo final, cabe ao réu provar a verificação da condição ou o vencimento do prazo (art. 511º, nº 3, do CPC). O princípio mantém-se: deve entender-se como facto constitutivo do direito a verificação do termo inicial ou da condição suspensiva, uma vez que só com estes nasce o direito, pelo que a sua prova cabe ao autor. Já a condição resolutiva ou o termo final, porque são factos extintivos do direito, devem ser provados pelo réu.411 O ónus de prova não impede que a parte contrária àquela sobre quem recaia tal ónus de produzir contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos, assim fazendo improceder a pretensão da parte contrária por incumprimento do ónus da prova (art. 514º do CPC). Não se deve confundir contraprova com a prova do facto contrário. A contraprova consiste em criar no espírito do tribunal a dúvida ou incerteza acerca do facto questionado; a prova do facto contrário tem por fim a demonstração de que certo facto, já provado, não é verdadeiro.412 Finalmente cumpre destacar que, quando a conduta das partes ou quaisquer circunstâncias da causa produzam a convicção segura de que o autor e o réu se serviram do processo para praticar um ato simulado ou para conseguir um fim proibido por lei, a decisão deve obstar ao objetivo anormal prosseguido pelas partes (art. 413º do CPC).413 3.2. Inversão do ónus de prova As referidas regras sobre a repartição do ónus de prova invertem- se, quando haja presunção legal, dispensa ou libertação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine (art. 512º, nº 1, do CPC). Neste caso, o autor só terá que alegar e provar os factos que constituem a base da presunção. 414 Para se considerar provado que o possuidor com título de posse é possuidor de boa 411 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 578. 412 Neto, Código Civil Anotado, 1993, pág. 230. 413 Niess, O ônus da prova no processo civil e no processo penal, 1982, pág. 202. 414 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 579. 174 fé, ele só tem que provar a posse e a existência do título (art. 1180º, nº 2, do Código Civil). O ónus de prova inverte-se no caso de existir uma presunção legal. Seguindo Antunes Varela, “Umas vezes é a lei que presume certo facto contra o demandado. Quando assim seja, não é a parte (autor) a quem o facto aproveita (por ser pressuposto da norma em que a sua pretensão se funda) quem tem de provar a existência dele; é a parte (réu) a quem o facto (presumido) prejudica quem tem de provar a sua inexistência”.415 Por exemplo, se os animais de uma pessoa invadem uma várzea de arroz de outra pessoa e destroem a plantação ali existente, a pessoa que tinha a obrigação de guardar os animais (em princípio o seu dono), responde pelos danos causados, sem que o lesado tenha que provar a sua culpa (art. 427º, nº 1, do Código Civil). Neste caso terá que ser o réu a provar a ausência de culpa da sua parte. Segundo o mesmo autor, “Outras vezes a lei libera o demandante do ónus da prova relativamente a um facto dele. Sem a norma especial, o demandante teria de demonstrar a existência do facto que lhe diz respeito, por se tratar de um facto constitutivo do seu direito”. Será o caso de o possuidor que pretende conservar ou obter os frutos do imóvel que possui (art. 1190º, nº 1, do Código Civil); para poder beneficiar de tal direito, o possuidor teria, em princípio, que demonstrar a boa fé da sua posse (elemento constitutivo do direito), no entanto, se a sua posse for titulada ele não tem que provar a boa fé da posse, uma vez que a mesma se presume (art. 1180º, nº 2, do Código Civil). Neste caso, terá que ser o proprietário, para se opor a tal pretensão, a provar que a posse da parte contrária é de má fé. As próprias partes podem, no contrato que celebram, estipular que, no caso de litígio, se presumem certos factos, ou inverter o ónus de prova estabelecido segundo os critérios gerais. Uma vez que as regras de repartição do ónus da prova visam acautelar interesses particulares, nada impede a liberdade contratual também nesta matéria, desde que não se verifique nenhuma das situações previstas no art. 513º, nº 1, do CPC.416 Há igualmente inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado (art. 512º, nº 2, do CPC). Assim, há inversão do ónus da prova, por exemplo, o condutor do automóvel destrói, após a 415 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 465. 416 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 466. 175 colisão, os indícios da sua culpa no acidente de viação, quando uma das partes impede a testemunha oferecida pela outra de se deslocar ao tribunal, quando a parte notificada para apresentar um documento não o apresenta (art. 601º do CPC) ou declara que não o possui, tendoo já possuído e não provando que ele desapareceu ou foi destruído sem culpa sua (art. 602º, nº 2, do CPC), quando o réu em ação de investigação de paternidade se recusa a permitir o exame do seu sangue e quando, duma maneira geral, a parte recusa colaborar para a descoberta da verdade (art. 506º, nº 2, do CPC). Neste caso o facto não se considera logo provado, mas inverte-se quanto a ele o ónus de prova. Passa a ser o demandado que tem que provar que não se verifica o facto alegado pelo autor e cuja prova seria feita através do meio de prova destruído.417 Remédio Marques salienta, porém, que a impossibilidade da prova do facto terá de resultar de conduta culposa (negligente ou dolosa) da parte contrária. “Quando a parte, com dolo ou negligência (por acção ou omissão) torna impossível a produção de prova pela contraparte”. 418 4. Meios de prova 4.1. Definição e enunciação Os meios de prova são os instrumentos ou os elementos de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção acerca de um facto. É a atividade destinada a convencer o tribunal da verdade dos factos alegados pelas partes.419 A regra é hoje a da livre admissibilidade dos meios de prova. No julgamento da prova, a lei consagra abertamente o princípio da livre convicção do julgador (art. 403º, nº 1, do CPC); logo, e em seu paralelo, é natural admitir-se que, para formar a convicção do julgador, as partes possam socorrer-se de todos os elementos capazes de demonstrarem a existência do facto.420 No dizer de Remédio Marques, “pode ser admitido como meio de prova tudo quanto se 417 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 467. 418 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 579-580. 419 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 201. 420 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 467-468. 176 mostre capaz de testemunhar a existência dos factos essenciais ou instrumentais com interesse para a decisão da causa”.421 A prova não é feita no interesse exclusivo das partes, mas, acima dele, no interesse da verdade, visando a correta aplicação do direito.422 Existem, porém, exceções à regra da livre admissibilidade da prova.423 Assim, há factos que não podem ser provados por qualquer meio mas apenas mediante prova documental. Trata-se de casos em que os negócios têm que observar determinada forma para assegurar a sua validade, formalidades ad substantiam (arts. 551º, nº 2, e 578º, nº 1, do CPC); ou relativamente aos factos contrários a outros constantes de documento ou complementares deste (art. 551º, nº 5 e 6, do CPC). 4.2. Classificação das provas 4.2.1. Classificação doutrinal A doutrina distingue vários tipos de prova. a) Provas pré-constituídas e provas constituendas. Provas pré-constituídas são as que existem antes de surgir a necessidade da sua apresentação no processo.424 A maioria destas provas já existem antes de ser intentada a ação, pelo que a sua produção não requere qualquer atividade preparatória; elas já existem e só há que regular a forma e momento da sua apresentação na causa.425 É o caso da prova documental (os documentos, normalmente, já existem antes de ser intentada a ação), regulando o CPC apenas a forma da sua junção aos autos (arts. 595º e 596º do CPC). É também o caso da prova produzida antecipadamente (arts. 392º e 393º do CPC). Provas constituendas são as que se produzem só depois de se verificar a sua necessidade no processo, só perante a necessidade de se demonstrar a realidade de um determinado facto, ou 421 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 566. 422 Niess, O ônus da prova no processo civil e no processo penal, 1982, pág. 201. 423 Veja-se Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 469-470, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 566-567. 424 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 441. 425 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009 , pág. 565. 177 conjunto de factos.426 Será o caso da prova testemunhal ou da prova pericial. b) Provas imediatas e provas mediatas. Provas imediatas (ou diretas) são as que se colocam diretamente ao alcance da perceção do juiz. Será o caso da prova testemunhal, por confissão, documental. Provas mediatas (ou indiretas) são as que não apresentam diretamente o facto ao julgador, mas colocam ao alcance deste elementos que lhe permitem considerar como demonstrado certo facto por meio de ilações ou presunções retiradas desse facto. A prova mediata traz ao conhecimento do julgador um mero indício do facto que integra a previsão da norma aplicável.427 Será o caso da prova por presunções ou a prova por testemunho indireto. 4.2.2. Classificação legal Os meios de prova (ou meios probatórios) especificamente admitidos pela lei, que usou de critério da maior latitude possível, são os seguintes: As coisas móveis ou imóveis apresentadas por uma das partes (art. 505º do CPC); As presunções (arts. 517º a 519º, do CPC); O depoimento de parte (arts. 520º a 540º do CPC); As testemunhas (arts. 541º a 575º do CPC); Os documentos (arts. 576º a 619º do CPC); A inspeção judicial (arts. 623º a 628º do CPC); Os laudos periciais (arts. 629º a 652º do CPC). 5. Procedimentos probatórios 5.1. Procedimentos Chama-se procedimento probatório ao esquema metodologicamente ordenado dos atos processuais destinados a permitir a utilização dos diferentes meios de prova.428 Ou seja, a sequência geral de atos processuais destinados a permitir a utilização dos diversos meios de 426 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 441. 427 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 442. 428 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 495. Veja-se igualmente Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 240. 178 prova. 429 Existem várias fases, cada uma com sua função dentro da finalidade global da diligência.430 a) Proposição ou oferecimento da prova. Trata-se do ato pelo qual uma das partes requer ao juiz a admissão (prova pré-constituída) ou a produção (prova constituenda) de determinado meio de prova. Como exemplo temos o art. 389º do CPC, referente à notificação das partes, depois de fixada a especificação e questionário, para apresentarem o rol de testemunhas (com o requerimento explícito ou implícito da prova testemunhal) e requererem quaisquer outras provas, ou o art. 392º do CPC, ao tratar especificamente do requerimento da prova antecipada.431 b) Admissão da prova. Este segundo momento consiste na decisão judicial de admissão ou recusa do meio de prova requerido pela parte. É um momento importante do esquema probatório, desde logo porque o juiz não deve, em princípio, admitir meio de prova sobre factos não constantes do questionário.432 O juiz deve indeferir o requerimento para produção de um meio de prova sempre que o mesmo for impertinente ou meramente dilatório (art. 222º do CPC). Referem-se, direta ou indiretamente, a esta fase, por exemplo, os arts. 638º (prova pericial), 523º (prova por depoimento de parte) ou 624º («… sempre que o julgue conveniente …» – quanto à inspeção judicial) do CPC. c) Produção da prova. Trata-se do momento capital das provas constituendas, no qual se extrai da fonte oferecida (a testemunha, o perito, a parte) o respetivo meio probatório. A produção da prova pode desdobrarse em vários atos e prolongar- se por um período maior ou menor de tempo. Nas provas préconstituídas, precisamente porque o meio probatório se forma fora do contexto do processo, a fase da produção da prova reduz-se de modo apreciável, tendo uma função bastante mais 429 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 589. 430 Segue-se essencialmente a exposição de Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs 495-497. 431 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 495, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 589. 432 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 496, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 589. 179 apagada. Não poderá, todavia, dizer-se que ela seja de todo em todo suprimida, visto que, na prova documental, por exemplo, a parte contrária à que oferece o documento é desde logo chamada (art. 598º do CPC), antes da discussão da causa, a pronunciar-se não só quanto à admissibilidade do meio probatório oferecido, mas também no que respeita à sua força probatória; e esta discussão contenciosa prévia do valor probatório do documento não deixa de integrar-se na fase típica da produção da prova. 433 b) Assunção da prova. É a fase derradeira do procedimento probatório, destinada a incorporar no processo o meio probatório produzido ou oferecido. Consistirá, por exemplo, quanto à prova documental, na junção dos documentos; ou quanto à prova pericial, na incorporação do relatório pericial.434 Nos termos do art. 22º do Código das Custas Judiciais, o requerimento de diligência que implique despesas, como seja a perícia, obriga a parte requerente a efetuar preparo para despesas, a menos que esteja isenta ou dispensada do pagamento de custas, sob pena de não se realizar a diligência (22º do Código das Custas Judiciais). 5.2. Princípios relativos à produção da prova 5.2.1. Enunciação Importa aqui relembrar alguns dos princípios fundamentais relativos às provas.435 Assim, o princípio da aquisição processual encontra-se enunciado no art. 502º do CPC (O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las). Assim, nada impede que o tribunal utilize o depoimento de testemunhas apresentadas por uma das partes para considerar provados factos cujo ónus probatório incumbia à outra parte.436 433 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 496- 497. 434 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 497. Remédio Marques inclui esta fase na anterior (Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 589- 590). 435 Por se tratar de matéria já analisada anteriormente faz-se uma beve referência à mesma, remetendo-se um estudo mais aprofundado para o Capítulo I, parágrafo 6. 436 Acórdão do STJ de Portugal de 9-7-1982, no BMJ nº 319, pág. 234, citado por Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1991, pág. 421. 180 O princípio da livre apreciação da prova, encontra- se previsto no art. 503º do CPC, nos termos do qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal. O princípio da audiência contraditória, encontra-se consagrado no art. 504º do CPC, nos termos do qual Salvo disposição em contrário, as provas não serão admitidas nem produzidas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas. 5.2.2. Dever geral de colaboração na descoberta da verdade material O princípio da cooperação, com expressão nos arts. 221º e 506º, nº 1, do CPC, impõe a cooperação de todos os intervenientes no processo. Assim, todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado submetendose às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados (art. 506º, nº 1, do CPC).437 O dever de resposta ao que for perguntado abrange não só o dever de prestar o depoimento de parte requerido pela parte contrária, ou pela comparte, ou oficiosamente determinado, mas também o dever de prestar informações ou esclarecimentos, sempre que pedido. A colaboração exigida às partes compreende ainda a sujeição às inspeções necessárias, a entrega do que for requisitado e a prática dos atos que forem determinados. As inspeções (ou exame), a que a lei se refere, tanto podem recair sobre a pessoa (por exemplo, o exame médico no caso de indemnização de danos provenientes de ofensa corporal), como sobre coisa pertencente a uma das partes (por exemplo, a coisa danificada no acidente de viação).438 Existe ainda o dever de facultar o que for requisitado, não só aos casos em que o próprio tribunal, por sua iniciativa ou mediante sugestão da contraparte, requisita documentos em poder da parte (art. 607º, nº 1, do CPC), como àqueles em que uma das partes requer formalmente a apresentação do documento em poder da parte contrária, para prova de factos por ela concretizados (art. 600º do CPC). O exemplo típico de atos que a parte deva praticar, por ordem 437 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 585. 438 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 477. 181 do tribunal, é dado no exame de letra, quando não haja escritos com os quais seja possível a comparação da letra a examinar; nesse caso, a pessoa a quem seja atribuída a autoria do documento pode ser obrigada a escrever as palavras que o perito determinar (art. 645º, nº 1, do CPC). Por outro lado, prescreve o art. 221º do CPC que as partes são obrigadas a comparecer, sempre que para isso forem notificadas, e a prestar os esclarecimentos que, nos termos da lei, lhe forem pedidos. O dever de colaboração imposto às partes (entre si e com o tribunal) no descobrimento da verdade, consubstancia-se, igualmente, na sua subordinação a um dever geral de boa-fé (arts. 662º a 665º do CPC). A recusa da parte em colaborar no apuramento da verdade sobre um facto tem a consequência de permitir que o tribunal extraia livremente do comportamento da parte a ilação que ele sugere (sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no art. 512º, nº 2, do CPC). 439 Apesar desta livre apreciação da conduta da parte para efeitos probatórios, em prossecução do interesse no apuramento da verdade, o tribunal pode usar dos meios coercitivos que forem possíveis para obtenção do meio probatório visado. Se a parte se recusa, por exemplo, a entregar voluntariamente um documento que se encontra em seu poder; o tribunal poderá (pela força, se necessário) apreender e utilizar esse documento, como elemento probatório. 440 Finalmente, porque o recusante da diligência determinada viola o dever de colaboração com a justiça, ainda incorre no pagamento de uma multa (art. 506º, nº 2, do CPC). 5.2.3. Os poderes oficiosos do tribunal Apesar de em geral o objeto do processo se encontrar submetido à disponibilidade das partes, a instrução comporta importantes poderes instrutórios do tribunal. O princípio dominante desta fase é, mesmo, o princípio da oficiosidade (ou da livre iniciativa do tribunal) em matéria 439 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 440. 440 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 480. 182 instrutória, o qual se traduz na atribuição de importantes poderes instrutórios ao tribunal.441 O tribunal tem sempre de cingir-se apenas aos factos fundamentais alegados pelas partes (art. 412º do CPC). É o que exige o respeito pelo princípio dispositivo, trave-mestra do sistema processual.442 Mas em relação a tais factos, o juiz goza do poder de realizar diretamente ou ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias ao descobrimento da verdade. As diligências instrutórias de iniciativa oficiosa podem ter por objeto, tanto os factos fundamentais alegados pelas partes, como os factos instrumentais não articulados pelos litigantes, mas destinados a descobrir a verdade acerca daqueles factos fundamentais.443 Para José João Baptista “em relação ao objecto da prova predomina o princípio do dispositivo, enquanto que em relação à sua produção se verifica uma ampla aplicação do princípio do inquisitório.444 Dentro da área delimitada pelas alegações das partes, vigora assim o princípio fundamental correspondente ao sistema inquisitório. Os arts. 220º, nº 3, e 222º do CPC retratam as duas faces dos poderes inquisitórios do juiz, em matéria instrutória. De um lado, cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso imposto às partes, providenciar pelo andamento regular e célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação e recusando o que for impertinente ou meramente dilatório (art. 222º). É o poder de direção do processo, pelo qual se reconhece ao juiz o poder- dever de separar o trigo do joio nas próprias diligências requeridas pelas partes.445 Do outro, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (nº 3 do art. 220º). Poderes inquisitórios que aparecem reafirmados, com as adaptações adequadas, a propósito dos 441 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 584. 442 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 474. 443 Veja-se Niess, O ônus da prova no processo civil e no processo penal, 1982, pág. 196-197. 444 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 426. 445 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 254. 183 diferentes meios de prova.446 As diligências instrutórias de iniciativa oficiosa podem ter por objeto, tanto os factos fundamentais alegados pelas partes, como os factos instrumentais não articulados pelos litigantes, mas destinados a descobrir a verdade acerca daqueles factos fundamentais.447 Em resumo, pode dizer-se que, embora a iniciativa do processo e o impulso da ação caibam às partes, é ao juiz que cabe a direção da causa. É ao julgador que compete, não apenas sentenciar ou despachar mas assegurar também a feitura da justiça, e com a necessária prontidão. 5.3. Produção antecipada de prova As provas devem ser normalmente oferecidas e produzidas durante a fase de instrução do processo (após a notificação a que se refere o art. 389º do CPC). Porém, excecionalmente, pode ser produzida antecipadamente (até mesmo antes de ser proposta a ação), se existir justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por meio de arbitramento ou inspeção (art. 392º do CPC). A produção antecipada da prova tem como requisito o periculum in mora, consistente no risco de desaparecer ou se tornar muito difícil a produção de certa prova, antes do momento normal em que ela seria produzida.448 Será o caso, por exemplo, de uma testemunha fundamental para a decisão que está gravemente doente e em sério risco de falecer antes do julgamento, ou de se ausentar para o estrangeiro. 5.4. Registo dos depoimentos prestados antecipadamente ou por carta Como é óbvio, uma vez que o juiz que presidiu à produção antecipada da prova, ou à inquirição de testemunhas por carta precatória pode não participar no julgamento da causa, ou pode este decorrer perante tribunal coletivo, impõe-se que tal prova seja regista para poder ser considerada pelo tribunal de julgamento (art. 508º, nº 1, do CPC). Os depoimentos das partes são sempre gravados, só sendo reduzidos a escrito quando tal 446 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 476. 447 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 585. 448 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 446. 184 gravação se revele impossível. Neste caso, o juiz dita a redação, podendo as partes ou os seus mandatários fazer as reclamações que entendam oportunas e cabendo ao depoente, depois de lido o texto do seu depoimento, confirmá-lo ou pedir as retificações necessárias (art. 508º, nº 2, do CPC). Se as parte não reclamarem da redação dada pelo juiz, não poderão depois, em sede de recurso, invocar a desconformidade entre o que ficou escrito e o que teria sido declarado pela testemunha. 6. Provas legais 6.1. Prova por apresentação de coisas móveis ou imóveis Nos termos do art. 505º do CPC, as partes podem oferecer como meio de prova uma coisa móvel ou imóvel. Se a coisa móvel puder, sem inconveniente, ser posta à disposição do tribunal, a parte deve entregá-la na secretaria judicial, dentro do prazo previsto nos arts. 595º e 596º do CPC, sendo a parte contrária admitida a examinar a coisa e a fotografá-la. No caso de imóveis, ou de móveis que não seja possível depositar na secretaria, deve a parte que indicar este meio de prova requerer a notificação da parte contrária, dando-se a esta oportunidade de examinar e fotografar a coisa. Em qualquer dos casos, a parte que pretenda utilizar este meio de prova deve indicar logo os factos que visa comprovar através da apresentação da coisa. Por exemplo, o Estado pede uma indemnização por o réu (escultor de profissão) ter feito uma estátua do Primeiro-Ministro que lhe fora encomendada sem qualquer semelhança com a pessoa do mesmo. Para mostrar esse facto, apresenta no tribunal a estátua em causa. Seguindo Antunes Varela, “A prova por apresentação de coisa distingue-se da prova documental pelo facto de a coisa utilizada como meio de prova não ser um documento, além de não poder ser junta ao processo. E também se não confunde com a prova por arbitramento ou por inspecção judicial, que visa provocar a percepção ou a apreciação de determinados factos por um terceiro (perito) ou por um juiz, enquanto na prova por apresentação da coisa é a própria 185 parte que utiliza a coisa para dela extrair a demonstração do facto”.449 Já para Lebre de Freitas a apresentação de coisas móveis ou imóveis não constitui um verdadeiro meio de prova autónomo, podendo ser integrado no conceito de prova documental, pericial ou por inspeção, consoante a forma como seja produzida.450 De todo o modo a prova por apresentação de coisas móveis ou imóveis estará sempre muito próxima da prova documental,451 confundindo-se mesmo com ela no caso das coisas móveis. 452 Nos termos do art. 509º, nº 1, do Código Civil, quem invoca um direito, pessoal ou real relativo a certa coisa, móvel ou imóvel, é lícito exigir do possuidor ou detentor a apresentação da coisa, desde que o exame seja necessário para apurar a existência ou o conteúdo do direito e o demandado não tenha motivos para fundadamente se opor à diligência. 6.2. Presunções Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 517º do CPC). Ou seja, através da presunção considera-se considerado um determinado facto por mera dedução lógica que se retira de outro facto.453 Aqui, não se prova diretamente o facto, mas prova-se um outro facto que leva a que se considere provado o primeiro, seja por determinação da lei (presunção legal), seja por dedução lógica realizada pelo juiz (presunção judicial).454 As presunções judiciais também de designam por presunções materiais, ou de experiência, por assentarem nas regras de experiência baseadas na normalidade dos factos e no senso comum. Estas presunções podem ser destruídas por simples contraprova.455 Assim, se o autor prova que possui um título formalmente válido (ainda que substancialmente) inválido de aquisição do direito de propriedade sobre um imóvel, a posse 449 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 498. Ainda Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 451. 