Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Três tipos fundamentais de educação pelo trabalho foram propostos ao longo dos tempos:
Escola profissionalizante manual ou de oficios. Objetivo foi preparar para um determinado
tipo de trabalho. Pretendia-se formar técnicos, artesãos, transmitir hábitos e conhecimento técnico.
Desse ponto de vista é igual a qualquer outra educação, como a escola escolástica que preparava
pregadores, juristas, polemistas ou a escola de oficios que fazia chaveiros, sapateiros, etc. As
formas da futura atividade eram o objetivo do ensino.
A escola de protótipos ou ilustrativa formava aqueles para quem o trabalho era apenas um
novo método de ensinar ou um meio para levar a estudar outras disciplinas. Tem como objetivo
evidenciar o tema, facilitar o ensino usando as mãos, o movimento. Além da visão, da fala, da
audição, havia um trabalho que não era o centro, era auxiliar, complementar, subordinado.
Ao estudar história nesse tipo de escola o professor elaborava para os alunos um saber já
exposto sobre fatos, situações e leis da história. Propondo porque isso lhe parecia útil que os alunos
desenhassem mapas, montassem modelos de antigas construções, reproduzissem armas e roupas de
época. Daí se estabelece uma atividade laboral que ainda permanece à margem do trabalho.
Devemos levar em conta que o caráter artesanal do trabalho tem origem na organização
corporativa da sociedade medieval, quando os processos de produção eram sumamente primitivos e
quando a maior quantidade de habilidades não estava concentrada na ferramenta mas nas mãos do
artesão. A produção foi se especializando de forma incessante, passou a exigir um treinamento
enorme e complexo e domínio técnico, fechou-se no estreito círculo corporativo, com freqüência
passava do pai ao filho e do sogro ao genro, como um tesouro familiar e hereditário; desse modo,
adquiriu um caráter limitado e fechado.
Como qualquer forma de trabalho, o ofício também acumulava experiência criativa e a
habilidade de gerações, porém era uma habilidade estreita, ainda que a fineza e a delicadeza do
trabalho chegasse a um nível de perfeição ainda não superado hoje em dia. Precisamente porque o
artesão realizava cada objeto à mão, naquela época, não existia nenhuma fronteira entre o
artesanato e a arte. O artista era um artesão. O artesão também era um artista em seu trabalho. Não
criava mercadorias [objetos destinados ao mercado], mas obras cujo nível de perfeição individual
deixava para trás qualquer produção mecânica em massa.
É compreensível que a importância educativa do trabalho artesanal seja totalmente
insignificante. A quantidade de conhecimentos teóricos com os quais o artesão opera é sumamente
pequena ; o conjunto de materiais de que necessita para sua elaboração é mínimo. Seu vocabulário
técnico, digamos, ou seja, a soma dos procedimentos e movimentos utilizados, com freqüência se
esgota em várias dezenas de estereótipos.
1
Subentende-se que essa natureza psicológica da educação profissional concorda totalmente
com o caráter social da escola de ofícios, que surge no estado burguês sob o influxo da
necessidade de uma classe média-baixa de bons artesãos produtores, e que a essa escola seja
atribuído o estreito lugar que lhe convém, como escola complementar, no sistema de instrução
geral.
Portanto, essa educação implica uma preocupação muito maior pelas ordem social
estabelecida que pela personalidade do aluno.
Nesse sentido, é muito mais amplo o segundo tipo de escola para o trabalho , a denominada
ilustrativa [de protótipos, piloto, visual], mas também ela é psicologicamente errônea em uma série
de pontos. O primeiro é a consideração de que a própria tendência à intuição e à facilitação da
instrução deve ser tomada como uma etapa já percorrida na pedagogia.
Construir um bom modelo ou uma eficiente ferramenta é uma tarefa que exige tanta atenção,
habilidade, trabalho do pensamento e das mãos, que durante sua realização a importância puramente
histórica dos objetos elaborados passa para um segundo plano.
O estudo da historia parece se deter quando os alunos se dedicam ao trabalho ilustrativo [de
construção de modelos] , e o próprio trabalho não adquire o caráter de um avanço, mas de uma
repetição estagnada, péla fixação e estudo de resultados já obtidos, de uma corrida sem sentido.
