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A Filosofia Libertária e a Falácia das


Fronteiras Abertas
13 terça-feira nov 2012

POSTED BY EDITORIAL IN POLÍTICA, SEGURANÇA, SOCIEDADE

≈ 4 COMENTÁRIOS

Tags
CATO, Estado Social, Hans-Hermann Hoppe, imigração, John Hospers, Lew Rockwell, liberdade.br,
libertarianismo, libertario, Milton Friedman, Murray Rothbard, ron paul, Scott Rosen, secessão, Stephan
Kinsella, Walter Block

POR FILIPE FARIA

Artigo originalmente publicado em O Insurgente

Os libertários contemporâneos concordam em premissas básicas como o livre mercado, a propriedade privada e
o princípio do voluntarismo; porém, em poucos assuntos discordam com tanta veemência como o fazem na
questão da imigração. Devem ou não os libertários advogar fronteiras abertas?

Entre os libertários que argumentam contra esta ideia de fronteiras abertas (pelo menos enquanto o Estado
Social existir) constam Murray Rothbard, Ron Paul , Milton Friedman, Hans-Hermann Hoppe, Stephan
Kinsella, Lew Rockwell, Scott M. Rosen, o ex-candidato à presidência do partido libertário americano John
Hospers, entre muitos outros. Do lado contrário, a favor das mesmas, entre igualmente muitos, temos autores
como Walter Block e praticamente todos (senão mesmo todos) os libertários ligados ao instituto CATO.

Na realidade, este debate parece uma falsa questão, mas não é. Parece uma falsa questão porque ambas as partes
concordam que o Estado não devia ter o poder para excluir pessoas do território e ambas gostariam de chegar a
um ponto onde todo o território estaria privatizado, permitindo aos indivíduos usarem os seus direitos de
propriedade para escolherem quem desejam integrar na sua comunidade. Onde eles de facto discordam é no que
fazer nas actuais circunstâncias onde existe uma vasta propriedade pública e um Estado Social. Os primeiros
dizem que, nestas condições, fronteiras abertas são imorais porque forçam os nativos residentes a pagarem pela
integração de outros que geralmente nem são desejados; já os segundos dizem que se devem eliminar
totalmente os controlos de fronteiras pois o Estado não tem o direito de excluir seja quem for do território.

Para inferir ideias para o actual contexto real, é importante gerar uma experiência de pensamento no sentido de
reflectir sobre como se processaria o fenómeno migratório numa sociedade totalmente privatizada onde não há
fronteiras estatais. Ao contrário do mundo indiscriminável (quase) perfeito que os libertários “fronteiras
abertas” advogam, um cenário em que os indivíduos possuem plenos direitos de propriedade será um cenário
onde as pessoas os irão usar como mecanismo para integrar ou excluir terceiros; por outras palavras, irão
discriminar de forma a viverem rodeados do tipo de pessoas que preferirem, usando o direito natural de
associação para o efeito. É essa a real noção de direitos de propriedade: a capacidade para discriminar, associar,
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acolher ou excluir outros nas nossas propriedades. A imigração não passaria a ser “livre” no sentido em que o
único critério de integração passaria por um preço de mercado, mas sim por cumprir requisitos que os
proprietários iriam criar para definirem a qualidade da sua vizinhança mediante as suas preferências.

O erro que os proponentes das fronteiras abertas normalmente cometem é o de confluir a desejável ausência de
fronteiras nessa sociedade “nirvanesca” totalmente privatizada com as fronteiras abertas de Estados que
possuem um sistema de providência e vasta propriedade estatal. No actual contexto em que vivemos, fronteiras
abertas não seria mais do que integração forçada, no sentido em que obriga os contribuintes nativos de cada país
a pagar (via Estado providência) pela integração de pessoas que os primeiros não escolheram, não
seleccionaram, nem têm formas eficazes de filtrar. Porque neste contexto, estando desprotegidos, os nativos não
têm o mecanismo de selecção e discriminação dos plenos direitos de propriedade, essencialmente devido a leis
anti-discriminação e ao Estado providência que força, a título de exemplo, um contribuinte a financiar casas
sociais para imigrantes na sua vizinhança contra a sua vontade.

