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→ [25-85] Por mais que os ilustrados franceses não fossem, em sua grande maioria,
republicanos, eles se inspiraram nas ideias dessa forma de organização da polis, criando
um substrato cultural decisivo para a crítica da monarquia. Montesquieu é um claro
exemplo disso [29]. Em seus comentários sobre Roma, ele apresentava “uma cidade
cujo povo tinha tido um único espírito, um mesmo amor pela liberdade, um mesmo ódio
pela tirania” [32]. Era a virtude republicana sendo louvada, virtude essa associada por
Montesquieu “à igualdade, à liberdade e ao direito de participar da vida pública”. O
ilustrado não resgatava os romanos por mero diletantismo. Fazia-o no sentido de
apresentar experiências transatas como alternativas possíveis para o seu próprio
presente. “o mundo antigo não é apresentado como fato isolado e incompreensível aos
olhos dos modernos, mas como um exemplo para a estruturação de uma república. É
difícil imitar as lições do passado, mas não impossível” [33]. Mas o tempo trouxe
algumas dificuldades. Os políticos antigos, os gregos, para citar um exemplo, pautavam
sua existência na virtude. “Os de hoje”, escreve Montesquieu, “só falam de manufatura,
de comércio, de finanças, de riqueza e de luxo” [41]. A virtude teria cedido à “ambição”
e à “avareza”, tendo suas componentes desacreditadas. O “respeito e submissão às leis,
obediência às regras de conduta, frugalidade e uso consciente dos recursos públicos”, já
não estavam na ordem do dia [42]. Mas não seria muito mais fácil entregar-se às nossas
paixões egoístas que praticar os sacrifícios republicanos? Desse ponto de vista, a
“virtude” não seria sobremaneira artificial em comparação com nossos desejos
mundanos? Como ser republicanos se nossos impulsos são de outra natureza? [43].
“Montesquieu parece inteiramente consciente das dificuldades de se viver de acordo
com os princípios que ele mesmo enuncia, particularmente no que diz respeito às
repúblicas – tanto que se detém num instrumento muito valioso para desenvolvê-los: a
educação” [45]. Talvez somente por meio desse instrumento poder-se-ia viabilizar a
virtude, também definida pelo autor “como o amor pelas leis e pela pátria. Esse amor
que exige sempre a supremacia do interesse público sobre o interesse particular produz
todas as virtudes individuais; elas nada mais são do que essa preferência” [46].
Montesquieu, contrapondo o antigo ideal heroico, esclarece que “a virtude republicana
não exige a presença de cidadãos extraordinários para se realizar. Basta que se ame a
igualdade e estaremos diante dela. O problema é que não é evidente que se possa amar a
igualdade” [49]. Na Modernidade, melhor seria “uma república comerciante”. Afinal, o
comércio é um fator de civilização para Montesquieu... [50]. Por fim, ele coloca a
questão do Estado, salientando que este deve “agir como garantidor de direitos”, mas
com limites, para não ameaçar a liberdade dos indivíduos [53].
Concluindo, “de um lado, não podemos falar em sentido estrito de republicanismo dos
iluministas; de outro, não há como negar a presença de temas, conceitos e de uma
sincera admiração por alguns valores associados à tradição republicana”. Os iluministas
não pregavam a revolução - longe disso. Mas construíram um léxico, uma linguagem
republicana, altamente fecunda e eficaz na crítica ao regime monárquico [83].