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DIREITO PROCESSUAL CIVIL (O PROCESSO CIVIL DECLARATÓRIO) Sumário das aulas

ministradas ao IV Curso de Formação para Magistrados e Defensores Públicos (Centro de


Formação Jurídica 2012) Rui Penha (Juiz Formador no CFJ) 1 Direito processual civil O Processo
Civil Declaratório Capítulo I – Introdução 1. Conceito Na definição de Antunes Varela, o direito
processual civil compreende “a disciplina normativa de uma série de actos, logicamente
encadeados entre si, com vistas à obtenção de uma providência judiciária requerida pelo
autor”.1 A expressão tem origem no vocábulo latino pro cedere, ou o qual significa avançar
para, caminhar para a frente, avançar para um objetivo. 2 Processo é uma sequência de atos
jurídicos destinados à justa composição de um litígio praticado por um órgão imparcial de
autoridade (o tribunal).3 Para o processo civil interessam as relações jurídicas entre
particulares, ou entre os particulares e o Estado, desde que este esteja despido da função de
soberania. Acrescenta Remédio Marques, “Por vezes, os direitos atribuídos pela ordem jurídica
às pessoas somente podem ser exercitados através de uma actividade jurisdicional em que
intervêm terceiros imparciais”.4 Conforme salienta Lebre de Freitas, “Todo o processo tem na
sua base um conflito de interesses e visa a sua composição. Mas esta composição não pode
fazer-se arbitrariamente. … a sentença de mérito constitui um meio de tutela dos direitos
subjectivos e é realizando esta tutela 1 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág.
11. 2 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 10 (trata-se “de uma sequência de
actos, logicamente articulados entre si, com vista a determinado fim”). Veja-se ainda Baptista,
Processo Civil I, 2006, págs. 28-29, e Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 20-23.
3 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, págs. 11-12. 4 Marques, Acção Declarativa à Luz
do Código Revisto, 2009, pág. 16. 2 que os tribunais compõem os litígios que lhes são
submetidos”.5 Ou seja, a finalidade do processo civil é disciplinar os atos do processo de
composição dos litígios, para que esta não se faça de forma arbitrária e respeite os direitos das
partes de igual forma. O processo civil resulta da necessidade de resolver certo tipo de
conflitos de interesses nas relações entre iguais. 6 Conclui Castro Mendes, processo civil é a
sequência de atos destinados à justa composição de um litígio de interesses privados comuns,
mediante a intervenção de um órgão imparcial da autoridade, o tribunal.7 2. Características do
processo civil 2.1. Ramo do direito público O direito processual civil regula a função
jurisdicional do Estado, ao mesmo tempo que serve o interesse público, ou seja, a justiça,
impedindo que os particulares recorram à justiça privada.8 Nos termos do art. 118º, nº 1, da
Constituição, os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça
em nome do povo. A função jurisdicional, ou administração da justiça, constitui o exercício de
uma autoridade soberana que através do princípio da separação dos poderes foi investida nos
tribunais – o poder judicial – de que os juízes são titulares exclusivos. 9 Conforme Castro
Mendes, “A natureza pública do direito processual civil, e assim também do processo civil,
advém da sua estreita ligação com a função jurisdicional”.10 Ou seja, o direito processual civil
é direito público porque existe uma relação de subordinação das partes ao juiz, que explica a
força vinculativa das partes às decisões judiciais.11 5 Freitas, Introdução ao Processo Civil,
1996, pág. 36. 6 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 16. 7 Mendes,
Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 34. 8 Veja-se Marques, Acção Declarativa à Luz do
Código Revisto, 2009, págs. 23-25. 9 Vasconcelos, Constituição Anotada da República
Democrática de Timor-Leste, 2011, pág. 382. 10 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997,
pág. 125. 11 “O direito público abrange as normas reguladoras das relações em que um dos
sujeitos exerce uma função de 3 Segundo Antunes Varela, “Se na acção estão primariamente
em jogo os interesses (particulares) das partes, também é certo que no direito processual civil,
ao substituir-se a prática da justiça privada pelo sistema básico da justiça pública, se destaca o
interesse colectivo da paz social”.12 Acrescenta Ferreira de Almeida, “no direito processual
sobreleva o interesse colectivo da paz social, o interesse público primordial da (justa)
composição dos conflitos de interesses jurídicoprivados, mediante a aplicação das normas
jurídicas adequadas”.13 Para José João Baptista, “É direito público porquanto: disciplina o
exercício da função jurisdicional, que é uma função do Estado, cometida aos órgãos de
soberania deste Estado, que são os Tribunais; o processo civil constitui-se e desenvolve-se
como relação jurídica entre as partes e o tribunal, revestido este das suas prerrogativas de
soberania e autoridade; o processo civil tem por fim último e primordial a realização do
interesse público, da ordem e paz social, através da justa composição dos litígios entre as
partes; as normas de direito processual civil são, em regra, imperativas (jus cogens) e não
dispositivas, ou seja, insuscetíveis de serem afastadas pela vontade das partes.14 2.2. Direito
instrumental ou adjetivo O direito processual civil é um direito instrumental ou adjetivo, uma
vez que as suas normas apenas indicam o caminho a ser seguido para solucionar o conflito
entre as partes processuais.15 O tribunal, ao proferir a sua decisão, realiza o direito
substantivo.16 Por exemplo, se o autor pede a condenação do réu no pagamento de dinheiro
que alega ter emprestado ao réu e o réu nega que tenha havido empréstimo, será o direito
substantivo que vai definir se o autor tem ou não esse direito. O direito processual limita-se a
ordenar a forma como o tribunal vai decidir a questão de direito substantivo.17 soberania e
em que, por conseguinte, se estabelece entre os respectivos sujeitos uma relação de
subordinação” (Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 8-9. 12 Varela, Bezerra
e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 9. 13 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág.
24. 14 Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 53-54. Veja-se ainda Mendes, Direito Processual
Civil, vol. I, 1997, págs. 125-126. 15 Para Castro Mendes esta qualificação não é rigorosa, dado
que, por vezes, o juiz fixa ou determina ele próprio elementos da decisão, sem os receber do
direito substantivo, como, por exemplo, quando fixa a quantia relativa a danos não
patrimoniais (Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 127). Importa referir, contudo,
que mesmo nestes casos existem normas ou princípio de direito substantivo que o juiz deve
seguir. 16 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 7. 17 “É o direito civil que
fornece a substância normativa da decisão. O direito processual civil regula apenas os meios 4
Ou seja, a função do processo civil consiste na tutela do direito material.18 É este que regula
as relações jurídicas. Direito material, ou substantivo, é o conjunto de regras que diretamente
regulam a matéria da vida social que se pretende ordenar e dirigir. São as normas que
basicamente regulam a vida em sociedade e determinam a forma de resolução de conflitos
entre as pessoas, nos termos que se têm vindo a expor. O direito processual, ou adjetivo, é
constituído por regras que estabelecem, ou regulam o modo como se pode obter o
cumprimento das disposições de direito substantivo. São regras meramente instrumentais
relativamente à realização dos fins que as primeiras se propõem19. O direito adjetivo é direito
público. Numa formulação mais simplista dir-se-á que o direito substantivo define ou atribui os
direitos subjetivos das pessoas, e o direito adjetivo regula a forma como esses direitos podem
ser exercidos através dos órgãos do Estado especialmente vocacionados para o efeito, os
Tribunais. 2.3. Aplicação imediata O direito processual civil contém normas de aplicação
imediata. Nos termos do art. 2º do CPC20, salvo disposição em contrário, a lei processual civil é
de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos atos praticados na vigência da lei
anterior.21 Este princípio teve igual consagração no art. 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 1/2006, de
21 de Fevereiro, que aprovou o CPC.22 Contudo, no nº 2 do mesmo preceito veio-se permitir
ao juiz uma aplicação mais lata do novo Código, mesmo retroativamente, desde que tal
aplicação não quebrasse a harmonia processual e não colidissem com a celeridade
processual.23 necessários para, a partir do direito privado, se alcançar a solução concreta do
conflito” (Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 8). 18 Freitas, Introdução ao
Processo Civil, 1996, pág. 28. Ainda Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 53. 19 Diogo e
Januário, Noções e Conceitos Fundamentais de Direito, 2007, pág. 137, e Ascensão, O Direito.
Introdução e Teoria Geral, 2005, pág. 355-357. 20 Forma como se designará o Código de
Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei nº 1/2006, de 21 de Fevereiro. 21 O art. 5º do
Decreto-Lei nº 1/2006, de 21 de Fevereiro, que aprovou o CPC, determinou que o Código
entrasse em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, entrou em vigor dia 22 de
Fevereiro de 2006. 22 O Código de Processo Civil agora aprovado aplica-se imediatamente aos
processos que se encontram pendentes à data da sua entrada em vigor. 23 A aplicação do
Código de Processo Civil aos processos pendentes faz-se sem quebra da harmonia processual e
5 A lei nova é aplicável, como regra, aos casos pendentes. Supõe-se que houve alteração na
norma processual; o caminho indicado pela norma nova é mais adequado a solução do caso.
Pressupõe-se que a norma nova seja mais perfeita que a anterior. Não há que se respeitar a
época do facto ou do ato, uma vez que não se trata de direito substantivo. Contudo, é sempre
salvaguarda a validade dos atos praticados no âmbito da lei anterior, conformes com a
mesma.24 Assim, relativamente a uma petição inicial apresentada antes da entrada em vigor
do novo CPC, a mesma é válida, ainda que não obedeça aos requisitos do art. 349º, desde que
respeitasse a norma prevista para a petição inicial no Código de Processo que vigorava
anteriormente. 25 Porém, todo o restante processo, nomeadamente a obrigação de
elaboração de especificação e questionário, já será regulado pelo novo Código. Segundo
Ferreira de Almeida, “o princípio geral a aplicar neste domínio é sempre o da aplicação
imediata das leis de processo. De modo irrestrito, aos pleitos instaurados após a sua entrada
em vigor e, nas próprias acções já pendentes, a todos os termos processuais subsequentes”.
“O que significa que, na área do direito processual, a nova lei é de aplicar às acções futuras e,
outrossim, aos actos que se vierem futuramente a praticar nas acções pendentes”.26 Seguindo
José João Baptista, temos que a aplicação da lei processual se desdobra em dois aspetos: com
aproveitamento do processado anteriormente, mediante as adaptações que ao juiz se
afigurem adequadas e que não colidam com a celeridade processual. 24 Sobre esta matéria
assumem particular relevância as disposições sobre interpretação da lei e integração de
lacunas previstas nos arts. 8º a 12º do Código Civil, aprovado pela Lei nº 10/2011, de 14 de
Setembro, com entrada em vigor a 12 de Março (art. 19º da Lei), que se passará a referir
apenas como Código Civil em contraposição com o Código Civil Indonésio que se designará por
CCI. O Código Civil Indonésio recebido como legislação nacional timorense nos termos das
disposições conjugadas dos arts. 165º da Constituição da RDTL, 3º, nº 1, do Regulamento da
Untaet nº 1/1999, e 1º da Lei nº 2/2002, este com a interpretação expressa pelo art. 1º da Lei
nº 10/2003, de 10 de Dezembro, iniciou a sua vigência no território nacional como
consequência natural da integração naquele país, iniciando-se a sua vigência de facto com a
invasão, ou, pelo menos a constituição do primeiro do governo provisório de Timor-Leste em
17 de Dezembro de 1975, tendo sido formalizada a integração do território de Timor-Leste na
Indonésia através da declaração do Presidente da República da Indonésia de 17 de Julho de
1976. 25 Antes da entrada em vigor do novo CPC vigorava a legislação processual indonésia
(Hukum Acara Perdata - Regulamento HIR S. 1941-24) e do RGB (Regulamento S. 1927-227),
então vigente no território de Timor Leste, igualmente nos termos das disposições conjugadas
dos arts. 165º da Constituição da RDTL, 3º, nº 1, do Regulamento da Untaet nº 1/1999, e 1º da
Lei nº 2/2002, deverá aplicar-se a legislação indonésia vigente a 25 de Outubro de 1999 (veja-
se, entre outros, o acórdão do Tribunal de Recurso de 28-4-2010, processo nº 68/32003). 26
Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 55. Veja-se sobre a matéria Varela, Manual
de Processo Civil, págs. 45-65, Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs.
181-190, e Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, págs. 154-171. 6 “Primeiro, diz
respeito ao futuro; a lei nova deve aplicar-se a todos os actos processuais posteriores à sua
entrada em vigor. Segundo, diz respeito ao passado; a lei nova deve respeitar a validade dos
actos anteriores à sua vigência”.27 2.4. Fontes e integração de lacunas Nos termos do seu art.
1º o CPC é a fonte do processo civil. Importa aqui referir que não existe neste momento
qualquer outra legislação relativa ao processo judicial ou contencioso, salvo normas dispersas
de contencioso administrativo, pelo que o CPC se aplica a todas as situações de resolução de
conflitos ou de contencioso. Assim, verificando-se casos omissos recorre-se sucessivamente: a)
À regulamentação dos casos análogos previstos neste Código; b) Aos princípios gerais do
direito processual civil; c) À norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar
dentro do espírito do sistema (nº 2 do mesmo art. 1º do CPC. Importará sempre verificar se a
lei oferece solução para o caso, ou seja, se a situação pode ser regulada segundo o formalismo
previsto no CPC, só depois se deve recorrer à analogia ou aos princípios gerais do direito
processual civil.28 A analogia não se determina pala igualdade formal das situações, mas pela
identidade substancial dos fundamentos da norma jurídica aplicável.29 Verifica-se a existência
de várias lacunas no CPC, nomeadamente respeitantes à regulação do processo de jurisdição
voluntária30 e aos processos executivos para entrega de coisa certa ou para prestação de
facto. Relativamente ao contencioso administrativo tem-se colocado a mesma questão. Assim,
tem sido aplicado o CPC devidamente adaptado. Importa, contudo, ter em consideração a Lei
Indonésia nº 5/1986, que cria os tribunais administrativos da Indonésia e regula o respetivo
processo.31 27 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 67. 28 Almeida, Direito Processual Civil,
vol. I, 2010, pág. 55. 29 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 44-45. 30 Sobre
este assunto veja-se o acórdão do Tribunal de Recurso de 28-6-2012, processo
06/CÍVEL/2012/TR, no qual se decidiu que nos processos de jurisdição voluntária se estará
numa situação de omissão que implica que a aplicação por analogia do CPC seja devidamente
adaptada ao tipo de processo em questão. 31 Esta Lei deve considerar-se vigente no território
de Timor Leste, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 7 3. Autodefesa e jurisdição
3.1. Proibição da autodefesa Nos termos do disposto no art. 4º do CPC a ninguém é lícito o
recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro
dos limites declarados na lei. 32 A autodefesa como forma de solução de conflitos corresponde
à utilização de força pelo particular para proteger direito próprio (corresponde também à ação
direta). Nos casos em que a lei o exige, como por exemplo no embargo extrajudicial de obra
nova, previstos no art. 334º, nº 2, do CPC, a auto-defesa carece de ser homologada ou
ratificada por posterior decisão judicial.33 Antes da tutela das soluções para os conflitos e
interesses jurídicos passarem para o Estado, a autodefesa era uma forma de solução de
conflitos. Atualmente, apenas se pode exercer a autodefesa nos casos e dentro dos limites
estabelecidos em lei. 3.2. Jurisdição A transferência da solução dos conflitos para o Estado
processa-se através de um órgão dotado de jurisdição: O Poder Judiciário ou Poder Judicial.
Assim, jurisdição é a função, o poder e o dever que o Estado tem de se substituir aos titulares
dos interesses em conflito para decidir com imparcialidade. É a prerrogativa que tem o Poder
Judiciário de aplicar o direito. Como já se referiu, nos termos do art. 118º, nº 1, da
Constituição, os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça
em nome do povo. Com a finalidade de salvaguardar a paz social e a justiça, o Estado reservou
para si, através de órgão próprios e 165º da Constituição da RDTL, 3º, nº 1, do Regulamento da
Untaet nº 1/1999, e 1º da Lei nº 2/2002, na versão que vigorava a 25 de Outubro de 1999. 32
Nos termos do art. 28º, nº 2, a todos é garantido o direito de legítima defesa, nos termos da
lei. O Código Civil, nos arts. 327º e 328º define as situações excecionais em que é legítimo o
recurso à ação direta e à legítima defesa de direitos. Para além destes temos ainda o estado de
necessidade (art. 330º do Código Civil), o consentimento do lesado (art. 331º do Código Civil),
defesa da posse (art. 1197º do Código Civil), defesa da propriedade (art. 1235º do Código Civil)
e a defesa de outros direitos reais (art. 1236º do Código Civil). 33 Veja-se Almeida, Direito
Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 18-19. 8 independentes (os tribunais) a tarefa de resolução
de conflitos entre particulares, ou mesmo entre os particulares e o próprio Estado.34 Assim, a
função jurisdicional é exclusiva dos juízes, investidos nos termos da lei, os quais são
independentes no exercício das suas funções e apenas devem obediência à Constituição, à lei e
à sua consciência (art. 121º, nº 1 e 2, da Constituição). A reserva de jurisdição face às demais
funções do Estado é das decisivas garantias do cumprimento do princípio da separação de
poderes (art. 69º), na realização do Estado de Direito democrático (art. 1º, nº 1).35 Na
definição de Remédio Marques, “A jurisdição, o poder jurisdicional consiste assim na fracção
de poder estadual atribuída aos tribunais … para decidir um conflito de interesses, de uma
forma independente e imparcial”.36 Face a esta reserva de jurisdição, o art. 26º da
Constituição garante a todos os cidadãos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e
interesses legalmente protegidos. Daí que, nos termos do art. 6º do CPC nenhum juiz possa
recusar-se a realizar audiência, julgar ou decidir um caso apresentado aos tribunais.37 Trata-se
de manifestação da obrigação de julgar previsto no art. 7º, nº 1, do Código Civil (O tribunal não
pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável
acerca dos factos em litígio). Por outro lado, a todos é garantido o acesso à justiça, conforme
previsto no art. 26º, nº 2, da Constituição (a justiça não pode ser denegada por insuficiência de
meios económicos). O direito de acesso aos tribunais inclui o direito ao patrocínio judiciário, o
Estado devendo promover a igualdade dos cidadãos no acesso ao direito e aos tribunais em
caso de carência de meios económicos. Em cumprimento desta exigência constitucional, a lei
vem instituir a Defensoria Pública e reconhecer o direito ao patrocínio judiciário gratuito (arts.
3º e 4º do DL nº 38/2008 (Estatuto da Defensoria Pública) e, por outro lado, prevê a isenção de
custas para quem for patrocinado pela Defensoria (art. 5º). 34 Mendes, Direito Processual
Civil, vol. I, 1997, pág. 111. 35 Vasconcelos, Constituição Anotada da República Democrática de
Timor-Leste, 2011, pág. 383. 36 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009,
pág. 21. 37 A denegação de justiça pode constituir crime, previsto e punível pelo art. 282º do
Código Penal (aprovado pelo Decreto-Lei nº 19/2009, de 8 de Abril. 9 O direito de acesso ao
Direito e aos tribunais decorre imediatamente da ideia de Estado de Direito e,
independentemente da sua recondução a direito, liberdade ou garantia, este direito
fundamental carece de conformação legal e pressupõe, sem dúvida alguma, uma dimensão
prestacional a cargo do Estado.38 3.3. O direito de ação O direito de ação surge como
consequência do direito de acesso aos tribunais, corolário, por sua vez, da exclusividade da
jurisdição estatal. Nos termos do art. 5º, nº 2, do CPC, a todo o direito, exceto quando a lei
determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir
ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos
necessários para acautelar o efeito útil da ação. O direito de ação é um verdadeiro “direito
subjectivo público (ou poder jurídico) de exigir que o Estado, através dos tribunais e do
processo, examine a pretensão deduzida em juízo pelo autor”.39 Trata-se, portanto, de um
direito irrenunciável, totalmente independente da decisão final, se vai ser ou não favorável ao
autor.40 Por outro lado, o direito de ação implica o direito de o cidadão obter, em prazo
razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão
regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar (art. 5º, nº 1,
do CPC). No dizer de Ferreira de Almeida, “institucionaliza-se o direito de todos a que uma
causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante um processo
equitativo”.41 O princípio do processo equitativo, encontra-se enunciado no art. 8º da
Declaração Universal dos direitos do Homem e consagrado no art. 14° do Pacto Internacional
sobre os Direito Civis e Políticos, assinado em Nova Iorque a 19 de Dezembro de 1966, e
ratificado pela RDTL através da Resolução nº 3/2003, de 22 de Julho, no qual se determina:
Todos são iguais perante os tribunais de justiça. Todas as pessoas têm direito a que a sua causa
seja ouvida equitativa e 38 Vasconcelos, Constituição Anotada da República Democrática de
Timor-Leste, 2011, pág. 383. 39 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009,
pág. 102. 40 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 19. 41 Almeida, Direito
Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 14. 10 publicamente por um tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido pela lei, que decidirá quer do bem fundado de
qualquer acusação em matéria penal dirigida contra elas, quer das contestações sobre os seus
direitos e obrigações de carácter civil. O direito de acesso aos tribunais, a que se refere o n° 1
do art. 26° da Lei Fundamental, inclui imediatamente o direito de ação e de acesso a tribunais,
impondo-se que estes sejam órgãos independentes e imparciais, o direito a um processo, o
direito a decisão que verse sobre o mérito da causa e o direito à execução da decisão, sendo
certo que tal direito pressupõe a efetividade do resultado final do processo, postulando a
consagração de um sistema adequado de providências cautelares que acautele o efeito útil da
ação. De resto, o direito de acesso aos tribunais deve realizar-se em processo temporalmente
justo e equitativo. No que respeita especialmente ao processo equitativo, ele deve integrar o
direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, com proibição de
tratamento discriminatório ou arbitrário. Ele corresponde igualmente ao direito de plena
defesa e ao direito ao pleno contraditório, no sentido de existir efetiva possibilidade de cada
uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da
outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado dessas provas. O direito ao processo
equitativo pressupõe ainda o direito a prazos razoáveis de ação e recurso, no sentido de que a
prolação de sentença deve acontecer em prazo razoável, atendendo a determinados
parâmetros de medição, como sejam, a complexidade/simplicidade do processo, o
comportamento tido pelas partes e pelas autoridades ao longo do desenrolar do processo e à
situação jurídica sobre que o mesmo versa.42 4. Tipos de jurisdição 4.1. Jurisdição contenciosa
Na jurisdição contenciosa o Estado atua com o objetivo de declarar o direito para solucionar o
conflito entre as partes, em razão de uma situação de incerteza. 42 Vasconcelos, Constituição
Anotada da República Democrática de Timor-Leste, 2011, págs. 106-107. Sobre o processo
equitativo na vertente do princípio do contraditório pronunciou-se o Tribunal de Recurso,
entre outros, nos acórdãos de 13-7-2010, processo nº 07/Cível/2005/TR, 21-10-2010, processo
nº 12/Agravo/Cível/2010/TR, 31-3- 2011, processo nº 02/Cível/Agravo/2011/TR, e 29-3-2012,
Processo nº 03/Cível/2012/TR. 11 Seguindo Antunes Varela, “Nos processos de jurisdição
contenciosa, que constituem a regra, há um conflito de interesses entre as partes (credor e
devedor; proprietário e possuidor; locador e locatário; etc.) que ao tribunal incumbe dirimir,
de acordo com os critérios estabelecidos no direito substantivo”. Acrescentando “Nos
processos de jurisdição contenciosa, o tribunal é chamado a exercer a função (jurisdicional)
própria dos órgãos judiciários, elaborando e formulando a solução concreta que decorre do
direito substantivo aplicável (jus dicendum). Nos processos de jurisdição voluntária há um
interesse fundamental tutelado pelo direito (acerca do qual podem formar-se posições
divergentes), que ao juiz cumpre regular nos termos mais convenientes”.43 Para Remédio
Marques a jurisdição contenciosa exprime a atividade jurisdicional dirigida à composição do
conflito de interesses.44 No mesmo sentido Castro Mendes refere a jurisdição contenciosa
tem por fim a justa composição de litígios, a voluntária tem por fim e regulamentação de
situações anómalas de interesses mas que não são litigiosos.45 4.2. Jurisdição voluntária Na
jurisdição voluntária, como se viu já, o Estado regula a administração pública dos interesses
privados, em razão da relevância desses interesses.46 Não há necessidade de conflito.47 Nos
processos de jurisdição voluntária pretende-se regular a administração pública dos interesses
privados, em razão da relevância desses interesses, e não da existência de um qualquer
conflito.48 Voltando à definição de Antunes Varela, “Nos processos de jurisdição voluntária a
função exercida pelo juiz não é tanto de intérprete e aplicante da lei, como de verdadeiro
gestor de negócios – negócios que a lei coloca sob a fiscalização do Estado através do poder
judicial”. 49 Os 43 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 69-70. 44 Marques,
Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 102. 45 Mendes, Direito Processual Civil,
vol. I, 1997, pág. 74. 46 Sobre as diferentes posições doutrinárias relativas à definição da
jurisdição voluntária e respetiva critica, veja-se Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 120-126.
47 O que não significa que não exista, mas simplesmente que ele não é pressuposto do
processo, como acontece nos casos de jurisdição contenciosa. “A distinção entre jurisdição
voluntária e jurisdição contenciosa resulta, assim, não propriamente da existência ou não de
controvérsia, mas da existência ou não de um litígio em sentido técnico (Almeida, Direito
Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 20-23). 48 Acórdão do Tribunal de Recurso de 28-6-2012,
processo 06/Cível/2012/TR. 49 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 70. 12
processos de adoção ou de regulação do poder paternal são processos de jurisdição
voluntária,50 e também o serão os processos especiais de interdição e inabilitação (arts. 793º
a 907º) e o processo especial de reforma de autos, documentos e livros (arts. 808º a 816º).51
Daí que a aplicação do regime do processo comum de declaração a este tipo de processos
implica algumas adaptações importantes.52 Atenta a sua especial natureza, tem a jurisdição
voluntária que obedecer a regras próprias um pouco diferentes das regras da jurisdição
contenciosa. Nomeadamente: a) Mais intervenção do princípio inquisitório. No campo da
jurisdição voluntária predomina o princípio do inquisitório sobre o do dispositivo,
nomeadamente no que respeita à averiguação dos factos, em que o juiz não está limitado,
como regra, aos factos articulados pelas partes, como sucede no âmbito da jurisdição
contenciosa.53 Veja-se, por exemplo, o art. 803º, nº 4, do CPC. b) Menor rigor no formalismo.
No acórdão do Tribunal de Recurso de 28-6-2012, decidiu-se que a falta de regulamentação do
processo de jurisdição voluntária no CPC constitui uma verdadeira lacuna que importa
integrar, devendo-se adaptar o processo comum de declaração a este tipo de processos.
Nomeadamente, “num processo de jurisdição voluntária, como é o presente, não há
verdadeiramente uma discussão e julgamento, mas apenas diligências de produção de prova,
que podem incluir a inquirição de testemunhas. Nomeadamente não haverá lugar à
elaboração de especificação e questionário e discussão prévia do litígio, ou seja, não há, ou
não tem que haver, uma audiência de discussão e julgamento, mas apenas diligência de
produção de prova.54 Ora, não havendo um litígio que imponha a discussão e julgamento da
causa, também não tem aqui aplicação o disposto no art. 395º, nº 2, do CPC.55 50 Acórdão do
Tribunal de Recurso de 28-6-2012, processo 06/Cível/2012/TR. 51 Almeida, Direito Processual
Civil, vol. I, 2010, pág. 88. 52 Acórdão do Tribunal de Recurso de 28-6-2012, processo
06/Cível/2012/TR. 53 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 121. Veja-se ainda Varela, Bezerra e
Nora, Manual de Processo Civil, pág. 71, e Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág.
84. 54 Por exemplo, nas providências cautelares a produção de prova também decorre sempre
perante juiz singular, independentemente do valor da causa, embora a lei nada refira sobre o
assunto. Isso acontece porque se entende que não se realiza uma audiência de discussão, mas
apenas uma diligência de produção de prova. 55 Alberto dos Reis, in Revista de Legislação e
Jurisprudência, ano 85º, Coimbra: Coimbra Editora, págs. 3 e 17, e Alberto Baltazar Coelho,
Atribuições do tribunal colectivo no julgamento da matéria de facto nas acções cíveis,
Colectânea de Jurisprudência - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, tomo 1º,
Coimbra: Casa do Juiz, 1994, páginas 5 e seguintes, ambos citados no acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de Portugal de 12-3-1996, processo 088283, relator Machado Soares, in
www.dgsi.pt/jstj. De facto, o juiz não declara um direito do autor em face do réu (José Maria
Rosa Tesheiner, Procedimentos de jurisdição voluntária segundo o novo código civil, 13 Em
conclusão, nos processos de jurisdição voluntária, como sejam os processos de adoção ou de
regulação do poder paternal, não é obrigatória a intervenção do tribunal coletivo, não se
verificando a nulidade prevista no art. 395º, nº 2, nos casos em que tal intervenção seja
preterida”.56 Veja-se o disposto no art. 791º do CPC. c) Menor exigência de legalidade estrita
a favor da melhor solução para o caso. Nos processos de jurisdição voluntária o juiz está
menos sujeito aos critérios de legalidade estrita, próprios da jurisdição contenciosa, assumindo
maior relevância a equidade.57 Não significa isto que o juiz não esteja vinculado à lei, mas que,
perante a possibilidade de decidir de diversas formas, é livre de escolher a que entender ser a
mais adequada à solução daquele caso concreto.58 d) Modificabilidade das decisões. As
decisões podem ser modificadas se houver uma alteração dos pressupostos ou as
circunstâncias que as determinaram.59 5. Tipos e formas do processo 5.1. Tipos de ação
Estabelece o art. 3º, nº 1, do CPC, que as ações são declarativas ou executivas. Esta distinção
prende-se com o fim prosseguido pelo autor. Conforme salienta Castro Mendes, “A
composição de um litígio é o fim do processo; é o conteúdo do pedido que o autor ou
requerente dirige ao tribunal; e é, portanto, objecto do direito que a parte exerce quando a ele
recorre, exigindo a sua intervenção – direito de acção judicial, ou somente acção. Os diferentes
tipos de composição de litígio dão assim origem a diferentes tipos de processos, a diferentes
tipos de pedidos e a diferentes tipos de acções”.60 Assim, como a própria designação sugere,
as ações declarativas destinam-se a obter a Revista Jurídica, nº 307(págs. 27 -60), Porto Alegre,
Maio de 2003, pág. 44). 56 Acórdão do Tribunal de Recurso de 28-6-2012, processo
06/Cível/2012/TR. 57 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 121, e Varela, Bezerra e Nora,
Manual de Processo Civil, págs. 71-72. 58 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, págs.
84-90. 59 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 122, e Varela, Bezerra e Nora, Manual de
Processo Civil, pág. 72. 60 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 230. 14
declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto por parte do tribunal.61
As ações declarativas destinam-se a compor o conflito de interesses através de uma declaração
judicial, a solução concreta do litígio, tal como ela resulta do pedido.62 Por exemplo, António
considera-se proprietário de um imóvel que se encontra ocupado por Bernardo, que
igualmente se considera proprietário do mesmo imóvel. Para solicitar que o tribunal declare
que é ele o dono do imóvel deverá intentar uma ação declarativa. Nos termos do art. 3º, nº 3,
do CPC, dizem-se ações executivas aquelas em que o autor requer as providências adequadas à
reparação efetiva do direito violado. Ou seja, as ações executivas têm por finalidade a
reintegração do direito violado, mediante a realização coerciva de uma prestação, que pode
ter por objeto uma coisa ou um facto.63 Pretende-se com a ação executiva forçar o obrigado a
cumprir uma determinada prestação já previamente determinada judicial ou
extrajudicialmente, através dos meios coercivos do Estado colocados à disposição do
tribunal.64 Na definição de Antunes Varela, “As acções executivas são aquelas em que,
invocando a falta de cumprimento de uma obrigação constante de documento revestido de
especial força probatória (título executivo), o autor (exequente) requer a efetiva reintegração
do seu direito ou a aplicação das sanções correspondentes à sua violação.65 A ação executiva
pressupõe, pois, a existência de um título executivo que certifique o direito do exequente (art.
668º, nº 1, do CPC). Título que tanto pode ser judicial (uma sentença transitada em julgado em
que, mediante a ação declarativa se reconheceu o direito do exequente), como extrajudicial
(declaração de reconhecimento de dívida feita mediante documento autêntico ou
autenticado), nos termos do art. 669º, nº 1, do CPC.66 Por exemplo, se António não paga a
Bernardo uma determinada dívida cuja existência não está em dúvida, por ter sido
reconhecida pelo tribunal através de uma ação declarativa, ou porque 61 Baptista, Processo
Civil I, 2006, pág. 130, Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 16, e Almeida,
Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 70. 62 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código
Revisto, 2009, pág. 16. 63 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 135. 64 Vejam-se Varela,
Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 16. 65 Varela, Bezerra e Nora, Manual de
Processo Civil, pág. 22. 66 Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2012, pág. 24,
Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 135- 137, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código
Revisto, 2009, pág. 16. 15 António reconheceu a dívida mediante escritura pública,67 Bernardo
pode solicitar ao tribunal o pagamento forçado (a realização coativa da prestação),
nomeadamente mediante a penhora e venda de bens do António no valor necessário para
obter tal pagamento.68 Segundo Lebre de Freitas, “Às acções que visam a declaração de
direitos, pré-existentes ou a constitui, ou de factos jurídicos, opõem-se aquelas que, não
cuidando já de os declarar, têm por fim a reparação material dos direitos violados”.69 5.2. As
ações declarativas As ações declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou
constitutivas, tendo por fim: a) As de simples apreciação, obter unicamente a declaração da
existência ou inexistência de um direito ou de um facto; b) As de condenação, exigir a
prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito; c)
As constitutivas, autorizar uma mudança na ordem jurídica existente. Para Antunes Varela, o
que distingue os diversos tipos de ações declarativas é a natureza da decisão requerida do
órgão judiciário. 70 a) Ações de simples apreciação: Para José João Baptista, “As ações de
simples apreciação não pressupõem qualquer facto ilícito, mas apenas situações de dúvida ou
incerteza que poderão vir a causar prejuízos. Estas acções, pondo termo a estas situações,
contribuem para prevenir litígios e nessa medida tutelam bens jurídicos. Desempenham,
assim, uma função preventiva autónoma”.71 Esclarece Alberto dos Reis, “O que caracteriza a
acção de simples apreciação e a distingue da acção de condenação é a ausência de lesão ou
violação do direito. A acção de condenação pressupõe um facto ilícito, isto é, que o direito já
foi violado; a acção de simples apreciação é anterior à violação do direito ou tudo se passa
como se o fosse. Na acção de simples apreciação não se exige do réu prestação alguma,
porque não se lhe imputa a falta de cumprimento de 67 Art. 669º, nº 1, als. a) e b), do CPC. 68
Não significa isto que se consiga obter a realização coativa do direito, mas apenas que se pode
solicitar ao tribunal que a tente mediante os mecanismos de que dispõe (Almeida, Direito
Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 133). 69 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil
Anotado, vol. I, 2008, pág. 13. 70 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 16. 71
Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 131. 16 qualquer obrigação”.72 Não se pretende com a
ação de simples apreciação a condenação do réu no cumprimento de uma qualquer obrigação,
mas apenas a verificação e declaração de que um determinado facto juridicamente relevante
ou um direito existem ou não existem.73 Daí que a sentença proferida em ação se simples
apreciação não possa ser executada, nenhuma prestação se pode exigir ao réu uma vez que o
tribunal se limita a considerar a existência ou inexistência do direito.74 A ação de simples
apreciação torna-se necessária perante uma situação que impeça uma pessoa de beneficiar do
pleno efeito útil normalmente proporcionado pela relação material ou que lhe cause um dano
patrimonial ou não patrimonial apreciável.75 O facto cuja existência ou inexistência se
pretende ver declarada tem, porém, que ser um facto jurídico e com relevância jurídica, não
um facto neutral ou ajurídico (como a declaração de ter ou não chovido em determinado dia
do ano).76 As ações de simples apreciação podem ser positivas ou negativas: I. Ação de
simples apreciação positiva, é a que tem por fim a declaração de existência de um direito. Por
exemplo, no caso de um litígio relativamente à titularidade do direito de propriedade sobre
um imóvel, que não se encontra ocupado por nenhuma das partes, por exemplo por ter
pertencido ao pai dos contendores e o prédio estar arrendado, pode uma delas pedir que o
tribunal declare que é ele o proprietário de tal imóvel.77 72 Reis, Código de Processo Civil
Anotado, volume I, 2012, pág. 21. 73 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto,
2009, pág. 118, Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág.
13. 74 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 22. 75 Almeida, Direito
Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 71. 76 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 237,
e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 21. 77 Como outros exemplos aponta
José João Baptista a propositura de ação de simples apreciação positiva para certificar que a
mercadoria fornecida por um comerciante está estragada ou que está em condições, para que
se declare que um documento é verdadeiro ou que é falso (Baptista, Processo Civil I, 2006,
pág. 131). Para Remédio Marquesm se, por exemplo, A., titular de um direito de usufruto, ou
de um direito de superfície, vê colocado em questão por B. o uso e fruição do imóvel, por
parte de A., embora sem que pratique quaisquer actos que o impeçam, pode o mesmo
intentar ação de simples apreciação positiva para que veja reconhecido o seu direito e o
consequente diteito de uso e fruição do imóvel (Marques, Acção Declarativa à Luz do Código
Revisto, 2009, pág. 119). Vejam-se ainda os vários exemplos apresentados por Ferreira de
Almeida (Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 71-72). 17 II. Ação de simples
apreciação negativa é a que tem por fim a declaração de inexistência de um direito. Por
exemplo, uma pessoa que pretende vender um prédio tem dificuldade em fazê-lo porque um
seu vizinho invoca que tem direito a servidão de passagem sobre o mesmo prédio, o que
obviamente desvaloriza o prédio. Aquele pode então solicitar que o tribunal declare que tal
servidão não existe, uma vez que a afirmação do vizinho lhe causa evidente prejuízo.78 Nos
termos do art. 511º, nº 1, do CPC, nas ações de simples apreciação negativa compete ao réu a
prova dos factos constitutivos do direito que se arroga. Assim, se o vizinho da pessoa que
pretende vender o prédio diz na vizinhança que tem um direito de servidão de passagem sobre
tal prédio, o dono do prédio apenas que tem que alegar que tal direito não existe, e que a
afirmação do vizinho lhe causa prejuízo. Já a existência do direito de servidão de passagem
terá que ser provada pelo vizinho que invoca a sua existência. Como já se referiu, a relevância
da incerteza jurídica, nomeadamente o prejuízo que dela resulta para o autor é elemento
constitutivo do direito de ação, sendo inepta a ação em que não se alegue tal prejuízo, ou a
relevância da incerteza jurídica.79 b) Ações de condenação: Segundo Antunes Varela, “Nas
acções de condenação, o autor ou requerente, arrogando-se a titularidade de um direito que
afirma estar sendo violado pelo réu, pretende que se declare a existência e a violação do
direito e se determine ao réu a realização da prestação (em regra, uma acção, mas podendo
muito bem ser uma abstenção ou omissão) destinada a reintegrar o direito violado ou a
reparar de outro modo a falta cometida”.80 As ações de condenação correspondem às
chamadas ações de cumprimento previstas nos arts. 751º e seguintes do Código Civil.81 Tal
como acontece com as ações de simples apreciação, também aqui existe a declaração de um
direito do autor, mas a esse reconhecimento segue-se a condenação do réu a reparar o direito
violado ou a efetuar a prestação em dívida. Efetivamente, a ação de condenação pressupõe
que já 78 Exemplo apresentado por Antunes Varela (Varela, Bezerra e Nora, Manual de
Processo Civil, págs. 20-21). 79 Art. 155º, nº 2, al. a), do CPC. Veja-se Mendes, Direito
Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 241. 80 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil,
pág. 17. 81 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 241. 18 foi praticado um facto
ilícito (um incumprimento contratual ou um ilícito extracontratual), pressupõe que o direito já
foi violado, constituindo uma reação contra essa violação, destinandose a exigir a prestação
que deixou de ser prestada, ou a restauração da situação em função da violação do direito.82
Ou seja, seguindo ainda Alberto dos Reis, “A acção de condenação é também uma acção de
apreciação; antes de condenar na prestação o juiz tem que apurar se o direito do autor existe.
Mas a apreciação aparece aqui como meio para se chegar a um fim último: a condenação; ao
passo que na acção de simples apreciação o fim único da actividade jurisdicional é a
apreciação”. 83 A ação de condenação tem como finalidade obter do tribunal uma ordem, um
comando destinado ao réu para que este cumpra.84 A ação não pressupõe, porém, que já se
tenha verificado a violação do direito, podendo inclusivamente ser intentada apenas no
pressuposto de posterior violação do direito.85 Ou seja, como explica Lebre de Freitas,
“pressuposto lógico da condenação é a violação dum direito, mas não é necessário que a
violação esteja consumada à data do recurso a juízo ou mesmo à data da sentença”.86 O
melhor exemplo do que foi referido é constituído pela ação de reivindicação. Se uma pessoa
pretende obter a entrega de um imóvel que diz pertencer-lhe e que se encontra ocupado por
outra pessoa terá, antes de mais, que demonstrar que é o titular do direito de propriedade
sobre tal imóvel. Só depois de tal apreciação. Ou seja, só depois de o tribunal constatar que o
autor tem o direito de propriedade sobre o imóvel, poderá então condenar o réu a entregar o
aludido imóvel ao autor, que era o que efetivamente o autor pretendia ao intentar a ação.
Uma vez apreciado e confirmado o direito invocado pelo autor e condenado o réu a proceder à
entrega do imóvel ao autor, se aquele não cumprir a ordem constante da sentença, pode o
autor pedir a sua execução forçada, através do processo executivo. Segundo Remédio
Marques, “As acções de condenação constituem, desta maneira, a forma 82 Reis, Código de
Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 21. 83 Reis, Código de Processo Civil Anotado,
volume I, 2012, pág. 22. 84 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 232.Veja-se ainda Mendes,
Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 240). 85 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo
Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 14, e Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 77. 86
Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 25. 19 de tutela jurisdicional civil declarativa
dotada de maior eficácia tendo em vista a (ulterior) realização forçada ou coactiva da
prestação devida”.87 c) Ações constitutivas: Regressando à definição de Antunes Varela, “Nas
acções constitutivas, o autor pretende obter, com a coadjuvação da autoridade judicial, um
efeito jurídico novo, que altera a esfera jurídica do demandado, independentemente da
vontade deste”.88 O que se pretende aqui não é a condenação de ninguém em qualquer tipo
de prestação. Pretende-se apenas constituir uma nova relação jurídica, ou alterar ou extinguir
uma situação jurídica já existente. O autor não requer a condenação do réu, na medida em
que o efeito jurídico pretendido não depende da vontade do demandado. Porém, o tribunal só
pode conceder a providência requerida depois de verificar, se necessário mediante
julgamento, e sempre com audiência da parte contrária, se ocorrem os requisitos legalmente
exigidos para o reconhecimento do direito invocado.89 Embora o exercício dos direitos
potestativos não esgote o campo das ações constitutivas, estas são o meio de exercício judicial
de tais direitos.90 Seguindo Lebre de Freitas, “perante o pedido de alteração das situações
jurídicas das partes, o juiz, pela sentença, cria novas situações jurídicas entre elas,
constituindo, impedindo, modificando ou extinguindo direitos e deveres que, embora
fundados em situações jurídicas anteriores, só nascem com a própria sentença”.91 Enquanto
nas ações de simples apreciação ou condenatórias se reconhece e aprecia uma situação pré-
existente, a ação constitutiva cria uma situação nova.92 As ações constitutivas podem dividir-
se em ações constitutivas-constitutivas, Ações 87 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código
Revisto, 2009, pág. 126. 88 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 18. 89
Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 74-75. 90 Varela, Bezerra e Nora, Manual
de Processo Civil, pág. 19, Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 242, Freitas,
Introdução ao Processo Civil, 1996, págs. 25-26, e Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo
Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 13. 91 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 26. 92
Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 23. 20 constitutivas-modificativas
e ações constitutivas-extintivas.93 I. Ações constitutivas-constitutivas. Trata-se de casos em
que se pretende obter a criação de uma nova situação jurídica que não existia anteriormente.
Por exemplo, se o dono de um terreno não tem acesso ao mesmo, por o terreno não
confrontar com qualquer caminho público, não lhe sendo concedida passagem pelo dono do
terreno vizinho que confina com o caminho público, pode pedir ao tribunal que constitua uma
servidão de passagem sobre o terreno do vizinho por forma a poder aceder ao seu terreno
(arts. 1437º, nº 2, e 1440º, nº 1, do Código Civil).94 Neste caso, comprovada pelo tribunal a
necessidade de passagem pelo prédio vizinho, independentemente da vontade do dono deste,
pode o tribunal constituir uma situação jurídica nova de servidão de passagem. II. Ações
constitutivas-modificativas. Trata-se de casos em que se pretende obter a modificação de uma
situação jurídica já existente anteriormente. Por exemplo, o dono de um terreno onerado com
uma servidão de passagem a favor do terreno vizinho, pode pedir ao tribunal que altere o
lugar da servidão (o local por onde o beneficiário da servidão passa), para outro lugar onde lhe
cause menos prejuízo (art. 1458º, nº 1, do Código Civil).95 Ou exemplo, ação de separação
judicial de bens, nos termos do art. 1644º do Código Civil, caso em que se mantém a relação
de casamento mas o regime de bens do mesmo é modificado para a separação absoluta de
bens dos cônjuges. Mais uma vez, comprovados pelo tribunal os requisitos legais (a má
administração do outro cônjuge), independentemente da vontade do dono deste, pode o
tribunal alterar a relação jurídica do casamento. III. Ações constitutivas-extintivas. Trata-se de
causos em que se pretende obter a extinção de uma situação jurídica existente. Por exemplo, o
dono do prédio beneficiário da servidão não usar a mesma durante o prazo de vinte anos, o
dono do prédio serviente (onerado com o direito de servidão do prédio vizinho), por pedir ao
tribunal que declare a extinção da servidão (art. 1459º, nº 1, al. b), do Código Civil).96 Numa
ação de divórcio também se extingue a relação de casamento (art. 1664º do Código Civil).97
Para Alberto dos Reis e José João Baptista, a ação de 93 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág.
134, e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 19. 94 Veja-se os arts. 674º e
695º do CCI. 95 Veja-se o art. 692º do CCI. 96 Veja-se o art. 707º do CCI. 97 Veja-se o art. 707º
do CCI. 21 divórcio é simultaneamente extintiva do casamento e igualmente constitutiva do
estado de divorciado.98 5.3. Formas de processo declarativo Nos termos do art. 347º, nº 1, do
CPC, o processo de declaração pode assumir a forma comum ou especial. Mais se acrescenta
no nº 2 do mesmo artigo que o processo comum é utilizado em todos os casos a que a lei não
faça corresponder expressamente a forma de processo especial. Ou seja, o processo comum
aplica-se a todos os casos não especificados na lei como correspondentes aos processos
especiais. O processo comum constitui, pois, a regra, aplicando-se a todos os casos para os
quais não está previsto nenhum processo especial. 99 Assim, para se determinar em certo caso
se deve usar processo especial ou o processo comum, deve utilizar-se, portanto, o seguinte
método: vê-se, sobretudo no CPC, mas também em leis avulsas, se algum tipo de processo se
encontra especialmente previsto para regular a situação em causa, caso não exista aplica-se o
processo comum.100 Ou seja, o processo comum constitui a regra, enquanto o processo
especial constitui a exceção.101 Assim, os processos especiais são aplicáveis apenas aos casos
expressamente previstos em lei, são excecionais e taxativos (especificados na lei).102 São os
seguintes os processos especiais previstos no CPC (art. 790º): a) Interdição e inabilitação b)
Reforma de autos, documentos e livros; c) Prestação de caução; d) Divórcio e Separação de
pessoas e bens; e) Prestação de alimentos; f) Revisão de sentença estrangeira; g) Inventário; h)
Ação de indemnização contra magistrados. 98 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume
I, 2012, pág. 23, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 134. 99 Mendes, Direito Processual Civil,
vol. I, 1997, pág. 249. 100 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 249. 101 Varela,
Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 68. 102 Sobre o assunto veja-se Reis, Código de
Processo Civil Anotado, volume II, 2012, págs. 285-296. 22 A lei pode ainda criar
expressamente outros processos especiais, para além dos previstos no CPC. Os processos
especiais regulam-se por normas próprias e, subsidiariamente, pelas normas do processo
comum de declaração (art. 348º do CPC). Sendo omissas essas normas, aplica-se o que dispõe
o art. 1º, nº 2, do CPC). 5.4. As ações executivas Como já se referiu, a ação executiva visa a
realização coerciva (forçada) do direito já reconhecido ou declarado. Toda a execução tem por
base um título (o título executivo) que determina os seus fins e limites (art. 668º, nº 1, do CPC).
Ou seja, a execução não pode exceder o que consta do título, nem se pode executar coisa
diversa do que consta do título. A ação executiva tem uma única forma de processo: o
processo comum de execução (art. 666º do CPC). Porém, de acordo com o seu fim, a ação
executiva (execução) pode destinar-se (art. 668º, nº 2, CPC): a) ao pagamento de uma quantia
certa (por exemplo, a execução decorrente de uma sentença que condenou o réu no
pagamento da quantia de $1000,00 USD); b) a entrega de coisa certa (por exemplo, a execução
decorrente de uma sentença que condenou o réu a entregar uma determinada casa); ou c) a
prestação de um facto positivo ou negativo: Facto positivo: por exemplo, a execução
decorrente de uma sentença que condenou o réu a realizar uma reparação numa casa: Facto
negativo: por exemplo, a execução decorrente de uma sentença que condenou o réu a demolir
uma casa. O elemento diferenciador, o que distingue os diversos tipos de ação executiva é,
pois, o fim da execução ou natureza da obrigação exequenda. 103 103 Almeida, Direito
Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 121. 23 Sem dúvida que o processo executivo para
pagamento de quantia certa é o mais comum e o mais importante, quer por ser a mais
frequente, quer por nela se converterem com frequência as execuções para entrega de coisa
certa ou para prestação de facto. 104 Porém, a falta de regulamentação específica para o
processo executivo para entrega de coisa certa ou para prestação de facto traz sérias
dificuldades aos intervenientes processuais, nomeadamente ao juiz, uma vez que, conforme
alerta Castro Mendes, “a classificação das execuções pelo fim tem profunda repercussão nas
suas respectivas formas, na marcha por que se desenvolvem”.105 Efetivamente, o processo
comum de execução foi forjado para a execução para pagamento de quantia certa, pelo que
não é possível encontrar no CPC, nas normas que regulam o processo executivo, o
procedimento a adotar para obter a entrega forçada de uma coisa ou a prestação de um facto,
seja positivo, seja negativo. Assim, afigura-se adequado a adoção dos procedimentos previstos
no Decreto-Lei nº 32/2008, de 27 de Agosto, sobre Procedimento Administrativo, ao abrigo do
disposto no art. 1º, nº 2, als. b) e c), do CPC. Efetivamente, este diploma prevê expressamente
nos seus arts. 66º e 67º regras próprias para a execução para entrega de coisa certa e para
prestação de facto que faz todo o sentido sejam seguidas nas execuções em processo civil,
com as necessárias adaptações. Como processo executivo especial temos no ordenamento
jurídico nacional o processo de execução por custas e multa, previsto nos arts. 69º a 76º do
Código das Custas Judiciais.106 6. Princípios de processo civil 6.1. Conceito e relevância Nos
termos do art. 1º, nº 2, al. b), do CPC, uma das formas de integração das lacunas da lei
processual civil é o recurso aos princípios gerais da lei processual civil. Os princípios de
processo civil são resultantes das opções, ou as valorações político- 104 Varela, Bezerra e
Nora, Manual de Processo Civil, pág. 99. 105 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág.
273. 106 Aprovado pelo Decreto-Lei nº 16/2011, de 13 de Abril. 24 legislativas que em certo
momento prevalecem no ordenamento jurídico.107 Como é óbvio, não existe uniformidade de
opiniões na doutrina sobre quais são os princípios mais relevantes do direito processual civil.
Procurar-se-á, portanto fazer uma síntese das várias posições doutrinais sobre a matéria.
Segundo Bento Herculano Neto, “os princípios jurídicos fundamentam todos os
compartimentos do direito, de modo a se tornarem alicerce das mais diversas construções
legislativas. Os princípios, também na ciência jurídica, funcionam como a moldura que
enquadra a obra, limitando-a e complementando-a, simultaneamente e com uma importância
muitas vezes não enxergada”. Torna-se, por isso, imperioso estudar os princípios que
alicerçam o direito processual civil, “pois são eles que delineiam as opções tomadas pelo
legislador, tanto no plano constitucional como no infraconstitucional.108 6.2. Princípio do
dispositivo A primeira regra do direito processual civil está contida no art. 7º do CPC (princípio
do pedido), nos termos do qual o tribunal não pode conhecer de qualquer litígio entre as
partes, sem que tal lhe tenha sido pedido por uma delas. Este pedido faz-se, como é óbvio,
através da petição inicial ou requerimento inicial. Segundo Ferreira de Almeida, “O processo só
se inicia sob o impulso ou iniciativa da parte (autor, requerente, exequente), através do
respetivo pedido (disponibilidade do início do processo) e não sob o impulso do juiz.109 Trata-
se de manifestação do princípio da livre disponibilidade dos direitos subjetivos. Se o titular de
um direito real, por exemplo, pode dele dispor livremente, pode igualmente não se opor a que
outra pessoa usufrua do seu bem, ainda que sem o seu consentimento.110 O princípio do
dispositivo tem consagração expressa no art. 220º, nº 1, do CPC, que estatui 107 Marques,
Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 193-194, e Leitão, Dos princípios
básicos em processo civil, 1999, pág. 15. 108 Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito,
2009, págs. 23-24. 109 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 238. 110 Leitão, Dos
princípios básicos em processo civil, 1999, págs. 25-27, Freitas, Introdução ao Processo Civil,
1996, págs. 121-128, e Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito, 2009, pág. 64. 25 que a
iniciativa e o impulso processual incumbe às partes. 111 Ou seja, as partes devem não só pedir
a resolução do litígio ao tribunal, como igualmente ficam obrigada a impulsionar o processo,
formulando os requerimentos necessários ou legalmente exigidos para o decurso normal
deste.112 Por outro lado, ainda nos termos do art. 7º do CPC, o tribunal só pode resolver os
litígios entre as partes dentro dos limites do pedido formulado.113 Assim, o juiz não pode
condenar em objeto diferente do pedido e para além do que foi pedido (art. 409º, nº 1, do
CPC), sob pena de nulidade da decisão (art. 416º, nº 1, al. e), do CPC). Ou seja, o pedido
delimita o objeto da ação. No dizer de Bento Herculano Neto, “o princípio do dispositivo está
consubstanciado, inicialmente, pela necessidade de provocação da jurisdição e pela limitação
do juiz à chamada litiscontestatio”.114 Daí que, se faltar ou for ininteligível o pedido a petição
é inepta sendo nulo todo o processo (arts. 155º, nº 2, al. a), e 349º, nº 1, al. e), do CPC). Para
José João Baptista o princípio do dispositivo comporta as seguintes consequências: “- o
processo só se inicia mediante impulso da parte que apresenta a petição inicial (autor)”,
conforme o art. 7º do CPC; “- as partes é que definem o objecto do processo, ou seja, a
matéria da causa a decidir pelo tribunal; “- o desenvolvimento do processo tem de ser
continuamente estimulado pelas partes; “- as partes podem por termo ao processo
(desistência da instância) e determinar o conteúdo da sentença de mérito (confissão do
pedido, transacção e desistência do pedido) ”, conforme art. 245º do CPC; 111 Como se pode
ver pela leitura do art. 220º, o CPC não faz qualquer distinção entre o princípio do dispositivo e
o princípio do pedido, considerando ambos como dispositivo, embora a doutrina diferencie os
mesmos com frequência (Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito, 2009, pág. 66). 112
Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 196-197. 113 Pedido é a
pretensão formulada pelo autor na petição inicial. 114 Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do
Direito, 2009, pág. 64. Veja-se ainda Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil
Anotado, vol. I, 2008, pág. 6. 26 “- ao juiz não é consentido indagar, de modo autónomo, a
verdade dos factos, pelo que o processo se restringe aos factos alegados pelas partes”.115
Como manifestações deste princípio temos, assim, que o juiz não pode conhecer de factos que
não tenham sido alegados pelas partes (art. 412º do CPC), nem podendo condenar em
quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (art. 409º do CPC). Com o princípio
do dispositivo liga-se o princípio da auto-responsabilidade das partes, segundo o qual, na
definição de José João Baptista, “as partes são as responsáveis pela boa ou má condução do
processo, visto que o processo nasce e desenvolve-se por sua iniciativa e no seu interesse”.116
Conforme salienta Ferreira de Almeida, “Competindo às partes o accionamento dos
correspondentes meios de ataque e de defesa, serão também elas a suportar as
consequências negativas as suas eventuais omissões ou inércia, ou seja, uma decisão de
sentido desfavorável às suas pretensões ou posições”.117 Por exemplo, se a parte não
apresentar alegações do recurso que interpôs no prazo legal, o mesmo é considerado deserto,
dicando sem efeito (art. 243º, nº 2, do CPC). Assim, temos o princípio da preclusão que impede
a parte de exercer certo direito ou de alegar certos factos ou direito se não o fizer nos prazos
especialmente consignados para o efeito.118 Será o caso de o réu deixar decorrer o prazo
perentório para a presentar a contestação, que o impede de o fazer posteriormente. 6.3.
Princípio do inquisitório O princípio do inquisitório expressa a possibilidade do juiz intervir
ativamente na condução do processo por forma a alcançar a verdade material e,
consequentemente, a decisão mais justa para o caso. 115 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág.
74. Veja-se igualmente Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, págs. 183 a 190. 116
Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 75. 117 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág.
245. Veja-se ainda Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, págs. 43-47. 118
Veja-se Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, págs. 145-14, Leitão, Dos princípios básicos
em processo civil, 1999, págs. 100-101, Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs.
256-262, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 201. 27 O princípio
do dispositivo, embora assuma um caráter preponderante no direito processual civil, tem
importantes limitações, nomeadamente consagradas no próprio art. 220º do CPC. Assim, nos
termos do nº 3 do referido art. 220º, o juiz tem o poder de realizar ou ordenar oficiosamente
as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade, quando aos factos
que lhe é lícito conhecer.119 O princípio do inquisitório que tem particular relevância na
instrução do processo. No dizer de José João Baptista, “Segundo este princípio o processo não
deve estar na total disposição da vontade das partes, mas sim da vontade do juiz”.120 O juiz
tem liberdade de instrução do processo, cabendo às partes o dever de colaborar na
descoberta da verdade material (art. 221º do CPC).121 Consagra-se, assim, o princípio da
prevalência da verdade material sobre a verdade formal.122 Como exemplos do princípio do
inquisitório, entre muitos outros, temos o art. 521º (inquirição oficiosa das partes), o art. 575º
(inquirição oficiosa de testemunhas), o art. 220º (produção oficiosa de provas), o art. 27º
(regularização oficiosa do processo). Outra manifestação deste princípio encontra-se no art.
222º do CPC, nos termo do qual cumpre ao juiz remover os obstáculos que se oponham ao
andamento regular da causa, quer recusando o que for impertinente ou meramente dilatório,
quer ordenando o que se mostrar necessário para o seguimento do processo. Consagra-se aqui
a direção formal do processo pelo juiz que o conduz da forma que tecnicamente e de acordo
com a sua estrutura interna se afigure mais correto. 123 O princípio do inquisitório tem,
porém, como se vê, menor relevância, não sendo frequente a intervenção oficiosa do juiz na
marcha do processo, uma vez que são a próprias parte quem tem 119 Relembre-se que o juiz
só pode conhecer dos factos alegados pelas partes, não podendo oficiosamente usar outros
factos para fundamentar a sua decisão (412º do CPC). 120 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág.
75. 121 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 138. 122 Almeida, Direito Processual
Civil, vol. I, 2010, pág. 239. 123 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 141. 28
interesse na apresentação da prova necessária à procedência da sua pretensão. 124 6.4.
Princípio do contraditório O princípio do contraditório traduz a garantia de cada uma das
partes de efetiva participação em todos os atos do processo (art. 8º do CPC). Princípio
estruturante do processo civil, o princípio do contraditório consiste na possibilidade que é
concedida a ambas as partes de influenciarem a decisão judicial.125 Assim, a parte deve ser
sempre ouvida antes de tomada qualquer decisão no processo que a possa afetar. Deve ser
sempre dada oportunidade à parte, contra quem é formulado um pedido, invocado um
argumento ou produzida uma prova, de se pronunciar, não sendo proferida qualquer decisão
antes de tal acontecer. Ou seja, relembra-se, a possibilidade concedida às partes de
influenciarem a decisão do tribunal. O juiz não pode decidir quaisquer questões de facto ou de
direito, sem as partes tenham tido oportunidade de se pronunciarem sobre essas questões126
(exceto se tal for expressamente consentido por lei, como pode ocorrer com algumas
providências cautelares).127 Para além da possibilidade de a parte poder responder aos
argumentos da outra parte, ela pode ainda pronunciar-se sobre a legalidade ou
admissibilidade do pedido formulado pela parte contrária (nomeadamente na produção de
prova). Segundo Lebre de Freitas, “Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do
processo é hoje entendido como corolário duma concepção mais geral da contraditoriedade,
como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em
termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas,
questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da
causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a
decisão”.128 O princípio do contraditório enquadra-se no princípio do processo equitativo,
enunciado no art. 14º do Pacto Internacional sobre os Direito Civis e Políticos, assinado em
Nova Iorque a 19 124 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 139. 125 Freitas,
Introdução ao Processo Civil, 1996, págs. 96-97. 126 Marques, Acção Declarativa à Luz do
Código Revisto, 2009, pág. 199. 127 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 196 (o
princípio não é absoluto, comportando exceções). 128 Freitas, Redinha e Pinto, Código de
Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, págs. 7-8. 29 de Dezembro de 1966, e ratificado pela RDTL
através da Resolução nº 2/2003, de 22 de Julho. O Supremo Tribunal da Áustria declarou que o
direito de contraditório é um princípio tão fundamental que qualquer omissão do mesmo
resulta na nulidade do processo (caso OGH, 8 0b 333/98y de 28.1.1999).129 O princípio do
contraditório funciona como essencial garante da ampla defesa (princípio da ampla defesa) e
até da igualdade processual, devendo o juiz zelar pela igualdade de oportunidade de
impugnação, pelos interessados, a tudo que ingresse nos autos.130 Daí que o princípio do
contraditório enforme todo o processo civil e esteja presente em todas as fases
processuais.131 Manifestação deste princípio encontra-se na obrigatoriedade de a secretaria
notificar oficiosamente a parte contrária de todos os requerimentos apresentados pela outra,
a menos que o juiz entenda diferentemente e deva pronunciar-se previamente (como
acontece nas providências cautelares), bem como ambas as partes de todos os despachos
proferidos no processo, sempre com cópia dos requerimentos ou dos despachos, nos termos
dos arts. 190º, nº 2 e 3, e 191º, nº 2, e 3, do CPC.132 Outro exemplo, a parte tem o direito de
contraditar a prova apresentada pela outra parte, mas também pode opor-se à própria
admissibilidade da prova requerida pela parte contrária, pelo que os requerimentos de prova a
produzir em julgamento devem ser sempre notificados à parte contrária.133 Outra
manifestação do princípio do contraditório é o princípio da audiência contraditória,
consagrado no art. 504º do CPC. 6.5. Princípio da igualdade das partes O princípio da igualdade
das partes encontra-se especialmente previsto no art. 9º do CPC, o 129 Acórdão do Tribunal de
Recurso de 21-10-2010, Processo nº 12/Agravo/Cível/2010/TR. 130 Neto, Lucon e Teixeira,
Teoria Geral do Direito, 2009, pág. 68. 131 Leitão, Dos princípios básicos em processo civil,
1999, pág. 63, e Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, págs. 194-196. 132 Veja-se
Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 402. 133 Almeida,
Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 249-250. 30 qual prescreve: O tribunal deve
assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes,
designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa, na aplicação de
cominações ou de sanções processuais, e garantindo a assistência técnica pela Defensoria
Pública nos termos da lei.134 Assim, juiz tem o poder/dever de tomar todas as medidas
necessárias a que efetivamente se assegure este princípio. Trata-se de um reflexo do princípio
da igualdade, consagrado no art. 16º da Constituição, e do princípio do processo equitativo
consagrado no já analisado art. 14° do Pacto Internacional sobre os Direito Civis e Políticos.
Conforme salienta Remédio Marques, “Este princípio processual decorre naturalmente da
ideia de contraditório. E serve ele para exprimir a ideia de que, ao longo de todo o processo, as
partes devem ser tratadas à luz de um estatuto de igualdade substancial (mesmo que haja uma
desigualdade de meios económicos ou desigualdade de poder no tráfego jurídico)”.135 A
possibilidade de intervenção da Defensoria Pública visa precisamente obviar a que a
desigualdade económica possa afetar o princípio da igualdade das partes. Segundo José João
Baptista, através deste princípio “procurou-se conceder uma certa protecção aos mais
desfavorecidos economicamente, pois a igualdade não deve ser apenas jurídica mas também
prática”.136 Contudo, o princípio da igualdade das partes não contende (nem pode contender)
com o dever de imparcialidade do tribunal.137 Tal como se sublinhou no Acórdão do Tribunal
Constitucional de Portugal nº 358/98, “o processo de um Estado de direito (processo civil
incluído) tem, assim, de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das
partes tem de poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em
regra, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder
exercer em condições de igualdade”. 138 E, por isso, cada 134 A assistência das partes em
processo civil pela Defensoria Pública encontra-se regulamentada no Estatuto da Defensoria
Pública Decreto-Lei nº 38/2008, de 29 de Outubro. 135 Marques, Acção Declarativa à Luz do
Código Revisto, 2009, pág. 199. Veja-se ainda Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, págs.
