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O Nascimento Do Jornalismo Moderno PDF
O Nascimento Do Jornalismo Moderno PDF
*
Jornalista, professor da Universidade Federal de Sergipe e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Cultura Contemporâneas da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia.
1 Trabalho apresentado no Núcleo de Jornalismo, XXVI Congresso Anual em Ciência da Comunicação, Belo
Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de 2003.
INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – BH/MG – 2 a 6 Set 2003
política e econômica hegemônica. No entanto, é prudente reconhecer que esse movimento não
foi um vento civilizador e homogeneizador que varreu o ocidente como um todo. Ele nem
atingiu a todos, embora se deva reconhecer o seu progressivo alastramento com o passar do
tempo, nem teve os mesmos efeitos sobre aqueles que alcançou. Essa é uma observação
importante porque as dissidências do projeto moderno, sejam elas existenciais ou
programáticas1, serão objeto de contestação desse modelo de sociedade e, por conseqüência,
das matrizes dele derivadas que foram aplicadas ao jornalismo.
O jornalismo moderno2, que resulta em parte desse processo, tem suas bases
construídas no século XIX. No entanto, suas origens podem ser identificadas em algumas
práticas comuns existentes já a partir do século XVI. Na Itália, haviam os menanti,
noticiaristas que organizavam para príncipes e negociantes serviços regulares de
correspondências manuscritas, conhecidas como avvisi. Eram sediados em Veneza, ponto de
entroncamento comercial, estratégico portanto para a difusão desses escritos. Ainda nesse
período surgem as gazettas3, folhas volantes impressas, que relatavam acontecimentos
importantes como batalhas, festas, cerimônias fúnebres da nobreza e avisos. Com outra
temática, o relato de fatos sobrenaturais, crimes, catástrofes e qualquer acontecimento
extraordinário, surgem os canards, na França4. E também os primeiros libelos que
alimentavam polêmicas religiosas e políticas.
Na breve síntese dessas primeiras manifestações jornalísticas – avvisi, gazetta,
canards e libelos – é possível identificar as três matrizes de produtos jornalísticos que irão se
desenvolver até os nossos dias: a noticiosa (nas duas primeiras), a do fait divers (os canards)
e a da opinião (o libelo)5. E cada uma dessas matrizes de produtos exigiam da parte de seus
produtores competências específicas. Do ponto de vista do produto, a matriz noticiosa seria
caracterizada basicamente pelo registro de fatos oficiais, econômicos, festivos, políticos, entre
1
Por “existenciais” deve-se entender os comportamentos que, por razões as mais diversas, não foram tocadas pelos valores
iluministas. Eles não se convertem numa contestação racional ao programa, mas uma contestação no estilo de vida adotado.
Por programáticas, deve-se entender então as divergências racionalmente formuladas, decorrentes de concepções
diferenciadas do modelo hegemônico, relativas aos seus conceitos básicos, a individualidade, a razão e a emancipação.
2
Jornalismo moderno na gestão empresarial e na afirmação das prerrogativas, como a liberdade de expressão. Mas do ponto
de vista do conteúdo, o sensacionalismo será em boa medida uma afirmação da irracionalidade, do encantamento e
esoterismo do mundo pré-moderno, feudal.
3 As gazetas eram chamadas relationes, em latim; occasionnels, na França; zeitung, na Alemanha; gazzetas ou corantas, na
Itália (Albert e Terrou, 1990, p.5; cf. tb. Emery, 1965, p. 14).
4 O mais antigo canard surge na França, em 1529 (Jeannëney, 1996, p.20). Albert e Terrou (Op. cit.) usam a nomenclatura
pasquim para designar canard.
5
Cf.: Jeannëney, op.cit., p. 21)
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outros. A matriz do fait divers, pela abordagem de fatos sensacionais, de forte apelo emotivo.
A rigor, ambas são na sua essência informativa, diferenciando-se sobretudo em dois aspectos:
o estilo discursivo e a temática dos fatos abordados. Assim, a combinação estilo discursivo
mais sóbrio, tendo os fatos do cotidiano como objeto, caracterizava a modalidade noticiosa; o
estilo mais dramático, com enfoque nos fatos extraordinários, caracterizava o fait divers.