A divisão do trabalho em mental e físico ocorreu na época em que ambas as funções
psicológicas, indissoluvelmente unidas em um ato de trabalho único, foram distribuídas entre
diferentes membros da comunidade, devido à diferenciação social. Alguns assumiram apenas as
funções de organização e de comando, enquanto outros se ocupavam só das executivas, operações.
O trabalho com o modelo histórico não faz com que o aluno avance na história, mas o coloca
totalmente sob o domínio do que já foi percorrido. Entretanto, mesmo nessas condições, o trabalho
obtém um significado psicológico mais amplo em comparação com a escola de ofícios. Deixa de
ser rebaixado para o nível de uma produção profissional e não faz recair tamanho peso sobre o
aluno. Não se fecha no estreito círculo de uma atividade só, mas transfere as possibilidade do aluno
de uma atividade para a outra.
No entanto, o trabalho se destina apenas a repetir e copiar lições já sabidas. O aluno se
empenha em realizar o que já sabe bem, e a utilidade desse trabalho é evidente para o professor,
mas permanece oculta para o próprio aluno.
O significado educativo do trabalho artesanal é praticamente nulo, porque contém uma
experiência tão restrita que não permite sair dos limites da mestria artesanal. Em nossa época, o
trabalho artesanal já perdeu o significado de mestria artística que lhe era inerente na Idade Média,
quando o título de mestre era dado tanto ao mestre da pintura quanto ao mestre dos móveis, e
quando tanto o calçado como os móveis e outros artigos possuíam o selo da perfeição individual e,
por sua natureza interna, realmente pertenciam ao âmbito da indústria artística. Qualquer coisa
nascia de um projeto original, e o processo de sua execução era determinado e orientado também
pelas exigências individuais de cristalização desse projeto.
A própria divisão do trabalho em ofícios concentra a atenção do trabalhador no último
momento do trabalho – o da execução – e não em suas premissas gerais. Em outros termos, o
trabalho artesanal não destaca os elemento comuns à produção, próprios de todos os tipos de
trabalho humano, mas os elementos que distinguem esse trabalho de qualquer outro.
As causas econômicas têm a ver com esses enormes refluxos e deslocamentos das massas de
trabalhadores que acompanham inevitavelmente a produção capitalista. Marx destacou que o
mecanismo econômico, com a ajuda das crises e das conseqüentes reduções e ampliações da
produção, tornam necessária a existência de um exército de reserva de proletários [a existência de
desempregados], e os proprietários lançam uma enorme massa de trabalhadores de um ramo de
produção para o outro. O operário que trabalhava em uma fábrica de garrafas, amanhã se dedica à
2
produção de calçados, depois de amanhã entra em uma fabrica de carros e, com essa passagem de
um ramo da produção para o outro, lhe é exigido apenas um desenvolvimento técnico geral mínimo,
isto é, a capacidade de operar máquinas; ninguém exige dele conhecimento especiais e profissionais
de nenhum tipo.
Em contraposição ao estreito trabalho de ofícios, o trabalho industrial moderno se distingue
pela politécnica, cujo valor psicológico e pedagógico impõe que seja reconhecido nela o método
fundamental da educação pelo trabalho. A indústria contemporânea é politécnica pelas
peculiaridades econômicas, tecnológicas e – o que é fundamental – psicológicas do trabalho.
Por isso, as próprias condições econômicas colocam o operário diante da exigência de ser
politécnico, ou seja, em nenhum tipo de produção ele vai além de seus fundamentos gerais, ou
sucumbirá na próxima crise. E isso é o que acontece. Nove décimas partes dos operários europeus e
norte-americanos não estão ligadas a nenhum profissionalismo que os ataria a algum tipo
determinado de produção. Relata-se o caso de uma grande greve nos Estados Unidos, em que um
ramo da produção foi abandonado por todos os que trabalhavam nele. No entanto, dois dias mais
tarde esse importantíssimo ramo reiniciou seu funcionamento, mantendo a produtividade anterior,
com um pessoal totalmente novo.
