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MÉTODOS QUALITATIVOS DE PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS E DA SAÚDE

Professor: Lupicinio Iñiguez-Rueda


Departament de Psicologia Social
Universitat Autònoma de Barcelona
https://orcid.org/0000-0002-1936-9428

O DEBATE SOBRE METODOLOGIA QUALITATIVA CONTRA QUANTITATIVA

[EXTRATOS DE: Íñiguez,L. (Ed.) (1995) Métodos cualitativos en Psicología Social. Revista de Psi-
cología Social Aplicada, Vol.5, nº1/2. y de Ibáñez, T. e Íñiguez, L. (1996) Aspectos metodológicos
de la Psicología Social Aplicada En J.L. Álvaro; A. Garrido; J.R. Torregrosa (Coor.). Psicología So-
cial Aplicada. Madrid: McGraw-Hill. pp.57-82]

Até faz pouco, a pesquisa (tanto no chamado "âmbito básico", como no "aplicado") es-
tava definida por um enquadramento epistemológico que a operacionalizava em termos exclu-
sivamente quantitativos. A medição, em Ciências Sociais, apresentou-se como um lucro, se
convertendo em gire do desenvolvimento da Ciência Social em seu conjunto. Nos últimos anos,
os paradigmas dominantes nas Ciências Sociais entraram em crises, e uma de suas consequên-
cias foi a abertura para outros entendimentos da realidade social e, consequentemente, a ou-
tras estratégias para estudá-la. No prefacio ao "Handbook" de Investigação Qualitativa (Denzin
e Lincoln, 1994), a referência mais importante para os próximos anos neste campo, diz-se que
foi precisamente nas últimas duas décadas quando se produziu esta importante mudança nas
Ciências Sociais. Na prática aprecia-se, efetivamente, como os estudos empíricos se realizam a
cada dia mais sobre a base de métodos qualitativos. Não pode ser dito que o uso de métodos
quantitativos deixe de ser o dominante, mas a cada dia é mais importante a aposta qualitativa.
Isto não significa que o uso de métodos qualitativos se tenha generalizado. Ainda se ensina a
professores/as e estudantes de maneira maioritária que os métodos quantitativos, sobretudo
os experimentais, são os standards de uma ciência sistemática.
De que falamos quando dizemos 'metodologia qualitativa'? Precisões sobre o sentido
dos termos metodologia, método e técnica. Por metodologia entende-se a aproximação geral
ao estudo de um objeto ou processo, isto é, o conjunto de meios teóricos, conceptuais e técni-
cos que uma disciplina desenvolve para a obtenção de seus fins. Por método, os caminhos es-
pecíficos que permitem aceder à análise dos diferentes objetos que se pretendem pesquisar. O
método engloba todas as operações e atividades que, regidas por normas específicas, possibili-
tam o conhecimento dos processos sociais. Finalmente, por técnicas entende-se os procedi-
mentos específicos de recolha de informação. Os estes procedimentos não são necessariamen-
te em si mesmos quantitativos ou qualitativos, a diferenciação em qualquer caso provirá de seu
emoldure em um método específico.