105-106. 136 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 76. 137 Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral
do Direito, 2009, págs. 41-42. 138 Acórdão de 12-5-1998, relator Messias Bento, publicado no
Diário da República, 2ª série, de 17 de Julho de 1998. 31 uma das partes há-de, pois, poder
expor as suas razões perante o tribunal (princípio do contraditório). E deve poder fazê-lo em
condições que a não desfavoreçam em confronto com a parte contrária (princípio da igualdade
de armas). 139 A vinculação da jurisdição ao princípio da igualdade, mais do que significar
igualdade de acesso à via judiciária, significa igualdade perante os tribunais, de onde decorre
que as partes têm de dispor de idênticos meios processuais para litigar de idênticos direitos
processuais. O processo civil tem estrutura dialética ou polémica, pois que assume a natureza
de um debate ou discussão entre as partes. E estas (repete-se) devem ser tratadas com
igualdade. Para além do princípio do dispositivo ou da livre iniciativa e do ditame da livre
apreciação das provas pelo julgador constituem, assim, traves mestras do processo o princípio
do contraditório e o da igualdade das partes (igualdade de armas). O princípio do contraditório
(audiatur et altera pars), enquanto princípio reitor do processo civil, exige que se dê a cada
uma das partes a possibilidade de deduzir as suas razões (de facto e de direito), de oferecer as
suas provas, de controlar as provas do adversário» e de «discretear sobre o valor e resultados
de umas e outras. 140 Os princípios da igualdade das partes e do contraditório assumem
dignidade constitucional por derivarem do princípio do Estado de direito.141 6.6. Princípio da
legalidade Segundo o princípio da legalidade a tramitação do processo deve obedecer ao que
consta do CPC, não podendo o juiz ou as partes decidir livremente quais os trâmites que o
processo deve seguir. Daí que a preterição de formalidades essenciais impostas pela lei
processual ou a prática de atos não admissíveis segundo a lei possa conduzir à nulidade dos
atos do processo.142 Nos termos do art. 107º, nº 1, do CPC, A forma dos diversos atos
processuais é regulada pela 139 Acórdão do Tribunal Constitucional de Portugal, nº 88/2003,
de 14-2-2003, relatora Maria dos Prazeres Beleza, publicado no Diário da República, 2ª série,
de 24 de Maio de 2003. 140 Acórdão do Tribunal Constitucional de Portugal, nº 249/97, de 18-
3-1997, relator Messias Bento, publicado no Diário da República, 2ª série, de 17 de Maio de
1997, citando Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, I, Coimbra, 1956,
pág. 364. 141 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 253. 142 Baptista, Processo
Civil I, 2006, pág. 79. Veja-se ainda Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, págs.
162-164. 32 lei que vigore no momento em que são praticados. No dizer de Castro Mendes,
estamos perante uma forma de processo rígida.143 6.7. Princípio da celeridade processual
Segundo Lebre de Freitas, “O entendimento do direito de acesso à justiça como direito
efectivo à jurisdição implica ainda que a resposta judicial à pretensão deduzida tenha lugar em
prazo razoável, pois uma decisão ou uma providência executiva tardia pode equivaler à
denegação de justiça”.144 Nos termos do art. 6º do CPC, nenhum juiz pode recusar-se a
realizar audiência, julgar ou decidir um caso apresentado aos tribunais em conformidade com
as disposições deste Código.145 Ou seja, constitui denegação de justiça a falta de resposta à
pretensão. Embora se trate essencialmente de atender ao interesse do autor (ou do réu
reconvinte), o réu também pode ter prejuízo com o prolongar indevido do processo, face à
situação de indefinição que acarreta.146 Contudo, o princípio da celeridade processual não
pode por em causa a necessidade de ponderação, que exige o tempo necessário à averiguação
completa da verdade e à análise da relação jurídica controvertida.147 A violação do princípio
da prolação de decisão em prazo útil pode fazer incorrer o Estado em obrigação de indemnizar
a parte que sofra prejuízos com tal atraso, nos termos do art. 435º do Código Civil.148
Efetivamente, a utilidade económica e a consistência jurídica da decisão do tribunal podem
ficar seriamente comprometidas com a demora da decisão.149 6.8. Princípio da economia
processual Relacionado com o princípio da celeridade processual, impõe o art. 102º do CPC
que não é 143 Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 34. Nos sistemas de common
law a regra é a da forma de processo flexível (determinada pelo juiz ou pelas próprias partes).
144 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 111. 145 A denegação de justiça dolosa ou
com negligência grosseira constitui crime, nos termos do art. 282º do Código Penal. 146
Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 111. Veja-se ainda Leitão, Dos princípios
básicos em processo civil, 1999, págs. 185-186. 147 Leitão, Dos princípios básicos em processo
civil, 1999, pág. 186, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 78. 148 Freitas, Introdução ao
Processo Civil, 1996, págs. 112-113. 149 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 266.
33 lícito realizar no processo atos inúteis, incorrendo em responsabilidade disciplinar os
funcionários que os pratiquem, acrescentando-se no art. 103º, nº 1, que os atos processuais
terão a forma que, nos termos mais simples, melhor corresponda ao fim que visam atingir. Por
outro lado, as partes tem, porém, o dever de, conscientemente, não requerer diligências
meramente dilatórias (art. 220º, nº 2, do CPC), devendo o juiz remover os obstáculos que se
oponham ao andamento regular da causa, quer recusando o que for impertinente ou
meramente dilatório, quer ordenando o que se mostrar necessário para o seguimento do
processo (art. 222º do CPC). O princípio da economia processual exige que cada processo
resolva o maior número possível de litígios (economia de processos), daí a possibilidade de
coligação para a apreciação de diversos litígios (diversas relações jurídicas) conexos (art. 34º
do CPC), ou a possibilidade de dedução de reconvenção (uma pretensão do réu deduzida
contra o autor na mesma ação intentada por este contra aquele), prevista no art. 229º do CPC,
para além das diversas situações de suprimentos de irregularidades processuais previstas na
lei processual. Por outro lado, o princípio da economia processual impõe que o processo
comporte apenas os atos e formalidades indispensáveis ou úteis para o fim que se pretende,
como se referiu supra (economia de atos e formalidades).150 Ou seja, o princípio da
simplificação, na expressão de Martins Leitão.151 O art. 224º do CPC consagra o princípio da
estabilidade da instância estipulando que, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma
quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação
previstas na lei. Este princípio contém inúmeras exceções, expressamente previstas no CPC,
como a modificação quanto às pessoas, mediante os incidentes de habilitação ou de
intervenção de terceiros (arts. 225º a 227º), 152 quanto ao pedido e causa de pedir mediante
alteração ou ampliação do pedido ou da causa de pedir, ou mediante dedução de reconvenção
(arts. 228º e 229º do CPC). 6.9. Princípio do juiz natural A competência do Tribunal fixa-se com
a interposição e distribuição da ação, não podendo ser criados Tribunais Especiais para a
apreciação de uma ação em concreto. Se a ação foi 150 Freitas, Introdução ao Processo Civil,
1996, pág. 163, e Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 264-266. 151 Leitão, Dos
princípios básicos em processo civil, 1999, págs. 191-193. 152 O incidente de habilitação
encontra-se previsto nos arts. 295º a 301º e o incidente de intervenção de terceiros encontra-
se previsto nos arts. 271º a 285º. 34 proposta em Tribunal competente, segundo a lei então
em vigor, esse Tribunal continuará a ser competente para julgar a ação até final. A
independência dos tribunais articula-se e complementa-se com a garantia da independência
dos juízes (art. 121º, nº 2, da Constituição) no exercício da função jurisdicional de que são os
únicos titulares (art. 121º, nº 1, da Constituição), a garantia da inamovibilidade (art. 121º, nº 3,
da Constituição) que reserva ao Conselho Superior da Magistratura a nomeação, colocação,
transferência, promoção e ação disciplinar (art. 128º da Constituição) e, por fim, a garantia da
irresponsabilidade “pelos seus julgamentos e decisões” (art. 121º, nº 4, da Constituição).153
Daqui não resulta que não possa haver a substituição do juiz titular do processo desde que tal
substituição resulte do normal funcionamento dos tribunais, como em resultado de
movimento de juízes no âmbito do movimento judicial, ou no caso de exoneração, doença
prolongada ou falecimento do juiz. O que não se pode é afastar o juiz para que determinado
processo seja entregue a outro juiz. Segundo Bento Herculado Duarte Neto, “Este princípio
também é inerente à jurisdição, configurando uma garantia em prol do cidadão, de forma a
que seja protegido em face de eventual parcialidade judicial”.154 Nos termos do art. 123º, nº
2, da Constituição, são proibidos os tribunais de exceção e os tribunais especiais para certo
tipo de julgamentos.155 Manifestação deste princípio encontra-se na forma de distribuição
dos processos, por meio de sorteio, conforme imposto pelos arts. 178º, nº 1, e 179º, nº 1, do
CPC. 6.10. Princípio do duplo grau de jurisdição O princípio do duplo grau de jurisdição consiste
na possibilidade de as decisões dos tribunais poderem ser apreciadas, do ponto de vista da
matéria de facto e da matéria de direito, por um tribunal superior. Ou seja, a possibilidade de
as decisões dos tribunais de primeira instância serem objeto de recurso. 153 Vasconcelos,
Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, 2011, pág. 385. 154 Neto,
Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito, 2009, pág. 42. 155 Embora a Constituição se refira ao
julgamento de causas de natureza criminal, o mesmo princípio vigora para o processo civil. 35
Este princípio encontra-se genericamente consagrado no art. 428º, nº 1, do CPC (é permitido
recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver
prevista na lei). Porém, como acontece com a maioria dos princípios processuais, também
comporta exceções. Assim, só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à
alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis
para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal (arts. 428º, nº
2, e 917º, nº 1, do CPC).156 Seguindo Segundo Bento Herculado Duarte Neto, “O duplo grau
de jurisdição consiste numa garantia concedida ao jurisdicionado, destinada a lhe propiciar
uma maior segurança. … a competência recursal é exercida, por excelência, por órgãos
colegiados, o que implica em tese, em uma melhor apreciação da matéria”.157 6.11. Princípio
da cooperação O princípio da cooperação, com expressão nos arts. 221º e 506º, nº 1, do CPC,
impõe a cooperação de todos os intervenientes no processo, incluindo aqueles que não são
parte (como testemunhas, peritos, etc.), de boa fé, para a descoberta da verdade material, sob
pena de serem condenados em multa (art. 506º, nº 2, do CPC). 158 No dizer de Ferreira de
Almeida, “Trata-se, no fundo, de uma directriz ou, se se quiser, de uma ‘regra programática’,
orientadora da conduta processual, não apenas dos magistrados, como também dos
mandatários judiciais e das próprias partes”.159 Apontando os fins pretendidos com este
princípio refere Lebre de Freitas: “O apelo à realização da função processual aponta para a
cooperação dos intervenientes no processo no sentido de nele se apurar a verdade sobre a
matéria de facto e, com base nela, se obter a adequada decisão de direito. O apelo ao prazo
razoável aponta para a sua cooperação no sentido de, sem dilações inúteis, proporcionarem as
condições para que essa decisão seja proferida no menor período de tempo compatível com as
exigências do processo, ou, na acção executiva, para que 156 A alçada dos tribunais de
primeira instância encontra-se fixada, neste momento, em mil dólares americanos (art. 917º,
nº 1, do CPC). 157 Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito, 2009, pág. 54. 158 Marques,
Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 202. Veja-se ainda Leitão, Dos princípios
básicos em processo civil, 1999, págs. 205-206. 159 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I,
2010, pág. 288. 36 tenham lugar com brevidade as providências executivas. No primeiro
sentido, poder-se-á falar duma cooperação em sentido material; no segundo, duma
cooperação em sentido formal”.160 Contudo, como lembra Ferreira de Almeida, “O dever de
cooperação tem, porém, como limites fundamentadores de recusa legítima: por um lado, o
limite absoluto do respeito pelos direitos fundamentais, tais como o direito à integridade
pessoal, o direito à reserva da vida privada e familiar e o direito à inviolabilidade do domicílio,
da correspondência e das telecomunicações” (art. 30º, nº 1, 36º e 37º, nº 1, da Constituição);
“por outro, o respeito pelo direito ou dever der sigilo (sigilo profissional e religioso, sigilo dos
funcionários públicos e segredo de Estado), salva a possibilidade de escusa em caso de colisão
de deveres”.161 Consequência do princípio da cooperação é a proibição da má fé processual,
prevista no art. 662º do CPC. Esclarece o nº 2 deste preceito: Diz-se litigante de má fé quem,
com dolo ou negligência grave: a)Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de
fundamento não devia ignorar; b)Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos
relevantes para a decisão da causa; c)Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d)Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o
fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da
justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. 6.12. Princípios
relativos à prova 6.12.1. Princípio da aquisição processual O princípio da aquisição processual,
consagrado no art. 502º do CPC, constitui manifestação do princípio da verdade material,
consagrando que no julgamento da matéria de facto o tribunal deve considerar e atender a
todas as provas produzidas nos autos, ainda que estas aproveitem à parte contrária
relativamente a quem as apresentou.162 Ou seja, toda a prova apresentada fica adquirida no
processo, sendo validamente utilizável na decisão final, independentemente de quem a tenha
produzido.163 Concretizando, acrescenta Martins Leitão, “a parte apresentante não 160
Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 150. 161 Almeida, Direito Processual Civil, vol.
I, 2010, pág. 290. 162 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 207-
208. 163 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 277-278. 37 pode renunciar às
provas que juntou aos autos.164 Embora os factos tenham que ser alegados pelas partes (art.
412º do CPC) o juiz pode ordenar quaisquer diligências de prova que se afigurem necessárias
ao apuramento de tais factos (art. 220º, nº 3, do CPC), podendo, por maioria de razão, usar
todas as provas que se encontrem no processo, independentemente de quem as apresentou.
No entanto, ainda que não tenham sido alegados pelas partes, pode ainda o juiz considerar os
factos notórios e instrumentais, tal como previsto no art. 391º do CPC. 6.12.2. Princípio da livre
apreciação No direito processual civil timorense vigora o princípio da livre apreciação da prova.
Nos termos do art. 503º do CPC, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é
apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal. No mesmo sentido
veja-se o art. 403º, nº 1, do CPC. Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em
que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o
julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento,
com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua
individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.165 Na definição de
Lebre de Freitas, “o princípio da livre apreciação da prova significa que o julgador deve decidir
sobre a matéria de facto da causa segundo a sua convicção, formada no confronto dos vários
meios de prova”.166 A livre apreciação da prova e o grau de discricionariedade implícito na
formação do juízo e valoração do julgador não se confunde, porém, com o mero arbítrio.167 A
livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser nunca puramente subjetiva ou emotiva, e, por
isso, há-de ser fundamentada, racionalmente objetivada e logicamente motivada, de forma a
susceptibilizar controlo. 164 Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, pág. 130.
165 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 274-275. 166 Freitas, Introdução ao
Processo Civil, 1996, pág. 165. 167 Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, pág.
122. 38 Como exceções a este princípio pode-se invocar o valor probatório pleno dos
documentos autênticos e a limitação de prova à prova documental, previstos respetivamente
nos arts. 581º, nº 1, e 578º, nº 1, do CPC. Daí que, nos termos do art. 401º, nº 2 e 3, do CPC, a
matéria de facto seja decidida por meio de acórdão ou de despacho, consoante o julgamento
incumbir a tribunal coletivo ou a juiz singular, analisando criticamente as provas e
especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.168 Ou seja,
conforme refere Miguel Teixeira de Sousa, “O tribunal deve indicar os fundamentos suficientes
para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a
razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A
exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões
psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção
da sua decisão, fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente”.169 6.13. Princípios
relativos à audiência e produção de prova 6.13.1. Princípio da imediação Segundo o princípio
da imediação, os atos de produção de prova devem ter lugar perante o tribunal a que compete
o julgamento da decisão de facto, nisto consistindo o princípio da imediação.170 Veja-se neste
sentido o disposto no art. 400º, nº 3, do CPC. Como já se referiu, nos termos do art. 401º, nº 2
e 3, do CPC, a matéria de facto seja decidida por meio de acórdão ou de despacho, consoante
o julgamento incumbir a tribunal coletivo ou a juiz singular, analisando criticamente as provas
e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. Acrescenta-
se no art. 555º, nº 1, do CPC, que as testemunhas depõem na audiência final. Segundo Martins
Leitão, “o princípio da imediação consiste no contacto directo entre o 168 Trata-se de
manifestação da obrigatoriedade do juiz fundamentar todas decisões judiciais imposta pelo
art. 123º, nº 1, do CPC. 169 Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, 2ª
ed., Lex Editora, Lisboa, 1997, pág. 348, citado no acórdão do Tribunal de Recurso de 21-10-
2010, processo nº 12/Agravo/Cível/2010/TR. 170 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996,
pág. 155. 39 julgador (quem decide a acção), as partes e as testemunhas (quem fornece os
principais elementos de prova que interessam à decisão)”.171 Seguindo Ferreira de Almeida,
“O princípio da imediação decorre logicamente dos princípios da prossecução da verdade
material e da livre apreciação das provas, uma vez que ambos reclamam um contacto directo
(imediação) do tribunal com os diversos intervenientes no processo e com a respectiva
actividade alegatória/probatória, com vista a proporcionar ao julgador uma melhor apreciação,
ou seja, um juízo mais correcto acerca da veracidade ou falsidade de uma dada afirmação ou
alegação fácticas”.172 Efetivamente, o contacto direto entre o juiz e as testemunhas permite
ao juiz fazer perguntas que entenda pertinentes e não formuladas pelas partes,
nomeadamente para aferir a própria credibilidade da testemunha, analisar a reação desta (por
vezes meramente facial ou gestual) às perguntas ou ao desenrolar do depoimento, o que não
seria possível perante por exemplo, prova escrita.173 Como exceção a este princípio temos as
situações previstas no já referido art. 555º, nº 1, do CPC. 6.13.2. Princípio da concentração Nos
termos do art. 404º, nº 2, do CPC, a audiência é contínua, só podendo ser interrompida por
motivos de força maior, por absoluta necessidade ou nos casos previstos no nº 4 do artigo
398º, no nº 2 do artigo 399º e no nº 2 do artigo 402º. Em cumprimento dos princípios da
economia processual e da imediação, o princípio da concentração impõe que os atos
processuais de produção de prova se realizem seguidamente e com o menor intervalo de
tempo possível entre eles.174 O princípio da continuidade da audiência implica que todos os
atos de produção de prova se realizam durante uma única audiência de discussão e
julgamento e que esta deve ser contínua, ou 171 Leitão, Dos princípios básicos em processo
civil, 1999, pág. 138. 172 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, págs. 20-23. 173
Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 209. 174 Freitas, Introdução
ao Processo Civil, 1996, pág. 157. 40 seja, não se devendo iniciar-se outro julgamento sem se
concluir o já iniciado.175 Assim, se não for possível concluir a audiência no mesmo dia em que
se iniciou, o presidente marcará a continuação para o dia imediato, se não for domingo ou
feriado, mas ainda que compreendido em férias, e assim sucessivamente, sendo os
julgamentos já marcados para os dias em que a audiência houver de continuar são transferidos
de modo que o tribunal, salvo motivo ponderoso, não inicie outra sem terminar a audiência
iniciada (art. 404º, nº 2 e 3, do CPC). Acrescenta Remédio Marques, “O apuramento dos factos
e o valor a conceder à prova produzida exigem uma concentração temporal e uma
concentração espacial”.176 Porém, conforme salienta Martins Leitão, face ao elevado volume
de serviço e imprevisibilidade da demora na realização dos julgamentos, no caso de não se
conseguir concluir a audiência de julgamento no mesmo dia, dificilmente se consegue cumprir
esta obrigação.177 6.13.3. Princípio da oralidade Ainda relacionado com a produção da prova,
determina o art. 400º, nº 3, do CPC, que as provas devem ser produzidas em sessão de atos
orais (essencialmente durante a audiência de julgamento). Segundo Ferreira de Almeida, “o
princípio da oralidade significa que os actos de instrução, discussão e julgamento da matéria
de facto se devem fazer de seguida e oralmente (de viva voz)”.178 O princípio da oralidade
significa uma prevalência da palavra como meio de expressão, em detrimento da escrita. Ou
seja, embora exista prova escrita, prevalece a oralidade da discussão da causa. Porém,
conforme acentua Remédio Marques, “Ele significa, igualmente, a proibição de reduzir a
escrito os actos que tenham lugar oralmente”.179 Assim, fora dos casos previstos no art. 570º,
nº 1, do CPC, não são admitidos depoimentos testemunhais por escrito. 175 Almeida, Direito
Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 281. 176 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código
Revisto, 2009, pág. 206. 177 Leitão, Dos princípios básicos em processo civil, 1999, pág. 152.
178 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 282. 179 Marques, Acção Declarativa à
Luz do Código Revisto, 2009, pág. 210. 41 6.13.4. Princípio da plenitude da assistência dos
juízes Devido à imediação e oralidade na produção da prova, só podem intervir na decisão da
matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os atos de instrução e discussão
praticados na audiência final (art. 402º, nº 1, do CPC). Assim, se algum dos juízes falecer ou
ficar definitivamente impossibilitado de prosseguir o julgamento, terão que se repetir todos os
atos já praticados (art. 402º, nº 2, do CPC). A violação deste princípio gera nulidade processual,
nos termos dos arts. 163º, nº 1, 167º e 168º, nº 3, do CPC.180 6.13.5. Princípio da publicidade
Nos termos do art. 404º, nº 1, do CPC, a audiência é pública, salvo quando o tribunal decidir o
contrário, em despacho fundamentado, para salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral
pública, ou para garantir o seu normal funcionamento. O princípio da publicidade tem
dignidade constitucional, conforme o art. 131º da Constituição. A exigência consta igualmente
do art. 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.181 O princípio da publicidade
pretende garantir a transparência da função judicial, “a fim de evitar o arbítrio do secretismo e
permitir o controlo público da boa administração da justiça.182 Segundo Remédio Marques,
“Este princípio processual assenta na ideia de controlo popular dos tribunais, que são, como se
sabe, órgãos de soberania; permite combater a desconfiança na (independência e na
imparcialidade) administração da justiça; e permite reforçar a legitimidade democrática de que
se revestem as decisões dos tribunais, embora os juízes não sejam eleitos por sufrágio directo
e universal”.183 Quanto mais se tornar público o serviço prestado, maior será o seu
acompanhamento e 180 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 287. 181 Toda a
pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente
julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou
das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida. 182 Freitas,
Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 109. Veja-se ainda Almeida, Direito Processual Civil,
vol. I, 2010, pág. 284. 183 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 211.
42 fiscalização.184 Como exceção ao princípio da publicidade temos as situações em que a
publicidade possa ofender a dignidade das pessoas, a intimidade da vida privada ou familiar,
como poderá acontecer nas ações relativas ao estado das pessoas, nomeadamente em ações
de divórcio, de investigação de maternidade ou de paternidade, de regulação do poder
paternal, etc.; ou as situações em que a publicidade possa por em causa a eficácia da decisão,
como pode ocorrer em algumas providências cautelares, nomeadamente o arresto.185 Porém,
a restrição à publicidade refere-se apenas à discussão e instrução da causa, mas não à
audiência em que se decide a matéria de facto, revestindo aqui o princípio caráter
absoluto.186 O princípio da publicidade manifesta-se ainda na no direito de acesso ao
processo, consagrado no art. 132º do CPC, bem como à possibilidade de divulgação pública,
através dos meios de comunicação social do teor dos atos processuais e do que ocorreu no
decurso da audiência.187 6.14. Princípio da submissão ao direito substantivo Segundo o
princípio da submissão ao direito substantivo, o processo não pode conduzir a resultados que
a lei substantiva proíba. Trata-se de consequência da natureza instrumental do processo, que o
sujeita a limitações decorrentes do direito substantivo.188 Segundo Castro Mendes, “se a
vontade das partes não pode conseguir certo efeito jurídico fora do processo, não deve ser
lícito à pura vontade das partes conseguir tal efeito através de actuações processuais: não o
deve ser nem directamente, nem indirectamente, nem eventualmente”.189 Manifestação
deste princípio encontra-se na impossibilidade de confissão, transação, ou desistência
relativamente a direitos indisponíveis, como o direito de alimentos (arts. 251º, nº 1, e 184
Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito, 2009, pág. 51. 185 Marques, Acção Declarativa
à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 211. 186 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág.
110. 187 Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, pág. 110, e Almeida, Direito Processual
Civil, vol. I, 2010, pág. 285. 188 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 79. 189 Mendes, Direito
Processual Civil, vol. I, 1997, pág. 206. 43 365º, als. b) e c), do CPC). 44 45 Capítulo II –
Pressupostos Processuais 1. Conceito Pressupostos processuais são os requisitos de cuja
verificação depende o dever de o juiz proferir decisão de fundo, sobre o pedido, concedendo
ou negando a providência requerida. Parte é a pessoa pela qual e contra a qual é requerida a
providência judiciária, através da ação. Embora a parte seja determinada com relação ao
direito substantivo, não se confunde com a titularidade do direito (a ação pode precisamente
visar a determinação da titularidade de um direito). Parte é a pessoa, singular ou coletiva, que,
na petição inicial ou no requerimento inicial, aparece indicada como demandante ou
demandada. 2. Personalidade judiciária ou processual 2.1. Conceito e medida da
personalidade judiciária Nos termos do disposto no art. 10º, nº 1, do CPC, a personalidade
judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte. A personalidade judiciária consiste na
possibilidade de requerer ou contra si ser requerida, em nome próprio, qualquer das
providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei. O critério geral fixado na lei para se
saber quem tem personalidade judiciária é o da correspondência (princípio da coincidência ou
equiparação) entre a personalidade jurídica (ou capacidade de gozo de direitos) e a
personalidade judiciária. Esse princípio está consagrado no art. 10º, nº 2, do CPC. 46 Nos
termos do art. 63º, nº 1, do Código Civil, a personalidade jurídica adquire-se no momento do
nascimento completo e com vida. 190 A personalidade jurídica só cessa com a morte e a
ninguém pode ser retirada a personalidade jurídica (arts. 65º, nº 1, e 64º do Código Civil). 191
Relativamente às pessoas coletivas: Para as sociedades comerciais a personalidade jurídica
adquire-se com o registo do seu ato constitutivo (art. 4º da Lei sobre Sociedades Comerciais).
192 As associações civis gozam de personalidade jurídica após a sua constituição por escritura
pública (arts. 150º, nº 1, e 159º do Código Civil).193 As fundações carecem de reconhecimento
da autoridade administrativa (arts. 150º, nº 2, do Código Civil).194 2.2. Extensão da
personalidade judiciária Por razões de ordem prática, há, todavia, exceções ao referido
princípio da coincidência, todas elas orientadas no sentido estender a personalidade judiciária
a quem não goza de personalidade jurídica. É aquilo a que se chama extensão da
personalidade judiciária. São os casos previstos nos arts. 11º, 12º e 13º do CPC. Assim: A
herança jacente (herança aberta mas cujos titulares ainda não estão determinados ou porque
não se sabe se há sucessíveis ou porque os sucessíveis, embora conhecidos, anda não a
aceitaram) embora carecida de personalidade judiciária, pode propor ações em juízo (de
reivindicação, confessórias de servidão, de cobrança de dívidas, etc.) sendo a herança a
verdadeira parte na ação e não o sucessível (herdeiro), o curador ad hoc ou o Ministério
Público 190 Veja-se, no Código Civil Indonésio (CCI) os arts. 1º a 3º. 191 Veja-se, no Código Civil
Indonésio (CCI) o art. 3º. 192 Lei nº 4/2004, de 21 de Abril. Contrariamente ao que sucedia no
anterior regime, que se bastava com a celebração por escritura pública do pacto constitutivo
da sociedade (art. 1624º do CCI). 193 Veja-se, no Código Civil Indonésio (CCI) os arts. 1653º.
194 Veja-se, no Código Civil Indonésio (CCI) os arts. 1653º. 47 que atue em nome dela; Os
patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não estiver determinado, que gozam de igual
tratamento, são constituídos por aqueles bens ou massas unificadas de bens cuja titularidade
seja incerta (doações ou deixas testamentárias a nascituros). 195 O mesmo tratamento têm
também as associações sem personalidade jurídica, e as comissões especiais; as sociedades
civis (conjunto de pessoas, ao qual não seja reconhecida personalidade jurídica); as sociedades
comerciais, até à data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem; os navios, nos
casos previstos em legislação especial. As sucursais, agências, filiais ou representações podem
também demandar ou ser demandadas, quando a ação proceda de facto por elas praticado.
Estas entidades, como meros órgãos de gestão local dentro da estrutura da sociedade ou
pessoa coletiva, não gozam de personalidade jurídica porque não constituem sujeitos
autónomos de direitos e obrigações. Apesar disso, no art. 12º, nº 1, a lei reconhece-lhes
personalidade judiciária sempre que, como se disse, a ação proceda de facto por elas
praticado. Trata-se, por exemplo, de uma ação destinada a obter o pagamento (amortização
de capital e juros) de um empréstimo concedido a um cliente do BNU Caixa Geral de
Depósitos, pela filial de Baucau. Apesar de o mutuante ser o BNU, cuja representação cabe ao
conselho de administração da sede (que é em Díli), a filial de Baucau goza de personalidade
judiciária para propor a ação (ou para ser demandada), porque a ação nasce de um ato
praticado pela referida filial (a concessão do empréstimo). A decisão que vier a ser proferida
nesse caso goza de eficácia não apenas contra a filial diretamente demandada, mas também
contra o próprio BNU. Mais ainda, no caso de a pessoa coletiva ou sociedade ter a sede ou
domicílio em país estrangeiro, a lei, no art. 12º, nº 2, do CPC, amplia a esfera da personalidade
judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em
Timor-Leste. Nesse caso, mesmo que a ação proceda de facto praticado pela administração
principal, as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em Timor-
Leste, terão personalidade judiciária quer para demandar quer para ser demandadas, se a
obrigação a que se refere a ação 195 Art. 63º, nº 2, do Código Civil. Veja-se no mesmo sentido
o art. 2º do CCI. 48 tiver sido contraída com um timorense ou com um estrangeiro domiciliado
em Timor-Leste. De acordo com o preceituado no art. 13º, nº 1, do CPC, a pessoa coletiva ou
sociedade que não se ache legalmente constituída, mas que proceda de facto como se o
estivesse, não pode opor, quando demandada, a irregularidade da sua constituição; mas a
ação pode ser proposta só contra ela, ou só contra as pessoas que, segundo a lei, tenham
responsabilidade pelo facto que serve de fundamento à demanda, ou simultaneamente contra
a pessoa coletiva ou sociedade e as pessoas responsáveis. Ou seja, a pessoa coletiva ou
sociedade nas referidas condições não pode propor ações mas pode ser demandada (isto é, as
sociedades irregulares têm personalidade judiciária passiva mas não têm personalidade
judiciária ativa, exceto no caso da dedução de reconvenção). De acordo com o nº 2 do mesmo
artigo, sendo demandada a pessoa coletiva ou sociedade, élhe lícito deduzir reconvenção (art.
379º do CPC). 2.3. Consequências da falta de personalidade judiciária A falta de personalidade
judiciária, em princípio, não é sanável ou removível e constitui uma exceção dilatória de
conhecimento oficioso (arts. 372º, nºs 1 e 2, 373º, nº 1, al. c), e 374º do CPC). Há todavia,
alguns casos em que a sua falta pode ser suprida, embora não expressamente previsto na lei.
Será, nomeadamente, o caso de a ação ter sido proposta por uma sucursal, agência, filial,
delegação ou representação fora do condicionalismo do citado art. 12º. Quando tal suceda,
deve o juiz fixar o prazo dentro do qual a administração principal poderá sanar o vício,
intervindo ela na ação e ratificando os atos anteriormente praticados, sob pena de o réu ser
absolvido da instância (art. 222º do CPC). Fora desses casos, deve ser fundamento de
indeferimento liminar da petição inicial, se, sendo manifesta, for detetada pelo juiz logo no
primeiro despacho a proferir no processo (art. 355º, nº 1, al. b), do CPC) ou, se só detetada no
despacho saneador, deve dar lugar à absolvição do réu da instância (arts. 386º, nº 1, al. a) e
240º, nº 1, al. c), do CPC). 49 3. Capacidade judiciária ou processual 3.1. Conceito e medida
Para que o juiz possa apreciar o pedido, concedendo ou negando a providência requerida, não
basta que as partes tenham personalidade judiciária; é também preciso que tenham
capacidade judiciária ou, não a tendo que se encontrem devidamente representadas ou
autorizadas. A capacidade judiciária, prevista no art. 14º, nº 1, do CPC, consiste na
possibilidade de estar, por si mesmo, em juízo. Tem por base e por medida a capacidade do
exercício de direitos (art. 14º, nº 2, do CPC e art. 64º do Código Civil). Verifica-se em relação
aos cidadãos maiores, homens ou mulheres, nacionais ou estrangeiros, que não só podem ser
partes na ação como podem estar diretamente em juízo, por si mesmo ou através de
representantes por eles escolhidos. Já o mesmo não sucede com os menores ou os interditos
que, tendo embora personalidade judiciária, não podem estar por si mesmos em juízo. Assim,
gozando embora de personalidade judiciária, não podendo estar por si em juízo, as pessoas
(interditos, menores, inabilitados) destituídas de capacidade judiciária, necessitam que seja
suprida essa sua incapacidade. O suprimento é garantido através do representante legal ou do
curador, de acordo com as prescrições do direito civil. Tratando-se de menor ou interdito, o
incapaz é substituído, quer como autor (desde a propositura da ação), quer como réu (desde a
citação), pelo seu representante legal. Tratandose de simples inabilitado, o incapaz é assistido
pelo respetivo curador, exceto quanto aos atos que possam exercer pessoal e livremente
(vejam-se os artes. 15º a 18º, inclusive, do CP). O representante legal (quer se trate dos pais
quer do tutor) age em lugar do incapaz. O curador atua ao lado do inabilitado, dando a
autorização necessária à validade dos atos por este praticados. Sendo a ação proposta contra o
inabilitado, terá o incapaz de ser citado, tal como o 50 curador, visto ser ele quem
fundamentalmente está em juízo (arte. 18º, nº 1, do CP). Porém, como os seus atos
necessitam de autorização ou de ratificação do curador, concede-se prevalência à orientação
deste, no caso de divergência com o incapaz (arte. 18º, nº 2, do CP). Pode no entanto suceder
que o incapaz não tenha representante ou curador, na altura em que há necessidade de
propor ação em nome dele ou contra ele. Haverá que promover então a nomeação desse
representante geral ou do curador, junto do tribunal competente, tendo legitimidade para a
requerer as pessoas indicadas no art. 16º, nº 4, e devendo o Ministério Público ser ouvido,
sempre que não seja o requerente da nomeação (nº 5 do arte. 16º). Se, porém, houver
urgência na nomeação, que se não compadeça com a demora inevitável do processo normal
de escolha do representante geral ou do curador, pode promover-se, no próprio tribunal da
causa, à nomeação de um curador provisório, que fica incumbido de representar o incapaz
provisória ou temporariamente, apenas e enquanto não é designado e investido o
representante geral, cuja nomeação deve ser requerida no tribunal competente, logo que a
ação seja proposta (art. 16º, nº 1). 3.2. Anomalias existentes ao nível do pressuposto da
capacidade judiciária As anomalias existentes ao nível do pressuposto da capacidade judiciária
podem traduzir-se na incapacidade judiciária ou na irregularidade de representação. A
incapacidade judiciária, se não for suprida, provoca a absolvição da instância, devendo o juiz
abster-se de conhecer do pedido (arts. 386º, nº 1, al. a) e 240º, nº 1, al. c), do CPC). A
incapacidade judiciária pode ser fundamento de indeferimento liminar da petição inicial, se,
sendo manifesta, for detetada pelo juiz logo no primeiro despacho a proferir no processo (art.
355º, nº 1, al. b), do CPC) ou, se só detetada no despacho saneador, deve dar lugar à
absolvição do réu da instância (arts. 386º, nº 1, al. a), e 240º, nº 1, al. c), do CPC). Ou seja, o
juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância, em obediência ao
disposto no art. 240º, nº 1, al. c), quando entenda que alguma das partes, sendo incapaz, não
está devidamente representada ou autorizada. 51 Assim poderá ocorrer quando, por exemplo,
sendo o autor um menor, a ação tiver sido diretamente proposta por ele, ou pelo pai ou
apenas pela mãe, sendo ambos os progenitores vivos e não se tendo procurado obter o
consentimento do outro cônjuge. E assim poderá ocorrer também quando, sendo o réu um
interdito, a ação tiver sido instaurada diretamente contra ele. Se, não sendo a falta ou
irregularidade de representação transparente no texto da petição inicial e esta não tiver sido
liminarmente indeferida, pode a falta ou irregularidade ser sanada posteriormente (arts. 26º,
27º e 28º do CPC). O juiz deve mesmo, de acordo com o art. 27º, nº 1, oficiosamente (isto é,
por sua iniciativa) providenciar pela sanação do vício e fixar o prazo dentro do qual deve ser
sanado. Se o vício não for sanado dentro do prazo fixado e a falta ou irregularidade respeitar
ao autor, o réu será absolvido da instância. Respeitando a falta ou irregularidade ao réu, o
processo prosseguirá à revelia dele. O vício existente ficou devidamente sanado (corrigido),
desde que se deu ao representante legítimo do incapaz a possibilidade de deduzir defesa. Se
este a não aproveitou, a culpa é do representante do réu e não do autor. Para que a falta ou
irregularidade de representação se considerem sanadas, não basta, no entanto, a intervenção
na ação do representante legítimo do incapaz. A ação só prosseguirá, como se o vício não
tivesse existido, se o representante legítimo ratificar os atos anteriormente praticados; de
contrário, ficará sem efeito todo o processado posterior ao momento em que a falta ocorreu
(art. 26º, nº 2 do CPC). Têm-se levantado dúvidas na doutrina acerca do alcance preciso da
sanção aplicável à falta de ratificação, por parte do representante legítimo, dos atos
anteriormente praticados. No entanto, tem-se vindo a considerar que, se a falta ou
irregularidade se referem ao autor (que, sendo incapaz, litigou por si próprio ou por tutor já
removido da tutela) e o seu legítimo representante, chamado a intervir, não ratifica a petição
inicial por ele apresentada, a solução aplicável não pode deixar de ser a da absolvição do réu
da instância. Note-se que a lei prevê, antes da concretização desta solução drástica, a
possibilidade de renovação do ato (art. 26º, nº 2, do CPC). 52 Se a incapacidade ou a
irregularidade da representação respeitam ao réu e o representante legítimo não ratifica a
contestação apresentada (pelo próprio réu ou por quem não era o seu legítimo
representante), dá-se ao legítimo representante do réu a possibilidade de oferecer nova
defesa em nome do incapaz. E, só na hipótese de o representante não apresentar contestação
é que o Ministério Público deverá ser citado, nos termos do art. 20º do CPC. 4. Legitimidade 4.
Legitimidade processual singular Para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da
questão, julgando a ação procedente ou improcedente, não basta que as partes tenham
personalidade judiciária e gozem de capacidade judiciária. É preciso, além disso, que gozem de
legitimidade para a ação. A legitimidade processual consiste na suscetibilidade de, numa
instância (ação) concreta, ser a parte certa do lado ativo ou passivo da relação processual. Ser
parte legítima na ação é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa
contra ela oponível. A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode
fazer valer a pretensão perante o demandado, admitindo que a pretensão exista; e terá
legitimidade como réu, se for ela a pessoa cuja esfera jurídica é diretamente atingida pela
providência requerida. Se assim não fosse, a decisão que o tribunal viesse a proferir sobre o
mérito da ação não poderia surtir efeito útil, visto não poder vincular os verdadeiros sujeitos
da relação controvertida, que não estariam no processo. O vendedor a quem não seja pago o
preço, terá legitimidade para exigir judicialmente do comprador em mora o seu pagamento,
por ser o demandante, em face do direito substantivo, o titular da relação contratual que serve
de fundamento à pretensão e por ser o demandado (comprador) o outro titular da mesma
relação, sujeito ao dever correspondente de prestar. 53 Se for, porém, o sócio da sociedade
comercial, sem poderes de administração, quem vem a juízo reclamar o preço que o
comprador da mercadoria ficou a dever à sociedade, a pretexto de ter interesse económico no
cumprimento, o juiz deverá pura e simplesmente absolver o réu da instância, abstendo-se de
conhecer do mérito da causa, por ilegitimidade do autor. A pessoa que figura na ação como
autor não é, perante o direito substantivo aplicável, o titular da relação contratual que serve
de fundamento à pretensão por ela trazida a juízo. Titular dessa relação é a sociedade
comercial, a quem não pode vincular a decisão que viesse a ser proferida num processo em
que não participou. Aqui já não se trata de saber quem pode propor a ação ou contra quem
pode a ação ser proposta. Desde que tenha personalidade e capacidade judiciária, qualquer
pessoa pode propor a ação em juízo ou nela ser demandada. O que se pretende saber, através
do requisito da legitimidade, é que posição devem ter as partes perante a pretensão deduzida
em juízo, para que o juiz possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa, julgando a ação
procedente ou improcedente. Enquanto a personalidade e a capacidade judiciárias são
qualidades pessoais das partes a legitimidade, pelo contrário, consiste numa posição da parte
perante determinada ação; a posição que lhe permite dirigir a pretensão formulada ou a
defesa que contra esta possa ser oposta. Critérios estabelecidos na lei para se aferir a
legitimidade singular das partes: A. Critério do interesse direto em demandar e do interesse
direto em contradizer (art. 29º, nº 1, do CPC) A lei define a legitimidade através da titularidade
do interesse em litígio. É parte legítima como autor, segundo o referido critério, quem tiver
interesse direto em demandar. Será parte legítima como réu quem tiver interesse direto em
contradizer. Assim, o credor terá legitimidade para requerer a condenação judicial do devedor
no cumprimento, por ser ele o portador do interesse que a lei substantiva protege através do
direito de crédito. O devedor terá legitimidade para intervir como réu, por ser o portador do
interesse oposto, dentro da mesma relação. 54 Pelo mesmo raciocínio, o proprietário (não
possuidor) da coisa será parte legítima como autor na ação de reivindicação, sendo parte
legítima como réu o possuidor ou detentor da coisa, que se recusa a abrir mão dela. A mulher
não terá legitimidade para reivindicar de terceiro os bens próprios do marido, tal como o pai
não tem legitimidade para cobrar judicialmente os créditos do filho maior, porque nem um
nem outro são os portadores do interesse protegido pelo direito invocado. A legitimidade não
satisfaz a existência de qualquer interesse, ainda que jurídico, na procedência ou na
improcedência da ação. Exige-se que as partes tenham um interesse direto, seja em
demandar, seja em contradizer; não basta ter um interesse indireto, reflexo ou derivado.
Assim, por exemplo, o promitente comprador não tem legitimidade para requerer a
declaração judicial de validade do contrato pelo qual o promitente vendedor adquiriu a coisa
(de terceiro), embora tenha um interesse indireto na manutenção do contrato. O sublocatário,
pela mesma razão, carece de legitimidade para intervir como réu na ação de despejo, apesar
de ser indiretamente prejudicado com a resolução do contrato de arrendamento. B. Critério
formal constante do nº 3 do art. 29º: a relação material controvertida configurada
unilateralmente pelo autor Sempre que a lei não disponha de outro modo, considerar-se-ão
como titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade, os sujeitos da relação
material controvertida. Mas, qual é a relação controvertida que serve de base a tal
determinação: a relação com a configuração subjetiva que o autor (unilateralmente) lhe dá ou
a relação tal como se apresenta ao tribunal, depois de ouvidas ambas as partes e de
examinadas as razões de uma e outra? O art. 29º, nº 3, do CPC estabelece que, na falta de
indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito
da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor. Ou
seja, na determinação da legitimidade deve atender-se apenas à configuração que o autor,
unilateralmente, dá à relação material controvertida. É ao autor que cabe “desenhar” a relação
controvertida e indicar os pólos dessa relação. Se o 55 réu traz ao processo factos que
prejudiquem a versão que o autor apresenta, tais factos não serão atendidos em sede de
legitimidade processual mas, ao invés, em sede de apreciação do fundo ou mérito da causa.
Ou seja, uma coisa é a legitimidade como pressuposto processual, outra a do mérito da ação,
tendo aquela precedência sobre esta na ordem de decisão do juiz, que não pode, ao apreciar a
legitimidade, fazer um julgamento por antecipação do mérito da causa. Deste modo, saber se,
verdadeiramente, a relação jurídica invocada pelo autor existe ou não e em que medida,
respeita ao mérito da ação e não à legitimidade. Portanto, se as partes são legítimas, mas
posteriormente se demonstra que nada têm a ver com a questão de mérito em discussão, a
ação tem de improceder, por o autor não ser titular do direito de que se arroga. Exemplo: Na
petição inicial, A pede uma indemnização a B alegando que foi por ele atropelado, tendo
sofrido várias lesões. Na contestação, B vem dizer o seguinte: A diz que foi atropelado mas não
fui eu que o atropelei; foi o motociclista C que lhe provocou aqueles danos. À luz do art. 29º,
nº 3, quem é que tem legitimidade processual? Como vimos, na determinação da legitimidade
processual deve atender-se à fisionomia da relação material hipotética dada pelo autor. O
autor diz que foi atropelado por B, pelo que quem tem legitimidade processual ativa (para
demandar) é A e legitimidade processual passiva (para contradizer) é B. Saber se foi B que
provocou o atropelamento, isso já não é uma questão formal, de legitimidade, mas um
problema de mérito da ação. Se se chegar à conclusão de que B não atropelou A, aquele não
será absolvido da instância, porque tem legitimidade processual. Ele vai ser absolvido do
pedido. 4.2. Legitimidade nas relações com pluralidade de interessados 56 Na maioria dos
casos são apenas duas as partes que se defrontam em tribunal. Ou seja, a regra é a da
dualidade das partes. Ex: O proprietário como autor numa ação de reivindicação demanda o
detentor como réu. O mutuante demanda o mutuário. Por vezes, porém, verificam-se casos de
pluralidade de partes: pluralidade ativa se a ação é proposta por dois ou mais autores contra o
mesmo réu; pluralidade passiva quando a ação é proposta por um autor contra vários réus;
pluralidade mista quando a ação é intentada por mais de um autor contra vários réus.
Litisconsórcio verifica-se quando a relação material subjacente respeitar a várias pessoas,
quando se trata de uma obrigação plural, seja ela solidária ou conjunta. No litisconsórcio há
pluralidade de partes mas unicidade da relação material controvertida (art. 33º do CPC). Ex:
contrato de mútuo com empréstimo pela mesma pessoa a várias outras (com possibilidade de
poder pedir a totalidade a qualquer um ou mesmo apenas a quota parte de cada um).
Litisconsórcio voluntário quando a cumulação depende exclusivamente da vontade das partes.
Há uma acumulação de ações e cada um dos consortes atua com independência em relação
aos outros (art. 30º do CPC). Há litisconsórcio voluntário no caso das obrigações conjuntas (nº
1 do art. 30º) e no caso das obrigações solidárias (nº 2 do art. 30º).196 Litisconsórcio
necessário quando a cumulação resulta de determinação de lei, de prévia estipulação dos
interessados ou da natureza da relação jurídica (art. 31º do CPC). Há uma só ação com
pluralidade de sujeitos (art. 33º do CPC). O art. 32º do CPC prevê casos especiais de
litisconsórcio necessário. Apenas o litisconsórcio necessário gera ilegitimidade da parte (art.
31º, nº 1, do CPC). 196 No mesmo sentido pode ver-se o art. 451º do Código Civil. 57 Há
coligação quando os pedidos formulados por ou contra várias pessoas resultam de relações
materiais distintas. Ou seja, à pluralidade de partes corresponde a pluralidade de relações
materiais litigadas. A coligação pode resultar da unicidade da fonte das relações. Ex: acidente
de viação com vários lesados, que demando o responsável em conjunto. Pode resultar da
dependência entre os pedidos formulados pelos vários intervenientes. Ex: o autor pede a
resolução do contrato de arrendamento por o subarrendatário ter feito obras na casa (com o
consentimento do arrendatário) e pede a condenação do subarrendatário a repor a casa no
estado em que se encontrava. Pode resultar de conexão de substancial entre os fundamentos
destes. Ex: duas pessoas que celebraram dois contratos semelhantes com o réu demandam
este com o fundamento na nulidade de tais contratos. A intervenção de terceiros pode
conduzir igualmente a casos de litisconsórcio ou de coligação. 5. Falhas ao nível dos
pressupostos processuais e exceções dilatórias Não se verificando algum destes requisitos, tais
como a legitimidade das partes, a capacidade judiciária de uma delas o de ambas, o juiz terá,
em princípio, que abster-se de apreciar a procedência ou improcedência do pedido, por falta
de um pressuposto essencial para o efeito. A falta do pressuposto processual não impedirá o
juiz apenas de proferir sentença sobre o mérito da ação, mas também de entrar na apreciação
e discussão da matéria que interessa à decisão de fundo. A decisão de absolvição da instância,
para que aponta o art. 240º, nº 1, do CPC como consequência geral da falta de qualquer
pressuposto processual, constitui um verdadeiro ato processual, integrador da relação jurídica
criada entre as partes e o tribunal. A absolvição da instância não obsta a que se proponha
outra ação sobre o mesmo objeto (art. 58 241º, nº 1, do CPC). Segundo o art. 372, nº 2, do
CPC, as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à
absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (isto ocorre em caso de
incompetência relativa, conforme o art. 78º, nº 3, do CPC). A enumeração das exceções
dilatórias, que consta do art. 373º, nº 1, do CPC, reveste carácter meramente exemplificativo.
6. Patrocínio judiciário O patrocínio judiciário consiste na assistência técnica prestada às partes
por profissionais forenses (advogados ou defensores públicos), na condução do processo ou
para a realização de certos atos processuais em concreto. O patrocínio judiciário justifica-se
pela própria complexidade técnica do processo. Casos de constituição obrigatória de advogado
(art. 36º). Nas causas em que seja admissível recurso, nos recursos e nas causas propostas no
Supremo Tribunal de Justiça. Só é admissível recurso ordinário nas ações de valor superior à
alçada do tribunal de que se recorre (arts. 428º, nº 2, e 917º, nº 2, do CPC). A alçada do
tribunal distrital é de mil dólares americanos (art. 917º, nº 1, do CPC). Também é obrigatória a
constituição de advogado nos casos em que seja admissível recurso independentemente do
valor da causa, como, por exemplo, nas ações em que se aprecie a validade ou subsistência de
arrendamento para fim habitacional (art. 428º, nº 6, do CPC). Cessa a obrigatoriedade de
constituição de advogado nos casos em que a lei atribua a representação da parte ao M.
Público ou admita a representação por defensor público. O mandato judicial é conferido por
instrumento público ou particular, ou por declaração verbal da parte durante qualquer
diligência do processo (art. 38º do CPC). 59 Conteúdo e alcance do mandato (art. 39º do CPC).
Confere poderes de representação da parte em toda e qualquer fase processual. Presume-se
que inclui poderes para substabelecer. Para ser válida a confissão do pedido ou transação feita
por mandatário judicial, a procuração deve conter a menção de poderes especiais para o efeito
(art. 40º do CPC). Porém, a procuração com poderes gerais vincula a parte relativamente às
afirmações do mandatário e à confissão expressa de factos (art. 41º do CPC). Revogação e
renúncia do mandato (art. 42º do CPC). No caso de renúncia, se a parte não constituir novo
mandatário, suspende-se a instância se a falta for do autor, e a ação segue se a falta for do réu,
aproveitando-se os atos praticados. Não se conseguindo notificar o réu, ou reconvindo, se a
constituição de advogado for obrigatória, será nomeado defensor público. Nomeação de
defensor público (art. 44º do CPC). No caso de pedido de nomeação pelo réu, o prazo para
contestação interrompe-se. Falta insuficiência e irregularidade do mandato: A falta de
patrocínio judiciário nos casos em que a constituição de advogado é obrigatória provoca os
efeitos próprios da falta de um pressuposto processual. Assim, a falta gera absolvição do réu
da instância ou não ter seguimento o recurso, se a falta for do autor ou do recorrente, ou ficar
sem efeito a defesa, se a falta for do réu (art. 37º do CPC). Antes de cominar qualquer sanção o
juiz deve notificar a parte para suprir a falta dentro de certo prazo, que o mesmo estipulará. O
art. 37º do CPC refere-se às situações em que é a própria parte que intervém, sem constituir
mandatário, nos casos em que esta constituição é obrigatória. 60 Nos casos em que em que
um advogado intervém sem apresentar procuração da parte, ou apresentando procuração
irregular ou insuficiente, rege o art. 43º do CPC. Falta, insuficiência ou irregularidade do
mandato podem ser suscitadas oficiosamente pelo tribunal ou serem suscitadas pela parte
contrária. Mais uma vez, antes de cominar qualquer sanção o juiz deve notificar neste caso o
mandatário em questão para suprir a falta dentro de certo prazo (art. 43º, nº 2, do CPC). Findo
o prazo, sem que tenha sido suprida a falta, insuficiência e irregularidade do mandato, fica sem
efeito tudo o que tiver sido praticado pelo advogado, sendo condenado nas custas. Se tiver
agido com culpa, pode ser condenado a indemnizar os prejuízos a que tenha dado causa. 7.
Organização Judiciária e Competência dos Tribunais 7.1. Competência Para Miguel Teixeira de
Sousa “a competência jurisdicional é um pressuposto processual, isto é, uma condição
necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa através de uma
decisão de procedência ou de improcedência. Como qualquer outro pressuposto processual, a
competência é aferida em relação ao objecto apresentado pelo autor” 197 . Competência
abstrata designa a fração do poder jurisdicional atribuída ao tribunal. Competência concreta
designa o poder de o tribunal julgar determinada ação. Regras de competência são as normas
definidoras dos critérios que presidem à distribuição do poder de julgar entre os diferentes
tribunais. Jurisdição designa o poder de julgar genericamente atribuído ao conjunto dos
tribunais, dentro da organização do Estado. 197 Teixeira de Sousa, A Competência Declarativa
dos Tribunais Comuns, reimpressão, Lisboa; Lex-Edições Jurídicas, 1994, pág. 36. 61
Competência define o poder resultante do fracionamento do poder jurisdicional entre os
diferentes tribunais. A competência do tribunal é apreciada em função dos termos em que a
ação é proposta, determinando-se pela forma como o autor estrutura o pedido e os respetivos
fundamentos, independentemente da apreciação do seu acerto substancial. A competência
fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que
ocorram posteriormente. 7.2. Competência internacional A competência internacional designa
a fração do poder jurisdicional atribuída aos tribunais timorenses, em face dos tribunais de
outros países, para julgar ações que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídicas
estrangeiras. A competência interna assenta no fracionamento do poder de julgar entre os
tribunais do Estado Timorense. As normas de competência internacional, em jeito de normas
de conflito, delimitam o exercício da função jurisdicional pelo conjunto dos tribunais
timorenses no quadro de relações jurídicas conexas com mais de uma ordem jurídica
estrangeira. As normas de competência internacional definem a suscetibilidade de exercício da
função jurisdicional pelos tribunais nacionais, tomados no seu conjunto, relativamente a
situações jurídicas que apresentam elementos de conexão com uma ou mais ordens jurídicas
estrangeiras. Importa ainda considerar as convenções internacionais sobre esta matéria.
Segundo Lebre de Freitas, para além de receberem competência do art. 48º do CPC, os
tribunais recebem-na também de Convenções internacionais, sucede que estas, no seu campo
específico de aplicação prevalecem sobre as normas processuais, nomeadamente as
reguladoras da competência internacional constantes do Código. 198 198 Freitas, Redinha e
Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, págs. 137-131. Veja-se também Ferrer
Correia, Lições de Direito Internacional Privado, vol. I, Coimbra: Almedina, 2000, pág. 494, e
Miguel Teixeira de 62 Nos termos do art. 9º, nº 2, da Constituição, as normas constantes de
convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna
após a sua publicação oficial. Observa o Gomes Canotilho que a Constituição terá, assim,
aderido “à tese da recepção automática, condicionada apenas ao facto de a eficácia interna
depender da sua publicação oficial” e que “a ideia do legislador constituinte foi a de aceitar a
vigência das normas internacionais como tais e não como normas internas”199 . A
competência internacional encontra-se fixada no art. 48º do CPC. Não é necessária a existência
cumulativa ou conjunta das circunstâncias, basta a verificação de uma delas. Art. 48º, nº 1, al.
a) – ter o réu ou algum dos réus domicílio em território timorense, salvo tratando-se de ações
relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro. É
também manifestação do princípio da coincidência expresso na al. b). Efetivamente, a norma
supletiva para a competência interna em razão do território é a da competência do tribunal do
domicílio do réu (art. 53º, n. 1, do CPC). Veja-se, quanto à exceção prevista na segunda parte
do preceito o disposto no art. 49º, al. a), do CPC. Art. 48º, n. 1, al. b) – dever a ação ser
proposta em Timor-Leste, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei
timorense. Princípio da coincidência. A ação dever ser proposta em Timor-Leste segundo as
regras da competência territorial (interna) estabelecidas na lei timorense. Sousa e Dário Moura
Vicente, Comentário à Convenção de Bruxelas, Lisboa: Lex, 1994, pág. 124. 199 José Joaquim
Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição, Coimbra:
Almedina, 2000, pág. 913. 63 Ex: art. 74º, n. 1, do CPC – um português e um australiano
celebraram um contrato na Indonésia, para ser cumprido em Timor-Leste. Art. 48º, n. 1, al. c) –
ter sido praticado em território timorense o facto que serve de causa de pedir na ação, ou
algum dos factos que a integram. Princípio da causalidade. A expressão facto para frisar a
causa de pedir expressa não a normatividade mas, sim, ocorrência real, concreta, específica,
factualidade. É a vivência da substanciação. Seguindo ainda Alberto dos Reis “A causa de pedir
nada tem que ver com a qualificação jurídica do facto ou factos submetidos à apreciação do
tribunal; a causa de pedir está no facto oferecido pela parte, e não na valoração jurídica que
ela entenda atribuir-lhe. Essa valoração é simples apreciação ou ponto de vista mental; se a
parte ou o tribunal modificar a qualificação ou valoração, nem por isso se dirá que houve
mudança da causa de pedir”.200 Quando a causa de pedir tenha mais que um facto, bastará
que um deles tenha ocorrido em Timor-Leste. Para a teoria da substanciação acolhida pelo
direito processual civil timorense vigente o que releva como causa do pedir é o facto concreto
gerador do direito cujo reconhecimento o autor pretende.201 Mas isto equivale a dizer que o
autor pode invocar, conforme as circunstâncias, ou um facto simples causal ou um «facto»
complexo ou, dito de outra forma, factualidade causal. Este normativo deve ser interpretado
no sentido de alargar a competência e não de a restringir. Seguindo o assento do Supremo
Tribunal de Justiça de Portugal de nº 6/94, de “Longe de pretender restringir, implica o
reconhecimento de uma certa amplitude, larga, à competência internacional dos tribunais
portugueses”.202 200 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 127. 201
Luso Soares, Processo Civil de Declaração, Coimbra: Almedina, 1985, pág. 587. 202 Assento do
Supremo Ttribunal de Justiça de Portugal nº 6/94, de 17-2-1994, relator Cardona Ferreira,
publicado 64 Ex: acidente de viação (art. 58º, n. 2, do CPC). Ex: divórcio tendo um dos factos
que o fundamentam ocorrido em Timor-Leste, mas sendo a autora e o réu estrangeiros e
residentes no estrangeiro (art. 59º do CPC). Art. 48º, n. 1, al. d) – não poder o direito invocado
tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território timorense, ou constituir para
o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objeto do
litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
Princípio da necessidade. Segundo Teixeira de Sousa, “Estes critérios (da coincidência, da
causalidade, da reciprocidade e da necessidade, indicados segundo uma ordem decrescente de
aplicação prática) apresentam, em medida variável, uma conjugação de diversos interesses. As
regras sobre a competência internacional directa devem dar expressão aos interesses do
Estado no julgamento, pelos seus tribunais, das questões que apresentam com ele uma
conexão relevante, mas também devem respeitar os interesses dos indivíduos na proximidade
da justiça e ainda os interesses da comunidade internacional numa distribuição harmoniosa da
competência dos tribunais estaduais”.203 E convém sublinhar, com Lebre de Freitas, que
“Cada um dos factores atributivos de competência tem valor autónomo, pelo que basta a
verificação de um deles para que os tribunais portugueses sejam competentes”.204 Ou seja,
uma vez verificada qualquer das circunstâncias enumeradas nessas alíneas, tem-se desde logo
como reconhecida a competência internacional dos tribunais timorenses. 205 Importa
considerar: Ainda que o Tribunal possa ter competência em função desta norma, o direito
aplicável terá no Diário da República de Portugal, Série I, nº 75, de 30 de Março de 1994 203
Teixeira de Sousa, A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, reimpressão, Lisboa; Lex-
Edições Jurídicas, 1994, pág. 36. 204 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil
Anotado, vol. I, 2008, pág. 137. 205 Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. I,
Coimbra: Almedina, 1963, pág. 124. 65 de ser determinado em função das normas de direito
internacional privado, podendo concluir-se que o direito invocado não tenha proteção no
regime aplicável. Ou seja, esta norma não permite o afastamento das regras de direito
internacional privado. Tem sempre que se verificar a conexão pessoal ou real com a ordem
jurídica nacional. Terá que existir um elemento ponderoso de conexão. Art. 49º do CPC,
competência internacional exclusiva dos tribunais timorenses. Importa ainda considerar a
competência internacional fixada por convenção das partes. Aos tribunais timorenses cabe
aferir da sua própria competência internacional e, bem assim, da dos tribunais estrangeiros
com que se relacionam as questões levantadas, de acordo com as regras de competência
internacional direta consagradas nos arts. 45º, 48º, 49º e 67º do CPC, e indireta estabelecida
no artigo 840º, al. c), do mesmo Código. Dispõe o art. 67º do CPC que as partes podem
convencionar qual a jurisdição competente para dirimir um litígio determinado, ou os litígios
eventualmente decorrentes de certa relação jurídica, contanto que a relação controvertida
tenha conexão com mais de uma ordem jurídica (nº 1), exigindo, para que “a eleição do foro”
seja válida, a verificação cumulativa dos requisitos nele enunciados (nº 3). Segundo Lebre de
Freitas, os arts. 67º e 68º do CPC regulam “a competência convencional internacional e
interna, isto é, regulam o princípio da liberdade contratual enquanto factor de atribuição de
competência directa. O primeiro prevê os pactos de jurisdição, através dos quais as partes
convencionam sobre a jurisdição nacional competente para apreciar um litígio que apresente
elementos de conexão com mais de uma ordem jurídica (competência internacional)”.206 7.3.
Competência interna 7.3.1. Competência em razão da matéria 206 Freitas, Redinha e Pinto,
Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 189. 66 Ainda que não se encontrem
instalados, a Constituição prevê a existência de tribunais administrativos e fiscais e tribunais
militares, para além dos tribunais judiciais (art. 123º da Constituição). A competência em razão
da matéria designa o tribunal competente em face das diferentes espécies e categorias de
tribunais, que se situam no mesmo plano, sem nenhuma relação de subordinação ou
dependência entre eles. Princípio da especialização. A competência judiciária em razão da
matéria (ao lado da competência hierárquica e da competência internacional) é de ordem
pública. E só pode decorrer da lei, sendo indelegável, a não ser que a própria lei permita a
delegação. Fixa-se em função da natureza da matéria a judicar, sendo critério relevante da sua
atribuição, a escolha do tribunal que mais vocacionado estiver para dela conhecer. Reclama a
eficiência de organização judiciária com vista à melhor prestação da qualidade da justiça. Por
isso, releva de interesse público fundamental, dando lugar à sanção da incompetência absoluta
do tribunal que dela conheça, em violação das regras que a determinam (art. 69º do CPC). E
determinam-na, procurando adaptar o órgão à função, assegurando a idoneidade funcional do
juiz, através de uma relação de pertinência o mais apropriada possível, entre ele e a matéria da
causa de que deve conhecer. O critério de atribuição de competência material ao juiz projeta a
vocacionalidade, aptidão, adequação ou agilização do tribunal à causa. Todos são vocábulos de
conteúdo homólogo, traduzindo, na essência, a habilitação funcional do tribunal para a
matéria que constitui objeto do conhecimento que em cada causa estiver. Idoneidade do juiz,
como se começou por referir, e também assim lhe chamou o Alberto do Reis.207 207 Alberto
do Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1944, pág.
107. 67 Num Estado de Direito, é fundamental a bondade da lei organizativa judiciária, no
acerto e determinação dos fatores objetivos de conexão ou elos materiais de ligação
correspondentes, para que o Estado cumpra, ao mais alto nível possível, a qualidade da
prestação judiciária pública. E quanto mais apurado for o critério atributivo de competência
material (só para falar desta), melhor sortirá a garantia da qualidade com que a Justiça é
administrada ao cidadão a quem se destina. Quando a Constituição e a Lei estabelecem e
organizam (estatuem) a Ordem Judiciária do Estado, fixam as competências dos órgãos judicias
integrantes da estrutura judiciária. Por forma que, a cada categoria judiciária orgânica é
atribuída uma parcela ou medida da jurisdição. É a competência ou fração de poder
jurisdicional da categoria orgânica respetiva a que são afetadas certas matérias. Portanto,
basta examinar a lei orgânica de determinada categoria de tribunais, para se verificar se certa
causa está, ou não, compreendida na área da sua jurisdição (comum ou administrativa, em
regra). Os tribunais judiciais têm competência residual. Apreciam todas as questões que não
sejam expressamente atribuídas a outras jurisdições. Isto é consequência da circunstância de
os tribunais judiciais constituírem a regra dentro da organização judiciária (art. 50º do CPC). A
distinção entre atos de gestão pública e de gestão privada assenta na questão de saber se a
conduta que concretamente é tida como ilícita, integra atividade regulada pelo direito público
ou pelo direito privado. A construção de uma estrada nacional, cuja empreitada fora
adjudicada por uma entidade pública e de que tenham resultado prejuízos para particulares,
não se configura como uma relação administrativa mas é antes regulada pelo direito privado e,
assim, da competência dos tribunais comuns. Trata-se de verificar a existência dos
pressupostos da responsabilidade civil regulados nos artigos no Código Civil. 68 Dos vários
critérios de distinção (o da natureza dos interesses; o da posição dos sujeitos; ou o da
qualidade em que intervêm na relação), aquele que mais tem recolhido o consenso
generalizado da doutrina e da jurisprudência, é o que considera a qualidade em que o sujeito
(público) intervém na relação jurídica.208 Será uma relação de direito público, quando um dos
sujeitos (o de direito público) intervém na relação jurídica que em causa estiver, numa
qualidade que lhe confere, por lei, e em razão do interesse publico que prossegue, uma
posição de supremacia sobre o outro sujeito dessa mesma relação, impondo-lhe
unilateralmente a sua vontade, por via da necessidade daquele prosseguimento. Com a
crescente criação de situações novas de tipo social a tutelar pelo direito, em domínios onde o
traço de demarcação entre o público e o privado é cada vez mais difícil de definir (assim, por
exemplo: no direito do trabalho, no direito financeiro, da bolsa, da banca, dos seguros, do
consumo, do ambiente, da bioética, do desporto, da negociação à distância, das nova
tecnologias,...) uma correta perspetivação do que seja, e deva ser, o âmbito do direito público
e privado, impõe-se, como forma de modelar a intervenção do próprio direito (e do Estado) na
vida social, aproximando-se, tanto quanto possível, e na medida socialmente útil, da sua real
função normativa, reguladora da vida das pessoas, e delas próximo, enquanto cidadãos -
agente individual ou intergrupo. É exatamente com este sentido que pode afirmar-se que nada
caracteriza melhor uma determinada Ordem Jurídica do que a relação em que, dentro dela,
são colocados, um em face do outro, o Direito Público e o Direito privado, e o modo como aí
são distribuídas, entre estes dois domínios, as diversas relações jurídicas. Trata-se de uma
relação de poder, que se estrutura na vertical. De cima para baixo, como estrutura típica do
poder, através da relação Estado/Cidadão. E de cima para baixo enquanto projeta o exercício
de um poder de soberania (na linguagem antiga: um poder majestático), ou uma sua parcela,
mas sempre de forma imperial, impositiva e unilateral, como ato de poder soberano (o tão
apregoado Jus Imperii). 208 Veja-se Carlos Alberto da Mota Pinto, António Pinto Monteiro,
Paulo Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2005, págs.