As causas técnicas que também levam à politécnica residem no processo das máquinas, que
nivela todas as diferenças dos diversos mecanismos e os conduz a tipos mais ou menos homogêneos
de máquinas mais econômicas, vantajosas e baratas. As condições de concorrência são tais que as
máquinas mais vantajosas devem ser inevitavelmente introduzidas em todos os ramos de produção
de um determinado tipo, no prazo mais breve possível. Do contrário, os empresários correm o risco
de ser deslocados e esmagados na luta comercial pelos mercados. De fato, nunca antes ocorreu uma
marcha triunfal em que qualquer novo aperfeiçoamento ocorresse com a mesma rapidez das
últimas décadas.
Isso é o que define a própria supra-estrutura de toda forma de produção mecanizada, no
sentido de suas partes fundamentais, e essas partes componentes tornaram-se muito similares nas
mais diversas empresas. A parte principal de toda a produção são os motores que são do mesmo tipo
nas mais diversas fábricas. Depois vêm os mecanismos de transmissão, também de um mesmo tipo,
e a diferenciação só aparece na parte executiva ou efetora da máquina, de acordo com a função das
últimas operações que ela tem de realizar para lançar o produto terminado no mercado.
Portanto, em suas duas terças partas, a produção contemporânea torna-se uniforme e só na
última terça parte se admite certa variação que, à medida que a técnica se desenvolve, vai se
nivelando cada vez mais. Isso ocorre porque todas as formas possíveis de movimentos laborais, à
medida que se dividem em formas mais simples e elementares, podem se reduzir a 12 tipos
fundamentais de movimentos elementares que, em diferentes combinações e com diferente
sucessão, efetuam todas as formas do trabalho complexo da indústria mundial.
Isso não deve nos assombrar, assim como, segundo a expressão de Münsterberg: Não deve
nos causar assombro que as 26 letras do alfabeto inglês tenham sido suficiente para expressar todos
os dramas de Shakespeare. A partir daí, pode-se compreender facilmente que também a terça parte,
a parte executiva da máquina, em última instância se reduz a um alfabeto técnico que é o mesmo
para qualquer produção. E assim como ocorre com o autêntico alfabeto, basta assimilar o alfabeto
técnico para ler qualquer “livro” escrito com esse sistema.
È muito provável que estejamos vivendo a maior época da história no que se refere à
evolução do trabalho e que perante nossos olhos esteja morrendo o conceito de profissão.
Por último, o essencial são as premissas psicológicas da politécnica , que consistem do
seguinte. Todo processo de trabalho humano é duplo, porque o ser humano representa, por um lado,
a fonte direta de energia física e, por outro, é o organizador do processo de trabalho. Nas formas
mais primitivas do trabalho, o trabalhador desempenha um papel dual: como parte de sua máquina,
como origem direta de energia física, papel no qual pode ser substituído pelo gado, por um motor a
3
vapor, por um motor elétrico, etc.; e no papel de dirigente e organizador de seus instrumentos e
movimentos, no qual não pode ser substituído por ninguém.
A situação variou um pouco quando se introduziu a máquina e quando o papel do trabalhador
assumiu um ponto médio entre ambas as funções. Com a máquina, o operário assumiu o papel de
um lamentável apêndice dela ; geralmente ele desempenhava apenas uma operação, sumamente
insignificante, que não podia ser realizada pela máquina. Dessa forma, o gasto de energia física se
reduziu enormemente, e também o aspecto mental do trabalho não exigia uma grande tensão do
trabalhador.
A ação embrutecedora desse trabalho pode ser avaliada se recordarmos que, nas produções
mais comuns, o produto passa por várias dezenas de operações, e o operário tem de repetir durante
décadas um mesmo movimento com uma exatidão totalmente mecânica. Por isso, têm razão aqueles
que afirmam que o trabalho pré-automatizado era, apesar de tudo, do ponto de vista psicológico,
mais humano que o trabalho com a máquina.
