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Wildson Luiz Pereira dos Santos

Educação científica na perspectiva de


letramento como prática social: funções,
princípios e desafios

Wildson Luiz Pereira dos Santos


Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação em Educação e Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências

Introdução No início do século XX, a alfabetização ou letra-


mento1 científico começou a ser debatido mais pro-
Ao discutir sobre alfabetização científica, Chassot fundamente. Desses estudos iniciais, pode-se destacar
(2003) considera-a domínio de conhecimentos cien- o trabalho de John Dewey (1859-1952), que defendia
tíficos e tecnológicos necessários para o cidadão de- nos Estados Unidos a importância da educação cientí-
senvolver-se na vida diária. Em trabalho anterior so- fica. Esses estudos passaram a ser mais significativos
bre o mesmo tema, Chassot (2000) apresenta a ciência nos anos de 1950, em pleno período do movimento
como uma produção cultural marcada principalmen- cientificista, em que se atribuía uma supervalorização
te por uma visão ocidental caracterizada pela nossa ao domínio do conhecimento científico em relação às
educação eurocêntrica. Nessa visão, pode-se consi- demais áreas do conhecimento humano. A temática
derar que sua origem cultural remonta ao século XVI. tornou-se um grande slogan, surgindo um movimento
Em suas proposições, Francis Bacon (1561-1626) já mundial em defesa da educação científica.
apontava o papel da ciência a serviço da humanida-
de. A partir do século XIX, tanto na Europa como nos
Estados Unidos, a ciência incorporou-se ao currículo 1
Na revisão de estudos sobre o significado do processo de

escolar (DeBoer, 2000). Também a partir daquele sé- alfabetização científica e tecnológica, tomou-se como referência

culo, eram encontradas na Inglaterra e nos Estados artigos da literatura inglesa que empregam o termo literacy, que

Unidos publicações de livros e artigos sobre ciências pode ser traduzido para o português como alfabetização ou como

destinados ao público geral, bem como artigos que letramento (ou literacia, no português de Portugal). Mais adiante

destacavam a importância do estudo da ciência pelo será apresentada uma discussão em torno de significados que po-

público (Hurd, 1998; Layton, Davey & Jenkins, 1986; dem ser atribuídos a esses dois vocábulos. Assim, neste artigo são

Shamos, 1995). Layton, Davey e Jenkins (1986) ci- empregadas as duas denominações, usando o termo letramento

tam obras científicas para o público datadas do sécu- apenas quando o seu significado se referir ao uso social do conhe-

lo XVIII. cimento científico, na acepção adotada por Soares (1998).

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Educação científica na perspectiva de letramento como prática social

No Brasil, a preocupação com a educação cien- lógicos e filosóficos (Aikenhead, 1997; Champagne
tífica foi mais tardia. No século XIX, o currículo es- & Lovitts, 1989).
colar era marcado predominantemente pela tradição Nesse sentido, torna-se importante discutir os
literária e clássica herdada dos jesuítas. Apesar do diferentes significados e funções que se têm atribuí-
incentivo de dom Pedro II (1825-1891), um cultor das do à educação científica com o intuito de levantar re-
ciências, e de discursos positivistas de intelectuais ferenciais para estudos na área de currículo, filosofia
brasileiros em favor da ciência, como Rui Barbosa e política educacional que visem analisar o papel da
(1849-1923), o ensino de ciências teve pouca priori- educação científica na formação do cidadão. No pre-
dade no currículo escolar (Almeida Júnior, 1979). Esse sente artigo, é apresentada uma revisão de estudos
ensino passou efetivamente a ser incorporado ao cur- desenvolvidos no âmbito da educação em ciências,
rículo escolar nos anos de 1930, a partir de quando visando contribuir para uma reflexão sobre as suas
começou um processo de busca de sua inovação diferentes funções. Essa revisão fornece elementos
(Krasilchik, 1980). Esse processo de inovação teve para estudos críticos de processos avaliativos de ní-
início com um processo de atualização curricular e vel de alfabetização da população brasileira e da qua-
depois continuou com a produção de kits de experi- lidade do ensino de ciências; de análise e proposição
mentos na década de 1950 e com a tradução de proje- de programas de reforma curricular; de estudos sobre
tos americanos e a criação de centros de ensino de políticas públicas na área de formação de professores
ciências na década de 1960, culminando com o início de ciências e programas de melhoria da qualidade
da produção de materiais por educadores brasileiros desse ensino, como programas de livros didáticos. Isso
na década de 1970 (idem, ibidem). Foi também a par- se torna essencial, no momento em que resultados de
tir dos anos de 1970 que teve início efetivo a pesqui- exames nacionais apontam como grande desafio a
sa na área de educação em ciências no Brasil, a qual busca pela melhor qualidade da educação básica.
se foi consolidando nos últimos 35 anos, de forma
que hoje se conta com uma comunidade científica Educação científica:
atuante em mais de 30 programas de pós-graduação enfoques e perspectivas de análise
em ensino de ciências, com a realização regular de
congressos científicos específicos nessa área e com a Merton (1910-2003), em seus clássicos trabalhos
publicação de periódicos acadêmicos sobre a temáti- de sociologia da ciência, já considerava as condições
ca, tendo sido produzidas cerca de 1.100 dissertações sociais de produção e apropriação do conhecimento.
de mestrado e teses de doutorado entre 1972 e 2003, Mesmo ao tratar a ciência do seu ponto de vista inter-
de acordo com pesquisa de Megid Neto, Fracalanza e nalista, com relação às normas de seu funcionamento,
Fernandes (2005). Merton (1968) destacava as pressões sociais sobre a
A preocupação crescente com a educação cien- autonomia da ciência, sobretudo nos países de regimes
tífica vem sendo defendida não só por educadores totalitários. Com diferentes perspectivas sobre as rela-
em ciências, mas por diferentes profissionais; seus ções entre ciência, tecnologia e sociedade, os estudio-
objetivos têm tido uma grande abrangência. Ocorre sos da sociologia da ciência foram ampliando as pro-
que, tendo surgido essa temática em diferentes con- posições analíticas sobre a base da organização e
textos, os autores estão longe de chegar a um con- interação dos praticantes da ciência. Kuhn (1922-1996)
senso (Jenkins, 1990, 1997; Laugksch, 2000). Isso destacou o papel da comunidade científica no estabe-
pode ser explicado pelo fato de a educação científica lecimento dos paradigmas científicos. Bourdieu (1930-
ser um conceito amplo que depende do contexto his- 2002) afirmou que “a verdade científica reside numa
tórico no qual ela é proposta (DeBoer, 2000; espécie particular de condições sociais de produção;
Laugksch, 2000) e por depender de pressupostos ideo- isto é, mais precisamente, num estado determinado da

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estrutura e do funcionamento do campo científico” Figura 1 – O sistema ciência-sociedade