450 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 439. 451 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 317. 452 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 499. 453 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 500. 454 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 248. 455 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 434. 186 desse imóvel considera-se de boa fé por presunção legal do art. 1180º, nº 2, do Código Civil. Se um carro, dentro de uma cidade, antes de embater numa pessoa que atravessava a estrada deixa um rasto de travagem com mais de cinquenta metros e ainda fere essa pessoa com muita gravidade, o juiz conclui (por presunção judicial), que esse veículo circulava a mais de cinquenta quilómetros por hora. As presunções legais podem ser: (a) juris et de jure, ou (b) juris tantum. As primeiras não podem ser afastadas por prova do contrário, são irrefutáveis, pelo que o facto presumido tem que ser necessariamente aceite. Será o caso das regras relativas à determinação dos herdeiros testamentários previstas nos arts. 2087º a 2091º do Código Civil. As segundas podem ser ilididas (afastadas) através de prova do contrário do que resulta da presunção, pela pessoa que dela não beneficia (art. 518º, nº 2, do CPC). Caso contrário, quem beneficia da presunção não precisa de provar o facto (art. 518º, nº 1, do CPC). Será o caso da referida presunção da posse de boa fé resultante do art. 1180º, nº 2, do Código Civil. A parte contrária pode demonstrar que, apesar da outra parte ter posse titulada, ela conhecia, quando adquiriu o imóvel, que o mesmo pertencia a outra pessoa e por isso violava o direito da mesma. As primeiras constituem a exceção sendo em regra as presunções meramente juris tantum. 456 Antunes Varela distingue das presunções as ficções legais. Enquanto nas presunções legais os factos estão ligados entre si (relacionam-se), nas ficções legais é a lei que estabelece uma relação para tirar consequências jurídicas de um determinado facto.457 Assim, nos termos do art. 1914º, nº 2, do Código Civil, a partir do momento em que o herdeiro aceite a herança, os efeitos da aceitação retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão. Quando o possuidor esbulhado é restituído na posse do bem, tudo se passa como se nunca tivesse sido esbulhado (art. 1203º do Código Civil). 6.3. Depoimento de parte O depoimento de parte constitui meio de prova por confissão da parte (epígrafe da Secção I 456 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 249. 457 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 503. 187 do Capítulo III do CPC). A confissão pode ser judicial ou extrajudicial (art. 525º, nº 1, do CPC). A confissão extrajudicial é a que é feita por qualquer outro modo diferente da confissão judicial (art. 525º, nº 4, do CPC). A confissão judicial é a que é feita no processo e pode ser espontânea (quando é feita no processo por iniciativa da própria parte, nomeadamente nos articulados), ou provocada, mediante o depoimento de parte, normalmente em audiência (arts. 525º, nº 2, e 526º do CPC). 458 Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. (art. 520º do CPC). Ou seja, a declaração que a parte faz de que são verdadeiros determinados factos alegados pela parte contrária e que são favoráveis a esta.459 Assim, cada uma das partes pode requerer o depoimento da parte contrária bem como o dos seus compartes (art. 522º, nº 3, do CPC). Portanto, a parte não pode oferecer o seu próprio depoimento, uma vez que se ela pretendesse confessar os factos alegados pela parte contrária teria confessa nos articulados. A confissão tem por objeto factos e apenas factos (que constem do questionário) e não direitos.460 Daí que confissão feita num processo só tenha validade nesse processo (art. 525º, nº 3, do CPC). O depoimento de parte pode ser requerido pela parte contrária, no prazo fixado no art. 389º do CPC, ou determinado oficiosamente. Sendo requerido, devem logo indicar-se, concretamente, os factos sobre que o depoimento há-de recair, sob pena de recusa (art. 521º, nº 2, do CPC). A indicação dos factos relativamente aos quais se requer o depoimento de parte visa permitir ao juiz verificar a sua admissibilidade, devendo recusar o depoimento de parte relativamente a factos que sejam favoráveis à parte que vai prestar o depoimento. Conforme salienta Lebre de Freitas, o depoimento de parte “não constitui um testemunho da parte, livremente valorável em todo o seu conteúdo, favorável ou desfavorável ao depoente, mas 458 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 219. 459 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 70. 460 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 535 e 568. 188 um meio de provocar a confissão.461 Isto não quer dizer, porém, que o juiz não possa ouvir livremente qualquer das partes relativamente a qualquer matéria, ainda que favorável à parte, a fim de se inteirar das circunstâncias concretas da ocorrência dos factos (art. 521º, nº 1, do CPC).462 Normalmente, o depoimento de parte é prestado na audiência final (arts. 400º, nº 3, al. a), e 528º do CPC). O depoente presta juramento antes de começar o depoimento, pelo que o juiz o deve alertar para o significado moral do juramento a prestar, e incitá-lo a depor com verdade, advertindo-o para as sanções aplicáveis às falsas declarações, sendo que a recusa a prestar juramento implica recusa a depor (art. 531º do CPC), atitude que será livremente apreciada pelo tribunal para efeitos probatórios (art. 527º, nº 2, do CPC). O depoente só pode ser interrogado sobre factos pessoais ou de que deva ter conhecimento, uma vez que só estes ele pode confessar (art. 523º, nº 1, do CPC). Os depoimentos de parte de pessoas coletivas são prestados pelos representantes atuais (à data em que o mesmo é prestado) e não pelos representantes que a pessoa coletiva tinha na altura dos factos.463 Assim, os representantes da pessoa coletiva à data da ocorrência dos factos podem ser ouvidos como testemunhas (art. 546º do CPC, a contrario). O interrogatório, feito pelo juiz, incidirá sobre os factos que constituem o objeto do depoimento (art. 532º do CPC). O depoente deve responder às perguntas de forma clara, podendo, para o efeito, consultar documentos ou apontamentos de datas ou factos, mas não pode trazer o depoimento escrito (art. 533º do CPC). Os advogados das partes assistem ao depoimento e podem pedir diretamente esclarecimentos ao depoente (art. 534º, nº 1, do CPC). Nos termos do art. 535º, nº 1, do CPC, o depoimento prestado perante o tribunal da causa é reduzido a escrito, mesmo que tenha sido gravado, na parte que envolva confissão, a fim de ter a força probatória plena da confissão judicial escrita (art. 537º, nº 1, do CPC). 464 461 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 497. 462 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 550. 463 Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1991, págs. 440-441. 464 Para José João Baptista tem mesmo valor de prova pleníssima, uma vez reduzida a escrito (Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 437). 189 Uma vez confessados os factos mediante depoimento de parte e reduzida a confissão a escrito, tais factos passam a considerar-se provados, sem necessidade de sobre eles ser produzida qualquer prova. Por isso o depoimento de parte é o primeiro meio de prova a ser produzido em audiência (art. 400º, nº 3, al. a), do CPC). A confissão é irretratável e indivisível (arts. 539º e 540º do CPC). Significa isto que o depoente que tenha confessado os factos não pode retirar a sua confissão, e a mesma só é válida se referir ao facto na sua totalidade, não é admissível a confissão parcial ou com ressalvas.465 6.4. Prova testemunhal 6.4.1. Disposições gerais A prova testemunhal consiste nas declarações judiciais, que se traduzem em narração de factos, emitidas por pessoas estranhas ao litígio. 466 Assim, não podem ser testemunhas aqueles que podem depor como partes (art. 564º do CPC). Segundo Antunes Varela, “Diz-se testemunha a pessoa que, não sendo parte na acção, nem seu representante, é chamada a narrar as suas percepções sobre factos passados que interessam ao julgamento da causa”.467 As testemunhas são pessoas que, não sendo partes, nem peritos, informam o tribunal sobre factos controvertidos ou necessitados de prova, relevantes para a descoberta da verdade material.468 Neste meio de prova, pretende-se que o depoente revele ou exponha as suas perceções sobre os factos controvertidos ou carecidos de prova. Em princípio, podem depor como testemunhas todas as pessoas que, não estando interditas por anomalia psíquica, tenham aptidão física e mental (art. 544º, nº 1, do CPC). Porém, podem recusar-se a depor as pessoas referidas nos arts. 547º (familiares próximos) e 548º do CPC (pessoas abrangidas por segredo profissional. 465 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 112 e 115, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 437. 466 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 322. 467 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 609. 468 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 547. 190 Para algumas pessoas abrangidas por segredo profissional (funcionários) e para as situações abrangidas pelo segredo de Estado, existe mesmo a impossibilidade de prestação de depoimento (arts. 549º e 550º do CPC). Não é admissível prova testemunhal (limitação à regra da livre admissibilidade dos meios de prova): (a) se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito (art. 551º, nº 2, do CPC); quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena (art. 551º, nº 3, do CPC); para prova de quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico, autenticado ou particular, ou das convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores (art. 551º, nº 5, do CPC).469 Será o caso das situações em que a lei substantiva, impõe a observância para certos atos de formalidades ad substanciam, e não apenas ad probationem (art. 578º, nº 1, do CPC). 470 Esta proibição, não impede, porém, que se produza prova testemunhal para prova dos vícios da vontade (erro, dolo, coação), ou para prova da divergência entre a vontade e a declaração (falta de vontade, erro na declaração), com exceção dos casos de simulação (art. 551º, nº 6, do CPC).471 Também não é admitido depoimento por escrito fora dos casos previsto nos arts. 557º, nº 2, e 570º, nº 1, do CPC. 472 Seguindo o acórdão do Tribunal de Recurso de 26-2-2013,473 “o depoimento por documento escrito só é admissível, se existir acordo das partes e autorização do juiz. Pretende-se por este meio impedir que a parte contrária àquela que oferece a testemunha se veja confrontada com um depoimento cuja produção não haja podido minimamente controlar, em violação do disposto no art. 504º do CPC (princípio da audiência contraditória).474 Para Alberto dos Reis o documento escrito contendo uma narração dos 469 Veja-se Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 547-548. 470 Sobre esta matéria é de especial relevância a nálise feita por Alberto dos Reis (Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 329-340. 471 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 11. 472 Acórdãos do Tribunal de Recurso de 26-1-2011, processo nº 05/Cível/2010/TR, e de 26-2-2013, processo nº 01/Cível/Apelação/2013. 473 Processo nº 01/Cível/Apelação/2009/TR. 474 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 615. 191 factos por pessoas que podiam testemunhar não constitui prova documental mas sim prova testemunhal, como tal devendo ser considerada”.475 O Tribunal de Recurso decidiu no acórdão de 14-2-2013 que, ainda que não se possa comprovar devidamente a identidade da testemunha, o seu depoimento não está proibido (ou seja, é admissível), embora deva o tribunal ter especiais cautelas na inquirição e valoração do mesmo.476 De acordo com a regra geral do art. 503º do CPC, a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal (art. 552º do CPC).477 Alberto dos Reis salienta porém, que “a prova testemunhal deve ser manejada com particular prudência e cautela, dados os perigos a que está sujeita, isto é, dadas as causas de erro que sobre ela actuam”.478 6.4.2. Produção da prova testemunhal O requerimento de prova testemunhal deve conter o rol de testemunhas, indicando-se os nomes, profissões e moradas destas (art. 553º, nº 1, do CPC). Este rol de testemunhas deve ser apresentado no prazo de quinze dias após a notificação do despacho contendo o questionário (art. 389º do CPC) e pode ser alterado ou aditado até vinte dias antes da data da realização efetiva da audiência final (art. 390º, nº 1, do CPC). Alberto dos Reis chama a atenção para a importância da ordem de indicação das testemunhas, uma vez que as mesmas serão inquiridas pela ordem que consta do rol (art. 565º, nº 1, do CPC).479 Porém, essa ordem pode ser alterada se o juiz o determinar ou as partes acordarem na alteração. As testemunhas arroladas podem ainda ser substituídas no caso de faltarem a julgamento e se revelar impossível conseguir a sua comparência atempada (arts. 560º, nº 3, do CPC). Neste caso, o depoimento da nova testemunha só poderá ser admitido se a parte contrária for notificada com pelo menos cinco dias de antecedência, ou, sendo com prazo inferior, não se opuser à inquirição (art. 562º, nº 1, do CPC).480 475 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 328. 476 Processo nº 14/Cível/2012/TR 477 Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 356. 478 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 360. 479 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 365. 480 Trata-se ainda da observância do princípio da audiência contraditória consagrado no art. 504º do CPC. 192 O julgamento será adiado ou suspenso se a parte não prescindir de testemunha que tenha faltado (art. 399º, nº 1, al. b) e nº 3, do CPC), mas só pode haver um único adiamento do julgamento, pelo que ainda que seja outra testemunha que falte na segunda data, não se verificará adiamento do julgamento (arts. 399º, nº 2, e 561º do CPC). A parte pode a todo o tempo desistir da inquirição de testemunhas que tenha oferecido (art. 553º, nº 2, do CPC). Isto significa que a aquisição processual da prova testemunhal só se dá com o depoimento da mesma.481 Porém, uma vez produzido o depoimento, este pode fundamentar a prova de qualquer matéria do questionário sobre a qual a testemunha preste depoimento, ainda que seja matéria alegada pela parte contrária à que ofereceu a testemunha. Daí que seja recomendável algum cuidado na indicação da matéria sobre a qual a testemunha deve depor. Quanto ao número de testemunhas, o art. 563º do CPC estabelece que autor e réu não podem oferecer mais de dez testemunhas cada um (havendo reconvenção, cada uma das partes pode ainda oferecer outras tantas testemunhas), considerando-se não escritos os nomes das testemunhas que no rol excedam o limite legal (ou seja, só se consideram as dez indicadas em primeiro lugar). Sobre cada um dos factos que constituem o objeto da prova (ou seja, cada quesito), não pode a parte fazer depor mais de três testemunhas (art. 564º do CPC). Assim, antes do início do depoimento, a parte (através do seu mandatário) deve indicar logo os factos sobre os quais a testemunha vai depor, não devendo o juiz admitir o depoimento relativamente aos factos (quesitos) sobre os quais tenham já prestado depoimento três testemunhas. Porém, a parte contrária pode oferecer igualmente três testemunhas aos mesmos quesitos para fazer contraprova dos factos.482 Contudo, se a testemunha declarar que nada sabe sobre determinado facto, não se considera que tenha prestado depoimento sobre o mesmo, podendo ser indicada outra testemunha ao mesmo quesito. Esta declaração da testemunha (que nada sabe) deve ficar a constar em ata, pelo que se o juiz o não fizer oficiosamente, deve a parte solicitar que mesma seja consignada. Também não se pode exceder o número do art. 564º do CPC, quando a testemunha é 481 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 571. 482 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 410. 193 inquirida oficiosamente pelo tribunal, uma vez que esta não é oferecida pela parte.483 O depoimento testemunhal pode também resultar da iniciativa do tribunal. O art. 575º CPC prevê a hipótese de o juiz ordenar que seja notificada para depor determinada pessoa, não arrolada como testemunha ou de cujo depoimento se haja prescindido, quando, por qualquer circunstância inerente ao processo, haja razões para presumir que ela tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa. As testemunhas depõem, em princípio, na audiência final, com exceção dos casos enunciado no art. 555º, nº 1, do CPC. Há casos, por exemplo, de testemunhas que gozam da prerrogativa de serem inquiridas na sua residência ou na sede dos respetivos serviços (arts. 555º, nº 1, al. c), e 557º do CPC). 484 As testemunhas podem ainda ser inquiridas no local da questão, quando o tribunal, por iniciativa ou a requerimento de alguma das partes, o julgue conveniente (art. 556º do CPC). As testemunhas são inquiridas segundo a ordem fixada no art. 565º do CPC. Pela ordem em que estiverem mencionadas no rol, primeiro as do autor e depois as do réu, salvo se o juiz determinar que a ordem seja alterada ou as partes acordarem na alteração. Se, porém, figurar como testemunha algum funcionário da secretaria, é ele o primeiro a depor, ainda que tenha sido oferecido pelo réu. Nem o juiz nem as partes precisam justificar a alteração (ordenada pelo primeiro ou acordada por estas), sem prejuízo de o juiz dever orientar-se por considerações de conveniência e não por puro arbítrio.485 O depoimento é antecedido do juramento e do interrogatório preliminar (art. 566º, nº 1, do CPC). Quando verifique pelas respostas que o declarante é inábil para ser testemunha ou que não é a pessoa que fora oferecida, o juiz não a admitirá a depor (art. 566º, nº 2, do CPC). Terminado o interrogatório preliminar, se o juiz não considerar a testemunha inábil, pode ter lugar o incidente da impugnação, visando obstar ao depoimento, deduzido pela parte contra a qual a testemunha for produzida, com os fundamentos mencionados no art. 567º do CPC. A 483 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 549. 484 Trata-se de manifestação dos princípios da oralidade, da imediação e da concentração (Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 573). 485 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 602. 194 impugnação processar-se-á nos termos do art. 568º do CPC e, se for julgada improcedente, terá início o interrogatório da testemunha, observando-se o disposto no art. 569º do CPC. Após o interrogatório preliminar, o juiz pode inda inquirir a testemunha sobre a sua razão de ciência, para melhor poder avaliar o seu depoimento (num acidente de viação, se a testemunha assistiu ao mesmo e em que local se encontrava; numa ação de reivindicação, se estava presente quando o terreno foi ocupado, etc.). Seguidamente, o juiz pergunta à parte que apresentou a testemunha a que factos (ou quesitos) pretende que a mesma preste depoimento, o que fará constar em ata. Durante o depoimento da testemunha aceita-se que a parte possa alterar a indicação feita, reduzindo-se ou alargando-se a matéria a que a mesma deve depor. Efetivamente, depois de se iniciar o depoimento pode a parte constatar que a testemunha sabe mais do que inicialmente se supunha, ou sabe menos. O interrogatório incidirá sobre os factos que tenham sido articulados ou impugnados pela parte que ofereceu a testemunha, devendo esta depor com precisão, indicando de modo concreto e fundamentado a razão da ciência invocada. A razão de ciência visa obter da testemunha esclarecimentos sobre o motivo pelo qual conhece os factos (aqui relativamente a cada um dos factos). O interrogatório é feito pelo advogado da parte que a ofereceu, podendo, a seguir, o advogado da parte contrária instar a testemunha de maneira a que o depoimento se complete ou esclareça (art. 569º, nº 2 e 4, do CPC). Os juízes podem findo o interrogatório pelas partes, formularem as perguntas que entenderem para melhor se esclarecerem com vista ao apuramento da verdade material.486 Porém, devem as partes e os juízes inquirir a testemunha apenas sobre a matéria indicada pela parte que a ofereceu, a menos que o juiz presidente use da prerrogativa da inquirição oficiosa do art. 575º, nº 1, do CPC.487 Findo o depoimento a testemunha deve permanecer na sala de audiências, a fim de evitar que entre em contacto ou as outras testemunhas ainda não inquiridas, Não devendo ausentar-se do tribunal, uma vez que pode ainda ser necessário prestar novos esclarecimentos, nomeadamente em sede de acareação. 486 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 549. 487 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 448, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 449. 195 A lei prevê ainda a possibilidade de mais dois incidentes (para além do incidente de impugnação, já referido) no âmbito da prova testemunhal: a contradita e a acareação. Na contradita a parte contra a qual o depoimento foi produzido alega circunstâncias suscetíveis de abalarem a credibilidade de tal depoimento (art. 572º do CPC). Só a parte contra a qual a testemunha é produzida pode contraditá-la, mas se foi inquirida oficiosamente pelo tribunal, qualquer das partes a pode contraditar.488 O incidente é deduzido quando o depoimento termina, e processa-se nos termos do art. 573º do CPC. Assim, por exemplo, se numa ação de reivindicação a testemunha arrolada pelo réu é igualmente réu num outro processo intentado pelo autor, por também ter ocupado o mesmo terreno, o autor invoca tal facto logo que termine o depoimento da testemunha (art. 573º, nº 1, do CPC),489 para assim abalar a sua credibilidade. Ou a parte contrária à que ofereceu a testemunha alega que a mesma nada pode saber sobre o que aconteceu naquele dia, porque a mesma se encontrava num outro local e a nada podia ter assistido. A parte contrária deve ser ouvida sobre a admissibilidade da contradita.490 Embora a lei não o determine, a audição da parte contrária insere-se no princípio do contraditório (art. 8º do CPC), havendo igualmente vantagens para o próprio processamento do incidente.491 Admitida a contradita, a testemunha é então inquirida sobre tal facto. Se o confirmar não será produzida prova sobre o mesmo (art. 573º, nº 2, do CPC), se o negar a parte que suscita o incidente tem que apresentar de imediato prova dos factos que alegou no incidente (art. 573º, nº 3, do CPC). O incidente visa apenas demonstrar os factos alegado em contradita, ficando na livre apreciação do juiz a conclusão a retirar dos mesmos relativamente à credibilidade do depoimento prestado pela testemunha sobre a matéria da causa.492 A acareação (art. 620º do CPC) pode ser suscitada oficiosamente ou a requerimento das partes e destina-se a confrontar quem tiver deposto contraditoriamente acerca de determinado 488 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 622. 489 Justifica-se que o incidente seja deduzido só depois de determinar o depoimento, uma vez que só então a parte pode concluir se o depoimento da testemunha foi isento ou não. 490 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 623. 491 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 463. 492 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 464, e Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 624. 196 facto. A acareação pode ocorrer tanto a propósito de depoimentos testemunhais, como destes e do depoimento de parte. A acareação visa apurar, face a depoimentos contraditórios, quem disse a verdade e quem não disse verdade.493 Conforme refere Alberto dos Reis, “O incidente da acareação consiste nisto: em pôr em presença uma da outra, ou uma das outras (cara a cara), duas pessoas que depuseram e fizeram nos seus depoimentos, afirmações que colidem”.494 A oposição tem que ser direta, pelo que as testemunhas terão que ter descrito de modo diferente o mesmo facto, que ambas dizem que observaram.495 A acareação processa-se nos termos do art. 621º do CPC. A diligência é feita pelo juiz, que procurará desfazer a oposição existente entre os depoimentos.496 6.5. Prova documental 6.5.1. Disposições gerais Os documentos são quaisquer objetos elaborados pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto (art. 576º do CPC). Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares (art. 577º, nº 1, do CPC). Documentos autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competências ou, dentro do círculo de atividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública (art. 577º, nº 2, do CPC). Documentos particulares são todos os outros (art. 577º, nº 2, do CPC). Os documentos autênticos provêm, portanto, de funcionário ou oficial público no exercício da sua função. Os documentos particulares são elaborados por particulares, por pessoas que não exercem aquelas funções, ou, se as exercem, não elaboraram o documentos no exercício das mesmas.497 Assim, não será autêntico o contrato de arrendamento celebrado por escrito particular 493 Normalmente o que acontece é que as pessoas acareadas mantêm o seu depoimento, resultando infrutífera a diligência, devendo o juiz decidir segundo a sua livre convicção (art. 622º do CPC). 494 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 469. 495 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 625. 496 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 628. 497 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 356. 197 por uma pessoa que exerce as funções de notário, para sua residência e da sua família. Aqui o notário atua como qualquer outro cidadão e não no exercício das suas funções públicas. São autênticos, entre outros, os documentos exarados pelo notário no exercício das suas funções de notário (escrituras públicas). Escritura Pública é o instrumento notarial em que se fazem constar declarações de vontade, atos jurídicos que impliquem prestação de consentimento, contratos e negócios jurídicos de toda a espécie, no Livro do Protocolo, nos termos legais e autorizada pelo notário (art. 37º, nº 2, do Regime Jurídico do Notariado). 