Entretanto, com o desenvolvimento da técnica, a situação modificou-se radicalmente. Na
composição dual do trabalho começou a predominar o momento de direção e organização da
produção, entretanto o momento executivo foi se anulando paulatinamente. Cada vez mais, a força
humana é substituída pela máquina, e o trabalhador moderno assume o papel de organizador e
diretor da produção, de comandante da máquina, controlador e regulador de suas ações.
Na produção altamente aperfeiçoada, esse processo adquire tal magnitude que em geral recai
no trabalhador não só a direção das máquinas de modo direto, mas a dos controladores mecânicos
que, por sua vez, regulam as máquinas. Portanto, nessas empresas, o trabalhador é o regulador dos
reguladores, isto é, dos executores das funções organizativas superiores e mais complexas. Todos
os que conheceram as condições de trabalho do foguista na Rússia certamente se assombrariam se
conhecessem o trabalho dos principais foguistas nas mais importantes fábricas norte-americanas e
se ficassem sabendo que esse trabalho é realizado com as mãos totalmente limpas. Isso se explica
pelo fato de que o trabalho sujo de jogar carvão na fornalha, descarregar os restos, eliminar as
partes queimadas, avivar as chamas, abrir as saídas para a fumaça, limpar a fuligem e outras
tarefas, são realizadas por máquinas automáticas, por mãos metálicas que dão conta de seu trabalho
e de seu estado através de várias dezenas de adaptadores mecânicos que estão em um tabuleiro e
que, a partir dele, são reguladas por meio de alavancas.
O mesmo foguista que esquenta uma imensa fábrica e que, nesse sentido, desempenha as
mesmas funções que o foguista do trem, desempenha o papel de comandante-em-chefe de um
exército de máquinas, e sua mesa de trabalho parece o estado-maior de campo no qual se reúnem as
informações de todas as unidades, anotam-se as exigências, enviam-se ordens, coordenam-se as
ações; tudo isso é realizado através de adaptadores muito complexos e exatos, para cuja direção são
necessários uma grande capacidade mental, uma vista penetrante e conhecimentos técnicos.
O desenvolvimento do trabalho aproxima-se cada vez mais dessas formas, e os resquícios de
trabalho físico que subsistem nessas produções se reduzem cada vez mais a insignificantes
movimentos de alavancas que fazem lembrar os ponteiros do relógio, a pressão de chaves elétricas,
os pequenos movimentos rotatórios de manivela de um cilindro.
Nessas condições o trabalho, como certo gasto de energia física, como trabalho forçado de
execução, é realizado pela máquina, competindo cada vez mais ao ser humano o trabalho
responsável e mental de dirigir tal máquina. Por isso, torna-se totalmente compreensível a
necessidade da formação politécnica para o trabalhador moderno. Ao mesmo tempo, deve-se
compreender que, ao contrário do que estipula o sentido exato da palavra, essa politécnica não
significa a pluralidade de ofícios, a combinação de muitas especialidades em uma só pessoa, mas o
conhecimento dos fundamentos gerais do trabalho humano, desse alfabeto com o qual são criados
todas as suas formas, como se tirássemos dos parênteses o fator comum de todas essas formas.
4
Não é nem preciso dizer que o significado formativo desse trabalho é ilimitado, enorme,
porque testemunha o mais alto florescimento da técnica [tecnologia], e é realizado junto com o
maior florescimento da ciência. A técnica é a ciência em ação ou a ciência aplicada à produção, e a
passagem de uma para a outra é efetuada minuto a minuto, em formas completamente inadvertidas e
imperceptíveis.
Por mais estranho que possa parecer, até o operário comum de um grande empresa deve
acompanhar os passos da ciência e, a esse respeito, é demonstrativa a expressão de um empresário
norte-americano: “Um operário que se atrasou 10 anos com relação ao desenvolvimento
contemporâneo da ciência não pode contar com um posto em minha fábrica”.
Dessa maneira, o trabalho se transforma em conhecimento científico cristalizado e, para
adquirir os hábitos necessários para o trabalho, realmente é preciso dominar todo o enorme capital
de conhecimento acumulados sobre a natureza, utilizados em cada aperfeiçoamento técnico. Pela
primeira vez em toda a historia da humanidade, o trabalho politécnico forma um entrecruzamento
de todas as linhas principais da cultura humana; ele teria sido inconcebível em todas as épocas
precedentes. A importância formativa desse trabalho é ilimitada porque , para dominá-lo por
completo, é preciso dominar todo o material científico acumulado durante séculos.