Ademais, porque as populações são na sua esmagadora maioria contra imigração em massa (basta verificar que
nenhum partido, por mais progressista que seja, concorre com um programa de fronteiras abertas se quiser
vencer eleições nacionais), a actual imigração em número inimagináveis que se verifica na Europa e EUA é
resultado em larga medida de rent-seeking; ou seja, as principais empresas capturam o processo político através
de lobbies constantes no sentido de adquirir mão de obra barata. Se essas mesmas empresas tivessem que pagar
todos os custos de vida dessa mão de obra barata num país desenvolvido, esta última deixaria de ser barata e
perderia o interesse. O que estas empresas essencialmente fazem é adquirirem empregados baratos apenas
porque todos os outros custos (educação, habitação, saúde, etc…) recaem sobre o contribuinte nativo.

Qualquer economista sabe que, pelo menos até se acabar o financiamento, quando se subsidia algo vamos ter
mais desse mesmo algo. Em concomitância, quando se subsidia a imigração, ela cresce exponencialmente; e
cresce à custa de um contribuinte impotente perante esta integração forçada.

Muitos dos defensores das fronteiras abertas estão conscientes desta imoralidade que se atravessa nas suas
reivindicações morais. Mas como não querem esperar pela devolução de mecanismos de selecção aos
indivíduos, muitos alegam que abrir completamente as fronteiras no imediato é a melhor forma de fazer com
que o Estado providência impluda, visto que a invasão de imigrantes do terceiro mundo colocaria pressões no
sistema que levaria a esse resultado. Contudo, depois desse colapso, o que se seguiria não seria o mundo
maravilhoso libertário, mas sim guerras civis entre os mais variados grupos étnicos que lutariam pelos despojos
políticos; por outras palavras, seguir-se-ia a balcanização (que na realidade está já a acontecer na Europa, mas
isto será um tema para outro texto). Este é um preço demasiado elevado a pagar pelo fim do Estado social,
principalmente quando este está já a colapsar lentamente mesmo sem as actuais fronteiras (totalmente) abertas.

A crítica por parte dos defensores das fronteiras abertas que no meu entender tem mais força é a de que o
Estado não consegue emular os direitos de propriedade quando selecciona imigrantes. O argumento “enquanto
existe Estado, mais vale que se comporte como um dono privado”é de facto complexo e difícil de justificar.
Mas considero que tal prende-se com uma questão de perspectiva: não me parece que essa seja a melhor forma
de colocar a questão; faz bastante mais sentido dizer que recursos que estão sujeitos a uma autoridade e são
usados por utilizadores, como a propriedade “pública”, não deixam de precisar de regras que viabilizem a sua
utilização e impeçam uma “tragédia dos comuns”, tal como precisariam se a propriedade fosse privada e aberta
ao público. Emulação eficiente do mercado, claro, não existe, é por isso que se advoga a privatização, mas tal
não elimina a premissa anterior (i.e. necessidade de regras).

Desta forma, a solução passa por aperfeiçoar esse sistema, melhorando-o no sentido de se ganhar qualidade em
grau e não por mandar a água fora com o bebé. Não sendo um sistema perfeito de direitos de propriedade, o
sistema suíço de imigração, por exemplo, é francamente superior em grau a quase todos os outros onde os
burocratas imperam: as leis de imigração helvéticas são feitas descentralizadamente ao nível dos cantões e
através da democracia directa os cidadãos podem seleccionar o tipo de imigração que pretendem assim como
excluir a que não pretendem. Existe deste modo um mecanismo de selecção que na prática não existe noutras
sociedades.

Para o liberalismo, nas actuais circunstâncias, o que faz sentido é advogar descentralização de poder/secessão e
não fronteiras abertas.

Em suma, o direito à associação voluntária entre adultos é parte fundamental do sistema de direitos de
propriedade; isto é, o direito de escolher o tipo de pessoas com quem desejamos viver, e tal implica
discriminação, pois qualquer escolha é um acto de discriminação (prefiro A a B, logo discrimino). Numa era
onde o espírito dos tempos é fundamentalmente igualitário, esta é uma lógica que é esquecida, até mesmo em
campos filosóficos onde não se esperaria que tal acontecesse.

Filipe Faria é Professor Assistente, doutorando em Economia Política no King’s College London e Mestre em
Filosofia, Política e Economia da Escolha Pública.