32 a 45. 69 Ao contrário, a relação de direito privado estrutura-se na horizontal, ou seja,
pessoa a pessoa, numa posição em que os dois sujeitos, estão confrontados numa situação de
igualdade, formal e substancial: são verdadeiros pares ou partes iguais, gozando de um igual
estatuto, e de idêntica qualidade relacional, igualmente vinculados na modelação das
correspondentes prestações obrigacionais recíprocas a que estão adstritos. Nenhum dos
sujeitos tem, ou atua, na qualidade de "Majestade" na relação que os vincula reciprocamente.
Nenhum tem posição de superioridade jurídica sobre o outro, ainda que um deles, mais do que
de um direito subjetivo, possa ser titular de um direito potestativo sobre o outro. Mas ambos
estão colocadas no mesmo plano de estatuto jurídico, sem que um se superiorize ao outro, na
regência do vinculo jurídico que os liga, por direitos e deveres. De todo o modo, o que por
agora importa ter presente é que terá que ser a Lei a fixar a competência dos tribunais
administrativos. Toda a matéria que cujo conhecimento a própria lei não atribuir aos tribunais
administrativos será da competência dos tribunais judiciais comuns. Nisso se traduz a
competência residual dos tribunais judiciais. 7.3.2. Competência em razão da hierarquia A
competência em razão da hierarquia resulta da distribuição de funções entre as diferentes
ordens de tribunais escalonados verticalmente, dentro da mesma espécie ou categoria. Ou
seja, em cada categoria ou espécie de tribunais pode haver ordens distintas de tribunais,
organizadas em termos verticais ou mesmo hierárquicos, a que são distribuídas funções
determinadas, permitindo-se, normalmente, ao tribunal de plano superior a possibilidade de
revogar ou confirmar a decisão proferida pelo de plano inferior, suscitada usualmente por via
de recurso, consubstanciando-se assim, na designada atribuição da competência em razão da
hierarquia. Em tal âmbito, e no que se reporta aos tribunais judiciais, a hierarquização faz-se a
partir dos 70 tribunais de primeira instância, culminando no Supremo Tribunal de Justiça,209
sem prejuízo de ser atribuída, em primeira linha, competência ao Supremo Tribunal de Justiça
(art. 52º, nº 4, do CPC), por exemplo para a revisão e confirmação de sentenças estrangeiras,
nos termos do art. 839º, do CPC. A hierarquia judiciária reflete-se apenas no poder conferido
aos tribunais superiores de, por via de recurso, revogarem e reformularem as decisões dos
tribunais inferiores (art. 52º do CPC). A hierarquia judiciária não interfere nem pode interferir
com a independência do tribunal. 7.3.3. Competência em razão do valor e da estrutura do
tribunal Dentro da mesma hierarquia, o tribunal judicial julga em coletivo ou em singular, em
função do valor da ação (art. 51º do CPC). Não autonomizada relativamente à competência
material, distingue-se ainda a denominada competência funcional, ou seja, “a que delimita a
jurisdição dos diferentes tribunais materialmente competentes dentro do mesmo processo e
segundo as suas fases e para a prática de determinados actos de cada fase ou grau de
jurisdição”. 210 A realização de julgamento por juiz singular, quando devesse ser realizado
com intervenção do tribunal coletivo, nos termos do art. 51º, determina a nulidade do
julgamento (art. 395º, nº 2, do CPC). 7.3.4. Competência em razão do território A competência
territorial ou em razão do território é a que resulta de aos vários tribunais da mesma espécie e
do mesmo grau de jurisdição ser atribuída uma circunscrição territorial. Sabido que
determinada causa é da competência dos tribunais judiciais e deve ser deduzida num tribunal
distrital, importa determinar qual o tribunal distrital territorialmente competente. 209
Atualmente apenas se prevê a existência de duas instâncias, a primeira correspondente aos
tribunais distritais e a segunda e última instância, o Supremo Tribunal de Justiça (art. 52º, nº 3,
do CPC), de momento substituído pelo Tribunal de Recurso (art. 164º, nº 2, da Constituição, e
art. 14º do Regulamento da UNTAET nº 11/2000, com a redação dada pelo Regulamento nº
25/2001). 210 Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. I, 6ª Edição, Lisboa:
Verbo, 2010, pág 148. 71 Só após a definição da competência em razão da matéria é que
operam as regras em função do território. 211 A competência territorial não tem que ver com
a matéria nem com a razão funcional (como é o caso da competência material e funcional),
que relevam da natureza e da existência do próprio poder jurisdicional, mas apenas com
critérios de delimitação territorial do exercício do poder jurisdicional (a jurisdição) material e
funcionalmente fixado. I. Foro do domicílio do réu (art. 53º do CPC) Constitui a regra geral ou
critério supletivo. Sempre que não exista disposição especial em contrário, o tribunal
competente para a ação é o tribunal em cuja circunscrição o réu tenha o seu domicílio. Não se
trata aqui da residência ocasional do réu, ou do lugar onde o mesmo se encontre. A lei atende
apenas à residência habitual do réu. Assim, se o réu tiver mais que uma residência habitual,
pode ser demandado no tribunal do lugar de qualquer uma delas, mas se não tiver residência
habitual, embora a tenha ocasional, será demandado no tribunal do lugar do domicílio do
autor (art. 53º, nº 2, do CPC). 212 Ex: ações de anulação, declaração de nulidade ou de
resolução dos contratos, de prestação de contas, de reivindicação de coisas móveis, de
averiguação ou impugnação de paternidade ou maternidade. Por se tratar de uma
competência supletiva, importa antes de mais verificar se a competência não se encontra
especialmente prevista noutra norma. No caso de o réu não ter domicílio em Timor-Leste, e
aqui não for encontrado, o tribunal competente é o do lugar do domicílio do autor. A
competência residual é do Tribunal Distrital de Díli. 211 Alberto do Reis, Comentário ao Código
de Processo Civil, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1944, pág. 204. 212 Lopes Cardoso, Código
de Processo Civil Anotado, reimpressão, Lisboa: Petrony, 2004, pág. 97. 72 Art. 54º -
competência para conhecer de ações dirigidas contra pessoas coletivas ou sociedades. Se o réu
for o Estado, ao domicílio do réu substitui-se o do domicílio do autor. Se o réu for outra pessoa
coletiva ou uma sociedade, será demandada no tribunal da sede da administração principal ou
no da sucursal, agência, filial, delegação ou representação, conforme a ação seja dirigida
contra aquela ou contra estas. Se a pessoa coletiva ou sociedade for estrangeira, mas tiverem
sucursal, agência, filial, delegação ou representação em Timor-Leste, pode a ação ser proposta
no tribunal do lugar destas, ainda que se peça a citação da administração principal. Art. 55º -
pluralidade de réus e cumulação de pedidos. Havendo mais de um réu na mesma causa,
devem ser todos demandados no tribunal do domicílio do maior número. Se for igual o
número relativamente a vários domicílios, o autor pode escolher um dos tribunais
correspondentes. Se o autor cumular pedidos para cuja apreciação sejam competentes
diversos tribunais, o autor pode escolher um deles, exceto se em relação a algum a
competência for de conhecimento oficioso, caso em que a ação terá que ser posta no tribunal
competente para este pedido (art. 55º, nº 2, do CPC). Quando se cumulem pedidos em relação
aos quais haja uma relação de dependência ou de subsidiariedade, a ação deve ser posta no
tribunal competente para o pedido principal (art. 55º, nº 3, do CPC). Art. 56º - ações em que
seja parte o juiz, seu cônjuge ou certos parentes. Trata-se de assegurar que o juiz não possa
julgar causa em que tenha interesse. Assim, sendo o juiz, cônjuge, ascendente ou
descendente, ou qualquer outra pessoa que com ele viva em economia comum parte numa
ação, o processo deve transitar para o juiz substituto, no caso de haver mais de um juiz no
mesmo tribunal (art. 56º, nº 4, do CPC), ou ser remetido para o tribunal 73 mais próximo, se
não for possível substituir o juiz no mesmo tribunal (art. 56º, nº 1 e 2, do CPC). Vejam-se ainda
os arts. 87º e 88º do CPC. II. Foro real ou da situação dos bens (art. 57º do CPC) As ações
referentes a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis, as ações de divisão de coisa
comum, de despejo, de preferência e de execução específica sobre imóveis, e ainda as de
reforço, substituição, redução ou expurgação de hipotecas, devem ser propostas no tribunal
em cuja circunscrição se situam os bens. Trata-se de uma norma imperativa. A ação não pode
correr por outro tribunal (art. 77º, n. 1, al. a), do CPC). III. Foro obrigacional (art. 58º, n. 1, do
CPC) A ação destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não
cumprimento, ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de
cumprimento, será proposta, à escolha do credor, no tribunal do lugar em que a obrigação
devia ser cumprida ou no tribunal do domicílio do réu. O art. 705º, nº 1, do Código Civil,
estipula que, na falta de estipulação ou disposição especial da lei, a prestação deve ser
efetuada no lugar do domicílio do devedor. Porém, quando se trate de uma obrigação
pecuniária (em dinheiro) a obrigação deve ser cumprida no lugar do domicílio que o credor
tiver ao tempo do cumprimento (art. 708º do Código Civil).213 Trata-se de normas supletivas,
pelo que as partes podem no contrato estipular lugar diverso para o cumprimento das
obrigações. IV. Foro da ocorrência do facto (art. 58º, n. 2, do CPC) A ação destinada a efetivar a
responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, deve ser proposta no
tribunal do lugar em que o facto ocorreu. 213 No âmbito do Código Civil Indonésio, o
pagamento devia ser efectuado no lugar do domicílio do credor (art. 1393º). 74 Trata-se de
uma norma imperativa. A ação não pode correr por outro tribunal (art. 77º, n. 1, al. a), do
CPC). Abrangem-se neste caso, por exemplo, os acidentes de viação, a responsabilidade civil
por factos tipificados como crime, a ofensa à honra, etc. V. Foro do domicílio do autor (art. 59º
do CPC) Para as ações de divórcio e separação de pessoas e bens. Art. 60º - competência para
conhecer de ações de honorários. O art. 60º do CPC nada tem a ver com a competência em
razão da matéria; tem unicamente por fim resolver um problema de competência territorial,
supondo, por isso, já resolvidos os problemas de competência que logicamente estão antes
deste, e consequentemente o problema da competência em razão da matéria.214 Art. 61º -
competência para conhecer de processos de inventário e de habilitação Foro hereditário. É
competente o tribunal do lugar da abertura da sucessão (art. 61º, nº 1, do CPC). A sucessão
abre-se no lugar do último domicílio do seu autor. Se o autor da sucessão tinha domicílio no
estrangeiro, será competente o tribunal do lugar da situação dos imóveis ou da maior parte
deles, ou na ausência de bens imóveis do lugar da situação da maioria dos móveis (art. 61º, nº
1, al. a), do CPC). Não havendo bens é competente para a habilitação o tribunal do lugar do
domicílio do habilitando. Para o inventário sucessivo de cônjuge sobrevivo, é competente o
tribunal onde decorreu o primeiro inventário (art. 61º, nº 3, do CPC). Situação semelhante
ocorre no caso de cumulação de inventários. 214 Alberto do Reis, Comentário ao Código de
Processo Civil, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1944, pág. 204. 75 Art. 62º - procedimentos
cautelares e diligências antecipadas. Arresto e arrolamento no tribunal onde deva ser posta a
ação respetiva ou no tribunal do lugar onde se encontrem os bens (art. 62º, nº 1, al. a), do
CPC). Embargo de obra nova no tribunal do lugar da obra (art. 62º, nº 1, al. b), do CPC). Os
outros procedimentos cautelares no tribunal onde deva ser posta a ação respetiva (art. 62º, nº
1, al. c), do CPC). Diligências antecipadas de prova no tribunal onde a diligência deva efetuar-se
(art. 62º, nº 1, al. d), do CPC). Art. 63º - notificações judiciais avulsas. No tribunal do lugar onde
resida a pessoa a notificar. 7.4. Competência em matéria de execuções Em matéria de
execuções é competente para a execução o tribunal do lugar onde a obrigação deva ser
cumprida (art. 682º, nº 1, do CPC). Como a execução tem por fim obter a reparação do direito
violado, a competência para dela conhecer pertence, logicamente, ao tribunal do lugar onde a
obrigação devia ser cumprida. 215 Não se verificando as exceções previstas no nº 2 do citado
artigo 682º, e baseando-se a execução em título que não seja decisão de um tribunal comum
ou arbitral, a regra é a do foro obrigacional.216 Se a execução for para entrega de coisa certa
ou por dívida com garantia real, é competente o tribunal do lugar onde a coisa se encontra ou
da localização dos bens (art. 682º, nº 2, do CPC). Trata-se de uma manifestação do princípio
expresso no art. 57º do CPC. O mesmo princípio prevalece para o caso de o credor não ter
domicílio em Timor-Leste, mas 215 Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. I,
Coimbra: Almedina, 1963, pág. 161. 216 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil
Anotado, vol. I, 2008, pág. 177. 76 aqui ter bens. Para a execução de sentença é competente o
tribunal do lugar onde a causa tenha sido julgada, correndo a execução por apenso ao
processo declarativo (art. 679º do CPC). Se a ação tiver sido proposta no Supremo Tribunal de
Justiça é competente o tribunal do domicílio do executado (art. 680º do CPC). Para a execução
fundada em sentença estrangeira é competente o Tribunal Distrital de Díli (art. 683º do CPC).
7.5. Extensão e modificação da competência O tribunal competente para a ação é também
competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu
suscite como meio de defesa (art. 64º do CPC). Os incidentes (arts. 254º e seguintes do CPC)
são procedimentos anómalos, atos que saem fora da tramitação normal do processo. Estes
incidentes são processados na própria ação, pelo que o seu conhecimento é da competência
do tribunal onde corre a ação e esta regra não admite exceções.217 Art. 65º - questões
prejudiciais. Se o conhecimento do objeto da ação depender da decisão de uma questão que
seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar
na decisão até que o tribunal competente se pronuncie. Nos termos do art. 65º, nº 1, do CPC, a
questão prejudicial não será em princípio da competência do tribunal onde corre a ação, que
deve suspender a ação até decisão da questão. Porém, se a ação penal ou a ação
administrativa não for exercida dentro de um mês ou se o respetivo processo estiver parado,
por negligência das partes, durante o mesmo prazo, a suspensão fica sem efeito e o juiz do
processo ganha competência para decidir a questão (art. 65º, nº 2, do CPC). Questões
prejudiciais são questões cuja resolução constitui pressuposto, ou seja, cuja resolução é
necessária, para a decisão do mérito da ação, e que devam ser decididas noutro processo (art.
234º, nº 1, do CPC).218 217 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I,
2008, pág. 180. 218 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008,
pág. 184. 77 Art. 66º - questões reconvencionais. O tribunal da ação é competente para as
questões deduzidas por via de reconvenção, desde que tenha competência para elas em razão
da nacionalidade, da matéria e da hierarquia; se a não tiver, é o reconvindo absolvido da
instância. O reconvindo, ou seja, o autor contra quem o réu deduz a reconvenção só será
absolvido da instância reconvencional, prosseguindo o processo para conhecer apenas do
pedido principal formulado pelo autor, se ocorrer uma situação de incompetência absoluta do
tribunal para a reconvenção (art. 69º do CPC). Se a reconvenção tiver consequências apenas ao
nível da competência relativa (art. 75º do CPC), deve o juiz oficiosamente remeter o processo
para o tribunal competente (art. 78º, nº 3, do CPC). 7.6. Competência convencional Art. 67º -
pactos de jurisdição. As partes podem convencionar qual a jurisdição competente para dirimir
um litígio determinado, ou os litígios eventualmente decorrentes de certa relação jurídica,
contando que a relação controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica (art.
67º, nº 1, do CPC). Pactos de jurisdição são as convenções através das quais as partes
determinam por acordo sobre qual a jurisdição nacional competente para apreciar um litígio
que apresente elementos de conexão com mais de uma ordem jurídica (competência
internacional).219 Necessário é, porém, que essa conexão com o tribunal nacional exista para
que a convenção seja válida.220 Art. 68º - competência convencional. Pacto de competência é
a convenção pela qual as partes designam como competente para o julgamento de
determinado litígio um tribunal diferente daquele que resulta das regras de competência
interna (pacto que, diga-se, só pode incidir sobre a competência em razão do território, desde
que a incompetência relativa não seja aqui de conhecimento oficioso), uma vez que não se
podem afastar as regras de conhecimento oficioso (art. 68º, nº 1, do CPC). A competência
convencional é a que resulta de uma convenção entre as partes. As partes podem, na verdade,
modificar dentro de certos limites as regras de competência fixadas na lei e usam com relativa
frequência desse poder, especialmente nas cláusulas que, dentro dos chamados 219 Freitas,
Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 189. 220 Freitas, Redinha
e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 191. 78 contratos de adesão,
estabelecem um foro convencional. 221 Os arts. 67º e 68º do CPC regulam a competência
convencional internacional e interna, isto é, regulam o princípio da liberdade contratual
enquanto fator de atribuição de competência direta. 222 Seguindo ainda Lebre de Freitas, “O
primeiro prevê os pactos de jurisdição, através dos quais as partes convencionam sobre a
jurisdição nacional competente para apreciar um litígio que apresente elementos de conexão
com mais de uma ordem jurídica (competência internacional), e o segundo os pactos de
competência, em que as partes dispõem sobre a competência dos tribunais portugueses no
seu confronto recíproco (competência interna)». «Para além destes casos, podem ainda as
partes, através da convenção de arbitragem, atribuir a um tribunal arbitral competência para
dirimir determinado conflito”.223 Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 223. Em
resumo: a convenção sobre a competência pode regular a competência interna ou
internacional ou atribuir competência a um tribunal arbitral para apreciar um determinado
litígio, mesmo que eventual; atendendo à diferenciação desses objetos, a convenção sobre a
competência pode ser, respetivamente, um pacto de competência (art. 68º do CPC), um pacto
de jurisdição (art. 67º do CPC) ou uma convenção de arbitragem.224 A celebração de
convenções sobre a competência [quer de pactos de jurisdição, quer de pactos de
competência, quer de convenções de arbitragem] está genericamente sujeita às mesmas
regras de formação (atinentes à declaração de vontade e aspetos conexos) e aos mesmos
requisitos de validade de qualquer contrato substantivo. No plano processual, as convenções
sobre a competência atribuem competência a um tribunal, em exclusividade ou em
concorrência com a competência (legal ou convencional) de outro tribunal. 225 221 Miguel
Teixeira de Sousa, A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, reimpressão, Lisboa: Lex,
1994, pág. 99. 222 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág.
189. 223 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 189. 224
Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 223-225. 225 Miguel Teixeira de Sousa,
A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, reimpressão, Lisboa: Lex, 1994, pág. 100. 79
7.7. Violação das regras de competência 7.7.1. Incompetência absoluta A infração das regras
de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência
internacional, salvo quando haja mera violação de um pacto privativo de jurisdição, determina
a incompetência absoluta do tribunal (art. 69º do CPC). A incompetência absoluta pode ser
arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do
processo, enquanto não houver sentença, com trânsito em julgado, sobre o fundo da causa
(art. 70º do CPC). Deve ser conhecida no despacho inicial (art. 335º, n. 1, al. b), do CPC), ou no
saneador (arts. 386º, n. 1, al. a), 240º, n. 1, al. a), e 273º, n. 1, al. a), todos do CPC). Pode ainda
ser conhecida imediatamente, logo que o tribunal, oficiosamente ou por alegação da parte, o
verifique, se antes do saneador, ou obrigatoriamente de imediato se verificada após a prolação
do despacho saneador (arts. 71º e 72º, n. 1, do CPC). O conhecimento oficioso, ou mediante
requerimento de uma das partes, pode mesmo ocorrer no tribunal de recurso.226
Aproveitamento dos articulados (art. 72º, n. 2, do CPC). A existência da incompetência
absoluta implica a absolvição do réu da instância. No entanto, se a incompetência for
decretada depois de findos os articulados, podem estes ser aproveitados, desde que estando
as partes de acordo sobre o aproveitamento, o autor solicite a remessa do processo ao
tribunal competente. Valor da decisão sobre incompetência absoluta (arts. 73º e 74º do CPC).
7.7.2. Incompetência relativa A infração das restantes regras reguladoras da competência
determina a incompetência relativa do tribunal (art. 75º do CPC). Regime de arguição da
incompetência relativa (art. 76º do CPC). A incompetência relativa só pode ser invocada pelo
réu na sua contestação (ou de oposição, quando não se trata de 226 Varela, Bezerra e Nora,
Manual de Processo Civil, pág. 230. 80 uma ação); não pode ser invocada pelo autor e o
tribunal não pode conhecer a mesma oficiosamente, exceto nos casos previstos no art. 77º, nº
1 e 2, do CPC.227 O autor pode responder no articulado subsequente da ação ou, não havendo
lugar a este, em articulado próprio, dentro de dez dias após a notificação da entrega do
articulado do réu (art. 76º, nº 2, do CPC). Trata-se de um incidente inominado (arts. 254º a
256º do CPC), pelo que as partes têm que indicar imediatamente (com o articulado ou
resposta) as provas necessárias (arts. 76º, nº 3, e 255º, nº 1, do CPC). A incompetência relativa
é sempre decidida antes do despacho saneador (art. 77º, nº 3, do CPC). A ação não avança
enquanto não se decidir a questão da incompetência (art. 78º do CPC). Tem que haver caso
julgado. Daí que o recurso interposto da decisão que declare a incompetência relativa do
tribunal suba imediatamente e nos próprios autos (art. 78º, n. 5, do CPC). O recurso interposto
do despacho que declare o tribunal competente sobre também imediatamente, mas em
separado (art. 78º, n. 5, do CPC). A incompetência relativa tem como única consequência a
remessa do processo para o tribunal competente (arts. 78º, n. 3, e 372º, nº 2, do CPC).
Seguindo Antunes Varela, “O julgamento da incompetência relativa apenas interessa à fixação
do tribunal competente para a preparação e julgamento da causa, não tendo influência
alguma na validade dos atos praticados na ação. Assim, se a exceção de incompetência relativa
for julgada (definitivamente) procedente, os autos serão remetidos para o tribunal
competente; se for tida como improcedente, o processo prosseguirá o seu curso normal, no
tribunal em que se encontra pendente”.228 A incompetência relativa é de conhecimento
oficioso nos casos previstos no art. 77º, nº 1 e 2, do CPC. Importa ter em especial atenção as
situações de incompetência territorial referidas na al. a) do nº 1, do art. 77º do CPC. 7.8.
Conflitos de competência 227 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 234. 228
Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 235-236. 81 Há conflito de
competência quando dois ou mais tribunais se consideram competentes ou incompetentes
para conhecer da mesma questão: o conflito diz-se positivo no primeiro caso e negativo no
segundo (art. 81º, nº 1, do CPC). O conflito pressupõe que ambas as decisões (em que dois
juízes se declaram incompetente, situação mais comum, ou competentes) tenham transitado
em julgado (art. 81º, nº 2, do CPC), enquanto a decisão for passível de recurso este pode ser
interposto por uma das partes e o tribunal de recurso decidir contrariamente ao decidido na
primeira instância. O processo seguirá a forma prevista nos arts. 82º a 85º do CPC, sendo a
decisão da competência do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.229 7.9. Garantias da
imparcialidade do juiz O juiz está impedido de ser titular do processo, ou de intervir no
processo, em todas as situações previstas nos arts. 87º, nº 1, e 89º do CPC. Se ocorrer alguma
destas circunstâncias, o juiz deve logo, por despacho nos autos, declarar-se impedido (art. 88º,
nº 1, do CPC). Se o não fizer, podem as partes, até à sentença, requerer a declaração do
impedimento (art. 88º, nº 1, do CPC). Se o juiz declarar que não está impedido, no caso de
incidente suscitado por uma das partes, seja qual for o valor da causa, é sempre admissível
recurso da decisão de indeferimento, para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 88º, nº 1, do
CPC). O recurso sobe imediatamente e em separado, seja qual for a forma do processo (art.
88º, nº 1, do CPC). Declarado o impedimento, o processo é remetido ao tribunal competente,
passará ao juiz imediato ou ao substituto, conforme os casos (art. 88º, nº 3, do CPC). Quando o
juiz ser indicado como testemunha, no caso de o juiz declarar que tem efetivamente
conhecimento dos factos que estão em discussão no processo fica impedido (art. 620º do
CPC), este impedimento deve aliás ser logo declarado pelo juiz quando se aperceba que
conhece os factos do processo (arts. 87º, nº 1, al. h), e 88º, nº 1, do CPC). Caso o juiz declare
que não conhece os factos não se verifica o impedimento, podendo, porém, a parte invocar o
impedimento nos termos do referido art. 88º, nº 1, do CPC. Para Lebre de Freitas “Este regime
representa o ponto de equilíbrio entre, por um lado, o 229 Hoje do Presidente do Tribunal de
Recurso. 82 direito da parte à prova e a proibição da utilização do conhecimento privado dos
factos pelo julgador e, por outro, a necessidade de evitar que a parte consiga, sem
fundamento, afastar o juiz do processo, mediante o expediente de o dar como
testemunha”.230 Os impedimentos respondem às situações mais graves, que segundo a
experiência comum são em regra idóneas a afetar a imparcialidade do juiz, do Ministério
Público, ou dos funcionários judiciais (para estes conforme o art. 90º do CPC).231 Os
fundamentos para o impedimento são, por isso, taxativos (só pode haver impedimento nos
casos previstos nos arts. 87º, nº 1, e 89º do CPC).232 No caso de se verificar qualquer outra
situação que possa comprometer a imparcialidade do juiz, pode pedir que seja dispensado de
intervir na causa (arts. 91º, nº 1, e 92º, nº 1, do CPC). Seguindo ainda Lebre de Freitas, “As
suspeições correspondem a situações de menor gravidade ou risco, consubstanciando-se em
circunstâncias que apenas em concreto podem ser sentidas como susceptíveis de
comprometer a imparcialidade do juiz ou do funcionário judicial”.233 Ou seja, a seriedade e
gravidade do motivo ou motivos causadores do sentimento de desconfiança sobre a
imparcialidade do juiz têm de ser consideradas objetivamente, não bastando um puro
convencimento subjetivo da parte, ou do próprio juiz na escusa, para se ter por verificada a
ocorrência da suspeição. É a partir do senso e experiência comuns que tais circunstâncias
devem ser ajuizadas.234 Conforme referido no citado acórdão do Tribunal de Recurso de 28-
10-2010, “o legislador utilizou, para as causas geradoras de suspeição e fundamento de recusa,
uma fórmula ampla, abrangente de todos os motivos que sejam adequados a gerar
desconfiança sobre a imparcialidade do juiz”. 230 Freitas, Machado e Pinto, Código de
Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 572. 231 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo
Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 231. 232 Acórdão do Tribunal de Recurso de 28-10-2010,
processo nº nº 01/Pedido de Escusa/2010/TR. Esta tem sido jurisprudência seguida
unanimemente pelo Tribunal de Recurso. 233 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo
Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 231. 234 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-7-
1996, Colectânea de Jurisprudência, ano XXI, tomo 4º, Coimbra: Casa do Juiz, 1996, pág. 63. 83
A lei preocupa-se não apenas em assegurar, no plano jurídico, a independência funcional do
juiz, como também a sua independência a influências estranhas; e justamente para assegurar
essa independência de fato, o sistema legal impõe-lhe a obrigação de abster-se de julgar
quando existam determinadas circunstâncias.235 Assim, para o efeito de apresentação do
pedido de escusa, o que importa é determinar se um cidadão médio, representativo da
comunidade, pode, fundadamente, suspeitar que o juiz, influenciado pelo facto invocado,
deixe de ser imparcial e, injustamente, o prejudique.236 Caso o juiz não peça a sua escusa,
podem as partes deduzir incidente de suspeição do juiz (art. 92º do CPC). O direito de a parte
recusar o juiz não está, necessariamente, condicionado à possibilidade ou à probabilidade de
que ele esteja realmente propenso a prejudicá-la; basta apenas a ocorrência de uma causa
legal que justifique a desconfiança sobre a sua imparcialidade, pois o que está em jogo, afinal,
é a confiança depositada na justiça.237 O incidente processa-se nos termos dos arts. 93º a 98º
do CPC, sendo a decisão da competência do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. 235
Gian Antonio Michelli, in “Corso di diritto processuale civile”, vol. I, Milano, 1959, pág. 183,
citado no mencionado acórdão do Tribunal de Recurso de 28-10-2010. 236 Acórdão do
Tribunal da Relação de Évora de 5-3-1996, Colectânea de Jurisprudência, ano XXI, tomo 2º,
Coimbra: Casa do Juiz, 1996, pág. 281. 237 Karl Larenz, in “Derecho justo - Fundamentos de
Ética Jurídica”, Madrid, 1993, pág. 18, citado no mencionado acórdão do Tribunal de Recurso
de 28-10-2010. 84 85 Capítulo III – Tramitação Processual Secção I – Articulados 1. Petição
inicial 1.1. Conceito A condição indispensável para que o tribunal dirima o litígio introduzido
em juízo consiste na fixação, em concreto, dos termos da controvérsia, sendo essa a finalidade
dos articulados. Dá-se o nome de articulados às peças escritas através das quais as partes
introduzem a lide, expondo os fundamentos da ação e da defesa e formulando os pedidos
correspondentes (art. 117º, nº 1, do CPC). A designação de articulados resulta da circunstância
de tais peças deverem ser deduzidas por artigos (art. 117º, nº 2, do CPC). Causa de pedir é o
facto concreto que serve de fundamento à ação. São os factos geradores do direito (a fonte do
direito). Não são abstrações, conclusões, ou qualificações, são os factos concretos. A petição
inicial é o articulado em que o autor propõe a ação (art. 117º, nº 1, do CPC). Como
manifestação do princípio do dispositivo, só mediante a iniciativa da parte se inicia o processo.
A petição inicial é o articulado em que o demandante expõe os fundamentos da ação e
formula o correspondente pedido, introduzindo, por conseguinte, o feito em juízo. No art. 7º
do CPC está consagrado o princípio do pedido ou da instância como emanação primordial do
princípio mais amplo do dispositivo, segundo o qual “… o tribunal não pode resolver o conflito
de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das
partes…”. Esta solução é compreensível uma vez que no âmbito do direito civil se discutem 86
maioritariamente direitos de índole privada, disponíveis pela parte. Assim, podendo dispor
desses direitos, sobre eles recai o impulso processual, não podendo o tribunal oficiosamente
resolver litígios não solicitados pelos titulares dos respetivos interesses ou direitos. A petição
inicial traduz-se num ato processual constitutivo da relação processual e é o único articulado
absolutamente indispensável à existência do processo. 1.2. Requisitos da petição inicial (art.
349º do CPC) A. Introito ou preâmbulo: A.1- Endereço. O art. 349º, nº 1, al. a), do CPC, impõe
que o autor, na petição inicial, designe o tribunal onde a ação é proposta, elemento relevante
na aferição do pressuposto competência. Esta designação efetua-se por referência à categoria
do tribunal. Embora apenas se exija a designação do tribunal, generalizou-se a prática de dirigir
a petição ao magistrado judicial do tribunal competente, o que se deverá porventura a um
antigo formulário oficial de diplomas e atos públicos, estabelecido em Portugal pelo Decreto
22.470 de 11/4/1933 que, no seu art. 11º determinava: “As petições … que forem dirigidas a
qualquer autoridade judiciária começarão: Exmº Sr. Juiz … ou Exmº Sr. Presidente do Tribunal”.
A.2- Identificação das partes. O autor deve, na petição inicial, identificar as partes, indicando:
Os seus nomes (quando se trate de pessoas físicas). Firmas ou denominações sociais de
sociedades ou outras pessoas coletivas. Domicílio; a residência (quanto às pessoas físicas) e a
sede (quanto às pessoas coletivas). Profissões e locais de trabalho (quando possível). 87
Indicação do legal representante (quando se trate de incapaz ou de pessoa coletiva, o que se
reveste de utilidade prática uma vez que a citação deve ser feita na pessoa dos legais
representantes). A menoridade, quando útil para aferir da capacidade judiciária. A.3- Forma de
processo. Exige o art. 349º, nº 1, al. c), CPC, que o autor indique a forma de processo, a qual
constitui elemento relevante para a classificação do papel pelo funcionário distribuidor (arts.
177º e 185º o CPC). A forma de processo de indicação obrigatória é a estabelecida nos arts. 3º
e 347º do CPC. Exemplos: - “Acção declarativa de condenação sob a forma de processo
comum”. - “Acção declarativa de condenação sob a forma de processo especial de divórcio”. É
usual fazer-se a indicação de determinados tipos de ações referenciados no direito substantivo
ou consagrados no léxico forense: - Ação de reivindicação. - Ação de impugnação pauliana. -
Ação de preferência. Embora não obrigatória, esta indicação constitui todavia uma fórmula
sintética de aludir ao objeto da causa. A omissão da indicação da forma de processo é motivo
de recusa do recebimento da petição inicial (art. 175º do CPC). A errada indicação da forma de
processo é uma nulidade processual com o regime previsto no art. 161º do CPC. B. Narração:
88 Chama-se narração ao trecho da petição inicial em que o peticionante expõe os
fundamentos da ação (art. 467º, nº 1, al. d), do CPC). Esses fundamentos distribuem-se por
três planos: O plano dos factos concretos: é constituído pelas afirmações dos factos
indispensáveis à decisão da causa, isto é, os que sejam suscetíveis de preencher a hipótese
legal em que se estriba o efeito jurídico pretendido. O plano do clima moral:
circunstancialismo envolvente, explicativo do litígio e útil á sua compreensão, ainda que não
indispensável ao preenchimento da hipótese legal relevante, mas que lhe dá vida, podendo
aliás influir, de algum modo, na convicção do julgador. O plano das razões de direito: refere-se
à invocação das normas jurídicas aplicáveis, incluindo as máximas da experiência, equidade ou
regras de lógica. B.1- Forma. Os factos concretos integradores da causa de pedir terão de ser
deduzidos com subordinação a números ou artigos, exceto quando a lei dispense a narração
sob forma articulada (art. 117º, nº 2, do CPC). Visa-se pois, proporcionar um exercício
esclarecido do contraditório, por banda do réu, tendo em conta o ónus de impugnação
especificada que sobre ele impende (art. 370º, nº 1, do CPC), bem como facilitar a
condensação da matéria de facto. Assim sendo, é recomendável que se deduza um facto por
artigo, recortando-o de forma concisa nos seus traços essenciais, sem prejuízo, todavia, dos
respetivos elementos acidentais que relevem para a decisão (modo, tempo, lugar etc.) e que
se proceda a uma ordenação da matéria de facto lógica e cronologicamente sequencial e
coerente, para que não saia prejudicada a sua dimensão integral. Do clima moral fazem parte
aquelas considerações que, não integrando a estrutura fáctica da causa, favorecem o seu
enquadramento no contexto comportamental dos litigantes, tornando aquele factualismo
mais explícito aos olhos do julgador. Relativamente às alegações de direito, tanto pode
consistir na mera citação das disposições legais (artigos) como na reprodução das normas
deles extraídas. Por outro lado, a alegação de 89 direito deve ser quanto possível sóbria, pois o
desenvolvimento das teses jurídicas tem o seu momento próprio no quadro das alegações de
direito, aquando da discussão da causa ou das alegações de recurso. Como resulta do princípio
do dispositivo, incumbe ao autor que invoca a titularidade de um direito especificar a causa de
pedir (fonte desse direito, o facto ou ato necessário para que o seu direito proceda). Assim,
antes do juiz analisar a matéria de facto, já esta foi selecionada numa primeira fase, de acordo
com o direito invocado (autor) ou o meio de defesa escolhido (réu), no sentido de serem
alegados e provados factos para que a pretensão ou defesa sejam procedentes. A necessidade
da correta alegação da matéria de facto está diretamente relacionada com a natureza dos
interesses que importa assegurar, quem invoca um direito tem o ónus de alegar factos
constitutivos desse direito, quem se defende por exceção tem de alegar os factos extintivos,
modificativos ou impeditivos subjacentes (conforme o ónus de prova previsto no art. 510º do
CPC). A necessidade de alegação dos factos essenciais que integram a previsão abstrata da
norma ou normas jurídicas, relaciona-se também com o respeito do princípio do contraditório.
O direito de defesa só pode ser eficazmente exercido se o autor expuser de forma clara a sua
pretensão, para que o réu responda especificadamente sobre cada facto articulado. Por outro
lado, o ónus de alegação da matéria de facto que integra a causa de pedir está conexionado
com os limites que o art. 412º do CPC impõe ao juiz, cuja sentença, em princípio, se deve
limitar aos factos articulados pelas partes. A problemática da distinção surge quando o autor
elabora a petição inicial e tem que cumprir o ónus de alegar matéria de facto. Não existe um
critério universal que permita a distinção, esta tem que ser feita caso a caso, atenta a
problemática que se suscita no processo. Não é irrelevante a opção a tomar uma vez que dela
pode depender o sucesso da ação, a matéria de direito não pode ser incluída na especificação
ou no questionário (art. 387º, nº 1, do 90 CPC), ser objeto de instrução (arts. 389º do CPC) ou
de integrar a decisão sobre a matéria de facto (art. 412º do CPC). Exemplos de afirmações de
direito: - Má fé; - Abuso de direito; - Culpa; - Economia comum; - Proveito comum do casal; -
Conduzir por conta de outrem. Exemplos de afirmações de matéria de facto: - Árvore; -
Terreno; - Secretária; - Computador. Exemplos de afirmações técnico-jurídicas qualificáveis
como matéria de facto (são expressões com um significado jurídico e vulgar corrente,
facilmente percetível pelas pessoas comuns): - Vender; - Detenção; - Fruição; - Despedimento;
91 - Arrendamento; - Renda. Causa de pedir simples é aquela que é constituída por um facto
singelo. Ex: invocar direito de crédito com base em contrato celebrado e não cumprido. Causa
de pedir complexa é aquela que é constituída por vários factos. Ex: invocar o direito de
indemnização resultante de acidente de viação provocado por veículo tripulado por
comissário. Causas de pedir múltiplas. Podem surgir em regime de cumulação real, subsidiária
ou alternativa. Ex. Pedido de divórcio baseado em vários comportamentos integradores da
violação de múltiplos deveres conjugais. Exemplos de causas de pedir. - Ações baseadas em
contratos. O núcleo da causa de pedir é constituído pela celebração de um contrato que gera
direitos. Para além de alegar as cláusulas concretas do contrato definidoras da obrigação, deve
remeter para o documento (contrato) junto com a petição inicial que contenha as cláusulas
contratuais. - Ações constitutivas. Ex. Resolução do contrato de arrendamento, a causa de
pedir consiste na alegação da relação de locação (contrato de arrendamento) e dos factos que,
de acordo com o art. 1018º do Código Civil constituem fundamento da resolução do contrato.
Ex. Ação de divórcio, a causa de pedir consiste na alegação da relação matrimonial
(casamento) e é constituída pelos factos concretos invocados como integradores dos
fundamentos legais do divórcio. - Ação de anulação ou declaração de nulidade. 92 A causa de
pedir é integrada pelos factos (erro sobre o objeto do negócio, coação moral, negócio
contrário à ordem pública) de onde o autor faz derivar a nulidade ou anulabilidade do negócio
jurídico. - Ação de simples apreciação. Apreciação positiva: a causa de pedir implica a alegação
de uma específica relação jurídica de que resultam direitos e obrigações cujo conteúdo se
discute. Apreciação negativa: a causa de pedir integra a alegação da inexistência do direito ou
facto específico e dos factos indiciadores do estado de incerteza que justifica o litígio. - Ações
de responsabilidade civil. Trata-se de causa de pedir complexa, de acordo com os casos,
pressupõe a alegação do evento, ilicitude, culpa, ou responsabilidade objetiva, prejuízo e o
nexo de causalidade entre o evento e o dano. - Ações de filiação. A causa de pedir é integrada
pelos factos que confirmem (ação de investigação paternidade/maternidade) ou neguem
(ações de impugnação paternidade/maternidade) a existência da relação biológica. - Ações
reais. A causa de pedir é preenchida pelos factos de onde o autor faz derivar o direito real. Ex.
Ação de reivindicação, a causa de pedir integra o pedido de reconhecimento do direito de
propriedade sobre o bem, com invocação da aquisição originária (por exemplo, usucapião ou
acessão). - Ações executivas A causa de pedir integra os factos que consubstanciam a relação
de crédito em que o autor fundamenta o seu direito a uma prestação de quantia certa, coisa
certa ou de facto positivo ou negativo, comprovada pelo documento (cheque, letra, livrança)
que constitui o título executivo e 93 determina os fins e limites da ação executiva. Os
documentos juntos com a petição podem complementar a causa de pedir, apenas se a parte
remeter para os mesmos e como complemento do alegado na petição inicial. Na
fundamentação da ação deve dar-se primordial importância às razões de facto. Enquanto na
matéria de facto o juiz está vinculado às alegações das partes, na indagação, interpretação e
aplicação do direito o Tribunal age livremente (art. 412º do CPC). 1.3. O pedido 1.3.1. Noção O
pedido corresponde ao efeito jurídico que o autor pretende retirar da ação intentada,
traduzindo-se na providência que o autor solicita ao tribunal. Pedido é o meio de tutela
jurisdicional pretendido pelo autor. O pedido delimita a ação. O juiz não pode condenar em
objeto diferente do pedido e para além do que foi pedido (art. 416º, nº 1, al. e), do CPC).
Manuel de Andrade define o pedido como “a enunciação da forma de tutela jurisdicional
pretendido pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar”.238 Antunes Varela,
acrescenta “o pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor”. 239 A
formulação do pedido integra duas componentes: A) A componente substantiva: - Afirmação
do efeito jurídico material pretendido Ex. Reconhecimento de um direito, resolução ou
anulação de contrato, averiguação de paternidade. 238 Manuel de Andrade, Noções
Elementares de Processo Civil, Coimbra: Coimbra Editora, 1956, pág. 299. No mesmo sentido
Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 105. 239 Varela, Bezerra e Nora,
Manual de Processo Civil, pág. 245. 94 - Especificação do objeto sobre o qual incide aquele
efeito. Ex. Coisa móvel ou imóvel, certo comportamento etc. B) A componente processual: -
Enunciação do tipo de atividade ou providência solicitada ao tribunal como modo de atuar o
efeito jurídico pretendido (declaração, condenação, execução etc.). Exemplos de algumas
fórmulas consagradas na prática: - Nas ações declarativas de simples apreciação: “Nestes
termos, D. (distribuída) e A. (autuada), deve a presente ação ser julgada provada e procedente
e, em consequência, reconhecido o direito de propriedade do autor sobre o prédio X”. - Nas
ações de condenação: “Nestes termos, D. e A. deve a presente ação ser julgada provada e
procedente e o réu condenado a pagar ao autor a quantia de $ ……” (a prestar determinado
facto ou a abster-se de o praticar). - Nas ações constitutivas: “Nestes termos, D. e A. deve a
presente ação ser julgada provada e procedente e, em consequência disso, declarado resolvido
o contrato” (decretado o divórcio etc.). A doutrina exige que o pedido seja explícito. Tem que
estar bem destacado, fora da parte que contém a narração dos factos, e tem de se conter
dentro da petição inicia. A jurisprudência portuguesa tem sido menos exigente, admitindo
mesmo pedidos implícitos. 1.3.2. Tipos de pedidos (arts. 350º a 354º do CPC) No caso dos
pedidos alternativos (art. 350º) ou dos pedidos subsidiários (art. 351º), existe uma cumulação
meramente aparente de pedidos. No caso dos pedidos subsidiários, formula-se um pedido
principal, para valer em primeira linha, e, para a hipótese de ele não ser atendido, 95 formula-
se um segundo pedido. O pedido pode ser formulado em alternativa quando a obrigação é
alternativa (art. 447º, nº 1, do Código Civil). Neste caso, pertencendo a escolha da obrigação
ao autor ou ao réu (ou mesmo a terceiro), o autor pode formular pedido alternativo, para que
afinal o réu seja condenado a efetuar uma obrigação à sua escolha ou de outra pessoa,
consoante os casos.240 O autor não manifesta aqui qualquer preferência, podendo mesmo
não o fazer quando a escolha pertence ao réu. No pedido subsidiário o autor formula
igualmente dois pedidos, mas pretende que o réu seja condenado no primeiro pedido,
formulando o segundo apenas para o caso de o primeiro não poder proceder. Enquanto no
caso dos pedidos alternativos as pretensões se equivalem juridicamente, no caso dos pedidos
subsidiários há uma graduação das pretensões do autor.241 Em ambos os casos (pedidos
alternativos ou pedidos subsidiários), porém, o autor formula dois pedidos mas apenas
pretende a condenação do réu num deles. Os pedidos subsidiários podem ser opostos. Não
pode haver subsidiariedade de sujeitos. Cumulação real de pedidos (art. 352º do CPC): pedidos
vários que se formulam para valerem conjuntamente. Os pedidos têm que ser compatíveis. É
usual aditar-se o pedido de condenação em custas e condigna procuradoria. Não é obrigatória
a sua formulação, já que a condenação em custas e procuradoria é oficiosa (art. 653º, nº 1, do
CPC). É também habitual requerer-se o fim do articulado a citação do réu, empregando-se
fórmulas do tipo: - “Para tanto, R. (requeiro) a V. Exª que, D. (distribuída) e A. (autuada a
presente petição), se digne mandar citar o Réu para contestar, querendo, no prazo e sob
cominação legal, 240 Veja-se Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol.
II, 2008, págs. 255-258. 241 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II,
2008, pág. 259. 96 seguindo-se os demais trâmites processuais”. Não é obrigatória a sua
formulação, já que a ordem de citação é oficiosa, como resulta do art. 359º, nº 1, do CPC. Os
pedidos genéricos são pedidos respeitantes a bens não rigorosamente determinados (art.
353º, nº 1, do CPC). Os casos em que são admitidos os pedidos genéricos constituem situações
excecionais,242 pelo que os pedidos genéricos não são admissíveis fora dos casos previstos no
CPC. Os pedidos de prestações vincendas visam prestações já determináveis que devam
vencer-se na pendência da ação (art. 354º do CPC). Nos termos do art. 104º do CPC, a petição
inicial, como qualquer outro ato judicial, deve ser elaborada numa das línguas oficiais (tétum
ou português). 2. Valor da causa Importa distinguir o valor da causa do valor tributário (art.
257º do CPC e arts. 5º a 10º Código das Custas Judiciais243). O valor da causa (os critérios de
determinação encontram-se nos art. 258º e seguintes do CPC) tem efeitos quanto: - À
competência do tribunal; - À forma do processo; -À alçada. O valor tributário tem efeitos
quanto a custas e demais encargos legais e são primeiro estabelecidos pelo Código das Custas
Judiciais e subsidiariamente no CPC. 242 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil
Anotado, vol. II, 2008, pág. 265. 243 Aprovado pelo Decreto-Lei nº 16/2011, de 13 de Abril. 97
Nas ações é obrigatória a indicação do valor da causa (arts. 357º, nº 1, e 349º, nº 1, al. f), do
CPC), mas já o não é nos incidentes (art. 268º, nº 1, do CPC). Relativamente à maneira de o
indicar, embora a lei o não indique, é conveniente que se faça por algarismos e por extenso.
Ex. “Valor da causa: US$ 14.000,00 (catorze mil dólares)”. A petição inicial deve ser
acompanhada do comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça (art. 116º, nº 1, do
CPC). A petição inicial deve ser acompanhada de duplicados (art. 118º, nº 1, do CPC). 3.
Formalidades iniciais (distribuição) A petição inicial é entregue na secretaria geral do tribunal a
que é dirigida, considerando-se intentada a ação na data da entrega da petição na secretaria
(art. 115º do CPC). Entregue a petição inicial na secretaria procede-se à sua distribuição (art.
173º, nº 1, al. a), do CPC). A distribuição visa repartir com igualdade e impessoalidade o serviço
do tribunal (art. 171º do CPC). Entregue a petição inicial na secretaria do tribunal, a mesma
pode ser rejeitada pela própria secretaria se não contiver os requisitos externos exigidos pela
lei (art. 175º, nº 1, do CPC). Em caso de dúvida a questão deve ser colocada ao juiz que preside
à distribuição, o qual decidirá (art. 175º, nº 2, do CPC). Desta recusa pode a parte reclamar
para o juiz que preside à distribuição. Do despacho deste cabe recurso de agravo nos termos
gerais. Formalidades da distribuição (arts. 176º a 184º do CPC). Espécies na distribuição na
primeira instância (art. 185º do CPC). 98 Se a petição for recusada pelo juiz que a ela preside,
pode o autor corrigir a irregularidade e apresentar nova petição até à distribuição seguinte, a
fim de beneficiar do regime previsto no art. 357º, nº 2, do CPC. Ou seja, o autor aproveita a
data da propositura da ação inicial para efeitos de tempestividade da mesma e o pagamento
de taxa de justiça já efetuado. 4. Despacho Inicial Recebida a petição inicial na secretaria, após
a distribuição, e instruído o processo, o mesmo é concluso ao juiz, no prazo de cinco dias (art.
131º, nº 1, do CPC). O juiz deve proferir despacho em dez dias (art. 125º do CPC). Para os
despachos de mero expediente o prazo é de dois dias, o que significa que o despacho inicial
não é considerado um despacho de mero expediente. São os seguintes os tipos de despacho
inicial possíveis: 4.1. Indeferimento liminar A petição deve ser liminarmente indeferida quando
se reconheça que é inepta (art. 355º, nº 1, al. a), do CPC). Diz-se inepta a petição (art. 155º, nº
2): A) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir. Importa
distinguir a falta de causa de pedir de causa de pedir deficiente, esta não contém todos os
factos de que depende a procedência da ação ou apresenta-se articulada de forma incorreta
ou deficiente. Pode conduzir à prolação de despacho de aperfeiçoamento (art. 358º nº 1, do
CPC) ou, em caso de não acolhimento do convite ao aperfeiçoamento, à improcedência do
pedido no despacho saneador ou na sentença final. A petição inepta por falta de causa de
pedir constitui nulidade absoluta e, caso não tenha havido indeferimento liminar, implica a
absolvição da instância no despacho saneador, exceto no 99 caso do art. 155º, nº 3, do CPC
(art. 240º, nº 1, al. b), do CPC). Exemplos de situações de falta de causa de pedir: - Articular em
ação de divórcio que a “ré violou os deveres conjugais” sem alegar quais. - Indicar factos vagos
ou genéricos. Ex. Ação de manutenção de posse, apenas alegar que o réu tem praticado atos
de “perturbação do seu direito”, sem especificar quais. - Em ação de simples apreciação
negativa alegar que “O autor nada deve ao réu”, sem concretizar os factos a que se reporta tal
declaração. Considera-se inepta a petição apresentada em termos obscuros ou ambíguos e
que impeça a compreensão segura da causa de pedir. A ininteligibilidade pode derivar da
formulação (não se compreende o que o autor pretende) ou da fundamentação do pedido
(falta de nexo entre o pedido e a causa de pedir ou a norma legal invocada). Admite sanação
pela posterior intervenção do réu, desde que se reconheça que este interpretou corretamente
a petição inicial (art. 155º, nº 3, do CPC) ou através da ampliação da matéria de facto em
réplica. B) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir. A petição inicial deve
apresentar-se sob a forma de um silogismo, premissa maior (razões de direito), premissa
menor (razões de facto) e o pedido corresponderá à conclusão. Ex: O autor invoca a nulidade
de negócio jurídico com base em simulação absoluta e conclui pedindo o direito de preferência
e a transmissão para o preferente do bem. A existência de contradição conduz ao
indeferimento liminar, nos casos admitidos por lei, por ineptidão da petição inicial ou, em fase
posterior, á absolvição da instância. C) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos
substancialmente incompatíveis. Contradição substancial de causas de pedir. Ex: Ao arguir a
anulabilidade do contrato, o autor 100 pede a anulação deste e ao mesmo tempo, a
condenação do réu na prestação nascida do contrato (como se este permanecesse válido). É
admissível a alegação de causas de pedir contraditórias quando invocadas a título subsidiário.
Só existe ineptidão quando se torna impossível discernir qual é, na realidade, a pretensão que
pretende ver judicialmente reconhecida. 244 Se o autor exprimiu o seu pensamento em
termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer
suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter, a petição será uma peça
desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta. 245 A ineptidão deve entender-se
segundo esta diretiva geral: não ser possível saber, em face do articulado, qual a ideia do autor
quanto a rasgos essenciais da ação. Deve tratar-se de uma verdadeira ininteligibilidade do
pensamento do autor. 246 Ou seja, o que releva é o pensamento do autor e não a qualificação
do direito que o mesmo faça. A maioria da doutrina exige que o pedido seja explícito, bem
destacado e fora da narração dos factos. No entanto, para norma idêntica, a jurisprudência
portuguesa vem aceitando, de forma pacífica e na sequência do exposto supra, que o pedido
possa ser inserido no próprio articulado, desde que dele resulte claro. Isto é, sem necessidade
de formulação final autónoma, embora tal devesse ser a fórmula empregue. A petição deve ser
liminarmente indeferida quando seja manifesta a incompetência absoluta do tribunal, a falta
de personalidade ou da capacidade judiciária do autor ou do réu, ou a sua ilegitimidade (art.
355º, nº 1, al. b), do CPC). Veja-se o art. 386º, nº 1, al. a), do CPC. Não sendo manifesta na
petição inicial a 244 Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. I, Coimbra:
Almedina, 1963, págs. 388-389. 245 Alberto do Reis, Comentário ao Código de Processo Civil,
vol. III, Coimbra: Coimbra Editora, 1944, pág. 364. 246 Manuel de Andrade, Noções
Elementares de Processo Civil, Coimbra: Coimbra Editora, 1956, pág. 178. 101 incompetência
absoluta do tribunal, a falta de personalidade ou da capacidade judiciária do autor ou do réu,
ou a sua ilegitimidade, qualquer destas situações determinará a absolvição do réu da instância,
no despacho saneador. A petição deve ser liminarmente indeferida quando a ação foi proposta
fora de tempo, sendo a caducidade de conhecimento oficioso, ou quando, por outro motivo,
for evidente que a pretensão do autor não pode proceder (art. 355º, nº 1, al. c), do CPC).
Vejam-se os prazos de caducidade e de prescrição de direitos. A petição deve ser indeferida
quando a forma de processo escolhida pelo autor não corresponder à natureza da ação e não
possa ser utilizada naquele caso concreto a forma de processo adequada (art. 355º, nº 1, al. c),
do CPC.) No caso de acumulação de pedidos, sendo o processo adequado para um deles, deve
ser aproveitado relativamente a esse, por razões de economia processual. Caso contrário, cita-
se o réu e absolve-se da instância no saneador, relativamente ao pedido para o qual o
processo não seja adequado. Não é admissível o indeferimento liminar parcial, a não ser que
do indeferimento resulte a exclusão de algum dos réus (art. 355º, nº 2, do CPC). Isto significa
que, ainda que seja manifesto que uma parte do pedido deve improceder, se a ação tiver que
prosseguir para apreciação da restante parte, não haverá lugar a indeferimento liminar.
Deverá antes ser proferido despacho de aperfeiçoamento, ou despacho de citação. O
indeferimento liminar dá lugar à extinção da instância (art. 239º, nº 1, al. a), do CPC), nos casos
previstos no art. 355º, nº 1, al. c), primeira parte, do CPC. Não havendo indeferimento liminar,
as causas deste dão lugar à absolvição da instância, no despacho saneador (art. 240º, nº 1, do
CPC). O indeferimento liminar justifica-se por razões de economia processual. Não vale a pena
prosseguir com a ação, sujeitando o réu a incómodos e a despesas, se pela simples leitura da
petição o juiz conclui que a pretensão do autor não pode proceder. 4.2. Atitudes do autor face
ao indeferimento liminar da petição 102 A. O autor pode conformar-se com o despacho e
renuncia à ação, não só aceita a decisão, como decide não intentar nova ação. O despacho
transita em julgado tendo como efeito a extinção ou absolvição da instância. B. O autor aceita
a decisão, mas não renuncia à propositura da ação. Se apresentar nova petição na qual corrija
a falta que determinou o indeferimento, dentro do prazo de dez dias a contar da notificação da
decisão, seja da primeira instância, seja da decisão sobre o recurso interposto, a ação
considera-se proposta na data em que a primeira petição deu entrada na secretaria do
Tribunal (art. 357º do CPC). Neste caso, se tiver havido recurso do despacho de indeferimento
e o réu tiver sido citado para os seus termos, o réu será apenas notificado para contestar (art.
357º, nº 2, do CPC). Se o réu não chegou a ser citado, será então citado para os termos da
ação. Tudo se passa como se a instância não tivesse sido interrompida, aproveitando o autor a
data da propositura da ação inicial para efeitos de tempestividade da mesma, a distribuição
efetuada e o pagamento de taxa de justiça já efetuado. A doutrina tem entendido que a
petição tem que ser corrigível e que a nova petição não introduza outros sujeitos ou outra
causa de pedir. Tem que se a mesma ação e não outra completamente nova. Se o autor
apresentar nova petição depois de decorrido o referido prazo de dez dias, tratar-seá de uma
nova ação. C. O autor pode recorrer do despacho que indefere liminarmente a sua petição.
Atenta a gravidade das consequências do indeferimento, admite-se recurso desse despacho,
seja qual for o valor da causa (art. 356º, nº 1, do CPC). Independentemente do fundamento do
despacho o recurso é de agravo (art. 356º, nº 1, do CPC). Em obediência ao princípio do
contraditório, uma vez que a questão interessa sem dúvida ao réu, no despacho que admita o
recurso é ordenada a citação do réu, tanto para os termos do 103 recurso como para os da
causa (art. 356º, nº 3, do CPC). Ou seja, o réu pode então pronuncia-se sobre o recurso,
nomeadamente alegando em defesa da manutenção do despacho de indeferimento, podendo
também preparar a sua defesa para o caso de vir a proceder o recurso. Neste caso será apenas
notificado para contestar a ação, ma vez que já foi citado (arts. 356º, nº 4, e 357º, nº 2, última
parte, do CPC). Se o recurso não proceder a entrada do processo na secretaria do Tribunal de
primeira instância é logo notificada ao autor, começando então a correr o prazo de dez dias
para o autor apresentar nova petição, nos termos do art. 357º, nº 1, do CPC (art. 356º, nº 4, do
CPC). A decisão do Tribunal de Recurso não faz caso julgado relativamente às questões
previstas no art. 355º, nº 1, al. c), do CPC, apenas se assegurando o prosseguimento da ação.
4.3. Despacho de aperfeiçoamento Nos termos do art. 358º, nº 1, do CPC, só existe despacho
de aperfeiçoamento quando não ocorra nenhum caso de indeferimento liminar. - Exemplos de
situações objeto de despacho de aperfeiçoamento: A) Quando a petição não possa ser
recebida por falta de requisitos legais. Ex: falta de indicação do valor da causa, falta de menção
da forma de processo, falta de articulação das razões de facto, falta de assinatura do
mandatário, ou da parte, incompleta identificação das partes. B) Falta de documentos (art.
595º, nº 1, do CPC). Ex: falta de título executivo apesar de invocado no requerimento inicial;
falta de certidão de nascimento em ação de filiação, falta de certidão de casamento na ação de
divórcio. Outras situações de falta de documentos. Ex: falta, insuficiência ou irregularidade da
procuração; falta de constituição de advogado nos casos em que é obrigatória; falta de
autorização, deliberação ou consentimento (arts. 26º a 28º do CPC) e falta de cumprimento de
obrigações fiscais. C) Existência de irregularidades ou deficiências suscetíveis de comprometer
o êxito da ação. 104 Ex: falta de factos da causa de pedir; quando a petição era confusa e
desordenada, embora se percebesse a causa de pedir e o pedido; uso de expressões de direito
desacompanhadas de matéria de facto, quando não se especificasse que se consideram ou não
provados. Exemplo de despacho de aperfeiçoamento: Verifica-se da leitura da petição inicial
que o autor não especificou com detalhe as circunstâncias em que ocorreu o acidente. Tal
descrição revela-se essencial para se poder determinar a responsabilidade pela ocorrência do
mesmo. Assim, convido o autor a apresentar nova petição, descrevendo detalhadamente as
circunstâncias em que ocorreu o acidente, no prazo, de quinze dias. Notifique. Não se pode
considerar o uso desta faculdade como quebra da imparcialidade do juiz. Tratase de uma
faculdade conferida com vista ao esclarecimento do objeto da ação, que tanto pode levar à
procedência como à improcedência da ação. A intervenção oficiosa do juiz tem sempre como
base a adequação à finalidade do processo e a oportunidade. Caso o autor satisfaça a
solicitação do juiz beneficia do regime previsto no art. 357º, nº 2, do CPC, ou seja, tudo se
passa como se a instância não tivesse sido interrompida, aproveitando o autor a data da
propositura da ação inicial para efeitos de tempestividade da mesma, a distribuição efetuada e
o pagamento de taxa de justiça já efetuado. Se o autor não satisfizer a solicitação: No caso da
primeira parte do art. 358º, nº 1, do CPC, e apenas nestes, a petição deve ser indeferida. Não
podendo a petição ser admitida por falta de requisitos legais e não suprindo o autor a
irregularidade, a decisão só pode ser a de indeferir liminarmente a petição. O despacho de
aperfeiçoamento é aqui um poder vinculado. Nos casos da segunda parte do art. 358º, nº 1, do
CPC, se o autor não corrigir a petição, o juiz 105 deve proferir despacho de citação,
prosseguindo a ação e sujeitando-se o autor às consequências futuras da elaboração deficiente
da sua petição. Trata-se aqui de um poder discricionário do juiz. É discutida na doutrina, e na
jurisprudência comparada, a questão da admissibilidade do recurso do despacho que convida
o autor a suprir as irregularidades ou insuficiências da petição (ou seja, do despacho de
aperfeiçoamento). Afigura-se mais correta a segunda posição, ou seja, que não é admissível
recurso do despacho de aperfeiçoamento. No caso da primeira parte do art. 358º, nº 1, do
CPC, em virtude de o autor poder depois recorrer do despacho de indeferimento e no caso da
segunda parte do art. 358º, nº 1, do CPC, em virtude de se tratar do uso de um poder
discricionário do juiz (art. 429º, al. b), do CPC). 5. Citação 5.1. Conceito Citação é o ato pelo
qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama
ao processo para se defender (art. 190º, nº 1, do CPC). Trata-se do ato que, em obediência ao
princípio do contraditório conclui a formação da relação processual. Não pode haver citação
sem despacho prévio do juiz (art. 191º, nº 1, do CPC). 5.2. Despacho de citação Notificação é o
ato pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa. A citação assume especial
relevância pelo papel que desempenha, pelo que o legislador cuidou em particular desta forma
de comunicação do ato inicial do processo. Como já se referiu, a citação depende de despacho
a proferir pelo juiz nos termos do art. 359º, nº 1, do CPC. 106 A citação constitui um convite ao
réu para contestar a ação. O despacho de citação deve indicar a modalidade da citação, o
prazo que o réu tem para contestar, o prazo de dilação (se houver), as consequências da falta
de contestação, se é ou não obrigatória a constituição de advogado (arts. 359º, nº 1, e 198º, nº
2, do CPC). O prazo para contestar é de trinta dias (art. 366º, nº 1, do CPC), acrescido
eventualmente do prazo de dilação se previsto no art. 210º do CPC. É obrigatória a
constituição de advogado nos casos do art. 36º, nº 1, do CPC. No ato da citação o réu deve ser
advertido de que a falta de contestação tem como consequência a confissão dos factos
articulados pelo autor (art. 359º, nº 1, do CPC). A citação é normalmente ordenada após a
distribuição e a conclusão do processo ao juiz a quem foi distribuído. A citação pode, porém,
preceder a distribuição. Em caso de urgência e por forma a obviar a demora decorrente da
distribuição (lembre-se que a distribuição é efetuada apenas duas vezes por semana (art. 176º,
nº 1, do CPC) e da demora na conclusão do processo, o autor pode requerer que a citação
prévia (art. 359º, nº 2, do CPC). Neste caso o processo é imediatamente concluso ao juiz
presidente que poderá ordenar (se se verificarem os requisitos que determinam a urgência da
citação) que a citação seja realizada de imediato, antes de se proceder à distribuição do
processo. As situações mais frequentes para justificar a citação prévia são a iminência de
ausência do réu, havendo assim necessidade de o citar antes de o mesmo sair do país, e a
iminência da prescrição. O despacho que ordena a citação do réu pressupõe que a petição não
enferma de nenhum dos defeitos que poderiam determinar o seu indeferimento liminar, nem
de qualquer vício que a torne deficiente ou irregular. Porém, daí não resulta que as questões
que poderiam determinar o indeferimento liminar e que o juiz não conheceu não possam ser
conhecidas posteriormente, nomeadamente no despacho 107 saneador, determinando-se
então a absolvição do réu da instância (arts. 360º, nº 2, e 196º, nº 2, do CPC). Ou seja, o juiz
pode ainda, no despacho saneador, por sua iniciativa ou a requerimento do réu, julgar por
exemplo a petição inepta, o tribunal absolutamente incompetente, a ação extemporânea ou
prematura, ou improcedente, em face dos termos da própria petição inicial. O despacho de
citação é irrecorrível (arts. 360º, nº 1, e 196º, nº 2, do CPC). Esta norma é ditada por razões de
economia processual. Uma vez que o juiz não fica impedido de conhecer no sanador da
irregularidade da petição inicial, não haverá necessidade de recorrer do despacho de citação,
devendo o réu concentrar toda a sua defesa na contestação. 5.3. Efeitos da citação 5.3.1.
Efeitos materiais (ou substantivos) A citação faz cessar a boa fé do possuidor (art. 361º, al. a),
do CPC).247 A posse é de boa fé quando quem a exerce ignora que lesa o direito de outra
pessoa. Assim, se o autor vem invocar algum direito sobre o bem possuído, após a citação, o
possuidor não pode mais ignorar que outra pessoa se arroga direitos sobre o mesmo bem. Daí
que cesse a boa fé do possuidor. A citação interrompe a prescrição. A prescrição interrompe-se
pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a
intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o
tribunal seja incompetente (art. 314º, nº 1, do Código Civil). 248 Se a citação ou notificação se
não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao
requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias (art. 314º,
nº 2, do Código Civil). 247 No mesmo sentido o art. 532º do Código Civil Indonésio. 248 Arts.