Por último, o mais importante é a ação puramente educativa realizada durante esse trabalho;
transforma-se em trabalho consciente por excelência e exige de seus participantes a máxima tensão
de todas as forças da inteligência e da atenção, elevando o trabalho de um operário comum aos
escalões superiores do trabalho criativo humano. Por esse motivo, o industrialismo na escola
implica a familiarização com a economia mundial: a elevação às cúspides da técnicas moderna
constitui a exigência fundamental da escola para o trabalho.
É fácil perceber quão longe de tudo isso estão as formas da escola para o trabalho cujo
método era fazer com que recaísse nos alunos a tarefa degradante e suja de limpar a cozinha, os
banheiros e o chão, considerando que nesse trabalho rotineiro e obscuro reside o princípio dos
hábitos laborais. O trabalho era revelado a partir do ângulo de uma tensão física pouco habitual,
justificando ao mesmo tempo seu significado etimológico, que na língua russa equivale a doença e
sofrimento [boliezn e piechal, respectivamente].
São sumamente interessantes as formas de trabalho que podem ser introduzidas na escola se
ela estiver orientada, na estruturação de seu plano docente, não para as formas primitivas e há muito
extintas do trabalho físico doméstico, mas às formas do trabalho industrial e tecnicamente superior.
Dessa maneira, sem qualquer esforço de nossa parte, o estudante incorpora-se diretamente aos dois
âmbitos entre os quais deve estar dividida a influência educativa: o primeiro é a ciência natural
moderna e o segundo é a vida social contemporânea, que abrange o mundo inteiro.
Na fábrica moderna lateja o pulso da vida e da ciência mundiais, e o aluno situado nesse lugar
aprende a sentir por si mesmo esse pulso da contemporaneidade. Ao mesmo tempo, é sumamente
importante organizar as formas da vida e da atividade laboral do aluno para que ela entre em uma
relação totalmente ativa e criativa com os processos a serem realizados. Isso não se obtém
mediante o ensino profissional gradual das habilidades necessárias para operar as máquinas, mas
fazendo com que o estudante seja introduzido imediatamente no sentido de toda a produção e, ao
mesmo tempo, aprenda a encontrar o lugar e o significado dos diversos procedimentos técnicos
como partes necessárias de uma totalidade.
O Conhecimento Sintético
Até agora a escola tem sofrido com o profundo dualismo que herdou da velha escola.
Podemos encarar o nosso sistema escolar do ângulo que for, mas não podemos deixar de perceber
que, até o momento, o plano de estudos se divide em dois grandes grupos inconciliáveis. Por um
lado, as ciências naturais (as ciências da natureza) e por outro, as ciências humanas (as ciências do
espírito); entre ambas não existe nenhuma ponte no edifício escolar. Os alunos são educados e
instruídos com a convicção, talvez inconsciente, de que na realidade também existem dois mundos
diferentes: o da natureza e o do ser humano, e que ambos estão separados por um abismo
intransponível.
Nem uma palavra relaciona um conjunto de temas ao outro e, se o aluno adquire critérios e
uma compreensão diferente do mundo, isso ocorre à margem da escola. A escola parece servir para
enraizar e aumentar essa bifurcação de nosso conhecimento e de nossa experiência. Quando o aluno
passa do mundo da física para o mundo da economia política e da literatura, é como se fosse
transferido para um mundo completamente novo, totalmente subordinado a leis peculiares, que não
lembra de forma alguma o mundo que ele deixou recentemente, o das ciências naturais.
Isso não representa um vício casual da escola russa, mas é a conclusão historicamente
inevitável de todo o desenvolvimento da ciência e da escola européias. Nesse caso, a escola reflete
apenas o que foi introduzido no próprio desenvolvimento da filosofia e da ciência. E só o trabalho,
como matéria de estudo, permite unir ambas psicologicamente porque, por um lado, como processo
que se realiza entre o ser humano e a natureza, se baseia por completo na ciência natural e, por
outro lado, como processo de coordenação dos esforços sociais, constitui a base para as ciências
humanas, sociais.
