Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
do Sistema Nervoso
Brasília-DF.
Elaboração
Produção
APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7
UNIDADE I
CONCEITOS INICIAIS.............................................................................................................................. 9
CAPÍTULO 1
SISTEMA NERVOSO: CLASSIFICAÇÃO ANÁTOMO-FUNCIONAL.................................................... 9
CAPÍTULO 2
SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO E SISTEMA NERVOSO CENTRAL............................................... 17
CAPÍTULO 3
DIFERENCIAÇÃO FARMACOLÓGICA ...................................................................................... 23
UNIDADE II
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO.......................................................................... 28
CAPÍTULO 1
DROGAS COLINÉRGICAS/COLINOMIMÉTICAS......................................................................... 28
CAPÍTULO 2
DROGAS ANTICOLINÉRGICAS................................................................................................. 35
CAPÍTULO 3
DROGAS SIMPATOMIMÉTICAS/ADRENÉRGICAS........................................................................ 38
UNIDADE III
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL............................................................................... 45
CAPÍTULO 1
MECANISMO DE AÇÃO E VIAS NEURONAIS ENVOLVIDAS NAS AÇÕES FARMACOLÓGICAS....... 45
CAPÍTULO 2
FÁRMACOS USADOS NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL............................................................ 57
CAPÍTULO 9
FISIOPATOLOGIA E TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA DOS PRINCIPAIS TRANSTORNOS
NEUROLÓGICOS.................................................................................................................... 74
REFERÊNCIAS................................................................................................................................. 100
Apresentação
Caro aluno
A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.
Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.
Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.
Conselho Editorial
4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.
A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.
Praticando
Atenção
5
Saiba mais
Sintetizando
Exercício de fixação
Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).
Avaliação Final
6
Introdução
O aumento da população mundial tem trazido importantes demandas à saúde, especialmente, com
relação à crescente população de idosos. Simultaneamente, verifica-se uma maior prevalência das
doenças crônicas não transmissíveis, sendo essa população de idosos suscetível à ocorrência de
várias morbidades associadas, como, por exemplo, câncer, diabetes, doenças cardiovasculares e
doenças neurológicas, muitas delas em estágio muito avançado de evolução.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), doenças neurológicas afetam até 1 bilhão de
pessoas no mundo todo, e a proporção está crescendo com o envelhecimento da população. Em
2007, segundo a OMS, 24,3 milhões de pessoas sofriam do mal de Alzheimer e de outros tipos
debilitantes de demência.
Diante disso, os profissionais que trabalham na área devem estar bem preparados para atender a
esses pacientes, uma vez que muitas dessas doenças não têm cura e a medicação é uma das formas
de melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Este caderno busca suprir, de várias maneiras, os
conhecimentos de farmacologia do sistema nervoso. Para isso, ele foi construído de forma a facilitar
a sua compreensão da doença, do fármaco e de sua utilização.
Objetivos
» Apresentar conceitos gerais das doenças que afetam o sistema nervoso e seus
fármacos.
7
8
CONCEITOS INICIAIS UNIDADE I
CAPÍTULO 1
Sistema nervoso: classificação
anátomo-funcional
Sistema nervoso
O sistema nervoso origina-se da ectoderme, mais precisamente da placa neural. A placa neural,
perto da 3a semana de gestação, se fecha, formando o tubo neural que, na sua região anterior, sofre
uma dilatação que dará origem ao Sistema Nervoso Central. No fechamento das extremidades da
placa neural, forma-se a crista neural que dará origem a componentes que a neuroanatomia chama
de elementos periféricos e componentes celulares gliais.
O sistema nervoso é dividido em partes de forma didática, pois as várias partes estão intimamente
relacionadas do ponto de vista morfológico e funcional. O sistema nervoso pode ser dividido
levando-se em conta: critérios anatômicos, embriológicos e funcionais. Existe, ainda, uma divisão
quanto à segmentação.
A divisão do sistema nervoso por meio de critérios anatômicos, que é das mais conhecidas, vai
esquematizada na figura abaixo.
