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INTRODUÇÃO
que alfabetização científica e cultura científica não são equivalentes, pois a primeira se
centra no indivíduo, ao passo que a segunda demanda um olhar que dê conta das
instituições, dos grupos de interesse e da difusão da ciência na sociedade. Assim, a
primeira seria mais “individual” e a segunda, “social”.
Outra definição apresentada por Araújo, Caluzi e Caldeira (2006) é a de
Bybee, segundo a qual a alfabetização científica está relacionada a “[...] um continuum
de conhecimentos e práticas sobre o mundo natural e artificial, com diferentes
graus e níveis em função da idade, da cultura e do meio social” (p. 16). Nesse sen-
tido, a alfabetização é entendida como um processo.
Partindo de tais considerações, os autores discutem uma concordância
entre as definições em entender a alfabetização científica com base no acúmulo
de conhecimento científico. Além disso, eles mostram como o termo teve uma
mudança em função do contexto histórico. Nas décadas posteriores à Segunda
Guerra Mundial (1950 a 1960) a concepção de alfabetização científica estava atre-
lada à compreensão (ensino) de conceitos e métodos científicos, justificada pela
preocupação norte-americana em formar cientistas no contexto da guerra fria,
principalmente após os russos terem lançado o primeiro satélite, o Sputnik, antes dos
americanos: “Naquele contexto, os americanos subsidiaram projetos que incenti-
vavam os jovens a seguir a carreira científica” (ARAÚJO; CALUZI; CALDEIRA,
2006, p. 17). No final dos anos de 1960, o movimento de Educação em Ciência,
Tecnologia e Sociedade surge na Grã-Bretanha em decorrência dos questionamentos
oriundos das expectativas, não totalmente contempladas, sobre desenvolvimento
científico. Tal movimento consolida-se nos anos de 1990, e a alfabetização cientí-
fica, nesse contexto, passa a ser percebida como uma “[...] preocupação em formar
cidadãos aptos a tomarem decisões com responsabilidades sobre assuntos referentes
à Ciência e à Tecnologia e os seus determinantes políticos, sociais e econômicos”
(ARAÚJO; CALUZI; CALDEIRA, 2006, p. 14).
Segundo os autores,
“Para que uma sociedade seja considerada alfabetizada cientificamente é imprescindível
que o cidadão esteja imerso no segundo estágio da cultura científica. Faz-se necessário que
a cultura científica esteja inserida à cultura geral. Isso somente ocorre quando há acesso a
informações e conhecimentos suficientes para possibilitar que os cidadãos os incorporem
ao seu cotidiano” (ARAÚJO; CALUZI; CALDEIRA, 2006 p. 19)
A alfabetização científica, para Bauer (apud EPSTEIN, 2002, p. 11), abrange
três componentes culturais: 1 – uma noção geral sobre determinados conceitos e
temas da ciência; 2 – uma noção sobre a natureza da atividade científica; 3 – uma
consciência do papel da ciência na sociedade e na cultura.
Em tal perspectiva, é possível reconhecer uma ligação entre o que o cidadão
comum deve conhecer sobre ciência, o que se c onsidera um nível ideal para esse conhe-
cimento e o esclarecimento público sobre os rumos das políticas de pesquisa científica.
A alfabetização científica tem foco no cidadão. No entanto, sua perspec-
tiva é social. Tendo em vista as condições contemporâneas dos debates sobre o
que o público que vive no seio de uma civilização científica e tecnológica complexa
deveria possuir certos conhecimentos científicos” (EPSTEIN, 1992, p. 111).
Os benefícios gerados por uma cultura científica foram elencados por
Fourez (apud EPSTEIN, 2002): 1 – Ela possui objetivos humanísticos, pois per-
mite ao sujeito usufruir suas potencialidades sobre essa cultura; 2 – Ela abriga
objetivos econômicos, pois está relacionada, à adaptação do indivíduo à pressão
social e econômica, o que aumenta a empregabilidade, e ao crescimento da produ-
tividade e da economia do país; 3 – Ela promove a democracia ao possibilitar que
os sujeitos participem dos debates públicos.
Alfabetização científica e cultura científica, desse modo, encontram-se no
centro de debates que investem nas questões educacionais e informacionais, tendo
em vista não somente o esclarecimento, mas, sobretudo, a construção de um conhe-
cimento sobre a ciência em diferentes esferas da sociedade.