O trabalho constituído com base no sistema das reações conscientes é justamente essa ponte
que se estende entre o mundo das ciências naturais e o das ciências humanas. É a única “matéria”
que se constitui o objeto de estudo de ambas.
De fato, quando se estudava o homem na ciência natural escolar, estudava-se apenas essa
parte do ser humano que tem a ver com a anatomia e a fisiologia; ele era estudado apenas como
animal mamífero. O mundo da natureza, do qual o ser humano era excluído, era subestimado e
empobrecido em comparação com a riqueza da vida real. Por outro lado, o mundo das ações e dos
atos humanos parecia suspenso no ar, como um arco-íris suspenso acima da natureza, sem raízes na
terra.
Só o trabalho, em seu significado histórico e em sua essência psicológica, é o ponto de
encontro entre o fundamento biológico e o suprabiológico no ser humano. Nele se enlaçaram o
animal e o homem, e o saber humano e o natural se entrecruzaram. Portanto, a síntese na educação,
com a qual sonhavam os psicólogos em tempos remotos, torna-se possível na educação para o
trabalho.
A Prática
Blonski diz que “a educação para o trabalho é a educação do dono da natureza”, porque a
técnica [tecnologia] representa a dominação real e materializada do ser humano sobre a natureza, a
subordinação do ser humano às suas leis para seu próprio benefício.
Nesse sentido, o trabalho talvez seja ainda mais valioso, do ponto de vista psicológico, por
estar dirigido à prática. É sumamente ilustrativo que, na filosofia européia das últimas décadas, de
9
alguma forma ele tenha sido promovido pelas mais diversas correntes como a única possibilidade de
construir um conhecimento científico. Com efeito, a prática é a comprovação suprema à qual cada
disciplina científica é submetida, e a expressão de Marx, dizendo que os filósofos só têm se limitado
a interpretar o mundo, embora haja que transformá-lo, abrange totalmente a autêntica história da
ciência.
Em última instância, todo conhecimento surgiu e sempre surge de alguma exigência ou
necessidade prática e, se no processo de desenvolvimento ele se afasta das tarefas práticas que lhe
deram origem, nos pontos finais de seu desenvolvimento ele volta a se dirigir para a prática e
encontra nesta sua mais alta justificação, confirmação e verificação.
Em particular, o máximo pecado psicológico de todo o sistema escolástico e clássico de
educação foi o caráter absolutamente abstrato e inerte dos conhecimentos. O saber era assimilado
como um prato pronto, e ninguém sabia o que fazer com ele. Ao mesmo tempo, a própria índole do
conhecimento era esquecida, isto é, o fato de ele não ser um capital de reserva pré-orientado [pre-
set] ou um prato pronto, mas um processo contínuo de criatividade, a luta da humanidade pelo
domínio da natureza.
A verdade científica é mortal, vive dezenas ou centenas de anos, mas depois morre, porque no
processo de conquista da natureza a humanidade sempre continua avançando. A ciência de nossas
escolas tinha chegado a uma total ruptura com essa tese quando, de forma dogmática, buscava
verdades que deviam ser estudadas a fundo pelos alunos. Nenhuma noção psicológica sobre a
verdade é mais falsa que aquela que nossos alunos extraíam dos manuais escolares.
A verdade lhes era apresentada como algo terminado e definitivo, como resultado de certo
processo incondicionalmente correto. Ao mesmo tempo, é interessante perceber a enorme
irreverência que a verdade científica criava nos alunos, devido ao fato de a conhecer através das
páginas dos manuais, nos quais a verdade parecia estar listada em parágrafos e o aluno não podia
distinguir onde estava a verdade científica em si e onde estavam os procedimentos didáticos dos
autores do manual.