(Bourdieu, 1994, p. 122). Ampliando a análise desse
campo, outro grupo de sociólogos, como Latour e
Woolgar (1979) e Knorr-Cetina (1981), identificou as
condições sociais internas de produção do conhecimen-
to científico, demonstrando como o fato científico é
construído no contexto sociopolítico, no qual tomam
parte vários atores, incluindo cientistas e não-cientis-
tas, e reunindo argumentos técnicos e não-técnicos.
Fugindo do propósito de aqui fazer uma revisão
das várias correntes filosóficas que tratam da pers-
pectiva da ciência na sociedade, pode-se tomar a ca-
racterização de Gerard Radnitzky (1970) da ciência
como um sistema social essencialmente relacionado
ao desenvolvimento do conhecimento. Esse sistema,
ilustrado na Figura 1, é bastante útil para compreen-
Adaptado de Radnitzky (1970).
der os diferentes significados que têm sido tomados
para a educação científica. No sistema apresentado,
incluem-se, entre outros componentes, os produtores scientific and technological literacy (STL). Essa ter-
(cientistas), o processo de pesquisa, os produtos etc. minologia pode ser traduzida como alfabetização cien-
Para Radnitzky (1970), na análise desse sistema, pode- tífica (AC ou ACT, quando se inclui a tecnologia) –
se enfocar cada um de seus componentes com pers- ou como letramento científico (LC ou LCT).
pectivas diferentes. O enfoque nos produtos, enquan- Em artigo de revisão sobre AC/LC, Laugksch
to sistemas simbólicos, pode levar a uma análise de (2000) identificou vários fatores que influenciam in-
aspectos lógicos, semânticos, teóricos e epistemoló- terpretações do significado da educação científica.
gicos da ciência, enquanto o enfoque nos produtores Para ele, tais fatores incluem a existência de diferen-
e usuários terá uma perspectiva centrada na ciência tes grupos de atores sociais preocupados com a edu-
em sociedade, com estudos de aspectos sociológicos, cação científica, diferentes definições conceituais para
psicológicos, historiográficos, culturais e políticos. os termos alfabetização ou letramento, diferentes pro-
Certamente a análise de cada um desses componen- pósitos para essa educação, assim como diferentes
tes apresentará significados e razões diversas para o estratégias que têm sido adotadas na mensuração do
conhecimento científico. nível de alfabetização das pessoas sobre ciência.
Considerando, então, que a ciência engloba di- Para Laugksch (2000), o entendimento do signi-
ferentes atores sociais e que a compreensão desse cam- ficado de AC/LC tem sido objeto de preocupação de
po depende da análise das inter-relações entre esses educadores em ciência, cientistas sociais, pesquisa-
atores, pode-se considerar que a compreensão dos dores de opinião pública, sociólogos da ciência, e
propósitos da educação científica passa por uma aná- profissionais envolvidos na educação formal e não-
lise dos diferentes fins que vêm sendo atribuídos a formal em ciências, como professores e profissionais
ela pelos seus diversos atores. que trabalham com a divulgação da ciência, jornalis-
Na área de pesquisa de ensino de ciências tas e profissionais de museus, centros de ciências,
(Gilbert, 1995), estudos sobre educação científica vêm parques ambientais, jardins botânicos etc. (Figura 2).
sendo desenvolvidos com a denominação scientific Cada um desses grupos sociais terá enfoque di-
literacy, estando também associados a estudos sobre ferente para os diversos contextos de AC/LC. Enquan-

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Educação científica na perspectiva de letramento como prática social

Figura 2 – Alguns atores sociais interessados Todos esses argumentos, de alguma forma, estão
em letramento científico e tecnológico presentes no currículo escolar e constituem fatores
de influência no seu planejamento. Assim, se a prio-
ridade da alfabetização for melhorar o campo de co-
nhecimento científico, preparando novos cientistas,
o enfoque curricular será centrado em conceitos cien-
tíficos; se o objetivo for voltado para a formação da
cidadania, o enfoque englobará a função social e o
desenvolvimento de atitudes e valores (Ratcliffe &
Grace, 2003).

Domínios da educação científica:


alfabetização e letramento

A ênfase curricular no ensino de ciências pro-


posta pelos educadores em ciência tem mudado em
função de contextos sócio-históricos. No final dos
anos de 1950, em plena Guerra Fria, com o lança-
to os educadores em ciência se preocupam com a edu- mento do primeiro satélite artificial – o Sputinik –,
cação nos sistemas de ensino, os cientistas sociais houve, da parte dos Estados Unidos, uma corrida para
estão voltados para o interesse do público em geral apressar a formação de cientistas, o que levou à ela-
por questões científicas; os sociólogos, envolvidos boração de projetos curriculares com ênfase na vi-
com a interpretação diária da ciência; os comunica- vência do método científico, visando desenvolver nos
dores da ciência, com a divulgação científica em sis- jovens o espírito científico (Krasilchik, 1987). Na-
temas não-formais; e os economistas, interessados no quela época, propunha-se uma educação científica
crescimento econômico decorrente do maior consu- para a educação básica, no sentido de preparar os jo-
mo da população por bens tecnológicos mais sofisti- vens para adquirir uma postura de cientista, pensan-
cados que requerem conhecimentos especializados, do e agindo no seu cotidiano como cientistas.
como o uso da informática. No final da década seguinte, com o agravamento
Com essas perspectivas diferentes, surgem tam- de problemas ambientais, começou a surgir uma preo-
bém diversos argumentos para justificar AC/LC. cupação dos educadores em ciência por uma educa-
Millar (1996) agrupa esses argumentos em cinco ca- ção científica que levasse em conta os aspectos so-
tegorias: a) argumento econômico, que conecta o ní- ciais relacionados ao modelo de desenvolvimento
vel de conhecimento público da ciência com o desen- científico e tecnológico. Foi assim que começou a
volvimento econômico do país; b) utilitário, que surgir em diversos países, no final dos anos de 1970 e
justifica o letramento por razões práticas e úteis; no início da década seguinte, propostas curriculares
c) democrático, que ajuda os cidadãos a participar das para a educação básica com ênfase nas inter-relações
discussões, do debate e da tomada de decisão sobre ciência-tecnologia-sociedade (CTS) (Waks, 1990;
questões científicas; d) social, que vincula a ciência à Yager & Roy, 1993). Esses currículos apresentavam
cultura, fazendo com que as pessoas fiquem mais sim- o conteúdo de ciências da natureza com enfoque
páticas à ciência e à tecnologia; e e) cultural, que tem nas ciências sociais. Tais propostas tinham uma pers-
como meta fornecer aos alunos o conhecimento cien- pectiva marcadamente ambientalista, apresentando
tífico como produto cultural. uma visão crítica ao modelo de desenvolvimento; por

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isso, alguns a identificaram como ciência-tecnologia- relação à atividade científica. Já as categorias de f) a


