Você está na página 1de 2

Caio Vinicius Quirino Félix de Oliveira – 75967

Fichamento da leitura de Avtar Brah

Buscando pensar como os feminismos branco e negro não devem ser vistos em oposição e
essencializados, mas sim articulando-se a outras diferenciações pensando as “interconexões dos
diferentes racismos entre si”, Avtar Brah nos mostra a importância do marcador “raça” nos
discursos e práticas políticas e como podemos compreender a “racialização do gênero”.

Ela nos conta como os trabalhadores imigrantes de baixa qualificação na Grã-Bretanha eram
categorizados como “pessoas de cor”, ou seja, mesmo sendo muito heterogêneos entre si e vindo
dos mais diversos lugares – Caribe, Sul da Ásia – eram racializados pela sua “não-brancura” a partir
de sua classe. Porém, ao mesmo tempo que eram estigmatizados, eles e elas também construíram
uma “política de solidariedade” ao enfrentarem essas práticas racistas.

Assim, influenciados pelo Movimento Black Power nos EUA, esses trabalhadores e trabalhadoras
ressignificam o conceito tornando “negro” como um sujeito político de resistência, baseado na
diáspora africana global. Logo, rejeitando um “cromatismo” que diferenciava negros de acordo com
o tom de pele, “negro” como “cor política” surge na articulação entre as relações de classe e o
racismo criando um novo sujeito que une essas pessoas.

Avtar Brah salienta que as diferenças entre essas pessoas se mantinham, como religião, língua, e o
termo “negro” buscava tão somente uma unidade política contra o racismo dentro dessas diferenças,
isto é, o objetivo era a ação política e não a homogeneidade entre as pessoas. Logo, a autora está
interessada em como essas “diferenças sociais” são construídas dentro de discursos que mobilizam
identidades políticas.

Pensando em termos macros, Avtar Brah chama a atenção para as “relações globais de poder” e
como elas constroem a experiência de gênero. Isto é, não é possível pensar na categoria “mulher”
sem levar em conta as desigualdades nacionais e internacionais, pois cada mulher tem uma
condição social específica relacionada com essas dimensões mais geopolíticas.

A autora também destaca a “racialização da subjetividade branca”, mostrando como tanto negros
como brancos vivenciam gênero, classe, sexualidade através da “raça”. Portanto, muitos brancos
não percebem sua “raça” devido aos processos políticos de dominância e de práticas que reafirmam
uma suposta universalidade dessa cor, porém o processo de racialização é tão significativo para uns
como para outros.

Criticando as “hierarquias de opressão”, que separam as opressões e tornam umas mais importantes
que outras, Avtar Brah defende uma tarefa complicada mas fundamental de pensar as
especificidades de opressões particulares e suas interconexões, pensando em como as opressões
múltiplas criam “padrões de articulação” tornando possível a construção de “políticas de
solidariedade”. O feminismo negro, segundo ela, pode ser visto como um movimento desse tipo que
pensa as articulações em relação as desigualdades internacionais de poder pois ele considera a
história da escravidão e do colonialismo e como as opressões estão inscritas umas nas outras.

Para Avtar Brah, como ela já tinha atentado anteriormente, é preciso também pensar a “construção
ideológica da brancura” e parar de tratar questões de desigualdade apenas destacando os negros,
reforçando estereótipos de vitimização que se esquecem da “estruturação racializada do gênero” que
envolve a todos e todas.
Logo, a autora defende o conceito de articulação para se pensar as conexões entre “relações
historicamente contingentes e específicas a determinado contexto” em vez de grandes teorias que
supõem uma permanência no tempo e no espaço das interconexões. Por isso, articulação para ela é
sempre um movimento que busca dar conta de “configurações relacionais” em constante
transformação.

Como exemplo do uso do conceito, Avtar Brah destaca como o feminismo negro se construiu em
articulação com outros movimentos, como de classe, gays e lésbicos, entre outros. Ao mesmo tempo
que esse movimento afirma positivamente a categoria “negro” e retira sua carga essencialista
também revela a especificidade da experiência das mulheres negras.

Por isso, mesmo constituído em torno da “raça”, o feminismo negro a ultrapassa ao revelar uma
multiplicidade de experiências através do conceito de interseccionalidade, que mostra que como
estamos atravessados por diferenciações das mais diversas imbrincadas em relações de poder, que
particulariza e situa cada diferença e questiona o sujeito universal e masculino eurocêntrico. Logo,
surgem “novas configurações de solidariedade” ou coalizões entre grupos e pessoas situados em
relações específicas e que se diferenciam “lateralmente” em vez de hierarquicamente, fazendo os
diferentes feminismos trabalharem em conjunto pela “criação de teoria e prática feministas não-
racistas”.

No final do texto, preocupada em esmiuçar melhor a diferença como categoria analítica, Avtar Brah
a conceitualiza de quatro maneiras.

Como experiência, a diferença é o processo que forma o sujeito, de como ele ou ela é construído
culturalmente e atribui sentido nas lutas sobre significado. Logo, é enfatizado aqui que mesmo nos
grupos unidos por especificidades contingentes há biografias diferentes que não são redutíveis aos
marcadores sociais.

Como relação social, a diferença é organizada em sistemas de significação e representação, isto é,


em “formações estruturadas” que destacam a sistematicidade através das variações. É essa relação
social que dá a condição para a formação de identidade de grupo articulado com outros elementos.

Como subjetividade, Avtar Brah destaca a contribuição da psicanálise para se pensar uma coerência
ou unidade que o sujeito usa para se definir como “eu”. Além disso, esse “eu” não sente ou deseja
livre e espontaneamente, mas diferencialmente de acordo com seu espaço cultural específico. Por
isso, é importante considerar como a subjetividade atua no investimento que a pessoa faz em
determinadas posições de sujeito que são produzidas socialmente.

Como identidade, a autora destaca que há muitas identidades possíveis no mundo e que a luta que
os sujeitos fazem para obterem um senso de unidade é o que torna a identidade relevante. Isto é, na
multiplicidade de experiências no mundo em processo e instáveis, a identidade se torna aquilo que é
possível ter continuidade e uma percepção de “eu” ou “nós”. Nas identidades coletivas, a partir do
compartilhamento de experiências comuns em torno de marcadores sociais da diferença – classe,
religião – a identidade é o que faz as pessoas investirem numa homogeneidade apesar de suas
diferenças. E apesar de o sujeito poder ser o efeito de discursos, ele também ressignifica e investe
de significado um “eu” em processo mas com agência que se coloca no mundo através da
identidade.

Enfim, com tudo isso a autora enfatiza que a diferença nem sempre marca hierarquia e opressão,
pois ela é relacional, contingente e variável, e vai depender da situação e do contexto específico e
das lutas em torno dos discursos sobre a diferença que poderemos saber se a estratégia é fragmentá-
la para melhor oprimir ou enfrentar suas hierarquias buscando suas articulações.

Você também pode gostar