498 Por outro lado, os documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais. Nos termos do art. 55º-A, nº 1, do Regime Jurídico do Notariado, os reconhecimentos notariais podem ser simples ou com menções especiais, presenciais ou por semelhança. Documentos autenticados são aqueles que são reconhecidos presencialmente (art. 55º-A, nº 4, do Regime Jurídico do Notariado).499 A grande relevância da classificação dos documentos nos termos referidos reside na diferente força probatória dos mesmos. A força probatória de um documento é o valor que a lei lhe atribui como meio de prova ou a fá que lhe confere.500 Nos termos do art. 581º, nº 1, do CPC, os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador. Isto significa que os documentos autênticos apenas fazem prova plena do que foi comprovado pela autoridade ou funcionário público e que pode certificar, mas não faz prova plena dos factos quer não se passaram na sua presença da veracidade do que foi afirmado perante o mesmo 498 O Regime Jurídico do Notariado foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 3/2004, de 4 de Fevereiro, tendo sido alterado pelo Decreto-Lei n.º 24/2009, de 26 de Agosto 499 É presencial o reconhecimento da letra e da assinatura, ou só da assinatura, aposta em documentos escritos e assinados ou apenas assinados na presença do notário ou de outro funcionário autorizado, ou o reconhecimento que é realizado estando o signatário presente no acto. 500 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 362. 198 funcionário.501 Assim, numa escritura pública de compra e venda de um imóvel, a certidão da mesma faz prova plena da data em que as partes compareceram perante o notário, da identidade das mesmas verificada pelo notário, e daquilo que foi dito perante o notário (por exemplo, o primeiro outorgante declara que vende ao segundo, que declara comprar o terreno X, pelo preço de Y, que o segundo outorgante já pagou ao primeiro). O que se tem por provado, de forma plena, é que as pessoas em causa produziram as aludidas declarações, uma vez que o fizeram na presença do notário e este certifica que as mesmas foram produzidas. Mas já não faz prova que efetivamente o preço tenha sido pago, por exemplo.502 Pode ocorrer que embora o vendedor diga que já recebeu o preço efetivamente não ter recebido.503 Assim, relativamente à matéria certificada pelo funcionário ou oficial público a força probatório do documento só pode ser afastada (ilidida) mediante o incidente de falsidade (art. 581º, nº 1, do CPC). O documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objeto da perceção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer ato que na realidade o não foi (art. 581º, nº 2, do CPC). Ou seja, o funcionário ou oficial público atestam que presenciaram um facto que não presenciaram, atestam faltando à verdade, falsamente. O que o documento diz que se passou, não ocorreu de facto.504 Importa lembrar que quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior, a menos que resulte claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração (art. 578º do CPC). 505 A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei (art. 211º do Código Civil). São igualmente nulas as estipulações verbais acessórias anteriores ao documento legalmente exigido para a declaração negocial, ou 501 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 364, e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 520-522. 502 Salvo se o pagamento tiver sido feito perante o notário (Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 555). 503 Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, págs. 365-366. 504 Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 391. 505 Conforme referido supra, no primeiro caso trata-se de situações em que a lei substantiva, impõe a observância para certos actos de formalidades ad substanciam, no segundo as formalidades são apenas ad probationem. 199 contemporâneas dele, salvo quando a razão determinante da forma lhes não seja aplicável e se prove que correspondem à vontade do autor da declaração (art. 212º, nº 1, do Código Civil). O incidente de falsidade será deduzido nos termos previstos nos arts. 613º a 619º do CPC. Mas, se a falsidade for evidente em face dos sinais exteriores do documento, pode o tribunal, oficiosamente declará-lo falso (art. 582º, nº 3, do CPC). A prova da falsidade é materialmente a prova do contrário.506 Já quanto à matéria que o documento não prova plenamente basta a parte, ou seja da verdade das declarações feitas perante o notário, por exemplo, basta a prova do contrário do que nele consta (art. 515º do CPC).507 Os documentos autenticados têm a mesma força probatória dos documentos autênticos, mas não os substituem quando a lei exija documento desta natureza para a validade do ato (art. 587º do CPC). Ou seja, se a lei exigir documento autêntico para a existência ou prova de certo ato ou negócio, o documento autenticado não pode ser utilizado.508 Assim, fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nos mesmos termos dos documentos autênticos, pelo que também só podem ser impugnados mediante o incidente de falsidade (art. 582º, nº 3, do CPC). O mesmo acontece relativamente aos documentos particulares, desde que a assinatura não seja impugnada nos termos do art. 584º, nº 1, do CPC. Já se a parte invocar que a assinatura não lhe pertence, ou que desconhece se a mesma é verdadeira (neste caso desde que não seja assinatura que lhe seja imputada), terá a parte que apresenta o documento que provar a genuinidade do mesmo (art. 584º, nº 2, do CPC).509 6.5.2. Produção da prova documental Os documentos devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos 506 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 223. 507 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 555. 508 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 440. 509 Se a parte que apresenta o documento imputa à outra parte a autoria ou assinatura de um documento, não pode esta dizer que desconhece se a mesma é verdadeira, por se tratar de facto pessoal, conforme art. 370º, nº 3, do CPC. 200 correspondentes (art. 595º, nº 1, do CPC). Porém, a parte pode proceder à sua apresentação até ao encerramento da discussão em primeira instância (ou seja, até ao início dos debates, ou alegações sobre a matéria de facto), sujeitando-se a parte à multa respetiva, salvo se justificar a apresentação tardia (art. 595º, nº 1, do CPC). O limite temporal previsto justifica-se porquanto é essa a última oportunidade que a parte contrária tem para se poder pronunciar sobre o documento.510 Tratando-se de prova pré-constituída, a proposição, admissão, produção e assunção da prova fazem-se no mesmo momento, o da junção do documento.511 Se o documento for junto com os articulados, a parte contrária pode opor-se à sua admissibilidade ou impugnara o mesmo, ou deduzir incidente de falsidade do mesmo, no articulado seguinte, de resposta (art. 598º do CPC). Se o documento foi junto com o último articulado, ou posteriormente, a parte contrária deve pronunciar-se no prazo de dez dias, a contar da notificação da junção do documento, que deve ser efetuada oficiosamente pela secretaria, com cópia do documento (arts. 598º e 118º, nº 2, 119º e 191º, nº 3, do CPC). Em obediência ao princípio do dispositivo, a parte deve ter sempre a possibilidade de se pronunciar sobre qualquer documento junto aos autos, seja relativamente à sua admissibilidade, seja em relação ao seu conteúdo, podendo, obviamente, suscitar o incidente de falsidade do mesmo.512 Se a junção ocorrer já durante a audiência de julgamento, ou em outra diligência, a parte contrária deve pronunciar-se imediatamente (art. 598º do CPC). Embora a lei não o refira expressamente, afigura-se que a parte pode não prescindir (ou solicitar), que lhe seja concedido o prazo geral de dez dias para poder estudar o documento e pronunciar-se sobre ele. Neste caso deve suspender-se a diligência para que a parte possa usufruir de tal direito.513 510 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 456. 511 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 529, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 555. 512 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 558. Não é, contudo, pacífico que a parte possa pronunciar-se relativamente ao conteúdo do documento (Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 460). 513 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 521. 201 Se a parte pretender utilizar um documento que se encontre em poder da parte contrária terá que requerer a notificação dela para apresentar o documento, devendo identificá-lo e indicar, na medida do possível, os factos que, através dele, pretende provar (art. 600º, nº 1, do CPC). Esta exigência visa permitir ao juiz avaliar se o documento tem interesse ou não para a decisão da causa (art. 600º, nº 2, do CPC). A recusa da apresentação (ou não apresentação do documento), após a notificação do tribunal, é livremente apreciada pelo juiz, mas pode importar a inversão do ónus de prova quando essa recusa originar a impossibilidade de a parte requerente fazer a prova do facto que pretende provar com o documento (art. 601º do CPC).514 Se o documento estiver em poder de terceiro, a parte requererá que o possuidor seja notificado para o entregar na secretaria, dentro do prazo que for fixado (art. 603º do CPC). Se este não entregar os documentos e não justificar a falta, o tribunal pode ordenar a apreensão do documento e condenar o notificado em multa (art. 604º do CPC). Incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade (art. 606º, nº 1, do CPC). Estendo que esta solução deve ficar reservada para as situações em que as próprias partes tenham dificuldade em obter por si os referidos documentos. 6.6. Prova por inspeção A prova por inspeção tem por fim a perceção direta de factos pelo tribunal da causa (art. 623º do CPC). Para tanto, o art. 624º, nº 1, do CPC prevê a possibilidade de o tribunal inspecionar coisas ou pessoas, bem como a deslocação ao local da questão e a reconstituição dos factos. Neste meio de prova não há intermediários entre o tribunal e os factos a provar, que são verificados diretamente pelo juiz que os observa, daí que se trate de um meio de prova direta.515 514 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 559. 515 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 602, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código 202 Esta diligência probatória pode ser requerida pelas partes ou ordenada oficiosamente pelo tribunal. As partes são admitidas a participar na inspeção, devendo ser notificadas do dia e hora respetivos, podendo prestar esclarecimentos ao tribunal ou alertá-lo para factos que interessem à decisão da causa (art. 625º do CPC). O juiz pode designar um técnico para acompanhar o tribunal, a fim de ajudar a perceber melhor a situação (art. 626º, nº 1, do CPC). Por exemplo, um médico, se a inspeção se destinar a comprovar lesões físicas sofridas por uma pessoa. Da inspeção deve ser lavrado um auto, no qual se registem todos os elementos úteis para o exame e decisão da causa (art. 627º do CPC). Esta diligência de prova só tem lugar quando o juiz a julgue conveniente (art. 624º, nº 1, do CPC). A decisão da sua realização é, portanto, um poder discricionário do juiz (art. 121º, nº 4, do CPC),516 mas a recusa de realização de inspeção solicitada por uma das partes deve ser fundamentada, sob pena de nulidade, se a omissão da diligência puder influir na decisão da causa (arts. 123º, nº 1, e 163º, nº 1, do CPC).517 6.7. Prova pericial A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de perito, quando sejam necessários conhecimentos especiais que o julgador não possua, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial (art. 629º do CPC). A prova pericial visa percecionar os factos através de pessoas (peritos) especialmente qualificadas (por via da experiência ou por via de aptidões académicas, ou de ambas), com especiais conhecimentos científicos ou técnicos, que se revelem necessários para a prova dos factos em discussão, pessoas que irão usar os seus conhecimentos científicos e experiência (que para aquela questão concreta o juiz não tem) para analisarem os factos.518 Revisto, 2009, pág. 562, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 445. 516 Para Lebre de Freitas é duvidoso que a admissão ou recusa da inspeção esteja no poder discricionário do juiz Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 559). 517 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 562. 518 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 226, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 559. 203 A prova pericial pode resultar de requerimento das partes ou de determinação oficiosa do tribunal (art. 631º do CPC). Quando requeira a perícia, a parte deve indicar logo, sob pena de rejeição, o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que pretenda ver esclarecidas com este meio de prova (art. 638º, nº 1, do CPC). A perícia pode reportar-se tanto aos factos alegados pelo requerente, como aos alegados pela parte contrária (art. 638º, nº 2, do CPC). 519 Se não for liminarmente indeferido o requerido, por se considerar impertinente ou dilatório, A parte contrária é notificada para se pronunciar (no prazo geral de dez dias) sobre o objeto proposto pelo requerente, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição (art. 639º, nº 1, do CPC). O objeto da perícia será fixado pelo juiz, em função da posição das partes, no despacho em que ordene a realização da diligência, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade (art. 639º, nº 2, do CPC). 520 Sendo determinada oficiosamente, o despacho respetivo fixa também o objeto da perícia (art. 640º do CPC). Nos termos do art. 630º, nº 1, do CPC, a perícia é requisitada pelo tribunal a entidades competentes para o efeito, ou, quando tal não seja possível ou conveniente, a perícia é realizada por um único perito, nomeado pelo juiz da causa. A nomeação deve ser precedida da possibilidade de as partes se pronunciarem sobre a pessoa do perito.521 A perícia será colegial, isto é, realizada por três peritos, um nomeado pelo tribunal e os outros dois indicados pelas partes, a menos que haja acordo das partes quanto aos peritos (art. 631º, nº 2, do CPC), quando o juiz o determine oficiosamente ou alguma das partes o requeira (art. 631º, nº 1, do CPC). A parte que requereu a perícia não pode desistir dela sem a concordância da parte contrária (art. 637º do CPC). A anuência tem de ser expressa, não se podendo considerar que a parte contrária aceita a desistência do simples facto de nada requerer depois de ser notificada do 519 Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 195. 520 Veja-se Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 585. 521 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 524-525. 204 requerimento de desistência.522 Assim, para evitar a circunstância de a parte nada disser, embora aceite a desistência, deve ser notificada com a cominação de que, se nada disser, se considera que aceita a desistência. Caso contrário, o silêncio da parte deve conduzir à não admissão da desistência e consequente realização da diligência.523 A perícia tem início em data e local designados pelo juiz e os peritos, após a prestação do respetivo compromisso, procedem à inspeção e averiguações necessárias à elaboração do relatório pericial (arts. 641º a 652º do CPC). 524 Quando a perícia não possa logo encerrar-se com a imediata apresentação do relatório pericial, o juiz fixa o prazo dentro do qual a diligência há-de ficar concluída, que não excederá trinta dias (art. 646º, nº 1, do CPC). A perícia finda com a apresentação do relatório pericial (art. 647º do CPC). As partes podem apresentar reclamações (art. 648º do CPC). Os peritos comparecerão em julgamento para prestarem os esclarecimentos que o tribunal ou as partes entenderem pertinentes sobre a perícia, por iniciativa do juiz ou a pedido de qualquer das partes (art. 649º, nº 1, do CPC). Neste caso o prazo para requerer a presença dos peritos em audiência será de dez dias após a notificação da perícia, ou após a notificação das respostas às reclamações, uma vez que só então se poderá aferir de tal necessidade.525 7. Valoração da prova 7.1. Prova livre; presunções judiciais; da convicção do julgador Nos termos do art. 403º, nº 1, do CPC, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Ou seja, a regra consagrada no direito processual civil, em vários lugares bastante 522 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 192. 523 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 535-536. 524 Sobre o procedimento probatório da perícia veja-se Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 585- 601. 525 Lebre de Freitas entende mesmo que o requerimento possa ser apresentado até ao momento em que tribunal proceda às notificações para comparência na audiência final (Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 552). 205 significativos do sistema, relativamente à apreciação e graduação (do valor) dos diferentes meios de prova, é a da prova livre. 526 As provas são apreciadas livremente, sem qualquer hierarquização, ou vinculação para o tribunal, de acordo com a convicção que geram realmente no espírito do julgador acerca da existência do facto.527 Ficando na dúvida, o julgador decidirá, por força do imperativo legal que lhe não permite abster-se de julgar com base no non liquet, contra a parte a quem cabe o ónus da prova do facto.528 O mesmo princípio aparece repetido, no art. 503º do CPC e, vezes sucessivas, em relação a alguns meios específicos de prova, como sejam, por exemplo, a prova pericial, no art. 622º do CPC, por inspeção judicial, no art. 628º do CPC, ou por meio de testemunhas, no art. 552º do CPC. Significa-se aqui que o julgador deve decidir a matéria de facto da causa segundo a sua íntima convicção, formada no confronto dos vários meios de prova. A ele cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-recolhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis.529 Neste campo, são essas, as máximas da experiência, que permitem avançar no iter probatório, deduzindo um facto de outro, mediante as já analisadas presunções judiciais. No dizer de Alberto dos Reis, “Prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”.530 Portanto, não se confunde com decisão arbitrária. 7.2. Prova legal ou tarifada: prova documental e prova por confissão Por contraponto à prova livre, embora sendo exceção, existem casos em que a lei impõe a conclusão a tirar de certo meio de prova. Neste caso, se o valor probatório é fixado por lei e, 526 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 470. 527 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 569. 528 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 471. 529 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 668. 530 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 570. 206 como tal, é imposto ao julgador, fala-se em prova legal ou tarifada. 531 Têm o valor probatório fixado na lei os documentos escritos, autênticos (art. 581º, nº 1, do CPC) ou particulares (art. 586º, nº 1, do CPC), e a confissão escrita, seja feita em juízo (art. 537º, nº 1, do CPC), seja feita em documento autêntico ou particular, mas neste caso só quando dirigida à parte contrária ou a quem a represente (art. 537º, nº 2, do CPC). Mas já se, quer o documento, quer a confissão, não reunirem os requisitos exigidos para ter força probatória legal, ficam sujeitos à regra da livre apreciação (arts. 538º e 580º do CPC). Em regra, a prova legal pode ser contrariada por meio de prova de que resulte ser falso o facto objeto da prova, a chamada prova do contrário (art. 515º do CPC); pelo que dela resulta então apenas a inversão do ónus da prova, que passa a caber à parte que inicialmente não estava com ele onerada (art. 512º, nº 1, do CPC). A prova diz-se então plena. 532 Mas o valor legal do meio de prova é, em certos casos, insuscetível de ser destruído. A prova diz-se então pleníssima (art. 518º, nº 2, do CPC). É o caso das presunções inilidíveis.533 É prova bastante a que cede mediante simples contraprova.534 Outro tipo de exceção ao princípio da livre apreciação da prova é constituído pela imposição legal, direta ou indireta, de que a prova de determinado facto se faça por certo meio probatório, normalmente documental. A imposição é direta quando a lei exige o meio apenas para a prova do facto. É indireta quando a lei exige um documento, autêntico ou particular, como forma da declaração negocial.535 A distinção entre meio de prova legal e meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador leva a uma repartição de funções entre o juiz da matéria de facto e o juiz que profere a sentença. A este cabe conhecer dos meios de prova legal (nomeadamente a admissão, a confissão e o documento). Àquele cabe conhecer dos meios de prova livre; tanto assim que, se se pronunciar 531 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 569. 532 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 668, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 567. 533 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 669, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 568. 534 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 472, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 567. 535 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 669. 207 sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, as respostas que der, tal como as que incidirem sobre questões de direito, são nulas, têm-se por não escritas (art. 395º, nº 3, do CPC). 536 7.3. Prova pericial Ao invés do que, numa primeira aproximação, poderia transparecer, a prova pericial é sempre livremente apreciada pelo tribunal, juntamente com as restantes provas que forem produzidas sobre os factos que dela são objeto (art. 628º do CPC). Pese a sua natureza, a lei fugiu aqui a tarifar o valor do resultado da perícia. E mais até: prevenindo a existência de uma segunda perícia, sobre os mesmos factos (arts. 650º a 652º do CPC), destinada esta a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta (art. 650º, nº 3, do CPC), nem aí se optou por um resultado pericial tarifado. Não tem de haver qualquer prevalência dos resultados da segunda perícia sobre os da primeira e os resultados de ambas são valorados sempre segundo a livre convicção do julgador (art. 652º do CPC). 537 536 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 668 537 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 583, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 560. 208 209 Secção IV – Discussão e julgamento 1. Audiência de discussão e julgamento 1.1. Noções gerais A audiência final destina-se a habilitar o tribunal a proferir a sentença final.538 A fase de julgamento final (ou a audiência final) não se confunde com a discussão da causa que nela tem lugar,539 mas compreende igualmente a produção da prova constituenda, que possa ser produzida em audiência.540 Só se produz anteriormente a prova que não possa ser produzida em audiência.541 Por outro lado, as provas constituídas, que já constam do processo, não deixarão também de ser valoradas pelo tribunal. Assim, por exemplo, em princípio produz-se em audiência o depoimento das testemunhas (art. 555º, nº 1, do CPC), os esclarecimentos dos peritos (art. 649º, nº 1, do CPC), o depoimento de parte (art. 528º do CPC). Ou seja, a audiência final é ainda o lugar próprio para a instrução do processo. A discussão da causa inicia-se com o fim da instrução (depois da produção de toda a prova) e consiste na apreciação crítica da prova feita pelas partes (através dos seu mandatários) sobre a matéria de facto que interessa à decisão da causa. E termina a discussão com a decisão do tribunal sobre a mesma matéria de facto (que consta do questionário).542 Para Alberto dos Reis, a discussão consiste nos debates ou alegações orais dos advogados, e o julgamento será a resposta do tribunal aos quesitos (que fixa a matéria de facto provada.543 A fase de instrução (produção de prova) na audiência final é sempre oral e deve decorrer de 538 Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 28- 29. 539 Veja-se Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 631-632. 540 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 590. 541 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 249. 542 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 631- 632 e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 593. 543 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 490. 210 forma pública e contínua.544 Segundo Lebre de Freitas, ‘na audiência final reúnem-se o tribunal, as partes e os intervenientes acidentais necessários à produção da prova e à ajuda técnica ao tribunal e às partes para, com imediação, oral e concentradamente, se realizar a finalidade do apuramento, pelo juiz mas após contraditório, da matéria de facto indispensável à posterior decisão de mérito da causa”.545 1.2. Formalidades iniciais Nos termos do art. 396º, nº 1, do CPC, tendo-se procedido ao saneamento e instrução do processo nos termos regulados na última secção do capítulo anterior, recebidas as cartas precatórias e rogatórias ou esgotado prazo para o seu cumprimento e produzida a prova antecipada, o juiz designa hora e dia para realizar a audiência de julgamento. Nada impede que o juiz marque a audiência de julgamento antes de ser produzida a prova a produzir antes da diligência, calculando com o rigor possível o prazo que demora a realização da mesma, mas corre-se sempre o risco de adiamento ou suspensão da audiência se tal prova não for produzida antes da data designada. Conforme salienta Antunes Varela, a primeira formalidade consiste na possibilidade de os mandatários judiciais das partes consultarem e estudarem o processo, nos termos dos arts. 132º, nº 2 e 3, e 134º, nº 1, do CPC.546 O despacho que designa hora e dia para realizar a audiência de julgamento é notificado aos mandatários das partes e aos demais intervenientes processuais que devam comparecer em audiência (art. 396º, nº 1, do CPC). Seguidamente, se o julgamento for da competência do tribunal coletivo o processo vai com vista, por cinco dias, a cada um dos juízes adjuntos, salvo se o juiz da causa o julgar dispensável em atenção à simplicidade da causa (art. 396º, nº 1, do CPC). Havendo intervenção do tribunal coletivo, para além do juiz da causa, que preside, haverá a intervenção de mais dois juízes (juízes adjuntos, pelo que se impõe que os mesmos tenham contacto com o processo a fim de estudarem 544 Sobre os princípios relativos à audiência e produção da prova veja-se o Capítulo I, parágrafo 6.13. 