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Tensores (Parte 1)

15 de abril de 2019

Primeira aula sobre tensores para a disciplina de CVT 2019Q1

Introdução
Procuramos generalizar a ideia de escalares e vetores introduzindo esse novo
conceito que chamamos de tensores. Lembramos que

• Escalar: É definido por um número (ou função, em caso de um campo


escalar). É especificado, portanto, por uma única componente.
• Vetor: É uma lista de número cujo número de componentes é igual a
dimensão do espaço em que o vetor é definido. Possui uma interpretação
geométrica como um segmento de reta orientada que liga dois pontos no
espaço. O comprimento de um vetor é invariante sobre rotações (sejam
elas no vetor ou no sistema de coordenadas), porém suas componentes são
modificadas nesse processo.
Na Física os tensores são de suma importância visto que são construídos para
serem invariantes por transformações de coordenadas, isso significa que as equa-
ções assumem a mesma forma em qualquer sistema de coordenadas tornando-se
independentes dessas. Do ponto de vista físico isso é natural, visto que um
sistema físico qualquer não pode depender explicitamente de um sistema de
coordenadas em particular no que diz respeito á manifestação de fenômenos.

Transformações de vetores
Considere a rotação do sistema de um vetor em um sistema de coordenadas
arbitrário. De forma geral a equação que descreve esse procedimento é
X
A0i = aij Aj , (1)
j

sendo aij as componentes da matriz cujos elementos são senos e cossenos dos
ângulos entre os eixos {x0i } do novo sistema de coordenadas e {xi } do antigo.

1
Considere agora o vetor posição na forma diferencial, d~r, e seja x0i ≡ x0i (xj ).
Aplicando a regra da cadeia na diferenciação temos
X ∂x0
dx0i = i
dxj . (2)
j
∂xj

A consistência entre as equações (1) e (2) exige que no limite de transformações


infinitesimais
∂x0i
aij = , (3)
∂xj
assim, qualquer vetor deve se transformar de acordo com1
X ∂x0i
A0i = Aj . (4)
j
∂xj

Um vetor que se transforma de acordo com (4)é chamado de vetor contravari-


ante.
Considere agora o gradiente de um campo escalar, ϕ, em três dimensões
∂ϕ ∂ϕ ∂ϕ X i ∂ϕ
∇ϕ = x̂ + ŷ + ẑ = x̂ . (5)
∂x ∂y ∂z i
∂xi

Esse se transforma como


∂ϕ0 X ∂ϕ ∂xj
= , (6)
∂x0i j
∂xj ∂x0i

pois como mencionamos anteriormente um campo escalar satisfaz ϕ0 (x0 , y 0 , z 0 ) =


ϕ0 = ϕ = ϕ (x, y, z). Observe que (6) é diferente de (4), a um vetor que se
transforma como (6) damos o nome de vetor covariante:
X ∂xj
A0i = Aj . (7)
j
∂x0i

Apenas em coordenadas cartesianas {x, y, z} que

∂x0i ∂xj
= , (8)
∂xj ∂x0i
em geral essa identidade não é válida. É justamente por isso que em coordenadas
cartesianas não notamos a diferença entre o gradiente de um campo escalar e
um vetor.
1 Note que mudamos o posicionamento de índices, logo adiante ficará claro porque isso foi

feito.

2
Um pouco sobre a notação
Observe que os chamados contravetores, c.f. (4) são denotados com um índice
sobrescrito (superior): Ai , enquanto que covetores são identificados por um
índice subscrito (em baixo): Ai . Essa notação é bastante comum, e será utilizada

ao longo de todas as aulas. Observe também que ∂x i é considerado como índice

inferior, é comum encontrar em alguns livros a notação simplificada por ∂i ≡


∂/∂xi .