O processo em si da busca da verdade era ocultado, e esta não era apresentada na dinâmica de
seu surgimento, mas na estática de uma regra já encontrada. E como tudo isso era estudado
exaustivamente, e os alunos repetiam tudo como se fossem papagaios, era totalmente natural que a
atitude de nossos estudantes com relação à ciência e à verdade científica se diferenciasse pouco da
atitude dos selvagens com relação às suas crenças; e esse supersticioso e obtuso culto à letra da
verdade escolar, que na Rússia era a última palavra da pedagogia, só era capaz de educar selvagens
civilizados.
Em segundo lugar, a verdade sempre era apresentada na forma de uma regra teórica abstrata,
que não era obtida através de um processo de busca e trabalho, mas através de um labor puramente
mental. Ao mesmo tempo, nunca era relacionada às exigências vitais que a tinham gerado nem às
conclusões vitais que dela derivavam. Entretanto, a própria índole da verdade científica, no tocante
a qualquer regra higiênica insignificante ou à teoria da relatividade, também possui caráter prático.
Em outros termos, a verdade sempre é concreta.
Em terceiro e último lugar, nessa infinita mescla de verdades científicas que eram oferecidas
ao aluno, nem o mais experiente metodologista [epistemologista] da pedagogia poderia ter se
orientado sem chegar às mais desoladoras conclusões. Durante todo o curso escolar as verdades
científicas choviam a cântaros, no sentido literal da palavra, e nenhum pedagogo engenhoso teria
podido explicar qual era o vínculo entre as declinações latinas, as guerras napoleônicas e as leis da
eletrólise.
Essa fragmentação e esse isolamento dos conhecimentos escolares recarregava a percepção do
aluno com uma infinidade de fatos separados, excluindo um ponto de vista unificador e vinculador
do tema. Por isso, no âmbito da filosofia e da concepção do mundo, sempre imperava nos círculos
instruídos a mais vergonhosa leviandade, uma fraseologia superficial e uma monstruosa falta de
informação sobre os problemas mais elementares. Esses três vícios da escola estão sendo superados
por meio da educação para o trabalho que, em primeiro lugar, sintetiza e unifica todas as matérias;
10
em segundo, dá a elas um determinado viés e um uso prático e, em último lugar, descobre o próprio
processo de descoberta da verdade e de seu movimento depois de ela ter sido encontrada.
O profissionalismo e a Politécnica
Embora as tendências da indústria moderna estejam orientadas para uma politécnica completa
ao trabalho, esse processo não deve ser considerado concluído.
Portanto, a politécnica é uma verdade do futuro, para a qual deve ser orientado o trabalho
escolar, porém essa verdade ainda não está definitivamente cristalizada; além de implementar um
programa de educação politécnica, a escola também tem a meta de satisfazer as demandas vitais
imediatas que surgem. Ao mesmo tempo, o profissionalismo, que necessariamente deve ser
proposto pela escola, deve ser entendido como uma concessão à vida, como uma ponte estendida
da educação escolar para a prática da vida.
Isso significa que a escola, com a orientação profissionalizante, não perde seu caráter
politécnico. A politécnica continua sendo seu núcleo fundamental e básico, porém essa educação
politécnica se acentua em um extremo para poder penetrar diretamente na vida. Com relação a esse
ponto, o vínculo entre a educação geral e a especial na nova interpretação pode ser compreendido
através da velha fórmula há muito promovida pela psicologia e que diz que cada um deve saber
algo sobre tudo e tudo sobre algo. “Cada um deve saber algo sobre tudo” significa que as noções
mais elementares e gerais sobre os principais elementos do todo universal devem figurar na base da
educação de cada pessoa. E “tudo sobre algo” quer dizer que se exige que nossa formação reúna
absolutamente todo o saber de uma determinada área que esteja diretamente relacionado a nosso
trabalho.
É fácil compreender que essa antiga fórmula pode ser totalmente aplicada à educação
profissionalizante se considerarmos que “Tudo sobre algo” equivale à exigência do
profissionalismo, enquanto “algo sobre tudo” tem a ver com a politécnica.
Nenhum princípio pedagógico enunciado implica tão temíveis conseqüências, caso não for
compreendido de forma correta, quanto o princípio da escola para o trabalho; e devemos dizer
honestamente que a prática da escola para o trabalho foi um claro exemplo dessas tergiversações.
11