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Jean Piaget
Aula 6: A construção social de conhecimento e seus
fundamentos de produção sistêmica e simbólica: saber
fazer, manter e mudar
META
Apresentar algumas manifestações e representações do pensamento sistêmico e suas
relações com a produção social do conhecimento.
OBJETIVOS
Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:
1. Aplicar o conceito de construção social do conhecimento à produção de
técnicas e à organização do trabalho produtivo;
2. Correlacionar a produção e manutenção de artefatos e mentefatos com
algumas de suas representações mais recentes de sistema e organização social.
Introdução
A história humana pode ser pensada como a trajetória das técnicas, da construção
do conhecimento, das formas de produção e de organização, como você viu nas aulas
anteriores. Ou, de outra forma, das relações entre fazer e manter, em todas as
escalas.
A consciência reflexiva, como a dos construtores Epesnasaguas, na primeira aula,
enfrenta os desafios do ambiente e do campo social, desenvolvendo novas técnicas
que, por sua vez, modificam a organização social e o meio ambiente, assim como a
própria consciência. Na busca de compreensão das modernas concepções de
produção e manutenção, herdeiras das experiências anteriores, vamos explorar este
caminho.
Quando você observa as formas de produção de artefatos, percebe que elas vão
sendo modificadas com o tempo, e foi sugerida uma curva helicoidal para representar
este fenômeno. A produção de valores, as produções simbólicas, a criação da
linguagem, de regras sociais, de cultura, das formas de organização de toda a vida
social, segue uma trajetória equivalente.
<Início de Verbete>
No grego fenômeno é o que aparece,
o que se apresenta (fazer-se
presente).
<Fim do verbete>
2. O construtivismo social
Como o sujeito consciente e reflexivo aprende, produz e se autoproduz? Pode-
se explicar como isto ocorre usando a tese chamada Construtivismo.
Simplificadamente, para atender ao objetivo desta disciplina, pode-se dizer que esta
abordagem defende o papel ativo do sujeito na criação e modificação de suas
representações do objeto do conhecimento. O termo começou a ser utilizado na obra
de Jean Piaget (ver BARBOSA (2020) e, desde então, vem sendo apropriado por
abordagens com as mais diversas posições ontológicas e mesmo
epistemológicas Hoje é atribuído a abordagens da filosofia, pedagogia,
psicologia, matemática, cibernética, biologia, sociologia e arte. Segundo esta tese, as
representações (intuições sensíveis) que temos da realidade são condicionadas pela
estrutura de nossa mente e construídas automaticamente por ela; e a que as
hipóteses que construímos sobre como o objeto funciona podem ser alteradas e
substituídas voluntariamente quando falham em suas predições do que receberemos
pelos sentidos. Além disto, rejeita a ideia de que o objeto possa determinar
completamente em um sujeito, supostamente passivo, as representações que este
tem dele A ontologia pode ser um campo próprio de estudos filosóficos sobre a
realidade e a existência de qualquer fenômeno, mas está presente, como uma base ou
moldura, em qualquer campo do conhecimento, mesmo quando não é percebida pelos
sujeitos ou quando não é declarada formalmente. A concepção da realidade, que você
adota, está na base de todo o seu entendimento sobre qualquer coisa e para todas as
suas decisões. De forma semelhante, a epistemologia pode ser um campo específico
da filosofia, mas estará presente de forma declarada ou não em todo raciocínio que se
debruce sobre o fenômeno do aprendizado, da construção de comportamentos
sociais, das formas de organização e produção, para citar apenas alguns exemplos.
Início verbete
ontológicas
o estudo da realidade, do que existe
Fim verbete
Início verbete
epistemológicas
o estudo do que é o conhecimento,
e de como se produz
Fim verbete
Boxe multimídia
Para maiores detalhes consulte o material O que é Construtivismo,
escrito por Fernado Becker disponívelem:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/301477/mod_resource/conte
nt/0/Texto_07.pdf fim boxe
Na Figura 6.1 há uma representação das relações entre fenômeno,
conhecimento, técnica e produção, no contexto da sociedade e do meio ambiente.
Analise as conexões detidamente!
INFORMAÇÃO
PRODUÇAO
VALOR
Conhecimento
SÍMBOLO
Sujeito
consciente
Sujeito Técnica Objeto
Representação
consciente concreto
Projeto
SÍMBOLO
Imaginário SOCIEDADE
FENÔMENO
MATERIALIDADE
ENERGIA
MEIO AMBIENTE MÁTERIA
Na Figura 6.1, o sujeito à esquerda, usa sua vontade e reflete sobre a realidade.