Tensores de segunda ordem


O primeiro passo para a generalização de vetores (que agora incluem tanto con-
travetores como covetores) é definir o que chamamos de tensor de segunda ordem
a partir das propriedades de transformação dos vetores. Tensores de segunda
ordem (e por consequência os também de ordem mais alta que 2) podem ser
contravariantes, mistos ou covariantes, dependendo de como os índices aparem
nas expressões. A regra de transformação são
X ∂x0i ∂x0j
A0ij = Akl
∂xk ∂xl
k,l
X ∂x0i ∂xl
B 0ij = Bk (9)
∂xk ∂x0j l
k,l
X ∂xk ∂xl
0
Cij = Ckl
∂x0i ∂x0j
k,l

onde a primeira equação é para um tensor contravariante, a segunda é um tensor


misto e a última trata-se de um tensor covariante.
Tensores de ordem dois, em particular, podem ser representados por matrizes
quadradas n × n, sendo n a dimensão do espaço. No entanto é importante notar
que nem toda matriz é um tensor, pois matrizes não precisam necessariamente
satisfazer as propriedades de transformação descritas acima.

Sobre a ordem dos tensores


Quando se fala em ordem de um tensor estamos falando simplesmente da quan-
tidade de índices livres que esse tensor possui, assim um escalar é um tensor de
ordem zero, um vetor é um tensor de ordem um e, em se tratando de ordens mais
altas, chamamos apenas de tensor e especificamos a ordem se necessário (muitas
vezes a ordem do tensor é evidente uma vez que a expressão é apresentada).

Resumo (do que vimos até aqui)


Tensores são definidos a partir da sua lei de transformação, c.f. eqs (4),(7),(9).
Essas relações especificam como as componentes se apresentam quando repre-

3
sentadas em diferentes sistemas de coordenadas, estabelecendo um processo para
transformar de um sistema para outro.
Tensores são sistemas de componentes organizadas por índices que se trans-
formam de acordo com regras específicas sob um conjunto de transformações.

Adição e subtração
A álgebra de adição e subtração é relativamente simples, basta que sejam res-
peitados a quantidade e posicionamento dos índices, assim

Aij + B ij = C ij , (10)

é uma equação tensorial válida. Por outro lado expressões como

Aij + Bij ou Ai + Bijk

não fazem sentido.

Convenção de soma implícita


Quando escrevemos equações tensoriais e trabalhamos com a álgebra dos índices
rapidamente percebemos que a quantidade de somatórias tende a poluir muito
as equações, por isso introduzimos a convenção de soma implícita (também
chamada de convenção de Einstein para somatórias). Assim, assumimos que
quando índices aparecem repetidos nas equações já está implícito que há uma
soma sobre todos os valores (de 1 até n) desse índice. Por exemplo, a segunda
equação em (9) é escrita como

∂x0i ∂xl k
B 0ij = B . (11)
∂xk ∂x0j l
Além disso as somas de índices são efetuadas apenas entre um índice superior
e outro inferior. Quando usam-se apenas índices superiores (ou inferiores) está
implícito que o sistema de coordenadas em questão é cartesiano, justamente pelo
fato de não haver diferenciação entre quantidades covariantes e contravariantes
nesse sistema em particular.

Exemplo: Delta de Kronecker é um tensor


Como exemplo do que vimos até agora vamos mostrar que o chamado delta de
Kronecker, δji , é um tensor de ordem dois. Para isso devemos mostrar que ele
satisfaz a regra de transformação dos tensores. Veja:

∂x0i ∂xl k
δ 0ij = δ , (12)
∂xk ∂x0j l

4
pela definição da delta o lado direito dessa equação é

∂x0i ∂xl k ∂x0i


0j
δl = . (13)
k
∂x ∂x ∂x0j
Agora note que como as coordenadas são independentes entre si temos
(
∂x0i = 0 se i 6= j
0j
=
∂x = 1 se i = j

que é precisamente o que caracteriza as componentes da delta. Assim vemos


que (12) é satisfeita e portanto a delta de Kronecker é de fato um tensor.
Além disso perceba que nesse caso particular temos δ 0ij = δji , o que signi-
fica que todas as componentes da delta de Kronecker são idênticas em qualquer
sistema de coordenadas adotado, esse tipo de tensor é chamado de tensor iso-
trópico. É o único tensor de segunda ordem que tem essa propriedade. Não
existem vetores isotrópicos e, mais adiante veremos casos de tensores de ordens
mais altas que também são isotrópicos.