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opiniões sobre “A Filosofia Libertária e a Falácia das


Fronteiras Abertas”

1. disse:Tiago

13 de novembro de 2012 às 10:40 pm

” O que estas empresas essencialmente fazem é adquirirem empregados baratos apenas porque todos os
outros custos (educação, habitação, saúde, etc…) recaem sobre o contribuinte nativo”

Mas os imigrantes que trabalham, n estão pagando impostos e tbm sustentado o Estado de Bem Estar
Social? Geralmente os imigrantes tem menos “direitos” sociais que os nativos, se for o caso dos imigrantes
ilegais a situação é ainda mais favoravel, já que eles trabalham e ao consumir estão pagando impostos mas
sem pode ter muito em troca, então na verdade os imigrantes estariam contribuindo para sustentar todo o
Welfare State
Mas outra discussão sobre a imigração,vale a pena fechar a fronteira para todos imigrantes? qual seria o
critério para entrada de imigrantes?

RESPOSTA

disse:Rodrigo Viana

14 de novembro de 2012 às 2:58 am

Tiago

Sistema tributário é algo muito complexo e pra discutir isso, sem cair em erros, somente com um
especialista mesmo. Porém do pouco que sei, dependendo das leis de cada estado, um imigrante ilegal
pode utilizar certas instituições do governo daquele país sem possuir cidadania. E com isso contribuindo
para o aumentos do estado. Inclui-se aí serviços estatais como saúde, polícia, escola e tudo mais.
É preciso ver em até que ponto um ilegal paga (ou não) de imposto (e como é pago) por tudo isso já que,
como sendo um ilegal, boa parte de seu dinheiro não vai para instituições estatais como Seguridade
Social. O que o artigo sugere é que um ilegal pode utilizar muito mais dos serviços estatais sem pagar a
quantia devida que paga um cidadão americano. Há uma troca desfavorável aí, percebe?
Sobre o “fechar a fronteira”, o artigo sugere (enquanto não vem a privatização das comunidades/
cidades) a experiência que se tem na Suíça. Lá, quem decide sobre questões de imigração são as cidades
e comunidades locais, nada centralizado. Cada comunidade possui sua autonomia pra dizer que tipo de
nacionalidade, o número de imigrantes, e etc. eles aceitam. Enquanto não vem a privatização das
cidades (mas ainda sim atrelado a uma constituição nacional), vejo que é não só o melhor método como
o mais justo a ser implementado.

RESPOSTA

disse:Tiago

14 de novembro de 2012 às 1:15 pm

A descentralização da administração estatal realmente é melhor do que a administração central, mas


eu sou a favor da quase liberdade total de imigração, acho que só deveria haver um controle
minimo(observar antecedentes criminais do imigrante por exemplo, para se certificar que não é um
criminoso perigoso para a sociedade), não vejo como permitir que um imigrantes compre uma
propriedade e se estabeleça nela pode ser visto como uma afronta ao direitos dos outros habitantes
do mesmo território, sobre a questão se um imigrante estaria consumindo mais recursos públicos do
que pagando por ele, é um problema da existência do Welfare State, os imigrantes n devem ser
punidos por isso, não podem serem utilizados como bode expiatório.

disse:Rodrigo Viana

14 de novembro de 2012 às 4:31 pm

Concordo totalmente Tiago. Mas não se pode misturar a convivência de um ilegal com um legal. Um
legal possui certos direitos que um nativo (ou um imigrante permanente) e obrigações também. Já
um ilegal não possui tais obrigações. Às vezes ele sequer é reconhecido dentro do estado. Não
possui identificação, histórico ou coisa parecida. Caso ocorra um crime cometido por um ilegal, fica
bem mais difícil lidar com esta situação.
E pra que não ocorra bodes expiatórios com tais pessoas, acredito que a legalização de um imigrante
(seja por tempo temporário ou permanente) o ajuda a sair desse laço porque ele é tratado como um
cidadão comum, tendo seus direitos e deveres comungados perante toda a nação. Mas essa
legalização deve ser feita de modo mais descentralizado possível, onde a União não tenha influência
de tal ato. Isso deve ser deixado entre os municípios (em maior grau) e os estados (em menor grau).

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