Do ponto de vista das competências exigidas, para cada uma das matrizes, poder-se-ia
apresentar o seguinte esquema:
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Essa breve caracterização está longe de representar com precisão a diversidade dos
produtos jornalísticos da época. Contudo, a sua intenção não é ser necessariamente fiel na
caracterização das competências daquele período de formação da atividade jornalística, mas
de indicar as marcas que vão se constituir, aos poucos, nas referências pelas quais os
praticantes do jornalismo irão se orientar. Portanto, muito mais do que fidelidade à
classificação das competências naquelas práticas, o objetivo é sistematizar um conjunto de
competências que estarão na origem do processo de profissionalização pelo qual a atividade
irá passar, adiante.
Duas pequenas observações se fazem necessárias aqui: a primeira, nessas duas
modalidades de jornalismo informativo, os fatos não deixam de ser o objeto dos discursos,
que se pretendem verdadeiros em relação a eles6; a segunda, ambas as modalidades se pautam
pela noção de relevância para selecionar os fatos abordados, contudo, a noção de “relevância”
entre elas é distinta. E isso não significa nenhum tipo de contradição, como se pretende
mostrar adiante.
A matriz opinativa, surgida com os libelos, terá um desenvolvimento extraordinário na
esfera política. Calúnias e difamações à parte, o chamado “jornalismo político” se constituiu
num grande fórum de debates de idéias, e será um dos traços marcantes da definição de
“esfera pública burguesa”, de Habermas7. Nesta modalidade, não são os fatos o eixo em torno
do qual o discurso se estrutura, mas a tese pela qual o autor busca explicá-los. Por isso,
quando a Europa e os Estados Unidos experimentam momentos de instabilidade política, a
prática do jornalismo opinativo torna-se decisiva no processo de convencimento a
arregimentação de indivíduos para abraçarem as causas liberais, das liberdades individuais,
políticas e econômicas. As competências requeridas poderiam ser assim definidas:
6
Sobre os fait divers, contudo, sempre pairou dúvidas e suspeitas sobre a realidade dos fatos relatadas. Para Jeannëney, “os
canards levam ao conhecimento de um vasto público todas as notícias, verdadeiras ou imaginárias, que podem estimular a
imaginação ou a sensibilidade: as inundações, os terremotos, as aparições miraculosas que polulam nesta época (século XVI)
e sobretudo os crimes espetaculares que apaixonam o público”(Idem, p. 20)
7
Cf.: Habermas, 1984.
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O importante a considerar, por agora, é que nesse momento já era possível identificar
como uma mesma prática um conjunto de experiências dispersas, em diferentes lugares e
momentos. Essas experiências são reconhecíveis como momentos de uma mesma atividade
em decorrência da natureza do trabalho por elas realizado. Descritivamente, esse trabalho
consiste no conjunto de competências – cognitivas, discursivas e de conduta – empregadas
para a captura e o tratamento das informações, com vistas à produção de matérias as mais
diversas, seja a notícia, os features ou os artigos de opinião. Conceitualmente, este trabalho
revela a sua essência: operar uma mediação cognitiva entre os indivíduos e a realidade.
Nessas experiências, por mais diferentes que sejam as competências empregadas e que
resultem, obviamente, em produtos diferenciados, não se perde de vista que a atividade
jornalística busca colocar os indivíduos em contato com o seu mundo, a partir da abordagem
de seus aspectos reais. Isso fica muito nítido tanto na matriz informativa, seja na sua
modalidade noticiosa ou sensacionalista, porém, um pouco mais nebuloso na matriz opinativa.
Nas duas primeiras, os discursos buscam caracterizar os fatos em si mesmos; na segunda,
disputam pretensões de verdade sobre eles com base em julgamentos políticos e morais, em
construções argumentativas de caráter literário filosófico.