545 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 633. 546 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 639. 211 a questão, antes da realização da audiência final.547 A discussão e julgamento da causa são feitos com intervenção do tribunal coletivo quando o valor da causa seja igual ou superior a cinco mil (arts. 395º, nº 1, e 51º, nº 1, do CPC), ou nos casos em que o valor da ação seja superior ou igual a dois mil e quinhentos dólares americanos, mas inferior a cinco mil dólares americanos, qualquer das partes o requeira, no prazo de quinze dias após notificação do despacho contendo a especificação e questionário (arts. 395º, nº 1, 51º, nº 2, e 389º do CPC). Nas restantes situações, o julgamento é da competência do juiz singular (arts. 395º, nº 1, e 51º, nº 3, do CPC). Nos termos do art. 395º, nº 2, do CPC, se as questões de facto forem julgadas pelo juiz singular quando o devam ser pelo tribunal coletivo, será anulado o julgamento. Segundo Alberto dos Reis esta nulidade é de conhecimento oficioso, devendo ser declarada em qualquer estado da causa, mesmo em sede de recurso e ainda que decorridos os prazo da respetiva arguição, “A todo o tempo, enquanto a sentença não transitar em julgado, é claro”.548 Aplica-se, portanto o mesmo regime da incompetência absoluta do tribunal (art. 70º do CPC).549 Neste caso fica sem efeito a produção de toda a prova na audiência de julgamento e, obviamente, a decisão sobre a matéria de facto e a sentença, havendo que repetir todo o julgamento. Segundo Antunes Varela, “A anulação do julgamento será, em princípio, decretada pelo tribunal superior, em via de recurso, mas nada obsta a que seja aplicada ex officio ou a requerimento das partes, no tribunal de primeira instância, até ser proferida a sentença”.550 Já no caso inverso, ou seja, de julgamento pelo tribunal coletivo de causa que devesse ser julgada por juiz singular, a nulidade terá que ser arguida por uma das partes, no prazo previsto no art. 167º, nº 1, do CPC. Se não for arguida a nulidade, deve manter-se o julgamento realizado pelo tribunal coletivo.551 Porém, segundo o acórdão do Tribunal de Recurso de 28-6-2012, “nos processos de jurisdição voluntária, como sejam os processos de adoção ou de regulação do poder paternal, não 547 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 641-642. 548 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 497. 549 Veja-se igualmente Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 595. 550 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 649. 551 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 497. 212 é obrigatória a intervenção do tribunal coletivo, não se verificando a nulidade prevista no art. 395º, nº 2, nos casos em que tal intervenção seja preterida”.552 Justificando a decisão escreveu-se neste acórdão: “Efetivamente, num processo de jurisdição voluntária, como é o presente, não há verdadeiramente uma discussão e julgamento, mas apenas diligências de produção de prova, que podem incluir a inquirição de testemunhas. Nomeadamente não haverá lugar à elaboração de especificação e questionário e discussão prévia do litígio, ou seja, não há, ou não tem que haver, uma audiência de discussão e julgamento, mas apenas diligência de produção de prova.553 Ora, não havendo um litígio que imponha a discussão e julgamento da causa, também não tem aqui aplicação o disposto no art. 395º, nº 2, do CPC”. 554 No despacho que designa a data e hora para a audiência, pode o juiz requisitar ou indicar um técnico pessoa competente que assista à audiência final e aí preste os esclarecimentos necessários, quando a matéria de facto suscite dificuldades de natureza técnica cuja solução dependa de conhecimentos especiais que o tribunal não possua (art. 397º do CPC). O técnico aqui em causa não é um perito que tenha sido incumbido de uma perícia e que sobre ela deva prestar esclarecimentos em audiência, nos termos do art. 649º, nº 1, do CPC. Aqui trata-se de um auxiliar do juiz para o ajudar, quer nos atos de produção da prova, quer na discussão da causa.555 As partes são notificadas do despacho que designa o técnico, podendo opor impedimento ou suspeições do mesmo, nas mesmas condições em que é admissível suscitar o impedimento dos juízes, nos arts. 87º e 92º do CPC, com as devidas adaptações (arts. 697º, nº 2, e 633º, nº 1, do CPC).556 552 Processo nº 06/Cível/ 2012/TR, já referido supra. Sobre a questão veja-se o Capítulo I, parágrafo 4. 553 Por exemplo, nas providências cautelares a produção de prova também decorre sempre perante juiz singular, independentemente do valor da causa, embora a lei nada refira sobre o assunto. Isso acontece porque se entende que não se realiza uma audiência de discussão, mas apenas uma diligência de produção de prova. 554 Alberto dos Reis, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 85, Coimbra: Coimbra Editora, págs. 3 e 17, e Alberto Baltazar Coelho, Atribuições do tribunal colectivo no julgamento da matéria de facto nas acções cíveis, na Colectânea de Jurisprudência - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, tomo 1º, Coimbra: Casa do Juiz, 1994, páginas 5 e seguintes, ambos citados no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 12-3-1996, processo 088283, relator Machado Soares, acessível em www.dgsi.pt/jstj (todos citados no acórdão do Tribunal de Recurso de 28-6-2012). De facto, o juiz não declara um direito do autor em face do réu (José Maria Rosa Tesheiner, loc. cit., pág. 44). 555 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 643. 556 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 508-509. 213 1.3. Registo da prova produzida em audiência Nos termos do art. 509º, nº 1, do CPC, as audiências finais e os depoimentos, informações e esclarecimentos nelas prestados são gravados por meios audiovisuais ou outros meios técnicos semelhantes e de que se possa dispor, quando o tribunal oficiosamente o determinar e sempre que alguma parte o requeira, até ao termo do prazo a que alude o artigo 389º do CPC. Conforme se referido supra,557 este prazo de quinze dias após a notificação do despacho saneador é um prazo perentório, nos termos definidos no art. 110º, nº 3, do CPC. 558 Assim, uma vez decorrido o mesmo, ficam as partes impedidas de praticar o ato posteriormente.559 Assim, a gravação da prova só terá lugar se alguma das partes o solicitar, no aludido prazo do art. 389º do CPC, a menos que o tribunal o decida oficiosamente.560 Fora desse prazo, ainda poderá ser requerida a gravação da prova, nos casos previstos no art. 560º, nº 2, do CPC.561 A gravação é efetuada, em regra, por sistema sonoro, sem prejuízo do uso de meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes (art. 509º, nº 2, do CPC), mas quando não existirem meios técnicos adequados à gravação a documentação dos depoimentos far-se-á por escrito (art. 509º, nº 4, do CPC). O registo da prova tem a utilidade de permitir ao tribunal, em caso de dúvida no momento da decisão da matéria de facto, a reconstituição do conteúdo do ato de produção da prova e, fundamentalmente, a função de permitir às partes o recurso dessa decisão, que de outro modo escaparia ao controlo do tribunal de recurso.562 2. A audiência 557 Capítulo III, Secção II, parágrafo 3.5. 558 Acórdão do Tribunal de Recurso de 15-1-2013, processo nº 12/Cível/2012/TR. 559 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 235, e Almeida, Direito Processual Civil, volume I, 2010, pág. 479. 560 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 417. 561 Veja-se o parágrafo 2.1. a seguir. 562 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 453, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 597-599. 214 2.1. Atos preliminares (adiamento) Nos termos do art. 399º, nº 1, do CPC, feita a chamada das pessoas que tenham sido convocadas, a audiência é aberta. Alguns autores apontam como ato inicial da audiência a constituição do tribunal coletivo, quando este tenha intervenção.563 Porém, conforme resulta da redação do art. 399º, nº 1, do CPC, deve entender-se como primeiro ato da audiência a chamada das pessoas convocadas,564 até porque esta deve ocorrer na hora e dia designados para a audiência por iniciativa oficiosa da secretaria (art. 126º, nº 1 e 2, do CPC). Após efetuada a chama procede-se à constituição do tribunal coletivo (art. 399º, nº 1, do CPC). Determina ainda o art. 399º, nº 1, do CPC que a audiência é adiada: a) Se não for possível constituir o tribunal coletivo; b) Se faltar alguma pessoa que tenha sido convocada e de que se não prescinda ou se tiver sido oferecido documento que a parte contrária não possa examinar no próprio ato, mesmo com suspensão dos trabalhos por algum tempo, e o tribunal entenda que há grave inconveniente em que a audiência prossiga sem a presença dessa pessoa ou sem resposta sobre o documento oferecido; c) Se faltar algum dos advogados, o que será comunicado ao mandante para que, sentindo-se lesado, participe, querendo, à Ordem dos Advogados. Impossibilidade de constituição do coletivo. Como é óbvio, se não for possível constituir o tribunal coletivo, por falta inesperada de um juiz, o julgamento terá de ser adiado. Esta falta tem que ser inesperada,565 uma vez que se for previsível a impossibilidade o adiamento deve ser efetuado antecipadamente, por despacho, a fim de evitar a deslocação dos intervenientes ao tribunal. Por outro lado, só se verifica efetivamente a impossibilidade de constituição do coletivo se não for possível a intervenção do juiz substituto do ausente, designadamente por não haver mais juízes no tribunal ou por este estar impedido num outro julgamento mais urgente. Fora destes 563 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 250, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 455. 564 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 516-517. 565 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 517. 215 casos o juiz substituto não pode recusar integrar o tribunal coletivo. Se for necessário, pela sua complexidade, suspende-se momentaneamente o início da audiência a fim de o juiz substituto poder ter vista dos autos. Falta de alguma pessoa que tenha sido convocada. As pessoas aqui em causa são as próprias partes, as testemunhas, os peritos, técnicos, etc.. Não se refere aos advogados, que têm previsão especial na alínea c),566 nem se refere à parte convocada apenas para a tentativa de conciliação. Ou seja, só inclui a parte que tenha de prestar depoimento de parte. 567 Se a parte foi notificada para comparecer apenas para uma tentativa de conciliação não pode haver adiamento da audiência (art. 385º, nº 4, do CPC).568 Se o mandatário que arrolou a testemunha, requereu o depoimento de parte, ou de perito, etc., não prescindir do depoimento, ou seja, da presença da pessoa faltosa, haverá adiamento da audiência, mas apenas se o tribunal entender que há grave inconveniente em que a audiência prossiga sem a presença dessa pessoa. Se a parte prescindir da diligência solicitada (por exemplo, do depoimento de uma testemunha, ou, como é comum dizer, prescindir da testemunha), não há obviamente adiamento. Isto acontece quando a parte tem interesse na realização imediata do julgamento e entende que o depoimento da testemunha faltosa não é fundamental para a sua pretensão. Caso não prescinda ainda poderá iniciar-se o julgamento, sendo ouvidas as testemunhas que estiverem presentes, mesmo que tal implique alteração da ordem em que estiverem mencionados no rol (art. 560º, nº 2, do CPC). Neste caso qualquer das partes requerer podendo a gravação da inquirição, embora já fora do prazo do art. 389º do CPC. Porém, a parte pode solicitar que não se proceda de acordo com o disposto no art. 560º, nº 2, do CPC, quando justifique fundadamente que existe inconveniente em que se proceda à alteração da ordem do rol. Por qualquer motivo sério, pode ser importante para a defesa da posição da parte, que a testemunha faltosa seja ouvida pela ordem que conta do rol, ou seja, antes das outras. 566 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 517. 567 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 653. 568 Embora a parte faltosa devidamente notificada deva ser condenada em multa (arts. 221º e 506º, nº 2, do CPC). 216 Caberá ao juiz presidente analisar a justificação apresentada e adiar a audiência aceitando-a. 569 O adiamento por falta de testemunha só ocorrerá se a mesma foi notificada para comparecer, se a parte se comprometeu a apresentá-la na audiência, a sua falta não justifica o adiamento.570 A testemunha faltosa, bem como outro interveniente processual, será condenada em multa (arts. 506º, nº 2, e 560º, nº 4, do CPC), podendo ainda o juiz ordenar que a testemunha que tenha faltado sem justificação compareça sob custódia (art. 560º, nº 4, do CPC). Claro que nenhuma destas sanções se aplica se a testemunha (ou qualquer outro interveniente processual) justificar a falta no prazo legal de cinco dias (art. 399º, nº 4, do CPC). 571 Assim, se o juiz condenar imediatamente o faltoso em multa, ou ordenar a sua condução sob custódia, deverá condicionar a sanção à falta de justificação da falta (condeno a testemunha na multa de X, se não justificar a falta no prazo legal de dez dias), ficando sem efeito a sanção se a testemunha justificar validamente a falta (ou seja, se o juiz aceitar a justificação). Não há qualquer sanção se o adiamento não foi determinado pelo faltoso. Por exemplo, falta uma testemunha, regularmente notificada, mas o julgamento é adiado por impossibilidade de constituição do coletivo, ou porque falta uma parte que tem que prestar depoimento de parte, ou falta um advogado. Não se afigura duvidoso que se pode usar do mecanismo previsto no art. 560º, nº 2, do CPC, relativamente ao depoimento dos peritos e técnicos, ou outros intervenientes que não sejam parte. Pode, pois, ouvir-se o depoimento das testemunhas deixando para dia posterior a inquirição de um perito faltoso. Já quanto à falta de uma parte que tenha que prestar depoimento de parte, é mais discutível que se possa iniciar a audiência sem a sua presença, atenta a especial função do depoimento de parte (de confissão dos factos).572 Entende-se, porém, que o adiamento ou início do julgamento deverá, ainda aqui, ser decidido pelo juiz, ponderados os interesses em causa (art. 400º, nº 7, do 569 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 520. 570 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 518. 571 Art. 119º, nº 1, do CPC. 572 Veja-se o Capítulo III, Secção III, parágrafo 6.3. 217 CPC). 573 Junção de documentos. O julgamento será ainda adiado se alguma das partes tiver sido oferecido documento que a parte contrária não possa examinar no próprio ato, mesmo com suspensão dos trabalhos por algum tempo, e o tribunal entenda que há grave inconveniente em que a audiência prossiga sem resposta sobre o documento oferecido. Como se viu,574 a parte pode proceder à apresentação de documentos até ao encerramento da discussão em primeira instância, ou seja, até ao início dos debates, ou alegações sobre a matéria de facto (art. 595º, nº 2, do CPC). Ou seja, a parte pode apresentar documentos depois de produzida toda a restante prova e imediatamente antes das alegações finais.575 Ora, apresentado um documento fora dos articulados, nomeadamente em audiência de julgamento, a sua apresentação será notificada à parte contrária para se poder pronunciar sobre o mesmo (art. 598º do CPC). Se a junção ocorrer já durante a audiência de julgamento, ou em outra diligência, a parte contrária deve pronunciar-se imediatamente, podendo suspender-se momentaneamente os trabalhos para a parte analisar o documento (art. 598º do CPC). Contudo, como já referido, embora a lei não o refira expressamente, afigura-se que a parte pode não prescindir (ou solicitar), que lhe seja concedido o prazo geral de dez dias para poder estudar o documento e pronunciar-se sobre ele. Neste caso deve suspender-se a diligência para que a parte possa usufruir de tal direito. Efetivamente existem documentos que, pela sua complexidade, podem exigir algum tempo para serem devidamente analisados.576 Isto não obriga por si só ao adiamento da diligência, devendo ouvir-se todas as pessoas presentes e suspendendo-se a audiência para continuar com as alegações dos advogados para dia posterior ao decurso do referido prazo de dez dias. Porém, pode haver adiamento se alguma das partes requerer que a audiência seja adiada 573 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 145-146, e Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 512. 574 Veja-se o Capítulo III, Secção III, parágrafo 6.5.2. 575 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 522. 576 Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 521. 218 porque pretende confrontar as testemunhas com o documento e, para tanto, terá o documento que ter sido já admitido e a parte contrária tido a possibilidade de pronunciar-se sobre o mesmo. Neste caso, mais uma vez, é o juiz quem decide o adiamento, ou não, ponderadas as razões alegadas pelo advogado no sentido do adiamento.577 Os prazos referidos na parte final do art. 399º, nº 3, são, obviamente, meramente indicativos. Embora se deva tentar cumprir os mesmos, há que reconhecer a dificuldade do cumprimento escrupuloso de tais prazos. Assim, deve a continuação da audiência ser marcada para data o mias próximo possível dos mesmos. Falta de algum dos advogados. A falta de um advogado é sempre motivo de um adiamento. Efetivamente, o dispositivo em causa nem obriga o advogado a apresentar justificação da sua falta. Poderá, porém, que ter de a apresentar em processo que lhe seja instaurado pela Ordem dos Advogados, se ocorrer participação da parte nos termos da parte final do art. 399º, nº 1, al. c), do CPC. Não é admissível o acordo das partes para adiar a audiência (art. 399º, nº 2, do CPC). É, porém, frequente a suspensão da instância nos termos dos arts. 231º, nº 1, al. c), e 234º, nº 3, do CPC, com consequente adiamento da audiência, sempre que o juiz se convença da possibilidade séria de as partes chegarem a um acordo para resolução do litígio e ambas as partes solicitem a suspensão com essa finalidade. Não pode adiar-se a audiência por mais do que uma vez, exceto no caso de impossibilidade de constituição do tribunal (art. 399º, nº 2, do CPC). Esta regra aplica-se ainda que quem falte na segunda data não seja alguma das pessoas que faltou na primeira. Assim, se o julgamento foi adiado por falta de um advogado e, na segunda data, falta o advogado da outra parte, não há lugar a adiamento.578 Assim, faltando um dos advogados na data designada após o primeiro adiamento, procede-se à realização da audiência, sendo as testemunhas arroladas pela parte cujo advogado faltou 577 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 521. 578 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 523-524. 219 inquiridas pelo juiz presidente. Neste caso, como o juiz não pode saber o que cada testemunha sabe, deve inquirir apenas as três primeiras testemunhas do rol a toda a matéria do questionário, a mesmo que alguma diga que nada sabe sobre determinada matéria, caso em que pode sobre ela ouvir a testemunha seguinte, depois de consignar isso em ata (art. 564º do CPC). 2.2. Tentativa de conciliação Nos termos do art. 400º, nº 1 e 2, do CPC, não havendo razões de adiamento, realizar-se-á a discussão da causa, a qual se inicia com uma tentativa de conciliação das partes, se a causa estiver no âmbito do seu poder de disposição.579 Ou seja, aberta a audiência o juiz procurará logo conciliar as partes. Só existe tentativa de conciliação se o objeto do processo estiver na disponibilidade das partes, caso contrário passa-se imediatamente para a produção da prova.580 A tentativa de conciliação aplica-se o disposto no art. 385º do CPC. Porém, contrariamente ao que sucede noutra fase processual, a tentativa de conciliação é aqui obrigatória (sempre no pressuposto de o objeto do processo estar na disponibilidade das partes). Porém, as partes não têm que ser notificadas para comparecerem na audiência de julgamento (art. 396º, nº 2, do CPC), embora o juiz as possa convocar com essa finalidade. 581 Isto não obsta a que os mandatários possam exprimir a vontade de conciliação das partes em representação das mesmas, ainda que não estejam munido de procuração com poderes especiais para transigir, nos termos do art. 253º, nº 3, do CPC.582 Trata-se de um regime especial o da nulidade proveniente da falta de poderes do mandatário ou da irregularidade do mandato.583 2.3. Produção de prova Gorada a tentativa de conciliação, ou não havendo lugar a ela, procede-se à produção da prova constituenda a realizar em audiência, pela seguinte ordem (art. 400º, nº 3, do CPC): a) Prestação dos depoimentos de parte; b) Exibição de reproduções cinematográficas ou de registos 579 Sobre a tentativa de conciliação veja-se supra Capítulo III, Secção II, parágrafo 1. 580 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 596. 581 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 653. 582 Para Lebre de Freitas se as partes não estiverem pessoalmente presentes, ainda que tenham sido para o efeito convocadas, nem se fizerem representar por mandatário com poderes especiais para o efeito, não há lugar à tentativa de conciliação (Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 656). 583 Veja-se supra Capítulo III, Secção II, parágrafo 1. 220 fonográficos podendo o presidente determinar que ela se faça apenas com assistência das partes, dos seus advogados e das pessoas cuja presença se mostre conveniente; c) Esclarecimentos verbais dos peritos cuja comparência tenha sido determinada oficiosamente ou a requerimento das partes; d) Inquirição das testemunhas. Como já se viu anteriormente, o presidente pode, nos casos em que tal se justifique, alterar a referida ordem de produção de prova (art. 400º, nº 7, do CPC). Este despacho terá, porém, que ser fundamentado (art. 123º, nº 1, do CPC). a) Prestação dos depoimentos de parte.584 Sendo requerido o depoimento de ambas as partes (o autor requer o depoimento de parte do réu e o réu requer o depoimento de parte do autor), primeiro presta depoimento o réu e depois o autor (art. 530º, nº 1, do CPC). Esclarece Lebre de Freitas que “A ordem estabelecida, a respeitar apenas em audiência final em que ambas as partes devam depor, funda-se em que a prova a produzir pelo autor deve anteceder a que o réu pretenda fazer”.585 Como já se referiu supra,586 o juiz pode alterar a ordem referida, quando o julgue conveniente para a decisão da causa, por despacho fundamentado (art. 400º, nº 7, do CPC).587 Se tiverem de depor mais de um autor ou de um réu, não poderão assistir ao depoimento de qualquer deles os compartes que ainda não tenham deposto (art. 530º, nº 2, do CPC). Antes de ser tomado juramento à parte, o juiz presidente deve fazer sentir ao depoente a importância moral do juramento que vai prestar e o dever de ser fiel à verdade, advertindo-o ainda das sanções aplicáveis às falsas declarações (art. 531º, nº 1, do CPC). 588 Justifica-se esta especial advertência, que não é exigida por exemplo para as testemunhas, dado o interesse pessoal que obviamente a parte tem no desfecho do processo. 584 Sobre o depoimento de parte veja-se supra Capítulo III, Secção III, parágrafo 6.3. 585 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 512. Veja-se ainda Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 145. 586 Presente Capítulo, parágrafo 2.1. 587 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 145-146, e Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 512. 588 As sanções são as do art. 278º, nº 1, do Código Penal (falsidade de depoimento ou declaração) e 662º, nº 1, do CPC. 221 Seguidamente o depoente presta juramento sendo a fórmula legal a que consta do art. 531º, nº 2, do CPC (Juro pela minha honra que hei-de dizer toda a verdade e só a verdade).589 A recusa a prestar juramento implica recusa a depor (art. 531º do CPC), atitude que será livremente apreciada pelo tribunal para efeitos probatórios (art. 527º, nº 2, do CPC). O depoente só pode ser interrogado sobre factos pessoais ou de que deva ter conhecimento, uma vez que só estes pode confessar (art. 523º, nº 1, do CPC) e o seu depoimento só deverá incidir sobre a matéria do questionário relativamente à qual foi requerido o seu depoimento (art. 532º do CPC). Os depoimentos de parte de pessoas coletivas são prestados pelos representantes atuais (à data em que o mesmo é prestado) e não pelos representantes que a pessoa coletiva tinha na altura dos factos.590 O interrogatório é feito pelo juiz e depoente deve responder às perguntas de forma clara, podendo, para o efeito, consultar documentos ou apontamentos de datas ou factos, mas não pode trazer o depoimento escrito (art. 533º do CPC). Os advogados das partes assistem ao depoimento e podem pedir diretamente esclarecimentos ao depoente, depois do interrogatório do juiz presidente e dos adjuntos (art. 534º, nº 1, do CPC). Se algum dos advogados entender que a pergunta é inadmissível, pela forma ou pela substância, pode deduzir a sua oposição, que será logo julgada definitivamente (art. 534º, nº 2, do CPC). O depoimento prestado perante o tribunal da causa é reduzido a escrito, na parte que envolva confissão, mesmo que tenha sido gravado (art. 535º, nº 1, do CPC). b) Exibição de reproduções cinematográficas ou de registos fonográficos. As reproduções cinematográficas ou de registos fonográficos são documentos. Os documentos não são lidos ou reproduzidos em audiência, a menos que o tribunal ou alguma das partes ache essencial que se proceda à sua análise (já é frequente, porém, confrontar as partes ou testemunhas com o teor de documentos). Assim, embora o CPC faça uma especial referência a 589 Afastou-se assim o juramento religioso que chegou a vigorar no regime português (Juro perante Deus que hei-de dizer toda a verdade e só a verdade), em obediência ao princípio da laicidade do Estado (arts. 12º e 45º da Constituição). Sobre a questão veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 147-148. 590 Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1991, págs. 440-441. 