Simetria e Anti-simetria
A ordem em que índices aparecem é bastante importante e, de fato, não há
nenhuma relação entre o posicionamento dos índices a priori. Alguns tensores
têm relações entre os índices, são

T ij = T ji (Simétrico)
(14)
T ij = −T ji (Anti-simétrico)

Tensores de segunda ordem podem ser decompostos nas suas partes simétrica e
anti-simétrica através da seguinte expressão
1 ij  1 ij
T ij = T + T ji + T − T ji .

(15)
2 2

Contração
É possível formar um escalar a partir de dois vetores, ~u e ~v , através duma
operação chamada produto escalar

~u · ~v = ui v i = ui vi ∈ R . (16)

Para tensores há um procedimento semelhante chamado contração. Esse tensor


reduz a ordem do tensor original em dois, assim a contração entre índices de um
tensor de ordem dois é um tensor de ordem zero (escalar):

Aii = A11 + A22 + . . . Ann , (17)

5
para um tensor de ordem n. Note que a contração de índices é independente do
sistema de coordenadas, assim
∂x0i ∂xl k
B 0ii = B = δkl B kl = B kk , (18)
∂xk ∂x0i l
onde usamos (13) e a sua equivalência com a delta como mostrado no exemplo
anterior. Da mesma forma isso pode ser mostrado para tensores de ordem
mais alta e, um procedimento semelhante nos permite mostrar que o produto
escalar entre dois vetores é invariante por transformações de coordenadas, pois o
produto escalar nada mais é do que uma contração entre dois tensores de ordem
1.

Produto direto
Podemos combinar duas ou mais componentes de tensores para formar tensores
de ordem mais alta, sendo a ordem do tensor resultante dado pela soma das
ordens dos tensores envolvidos no produto, por exemplo

Ai B j = T ij
Ai Bj = T ij (19)
ij
T Ak = C ijk

e assim por diante. Podemos verificar explicitamente que esse produto forma,
de fato, um novo tensor. Considere, por exemplo, a segunda equação (19)

∂xk ∂x0j ∂xk ∂x0j l


A0i B 0j = Ak B l = T = Tk0 l . (20)
∂x ∂x | {z } ∂x0i ∂xl k
0i l
Tkl

E assim por diante.

Regra do quociente
Essa regra é a inversa do produto direto. Sabemos que não é definida a divisão
entre vetores ou, de maneira mais geral, tensores. No entanto considere as
relações

Ki Ai = B
Kij Aj = Bi
Kij Ajk = Bik (21)
Kijkl Aij = Bkl
Kij Ak = Bijk

Aqui estamos usando sistemas cartesianos, por isso os índices aparecem apenas
subscritos. Nessas expressões suponha que A e B são quantidades conhecidas,

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enquanto que K é uma quantidade desconhecida e objetivo é determinar se
K em cada caso é um tensor de ordem indicada. A regra do quociente diz o
seguinte: Se a equação em questão for válida em todos os sistemas de coordenada
cartesianos (rotacionados) então K é um tensor da ordem indicada.
Vamos provar a regra do quociente usando como caso típico a segunda equa-
ção dentre as relações (21) (é um bom exercício verificar a regra do quociente
para as demais relações!). Considere tal equação num sistema transformado
(com linha)
0
Kij A0j = Bi0 = aik Bk , (22)
onde usamos a propriedade de transformação vetorial de B e estamos denotando
as transformações como aij . Uma vez que (22) é válida para todos os sistemas
de coordenadas cartesianos podemos escrever

aik Bk = aik (Kkl Al ) . (23)

Agora transformamos A de volta para o sistema com linha da equação (22)


0
Kij A0j = aik Kkl alj A0j , (24)

ou seja
0
− aik Kkl alj A0j = 0 .

Kij (25)
Tendo em vista que A0j é arbitrário, e essa expressão deve ser válida para qual-
quer sistema cartesiano temos
0
Kij = aik alj Kkl , (26)

que é exatamente a regra de transformação para um tensor cartesiano. Assim


mostramos que a regra do quociente está verificada para a segunda equação do
conjunto (21).

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