1. CONTEXTO
O uso de métodos e técnicas qualitativas tem estado acompanhado de críticas que, re-
sumindo muito, se centraram em sua suposta falta de objetividade, a impossibilidade de repro-
dução de seus resultados, a falta de validade, etc, em definitiva, que se trata de um tipo de ati-
vidade mais próxima à literatura que à ciência. Estas críticas colocaram a quem praticavam es-
tes métodos em uma situação de inferioridade e de falta de reconhecimento. Com frequência
estas críticas mostravam mais as consequências de posições preguiçosas que as vontades de
entrar em um debate sério sobre os antecedentes e as consequências teóricas e epistemológi-
cas das práticas qualitativas emergentes.
O uso dos métodos quantitativos é raramente problematizado. Existe um amplo con-
senso sobre que seu uso é o correto e a única forma de fazer ciência e ser científico/a. A trans-
missão de conhecimentos durante a formação de novos/as profissionais assegurou a manuten-
ção deste orçamento. Mas, com o tempo, relegados e relegadas à periferia da comunidade ci-
entífica, alguns e algumas profissionais das Ciências Sociais começaram um tímido contra-
ataque consistente em pôr sobre a mesa a análise das práticas cientistas dominantes, à luz das
próprias regras que ditas práticas diziam seguir.
Esta prática permitiu identificar alguns pontos débeis da investigação quantitativa rede-
senhando assim um contexto no que poder iniciar para valer um debate sobre a metodologia
em Ciências Sociais. Trata-se de: (a) a crítica à medida nas Ciências Sociais e (b) a crítica ao em-
piricismo.
(a) O problema que tem proposta a medição em ciências sociais reside nas caraterísticas
e as consequências que esta tem, que ainda sendo problemáticas, não estão suficientemente
consideradas. Uma das mais importantes é a segmentação, em poucas palavras, o comporta-
mento social não pode ser nem segmentado nem dividido já que é um fluxo; mas toda medida
implica, inevitavelmente, troceamiento e segmentação. Não obstante este é tão só um dos
problemas que poderíamos citar: o nível de medida e seus condicionantes e consequências, as
caraterísticas das diferentes teorias da medida que circulam sobretudo nas Ciências Humanas,
são alguns outros.
(b) A produção de dados na investigação social de caráter quantitativo é vertiginosa, ad-
quirindo dia-a-dia níveis de sofisticação elevadíssimos. Com muita frequência esta progressão
realiza-se a costa da potência teórica na que se sustentam, e se esconde depois de um artefato,
muito sutil, que o mesmo empiricismo radical conseguiu instituir. Toda produção quantitativa
de dados tem um valor para valer só por ter sido obtidos mediante formas ou procedimentos
muito elaborados e analisados com as mais sofisticadas e complexas técnicas de análises de da-
dos. Outra das caraterísticas que se desatendem com frequência é a minimização das distor-
ções inerentes ao uso dos métodos qualitativos, distorções provenientes dos instrumentos que
se usam, dos preconceitos de os/as investigadores/as e do contexto social no que se produz a
prática científica concreta.

2. ALGUMAS CARATERÍSTICAS DE UMA FOCAGEM QUALITATIVA NA PESQUISA

A PESQUISA social qualitativa é enormemente variada, mas pode ser dito que as dife-
rentes concepções têm em comum um compromisso com uma aproximação naturalista e inter-
pretativa, e uma crítica contínua à política e aos métodos do positivismo. Isto fez com que tra-
dicionalmente os métodos e técnicas qualitativas seja ferozmente atacados por parte de quem
praticam métodos quantitativos por mor de sua suposta falta de objetividade, a impossibilidade
de reprodução de seus resultados e a falta de validade, enquanto os métodos quantitativos não
eram problematizados jamais. Com os anos, as perspetivas metodológicas qualitativas foram
encontrando seu local paralelo à emergência das teorias críticas.
O auge dos métodos qualitativos tem que ver com a emergência das perspectivas e des-
te tipo de teorias. Nelas se mostram mais adequados todos aqueles instrumentos analíticos que
descansam na interpretação. Efetivamente, estes procedimentos se adequam perfeitamente ao
buscar o entendimento dos processos sociais, mais que sua predição, ou se se prefere, ao bus-
car dar conta da realidade social, compreender qual é sua natureza, mais que a explicar. Em
boa medida, ao localizar o debate nestes parâmetros, perdem força as críticas estereotipadas, e
com frequência pouco fundamentadas, que a investigação qualitativa recebe em termos de fal-
ta de objetividade, falta de validade, trivialidade ou relativismo.
A assunção dos métodos qualitativos permite considerar de maneira preeminente al-
gumas caraterísticas: (a) uma mudança na sensibilidade investigadora, (b) a investigação guiada
teoricamente e (c) a garantia de participação.