222 este tipo de documentos, no seu art. 589º, não deixam de se aplicar a estes as mesmas regras que regulam a produção da prova documental. Assim, a exibição de reproduções cinematográficas ou de registos fonográficos só será efetuada em audiência se assim for solicitado ou o tribunal entender relevante que se faça, nada impedindo que se use essa prova caso a mesma não chegue a ser exibida em audiência. Em função do teor, mais ou menos privado e confidencial da prova em causa, pode o presidente determinar que ela se faça apenas com assistência das partes, dos seus advogados e das pessoas cuja presença se mostre conveniente. c) Esclarecimentos verbais dos peritos.591 Os esclarecimentos verbais dos peritos incidem sobre o relatório pericial (é o relatório que se esclarece e não outra matéria), só ocorrendo se alguma das partes o solicitar ou o juiz o determinar oficiosamente. Segundo Lebre de Freitas, “Trata-se, fundamentalmente, de precisar as conclusões do relatório, justificá-las e compreender as eventuais divergências entre os peritos, de modo a proporcionar o máximo de elementos para a formação da convicção judicial”.592 d) Inquirição das testemunhas 593 As mesmas serão inquiridas pela ordem que consta do rol, sendo ouvidas primeiro as arroladas pelo autor e depois as arroladas pelo réu, salvo se o juiz determinar que a ordem seja alterada ou as partes acordarem na alteração (art. 565º, nº 1, do CPC).594 Se a mesma testemunha foi arrolada por ambas as partes, deve ser inquirida apenas sobre a matéria indicada pelo autor, e inquirida sobre a matéria indicada pelo réu apenas depois de finalizada a prova testemunhal do autor. Neste caso, embora a testemunha deva permanecer no edifício do tribunal, não deve ficar na sala, nem em contacto com as restantes testemunhas. Se as 591 Sobre a prova pericial veja-se supra Capítulo III, Secção III, parágrafo 6.7. 592 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 553. 593 Sobre a produção da prova testemunhal veja-se supra Capítulo III, Secção III, parágrafo 6.4.2. 594 No rigor dos princípios, havendo reconvenção as testemunhas do autor sobre a matéria da reconvenção seriam ouvidas depois das testemunhas do réu sobre a mesma matéria. Porém, tratando-se de matérias que se ligam, não é costume fazer tal distinção. 223 partes estiverem de acordo e o tribunal assim entender, pode o réu, fida a contra instância relativamente à matéria indicada pelo autor, indicar a matéria a que pretende ouvir a mesma testemunha e seguir o depoimento desta sobre a mesma. A parte pode a todo o tempo desistir da inquirição de testemunhas que tenha oferecido (art. 553º, nº 2, do CPC), mesmo durante o seu depoimento. Segue-se o juramento e o interrogatório preliminar (art. 566º, nº 1, do CPC). A falta de juramento constitui causa de rejeição do depoimento, ou, se foi prestado, da sua nulidade, a arguir nos termos dos arts. 163º, nº 1, 165º, nº 1, e 167º, nº 1, do CPC, devendo repetir-se o julgamento se necessário.595 Após o interrogatório preliminar, o juiz pode ainda inquirir a testemunha sobre a sua razão de ciência, para melhor poder avaliar o seu depoimento. O juiz deve perguntar à parte que arrolou a testemunha, qual a matéria de facto sobre a qual pretende que a testemunha deponha (havendo questionário, quais os quesitos), o que fará constar em ata. Como já se referiu, esta indicação não é inalterável, podendo a parte reduzir a matéria, ou acrescentar matéria, mesmo durante o depoimento. Também deve ficar a constar da ata a declaração da testemunha que nada sabe sobre determinada matéria, ou quesito, a fim de a parte poder ouvir outra testemunha sobre tal matéria. O interrogatório é feito pelo advogado da parte que a ofereceu, podendo, a seguir, o advogado da parte contrária instar a testemunha de maneira a que o depoimento se complete ou esclareça (art. 569º, nº 2 e 4, do CPC). Os juízes podem findo o interrogatório pelas partes, formularem as perguntas que entenderem para melhor se esclarecerem com vista ao apuramento da verdade material.596 Porém, devem as partes e os juízes inquirir a testemunha apenas sobre a matéria indicada pela parte que a ofereceu, a menos que o juiz presidente use da prerrogativa da inquirição oficiosa do art. 575º, nº 1, do CPC.597 Findo o depoimento a testemunha deve permanecer na sala de audiências, a fim de evitar que entre em contacto ou as outras testemunhas ainda não inquiridas, Não devendo ausentar-se do tribunal, uma vez que pode ainda ser necessário prestar novos esclarecimentos, ou proceder-se a 595 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 603. 596 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 549. 597 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 448, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 449. 224 acareação com a mesma. Se houver de ser prestado algum depoimento fora do tribunal, a audiência será interrompida antes dos debates, e os juízes e advogados deslocar-se-ão para o local, imediatamente ou no dia e hora que o presidente designar. Prestado o depoimento, a audiência continua no tribunal (art. 400º, nº 4, do CPC). Também a inspeção pode ser realizada em qualquer momento, 598 o que implicará a deslocação ao local. 599 Estas diligências devem, porém, ocorrer sempre antes dos debates, uma vez que estes findam a fase de produção da prova. O presidente do tribunal goza de todos os poderes necessários para tornar útil e breve a discussão e para assegurar a justa decisão da causa (art. 398º, nº 1, do CPC). A direção formal da audiência cabe ao juiz presidente (art. 398º, nº 2, al. a), do CPC), tendo, em geral, todos os poderes que necessite para atingir numa audiência, útil e breve, a verificação da realidade dos factos, de modo a possibilitar uma decisão justa da causa (art. 398º, nº 2, als. d) e c), do CPC). 600 Assim, cabe ao juiz remover os obstáculos que se oponham ao andamento regular da causa, quer recusando o que for impertinente ou meramente dilatório (art. 222º do CPC) e realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade (art. 222º do CPC), embora limitado à matéria de facto alegada pelas partes (art. 412º do CPC). Estabelece ainda o art. 120º, nº 1, do CPC, que a manutenção da ordem nos atos processuais compete ao magistrado que a eles presida, o qual tomará as providências necessárias contra quem perturbar a sua realização, nomeadamente advertindo com urbanidade o infrator, ou retirando-lhe mesmo a palavra, quando ele se afaste do respeito devido ao tribunal ou às instituições vigentes, especificando e fazendo consignar em ata os atos que determinaram a providência, sem prejuízo do procedimento criminal ou disciplinar que no caso couber. Há desmando quando a linguagem empregada é ofensiva do respeito devido às instituições, às leis, aos tribunais, aos advogados ou às próprias partes ou outros intervenientes processuais.601 Segundo Abílio Neto, “Embora o texto não contenha qualquer referência expressa aos 598 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 531. 599 Sobre a produção da prova por inspeção veja-se supra Capítulo III, Secção III, parágrafo 6.6. 600 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 645. 601 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 281. 225 excessos cometidos por escrito, nem aluda à faculdade do tribunal mandar riscar quaisquer expressões ofensivas, julgamos que esta faculdade se mantém, englobada como está na expressão providências necessárias, a que alude genericamente o nº 1 deste normativo”.602 Contra esta opinião pronuncia-se Lebre de Freitas, que entende dever apenas não se considerar as expressões em causa, uma vez que não está aqui em causa a manutenção da ordem de um ato processual.603 Porém, não é considerado ilícito o uso das expressões e imputações indispensáveis à defesa da causa (art. 120º, nº 3, do CPC). Impõe-se, assim, ao juiz coordenar e equilibrar convenientemente os dois interesses: o do respeito pelas instituições, as leis, o tribunal e as pessoas que intervenham no processo, e o da salvaguarda do direito da defessa.604 Se o infrator não acatar a decisão, pode o presidente fazê-lo sair do local em que o ato se realiza (nº 2). Deve ainda o juiz presidente exortar os advogados, o defensor público e o Ministério Público a que abreviem os seus requerimentos e alegações, quando sejam manifestamente excessivos, e a que se cinjam à matéria da causa, e retirar-lhes a palavra quando não sejam atendidas as suas exortações (art. 398º, nº 2, al. d), do CPC), e chamar a atenção dos advogados, defensor público e Ministério Público para a necessidade de esclarecerem pontos obscuros e duvidosos da matéria de facto (art. 398º, nº 2, al. e), do CPC). Antes das alegações sobre a matéria de facto, pode o tribunal formular quesitos novos quando os considere indispensáveis para a boa decisão da causa, mas apenas de entre os que foram alegados pelas partes (art. 398º, nº 1, do CPC).605 Face ao desenrolar do julgamento, pode o tribunal entender que existem factos, principais ou mesmo instrumentais, que não foram incluídos no questionário e cuja prova interessa para a decisão da causa, nessa altura formulando novos quesitos para sobre eles incidir a prova e se poder pronunciar posteriormente.606 Esta faculdade pode mesmo ser exercida já depois das alegações e antes da decisão relativa à matéria 602 Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1997, pág. 221. Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 281. 603 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 293. 604 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 281. 605 Conforme se referiu supra (Capítulo III, Secção II, parágrafo 3.3.) a especificação e questionário não fazem caso julgado formal, podendo ser alterados em sede de julgamento. 606 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 645. Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 545-550. 226 de facto, nos termos do art. 401º, nº 1, do CPC. Não se permitiu a quesitação de novos factos não alegados pelas partes, uma vez que a mesma violaria o princípio da livre disponibilidade da maior parte das relações em discussão, mas também o princípio da audiência contraditória.607 Sendo formulados novos quesitos, como é óbvio, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal nos arts. 563º e 564º do CPC, sendo as provas requeridas imediatamente ou, não sendo possível a indicação imediata, no prazo de dez dias (art. 398º, nº 3, do CPC). No último caso ou quando as provas não puderem ser logo produzidas, a audiência é suspensa antes das alegações sobre a matéria de facto (art. 398º, nº 3, do CPC). 608 A audiência de julgamento é documentada, em ata (art. 124º, nº 1, do CPC), cuja redação da ata incumbe ao funcionário judicial, sob a direção do juiz (art. 124º, nº 2, do CPC). 2.4. Debate judiciário Após a produção da prova, realizam-se os debates sobre a matéria de facto (art. 400º, nº 2, al. e), do CPC). Os debates limitam-se, neste momento, à matéria de facto, devendo os mandatários deixar para momento posterior (do art. 405º do CPC), a pronúncia sobre as questões de direito.609 Nestes debates, os advogados procuram fixar os factos que devem considerar-se provados e aqueles que, em sua opinião, não se podem ter por demonstrados (art. 400º, nº 5, do CPC). Nesta atividade persuasiva dos mandatários das partes, eles deverão salientar os fundamentos da sua convicção, tendo em conta a repartição do ónus da prova relativamente a cada um dos factos do questionário.610 A ordem das alegações é da instauração da causa, primeiro o mandatário do autor e depois o do réu, Exceto nas ações de simples apreciação negativa, em que se deve inverter tal ordem.611 Durante a sua alegação, o advogado pode ser interrompido por qualquer dos juízes ou pelo 607 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 644-645. 608 Importa, sempre, respeitar o princípio do contraditório. 609 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 642-643, e Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 657. 610 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 600. Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 533-542. 611 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 643, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 600. 227 advogado da parte contrária, para o esclarecimento ou retificação de qualquer afirmação.612 Cada um dos advogados pode replicar uma vez contra as alegações do outro (art. 400º, nº 3, al. e), do CPC). Embora os debates não tenham limite de tempo, pode o juiz presidente interromper o advogado para o exortar a que abrevie a sua alegação, quando esta seja excessiva, e a que se cinja à matéria da causa, retirando-lhe a palavra no caso extremo dessa exortação não ser atendida (art. 398º, nº 2, al. d), do CPC). 613 Também aqui o juiz presidente deve advertir qualquer dos advogados, com urbanidade, ou retirar-lhe mesmo a palavra, quando ele se afaste do respeito devido ao tribunal ou às instituições vigentes, especificando e fazendo consignar em ata os atos que determinaram a providência ou retificação de qualquer afirmação (art. 120º, nº 1, do CPC). Se o advogado infrator não acatar a decisão, pode o presidente fazê-lo sair do local em que o ato se realiza (art. 120º, nº 2, do CPC). 614 3. Julgamento 3.1. Decisão da matéria de facto controvertida Encerrada a discussão, o tribunal recolhe à sala das conferências para ponderar e decidir (art. 401º, nº 1, do CPC).615 Se não se julgar suficientemente esclarecido, ainda pode voltar à sala da audiência, ouvir as pessoas que entender e ordenar quaisquer diligências necessárias. Como já se referiu, embora a fase de instrução termine com o início dos debates sobre a matéria de facto, o tribunal pode ainda, por iniciativa oficiosa, completar a prova, quando tenha dúvidas na decisão, fazendo as diligências que entender necessárias, reabrindo para o efeito a audiência, o que implica a necessidade de novos debates sobre a matéria de facto para que as 612 Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 542-545. 613 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 656, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 600. 614 Reproduz-se aqui o que se refiu no apágrafo anterior sobre esta matéria. 615 Sobre esta fase do julgamento veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 550-552. 228 partes se possam pronunciar sobre a nova prova produzida.616 A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a tribunal singular (art. 401º, nº 2, do CPC). A decisão há- de declarar quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que considera não provados e especificar, quanto a todos eles, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. O acórdão reveste a forma de meras respostas às perguntas que constituem os quesitos, sob a forma clássica de provado, não provado, ou provado apenas que …617 Ou seja, esta declaração pode ser meramente positiva, negativa ou restritiva, mas não pode ir para além do que consta do quesito. Assim, face ao quesito O réu entregou ao autor US$ 5.000?, pode responder-se [quesito 2º -] provado, se o réu logrou fazer prova do facto, ou [quesito 2º -] não provado, se o réu não conseguiu provar o facto, ou [quesito 2º -] provado apenas que o réu entregou ao autor US$ 2.000, se o réu conseguiu provar apenas o pagamento de 2.000, uma vez que a prova de um pagamento menor ainda se encontra dentro da matéria quesitada. Também pode dar respostas explicativas, mas já não se deve considerar Provado que o réu entregou ao autor US$ 8.000, uma vez que tal afirmação vai para além da pergunta formulada no quesito.618 Tendo o julgamento decorrido perante tribunal coletivo, a decisão admite voto de vencido (art. 401º, nº 4, do CPC). Assim, se um dos juízes discordar da decisão da maioria (os outros dois) vota vencido, declarando no acórdão as razões da sua divergência.619 Por outro lado, o tribunal da audiência não pode pronunciar-se sobre matéria de direito, isto é, não pode ocupar-se da aplicação do direito aos factos provados. Considera- se inexistente qualquer resposta desse tribunal sobre essa matéria (art. 395º, nº 3, do CPC). Esse tribunal também se deve restringir à apreciação da prova validamente produzida na audiência. Por isso, segundo o disposto no art. 395º, nº 3, 2ª parte, do CPC, é considerada inexistente qualquer resposta desse tribunal sobre factos que só possam ser provados por documentos, que já estejam provados por documentos ou por confissão ou que, por não terem sido impugnados, se devam 616 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 658-659. 617 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 651-652. 618 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 662. 619 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 652, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 605. 229 considerar admitidos por acordo.620 Assim, se por exemplo o juiz que formulou o questionário perguntar: o réu incumpriu o contrato? O tribunal de julgamento não deve responder a este quesito, declarando-o justificando tal decisão no facto de se tratar de um quesito contendo matéria de direito. 3.2. Fundamentação de facto e das motivações não jurídicas Ao tribunal compete, no julgamento da matéria de facto, analisar criticamente as provas (art. 401º, nº 2, do CPC). Esta análise refere-se às presunções legais e judiciais das quais pode ser inferida a prova do facto controvertido. Se o facto provado for um facto probatório ou indiciário, isto é, se do facto provado puder inferir-se por qualquer daquelas presunções o objeto da prova, cabe ao tribunal considerar o facto presumido como provado. Assim, incumbe ao tribunal julgar provados os factos principais que decorram da demonstração dos respetivos factos instrumentais. O tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correção da sua decisão, fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente.621 O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados quer quanto aos factos não provados, deve o tribunal justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 403º, nº 1, do CPC), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, achou 620 Veja-se Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 459. 621 Acórdão do Tribunal de Recurso de 21-10-2010, processo nº 12/Agravo/Cível/2010/TR, citando Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, págs. 348. 230 satisfatória ou não a prova resultante de documentos particulares, etc. 622 Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. 623 Como, em geral, as provas produzidas na audiência final estão sujeitas à livre apreciação (art. 403º, nº 1, do CPC), o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correção da sua decisão. Através dessa formulação, o juiz deve passar de convencido a convincente.624 A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente para cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial. Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção. Porém, o art. 401º, nº 2, do CPC, não exige que a fundamentação das respostas aos quesitos tenha de ser indicada separadamente em relação a cada um deles.625 622 Acórdão do Tribunal de Recurso de 30-9-2010, processo nº 01/Civil/2010/TR, citando Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1997, pág. 348, e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, Lisboa, 2000, pág. 259. 623 Acórdão da Relação de Coimbra de 25-5-2004, processo nº 17/04, relator Jorge Rodrigues, acessível em www.dgsi.pt/jtrc. 624 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 654. 625 Acórdão do Tribunal de Recurso de 14-2-2013, processo nº 14/Cível/2012/TR, e Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2008, págs. 661-662. Veja-se ainda para disposição semelhante no CPC de Portugal o acórdão do STJ de Portugal de 25-03-2004, processo nº 02B4702, relator Santos Bernardino, acessível em www.dgsi.pt. 231 Se o facto for julgado não provado, a ordem preferível é a seguinte: primeiramente devem ser indicados os meios de prova que conduzem à demonstração do facto; depois devem ser expostos os meios que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade do facto ou que impedem uma convicção sobre a sua veracidade; finalmente devem ser referidos os meios inconclusivos. 3.3. Recurso e reclamações O acórdão (ou despacho, se o julgamento decorreu perante juiz singular) é lido em audiência (art. 401º, nº 5, do CPC). Já foi suscitada a questão das consequências de apenas o juiz presidente proceder à leitura do acórdão, sem a presença dos juízes adjuntos (situação que é relativamente habitual), ou a ausência de intérprete por algum dos mandatários não dominar a língua em que o acórdão foi redigido. Conforme referido no acórdão do Tribunal de Recurso de 15-1-2013,626 sobre esta matéria importa ter presente o disposto no art. 163º, nº 1, do CPC: Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Não estando qualquer das referidas situações prevista em nenhum preceito que expressamente comine a nulidade, haverá que averiguar se a omissão pode influir no exame ou na decisão da causa. Quando à ausência do coletivo a resposta não pode deixar de ser negativa, quanto à falta de nomeação de intérprete, fazendo necessariamente uma interpretação favorável à parte, deve entender-se que pode influir no exame e decisão da causa. Assim, estamos assim perante uma mera irregularidade (ausência do coletivo na audiência de leitura da decisão sobre a matéria de facto) ou uma nulidade (falta de nomeação de interprete). Esta é, porém, uma nulidade secundária, uma vez que não está prevista no elenco do art. 166º do CPC.627 626 Processo nº 12/Cível/2012/TR. 627 Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 323-324, Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 318, e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, pág. 391. 232 Ora, nos termos do art. 167º, nº 1, do CPC, a irregularidade e nulidade secundária, uma vez que as mesmas foram cometidas durante diligência a que o mandatário estava presente têm que ser arguidas durante a referida diligência. Não arguindo a irregularidade e nulidade durante o ato judicial que presenciou, consideram-se as mesmas sanadas, não podendo invocá-las em sede de recurso da sentença final. 628 Sendo arguida a nulidade ou a irregularidade, ou havendo reclamações de qualquer das partes, o juiz presidente deve declarar a mesma e repetir a diligência com a presença dos juízes adjuntos. Outra questão que se coloca consiste em saber da possibilidade de reclamação sobre o acórdão ou sentença que fixa a matéria de facto, uma vez que CPC de Timor-Leste não prevê expressamente a possibilidade de as partes reclamarem do acórdão (ou do despacho). Afigura-se que a resposta deve ser positiva, só assim se compreendendo o formalismo previsto no art. 401º, nº 5, do CPC (o presidente procede à leitura do acórdão que, em seguida, facultará para exame a cada um dos advogados pelo tempo que se revelar necessário para uma apreciação ponderada tendo em conta a complexidade da causa). Esta necessidade de apreciação ponderada só pode ter por finalidade a possível reclamação do acórdão ou sentença, não fazendo sentido no caso contrário. Assim entendeu o Tribunal de Recurso no acórdão de 15-1-2013, 629 que não se vislumbra justificação para que tal acórdão não possa ser objeto de reclamação nos termos gerais previstos nos arts. 414º, nº 2, 417º e 414º, nº 2, do CPC. Isto significa, contudo, que a reclamação só poderá ter por objeto as circunstâncias previstas nos arts. 414º, nº 2, e 417º do CPC. Ou seja, a reclamação terá que visar a retificação de erros materiais, ou suprimento de nulidades, ou ainda o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que a decisão contenha (nomeadamente nos termos do art. 417º, nº 2, do CPC). O que não se pode é usar o mecanismo da reclamação para se expressar mera discordância relativamente à decisão, o que 628 Almeida, Direito Processual Civil, volume I, 2010, pág. 519 (nota 1), citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 12-10-2006, processo 3371/06, relator Salvador da Costa, e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, págs. 392-393. 629 Processo nº 12/Cível/2012/TR. 233 deverá ser feito no recurso de apelação da sentença (art. 459º, nº 1, do CPC).630 A reclamação terá necessariamente que ser feita em audiência, perante o tribunal coletivo, que deverá apreciar a mesma imediatamente, por acórdão, não podendo ser apresentada pelas partes em momento posterior e por escrito, uma vez que já então se encontra encerrada a audiência de julgamento e definitivamente fixada a matéria de facto provada e não provada. A falta de reclamação não inviabiliza a possibilidade de impugnação do acórdão que decidiu a matéria de facto, podendo inclusivamente o tribunal de recurso conhecer oficiosamente de erros na apreciação da matéria de facto como os enunciados nos referidos arts. 414º, nº 2, e 417º do CPC.631 Porém, fora dos casos previstos no art. 459º, nº 1, als. b) e c), do CPC, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto só pode ter acolhimento quando o recorrente especificar quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (conforme os arts. 459º, nº 1, al. a), e 442º, nº 1, do CPC). A garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto converge com o ónus específico de alegação do recorrente no que concerne à delimitação do objecto do recurso e à respectiva motivação”, pelo que “não pode ser recebido o recurso sobre a decisão da matéria de facto se o recorrente não indicar os segmentos por ele considerados afectados de erro de julgamento e os motivos da sua discordância por via da concretização dos meios de prova produzidos susceptíveis de implicar decisão diversa da impugnada. 632 Segundo Carlos Lopes do Rego, “A expressão ‘ponto da matéria de facto’ procura acentuar o carácter atomístico, sectorial e delimitado que o recurso ou impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto em regra deve revestir, estando em harmonia com a terminologia usada 630 Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 553, e volume V, págs. 151-152, Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, págs. 656-657, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 608. 631 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 664. 632 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 1-7-2004, processo nº 04B2307, relator Salvador da Costa, acessível em www.dgsi.pt, citado no acórdão deste Tribunal de Recurso de 30-9-2010, processo nº 01/Civil/2010/TR. 234 pela alínea a) do nº 1 do art. 442º: na verdade, o alegado ‘erro de julgamento’ normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo ‘facto’, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente”. 