1979º e 1980º do Código Civil Indonésio. 108 A anulação da citação ou notificação não impede
o referido efeito interruptivo (art. 314º, nº 3, do Código Civil).249 A citação constitui o devedor
em mora após a mesma (arts. 410º, nº 2, al. b), do CPC, e 738º, nº 1, do Código Civil). Só com a
citação a obrigação pura se vence e a não satisfação da obrigação passa a ser facto ilícito. A
citação constitui uma interpelação judicial do devedor que produz o vencimento da obrigação,
no caso das obrigações sem prazo certo. 5.3.2. Efeitos processuais (ou adjetivos) A citação
torna estáveis os elementos essenciais da causa, nos termos do art. 224º (art. 361º, al. b), do
CPC). Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, as pedido e à
causa de pedir, salvas as modalidades de modificação previstas na lei (art. 224º do CPC). Os
elementos essências da causa, através dos quais a ação se identifica, são os sujeitos (autor e
réu), o pedido (pretensão formulada pelo autor) e a causa de pedir (facto concreto que serve
de fundamento jurídico à pretensão). Importa ter presente que a citação torna estes
elementos estáveis mas não imutáveis ou inalteráveis. Efetivamente podem ocorrer alterações
subjetivas (intervenção de terceiros e sucessão do direito litigioso)250 e mesmo objetivas
(alteração ou ampliação do pedido ou da causa de pedir)251 . A citação inibe o réu de propor
contra o autor ação destinada à apreciação da mesma questão jurídica (art. 361º, al. c), do
CPC). A citação do réu cria a favor do autor a exceção (eventual) da litispendência, na hipótese
de o réu propor contra o autor ação destinada a apreciar e solucionar a mesma questão
jurídica. 249 Contrariamente, o art. 1981º do Código Civil Indonésio retirava os efeitos
interruptivos à interpelação ou citação declarada inválida ou anulada. 250 Arts. 271º, 276º e
280º, nº 1, e arts 295º, nº 1, e 300º, nº 1, todos do CPC. 251 Art. 228º do CPC. 109 A exceção
da litispendência deve ser na ação proposta em segundo lugar, considerando-se proposta em
segundo lugar precisamente a ação em que o réu tenha sido citado posteriormente (art. 378º,
nº 1, do CPC). Trata-se precisamente da manifestação dos princípios contidos no art. 361º do
CPC. 5.4. Modalidades de citação O art. 195º, nº 1, do CPC, prevê apenas duas modalidades de
citação, a citação pessoal e a citação edital. Como modalidade de citação pessoal, no art. 204º,
nº 2, do CPC, está prevista ainda a citação postal para réus residentes no estrangeiro. 5.4.1.
Citação pessoal A citação pessoal é feita mediante contacto pessoal da autoridade competente
com o citando (arts. 195º, nº 1, do CPC, e 1º, nº 1, do Dec. Lei nº 2/2006, de 1 de Março).
Ordenada a citação a secretaria solicita a sua realização ao administrador do distrito da área
em que aquela deva realizar-se, entregando-lhe todos os elementos necessários à mesma
(arts. 197º, nº 1, do CPC, e 2º, nº 1, do Dec. Lei nº 2/2006, de 1 de Março). Compete ao
administrador do distrito determinar a efetivação da citação pelos respetivos serviços,
podendo delegar nos órgãos de subdistrito (art. 197º, nº 2, do CPC, e 1º, nº 2, do Dec. Lei nº
2/2006, de 1 de Março). A citação deve ser efetuada no mais breve prazo possível (art. 197º,
nº 4, do CPC). Logo que efetuada a citação por contacto pessoal, o administrador do distrito
devolve o expediente ao tribunal competente (art. 197º, nº 3, do CPC). Caso a citação não seja
efetuada no prazo de quinze dias o administrador do distrito deve informar o tribunal das
razões pelas quais a citação não se realizou (art. 197º, nº 3, do CPC, e 2º, nº 2, do Dec. Lei nº
2/2006, de 1 de Março). Passados trinta dias sem que a citação se mostre efetuada o autor é
informado das diligências efetuadas e dos motivos da sua não realização, sendo o processo
concluso ao juiz para que ordene 110 as diligências que entender mais adequadas (art. 196º,
nº 1, do CPC). No ato de citação é entregue ao citando o duplicado da petição inicial e cópia
dos documentos que a acompanharem, comunicando-se-lhe que fica citado para a ação a que
o duplicado se refere e o tribunal onde corre o processo (art. 198º, nº 1, do CPC). No ato de
citação será comunicado ao citando o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a
necessidade de patrocínio judiciário, se ela existir, e as consequências de não contestar a ação
(art. 198º, nº 2, do CPC). Será então lavrada ata da citação, assinada pelo citado (art. 198º, nº
2, do CPC). Se o citado se recusar a assinar a ata ou a receber o duplicado o funcionário
certifica tal facto, sendo a certidão assinada por duas testemunhas, e informa o citado de que
o duplicado fica à sua disposição na secretaria do tribunal (art. 198º, nº 3, do CPC). Neste caso
considera-se efetuada a citação pessoal. 5.4.2. Citação com hora certa Trata-se ainda de uma
citação pessoal (art. 199º, nº 5, do CPC). A citação com hora certa tem que ser sempre
precedida das formalidades previstas no art. 199º, nº 1, do CPC. Sempre que se apurar que o
citando reside ou trabalha efetivamente no local indicado, não sendo encontrado pelo
funcionário encarregue de efetuar a citação, o funcionário deixará nota com indicação de hora
certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a
transmitir ao citando (art. 199º, nº 1, do CPC). Se o funcionário não encontrar pessoa que
possa transmitir ao citando a aludida nota, afixará o respetivo aviso no local que entender mais
indicado para o citando o ler (art. 199º, nº 1, do CPC). No dia e hora indicados o funcionário
efetuará a citação na pessoa do citando se ali o encontrar (art. 199º, nº 2, do CPC). Se não
encontrar o citando, o funcionário faz a citação em pessoa que esteja em condições de a
transmitir ao citando, que assim fica incumbida de a 111 transmitir ao citando, sob pena de
cometer crime de desobediência (art. 199º, nº 4, do CPC), conforme o art. 199º, nº 2, do CPC.
Neste caso a certidão de citação é assinada pela pessoa que a recebeu (art. 199º, nº 2, do
CPC). Caso o funcionário não encontre pessoa capaz de transmitir a citação ao citando, afixa no
local mais adequado para ser conhecida pelo citando a nota de citação, com indicação dos
elementos necessários, declarando que o duplicado e os documentos ficam à disposição do
citando na secretaria judicial (art. 199º, nº 3, do CPC). Neste caso deverá o funcionário efetuar
a afixação na presença de duas testemunhas que assinarão a certidão (art. 199º, nº 3, do CPC).
No caso da citação com hora certa, ao prazo de contestação acrescerá a dilação de cinco dias
(art. 210º, nº 1, al. a), do CPC). A secretaria faz o processo concluso ao juiz para proceder à
nomeação de defensor público ao réu (art. 200º, nº 1, do CPC). Se a citação não se realizar por
o citando padecer se anomalia psíquica evidente ou por outra incapacidade, será nomeado
curador provisório ao citando, no qual se fará a citação (art. 201º do CPC). Caso o citando
esteja ausente em parte certa e por tempo limitado (por exemplo em férias, ou
provisoriamente a trabalhar no estrangeiro), não havendo quem esteja em condições de lhe
transmitir imediatamente a citação, o processo deve ser concluso ao juiz. O juiz é que
determina se a citação se faz com hora certa ou se o processo aguarde o regresso do citando
(art. 202º do CPC). Por exemplo, no caso de ausência em férias por um período não superior a
um mês, é razoável que se aguarde o regresso do citando. No caso de ausência em trabalho,
por um período superior a seis meses, já será excessivo exigir que o processo fique parado
durante tanto tempo, pelo que se poderá determinar que a 112 citação se faça com hora
certa. Quando o réu resida no estrangeiro, observar-se-á o que estiver estipulado nos tratados
e convenções internacionais (art. 204º, nº 1, do CPC). Neste caso assume particular relevância
a Convenção Relativa à Citação e Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais
em Matérias Civil e Comercial, concluída em Haia, em 15 de Novembro de 1965. No que
concerne ao réu residente em país estrangeiro, ou a sociedade ou pessoa coletiva nas mesmas
condições, de acordo com a mencionada Convenção de Haia, ressalvada a existência de um
acordo bilateral determinando procedimentos diversos, expressamente salvaguardado no art.
25º da Convenção, ou a notificação, por parte do Estado em que o réu se encontra, da
oposição quanto a determinadas formas de citação direta, a via postal é o meio adequado para
executar a citação do réu. Com efeito, se o Estado destinatário nada declarar, a Convenção não
obsta, designadamente, à faculdade de remeter diretamente, por via postal, atos judiciais às
pessoas que se encontrem no estrangeiro (art. 10º, proémio e al. a) da Convenção). Resulta
desta disposição de origem internacional que, não havendo reserva em contrário de alguma
das partes da Convenção, esta não constitui obstáculo a que o tribunal do Estado do foro
proceda à citação de alguma pessoa singular ou coletiva, que esteja domiciliada ou sediada,
independentemente da sua nacionalidade, no território de outra das partes
internacionalmente vinculadas pela Convenção. Por seu lado, a legislação timorense também
estabelece que, no caso de o citando residir ou ter a sede no estrangeiro, na falta de tratados
ou convenções internacionais, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de
receção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais (art. 204º,
nº 2, do CPC). A citação por via postal é feita por carta registada com aviso de receção, de
modelos oficialmente aprovados diretamente para o citando e, no caso de se tratar de
sociedade, a dirigir para a respetiva sede ou local onde funciona normalmente a administração
(art. 141º, nº 3, do CPC). 113 Situação discutida na jurisprudência comparada, nomeadamente
em Portugal, consiste em sabe se a citação no estrangeiro por via postal obriga à tradução da
petição inicial e dos documentos juntos. A maioria tem-se pronunciado pela desnecessidade
da tradução. Aliás, muitas das vezes tal citação é dirigida a nacionais. Já quando dirigida a
estrangeiros a solução é mais duvidosa, embora aí se possa recorrer à carta rogatória que
impõe tal tradução. Se não se conseguir efetuar a citação por via postal, por a carta ser
devolvida ou por outro motivo, sendo o réu timorense, deve efetuar-se a citação por contacto
pessoal através do consulado de Timor-Leste mais próximo da residência do citando (art. 204º,
nº 3, do CPC). Se o réu for estrangeiro ou, sendo timorense se não se lograr a citação por meio
do consulado, será expedida carta rogatória (art. 204º, nº 3, do CPC). A carta rogatória é
endereçada diretamente à autoridade ou tribunal estrangeiro e faz-se por via diplomática ou
consular, sendo para o efeito entregue ao Ministério Público (art. 146º, nº 2 a 4, do CPC).
Quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta,
ou logo na petição inicial o autor refira que o réu está ausente em parte incerta, a secretaria
diligenciará oficiosamente (sem despacho do juiz) por obter informação da última morada do
citando junto dos serviços ou entidades públicas (art. 203º, nº 1 e 4, do CPC). Porém, para
obter tais informações junto das bases de dados, nomeadamente dos serviços de identificação
civil, é exigido despacho prévio do juiz (art. 204º, nº 1, do CPC). Também se pode obter
informação junto das autoridades policiais, apenas no caso de absoluta necessidade, mediante
decisão judicial (art. 204º, nº 1, do CPC). Não se localizando o citando, procede-se à sua citação
edital, a qual terá que ser determinada por despacho judicial. Os incapazes, os incertos, as
pessoas coletivas e os patrimónios autónomos são citados na pessoa dos seus legais
representantes (art. 193º, nº 1, do CPC). Quando a representação pertença a mais de uma
pessoa, basta que seja citada uma delas (art. 193º, nº 2, do CPC). 114 As pessoas coletivas e as
sociedades podem ainda ser citadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na
sede ou no local onde funciona normalmente a administração (art. 193º, nº 3, do CPC). A
citação pode efetuar-se em qualquer lugar onde seja encontrado o citando, designadamente
na sua residência ou local de trabalho (art. 194º, nº 2, do CPC). Ninguém pode ser citado no dia
do seu casamento, no dia do falecimento do seu cônjuge, pai, mãe ou filho, nem nos oito dias
seguintes (art. 194º, nº 1, do CPC). No caso do falecimento de qualquer ascendente ou
descendente, irmão ou afins nos mesmos graus referidos no artigo, a proibição abrange o dia
do falecimento e os cinco dias seguintes (art. 194º, nº 1, do CPC). Ninguém pode ser citado
dentro de templos ou enquanto estiver ocupado em ato de serviço público que não deva ser
interrompido (art. 194º, nº 3, do CPC). 5.4.3. Citação edital A citação edital por incerteza do
lugar em que o citando se encontra realiza-se de harmonia com as formalidades previstas nos
arts. 205º e 206º do CPC. A citação realiza-se pela afixação de editais e pela publicação de
anúncios (art. 205º, nº 1, do CPC). Estes terão o conteúdo descriminado no art. 206º do CPC.
Em certos casos ou quando o juiz o determinar, podem ser dispensados os anúncios (art. 205º,
nº 4, do CPC). Os editais e anúncios são depois juntos ao processo (art. 209º do CPC). No caso
de citação edital por incerteza das pessoas aplicam-se as especialidades previstas no art. 208º
do CPC. A citação considera-se feita no dia em que se publique o último anúncio ou, se não
forem publicados anúncios nos termos do art. 205º, nº 4, do CPC, no dia em que sejam
afixados os editais (art. 207º, nº 1, do CPC). 115 A partir da data da citação conta-se o prazo da
dilação e, findo este prazo, começa a correr o prazo para o oferecimento da defesa (art. 207º,
nº 2, do CPC). O prazo de dilação é de trinta dias (art. 210º, nº 3, do CPC). Dilação: O prazo
dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um ato ou o início da
contagem de um outro prazo (art. 110º, nº 2, do CPC). No caso, o prazo de dilação faz adiar
para outro momento o início da contagem do prazo para defesa (art. 210º do CPC). O prazo
para a defesa já constitui prazo perentório, segundo a definição do art. 110º, nº 3, do CPC. Ao
prazo de citação acresce uma dilação de cinco dias quando a citação tenha sido realizada em
pessoa diversa do réu (art. 210º, nº 1, al. a), do CPC). Ao prazo de citação acresce uma dilação
de cinco dias quando a citação tenha sido realizada fora da área do tribunal onde pende a ação
(art. 210º, nº 1, al. b), do CPC). Porém, se o réu for citado no distrito de Oecússi, correndo a
ação noutro distrito, ou sendo o réu citado noutro distrito, correndo a causa no distrito judicial
de Oecússi, o prazo de dilação é de quinze dias (art. 210º, nº 2, do CPC). O prazo de dilação é
igualmente de quinze dias quando o réu tenha sido citado para a ação na ilha de Atauro (art.
210º, nº 2, do CPC). Quando o réu tenha sido citado para a ação no estrangeiro ou a citação for
edital o prazo de dilação é de trinta dias (art. 210º, nº 3, do CPC). A dilação prevista no art.
210º, nº 1, al. a), do CPC (citação em pessoa diversa do réu nos termos do art. 119º, nº 2 e 3,
do CPC), acresce às restantes previstas no art. 210º do CPC, caso se verifiquem as respetivas
situações. Por exemplo, no caso de citação feita em pessoa diversa do réu em Oecússi,
correndo a ação no Tribunal Distrital de Díli, a dilação será de vinte dias (cinco dias nos termos
do art. 210º, nº 1, al. a), e mais quinze dias nos termos do art. 210º, nº 2, do CPC). 116
Primeiro conta-se o prazo de dilação e depois o prazo de defesa. Porém, os prazos contam-se
como um só (art. 113º do CPC). Assim, ainda que o prazo de dilação termine num Sábado ou
num Domingo, o prazo de defesa inicia-se imediatamente. 5.5. Nulidade da citação 5.5.1. Falta
de citação É nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta,
quando o réu não tenha sido citado, ou quando não tenha sido citado o Ministério Público, no
caso em que deva intervir como parte principal (art. 156º do CPC). Há falta de citação quando
o ato tenha sido completamente omitido (art. 157º, al. a), do CPC). Enquadra-se nesta alínea,
por exemplo, o caso de uma certidão de citação ter sido forjada, o que poderá suscitar o
incidente da falsidade. Há falta de citação quando tenha havido erro de identidade do citado
(art. 157º, al. b), do CPC). Há erro de identidade do citado quando tenha sido citado o
representante de uma sociedade em seu nome pessoal e não em nome da sociedade. Já não
se verifica a falta de citação quando acaba por ser citado o verdadeiro réu, apesar de ter sido
indicado com outro nome na petição inicial. Há falta de citação quando se tenha empregado
indevidamente a citação edital (art. 157º, al. c), do CPC). Emprega-se indevidamente a citação
edital quando se citem por éditos pessoas cuja residência ou paradeiro é afinal conhecido, ou
quando as pessoas indicadas como incertos são afinal pessoas determinadas. Há falta de
citação quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou, no caso de
pessoas coletivas ou sociedades, depois da extinção destas (art. 157º, al. d), do CPC). Por
exemplo, é citado o representante de uma sociedade, já depois da extinção desta. Outro caso
é o da citação em pessoa diversa do citando, mediante citação com hora certa, de pessoa
entretanto já falecida. Porém, se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir
logo a falta da sua citação, a nulidade considera-se sanada (art. 158º do CPC). Ou seja, a
nulidade processual 117 resultante da falta de citação é suprível. A falta de citação só afeta o
processo em relação a todos os réus, havendo vários réus, nos casos de litisconsórcio
necessário (art. 159º, al. a), do CPC). No caso de litisconsórcio voluntário o processo prossegue
contra os réus regularmente citados, sem prejuízo de o autor poder requerer a citação do réu
em falta até ao despacho que designa dia para julgamento (art. 159º, al. b), do CPC). 5.5.2.
Nulidade da citação É nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as
formalidades prescritas na lei (art. 160º, nº 1, do CPC). Será o caso, por exemplo, de não se
comunicar ao citando o prazo para apresentar a sua defesa, ou o prazo de dilação, quando o
mesmo exista. O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a
contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a
nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo (art. 160º, nº
2, do CPC). Se a irregularidade consistir em ter sido indicado prazo para a defesa superior ao
legal, esta deve ser admitida dentro do prazo indicado, a menos que o autor tenha feito citar
novamente o autor em termos regulares (art. 160º, nº 3, do CPC). A arguição de nulidade só é
atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado (art. 160º, nº 4, do CPC). A
falta de citação é de conhecimento oficioso (art. 164º, nº 1, do CPC). Também é de
conhecimento oficioso a nulidade da citação edital ou quando não tenha sido indicado prazo
para a defesa (art. 164º, nº 1, do CPC). Nos demais casos a nulidade da citação só é conhecida
após reclamação dos interessados (art. 164º, nº 2, do CPC). A falta da citação e a nulidade da
citação podem ser arguidas em qualquer estado do processo, enquanto não deverem
considerar-se sanadas, e devem ser conhecidas imediatamente (arts. 166º, nº 2, e 168º, nº 1,
do CPC). A arguição de qualquer nulidade pode ser indeferida sem 118 audição da parte
contrária, mas só pode ser deferida após se ouvir a parte contrária, salvo caso de manifesta
desnecessidade (art. 169º do CPC). O ato de citação nulo não pode ser renovado (art. 170º do
CPC). Porém, se o réu for novamente citado em termos regulares dentro de trinta dias a contar
do trânsito em julgado do despacho que declara a nulidade da citação, mantêm-se os efeitos
da citação anulada (art. 362º do CPC). 6. Notificações A notificação serve para, fora dos casos
de citação, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto (art. 190º, nº 2, do CPC).
A citação e as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias
legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto
(art. 190º, nº 3, do CPC). As notificações às partes podem exercer duas diferentes funções, a
saber, função informativa e função convocatória. Dentro desta segunda, há que distinguir a
convocação para a prática de ato que possa ser praticado por intermédio de mandatário da
que se destina a chamar a parte para praticar ato pessoal, isto é, que só por ela possa ser
praticado. Efetivamente, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na
pessoa dos seus mandatários judiciais, do Ministério Público ou do defensor público (art. 211º,
nº 1, do CPC). Só quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato
pessoal será notificada a própria parte, para além do seu mandatário, indicando-se a data, o
local e o fim da comparência (art. 211º, nº 2, do CPC). As notificações às partes ou aos seus
mandatários são pessoais (arts. 212º, nº 2, e 213º do 119 CPC).252 Tem aplicação às
notificações o disposto nos arts. 193º e 194º do CPC. A secretaria deve notificar oficiosamente
as partes: - dos despachos que designem dia para qualquer ato em que devam comparecer
determinadas pessoas ou a que as partes tenham o direito de assistir (art. 191º, nº 2, do CPC);
- das sentenças e dos despachos que a lei mande notificar (art. 191º, nº 2, do CPC); - de todos
os despachos que possam causar prejuízo às partes (art. 191º, nº 2, do CPC); - dos
requerimentos a que, por virtude de disposição legal as partes possam responder (art. 191º, nº
3, do CPC); - sempre que, por virtude de disposição legal, as partes possam oferecer provas
(art. 191º, nº 3, do CPC); - sempre que, por virtude de disposição legal, as partes possam
exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz ou de despacho
judicial (art. 191º, nº 3, do CPC). 7. Notificações judiciais avulsas A notificação judicial avulsa
constitui, assim, um ato judicial que não se insere em qualquer processo pendente. Tem lugar
como que num processo ad hoc, para os efeitos declarados na lei substantiva, permitindo a
realização de atos de comunicação sobre cuja verificação e termos se pretende não venha a
haver dúvidas. As notificações avulsas dependem de despacho prévio que as ordene (arts.
191º, nº 1, e 218º, nº 1, do CPC). O despacho prévio do juiz visa essencialmente apreciar da
validade formal do requerimento, 252 Vejam-se ainda os arts. 214º, nº 2, e 215º do CPC. 120
apurar da existência, em termos abstratos, do direito subjacente ao requerido na notificação
judicial avulsa e por último verificar da legitimidade do requerente e do destinatário em face
do peticionado. E nada mais. No que toca à validade formal do requerimento, deve o juiz, para
além de apreciar da inteligibilidade do requerimento em si, verificar se é o meio próprio para o
requerente providenciar pelo direito de que se arroga, podendo indeferir tal requerimento
nomeadamente se for ininteligível ou se houver erro na forma de processo. No que diz
respeito à apreciação da legalidade em abstrato do direito invocado, deve o juiz apreciar se o
mesmo está legalmente consagrado na lei vigente, com vista a evitar o exercício de pretensões
ilegais. Por último, deve o juiz verificar, se face ao requerido, em abstrato, o requerente é o
titular do direito invocado, ou se o exerce legalmente por força de qualquer norma legal ou
disposição contratual e ainda se o destinatário tem legitimidade para receber a notificação.
Contudo, não tem que analisar o alegado pelo requerente no sentido de saber se este tem ou
não o direito concreto que se arroga. A lei processual não exige que subjacente à notificação
preexista uma relação jurídica entre o requerente e o notificado. Basta o interesse legítimo do
requerente em dar conhecimento de determinado facto a alguém. Do despacho de
indeferimento da notificação judicial avulsa cabe recurso de agravo (art. 219º, nº 2, do CPC). A
notificação judicial avulsa não é mais do que um aviso que uma parte faz a outra por
intermédio do tribunal; o que assegura a prova da sua comunicação através da certidão de
notificação, conferindo-lhe carácter de autenticidade por ser feita por funcionário judicial.
Assim, as notificações judiciais avulsas não admitem qualquer oposição, devendo os respetivos
direitos fazerem-se valer apenas na ação competente (art. 219º, nº 1, do CPC). O
requerimento deve ser apresentado em duplicado, sendo tantos os duplicados quantas as
pessoas a notificar, que vivam em economia separada (art. 218º, nº 4, do CPC). 121 A
notificação judicial avulsa é feita na própria pessoa do notificando, à vista do requerimento,
entregando-se ao notificado o duplicado dos documentos que o acompanhem (art. 218º, nº 1,
do CPC). O funcionário lavra certidão do ato, que é assinada pelo notificado (art. 218º, nº 2, do
CPC). Depois, o requerimento e a certidão são entregues a quem requereu a notificação (art.
218º, nº 3, do CPC). Têm aqui aplicação as restrições previstas nos arts. 193º e 194º do CPC. A
notificação judicial avulsa pode ser feita em pessoa diversa do notificando, nas mesmas
circunstâncias em que é admissível a citação em pessoa diversa do citando. Porém, a
notificação judicial avulsa não pode ser feita editalmente, já que não colhe qualquer apoio na
letra da lei e nem sequer dá resposta a esta. A notificação judicial avulsa pode interromper a
prescrição, mas apenas desde que contenha os elementos essenciais da própria ação, constitui
um verdadeiro ato de exercício do direito. 8. Contestação 8.1. Conceito e efeitos Contestação é
a peça escrita pela qual o réu, chamado a juízo para se defender, responde à petição
apresentada pelo autor. Contestar significa negar, contrariar, desdizer, regatear, discutir. A
contestação é o ato pelo qual o demandado responde à pretensão formulada pelo autor. Com
a contestação consolida-se a relação processual iniciada com a propositura da ação e
continuada com a citação do réu. Integrado o núcleo fundamental do princípio do
contraditório, a contestação completa a versão dos factos apresentada pelo autor, facilitando
o apuramento da verdade dos factos e a correta aplicação do direito. 122 Em função do seu
conteúdo a contestação pode ser contestação-defesa ou contestaçãoreconvenção. Na
contestação-defesa o réu limita-se a repelir, direta ou indiretamente, a pretensão do autor,
nos termos em que ela é deduzida. Trata-se da situação mais frequente. Por exemplo, numa
ação de cobrança de dívida, o réu alega que o autor não lhe chegou a entregar a mercadoria
que lhe encomendara, ou que nada deve porque já pagou, ou que o tribunal não tem
competência para conhecer a questão, ou que a dívida já prescreveu. Na contestação-
reconvenção o réu vem deduzir uma pretensão autónoma contra o autor, distinta do simples
pedido de improcedência da ação. Por exemplo, na aludida ação de cobrança de dívida o réu
invoca defeitos na mercadoria para pedir indemnização pelos prejuízos resultantes de tais
defeitos, numa ação de despejo o réu formula na contestação pedido de condenação do autor
a pagar-lhe o valor de benfeitorias efetuadas na casa arrendada. Na contestação deve o réu
individualizar a ação e expor as razões de facto ou de direito por que se opõe à pretensão do
autor (art. 368º do CPC). Já não são necessários os elementos de identificação das partes
previstos para a petição inicial (art. 349º do CPC), uma vez que com a distribuição a ação
recebe um número que a identifica, constando já dos autos os elementos referidos. 8.2.
Defesa por impugnação e defesa por exceção Na contestação cabe tanto a defesa por
impugnação como por exceção (art. 367º, nº 1, do CPC). O réu defende-se por impugnação
quando contradiz os factos articulados na petição inicial ou quando afirma que esses factos
não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor (art. 367º, nº 2, do CPC). O réu
defende-se por exceção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da ação ou
que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor,
determinam a improcedência total ou parcial do pedido (art. 367º, nº 2, do CPC). 123 O réu
defende-se por impugnação quando ataca diretamente a realidade dos factos conforme
descritos pelo autor: Negação direta dos factos. Por exemplo, numa ação de indemnização por
responsabilidade civil extracontratual em que o autor imputa ao réu ter-lhe chamado
corrupto, o réu defende-se por impugnação se negar a prática do facto (não é verdade que
tenha chamado tal nome ao autor). Negação indireta dos factos. Neste caso o réu não nega a
prática dos factos mas dá-lhes uma versão diferente, contrariando assim a verificação dos
factos constitutivos do direito do autor. Por exemplo, numa ação de reivindicação de um
terreno por usucapião, o autor alega o seu uso por mais de trinta anos, e o réu não nega esse
facto mas alega que o autor usa o terreno apenas com a sua autorização e não contra a sua
vontade. O réu defende-se ainda por impugnação quando, não negando os factos, discorda ou
critica a conclusão jurídica que o autor deles pretende extrair. Por exemplo, numa ação de
indemnização por facto ilícito, resultante de acidente de viação, o réu não nega a descrição
dos factos feita pelo autor mas entende que a responsabilidade pela produção do acidente é
do autor por ter sido ele que lhe deu origem. No caso de o réu declarar que não sabe se
determinado facto é verdadeiro, tal declaração equivale a impugnação se tal facto não for
pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento (art. 370º, nº 3, do CPC). A defesa por exceção
compreende toda a defesa indireta. Sem negar propriamente a realidade dos factos
articulados na petição inicial, nem atacar isoladamente o efeito que o autor deles pretende
extrair, o réu alega factos novos tendentes a afastar a pretensão do autor. A defesa por
exceção abrange a que, baseada em factos capazes de obstar à apreciação do mérito da ação,
provoca a absolvição da instância ou a remessa do processo para outro tribunal e a que,
fundada em factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo autor,
determina a improcedência total ou parcial do pedido (arts. 367º, nº 2, e 372º do CPC). As
exceções são dilatórias ou perentórias (art. 372º, nº 1, do CPC). As exceções dilatórias obstam
a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à 124 absolvição da instância ou à
remessa do processo para outro tribunal (art. 372º, nº 2, do CPC). São, por exemplo, exceções
dilatórias a incompetência do tribunal, absoluta ou relativa, a nulidade de todo o processo, a
falta de personalidade ou capacidade judiciária de alguma das partes, a irregularidade de
representação, a ilegitimidade de alguma das partes, a coligação ilegal das partes, a
litispendência ou o caso julgado (art. 373º, nº 1, do CPC). As exceções perentórias consistem
na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos
articulados pelo autor e importam a absolvição total ou parcial do pedido (art. 372º, nº 3, do
CPC). São exemplos típicos de exceções perentórias o pagamento, a remissão, a novação, a
prescrição, a caducidade, o erro, o dolo, a coação, a simulação. 8.3. As exceções de
litispendência do caso julgado A litispendência e o caso julgado constituem exceções dilatórias
(art. 373º, nº 1, al. h), do CPC). Importa aqui analisar estas exceções uma vez que as mesmas
ainda não foram abordadas anteriormente. Verifica-se a litispendência quando se intenta uma
causa estando pendente outra idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, e
verifica-se a existência de caso julgado quando se intenta uma causa estando já
definitivamente decidida outra idêntica igualmente quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa
de pedir (arts. 376º, nº 1, e 377º, nº 1, do CPC). Tanto a exceção da litispendência como a do
caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou
de reproduzir uma decisão anterior (art. 376º, nº 2, do CPC). Assim, é sobre a decisão
propriamente dita e não sobre a sua motivação que se forma o caso julgado, embora a
motivação da decisão seja de considerar quando se torne necessário reconstruir e fixar o
conteúdo da decisão. Não se verificam as aludidas exceções se a outra causa estiver pendente
num tribunal 125 estrangeiro, salvo se for outra a solução resultante de tratados ou
convenções internacionais (art. 376º, nº 3, do CPC). A questão traduz-se, pois, em apurar se os
sujeitos, as causas de pedir e os próprios pedidos são idênticos em ambas as ações. Há
identidade de sujeitos se as partes são as mesmas sob o ponto de vista das suas qualidades
jurídicas (art. 377º, nº 2, do CPC). Há identidade de sujeitos quando as partes ocupam a
mesma posição jurídica quanto à relação substantiva, e não quanto à posição processual. A
diversidade de posição processual não obsta à identidade de sujeitos como requisito do caso
julgado ou da litispendência. Por exemplo, o réu numa ação pode ser o autor na outra e
viceversa. A jurisprudência portuguesa, relativamente a disposição semelhante, tem
reconhecido a autoridade reflexa do caso julgado, estendendo-a a terceiros juridicamente
interessados, com relações concorrentes ou dependentes, dispensando neste caso a
verificação das condições enumeradas como pressupostos do caso julgado. Há identidade de
pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (art. 377º, nº
3, do CPC). Manuel de Andrade define o pedido como “a enunciação da forma de tutela
jurisdicional pretendido pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar”. 253 Antunes
Varela, acrescenta «o pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor».254
Salienta ainda Calvão da Silva, para que haja identidade do pedido entre duas ações não é
necessária uma rigorosa identidade formal entre um e outro, bastando que sejam coincidentes
no 253 Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra: Coimbra Editora,
1956, pág. 299. No mesmo sentido Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012,
pág. 105. 254 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 245. 126 objetivo
fundamental de que dependa o êxito de cada uma delas.255 Há identidade de causa de pedir
quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (art. 377º, nº 4,
do CPC). Quanto à causa de pedir, para o Manual de Andrade, “é o acto ou facto jurídico
donde o autor pretende ter derivado o direito a tutelar, o acto ou facto jurídico que ele achar
como título aquisitivo desse direito”. 256 Alberto dos Reis, reproduzia o conceito legal,
escrevendo “há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções
procede do mesmo acto ou facto jurídico”. 257 A causa de pedir é, assim, o ato ou facto
jurídico de que procede a pretensão deduzida em juízo. São abrangidos pela força do caso
julgado as soluções das questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável da
parte dispositiva da sentença. A litispendência deve ser deduzida na ação proposta em
segundo lugar, considerando-se proposta em segundo lugar a ação para a qual o réu foi citado
posteriormente (art. 378º, nº 1, do CPC). Se em ambas as ações a citação tiver sido feita no
mesmo dia, a ordem das ações é determinada pela ordem da entrada das respetivas petições
iniciais (arts. 378º, nº 2, do CPC). Diferente da situação analisada, conhecida por caso julgado
material, é a do caso julgado formal, ou processual, previsto no art. 420º do CPC. Segundo
este, os despachos, bem como as sentenças que recaiam unicamente sobre a relação
processual têm força obrigatória dentro do processo, salvo se por sua natureza não admitirem
o recurso de agravo. 8.4. Princípio da concentração da defesa na contestação ou da preclusão
da defesa Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuando os incidentes que a lei
mande deduzir em separado (art. 369º, nº 1, do CPC). 255 Calvão da Silva, Estudos de Direito
Civil e Processo Civil (Pareceres), Coimbra: Almedina, 1999, pág. 234 256 Manuel de Andrade,
Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra: Coimbra Editora, 1956, pág. 300. 257 Reis,
Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 121. 127 Preclude-se, com a
apresentação da contestação o direito de alegar factos que nesse articulado deviam ser
aduzidos, não podendo tomar-se em consideração os que foram então omitidos e venham a
alegar-se posteriormente, nomeadamente em sede de recurso. Depois da contestação só
podem ser deduzidas exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou
que a lei expressamente admita passado o momento da contestação, ou de que se deva
conhecer oficiosamente (art. 369º, nº 2, do CPC). 8.5. Ónus de impugnação especificada Ao
contestar, deve o réu tomar posição definida perante cada um dos factos articulados na
petição inicial (art. 370º, nº 1, do CPC). Os factos devem ser impugnados especificadamente.
Segundo Antunes Varela, quer dizer que “a impugnação tem que ser feita facto por facto, não
em termos genéricos, por meio de referência global. Pretende-se deste modo que o réu,
negando as afirmações do autor, assuma a responsabilidade jurídica e moral da negação
perante cada facto, para que não possa comodamente refugiar-se, no caso de fracasso parcial
da sua tese, na alegação de que negara, não todos os factos, mas apenas a linha geral dos
factos traçados pela contraparte”.258 Assim, não é admissível a contestação por negação, em
que o réu se limite a negar os factos alegado na petição inicial na sua globalidade. É porém
possível a negação simples, desde que dirigida concreta e definitivamente a factos
determinados dos articulados (arts. 370º, nº 5, do CPC). O ónus de impugnação especificada
não implica que tenham de ser expressamente negados todos os pormenores fácticos que o
impugnante queira contradizer, bastando, para que tal ónus seja cumprido, que o réu
apresente uma versão dos eventos essencialmente oposta à apresentada pela outra parte.
Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados especificadamente
(art. 370º, nº 2, do CPC). 258 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 317. 128 Já
se consideram os factos impugnados, não obstante a falta de impugnação especificada, se os
mesmos estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto (art. 370º, nº 2, do
CPC). Igualmente não se verifica a cominação no caso de não ser admissível confissão sobre os
factos e de só poderem ser provados por documento escrito (art. 370º, nº 2, do CPC). Se o réu
declarar que não sabe se determinado facto é real: - quando se trate de um facto pessoal ou
de que o réu deva ter conhecimento, a declaração equivale a confissão (art. 370º, nº 3, do
CPC); 259 - quando não se trate de um facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento, a
declaração equivale a impugnação (art. 370º, nº 3, do CPC). 260 O ónus de impugnação
especificada não tem aplicação ao Ministério Público ou ao defensor público, quando
intervenham em representação dos incapazes, ausentes e incertos (art. 370º, nº 4, do CPC).
8.6. Contestação-reconvenção O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor
(art. 229º, nº 1, do CPC). O art. 229º, nº 1, do CPC introduz uma exceção ao princípio da
estabilidade da instância, consagrado no art. 224º do mesmo Código, ao permitir que o réu
altere o objeto da causa, deduzindo, em reconvenção, pedidos contra o autor. Com a
reconvenção passa a haver uma nova ação. É um pedido e, consequentemente, tem que
assentar em factos próprios, que não sejam mera oposição ao pedido do autor. Segundo
Antunes Varela, “O pedido reconvencional é autónomo, na medida em que transcende a
simples improcedência da pretensão do autor e os corolários dela decorrentes”.261 259 Será
facto pessoal, por exemplo, a afirmação que o réu assinou determinado documento em
determinado dia, que numa data concreta estava em certo local. São factos que ele não pode
desconher, porque tem intervenção direta nos mesmos. 260 Não são factos pessoais do réu
saber se o custo da reparação do carro do autor foi uma quantia determinada, uma vez que ele
não acompanhou o autor à oficina e não tem que saber o montante da reparação. 261 Varela,
Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 323. 129 O pedido reconvencional deve
extravasar o campo da própria defesa, na medida em que transcende a simples improcedência
da pretensão do autor. A admissibilidade da reconvenção depende da verificação dos
requisitos substantivos do art. 229º, nº 2, do CPC, a par de requisitos adjetivos,
designadamente quanto à competência absoluta do tribunal e à compatibilidade de formas de
processo (conforme os arts. 66º e 229º, nº 3, do mesmo Código). A reconvenção é admissível
quando o pedido do réu emerge de facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa
(art. 229º, nº 2, al a), do CPC). 262 A reconvenção é admissível quando o réu se propõe obter a
compensação ou tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja
entrega lhe é pedida (art. 229º, nº 2, al b), do CPC). 263 A reconvenção é admissível quando o
pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se
propõe obter (art. 229º, nº 2, al c), do CPC). 264 É taxativa a enumeração dos casos de
admissibilidade da reconvenção constantes do art. 229º do CPC. Para a reconvenção não existe
indeferimento liminar, nem convite para correção dos seus vícios, visto que o seu exame
apenas se virá a fazer no despacho saneador. A improcedência da ação e a absolvição da
instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo
quando este seja dependente do formulado pelo autor (art. 299º, nº 4, do CPC). A
reconvenção pode mesmo ser deduzida apenas para a hipótese de a ação vir a ser julgada
procedente. 262 Por exemplo, num acidente de viação, o réu, além de impugnar a sua culpa na
verificação do acidente, invocando o mesmo acidente (o mesmo facto jurídico que serve de
fundamento à ação), pede em reconvenção a condenação do autor a pagar-lhe o valor dos
prejuízos no seu carro. 263 Será o caso da reivindicação de um imóvel, em que o réu pede a
condenação do autor a pagar o custo de reparações necessárias feitas no imóvel (arts. 207º, nº
1 e 2, e 1193º, nº 1, do Código Civil). 264 Será o caso de uma ação de divórcio em que, embora
com fundamentos diferentes dos invocados pelo autor a ré pede também o divórcio em
reconvenção. 130 A reconvenção deve ser expressamente identificada e deduzida
separadamente na contestação, nos mesmos termos em que deve ser formulada a petição
inicial conforme o art. 349º do CPC (art. 379º, nº 1, do CPC). A exigência deste artigo basta-se
com o facto de, embora englobadas no mesmo articulado, a matéria da contestação e da
reconvenção sejam apresentadas de forma diferenciada, não sendo necessário que a matéria
da reconvenção seja encimada pela epígrafe reconvenção. O reconvinte deve ainda declarar o
valor da reconvenção; se o não fizer o reconvinte é convidado a indicar o valor, sob pena de a
reconvenção não ser atendida, embora seja recebida a contestação (arts. 379º, nº 2, do
CPC).265 O valor da ação passa a corresponder à soma do valor dado na petição inicial com o
valor atribuído à reconvenção (arts. 371º, nº 1, e 191º, nº 3, do CPC), conforme o art. 260º, nº
2, do CPC. A contestação é oficiosamente notificada ao autor, sem necessidade de despacho
judicial, (arts. 371º, nº 1, e 191º, nº 3, do CPC). Havendo várias contestações, a notificação só
se faz depois de apresentada a última ou de haver decorrido o prazo para o seu oferecimento
(art. 371º, nº 2, do CPC). Tem-se discutido na jurisprudência comparada a questão de saber se
a compensação deve ser arguida em sede de reconvenção ou de exceção perentória. Segundo
alguma jurisprudência portuguesa, se o valor do crédito do réu for inferior ou igual ao do
crédito do autor, a compensação deve efetua-se por exceção perentória, só sendo admissível
reconvenção se o crédito do réu for superior ao do autor e apenas na parte em que exceder
este. Para outra jurisprudência a compensação deve sempre operar-se mediante reconvenção,
nos termos expressos no art. 229º, nº 2, al. b), do CPC. 8.7. Prazo para a entrega da
contestação 265 Veja-se o art. 266º, nº 4, do CPC. 131 O réu pode contestar no prazo de trinta
dias a contar da citação (art. 366º, nº 1, do CPC). O prazo começa a correr desde a data da
citação. Sendo a citação pessoal a data é aquela em que o funcionário entregou ao réu cópia
da petição inicial e duplicados dos documentos e lhe comunicou os elementos referidos no art.
198º, nº 1, do CPC. Quando existam vários réus e termine em dias diferentes o prazo para a
defesa de cada um deles, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até
ao termo do prazo que começou a correr em último lugar (art. 366º, nº 2, do CPC). Pretende-se
assegurar a possibilidade de todos os réus se defenderem conjuntamente. Se o autor desistir
da instância ou do pedido em relação a algum dos réus ainda não citados, serão os réus que
ainda não contestaram notificados da desistência, contando o prazo para apresentarem a
contestação a partir da data de notificação da desistência (art. 366º, nº 3, do CPC). Acontece
com frequência o autor, quando seja difícil citar um dos réus, desistir da instância em relação a
este, a fim de não atrasar mais o processo. Por outro lado, os restantes réus, já citados,
aguardam a citação do réu em causa para apresentarem a sua contestação. Havendo
desistência em relação ao réu ainda não citado importa então notificar os restantes réus para
que contestem, uma vez que já não beneficiam do prazo deste. Neste caso, se algum réu já
tiver apresentado a sua contestação pode requerer que a mesma seja substituída por outra
que apresente ainda dentro de tal prazo. O prazo de trinta dias só começa a correr depois de
decorrido o prazo de dilação, quando exista (art. 366º, nº 1, do CPC). Existe prazo de dilação
nos casos previstos no art. 210º, nº 1, do CPC. O prazo é dilatório ou perentório (art. 110º, nº
1, do CPC). O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um
ato ou (hipótese que aqui interessa) o início da contagem de um prazo perentório (art. 110º,
nº 2, do CPC). Daí que o prazo dilatório corra em primeiro lugar. 132 O decurso do prazo
perentório faz extinguir o direito de praticar o ato (art. 110º, nº 3, do CPC). Porém, nos termos
do art. 113º do CPC, quando um prazo perentório se seguir a um prazo dilatório, os dois prazos
contam-se como um só. Isto significa que, na hipótese de o prazo de dilação terminar, por
exemplo, num sábado, o prazo para a contestação inicia-se no dia de domingo que se lhe
segue e não apenas no primeiro dia útil seguinte. Conforme resulta do art. 110º, nº 3, do CPC,
decorrido o prazo para a contestação sem que a mesma tenha sido apresentada fica
definitivamente precludido o direito. A apresentação tardia da contestação integra uma
nulidade principal que é de conhecimento oficioso. A contestação pode ser apresentada fora
de tempo em caso de justo impedimento (art. 110º, nº 4, do CPC). Considera-se justo
impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários,
que obste à prática atempada do ato (art. 111º, nº 1, do CPC). Por exemplo: A doença do
advogado da parte só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite,
em absoluto, de praticar o ato, avisar o seu constituinte ou substabelecer o mandato; Não
constitui justo impedido um fluxo anormal de trânsito que atrase a parte na entrega da
contestação, por o mesmo dever ser previsto; Mas constitui justo impedimento uma avaria do
veículo, se se tratava de veículo novo e não fosse previsível que avariasse. A invocação do justo
impedimento, para evitar o efeito extintivo do decurso do prazo, tem de ser feita logo que
cesse a causa impeditiva. A parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respetiva
prova (arte. 111º, nº 2, do CP). Trata-se de um incidente que será processado nos termos dos
arts. 111º e 254º a 256º do 133 CPC. A parte contrária é sempre ouvida, antes de ser deferido
o justo impedimento (art. 111º, nº 2, do CPC). É de conhecimento oficioso a verificação do
justo impedimento quando o evento seja notório (art. 111º, nº 3, do CPC). Por exemplo, se a
secretaria estiver fechada por tolerância de ponto no último do prazo para praticar o ato.
Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros
dias úteis posteriores ao termo do prazo, desde que a parte pague até ao termo do primeiro
dia útil posterior à prática do facto uma multa igual a um quarto da taxa de justiça devida pelo
processo por cada dia de atraso, não podendo exceder cinquenta dólares americanos, nem ser
inferior a dois dólares (art. 110º, nº 5, do CPC). Decorrido tal prazo sem que a parte tenha
pago a multa a secretaria notifica-a (sem necessidade de despacho do juiz) para pagar multa
de montante igual a metade da taxa de justiça devida, não podendo exceder cem dólares (art.
110º, nº 6, do CPC). O juiz pode determinar a redução ou dispensa da multa, a requerimento
do interessado (art. 110º, nº 7, do CPC). O prazo de contestação pode ainda ser prorrogado
nos casos previstos no art. 366º, nº 4 e 5, do CPC, conforme o art. 112º, nº 1, do CPC. A
apresentação do requerimento de prorrogação não suspende o prazo em curso (art. 366º, nº
6, do CPC). Isto significa que, se o pedido for indeferido, a contestação terá que ser
apresentada no prazo inicial. Daí que o requerimento tenha que ser apreciado em vinte e
quatro horas e a decisão seja de imediato notificada à parte (art. 366º, nº 6, do CPC). 8.8.
Revelia do réu Se o réu, além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário
nem intervier de qualquer forma no processo, verificará o tribunal se a citação foi feita com as
formalidades legais 134 e mandará repetir a mesma quando encontre alguma irregularidade
(art. 363º do CPC). Nos casos de revelia absoluta, o réu não contestar nem constituir
mandatário, a lei impõe especiais cautelas, uma vez que isso pode resultar da circunstância de
o réu não ter tomado devido conhecimento de contra ele ter sido intentada a ação. Se o réu
não contestar, e tiver sido citado regularmente na sua própria pessoa ou se tiver junto
procuração a favor de advogado, consideram-se confessados os factos alegados pelo autor na
petição inicial (art. 364º, nº 1, do CPC).266 Segundo Antunes Varela, “A falta de contestação
preclude obviamente a possibilidade de alegação posterior, por parte do réu, de quaisquer
factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor”.267 A falta de contestação
constitui uma confissão tácita ou presumida dos factos alegados pelo autor. A circunstância de
se considerarem confessados os factos articulados pelo autor altera o regular desenrolar do
processo, passando-se diretamente para a fase da sentença, sem saneamento ou julgamento.
Daí que, verificada a falta da contestação, o processo seja facultado para exame pelo prazo de
dez dias, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, se este tiver constituído
mandatário, para alegarem por escrito, em consonância com o preceituado no art. 405º do
CPC (art. 364º, nº 2, do CPC). Seguidamente é proferida sentença, julgando-se a causa
conforme for de direito (art. 364º, nº 2, do CPC). Não ocorre nenhuma condenação de
preceito. Ou seja, apenas se consideram confessados os factos, podendo o tribunal interpretar
juridicamente os efeitos jurídicos de tais factos, condenando o réu apenas parcialmente ou
mesmo absolvendo o réu do pedido. 266 Veja-se o art. 158º do CPC. 267 Varela, Bezerra e
Nora, Manual de Processo Civil, pág. 345. 135 Por outro lado, o tribunal pode nem chegar a
conhecer do mérito da causa se julgar procedente alguma exceção dilatória que seja de
conhecimento oficioso, conforme o art. 408º, nº 1 e 2, última parte, do CPC. Se a resolução da
causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida
da identificação das partes e fundamentação sumária (art. 364º, nº 3, do CPC). A revelia é
inoperante: - quando havendo vários réus algum deles contestar, relativamente aos factos que
este contestar (art. 365º, al. a), do CPC); - no caso de o réu ter sido citado editalmente (arts.
365º, al. b), e 364º, nº 1, “a contrario”, do CPC); - quando o réu ou algum dos réus for incapaz
e a causa da ação se situe no âmbito da sua incapacidade (art. 365º, al. b), do CPC); - quando a
vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico pretendido (art. 365º, al. c), do
CPC); - quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito (art. 365º, al. d),
do CPC). Neste último caso, devem considerar-se confessados os restantes factos e ser o autor
convidado a apresentar os documentos em falta para prova dos restantes. Nos restantes casos
tem aplicação o disposto no art. 388º do CPC. 9. Réplica 9.1. Resposta à contestação Se for
deduzida alguma exceção, pode o autor responder, mas somente quanto à matéria da 136
exceção (art. 380º do CPC). O autor tem mesmo o ónus de impugnar na resposta à contestação
os factos alegado pelo réu na contestação que seja impeditivos, modificativos ou extintivos do
direito invocado pelo autor (art. 382º, por remissão para os arts. 364º, nº 1, e 370º, nº 2 e 3,
do CPC). O autor só não terá que replicar se na sua petição já tiver antecipadamente
impugnado os factos que o réu alegou na contestação em matéria de exceção. Se o autor não
respeitar os limites fixados para a elaboração da réplica, haverá nulidade parcial do articulado,
cuja sanção envolverá a eliminação de toda a matéria que exceda a resposta à exceção (e
eventual condenação em custas). No caso da resposta à contestação a réplica deve ser
apresentada no prazo de dez dias a contar da notificação da contestação (art. 380º do CPC).
9.2. Resposta à reconvenção Se o réu tiver deduzido reconvenção ou a ação for de simples
apreciação negativa, pode o autor responder (art. 381º do CPC). O autor tem mesmo o ónus de
impugnar na resposta à reconvenção os factos alegado pelo réu (arts. 382º, 364º, nº 1, e 370º,
nº 2 e 3, do CPC). Tal ónus é ainda mais evidente uma vez que a reconvenção é uma verdadeira
nova ação enxertada na primeira. No caso especial das ações de simples apreciação negativa, a
réplica servirá para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para
invocar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que o réu haja arrogado.
No caso da resposta à reconvenção a réplica deve ser apresentada no prazo de vinte dias a
contar da notificação da contestação (art. 380º do CPC). Não é admissível articulado de
resposta à réplica (ou tréplica). 10. Articulados supervenientes 137 Os factos constitutivos,
modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em
articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem (art. 383º, nº 1, do
CPC).268 Dizem-se supervenientes os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos
para apresentação da contestação e da réplica, bem como os factos anteriores de que a parte
só tenha conhecimento depois de findarem tais prazos (art. 383º, nº 2, do CPC). Neste caso a
parte deve produzir prova de só ter conhecido dos factos depois daqueles prazos (art. 383º, nº
2, do CPC). O articulado superveniente pode ser apresentado até ao fim do julgamento (art.
383º, nº 1, do CPC). Ou seja, até às alegações orais sobre a matéria de facto. O articulado
superveniente deve ser apresentado no prazo de dez dias posteriores à data em que
ocorreram ou em que a parte deles tomou conhecimento (art. 383º, nº 3, do CPC). O juiz
rejeitará o articulado superveniente se for apresentado fora do tempo ou quando seja
manifesto que os factos alegados não interessam à decisão da causa (art. 383º, nº 3, do CPC).
Se o articulado for admitido, a parte contrária é notificada para responder em dez dias (art.
383º, nº 3, do CPC). Também neste caso a parte está vinculada ao ónus de impugnação
especificada (art. 383º, nº 3, do CPC). As provas são oferecidas com o articulado superveniente
e com a resposta (art. 383º, nº 4, do CPC). Se a especificação e questionário ainda não tiverem
sido elaborados, os factos relevantes para a decisão da causa são neles incluídos (art. 383º, nº
5, do CPC). Se a especificação e questionário já tiverem sido elaborados, os factos relevantes
para a decisão da causa são acrescentados aos mesmos (art. 383º, nº 5, do CPC). Não é
admissível reclamação sobre o despacho que acrescenta os factos à especificação e 268 Veja-
se o disposto no art. 411º, nº 1, do CPC. Veja-se ainda o art. 369º, nº 2, do CPC. 138
questionário (art. 383º, nº 5, do CPC). Do despacho que ordenar a alteração da especificação e
questionário nos termos referidos cabe recurso de agravo, que subirá apenas com o recurso da
decisão final (art. 383º, nº 5, do CPC). A apresentação de articulado superveniente depois de
ter sido designado dia para a audiência de discussão e julgamento não suspende as diligências
para a mesma nem determina o seu adiamento (art. 384º, nº 1, do CPC). No caso de não se
possível proceder dos termos referidos no art. 383º, nº 3, do CPC, devido à proximidade da
data designada para julgamento, o despacho a admitir ou rejeitar o articulado é proferido em
audiência e, caso seja admitido, a parte contrária é imediatamente notificada, devendo
também apresentar a sua resposta no decurso da mesma audiência (art. 384º, nº 1, do CPC).
Embora a resposta deva ser apresentada em audiência, podendo ser verbalmente,
transcrevendo-se em ata, se a parte contrária não prescindir do prazo de dez dias para
responder e apresentar provas e houver inconveniente na produção imediata das provas
relativas à nova matéria, deve suspender-se a audiência, para continuar após decurso do prazo
necessário (art. 384º, nº 2, do CPC). No caso de tudo decorrer em audiência todos os atos são
orais e ficam consignados em ata (art. 384º, nº 1, do CPC). Se não houver tempo para notificar
as testemunhas para comparecerem em julgamento, a parte que as oferece terá que
apresentar as mesmas em audiência (art. 384º, nº 1, do CPC). 139 Secção II – Despacho
Saneador Especificação e Questionário 1. Tentativa de conciliação Findos os articulados, o
processo é concluso ao juiz, o qual pode marcar uma tentativa de conciliação, desde que a
ação não diga respeito a direitos indisponíveis, conforme art. 385º, nº 1, do CPC. A tentativa de
conciliação, como o próprio indica, visa obter o fim do processo por uma das formas previstas
no art. 245º do CPC. Ou seja, pretende-se que as partes resolvam por acordo o litígio,
normalmente através da celebração de transação, ou através da desistência do pedido ou
parte dele pelo autor, ou de confissão do pedido ou de parte dele pelo réu. No dizer de Lebre
de Freitas, através da tentativa de conciliação, “O juiz promove o encontro das partes, … para
uma negociação de que possa resultar de que possa resultar, no campo do direito disponível, a
auto-composição do litígio, ou de parte dele, mediante transacção”.269 É por se pretender
esta composição por acordo do litígio que não se deve proceder à tentativa de conciliação no
caso de ação versar sobre direitos indisponíveis, uma vez que nesses casos não é possível fazer
acordo (ou transigir), desistir do pedido ou confessar o pedido,270 como resulta do art. 251º,
nº 1, do CPC.271 Da expressão pode ter lugar uma tentativa de conciliação resulta que o juiz
não está vinculado a marcar a diligência, ainda que a mesma tenha sido requerida
conjuntamente pelas partes, como prevê o artigo. Assim, a diligência será apenas marcada se,
mesmo que solicitada conjuntamente pelas partes, o juiz o julgar oportuno. Efetivamente, se
as partes pretenderem conciliar-se não necessitam de o fazer em audiência de conciliação,
podendo sempre fazê-lo por termo lavrado na secretaria ou por documento 269 Freitas,
Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 388. 270 Pode-se,
porém, atenta a natureza dos interesses envolvidos, desistir do pedido nas ações de divórcio e
de separação de pessoas e bens, embora se trate de ações que versão sobre direitos
indisponíveis (art. 251º, nº 2, do CPC). Trata-se de norma excepcional, pelo que não deve ser
interpretada extensivamente ou por analogia. É aconselhável a realização de tentativa de
conciliação nos processos de regulação de poder paternal. 271 Mendes, Direito Processual
Civil, vol. III, 1980, pág. 160. 140 assinado pelas partes, nos termos do art. 252º do CPC. No
entanto, se ambas as partes requererem a diligência haverá toda a conveniência e marcá-la,
uma vez que tal requerimento conjunto indicia que as partes estão próximas do acordo,
necessitando eventualmente da mediação do juiz para resolverem definitivamente o litígio. O
juiz da causa é, pela natureza da sua função e pelo conhecimento direto do litígio, a entidade
mais qualificada para tentar conciliar as partes, sendo a fase processual em que findam os
articulados a melhor para a tentativa de conciliação, uma vez que as partes já expuseram as
suas razões de facto e de direito e a conciliação nesta altura evitará a preparação e realização
do julgamento, que implica sempre custos económicos. Salienta Lebre de Freitas: “Compete ao
juiz esboçar, e retocar à medida do diálogo das partes, as bases equitativas da solução, que
deve ser oferecida (por via de regra mediante aproximações sucessivas) – e nunca imposta,
nem sequer recomendada sob pressão – aos desavindos”.272 Ou seja, conforme acentua
Alberto dos Reis, “não é lícito ao magistrado abusar do seu poder e da sua autoridade para
impor a conciliação, isto é, para a arrancar à custa de ameaças ou de pressões”.273 As partes
são notificadas para comparecerem pessoalmente, ou fazerem-se representar por mandatário
judicia com poderes especiais para transigir, quando residam na área do tribunal distrital (art.
385º, nº 2, do CPC). Caso residam fora da área do tribunal onde corra o processo, as partes só
são notificadas para comparecerem se a sua comparência pessoal não representar sacrifício
considerável, atenta a natureza e valor da causa e a distância da deslocação. A falta de
comparência da parte pode ser suprida pela comparência de advogado com poderes especiais
para transigir. 274 Pretendendo-se obter uma resolução consensual do litígio, é indispensável
que as partes estejam pessoalmente presentes ou que “fale por elas advogado munido de
procuração com poderes especiais para transigir”, isto é, de procuração passada nos termos do
art. 40º, nº 2, do CPC.275 Importa, contudo, referir que o advogado que não esteja munido de
procuração com poderes especiais para transigir não está impedido de celebrar acordo, nos
termos do art. 253º, nº 3, do 272 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 376-
377. 273 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 178. 274 Pereira,
Despacho Saneador, Especificação e Questionário, pág. 1. 275 Reis, Código de Processo Civil
Anotado, volume III, 2012, pág. 169. 141 CPC. Trata-se de um regime especial o da nulidade
proveniente da falta de poderes do mandatário ou da irregularidade do mandato.276 No
pressuposto que o mandatário expresse fielmente a vontade do seu mandante, aceita-se que
confesse o pedido (pelo réu), desista do pedido (pelo autor), ou celebre acordo (em nome do
autor ou do réu, consoante quem represente), lavrando o juiz imediatamente despacho de
homologação, nos termos do art. 252º, nº 3, do CPC. 277 Após a prolação do despacho, o juiz
manda notificar o mesmo à própria parte, com a cominação, ou advertência, de que se nada
disser fica suprida a nulidade (art. 253º, nº 3, do CPC). A parte pode declarar no processo que
ratifica o ato do mandatário, ficando suprida a nulidade resultante da aludida falta de poderes.
Também pode nada dizer, ficando igualmente suprida a nulidade face à cominação constante
da sua notificação. O prazo para a invocação da nulidade será de dez dias, a contar da
notificação, nos termos do art. 119º, nº 1 e 2, do CPC, a menos que o juiz fixe um prazo mais
longo no seu despacho. Se a parte declarar, expressamente, que não ratifica o ato do
mandatário, este perde a sua eficácia, ficando assim sem efeito a confissão, desistência ou
transação. A falta de alguma ou de ambas as partes que tenham sido convocadas não é motivo
de adiamento, mesmo que se não tenham feito representar por advogado com poderes
especiais para transigir (art. 385º, nº 4, do CPC). 278 A parte, ou partes faltosas devem, porém,
ser condenadas em multa (arts. 221º e 506º, nº 2, do CPC). O despacho de condenação em
multa da parte faltosa pode ser proferido, para a ata, durante a audiência de tentativa de
conciliação, mas também pode ser proferido, por despacho escrito, decorrido o prazo para
justificação da falta. Neste caso, o despacho terá que ser notificado à própria parte e seu
mandatário (art. 211º, nº 1, e 2, do CPC). A falta pode ser justificada no prazo de cinco dias
após a realização da audiência, à semelhança do que acontece em relação à audiência de
discussão e julgamento (art. 399º, nº 4, do 276 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo
Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 580. 277 Não podendo o juiz recusar a homogação do acordo
com fundamento na falta de poderes por parte do mandatário (Freitas, Redinha e Pinto,
Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 581). 278 Não falta a parte que não está
presente e que não se faz representar por advogado com poderes especiais para transigir. 142
CPC).279 A tentativa de conciliação pode ter lugar em qualquer outra fase do processo, desde
que o juiz o julgue oportuno, mas não podem convocar-se as partes mais de uma vez
exclusivamente para esse fim (art. 385º, nº 5, do CPC). 280 2. Despacho saneador 2.1. Conceito
Como a própria designação indicia, o despacho saneador visa limpar o processo, ou seja,
verificar a existência de alguma impureza, alguma situação que impeça a prolação de decisão
sobre o mérito da causa. Conforme definição do art. 372º, nº 2, do CPC, as exceções dilatórias
impedem o conhecimento do mérito da causa, importando a absolvição do réu da instância, ou
a remessa do processo para o tribunal competente, nos casos da incompetência relativa.
Assim, uma vez findos os articulados, importa verificar se ocorre alguma exceção dilatória que
impeça o conhecimento do mérito, uma vez que não faria qualquer sentido prosseguir com o
processo para julgamento, para depois deste se decidir em sentença que afinal existe uma
exceção que obsta a que o juiz resolva o litígio entre as partes. Ou seja, o processo ou finda
neste despacho por uma sentença de forma (sentença de absolvição da instância), ou, se
prossegue, fica limpo de mazelas suscetíveis de impedir a apreciação do fundo da causa,
ficando assim a certeza, ou quase certeza que, prosseguindo o processo, se obterá uma
sentença de mérito. 281 Segundo Salreta Pereira, o despacho saneador foi motivado pelo
princípio da economia processual. Não se compreende que se procedesse “à instrução
completa do processo, à audiência de discussão e julgamento e, ao decidir-se, verificava-se
que toda essa atividade processual havia 279 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e
Questionário, pág. 2. 280 Ainda que se tenha realizado tentativa de conciliação, ele é
igualmente obrigatória antes do início da audiência de discussão e julgamento, desde que a
causa esteja no âmbito do poder de disposição das partes (art. 400º, nº 2, do CPC). 281 Reis,
Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 182. 143 sido inútil, pois o juiz não
podia conhecer do pedido, porque o tribunal não era competente, as partes não eram
legítimas, o réu não tinha sido regularmente citado, ou por qualquer outro motivo que
implicasse uma decisão formal”.282 Ou seja, pretende-se que o processo seja logo decidido,
ou findo, caso se verifique alguma situação que impossibilite que o mesmo prossiga
(ocorrendo então absolvição da instância), ou, devendo continuar, devem-se fixar os termos
essenciais do objeto da causa.283 O despacho saneador deve ser proferido pelo juiz no prazo
de vinte dias (art. 386º, nº 1, do CPC). Este prazo conta-se a partir da data de conclusão do
processo ao juiz, seja depois de frustrada tentativa de conciliação, seja após os articulados se o
juiz decidir não marcar tentativa de conciliação.284 Como se sabe, a violação deste prazo por
parte do juiz não tem quaisquer consequências processuais, apenas sujeitando o juiz a
responsabilidade disciplinar e, eventualmente, podendo o Estado ser civilmente
responsabilizado pelos prejuízos que possam resultar para as partes do atraso processual. 2.2.
Funções do despacho saneador A prolação de despacho saneador é obrigatória.285 Ainda que
o juiz decida dispensar a prolação de especificação e questionário ao abrigo do disposto no art.
388º do CPC, tem sempre que proferir o despacho saneador. As funções do despacho
saneador encontram-se enumeradas no art. 386º, nº 1, do CPC. 2.2.1. Conhecer as exceções
dilatórias e nulidades (despacho pré-saneador) Antes de proferir o despacho saneador importa
que o juiz procure suprir as exceções ou irregularidades que possam ser supridas, mediante
aquilo que a doutrina chama despacho présaneador (art. 221º do CPC). Incumbe ao tribunal
providenciar oficiosamente pelo suprimento de pressupostos processuais sanáveis, ou outras
irregularidades da instância, ou convidar as partes a praticar os atos necessários a suprir tais
nulidades ou irregularidades.286 Assim, o juiz deve 282 Pereira, Despacho Saneador,
Especificação e Questionário, pág. 3. 283 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto,
2009, pág. 504. 284 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, pág. 2. 285
Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 382. 286 Marques, Acção Declarativa à
Luz do Código Revisto, 2009, pág. 507, Freitas, Machado e Pinto, Código de 144 ordenar
oficiosamente a citação dos representantes dos incapazes ou das pessoas coletivas, quando as
mesmas não se encontrem regularmente representadas (art. 27º, nº 1, do CPC). Também pode
o juiz convidar a parte a suprir alguma irregularidade, designadamente no caso de falta de
autorização ou deliberação especial (art. 28º, nº 1, do CPC), falta ou irregularidade do mandato
judicial (arts. 37º e 43º, nº 2, do CPC). O juiz pode ainda convidar as partes a suprirem
deficiências nos articulados (embora para a petição inicial o deva fazer logo no despacho inicial
– art. 358º, nº 1, do CPC), ou juntarem documentos necessários à apreciação dos pressupostos
processuais, como, por exemplo, certidão de casamento no caso do litisconsórcio necessário
previsto no art. 32º do CPC.287 A omissão deste despacho pré-saneador para suprimento de
irregularidades ou de exceções dilatórias constitui nulidade processual (art. 163º, nº 1, do
CPC), a qual deve ser arguida no prazo de dez dias a contar da notificação do despacho
saneador (arts. 167º, nº 1, e 119º. nº 1, do CPC).288 2.2.2. Exceções dilatórias Nos termos do
art. 386º, nº 1, al. a), do CPC, no despacho saneador, o juiz deve conhecer pela ordem
designada no artigo 240º do CPC das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam
sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos deva apreciar
oficiosamente. Isto significa que o juiz não deve deixar para a sentença final o conhecimento
das exceções ou das nulidades, tendo de conhecer de umas e outras no despacho
saneador.289 Estas questões só podem deixar de ser resolvidas no despacho saneador se o
estado do processo impossibilitar o juiz do seu conhecimento, caso em que terá que justificar a
sua abstenção (art. 386º, nº 2, do CPC).290 Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 401,
Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1982, pág. 163, e Baptista, Processo Civil I, 2006, págs.