Parece restar pouca dúvida sobre a relação entre os processos de popu-
larização ou vulgarização da ciência e a construção de uma cultura científica que
promova, nas mais diferentes esferas das atividades humanas, o contato mais dire-
to, e por que não dizer, mais crítico, com a ciência e seus efeitos. Se por um lado
muitos consideram perigoso expor o público comum a uma “meia-ciência”, por
outro o contexto contemporâneo coloca esse processo como urgente, tendo em
vista as demandas crescentes de áreas profissionais direta ou indiretamente ligadas
ao campo científico, como o que acontece na indústria, por exemplo.
[...] A técnica moderna evolui para um estado racional, muito mais preciso e de rendimento
muito maior. A difusão científica traria como resultado a familiaridade de todos com as
coisas da ciência e, sobretudo, uma confiança proveitosa nos métodos científicos, uma
consciência esclarecida dos serviços que estes podem prestar (ALMEIDA, 2002, p. 68-69).
AS ANÁLISES
A investigação foi feita com base nos estudos realizados pela análise do
discurso de vertente francesa, que contempla a perspectiva de discursos atrelados
ao contexto sócio-histórico e ideológico de produção e mantém uma relação entre
o dizer e as condições de produção desse dizer, percebendo a linguagem como
uma prática social e histórica.
A nossa opção se pauta em uma perspectiva que toma “[...] o discurso
como possibilidade de abordagem dos estudos do homem com o ideológico
e, conseqüentemente, com suas representações e com o mundo que constrói e
reconstrói para si e para os outros [...] (OLIVEIRA; ORRICO, 2005, p. 78). Em
um contexto no qual a ciência tornou-se o pano de fundo para as questões que
o homem coloca e, também, para as respostas que ele procura, consideramos
importante abordar os discursos que tomam esse saber em um jogo de legitimação,
compreendendo que tais discursos sobre a cultura científica constituem um
conjunto no universo de formação discursiva sobre a ciência.
A orientação mais comum que a literatura da área (teorias do discurso e
análise do discurso) tem nos mostrado é a de considerar, inicialmente, os objetivos
do estudo e adotar alguns princípios já consagrados no meio (RICOUER, 1999):
Sociedade
Ensino de Ciências modelada
pela ciência
e tecnologia
Cultura Científica
Enunciado 03 - [...] o acesso aos conhecimentos científicos pode ser mais um instru-
mento de exclusão de mulheres e homens que vivem e atuam em sociedades mo-
deladas pela ciência e tecnologia. Esta exclusão tem resultado na criação de uma
elite à qual se reserva a ciência e a tecnologia, enquanto a maioria da população não
tem a formação científica adequada (p. 62).
pessoas que habitam essa região, pelo menos uma vive na pobreza, e 36% da po-
pulação subsiste com menos de dois dólares por dia. Para os 40% mais pobres do
povo latino-americano o progresso não tem sido evidente, nem se tem materiali-
zado em termos logísticos. Neste sentido, a desigualdade na distribuição de renda
tem uma relação estreita com a desigualdade educacional [...] (p. 63).
O discurso vai, paulatinamente, vinculando a questão do conhecimento à
questão da desigualdade social e econômica; e o conhecimento é uma questão educa-
cional associada ao econômico, reforçada pela construção “iniquidade na distri-
buição do conhecimento”, que se vincula a outra mais antiga, em filiação e paralelismo:
“iniquidade na distribuição de renda”. Os dados estatísticos reforçam tal construção,
pois eles trazem números sobre o nível de pobreza, até que a afirmação das autoras,
de forma direta, indica a associação proposta: “a desigualdade na distribuição de renda
tem uma relação estreita com a desigualdade educacional”. É possível complementar:
a igualdade educacional propicia igualdade na distribuição de renda. Obviamente tais
relações são muito mais complexas do que a argumentação imediata parece indicar.
Da importância das políticas de educação chegamos à questão da forma-
ção científica e tecnológica.
Enunciado 05 - Nesse quadro, a formação científica e tecnológica, que hoje nos pa-
rece indispensável para poder entender a vida quotidiana e nela atuar, é, também,
privilégio de uns poucos (p. 64).
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
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