633 Esta é jurisprudência pacífica deste Tribunal de Recurso.634 3.4. Discussão do aspeto jurídico da causa Se as partes não prescindirem da discussão por escrito do aspeto jurídico da causa, a secretaria, uma vez concluído o julgamento da matéria de facto, facultará o processo para exame ao advogado do autor e depois ao do réu, pelo prazo de dez dias a cada um deles, a fim de alegarem, interpretando e aplicando a lei aos factos que tiverem ficado assentes (art. 405º do CPC). No dizer de Remédio Marques, “A fase da audiência final encerra com o ciclo processual destinado à discussão do aspecto jurídico da causa. De facto, antes da prolação da sentença final, tem de haver uma nova discussão entre os mandatários das partes”, agora exclusivamente reservada a convencer o juiz da melhor solução de direito (normalmente a que é favorável à parte que representa), em função dos factos que o tribunal considerou provados.635 A fase de alegações sobre o aspeto jurídico da causa visa permitir às partes, tendo em consideração a matéria de facto já provada, procurar justificar a aplicação de determinadas normas jurídicas aos factos e fazer a sua interpretação e aplicação por forma a concluir pela decisão que entendem dever ser proferida.636 Ou seja, os advogados sugerem um projeto de sentença final e tentam demonstrar como deve ser julgada a ação do ponto de vista da parte que representam.637 Esta discussão pode ser produzida em julgamento, logo após a fixação da matéria de facto 633 Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, pág. 608, citado no acórdão do Tribunal de Recurso de 29-3-2012, processo nº 04/CÍVEL/2012/TR. 634 Vejam-se os acórdãos do Tribunal de Recurso de 30-9-2010, processo nº 01/Civil/2010/TR, de 8-10-2010, processo nº 04/Cível.Apelação/2010/TR, de 20-1-2011, processo nº 05/Cível/2010/TR, de 3-3-2011, Processo nº 07/Cível/2005/TR, e de 7-4-2011, Processo nº 03/Cível/2011/TR. 635 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 16. 636 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 460. 637 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 24, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2009, pág. 625. 235 provada, oralmente, mas apenas se os mandatários nisso estiverem de acordo e manifestarem essa intenção (art. 401º, nº 6, do CPC).638 Se isso ocorrer e tiver havido intervenção do coletivo, os adjuntos ausentam-se da sala, uma vez que a sentença vai ser redigida apenas pelo juiz presidente, pelo que não faria sentido que as alegações sobre o aspeto jurídico da causa tivessem a assistência dos restantes juízes. O normal, porém, é que essas alegações se façam por escrito, no prazo referido no art. 405º do CPC. Da leitura deste artigo resulta evidente que nem o autor é notificado para alegar sobre o aspeto jurídico da causa, nem o réu é notificado para o mesmo efeito. Efetivamente, o prazo para as alegações por parte do autor inicia-se com a conclusão do julgamento da matéria de facto, ou seja, com a audiência de leitura da decisão que fixa a matéria de facto provada. E o prazo para o réu inicia- se assim que termina o prazo do autor, correndo tais prazos de seguida, sem necessidade de qualquer notificação.639 Ou seja, houve a intenção, por parte do legislador, de prever prazos sucessivos (um a seguir ao outro) para os intervenientes processuais darem a sua versão do direito a aplicar. O réu terá, portanto, decorrido o prazo da autora, que se dirigir à Secretaria do Tribunal e pedir que lhe facultem os autos (logo por aí se confrontando com a existência das alegações da autora, se acaso existissem). E tanto assim é que a ré pode alegar mesmo que a autora o não faça.640 Concluindo, nenhuma notificação é feita ao autor para alegar sobre o aspeto jurídico da causa, nem ao réu, não sendo este igualmente notificado da eventual apresentação de alegações por parte do autor, uma vez que tal direito e prazo se encontram devidamente regulamentados no art. 405º do CPC.641 638 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 460. Veja-se ainda Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 672-673. 639 Veja-se Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 673, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 625. 640 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-2-2010, processo 1792/03.0TBMTS-A.P1, relator Canelas Brás, acessível em www.dgsi.pt/jtrp. 641 Acórdão do Tribunal de Recurso de 15-1-2013, processo nº 12/Cível/2012/TR. 236 237 Secção V – Sentença 1. Noções gerais Julgada a matéria de facto e concluída a discussão do aspeto jurídico da questão, o juiz singular profere a sentença final,642 na qual decide a causa,643 no prazo de quinze dias (art. 406º do CPC).644 Este prazo conta-se a partir da conclusão do processo ao juiz, o que deve ser feito no prazo de cinco dias após a apresentação das conclusões de direito pelo réu, ou decorrido o prazo para as mesmas (art. 131º, nº 1, do CPC).645 Normalmente a sentença é proferida depois do julgamento sobre a matéria de facto, por juiz singular (habitualmente o presidente do coletivo, por ser ele o titular do processo. A sentença pode, porém, ser proferida imediatamente após o julgamento da matéria de facto, se as partes alegaram dobre o aspeto jurídico da causa em audiência, nos termos do art. 401º, nº 6, do CPC, e a simplicidade da questão o permitir (art. 407º, nº 4, do CPC). 646 Como já se referiu, existindo separação entre o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito é inclusivamente possível que a sentença venha a ser proferida por juiz que não tenha intervindo no julgamento da matéria de facto, uma vez que estando fixados os factos provados o juiz apenas terá que aplicar o direito a tais factos, o que não terá que ser feito por juiz que tenha participado no julgamento.647 642 Nos termos do art. 121º, nº 2, do CPC, Diz-se sentença o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa. Acrescenhta o nº do mesmo preceito que os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores. 643 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 627. Veja-se Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 663-664. 644 Importa aqui refererir, mais uma vez, que o prazo fixado para a prolação da sentença é meramente indicativo, podendo o não cumprimento fazer o juiz incorrer em processo disciplinar, ou avaliação de mérito, mas nunca gerando quaisquer consequências processuais. 645 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 675. 646 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 461. 647 Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1997, pág. 668, citando acórdão do STJ de Portugal de 23-7-1974, BMJ nº 239, pág. 153. 238 Contrariamente ao que ocorre no processo penal, em que o coletivo decide a questão de facto e a questão de direito (art. 278º, nº 3 e 8, do CPP), no processo civil o coletivo apenas intervém para a fixação da matéria de facto, sendo a sentença proferida posteriormente apenas pelo juiz titular do processo (arts. 401º e 406º do CPC). Daí que o art. 401º faça referência ao acórdão, se o julgamento incumbir a tribunal coletivo, e a despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular (nº 2).648 Já o art. 406º refere “sentença”. O que distingue a sentença do acórdão é precisamente o facto de este ser proferido por tribunal coletivo e aquela provir de juiz singular. Em processo civil, reafirma-se, a “sentença” é sempre proferida por juiz singular (o titular do processo), reservando-se a intervenção do tribunal coletivo apenas para o julgamento da matéria de facto.649 A sentença deve ser datada e assinada pelo juiz, que deve igualmente rubricar todas as folhas que não forem por ele manuscritas, embora possa assinar com nome abreviado (art. 122º, nº 1 e 2, do CPC). 650 2. Estrutura e forma da sentença O art. 407º do CPC indica quais as partes ou elementos em que se desdobra a sentença civil, que podemos identificar do seguinte modo: relatório, fundamentos (de facto e de direito) e decisão. O, ainda exige que a sentença seja datada e assinada pelo juiz. 2.1. Relatório O relatório tem como finalidade fazer a história resumida do processo, desde o momento da propositura da ação até ao encerramento da discussão oral da audiência final.651 O relatório começa por identificar as partes e o objeto da lide, sintetizar as pretensões das partes e os seus fundamentos e fixar as questões que importa solucionar. No dizer de Alberto dos 648 As decisões dos tribunais colegiais têm a denominação de acórdãos (art. 121º, nº 3, do CPC). 649 Acórdão do Tribunal de Recurso de 23-9-2010, processo nº 06/Civil/2009/TR 650 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 461. 651 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 665. 239 Reis o relatório destina-se “A definir, com precisão, os termos da controvérsia, a desenhar, com nitidez o esquema do litígio”.652 Ou seja, para além de identificar as partes, o relatório deve: a) Precisar qual é a pretensão do autor (o pedido, embora apenas no essencial, uma vez que é frequente formularem-se pedidos desnecessários, como o pedido da condenação da parte contrária em custas, ou pedido de procedência da ação);\ b) Os fundamentos de facto de tal pretensão (podendo também referir-se os fundamentos jurídicos, embora isso não se afigure essencial); c) Os fundamentos da oposição do réu (e a pretensão reconvencional deste, se existir, e respetivos fundamentos); d) Breve referência aos despacho mais relevantes que possam ter sido proferidos, nomeadamente o despacho saneador, e se estes transitaram em julgado, ou se foram objeto de recurso; e) Referir todos os despachos que tenham sido objeto de recurso de agravo, especialmente os que tiverem subida diferida; f) Fazer referência a eventual reclamação sobre a decisão relativa à matéria de facto e resultado da mesma; g) Referir se as partes alegaram ou não sobre o aspeto jurídico da causa.653 O relatório não deve, contudo, ser uma peça muito extensa, devendo limitar-se a relatar apenas o que tenha verdadeiramente interesse para a decisão da causa. O relatório da sentença não é propriamente a história fiada do processo, mas antes uma síntese objetiva da causa.654 Para se conseguir esse grau de concisão e pertinácia, deve ser elaborado após leitura de todo o processo e após se fazer uma espécie de rascunho sobre a parte relativa aos fundamentos. Na 652 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 11. 653 Sobre os elementos a consignar no relatório veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, págs. 10-23. 654 Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1997, pág. 669. 240 identificação das partes basta a indicação dos seus nomes, já que na petição se encontram os demais elementos identificativos (nº 1, al. a), do art. 349º). Em termos de descrição sucinta dos articulados deve cingir-se ao essencial e não reproduzir textualmente aquelas peças processuais. Por outro lado, deve ser expurgado do relatório os factos articulados que não tenham sido objeto de inclusão no questionário ou objeto de discussão em sede de julgamento, como também deve ser dispensável a menção a incidentes já resolvidos nos autos e que não contribuam para a decisão a proferir. 2.2. Fundamentos A fundamentação da sentença constitui cumprimento do imperativo geral de fundamentação das decisões judiciais previsto no art. 123º, nº 1, do CPC. Ao juiz cabe, não apenas decidir, mas também, e ainda, convencer as partes, especialmente a parte vencida, do bom fundamento da decisão.655 Trata-se ainda de manifestação do interesse público da paz social, que fundamenta o processo civil. Os fundamentos da sentença desdobram-se em fundamentos de facto e de direito. 2.2.1. Fundamentos de facto Elaborado o relatório, o juiz exporá os fundamentos da decisão, discriminando os factos que considera provados, levando em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados (art. 407º, nº 2 e 3, do CPC). Como se pode ver, devem apenas enunciar-se os factos provados. Em algum se prescreve a necessidade de enumerar os factos não provados, porque isso já foi feito aquando da decisão da matéria de facto. Ou seja, os factos não provados são os que receberem resposta negativa do coletivo (ou do juiz singular) no final da audiência de julgamento.656 A sentença apenas tem que enumerar os factos provados, uma vez que apenas estes podem 655 Varela, Manual de Processo Civil, pág. 10. Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 24. 656 Acórdão do Tribunal de Recurso de 23-9-2010, processo nº 06/Civil/2009/TR. 241 servir de fundamento à decisão a proferir.657 Na sentença cível o juiz está vinculado à forma como o tribunal coletivo fixou a matéria, não podendo alterar a mesma, exceto nos casos previstos no art. 407º, nº 3, do CPC, e não tendo igualmente que fundamentar tal decisão, uma vez que só o coletivo pode fundamentar a decisão por ele proferida.658 Quando o juiz vai proferir a sentença tem já diante de si um conjunto de factos provados: os que, na fase do saneador, foram incluídos (na especificação) e os que constam, como tal, da decisão sobre a matéria de facto (ou seja, nas respostas aos quesitos). Estes factos não são, obviamente, objeto de qualquer apreciação, limitando-se o juiz a consigná-los na sentença como provados. E o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer referido na norma (art. 407º, nº 3, do CPC) tem a ver, não com aqueles factos que já foram dados como assentes na fase do saneador, nem com os que constam na decisão sobre a matéria de facto, os quais não são nesta fase objeto de qualquer apreciação ou fundamentação, limitando-se o juiz a exará-los na sentença como provados, mas sim a eventuais factos que são fruto da análise do processo, nomeadamente dos articulados, dos documentos juntos, que na fase daqueles, quer posteriormente.659 Efetivamente, como salienta José João Batista, “em processo civil, o julgamento da matéria de facto pode ser repartido entre o tribunal que tiver intervenção na audiência final e o juiz que vai proferir a sentença, cabendo àquele pronunciar-se sobre a matéria de facto constante do questionário e a este sobre a demais relevante para decisão da causa, desde que provada por documentos, confissão escrita ou acordo das partes ou ainda por presunções em face das regras sobre o ónus da prova”.660 Na altura da sentença, o juiz penas tem que fundamentar a decisão relativamente às provas de que lhe cabe conhecer nesse momento, e que são as provas por presunção, as provas legais ainda não utilizadas (como as resultantes de documento autêntico, por exemplo junto posteriormente à 657 Varela, Manual de Processo Civil, pág. 665. 658 Acórdão do Tribunal de Recurso de 29-3-2012, processo nº 04/CÍVEL/2012/TR. 659 Acórdão do tribunal da Relação do Porto de 14-11-2011, apelação nº 398/10.2TTVNF.P1 - 4ª Sec., relator António José Ascensão Ramos, acessível em http://www.trp.pt. Na common law veja-se Kenneth Davis, An Approach to Problems of Evidence in the Administrative Process, 55 Harvard Law Review, 364, 1942, págs. 404- 407. 660 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 463. Veja-se ainda Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 629-630. 242 elaboração da especificação e questionário, os factos admitidos por acordo na audiência de julgamento e os ónus probatórios.661 Conforme salienta Antunes Varela, o dever de fundamentação do art. 401º, nº 2, do CPC, não se confunde com o dever de fundamentação da sentença final.662 Uma vez fixada a matéria de facto, conforme se infere do art. 407º, nº 2, do CPC, a sentença só tem que conter a enumeração dos factos que foram julgados provados pelo tribunal de julgamento (coletivo ou singular), a que poderá acrescentar outros, que não constem da especificação ou do questionário, que se reputem importantes e se enquadrem no elenco do nº 3 do referido art. 407º do CPC.663 Só se o juiz acrescentar factos nos termos desde preceito, terá que fazer o exame crítico das provas dos mesmos (dos novos factos).664 Não faria sentido estar na sentença a repetir a fundamentação que o coletivo dera para a decisão de facto, uma vez que são diferentes os decisores num e noutro caso.665 E a fundamentação dos factos que agora se acrescentam não se faz nos mesmos termos da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto controvertida. Salienta Lebre de Freitas: “não se trata já de fazer jogar a livre convicção formada pelo meio de prova, mas verificar atentamente se existiram os factos em que se baseia a presunção legal (lato sensu) e delimitá-los com exactidão para seguidamente aplicar a norma de direito probatório”.666 Assim, tendo sido elaborada especificação e questionário, há que reproduzir os factos especificados e as respostas afirmativas aos quesitos do questionário. Se deu como provados factos não incluídos no questionário ou não especificados, serão agora também mencionados. Em regra, todos estes factos são alinhados, atribuindo-se-lhe um número sequencial (1, 2, 3, etc.). Considera-se boa técnica, porque facilita a correta identificação do facto referido na especificação e no questionário, mencionar a fonte respetiva (exemplo: alínea A da especificação, quesito 1º do questionário). 661 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 18-3-1975, relator Almeida Borges, Boletim do Ministério da Justiça nº 245, Lisboa, 1975, pág. 477. 662 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, pág. 653. 663 Veja-se Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 677. 664 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 23. 665 Acórdão do Tribunal de Recurso de 14-2-2013, processo nº 14/Cível/2012/TR. 666 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 677. Veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 10-5-2005, processo 05ª963, relator Reis Figueira, acessível em www.dgsi.pt/jstj. 243 Não tendo sido elaborado questionário, findo o relatório, alinham-se todos os factos provados, preferencialmente de forma lógica e cronológica. 2.2.2. Fundamentos de direito Seguidamente, o juiz interpreta e aplica as normas jurídicas aplicáveis ao caso concreto (art. 407º, nº 2, do CPC). Na sentença o juiz há-de caracterizar juridicamente os factos materiais que tem diante de si, há-de encontrar o enquadramento legal que convém a esses factos ou ao qual se ajustam. A aplicação do direito aos factos deriva essencialmente da comparação entre os factos e previstos ou configurados na lei como geradores de determinadas consequências e os factos apurados em julgamento.667 Segundo Antunes Varela, “É na segunda parte da sentença, através da determinação, interpretação e aplicação das normas aos factos apurados, que reside a verdadeira motivação (fundamentação) da sentença”.668 A sentença conhece em primeiro lugar e pela ordem estabelecida no artigo 240º, das questões que possam conduzir à absolvição da instância (art. 408º, nº 1, do CPC). Normalmente as questões prévias ou prejudiciais ficam arrumadas e decididas no despacho saneador, mas pode acontecer que o juiz não se tenha apercebido de alguma delas669 (importa aqui lembrar que o despacho saneador não faz caso julgado relativamente ao conhecimento genérico das exceções, mas apenas em relação àquelas que conhece em pormenor).670 Sendo as exceções dilatórias de conhecimento oficioso (com exceção de alguns casos de incompetência relativa, conforme o art. 374º do CPC), pode suceder que exista alguma exceção dilatória que impeça o conhecimento do mérito e que, por lapso, ou outro motivo, não foi atempadamente conhecida no saneador, podendo inclusivamente tal conhecimento ocorrer em sede de recurso. 671 Neste caso a sentença deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu 667 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, págs. 34-35. 668 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 11. 669 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 48. 670 Veja-se Capítulo III, Secção II, parágrafo 2.6. 671 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 679. 244 da instância.672 A apreciação da existência de exceções dilatórias ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito não deve seguir a mesma fórmula do despacho saneador, bastando a referência Não há novas questões prévias ou exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa, ou Mantêm-se os pressupostos processuais tal como apreciados no despacho saneador. O importante é que o juiz faça essa operação de verificação. Havendo exceções dilatórias, elas são conhecidas pela ordem do art. 240º do CPC. Não havendo exceções ou questões prévias ou prejudiciais que impeçam o conhecimento do mérito da causa, segue-se a apreciação deste.673 A sentença deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à apreciação do tribunal, sob pena de nulidade (arts. 408º, n.º 2, e 416º, nº 1, al. d), do CPC). Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à apreciação do tribunal não significa, necessariamente, todos os argumentos ou raciocínios expostos pelos litigantes (art. 412º do CPC). O que é relevante é a apreciação da questão e da fundamentação dada na solução. Também não é necessário apreciar as questões que ficaram prejudicadas pela decisão de outra ou outras (art. 408º, nº 2).674 Se a lei impuser o conhecimento oficioso de determinada questão, o juiz está obrigado a conhecê-la (art. 408º, nº 2, parte final). 2.3. Decisão A sentença termina com a decisão final (art. 407º, nº 2). A decisão final, quando de mérito e transitada em julgado, representa a realização da finalidade do processo declarativo.675 Através da decisão, apoiada nas conclusões extraídas na parte de fundamentação da sentença (seja fundamentação de facto, seja de direito), o tribunal responde diretamente às pretensões das partes.676 Quando não seja proferida oralmente (art. 407º, nº 4), a parte decisória tem de ser manuscrita 672 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 668. 673 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 48. 674 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 680. 675 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 269. 676 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 667. 245 (art. 122º, nº 1). Estruturalmente a sentença apresenta duas partes: parte essencial e elementos secundários ou acessórios.677 2.3.1. Parte essencial Parte essencial é aquela em que o juiz se refere ao objeto do processo, recusando-se a julgá-lo (decisão de forma), ou julgando-o, julgar a favor ou contra o autor (decisão de mérito).678 No dizer de Alberto dos Reis, “A decisão final é a solução dada pelo juiz ao litígio que lhe foi posto, é a declaração do efeito jurídico que segundo a lei, tal como o tribunal a entende, cabe ao caso particular sobre que versa a acção; é a conclusão do chamado silogismo judiciário”.679 A decisão de mérito está sujeita a um princípio fundamental: o da adequação da sentença ao pedido. Deve pronunciar-se sobre todos os pedidos, não excedendo os limites do art. 409º, sob pena de nulidade.680 Assim, a sentença não se pode limitar a dizer que julga procedente ou improcedente o pedido formulado, pois tem de resolver, sob pena de nulidade, todas as questões suscitadas, quer se reportem ao fundamento do pedido do autor, quer a exceções ou reconvenção deduzidas pelo réu (arts. 408º, nº 2, e 406º, nº 1, al. d), 1ª parte), conhecendo de mérito. Para além da expressão de um juízo, a decisão contém um comando de cumprimento obrigatório para as partes.681 Assim, se na parte decisória o juiz condena o réu a pagar uma determinada quantia ao autor ou entregar um terreno (Julgo a ação procedente por provada e, consequentemente, condeno o réu a pagar ao autor a quantia de US$ 5.000, ou Julgo a ação procedente por provada e, consequentemente, condeno o réu a entregar ao autor o terreno X livre e desocupado), estamos perante uma ordem de cumprimento obrigatório para o réu. Se o réu não cumprir esta ordem terá que se sujeitar à execução forçada da mesma através da ação executiva (art. 3º, nº 3, do CPC). 677 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, págs. 269-270. Veja-se igualmente Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 464. 678 Veja-se Marques, Acção Declatgrativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 630-631. 679 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 43. Sobre a questão do soligismo judiciário a a subsunção dos factos ao direito veja-se ainda Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 670-674. 680 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, págs. 270-271. 681 Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, págs. 46-47. 246 Por outro lado, se o juiz julgar improcedente a ação (Julgo a ação improcedente por não provada e, consequentemente, absolvo o réu do pedido), o autor fica obrigado a acatar a decisão ficando impedido de voltar a exigir do réu o que solicitou na ação. 2.3.2. Parte acessória Parte acessória reporta-se às custas (art. 653º) e apreciação da eventual litigância de má-fé (art. 662º). Em regra, ainda, se manda registar e notificar a sentença, embora tal seja dispensável por serem atos de cumprimento oficioso pela secretaria (art. 191º, nº 2, 126º, nº 1 e 2, e 122º, nº 4, do CPC). Finaliza com a data e assinatura do juiz.682 3. Objeto, âmbito e limites da sentença A sentença não pode conhecer em quantidade ou em objeto diverso do que tiver sido pedido pelo autor (art. 409º, nº 1). Ou seja, a sentença deve manter-se, quanto ao seu conteúdo, dentro dos limites definidos pela pretensão do autor e da eventual reconvenção do réu.683 Portanto, o tribunal só pode resolver os litígios entre as partes dentro dos limites do pedido formulado (art. 7º do CPC). No dizer de Bento Herculano Neto, “o princípio do dispositivo está consubstanciado, inicialmente, pela necessidade de provocação da jurisdição e pela limitação do juiz à chamada litiscontestatio”.684 Por exemplo, se o autor pediu uma indemnização, o juiz não pode condenar na entrega da coisa; se o autor pediu a condenação em 1.000, o juiz não pode condenar em 1.500, ainda que seja esse o valor do dano. Mas já pode condenar em menos de 1.000, uma vez que nessa situação a decisão está dentro do pedido. Porém, entende-se que o limite da condenação deve ser referido ao pedido global, nada obstando a que, se esse pedido representar a soma de várias parcelas, que não correspondam a 682 Veja-se Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 28-29. 683 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 675. Conforme o mesmo autor, trata-se de uma consequência do princípio do dispositivo. 684 Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito, 2009, pág. 64. Veja-se ainda Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 6. 