sociedade-ambiente (CTSA). k) referem-se a conhecimentos, habilidades e valores
Outros enfoques para a educação científica con- relacionados à função social da atividade científica,
tinuaram a surgir. Enquanto alguns autores defen- incluindo categorias de natureza cultural, prática e
diam a educação para a ação social responsável, a democrática.
partir de uma análise crítica sobre as implicações so- Esses dois grandes domínios estão centrados no
ciais da ciência e da tecnologia, outros passaram a compreender o conteúdo científico e no compreender
defender a compreensão da natureza da atividade cien- a função social da ciência. Apesar de serem enfatiza-
tífica como aspecto central na educação científica. dos de formas diferentes pelos autores que discutem
Assim, diferentes concepções e perspectivas foram educação científica, eles estão inter-relacionados e
sendo propostas sobre o que seria AC/LC. Em uma imbricados. Pela natureza do conhecimento científi-
revisão sobre essas concepções, Norris e Phillips co, não se pode pensar no ensino de seus conteúdos
(2003) identificaram os seguintes significados para de forma neutra, sem que se contextualize o seu cará-
essa educação: a) conhecimento do conteúdo cientí- ter social, nem há como discutir a função social do
fico e habilidade em distinguir ciência de não-ciên- conhecimento científico sem uma compreensão do seu
cia; b) compreensão da ciência e de suas aplicações; conteúdo. Afinal, como afirma Morin (2000), há um
c) conhecimento do que vem a ser ciência; d) inde- tecido interdependente e inter-retroativo entre o ob-
pendência no aprendizado de ciência; e) habilidade jeto do conhecimento e o seu contexto.
para pensar cientificamente; e) habilidade de usar co- Isso, contudo, não tem sido a característica da
nhecimento científico na solução de problemas; f) co- educação científica na educação formal, que desde o
nhecimento necessário para participação inteligente ensino fundamental até a pós-graduação vem sendo
em questões sociais relativas à ciência; g) compreen- abordada cada vez mais com fragmentação e espe-
são da natureza da ciência, incluindo as suas relações cialização. Dessa forma, as discussões sobre educa-
com a cultura; h) apreciação do conforto da ciência, ção científica muitas vezes acabam por priorizar um
incluindo apreciação e curiosidade por ela; i) conhe- domínio em relação a outro.
cimento dos riscos e benefícios da ciência; ou j) habi- Sem querer propor uma dicotomia entre os dois
lidade para pensar criticamente sobre ciência e nego- domínios, no presente artigo, caracteriza-se essa dis-
ciar com especialistas. tinção adotando a mesma categorização que se vem
O que sobressai da leitura dos trabalhos de AC/ usando para alfabetização e letramento nas ciências
LC, muitos dos quais estão na revisão de Norris e lingüísticas e em educação. Para Magda Soares (1998),
Phillips (2003) sumarizada nos domínios anteriores, o termo alfabetização tem sido empregado com o sen-
é o fato de cada autor enfatizar determinados domí- tido mais restritivo de ação de ensinar a ler e a escre-
nios, apresentando argumentos filosóficos diferentes ver; o termo letramento refere-se ao “estado ou con-
para sustentar seu posicionamento. Esses autores, dição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas
embora não coincidam com enunciados que caracte- cultiva e exerce práticas sociais que usam a escrita”
rizam AC ou LC, em tese incluem sempre dois gran- (p. 47).
des grupos de categorias: um que incorpora as relati- De acordo com essa conceituação, uma pessoa
vas à especificidade do conhecimento científico, e alfabetizada, que sabe ler e escrever, pode não ser le-
outro que abrange as categorias relativas à função trada, caso não faça uso da prática social de leitura,
social. ou seja, apesar de ler, não é capaz de compreender o
Nesse sentido, pode-se observar que os domínios significado de notícias de jornais, avisos, correspon-
das categorias de a) a e) anteriores se referem ao co- dências, ou não é capaz de escrever cartas e recados.
nhecimento e ao desenvolvimento de habilidades em Isso é o que se tem chamado de analfabetismo fun-

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Educação científica na perspectiva de letramento como prática social

cional. Ao contrário, uma pessoa pode não ser alfabe- vel. Shamos (1995) denominou letramento2 científi-
tizada, mas ser letrada se tiver contato diário com as co propriamente dito o processo que envolve um
informações do mundo da leitura e da escrita, por meio conhecimento mais aprofundado dos construtos teóri-
de pessoas que lêem ou escrevem para ela as notícias cos da ciência e da sua epistemologia, com compreen-
de jornal, as cartas ou os recados (Soares, 1998). são dos elementos da investigação científica, do pa-
Chassot (2000) considera inadequado o termo pel da experimentação e do processo de elaboração
alfabetização, pois carrega a primazia da óptica oci- dos modelos científicos. Letramento científico, nessa
dental da escrita alfabética, desconsiderando a lingua- perspectiva, consiste na formação técnica do domí-
gem de outras civilizações que adotaram escritas cu- nio das linguagens e ferramentas mentais usadas em
neifórmica, hieroglífica e ideogrâmica. Todavia, ciência para o desenvolvimento científico. Para isso,
Chassot (2000), em sua obra, acaba adotando o termo os estudantes deveriam ter amplo conhecimento das
alfabetização, mencionando que letramento não está teorias científicas e ser capazes de propor modelos
dicionarizado e que letrado apresenta conotações per- em ciência. Isso exige não só o domínio vocabular
nósticas. Krasilchik e Marandino (2004) entendem que mas a compreensão de seu significado conceitual e o
o termo alfabetização científica já se consolidou na desenvolvimento de processos cognitivos de alto ní-
prática social, apesar da distinção entre alfabetização vel de elaboração mental de modelos explicativos para
e letramento. Nesse sentido, elas consideram que a processos e fenômenos. Esse domínio do letramento
alfabetização já engloba a idéia de letramento. científico foi identificado por Shamos (1995) como
Neste artigo, adota-se a diferenciação entre alfa- “true” scientific literacy (letramento científico au-
betização e letramento, pois na tradição escolar a alfa- têntico ou propriamente dito); por Laugksch (2000),
betização científica tem sido considerada na acepção como erudição ou competência.
do domínio da linguagem científica, enquanto o letra-
mento científico, no sentido do uso da prática social, Letramento científico e a função social
parece ser um mito distante da prática de sala de aula.
Ao empregar o termo letramento, busca-se enfatizar a O conceito de letramento no sentido da prática
função social da educação científica contrapondo-se social está muito presente na literatura de educação
ao restrito significado de alfabetização escolar. científica. Shamos (1995) considera que um cidadão
Nesse sentido, a conceituação apresentada por letrado não apenas sabe ler o vocabulário científico,
Krasilchik e Marandino (2004) para alfabetização mas é capaz de conversar, discutir, ler e escrever coe-
como “capacidade de ler, compreender e expressar rentemente em um contexto não-técnico, mas de for-
opiniões sobre ciência e tecnologia” (p. 26) corres- ma significativa. Isso envolve a compreensão do im-
ponderia ao que se denomina aqui letramento científi- pacto da ciência e da tecnologia sobre a sociedade
co. Note-se que essa caracterização é também muito em uma dimensão voltada para a compreensão públi-
próxima do que Chassot (2000) considerou alfabeti- ca da ciência dentro do propósito da educação básica
zação: “conjunto de conhecimentos que facilitariam de formação para a cidadania (Santos & Schnetzler,
aos homens e mulheres fazer uma leitura do mundo 1997).
onde vivem” (p. 34).
Deve-se observar que, enquanto a alfabetização
pode ser considerada o processo mais simples do do-
2
Consideramos esse domínio como letramento, pois, sendo
mínio da linguagem científica e enquanto o letramen-
o maior domínio na educação científica, ele confere capacidade
to, além desse domínio, exige o da prática social, a
cognitiva ao estudante de fazer uso social do conhecimento cien-
educação científica almejada em seu mais amplo grau
tífico.
envolve processos cognitivos e domínios de alto ní-