409-411. 287 Vejam-se mais exemplos em Marques, Acção Declarativa à Luz do Código
Revisto, 2009, págs. 507-512, Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1982, pág. 163, Baptista,
Processo Civil I, 2006, págs. 409-411, e Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil
Anotado, vol. II, 2008, págs. 376-385. 288 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil
Anotado, vol. II, 2008, pág. 382. 289 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012,
pág. 185. 290 Embora o Código preveja esta possibilidade e a doutrina se esforce por
encontrar exemplos que o conhecimento das exceções ou das nulidades possa não ser
conhecida no saneador, entendo que se trata de situações raras, podendo 145 Assim, seguindo
a ordem do art. 240º, nº 1, do CPC, o juiz começa por verificar se ocorre alguma situação de
incompetência absoluta do tribunal, ou seja, alguma das situações previstas no art. 69º do CPC
(violação das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de
competência internacional). Após esta verificação, o juiz escreve no despacho saneador que o
tribunal é competente em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência
internacional, a menos que conclua que se verifica algum caso de incompetência absoluta,
caso em que deverá apreciar a mesma e, consequentemente, absolver o réu da instância (arts.
240º, nº 1, e 372º, nº 2, do CPC). O art. 240º, nº 1, não faz referência à incompetência relativa
(infração das regras de competência fundadas no valor e estrutura do tribunal, na divisão
judicial do território timorense ou decorrentes do estipulado nas convenções de jurisdição –
art. 75º do CPC), uma vez que a incompetência relativa é um incidente que, a verificar-se, deve
ser conhecido antes de ser proferido o despacho saneador (art. 77º, nº 3, do CPC), remetendo-
se o processo para o tribunal competente, no qual será então proferido o despacho saneador.
Só no caso de o juiz considerar que não se verifica a situação de incompetência relativa,
arguida pelo réu, é que deverá proferir o despacho saneador, no mesmo despacho que
apreciou a incompetência (art. 77º, nº 3, do CPC), uma vez que aqui não há que remeter o
processo para outro tribunal.291 Seguidamente o juiz deverá conhecer da personalidade e
capacidade judiciária das partes, da sua legitimidade e de quaisquer outras exceções dilatórias,
como a falta de autorização ou deliberação que o autor devesse obter e não obteve no prazo
fixado pelo juiz para o efeito, a falta de constituição de advogado por parte do autor, etc.292 A
enunciação das exceções dilatórias do art. 373º, nº 1, do CPC não é taxativa, podendo existir
outras que não estejam ali previstas. Porém, todas elas devem ser conhecidas, nos termos dos
arts. 386º, nº 1, al. a), e 240º, nº 1, al. e), do CPC. O juiz conhece das exceções segundo a
ordem prevista no art. 240º, nº 1, do CPC. Assim, o ocorrer, porém, por exemplo, em casos de
litisconsórcio necessário, em que seja necessário fazer prova do teor de um contrato verbal
mediante prova testemunhal. 291 Embora o art. 240º, nº 1, do CPC, não faça referência
expressa à incompetência relativa, podendo considerar-se que a mesma está incluída na al. e),
no caso de não ter sido suscitada a incompetência e a mesma não seja declarada
oficiosamente, nos casos do art. 77º, nº 1, do CPC, costuma-se declarar o tribunal competente
ainda em razão do território. 292 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário,
1978, pág. 5. 146 juiz só deve conhecer as exceções posteriores depois de verificar que as
anteriores não procedem.293 O juiz tem a obrigação de analisar todas as exceções indicadas
no art. 240º, nº 1, do CPC, nem que seja para declarar que nenhuma das referidas exceções se
verifica.294 O juiz deve dizer, assim, as mais das vezes (caso não se verifique nenhuma
exceção), que o tribunal é competente, as partes gozam de personalidade e capacidade
judiciária e são legítimas, e não há exceções nem nulidades a apreciar (é aquilo a que se chama
saneador tabelar).295 2.2.3. Nulidades Nos termos do art. 240º, nº 1, al. b), do CPC, o juiz deve
conhecer no despacho saneador das nulidades que anulem todo o processo. A nulidade que
efete todo o processo constitui ela própria uma exceção dilatória, nos termos do art. 373º, nº
1, al. b), do CPC. Em princípio apenas a ineptidão da petição inicial implica a nulidade de todo o
processo (art. 155º, nº 1, do CPC. Porém, o erro na forma do processo, também pode implicar
a nulidade de todo o processo, quando o mesmo não possa ser aproveitado, nos termos do
art. 161º, nº 2, do CPC. Fora destes casos, incluindo a maioria dos casos de erro na forma do
processo, as nulidades são apenas parciais (arts. 156º a 163º do CPC). Isto significa que apenas
a ineptidão da petição inicial e o erro na forma do processo, quando implique a nulidade de
todo o processo, serão apreciadas após o conhecimento da incompetência absoluta do
tribunal e antes de se conhecer da falta de personalidade ou de capacidade judiciária das
partes, nos termos do art. 240º, nº 1, al. b), do CPC. Não quer dizer que não se devam
conhecer as demais nulidades, antes pelo contrário esse conhecimento é igualmente
obrigatório no despacho saneador para as nulidades que tenham sido invocadas pelas partes
ou as que sejam de conhecimento oficioso, a menos que tenham sido decididas anteriormente
(conforme o art. 168º, nº 2, do CPC). Simplesmente, segundo a ordem 293 Reis, Código de
Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 184. 294 Varela, Bezerra e Nora, Manual de
Processo Civil, pág. 393. 295 Veja-se Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1991, pág. 405.
147 do art. 240º, nº 1, do CPC, esse conhecimento deve ser feito no final do despacho
saneador, depois de conhecidas todas as exceções dilatórias.296 Conforme salienta Antunes
Varela, “O julgamento da nulidade processual que não constitua excepção dilatória, quer a
arguição dela seja fundada, quer infundada, cabe na função saneadora do despacho”.297 2.3.
Conhecer as exceções perentórias Nos termos do art. 386º, nº 1, al. b), do CPC, depois de
conhecer da eventual existência de exceções dilatórias e nulidade do processo, o juiz deve, nos
despacho saneador decidir se procede alguma exceção perentória. A definição das exceções
perentórias encontra-se no art. 372º, nº 3, do CPC (constituem exceções perentórias os factos
que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor).298
Assim, são exceções, entre outras, a prescrição, a caducidade, o pagamento. As exceções
perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido (art. 372º, nº 3, do CPC), o que
significa que o conhecimento das mesmas implica o conhecimento do mérito da causa (art.
443º, nº 2, do CPC). 299 Neste caso, como quando se conheça do mérito por outros motivos, o
saneador terá o valor de uma sentença (é o chamado saneador-sentença).300 O ónus de prova
das exceções cabe ao réu, que as invoca (art. 510º, nº 2, do CPC), pelo que terá o mesmo que
trazer ao processo todos os elementos de necessários a que se possa concluir pela verificação
da exceção logo no despacho saneador. Se não o lograr fazer e o processo não contiver os
elementos necessários, terá que se conhecer de tais exceções em sentença, após julgamento
para produção de prova sobre as mesmas. Ou seja, “o juiz só deve delas conhecer se o
processo lhe fornecer os elementos indispensáveis a uma decisão conscienciosa, não
carecendo 296 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 10,
Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 401-402, Reis,
Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 184-185, e Mendes, Direito Processual
Civil, vol. III, 1982, págs. 167-168. 297 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág.
383. 298 Veja-se igualmente o art. 367º, nº 2, última parte, do CPC. 299 Varela, Bezerra e
Nora, Manual de Processo Civil, pág. 386, e Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1982, pág.
169. 300 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 414. 148 de especificar os elementos em falta
para justificar a sua relegação para a sentença final”.301 No caso das exceções da prescrição
ou da caducidade os autos costumam fornecer os elementos de facto necessários à decisão. Já
quanto às restantes, pode-se dizer que, normalmente, não estando ainda realizada a fase de
instrução do processo, não se possa conhecer de mérito no despacho saneador.302 Porém,
excecionalmente, com o encerramento da fase dos articulados, pode acontecer que o processo
contenha já todos os elementos necessários para se proferir uma decisão, desde que o se
possam considerar já como provados os factos articulados, sendo a decisão a proferir
meramente de direito.303 2.4. Conhecimento do mérito da causa Nos termos do art. 386º, nº
1, al. c), do CPC, o juiz deve ainda, no despacho saneador, conhecer imediatamente do mérito
da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a
apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos. Trata-se aqui, como já se referiu, de
um saneador-sentença, dado que o juiz conhece o mérito da causa.304 Também, aqui, embora
a situação não seja frequente, pode acontecer, excecionalmente, com o encerramento da fase
dos articulados, que o processo contenha já todos os elementos necessários para se proferir
uma decisão, desde que o se possam considerar já como provados os factos articulados, sendo
a decisão a proferir meramente de direito.305 Aqui, os factos podem 301 Pereira, Despacho
Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 12. Veja-se ainda Neto, Código de Processo
Civil Anotado, 1991, pág. 405 (citando o acórdão do STJ de Portugal de 28-4-1972, BMJ nº 216,
pág. 118). 302 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 385. 303 Imagine-se a
seguinte situação: o autor pediu a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de US$ 5.000,00
que lhe emprestara; o réu contesta, não impugnando que o autor lhe emprestou o dinheiro,
mas alegando que já pagou tal quantia no prazo que fora acordado; o autor não responde à
contestação do réu. Neste caso, os factos constitutivos do direito do autor (o empréstimo do
dinheiro) devem considerar-se provados, por força do disposto no art. 370º, nº 2, do CPC.
Porém, também se deve considerar provada a exceção perentória do pagamento, invocada
pelo réu, uma vez que o autor não impugnou o mesmo (arts. 380º e 382º do CPC). Assim, o juiz
deve, no depacho saneador, julgar procedente a exceção perentória e absolver o réu do
pedido formulado pelo autor. 304 Valem, por isso, todas as considerações feitas a propósito
do conhecimento das exceções perentórias. 305 Imagine-se a seguinte situação: o autor pede
a condenação do réu a pagar-lhe US$ 1.200,00 por prejuízos que sofreu no seu carro devido a
um embate que ocorreu com o carro do réu, num cruzamento, apresentando-se o carro do réu
pela esquerda do autor; o réu não impugna os factos articulados pelo autor (pelo que os
mesmo se devem ter por provados, nos termos do art. 370º, nº 2, do CPC), limitando-se a
alegar que a culpa do acidente foi do autor, porque não cedeu a prioridade de passagem nos
termos do art. 30º, nº 1, do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto-Lei nº 6/2003, de 6 de
Abril. Neste caso todos os factos estão admitidos por acordo, logo considerados como
provados, sendo a decisão a proferir meramente de direito, pelo que deve o juiz conhecer do
pedido logo no despacho saneador. 149 encontrar-se provados por meio de prova
documental, com força probatória plena (arts. 581º, nº 1, e 586º, nº 1, do CPC), ou por meio
de confissão ou acordo (art. 370º, nº 2 e 3, do CPC).306 No sumário do acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa de 24-7-1981, escreveu-se “só deve conhecer-se do pedido se o processo
contiver, seguros, todos os elementos que possibilitem decisões segundo as várias soluções
plausíveis de direito e não somente aqueles que possibilitem a decisão de conformidade com o
entendimento do juiz do processo. Assim, se uma dessas soluções impuser o prosseguimento
do processo em ordem ao apuramento dos factos alegados, não pode proferir-se decisão
sobre o mérito da causa.307 Ou seja, o juiz deve conhecer do pedido no despacho saneador,
se não houver possibilidade de elaborar um questionário, se não existir matéria a provar em
julgamento, por todos os factos se deverem considerar já provados.308 O Supremo Tribunal
de Justiça de Portugal, para disposição semelhante, entendeu: “Os tribunais devem fazer uso
prudente e cauteloso do poder que lhes é conferido [pelo art. 386º, nº 1, al. c), do CPC]. Se a
justiça precisa, para sua eficiência, de ser rápida, muito mais precisa, para seu acerto e
prestígio, de ser convincente e bem fundada”.309 Concordando acrescenta Alberto dos Reis:
“É muito conveniente que a seja pronta; mas é muito mais conveniente que ela seja justa”.310
O próprio preceito legal permite o conhecimento apenas parcial do pedido. Seguindo Alberto
dos Reis: “Suponha-se que a acção assenta em vários fundamentos; um deles pode
perfeitamente ser apreciado no despacho saneador; mas o outro ou outros têm que ficar para
sentença final”. Neste caso, é permitido ao juiz conhecer apenas o primeiro no despacho
saneador. Ou seja, “não devem deixar-se para a sentença final questões que podem
perfeitamente ser arrumadas e decididas no despacho saneador. Que a questão seja de forma
ou de fundo, pouco importa; desde que o estado do processo habilite o juiz a julgar no
despacho saneador, é dever do magistrado 306 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 414. 307
Boletim do Ministério da Justiça de Portugal nº 314, Lisboa, 1981, pág. 361 (citado por Neto,
Código de Processo Civil Anotado, 1991, pág. 409). 308 Veja-se ainda Freitas, Machado e Pinto,
Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 402-405. 309 Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de Portugal de 5-5-1944, na Revista de Legislação e Jurisprudência, nº 77,
pág. 148, citado por Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 16,
e Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 189. 310 Reis, Código de
Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 189. 150 não relegar a questão para a
sentença”.311 Nos termos do art. 386º, nº 6, do CPC, nas ações destinadas à defesa da posse
(arts. 1196º e 1197º do Código Civil) deve ter lugar no despacho saneador uma decisão de
mérito provisória, consistente em ordenar a manutenção ou restituição da posse ao autor (art.
1198º, nº 1, do Código Civil), quando esta não tenha sido impugnada pelo réu. Se o réu invocar
o direito de propriedade sobre o imóvel (ou outro direito real menor de exercício incompatível
com a posse do autor) a questão será decidida a final quanto a esta matéria, mas não quanto à
posse, que se mantém com o autor até à decisão final, mercê da presunção do art. 1188º, nº 1,
do Código Civil312). A final decide-se se o réu é ou não proprietário, havendo devolução do
bem ao mesmo se tal pretensão do réu proceder.313 2.5. Recursos Do despacho saneador
pode interpor-se recurso nos termos gerais (art. 426º, nº 1, do CPC). Não é, porém, admissível
recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria
que lhe cumpra conhecer (art. 386º, nº 5, do CPC). 2.5.1. Recurso de apelação Cabe recurso de
apelação do despacho saneador que decida do mérito da causa (art. 443º, nº 1, do CPC). Ou
seja, deve interpor-se recurso de apelação do despacho saneador que julgue procedente
alguma exceção perentória ou da decisão de mérito, proferidas nos termos do art. 386º, nº 1,
als. b) e c), do CPC. Efetivamente, neste caso, como já se viu, o despacho saneador passa a ter
o valor de sentença.314 O recurso de apelação, sobe imediatamente, nos próprios autos e com
efeito suspensivo se o despacho saneador puser termo ao processo (arts. 444º e 445º, nº 1, do
CPC), ou seja, só no caso de a decisão de mérito ser total, ou o conhecimento de alguma
exceção perentória implicar o fim do processo. 311 Reis, Código de Processo Civil Anotado,
volume III, 2012, pág. 193. 312 No mesmo sentido os arts. 548º, nº 1, e 549º, nº 1, do CCI. 313
Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 406-407. 314
Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 195. 151 Caso o conhecimento
do mérito seja parcial, ou a exceção perentória for julgada improcedente, o que implica que o
processo prossiga para conhecer do resto ou da totalidade do pedido, o recurso sobe apenas a
final, depois da sentença final que conheça o resto ou a totalidade do pedido, embora
mantenha o efeito suspensivo da decisão (arts. 444º e 445º, nº 2, do CPC).315 Importa, porém,
lembrar que, ainda que o processo haja que prosseguir e o recurso só suba a final ao Supremo
Tribunal de Justiça, caso a parte não concorde com a decisão, deve interpor o recurso no prazo
de dez dias a contar da notificação do despacho saneador (art. 436º, nº 1, do CPC), e terá que
apresentar alegações no prazo de trinta dias após notificação do despacho que recebeu tal
recurso (art. 447º, nº 1, do CPC), não podendo deixar para o recurso da decisão final a
impugnação das questões que foram conhecidas no saneador sentença (arts. 110º, nº 3, e
243º, nº 2, do CPC). 2.5.2. Recurso de agravo Do despacho saneador que se pronuncie sobre a
existência, ou inexistência das exceções dilatórias (art. 386º, nº 1, al. a), do CPC), deverá ser
interposto recurso de agravo (art. 467º do CPC). Ou seja, o recurso será de agravo sempre que
o saneador não conheça o mérito da causa.316 Por exemplo, se no despacho saneador for
julgada procedente alguma exceção dilatória (a incompetência absoluta do tribunal, ou a falta
de personalidade ou de capacidade judiciária, a ilegitimidade de uma das partes), o réu será
absolvido da instância (arts. 372º, nº 2, e 240º, nº 1, do CPC), assim terminando o processo,
mas o recurso ainda é de agravo e não de apelação, uma vez que o despacho não conheceu o
mérito da causa.317 No caso do recurso de agravo dias hipóteses podem ocorrer: a) Se o
despacho saneador põe termo ao processo, com absolvição do réu da instância, por julgar
procedente alguma exceção dilatória, o agravo sobe imediatamente, nos próprios autos e com
efeito suspensivo (arts. 468º, nº 1, al. a), 470º e 474º, nº 1, do CPC). 315 Veja-se Freitas,
Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 405. 316 Pereira,
Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 23. 317 A definição da exceção
dilatória, prevista no art. 372º, nº 2, do CPC, refere precisamente que a mesma impede o
conhecimento do mérito da causa. 152 b) Se o despacho saneador não põe termo ao processo,
por julgar improcedente alguma exceção dilatória invocada pelas partes, ou por conhecer de
nulidade que não ponha termo ao processo, o agravo sobe diferidamente, com o primeiro
recurso a interpor posteriormente que suba imediatamente (seja ela de agravo ou de
apelação), nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 469º, nº 1, e 474º, nº
1, a contrario, do CPC). Neste caso o recurso sobre nos próprios autos ou em separado,
conforme o regime de subida do recurso posterior com o qual haja de subir. Também aqui
importa lembrar que, ainda que o recurso tenha subida diferida, não subindo imediatamente,
caso a parte não concorde com a decisão, deve interpor o recurso no prazo de dez dias a
contar da notificação do despacho saneador (art. 436º, nº 1, do CPC), e terá que apresentar
alegações no prazo de quinze dias após notificação do despacho que recebeu tal recurso (art.
477º, nº 1, do CPC), não podendo deixar para o recurso da decisão final a impugnação das
questões que foram conhecidas, ou não apreciadas, no despacho saneador (arts. 110º, nº 3, e
243º, nº 2, do CPC). 2.6. Alcance do despacho saneador (efeitos) Quanto aos casos em que o
juiz conhece no despacho saneador das exceções perentórias ou do mérito da causa, o
despacho saneador passa a ter o valor de uma sentença, pelo que, não havendo recurso do
mesmo, a questão se tem por definitivamente resolvida (art. 419º, nº 1, do CPC).318 A questão
coloca-se relativamente aos casos em que o juiz se pronuncia no despacho saneador sobre a
existência ou inexistência de exceções dilatórias. Ou seja, uma vez proferido o despacho
saneador, se as questões nele decididas passam a ter carácter definitivo, não podendo mais
ser apreciadas em sede de sentença, ou, no caso das de conhecimento oficioso, em sede de
recurso.319 O entendimento seguido pela doutrina tem sido o de considerar que se alguma
parte suscitou uma exceção que o juiz teve que apreciar em concreto, ou se apreciou em
concreto alguma exceção dilatória, analisando em pormenor os factos e se a mesma se verifica
ou não, então a 318 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 396. 319 Mendes,
Direito Processual Civil, vol. III, 1982, pág. 164. 153 decisão, não sendo interposto recurso, faz
caso julgado formal, nos termos do art. 420º do CPC. Caso o juiz profira despacho genérico em
que se limita a declarar que o tribunal é competente, as partes gozam de personalidade e
capacidade judiciária e são legítimas, e não há exceções nem nulidades a apreciar (o saneador
tabelar a que se fez referência supra), a decisão sobre tais questões não faz caso julgado,
podendo ser reapreciada a questão na sentença final, ou mesmo em sede de recurso.320 No
dizer de Alberto dos Reis, “a declaração vaga e abstracta não há excepções nada decidiu e por
isso não pode constituir caso julgado”.321 O Tribunal de Recurso decidiu já, em sede de
recurso, declarar oficiosamente o réu parte ilegítima, absolvendo-o da instância.322 3.
Especificação e questionário 3.1. Conceito e função Nos termos do art. 387º, nº 1, do CPC, se o
processo houver de prosseguir, o juiz, no próprio despacho a que se refere o artigo anterior
selecionará entre os factos articulados os que interessam à decisão da causa, segundo as várias
soluções plausíveis da questão de direito, especificando os que julgue assentes por virtude de
confissão, acordo das partes ou prova documental e quesitando, com subordinação a
números, os pontos de facto controvertidos ou necessitados de prova. Se o processo houver
de prosseguir, ou seja, se não se conheceu de mérito no saneador, ou julgou procedente
alguma exceção dilatória, ainda no mesmo despacho, o juiz profere especificação e
questionário (art. 387º, nº 1, do CPC). 320 Veja-se Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 412-
413, Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1997, págs. 164-167, Varela, Bezerra e Nora,
Manual de Processo Civil, págs. 393-395, Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil
Anotado, vol. II, 2008, pág. 400, e Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário,
1978, págs. 20-23. 321 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 200. 322
Acórdão do Tribunal de Recurso de 9-7-20120, processo nº 05/Cível/Apelação/2005/TR. 154
Efetivamente, se o réu foi absolvido da instância ou foi condenado ou absolvido do pedido, o
processo termina, não se podendo já proferir o despacho seguinte (a especificação e
questionário).323 Estamos perante a fase da condensação, que se traduz numa seleção feita
pelo juiz da matéria de facto relevante para a decisão final sobre o mérito da causa, que ele
considere provada e daquela que carece de prova.324 Embora sejam despachos distintos, o
despacho saneador e a especificação e questionário são tratados como um despacho só, pelo
que logo após a redação do despacho saneador é elaborada a especificação e questionário, no
mesmo despacho (segundo a terminologia legal).325 No dizer de Antunes Varela, há uma
ampliação do âmbito do despacho saneador para abranger a especificação e o questionário. “A
finalidade da junção das três peças no mesmo acto judicial foi a de conseguir que o despacho
saneador só fosse proferido depois de ponderadamente se verificar quais os factos que são na
verdade essenciais à decisão da causa, quais deles se encontram provados e quais necessitam
ainda de prova”.326 É aquilo a que se chama despacho saneador lato sensu. 327 Esta seleção
da matéria de facto fixa os limites da atividade instrutória e o objeto do poder jurisdicional do
tribunal.328 A elaboração da especificação e questionário pode, porém, ser dispensada pelo
juiz, mediante despacho fundamentado, que será notificado às partes, nas ações não
contestadas ou de pequena complexidade (art. 388º do CPC). Ou seja, nas ações não
contestadas ou de pequena complexidade a prolação de especificação e questionário é
facultativa. 329 As ações não contestadas a que se refere o art. 388º são aquelas em que não
se verifica o 323 Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 201. 324
Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 214-215. 325 Porém, se a especificação e questionário
forem organizados autonomamente, em despacho separado posterior ao despacho saneador,
não se verifica nenhuma nulidade, mas apenas uma mera irregularidade que não influi no
exame ou decisão da causa (Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1991, pág. 409, citando o
acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16-12-1982, sumariado no BMJ nº 324, pág. 637).
326 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 402. 327 Varela, Bezerra e Nora,
Manual de Processo Civil, pág. 421. 328 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto,
2009, pág. 524. 329 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008,
pág. 410. 155 efeito cominatório da revelia previsto no art. 364º, nº 1, do CPC, ou seja, as
ações referidas no art. 365º, als. b) e c), do CPC. Assim, numa ação de divórcio, de investigação
de paternidade, de adoção, ou outras sobre o estado das pessoas, nas ações contra incapazes
ou ausentes (que serão representados pelo Ministério Público, nos termos do art. 20º do CPC),
a falta de contestação não tem o efeito cominatório da confissão dos factos, pelo que, não
obstante não haver contestação, o autor está obrigado a fazer prova (em audiência de
julgamento) dos factos que alegou na sua petição inicial, que são constitutivos do seu direito
(art. 510º, nº 1, do CPC). Ora, nestes casos, existindo apenas um articulado, torna-se muito
mais simples verificar qual a matéria de facto cuja prova é necessário fazer em julgamento,
não sendo necessário o roteiro sobre tal matéria que constitui o questionário, pelo que não se
torna necessária a sua elaboração.330 Também as causas simples não justificam a prolação da
especificação e questionário. Se o autor alega que emprestou dinheiro ao réu e este não pagou
e, na sua contestação, o réu se limita a dizer que o autor não lhe emprestou dinheiro nenhum,
ou diz que embora o autor lhe tenha emprestado dinheiro já o pagou, a questão controvertida
é de tal modo simples, é tão evidente a matéria de facto provada e a que importa provar em
julgamento, que não há necessidade de elaborar a especificação e questionário. Efetivamente,
a especificação e questionário constituem um verdadeiro roteiro do julgamento,331 que
permite às partes perceberem qual a matéria de facto que já não precisam de provar em
julgamento (por já estar considerada provada e levada à especificação) e aquela matéria de
facto que têm que provar em julgamento (e que consta do questionário). Como se pode ver
trata-se de uma peça processual que visa simplificar e balizar a audiência de julgamento. 3.2.
Especificação Importa começar por notar que na especificação e o questionário devem ser
considerados apenas os factos alegados pelas partes (arts. 387º, nº 1, e 412º do CPC), mas
apenas aqueles que 330 Importa contudo referir que o juiz pode elaborar a especificação e
questionário nestes casos. A lei apenas faculta a dispensa da prolação do despacho, mas não a
impõe. 331 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1982, pág. 173. 156 interessam à decisão
da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. Ao fazer referência às
várias soluções plausíveis da questão de direito pretende-se evitar que o juiz considere apenas
os factos relevantes segundo a sua perspetiva pessoal da questão, uma vez que esta pode ser
diversa da do juiz que venha a proferir a sentença, ou dos juízes que possam vir a decidir a
questão em sede de recurso.332 Porém, o juiz não tem que estar atento, ao elaborar a
especificação e questionário a toda e qualquer interpretação peregrina, ou manifestamente
infundada, sobre a questão de direito.333 No dizer de Lebre de Freitas, “seja qual for a sua
visão do que deva ser a decisão jurídica da causa e o caminho para a atingir, o juiz tem de
seleccionar também os factos que interessem a outras vias de solução possível do litígio, tidas
em conta as posições assumidas pelas partes quanto à fundamentação jurídica das pretensões
e excepções e as correntes doutrinárias e jurisprudenciais formadas em torno dos tipos de
questão que elas levantem”.334 A especificação é elaborada por alíneas335 e deve conter, de
entre os factos articulados pelas partes336 (independentemente de quem os alegou)337 e
deve conter os que o juiz julgue assentes por virtude de confissão, acordo das partes ou prova
documental. Embora o efeito prático seja o mesmo, a confissão dos factos feita nos articulados
(contestação ou resposta à contestação) consiste na afirmação expressam de que os factos são
verdadeiros (art. 41º do CPC), enquanto o acordo sobre a realidade de um facto consiste no
seu reconhecimento tácito, por falta de impugnação do mesmo (arts. 370º, nº 2, e 382º do
CPC).338 Os documentos serão apenas aqueles que fazem prova plena, nos termos dos arts.
581º, nº 1, e 586º, nº 1, do CPC.339 Os factos provados desta forma são factos sobre os quais
há prova plena, 332 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 415. 333 Pereira, Despacho Saneador,
Especificação e Questionário, 1978, pág. 29. 334 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo
Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 411. Veja-se ainda Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo
Civil, págs. 417-418. 335 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 203, e
Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 401. 336 Princípio do dispositivo (veja-
se o Capítulo I, parágrafo 6.2). 337 Princípio da aquisição processual (veja-se o Capítulo I,
parágrafo 6.12.1). Veja-se Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 527.
338 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 27. 339 Freitas,
Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 411, Reis, Código de
Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 203. 157 pelo que não carecem de ser
submetidos à apreciação e decisão do tribunal em sede de julgamento.340 A especificação tem
como resultado que sobre os factos nela incluídos não há lugar a instrução, ou seja, não há
produção de prova, nem pode haver julgamento, sendo o juiz da causa quem previamente
define por essa via os factos que a integram, logo após os articulados.341 3.3. Questionário
Nos termos do art. 387º, nº 1, do CPC, com a elaboração da especificação procede-se à
elaboração do questionário, quesitando, com subordinação a números, os pontos de facto
controvertidos ou necessitados de prova. 342 Ou seja, os factos que foram expressamente
impugnados (arts. 267º, nº 2, e 370º, nº 1 e 3, do CPC), ou aqueles que, não tendo sido
expressamente impugnados, se achem em contradição com a defesa considerada no seu
conjunto (art. 370º, nº 2, do CPC).343 O questionário contém, sob a forma de quesitos, ou
perguntas, subordinados a números, os factos que interessam para a decisão da causa e que
têm que ser provados em julgamento. Após o julgamento o tribunal responde às perguntas
formuladas no questionário, decidindo se os factos quesitados se consideram provados ou não
provados. Trata-se, portanto de um elemento fundamental do processo, simplificando o
julgamento (os advogados apenas têm que fazer prova relativamente às perguntas), nele se
baseando toda a atividade de instrução do processo.344 Alberto dos Reis considera que o
questionário “É uma das peças mestras da arquitectura processual; é também um acto que
põe à prova as qualidades de inteligência e ponderação do juiz, as suas faculdades de síntese,
compreensão e domínio da matéria do pleito. Perante uma mole, por vezes imensa e confusa,
de factos, o juiz há-de dar-se ao trabalho fatigante e difícil de fazer a depuração do que é útil e
o abandono do que não interessa”.345 Como já se referiu, o juiz 340 Pereira, Despacho
Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 27. Veja-se ainda Mendes, Direito
Processual Civil, vol. III, 1982, pág. 175. 341 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil,
pág. 402. 342 Controvertidos são os factos que não se encontram provados por acordo das
partes, confissão ou prova documental (Pereira, Despacho Saneador, Especificação e
Questionário, 1978, pág. 30). 343 Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário,
1978, pág. 30. 344 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 403. 345 Reis, Código
de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, págs. 204-205. 158 não deve quesitar toda a
matéria controvertida articulada pelas partes, mas apenas a que se mostrar relevante para a
decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. Acrescenta, por
isso, Antunes Varela, “Trata-se de uma das peças mais difícil de elaborar em todo o processo,
por duas razões: primeiro, pela dificuldade de distinguir, em muitos casos, entre os factos
irrelevantes (que devem ser indirectamente rejeitados) e os factos essenciais à decisão da
causa (que devem ser seleccionados); segundo, porque não é fácil, muitas vezes, distinguir
entre a matéria de direito (submetida ao julgamento do juiz da causa ou do juiz sentenciador)
e a matéria de facto que lhe serve de suporte (a única que pode constituir objecto do
questionário)”.346 Ou seja, o questionário apenas pode conter factos e não matéria de direito
(art. 395º, nº 3, do CPC). 347 Assim, deve redigir-se os quesitos em ordem a interrogar o
tribunal de julgamento unicamente sobre a ocorrência de determinados factos materiais,
sobre realidades concretas, e não sobre a qualificação jurídica de tais acontecimentos, ou
conclusões dos mesmos. 348 Exemplificando, não se pode quesitar se determinado acidente
ocorreu por culpa do réu (é óbvia matéria de direito a determinação da responsabilidade pelo
embate entre veículos, por exemplo), ou se determinado contrato é um contrato de
arrendamento ou outro tipo de contrato. A matéria de facto, porém, integra tanto os
acontecimentos do mundo exterior (no dia 10 de Maio o veículo X era conduzido pelo réu),
como os eventos do foro interno (em consequência do embate o autor sofre dores), ou mesmo
ocorrências hipotéticas (o condutor do veículo teria podido travar o carro se os travões
estivessem em condições), ou ainda juízos periciais do facto (o autor ficou com uma
incapacidade permanente de 30%).349 Tem-se, contudo, evoluído relativamente a esta
questão, admitindo hoje grande parte da doutrina que se quesitem conceitos jurídicos que já
entraram no léxico do cidadão comum, desde 346 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo
Civil, pág. 403. 347 Esta regra é igualmente válida para a especificação, mas assume, como se
vê, particular relevância na elaboração do questionário. 348 Reis, Código de Processo Civil
Anotado, volume III, 2012, pág. 208, e Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil
Anotado, vol. II, 2008, pág. 414. 349 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs.
407-410, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 525-526. 159 que
a própria qualificação jurídica não seja controvertida.350 Na medida em que podemos tomar
os conceitos jurídicos pelo seu sentido vulgar, deixa o termo de ser considerado jurídico e
sujeito ao regime para este reservado.351 Assim, vem-se admitindo que se quesite se no
contrato de arrendamento verbal foi fixada a renda de US$ 200,00 (embora a qualificação do
contrato como arrendamento seja uma conclusão jurídica), desde que o que esteja em causa
seja o acordo relativo à renda (que também é uma qualificação jurídica da contraprestação
paga pelo inquilino) e não a qualificação do contrato. Se o litígio tiver por objeto a qualificação
do contrato, já não se pode quesitar se o contrato celebrado entre o autor e o réu é um
contrato de arrendamento (trata-se de qualificação jurídica que o juiz deverá extrair em
sentença dos factos concretos que envolveram a celebração do contrato). Importa lembrar
que os quesitos são perguntas que vão ser feitas às testemunhas, não se podendo perguntar
às testemunhas questões que importem já uma decisão jurídica da causa (essa é a
competência exclusiva do juiz). Por outro lado, não se devem formular quesitos na negativa,
exceto se os mesmos são constitutivos do direito. 352 Não é possível, ou é difícil, fazer prova
do facto negativo, a não ser através da prova de um facto positivo que impeça a ocorrência do
outro. Por exemplo, é impossível ao autor fazer prova de que o réu não pagou determinada
quantia. Mas já é possível ao réu provar o pagamento (daí que o ónus de prova do pagamento
incida sobre o réu – art. 510º, nº 2, do CPC). É impossível, ou muito difícil, provar que em
determinado dia o réu não estava em sua casa, a menos que se prove que se encontrava em
outro lugar. Os factos acessórios ou instrumentais podem (e devem) ser quesitados se forem
importantes para se compreender melhor os contornos do litígio, nomeadamente em sede de
recurso. Ou seja, o juiz só pode incluir no questionário os factos articulados pelas partes, mas
pode quesitar os factos instrumentais que considere necessários ao apuramento da
verdade.353 Relativamente à elaboração de quesitos que apenas possam ser provados por
documentos (art. 578º, nº 1, do CPC), ou confissão das partes (por exemplo o caso do art. 304º
do Código 350 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 532-535, e
Pereira, Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, págs. 38-39. 351 Neto,
Código de Processo Civil Anotado, 1991, pág. 412, citando Castro Mendes, Conceito de Prova,
pág. 570. 352 Sobre esta matéria veja-se infra o Capítulo III, Secção III, parágrafo 3.1.
(repatição do ónus da prova). 353 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 412-
417. 160 Civil), 354 duas soluções se apresentam igualmente viáveis: a) Os factos são
quesitados, mas deve fazer-se referência no final do questionário que os factos dos quesitos
em causa só podem ser provados por documento (ou por confissão, se for esse o caso). 355
Esta é a solução que se me afigura preferível, por se revelar mais clara para a perceção das
partes. b) Os factos não são incluídos no questionário e, depois do mesmo, referem-se
expressamente quais os factos que não foram quesitados por só poderem ser provados por
confissão ou por documento, para que a parte possa produzir tal tipo de prova sobre os
mesmos, sendo igualmente tais factos considerados na sentença (art. 407º, nº 3, do CPC). Não
precisam ser quesitados os factos notórios, ou que sejam do conhecimento oficioso do tribunal
(art. 391º do CPC). Isso não obsta a que devam figurar na especificação, caso tenham sido
alegados por alguma das partes.356 Em conclusão, podem-se considerar como válidas as
seguintes regras básicas na elaboração do questionário:357 a) Cada quesito deve conter um
único facto; b) Os quesitos devem ser formulados de forma tal, que o tribunal possa responder
com precisão e simplicidade, por um sim ou por um não; c) Não devem desdobrar-se as
questões em alíneas (deve antes formular-se vários quesitos, um por cada questão); d) Devem
dispor-se os quesitos por ordem cronológica e não por ordem dos articulados apresentados,
por forma a melhor se compreender a questão; e) Não se devem formular quesitos na
negativa, exceto se foram factos constitutivos do direito invocado. 354 Igual o art. 1982º do
Código Civil Indonésio. 355 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II,
2008, pág. 412. 356 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 420. 357 Pereira,
Despacho Saneador, Especificação e Questionário, 1978, pág. 34. 161 A especificação e
questionário não fazem caso julgado, podendo ser modificados por acolhimento de novos
factos invocados em articulado superveniente (art. 383º, nº 5, do CPC), ou inclusivamente em
sede de julgamento ou de sentença (arts. 395º, nº 1, 398º, nº 2, al. f), e 407º, nº 3, do CPC).
Conforme salienta Castro Mendes, “O questionário não faz caso julgado formal, é um
complexo de questões, não de decisões”.358 Nos termos do art. 387º, nº 2, do CPC, a
especificação e o questionário podem ser organizados mediante simples remissão para o
artigo dos articulados, considerando-se a remissão limitada à matéria de facto nele contida. Ou
seja, não se considera incluída a matéria de direito que conste do mesmo artigo para o qual se
remete. Neste caso, no prazo de dez dias, a secretaria juntará ao processo, cópia integral da
especificação e questionário em que se reproduzam os artigos dos articulados para os quais
sejam feitas remissões (art. 387º, nº 5, do CPC), para que as partes possam verificar os termos
em que efetivamente foi elaborado o questionário (ou a especificação). Desaconselha-se o uso
deste mecanismo pela confusão que normalmente gera, devido à forma por vezes confusa
como as partes articulam, com mistura da matéria de direito com a alegação de factos. Ou
seja, só se deve recorrer a esta faculdade quando os articulados separem devidamente a
matéria de direito da matéria de facto e contenham uma descrição precisa dos factos, sem
conceitos de direito, e sem alegação de vários factos no mesmo artigo. 3.4. Reclamação Nos
termos do art. 387º, nº 3, do CPC, o despacho da especificação e questionário é notificado às
partes que, no prazo de dez dias, dele podem reclamar por deficiência, excesso, complexidade
ou obscuridade. Como se viu anteriormente, do despacho saneador cabe recurso nos termos
gerais (art. 426º, nº 1, do CPC). Porém, da especificação e questionário cabe reclamação. Ou
seja, embora integrados no mesmo despacho, procede-se aqui a uma separação material das
várias peças processuais (despacho saneador, especificação e questionário). 358 Mendes,
Direito Processual Civil, vol. III, 1982, pág. 177. Veja-se ainda Baptista, Processo Civil I, 2006,
pág. 415, Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 427-429, Neto, Código de
Processo Civil Anotado, 1991, pág. 412. 162 A reclamação visa estabelecer um processo de
colaboração especial entre as partes e o juiz, capaz de facultar o aperfeiçoamento das duas
peças que têm uma importância fundamental na evolução posterior da ação.359 Daí que o juiz
deva encarar a mesma como meio de auxílio, e não como um incómodo. Por isso, a
reclamação deve entender-se como integrando o andamento regular do processo e não como
um incidente anómalo, pelo que a parte que reclamou, ainda que a reclamação não seja
atendida, não deve ser condenada em custas. A reclamação pode ser apresentada por
qualquer das partes, pelo que pode ser apresentada pela parte que tenha articulado o facto
em causa, como também a parte contrária.360 A reclamação tem por fundamento deficiência,
excesso, complexidade ou obscuridade.361 Verifica-se deficiência quando exista uma omissão,
a não inclusão de um facto, ou mais, na especificação ou no questionário, que a parte
considere essencial para a decisão da causa. O excesso existe quando se considerou um facto
provado na especificação, quando esse facto tinha sido impugnado pelo réu, ou quando se
leva à especificação ou questionário facto que não foram articulados pelas partes, ou por ser
irrelevante. Neste último caso, porém, uma vez que não há qualquer prejuízo, não se costuma
justificar a reclamação. A complexidade verifica-se quando se quesitam vários factos no
mesmo quesito não sendo fácil responder aos factos na sua globalidade. Existe obscuridade
quando se formulam quesitos de forma que não seja totalmente compreensível (importa
lembrar que os quesitos são perguntas que vão ser feitas às testemunhas, pelo que têm que
ser compreensível pelo cidadão comum). Também se pode considerar como obscuridade a
contradição entre factos especificados e factos quesitados.362 Apresentada a reclamação, no
prazo de dez dias a contar da notificação do despacho contendo a especificação e questionário
(art. 387º, nº 3, do CPC), deve ser notificada (oficiosamente, pela secretaria) a parte contrária
para responder, ainda no mesmo prazo (arts. 359 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo
Civil, págs. 421-422. 360 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 225.
361 Sobre a matéria veja-se Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 422-423,
Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 225-226. 362 Marques, Acção
Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 537. 163 8º363 e 119º, nº 1, 191º, nº 2, e 418º,
nº 1 [este por remissão do art. 414º, nº 3], todos do CPC). Após a resposta, ou o decurso do
prazo para a mesma, o juiz decide a reclamação, indeferindo a mesma, mantendo a
especificação e questionário inalterados, ou deferindo (total ou parcialmente), alterando a
especificação e/ou o questionário, em conformidade. Do despacho judicial que for proferido
sobre a reclamação não cabe recurso autónomo, podendo, porém, ser impugnado no recurso
interposto da decisão final (art. 387º, nº 4, do CPC).364 3.5. Indicação das provas Uma vez
proferido o despacho contendo a especificação e o questionário, a secretaria notifica
(oficiosamente)365 as partes do despacho saneador e para, em quinze dias, apresentarem o
rol de testemunhas, requererem outras provas ou alterarem os requerimentos probatórios
que hajam feito nos articulados e requererem a gravação da audiência final; no mesmo prazo
qualquer das partes pode requerer a intervenção do tribunal coletivo, nos termos do nº 2 do
artigo 51º (art. 389º do CPC). Conforme se refere no acórdão do Tribunal de Recurso de 15-1-
2013,366 “este prazo de quinze dias após a notificação do despacho saneador é um prazo
perentório, nos termos definidos no art. 110º, nº 3, do CPC. Assim, uma vez decorrido o
mesmo, ficam as partes impedidas de praticar o ato posteriormente.367 No dizer de Ferreira
de Almeida, “A fixação legal ou judicial dos prazos peremptórios serve, assim, de factor de
compulsão à prática do acto, estimulando a diligência da parte onerada, em ordem a prevenir
a sua eficácia extintiva”.368 Ou seja, a gravação da prova só terá lugar se alguma das partes o
solicitar, no aludido prazo do art. 389º do CPC, a menos que o tribunal o decida
oficiosamente.369 Trata-se, pois, de manifestação do princípio do dispositivo. O princípio do
dispositivo tem 363 Princípio do contraditório (veja-se o Capítulo I, parágrafo 6.4). 364 Freitas,
Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 414. 365 Art. 191º, nº 2,
do CPC. 366 Processo nº 12/Cível/2012/TR. 367 Reis, Código de Processo Civil Anotado,
volume III, 2012, pág. 235. 368 Almeida, Direito Processual Civil, volume I, 2010, pág. 479. 369
Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 417. 164
consagração expressa no art. 220º, nº 1, do CPC, que estatui que a iniciativa e o impulso
processual incumbe às partes.370 Ou seja, as partes devem não só pedir a resolução do litígio
ao tribunal, como igualmente ficam obrigada a impulsionar o processo, formulando os
requerimentos necessários ou legalmente exigidos para o decurso normal deste.371 Com o
princípio do dispositivo liga-se o princípio da auto-responsabilidade das partes, segundo o
qual, na definição de José João Baptista, “as partes são as responsáveis pela boa ou má
condução do processo, visto que o processo nasce e desenvolve-se por sua iniciativa e no seu
interesse”.372 Conforme salienta Ferreira de Almeida, “Competindo às partes o accionamento
dos correspondentes meios de ataque e de defesa, serão também elas a suportar as
consequências negativas as suas eventuais omissões ou inércia, ou seja, uma decisão de
sentido desfavorável às suas pretensões ou posições”.373 Assim, temos o princípio da
preclusão que impede a parte de exercer certo direito ou de alegar certos factos ou direito se
não o fizer nos prazos especialmente consignados para o efeito”.374 O art. 389º do CPC não se
pronuncia, porém, sobre uma questão essencial: se as parte (ou apenas uma delas) apresentar
reclamação da especificação e questionário o prazo conta-se desde a data da notificação inicial
do despacho contendo a especificação e questionário, ou apenas a partir da data da
notificação do despacho que apreciar a reclamação? Parece lógico que tal prazo deva iniciar-se
apenas depois da notificação do despacho que se pronuncia sobre a reclamação. Desde logo
porque o despacho que incide sobre a reclamação integra (passa a fazer parte) do despacho
reclamado (art. 418º, nº 2, segunda parte, do CPC), o que significa que só após aquele este fica
completo. 370 Como se pode ver pela leitura do art. 220º, o CPC não faz qualquer distinção
entre o princípio do dispositivo e o princípio do pedido, considerando ambos como dispositivo,
embora a doutrina diferencie os mesmos com frequência (Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral
do Direito, 2009, pág. 66). 371 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009,
págs. 196-197. 372 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 75. 373 Almeida, Direito Processual
Civil, volume I, 2010, pág. 245. Veja-se ainda Leitão, Dos princípios básicos em processo civil,
1999, págs. 43-47. 374 Veja-se Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, págs. 145-14, Leitão,
Dos princípios básicos em processo civil, 1999, págs. 100-101, Almeida, Direito Processual Civil,
volume I, 2010, págs. 256-262, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009,
pág. 201. 165 Por outro lado, no despacho que aprecia a reclamação pode proceder-se à
alteração do questionário, só então se podendo conhecer qual a matéria de facto que a parte
tem que provar em julgamento. Ou seja, tendo a prova que incidir sobre a matéria do
questionário e não podendo a prova recair senão sobre os factos constantes do questionário,
só depois de definitivamente fixado este é que as partes ficam em condições de saber que
provas hão-de oferecer e produzir.375 A não se entender assim, teria sempre que se respeitar
o disposto no art. 398º, nº 3, do CPC, mas apenas para a eventualidade de se aditarem novos
quesitos ao questionário (já não para o caso de se indeferir a reclamação). Cautelarmente,
devem as partes indicar as provas no prazo de quinze dias a contar da data da notificação
inicial do despacho contendo a especificação e questionário, alterando o rol de testemunhas,
nos termos do referido art. 398º, nº 3, do CPC, ou do art. 390º, nº 1, no caso de haver
alteração a tal despacho em consequência de reclamação. Como resulta do próprio art. 389º
do CPC, as partes podem (e devem, por segurança) indicar as provas logo nos articulados
(indicam então a prova dos factos que alegam),376 porém, a fase mais adequada é após a
prolação do questionário, pelos motivos já referidos.377 O rol de testemunhas pode ser
alterado ou aditado até vinte dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento,
sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco
dias (art. 390º, nº 1, do CPC). Esta faculdade concedida à parte contrária não impede que ela
mesma, antes ou depois de usar da mesma faculdade, alterar o seu rol, desde que o faça no
referido prazo de vinte dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento.378 O
único inconveniente desta alteração ou aditamento é que as testemunhas não são notificadas
para julgamento, nem se pode requerer a sua inquirição por deprecada, tendo a parte que
procedeu à alteração ou aditamento que apresentar as testemunhas a julgamento (art. 390º,
nº 2, do CPC). 375 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 234. 376 Veja-
se o art. 349º, nº 2, do CPC. 377 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág.
235. 378 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 420.
166 O prazo para indicação das provas previsto no art. 389º do CPC é um prazo perentório,
pelo que o seu decurso impede a parte de apresentar rol de testemunhas, uma vez decorrido o
mesmo (art. 110º, nº 3, do CPC), daí que por segurança se aconselhe a apresentação do rol de
testemunhas com os articulados.379 Isto significa que, se a parte não apresentou o rol de
testemunhas no prazo de quinze dias fixado no art. 389º do CPC, não pode depois usar o
mecanismo do art. 390º, nº 1, do CPC, para corrigir tal omissão (não se pode alterar ou
substituir uma coisa que não existe).380 Por outro lado, também fica vedada a inquirição de
testemunhas indicadas apenas na audiência de discussão e julgamento pela parte que deixou
passar o prazo do art. 389º do CPC, oficiosamente, pelo juiz, nos termos do art. 575º, nº 1, do
CPC.381 Nos termos do art. 394º, nº 1, do CPC, no mesmo prazo referido no artigo 389.º para
a indicação das provas as partes requererão o envio de cartas rogatórias ou precatórias
quando for o caso. As cartas rogatórias são pedidos, nomeadamente de inquirição de
testemunhas feito a entidade judiciais estrangeiras; as cartas precatórias são dirigidas outros
tribunais judiciais nacionais (porém, é admissível a inquirição por carta precatória de cidadãos
nacionais residentes no estrangeiro, através do consulado de Timor-Leste no país de
residência). Por se tratar de um diligência realizada noutro tribunal, no requerimento é
obrigatório indicar os factos a que devem ser perguntadas as testemunhas a inquirir por carta
(art. 394º, nº 1, do CPC). Por outro lado, não se requerendo a expedição da carta ou sendo
esta recusada por falta de indicação do objeto do depoimento, recai sobre a parte a obrigação
de apresentar as testemunhas na audiência final (art. 394º, nº 1, do CPC). Ou seja, se a
testemunha residir na área de distrito judicial diferente daquele em que corre a ação, a
testemunha só será notificada para comparecer e prestar o seu depoimento se este se
processar por carta precatória (se for no estrangeiro, carta rogatória ou precatória). Se a parte
não requerer a expedição da carta, terá que apresentar a testemunha em julgamento. 379 Já a
prova documental pode ser apresentada até às alegações sobre a matéria de facto em
julgamento, embora a parte possa ser condenada em multa (art. 595º, nº 2, do CPC). 380 Veja-
se Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 421, e o
acórdão do Tribunal Constitucional de Portugal nº 519/2000de 29-11-2000, processo nº
725/99, relatora Maria Helena Brito, publicado no Diário da República de Portugal, II Série, nº
26 de 31-1-2001, por aqueles referido. 381 Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1991, pág.
418, citando o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9-6-1982, na Colectânea de
Jurisprudência, ano VII, tomo 3º, Coimbra: Casa do Juiz, 1982, pág. 84. 167 Secção III –
Instrução do Processo (Provas) 1. Conceito Nos termos do disposto no art. 500º do CPC, as
provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Ou seja, a instrução do
processo consiste na atividade processual tendente a trazer ao processo os meios de prova a
utilizar para prova da matéria do questionário e preparar a sua utilização.382 Segundo
Remédio Marques, “A fase de instrução é a fase processual que traduz a sequência de actos
processuais destinados a trazer ao processo os meios de prova que aí serão produzidos,
assumindos e valorados pelo tribunal. Pelo que é, também, uma actividade processual
destinada a formar a convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos”.383 A
fase de instrução começa com a notificação a que se refere o art. 389º do CPC e termina,
normalmente, com a inquirição das testemunhas durante o julgamento (art. 400º, nº 1, al. d),
do CPC). Segundo Antunes Varela trata-se de uma instrução probatória.384 As provas têm por
função a demonstração da realidade dos factos. Prova, ao que nos importa, quer assim
significar o meio, ou os meios através dos quais se procura descortinar, encontrar, a verdade
dos factos. A demonstração da realidade a que tende a prova não é uma operação lógica,
visando a certeza absoluta. Os factos que interessam ao julgamento da causa são, as mais das
vezes, ocorrências concretas do mundo exterior, ou situações do foro espiritual, que
pertencem ao passado e não podem ser reconstituídas nos seus atributos essenciais. A
demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento
jurídico, não pode assim visar um estado de certeza lógica e absoluta, sob pena de o direito
falhar clamorosamente na sua 382 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 182.
Veja-se Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 419 e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo
Civil, pág. 429. 383 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 538. 384
Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 431. 168 função essencial de
instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens. A prova visa apenas, de
acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do direito, criar no
espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. 2. Objeto da
prova Relativamente ao seu objeto estabelece o art. 501º do CPC, que constituem objeto da
prova os factos relevantes para o exame e decisão da causa que sejam considerados
controvertidos ou necessitados de prova. Como se depreende igualmente da leitura do art.
412º, parte final, do CPC, a prova tem por objeto mediato factos. É sobre factos, e não sobre
regras de direito, aplicáveis ao julgamento da causa, que recaem as diligências destinadas à
produção da prova.385 Além disso, nem sobre todos os factos que interessam à causa pode
recair a instrução do processo. Em primeiro lugar, os factos têm que ter sido alegados pelas
partes, só estes podem ser usados (art. 412º do CPC); para além disso, dos factos alegados
pelas partes apenas interessam os que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de
prova, ou seja, os factos que, sendo controvertidos, interessem à decisão da causa, segundo as
várias soluções plausíveis da questão de direito. É no despacho saneador que basicamente se
faz a triagem – de um lado, os factos que já se podem considerar assentes; do outro, os que
integram a base instrutória da causa. A prova produzida antes desse despacho pode,
entretanto, ter influído na elaboração dos factos assentes ou especificação. 386 Seja como for,
só os factos controvertidos (os que integram o questionário) é que constituem o objeto
mediato da prova.387 Nos termos do art. 391º, nº 1, do CPC, não carecem de prova nem de
alegação os factos 385 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 437. 386 Varela,
Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 439. 387 Marques, Acção Declarativa à Luz do
Código Revisto, 2009, pág. 543. 169 notórios, devendo considerar-se como tais os factos que
são do conhecimento geral. Facto notório é aquele que é de conhecimento geral, facto
conhecido do público em geral, incluindo o próprio juiz e as partes.388 São notórios os factos
que podem ser conhecidos pela generalidade das pessoas normalmente informadas de
determinado espaço geográfico, de tal modo que não haja razão para se duvidar da sua
ocorrência. 389 Assim, são factos notórios as situações de convulsão ocorridas em 1999 e
2006.390 Também não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento
por virtude do exercício das suas funções; quando o tribunal se socorra destes factos, deve
fazer juntar ao processo documento que os comprove (art. 391º, nº 2, do CPC). Segundo
Alberto dos Reis, “O juiz não pode fazer uso de factos que tenham chegado ao seu
conhecimento por via particular; mas nada obsta a que faça uso de factos que chegaram ao
seu conhecimento por via oficial”.391 O juiz deve usar factos de que teve conhecimento
através de outro processo e que sejam relevantes para a decisão da causa. 3. Ónus de prova
3.1. Repartição do ónus de prova O princípio geral, constante do artigo 510º do Código Civil,
impõe àquele que invocar um direito a prova dos factos constitutivos do direito alegado (nº 1),
sendo que tratando-se de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, a
prova compete àquele contra quem a invocação é feita (nº 2).392 Lembra-se que os factos
impeditivos, modificativos ou extintivos do direito constituem exceções perentórias (art. 372º,
nº 3, do CPC), e o ónus de prova de tais factos compete a quem os invoca. 388 Reis, Código de
Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 260. 389 Freitas, Machado e Pinto, Código de
Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 13. 390 Veja-se a doutrina citada por Neto, Código de
Processo Civil Anotado, 1991, pág. 419-420. 391 Reis, Código de Processo Civil Anotado,
volume III, 2012, pág. 266. 392 Para Castro Mendes os factos modificativos que sejam
favoráveis ao autor devem ser provados por este (Mendes, Direito Processual Civil, vol. III,
1980, pág. 194). 170 Ou seja, o que a lei diz é que a parte tem o ónus de provar o facto que
aproveita à sua pretensão, sob pena de ter de suportar desvantajosas consequências, se o não
fizer. Compreendese, por isso, que em primeira linha seja às partes que é atribuída a faculdade
de deduzir pretensões probatórias, no tempo que para isso é destinado, bem como que sejam
elas que voluntariamente empreendam atitudes de natureza probatória, tendentes àquele
fim.393 Por exemplo: o autor alega que entregou uma quantia (mil dólares) em dinheiro ao
réu com obrigação deste devolver tal quantia (contrato de mútuo ou empréstimo) e que o réu
não devolveu o dinheiro emprestado no prazo acordado; por sua vez o réu alega que já pagou
tal quantia ao autor. Cumpria ao autor fazer a prova da entrega do dinheiro ao réu mediante
obrigação deste de o devolver num determinado prazo (factos constitutivos do direito), nos
termos do art. 510º, nº 1, do CPC. 394 Por seu lado, o réu está obrigado a provar o pagamento
que alegou (facto extintivo do direito invocado pelo autor), nos termos do art. 510º, nº 2, do
CPC. Se o réu não provar o pagamento será condenado a entregar ao autor os referidos mil
dólares, uma vez que não cumpriu o seu ónus de prova do facto impeditivo. Factos
constitutivos são os factos que dão vida à relação jurídica, como por exemplo os factos que
integram a constituição de um contrato (a entrega de dinheiro de uma parte a outra com
obrigação desta de o devolver num determinado prazo, contrato de mútuo; a cedência
temporária de uma casa por uma pessoa, senhorio, a outra, inquilino, com obrigação deste de
pagar uma renda, contrato de arrendamento; a entrega de uma coisa a outra pessoa, com
obrigação desta de pagar um determinado preço, contrato de compra e venda). Factos
extintivos são os factos que fazem cessar a relação jurídica, ficando as partes desobrigadas,
como por exemplo o pagamento por parte do comprador, ou a restituição do dinheiro
emprestado, a destruição do bem objeto do contrato. O facto extintivo terá, por isso, que ser
posterior ao facto constitutivo da relação jurídica.395 Factos impeditivos são os factos que
impedem que a relação jurídica produza os seus efeitos 393 Sobre as diferenças entre o onus
de prova nos sistemas de civil law e de common law veja-se John J. Barcel´o III, Burden of
Proof, Prima Facie Case and Presumption in WTO Dispute Settlement, Cornell International
Law Journal, Vol. 42, 2009, págs. 23-43. 394 No caso tal não seria necessário porque o réu não
impugnou tais factos, apenas afirma que já pagou. Se o réu tivesse dito que não tinha recebido
dinheiro do autor, já este teria que provar tal facto (art. 510º, nº 1, do CPC). 395 Reis, Código
de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 294. 171 normais, como por exemplo a
incapacidade de uma das partes, as causas de anulação do negócio. Os factos extintivos são
aqueles que, supondo ter nascido validamente o direito o extinguem; os factos impeditivos são
os que obstam a que o direito tenha nascido eficazmente396 Factos modificativos são os
factos que alteram a relação jurídica, como por exemplo o pagamento parcial, o aumento de
rendimentos do obrigado numa ação de prestação de alimentos.397 A dúvida sobre a
realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem
o facto aproveita (art. 510º, nº 2, do CPC). Ou seja, cada uma das partes tem o ónus de alegar
e provar os factos correspondentes à previsão da norma que aproveita à sua pretensão ou à
sua exceção. 398 Cada uma das partes tem de provar os factos que constituem os
pressupostos da norma que lhe é favorável.399 Quanto aos factos negativos, a sua prova
impende sobre o autor quando os mesmos sejam constitutivos do direito.400 Importa, porém,
ter presente que se trata aqui de situações especiais, como a impugnação de paternidade (em
que impede sobre o marido da mãe do menor a prova de que o mesmo não é seu filho), a
extinção de uma servidão pelo não uso (em que incumbe ao proprietário do prédio onerado o
ónus de prova do não uso). No entanto, a natural dificuldade de prova dos factos negativos
torna aconselháveis menores exigências quanto à prova dos mesmos factos.401 Segundo
Távora Niess “as regras de distribuição do ônus de prova visam facilitar o encontro da
verdade”.402 As regras do ónus de prova visam fixar as consequências da falta de prova de
determinados factos, uma vez que o tribunal tem sempre que decidir a questão, ainda que
falte a prova dos factos alegados (art. 6º do CPC).403 396 Neto, Código Civil Anotado, 1993,
pág. 225. 397 Niess, O ônus da prova no processo civil e no processo penal, 1982, pág. 196.
398 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 455. 399 Reis, Código de Processo
Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 278. 400 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume
III, 2012, pág. 288, e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 461. Veja-se ainda
Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 194. 401 Neto, Código Civil Anotado, 1993,
pág. 227 (citando Pereira Coelho, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 117º, pág. 95).
402 Niess, O ônus da prova no processo civil e no processo penal, 1982, pág. 195. 403
Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 157. 172 Para Lebre de Freitas
“As normas sobre a distribuição do ónus de prova constituem normas de decisão, pois se
destinam em primeira linha a possibilitar a decisão no caso de falta de prova; mas não deixam
de influenciar o comportamento das partes, consequentemente levadas a ter a iniciativa da
prova para evitar o risco de uma decisão desfavorável”.404 No mesmo sentido se pronuncia
Castro Mendes, segundo o qual o ónus de prova “não pertence já ao domínio da prova, em
rigor, mas ao da construção da sentença e sua fundamentação.405 O art. 511º do CPC prevê
alguns casos especiais de repartição do ónus da prova. Assim, nas ações de simples apreciação
ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se
arroga (art. 511º, nº 1, do CPC). Como já se viu a ação de simples apreciação negativa é a que
tem por fim a declaração de inexistência de um direito.406 Justificando esta especialidade
escreve Alberto dos Reis: “O autor no aspecto formal ou processual é realmente réu no
aspecto substancial”.407 Ou seja, uma vez que é o réu quem invoca o direito, deve ser ele a
provar os factos constitutivos do direito que invoca, cabendo ao autor apenas invocar a
inexistência do mesmo e a incerteza jurídica que é pressuposto das ações de simples
apreciação. Nas ações que devem ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em
que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já
decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei (art. 511º, nº 2, do
CPC). Trata-se do conhecimento do prazo de caducidade (art. 323º, nº 1, do Código Civil).408
Nestas hipóteses, cabe ao réu a demonstração do decurso do prazo, ou seja, que o autor
conhece da possibilidade de exercício do direito há mais tempo do que o previsto para que se
verifique a caducidade.409 A caducidade, como a prescrição extintiva, são factos extintivos,
pelo que a sua prova deve impender sobre o réu.410 404 Freitas, Machado e Pinto, Código de
Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 13. 405 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III,
1980, pág. 192. 406 Capítulo I, parágrafo 5.2. 407 Reis, Código de Processo Civil Anotado,
volume III, 2012, pág. 289. 408 Verifica-se a caducidade opera quando o direito não é exercido
dentro de um dado prazo fixado por lei ou convenção (Ana Prata, Dicionário Jurídico, 4ª
edição, Coimbra: Almedina, 2005, pág 179). 409 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código
Revisto, 2009, pág. 576. 410 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 459. 173 Se
o direito invocado pelo autor estiver sujeito a condição suspensiva ou a termo inicial, cabe-lhe
a prova de que a condição se verificou ou o termo se venceu; se o direito estiver sujeito a
condição resolutiva ou a termo final, cabe ao réu provar a verificação da condição ou o
vencimento do prazo (art. 511º, nº 3, do CPC). O princípio mantém-se: deve entender-se como
facto constitutivo do direito a verificação do termo inicial ou da condição suspensiva, uma vez
que só com estes nasce o direito, pelo que a sua prova cabe ao autor. Já a condição resolutiva
ou o termo final, porque são factos extintivos do direito, devem ser provados pelo réu.411 O
ónus de prova não impede que a parte contrária àquela sobre quem recaia tal ónus de
produzir contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos, assim
fazendo improceder a pretensão da parte contrária por incumprimento do ónus da prova (art.
514º do CPC). Não se deve confundir contraprova com a prova do facto contrário. A
contraprova consiste em criar no espírito do tribunal a dúvida ou incerteza acerca do facto
questionado; a prova do facto contrário tem por fim a demonstração de que certo facto, já
provado, não é verdadeiro.412 Finalmente cumpre destacar que, quando a conduta das partes
ou quaisquer circunstâncias da causa produzam a convicção segura de que o autor e o réu se
serviram do processo para praticar um ato simulado ou para conseguir um fim proibido por lei,
a decisão deve obstar ao objetivo anormal prosseguido pelas partes (art. 413º do CPC).413 3.2.
Inversão do ónus de prova As referidas regras sobre a repartição do ónus de prova invertem-
se, quando haja presunção legal, dispensa ou libertação do ónus da prova, ou convenção
válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine (art. 512º, nº 1, do
CPC). Neste caso, o autor só terá que alegar e provar os factos que constituem a base da
presunção. 414 Para se considerar provado que o possuidor com título de posse é possuidor de
boa 411 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 578. 412 Neto, Código
Civil Anotado, 1993, pág. 230. 413 Niess, O ônus da prova no processo civil e no processo
penal, 1982, pág. 202. 414 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág.
579. 174 fé, ele só tem que provar a posse e a existência do título (art. 1180º, nº 2, do Código
Civil). O ónus de prova inverte-se no caso de existir uma presunção legal. Seguindo Antunes
Varela, “Umas vezes é a lei que presume certo facto contra o demandado. Quando assim seja,
não é a parte (autor) a quem o facto aproveita (por ser pressuposto da norma em que a sua
pretensão se funda) quem tem de provar a existência dele; é a parte (réu) a quem o facto
(presumido) prejudica quem tem de provar a sua inexistência”.415 Por exemplo, se os animais
de uma pessoa invadem uma várzea de arroz de outra pessoa e destroem a plantação ali
existente, a pessoa que tinha a obrigação de guardar os animais (em princípio o seu dono),
responde pelos danos causados, sem que o lesado tenha que provar a sua culpa (art. 427º, nº
1, do Código Civil). Neste caso terá que ser o réu a provar a ausência de culpa da sua parte.
Segundo o mesmo autor, “Outras vezes a lei libera o demandante do ónus da prova
relativamente a um facto dele. Sem a norma especial, o demandante teria de demonstrar a
existência do facto que lhe diz respeito, por se tratar de um facto constitutivo do seu direito”.
Será o caso de o possuidor que pretende conservar ou obter os frutos do imóvel que possui
(art. 1190º, nº 1, do Código Civil); para poder beneficiar de tal direito, o possuidor teria, em
princípio, que demonstrar a boa fé da sua posse (elemento constitutivo do direito), no
entanto, se a sua posse for titulada ele não tem que provar a boa fé da posse, uma vez que a
mesma se presume (art. 1180º, nº 2, do Código Civil). Neste caso, terá que ser o proprietário,
para se opor a tal pretensão, a provar que a posse da parte contrária é de má fé. As próprias
partes podem, no contrato que celebram, estipular que, no caso de litígio, se presumem certos
factos, ou inverter o ónus de prova estabelecido segundo os critérios gerais. Uma vez que as
regras de repartição do ónus da prova visam acautelar interesses particulares, nada impede a
liberdade contratual também nesta matéria, desde que não se verifique nenhuma das
situações previstas no art. 513º, nº 1, do CPC.416 Há igualmente inversão do ónus da prova,
quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado (art.