247 pedidos autónomos, como acontece, por via de regra, nas ações de indemnização, se possa valorar cada uma dessas parcelas, em quantia superior à referida pelo autor, desde que o cômputo global fixado na sentença não exceda o valor total do pedido.685 O pedido é a pretensão formulada pelo autor na petição inicial. O pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a ação, traduzindo uma pretensão decorrente de uma causa, a causa de pedir, consubstanciada em factos concretos, sendo, pois, os dois elementos (pedido e causa de pedir) indissociáveis, como elementos identificadores da ação e delimitadores do seu objeto, do que resulta que o pedido se individualiza como a providência concretamente solicitada ao tribunal em função de uma causa de pedir.686 Ou seja, entende- se por pedido o efeito prático que o autor visa obter na através da ação, ou a consequência jurídica material que pediu ao tribunal para ser reconhecida.687 Esta orientação tem sido assumida como válida na solução de casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta como indemnização decorrente de um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos (v.g. danos patrimoniais e danos não patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes, danos presentes e danos futuros), componentes ou integrantes do direito cuja tutela é jurisdicionalmente solicitada. Compreende-se que assim seja nos casos em que, com base na descrição de uma situação de facto, se afirma a titularidade de um direito que se pretende ver tutelado mediante a declaração da sua existência e a concretização em valor único da sua dimensão global, porque, então, se trata de pedido unitário, decomposto ou desdobrado em parcelas que integram um só efeito jurídico, com a mesma e única causa de pedir. 688 Esta doutrina é particularmente válida na realidade nacional, atenta a imaturidade do sistema e a inexperiência de parte dos atores judiciais, que impõe aos tribunais uma maior flexibilização 685 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 23-11-2010, processo nº 456/06.8TBVGS.C1.S1, 1ª Secção, relator Helder Roque, acessível em www. degsi.pt/jstj. 686 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 25-3-2010, processo nº 1052/05.2TTMTS.S1, 4ª Secção, relator Vasques Dinis, acessível em www. degsi.pt/jstj. 687 Artur Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, Coimbra: Almedina, 1971, pág. 351, citado no acórdão do Tribunal de Recurso de 14-2-2013, processo nº 14/Cível/2012/TR. Veja- se igualmente Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2012, págs. 362-365. 688 Citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 25-3-2010, processo nº 1052/05.2TTMTS.S1, 4ª Secção, relator Vasques Dinis, acessível em www. degsi.pt/jstj. 248 da interpretação das normas jurídicas e interpretação dos articulados.689 Excetuados os factos notórios, os de conhecimento oficial do tribunal e os indiciadores de uso anormal do processo (arts. 391º e 413º e 412º do CPC), o juiz só pode servir-se dos factos constitutivos, impeditivos e modificativos ou extintivos das pretensões formuladas na ação (factos essenciais), alegados pelas partes, seja qual for a natureza ou tipo de ação. Poderá, igualmente, conhecer dos factos instrumentais nos termos já anteriormente referidos. Em relação à aplicação do direito aos factos, o juiz goza de total liberdade, não se encontrando restringido à qualificação que as partes lhe deram (art. 412º do CPC).690 O juiz pode ainda condenar o réu no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida (art. 409º, nº 2), quando seja, formulados pedidos genéricos (art. 353º do CPC), oi quando não tenha elementos para fixar o objeto ou a quantidade.691 Quanto à equidade. Trata-se de conceito que se associa à aplicação de justiça ao caso concreto é comum, pela natureza do próprio sistema, nos sistemas jurídicos da common law, mas de uso mais restrito nos sistemas jurídicos da civil law (art. 3º do Código Civil). Efetivamente, o recurso à equidade implica poderes acrescidos do juiz, como bem salienta a ré/recorrente, que podem trazer inconvenientes próprios da decisão não positivada.692 No entanto, se demasiado poder nas mãos de um juiz pode levar a arbitrariedades, um sistema que fique prisioneiro da letra da lei teria graves consequências na justa composição dos litígios.693 O recurso à equidade é, por isso, genericamente permitido nos sistemas de civil law, para situações em que não é possível fixar critérios legais de determinação das indemnizações, como acontece com os danos não patrimoniais, ou em situações em que, embora se encontre provado o 689 Acórdão do Tribunal de Recurso de 14-2-2013, processo nº 14/Cível/2012/TR. 690 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 635-637. 691 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 634-635. 692 Veja-se José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 13ª edição, Coimbra: Almedina, 2010, págs. 251-253. 693 G.M. Razi, Reflections on Equity in the Civil Law Systems, The American University Law Review, vol. 13, Washington: Washington College of Law, 1997, pág. 33, citado no acórdão do Tribunal de Recurso de 14-2-2013, processo nº 14/Cível/2012/TR. 249 dano, não se consegue quantificar o mesmo.694 As partes num contrato estão obrigadas não apenas pelo que acordaram explícita ou implicitamente, mas também pelo que for determinado pela lei, costumes e equidade segundo a natureza do contrato.695 Porém, pelas razões apontadas, a equidade não pode ser determinada arbitrariamente, devendo atender-se as circunstâncias do caso, e às particularidades da pessoa, tempo e lugar e modalidades do negócio.696 Assim, o julgamento da equidade será, em última análise, sempre produto de uma decisão humana que visará ordenar determinados problemas perante um conjunto articulado de proposições objetivas.697 Relativamente aos factos supervenientes, nos termos do art. 411º, nº 1, do CPC, a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.698 Assim, por exemplo, se no decurso da ação o réu paga ao autor a dívida cujo reconhecimento este solicita, estamos perante uma exceção perentória que extingue o direito do autor, a qual terá que ser tomada em consideração na decisão final, embora o réu possa ser condenado nas custas por ter pago já depois de intentada a ação. 4. Vícios da sentença 694 Conforme o art. 501º, nº 3, do Código Civil. Veja-se Paulo Mota Pinto, Interesse contractual negativo e interesse contractual positivo, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, págs. 1101-1109, e ainda Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 684. 695 S. Pompe, Indonesian Law 1949-1989: a bibliography of foreign-language materials with brief commentaries on the law, Van Vollenhoven Institute for Law and Administration in Non- Western Countries, Dordrecht: Martinus Nijhoff Publishers, 1992, pág 172. 696 Renata Domingues Balbino Munhoz Soares, A boa-fé objetiva nas fases contratuais, acessível em www.justitia.com.br/artigos/7zz15z.pdf. 697 António Menezes Cordeiro, O julgamento de equidade, em O Direito, ano 122º, Lisboa, 1990, págs. 272-273. 698 Veja-se sobre o assunto Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 677-681. Veja-se ainda Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, págs. 81-92. 250 4.1. Vícios de forma 4.1.1. Enunciação Proferida a sentença fica esgotado o poder jurisdicional do juiz (art. 414º, nº 1, do CPC), o que significa que não pode o mesmo tribunal voltar a reapreciar a sentença proferida, alterando-a ou modificando os seus fundamentos. Mas a decisão pode não ser ainda definitiva, uma vez que pode dela interpor recurso a parte, ou partes, que tenha ficado vencidas (prejudicadas) com a decisão. Apenas o juiz que a proferiu fica impedido de a modificar.699 As normas que se passam a analisar aplicam-se igualmente aos despachos (art. 414º, nº 3, do CPC). Isto significa que o juiz não pode corrigir erros de julgamento, que só em recurso podem ser corrigidos. Como exemplo do esgotamento do poder do juiz aponta Antunes Varela a decisão proferida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 23-7-1974, que julgou inadmissível a desistência da instância depois de proferida a decisão sobre o mérito da causa, ainda que esta não tivesse transitado em julgado.700 Mas permite-se ao juiz sanar ou corrigir vícios da sentença, enquanto tais vícios se afigurarem como questões marginais ou secundárias que a sentença pode suscitar entre as partes. Constituem vícios formais da sentença: os erros materiais (art. 415º do CPC); as nulidades (art. 416º do CPC); omissão ou incorreta condenação quanto a custas e multa (art. 417º, nº 1, do CPC). 4.1.2. Erros materiais O erro material consiste numa desconformidade entre o que é declarado na sentença e o que efetivamente se pretendia dizer. Daí que se distinga do erro de julgamento. No primeiro caso (erro material), o juiz escreveu coisa diferente do que queria escrever. No segundo caso (erro de julgamento) o juiz quis escrever o que escreveu, mas decidiu mal.701 Como exemplo de erro material, aponta Alberto dos Reis, o juiz, na sua fundamentação escreveu claramente que a ação devia proceder, mas, por lapso, escreveu absolvo o réu do pedido na parte decisória. 699 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 639. 700 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 684. 701 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 130. 251 Outro exemplo, na fundamentação da sentença o juiz concluiu que o réu devia ao autor 1.000, mas na parte decisória condena-o a pagar apenas 100.702 Ou ainda o erro de cálculo ou de escrita (art. 240º do Código Civil).703 Também é erro material a omissão do nome das partes (que deve ser feita logo no início do relatório) e a omissão de condenação em custas, ou o erro na mesma condenação (condenou-se o autor em vez de condenar o réu, ou procedeu-se a errada repartição da responsabilidade pelas custas), ou errada condenação em multa (art. 417º, nº 1, do CPC).704 A correção é feita a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz. Se tiver havido recurso, a retificação é feita, antes da subida do recurso, ou não tendo sido interposto recurso, a todo o tempo, cabendo agravo do despacho que a decidir (art. 415º do CPC). Conforme salienta Alberto dos Reis, convém ter presente o disposto no art. 437º, nº 1, do CPC. “Requerida a rectificação durante o prazo de interposição, o curso do prazo fica interrompido até à notificação do despacho proferido sobre o requerimento”. Só após tal notificação se inicia a contagem do prazo.705 Isto independentemente de poder a parte requerer a retificação mesmo depois de interposto o recurso. Do despacho que indeferir o requerimento de retificação, esclarecimento ou reforma não cabe recurso. A decisão que deferir considera-se complemento e parte integrante da sentença, nomeadamente para efeitos de recurso (art. 418º, nº 2, do CPC, por aplicação analógica).706 Ou seja, não cabe recurso especial do despacho que recair sobre o pedido de retificação. O recurso deverá incidir sobre a decisão já ratificada, ou não.707 O prazo para a arguição de qualquer dos vícios da sentença é sempre de dez dias (art. 119º, nº 1, do CPC). 4.2. Aclaração da sentença 702 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 640. 703 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 700. 704 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 708-709. 705 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 134. 706 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 477. Veja-se Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 701. 707 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 135. 252 Qualquer das partes pode requerer no tribunal que proferiu a sentença o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha (art. 417º, nº 1, do CPC). Na definição de Alberto dos Reis, “A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos”.708 Estes vícios tanto se podem reportar à decisão em si como aos seus fundamentos já que a lei não distingue as situações. O que não se pode é usar o mecanismo da aclaração ou reclamação, não para esclarecer eventuais ambiguidades ou obscuridades, mas sim para obter uma decisão diferente da que foi proferida, o que, diga-se, é bastante comum. Neste caso o pedido será obviamente indeferido.709 Não é possível que a parte requeira ao mesmo tempo a retificação ou aclaração e ao mesmo tempo a reforma e arguir a nulidade da sentença (art. 418º, nº 3, do CPC). 710 A aclaração tem necessariamente que ser dirigida e decidida pelo juiz que proferiu a decisão, uma vez que só ele pode esclarecer o que pretendeu escrever quando o fez de forma deficiente.711 Porém, no entender de Alberto dos Reis, se tiver havido substituição do juiz será o novo juiz titular a decidir.712 Se for de indeferir o requerido por o novo juiz entender que a sentença não enferma de qualquer obscuridade ou contradição, nada repugna esta solução, mas já se afigura que o processo deva ser remetido para o juiz que proferiu a decisão se o novo juiz entender que pode assistir razão ao reclamante no seu requerimento.713 É sempre admissível a pedido de aclaração, independentemente do valor da causa. Podendo o mesmo ser requerido nas alegações de recurso (arts. 416º, nº 3, e 417º, nº 4, do CPC). O regime de arguição é o previsto no art. 418º, nº 1 e 2, do CPC. Assim, a parte contrária é ouvida, em requerimento de resposta (a apresentar no prazo supletivo de dez dias do art. 119º, nº 708 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 151. 709 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, págs. 151-154. 710 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 694. 711 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 708. 712 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 154. 713 Veja-se Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 479. 253 1, do CPC) ou em contra alegação (nos prazos previstos nos arts. 447º, nº 1, e 477º, nº 2, do CPC), e a decisão fica a fazer parte da sentença inicial, apenas cabendo recurso desta, se admissível. 4.3. Reforma da sentença Qualquer das partes pode requerer no tribunal que proferiu a sentença a sua reforma quando, existir lapso manifesto na determinação da norma aplicável; ou decisão contra documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não considerou (art. 417º, nº 2, do CPC). O erro de julgamento que aqui está em causa pode ser obviamente reparado por meio de recurso, o meio mais natural para o fazer. Porém, o legislador permitiu ao juiz da primeira instância corrigir erros de julgamento manifestos, embora nada obste a que a parte interponha o recurso.714 Mas já constituirá o único meio de reação no caso de a ação não admitir recurso ordinário.715 Também a reforma da sentença tem necessariamente que ser dirigida e decidida pelo juiz que proferiu a decisão, nos termos já apontados anteriormente. Se houve total omissão, então aplica-se o regime constante do art. 415º. O que caracteriza os casos de reforma é a possibilidade de modificar a decisão por se constar que a mesma está errada e, consequentemente, injusta, por fazer uma incorreta interpretação ou aplicação do direito substantivo aplicável. Como exemplos Lebre de Freitas aponta a aplicação pelo juiz de uma norma já revogada, a não aplicação de uma norma existente, qualificar os factos em clara violação de conceitos ou princípios básicos de direito, não ter reparado num documento que faça prova plena, ou a confissão ou admissão de certo facto, o que leva a que a sentença enferme de erro grosseiro, tendo este sido determinante para decisão.716 Não se trata já de erros revelados pelo próprio contexto da sentença ou de peças do 714 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 155. 715 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 709. 716 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 709. 254 processo para que ela remete, nem de omissões sem consequência no conteúdo da decisão, mas de erro revelado por recurso a elementos que lhe são exteriores. 717 Qualquer das partes pode recorrer da sentença após a reforma da mesma, mas, ainda que o processo não admita recurso ordinário, poderá recorrer a parte que ficou prejudicada pela alteração (ou reforma) efetuada (art. 418º, nº 4, do CPC). O prazo para requerer a reforma (que continua a ser o prazo supletivo de dez dias do art. 119º, nº 1, do CPC), só começa a correr depois da notificação sobre a decisão proferida sobre o pedido de retificação de erros materiais ou de aclaração da sentença, se tal tiver sido solicitado (art. 418º, nº 3, do CPC). A parte contrária será sempre notificada do pedido.718 4.4. Nulidades da sentença 4.4.1. Enunciação Outra categoria de deficiências da sentença são as nulidades da sentença previstas no art. 416º, nº 1, do CPC. A enumeração é taxativa, pelo que a sentença só é nula se ocorrer alguma das situações enumeradas no artigo.719 As nulidades da sentença distinguem-se das nulidades do processo. A nulidade processual não é o mesmo que nulidade da sentença. 720 As nulidades da sentença são apenas as expressamente previstas no 416º, nº 1, do CPC,721 situação que não prevê as nulidades processuais, as quais têm um regime próprio.722 A nulidade processual consiste na prática de um ato que a lei não admita, ou a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, quando a lei o declare ou a irregularidade 717 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 709. 718 Importa tomar sempre em consideração o princípio do contraditório que enforma todo o processo (art. 8º, nº 1, do CPC). 719 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 686, e Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 138. 720 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 517. 721 Trata-se de uma enumeração taxativa (Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, págs. 137-138). 722 Acórdão deste Tribunal de Recurso de 21-10-2010, processo nº 12/Agravo/Cível/2010/TR. Veja-se Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2008, pág. 373. 255 cometida possa influir no exame ou decisão da causa (art. 163º, nº 1, do CPC).723 Como refere Anselmo de Castro, “As nulidades do processo constituem desvios do formalismo processual prescrito na lei, a que esta faça corresponder, embora não de forma expressa, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais”.724 Segundo Ferreira de Almeida, “As nulidade do processo constituem uma figura dogmática essencialmente distinta da das invalidades (em geral) e das nulidades do acto jurídico. … Já as nulidades do processo consistem sempre num vício de carácter formal”.725 A nulidade processual contemplada pelo art. 163º, nº 1, do CPC, tem necessariamente que ser arguida (art. 164º, nº 2, do CPC).726 Por outro lado, contém um regime próprio de arguição, ou seja, nos termos constantes do art. 167º do CPC, tem que ser suscitada perante o tribunal em que teve lugar e só perante discordância do despacho que sobre a mesma incidiu é que pode ser apresentado recurso.727 Assim, se a nulidade processual deve ser, como se viu, invocada perante o tribunal onde a mesma se verificou (neste caso perante o tribunal a quo), e tem que ser por este conhecida em primeira linha, só se podendo recorrer da decisão que o tribunal proferir sobre tal questão, então ela deve ser invocada autonomamente e perante tal tribunal e não em sede de alegações de recurso da sentença, a menos que a apresentação destas ocorra dento do prazo previsto nos aludidos arts. 119º, nº 1, e 167º, nº 1, do CPC.728 A nulidade da sentença pode ser declarada e invocada a todo o tempo.729 Porém, se não se recorreu da sentença e esta transitou em julgado, a mesma passa a ter força executiva, apesar do vício de que enferma.730 723 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2008, pág. 370. 724 Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Coimbra: Almedina, 1982, pág. 103, citado no acórdão do Tribunal de Recurso de 14-2- 2013, processo nº 14/Cível/2012/TR. 725 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 517. 726 Trata-se daquilo a que Alberto dos Rei apelida de nulidades de segundo grau, “de que só se pode conhecer mediante arguição ou reclamação dos interessados” (Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 318) e não de uma nulidade absoluta. 727 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 319. 728 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 519. 729 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 701. 730 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 139. 256 4.4.2. Nulidades 4.4.2.1. Falta de assinatura do juiz A falta de assinatura do juiz (art. 416º, nº 1, al. a), do CPC) corrige-se oficiosamente ou a requerimento das partes, sem qualquer contraditório, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, declarando no processo a data em que apôs a assinatura (art. 416º, nº 2, do CPC). A correção é sempre pedida no tribunal que proferiu a sentença. Trata-se de um procedimento expedito de suprimento, sem audição da parte contrária.731 Da redação do artigo extrai Alberto dos Reis a conclusão de que não constitui nulidade a falta de data da sentença, a omissão do nome das partes, ou mesmo de relatório, ou que a sentença seja redigida por pessoa diferente do juiz.732 4.4.2.2. Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão Só a falta absoluta de fundamentação implica a nulidade da sentença, nos termos do art. 416º, nº 1, al. b), do CPC.733 A incorreta fundamentação jurídica da sentença nunca pode determinar a nulidade aludida.734 Ou seja, não constitui nulidade a mera deficiência de fundamentação, sobretudo da fundamentação de direito.735 Segundo Antunes Varela, “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.736 Assim, há falta de especificação dos fundamentos de facto se não se concretizou a matéria de facto provada tal como resulta da decisão proferida em julgamento nas respostas aos quesitos. 731 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, pág. 687. 732 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 138. 733 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 140. Veja-se o acórdão do Tribunal de Recurso de 14-2-2013, processo nº 14/Cível/2012/TR. 734 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, págs. 687-688. 735 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 703. 736 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, pág. 687. 257 Não se deve repetir na sentença a fundamentação que o coletivo deu para a decisão de facto.737 Só se o juiz acrescentar factos nos termos desde preceito, terá que fazer o exame crítico das provas dos mesmos (dos novos factos).738 Mas há falta da especificação dos fundamentos de facto se o juiz se limitar a remeter para a especificação e resposta ao questionário, ou para uma peça processual (como, por exemplo, provaram-se todos os factos alegados pelo autor).739 Relativamente à especificação da fundamentação jurídica, o que se exige é que resolva todas as questões suscitadas pelas partes e fundamente juridicamente a solução adotada para resolução do litígio. Porém, não tem o juiz que analisar todas as razões jurídicas ou argumentos que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora tenha que resolver todas as questões suscitadas pelas partes. Basta, pois, que a fundamentação da sentença contenha a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adotada, conforme disposto no art. 412º do CPC. 740 Por outro lado, não constitui nulidade a falta de especificação das disposições legais que fundamentam a decisão, desde que se enunciem os respetivos princípios, embora tal indicação deva ser feita. 741 Mas já haverá falta de fundamentação na simples remissão genérica para os fundamentos invocados pelas partes.742 4.4.2.3. Oposição entre os fundamentos e a decisão O que se comina com a nulidade é a contradição real e não meramente aparente resultante de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. 737 Veja-se supra parágrafo 2.2., deste Capítulo e Secção. 738 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 23, e acórdão do Tribunal de Recurso de 14-2- 2013, processo nº 14/Cível/2012/TR. 739 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, págs. 703-704. Contra Antunes Varela que aceita que se possa fazer por remissão, embora refira posição diversa do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal (Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, págs. 687-688). 740 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, pág. 688. 741 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, pág. 688. Veja-se ainda, com exemplos concretos, Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 23. 742 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 704. 258 No dizer de Lebre de Freitas, “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”.743 Se o que se pretende com a fundamentação é justificar a decisão, não se pode considerar justificada a decisão se está em contradição com os fundamentos que a apoiam.744 Haverá contradição se, por exemplo, na fundamentação o juiz considera que o contrato é nulo, mas depois condena o réu a cumprir o contrato.745 4.4.2.4. Falta de pronúncia sobre as questões que devesse apreciar ou conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento É ainda nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 416º, nº 1, al. d), do CPC). 746 Como já se referiu, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (art. 408º, nº 2, do CPC). É a violação deste preceito que aqui é cominada com nulidade da sentença.747 Já não existirá nulidade se for omitida a consideração de linhas de fundamentação jurídica invocada pelas partes, diferente da que foi seguida na sentença.748 O segundo caso de nulidade ocorre quando o juiz conhece de causas de pedir que não foram invocadas, ou de exceção que não sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido invocadas pelas partes (art. 408º, nº 2, 2ª parte, do CPC). 749 É, porém, distinta nulidade resultante de o 743 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 704. 744 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 140. 745 Veja-se igualmente Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, págs. 689-690. 746 Vejam-se os exemplos indicados em Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, págs. 690-691. 747 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 142. 748 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 704. 749 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 705. 