No seu espaço privativo de imaginação, constrói representações com base no
conhecimento e experiência adquiridos. Para ele, esta construção ainda é um projeto,
mas já possui valor e, também, é percebida como um fenômeno.
Da produção imaginária, usando alguma técnica e com uso de energia, matéria e
informação, que provêm da sociedade e do meio ambiente, este sujeito produz algo no
mundo da vida, algo a que outro sujeito, à direita, pode ter acesso, pode perceber,
também, como um fenômeno. Para este outro sujeito, o que ele percebe gera uma
representação e uma percepção de valor. Para ambos os sujeitos, o objeto produzido
também é um símbolo. Da interação (social) entre os sujeitos, o objeto concreto e o
objeto simbólico acoplado a ele passam a afetar as representações, o conhecimento,
os valores, a técnica, a sociedade e o mundo da vida, em uma helicoidal de
aprendizagem e mudança. Estas interações podem conectar os sujeitos em uma
intencionalidade compartilhada, transformando os dois em partes de um todo, com
alguma finalidade comum. Pense que o objeto “concreto” pode ser uma máquina, uma
causa, uma palavra, um gesto do corpo ou mesmo o silêncio e, cada um destes
significará, terá valor, materialidade e simbolizará coisas diferentes.
As convenções, acordos, consensos como os que são associados aos símbolos,
desenhos e qualquer forma de linguagem, seja mental, falada ou escrita, são formas
de representação com que construímos outras representações e são construídos por
este mesmo processo.
Este processo pode parecer abstrato ou genérico, mas quando você e sua equipe
se debruçam sobre um diagrama lógico de circuito para analisar modos de falha,
buscando uma decisão coletiva, não estariam desempenhando papeis como esses,
narrados para os sujeitos da Figura 6.1? Vamos usar essa perspectiva em todas as
nossas representações.
Elétrico Estrutural
Pneumático
Hidráulico
Mecânico
Eletrônico
Acionamento Digital Justiça
Controle Educação
Ciência e
Tecnologia Ambiental
Biológico Financeiro
Saúde
SISTEMA
Social
Linguagem Redes
sociais Imunológico
Governo
Límbico
Musculo- Nervoso
esquelético
Vascular Digestório
Todos têm o nome de sistemas, mas poderiam ser alinhados como de mesma
natureza? E poderiam ser todos, subsistemas de uma totalidade maior? Assim,
procure, agora, identificar o que é um sistema para você e, depois, refletir criticamente
no que está sendo representado por sistema, sobretudo para você ou por você,
quando esse termo aparecer ao longo deste texto e no mundo da vida.
3.1 Conceitos básicos de sistemas
SOCIEDADE
v
o
c
ê
MEIO AMBIENTE
Figura 6.3 As redes que conectam a consciência aos objetos imaginados e produzidos.
BOX DE CURIOSIDADE
O Robô de Leonardo da Vinci.
ORGANISMO
SISTEMA LÓGICO
Figura 6.6 Cada bloco é constituído de partes ou itens, que são diferenciados por cores.
Área (a)
dF=Pda
Figura 6.7. Atuador hidráulico. A pressão (P) exercida sobre a área (a) pelo fluido admitido
no atuador determina a força (F) exercida pela haste.
Fonte: https://pt.freeimages.com/photo/chess-1143743
so
l i ci conexão
taç
ão
ruptura
Figura 6.10. Rede com um nó sob solicitação externa e outro com as ligações rompidas.
Meio ambiente
Membrana/limite da
Ser vivo
invidvualidade
trocas
Conexões de rede
Ambiente
Permanência
ou
sobrevivência
Na Figura 6.12, representa-se o fato de que cada ser vivo faz parte de uma
rede e, estar vivo, significa realizar ação e sofrer transformação ao longo do tempo de
vida.
Início verbete
autopoiesis
autoprodução
Termo cunhado por Maturana e
Varela para designar a capacidade
que os sistemas vivos têm de
autoprodução mediante um sistema
fechado de relações com o ambiente
e baseada em suas três
características: autonomia,
circularidade e auto-referência.
(Morgan, 2007, p252).
Fim verbete
Cada pessoa pode ser nó de várias redes, pertencendo a vários sistemas sociais e
atuando como interface destes sistemas, como sugerido na Figura 6.13
Os sistemas sociais são alimentados por fluxos de matéria e de energia, como
qualquer outro sistema vivo, mas também, por fluxos de informação e comunicação,
sem os quais não se mantêm.
As redes sociais interagem com as redes de pessoas, que compõem famílias,
empresas, organizações, sindicatos etc. E, também, se ligam e interagem com as
redes de outras formas de vida como animais, vegetais, bactérias e etc.