Embora abordassem o real de forma diferente, ambas as matrizes se propunham a
discutir aspectos da realidade com os quais os indivíduos lidavam no seu cotidiano. Por isso,
mesmo na matriz opinativa, o publicista buscava oferecer à sua audiência uma chave de
leitura do mundo real, a partir da exposição de suas teses sobre os problemas abordados.
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Nesse sentido, pode-se afirmar que a função mediadora do jornalismo não se altera, uma vez
que o objeto dos discursos era, via de regra, o real, e a verdade estava no horizonte da
pretensão argumentativa apresentada. Na matriz informativa, essa pretensão adotava o estilo
predominantemente narrativo-descritivo, acentuando o poder de convencimento dos próprios
fatos. Na matriz opinativa, o discurso é predominantemente argumentativo, no qual o autor
busca defender uma tese a partir de sua leitura personalizada do mundo8. Cada qual resultante
da aplicação de suas respectivas competências cognitiva, discursiva e de conduta.
Apesar de historicamente a matriz opinativa da mediação jornalística ter tido grande
importância no desenvolvimento da esfera pública, ela perde força e espaço na concepção
moderna de jornalismo. Os fatos vão adquirir cada vez mais importância a partir do momento
em que a atividade jornalística inicia o processo de transição entre uma experiência de caráter
artesanal e de forte influência político-partidária, para uma nova fase industrial e capitalista de
produção. Nessa guinada, a matriz informativa se constitui no núcleo da atividade, cujas bases
foram efetivamente construídas no século XIX, principalmente nos Estados Unidos. É nesse
período que a separação entre fato e opinião torna-se um paradigma, a influenciar
profundamente a formação de um padrão de conduta que irá se constituir numa das principais
competências requeridas para a prática do jornalismo desde então. A afirmação e o
desenvolvimento deste paradigma se dará pela predominância da mediação informativa, em
diversas modalidades temáticas e discursivas9.
O paradigma em questão é o da objetividade, que se caracteriza justamente pela
separação entre fato e opinião, fato e emoção10. No primeiro caso, o jornalista deve se abster
de expressar suas idéias e comentários sobre os fatos, detendo-se a estes. No segundo, deve
evitar revelar suas emoções, ou mesmo impedir que elas o levem a distorcer seu
conhecimento da realidade. A separação entre fato e opinião, fato e emoção, se apresentava
portanto como uma competência essencial relativa à postura do profissional de jornalismo,
por isso caracteriza-se como uma competência de conduta. Na medida que ele conseguisse
promover tal discernimento entre suas opiniões e emoções e os dados de fato, o jornalista
8
Os jornais eram patrocinados por grupos políticos, portanto, vinculava seu material editorial aos interesses desses grupos.
Esse tipo de laço será rompido quando os jornais passam a ser administrados não mais em função dos interesses meramente
políticos, mas predominantemente em função dos interesses econômicos.
9
Essa diversidade de temas e estilos discursivos se dará em função do processo cada vez mais intenso de modernização das
organizações jornalísticas.
10
Cf.: Chalaby, 1998, p. 128-129.
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poderia certificar-se da realidade das informações obtidas e, ao mesmo tempo, avaliar sua
relevância tanto no interior da área na qual se inscreve quanto em relação às expectativas dos
indivíduos.
Esse é o fundamento da idéia de objetividade, construído e vigente no fim do século
XIX. Segundo Schudson, porém, no início século XX, em função da cobertura jornalística das
duas grande guerras mundiais, a própria idéia de objetividade sofrerá transformações. O
importante, contudo, é não perder de vista essa origem do conceito11. Três razões se podem
chamar em causa para justificar a força com a qual este paradigma atuou na definição
moderna do jornalismo.
A primeira, a mais famosa, é econômica, com um viés político. Com o objetivo de
aumentar o número de leitores, os jornais se vêem na necessidade de romper os laços
partidários que os dominavam e que os prendiam a uma audiência restrita, afinada com os
grupos políticos que os financiavam. Esse movimento produz uma mudança decisiva na forma
de organização dos jornais, que deixam de ser instrumentos de ação política para se tornarem
empresas, com objetivo de ganhar dinheiro. A ampliação do número de leitores era
fundamental para a consolidação de uma fonte de recursos extremamente rentável para as
empresas jornalísticas: a venda de anúncios. Os anunciantes só investiriam em publicidade
nos veículos que tivessem ampla circulação, para que pudessem alcançar o retorno esperado.