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Laugksch (2000) define LC com função social uma bula de um medicamento; adotar profilaxia para
como aquele que desenvolve a capacidade mínima evitar doenças básicas que afetam a saúde pública; exi-
funcional para agir como consumidor e cidadão. Isso gir que as mercadorias atendam às exigências legais
corresponderia à categoria cívica de Shen (1975), a de comercialização, como especificação de sua data
qual se refere ao conhecimento essencial que as pes- de validade, cuidados técnicos de manuseio, indica-
soas necessitam para compreender as políticas públi- ção dos componentes ativos; operar produtos eletroele-
cas, visando prepará-las para atuar na sociedade, quer trônicos etc. Além disso, essa pessoa saberia
compreendendo os processos relativos ao seu coti- posicionar-se, por exemplo, em uma assembléia co-
diano e os problemas sociais vinculados à ciência e munitária para encaminhar providências junto aos ór-
tecnologia, quer participando do processo de decisão gãos públicos sobre problemas que afetam a sua co-
sobre questões envolvendo saúde, energia, alimenta- munidade em termos de ciência e tecnologia.
ção, recursos naturais, ambiente e comunicação. O letramento como prática social implica a par-
Prewitt (1983) considera que o letramento científico ticipação ativa do indivíduo na sociedade, em uma
para cidadão tem origem nas interações entre a ciên- perspectiva de igualdade social, em que grupos mi-
cia e a sociedade e promove o que ele chama de savvy noritários, geralmente discriminados por raça, sexo e
citizen (“cidadão prático”): aquele que, apesar de não condição social, também pudessem atuar diretamen-
ser cientista ou tecnólogo, é capaz de atuar na socie- te pelo uso do conhecimento científico (Roth & Lee,
dade em nível pessoal e social, compreendendo com 2004). Isso requer também o desenvolvimento de va-
perspicácia a profundidade, os princípios e as estru- lores (Santos & Schnetzler, 1997), vinculados aos in-
turas que governam situações complexas, compreen- teresses coletivos, como solidariedade, fraternidade,
dendo como a ciência e a tecnologia influenciam a consciência do compromisso social, reciprocidade,
sua vida. Para Fourez (1997, p. 51), respeito ao próximo e generosidade. Eles estão rela-
cionados às necessidades humanas e deveriam ser vis-
[...] as pessoas poderiam ser consideradas cientifica e tec- tos como não subordinados aos valores econômicos.
nologicamente letradas quando seus conhecimentos e ha- Por exemplo: as pessoas lidam diariamente com
bilidades dão a elas um certo grau de autonomia (a habili- dezenas de produtos químicos e têm que decidir qual
dade de ajustar suas decisões às restrições naturais ou so- devem consumir e como fazê-lo. Essa decisão pode-
ciais), uma certa habilidade de se comunicar (selecionar ria ser tomada levando em conta não só a eficiência
um modo de expressão apropriado) e um certo grau de con- dos produtos para os fins que se desejam mas tam-
trole e responsabilidade em negociar com problemas espe- bém seus efeitos sobre a saúde, seus efeitos ambien-
cíficos (técnico, mas também emocional, social, ético e tais, seu valor econômico, as questões éticas relacio-
cultural). (tradução livre) nadas à sua produção e comercialização. Por exemplo,
poderia ser considerado pelo cidadão, na hora de con-
Nesse contexto, o letramento dos cidadãos vai sumir determinado produto, se na sua produção é usa-
desde o letramento no sentido do entendimento de prin- da mão-de-obra infantil ou se os trabalhadores são
cípios básicos de fenômenos do cotidiano até a capa- explorados de maneira desumana; se em alguma fase,
cidade de tomada de decisão em questões relativas a da produção ao descarte, houve geração de resíduos
ciência e tecnologia em que estejam diretamente en- que agridem o ambiente; se ele é objeto de contra-
volvidos, sejam decisões pessoais ou de interesse pú- bando ou de outra contravenção etc.
blico. Assim, uma pessoa funcionalmente letrada em Outro significado que tem sido atribuído à alfa-
ciência e tecnologia saberia, por exemplo, preparar betização/letramento científico é o cultural. Esse pa-
adequadamente diluições de produtos domissanitários; pel dado à educação científica está presente em mui-
compreender satisfatoriamente as especificações de tos dos estudos sobre AC/LC, de tal modo que hoje a

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Educação científica na perspectiva de letramento como prática social

educação científica tem sido vista como processo de cação científica um processo de enculturação em que
enculturação. Um recente trabalho do escritório da o aluno aprende a linguagem, o modo de pensar, de
Organização das Nações Unidas para a Educação, a expressar-se e de justificar os seus argumentos.
Ciência e a Cultura (UNESCO) no Brasil sobre edu- Com essas perspectivas, deve-se considerar que
cação científica intitulou-a cultura científica (Macedo, o processo de letramento não deve ser tomado apenas
2003). Krasilchik e Marandino (2004) caracterizam a com um caráter prático, no sentido de ter uma aplica-
educação científica também como a capacidade de ção imediata, o que Shen (1975) denominou LC prá-
participar da cultura científica da maneira que cada tico,4 afinal, o conhecimento científico faz parte da
cidadão, individual e coletivamente, considera opor- cultura humana e possui valor por si mesmo. Nesse
tuno. Em sua tese de doutorado, Leodoro (2005) res- sentido, pode-se considerar que muitos conteúdos
salta o aspecto valorativo da educação científica no científicos se justificam não pelo seu caráter prático
sentido de ela ser assumida pelos educandos como imediato, mas pelo seu valor cultural. Contudo, não
cultura científica, não apenas no sentido da vulgari- se quer com isso justificar conteúdos que aparecem
zação de seu conhecimento mas também do exercí- como penduricalhos nos programas escolares, como
cio crítico de seu modo de pensar. classificações descontextualizadas sem qualquer sig-
O entendimento do significado cultural da edu- nificado no campo científico e vocábulos obsoletos.
cação científica vem manifestando-se com diferentes Há de considerar-se, ainda, que conteúdos científicos
conceituações. A partir do trabalho original de 1959 com valor cultural, quando contextualizados, passam
de Snow (1995), em que identificou a existência de a ter significado para os alunos. Ocorre que a forma
duas culturas, a científica e a humanística, Shen (1975) descontextualizada como o ensino de ciências é pra-
identificou um tipo de letramento como LC cultural. ticado nas escolas faz com que muitos dos conceitos
Para ele, essa categoria de letramento significava o científicos se transformem em palavreados tomados
conhecimento que os indivíduos adquirem para trans- como meros ornamentos culturais repetidos pelos alu-
por as diferenças entre as culturas científica e huma- nos sem qualquer significação cultural.
nística. DeBoer (2000) apresenta, entre outros propó-
sitos para o letramento, o ensino e a aprendizagem de Ensino de ciência-tecnologia-sociedade
ciências como uma força cultural no mundo moderno e letramento científico
e a aprendizagem de ciências por seus apelos estéti-
cos. Para Ramsey (1993), o letramento cultural lida Segundo Aikenhead (1997), o movimento CTS
com a compreensão da ciência como principal reali- surgiu em um contexto diferente do movimento de
zação humana e como parte de nossa cultura geral. LCT. Enquanto o primeiro movimento surgiu pelo
Fleming (1989) considera que uma pessoa letrada é contexto marcado pela crítica ao modelo de desen-
aquela que tem acesso à cultura e pode ser capaz de volvimento científico e tecnológico, o segundo nas-
mover-se além dela para criar novas formas de cultu- ceu por pressões sociais pelas mais diferentes razões,
ra. Arons (1983) define LC como um processo que, desde as econômicas até as práticas. Apesar da dife-
além de considerar a ciência um corpo de conheci- rença de contexto, tanto os estudiosos de CTS quanto
mento e habilidades, considera-a um produto da mente
humana, de natureza experimental, que tem limites e
que interage com a sociedade nos seus planos moral e 4
Para Shen (1975), o letramento prático significa a “posse
ético. Já Driver e colegas (1994)3 consideram a edu- do tipo de conhecimento científico e técnico que pode ser imedia-
tamente usado para ajudar a melhorar o padrão de vida das pes-
3
Uma tradução desse artigo foi publicada na revista Quími- soas” (p. 265), o que se relaciona com as necessidades humanas
ca Nova na Escola, n. 9, p. 31-40, maio 1999. básicas de alimentação, saúde e habitação.