Assim, uma visão sistêmica ampla, incluiria uma rede com todos os seres
bióticos e abióticos tendo a vida como uma propriedade emergente desta rede. Nesta
perspectiva, reflita que o fluxo de matéria e de energia, assim como de informação, vai
viabilizar ou não a vida em qualquer sistema local e, também, no grande sistema
chamado Terra.
Nesta linha de pensamento, as cadeias de suprimentos e as formas de
produção organizadas pela consciência humana estão conectadas a outras redes e
sistemas naturais, podendo esta interação ser capaz de influenciar positiva ou
negativamente cada sistema local e o sistema global. A perspectiva de produção e de
manutenção, nestes termos, se reduz ou se amplia, em termos interpretativos de
significação e de busca de sentidos, conforme o enfoque.
Nos sistemas biológicos observa-se padrões. As estruturas celulares são
renovadas com a substituição de materiais através das trocas bioquímicas como o
ambiente, mas o padrão ou forma de organização se mantém. Isto é a sobrevivência
da identidade de cada ser, seja uma célula ou um organismo mais complexo.
Nos sistemas sociais, ocorre algo equiparável a esse processo. Por exemplo,
as pessoas nascem, crescem e morrem, mas certos padrões de comportamento social
se mantêm. A sobrevivência ou manutenção das organizações, como sistemas
sociais, demanda um conjunto de esforços para que cada uma delas continue sendo a
mesma, apesar das modificações nos seus quadros de colaboradores, nas
instalações, nos mentefatos, artefatos, métodos, estratégias comerciais e etc.
A linguagem, como sistema simbólico e rede de símbolos, está sendo sempre
modificada e, sobrevive, porque é utilizada, conectando as pessoas, atualizando e
produzindo significados e sentidos para elas. Esta “conexão complexa” faz com que,
apesar das modificações que o tempo e as experiências impõem aos indivíduos e às
organizações, esses se reconheçam e sejam reconhecidos como eles mesmos ao
longo da vida.
No caso dos sistemas sociais, há posições formalmente estabelecidas, como
os cargos ou funções indicadas nos organogramas. E esses nós se conectam através
de ligações formais. Por exemplo, considere os cargos de estado da República
Federativa do Brasil, abrangendo os três poderes e as estruturas de ministérios,
empresas, fundações, autarquias, estados e municípios. Cada servidor público, que
pertence a esta grande rede, tem vínculos com os demais e formas hierarquizadas de
se conectar com os demais. Agora, observe a representação na Figura 6.14.
Conexões
informais
Conexões oficiais
Na Figura 6.14, está representado o fato de que além da rede formal ou oficial,
as pessoas que ocupam cargos, em geral, constroem outras redes informais e se
conectam de forma espontânea, como por exemplo, nos espaços e eventos sociais em
que as liturgias de cargos não são observadas.
Esta construção de relações sociais acontece na vida comum, em que os
sujeitos estão em família ou em espaços públicos em que não são reconhecidos por
suas funções típicas do ambiente de trabalho. O mesmo acontece com a estrutura das
organizações. As pessoas se relacionam por meio de outras redes e este
relacionamento, muitas vezes, alimenta e apoia a rede formal ou profissional para que
funcione. Quantas vezes você acionou sua rede privada de relacionamentos em busca
de solução para problemas de outras redes que, sem esta iniciativa, não se
resolveriam? E, na história, quantas guerras foram iniciadas ou evitadas por efeito de
relações informais ou pessoais atuando de forma subjacente aos protocolos oficiais? A
amizade entre reis não ajudaria a paz entre os reinos? O que teria causado a guerra
de Tróia? Helena seria uma razão de estado ou o vértice de um triângulo amoroso?
? ?? ? ? ? ? ?
? ? ? ? ? ?
O que seria poder na Figura 6.15? Quem tem poder? Em geral, o poder de
influenciar é percebido e reconhecido pelos sujeitos conscientes que,
espontaneamente, buscam conexão com o sujeito ou com os sujeitos que apresentam
esta condição. E isto cria nós concentradores de conexões (hubs). No caso das
chamadas redes sociais (embora este nome seja um reducionismo do conceito geral
de rede social), alguns sujeitos são “seguidos” por um séquito de associados que, de
alguma forma, demonstram por esta opção, reconhecer o poder de influenciar daquele
que seguem. Canais, produtos, vídeos, passam a se destacar quando um número
expressivo de sujeitos se conecta a eles, criando um valor para esses nós da rede.