512º, nº 2, do CPC). Assim, há inversão do ónus da prova, por exemplo, o condutor do
automóvel destrói, após a 415 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 465. 416
Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 466. 175 colisão, os indícios da sua culpa
no acidente de viação, quando uma das partes impede a testemunha oferecida pela outra de
se deslocar ao tribunal, quando a parte notificada para apresentar um documento não o
apresenta (art. 601º do CPC) ou declara que não o possui, tendoo já possuído e não provando
que ele desapareceu ou foi destruído sem culpa sua (art. 602º, nº 2, do CPC), quando o réu em
ação de investigação de paternidade se recusa a permitir o exame do seu sangue e quando,
duma maneira geral, a parte recusa colaborar para a descoberta da verdade (art. 506º, nº 2, do
CPC). Neste caso o facto não se considera logo provado, mas inverte-se quanto a ele o ónus de
prova. Passa a ser o demandado que tem que provar que não se verifica o facto alegado pelo
autor e cuja prova seria feita através do meio de prova destruído.417 Remédio Marques
salienta, porém, que a impossibilidade da prova do facto terá de resultar de conduta culposa
(negligente ou dolosa) da parte contrária. “Quando a parte, com dolo ou negligência (por
acção ou omissão) torna impossível a produção de prova pela contraparte”. 418 4. Meios de
prova 4.1. Definição e enunciação Os meios de prova são os instrumentos ou os elementos de
que o julgador se pode servir para formar a sua convicção acerca de um facto. É a atividade
destinada a convencer o tribunal da verdade dos factos alegados pelas partes.419 A regra é
hoje a da livre admissibilidade dos meios de prova. No julgamento da prova, a lei consagra
abertamente o princípio da livre convicção do julgador (art. 403º, nº 1, do CPC); logo, e em seu
paralelo, é natural admitir-se que, para formar a convicção do julgador, as partes possam
socorrer-se de todos os elementos capazes de demonstrarem a existência do facto.420 No
dizer de Remédio Marques, “pode ser admitido como meio de prova tudo quanto se 417
Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 467. 418 Marques, Acção Declarativa à
Luz do Código Revisto, 2009, págs. 579-580. 419 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980,
pág. 201. 420 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 467-468. 176 mostre
capaz de testemunhar a existência dos factos essenciais ou instrumentais com interesse para a
decisão da causa”.421 A prova não é feita no interesse exclusivo das partes, mas, acima dele,
no interesse da verdade, visando a correta aplicação do direito.422 Existem, porém, exceções
à regra da livre admissibilidade da prova.423 Assim, há factos que não podem ser provados por
qualquer meio mas apenas mediante prova documental. Trata-se de casos em que os negócios
têm que observar determinada forma para assegurar a sua validade, formalidades ad
substantiam (arts. 551º, nº 2, e 578º, nº 1, do CPC); ou relativamente aos factos contrários a
outros constantes de documento ou complementares deste (art. 551º, nº 5 e 6, do CPC). 4.2.
Classificação das provas 4.2.1. Classificação doutrinal A doutrina distingue vários tipos de
prova. a) Provas pré-constituídas e provas constituendas. Provas pré-constituídas são as que
existem antes de surgir a necessidade da sua apresentação no processo.424 A maioria destas
provas já existem antes de ser intentada a ação, pelo que a sua produção não requere
qualquer atividade preparatória; elas já existem e só há que regular a forma e momento da sua
apresentação na causa.425 É o caso da prova documental (os documentos, normalmente, já
existem antes de ser intentada a ação), regulando o CPC apenas a forma da sua junção aos
autos (arts. 595º e 596º do CPC). É também o caso da prova produzida antecipadamente (arts.
392º e 393º do CPC). Provas constituendas são as que se produzem só depois de se verificar a
sua necessidade no processo, só perante a necessidade de se demonstrar a realidade de um
determinado facto, ou 421 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág.
566. 422 Niess, O ônus da prova no processo civil e no processo penal, 1982, pág. 201. 423
Veja-se Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 469-470, e Marques, Acção
Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 566-567. 424 Varela, Bezerra e Nora, Manual
de Processo Civil, pág. 441. 425 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009 ,
pág. 565. 177 conjunto de factos.426 Será o caso da prova testemunhal ou da prova pericial. b)
Provas imediatas e provas mediatas. Provas imediatas (ou diretas) são as que se colocam
diretamente ao alcance da perceção do juiz. Será o caso da prova testemunhal, por confissão,
documental. Provas mediatas (ou indiretas) são as que não apresentam diretamente o facto ao
julgador, mas colocam ao alcance deste elementos que lhe permitem considerar como
demonstrado certo facto por meio de ilações ou presunções retiradas desse facto. A prova
mediata traz ao conhecimento do julgador um mero indício do facto que integra a previsão da
norma aplicável.427 Será o caso da prova por presunções ou a prova por testemunho indireto.
4.2.2. Classificação legal Os meios de prova (ou meios probatórios) especificamente admitidos
pela lei, que usou de critério da maior latitude possível, são os seguintes: As coisas móveis ou
imóveis apresentadas por uma das partes (art. 505º do CPC); As presunções (arts. 517º a 519º,
do CPC); O depoimento de parte (arts. 520º a 540º do CPC); As testemunhas (arts. 541º a 575º
do CPC); Os documentos (arts. 576º a 619º do CPC); A inspeção judicial (arts. 623º a 628º do
CPC); Os laudos periciais (arts. 629º a 652º do CPC). 5. Procedimentos probatórios 5.1.
Procedimentos Chama-se procedimento probatório ao esquema metodologicamente
ordenado dos atos processuais destinados a permitir a utilização dos diferentes meios de
prova.428 Ou seja, a sequência geral de atos processuais destinados a permitir a utilização dos
diversos meios de 426 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 441. 427 Varela,
Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 442. 428 Varela, Bezerra e Nora, Manual de
Processo Civil, pág. 495. Veja-se igualmente Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III,
2012, pág. 240. 178 prova. 429 Existem várias fases, cada uma com sua função dentro da
finalidade global da diligência.430 a) Proposição ou oferecimento da prova. Trata-se do ato
pelo qual uma das partes requer ao juiz a admissão (prova pré-constituída) ou a produção
(prova constituenda) de determinado meio de prova. Como exemplo temos o art. 389º do CPC,
referente à notificação das partes, depois de fixada a especificação e questionário, para
apresentarem o rol de testemunhas (com o requerimento explícito ou implícito da prova
testemunhal) e requererem quaisquer outras provas, ou o art. 392º do CPC, ao tratar
especificamente do requerimento da prova antecipada.431 b) Admissão da prova. Este
segundo momento consiste na decisão judicial de admissão ou recusa do meio de prova
requerido pela parte. É um momento importante do esquema probatório, desde logo porque o
juiz não deve, em princípio, admitir meio de prova sobre factos não constantes do
questionário.432 O juiz deve indeferir o requerimento para produção de um meio de prova
sempre que o mesmo for impertinente ou meramente dilatório (art. 222º do CPC). Referem-se,
direta ou indiretamente, a esta fase, por exemplo, os arts. 638º (prova pericial), 523º (prova
por depoimento de parte) ou 624º («… sempre que o julgue conveniente …» – quanto à
inspeção judicial) do CPC. c) Produção da prova. Trata-se do momento capital das provas
constituendas, no qual se extrai da fonte oferecida (a testemunha, o perito, a parte) o
respetivo meio probatório. A produção da prova pode desdobrarse em vários atos e prolongar-
se por um período maior ou menor de tempo. Nas provas préconstituídas, precisamente
porque o meio probatório se forma fora do contexto do processo, a fase da produção da prova
reduz-se de modo apreciável, tendo uma função bastante mais 429 Marques, Acção
Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 589. 430 Segue-se essencialmente a exposição
de Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs 495-497. 431 Varela, Bezerra e Nora,
Manual de Processo Civil, pág. 495, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto,
2009, pág. 589. 432 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 496, e Marques,
Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 589. 179 apagada. Não poderá, todavia,
dizer-se que ela seja de todo em todo suprimida, visto que, na prova documental, por
exemplo, a parte contrária à que oferece o documento é desde logo chamada (art. 598º do
CPC), antes da discussão da causa, a pronunciar-se não só quanto à admissibilidade do meio
probatório oferecido, mas também no que respeita à sua força probatória; e esta discussão
contenciosa prévia do valor probatório do documento não deixa de integrar-se na fase típica
da produção da prova. 433 b) Assunção da prova. É a fase derradeira do procedimento
probatório, destinada a incorporar no processo o meio probatório produzido ou oferecido.
Consistirá, por exemplo, quanto à prova documental, na junção dos documentos; ou quanto à
prova pericial, na incorporação do relatório pericial.434 Nos termos do art. 22º do Código das
Custas Judiciais, o requerimento de diligência que implique despesas, como seja a perícia,
obriga a parte requerente a efetuar preparo para despesas, a menos que esteja isenta ou
dispensada do pagamento de custas, sob pena de não se realizar a diligência (22º do Código
das Custas Judiciais). 5.2. Princípios relativos à produção da prova 5.2.1. Enunciação Importa
aqui relembrar alguns dos princípios fundamentais relativos às provas.435 Assim, o princípio
da aquisição processual encontra-se enunciado no art. 502º do CPC (O tribunal deve tomar em
consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia
produzi-las). Assim, nada impede que o tribunal utilize o depoimento de testemunhas
apresentadas por uma das partes para considerar provados factos cujo ónus probatório
incumbia à outra parte.436 433 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 496-
497. 434 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 497. Remédio Marques inclui
esta fase na anterior (Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 589-
590). 435 Por se tratar de matéria já analisada anteriormente faz-se uma beve referência à
mesma, remetendo-se um estudo mais aprofundado para o Capítulo I, parágrafo 6. 436
Acórdão do STJ de Portugal de 9-7-1982, no BMJ nº 319, pág. 234, citado por Neto, Código de
Processo Civil Anotado, 1991, pág. 421. 180 O princípio da livre apreciação da prova, encontra-
se previsto no art. 503º do CPC, nos termos do qual, salvo quando a lei dispuser
diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do
tribunal. O princípio da audiência contraditória, encontra-se consagrado no art. 504º do CPC,
nos termos do qual Salvo disposição em contrário, as provas não serão admitidas nem
produzidas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas. 5.2.2. Dever
geral de colaboração na descoberta da verdade material O princípio da cooperação, com
expressão nos arts. 221º e 506º, nº 1, do CPC, impõe a cooperação de todos os intervenientes
no processo. Assim, todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a
sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado
submetendose às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos
que forem determinados (art. 506º, nº 1, do CPC).437 O dever de resposta ao que for
perguntado abrange não só o dever de prestar o depoimento de parte requerido pela parte
contrária, ou pela comparte, ou oficiosamente determinado, mas também o dever de prestar
informações ou esclarecimentos, sempre que pedido. A colaboração exigida às partes
compreende ainda a sujeição às inspeções necessárias, a entrega do que for requisitado e a
prática dos atos que forem determinados. As inspeções (ou exame), a que a lei se refere, tanto
podem recair sobre a pessoa (por exemplo, o exame médico no caso de indemnização de
danos provenientes de ofensa corporal), como sobre coisa pertencente a uma das partes (por
exemplo, a coisa danificada no acidente de viação).438 Existe ainda o dever de facultar o que
for requisitado, não só aos casos em que o próprio tribunal, por sua iniciativa ou mediante
sugestão da contraparte, requisita documentos em poder da parte (art. 607º, nº 1, do CPC),
como àqueles em que uma das partes requer formalmente a apresentação do documento em
poder da parte contrária, para prova de factos por ela concretizados (art. 600º do CPC). O
exemplo típico de atos que a parte deva praticar, por ordem 437 Marques, Acção Declarativa à
Luz do Código Revisto, 2009, pág. 585. 438 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil,
pág. 477. 181 do tribunal, é dado no exame de letra, quando não haja escritos com os quais
seja possível a comparação da letra a examinar; nesse caso, a pessoa a quem seja atribuída a
autoria do documento pode ser obrigada a escrever as palavras que o perito determinar (art.
645º, nº 1, do CPC). Por outro lado, prescreve o art. 221º do CPC que as partes são obrigadas a
comparecer, sempre que para isso forem notificadas, e a prestar os esclarecimentos que, nos
termos da lei, lhe forem pedidos. O dever de colaboração imposto às partes (entre si e com o
tribunal) no descobrimento da verdade, consubstancia-se, igualmente, na sua subordinação a
um dever geral de boa-fé (arts. 662º a 665º do CPC). A recusa da parte em colaborar no
apuramento da verdade sobre um facto tem a consequência de permitir que o tribunal extraia
livremente do comportamento da parte a ilação que ele sugere (sem prejuízo da inversão do
ónus da prova decorrente do preceituado no art. 512º, nº 2, do CPC). 439 Apesar desta livre
apreciação da conduta da parte para efeitos probatórios, em prossecução do interesse no
apuramento da verdade, o tribunal pode usar dos meios coercitivos que forem possíveis para
obtenção do meio probatório visado. Se a parte se recusa, por exemplo, a entregar
voluntariamente um documento que se encontra em seu poder; o tribunal poderá (pela força,
se necessário) apreender e utilizar esse documento, como elemento probatório. 440
Finalmente, porque o recusante da diligência determinada viola o dever de colaboração com a
justiça, ainda incorre no pagamento de uma multa (art. 506º, nº 2, do CPC). 5.2.3. Os poderes
oficiosos do tribunal Apesar de em geral o objeto do processo se encontrar submetido à
disponibilidade das partes, a instrução comporta importantes poderes instrutórios do tribunal.
O princípio dominante desta fase é, mesmo, o princípio da oficiosidade (ou da livre iniciativa
do tribunal) em matéria 439 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol.
II, 2008, pág. 440. 440 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 480. 182
instrutória, o qual se traduz na atribuição de importantes poderes instrutórios ao tribunal.441
O tribunal tem sempre de cingir-se apenas aos factos fundamentais alegados pelas partes (art.
412º do CPC). É o que exige o respeito pelo princípio dispositivo, trave-mestra do sistema
processual.442 Mas em relação a tais factos, o juiz goza do poder de realizar diretamente ou
ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias ao descobrimento da verdade. As
diligências instrutórias de iniciativa oficiosa podem ter por objeto, tanto os factos
fundamentais alegados pelas partes, como os factos instrumentais não articulados pelos
litigantes, mas destinados a descobrir a verdade acerca daqueles factos fundamentais.443 Para
José João Baptista “em relação ao objecto da prova predomina o princípio do dispositivo,
enquanto que em relação à sua produção se verifica uma ampla aplicação do princípio do
inquisitório.444 Dentro da área delimitada pelas alegações das partes, vigora assim o princípio
fundamental correspondente ao sistema inquisitório. Os arts. 220º, nº 3, e 222º do CPC
retratam as duas faces dos poderes inquisitórios do juiz, em matéria instrutória. De um lado,
cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso imposto às partes, providenciar pelo
andamento regular e célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias
ao normal prosseguimento da ação e recusando o que for impertinente ou meramente
dilatório (art. 222º). É o poder de direção do processo, pelo qual se reconhece ao juiz o poder-
dever de separar o trigo do joio nas próprias diligências requeridas pelas partes.445 Do outro,
incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao
apuramento da verdade e à justa composição do litígio (nº 3 do art. 220º). Poderes
inquisitórios que aparecem reafirmados, com as adaptações adequadas, a propósito dos 441
Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 584. 442 Varela, Bezerra e
Nora, Manual de Processo Civil, págs. 474. 443 Veja-se Niess, O ônus da prova no processo civil
e no processo penal, 1982, pág. 196-197. 444 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 426. 445
Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 254. 183 diferentes meios de
prova.446 As diligências instrutórias de iniciativa oficiosa podem ter por objeto, tanto os factos
fundamentais alegados pelas partes, como os factos instrumentais não articulados pelos
litigantes, mas destinados a descobrir a verdade acerca daqueles factos fundamentais.447 Em
resumo, pode dizer-se que, embora a iniciativa do processo e o impulso da ação caibam às
partes, é ao juiz que cabe a direção da causa. É ao julgador que compete, não apenas
sentenciar ou despachar mas assegurar também a feitura da justiça, e com a necessária
prontidão. 5.3. Produção antecipada de prova As provas devem ser normalmente oferecidas e
produzidas durante a fase de instrução do processo (após a notificação a que se refere o art.
389º do CPC). Porém, excecionalmente, pode ser produzida antecipadamente (até mesmo
antes de ser proposta a ação), se existir justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito
difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por meio de
arbitramento ou inspeção (art. 392º do CPC). A produção antecipada da prova tem como
requisito o periculum in mora, consistente no risco de desaparecer ou se tornar muito difícil a
produção de certa prova, antes do momento normal em que ela seria produzida.448 Será o
caso, por exemplo, de uma testemunha fundamental para a decisão que está gravemente
doente e em sério risco de falecer antes do julgamento, ou de se ausentar para o estrangeiro.
5.4. Registo dos depoimentos prestados antecipadamente ou por carta Como é óbvio, uma vez
que o juiz que presidiu à produção antecipada da prova, ou à inquirição de testemunhas por
carta precatória pode não participar no julgamento da causa, ou pode este decorrer perante
tribunal coletivo, impõe-se que tal prova seja regista para poder ser considerada pelo tribunal
de julgamento (art. 508º, nº 1, do CPC). Os depoimentos das partes são sempre gravados, só
sendo reduzidos a escrito quando tal 446 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil,
págs. 476. 447 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 585. 448
Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 446. 184
gravação se revele impossível. Neste caso, o juiz dita a redação, podendo as partes ou os seus
mandatários fazer as reclamações que entendam oportunas e cabendo ao depoente, depois de
lido o texto do seu depoimento, confirmá-lo ou pedir as retificações necessárias (art. 508º, nº
2, do CPC). Se as parte não reclamarem da redação dada pelo juiz, não poderão depois, em
sede de recurso, invocar a desconformidade entre o que ficou escrito e o que teria sido
declarado pela testemunha. 6. Provas legais 6.1. Prova por apresentação de coisas móveis ou
imóveis Nos termos do art. 505º do CPC, as partes podem oferecer como meio de prova uma
coisa móvel ou imóvel. Se a coisa móvel puder, sem inconveniente, ser posta à disposição do
tribunal, a parte deve entregá-la na secretaria judicial, dentro do prazo previsto nos arts. 595º
e 596º do CPC, sendo a parte contrária admitida a examinar a coisa e a fotografá-la. No caso de
imóveis, ou de móveis que não seja possível depositar na secretaria, deve a parte que indicar
este meio de prova requerer a notificação da parte contrária, dando-se a esta oportunidade de
examinar e fotografar a coisa. Em qualquer dos casos, a parte que pretenda utilizar este meio
de prova deve indicar logo os factos que visa comprovar através da apresentação da coisa. Por
exemplo, o Estado pede uma indemnização por o réu (escultor de profissão) ter feito uma
estátua do Primeiro-Ministro que lhe fora encomendada sem qualquer semelhança com a
pessoa do mesmo. Para mostrar esse facto, apresenta no tribunal a estátua em causa.
Seguindo Antunes Varela, “A prova por apresentação de coisa distingue-se da prova
documental pelo facto de a coisa utilizada como meio de prova não ser um documento, além
de não poder ser junta ao processo. E também se não confunde com a prova por arbitramento
ou por inspecção judicial, que visa provocar a percepção ou a apreciação de determinados
factos por um terceiro (perito) ou por um juiz, enquanto na prova por apresentação da coisa é
a própria 185 parte que utiliza a coisa para dela extrair a demonstração do facto”.449 Já para
Lebre de Freitas a apresentação de coisas móveis ou imóveis não constitui um verdadeiro meio
de prova autónomo, podendo ser integrado no conceito de prova documental, pericial ou por
inspeção, consoante a forma como seja produzida.450 De todo o modo a prova por
apresentação de coisas móveis ou imóveis estará sempre muito próxima da prova
documental,451 confundindo-se mesmo com ela no caso das coisas móveis. 452 Nos termos
do art. 509º, nº 1, do Código Civil, quem invoca um direito, pessoal ou real relativo a certa
coisa, móvel ou imóvel, é lícito exigir do possuidor ou detentor a apresentação da coisa, desde
que o exame seja necessário para apurar a existência ou o conteúdo do direito e o demandado
não tenha motivos para fundadamente se opor à diligência. 6.2. Presunções Presunções são as
ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido
(art. 517º do CPC). Ou seja, através da presunção considera-se considerado um determinado
facto por mera dedução lógica que se retira de outro facto.453 Aqui, não se prova diretamente
o facto, mas prova-se um outro facto que leva a que se considere provado o primeiro, seja por
determinação da lei (presunção legal), seja por dedução lógica realizada pelo juiz (presunção
judicial).454 As presunções judiciais também de designam por presunções materiais, ou de
experiência, por assentarem nas regras de experiência baseadas na normalidade dos factos e
no senso comum. Estas presunções podem ser destruídas por simples contraprova.455 Assim,
se o autor prova que possui um título formalmente válido (ainda que substancialmente)
inválido de aquisição do direito de propriedade sobre um imóvel, a posse 449 Varela, Bezerra e
Nora, Manual de Processo Civil, pág. 498. Ainda Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 451. 450
Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 439. 451 Reis,
Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 317. 452 Varela, Bezerra e Nora,
Manual de Processo Civil, pág. 499. 453 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág.
500. 454 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 248. 455 Baptista,
Processo Civil I, 2006, pág. 434. 186 desse imóvel considera-se de boa fé por presunção legal
do art. 1180º, nº 2, do Código Civil. Se um carro, dentro de uma cidade, antes de embater
numa pessoa que atravessava a estrada deixa um rasto de travagem com mais de cinquenta
metros e ainda fere essa pessoa com muita gravidade, o juiz conclui (por presunção judicial),
que esse veículo circulava a mais de cinquenta quilómetros por hora. As presunções legais
podem ser: (a) juris et de jure, ou (b) juris tantum. As primeiras não podem ser afastadas por
prova do contrário, são irrefutáveis, pelo que o facto presumido tem que ser necessariamente
aceite. Será o caso das regras relativas à determinação dos herdeiros testamentários previstas
nos arts. 2087º a 2091º do Código Civil. As segundas podem ser ilididas (afastadas) através de
prova do contrário do que resulta da presunção, pela pessoa que dela não beneficia (art. 518º,
nº 2, do CPC). Caso contrário, quem beneficia da presunção não precisa de provar o facto (art.
518º, nº 1, do CPC). Será o caso da referida presunção da posse de boa fé resultante do art.
1180º, nº 2, do Código Civil. A parte contrária pode demonstrar que, apesar da outra parte ter
posse titulada, ela conhecia, quando adquiriu o imóvel, que o mesmo pertencia a outra pessoa
e por isso violava o direito da mesma. As primeiras constituem a exceção sendo em regra as
presunções meramente juris tantum. 456 Antunes Varela distingue das presunções as ficções
legais. Enquanto nas presunções legais os factos estão ligados entre si (relacionam-se), nas
ficções legais é a lei que estabelece uma relação para tirar consequências jurídicas de um
determinado facto.457 Assim, nos termos do art. 1914º, nº 2, do Código Civil, a partir do
momento em que o herdeiro aceite a herança, os efeitos da aceitação retrotraem-se ao
momento da abertura da sucessão. Quando o possuidor esbulhado é restituído na posse do
bem, tudo se passa como se nunca tivesse sido esbulhado (art. 1203º do Código Civil). 6.3.
Depoimento de parte O depoimento de parte constitui meio de prova por confissão da parte
(epígrafe da Secção I 456 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 249. 457
Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 503. 187 do Capítulo III do CPC). A
confissão pode ser judicial ou extrajudicial (art. 525º, nº 1, do CPC). A confissão extrajudicial é
a que é feita por qualquer outro modo diferente da confissão judicial (art. 525º, nº 4, do CPC).
A confissão judicial é a que é feita no processo e pode ser espontânea (quando é feita no
processo por iniciativa da própria parte, nomeadamente nos articulados), ou provocada,
mediante o depoimento de parte, normalmente em audiência (arts. 525º, nº 2, e 526º do
CPC). 458 Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é
desfavorável e favorece a parte contrária. (art. 520º do CPC). Ou seja, a declaração que a parte
faz de que são verdadeiros determinados factos alegados pela parte contrária e que são
favoráveis a esta.459 Assim, cada uma das partes pode requerer o depoimento da parte
contrária bem como o dos seus compartes (art. 522º, nº 3, do CPC). Portanto, a parte não pode
oferecer o seu próprio depoimento, uma vez que se ela pretendesse confessar os factos
alegados pela parte contrária teria confessa nos articulados. A confissão tem por objeto factos
e apenas factos (que constem do questionário) e não direitos.460 Daí que confissão feita num
processo só tenha validade nesse processo (art. 525º, nº 3, do CPC). O depoimento de parte
pode ser requerido pela parte contrária, no prazo fixado no art. 389º do CPC, ou determinado
oficiosamente. Sendo requerido, devem logo indicar-se, concretamente, os factos sobre que o
depoimento há-de recair, sob pena de recusa (art. 521º, nº 2, do CPC). A indicação dos factos
relativamente aos quais se requer o depoimento de parte visa permitir ao juiz verificar a sua
admissibilidade, devendo recusar o depoimento de parte relativamente a factos que sejam
favoráveis à parte que vai prestar o depoimento. Conforme salienta Lebre de Freitas, o
depoimento de parte “não constitui um testemunho da parte, livremente valorável em todo o
seu conteúdo, favorável ou desfavorável ao depoente, mas 458 Mendes, Direito Processual
Civil, vol. III, 1980, pág. 219. 459 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág.
70. 460 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 535 e 568. 188 um meio de
provocar a confissão.461 Isto não quer dizer, porém, que o juiz não possa ouvir livremente
qualquer das partes relativamente a qualquer matéria, ainda que favorável à parte, a fim de se
inteirar das circunstâncias concretas da ocorrência dos factos (art. 521º, nº 1, do CPC).462
Normalmente, o depoimento de parte é prestado na audiência final (arts. 400º, nº 3, al. a), e
528º do CPC). O depoente presta juramento antes de começar o depoimento, pelo que o juiz o
deve alertar para o significado moral do juramento a prestar, e incitá-lo a depor com verdade,
advertindo-o para as sanções aplicáveis às falsas declarações, sendo que a recusa a prestar
juramento implica recusa a depor (art. 531º do CPC), atitude que será livremente apreciada
pelo tribunal para efeitos probatórios (art. 527º, nº 2, do CPC). O depoente só pode ser
interrogado sobre factos pessoais ou de que deva ter conhecimento, uma vez que só estes ele
pode confessar (art. 523º, nº 1, do CPC). Os depoimentos de parte de pessoas coletivas são
prestados pelos representantes atuais (à data em que o mesmo é prestado) e não pelos
representantes que a pessoa coletiva tinha na altura dos factos.463 Assim, os representantes
da pessoa coletiva à data da ocorrência dos factos podem ser ouvidos como testemunhas (art.
546º do CPC, a contrario). O interrogatório, feito pelo juiz, incidirá sobre os factos que
constituem o objeto do depoimento (art. 532º do CPC). O depoente deve responder às
perguntas de forma clara, podendo, para o efeito, consultar documentos ou apontamentos de
datas ou factos, mas não pode trazer o depoimento escrito (art. 533º do CPC). Os advogados
das partes assistem ao depoimento e podem pedir diretamente esclarecimentos ao depoente
(art. 534º, nº 1, do CPC). Nos termos do art. 535º, nº 1, do CPC, o depoimento prestado
perante o tribunal da causa é reduzido a escrito, mesmo que tenha sido gravado, na parte que
envolva confissão, a fim de ter a força probatória plena da confissão judicial escrita (art. 537º,
nº 1, do CPC). 464 461 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II,
2008, pág. 497. 462 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 550. 463
Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1991, págs. 440-441. 464 Para José João Baptista tem
mesmo valor de prova pleníssima, uma vez reduzida a escrito (Baptista, Processo Civil I, 2006,
pág. 437). 189 Uma vez confessados os factos mediante depoimento de parte e reduzida a
confissão a escrito, tais factos passam a considerar-se provados, sem necessidade de sobre
eles ser produzida qualquer prova. Por isso o depoimento de parte é o primeiro meio de prova
a ser produzido em audiência (art. 400º, nº 3, al. a), do CPC). A confissão é irretratável e
indivisível (arts. 539º e 540º do CPC). Significa isto que o depoente que tenha confessado os
factos não pode retirar a sua confissão, e a mesma só é válida se referir ao facto na sua
totalidade, não é admissível a confissão parcial ou com ressalvas.465 6.4. Prova testemunhal
6.4.1. Disposições gerais A prova testemunhal consiste nas declarações judiciais, que se
traduzem em narração de factos, emitidas por pessoas estranhas ao litígio. 466 Assim, não
podem ser testemunhas aqueles que podem depor como partes (art. 564º do CPC). Segundo
Antunes Varela, “Diz-se testemunha a pessoa que, não sendo parte na acção, nem seu
representante, é chamada a narrar as suas percepções sobre factos passados que interessam
ao julgamento da causa”.467 As testemunhas são pessoas que, não sendo partes, nem peritos,
informam o tribunal sobre factos controvertidos ou necessitados de prova, relevantes para a
descoberta da verdade material.468 Neste meio de prova, pretende-se que o depoente revele
ou exponha as suas perceções sobre os factos controvertidos ou carecidos de prova. Em
princípio, podem depor como testemunhas todas as pessoas que, não estando interditas por
anomalia psíquica, tenham aptidão física e mental (art. 544º, nº 1, do CPC). Porém, podem
recusar-se a depor as pessoas referidas nos arts. 547º (familiares próximos) e 548º do CPC
(pessoas abrangidas por segredo profissional. 465 Reis, Código de Processo Civil Anotado,
volume IV, 2012, págs. 112 e 115, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 437. 466 Reis, Código
de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 322. 467 Varela, Bezerra e Nora, Manual de
Processo Civil, pág. 609. 468 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág.
547. 190 Para algumas pessoas abrangidas por segredo profissional (funcionários) e para as
situações abrangidas pelo segredo de Estado, existe mesmo a impossibilidade de prestação de
depoimento (arts. 549º e 550º do CPC). Não é admissível prova testemunhal (limitação à regra
da livre admissibilidade dos meios de prova): (a) se a declaração negocial, por disposição da lei
ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por
escrito (art. 551º, nº 2, do CPC); quando o facto estiver plenamente provado por documento
ou por outro meio com força probatória plena (art. 551º, nº 3, do CPC); para prova de
quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico,
autenticado ou particular, ou das convenções sejam anteriores à formação do documento ou
contemporâneas dele, quer sejam posteriores (art. 551º, nº 5, do CPC).469 Será o caso das
situações em que a lei substantiva, impõe a observância para certos atos de formalidades ad
substanciam, e não apenas ad probationem (art. 578º, nº 1, do CPC). 470 Esta proibição, não
impede, porém, que se produza prova testemunhal para prova dos vícios da vontade (erro,
dolo, coação), ou para prova da divergência entre a vontade e a declaração (falta de vontade,
erro na declaração), com exceção dos casos de simulação (art. 551º, nº 6, do CPC).471
Também não é admitido depoimento por escrito fora dos casos previsto nos arts. 557º, nº 2, e
570º, nº 1, do CPC. 472 Seguindo o acórdão do Tribunal de Recurso de 26-2-2013,473 “o
depoimento por documento escrito só é admissível, se existir acordo das partes e autorização
do juiz. Pretende-se por este meio impedir que a parte contrária àquela que oferece a
testemunha se veja confrontada com um depoimento cuja produção não haja podido
minimamente controlar, em violação do disposto no art. 504º do CPC (princípio da audiência
contraditória).474 Para Alberto dos Reis o documento escrito contendo uma narração dos 469
Veja-se Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 547-548. 470 Sobre
esta matéria é de especial relevância a nálise feita por Alberto dos Reis (Reis, Código de
Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 329-340. 471 Varela, Bezerra e Nora, Manual de
Processo Civil, pág. 11. 472 Acórdãos do Tribunal de Recurso de 26-1-2011, processo nº
05/Cível/2010/TR, e de 26-2-2013, processo nº 01/Cível/Apelação/2013. 473 Processo nº
01/Cível/Apelação/2009/TR. 474 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado,
volume II, 2008, pág. 615. 191 factos por pessoas que podiam testemunhar não constitui prova
documental mas sim prova testemunhal, como tal devendo ser considerada”.475 O Tribunal
de Recurso decidiu no acórdão de 14-2-2013 que, ainda que não se possa comprovar
devidamente a identidade da testemunha, o seu depoimento não está proibido (ou seja, é
admissível), embora deva o tribunal ter especiais cautelas na inquirição e valoração do
mesmo.476 De acordo com a regra geral do art. 503º do CPC, a força probatória dos
depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal (art. 552º do CPC).477
Alberto dos Reis salienta porém, que “a prova testemunhal deve ser manejada com particular
prudência e cautela, dados os perigos a que está sujeita, isto é, dadas as causas de erro que
sobre ela actuam”.478 6.4.2. Produção da prova testemunhal O requerimento de prova
testemunhal deve conter o rol de testemunhas, indicando-se os nomes, profissões e moradas
destas (art. 553º, nº 1, do CPC). Este rol de testemunhas deve ser apresentado no prazo de
quinze dias após a notificação do despacho contendo o questionário (art. 389º do CPC) e pode
ser alterado ou aditado até vinte dias antes da data da realização efetiva da audiência final
(art. 390º, nº 1, do CPC). Alberto dos Reis chama a atenção para a importância da ordem de
indicação das testemunhas, uma vez que as mesmas serão inquiridas pela ordem que consta
do rol (art. 565º, nº 1, do CPC).479 Porém, essa ordem pode ser alterada se o juiz o determinar
ou as partes acordarem na alteração. As testemunhas arroladas podem ainda ser substituídas
no caso de faltarem a julgamento e se revelar impossível conseguir a sua comparência
atempada (arts. 560º, nº 3, do CPC). Neste caso, o depoimento da nova testemunha só poderá
ser admitido se a parte contrária for notificada com pelo menos cinco dias de antecedência,
ou, sendo com prazo inferior, não se opuser à inquirição (art. 562º, nº 1, do CPC).480 475 Reis,
Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 328. 476 Processo nº
14/Cível/2012/TR 477 Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág.
356. 478 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 360. 479 Reis, Código
de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 365. 480 Trata-se ainda da observância do
princípio da audiência contraditória consagrado no art. 504º do CPC. 192 O julgamento será
adiado ou suspenso se a parte não prescindir de testemunha que tenha faltado (art. 399º, nº
1, al. b) e nº 3, do CPC), mas só pode haver um único adiamento do julgamento, pelo que ainda
que seja outra testemunha que falte na segunda data, não se verificará adiamento do
julgamento (arts. 399º, nº 2, e 561º do CPC). A parte pode a todo o tempo desistir da
inquirição de testemunhas que tenha oferecido (art. 553º, nº 2, do CPC). Isto significa que a
aquisição processual da prova testemunhal só se dá com o depoimento da mesma.481 Porém,
uma vez produzido o depoimento, este pode fundamentar a prova de qualquer matéria do
questionário sobre a qual a testemunha preste depoimento, ainda que seja matéria alegada
pela parte contrária à que ofereceu a testemunha. Daí que seja recomendável algum cuidado
na indicação da matéria sobre a qual a testemunha deve depor. Quanto ao número de
testemunhas, o art. 563º do CPC estabelece que autor e réu não podem oferecer mais de dez
testemunhas cada um (havendo reconvenção, cada uma das partes pode ainda oferecer outras
tantas testemunhas), considerando-se não escritos os nomes das testemunhas que no rol
excedam o limite legal (ou seja, só se consideram as dez indicadas em primeiro lugar). Sobre
cada um dos factos que constituem o objeto da prova (ou seja, cada quesito), não pode a parte
fazer depor mais de três testemunhas (art. 564º do CPC). Assim, antes do início do
depoimento, a parte (através do seu mandatário) deve indicar logo os factos sobre os quais a
testemunha vai depor, não devendo o juiz admitir o depoimento relativamente aos factos
(quesitos) sobre os quais tenham já prestado depoimento três testemunhas. Porém, a parte
contrária pode oferecer igualmente três testemunhas aos mesmos quesitos para fazer
contraprova dos factos.482 Contudo, se a testemunha declarar que nada sabe sobre
determinado facto, não se considera que tenha prestado depoimento sobre o mesmo,
podendo ser indicada outra testemunha ao mesmo quesito. Esta declaração da testemunha
(que nada sabe) deve ficar a constar em ata, pelo que se o juiz o não fizer oficiosamente, deve
a parte solicitar que mesma seja consignada. Também não se pode exceder o número do art.
564º do CPC, quando a testemunha é 481 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil
Anotado, vol. II, 2008, pág. 571. 482 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012,
pág. 410. 193 inquirida oficiosamente pelo tribunal, uma vez que esta não é oferecida pela
parte.483 O depoimento testemunhal pode também resultar da iniciativa do tribunal. O art.
575º CPC prevê a hipótese de o juiz ordenar que seja notificada para depor determinada
pessoa, não arrolada como testemunha ou de cujo depoimento se haja prescindido, quando,
por qualquer circunstância inerente ao processo, haja razões para presumir que ela tem
conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa. As testemunhas depõem,
em princípio, na audiência final, com exceção dos casos enunciado no art. 555º, nº 1, do CPC.
Há casos, por exemplo, de testemunhas que gozam da prerrogativa de serem inquiridas na sua
residência ou na sede dos respetivos serviços (arts. 555º, nº 1, al. c), e 557º do CPC). 484 As
testemunhas podem ainda ser inquiridas no local da questão, quando o tribunal, por iniciativa
ou a requerimento de alguma das partes, o julgue conveniente (art. 556º do CPC). As
testemunhas são inquiridas segundo a ordem fixada no art. 565º do CPC. Pela ordem em que
estiverem mencionadas no rol, primeiro as do autor e depois as do réu, salvo se o juiz
determinar que a ordem seja alterada ou as partes acordarem na alteração. Se, porém, figurar
como testemunha algum funcionário da secretaria, é ele o primeiro a depor, ainda que tenha
sido oferecido pelo réu. Nem o juiz nem as partes precisam justificar a alteração (ordenada
pelo primeiro ou acordada por estas), sem prejuízo de o juiz dever orientar-se por
considerações de conveniência e não por puro arbítrio.485 O depoimento é antecedido do
juramento e do interrogatório preliminar (art. 566º, nº 1, do CPC). Quando verifique pelas
respostas que o declarante é inábil para ser testemunha ou que não é a pessoa que fora
oferecida, o juiz não a admitirá a depor (art. 566º, nº 2, do CPC). Terminado o interrogatório
preliminar, se o juiz não considerar a testemunha inábil, pode ter lugar o incidente da
impugnação, visando obstar ao depoimento, deduzido pela parte contra a qual a testemunha
for produzida, com os fundamentos mencionados no art. 567º do CPC. A 483 Marques, Acção
Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 549. 484 Trata-se de manifestação dos
princípios da oralidade, da imediação e da concentração (Freitas, Machado e Pinto, Código de
Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 573). 485 Freitas, Machado e Pinto, Código de
Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 602. 194 impugnação processar-se-á nos termos do
art. 568º do CPC e, se for julgada improcedente, terá início o interrogatório da testemunha,
observando-se o disposto no art. 569º do CPC. Após o interrogatório preliminar, o juiz pode
inda inquirir a testemunha sobre a sua razão de ciência, para melhor poder avaliar o seu
depoimento (num acidente de viação, se a testemunha assistiu ao mesmo e em que local se
encontrava; numa ação de reivindicação, se estava presente quando o terreno foi ocupado,
etc.). Seguidamente, o juiz pergunta à parte que apresentou a testemunha a que factos (ou
quesitos) pretende que a mesma preste depoimento, o que fará constar em ata. Durante o
depoimento da testemunha aceita-se que a parte possa alterar a indicação feita, reduzindo-se
ou alargando-se a matéria a que a mesma deve depor. Efetivamente, depois de se iniciar o
depoimento pode a parte constatar que a testemunha sabe mais do que inicialmente se
supunha, ou sabe menos. O interrogatório incidirá sobre os factos que tenham sido articulados
ou impugnados pela parte que ofereceu a testemunha, devendo esta depor com precisão,
indicando de modo concreto e fundamentado a razão da ciência invocada. A razão de ciência
visa obter da testemunha esclarecimentos sobre o motivo pelo qual conhece os factos (aqui
relativamente a cada um dos factos). O interrogatório é feito pelo advogado da parte que a
ofereceu, podendo, a seguir, o advogado da parte contrária instar a testemunha de maneira a
que o depoimento se complete ou esclareça (art. 569º, nº 2 e 4, do CPC). Os juízes podem
findo o interrogatório pelas partes, formularem as perguntas que entenderem para melhor se
esclarecerem com vista ao apuramento da verdade material.486 Porém, devem as partes e os
juízes inquirir a testemunha apenas sobre a matéria indicada pela parte que a ofereceu, a
menos que o juiz presidente use da prerrogativa da inquirição oficiosa do art. 575º, nº 1, do
CPC.487 Findo o depoimento a testemunha deve permanecer na sala de audiências, a fim de
evitar que entre em contacto ou as outras testemunhas ainda não inquiridas, Não devendo
ausentar-se do tribunal, uma vez que pode ainda ser necessário prestar novos
esclarecimentos, nomeadamente em sede de acareação. 486 Marques, Acção Declarativa à Luz
do Código Revisto, 2009, pág. 549. 487 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV,
2012, pág. 448, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 449. 195 A lei prevê ainda a possibilidade
de mais dois incidentes (para além do incidente de impugnação, já referido) no âmbito da
prova testemunhal: a contradita e a acareação. Na contradita a parte contra a qual o
depoimento foi produzido alega circunstâncias suscetíveis de abalarem a credibilidade de tal
depoimento (art. 572º do CPC). Só a parte contra a qual a testemunha é produzida pode
contraditá-la, mas se foi inquirida oficiosamente pelo tribunal, qualquer das partes a pode
contraditar.488 O incidente é deduzido quando o depoimento termina, e processa-se nos
termos do art. 573º do CPC. Assim, por exemplo, se numa ação de reivindicação a testemunha
arrolada pelo réu é igualmente réu num outro processo intentado pelo autor, por também ter
ocupado o mesmo terreno, o autor invoca tal facto logo que termine o depoimento da
testemunha (art. 573º, nº 1, do CPC),489 para assim abalar a sua credibilidade. Ou a parte
contrária à que ofereceu a testemunha alega que a mesma nada pode saber sobre o que
aconteceu naquele dia, porque a mesma se encontrava num outro local e a nada podia ter
assistido. A parte contrária deve ser ouvida sobre a admissibilidade da contradita.490 Embora
a lei não o determine, a audição da parte contrária insere-se no princípio do contraditório (art.
8º do CPC), havendo igualmente vantagens para o próprio processamento do incidente.491
Admitida a contradita, a testemunha é então inquirida sobre tal facto. Se o confirmar não será
produzida prova sobre o mesmo (art. 573º, nº 2, do CPC), se o negar a parte que suscita o
incidente tem que apresentar de imediato prova dos factos que alegou no incidente (art. 573º,
nº 3, do CPC). O incidente visa apenas demonstrar os factos alegado em contradita, ficando na
livre apreciação do juiz a conclusão a retirar dos mesmos relativamente à credibilidade do
depoimento prestado pela testemunha sobre a matéria da causa.492 A acareação (art. 620º do
CPC) pode ser suscitada oficiosamente ou a requerimento das partes e destina-se a confrontar
quem tiver deposto contraditoriamente acerca de determinado 488 Freitas, Machado e Pinto,
Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 622. 489 Justifica-se que o incidente seja
deduzido só depois de determinar o depoimento, uma vez que só então a parte pode concluir
se o depoimento da testemunha foi isento ou não. 490 Freitas, Machado e Pinto, Código de
Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 623. 491 Reis, Código de Processo Civil Anotado,
volume IV, 2012, pág. 463. 492 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág.
464, e Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 624. 196
facto. A acareação pode ocorrer tanto a propósito de depoimentos testemunhais, como destes
e do depoimento de parte. A acareação visa apurar, face a depoimentos contraditórios, quem
disse a verdade e quem não disse verdade.493 Conforme refere Alberto dos Reis, “O incidente
da acareação consiste nisto: em pôr em presença uma da outra, ou uma das outras (cara a
cara), duas pessoas que depuseram e fizeram nos seus depoimentos, afirmações que
colidem”.494 A oposição tem que ser direta, pelo que as testemunhas terão que ter descrito
de modo diferente o mesmo facto, que ambas dizem que observaram.495 A acareação
processa-se nos termos do art. 621º do CPC. A diligência é feita pelo juiz, que procurará
desfazer a oposição existente entre os depoimentos.496 6.5. Prova documental 6.5.1.
Disposições gerais Os documentos são quaisquer objetos elaborados pelo homem com o fim
de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto (art. 576º do CPC). Os documentos
escritos podem ser autênticos ou particulares (art. 577º, nº 1, do CPC). Documentos autênticos
são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos
limites da sua competências ou, dentro do círculo de atividade que lhe é atribuído, pelo
notário ou outro oficial público provido de fé pública (art. 577º, nº 2, do CPC). Documentos
particulares são todos os outros (art. 577º, nº 2, do CPC). Os documentos autênticos provêm,
portanto, de funcionário ou oficial público no exercício da sua função. Os documentos
particulares são elaborados por particulares, por pessoas que não exercem aquelas funções,
ou, se as exercem, não elaboraram o documentos no exercício das mesmas.497 Assim, não
será autêntico o contrato de arrendamento celebrado por escrito particular 493 Normalmente
o que acontece é que as pessoas acareadas mantêm o seu depoimento, resultando infrutífera
a diligência, devendo o juiz decidir segundo a sua livre convicção (art. 622º do CPC). 494 Reis,
Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 469. 495 Freitas, Machado e Pinto,
Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 625. 496 Freitas, Machado e Pinto, Código
de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 628. 497 Reis, Código de Processo Civil Anotado,
volume III, 2012, pág. 356. 197 por uma pessoa que exerce as funções de notário, para sua
residência e da sua família. Aqui o notário atua como qualquer outro cidadão e não no
exercício das suas funções públicas. São autênticos, entre outros, os documentos exarados
pelo notário no exercício das suas funções de notário (escrituras públicas). Escritura Pública é o
instrumento notarial em que se fazem constar declarações de vontade, atos jurídicos que
impliquem prestação de consentimento, contratos e negócios jurídicos de toda a espécie, no
Livro do Protocolo, nos termos legais e autorizada pelo notário (art. 37º, nº 2, do Regime
Jurídico do Notariado). 498 Por outro lado, os documentos particulares são havidos por
autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas
leis notariais. Nos termos do art. 55º-A, nº 1, do Regime Jurídico do Notariado, os
reconhecimentos notariais podem ser simples ou com menções especiais, presenciais ou por
semelhança. Documentos autenticados são aqueles que são reconhecidos presencialmente
(art. 55º-A, nº 4, do Regime Jurídico do Notariado).499 A grande relevância da classificação dos
documentos nos termos referidos reside na diferente força probatória dos mesmos. A força
probatória de um documento é o valor que a lei lhe atribui como meio de prova ou a fá que lhe
confere.500 Nos termos do art. 581º, nº 1, do CPC, os documentos autênticos fazem prova
plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo,
assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade
documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos
sujeitos à livre apreciação do julgador. Isto significa que os documentos autênticos apenas
fazem prova plena do que foi comprovado pela autoridade ou funcionário público e que pode
certificar, mas não faz prova plena dos factos quer não se passaram na sua presença da
veracidade do que foi afirmado perante o mesmo 498 O Regime Jurídico do Notariado foi
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 3/2004, de 4 de Fevereiro, tendo sido alterado pelo Decreto-Lei
n.º 24/2009, de 26 de Agosto 499 É presencial o reconhecimento da letra e da assinatura, ou
só da assinatura, aposta em documentos escritos e assinados ou apenas assinados na presença
do notário ou de outro funcionário autorizado, ou o reconhecimento que é realizado estando o
signatário presente no acto. 500 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág.
362. 198 funcionário.501 Assim, numa escritura pública de compra e venda de um imóvel, a
certidão da mesma faz prova plena da data em que as partes compareceram perante o
notário, da identidade das mesmas verificada pelo notário, e daquilo que foi dito perante o
notário (por exemplo, o primeiro outorgante declara que vende ao segundo, que declara
comprar o terreno X, pelo preço de Y, que o segundo outorgante já pagou ao primeiro). O que
se tem por provado, de forma plena, é que as pessoas em causa produziram as aludidas
declarações, uma vez que o fizeram na presença do notário e este certifica que as mesmas
foram produzidas. Mas já não faz prova que efetivamente o preço tenha sido pago, por
exemplo.502 Pode ocorrer que embora o vendedor diga que já recebeu o preço efetivamente
não ter recebido.503 Assim, relativamente à matéria certificada pelo funcionário ou oficial
público a força probatório do documento só pode ser afastada (ilidida) mediante o incidente
de falsidade (art. 581º, nº 1, do CPC). O documento é falso, quando nele se atesta como tendo
sido objeto da perceção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se
não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer ato que na
realidade o não foi (art. 581º, nº 2, do CPC). Ou seja, o funcionário ou oficial público atestam
que presenciaram um facto que não presenciaram, atestam faltando à verdade, falsamente. O
que o documento diz que se passou, não ocorreu de facto.504 Importa lembrar que quando a
lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular,
não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja
de força probatória superior, a menos que resulte claramente da lei que o documento é
exigido apenas para prova da declaração (art. 578º do CPC). 505 A declaração negocial que
careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente
prevista na lei (art. 211º do Código Civil). São igualmente nulas as estipulações verbais
acessórias anteriores ao documento legalmente exigido para a declaração negocial, ou 501
Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 364, e Varela, Bezerra e Nora,
Manual de Processo Civil, págs. 520-522. 502 Salvo se o pagamento tiver sido feito perante o
notário (Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 555). 503 Veja-se
Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, págs. 365-366. 504 Veja-se Reis,
Código de Processo Civil Anotado, volume III, 2012, pág. 391. 505 Conforme referido supra, no
primeiro caso trata-se de situações em que a lei substantiva, impõe a observância para certos
actos de formalidades ad substanciam, no segundo as formalidades são apenas ad
probationem. 199 contemporâneas dele, salvo quando a razão determinante da forma lhes
não seja aplicável e se prove que correspondem à vontade do autor da declaração (art. 212º,
nº 1, do Código Civil). O incidente de falsidade será deduzido nos termos previstos nos arts.
613º a 619º do CPC. Mas, se a falsidade for evidente em face dos sinais exteriores do
documento, pode o tribunal, oficiosamente declará-lo falso (art. 582º, nº 3, do CPC). A prova
da falsidade é materialmente a prova do contrário.506 Já quanto à matéria que o documento
não prova plenamente basta a parte, ou seja da verdade das declarações feitas perante o
notário, por exemplo, basta a prova do contrário do que nele consta (art. 515º do CPC).507 Os
documentos autenticados têm a mesma força probatória dos documentos autênticos, mas não
os substituem quando a lei exija documento desta natureza para a validade do ato (art. 587º
do CPC). Ou seja, se a lei exigir documento autêntico para a existência ou prova de certo ato
ou negócio, o documento autenticado não pode ser utilizado.508 Assim, fazem prova plena
quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nos mesmos termos dos documentos
autênticos, pelo que também só podem ser impugnados mediante o incidente de falsidade
(art. 582º, nº 3, do CPC). O mesmo acontece relativamente aos documentos particulares,
desde que a assinatura não seja impugnada nos termos do art. 584º, nº 1, do CPC. Já se a parte
invocar que a assinatura não lhe pertence, ou que desconhece se a mesma é verdadeira (neste
caso desde que não seja assinatura que lhe seja imputada), terá a parte que apresenta o
documento que provar a genuinidade do mesmo (art. 584º, nº 2, do CPC).509 6.5.2. Produção
da prova documental Os documentos devem ser apresentados com o articulado em que se
aleguem os factos 506 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 223. 507 Marques,
Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 555. 508 Baptista, Processo Civil I, 2006,
pág. 440. 509 Se a parte que apresenta o documento imputa à outra parte a autoria ou
assinatura de um documento, não pode esta dizer que desconhece se a mesma é verdadeira,
por se tratar de facto pessoal, conforme art. 370º, nº 3, do CPC. 200 correspondentes (art.
595º, nº 1, do CPC). Porém, a parte pode proceder à sua apresentação até ao encerramento da
discussão em primeira instância (ou seja, até ao início dos debates, ou alegações sobre a
matéria de facto), sujeitando-se a parte à multa respetiva, salvo se justificar a apresentação
tardia (art. 595º, nº 1, do CPC). O limite temporal previsto justifica-se porquanto é essa a
última oportunidade que a parte contrária tem para se poder pronunciar sobre o
documento.510 Tratando-se de prova pré-constituída, a proposição, admissão, produção e
assunção da prova fazem-se no mesmo momento, o da junção do documento.511 Se o
documento for junto com os articulados, a parte contrária pode opor-se à sua admissibilidade
ou impugnara o mesmo, ou deduzir incidente de falsidade do mesmo, no articulado seguinte,
de resposta (art. 598º do CPC). Se o documento foi junto com o último articulado, ou
posteriormente, a parte contrária deve pronunciar-se no prazo de dez dias, a contar da
notificação da junção do documento, que deve ser efetuada oficiosamente pela secretaria,
com cópia do documento (arts. 598º e 118º, nº 2, 119º e 191º, nº 3, do CPC). Em obediência
ao princípio do dispositivo, a parte deve ter sempre a possibilidade de se pronunciar sobre
qualquer documento junto aos autos, seja relativamente à sua admissibilidade, seja em
relação ao seu conteúdo, podendo, obviamente, suscitar o incidente de falsidade do
mesmo.512 Se a junção ocorrer já durante a audiência de julgamento, ou em outra diligência,
a parte contrária deve pronunciar-se imediatamente (art. 598º do CPC). Embora a lei não o
refira expressamente, afigura-se que a parte pode não prescindir (ou solicitar), que lhe seja
concedido o prazo geral de dez dias para poder estudar o documento e pronunciar-se sobre
ele. Neste caso deve suspender-se a diligência para que a parte possa usufruir de tal
direito.513 510 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág.
456. 511 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 529, e Marques, Acção
Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 555. 512 Marques, Acção Declarativa à Luz do
Código Revisto, 2009, pág. 558. Não é, contudo, pacífico que a parte possa pronunciar-se
relativamente ao conteúdo do documento (Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil
Anotado, vol. II, 2008, pág. 460). 513 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012,
pág. 521. 201 Se a parte pretender utilizar um documento que se encontre em poder da parte
contrária terá que requerer a notificação dela para apresentar o documento, devendo
identificá-lo e indicar, na medida do possível, os factos que, através dele, pretende provar (art.
600º, nº 1, do CPC). Esta exigência visa permitir ao juiz avaliar se o documento tem interesse
ou não para a decisão da causa (art. 600º, nº 2, do CPC). A recusa da apresentação (ou não
apresentação do documento), após a notificação do tribunal, é livremente apreciada pelo juiz,
mas pode importar a inversão do ónus de prova quando essa recusa originar a impossibilidade
de a parte requerente fazer a prova do facto que pretende provar com o documento (art. 601º
do CPC).514 Se o documento estiver em poder de terceiro, a parte requererá que o possuidor
seja notificado para o entregar na secretaria, dentro do prazo que for fixado (art. 603º do CPC).
Se este não entregar os documentos e não justificar a falta, o tribunal pode ordenar a
apreensão do documento e condenar o notificado em multa (art. 604º do CPC). Incumbe ao
tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações,
pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários
ao esclarecimento da verdade (art. 606º, nº 1, do CPC). Estendo que esta solução deve ficar
reservada para as situações em que as próprias partes tenham dificuldade em obter por si os
referidos documentos. 6.6. Prova por inspeção A prova por inspeção tem por fim a perceção
direta de factos pelo tribunal da causa (art. 623º do CPC). Para tanto, o art. 624º, nº 1, do CPC
prevê a possibilidade de o tribunal inspecionar coisas ou pessoas, bem como a deslocação ao
local da questão e a reconstituição dos factos. Neste meio de prova não há intermediários
entre o tribunal e os factos a provar, que são verificados diretamente pelo juiz que os observa,
daí que se trate de um meio de prova direta.515 514 Marques, Acção Declarativa à Luz do
Código Revisto, 2009, pág. 559. 515 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 602,
e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código 202 Esta diligência probatória pode ser
requerida pelas partes ou ordenada oficiosamente pelo tribunal. As partes são admitidas a
participar na inspeção, devendo ser notificadas do dia e hora respetivos, podendo prestar
esclarecimentos ao tribunal ou alertá-lo para factos que interessem à decisão da causa (art.
625º do CPC). O juiz pode designar um técnico para acompanhar o tribunal, a fim de ajudar a
perceber melhor a situação (art. 626º, nº 1, do CPC). Por exemplo, um médico, se a inspeção
se destinar a comprovar lesões físicas sofridas por uma pessoa. Da inspeção deve ser lavrado
um auto, no qual se registem todos os elementos úteis para o exame e decisão da causa (art.
627º do CPC). Esta diligência de prova só tem lugar quando o juiz a julgue conveniente (art.
624º, nº 1, do CPC). A decisão da sua realização é, portanto, um poder discricionário do juiz
(art. 121º, nº 4, do CPC),516 mas a recusa de realização de inspeção solicitada por uma das
partes deve ser fundamentada, sob pena de nulidade, se a omissão da diligência puder influir
na decisão da causa (arts. 123º, nº 1, e 163º, nº 1, do CPC).517 6.7. Prova pericial A prova
pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de perito, quando sejam
necessários conhecimentos especiais que o julgador não possua, ou quando os factos, relativos
a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial (art. 629º do CPC). A prova pericial visa
percecionar os factos através de pessoas (peritos) especialmente qualificadas (por via da
experiência ou por via de aptidões académicas, ou de ambas), com especiais conhecimentos
científicos ou técnicos, que se revelem necessários para a prova dos factos em discussão,
pessoas que irão usar os seus conhecimentos científicos e experiência (que para aquela
questão concreta o juiz não tem) para analisarem os factos.518 Revisto, 2009, pág. 562, e
Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 445. 516 Para Lebre de Freitas é duvidoso que a admissão
ou recusa da inspeção esteja no poder discricionário do juiz Freitas, Machado e Pinto, Código
de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 559). 517 Marques, Acção Declarativa à Luz do
Código Revisto, 2009, pág. 562. 518 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 226, e
Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 559. 203 A prova pericial pode
resultar de requerimento das partes ou de determinação oficiosa do tribunal (art. 631º do
CPC). Quando requeira a perícia, a parte deve indicar logo, sob pena de rejeição, o respetivo
objeto, enunciando as questões de facto que pretenda ver esclarecidas com este meio de
prova (art. 638º, nº 1, do CPC). A perícia pode reportar-se tanto aos factos alegados pelo
requerente, como aos alegados pela parte contrária (art. 638º, nº 2, do CPC). 519 Se não for
liminarmente indeferido o requerido, por se considerar impertinente ou dilatório, A parte
contrária é notificada para se pronunciar (no prazo geral de dez dias) sobre o objeto proposto
pelo requerente, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição (art.
639º, nº 1, do CPC). O objeto da perícia será fixado pelo juiz, em função da posição das partes,
no despacho em que ordene a realização da diligência, indeferindo as questões suscitadas
pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que
considere necessárias ao apuramento da verdade (art. 639º, nº 2, do CPC). 520 Sendo
determinada oficiosamente, o despacho respetivo fixa também o objeto da perícia (art. 640º
do CPC). Nos termos do art. 630º, nº 1, do CPC, a perícia é requisitada pelo tribunal a
entidades competentes para o efeito, ou, quando tal não seja possível ou conveniente, a
perícia é realizada por um único perito, nomeado pelo juiz da causa. A nomeação deve ser
precedida da possibilidade de as partes se pronunciarem sobre a pessoa do perito.521 A
perícia será colegial, isto é, realizada por três peritos, um nomeado pelo tribunal e os outros
dois indicados pelas partes, a menos que haja acordo das partes quanto aos peritos (art. 631º,
nº 2, do CPC), quando o juiz o determine oficiosamente ou alguma das partes o requeira (art.
631º, nº 1, do CPC). A parte que requereu a perícia não pode desistir dela sem a concordância
da parte contrária (art. 637º do CPC). A anuência tem de ser expressa, não se podendo
considerar que a parte contrária aceita a desistência do simples facto de nada requerer depois
de ser notificada do 519 Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág.
195. 520 Veja-se Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 585. 521 Freitas,
Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 524-525. 204
requerimento de desistência.522 Assim, para evitar a circunstância de a parte nada disser,
embora aceite a desistência, deve ser notificada com a cominação de que, se nada disser, se
considera que aceita a desistência. Caso contrário, o silêncio da parte deve conduzir à não
admissão da desistência e consequente realização da diligência.523 A perícia tem início em
data e local designados pelo juiz e os peritos, após a prestação do respetivo compromisso,
procedem à inspeção e averiguações necessárias à elaboração do relatório pericial (arts. 641º
a 652º do CPC). 524 Quando a perícia não possa logo encerrar-se com a imediata apresentação
do relatório pericial, o juiz fixa o prazo dentro do qual a diligência há-de ficar concluída, que
não excederá trinta dias (art. 646º, nº 1, do CPC). A perícia finda com a apresentação do
relatório pericial (art. 647º do CPC). As partes podem apresentar reclamações (art. 648º do
CPC). Os peritos comparecerão em julgamento para prestarem os esclarecimentos que o
tribunal ou as partes entenderem pertinentes sobre a perícia, por iniciativa do juiz ou a pedido
de qualquer das partes (art. 649º, nº 1, do CPC). Neste caso o prazo para requerer a presença
dos peritos em audiência será de dez dias após a notificação da perícia, ou após a notificação
das respostas às reclamações, uma vez que só então se poderá aferir de tal necessidade.525 7.
Valoração da prova 7.1. Prova livre; presunções judiciais; da convicção do julgador Nos termos
do art. 403º, nº 1, do CPC, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo
a sua prudente convicção acerca de cada facto. Ou seja, a regra consagrada no direito
processual civil, em vários lugares bastante 522 Reis, Código de Processo Civil Anotado,
volume IV, 2012, pág. 192. 523 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado,
vol. II, 2008, págs. 535-536. 524 Sobre o procedimento probatório da perícia veja-se Varela,
Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 585- 601. 525 Lebre de Freitas entende mesmo
que o requerimento possa ser apresentado até ao momento em que tribunal proceda às
notificações para comparência na audiência final (Freitas, Machado e Pinto, Código de
Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 552). 205 significativos do sistema, relativamente à
apreciação e graduação (do valor) dos diferentes meios de prova, é a da prova livre. 526 As
provas são apreciadas livremente, sem qualquer hierarquização, ou vinculação para o tribunal,
de acordo com a convicção que geram realmente no espírito do julgador acerca da existência
do facto.527 Ficando na dúvida, o julgador decidirá, por força do imperativo legal que lhe não
permite abster-se de julgar com base no non liquet, contra a parte a quem cabe o ónus da
prova do facto.528 O mesmo princípio aparece repetido, no art. 503º do CPC e, vezes
sucessivas, em relação a alguns meios específicos de prova, como sejam, por exemplo, a prova
pericial, no art. 622º do CPC, por inspeção judicial, no art. 628º do CPC, ou por meio de
testemunhas, no art. 552º do CPC. Significa-se aqui que o julgador deve decidir a matéria de
facto da causa segundo a sua íntima convicção, formada no confronto dos vários meios de
prova. A ele cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com
as impressões recém-recolhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu
espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis.529 Neste campo, são
essas, as máximas da experiência, que permitem avançar no iter probatório, deduzindo um
facto de outro, mediante as já analisadas presunções judiciais. No dizer de Alberto dos Reis,
“Prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua
prudência sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela
lei”.530 Portanto, não se confunde com decisão arbitrária. 7.2. Prova legal ou tarifada: prova
documental e prova por confissão Por contraponto à prova livre, embora sendo exceção,
existem casos em que a lei impõe a conclusão a tirar de certo meio de prova. Neste caso, se o
valor probatório é fixado por lei e, 526 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág.
470. 527 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 569. 528 Varela,
Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 471. 529 Freitas, Machado e Pinto, Código de
Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 668. 530 Reis, Código de Processo Civil Anotado,
volume IV, 2012, pág. 570. 206 como tal, é imposto ao julgador, fala-se em prova legal ou
tarifada. 531 Têm o valor probatório fixado na lei os documentos escritos, autênticos (art.
581º, nº 1, do CPC) ou particulares (art. 586º, nº 1, do CPC), e a confissão escrita, seja feita em
juízo (art. 537º, nº 1, do CPC), seja feita em documento autêntico ou particular, mas neste caso
só quando dirigida à parte contrária ou a quem a represente (art. 537º, nº 2, do CPC). Mas já
se, quer o documento, quer a confissão, não reunirem os requisitos exigidos para ter força
probatória legal, ficam sujeitos à regra da livre apreciação (arts. 538º e 580º do CPC). Em regra,
a prova legal pode ser contrariada por meio de prova de que resulte ser falso o facto objeto da
prova, a chamada prova do contrário (art. 515º do CPC); pelo que dela resulta então apenas a
inversão do ónus da prova, que passa a caber à parte que inicialmente não estava com ele
onerada (art. 512º, nº 1, do CPC). A prova diz-se então plena. 532 Mas o valor legal do meio de
prova é, em certos casos, insuscetível de ser destruído. A prova diz-se então pleníssima (art.
518º, nº 2, do CPC). É o caso das presunções inilidíveis.533 É prova bastante a que cede
mediante simples contraprova.534 Outro tipo de exceção ao princípio da livre apreciação da
prova é constituído pela imposição legal, direta ou indireta, de que a prova de determinado
facto se faça por certo meio probatório, normalmente documental. A imposição é direta
quando a lei exige o meio apenas para a prova do facto. É indireta quando a lei exige um
documento, autêntico ou particular, como forma da declaração negocial.535 A distinção entre
meio de prova legal e meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador leva a uma
repartição de funções entre o juiz da matéria de facto e o juiz que profere a sentença. A este
cabe conhecer dos meios de prova legal (nomeadamente a admissão, a confissão e o
documento). Àquele cabe conhecer dos meios de prova livre; tanto assim que, se se
pronunciar 531 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 569. 532
Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 668, e
Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 567. 533 Freitas, Machado e
Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 669, e Marques, Acção Declarativa
à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 568. 534 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil,
pág. 472, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 567. 535 Freitas,
Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 669. 207 sobre factos
que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, as
respostas que der, tal como as que incidirem sobre questões de direito, são nulas, têm-se por
não escritas (art. 395º, nº 3, do CPC). 536 7.3. Prova pericial Ao invés do que, numa primeira
aproximação, poderia transparecer, a prova pericial é sempre livremente apreciada pelo
tribunal, juntamente com as restantes provas que forem produzidas sobre os factos que dela
são objeto (art. 628º do CPC). Pese a sua natureza, a lei fugiu aqui a tarifar o valor do resultado
da perícia. E mais até: prevenindo a existência de uma segunda perícia, sobre os mesmos
factos (arts. 650º a 652º do CPC), destinada esta a corrigir a eventual inexatidão dos resultados
desta (art. 650º, nº 3, do CPC), nem aí se optou por um resultado pericial tarifado. Não tem de
haver qualquer prevalência dos resultados da segunda perícia sobre os da primeira e os
resultados de ambas são valorados sempre segundo a livre convicção do julgador (art. 652º do
CPC). 537 536 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs.