Na medida que os jornais se distanciam da seara política, eles passam a ostentar uma
posição de neutralidade, que se torna um grande trunfo não apenas para o seu estabelecimento
empresarial mas também para a sua pretensão de objetividade. A neutralidade se afirmava
como uma condição prévia necessária ao esforço de evitar que as paixões pudessem distorcer
os fatos. Logo, a objetividade se mostrava mais factível para quem não tivesse compromissos
político-partidários. A afirmação da neutralidade tanto das organizações quanto dos jornalistas
conferia credibilidade ao trabalho realizado, uma vez que sem aqueles vínculos o
compromisso profissional manifesto não era outro senão com os próprios fatos. A
neutralidade passa a fazer parte então do rol das exigências do trabalho jornalístico, e a se
constituir também numa competência de conduta a ser desenvolvida pelo jornalista.
11
Segundo Schudson, a mudança vai se dar em função da impossibilidade dos jornalistas chegarem aos próprios fatos porque
a estrutura de governo desenvolveu um eficiente trabalho de relações públicas para filtrar e divulgar somente as informações
que fossem de seu interesse. Os jornalistas passam assim a ter como parâmetro de objetividade o respeito e a reprodução das
declarações oficiais, que muitas vezes escondiam mais do que revelavam os fatos. Essa discussão será retomada na parte II.
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Embora, portanto, a motivação tenha sido econômica na sua origem, esse movimento
vai produzir toda a base para a estruturação profissional da atividade jornalística. Isto vai
significar no plano do trabalho um padrão de conduta, antes inexistente, que por sua vez irá
provocar uma redefinição e aprimoramento do papel do jornalista, assim como novas e mais
rígidas exigências do desempenho desejado. A neutralidade e a objetividade se enquadram
então nesse novo perfil de conduta profissional, que funda a concepção moderna da profissão.
A neutralidade e a objetividade como competências de conduta levam também ao refinamento
das demais competências cognitiva e discursiva. A primeira, volta-se cada vez para a
interpretação dos fatos em áreas temáticas tradicionais, como a economia, a política, a
cobertura de guerras, etc.; a segunda, caracteriza-se pelo estilo racional e sóbrio, cujo formato
de elaboração da notícia será a técnica do lide e da pirâmide invertida.
A segunda razão remete aos indivíduos que passam a acolher os novos produtos. Sem
entrar no mérito da qualidade do debate político ou da motivação das pessoas por esse tipo de
discussão, a constatação histórica é que havia uma massa de potencial leitores a demandar um
produto voltado aos fatos, e que garantia assim o crescimento e fortalecimento desse negócio.
Tanto pela assinaturas e vendas avulsas, quanto e principalmente pela capacidade destes
leitores atrair anunciantes dispostos a vender seus produtos para a massa de consumidores em
potencial. Com o declínio do jornalismo de opinião, as duas modalidades de jornalismo
informativo vão se estabelecer, em sintonia com diferentes segmentos de indivíduos e
temáticas de cobertura, respectivamente.
Michael Schudson caracteriza com detalhes essas duas modalidades de jornalismo,
que se definem mais nitidamente, nos EUA, na última década do século XIX: um movido
pelo ideal da “estória”, outro, pelo ideal da “informação”. O que Schudson que expressar por
essa classificação é o mesmo o que já foi dito aqui, referente as diferenças discursivas e
temáticas que desde as primeiras manifestações jornalísticas é possível identificar. E
consequentemente expressam também as diferentes competências profissionais para a
realização do trabalho. O “ideal da estória” está para a modalidade do fait divers; o “ideal da
informação” para a modalidade noticiosa. Se o primeiro é de caráter sensacionalista no estilo
discursivo e na seleção dos fatos; o segundo preza pela sobriedade do discurso e por uma
seleção fatual voltada para o cotidiano da política, da economia e das questões urbanas e
internacionais.
