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Maurício Chakour 1
Rogério de Carvalho Santos 1
1 Departamento de Medicina Abstract The implementation of medical specialization in Brasil has been relatively free of
Preventiva e Social,
constraints. There has thus been a progressive fragmentation of medical work. The so-called
Faculdade de Ciências
Médicas, Universidade root specialities are losing both their strength and clinical problem-solving capacity. Two op-
Estadual de Campinas, erational concepts are proposed for achieving better administration of medical responsibilities
C. P. 6111, Campinas, SP,
and the role of medical professionals: 1) field of competence and 2) core competence. General
13081-970, Brasil.
goals are suggested for reforming specialized training and integration of specialists into the
Unified National Health System.
Key words Medical Specialties; Health Systems; Health Policy; Public Health
Resumo Identificou-se relativa liberdade dos médicos brasileiros para criação de novas espe-
cialidades médicas, havendo, em conseqüência, progressiva fragmentação do trabalho em saúde,
verificando-se também crescente diminuição da importância e mesmo da capacidade resolutiva
das especialidades-raízes: clínica médica, pediatria, cirurgia geral e gineco-obstetrícia. Propõem-
se dois conceitos operativos para redefinição da abrangência e da responsabilidade do trabalho
médico: Campo de competência e Núcleo de Competência. São também levantadas diretrizes
para reforma das políticas de formação e de incorporação de especialistas ao SUS.
Palavras-chave Especialidades Médicas; Sistemas de Saúde; Política de Saúde; Saúde Pública
cia de especialidades, quanto a conservação da por uma destas “especialidade gerais”, confor-
capacidade resolutiva das chamadas especiali- me já é praxe em inúmeras instituições.
dades gerais ou especialidades-raízes. Senão, c) Quanto ao mercado de trabalho, haveria
com o tempo, elas seriam expropriadas de toda que se considerar que de pouco adiantaria mo-
capacidade resolutiva. dificar o perfil da residência se não houvesse
Ao mesmo tempo, partindo-se desta pers- mudanças equivalentes no perfil de contrata-
pectiva, caberia exigir-se do especialista uma ção e de remuneração de médicos do SUS.
certa polivalência – a específica ao seu campo Haveria que se valorizar o exercício destas
de competência, contribuindo assim, também, especialidades gerais, assegurando tanto salá-
para a ampliação da declinante capacidade re- rios, como incentivos por desempenho ade-
solutiva dos profissionais altamente especiali- quados. Por outro lado, seria importante rever
zados. o quadro de pessoal de hospitais públicos, am-
b) Se a proposição e o aparecimento de novas pliando o número de profissioanais com estas
especialidades seguem inevitavelmente um características também nos níveis secundário
padrão mais ou menos livre, dependente tanto e terciário de atenção. Metade dos médicos de
da iniciativa dos médicos, quanto de algumas um hospital moderno poderia também ter este
regulamentações, o Sistema Único de Saúde perfil mais resolutivo e polivalente.
não deveria furtar-se de ter uma política que Por último, caberia iniciar um processo de
interferisse nesta dinâmica. discussão com a AMB e com o Ministério da
Basicamente, acreditamos que o SUS deve- Saúde voltado para a revalorização dos proce-
ria criar mecanismos que indicassem uma cla- dimentos clínicos e cirúrgicos mais integrais e
ra prioridade não só pela formação, como tam- abrangentes. A atual política está degradando
bém pela contratação de trabalho desta ou da- o trabalho essencialmente interpessoal da Me-
quela especialidade. dicina.
Quanto à formação, sabe-se que institui-
ções governamentais custeiam a maioria das
vagas para residência. Neste sentido, seria viá- Comentários finais
vel, sem grandes rearranjos institucionais, pro-
ceder-se a definição do perfil dos profissionais Com estas diretrizes, pretendemos tão-so-
a serem formados conforme necessidades de mente indicar alguns caminhos que, se trilha-
saúde e a lógica do sistema público. Superar o dos, poderiam desencadear processos de su-
laissez-faire atualmente existente, que repro- peração de algumas da dificuldades do sistema
duz de forma centralizada os interesses ou dos de saúde brasileiro. Trata-se de uma aborda-
profissionais enquanto corporação, ou do mer- gem parcial e que tem como objetivo mais es-
cado, é um desafio inadiável. timular a elaboração de novas alternativas para
A principal diretriz sugerida seria a defini- estes já velhos problemas sanitários, do que
ção de cotas mínimas de vagas para as deno- pretender fornecer receitas acabadas.
minadas “especialidades gerais”: pediatria, ci-
rurgia geral, clínica médica, gineco-obstetrícia
e saúde pública. Poder-se-ia, em curto prazo, Referências
instituir-se a obrigatoriedade de o conjunto
dos serviços de residência médica reservarem ABEM (Associação Brasileira de Ensino Médico),
metade das vagas para estas áreas. Caberia às 1995. Anais. XXXIII Congresso Brasileiro de Edu-
Secretarias Estaduais e Comissões de Residên- cação Médica. Porto Alegre: ABEM.
AMB (Associação Médica Brasileira), 1994a. Proposta
cia Médica administrarem esta distribuição, de
de Regulamentação para a Criação de Novas Es-
maneira que um serviço especializado exclusi- pecialidades em Medicina. Brasília: Conselho
vamente em pediatria, por exemplo, não se vis- Científico. (mimeo.)
se obrigado a criar residência de clínica. Seria AMB (Associação Médica Brasileira), 1994b. Regimen-
ridículo. O importante seria o planejamento to da AMB. Brasília: AMB.
em toda a rede. Estas residências seriam termi- CAMPOS, G. W. S., 1992. Reforma da Reforma: Repen-
nais, ou seja, as demais especialidades somen- sando a Saúde. São Paulo: Hucitec.
CFM (Conselho Federal de Medicina), 1996. Consoli-
te contariam com a outra metade do número
dado Parcial da Pesquisa Perfil do Médico Brasi-
de vagas para prosseguimento dos seus cursos leiro. Brasília: CFM. (mimeo.)
específicos. Estas cotas sugeridas deveriam ser FREIDSON, E., 1978. La Profesión Médica. Barcelona:
revistas periodicamente conforme o impacto Península.
no sistema de formação e no assistencial. FUNDAP (Fundação para o Desenvolvimento da Ad-
Além disso, seria importante assegurar que ministração Pública), 1994. Relatório de Gestão
1993/94. São Paulo: Fundap.
todas as especialidades iniciassem a residência