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os de LCT apresentam pontos em comum, quando cadores preocupados em inserir no currículo escolar
destacam a função social do ensino de ciências. de ciências questões relativas aos efeitos ambientais
Cursos de CTS para o ensino de ciências têm decorrentes do desenvolvimento tecnológico (Krasilchik,
sido propostos tanto para a educação básica quanto 1987). Todavia, apesar da existência de propostas
para cursos superiores e até de pós-graduação. O ob- curriculares em outros países com a denominação CTS
jetivo central desse ensino na educação básica é pro- desde a década de 1980, aqui essa denominação só
mover a educação científica e tecnológica dos cida- começou a surgir a partir da década de 1990 (Leal &
dãos, auxiliando o aluno a construir conhecimentos, Gouvêa, 2002), sendo que o seu uso ainda não se po-
habilidades e valores necessários para tomar decisões pularizou. No capítulo da área de conhecimento das
responsáveis sobre questões de ciência e tecnologia ciências naturais, matemática e suas tecnologias dos
na sociedade e atuar na solução de tais questões documentos Parâmetros Curriculares Nacionais do
(Aikenhead, 1994; Santos & Mortimer, 2000; Santos Ensino Médio (Brasil, 1999) e PCN + Ensino Médio
& Schnetzler, 1997; Solomon, 1993; Teixeira, 2003; (Brasil, 2002), há uma nítida proposição curricular
Yager, 1990). com enfoque CTS, que surge com a denominação de
Segundo Roberts (1991), currículos de ciências contextualização, com várias recomendações e propo-
com ênfase em CTS são aqueles que tratam das inter- sições de competências que inserem a ciência e suas
relações entre explicação científica, planejamento tec- tecnologias em um processo histórico, social e cultural
nológico e solução de problemas e tomada de decisão e a discussão de aspectos práticos e éticos da ciência
sobre temas práticos de importância social. Assim, no mundo contemporâneo.
uma proposta curricular de CTS pode ser vista como Os currículos CTS apresentam uma contribuição
uma integração entre educação científica, tecnológi- significativa para o LC, uma vez que incluem aspec-
ca e social (Figura 3), em que os conteúdos científi- tos da educação tecnológica no ensino de ciências,
cos e tecnológicos são estudados juntamente com a conforme demonstra Bazzo (1998) ao discutir a edu-
discussão de seus aspectos históricos, éticos, políti- cação tecnológica e o ensino CTS. De certa forma, a
cos e socioeconômicos (López e Cerezo, 1996). educação tecnológica não tem sido adequadamente
contemplada nas disciplinas científicas da educação
Figura 3 – Orientações curriculares básica no Brasil. Em geral, os professores de ciências
do ensino de CTS (Aikenhead, 1990) parecem entender que essa educação se restringe ao
No Brasil, desde a década de 1970, já havia edu- conhecimento de princípios de funcionamento de de-
terminados aparatos tecnológicos. O pouco que se tem
feito em sala de aula é apresentar aos alunos como o
conhecimento científico está presente em diferentes
recursos tecnológicos de seu cotidiano. Isso está muito
longe do que se tem discutido sobre educação tecno-
lógica em uma proposta de ensino de ciências com
ênfase em CTS.
Considerando a tecnologia como uma prática que
envolve aspectos técnicos, organizacionais e cultu-
rais (Pacey, 1990), pode-se destacar que o letramento
tecnológico implica a compreensão de como a tecno-
logia é dependente dos sistemas sociopolíticos e dos
valores e ideologias da cultura em que está inserida.
Segundo Fleming (1989), “uma pessoa letrada tecno-

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Educação científica na perspectiva de letramento como prática social

logicamente tem o poder e a liberdade de usar esse que se espera é que o cidadão letrado possa participar
poder para examinar e questionar os problemas de das decisões democráticas sobre ciência e tecnolo-
importância em sociotecnologia” (p. 393, tradução gia, que questione a ideologia dominante do desen-
livre). Nesse mesmo sentido, Vargas (1994) afirma: volvimento tecnológico. Não se trata de simplesmen-
“uma nação adquire autonomia tecnológica não ne- te preparar o cidadão para saber lidar com essa ou
cessariamente quando domina um ramo de alta tec- aquela ferramenta tecnológica ou desenvolver no alu-
nologia, mas quando consegue uma ampla e harmo- no representações que o preparem a absorver novas
niosa interação entre esses subsistemas tecnológicos, tecnologias.
sob o controle, orientação e decisão dos ‘filtros so-
ciais’” (p. 186). Currículos de ciências e letramento científico
Grinspun (1999), ao discutir o que se pode en-
tender por educação tecnológica, destaca que ela não A educação científica na perspectiva do letramen-
pode ser compreendida como apenas se referindo ao to como prática social implica um desenho curricular
ensino técnico-profissional. Para ela, a educação tec- que incorpore práticas que superem o atual modelo
nológica deve ser também vivenciada em todos os de ensino de ciências predominante nas escolas. En-
segmentos de ensino, visando à formação de cidadãos tre as várias mudanças metodológicas que se fazem
críticos que possam transformar o modelo de desen- necessárias, três aspectos vêm sendo amplamente
volvimento tecnológico de nossa sociedade atual. considerados nos estudos sobre as funções da alfabe-
Nesse sentido, cabe analisar as visões de tecno- tização/letramento científico: natureza da ciência, lin-
logia que Auler e Delizoicov (2001) consideram pre- guagem científica e aspectos sociocientíficos.
sentes em processos de LCT: a reducionista e a am-
pliada. Natureza da ciência

A reducionista, em nossa análise, desconsidera a exis- Aprender ciência significa compreender como os
tência de construções subjacentes à produção do conheci- cientistas trabalham e quais as limitações de seus co-
mento científico-tecnológico, tal como aquela que leva a nhecimentos. Isso implica conhecimentos sobre his-
uma concepção de neutralidade da Ciência-Tecnologia. tória, filosofia e sociologia da ciência (HFSC).
Relacionamos a esta compreensão de neutralidade os de- A introdução de conteúdo de HFSC no ensino de
nominados mitos: superioridade do modelo de decisões ciências está presente em pesquisas em ensino de ciên-
tecnocráticas, perspectiva salvacionista da Ciência-Tecno- cias já há algum tempo, como discutem Matthews
logia e o determinismo tecnológico. A perspectiva amplia- (1992,5 1994) e Gil-Pérez (1993). Todos esses estu-
da [...] busca a compreensão das interações entre Ciência- dos apontam para a necessidade da compreensão da
Tecnologia-Sociedade (CTS), associando o ensino de con- natureza da ciência nesse ensino (Barra, 1998; Nasci-
ceitos à problematização desses mitos. (Auler & Delizoicov, mento, 2004; Peduzzi, 2001; Ryder, 2001), o que é
2001, p. 105) essencial para a compreensão das implicações sociais
da ciência, uma vez que o aluno passa a entender a
Pensar, então, em uma educação científica críti- ciência como atividade humana e não simplesmente
ca significa fazer uma abordagem com a perspectiva como atividade neutra distante dos problemas sociais
de LCT com a função social de questionar os mode- (Stiefel, 1995). Solomon (1988) discute que, ao apre-
los e valores de desenvolvimento científico e tecno-
lógico em nossa sociedade. Isso significa não aceitar
a tecnologia como conhecimento superior, cujas de- 5
Uma tradução desse artigo foi publicada no Caderno
cisões são restritas aos tecnocratas. Ao contrário, o Catarinense de Ensino de Física, v. 12, n. 3, p. 164-214, dez. 1995.

Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 36 set./dez. 2007 483


Wildson Luiz Pereira dos Santos

sentar-se o caráter provisório e incerto das teorias cien- Martin (1993) apontam ainda que, além da estrutura
tíficas, os alunos podem avaliar as aplicações da ciên- semântica, o discurso científico busca organizar os
cia, levando em conta as opiniões controvertidas dos fenômenos por meio de classificações e de apresen-
especialistas. Ao contrário, com uma visão de ciência tação de relatórios, que constituem um gênero de dis-
como algo absolutamente verdadeiro e acabado, os curso marcado pelo uso de diagramas, esquemas, grá-
alunos terão dificuldade de aceitar a possibilidade de ficos e ilustrações.
duas ou mais alternativas para resolver um determi- Ensinar ciência significa, portanto, ensinar a ler
nado problema. sua linguagem, compreendendo sua estrutura sintáti-
Cachapuz e colegas (2005) apresentam resulta- ca e discursiva, o significado de seu vocabulário, in-
dos de pesquisas sobre visões de ciência no ensino de terpretando suas fórmulas, esquemas, gráficos, dia-
ciências que evidenciam o que eles denominam visão gramas, tabelas etc. Além disso, Newton, Driver e
deformada de ciências. Segundo eles, o ensino de ciên- Osborne (1999) consideram que o ensino de ciências
cias tem veiculado uma imagem reducionista e dis- deve ajudar o aluno a construir um argumento cientí-
torcida da ciência, visão que a apresenta como sendo fico, o qual é diferente da argumentação do senso
descontextualizada, individualista e elitista, empírica- comum. Como demonstram Osborne, Erduran e Monk
indutivista e ateórica, rígida, algorítmica e infalível, (2001), a linguagem escolar geralmente é fundamen-
aproblemática e anistórica e acumulativa. Isso está tada mais em argumentos de autoridade do que em
relacionado à forma como esse ensino vem sendo justificativas assentadas em valores científicos, e,
abordado na escola em um modelo por transmissão dessa forma, o ensino de ciências deveria dar maior
em que não há reflexão epistemológica. Nesse senti- atenção ao desenvolvimento da argumentação cientí-
do, para que ocorra o letramento científico torna-se fica.
fundamental uma mudança de abordagem no ensino Ainda nesse sentido, Brown, Reveles e Kelly
de ciências, de forma que os estudantes desenvolvam (2005) afirmam que alfabetização/letramento cientí-
estudos de HFSC, compreendendo a natureza da ati- fico corresponde ao uso de termos técnicos, a aplica-
vidade científica. ção de conceitos científicos, a avaliação de argumen-
tos baseados em evidências e o estabelecimento de
Linguagem científica conclusões a partir de argumentos apropriados.
Ocorre que a escola tradicionalmente não vem
Um clássico estudo dos lingüistas Halliday e ensinando os alunos a fazer a leitura da linguagem
Martin (1993) demonstra que a linguagem científica científica e muito menos a fazer uso da argumenta-
apresenta características próprias que a distingue da ção científica. O ensino de ciências tem-se limitado a
linguagem cotidiana. Mortimer (1998), explorando um processo de memorização de vocábulos, de siste-
esses trabalhos e de Bakhtin (1992, 1997), demonstra mas classificatórios e de fórmulas por meio de estra-
que a linguagem científica é um gênero de discurso tégias didáticas em que os estudantes aprendem os
que foi construído socialmente pelos cientistas em sua termos científicos, mas não são capazes de extrair o
prática. Para Mortimer (1998), enquanto a linguagem significado de sua linguagem.
científica é estrutural e aparentemente descontextua- Norris e Phillips (2003) enfatizam a necessidade
lizada, sem narrador, nominalizando processos, a lin- de mudança de sentido dessa alfabetização. Eles co-
guagem cotidiana é linear, automática, dinâmica, ge- mentam que muitas discussões em torno do papel da
ralmente produzida por um narrador em uma alfabetização/letramento científico têm enfatizado as
seqüência de eventos. Destaca ainda esse autor que a questões sociais e dado pouca prioridade ao ensino
peculiaridade do gênero de discurso científico o tor- da linguagem científica. Segundo eles, mesmo o en-
na estranho e pouco acessível aos alunos. Halliday e sino tradicional de ciências não está preparando os

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Educação científica na perspectiva de letramento como prática social

estudantes para compreender o significado do conhe- 1) relevância – encorajar os alunos a relacionar suas
cimento científico. Um cidadão, para fazer uso social experiências escolares em ciências com problemas de
da ciência, precisa saber ler e interpretar as informa- seu cotidiano e desenvolver responsabilidade social;
ções científicas difundidas na mídia escrita. Apren- 2) motivação – despertar maior interesse dos alunos
der a ler os escritos científicos significa saber usar pelo estudo de ciências; 3) comunicação e argumen-
estratégias para extrair suas informações; saber fazer tação – ajudar os alunos a verbalizar, ouvir e argu-
inferências, compreendendo que um texto científico mentar; 4) análise – ajudar os alunos a desenvolver
pode expressar diferentes idéias; compreender o pa- raciocínio com maior exigência cognitiva; 5) com-
pel do argumento científico na construção das teo- preensão – auxiliar na aprendizagem de conceitos
rias; reconhecer as possibilidades daquele texto, se científicos e de aspectos relativos à natureza da ciên-
interpretado e reinterpretado; e compreender as limi- cia (Ratcliffe, 1998).
tações teóricas impostas, entendendo que sua inter- A introdução de ASC, inicialmente proposta em
pretação implica a não-aceitação de determinados ar- currículos de CTS, tinha a função de problematizar
gumentos (Norris & Phillips, 2003). questões sociais. Mais recentemente, os ASC têm sido
Ainda nesse sentido, Wellington e Osborne abordados na perspectiva de propiciar a compreen-
(2001) apresentam sugestões de estratégias de traba- são da natureza da atividade científica e da argumen-
lhar a linguagem científica a partir de textos científi- tação (Zeidler et al., 2005). Além desses propósitos,
cos de jornais, assim como Norris e Phillips (2003) a inclusão de ASC no currículo tem-se dado no senti-
discutem as implicações da leitura desses textos para do de possibilitar uma reflexão crítica de valores (San-
o ensino. Em outro trabalho, Ogborn (2003) apre- tos, 2002).
sentou como no curso de física “Advancing Physics” Com essa perspectiva, pode-se afirmar um currí-
se exploram imagens modernas da ciência, como fo- culo que tenha a perspectiva de letramento científico
tos de satélites e imagens de microscópio de implica a ressignificação dos saberes científicos es-
tunelamento eletrônico, e como se ensina os alunos a colares que estão sendo abordados de forma descon-
interpretar gráficos, esquemas e diagramas, relacio- textualizada, com uma linguagem hermética, repro-
nando-os à observação de fenômenos. O que se con- duzindo uma falsa imagem de ciência. Enquanto não
clui de todos esses estudos é que, mais do que ensi- se caminhar na superação dessa abordagem, a educa-
nar a ler vocábulos, os professores deveriam estar ção científica continuará restringido-se a uma precá-
preocupados em ensinar os alunos a ler e compreen- ria alfabetização.
der textos científicos.
Sistemas de avaliação do nível
Aspectos sociocientíficos de alfabetização científica escolar

Outra orientação que tem sido proposta para o Um desafio dos estudos de alfabetização/letra-
LC é a inclusão de aspectos sociocientíficos (ASC) mento científico tem sido como medir o grau de alfa-
no currículo; esses aspectos referem-se às questões betização científica da população escolarizada. Isso
ambientais, políticas, econômicas, éticas, sociais e vem sendo objeto de preocupação não só no Brasil
culturais relativas à ciência e tecnologia (Santos, como em outros países. Foram desenvolvidos proje-
2002). Eles têm sido amplamente recomendados no tos visando realizar avaliações comparativas do nível
ensino de ciências com diferentes objetivos (Kolstø, de alfabetização entre diferentes nações, como os es-
2001; Ramsey, 1993; Ratcliffe, 1998; Ratcliffe & tudos do Third International Mathematics and Science
Grace, 2003; Rubba, 1991; Zeidler et al., 2005), os Study (TIMSS), o Programme for International Student
quais podem ser agrupados nas seguintes categorias: Assessment (PISA) e o The Relevance of Science

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Wildson Luiz Pereira dos Santos