(a) Uma mudança na sensibilidade investigadora

Na prática, a adoção dos métodos qualitativos vai acompanhada de uma mudança de


sensibilidade na investigação (Silverman, 1993). Esta mudança de sensibilidade se articularia em
quatro diferentes dimensões: a dimensão histórica, a cultural, a política e a contextual.
Sensibilidade histórica. Efetivamente, os processos sociais estão marcados historicamen-
te e são portadores, eles mesmos, da história que os constituiu. A definição de um objeto de
investigação não pode ser alheia, em modo algum, a esta caraterística. Na investigação aplica-
da, não podemos abstrairmos desta caraterística em nenhum processo de intervenção, nem em
nenhum local. Podemos intervir no processo, para mantê-lo ou para mudá-lo, e isso pode ser
fruto de legítimos projetos de mudança ou de melhoria, mas o que não de pode fazer é intervir,
na ignorância de seu significado histórico.
Sensibilidade cultural. A cada processo, por outra parte, está emoldurado em um meio
cultural particular. A intersubjetividade, o sistema de normas e regras que a cada cultura foi
construindo ao longo de sua história, lhe dão umas particularidades diferenciadoras do resto
que não podem ser ignoradas na investigação prática nem na aplicada. Na investigação aplica-
da, por exemplo, a ação mesma que se propõe possa ou não guardar coerência com o universo
de significados compartilhados da comunidade na que se vai realizar, questão que será, com
toda probabilidade, a primeira que devemos ter em conta.
Sensibilidade sócio-política. Toda prática social se emoldura em um contexto político
concreto, quando não devêssemos dizer que toda prática social é em si mesma política. A inves-
tigação qualitativa não esquece esta questão propondo explicitar as consequências políticas,
inibidoras ou favorecedoras de mudança social, que podem ir implícitas em sua própria realiza-
ção. O compromisso político é, nesse sentido, só um aspecto desta classe de sensibilidade.
Sensibilidade contextual. Por último, a investigação deve considerar o contexto social e
físico no qual se está produzindo. O contexto é o resultado de múltiplos elementos, processos e
ações, entre as que ressalta a ação coletiva dos participantes nele. Parece, pois, condição indis-
pensável na investigação reconhecer esta dependência que é, junto das assinaladas anterior-
mente, a que proporciona sentido ao projeto mesmo da intervenção.

(b) A investigação guiada teoricamente

Com frequência, na investigação aplicada, o uso dos diferentes métodos assume sua le-
gitimidade desde sua própria posta em prática. Assim, a necessidade de conhecer, compreen-
der ou avaliar um processo social, um problema social ou uma intervenção, se realiza acima da
definição mesma do processo, do problema ou do caráter da intervenção. Qualquer deles, no
entanto, não deveria ser por si mesmo um objeto de investigação.

Efetivamente, o processo de investigação deve estar guiado pela teoria. A teoria pro-
porciona-nos um conjunto de ferramentas capazes de ajudar-nos a conceitualizar os processos
ou os objetos que queremos analisar. A satisfação, as atitudes, as crenças e valores, as repre-
sentações, as motivações, a ação mesma das pessoas e os grupos sociais, são aspectos concep-
tualizables desde a teorização que as Ciências Sociais têm elaborado através do tempo. É ne-
cessário definir os problemas e os objetos de investigação desde elas, para entender-os melhor
e para fazer comunicável a prática investigadora mesma, e seus resultados.

Neste sentido, a valoração do ponto de vista da gente, do sentido comum, em si mes-


mo, não é incompatível com a aplicação do elemento mais importante que a prática científica
nos proporcionou: a teoria.

(c) A participação: a contínuo participação direta - participação indireta

Existem formas muito variadas de entender a participação. Em alguns casos, a participa-


ção entende-se como uma modalidade da tomada de decisões, em outras se identifica com as
formas de participação diferida caraterísticas dos processos democrático-representacionistas.
Em fim, aparece também como uma das dimensões da liderança nas dinâmicas sociais e gru-
pais. Com uma frequência maior da desejável considera-se também "participação" a mera
transmissão de informação a coletivos ou grupos em temas que supostamente lhes afetam.

Certas práticas de intervenção, particularmente as que definimos como "externalistas",


assumem algum destes conceitos de participação. Tal fato converte em demasiadas ocasiões a
o/a psicólogo/a orientado à prática em uma sorte de "déspota ilustrado" com a suposta legiti-
mação que lhe dá o trabalhar pelo interesse e a melhoria nas condições ou na qualidade de vida
das pessoas.

No entanto, outras concepções de participação, mais pluralistas, mais diretas, permitiri-


am romper estas dinâmicas, acercar a intervenção a seu contexto, assumir a inseparabilidade
investigador/a-objeto de investigação ou intervenção. Tal concepção de participação tem que
ver com o reconhecimento de seu caráter de ação. Efetivamente, a participação não pode ser
senão uma forma de ação coletiva em relação às práticas quotidianas no cada contexto espacial
e histórico determinado.

Assim considerada, toda investigação na prática deveria poder ser participativa, ao me-
nos em um verdadeiro grau: em um grau máximo ou direto, isto é, no do envolvimento das
pessoas nos processos sobre os que quer ser intervindo, incluído o/a pesquisador/a; ou em um
grau mínimo ou indireto, isto é, um no que a participação se articula no espaço da intersubjeti-
vidade coletiva ou linguística.

Em nossa opinião, os métodos de caráter qualitativo estão em melhores condições para


inserir nas formas de ação coletivas, para envolver às populações implicadas neste tipo de pro-
cessos e para respeitar a autonomia na tomada de decisões de sua própria práxis.

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