668 537 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 583, e Marques, Acção
Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 560. 208 209 Secção IV – Discussão e
julgamento 1. Audiência de discussão e julgamento 1.1. Noções gerais A audiência final
destina-se a habilitar o tribunal a proferir a sentença final.538 A fase de julgamento final (ou a
audiência final) não se confunde com a discussão da causa que nela tem lugar,539 mas
compreende igualmente a produção da prova constituenda, que possa ser produzida em
audiência.540 Só se produz anteriormente a prova que não possa ser produzida em
audiência.541 Por outro lado, as provas constituídas, que já constam do processo, não
deixarão também de ser valoradas pelo tribunal. Assim, por exemplo, em princípio produz-se
em audiência o depoimento das testemunhas (art. 555º, nº 1, do CPC), os esclarecimentos dos
peritos (art. 649º, nº 1, do CPC), o depoimento de parte (art. 528º do CPC). Ou seja, a
audiência final é ainda o lugar próprio para a instrução do processo. A discussão da causa
inicia-se com o fim da instrução (depois da produção de toda a prova) e consiste na apreciação
crítica da prova feita pelas partes (através dos seu mandatários) sobre a matéria de facto que
interessa à decisão da causa. E termina a discussão com a decisão do tribunal sobre a mesma
matéria de facto (que consta do questionário).542 Para Alberto dos Reis, a discussão consiste
nos debates ou alegações orais dos advogados, e o julgamento será a resposta do tribunal aos
quesitos (que fixa a matéria de facto provada.543 A fase de instrução (produção de prova) na
audiência final é sempre oral e deve decorrer de 538 Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 28-
29. 539 Veja-se Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 631-632. 540 Marques,
Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 590. 541 Mendes, Direito Processual
Civil, vol. III, 1980, pág. 249. 542 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 631-
632 e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 593. 543 Reis, Código de
Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 490. 210 forma pública e contínua.544 Segundo
Lebre de Freitas, ‘na audiência final reúnem-se o tribunal, as partes e os intervenientes
acidentais necessários à produção da prova e à ajuda técnica ao tribunal e às partes para, com
imediação, oral e concentradamente, se realizar a finalidade do apuramento, pelo juiz mas
após contraditório, da matéria de facto indispensável à posterior decisão de mérito da
causa”.545 1.2. Formalidades iniciais Nos termos do art. 396º, nº 1, do CPC, tendo-se
procedido ao saneamento e instrução do processo nos termos regulados na última secção do
capítulo anterior, recebidas as cartas precatórias e rogatórias ou esgotado prazo para o seu
cumprimento e produzida a prova antecipada, o juiz designa hora e dia para realizar a
audiência de julgamento. Nada impede que o juiz marque a audiência de julgamento antes de
ser produzida a prova a produzir antes da diligência, calculando com o rigor possível o prazo
que demora a realização da mesma, mas corre-se sempre o risco de adiamento ou suspensão
da audiência se tal prova não for produzida antes da data designada. Conforme salienta
Antunes Varela, a primeira formalidade consiste na possibilidade de os mandatários judiciais
das partes consultarem e estudarem o processo, nos termos dos arts. 132º, nº 2 e 3, e 134º, nº
1, do CPC.546 O despacho que designa hora e dia para realizar a audiência de julgamento é
notificado aos mandatários das partes e aos demais intervenientes processuais que devam
comparecer em audiência (art. 396º, nº 1, do CPC). Seguidamente, se o julgamento for da
competência do tribunal coletivo o processo vai com vista, por cinco dias, a cada um dos juízes
adjuntos, salvo se o juiz da causa o julgar dispensável em atenção à simplicidade da causa (art.
396º, nº 1, do CPC). Havendo intervenção do tribunal coletivo, para além do juiz da causa, que
preside, haverá a intervenção de mais dois juízes (juízes adjuntos, pelo que se impõe que os
mesmos tenham contacto com o processo a fim de estudarem 544 Sobre os princípios
relativos à audiência e produção da prova veja-se o Capítulo I, parágrafo 6.13. 545 Freitas,
Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 633. 546 Varela, Bezerra
e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 639. 211 a questão, antes da realização da audiência
final.547 A discussão e julgamento da causa são feitos com intervenção do tribunal coletivo
quando o valor da causa seja igual ou superior a cinco mil (arts. 395º, nº 1, e 51º, nº 1, do CPC),
ou nos casos em que o valor da ação seja superior ou igual a dois mil e quinhentos dólares
americanos, mas inferior a cinco mil dólares americanos, qualquer das partes o requeira, no
prazo de quinze dias após notificação do despacho contendo a especificação e questionário
(arts. 395º, nº 1, 51º, nº 2, e 389º do CPC). Nas restantes situações, o julgamento é da
competência do juiz singular (arts. 395º, nº 1, e 51º, nº 3, do CPC). Nos termos do art. 395º, nº
2, do CPC, se as questões de facto forem julgadas pelo juiz singular quando o devam ser pelo
tribunal coletivo, será anulado o julgamento. Segundo Alberto dos Reis esta nulidade é de
conhecimento oficioso, devendo ser declarada em qualquer estado da causa, mesmo em sede
de recurso e ainda que decorridos os prazo da respetiva arguição, “A todo o tempo, enquanto
a sentença não transitar em julgado, é claro”.548 Aplica-se, portanto o mesmo regime da
incompetência absoluta do tribunal (art. 70º do CPC).549 Neste caso fica sem efeito a
produção de toda a prova na audiência de julgamento e, obviamente, a decisão sobre a
matéria de facto e a sentença, havendo que repetir todo o julgamento. Segundo Antunes
Varela, “A anulação do julgamento será, em princípio, decretada pelo tribunal superior, em via
de recurso, mas nada obsta a que seja aplicada ex officio ou a requerimento das partes, no
tribunal de primeira instância, até ser proferida a sentença”.550 Já no caso inverso, ou seja, de
julgamento pelo tribunal coletivo de causa que devesse ser julgada por juiz singular, a nulidade
terá que ser arguida por uma das partes, no prazo previsto no art. 167º, nº 1, do CPC. Se não
for arguida a nulidade, deve manter-se o julgamento realizado pelo tribunal coletivo.551
Porém, segundo o acórdão do Tribunal de Recurso de 28-6-2012, “nos processos de jurisdição
voluntária, como sejam os processos de adoção ou de regulação do poder paternal, não 547
Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, págs. 641-642. 548
Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 497. 549 Veja-se igualmente
Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 595. 550 Varela, Bezerra e
Nora, Manual de Processo Civil, págs. 649. 551 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume
IV, 2012, pág. 497. 212 é obrigatória a intervenção do tribunal coletivo, não se verificando a
nulidade prevista no art. 395º, nº 2, nos casos em que tal intervenção seja preterida”.552
Justificando a decisão escreveu-se neste acórdão: “Efetivamente, num processo de jurisdição
voluntária, como é o presente, não há verdadeiramente uma discussão e julgamento, mas
apenas diligências de produção de prova, que podem incluir a inquirição de testemunhas.
Nomeadamente não haverá lugar à elaboração de especificação e questionário e discussão
prévia do litígio, ou seja, não há, ou não tem que haver, uma audiência de discussão e
julgamento, mas apenas diligência de produção de prova.553 Ora, não havendo um litígio que
imponha a discussão e julgamento da causa, também não tem aqui aplicação o disposto no art.
395º, nº 2, do CPC”. 554 No despacho que designa a data e hora para a audiência, pode o juiz
requisitar ou indicar um técnico pessoa competente que assista à audiência final e aí preste os
esclarecimentos necessários, quando a matéria de facto suscite dificuldades de natureza
técnica cuja solução dependa de conhecimentos especiais que o tribunal não possua (art. 397º
do CPC). O técnico aqui em causa não é um perito que tenha sido incumbido de uma perícia e
que sobre ela deva prestar esclarecimentos em audiência, nos termos do art. 649º, nº 1, do
CPC. Aqui trata-se de um auxiliar do juiz para o ajudar, quer nos atos de produção da prova,
quer na discussão da causa.555 As partes são notificadas do despacho que designa o técnico,
podendo opor impedimento ou suspeições do mesmo, nas mesmas condições em que é
admissível suscitar o impedimento dos juízes, nos arts. 87º e 92º do CPC, com as devidas
adaptações (arts. 697º, nº 2, e 633º, nº 1, do CPC).556 552 Processo nº 06/Cível/ 2012/TR, já
referido supra. Sobre a questão veja-se o Capítulo I, parágrafo 4. 553 Por exemplo, nas
providências cautelares a produção de prova também decorre sempre perante juiz singular,
independentemente do valor da causa, embora a lei nada refira sobre o assunto. Isso acontece
porque se entende que não se realiza uma audiência de discussão, mas apenas uma diligência
de produção de prova. 554 Alberto dos Reis, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 85,
Coimbra: Coimbra Editora, págs. 3 e 17, e Alberto Baltazar Coelho, Atribuições do tribunal
colectivo no julgamento da matéria de facto nas acções cíveis, na Colectânea de Jurisprudência
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, tomo 1º, Coimbra: Casa do Juiz, 1994,
páginas 5 e seguintes, ambos citados no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal
de 12-3-1996, processo 088283, relator Machado Soares, acessível em www.dgsi.pt/jstj (todos
citados no acórdão do Tribunal de Recurso de 28-6-2012). De facto, o juiz não declara um
direito do autor em face do réu (José Maria Rosa Tesheiner, loc. cit., pág. 44). 555 Freitas,
Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 643. 556 Reis, Código de
Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 508-509. 213 1.3. Registo da prova produzida
em audiência Nos termos do art. 509º, nº 1, do CPC, as audiências finais e os depoimentos,
informações e esclarecimentos nelas prestados são gravados por meios audiovisuais ou outros
meios técnicos semelhantes e de que se possa dispor, quando o tribunal oficiosamente o
determinar e sempre que alguma parte o requeira, até ao termo do prazo a que alude o artigo
389º do CPC. Conforme se referido supra,557 este prazo de quinze dias após a notificação do
despacho saneador é um prazo perentório, nos termos definidos no art. 110º, nº 3, do CPC.
558 Assim, uma vez decorrido o mesmo, ficam as partes impedidas de praticar o ato
posteriormente.559 Assim, a gravação da prova só terá lugar se alguma das partes o solicitar,
no aludido prazo do art. 389º do CPC, a menos que o tribunal o decida oficiosamente.560 Fora
desse prazo, ainda poderá ser requerida a gravação da prova, nos casos previstos no art. 560º,
nº 2, do CPC.561 A gravação é efetuada, em regra, por sistema sonoro, sem prejuízo do uso de
meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes (art. 509º, nº 2, do CPC), mas
quando não existirem meios técnicos adequados à gravação a documentação dos depoimentos
far-se-á por escrito (art. 509º, nº 4, do CPC). O registo da prova tem a utilidade de permitir ao
tribunal, em caso de dúvida no momento da decisão da matéria de facto, a reconstituição do
conteúdo do ato de produção da prova e, fundamentalmente, a função de permitir às partes o
recurso dessa decisão, que de outro modo escaparia ao controlo do tribunal de recurso.562 2.
A audiência 557 Capítulo III, Secção II, parágrafo 3.5. 558 Acórdão do Tribunal de Recurso de
15-1-2013, processo nº 12/Cível/2012/TR. 559 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume
III, 2012, pág. 235, e Almeida, Direito Processual Civil, volume I, 2010, pág. 479. 560 Freitas,
Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 417. 561 Veja-se o
parágrafo 2.1. a seguir. 562 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado,
volume II, 2008, pág. 453, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs.
597-599. 214 2.1. Atos preliminares (adiamento) Nos termos do art. 399º, nº 1, do CPC, feita a
chamada das pessoas que tenham sido convocadas, a audiência é aberta. Alguns autores
apontam como ato inicial da audiência a constituição do tribunal coletivo, quando este tenha
intervenção.563 Porém, conforme resulta da redação do art. 399º, nº 1, do CPC, deve
entender-se como primeiro ato da audiência a chamada das pessoas convocadas,564 até
porque esta deve ocorrer na hora e dia designados para a audiência por iniciativa oficiosa da
secretaria (art. 126º, nº 1 e 2, do CPC). Após efetuada a chama procede-se à constituição do
tribunal coletivo (art. 399º, nº 1, do CPC). Determina ainda o art. 399º, nº 1, do CPC que a
audiência é adiada: a) Se não for possível constituir o tribunal coletivo; b) Se faltar alguma
pessoa que tenha sido convocada e de que se não prescinda ou se tiver sido oferecido
documento que a parte contrária não possa examinar no próprio ato, mesmo com suspensão
dos trabalhos por algum tempo, e o tribunal entenda que há grave inconveniente em que a
audiência prossiga sem a presença dessa pessoa ou sem resposta sobre o documento
oferecido; c) Se faltar algum dos advogados, o que será comunicado ao mandante para que,
sentindo-se lesado, participe, querendo, à Ordem dos Advogados. Impossibilidade de
constituição do coletivo. Como é óbvio, se não for possível constituir o tribunal coletivo, por
falta inesperada de um juiz, o julgamento terá de ser adiado. Esta falta tem que ser
inesperada,565 uma vez que se for previsível a impossibilidade o adiamento deve ser efetuado
antecipadamente, por despacho, a fim de evitar a deslocação dos intervenientes ao tribunal.
Por outro lado, só se verifica efetivamente a impossibilidade de constituição do coletivo se não
for possível a intervenção do juiz substituto do ausente, designadamente por não haver mais
juízes no tribunal ou por este estar impedido num outro julgamento mais urgente. Fora destes
563 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 250, e Baptista, Processo Civil I, 2006,
pág. 455. 564 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 516-517. 565
Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 517. 215 casos o juiz substituto
não pode recusar integrar o tribunal coletivo. Se for necessário, pela sua complexidade,
suspende-se momentaneamente o início da audiência a fim de o juiz substituto poder ter vista
dos autos. Falta de alguma pessoa que tenha sido convocada. As pessoas aqui em causa são as
próprias partes, as testemunhas, os peritos, técnicos, etc.. Não se refere aos advogados, que
têm previsão especial na alínea c),566 nem se refere à parte convocada apenas para a
tentativa de conciliação. Ou seja, só inclui a parte que tenha de prestar depoimento de parte.
567 Se a parte foi notificada para comparecer apenas para uma tentativa de conciliação não
pode haver adiamento da audiência (art. 385º, nº 4, do CPC).568 Se o mandatário que arrolou
a testemunha, requereu o depoimento de parte, ou de perito, etc., não prescindir do
depoimento, ou seja, da presença da pessoa faltosa, haverá adiamento da audiência, mas
apenas se o tribunal entender que há grave inconveniente em que a audiência prossiga sem a
presença dessa pessoa. Se a parte prescindir da diligência solicitada (por exemplo, do
depoimento de uma testemunha, ou, como é comum dizer, prescindir da testemunha), não há
obviamente adiamento. Isto acontece quando a parte tem interesse na realização imediata do
julgamento e entende que o depoimento da testemunha faltosa não é fundamental para a sua
pretensão. Caso não prescinda ainda poderá iniciar-se o julgamento, sendo ouvidas as
testemunhas que estiverem presentes, mesmo que tal implique alteração da ordem em que
estiverem mencionados no rol (art. 560º, nº 2, do CPC). Neste caso qualquer das partes
requerer podendo a gravação da inquirição, embora já fora do prazo do art. 389º do CPC.
Porém, a parte pode solicitar que não se proceda de acordo com o disposto no art. 560º, nº 2,
do CPC, quando justifique fundadamente que existe inconveniente em que se proceda à
alteração da ordem do rol. Por qualquer motivo sério, pode ser importante para a defesa da
posição da parte, que a testemunha faltosa seja ouvida pela ordem que conta do rol, ou seja,
antes das outras. 566 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 517. 567
Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 653. 568
Embora a parte faltosa devidamente notificada deva ser condenada em multa (arts. 221º e
506º, nº 2, do CPC). 216 Caberá ao juiz presidente analisar a justificação apresentada e adiar a
audiência aceitando-a. 569 O adiamento por falta de testemunha só ocorrerá se a mesma foi
notificada para comparecer, se a parte se comprometeu a apresentá-la na audiência, a sua
falta não justifica o adiamento.570 A testemunha faltosa, bem como outro interveniente
processual, será condenada em multa (arts. 506º, nº 2, e 560º, nº 4, do CPC), podendo ainda o
juiz ordenar que a testemunha que tenha faltado sem justificação compareça sob custódia
(art. 560º, nº 4, do CPC). Claro que nenhuma destas sanções se aplica se a testemunha (ou
qualquer outro interveniente processual) justificar a falta no prazo legal de cinco dias (art.
399º, nº 4, do CPC). 571 Assim, se o juiz condenar imediatamente o faltoso em multa, ou
ordenar a sua condução sob custódia, deverá condicionar a sanção à falta de justificação da
falta (condeno a testemunha na multa de X, se não justificar a falta no prazo legal de dez dias),
ficando sem efeito a sanção se a testemunha justificar validamente a falta (ou seja, se o juiz
aceitar a justificação). Não há qualquer sanção se o adiamento não foi determinado pelo
faltoso. Por exemplo, falta uma testemunha, regularmente notificada, mas o julgamento é
adiado por impossibilidade de constituição do coletivo, ou porque falta uma parte que tem
que prestar depoimento de parte, ou falta um advogado. Não se afigura duvidoso que se pode
usar do mecanismo previsto no art. 560º, nº 2, do CPC, relativamente ao depoimento dos
peritos e técnicos, ou outros intervenientes que não sejam parte. Pode, pois, ouvir-se o
depoimento das testemunhas deixando para dia posterior a inquirição de um perito faltoso. Já
quanto à falta de uma parte que tenha que prestar depoimento de parte, é mais discutível que
se possa iniciar a audiência sem a sua presença, atenta a especial função do depoimento de
parte (de confissão dos factos).572 Entende-se, porém, que o adiamento ou início do
julgamento deverá, ainda aqui, ser decidido pelo juiz, ponderados os interesses em causa (art.
400º, nº 7, do 569 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 520. 570 Reis,
Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 518. 571 Art. 119º, nº 1, do CPC. 572
Veja-se o Capítulo III, Secção III, parágrafo 6.3. 217 CPC). 573 Junção de documentos. O
julgamento será ainda adiado se alguma das partes tiver sido oferecido documento que a
parte contrária não possa examinar no próprio ato, mesmo com suspensão dos trabalhos por
algum tempo, e o tribunal entenda que há grave inconveniente em que a audiência prossiga
sem resposta sobre o documento oferecido. Como se viu,574 a parte pode proceder à
apresentação de documentos até ao encerramento da discussão em primeira instância, ou
seja, até ao início dos debates, ou alegações sobre a matéria de facto (art. 595º, nº 2, do CPC).
Ou seja, a parte pode apresentar documentos depois de produzida toda a restante prova e
imediatamente antes das alegações finais.575 Ora, apresentado um documento fora dos
articulados, nomeadamente em audiência de julgamento, a sua apresentação será notificada à
parte contrária para se poder pronunciar sobre o mesmo (art. 598º do CPC). Se a junção
ocorrer já durante a audiência de julgamento, ou em outra diligência, a parte contrária deve
pronunciar-se imediatamente, podendo suspender-se momentaneamente os trabalhos para a
parte analisar o documento (art. 598º do CPC). Contudo, como já referido, embora a lei não o
refira expressamente, afigura-se que a parte pode não prescindir (ou solicitar), que lhe seja
concedido o prazo geral de dez dias para poder estudar o documento e pronunciar-se sobre
ele. Neste caso deve suspender-se a diligência para que a parte possa usufruir de tal direito.
Efetivamente existem documentos que, pela sua complexidade, podem exigir algum tempo
para serem devidamente analisados.576 Isto não obriga por si só ao adiamento da diligência,
devendo ouvir-se todas as pessoas presentes e suspendendo-se a audiência para continuar
com as alegações dos advogados para dia posterior ao decurso do referido prazo de dez dias.
Porém, pode haver adiamento se alguma das partes requerer que a audiência seja adiada 573
Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 145-146, e Freitas, Machado e
Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 512. 574 Veja-se o Capítulo III,
Secção III, parágrafo 6.5.2. 575 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág.
522. 576 Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 521. 218
porque pretende confrontar as testemunhas com o documento e, para tanto, terá o
documento que ter sido já admitido e a parte contrária tido a possibilidade de pronunciar-se
sobre o mesmo. Neste caso, mais uma vez, é o juiz quem decide o adiamento, ou não,
ponderadas as razões alegadas pelo advogado no sentido do adiamento.577 Os prazos
referidos na parte final do art. 399º, nº 3, são, obviamente, meramente indicativos. Embora se
deva tentar cumprir os mesmos, há que reconhecer a dificuldade do cumprimento escrupuloso
de tais prazos. Assim, deve a continuação da audiência ser marcada para data o mias próximo
possível dos mesmos. Falta de algum dos advogados. A falta de um advogado é sempre motivo
de um adiamento. Efetivamente, o dispositivo em causa nem obriga o advogado a apresentar
justificação da sua falta. Poderá, porém, que ter de a apresentar em processo que lhe seja
instaurado pela Ordem dos Advogados, se ocorrer participação da parte nos termos da parte
final do art. 399º, nº 1, al. c), do CPC. Não é admissível o acordo das partes para adiar a
audiência (art. 399º, nº 2, do CPC). É, porém, frequente a suspensão da instância nos termos
dos arts. 231º, nº 1, al. c), e 234º, nº 3, do CPC, com consequente adiamento da audiência,
sempre que o juiz se convença da possibilidade séria de as partes chegarem a um acordo para
resolução do litígio e ambas as partes solicitem a suspensão com essa finalidade. Não pode
adiar-se a audiência por mais do que uma vez, exceto no caso de impossibilidade de
constituição do tribunal (art. 399º, nº 2, do CPC). Esta regra aplica-se ainda que quem falte na
segunda data não seja alguma das pessoas que faltou na primeira. Assim, se o julgamento foi
adiado por falta de um advogado e, na segunda data, falta o advogado da outra parte, não há
lugar a adiamento.578 Assim, faltando um dos advogados na data designada após o primeiro
adiamento, procede-se à realização da audiência, sendo as testemunhas arroladas pela parte
cujo advogado faltou 577 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 521.
578 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 523-524. 219 inquiridas pelo
juiz presidente. Neste caso, como o juiz não pode saber o que cada testemunha sabe, deve
inquirir apenas as três primeiras testemunhas do rol a toda a matéria do questionário, a
mesmo que alguma diga que nada sabe sobre determinada matéria, caso em que pode sobre
ela ouvir a testemunha seguinte, depois de consignar isso em ata (art. 564º do CPC). 2.2.
Tentativa de conciliação Nos termos do art. 400º, nº 1 e 2, do CPC, não havendo razões de
adiamento, realizar-se-á a discussão da causa, a qual se inicia com uma tentativa de
conciliação das partes, se a causa estiver no âmbito do seu poder de disposição.579 Ou seja,
aberta a audiência o juiz procurará logo conciliar as partes. Só existe tentativa de conciliação
se o objeto do processo estiver na disponibilidade das partes, caso contrário passa-se
imediatamente para a produção da prova.580 A tentativa de conciliação aplica-se o disposto
no art. 385º do CPC. Porém, contrariamente ao que sucede noutra fase processual, a tentativa
de conciliação é aqui obrigatória (sempre no pressuposto de o objeto do processo estar na
disponibilidade das partes). Porém, as partes não têm que ser notificadas para comparecerem
na audiência de julgamento (art. 396º, nº 2, do CPC), embora o juiz as possa convocar com
essa finalidade. 581 Isto não obsta a que os mandatários possam exprimir a vontade de
conciliação das partes em representação das mesmas, ainda que não estejam munido de
procuração com poderes especiais para transigir, nos termos do art. 253º, nº 3, do CPC.582
Trata-se de um regime especial o da nulidade proveniente da falta de poderes do mandatário
ou da irregularidade do mandato.583 2.3. Produção de prova Gorada a tentativa de
conciliação, ou não havendo lugar a ela, procede-se à produção da prova constituenda a
realizar em audiência, pela seguinte ordem (art. 400º, nº 3, do CPC): a) Prestação dos
depoimentos de parte; b) Exibição de reproduções cinematográficas ou de registos 579 Sobre
a tentativa de conciliação veja-se supra Capítulo III, Secção II, parágrafo 1. 580 Marques, Acção
Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 596. 581 Freitas, Machado e Pinto, Código de
Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 653. 582 Para Lebre de Freitas se as partes não
estiverem pessoalmente presentes, ainda que tenham sido para o efeito convocadas, nem se
fizerem representar por mandatário com poderes especiais para o efeito, não há lugar à
tentativa de conciliação (Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume
II, 2008, pág. 656). 583 Veja-se supra Capítulo III, Secção II, parágrafo 1. 220 fonográficos
podendo o presidente determinar que ela se faça apenas com assistência das partes, dos seus
advogados e das pessoas cuja presença se mostre conveniente; c) Esclarecimentos verbais dos
peritos cuja comparência tenha sido determinada oficiosamente ou a requerimento das
partes; d) Inquirição das testemunhas. Como já se viu anteriormente, o presidente pode, nos
casos em que tal se justifique, alterar a referida ordem de produção de prova (art. 400º, nº 7,
do CPC). Este despacho terá, porém, que ser fundamentado (art. 123º, nº 1, do CPC). a)
Prestação dos depoimentos de parte.584 Sendo requerido o depoimento de ambas as partes
(o autor requer o depoimento de parte do réu e o réu requer o depoimento de parte do
autor), primeiro presta depoimento o réu e depois o autor (art. 530º, nº 1, do CPC). Esclarece
Lebre de Freitas que “A ordem estabelecida, a respeitar apenas em audiência final em que
ambas as partes devam depor, funda-se em que a prova a produzir pelo autor deve anteceder
a que o réu pretenda fazer”.585 Como já se referiu supra,586 o juiz pode alterar a ordem
referida, quando o julgue conveniente para a decisão da causa, por despacho fundamentado
(art. 400º, nº 7, do CPC).587 Se tiverem de depor mais de um autor ou de um réu, não poderão
assistir ao depoimento de qualquer deles os compartes que ainda não tenham deposto (art.
530º, nº 2, do CPC). Antes de ser tomado juramento à parte, o juiz presidente deve fazer sentir
ao depoente a importância moral do juramento que vai prestar e o dever de ser fiel à verdade,
advertindo-o ainda das sanções aplicáveis às falsas declarações (art. 531º, nº 1, do CPC). 588
Justifica-se esta especial advertência, que não é exigida por exemplo para as testemunhas,
dado o interesse pessoal que obviamente a parte tem no desfecho do processo. 584 Sobre o
depoimento de parte veja-se supra Capítulo III, Secção III, parágrafo 6.3. 585 Freitas, Machado
e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 512. Veja-se ainda Reis, Código
de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 145. 586 Presente Capítulo, parágrafo 2.1.
587 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 145-146, e Freitas,
Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 512. 588 As sanções
são as do art. 278º, nº 1, do Código Penal (falsidade de depoimento ou declaração) e 662º, nº
1, do CPC. 221 Seguidamente o depoente presta juramento sendo a fórmula legal a que consta
do art. 531º, nº 2, do CPC (Juro pela minha honra que hei-de dizer toda a verdade e só a
verdade).589 A recusa a prestar juramento implica recusa a depor (art. 531º do CPC), atitude
que será livremente apreciada pelo tribunal para efeitos probatórios (art. 527º, nº 2, do CPC).
O depoente só pode ser interrogado sobre factos pessoais ou de que deva ter conhecimento,
uma vez que só estes pode confessar (art. 523º, nº 1, do CPC) e o seu depoimento só deverá
incidir sobre a matéria do questionário relativamente à qual foi requerido o seu depoimento
(art. 532º do CPC). Os depoimentos de parte de pessoas coletivas são prestados pelos
representantes atuais (à data em que o mesmo é prestado) e não pelos representantes que a
pessoa coletiva tinha na altura dos factos.590 O interrogatório é feito pelo juiz e depoente
deve responder às perguntas de forma clara, podendo, para o efeito, consultar documentos ou
apontamentos de datas ou factos, mas não pode trazer o depoimento escrito (art. 533º do
CPC). Os advogados das partes assistem ao depoimento e podem pedir diretamente
esclarecimentos ao depoente, depois do interrogatório do juiz presidente e dos adjuntos (art.
534º, nº 1, do CPC). Se algum dos advogados entender que a pergunta é inadmissível, pela
forma ou pela substância, pode deduzir a sua oposição, que será logo julgada definitivamente
(art. 534º, nº 2, do CPC). O depoimento prestado perante o tribunal da causa é reduzido a
escrito, na parte que envolva confissão, mesmo que tenha sido gravado (art. 535º, nº 1, do
CPC). b) Exibição de reproduções cinematográficas ou de registos fonográficos. As reproduções
cinematográficas ou de registos fonográficos são documentos. Os documentos não são lidos
ou reproduzidos em audiência, a menos que o tribunal ou alguma das partes ache essencial
que se proceda à sua análise (já é frequente, porém, confrontar as partes ou testemunhas com
o teor de documentos). Assim, embora o CPC faça uma especial referência a 589 Afastou-se
assim o juramento religioso que chegou a vigorar no regime português (Juro perante Deus que
hei-de dizer toda a verdade e só a verdade), em obediência ao princípio da laicidade do Estado
(arts. 12º e 45º da Constituição). Sobre a questão veja-se Reis, Código de Processo Civil
Anotado, volume IV, 2012, págs. 147-148. 590 Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1991,
págs. 440-441. 222 este tipo de documentos, no seu art. 589º, não deixam de se aplicar a estes
as mesmas regras que regulam a produção da prova documental. Assim, a exibição de
reproduções cinematográficas ou de registos fonográficos só será efetuada em audiência se
assim for solicitado ou o tribunal entender relevante que se faça, nada impedindo que se use
essa prova caso a mesma não chegue a ser exibida em audiência. Em função do teor, mais ou
menos privado e confidencial da prova em causa, pode o presidente determinar que ela se
faça apenas com assistência das partes, dos seus advogados e das pessoas cuja presença se
mostre conveniente. c) Esclarecimentos verbais dos peritos.591 Os esclarecimentos verbais
dos peritos incidem sobre o relatório pericial (é o relatório que se esclarece e não outra
matéria), só ocorrendo se alguma das partes o solicitar ou o juiz o determinar oficiosamente.
Segundo Lebre de Freitas, “Trata-se, fundamentalmente, de precisar as conclusões do
relatório, justificá-las e compreender as eventuais divergências entre os peritos, de modo a
proporcionar o máximo de elementos para a formação da convicção judicial”.592 d) Inquirição
das testemunhas 593 As mesmas serão inquiridas pela ordem que consta do rol, sendo ouvidas
primeiro as arroladas pelo autor e depois as arroladas pelo réu, salvo se o juiz determinar que
a ordem seja alterada ou as partes acordarem na alteração (art. 565º, nº 1, do CPC).594 Se a
mesma testemunha foi arrolada por ambas as partes, deve ser inquirida apenas sobre a
matéria indicada pelo autor, e inquirida sobre a matéria indicada pelo réu apenas depois de
finalizada a prova testemunhal do autor. Neste caso, embora a testemunha deva permanecer
no edifício do tribunal, não deve ficar na sala, nem em contacto com as restantes
testemunhas. Se as 591 Sobre a prova pericial veja-se supra Capítulo III, Secção III, parágrafo
6.7. 592 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 553.
593 Sobre a produção da prova testemunhal veja-se supra Capítulo III, Secção III, parágrafo
6.4.2. 594 No rigor dos princípios, havendo reconvenção as testemunhas do autor sobre a
matéria da reconvenção seriam ouvidas depois das testemunhas do réu sobre a mesma
matéria. Porém, tratando-se de matérias que se ligam, não é costume fazer tal distinção. 223
partes estiverem de acordo e o tribunal assim entender, pode o réu, fida a contra instância
relativamente à matéria indicada pelo autor, indicar a matéria a que pretende ouvir a mesma
testemunha e seguir o depoimento desta sobre a mesma. A parte pode a todo o tempo desistir
da inquirição de testemunhas que tenha oferecido (art. 553º, nº 2, do CPC), mesmo durante o
seu depoimento. Segue-se o juramento e o interrogatório preliminar (art. 566º, nº 1, do CPC).
A falta de juramento constitui causa de rejeição do depoimento, ou, se foi prestado, da sua
nulidade, a arguir nos termos dos arts. 163º, nº 1, 165º, nº 1, e 167º, nº 1, do CPC, devendo
repetir-se o julgamento se necessário.595 Após o interrogatório preliminar, o juiz pode ainda
inquirir a testemunha sobre a sua razão de ciência, para melhor poder avaliar o seu
depoimento. O juiz deve perguntar à parte que arrolou a testemunha, qual a matéria de facto
sobre a qual pretende que a testemunha deponha (havendo questionário, quais os quesitos), o
que fará constar em ata. Como já se referiu, esta indicação não é inalterável, podendo a parte
reduzir a matéria, ou acrescentar matéria, mesmo durante o depoimento. Também deve ficar
a constar da ata a declaração da testemunha que nada sabe sobre determinada matéria, ou
quesito, a fim de a parte poder ouvir outra testemunha sobre tal matéria. O interrogatório é
feito pelo advogado da parte que a ofereceu, podendo, a seguir, o advogado da parte contrária
instar a testemunha de maneira a que o depoimento se complete ou esclareça (art. 569º, nº 2
e 4, do CPC). Os juízes podem findo o interrogatório pelas partes, formularem as perguntas
que entenderem para melhor se esclarecerem com vista ao apuramento da verdade
material.596 Porém, devem as partes e os juízes inquirir a testemunha apenas sobre a matéria
indicada pela parte que a ofereceu, a menos que o juiz presidente use da prerrogativa da
inquirição oficiosa do art. 575º, nº 1, do CPC.597 Findo o depoimento a testemunha deve
permanecer na sala de audiências, a fim de evitar que entre em contacto ou as outras
testemunhas ainda não inquiridas, Não devendo ausentar-se do tribunal, uma vez que pode
ainda ser necessário prestar novos esclarecimentos, ou proceder-se a 595 Freitas, Machado e
Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 603. 596 Marques, Acção
Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 549. 597 Reis, Código de Processo Civil
Anotado, volume IV, 2012, pág. 448, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 449. 224 acareação
com a mesma. Se houver de ser prestado algum depoimento fora do tribunal, a audiência será
interrompida antes dos debates, e os juízes e advogados deslocar-se-ão para o local,
imediatamente ou no dia e hora que o presidente designar. Prestado o depoimento, a
audiência continua no tribunal (art. 400º, nº 4, do CPC). Também a inspeção pode ser realizada
em qualquer momento, 598 o que implicará a deslocação ao local. 599 Estas diligências
devem, porém, ocorrer sempre antes dos debates, uma vez que estes findam a fase de
produção da prova. O presidente do tribunal goza de todos os poderes necessários para tornar
útil e breve a discussão e para assegurar a justa decisão da causa (art. 398º, nº 1, do CPC). A
direção formal da audiência cabe ao juiz presidente (art. 398º, nº 2, al. a), do CPC), tendo, em
geral, todos os poderes que necessite para atingir numa audiência, útil e breve, a verificação
da realidade dos factos, de modo a possibilitar uma decisão justa da causa (art. 398º, nº 2, als.
d) e c), do CPC). 600 Assim, cabe ao juiz remover os obstáculos que se oponham ao andamento
regular da causa, quer recusando o que for impertinente ou meramente dilatório (art. 222º do
CPC) e realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que considere necessárias para o
apuramento da verdade (art. 222º do CPC), embora limitado à matéria de facto alegada pelas
partes (art. 412º do CPC). Estabelece ainda o art. 120º, nº 1, do CPC, que a manutenção da
ordem nos atos processuais compete ao magistrado que a eles presida, o qual tomará as
providências necessárias contra quem perturbar a sua realização, nomeadamente advertindo
com urbanidade o infrator, ou retirando-lhe mesmo a palavra, quando ele se afaste do
respeito devido ao tribunal ou às instituições vigentes, especificando e fazendo consignar em
ata os atos que determinaram a providência, sem prejuízo do procedimento criminal ou
disciplinar que no caso couber. Há desmando quando a linguagem empregada é ofensiva do
respeito devido às instituições, às leis, aos tribunais, aos advogados ou às próprias partes ou
outros intervenientes processuais.601 Segundo Abílio Neto, “Embora o texto não contenha
qualquer referência expressa aos 598 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012,
pág. 531. 599 Sobre a produção da prova por inspeção veja-se supra Capítulo III, Secção III,
parágrafo 6.6. 600 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II,
2008, pág. 645. 601 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 281. 225
excessos cometidos por escrito, nem aluda à faculdade do tribunal mandar riscar quaisquer
expressões ofensivas, julgamos que esta faculdade se mantém, englobada como está na
expressão providências necessárias, a que alude genericamente o nº 1 deste normativo”.602
Contra esta opinião pronuncia-se Lebre de Freitas, que entende dever apenas não se
considerar as expressões em causa, uma vez que não está aqui em causa a manutenção da
ordem de um ato processual.603 Porém, não é considerado ilícito o uso das expressões e
imputações indispensáveis à defesa da causa (art. 120º, nº 3, do CPC). Impõe-se, assim, ao juiz
coordenar e equilibrar convenientemente os dois interesses: o do respeito pelas instituições,
as leis, o tribunal e as pessoas que intervenham no processo, e o da salvaguarda do direito da
defessa.604 Se o infrator não acatar a decisão, pode o presidente fazê-lo sair do local em que o
ato se realiza (nº 2). Deve ainda o juiz presidente exortar os advogados, o defensor público e o
Ministério Público a que abreviem os seus requerimentos e alegações, quando sejam
manifestamente excessivos, e a que se cinjam à matéria da causa, e retirar-lhes a palavra
quando não sejam atendidas as suas exortações (art. 398º, nº 2, al. d), do CPC), e chamar a
atenção dos advogados, defensor público e Ministério Público para a necessidade de
esclarecerem pontos obscuros e duvidosos da matéria de facto (art. 398º, nº 2, al. e), do CPC).
Antes das alegações sobre a matéria de facto, pode o tribunal formular quesitos novos quando
os considere indispensáveis para a boa decisão da causa, mas apenas de entre os que foram
alegados pelas partes (art. 398º, nº 1, do CPC).605 Face ao desenrolar do julgamento, pode o
tribunal entender que existem factos, principais ou mesmo instrumentais, que não foram
incluídos no questionário e cuja prova interessa para a decisão da causa, nessa altura
formulando novos quesitos para sobre eles incidir a prova e se poder pronunciar
posteriormente.606 Esta faculdade pode mesmo ser exercida já depois das alegações e antes
da decisão relativa à matéria 602 Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1997, pág. 221.
Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 281. 603 Freitas, Machado
e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 293. 604 Reis, Código de
Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 281. 605 Conforme se referiu supra (Capítulo III,
Secção II, parágrafo 3.3.) a especificação e questionário não fazem caso julgado formal,
podendo ser alterados em sede de julgamento. 606 Freitas, Machado e Pinto, Código de
Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 645. Veja-se Reis, Código de Processo Civil
Anotado, volume IV, 2012, págs. 545-550. 226 de facto, nos termos do art. 401º, nº 1, do CPC.
Não se permitiu a quesitação de novos factos não alegados pelas partes, uma vez que a mesma
violaria o princípio da livre disponibilidade da maior parte das relações em discussão, mas
também o princípio da audiência contraditória.607 Sendo formulados novos quesitos, como é
óbvio, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para
a prova testemunhal nos arts. 563º e 564º do CPC, sendo as provas requeridas imediatamente
ou, não sendo possível a indicação imediata, no prazo de dez dias (art. 398º, nº 3, do CPC). No
último caso ou quando as provas não puderem ser logo produzidas, a audiência é suspensa
antes das alegações sobre a matéria de facto (art. 398º, nº 3, do CPC). 608 A audiência de
julgamento é documentada, em ata (art. 124º, nº 1, do CPC), cuja redação da ata incumbe ao
funcionário judicial, sob a direção do juiz (art. 124º, nº 2, do CPC). 2.4. Debate judiciário Após a
produção da prova, realizam-se os debates sobre a matéria de facto (art. 400º, nº 2, al. e), do
CPC). Os debates limitam-se, neste momento, à matéria de facto, devendo os mandatários
deixar para momento posterior (do art. 405º do CPC), a pronúncia sobre as questões de
direito.609 Nestes debates, os advogados procuram fixar os factos que devem considerar-se
provados e aqueles que, em sua opinião, não se podem ter por demonstrados (art. 400º, nº 5,
do CPC). Nesta atividade persuasiva dos mandatários das partes, eles deverão salientar os
fundamentos da sua convicção, tendo em conta a repartição do ónus da prova relativamente a
cada um dos factos do questionário.610 A ordem das alegações é da instauração da causa,
primeiro o mandatário do autor e depois o do réu, Exceto nas ações de simples apreciação
negativa, em que se deve inverter tal ordem.611 Durante a sua alegação, o advogado pode ser
interrompido por qualquer dos juízes ou pelo 607 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo
Civil, págs. 644-645. 608 Importa, sempre, respeitar o princípio do contraditório. 609 Varela,
Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 642-643, e Freitas, Machado e Pinto, Código de
Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 657. 610 Marques, Acção Declarativa à Luz do
Código Revisto, 2009, pág. 600. Veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV,
2012, págs. 533-542. 611 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 643, e
Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 600. 227 advogado da parte
contrária, para o esclarecimento ou retificação de qualquer afirmação.612 Cada um dos
advogados pode replicar uma vez contra as alegações do outro (art. 400º, nº 3, al. e), do CPC).
Embora os debates não tenham limite de tempo, pode o juiz presidente interromper o
advogado para o exortar a que abrevie a sua alegação, quando esta seja excessiva, e a que se
cinja à matéria da causa, retirando-lhe a palavra no caso extremo dessa exortação não ser
atendida (art. 398º, nº 2, al. d), do CPC). 613 Também aqui o juiz presidente deve advertir
qualquer dos advogados, com urbanidade, ou retirar-lhe mesmo a palavra, quando ele se
afaste do respeito devido ao tribunal ou às instituições vigentes, especificando e fazendo
consignar em ata os atos que determinaram a providência ou retificação de qualquer
afirmação (art. 120º, nº 1, do CPC). Se o advogado infrator não acatar a decisão, pode o
presidente fazê-lo sair do local em que o ato se realiza (art. 120º, nº 2, do CPC). 614 3.
Julgamento 3.1. Decisão da matéria de facto controvertida Encerrada a discussão, o tribunal
recolhe à sala das conferências para ponderar e decidir (art. 401º, nº 1, do CPC).615 Se não se
julgar suficientemente esclarecido, ainda pode voltar à sala da audiência, ouvir as pessoas que
entender e ordenar quaisquer diligências necessárias. Como já se referiu, embora a fase de
instrução termine com o início dos debates sobre a matéria de facto, o tribunal pode ainda,
por iniciativa oficiosa, completar a prova, quando tenha dúvidas na decisão, fazendo as
diligências que entender necessárias, reabrindo para o efeito a audiência, o que implica a
necessidade de novos debates sobre a matéria de facto para que as 612 Veja-se Reis, Código
de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 542-545. 613 Freitas, Machado e Pinto,
Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 656, e Marques, Acção Declarativa à
Luz do Código Revisto, 2009, pág. 600. 614 Reproduz-se aqui o que se refiu no apágrafo
anterior sobre esta matéria. 615 Sobre esta fase do julgamento veja-se Reis, Código de
Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, págs. 550-552. 228 partes se possam pronunciar
sobre a nova prova produzida.616 A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou
despacho, se o julgamento incumbir a tribunal singular (art. 401º, nº 2, do CPC). A decisão há-
de declarar quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que considera não
provados e especificar, quanto a todos eles, os fundamentos que foram decisivos para a
convicção do julgador. O acórdão reveste a forma de meras respostas às perguntas que
constituem os quesitos, sob a forma clássica de provado, não provado, ou provado apenas que
…617 Ou seja, esta declaração pode ser meramente positiva, negativa ou restritiva, mas não
pode ir para além do que consta do quesito. Assim, face ao quesito O réu entregou ao autor
US$ 5.000?, pode responder-se [quesito 2º -] provado, se o réu logrou fazer prova do facto, ou
[quesito 2º -] não provado, se o réu não conseguiu provar o facto, ou [quesito 2º -] provado
apenas que o réu entregou ao autor US$ 2.000, se o réu conseguiu provar apenas o
pagamento de 2.000, uma vez que a prova de um pagamento menor ainda se encontra dentro
da matéria quesitada. Também pode dar respostas explicativas, mas já não se deve considerar
Provado que o réu entregou ao autor US$ 8.000, uma vez que tal afirmação vai para além da
pergunta formulada no quesito.618 Tendo o julgamento decorrido perante tribunal coletivo, a
decisão admite voto de vencido (art. 401º, nº 4, do CPC). Assim, se um dos juízes discordar da
decisão da maioria (os outros dois) vota vencido, declarando no acórdão as razões da sua
divergência.619 Por outro lado, o tribunal da audiência não pode pronunciar-se sobre matéria
de direito, isto é, não pode ocupar-se da aplicação do direito aos factos provados. Considera-
se inexistente qualquer resposta desse tribunal sobre essa matéria (art. 395º, nº 3, do CPC).
Esse tribunal também se deve restringir à apreciação da prova validamente produzida na
audiência. Por isso, segundo o disposto no art. 395º, nº 3, 2ª parte, do CPC, é considerada
inexistente qualquer resposta desse tribunal sobre factos que só possam ser provados por
documentos, que já estejam provados por documentos ou por confissão ou que, por não
terem sido impugnados, se devam 616 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil
Anotado, vol. II, 2008, págs. 658-659. 617 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil,
págs. 651-652. 618 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008,
pág. 662. 619 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 652, e Marques, Acção
Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 605. 229 considerar admitidos por acordo.620
Assim, se por exemplo o juiz que formulou o questionário perguntar: o réu incumpriu o
contrato? O tribunal de julgamento não deve responder a este quesito, declarando-o
justificando tal decisão no facto de se tratar de um quesito contendo matéria de direito. 3.2.
Fundamentação de facto e das motivações não jurídicas Ao tribunal compete, no julgamento
da matéria de facto, analisar criticamente as provas (art. 401º, nº 2, do CPC). Esta análise
refere-se às presunções legais e judiciais das quais pode ser inferida a prova do facto
controvertido. Se o facto provado for um facto probatório ou indiciário, isto é, se do facto
provado puder inferir-se por qualquer daquelas presunções o objeto da prova, cabe ao
tribunal considerar o facto presumido como provado. Assim, incumbe ao tribunal julgar
provados os factos principais que decorram da demonstração dos respetivos factos
instrumentais. O tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras
da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção
sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão
não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a
permitir que o juiz convença os terceiros da correção da sua decisão, fundamentação, o juiz
passa de convencido a convincente.621 O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre
exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das
regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre
o julgamento do facto como provado ou não provado. Por conseguinte, quer relativamente
aos factos provados quer quanto aos factos não provados, deve o tribunal justificar os motivos
da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida
pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 403º, nº 1, do CPC), deu mais
credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas
conclusões dos peritos, achou 620 Veja-se Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 459. 621
Acórdão do Tribunal de Recurso de 21-10-2010, processo nº 12/Agravo/Cível/2010/TR, citando
Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, págs. 348. 230 satisfatória ou não a
prova resultante de documentos particulares, etc. 622 Nesta perspetiva, se a decisão do
julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da
experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o
julgamento segundo a livre convicção. 623 Como, em geral, as provas produzidas na audiência
final estão sujeitas à livre apreciação (art. 403º, nº 1, do CPC), o tribunal deve indicar os
fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se
possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado
ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização
das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da
correção da sua decisão. Através dessa formulação, o juiz deve passar de convencido a
convincente.624 A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente
para cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por
exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma
quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração
(por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial. Se o facto for
considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a
sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com
a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes
para infirmar a sua convicção. Porém, o art. 401º, nº 2, do CPC, não exige que a
fundamentação das respostas aos quesitos tenha de ser indicada separadamente em relação a
cada um deles.625 622 Acórdão do Tribunal de Recurso de 30-9-2010, processo nº
01/Civil/2010/TR, citando Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil,
Lisboa, 1997, pág. 348, e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II,
Lisboa, 2000, pág. 259. 623 Acórdão da Relação de Coimbra de 25-5-2004, processo nº 17/04,
relator Jorge Rodrigues, acessível em www.dgsi.pt/jtrc. 624 Varela, Bezerra e Nora, Manual de
Processo Civil, pág. 654. 625 Acórdão do Tribunal de Recurso de 14-2-2013, processo nº
14/Cível/2012/TR, e Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2008, págs.
661-662. Veja-se ainda para disposição semelhante no CPC de Portugal o acórdão do STJ de
Portugal de 25-03-2004, processo nº 02B4702, relator Santos Bernardino, acessível em
www.dgsi.pt. 231 Se o facto for julgado não provado, a ordem preferível é a seguinte:
primeiramente devem ser indicados os meios de prova que conduzem à demonstração do
facto; depois devem ser expostos os meios que formaram a convicção do tribunal sobre a não
veracidade do facto ou que impedem uma convicção sobre a sua veracidade; finalmente
devem ser referidos os meios inconclusivos. 3.3. Recurso e reclamações O acórdão (ou
despacho, se o julgamento decorreu perante juiz singular) é lido em audiência (art. 401º, nº 5,
do CPC). Já foi suscitada a questão das consequências de apenas o juiz presidente proceder à
leitura do acórdão, sem a presença dos juízes adjuntos (situação que é relativamente habitual),
ou a ausência de intérprete por algum dos mandatários não dominar a língua em que o
acórdão foi redigido. Conforme referido no acórdão do Tribunal de Recurso de 15-1-2013,626
sobre esta matéria importa ter presente o disposto no art. 163º, nº 1, do CPC: Fora dos casos
previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a
omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando
a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da
causa. Não estando qualquer das referidas situações prevista em nenhum preceito que
expressamente comine a nulidade, haverá que averiguar se a omissão pode influir no exame
ou na decisão da causa. Quando à ausência do coletivo a resposta não pode deixar de ser
negativa, quanto à falta de nomeação de intérprete, fazendo necessariamente uma
interpretação favorável à parte, deve entender-se que pode influir no exame e decisão da
causa. Assim, estamos assim perante uma mera irregularidade (ausência do coletivo na
audiência de leitura da decisão sobre a matéria de facto) ou uma nulidade (falta de nomeação
de interprete). Esta é, porém, uma nulidade secundária, uma vez que não está prevista no
elenco do art. 166º do CPC.627 626 Processo nº 12/Cível/2012/TR. 627 Baptista, Processo Civil
I, 2006, págs. 323-324, Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 318, e
Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, pág. 391. 232 Ora, nos termos do art.
167º, nº 1, do CPC, a irregularidade e nulidade secundária, uma vez que as mesmas foram
cometidas durante diligência a que o mandatário estava presente têm que ser arguidas
durante a referida diligência. Não arguindo a irregularidade e nulidade durante o ato judicial
que presenciou, consideram-se as mesmas sanadas, não podendo invocá-las em sede de
recurso da sentença final. 628 Sendo arguida a nulidade ou a irregularidade, ou havendo
reclamações de qualquer das partes, o juiz presidente deve declarar a mesma e repetir a
diligência com a presença dos juízes adjuntos. Outra questão que se coloca consiste em saber
da possibilidade de reclamação sobre o acórdão ou sentença que fixa a matéria de facto, uma
vez que CPC de Timor-Leste não prevê expressamente a possibilidade de as partes reclamarem
do acórdão (ou do despacho). Afigura-se que a resposta deve ser positiva, só assim se
compreendendo o formalismo previsto no art. 401º, nº 5, do CPC (o presidente procede à
leitura do acórdão que, em seguida, facultará para exame a cada um dos advogados pelo
tempo que se revelar necessário para uma apreciação ponderada tendo em conta a
complexidade da causa). Esta necessidade de apreciação ponderada só pode ter por finalidade
a possível reclamação do acórdão ou sentença, não fazendo sentido no caso contrário. Assim
entendeu o Tribunal de Recurso no acórdão de 15-1-2013, 629 que não se vislumbra
justificação para que tal acórdão não possa ser objeto de reclamação nos termos gerais
previstos nos arts. 414º, nº 2, 417º e 414º, nº 2, do CPC. Isto significa, contudo, que a
reclamação só poderá ter por objeto as circunstâncias previstas nos arts. 414º, nº 2, e 417º do
CPC. Ou seja, a reclamação terá que visar a retificação de erros materiais, ou suprimento de
nulidades, ou ainda o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que a decisão
contenha (nomeadamente nos termos do art. 417º, nº 2, do CPC). O que não se pode é usar o
mecanismo da reclamação para se expressar mera discordância relativamente à decisão, o que
628 Almeida, Direito Processual Civil, volume I, 2010, pág. 519 (nota 1), citando o acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 12-10-2006, processo 3371/06, relator Salvador da
Costa, e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, págs. 392-393. 629 Processo
nº 12/Cível/2012/TR. 233 deverá ser feito no recurso de apelação da sentença (art. 459º, nº 1,
do CPC).630 A reclamação terá necessariamente que ser feita em audiência, perante o tribunal
coletivo, que deverá apreciar a mesma imediatamente, por acórdão, não podendo ser
apresentada pelas partes em momento posterior e por escrito, uma vez que já então se
encontra encerrada a audiência de julgamento e definitivamente fixada a matéria de facto
provada e não provada. A falta de reclamação não inviabiliza a possibilidade de impugnação do
acórdão que decidiu a matéria de facto, podendo inclusivamente o tribunal de recurso
conhecer oficiosamente de erros na apreciação da matéria de facto como os enunciados nos
referidos arts. 414º, nº 2, e 417º do CPC.631 Porém, fora dos casos previstos no art. 459º, nº 1,
als. b) e c), do CPC, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto só pode ter
acolhimento quando o recorrente especificar quais os concretos pontos de facto que considera
incorretamente julgados, e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou
de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de
facto impugnados diversa da recorrida (conforme os arts. 459º, nº 1, al. a), e 442º, nº 1, do
CPC). A garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto converge com o ónus
específico de alegação do recorrente no que concerne à delimitação do objecto do recurso e à
respectiva motivação”, pelo que “não pode ser recebido o recurso sobre a decisão da matéria
de facto se o recorrente não indicar os segmentos por ele considerados afectados de erro de
julgamento e os motivos da sua discordância por via da concretização dos meios de prova
produzidos susceptíveis de implicar decisão diversa da impugnada. 632 Segundo Carlos Lopes
do Rego, “A expressão ‘ponto da matéria de facto’ procura acentuar o carácter atomístico,
sectorial e delimitado que o recurso ou impugnação da decisão proferida sobre a matéria de
facto em regra deve revestir, estando em harmonia com a terminologia usada 630 Veja-se
Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, 2012, pág. 553, e volume V, págs. 151-152,
Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, págs. 656-657, e Marques, Acção
Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 608. 631 Freitas, Machado e Pinto, Código de
Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 664. 632 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de Portugal de 1-7-2004, processo nº 04B2307, relator Salvador da Costa, acessível em
www.dgsi.pt, citado no acórdão deste Tribunal de Recurso de 30-9-2010, processo nº
01/Civil/2010/TR. 234 pela alínea a) do nº 1 do art. 442º: na verdade, o alegado ‘erro de
julgamento’ normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência,
inexistência ou configuração essencial de certo ‘facto’, mas apenas sobre determinado e
específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar
claramente”. 633 Esta é jurisprudência pacífica deste Tribunal de Recurso.634 3.4. Discussão
do aspeto jurídico da causa Se as partes não prescindirem da discussão por escrito do aspeto
jurídico da causa, a secretaria, uma vez concluído o julgamento da matéria de facto, facultará o
processo para exame ao advogado do autor e depois ao do réu, pelo prazo de dez dias a cada
um deles, a fim de alegarem, interpretando e aplicando a lei aos factos que tiverem ficado
assentes (art. 405º do CPC). No dizer de Remédio Marques, “A fase da audiência final encerra
com o ciclo processual destinado à discussão do aspecto jurídico da causa. De facto, antes da
prolação da sentença final, tem de haver uma nova discussão entre os mandatários das
partes”, agora exclusivamente reservada a convencer o juiz da melhor solução de direito
(normalmente a que é favorável à parte que representa), em função dos factos que o tribunal
considerou provados.635 A fase de alegações sobre o aspeto jurídico da causa visa permitir às
partes, tendo em consideração a matéria de facto já provada, procurar justificar a aplicação de
determinadas normas jurídicas aos factos e fazer a sua interpretação e aplicação por forma a
concluir pela decisão que entendem dever ser proferida.636 Ou seja, os advogados sugerem
um projeto de sentença final e tentam demonstrar como deve ser julgada a ação do ponto de
vista da parte que representam.637 Esta discussão pode ser produzida em julgamento, logo
após a fixação da matéria de facto 633 Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de
Processo Civil, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, pág. 608, citado no acórdão do Tribunal
de Recurso de 29-3-2012, processo nº 04/CÍVEL/2012/TR. 634 Vejam-se os acórdãos do
Tribunal de Recurso de 30-9-2010, processo nº 01/Civil/2010/TR, de 8-10-2010, processo nº
04/Cível.Apelação/2010/TR, de 20-1-2011, processo nº 05/Cível/2010/TR, de 3-3-2011,
Processo nº 07/Cível/2005/TR, e de 7-4-2011, Processo nº 03/Cível/2011/TR. 635 Marques,
Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 16. 636 Baptista, Processo Civil I, 2006,
pág. 460. 637 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 24, e Marques,
Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2009, pág.
625. 235 provada, oralmente, mas apenas se os mandatários nisso estiverem de acordo e
manifestarem essa intenção (art. 401º, nº 6, do CPC).638 Se isso ocorrer e tiver havido
intervenção do coletivo, os adjuntos ausentam-se da sala, uma vez que a sentença vai ser
redigida apenas pelo juiz presidente, pelo que não faria sentido que as alegações sobre o
aspeto jurídico da causa tivessem a assistência dos restantes juízes. O normal, porém, é que
essas alegações se façam por escrito, no prazo referido no art. 405º do CPC. Da leitura deste
artigo resulta evidente que nem o autor é notificado para alegar sobre o aspeto jurídico da
causa, nem o réu é notificado para o mesmo efeito. Efetivamente, o prazo para as alegações
por parte do autor inicia-se com a conclusão do julgamento da matéria de facto, ou seja, com a
audiência de leitura da decisão que fixa a matéria de facto provada. E o prazo para o réu inicia-
se assim que termina o prazo do autor, correndo tais prazos de seguida, sem necessidade de
qualquer notificação.639 Ou seja, houve a intenção, por parte do legislador, de prever prazos
sucessivos (um a seguir ao outro) para os intervenientes processuais darem a sua versão do
direito a aplicar. O réu terá, portanto, decorrido o prazo da autora, que se dirigir à Secretaria
do Tribunal e pedir que lhe facultem os autos (logo por aí se confrontando com a existência
das alegações da autora, se acaso existissem). E tanto assim é que a ré pode alegar mesmo que
a autora o não faça.640 Concluindo, nenhuma notificação é feita ao autor para alegar sobre o
aspeto jurídico da causa, nem ao réu, não sendo este igualmente notificado da eventual
apresentação de alegações por parte do autor, uma vez que tal direito e prazo se encontram
devidamente regulamentados no art. 405º do CPC.641 638 Baptista, Processo Civil I, 2006, pág.
460. Veja-se ainda Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008,
pág. 672-673. 639 Veja-se Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume
II, 2008, pág. 673, e Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 625. 640
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-2-2010, processo 1792/03.0TBMTS-A.P1,
relator Canelas Brás, acessível em www.dgsi.pt/jtrp. 641 Acórdão do Tribunal de Recurso de
15-1-2013, processo nº 12/Cível/2012/TR. 236 237 Secção V – Sentença 1. Noções gerais
Julgada a matéria de facto e concluída a discussão do aspeto jurídico da questão, o juiz singular
profere a sentença final,642 na qual decide a causa,643 no prazo de quinze dias (art. 406º do
CPC).644 Este prazo conta-se a partir da conclusão do processo ao juiz, o que deve ser feito no
prazo de cinco dias após a apresentação das conclusões de direito pelo réu, ou decorrido o
prazo para as mesmas (art. 131º, nº 1, do CPC).645 Normalmente a sentença é proferida
depois do julgamento sobre a matéria de facto, por juiz singular (habitualmente o presidente
do coletivo, por ser ele o titular do processo. A sentença pode, porém, ser proferida
imediatamente após o julgamento da matéria de facto, se as partes alegaram dobre o aspeto
jurídico da causa em audiência, nos termos do art. 401º, nº 6, do CPC, e a simplicidade da
questão o permitir (art. 407º, nº 4, do CPC). 646 Como já se referiu, existindo separação entre
o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito é inclusivamente possível que a
sentença venha a ser proferida por juiz que não tenha intervindo no julgamento da matéria de
facto, uma vez que estando fixados os factos provados o juiz apenas terá que aplicar o direito a
tais factos, o que não terá que ser feito por juiz que tenha participado no julgamento.647 642
Nos termos do art. 121º, nº 2, do CPC, Diz-se sentença o acto pelo qual o juiz decide a causa
principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa. Acrescenhta o nº do
mesmo preceito que os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou
sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos
tribunais superiores. 643 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 627.
Veja-se Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 663-664. 644 Importa aqui
refererir, mais uma vez, que o prazo fixado para a prolação da sentença é meramente
indicativo, podendo o não cumprimento fazer o juiz incorrer em processo disciplinar, ou
avaliação de mérito, mas nunca gerando quaisquer consequências processuais. 645 Freitas,
Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 675. 646 Baptista,
Processo Civil I, 2006, pág. 461. 647 Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1997, pág. 668,
citando acórdão do STJ de Portugal de 23-7-1974, BMJ nº 239, pág. 153. 238 Contrariamente
ao que ocorre no processo penal, em que o coletivo decide a questão de facto e a questão de
direito (art. 278º, nº 3 e 8, do CPP), no processo civil o coletivo apenas intervém para a fixação
da matéria de facto, sendo a sentença proferida posteriormente apenas pelo juiz titular do
processo (arts. 401º e 406º do CPC). Daí que o art. 401º faça referência ao acórdão, se o
julgamento incumbir a tribunal coletivo, e a despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular
(nº 2).648 Já o art. 406º refere “sentença”. O que distingue a sentença do acórdão é
precisamente o facto de este ser proferido por tribunal coletivo e aquela provir de juiz
singular. Em processo civil, reafirma-se, a “sentença” é sempre proferida por juiz singular (o
titular do processo), reservando-se a intervenção do tribunal coletivo apenas para o
julgamento da matéria de facto.649 A sentença deve ser datada e assinada pelo juiz, que deve
igualmente rubricar todas as folhas que não forem por ele manuscritas, embora possa assinar
com nome abreviado (art. 122º, nº 1 e 2, do CPC). 650 2. Estrutura e forma da sentença O art.
407º do CPC indica quais as partes ou elementos em que se desdobra a sentença civil, que
podemos identificar do seguinte modo: relatório, fundamentos (de facto e de direito) e
decisão. O, ainda exige que a sentença seja datada e assinada pelo juiz. 2.1. Relatório O
relatório tem como finalidade fazer a história resumida do processo, desde o momento da
propositura da ação até ao encerramento da discussão oral da audiência final.651 O relatório
começa por identificar as partes e o objeto da lide, sintetizar as pretensões das partes e os
seus fundamentos e fixar as questões que importa solucionar. No dizer de Alberto dos 648 As
decisões dos tribunais colegiais têm a denominação de acórdãos (art. 121º, nº 3, do CPC). 649
Acórdão do Tribunal de Recurso de 23-9-2010, processo nº 06/Civil/2009/TR 650 Baptista,
Processo Civil I, 2006, pág. 461. 651 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 665.
239 Reis o relatório destina-se “A definir, com precisão, os termos da controvérsia, a desenhar,
com nitidez o esquema do litígio”.652 Ou seja, para além de identificar as partes, o relatório
deve: a) Precisar qual é a pretensão do autor (o pedido, embora apenas no essencial, uma vez
que é frequente formularem-se pedidos desnecessários, como o pedido da condenação da
parte contrária em custas, ou pedido de procedência da ação);\ b) Os fundamentos de facto de
tal pretensão (podendo também referir-se os fundamentos jurídicos, embora isso não se
afigure essencial); c) Os fundamentos da oposição do réu (e a pretensão reconvencional deste,
se existir, e respetivos fundamentos); d) Breve referência aos despacho mais relevantes que
possam ter sido proferidos, nomeadamente o despacho saneador, e se estes transitaram em
julgado, ou se foram objeto de recurso; e) Referir todos os despachos que tenham sido objeto
de recurso de agravo, especialmente os que tiverem subida diferida; f) Fazer referência a
eventual reclamação sobre a decisão relativa à matéria de facto e resultado da mesma; g)
Referir se as partes alegaram ou não sobre o aspeto jurídico da causa.653 O relatório não
deve, contudo, ser uma peça muito extensa, devendo limitar-se a relatar apenas o que tenha
verdadeiramente interesse para a decisão da causa. O relatório da sentença não é
propriamente a história fiada do processo, mas antes uma síntese objetiva da causa.654 Para
se conseguir esse grau de concisão e pertinácia, deve ser elaborado após leitura de todo o
processo e após se fazer uma espécie de rascunho sobre a parte relativa aos fundamentos. Na
652 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 11. 653 Sobre os elementos a
consignar no relatório veja-se Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, págs.
10-23. 654 Neto, Código de Processo Civil Anotado, 1997, pág. 669. 240 identificação das
partes basta a indicação dos seus nomes, já que na petição se encontram os demais elementos
identificativos (nº 1, al. a), do art. 349º). Em termos de descrição sucinta dos articulados deve
cingir-se ao essencial e não reproduzir textualmente aquelas peças processuais. Por outro
lado, deve ser expurgado do relatório os factos articulados que não tenham sido objeto de
inclusão no questionário ou objeto de discussão em sede de julgamento, como também deve
ser dispensável a menção a incidentes já resolvidos nos autos e que não contribuam para a
decisão a proferir. 2.2. Fundamentos A fundamentação da sentença constitui cumprimento do
imperativo geral de fundamentação das decisões judiciais previsto no art. 123º, nº 1, do CPC.