259 tribunal tomar conhecimento de matéria que não podia conhecer, da situação de o tribunal usar elementos na sentença que não podia usar (factos não articulados, por exemplo), que já constitui erro de julgamento e não nulidade.750 4.4.2.5. Condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido É nula a sentença quando condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (art. 416º, nº 1, al. e), do CPC).751 Esta nulidade está conexionada com a regra do art. 409º, nº 1, do CPC, sobre os limites da condenação, quantitativos e qualitativos (A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir). A nulidade da sentença pode ser total, mas é apenas parcial quando, havendo vários pedidos, respeite apenas à apreciação de um deles.752 Por exemplo, o autor pede o despejo do réu, e consequente entrega do imóvel, bem como o pagamento de renda em dívida no valor de US$ 600. O juiz condena o réu no despejo e a pagar ao autor US$ 900 de rendas. A nulidade afeta apenas a parte da sentença em que se condena o réu a pagar um valor superior ao pedido pelo autor. 4.4.2.6. Suprimento O suprimento pode ser solicitado por qualquer das partes. O prazo será o prazo ordinário do art. 119º, nº 1, do CPC (dez dias) se a sentença não admitir recurso, ou o prazo de recurso, do art. 436º, nº 1, do CPC (que é igualmente de dez dias), se a sentença admitir recurso.753 O requerente deve especificar, no seu requerimento, a nulidade que entende verificar-se, mostrar que a mesma se verifica e pedir que seja suprida.754 Arguida a nulidade, a secretaria notifica oficiosamente a parte contrária para responder no 750 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 146. 751 Sobre esta questão veja-se supra parágrafo 3., deste Capítulo e Secção. 752 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 705. 753 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 149. 754 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 149. 260 mesmo prazo supletivo de dez dias (art. 418º, nº 1, do CPC). Se a causa admitir recurso ordinário, o recurso pode ter como fundamento qualquer das nulidades previstas nas alíneas b) a e) do art. 416º, nº 1 do CPC (arts. 416º, nº 3, e 462º do CPC). Se a arguição for atendida, a decisão que a defere considera-se complemento e parte integrante da sentença (art. 418º, nº 2, parte final), podendo haver recurso da sentença como um todo, integrando a alteração introduzida. Pode haver recurso nas ações que não o admitam se a alteração prejudicar a parte que não a requereu (art. 418º, nº 4, do CPC).755 Havendo arguição de nulidades, pedido de aclaração ou reforma, ou retificação de erros materiais, o prazo de recurso só começa a correr depois da notificação da decisão proferida sobre o requerimento (art. 437º, nº 1, do CPC). 4.5. Erro de julgamento O erro de julgamento ocorre quando o juiz decide contra a lei expressa ou contra os factos provados. O juiz está errado no julgamento que faz da causa, não podendo emendar o erro por recurso ao disposto no art. 415º do CPC. O erro de julgamento resulta duma errada perceção ou conhecimento da lei ou duma errónea apreciação dos factos provados. Em relação a este tipo de situação o único remédio é a impugnação judicial da decisão por via do recurso, permitindo que um tribunal superior reaprecie a questão, emendando o erro de julgamento.756 Nestas situações pode dizer-se que o juiz da causa não tem poder para reapreciar a questão, mesmo que se aperceba do erro cometido, por o seu poder jurisdicional se encontrar esgotado com a prolação da decisão (art. 414º, nº 1, do CPC). Porém, conforme já referido, se não for admissível recurso, pode interpor reclamação, quando tenha ocorrido lapso manifesto na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, ou se tenha ignorado documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração (art. 417º, nº 2, do CPC). 755 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 712. 756 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 709. 261 5. Efeitos da sentença 5.1. Efeitos processuais Desde logo a sentença (quando transitada) extingue a relação jurídica processual (a instância).757 O julgamento ou sentença de mérito é mesmo o modo normal de extinção da instância.758 O segundo efeito processual é a atribuição à sentença da natureza de título executivo (arts. 669º, nº 1, al. a), e 670º, nº 1, do CPC), embora o requisito do trânsito em julgado não se verifique nos casos em que o recurso da sentença tem efeito meramente devolutivo.759 A sentença é mesmo o título executivo por excelência.760 5.2. Efeitos substantivos Entre os efeitos substantivos enuncia a doutrina: 761 A conversão de eventual prazo mais curto prescrição no prazo ordinário (arts. 302º e 300º do Código Civil). A obrigação resultante da sentença tem o prazo de prescrição ordinário de vinte anos, ainda que a obrigação que fora invocada pelo autor tivesse prazo inferior. A possibilidade de o autor proceder ao registo de hipoteca sobre um bem imóvel do credor para garantia do pagamento no caso de condenação do réu a pagar uma quantia ao autor (art. 644º do Código Civil). 6. Caso julgado 757 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 641, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 468. 758 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 393, e Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 555. 759 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 641, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 468. 760 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 274. 761 Veja-se Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 274-275, Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 642, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 469-470. 262 Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 376º e seguintes. Mais têm o mesmo valor os despachos que recaiam sobre o mérito da causa (art. 419º, nº 1, do CPC). Ocorre trânsito em julgado se não for interposto decisão proferida na primeira instância, ou quando não seja mais suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (art. 427º do CPC). Ou seja, a sentença faz caso julgado quando a decisão nela contida já não pode ser modificada por ato jurisdicional.762 6.1. Caso julgado formal O caso julgado formal ou externo, ocorre se estiverem em causa sentenças ou despachos que julgaram, com trânsito em julgado, questões de carácter processual. O caso julgado formal tem força obrigatória apenas dentro do processo, obstando a que o juiz possa, na mesma ação, alterar a decisão proferida, mas permite que, noutra ação, a mesma questão processual seja apreciada e decidida em termos diferentes (art. 420º do CPC).763 O caso julgado formal refere-se a decisões que não apreciam o mérito da causa, reportando-se tanto à ação principal como a qualquer incidente apenso à mesma.764 Será o caso do despacho saneador que absolve o réu da instância. A questão já não pode voltar a ser apreciada no mesmo processo, mas pode intentar-se novo processo idêntico ao mesmo, corrigindo-se, obviamente, o vício que levou à absolvição da instância.765 6.2. Caso julgado material O caso julgado material, substancial ou interno, verifica-se se estiverem em causas sentenças ou despachos que julgaram, com trânsito em julgado, questões concernentes à relação material em litígio. Tem força obrigatória dentro e fora do processo, impedindo que o mesmo tribunal ou outro possa definir em termos diferentes o direito concretamente aplicável à relação jurídica controvertida (art. 419º). 762 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 702. 763 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 703-704. 764 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 716. 765 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 644, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 470. 263 A decisão final, quando conhece de mérito, e após trânsito, faz caso julgado, dirimindo definitivamente o conflito de interesses submetido à apreciação do tribunal. A sentença fixa em termos imperativos o direito aplicável ao caso concreto submetido pelas partes ao julgamento do tribunal.766 No dizer de Remédio Marques, “Este efeito da sentença consiste exactamente na insusceptibilidade da substituição ou da modificação da decisão por qualquer tribunal, incluindo o tribunal que a tenha proferido. O resultado da composição do conflito de interesses torna-se indiscutível”.767 O caso julgado garante a imodificabilidade da decisão transitada em julgado. Se for proposta outra ação para apreciação da mesma questão, será julgada procedente a exceção dilatória de caso julgado, a qual é de conhecimento oficioso (arts. 372º, n.º 1 e 2, 373º, al. h), 376º e 377º do CPC), evitando-se que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.768 O caso julgado material pressupõe obviamente o caso julgado formal.769 6.3. Limites ao caso julgado 6.3.1. Limites subjetivos do caso julgado Mas a lei estabelece limites ao caso julgado, ou seja, determina qual a extensão daquilo que se torna indiscutível. Esta matéria vem tratada no art. 377º, nº 1, do CPC, quanto prescreve que Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir. 770 Assim, a discussão entre sujeitos diferentes dos vinculados pelo processo ou de objeto diferente quanto ao pedido ou à causa de pedir (ou a ambos) está fora dos limites do caso julgado. Os limites em relação aos sujeitos são conhecidos pelos limites subjetivos do caso julgado. Ou seja, a discussão entre sujeitos diferentes dos vinculados pelo processo está fora dos 766 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 698. 767 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 644. 768 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 345. 769 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 277. 770 Veja-se supra o Capítulo III, parágrafo 8.3. 264 limites do caso julgado, e portanto não é vedada pela indiscutibilidade àquele inerente.771 Quanto aos limites subjetivos: regra geral, o caso julgado tem apenas eficácia inter partes, ou seja, às partes processuais de determinado litígio. Para este efeito, a identidade de sujeitos é aferida em função da sua qualidade jurídica (art. 377º, nº 2, do CPC). Há situações em que a eficácia do caso julgado ultrapassa o âmbito das partes. Por exemplo, na fiança o caso julgado entre credor e devedor não é oponível ao fiador, mas permite-se que o fiador invoque em seu benefício o caso julgado, a não ser que respeite a circunstâncias pessoais que não excluam a responsabilidade do fiador. Já o caso julgado entre credor e fiador aproveita ao devedor desde que respeite à obrigação principal, mas não o prejudica o caso julgado desfavorável. Nas obrigações solidárias, é estabelecido um regime paralelo: se o caso julgado for desfavorável, não é oponível aos co-interessados; se for favorável, é oponível aos interessados, salvo se for baseado em razões pessoais ou restritas. Por sua vez, o regime das obrigações indivisíveis também se assemelha: o caso julgado favorável a um dos credores aproveita aos outros, exceto se o devedor tiver contra estes especiais meios de defesa. Importa, ainda, ter em atenção que o art. 422º do CPC consagra um regime especial para as ações sobre o estado das pessoas, porque, nestes casos, o caso julgado produz efeitos mesmo em relação a terceiros quando, proposta a ação contra todos os interessados diretos, tenha havido oposição, sem prejuízo do disposto, quanto a certas ações, na lei civil. Nesta situação, o caso julgado tem efeitos erga omnes e não apenas inter partes. 772 Por fim, ainda outra situação, de cariz bastante prático: ocorrendo transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, diz o art. 223º, nº 1, do CPC, que o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente não for admitido a substituí- lo, mas a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha na ação (art. 223º, nº 3, do CPC).773 6.3.2. Limites objetivos do caso julgado 771 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 280. 772 Veja-se Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 666-675, Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, págs. 348-349, e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 720-733. 773 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 668-669. 265 Os limites em relação ao objeto são identificados como limites objetivos do caso julgado. 774 Quanto aos limites objetivos, o caso julgado abrange apenas a decisão final referente ao pedido, não se estendendo aos fundamentos da decisão.775 Contudo, o caso julgado objetivo também abrange as questões preliminares, ainda que implícitas, que funcionam como pressupostos necessários e fundadores da decisão final. 776 Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretenda obter o mesmo efeito jurídico (art. 377º, nº 3, do CPC). O caso julgado está, ainda, limitado pela causa de pedir.777 Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais, a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido (art. 377º, nº 4, do CPC). 774 Veja-se supra o Capítulo III, parágrafo 8.3. 775 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 651. 776 Acórdão do Supremo Tribunal de Portugal de 20-5-2004, processo nº 04B281, relator Noronha do Nascimento, acessível em www.dgsi.pt/jstj. 777 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 283. 266 267 BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Francisco Manuel Lucas Ferreira de, Direito Processual Civil, volume I, Coimbra: Almedina, 2010. BAPTISTA, José João, Processo Civil I, Parte geral e processo declarativo, 8ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2006. 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VASCONCELOS, coordenação de Pedro Carlos Bacelar de, Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, Braga: Campus de Gualtar, Direitos Humanos-Centro de Investigação Interdisciplinar, Escola de Direito da Universidade do Minho, 2011. 269 270 ÍNDICE Capítulo I – Introdução ……………………………………………………………………. 1 1. Conceito ……………………………………………….. …………………………… 1 2. Características do processo civil ………………………………………………….. 2 2.1. Ramo do direito público …………………………………………………….. 2 2.2. Direito instrumental ou adjetivo …………………………………………….. 3 2.3. Aplicação imediata ………………………………………………………….. 4 2.4. Fontes e integração de lacunas …………………………………………….... 6 3. Autodefesa e jurisdição ………………………………………………………..….. 7 3.1. Proibição da autodefesa …………………………………………………..…. 7 3.2. Jurisdição ……………………………………………………………….. …… 7 3.3. O direito de ação …………………………………………………………….. 9 4. Tipos de jurisdição ……………………………………………..…………………… 10 4.1. Jurisdição contenciosa ……………………………………………………….. 10 4.2. Jurisdição voluntária ……………………………………………………….... 11 5. Tipos e formas do processo ………………………………………………………... 13 5.1. Tipos de ação ……………………………………………………………….... 13 5.2. As ações declarativas ………………………………………………………… 15 5.3. Formas de processo declarativo ……………………………………………… 21 5.4. As ações executivas ………………………………………………………….. 22 6. Princípios de processo civil ………………………………………………………... 23 6.1. Conceito e relevância ………………………………………………………… 23 6.2. Princípio do dispositivo ……………………………………………………… 24 6.3. Princípio do inquisitório ……………………………………………………... 26 6.4. Princípio do contraditório ……………………………………………………. 28 6.5. Princípio da igualdade das partes ……………………………………………. 29 6.6. Princípio da legalidade ………………………………………………………. 31 6.7. Princípio da celeridade processual …………………………………………… 32 6.8. Princípio da economia processual ……………………………………………. 32 6.9. Princípio do juiz natural ……………………………………………………… 33 6.10. Princípio do duplo grau de jurisdição ………………………………………. 34 6.11. Princípio da cooperação …………………………………………………….. 35 271 6.12. Princípios relativos à prova ………………………………………………… 36 6.12.1. Princípio da aquisição processual …………………………………… 36 6.12.2. Princípio da livre apreciação ………………………………………... 37 6.13. Princípios relativos à audiência e produção da prova ………...…………..... 38 6.13.1. Princípio da imediação ………………………………………………. 38 6.13.2. Princípio da concentração …………………………………………… 39 6.13.3. Princípio da oralidade ………………………………………………. 40 6.13.4. Princípio da plenitude da assistência dos juízes …………..………….. 41 6.13.5. Princípio da publicidade ……………………………..……………….. 41 6.14. Princípio da submissão ao direito substantivo ……………………………... 42 Capítulo II – Pressupostos processuais …………………………………………………… 45 1. Conceito …………………………………………………………………………… 45 2. Personalidade judiciária ou processual ……………………………………………. 45 2.1. Conceito e medida da personalidade judiciária …………………………….. 45 2.2. Extensão da personalidade judiciária ………………………………………... 46 2.3. Consequências da falta de personalidade judiciária ………………………..... 48 3. Capacidade judiciária ou processual ……………………………………………..... 49 3.1. Conceito e medida …………………………………………………………... 49 3.2. Anomalias existentes ao nível do pressuposto da capacidade judiciária ……. 50 4. Legitimidade ………………………………………………………………………. 52 4.1. Legitimidade Processual Singular …………………………………………… 52 4.2. Legitimidade nas relações com pluralidade de interessados ………………... 55 5. Falhas ao nível dos pressupostos processuais e exceções dilatórias ………………. 57 6. Patrocínio Judiciário …………………………. ………………………………….... 58 7. Organização Judiciária e Competência dos Tribunais …………………………….. 60 7.1. Competência ………………………………………………………………… 60 7.2. Competência internacional ………………………………………………….. 61 7.3. Competência interna ………………………………………………………… 65 7.3.1. Competência em razão da matéria …………………………………….. 65 7.3.2. Competência em razão da hierarquia ………………………………….. 69 7.3.3. Competência em razão do valor e da estrutura do tribunal …………… 70 7.3.4. Competência em razão do território …………………………………... 70 272 7.4. Competência em matéria de execuções ……………………..………………... 75 7.5. Extensão e modificação da competência ………..……………………………. 76 7.6. Competência convencional ………………………………………………….. 77 7.7. Violação das regras de competência ……….………….. ……………………… 78 7.7.1. Incompetência absoluta …………….……….…………………………... 79 7.7.2. Incompetência relativa ………………………………………..………… 79 7.7. Conflitos de competência ………………….…………..……………………… 80 7.8. Garantias da imparcialidade do juiz …………. ……………………………….. 81 Capítulo III – Tramitação Processual ……………………….. …………………………….. 85 Secção I – Articulados …………………………………………………………………….. 85 1. Petição inicial ……………………………………………………………………….. 85 1.1. Conceito ……………………………….……………………………………….. 85 1.2. Requisitos da petição inicial ………………..…………….……………………. 86 1.3. O pedido ……………………………………………………………………….. 93 1.3.1. Noção …………………………………………………………………….. 93 1.3.2. Tipos de pedidos ………………………………………………………… 94 2. Valor da causa ……………………………………………….. …………………......... 96 3. Formalidades iniciais (distribuição) ………………………………..……….……….. 97 4. Despacho Inicial …………………………………………………..……….………… 98 4.1. Indeferimento liminar ……………………………………….………..………... 98 4.2. Atitudes do autor face ao indeferimento liminar da petição …..……….……… 101 4.3. Despacho de aperfeiçoamento …………………………………………..……... 103 5. Citação ………………………………………………………….. ……………..…….. 105 5.1. Conceito ……………………………………………………………...…..…….. 105 5.2. Despacho de citação …………………………………………………….....…… 105 5.3. Efeitos da citação ………………………………………………...…..………… 107 5.3.1. Efeitos materiais (ou substantivos) ……………………………...…..……. 107 5.3.2. Efeitos processuais (ou adjetivos) …………………………….. …..……... 108 5.4. Modalidades de citação ………………………………...…………..…………... 109 5.4.1. Citação pessoal ………………………………………………………….. 109 5.4.2. Citação com hora certa ………………………………………………….. 110 5.4.3. Citação edital ……………………………………………………………. 114 273 5.5. Nulidade da citação …………………………………...………..………………. 116 5.5.1. Falta de citação …………………………………………………………... 116 5.5.2. Nulidade da citação …………. …………………………………………... 116 6. Notificações ………………………………..…………………………... …………….. 118 7. Notificações judiciais avulsas …………………………………..……………...……... 119 8. Contestação ………………………………..……………………………..…………... 121 8.1. Conceito e efeitos …………………………………...……………..…………… 121 8.2. Defesa por impugnação e defesa por exceção …………………….....…………. 122 8.3. As exceções de litispendência do caso julgado …………………...……..……... 124 8.4. Princípio da concentração da defesa na contestação ou da preclusão da defesa 126 8.5. Ónus de impugnação especificada …………………………...…………..…….. 127 8.6. Contestação-reconvenção ……………………………..…………..…………… 128 8.7. Prazo para a entrega da contestação ……………………………..……..……… 130 8.8. Revelia do réu ……………………………..……………………..…………….. 133 9. Réplica …………………………….. ………………………….……..……………..... 135 9.1. Resposta à contestação …………………………. …………………..…...…….. 135 9.2. Resposta à reconvenção ……………………………………………..…...…….. 136 10. Articulados supervenientes ………………………………………….....…………… 136 Secção II – Despacho Saneador Especificação e Questionário ………………..………….... 139 1. Tentativa de conciliação ………………………………..…………………..………... 139 2. Despacho saneador …………………………………..……………………..………... 142 2.1. Conceito …………………………………………... ………………..………..… 142 2.2. Funções do despacho saneador …………………………………..…………….. 143 2.2.1. Conhecer as exceções dilatórias e nulidades (despacho pré-saneador) ...… 143 2.2.2. Exceções dilatórias …………………………………………..…………… 144 2.2.3. Nulidades …………………………………………………..…………….. 146 2.3. Conhecer as exceções perentórias …………………………..………………….. 147 2.4. Conhecimento do mérito da causa ………………………….....……………….. 148 2.5. Recursos …………………………………..…………………….. ………….….. 150 2.5.1. Recurso de apelação ……………………………………………………... 150 2.5.1. Recurso de agravo ………………………………………………………... 151 2.6. Alcance do despacho saneador (efeitos) ………………………..………...……. 152 274 3. Especificação e questionário ……………………………………..…..………………. 153 3.1. Conceito e função ………………………………………………………………. 153 3.2. Especificação ………………………………………………...…………………. 155 3.3. Questionário ………………………………………………………………..…... 157 3.4. Reclamação …………………………………………………..………………… 161 3.5. Indicação das provas ……………………………………….………………….. 163 Secção III – Instrução do Processo (Provas) ………………………………….……………. 167 1. Conceito …………………………………………………………….………. ……….. 167 2. Objeto da prova ………………………………………………………………..……... 168 3. Ónus de prova ………………………………………………….……………………. 169 3.1. Repartição do ónus de prova …………………………………………….…… 169 3.2. Inversão do ónus de prova ……………………………………………….…… 173 4. Meios de prova ……………..……………………………………. ………….………. 175 4.1. Definição e enunciação ………………………….……………….………..…... 175 4.2. Classificação das provas ……………………………………………………… 176 4.2.1. Classificação doutrinal …………………….………………………...….. 176 4.2.2. Classificação legal …………………………. ………………………...….. 177 5. Procedimentos probatórios ……………..……………………….………….………. 177 5.1. Procedimentos …………………………………………………………………. 177 5.2. Princípios relativos à produção da prova ……………………………………. 179 5.2.1. Enunciação ………………………………………………………………. 179 5.2.2. Dever geral de colaboração na descoberta da verdade material ……….. 180 5.2.3. Os poderes oficiosos do tribunal ……………………………………….. 181 5.3. Produção antecipada de prova ……………………………………………….. 183 5.4. Registo dos depoimentos prestados antecipadamente ou por carta ………… 183 6. Provas legais ………………………………………………………………………… 184 6.1. Prova por apresentação de coisas móveis ou imóveis ……………..……..……… 177 6.2. Presunções ……………………….………………………………..…………... 185 6.3. Depoimento de parte …………….………………………………..…………... 186 6.4. Prova testemunhal ……………………….. ……………………..…………….. 189 6.4.1. Disposições gerais ……………………………………………………….. 189 6.4.2. Produção da prova testemunhal ………………………………………… 191 275 6.5. Prova documental …………..…………………………………………..……... 196 6.4.1. Disposições gerais ……………………………………………………….. 196 6.4.2. Produção da prova documental …. ……………………………………… 199 6.6. Prova por inspeção …………………….………………………..….…………. 201 6.7. Prova pericial ……………………..……………………………..…………….. 202 7. Valoração da prova ………………………………………………………..…………. 204 5.1. Prova livre; presunções judiciais; da convicção do julgador …………………… 204 5.2. Prova legal ou tarifada: prova documental e prova por confissão …..…………. 205 5.3. Prova pericial ……………………………………………………….. …………. 207 Secção IV – Discussão e julgamento da causa …………………………………..………... 209 1. Audiência de discussão e julgamento ……………..…………………..……………. 209 1.1. Noções gerais …………………………………………………………………... 209 1.2. Formalidades iniciais …………………………………………………………... 209 1.3. Registo da prova produzida em audiência ……………………………………. 213 2. A audiência ………………………………………………………………..…………. 213 2.1. Atos preliminares (adiamento) ………………………………………………... 214 2.2. Tentativa de conciliação …………………………………………..…………... 219 2.3. Produção de prova ………………………………………………..…………... 219 2.4. Debate judiciário …………………………………………………..…………... 226 3. Julgamento ………………………………………. ……………………..……………. 227 3.1. Decisão da matéria de facto controvertida ………………………….. …………. 227 3.2. Fundamentação de facto e das motivações não jurídicas ………..…….…….. 229 3.3. Recursos e reclamações ………..………………………………………..…….. 231 3.4. Discussão do aspeto jurídico da causa …………………………..…….…….. 234 Secção V –Sentença ………………………………………………………..………..……... 237 1. Noções gerais ………………………………. …………………………..……………. 237 2. Estrutura e forma ……………………………….…………………….. ……………. 238 2.1. Relatório ………………………………………..…………………..…………. 238 2.2. Fundamentos ………………………………………..………………..……….. 240 2.2.1. Fundamentos de facto . ………………………..………………..……….. 240 2.2.2. Fundamentos de direito ..…………………….. ………………..……….. 243 2.3. Decisão ………………………………………………...………………..……... 244 276 2.3.1. Parte essencial .………………….……………..………………..……….. 245 2.3.2. Parte acessória ………..………………………..………………..……….. 246 3. Objeto, âmbito e limites ………………………………………..……………..…….. 246 4. Vícios da sentença ………………………………………………………………..…... 249 4.1. Vícios de forma ………………………………………….…………………..… 250 4.1.1. Enunciação .…………………………………….. ………………..……….. 250 4.1.2. Erros materiais ………..………………………..………………..……….. 250 4.2. Aclaração da sentença ………….……………………….…………………..… 251 4.3. Reforma da sentença …………….……………………….…………………..… 253 4.4. Nulidades da sentença …………. ……………………….…………………..… 254 4.4.1. Enunciação .……………………………………..……………….. ……….. 254 4.4.2. Nulidades ……………..………………………..………………..……….. 256 4.4.2.1. Nulidades …….…..………………………..………………..……….. 256 4.4.2.2. Falta de assinatura do juiz ………….….. ………………..……….. 256 4.4.2.2. Não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão .. 256 4.4.2.3. Oposição entre os fundamentos e a decisão ……………..……….. 256 4.4.2.4. Falta de pronúncia ou conhecimento em excesso ………………… 258 4.4.2.5. Condenação em quantidade superior ou objeto diverso do pedido .. 259 4.4.2.6. Suprimento ………………………………………………………… 259 4.5. Erro de julgamento …………………………………………………………..... 260 5. Efeitos da sentença ………………………………………………………………...... 261 5.1. Efeitos processuais ………………………….. ………….…………………..… 261 5.2. Efeitos substantivos …………………………..………….…………………… 261 6. Caso julgado ………..……………………………………………………………...... 261 6.1. Caso julgado formal ………….………………………….…………………..… 262 6.2. Caso julgado material …………….…. ………………….…………………..… 262 6.3. limites ao caso julgado ………….………………………. …………………..… 263 6.3.1. Limites subjetivos do caso julgado .…………………………………….. 263 6.3.2. Limites objetivos do caso julgado ……………..…………..…..……….. 264 Bibliografia ………………………………………………………………………………….. 267 Índice ………………………………………………………………