Nas redes, o maior poder é o de se conectar e o de conectar ou de cortar a conexão
de alguém. Assim, o sujeito que é capaz de criar e manter ativa uma rede demonstra
seu poder sobre ela.
Como as redes informais se conectam às redes formais, mesmo onde exista
uma hierarquia funcional de poder, haverá, também, uma rede de influências em
paralelo, alterando o funcionamento do sistema e o comportamento das pessoas.
Deste modo, alguns fenômenos comerciais, políticos, religiosos e culturais, em
sentido amplo, acontecem de forma, inicialmente, não-percebida pelas estruturas
formais, tomando lugar no campo das relações sociais, com apoio do poder das redes
informais de relações.
As fronteiras aparentes de uma organização, um partido político, uma escola,
ou qualquer outra forma de organização, se tornam cada vez mais voláteis ou
permeáveis em termos territoriais, por força das redes informais, que conectam esses
sistemas a um número imprevisível de outros sujeitos, distribuindo o poder de decisão
e de influenciar o sistema de forma incontrolável. Obviamente, este universo simbólico,
que os sujeitos conscientes criam, se conecta ao mundo pela comunicação, em suas
diversas manifestações, que depende do suporte de meios materiais. E, o controle dos
recursos materiais, que suportam as redes de comunicação, pode ser uma forma de
poder concentrado, considerando-se certas referências limitadas de tempo e de
espaço. Por exemplo, se a internet paralisasse por um dia, por vontade de um sujeito,
hipoteticamente, as vontades dos demais sujeitos de se comunicar pelo mundo todo
estariam sob a influência daquele sujeito. Por outro lado, este sujeito faz parte do
ambiente em que há outras redes e, desta forma, estaria conectado às influências dos
demais sujeitos, podendo ser afetado, nestas relações, pelas consequências da
decisão que tomou em relação à internet. Nas redes, nenhum nó está desligado. No
campo das relações sociais, ninguém está isolado dos demais
Atividade
Reveja o organograma da Figura.1.1 e considere a necessidade de desenvolver um
sistema de comunicação remota via internet para conectar todos os participantes,
conforme os vínculos que você identifica na representação. Sugestão: use o conceito
e uma representação de rede.
3
4
9 12
6. Conclusão
O pensamento sistêmico, em suas diversas manifestações em cada época,
exerceu e continua exercendo forte influência na produção humana, nos domínios da
técnica e da organização, estando presente em áreas diferentes do conhecimento
científico, contudo, nem sempre de forma integrada ou convergente. Rastrear a
helicoidal do conhecimento seguindo a trajetória das concepções e representações
sistêmicas, permite, no contexto e no escopo desta disciplina, compreender como as
funções produção e manutenção são organizadas e analisar suas possibilidades,
limitações e consequências, dentro e fora das organizações em que se desenvolvem,
fazendo conexões diretas, com as abordagens e conteúdo das Aulas 3 e 4.
7. Resumo
Nesta aula, você foi estudou a tese construtivista do conhecimento e algumas
manifestações do pensamento sistêmico. A teoria de sistemas foi introduzida, sendo
usada, em associação com o construtivismo, como suportes para percorrer a helicoidal
do conhecimento, identificando diversas representações sistêmicas ao longo da
história, que demarcaram as técnicas de cada época. A teoria de sistemas é um
campo em construção, sendo transformado com o avanço do conhecimento em cada
área de saber pela interação das áreas. As representações sistêmicas foram, são e
devem continuar a ser importantes para todas as formas de produção. As expressões
gestão de sistemas e sistemas de gestão são, apenas, mais exemplos disto.
9. Referências Bibliográficas
BARBOSA, P. M. R.; O Construtivismo e Jean Piaget. Educação Pública ISSN 1984-6290.
Disponível em https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/15/12/o-construtivismo-e-
jean-piaget. Acesso em 20 de fev. 2020.
CAPRA, F. A Visão Sistêmica da Vida:uma concepção unificada e suas implicações
filosóficas, políticas, sociais e econômicas. Tradução Mayra Teruya Eichemberg e
Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Editora Cultrix, 2014.
CAPRA, F. The Science of Leonardo; Inside the Mind of the Genius of the
Renaissance. (New York, Doubleday, 2007)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Leonardo_da_Vinci#Engenharia_e_inven%C3%A7%C3%B
5es
DESCARTES, R. Discourse on Method. Traduzido com introdução e notas por I. MacLean. Nova
York: Oxford University Press. 2006
MATURANA, H.; F. VARELA “Autopoiesis: the organization of living (título original: De maquinas
y seres vivos)” in Maturana e Varela, Autopoiesis and Cognition. Dordrecht: D. Reidel. (1980)