Ao juiz cabe, não apenas decidir, mas também, e ainda, convencer as partes, especialmente a
parte vencida, do bom fundamento da decisão.655 Trata-se ainda de manifestação do
interesse público da paz social, que fundamenta o processo civil. Os fundamentos da sentença
desdobram-se em fundamentos de facto e de direito. 2.2.1. Fundamentos de facto Elaborado
o relatório, o juiz exporá os fundamentos da decisão, discriminando os factos que considera
provados, levando em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos
ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados (art. 407º, nº 2 e 3,
do CPC). Como se pode ver, devem apenas enunciar-se os factos provados. Em algum se
prescreve a necessidade de enumerar os factos não provados, porque isso já foi feito aquando
da decisão da matéria de facto. Ou seja, os factos não provados são os que receberem
resposta negativa do coletivo (ou do juiz singular) no final da audiência de julgamento.656 A
sentença apenas tem que enumerar os factos provados, uma vez que apenas estes podem 655
Varela, Manual de Processo Civil, pág. 10. Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág.
24. 656 Acórdão do Tribunal de Recurso de 23-9-2010, processo nº 06/Civil/2009/TR. 241
servir de fundamento à decisão a proferir.657 Na sentença cível o juiz está vinculado à forma
como o tribunal coletivo fixou a matéria, não podendo alterar a mesma, exceto nos casos
previstos no art. 407º, nº 3, do CPC, e não tendo igualmente que fundamentar tal decisão, uma
vez que só o coletivo pode fundamentar a decisão por ele proferida.658 Quando o juiz vai
proferir a sentença tem já diante de si um conjunto de factos provados: os que, na fase do
saneador, foram incluídos (na especificação) e os que constam, como tal, da decisão sobre a
matéria de facto (ou seja, nas respostas aos quesitos). Estes factos não são, obviamente,
objeto de qualquer apreciação, limitando-se o juiz a consigná-los na sentença como provados.
E o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer referido na norma (art. 407º, nº 3,
do CPC) tem a ver, não com aqueles factos que já foram dados como assentes na fase do
saneador, nem com os que constam na decisão sobre a matéria de facto, os quais não são
nesta fase objeto de qualquer apreciação ou fundamentação, limitando-se o juiz a exará-los na
sentença como provados, mas sim a eventuais factos que são fruto da análise do processo,
nomeadamente dos articulados, dos documentos juntos, que na fase daqueles, quer
posteriormente.659 Efetivamente, como salienta José João Batista, “em processo civil, o
julgamento da matéria de facto pode ser repartido entre o tribunal que tiver intervenção na
audiência final e o juiz que vai proferir a sentença, cabendo àquele pronunciar-se sobre a
matéria de facto constante do questionário e a este sobre a demais relevante para decisão da
causa, desde que provada por documentos, confissão escrita ou acordo das partes ou ainda
por presunções em face das regras sobre o ónus da prova”.660 Na altura da sentença, o juiz
penas tem que fundamentar a decisão relativamente às provas de que lhe cabe conhecer
nesse momento, e que são as provas por presunção, as provas legais ainda não utilizadas
(como as resultantes de documento autêntico, por exemplo junto posteriormente à 657
Varela, Manual de Processo Civil, pág. 665. 658 Acórdão do Tribunal de Recurso de 29-3-2012,
processo nº 04/CÍVEL/2012/TR. 659 Acórdão do tribunal da Relação do Porto de 14-11-2011,
apelação nº 398/10.2TTVNF.P1 - 4ª Sec., relator António José Ascensão Ramos, acessível em
http://www.trp.pt. Na common law veja-se Kenneth Davis, An Approach to Problems of
Evidence in the Administrative Process, 55 Harvard Law Review, 364, 1942, págs. 404- 407. 660
Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 463. Veja-se ainda Marques, Acção Declarativa à Luz do
Código Revisto, 2009, pág. 629-630. 242 elaboração da especificação e questionário, os factos
admitidos por acordo na audiência de julgamento e os ónus probatórios.661 Conforme
salienta Antunes Varela, o dever de fundamentação do art. 401º, nº 2, do CPC, não se
confunde com o dever de fundamentação da sentença final.662 Uma vez fixada a matéria de
facto, conforme se infere do art. 407º, nº 2, do CPC, a sentença só tem que conter a
enumeração dos factos que foram julgados provados pelo tribunal de julgamento (coletivo ou
singular), a que poderá acrescentar outros, que não constem da especificação ou do
questionário, que se reputem importantes e se enquadrem no elenco do nº 3 do referido art.
407º do CPC.663 Só se o juiz acrescentar factos nos termos desde preceito, terá que fazer o
exame crítico das provas dos mesmos (dos novos factos).664 Não faria sentido estar na
sentença a repetir a fundamentação que o coletivo dera para a decisão de facto, uma vez que
são diferentes os decisores num e noutro caso.665 E a fundamentação dos factos que agora se
acrescentam não se faz nos mesmos termos da fundamentação da decisão sobre a matéria de
facto controvertida. Salienta Lebre de Freitas: “não se trata já de fazer jogar a livre convicção
formada pelo meio de prova, mas verificar atentamente se existiram os factos em que se
baseia a presunção legal (lato sensu) e delimitá-los com exactidão para seguidamente aplicar a
norma de direito probatório”.666 Assim, tendo sido elaborada especificação e questionário, há
que reproduzir os factos especificados e as respostas afirmativas aos quesitos do questionário.
Se deu como provados factos não incluídos no questionário ou não especificados, serão agora
também mencionados. Em regra, todos estes factos são alinhados, atribuindo-se-lhe um
número sequencial (1, 2, 3, etc.). Considera-se boa técnica, porque facilita a correta
identificação do facto referido na especificação e no questionário, mencionar a fonte respetiva
(exemplo: alínea A da especificação, quesito 1º do questionário). 661 Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de Portugal de 18-3-1975, relator Almeida Borges, Boletim do Ministério da
Justiça nº 245, Lisboa, 1975, pág. 477. 662 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil,
1985, pág. 653. 663 Veja-se Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado,
volume II, 2008, pág. 677. 664 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 23.
665 Acórdão do Tribunal de Recurso de 14-2-2013, processo nº 14/Cível/2012/TR. 666 Freitas,
Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 677. Veja-se o
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 10-5-2005, processo 05ª963, relator
Reis Figueira, acessível em www.dgsi.pt/jstj. 243 Não tendo sido elaborado questionário, findo
o relatório, alinham-se todos os factos provados, preferencialmente de forma lógica e
cronológica. 2.2.2. Fundamentos de direito Seguidamente, o juiz interpreta e aplica as normas
jurídicas aplicáveis ao caso concreto (art. 407º, nº 2, do CPC). Na sentença o juiz há-de
caracterizar juridicamente os factos materiais que tem diante de si, há-de encontrar o
enquadramento legal que convém a esses factos ou ao qual se ajustam. A aplicação do direito
aos factos deriva essencialmente da comparação entre os factos e previstos ou configurados
na lei como geradores de determinadas consequências e os factos apurados em
julgamento.667 Segundo Antunes Varela, “É na segunda parte da sentença, através da
determinação, interpretação e aplicação das normas aos factos apurados, que reside a
verdadeira motivação (fundamentação) da sentença”.668 A sentença conhece em primeiro
lugar e pela ordem estabelecida no artigo 240º, das questões que possam conduzir à
absolvição da instância (art. 408º, nº 1, do CPC). Normalmente as questões prévias ou
prejudiciais ficam arrumadas e decididas no despacho saneador, mas pode acontecer que o
juiz não se tenha apercebido de alguma delas669 (importa aqui lembrar que o despacho
saneador não faz caso julgado relativamente ao conhecimento genérico das exceções, mas
apenas em relação àquelas que conhece em pormenor).670 Sendo as exceções dilatórias de
conhecimento oficioso (com exceção de alguns casos de incompetência relativa, conforme o
art. 374º do CPC), pode suceder que exista alguma exceção dilatória que impeça o
conhecimento do mérito e que, por lapso, ou outro motivo, não foi atempadamente conhecida
no saneador, podendo inclusivamente tal conhecimento ocorrer em sede de recurso. 671
Neste caso a sentença deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu 667 Reis, Código
de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, págs. 34-35. 668 Varela, Bezerra e Nora, Manual de
Processo Civil, pág. 11. 669 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 48.
670 Veja-se Capítulo III, Secção II, parágrafo 2.6. 671 Freitas, Machado e Pinto, Código de
Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 679. 244 da instância.672 A apreciação da
existência de exceções dilatórias ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento de
mérito não deve seguir a mesma fórmula do despacho saneador, bastando a referência Não há
novas questões prévias ou exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa, ou
Mantêm-se os pressupostos processuais tal como apreciados no despacho saneador. O
importante é que o juiz faça essa operação de verificação. Havendo exceções dilatórias, elas
são conhecidas pela ordem do art. 240º do CPC. Não havendo exceções ou questões prévias ou
prejudiciais que impeçam o conhecimento do mérito da causa, segue-se a apreciação
deste.673 A sentença deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à
apreciação do tribunal, sob pena de nulidade (arts. 408º, n.º 2, e 416º, nº 1, al. d), do CPC).
Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à apreciação do tribunal não
significa, necessariamente, todos os argumentos ou raciocínios expostos pelos litigantes (art.
412º do CPC). O que é relevante é a apreciação da questão e da fundamentação dada na
solução. Também não é necessário apreciar as questões que ficaram prejudicadas pela decisão
de outra ou outras (art. 408º, nº 2).674 Se a lei impuser o conhecimento oficioso de
determinada questão, o juiz está obrigado a conhecê-la (art. 408º, nº 2, parte final). 2.3.
Decisão A sentença termina com a decisão final (art. 407º, nº 2). A decisão final, quando de
mérito e transitada em julgado, representa a realização da finalidade do processo
declarativo.675 Através da decisão, apoiada nas conclusões extraídas na parte de
fundamentação da sentença (seja fundamentação de facto, seja de direito), o tribunal
responde diretamente às pretensões das partes.676 Quando não seja proferida oralmente
(art. 407º, nº 4), a parte decisória tem de ser manuscrita 672 Varela, Bezerra e Nora, Manual
de Processo Civil, pág. 668. 673 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág.
48. 674 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 680.
675 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 269. 676 Varela, Bezerra e Nora,
Manual de Processo Civil, pág. 667. 245 (art. 122º, nº 1). Estruturalmente a sentença
apresenta duas partes: parte essencial e elementos secundários ou acessórios.677 2.3.1. Parte
essencial Parte essencial é aquela em que o juiz se refere ao objeto do processo, recusando-se
a julgá-lo (decisão de forma), ou julgando-o, julgar a favor ou contra o autor (decisão de
mérito).678 No dizer de Alberto dos Reis, “A decisão final é a solução dada pelo juiz ao litígio
que lhe foi posto, é a declaração do efeito jurídico que segundo a lei, tal como o tribunal a
entende, cabe ao caso particular sobre que versa a acção; é a conclusão do chamado silogismo
judiciário”.679 A decisão de mérito está sujeita a um princípio fundamental: o da adequação
da sentença ao pedido. Deve pronunciar-se sobre todos os pedidos, não excedendo os limites
do art. 409º, sob pena de nulidade.680 Assim, a sentença não se pode limitar a dizer que julga
procedente ou improcedente o pedido formulado, pois tem de resolver, sob pena de nulidade,
todas as questões suscitadas, quer se reportem ao fundamento do pedido do autor, quer a
exceções ou reconvenção deduzidas pelo réu (arts. 408º, nº 2, e 406º, nº 1, al. d), 1ª parte),
conhecendo de mérito. Para além da expressão de um juízo, a decisão contém um comando de
cumprimento obrigatório para as partes.681 Assim, se na parte decisória o juiz condena o réu
a pagar uma determinada quantia ao autor ou entregar um terreno (Julgo a ação procedente
por provada e, consequentemente, condeno o réu a pagar ao autor a quantia de US$ 5.000, ou
Julgo a ação procedente por provada e, consequentemente, condeno o réu a entregar ao autor
o terreno X livre e desocupado), estamos perante uma ordem de cumprimento obrigatório
para o réu. Se o réu não cumprir esta ordem terá que se sujeitar à execução forçada da mesma
através da ação executiva (art. 3º, nº 3, do CPC). 677 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III,
1980, págs. 269-270. Veja-se igualmente Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 464. 678 Veja-se
Marques, Acção Declatgrativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 630-631. 679 Reis, Código
de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 43. Sobre a questão do soligismo judiciário a a
subsunção dos factos ao direito veja-se ainda Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil,
págs. 670-674. 680 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, págs. 270-271. 681 Veja-se
Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, págs. 46-47. 246 Por outro lado, se o
juiz julgar improcedente a ação (Julgo a ação improcedente por não provada e,
consequentemente, absolvo o réu do pedido), o autor fica obrigado a acatar a decisão ficando
impedido de voltar a exigir do réu o que solicitou na ação. 2.3.2. Parte acessória Parte
acessória reporta-se às custas (art. 653º) e apreciação da eventual litigância de má-fé (art.
662º). Em regra, ainda, se manda registar e notificar a sentença, embora tal seja dispensável
por serem atos de cumprimento oficioso pela secretaria (art. 191º, nº 2, 126º, nº 1 e 2, e 122º,
nº 4, do CPC). Finaliza com a data e assinatura do juiz.682 3. Objeto, âmbito e limites da
sentença A sentença não pode conhecer em quantidade ou em objeto diverso do que tiver
sido pedido pelo autor (art. 409º, nº 1). Ou seja, a sentença deve manter-se, quanto ao seu
conteúdo, dentro dos limites definidos pela pretensão do autor e da eventual reconvenção do
réu.683 Portanto, o tribunal só pode resolver os litígios entre as partes dentro dos limites do
pedido formulado (art. 7º do CPC). No dizer de Bento Herculano Neto, “o princípio do
dispositivo está consubstanciado, inicialmente, pela necessidade de provocação da jurisdição e
pela limitação do juiz à chamada litiscontestatio”.684 Por exemplo, se o autor pediu uma
indemnização, o juiz não pode condenar na entrega da coisa; se o autor pediu a condenação
em 1.000, o juiz não pode condenar em 1.500, ainda que seja esse o valor do dano. Mas já
pode condenar em menos de 1.000, uma vez que nessa situação a decisão está dentro do
pedido. Porém, entende-se que o limite da condenação deve ser referido ao pedido global,
nada obstando a que, se esse pedido representar a soma de várias parcelas, que não
correspondam a 682 Veja-se Baptista, Processo Civil I, 2006, págs. 28-29. 683 Varela, Bezerra e
Nora, Manual de Processo Civil, pág. 675. Conforme o mesmo autor, trata-se de uma
consequência do princípio do dispositivo. 684 Neto, Lucon e Teixeira, Teoria Geral do Direito,
2009, pág. 64. Veja-se ainda Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado,
volume II, 2008, pág. 6. 247 pedidos autónomos, como acontece, por via de regra, nas ações
de indemnização, se possa valorar cada uma dessas parcelas, em quantia superior à referida
pelo autor, desde que o cômputo global fixado na sentença não exceda o valor total do
pedido.685 O pedido é a pretensão formulada pelo autor na petição inicial. O pedido é o efeito
jurídico que se pretende obter com a ação, traduzindo uma pretensão decorrente de uma
causa, a causa de pedir, consubstanciada em factos concretos, sendo, pois, os dois elementos
(pedido e causa de pedir) indissociáveis, como elementos identificadores da ação e
delimitadores do seu objeto, do que resulta que o pedido se individualiza como a providência
concretamente solicitada ao tribunal em função de uma causa de pedir.686 Ou seja, entende-
se por pedido o efeito prático que o autor visa obter na através da ação, ou a consequência
jurídica material que pediu ao tribunal para ser reconhecida.687 Esta orientação tem sido
assumida como válida na solução de casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta
como indemnização decorrente de um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na
soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou
classe de danos (v.g. danos patrimoniais e danos não patrimoniais, danos emergentes e lucros
cessantes, danos presentes e danos futuros), componentes ou integrantes do direito cuja
tutela é jurisdicionalmente solicitada. Compreende-se que assim seja nos casos em que, com
base na descrição de uma situação de facto, se afirma a titularidade de um direito que se
pretende ver tutelado mediante a declaração da sua existência e a concretização em valor
único da sua dimensão global, porque, então, se trata de pedido unitário, decomposto ou
desdobrado em parcelas que integram um só efeito jurídico, com a mesma e única causa de
pedir. 688 Esta doutrina é particularmente válida na realidade nacional, atenta a imaturidade
do sistema e a inexperiência de parte dos atores judiciais, que impõe aos tribunais uma maior
flexibilização 685 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 23-11-2010,
processo nº 456/06.8TBVGS.C1.S1, 1ª Secção, relator Helder Roque, acessível em www.
degsi.pt/jstj. 686 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 25-3-2010, processo
nº 1052/05.2TTMTS.S1, 4ª Secção, relator Vasques Dinis, acessível em www. degsi.pt/jstj. 687
Artur Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, Coimbra: Almedina, 1971, pág. 351,
citado no acórdão do Tribunal de Recurso de 14-2-2013, processo nº 14/Cível/2012/TR. Veja-
se igualmente Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2012, págs. 362-365. 688
Citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 25-3-2010, processo nº
1052/05.2TTMTS.S1, 4ª Secção, relator Vasques Dinis, acessível em www. degsi.pt/jstj. 248 da
interpretação das normas jurídicas e interpretação dos articulados.689 Excetuados os factos
notórios, os de conhecimento oficial do tribunal e os indiciadores de uso anormal do processo
(arts. 391º e 413º e 412º do CPC), o juiz só pode servir-se dos factos constitutivos, impeditivos
e modificativos ou extintivos das pretensões formuladas na ação (factos essenciais), alegados
pelas partes, seja qual for a natureza ou tipo de ação. Poderá, igualmente, conhecer dos factos
instrumentais nos termos já anteriormente referidos. Em relação à aplicação do direito aos
factos, o juiz goza de total liberdade, não se encontrando restringido à qualificação que as
partes lhe deram (art. 412º do CPC).690 O juiz pode ainda condenar o réu no que se liquidar
em execução de sentença, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida
(art. 409º, nº 2), quando seja, formulados pedidos genéricos (art. 353º do CPC), oi quando não
tenha elementos para fixar o objeto ou a quantidade.691 Quanto à equidade. Trata-se de
conceito que se associa à aplicação de justiça ao caso concreto é comum, pela natureza do
próprio sistema, nos sistemas jurídicos da common law, mas de uso mais restrito nos sistemas
jurídicos da civil law (art. 3º do Código Civil). Efetivamente, o recurso à equidade implica
poderes acrescidos do juiz, como bem salienta a ré/recorrente, que podem trazer
inconvenientes próprios da decisão não positivada.692 No entanto, se demasiado poder nas
mãos de um juiz pode levar a arbitrariedades, um sistema que fique prisioneiro da letra da lei
teria graves consequências na justa composição dos litígios.693 O recurso à equidade é, por
isso, genericamente permitido nos sistemas de civil law, para situações em que não é possível
fixar critérios legais de determinação das indemnizações, como acontece com os danos não
patrimoniais, ou em situações em que, embora se encontre provado o 689 Acórdão do
Tribunal de Recurso de 14-2-2013, processo nº 14/Cível/2012/TR. 690 Marques, Acção
Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 635-637. 691 Marques, Acção Declarativa à
Luz do Código Revisto, 2009, págs. 634-635. 692 Veja-se José de Oliveira Ascensão, O Direito,
Introdução e Teoria Geral, 13ª edição, Coimbra: Almedina, 2010, págs. 251-253. 693 G.M. Razi,
Reflections on Equity in the Civil Law Systems, The American University Law Review, vol. 13,
Washington: Washington College of Law, 1997, pág. 33, citado no acórdão do Tribunal de
Recurso de 14-2-2013, processo nº 14/Cível/2012/TR. 249 dano, não se consegue quantificar o
mesmo.694 As partes num contrato estão obrigadas não apenas pelo que acordaram explícita
ou implicitamente, mas também pelo que for determinado pela lei, costumes e equidade
segundo a natureza do contrato.695 Porém, pelas razões apontadas, a equidade não pode ser
determinada arbitrariamente, devendo atender-se as circunstâncias do caso, e às
particularidades da pessoa, tempo e lugar e modalidades do negócio.696 Assim, o julgamento
da equidade será, em última análise, sempre produto de uma decisão humana que visará
ordenar determinados problemas perante um conjunto articulado de proposições
objetivas.697 Relativamente aos factos supervenientes, nos termos do art. 411º, nº 1, do CPC,
a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do
direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão
corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.698 Assim, por
exemplo, se no decurso da ação o réu paga ao autor a dívida cujo reconhecimento este
solicita, estamos perante uma exceção perentória que extingue o direito do autor, a qual terá
que ser tomada em consideração na decisão final, embora o réu possa ser condenado nas
custas por ter pago já depois de intentada a ação. 4. Vícios da sentença 694 Conforme o art.
501º, nº 3, do Código Civil. Veja-se Paulo Mota Pinto, Interesse contractual negativo e
interesse contractual positivo, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, págs. 1101-1109, e
ainda Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 684.
695 S. Pompe, Indonesian Law 1949-1989: a bibliography of foreign-language materials with
brief commentaries on the law, Van Vollenhoven Institute for Law and Administration in Non-
Western Countries, Dordrecht: Martinus Nijhoff Publishers, 1992, pág 172. 696 Renata
Domingues Balbino Munhoz Soares, A boa-fé objetiva nas fases contratuais, acessível em
www.justitia.com.br/artigos/7zz15z.pdf. 697 António Menezes Cordeiro, O julgamento de
equidade, em O Direito, ano 122º, Lisboa, 1990, págs. 272-273. 698 Veja-se sobre o assunto
Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 677-681. Veja-se ainda Reis, Código de
Processo Civil Anotado, volume V, 2012, págs. 81-92. 250 4.1. Vícios de forma 4.1.1.
Enunciação Proferida a sentença fica esgotado o poder jurisdicional do juiz (art. 414º, nº 1, do
CPC), o que significa que não pode o mesmo tribunal voltar a reapreciar a sentença proferida,
alterando-a ou modificando os seus fundamentos. Mas a decisão pode não ser ainda definitiva,
uma vez que pode dela interpor recurso a parte, ou partes, que tenha ficado vencidas
(prejudicadas) com a decisão. Apenas o juiz que a proferiu fica impedido de a modificar.699 As
normas que se passam a analisar aplicam-se igualmente aos despachos (art. 414º, nº 3, do
CPC). Isto significa que o juiz não pode corrigir erros de julgamento, que só em recurso podem
ser corrigidos. Como exemplo do esgotamento do poder do juiz aponta Antunes Varela a
decisão proferida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 23-7-1974, que
julgou inadmissível a desistência da instância depois de proferida a decisão sobre o mérito da
causa, ainda que esta não tivesse transitado em julgado.700 Mas permite-se ao juiz sanar ou
corrigir vícios da sentença, enquanto tais vícios se afigurarem como questões marginais ou
secundárias que a sentença pode suscitar entre as partes. Constituem vícios formais da
sentença: os erros materiais (art. 415º do CPC); as nulidades (art. 416º do CPC); omissão ou
incorreta condenação quanto a custas e multa (art. 417º, nº 1, do CPC). 4.1.2. Erros materiais
O erro material consiste numa desconformidade entre o que é declarado na sentença e o que
efetivamente se pretendia dizer. Daí que se distinga do erro de julgamento. No primeiro caso
(erro material), o juiz escreveu coisa diferente do que queria escrever. No segundo caso (erro
de julgamento) o juiz quis escrever o que escreveu, mas decidiu mal.701 Como exemplo de
erro material, aponta Alberto dos Reis, o juiz, na sua fundamentação escreveu claramente que
a ação devia proceder, mas, por lapso, escreveu absolvo o réu do pedido na parte decisória.
699 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 639. 700 Varela, Bezerra e
Nora, Manual de Processo Civil, pág. 684. 701 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume
V, 2012, pág. 130. 251 Outro exemplo, na fundamentação da sentença o juiz concluiu que o
réu devia ao autor 1.000, mas na parte decisória condena-o a pagar apenas 100.702 Ou ainda
o erro de cálculo ou de escrita (art. 240º do Código Civil).703 Também é erro material a
omissão do nome das partes (que deve ser feita logo no início do relatório) e a omissão de
condenação em custas, ou o erro na mesma condenação (condenou-se o autor em vez de
condenar o réu, ou procedeu-se a errada repartição da responsabilidade pelas custas), ou
errada condenação em multa (art. 417º, nº 1, do CPC).704 A correção é feita a requerimento
de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz. Se tiver havido recurso, a retificação é feita,
antes da subida do recurso, ou não tendo sido interposto recurso, a todo o tempo, cabendo
agravo do despacho que a decidir (art. 415º do CPC). Conforme salienta Alberto dos Reis,
convém ter presente o disposto no art. 437º, nº 1, do CPC. “Requerida a rectificação durante o
prazo de interposição, o curso do prazo fica interrompido até à notificação do despacho
proferido sobre o requerimento”. Só após tal notificação se inicia a contagem do prazo.705
Isto independentemente de poder a parte requerer a retificação mesmo depois de interposto
o recurso. Do despacho que indeferir o requerimento de retificação, esclarecimento ou
reforma não cabe recurso. A decisão que deferir considera-se complemento e parte integrante
da sentença, nomeadamente para efeitos de recurso (art. 418º, nº 2, do CPC, por aplicação
analógica).706 Ou seja, não cabe recurso especial do despacho que recair sobre o pedido de
retificação. O recurso deverá incidir sobre a decisão já ratificada, ou não.707 O prazo para a
arguição de qualquer dos vícios da sentença é sempre de dez dias (art. 119º, nº 1, do CPC). 4.2.
Aclaração da sentença 702 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág.
640. 703 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 700.
704 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 708-709.
705 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 134. 706 Baptista, Processo
Civil I, 2006, pág. 477. Veja-se Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol.
II, 2008, pág. 701. 707 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 135. 252
Qualquer das partes pode requerer no tribunal que proferiu a sentença o esclarecimento de
alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha (art. 417º, nº 1, do CPC). Na definição
de Alberto dos Reis, “A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja
ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num
caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e
porventura opostos”.708 Estes vícios tanto se podem reportar à decisão em si como aos seus
fundamentos já que a lei não distingue as situações. O que não se pode é usar o mecanismo da
aclaração ou reclamação, não para esclarecer eventuais ambiguidades ou obscuridades, mas
sim para obter uma decisão diferente da que foi proferida, o que, diga-se, é bastante comum.
Neste caso o pedido será obviamente indeferido.709 Não é possível que a parte requeira ao
mesmo tempo a retificação ou aclaração e ao mesmo tempo a reforma e arguir a nulidade da
sentença (art. 418º, nº 3, do CPC). 710 A aclaração tem necessariamente que ser dirigida e
decidida pelo juiz que proferiu a decisão, uma vez que só ele pode esclarecer o que pretendeu
escrever quando o fez de forma deficiente.711 Porém, no entender de Alberto dos Reis, se
tiver havido substituição do juiz será o novo juiz titular a decidir.712 Se for de indeferir o
requerido por o novo juiz entender que a sentença não enferma de qualquer obscuridade ou
contradição, nada repugna esta solução, mas já se afigura que o processo deva ser remetido
para o juiz que proferiu a decisão se o novo juiz entender que pode assistir razão ao
reclamante no seu requerimento.713 É sempre admissível a pedido de aclaração,
independentemente do valor da causa. Podendo o mesmo ser requerido nas alegações de
recurso (arts. 416º, nº 3, e 417º, nº 4, do CPC). O regime de arguição é o previsto no art. 418º,
nº 1 e 2, do CPC. Assim, a parte contrária é ouvida, em requerimento de resposta (a apresentar
no prazo supletivo de dez dias do art. 119º, nº 708 Reis, Código de Processo Civil Anotado,
volume V, 2012, pág. 151. 709 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, págs.
151-154. 710 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 694. 711 Freitas, Machado
e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 708. 712 Reis, Código de Processo
Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 154. 713 Veja-se Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 479.
253 1, do CPC) ou em contra alegação (nos prazos previstos nos arts. 447º, nº 1, e 477º, nº 2,
do CPC), e a decisão fica a fazer parte da sentença inicial, apenas cabendo recurso desta, se
admissível. 4.3. Reforma da sentença Qualquer das partes pode requerer no tribunal que
proferiu a sentença a sua reforma quando, existir lapso manifesto na determinação da norma
aplicável; ou decisão contra documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem
necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não
considerou (art. 417º, nº 2, do CPC). O erro de julgamento que aqui está em causa pode ser
obviamente reparado por meio de recurso, o meio mais natural para o fazer. Porém, o
legislador permitiu ao juiz da primeira instância corrigir erros de julgamento manifestos,
embora nada obste a que a parte interponha o recurso.714 Mas já constituirá o único meio de
reação no caso de a ação não admitir recurso ordinário.715 Também a reforma da sentença
tem necessariamente que ser dirigida e decidida pelo juiz que proferiu a decisão, nos termos já
apontados anteriormente. Se houve total omissão, então aplica-se o regime constante do art.
415º. O que caracteriza os casos de reforma é a possibilidade de modificar a decisão por se
constar que a mesma está errada e, consequentemente, injusta, por fazer uma incorreta
interpretação ou aplicação do direito substantivo aplicável. Como exemplos Lebre de Freitas
aponta a aplicação pelo juiz de uma norma já revogada, a não aplicação de uma norma
existente, qualificar os factos em clara violação de conceitos ou princípios básicos de direito,
não ter reparado num documento que faça prova plena, ou a confissão ou admissão de certo
facto, o que leva a que a sentença enferme de erro grosseiro, tendo este sido determinante
para decisão.716 Não se trata já de erros revelados pelo próprio contexto da sentença ou de
peças do 714 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 155. 715 Freitas,
Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 709. 716 Freitas,
Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 709. 254 processo para
que ela remete, nem de omissões sem consequência no conteúdo da decisão, mas de erro
revelado por recurso a elementos que lhe são exteriores. 717 Qualquer das partes pode
recorrer da sentença após a reforma da mesma, mas, ainda que o processo não admita recurso
ordinário, poderá recorrer a parte que ficou prejudicada pela alteração (ou reforma) efetuada
(art. 418º, nº 4, do CPC). O prazo para requerer a reforma (que continua a ser o prazo supletivo
de dez dias do art. 119º, nº 1, do CPC), só começa a correr depois da notificação sobre a
decisão proferida sobre o pedido de retificação de erros materiais ou de aclaração da
sentença, se tal tiver sido solicitado (art. 418º, nº 3, do CPC). A parte contrária será sempre
notificada do pedido.718 4.4. Nulidades da sentença 4.4.1. Enunciação Outra categoria de
deficiências da sentença são as nulidades da sentença previstas no art. 416º, nº 1, do CPC. A
enumeração é taxativa, pelo que a sentença só é nula se ocorrer alguma das situações
enumeradas no artigo.719 As nulidades da sentença distinguem-se das nulidades do processo.
A nulidade processual não é o mesmo que nulidade da sentença. 720 As nulidades da sentença
são apenas as expressamente previstas no 416º, nº 1, do CPC,721 situação que não prevê as
nulidades processuais, as quais têm um regime próprio.722 A nulidade processual consiste na
prática de um ato que a lei não admita, ou a omissão de um ato ou de uma formalidade que a
lei prescreva, quando a lei o declare ou a irregularidade 717 Freitas, Machado e Pinto, Código
de Processo Civil Anotado, vol. II, 2008, pág. 709. 718 Importa tomar sempre em consideração
o princípio do contraditório que enforma todo o processo (art. 8º, nº 1, do CPC). 719 Varela,
Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 686, e Reis, Código de Processo Civil Anotado,
volume V, 2012, pág. 138. 720 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág. 517. 721
Trata-se de uma enumeração taxativa (Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012,
págs. 137-138). 722 Acórdão deste Tribunal de Recurso de 21-10-2010, processo nº
12/Agravo/Cível/2010/TR. Veja-se Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado,
volume I, 2008, pág. 373. 255 cometida possa influir no exame ou decisão da causa (art. 163º,
nº 1, do CPC).723 Como refere Anselmo de Castro, “As nulidades do processo constituem
desvios do formalismo processual prescrito na lei, a que esta faça corresponder, embora não
de forma expressa, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais”.724
Segundo Ferreira de Almeida, “As nulidade do processo constituem uma figura dogmática
essencialmente distinta da das invalidades (em geral) e das nulidades do acto jurídico. … Já as
nulidades do processo consistem sempre num vício de carácter formal”.725 A nulidade
processual contemplada pelo art. 163º, nº 1, do CPC, tem necessariamente que ser arguida
(art. 164º, nº 2, do CPC).726 Por outro lado, contém um regime próprio de arguição, ou seja,
nos termos constantes do art. 167º do CPC, tem que ser suscitada perante o tribunal em que
teve lugar e só perante discordância do despacho que sobre a mesma incidiu é que pode ser
apresentado recurso.727 Assim, se a nulidade processual deve ser, como se viu, invocada
perante o tribunal onde a mesma se verificou (neste caso perante o tribunal a quo), e tem que
ser por este conhecida em primeira linha, só se podendo recorrer da decisão que o tribunal
proferir sobre tal questão, então ela deve ser invocada autonomamente e perante tal tribunal
e não em sede de alegações de recurso da sentença, a menos que a apresentação destas
ocorra dento do prazo previsto nos aludidos arts. 119º, nº 1, e 167º, nº 1, do CPC.728 A
nulidade da sentença pode ser declarada e invocada a todo o tempo.729 Porém, se não se
recorreu da sentença e esta transitou em julgado, a mesma passa a ter força executiva, apesar
do vício de que enferma.730 723 Freitas, Redinha e Pinto, Código de Processo Civil Anotado,
volume I, 2008, pág. 370. 724 Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório,
vol. III, Coimbra: Almedina, 1982, pág. 103, citado no acórdão do Tribunal de Recurso de 14-2-
2013, processo nº 14/Cível/2012/TR. 725 Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, 2010, pág.
517. 726 Trata-se daquilo a que Alberto dos Rei apelida de nulidades de segundo grau, “de que
só se pode conhecer mediante arguição ou reclamação dos interessados” (Reis, Código de
Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 318) e não de uma nulidade absoluta. 727 Reis,
Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 319. 728 Almeida, Direito Processual
Civil, vol. I, 2010, pág. 519. 729 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado,
vol. II, 2008, pág. 701. 730 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 139.
256 4.4.2. Nulidades 4.4.2.1. Falta de assinatura do juiz A falta de assinatura do juiz (art. 416º,
nº 1, al. a), do CPC) corrige-se oficiosamente ou a requerimento das partes, sem qualquer
contraditório, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença,
declarando no processo a data em que apôs a assinatura (art. 416º, nº 2, do CPC). A correção é
sempre pedida no tribunal que proferiu a sentença. Trata-se de um procedimento expedito de
suprimento, sem audição da parte contrária.731 Da redação do artigo extrai Alberto dos Reis a
conclusão de que não constitui nulidade a falta de data da sentença, a omissão do nome das
partes, ou mesmo de relatório, ou que a sentença seja redigida por pessoa diferente do
juiz.732 4.4.2.2. Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a
decisão Só a falta absoluta de fundamentação implica a nulidade da sentença, nos termos do
art. 416º, nº 1, al. b), do CPC.733 A incorreta fundamentação jurídica da sentença nunca pode
determinar a nulidade aludida.734 Ou seja, não constitui nulidade a mera deficiência de
fundamentação, sobretudo da fundamentação de direito.735 Segundo Antunes Varela, “Para
que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja
deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se
possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.736 Assim, há
falta de especificação dos fundamentos de facto se não se concretizou a matéria de facto
provada tal como resulta da decisão proferida em julgamento nas respostas aos quesitos. 731
Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, pág. 687. 732 Reis, Código de Processo
Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 138. 733 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V,
2012, pág. 140. Veja-se o acórdão do Tribunal de Recurso de 14-2-2013, processo nº
14/Cível/2012/TR. 734 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, págs. 687-688.
735 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 703. 736
Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, pág. 687. 257 Não se deve repetir na
sentença a fundamentação que o coletivo deu para a decisão de facto.737 Só se o juiz
acrescentar factos nos termos desde preceito, terá que fazer o exame crítico das provas dos
mesmos (dos novos factos).738 Mas há falta da especificação dos fundamentos de facto se o
juiz se limitar a remeter para a especificação e resposta ao questionário, ou para uma peça
processual (como, por exemplo, provaram-se todos os factos alegados pelo autor).739
Relativamente à especificação da fundamentação jurídica, o que se exige é que resolva todas
as questões suscitadas pelas partes e fundamente juridicamente a solução adotada para
resolução do litígio. Porém, não tem o juiz que analisar todas as razões jurídicas ou
argumentos que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora tenha que
resolver todas as questões suscitadas pelas partes. Basta, pois, que a fundamentação da
sentença contenha a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adotada,
conforme disposto no art. 412º do CPC. 740 Por outro lado, não constitui nulidade a falta de
especificação das disposições legais que fundamentam a decisão, desde que se enunciem os
respetivos princípios, embora tal indicação deva ser feita. 741 Mas já haverá falta de
fundamentação na simples remissão genérica para os fundamentos invocados pelas partes.742
4.4.2.3. Oposição entre os fundamentos e a decisão O que se comina com a nulidade é a
contradição real e não meramente aparente resultante de simples erro material, seja na
fundamentação, seja na decisão. 737 Veja-se supra parágrafo 2.2., deste Capítulo e Secção.
738 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 23, e acórdão do Tribunal de
Recurso de 14-2- 2013, processo nº 14/Cível/2012/TR. 739 Freitas, Machado e Pinto, Código
de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, págs. 703-704. Contra Antunes Varela que aceita
que se possa fazer por remissão, embora refira posição diversa do Supremo Tribunal de Justiça
de Portugal (Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, págs. 687-688). 740
Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, pág. 688. 741 Varela, Bezerra e Nora,
Manual de Processo Civil, 1985, pág. 688. Veja-se ainda, com exemplos concretos, Reis, Código
de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 23. 742 Freitas, Machado e Pinto, Código de
Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 704. 258 No dizer de Lebre de Freitas, “Entre os
fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se na fundamentação da
sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada
conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será
causa de nulidade da sentença”.743 Se o que se pretende com a fundamentação é justificar a
decisão, não se pode considerar justificada a decisão se está em contradição com os
fundamentos que a apoiam.744 Haverá contradição se, por exemplo, na fundamentação o juiz
considera que o contrato é nulo, mas depois condena o réu a cumprir o contrato.745 4.4.2.4.
Falta de pronúncia sobre as questões que devesse apreciar ou conhecimento de questões de
que não podia tomar conhecimento É ainda nula a sentença quando o juiz deixe de
pronunciar-se sobre as questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não
podia tomar conhecimento (art. 416º, nº 1, al. d), do CPC). 746 Como já se referiu, o juiz deve
resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas
aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se
senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o
conhecimento oficioso de outras (art. 408º, nº 2, do CPC). É a violação deste preceito que aqui
é cominada com nulidade da sentença.747 Já não existirá nulidade se for omitida a
consideração de linhas de fundamentação jurídica invocada pelas partes, diferente da que foi
seguida na sentença.748 O segundo caso de nulidade ocorre quando o juiz conhece de causas
de pedir que não foram invocadas, ou de exceção que não sejam de conhecimento oficioso e
não tenham sido invocadas pelas partes (art. 408º, nº 2, 2ª parte, do CPC). 749 É, porém,
distinta nulidade resultante de o 743 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil
Anotado, vol. II, 2008, pág. 704. 744 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012,
pág. 140. 745 Veja-se igualmente Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, págs.
689-690. 746 Vejam-se os exemplos indicados em Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo
Civil, 1985, págs. 690-691. 747 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág.
142. 748 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág.
704. 749 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág.
705. 259 tribunal tomar conhecimento de matéria que não podia conhecer, da situação de o
tribunal usar elementos na sentença que não podia usar (factos não articulados, por exemplo),
que já constitui erro de julgamento e não nulidade.750 4.4.2.5. Condenação em quantidade
superior ou em objeto diverso do pedido É nula a sentença quando condene em quantidade
superior ou em objeto diverso do pedido (art. 416º, nº 1, al. e), do CPC).751 Esta nulidade está
conexionada com a regra do art. 409º, nº 1, do CPC, sobre os limites da condenação,
quantitativos e qualitativos (A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em
objeto diverso do que se pedir). A nulidade da sentença pode ser total, mas é apenas parcial
quando, havendo vários pedidos, respeite apenas à apreciação de um deles.752 Por exemplo,
o autor pede o despejo do réu, e consequente entrega do imóvel, bem como o pagamento de
renda em dívida no valor de US$ 600. O juiz condena o réu no despejo e a pagar ao autor US$
900 de rendas. A nulidade afeta apenas a parte da sentença em que se condena o réu a pagar
um valor superior ao pedido pelo autor. 4.4.2.6. Suprimento O suprimento pode ser solicitado
por qualquer das partes. O prazo será o prazo ordinário do art. 119º, nº 1, do CPC (dez dias) se
a sentença não admitir recurso, ou o prazo de recurso, do art. 436º, nº 1, do CPC (que é
igualmente de dez dias), se a sentença admitir recurso.753 O requerente deve especificar, no
seu requerimento, a nulidade que entende verificar-se, mostrar que a mesma se verifica e
pedir que seja suprida.754 Arguida a nulidade, a secretaria notifica oficiosamente a parte
contrária para responder no 750 Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág.
146. 751 Sobre esta questão veja-se supra parágrafo 3., deste Capítulo e Secção. 752 Freitas,
Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 705. 753 Reis,
Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 149. 754 Reis, Código de Processo Civil
Anotado, volume V, 2012, pág. 149. 260 mesmo prazo supletivo de dez dias (art. 418º, nº 1, do
CPC). Se a causa admitir recurso ordinário, o recurso pode ter como fundamento qualquer das
nulidades previstas nas alíneas b) a e) do art. 416º, nº 1 do CPC (arts. 416º, nº 3, e 462º do
CPC). Se a arguição for atendida, a decisão que a defere considera-se complemento e parte
integrante da sentença (art. 418º, nº 2, parte final), podendo haver recurso da sentença como
um todo, integrando a alteração introduzida. Pode haver recurso nas ações que não o
admitam se a alteração prejudicar a parte que não a requereu (art. 418º, nº 4, do CPC).755
Havendo arguição de nulidades, pedido de aclaração ou reforma, ou retificação de erros
materiais, o prazo de recurso só começa a correr depois da notificação da decisão proferida
sobre o requerimento (art. 437º, nº 1, do CPC). 4.5. Erro de julgamento O erro de julgamento
ocorre quando o juiz decide contra a lei expressa ou contra os factos provados. O juiz está
errado no julgamento que faz da causa, não podendo emendar o erro por recurso ao disposto
no art. 415º do CPC. O erro de julgamento resulta duma errada perceção ou conhecimento da
lei ou duma errónea apreciação dos factos provados. Em relação a este tipo de situação o
único remédio é a impugnação judicial da decisão por via do recurso, permitindo que um
tribunal superior reaprecie a questão, emendando o erro de julgamento.756 Nestas situações
pode dizer-se que o juiz da causa não tem poder para reapreciar a questão, mesmo que se
aperceba do erro cometido, por o seu poder jurisdicional se encontrar esgotado com a
prolação da decisão (art. 414º, nº 1, do CPC). Porém, conforme já referido, se não for
admissível recurso, pode interpor reclamação, quando tenha ocorrido lapso manifesto na
determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, ou se tenha ignorado
documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão
diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração (art.
417º, nº 2, do CPC). 755 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II,
2008, pág. 712. 756 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II,
2008, pág. 709. 261 5. Efeitos da sentença 5.1. Efeitos processuais Desde logo a sentença
(quando transitada) extingue a relação jurídica processual (a instância).757 O julgamento ou
sentença de mérito é mesmo o modo normal de extinção da instância.758 O segundo efeito
processual é a atribuição à sentença da natureza de título executivo (arts. 669º, nº 1, al. a), e
670º, nº 1, do CPC), embora o requisito do trânsito em julgado não se verifique nos casos em
que o recurso da sentença tem efeito meramente devolutivo.759 A sentença é mesmo o título
executivo por excelência.760 5.2. Efeitos substantivos Entre os efeitos substantivos enuncia a
doutrina: 761 A conversão de eventual prazo mais curto prescrição no prazo ordinário (arts.
302º e 300º do Código Civil). A obrigação resultante da sentença tem o prazo de prescrição
ordinário de vinte anos, ainda que a obrigação que fora invocada pelo autor tivesse prazo
inferior. A possibilidade de o autor proceder ao registo de hipoteca sobre um bem imóvel do
credor para garantia do pagamento no caso de condenação do réu a pagar uma quantia ao
autor (art. 644º do Código Civil). 6. Caso julgado 757 Marques, Acção Declarativa à Luz do
Código Revisto, 2009, pág. 641, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 468. 758 Reis, Código de
Processo Civil Anotado, volume I, 2012, pág. 393, e Freitas, Redinha e Pinto, Código de
Processo Civil Anotado, vol. I, 2008, pág. 555. 759 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código
Revisto, 2009, pág. 641, e Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 468. 760 Mendes, Direito
Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 274. 761 Veja-se Mendes, Direito Processual Civil, vol. III,
1980, pág. 274-275, Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 642, e
Baptista, Processo Civil I, 2006, pág. 469-470. 262 Transitada em julgado a sentença, a decisão
sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora
dele nos limites fixados pelos artigos 376º e seguintes. Mais têm o mesmo valor os despachos
que recaiam sobre o mérito da causa (art. 419º, nº 1, do CPC). Ocorre trânsito em julgado se
não for interposto decisão proferida na primeira instância, ou quando não seja mais suscetível
de recurso ordinário ou de reclamação (art. 427º do CPC). Ou seja, a sentença faz caso julgado
quando a decisão nela contida já não pode ser modificada por ato jurisdicional.762 6.1. Caso
julgado formal O caso julgado formal ou externo, ocorre se estiverem em causa sentenças ou
despachos que julgaram, com trânsito em julgado, questões de carácter processual. O caso
julgado formal tem força obrigatória apenas dentro do processo, obstando a que o juiz possa,
na mesma ação, alterar a decisão proferida, mas permite que, noutra ação, a mesma questão
processual seja apreciada e decidida em termos diferentes (art. 420º do CPC).763 O caso
julgado formal refere-se a decisões que não apreciam o mérito da causa, reportando-se tanto
à ação principal como a qualquer incidente apenso à mesma.764 Será o caso do despacho
saneador que absolve o réu da instância. A questão já não pode voltar a ser apreciada no
mesmo processo, mas pode intentar-se novo processo idêntico ao mesmo, corrigindo-se,
obviamente, o vício que levou à absolvição da instância.765 6.2. Caso julgado material O caso
julgado material, substancial ou interno, verifica-se se estiverem em causas sentenças ou
despachos que julgaram, com trânsito em julgado, questões concernentes à relação material
em litígio. Tem força obrigatória dentro e fora do processo, impedindo que o mesmo tribunal
ou outro possa definir em termos diferentes o direito concretamente aplicável à relação
jurídica controvertida (art. 419º). 762 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, pág.
702. 763 Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, págs. 703-704. 764 Freitas,
Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2008, pág. 716. 765 Marques,
Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 644, e Baptista, Processo Civil I, 2006,
pág. 470. 263 A decisão final, quando conhece de mérito, e após trânsito, faz caso julgado,
dirimindo definitivamente o conflito de interesses submetido à apreciação do tribunal. A
sentença fixa em termos imperativos o direito aplicável ao caso concreto submetido pelas
partes ao julgamento do tribunal.766 No dizer de Remédio Marques, “Este efeito da sentença
consiste exactamente na insusceptibilidade da substituição ou da modificação da decisão por
qualquer tribunal, incluindo o tribunal que a tenha proferido. O resultado da composição do
conflito de interesses torna-se indiscutível”.767 O caso julgado garante a imodificabilidade da
decisão transitada em julgado. Se for proposta outra ação para apreciação da mesma questão,
será julgada procedente a exceção dilatória de caso julgado, a qual é de conhecimento oficioso
(arts. 372º, n.º 1 e 2, 373º, al. h), 376º e 377º do CPC), evitando-se que o tribunal seja
colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.768 O caso julgado
material pressupõe obviamente o caso julgado formal.769 6.3. Limites ao caso julgado 6.3.1.
Limites subjetivos do caso julgado Mas a lei estabelece limites ao caso julgado, ou seja,
determina qual a extensão daquilo que se torna indiscutível. Esta matéria vem tratada no art.
377º, nº 1, do CPC, quanto prescreve que Repete-se a causa quando se propõe uma ação
idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir. 770 Assim, a discussão entre
sujeitos diferentes dos vinculados pelo processo ou de objeto diferente quanto ao pedido ou à
causa de pedir (ou a ambos) está fora dos limites do caso julgado. Os limites em relação aos
sujeitos são conhecidos pelos limites subjetivos do caso julgado. Ou seja, a discussão entre
sujeitos diferentes dos vinculados pelo processo está fora dos 766 Varela, Bezerra e Nora,
Manual de Processo Civil, pág. 698. 767 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto,
2009, pág. 644. 768 Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II,
2008, pág. 345. 769 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 277. 770 Veja-se supra
o Capítulo III, parágrafo 8.3. 264 limites do caso julgado, e portanto não é vedada pela
indiscutibilidade àquele inerente.771 Quanto aos limites subjetivos: regra geral, o caso julgado
tem apenas eficácia inter partes, ou seja, às partes processuais de determinado litígio. Para
este efeito, a identidade de sujeitos é aferida em função da sua qualidade jurídica (art. 377º,
nº 2, do CPC). Há situações em que a eficácia do caso julgado ultrapassa o âmbito das partes.
Por exemplo, na fiança o caso julgado entre credor e devedor não é oponível ao fiador, mas
permite-se que o fiador invoque em seu benefício o caso julgado, a não ser que respeite a
circunstâncias pessoais que não excluam a responsabilidade do fiador. Já o caso julgado entre
credor e fiador aproveita ao devedor desde que respeite à obrigação principal, mas não o
prejudica o caso julgado desfavorável. Nas obrigações solidárias, é estabelecido um regime
paralelo: se o caso julgado for desfavorável, não é oponível aos co-interessados; se for
favorável, é oponível aos interessados, salvo se for baseado em razões pessoais ou restritas.
Por sua vez, o regime das obrigações indivisíveis também se assemelha: o caso julgado
favorável a um dos credores aproveita aos outros, exceto se o devedor tiver contra estes
especiais meios de defesa. Importa, ainda, ter em atenção que o art. 422º do CPC consagra um
regime especial para as ações sobre o estado das pessoas, porque, nestes casos, o caso julgado
produz efeitos mesmo em relação a terceiros quando, proposta a ação contra todos os
interessados diretos, tenha havido oposição, sem prejuízo do disposto, quanto a certas ações,
na lei civil. Nesta situação, o caso julgado tem efeitos erga omnes e não apenas inter partes.
772 Por fim, ainda outra situação, de cariz bastante prático: ocorrendo transmissão, por ato
entre vivos, da coisa ou direito litigioso, diz o art. 223º, nº 1, do CPC, que o transmitente
continua a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente não for admitido a substituí-
lo, mas a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha na
ação (art. 223º, nº 3, do CPC).773 6.3.2. Limites objetivos do caso julgado 771 Mendes, Direito
Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 280. 772 Veja-se Marques, Acção Declarativa à Luz do
Código Revisto, 2009, págs. 666-675, Freitas, Machado e Pinto, Código de Processo Civil
Anotado, volume II, 2008, págs. 348-349, e Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil,
págs. 720-733. 773 Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, págs. 668-669.
265 Os limites em relação ao objeto são identificados como limites objetivos do caso julgado.
774 Quanto aos limites objetivos, o caso julgado abrange apenas a decisão final referente ao
pedido, não se estendendo aos fundamentos da decisão.775 Contudo, o caso julgado objetivo
também abrange as questões preliminares, ainda que implícitas, que funcionam como
pressupostos necessários e fundadores da decisão final. 776 Há identidade de pedido quando
numa e noutra causa se pretenda obter o mesmo efeito jurídico (art. 377º, nº 3, do CPC). O
caso julgado está, ainda, limitado pela causa de pedir.777 Há identidade de causa de pedir
quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações
reais, a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e
de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito
pretendido (art. 377º, nº 4, do CPC). 774 Veja-se supra o Capítulo III, parágrafo 8.3. 775
Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2009, pág. 651. 776 Acórdão do Supremo
Tribunal de Portugal de 20-5-2004, processo nº 04B281, relator Noronha do Nascimento,
acessível em www.dgsi.pt/jstj. 777 Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, 1980, pág. 283. 266
267 BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Francisco Manuel Lucas Ferreira de, Direito Processual Civil,
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Braga: Campus de Gualtar, Direitos Humanos-Centro de Investigação Interdisciplinar, Escola de
Direito da Universidade do Minho, 2011. 269 270 ÍNDICE Capítulo I – Introdução
……………………………………………………………………. 1 1. Conceito ………………………………………………..
…………………………… 1 2. Características do processo civil ………………………………………………….. 2
2.1. Ramo do direito público …………………………………………………….. 2 2.2. Direito instrumental ou
adjetivo …………………………………………….. 3 2.3. Aplicação imediata
………………………………………………………….. 4 2.4. Fontes e integração de lacunas
…………………………………………….... 6 3. Autodefesa e jurisdição
………………………………………………………..….. 7 3.1. Proibição da autodefesa
…………………………………………………..…. 7 3.2. Jurisdição ………………………………………………………………..
…… 7 3.3. O direito de ação …………………………………………………………….. 9 4. Tipos de jurisdição
……………………………………………..…………………… 10 4.1. Jurisdição contenciosa
……………………………………………………….. 10 4.2. Jurisdição voluntária
……………………………………………………….... 11 5. Tipos e formas do processo
………………………………………………………... 13 5.1. Tipos de ação
……………………………………………………………….... 13 5.2. As ações declarativas
………………………………………………………… 15 5.3. Formas de processo declarativo
……………………………………………… 21 5.4. As ações executivas
………………………………………………………….. 22 6. Princípios de processo civil
………………………………………………………... 23 6.1. Conceito e relevância
………………………………………………………… 23 6.2. Princípio do dispositivo
……………………………………………………… 24 6.3. Princípio do inquisitório
……………………………………………………... 26 6.4. Princípio do contraditório
……………………………………………………. 28 6.5. Princípio da igualdade das partes
……………………………………………. 29 6.6. Princípio da legalidade
………………………………………………………. 31 6.7. Princípio da celeridade processual
…………………………………………… 32 6.8. Princípio da economia processual
……………………………………………. 32 6.9. Princípio do juiz natural
……………………………………………………… 33 6.10. Princípio do duplo grau de jurisdição
………………………………………. 34 6.11. Princípio da cooperação ……………………………………………………..
35 271 6.12. Princípios relativos à prova ………………………………………………… 36 6.12.1. Princípio
da aquisição processual …………………………………… 36 6.12.2. Princípio da livre apreciação
………………………………………... 37 6.13. Princípios relativos à audiência e produção da prova
………...…………..... 38 6.13.1. Princípio da imediação ………………………………………………. 38 6.13.2.
Princípio da concentração …………………………………………… 39 6.13.3. Princípio da oralidade
………………………………………………. 40 6.13.4. Princípio da plenitude da assistência dos juízes
…………..………….. 41 6.13.5. Princípio da publicidade ……………………………..……………….. 41 6.14.
Princípio da submissão ao direito substantivo ……………………………... 42 Capítulo II –
Pressupostos processuais …………………………………………………… 45 1. Conceito
…………………………………………………………………………… 45 2. Personalidade judiciária ou processual
……………………………………………. 45 2.1. Conceito e medida da personalidade judiciária
…………………………….. 45 2.2. Extensão da personalidade judiciária ………………………………………...
46 2.3. Consequências da falta de personalidade judiciária ………………………..... 48 3. Capacidade
judiciária ou processual ……………………………………………..... 49 3.1. Conceito e medida
…………………………………………………………... 49 3.2. Anomalias existentes ao nível do pressuposto
da capacidade judiciária ……. 50 4. Legitimidade ……………………………………………………………………….
52 4.1. Legitimidade Processual Singular …………………………………………… 52 4.2. Legitimidade nas
relações com pluralidade de interessados ………………... 55 5. Falhas ao nível dos pressupostos
processuais e exceções dilatórias ………………. 57 6. Patrocínio Judiciário ………………………….
………………………………….... 58 7. Organização Judiciária e Competência dos Tribunais
…………………………….. 60 7.1. Competência ………………………………………………………………… 60 7.2.
Competência internacional ………………………………………………….. 61 7.3. Competência interna
………………………………………………………… 65 7.3.1. Competência em razão da matéria
…………………………………….. 65 7.3.2. Competência em razão da hierarquia
………………………………….. 69 7.3.3. Competência em razão do valor e da estrutura do tribunal
…………… 70 7.3.4. Competência em razão do território …………………………………... 70 272 7.4.
Competência em matéria de execuções ……………………..………………... 75 7.5. Extensão e
modificação da competência ………..……………………………. 76 7.6. Competência convencional
………………………………………………….. 77 7.7. Violação das regras de competência ……….…………..
……………………… 78 7.7.1. Incompetência absoluta …………….……….…………………………... 79 7.7.2.
Incompetência relativa ………………………………………..………… 79 7.7. Conflitos de competência
………………….…………..……………………… 80 7.8. Garantias da imparcialidade do juiz ………….
……………………………….. 81 Capítulo III – Tramitação Processual ………………………..
…………………………….. 85 Secção I – Articulados …………………………………………………………………….. 85
1. Petição inicial ……………………………………………………………………….. 85 1.1. Conceito
……………………………….……………………………………….. 85 1.2. Requisitos da petição inicial
………………..…………….……………………. 86 1.3. O pedido
……………………………………………………………………….. 93 1.3.1. Noção
…………………………………………………………………….. 93 1.3.2. Tipos de pedidos
………………………………………………………… 94 2. Valor da causa ………………………………………………..
…………………......... 96 3. Formalidades iniciais (distribuição) ………………………………..……….………..
97 4. Despacho Inicial …………………………………………………..……….………… 98 4.1. Indeferimento
liminar ……………………………………….………..………... 98 4.2. Atitudes do autor face ao indeferimento
liminar da petição …..……….……… 101 4.3. Despacho de aperfeiçoamento
…………………………………………..……... 103 5. Citação …………………………………………………………..
……………..…….. 105 5.1. Conceito ……………………………………………………………...…..…….. 105 5.2.
Despacho de citação …………………………………………………….....…… 105 5.3. Efeitos da citação
………………………………………………...…..………… 107 5.3.1. Efeitos materiais (ou substantivos)
……………………………...…..……. 107 5.3.2. Efeitos processuais (ou adjetivos) ……………………………..
…..……... 108 5.4. Modalidades de citação ………………………………...…………..…………... 109 5.4.1.
Citação pessoal ………………………………………………………….. 109 5.4.2. Citação com hora certa
………………………………………………….. 110 5.4.3. Citação edital
……………………………………………………………. 114 273 5.5. Nulidade da citação
…………………………………...………..………………. 116 5.5.1. Falta de citação
…………………………………………………………... 116 5.5.2. Nulidade da citação ………….
…………………………………………... 116 6. Notificações ………………………………..…………………………...
…………….. 118 7. Notificações judiciais avulsas …………………………………..……………...……... 119 8.
Contestação ………………………………..……………………………..…………... 121 8.1. Conceito e efeitos
…………………………………...……………..…………… 121 8.2. Defesa por impugnação e defesa por
exceção …………………….....…………. 122 8.3. As exceções de litispendência do caso julgado
…………………...……..……... 124 8.4. Princípio da concentração da defesa na contestação ou da
preclusão da defesa 126 8.5. Ónus de impugnação especificada …………………………...…………..……..
127 8.6. Contestação-reconvenção ……………………………..…………..…………… 128 8.7. Prazo para a
entrega da contestação ……………………………..……..……… 130 8.8. Revelia do réu
……………………………..……………………..…………….. 133 9. Réplica ……………………………..
………………………….……..……………..... 135 9.1. Resposta à contestação ………………………….
…………………..…...…….. 135 9.2. Resposta à reconvenção ……………………………………………..…...……..
136 10. Articulados supervenientes ………………………………………….....…………… 136 Secção II –
Despacho Saneador Especificação e Questionário ………………..………….... 139 1. Tentativa de
conciliação ………………………………..…………………..………... 139 2. Despacho saneador
…………………………………..……………………..………... 142 2.1. Conceito …………………………………………...
………………..………..… 142 2.2. Funções do despacho saneador …………………………………..……………..
143 2.2.1. Conhecer as exceções dilatórias e nulidades (despacho pré-saneador) ...… 143 2.2.2.
Exceções dilatórias …………………………………………..…………… 144 2.2.3. Nulidades
…………………………………………………..…………….. 146 2.3. Conhecer as exceções perentórias
…………………………..………………….. 147 2.4. Conhecimento do mérito da causa
………………………….....……………….. 148 2.5. Recursos …………………………………..……………………..
………….….. 150 2.5.1. Recurso de apelação ……………………………………………………... 150 2.5.1.
Recurso de agravo ………………………………………………………... 151 2.6. Alcance do despacho
saneador (efeitos) ………………………..………...……. 152 274 3. Especificação e questionário
……………………………………..…..………………. 153 3.1. Conceito e função
………………………………………………………………. 153 3.2. Especificação
………………………………………………...…………………. 155 3.3. Questionário
………………………………………………………………..…... 157 3.4. Reclamação
…………………………………………………..………………… 161 3.5. Indicação das provas
……………………………………….………………….. 163 Secção III – Instrução do Processo (Provas)
………………………………….……………. 167 1. Conceito …………………………………………………………….……….
……….. 167 2. Objeto da prova ………………………………………………………………..……... 168 3. Ónus de
prova ………………………………………………….……………………. 169 3.1. Repartição do ónus de prova
…………………………………………….…… 169 3.2. Inversão do ónus de prova
……………………………………………….…… 173 4. Meios de prova ……………..…………………………………….
………….………. 175 4.1. Definição e enunciação ………………………….……………….………..…... 175 4.2.
Classificação das provas ……………………………………………………… 176 4.2.1. Classificação doutrinal
…………………….………………………...….. 176 4.2.2. Classificação legal ………………………….
………………………...….. 177 5. Procedimentos probatórios ……………..……………………….………….……….
177 5.1. Procedimentos …………………………………………………………………. 177 5.2. Princípios
relativos à produção da prova ……………………………………. 179 5.2.1. Enunciação
………………………………………………………………. 179 5.2.2. Dever geral de colaboração na descoberta
da verdade material ……….. 180 5.2.3. Os poderes oficiosos do tribunal
……………………………………….. 181 5.3. Produção antecipada de prova
……………………………………………….. 183 5.4. Registo dos depoimentos prestados antecipadamente
ou por carta ………… 183 6. Provas legais ………………………………………………………………………… 184
6.1. Prova por apresentação de coisas móveis ou imóveis ……………..……..……… 177 6.2.
Presunções ……………………….………………………………..…………... 185 6.3. Depoimento de parte
…………….………………………………..…………... 186 6.4. Prova testemunhal ………………………..
……………………..…………….. 189 6.4.1. Disposições gerais ………………………………………………………..
189 6.4.2. Produção da prova testemunhal ………………………………………… 191 275 6.5. Prova
documental …………..…………………………………………..……... 196 6.4.1. Disposições gerais
……………………………………………………….. 196 6.4.2. Produção da prova documental ….
……………………………………… 199 6.6. Prova por inspeção …………………….………………………..….………….
201 6.7. Prova pericial ……………………..……………………………..…………….. 202 7. Valoração da prova
………………………………………………………..…………. 204 5.1. Prova livre; presunções judiciais; da
convicção do julgador …………………… 204 5.2. Prova legal ou tarifada: prova documental e
prova por confissão …..…………. 205 5.3. Prova pericial ………………………………………………………..
…………. 207 Secção IV – Discussão e julgamento da causa …………………………………..………... 209 1.
Audiência de discussão e julgamento ……………..…………………..……………. 209 1.1. Noções gerais
…………………………………………………………………... 209 1.2. Formalidades iniciais
…………………………………………………………... 209 1.3. Registo da prova produzida em audiência
……………………………………. 213 2. A audiência ………………………………………………………………..………….
213 2.1. Atos preliminares (adiamento) ………………………………………………... 214 2.2. Tentativa de
conciliação …………………………………………..…………... 219 2.3. Produção de prova
………………………………………………..…………... 219 2.4. Debate judiciário
…………………………………………………..…………... 226 3. Julgamento ……………………………………….
……………………..……………. 227 3.1. Decisão da matéria de facto controvertida …………………………..
…………. 227 3.2. Fundamentação de facto e das motivações não jurídicas ………..…….…….. 229
3.3. Recursos e reclamações ………..………………………………………..…….. 231 3.4. Discussão do
aspeto jurídico da causa …………………………..…….…….. 234 Secção V –Sentença
………………………………………………………..………..……... 237 1. Noções gerais ……………………………….
…………………………..……………. 237 2. Estrutura e forma ……………………………….……………………..
……………. 238 2.1. Relatório ………………………………………..…………………..…………. 238 2.2.
Fundamentos ………………………………………..………………..……….. 240 2.2.1. Fundamentos de facto .
………………………..………………..……….. 240 2.2.2. Fundamentos de direito ..……………………..
………………..……….. 243 2.3. Decisão ………………………………………………...………………..……... 244 276
2.3.1. Parte essencial .………………….……………..………………..……….. 245 2.3.2. Parte acessória
………..………………………..………………..……….. 246 3. Objeto, âmbito e limites
………………………………………..……………..…….. 246 4. Vícios da sentença
………………………………………………………………..…... 249 4.1. Vícios de forma
………………………………………….…………………..… 250 4.1.1. Enunciação .……………………………………..
………………..……….. 250 4.1.2. Erros materiais ………..………………………..………………..……….. 250 4.2.
Aclaração da sentença ………….……………………….…………………..… 251 4.3. Reforma da sentença
…………….……………………….…………………..… 253 4.4. Nulidades da sentença ………….
……………………….…………………..… 254 4.4.1. Enunciação .……………………………………..………………..
……….. 254 4.4.2. Nulidades ……………..………………………..………………..……….. 256 4.4.2.1. Nulidades
…….…..………………………..………………..……….. 256 4.4.2.2. Falta de assinatura do juiz ………….…..
………………..……….. 256 4.4.2.2. Não especificação dos fundamentos de facto e de direito da
decisão .. 256 4.4.2.3. Oposição entre os fundamentos e a decisão ……………..……….. 256 4.4.2.4.
Falta de pronúncia ou conhecimento em excesso ………………… 258 4.4.2.5. Condenação em
quantidade superior ou objeto diverso do pedido .. 259 4.4.2.6. Suprimento
………………………………………………………… 259 4.5. Erro de julgamento
…………………………………………………………..... 260 5. Efeitos da sentença
………………………………………………………………...... 261 5.1. Efeitos processuais …………………………..
………….…………………..… 261 5.2. Efeitos substantivos …………………………..………….……………………
261 6. Caso julgado ………..……………………………………………………………...... 261 6.1. Caso julgado
formal ………….………………………….…………………..… 262 6.2. Caso julgado material …………….….
………………….…………………..… 262 6.3. limites ao caso julgado ………….……………………….
…………………..… 263 6.3.1. Limites subjetivos do caso julgado .…………………………………….. 263
6.3.2. Limites objetivos do caso julgado ……………..…………..…..……….. 264 Bibliografia
………………………………………………………………………………….. 267 Índice
………………………………………………………………

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