Education (ROSE). Esses exames têm sido questio- la para a elite e outra para as camadas populares. En-
nados e criticados por seus critérios comparativos; quanto existem escolas, em sua maioria de caráter
todavia, eles são importantes na medida em que de- privado, que têm destino determinado socialmente
monstram como a imagem da ciência muda em dife- para a preparação para o acesso aos melhores cursos
rentes culturas e levantam contribuições sobre priori- superiores, existem outras escolas, geralmente públi-
dades a serem levadas em conta na educação científica cas, destinadas às classes populares que anseiam ex-
(Sjøberg, 2002). Apesar de alguns desses exames ten- clusivamente pela certificação básica para garantir o
tarem incorporar a avaliação da compreensão pública acesso ao mercado de trabalho. Em ambos os casos, o
da ciência e não só o conhecimento conceitual, tem parâmetro de referência para os currículos não inclui
havido grande dificuldade na elaboração de questões o que é essencial para o letramento científico.
para medir o grau de entendimento dos estudantes em O currículo das escolas voltadas à preparação
relação à sua função social. Outro desafio nesse cam- para exames de ingresso em cursos superiores tem-se
po tem sido o estabelecimento do que de essencial voltado quase que exclusivamente para os conteúdos
deve-se avaliar nesses exames. Para Shamos (1995), e modelos avaliativos adotados pelas instituições de
nesses processos avaliativos é fundamental a defini- ensino superior às quais elas almejam direcionar seus
ção do papel da educação escolar no sentido do de- estudantes. Ocorre que esses exames, apesar do avan-
senvolvimento do interesse dos alunos em questões ço de alguns deles, não avaliam adequadamente mui-
sociais relativas à ciência. tos dos aspectos essenciais do letramento científico,
De maneira, geral, o que se pode afirmar com os os quais acabam ficando longe do currículo escolar.
resultados desses exames é que a educação científica O currículo da maioria das outras escolas tem-se li-
não vai bem, mesmo em alguns países com elevado mitado às questões bem elementares do processo de
grau de escolarização de sua população, tanto no que alfabetização científica, ou seja, tem-se restringido a
diz respeito à compreensão dos conceitos básicos conteúdos básicos escolares, geralmente prescritos em
como do papel social da ciência. Shamos (1995) apon- livros didáticos que enfatizam a memorização de fór-
ta vários índices que evidenciam uma crise na alfabe- mulas, de sistemas de classificação e da nominalização
tização científica dos Estados Unidos. No Brasil, a de fenômenos, bem como a resolução de questões por
situação é das mais críticas. Os estudantes brasileiros algoritmos. Esses processos são facilmente avaliados
tiveram, em 2003, o segundo pior desempenho em pelos professores e podem ser aprendidos com facili-
ciências entre 41 países pesquisados pelo PISA. dade pelos alunos, simplificando a tarefa pedagógica
Enquanto se discutem processos avaliativos do e atestando o conhecimento básico em ciência pela
nível de educação científica da população, as escolas posse do seu mais elementar saber: o reconhecimento
já consagraram padrões de avaliação segundo crité- de alguns de seus vocábulos.
rios bem diversos do que seria a finalidade do letra- Em síntese, o ensino escolar de ciências, de ma-
mento científico. No caso do Brasil, de maneira ge- neira geral, vem sendo desenvolvido de forma total-
ral, pode-se dizer que as escolas têm avaliado muito mente descontextualizada, por meio da resolução ri-
mal seus estudantes, com exames que não envolvem tualística de exercícios e problemas escolares que não
aspectos básicos do que se espera do letramento cien- requerem compreensão conceitual mais ampla. Isso
tífico. corresponde à alfabetização superficial no sentido do
A escola brasileira continua com caráter elitista, domínio estrito vocabular de termos científicos. Esse
apesar de a Lei de Diretrizes e Bases da Educação processo escolar, tanto das escolas preparatórias para
Nacional (LDB) preconizar uma educação básica fir- o vestibular quanto das que se restringem aos saberes
mada no princípio da igualdade de condições. Na prá- escolares básicos, tem sido conduzido de maneira
tica, o que se tem é ainda um sistema dual: uma esco- enfadonha, sem despertar o interesse dos estudantes

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Educação científica na perspectiva de letramento como prática social

pelo seu estudo, de forma que as disciplinas de ciên- museus de ciência, jardins zoológicos, jardins botâ-
cias têm sido, freqüentemente, odiadas pela maioria nicos, planetários, centros de visita de instituições de
dos estudantes. pesquisa e de parques de proteção ambiental e mu-
seus virtuais, entre outros, são importantes estraté-
Considerações finais gias para inculcar valores da ciência na prática so-
cial. Não se trata de apresentar um conhecimento
Considerar a alfabetização e o letramento como esotérico, mas de transformá-lo em conhecimento
domínios diferentes da educação científica, mais do exotérico, como preconiza Chassot (2000). Nem se
que ser uma discussão semântica, evoca processos trata de imposição cultural, mas sim de reconhecê-la
escolares que busquem formas de contextualização na prática social abrindo as portas da formalização
do conhecimento científico em que os alunos o incor- ritualística das fórmulas acadêmicas de sala de aula
porem como um bem cultural que seja mobilizado em para seu uso por meios informais. Como já se vem
sua prática social. Ao adotar uma nova terminologia discutindo, a educação científica tem de ser difundi-
ainda não conhecida pelos professores, busca-se des- da também em espaços não-formais (Krapas &
tacar que se trata de uma concepção de educação cien- Rebello, 2001), que podem ser usados não simples-
tífica por meio de uso social. mente para a contemplação, mas também para o en-
Assim como se busca em processos de letramen- tendimento de seu papel social (Marandino, 2006; Leal
to da língua materna o uso social de sua linguagem, & Gouvêa, 2002).
reivindicar processos de letramento científico é de- O letramento científico significa também buscar
fender abordagens metodológicas contextualizadas uma educação científica que propicie a educação tec-
com aspectos sociocientíficos, por meio da prática de nológica. Muito se tem discutido no meio educacio-
leitura de textos científicos que possibilitem a com- nal brasileiro sobre o papel dessa educação, levando
preensão das relações ciência-tecnologia-sociedade e em conta argumentos sociológicos. Estando fora do
tomar decisões pessoais e coletivas. Nesse sentido, o propósito deste artigo uma reflexão ampliada sobre a
conceito de letramento científico amplia a função educação tecnológica, o que se buscou foi apresentar
dessa educação, incorporando a discussão de valores contribuições advindas de estudos de ensino de ciên-
que venham a questionar o modelo de desenvolvimen- cias sobre como essa educação pode ser pensada em
to científico e tecnológico. Em outras palavras, o que disciplinas científicas, por meio de uma abordagem
se busca não é uma alfabetização em termos de pro- temática contextualizada.
piciar somente a leitura de informações científicas e Propiciar, portanto, a educação científica como
tecnológicas, mas a interpretação do seu papel social. um processo de domínio cultural dentro da sociedade
Isso implica mudanças não só de conteúdos progra- tecnológica, em que a linguagem científica seja vista
máticos como também de processos metodológicos e como ferramenta cultural na compreensão de nossa
de avaliação. cultura moderna, é o grande desafio na renovação do
Tornar a educação científica uma cultura cientí- ensino de ciências.
fica é desenvolver valores estéticos e de sensibilida- Conforme a concepção que se tenha do papel da
de, popularizando o conhecimento científico pelo seu educação científica, teremos diferentes concepções de
uso social como modos elaborados de resolver pro- ensino. Se a alfabetização/letramento na educação
blemas humanos. Para isso, torna-se relevante o uso básica for vista com o papel restrito de ensinar a lin-
de meios informais de divulgação científica, como guagem científica para realizar exames ou obter cer-
textos de jornais e revistas e programas televisivos e tificados, pode-se considerar que o modelo conven-
radiofônicos em sala de aula. Além disso, visitas pro- cional de escolas mais tradicionais atende ao seu
gramadas a espaços não-formais de educação, como propósito, ainda que não propicie aprendizagem sig-

Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 36 set./dez. 2007 487


Wildson Luiz Pereira dos Santos

nificativa nos moldes esperados pelos teóricos de educação científica para o domínio da compreensão
aprendizagem. da ciência como prática social. Afinal, esse é um de-
Se a função da educação científica na educação safio para curriculistas, avaliadores do sistema edu-
básica for a formação de cidadãos letrados em ciên- cacional, filósofos, sociólogos da educação e, sobre-
cia e tecnologia, no sentido que Shamos (1995) con- tudo, para os professores de ciências que desejam
siderou “true” scientific literacy (letramento autênti- mover-se de uma alfabetização descontextualizada
co), será necessário instituir uma ampla reforma no para o letramento científico como prática social.
sistema educacional. A situação socioeconômica de Certamente não será o modelo de ensino por
nosso país, com mais de 20 milhões de iletrados na transmissão do conhecimento como um ornamento
própria língua nacional, indica ser esse um objetivo cultural para legitimar uma determinada posição so-
que ainda demandará longo tempo para concretizar- cial de exclusão da maioria que propiciará a forma-
se. Na verdade, esse nível elevado de letramento, no ção de cidadãos conscientes de seu papel na socieda-
sentido do domínio da capacidade de compreensão de científica e tecnológica. Nem seriam também livros
de modelos científicos, talvez não se venha consoli- didáticos – sobrecarregados de conteúdos e sociocul-
dando nem mesmo em cursos de graduação em ciên- turalmente descontextualizados, que apenas ilustram
cias, que em geral também mais enfatizam domínio as maravilhas das descobertas científicas, reforçando
vocabular e resolução de problemas do que compreen- a concepção de que os valores humanos estão a rebo-
são da natureza da atividade científica. que dos valores de mercado – que iriam contribuir
Dentro desses dois extremos de pobreza forma- para a formação de cidadãos críticos.
tiva e mito utópico de letramento ideal, existe um es- Nesse sentido, mais importante do que a discus-
paço curricular a ser ocupado por meio de ações edu- são terminológica entre alfabetização e letramento está
cativas transformadoras em sala de aula, que está no a construção de uma visão de ensino de ciências as-
resgate da função social da educação científica. Para sociada à formação científico-cultural dos alunos, à
isso, não são necessários laboratórios sofisticados, formação humana centrada na discussão de valores.
grade horária ampliada e incorporação de novos con-
teúdos, mas sim mudanças de propósitos em sala de Referências bibliográficas
aula.
Com a caracterização apresentada para o ensino AIKENHEAD, Glen S. Science-technology-society. Science
atual de ciências nas escolas, evidenciou-se o que já education development: from curriculum policy to student learning.
foi constatado por Barros (1998): a popularização do In: CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE ENSINO DE
letramento científico é ainda um mito não atingido e CIÊNCIAS PARA O SÉCULO XXI: ACT – Alfabetização em ciên-
o efeito do currículo formal de ciências parece ser cia e tecnologia, 1., Brasília, 1990. Anais… Brasília: MEC, 1990
desprezível. Todavia, ao contrapor letramento ao pro- (mimeo.).
cesso elementar de alfabetização, buscou-se demons- . What is STS science teaching? In: SOLOMON, Joan;
trar como esse mito ainda pode ser realizável. AIKENHEAD, Glen (Eds.). STS Education: international perspec-
Shamos (1995) também chega a considerar que tives on reform. New York: Teachers College Press, 1994. p. 47-59.
tornar o público sensível e informado em ciência tal- . STL and STS: common ground or divergent
vez seja um mito difícil de alcançar. No entanto, re- scenarios? In: JENKINS, Edgar (Ed.). Innovations in science and
fletir sobre concepções de educação científica que technology education, vol. VI. Paris: UNESCO Publishing, 1997.
estão sendo demandadas pela nossa sociedade pode, p. 77-93.
de alguma forma, contribuir com aqueles que acredi- ALMEIDA JÚNIOR, João Baptista de. A evolução do ensino de
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res com Gerson de Souza Mól (Nova Geração: São Paulo, 2005).

WILDSON LUIZ PEREIRA DOS SANTOS, doutor em edu- Coordena pesquisa sobre abordagem de aspectos sociocientíficos em

cação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) na área aulas de ciências, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvol-

de ensino de ciências, é professor dos Programas de Pós-Graduação vimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: wildson@unb.br

em Educação e Pós-Graduação de Ensino de Ciências da Universi-


dade de Brasília (UnB). Desenvolve há mais de dez anos estudos Recebido em fevereiro de 2007
sobre educação científica e cidadania e produção de material didáti- Aprovado em maio de 2007

492 Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 36 set./dez. 2007


Resumos/Abstracts/Resumens

Scientific education in the


perspective of literacy as social
practice: functions, principles and
challenges
Starting from sociological and
philosophical visions of science, this
article expounds how conceptions on
the role of scientific education have
been discussed historically. This is
followed by a literature review on the
teaching of science concerning
meanings of scientific education which
can be understood as differentiated
processes of literacy and scientific
Wildson Luiz Pereira dos Santos literacy. Then it discusses how it is
Educação científica na perspectiva possible to understand the process of
de letramento como prática social: scientific literacy as a social practice,
funções, princípios e desafios in contraposition to the elementary
A partir de visões sociológicas e filosó- process of scientific literacy which has
ficas sobre ciência, apresenta-se como been developed in current science
vêm sendo discutidas historicamente teaching. After presenting
concepções sobre o papel da educação contributions of the science-
científica. Em seguida, apresenta-se technology-society movement and
uma revisão da literatura de ensino de discussing curricular questions related
ciências sobre significados da educa- to the nature and language of science
ção científica que podem ser entendi- and to socio-scientific aspects,
dos como processos diferenciados de principles of scientific education
alfabetização e letramento científico. directed at the formation of citizenship
Daí, discute-se como pode ser entendi- are raised. Finally, challenges for the
do o processo de letramento científico recovery of the social function of
como prática social, contrapondo-se ao science teaching which have been seen
processo elementar de alfabetização by some as an unreachable myth, are
científica que vem sendo desenvolvido broached.
no ensino atual de ciências. Apresen- Key words: scientific literacy; science-
tando contribuições do movimento technology-society; science education
ciência-tecnologia-sociedade e discu- for citizenship
tindo aspectos curriculares relativos à La educación científica en la
natureza e à linguagem científica e aos perspectiva del letramiento como
aspectos sociocientíficos, discutem-se práctica social: funciones, principios
princípios da educação científica volta- y desafíos
da para a formação de cidadãos. Ao fi- A partir de visiones sociológicas y
nal, são levantados desafios para o res- filosóficas sobre ciencia, se presenta
gate da função social do ensino de como vienen siendo discutidas
ciências, que tem sido visto por alguns históricamente concepciones sobre el
como um mito inalcançável. papel de la educación científica. En
Palavras-chave: alfabetização científi- seguida se presenta una revisión de la
ca; letramento científico; ciência- literatura de enseñanza de ciencias
tecnologia-sociedade; ensino de ciên- sobre significados de la educación
cias para a cidadania científica que pueden ser entendidos

Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 36 set./dez. 2007 549


Resumos/Abstracts/Resumens

como procesos diferentes de


alfabetización y letramiento científico.
De ahí, se discute como puede ser
entendido el proceso de letramiento
científico como práctica social,
contraponiéndose al proceso elemental
de alfabetización científica que viene
siendo desarrollado en la enseñanza
actual de ciencias. Presentando
contribuciones del movimiento ciencia-
tecnología-sociedad y discutiendo
aspectos curriculares relativos a la
naturaleza y al lenguaje científico y a
los aspectos sociocientíficos, se
discuten principios de la educación
científica dirigida para la formación
de ciudadanos. Al final, son levantados
desafíos para el rescate de la función
social de la enseñanza de ciencias, que
ha sido vista por algunos como un mito
inalcanzable.
Palabras claves: alfabetización
científica; letramiento científico;
ciencia-tecnología-sociedad;
enseñanza de ciencias para la
ciudadanía

550 Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 36 set./dez. 2007

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