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Um dos traços marcantes na distinção entre esses “dois jornalismos”, portanto, será a
diferença na noção de relevância com a qual os fatos serão abordados: no primeiro, a
relevância será considerada em decorrência do entretenimento que proporciona aos
indivíduos; no segundo, em decorrência do contato que propiciam com o cotidiano de
temáticas que despertam a sua atenção. Ou seja, percebe-se aqui a existência de expectativas
diferenciadas entre os indivíduos, cujas respectivas demandas os tornam fiéis a um ou a outro
produto jornalístico. A esses grupos de indivíduos, cada qual com expectativas comuns, que
se tornam clientes de um determinado jornal, vai se usar a designação audiência.
Apesar de todas essas particularidades, ambas as modalidades trabalham com a
matéria-prima fundamental da atividade: informações sobre dados reais, capazes de dar conta
de fatos, sejam eles sensacionais ou extraordinários, sejam eles do cotidiano das temáticas
sociais, políticas, econômicas, etc. E ambas as noções de relevância decorrem da expectativa
dos diferentes segmentos de indivíduos com relação a esses produtos. Logo, das diferentes
audiências. E, claro, decorrem também da importância relativa do fato no interior da área
temática na qual se inserem.
Para ficar nos dois jornais de referência sobre os quais Schudson procede sua análise,
enquanto o World de Pulitzer usava cartoons e desenhos, tipos diversos na composição dos
títulos, ênfase em palavras simples, conteúdo e estrutura de frase simples, tudo isso para atrair
a atenção dos milhares de imigrantes que compunham a população de Nova York e tinham
pouca familiaridade com a língua inglesa12, o New Work Times de Adolph Ochs tinha como
leitores as pessoas ricas, atraídas pelo conservadorismo, decência e precisão que
caracterizavam o jornal13. Schudson inclusive se pergunta em relação ao Times se ele era
respeitado porque chamava a atenção dos ricos ou chamava a atenção dos ricos porque era
respeitado? Repetia-se, assim, no campo do jornalismo, a perene questão entre cultura popular
e erudita14. Schudson, nessa passagem, caracteriza portanto a audiência de cada um desses
jornais.
Dessa pequena comparação entre essas duas referências trazidas por Schudson,
evidencia-se portanto o papel fundamental que a audiência – a rede de indivíduos que optam
por um ou por outro produto jornalístico – exerce para a definição da própria identidade deste
12
C.: Schudson, 1978, p. 98.
13
Idem, p. 107.
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14
Idem.
15
Idem, p. 65.
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16
Idem, p. 71.
17
Idem, p. 72.
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18
Essa discussão pode ser exemplificada nas seguintes obras: Siebert, Peterson e Schramm, 1963; Bulik, 1990.
19
McDoughal, 1968, 13-18.
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também em outros países, como o Brasil, porque encontrou respaldo junto a importantes
setores da sociedade. Do mercado, que o constituiu como negócio lucrativo; da política, que
assegurou as prerrogativas de funcionamento da atividade, como a garantia da liberdade de
expressão e o repúdio à censura; dos próprios indivíduos, que se viam atendidos em suas
expectativas.
Mas, qual é o contrato elementar em torno do qual se uniam os setores do mercado, da
política, os indivíduos atentos aos produtos oferecidos e, principalmente, os produtores de
jornalismo? Esse contrato no qual os diferentes atores sociais investem sua confiança pode ser
extraído da natureza do trabalho jornalístico: a mediação cognitiva entre os indivíduos e a
realidade. E de cuja natureza provêm as exigências relativas ao conjunto das competências
cognitiva, discursiva e de conduta dos profissionais. O jornalismo desde suas origens se
propõe a isso, e dedicou-se para especializar-se nesse trabalho quando elege, por exemplo, a
objetividade como padrão da conduta profissional. Era o que, à época, tinha-se de
cientificamente mais moderno a ser empregado para a finalidade de se chegar aos fatos.
A mediação jornalística é constituída de dois aspectos complementares: a função e o
uso da informação. A função consiste em cumprir a obrigação com o fatual, portanto, cuja
razão de ser vincula-se à própria idéia de mediação. Esta só ocorre efetivamente se o discurso
do jornalista for construído a partir de informações verdadeiras sobre os fatos. Se o discurso
do jornalista for uma peça de ficção, obviamente, não realizaria a função de mediar o contato
do indivíduo com a realidade. É justamente a partir dessa função mediadora do jornalismo que
a verdade se revela como uma parâmetro de qualidade da informação. Somente a informação
verdadeira é capaz de materializar a mediação. E por isso o trabalho jornalístico não pode
prescindir da objetividade, pois só assim ele poderá cumprir com a tarefa que lhe é solicitada,
no que diz respeito à função de pôr os indivíduos em contato com o mundo.
O uso da informação remete ao tipo de expectativa alimentada pelos indivíduos no
processo de mediação realizado pelo jornalismo. Se lembrarmos os “dois jornalismos” de
Schudson, um era voltado para o “entretenimento” e outro para o cotidiano da política e da
economia. Nos dois casos, a função mediadora incorporada por esses jornais colocava ambas
as audiências em contato com a realidade, porém com aspectos diferentes dessa mesma
realidade. Tais aspectos revelam expectativas diferenciadas em decorrência dos usos
particulares que cada segmento de clientes busca nos produtos jornalísticos. Se a verdade é
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20
A princípio, os valores-notícia devem ser tomados basicamente nos termos aqui apresentados, e que segundo Wolf se
constituem na resposta à seguinte pergunta: “quais os acontecimentos que são considerados sufientemente interessantes,
significativos e relevantes para serem transformados em notícia?”(Wolf, 1992, p. 173). No decorrer da discussão, entretanto,
sua definição será melhor explicitada.
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jornalismo se constitui como atividade com base num contrato de mediação cognitiva
entre a realidade e os indivíduos, na qual os fatos tornam-se o objeto central dos discursos
jornalísticos, seja na modalidade noticiosa seja na modalidade do fait divers. O trabalho
essencial da atividade consiste então em buscar informações verdadeiras capazes de dar
conta dos fatos, daí porque no processo de profissionalização da atividade a reportagem
passa a ser uma das práticas mais representativas e significantes do jornalismo.
21
“Adequação” deve ser considerado um termo técnico, correspondente ao termo “suitable” empregado na literatura de
língua inglesa. O termo remete à idéia de que a informação jornalística pressupõe uma correspondência entre os fatos e uma
expectativa, situada em alguma tábua de referência a ser discutida adiante, à qual os jornalistas se apegam para selecionar o
material a ser trabalhado. Gans usa como exemplo o slogan do New York Times: “All the News That’s Fit do Print” (Gans,
1979, p. 146). A “tábua de referência” é que se torna o grande ponto de tensão, seja do ponto de vista conceitual quanto do
ponto de vista prático, isto é, do emprego efetivo feita pelos produtores de informação.
22
Essa definição aborda considerações “substantivas”, relativas ao conteúdo da informação (cf. Gans, op.cit., p. 147-157).
Gans ainda usa outras categorias: considerações relativas ao produto e aos competidores (Idem, p. 146).
23
Uma das questões mais controversas no jornalismo trata-se da tal capacidade jornalística para discernir o que tem ou não
relevância para tornar-se divulgado. A definição dos valores-notícia normalmente foi construída sob uma metodologia
baseada na tentativa e erro, considerando-se os acertos em função da tiragem e venda dos exemplares. Muito rara e
recentemente tem se empregado mecanismos científicos para se saber qual a expectativa dos indivíduos em relação aos
produtos jornalísticas, através seja de pesquisas de opinião (predominantemente de natureza quantitativa) ou de grupos de
discussão (predominantemente de natureza qualitativa).
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As informações obtidas sobre os fatos, assim como estes próprios, passam por um
processo de seleção no qual se aplicam critérios de relevância relativos à expectativa de
uso por parte da audiência, na forma de valores-notícia, e à importância relativa dessas
informações e desses fatos no interior da área temática objeto da cobertura.
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BIBLIOGRAFIA
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