9
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS
O Sistema Nervoso Central (SNC) é aquele que está contido no interior do chamado “estojo axial”
(canal vertebral e crânio), ou seja, o encéfalo e a medula espinhal; o Sistema Nervoso Periférico (SNP)
é aquele que é encontrado fora desse estojo ósseo, que se relaciona com o esqueleto apendicular,
sendo composto pelos nervos (axônios) e gânglios (formações de corpos neuronais ganglionares
dispersas em regiões do corpo ou mesmo dispostas ao longo da coluna vertebral, como os gânglios
sensitivos). Essa distinção, embora muito esquemática, não é perfeitamente exata, pois os nervos
e as raízes nervosas, para fazer conexão com o Sistema Nervoso Central, penetram no crânio e no
canal vertebral.
O SNC recebe, analisa e integra informações. É o local onde ocorre a tomada de decisões e o envio
de ordens. O SNP carrega informações dos órgãos sensoriais para o Sistema Nervoso Central e
do Sistema Nervoso Central para os órgãos efetores (músculos e glândulas). O SNC divide-se
em encéfalo e medula. O encéfalo corresponde ao telencéfalo (hemisférios cerebrais), diencéfalo
(tálamo e hipotálamo), cerebelo e tronco cefálico (que se divide em: bulbo, situado caudalmente;
mesencéfalo, situado cranialmente; e ponte, situada entre ambos).
Na divisão do sistema nervoso, com base nos critérios embrionários (Figura 2), as partes do
Sistema Nervoso Central do adulto recebem o nome da vesícula primordial que lhes deu origem. Os
termos telencéfalo, diencéfalo e mesencéfalo são os mais empregados. Não existe uma designação
anatômica que corresponda exatamente ao termo embriológico mesencéfalo.
Podemos, ainda, dividir o sistema nervoso em somático, que é a parte do sistema nervoso que atua
em todas as relações que são percebidas por nossa consciência; e em visceral, aquele que interage,
de forma inconsciente, no controle e na percepção do meio interno e vísceras.
10
CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I
Os neurônios sensitivos, cujos corpos estão nos gânglios sensitivos, conduzem à medula ou ao
tronco encefálico impulsos nervosos originados de receptores situados na superfície (por exemplo,
na pele) ou no interior (vísceras, músculos e tendões). Os prolongamentos centrais desses neurônios
se ligam, diretamente ou por meio de neurônios de associação, aos neurônios motores (somáticos
ou viscerais), os quais levam o impulso ao músculo ou às glândulas.
São aferentes os neurônios que trazem impulsos a uma determinada área do sistema nervoso, e
eferentes os que levam impulsos dessa área. Existe, ainda, no sistema nervoso, um terceiro tipo de
neurônio, denominado neurônio de associação, que faz a associação de um segmento com outro. O
aparecimento dos neurônios de associação colaborou com um aumento da complexidade do sistema
nervoso e permitiu a realização de comportamento cada vez mais elaborado.
No SNC, existem as chamadas substâncias cinzenta e branca. A substância cinzenta é formada pelos
corpos dos neurônios e a branca por seus prolongamentos. Com exceção do bulbo e da medula, a
substância cinzenta ocorre mais externamente e a substância branca mais internamente.
Tecido nervoso
O tecido nervoso compreende, basicamente, dois tipos celulares: os neurônios e as células gliais
ou neuroglia. O neurônio é a sua unidade fundamental, com a função básica de receber, processar
e enviar informações. A neuroglia compreende células que ocupam os espaços entre os neurônios,
com funções de sustentação, revestimento ou isolamento, modulação da atividade neuronal e
defesa. Os neurônios são células excitáveis que se comunicam entre si ou com outras células, usando,
basicamente, uma linguagem elétrica que consiste em alterações do potencial de membrana.
A maioria dos neurônios tem três regiões: corpo celular, dendritos e axônio (Figura 3).
11
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS
Sinapses e neurotransmissores
As fibras nervosas propagam impulsos elétricos muito rapidamente, em todo o seu comprimento,
e transmitem à célula que lhe segue, por meio das sinapses. Podem existir sinapses entre dois
neurônios, entre célula sensorial e neurônio ou entre neurônio e órgão. Quando a célula efetora é
um músculo, o local da sinapse é chamado de placa motora. O impulso é captado pelos dendritos,
passa ao corpo celular e deste para o axônio, que o envia para a célula seguinte.
No repouso, o interior do neurônio está carregado mais negativamente que o exterior. Quando
um potencial de ação chega à membrana celular, o estímulo altera a permeabilidade aos íons
sódio e potássio, permitindo a entrada de íons sódio e a saída de íons potássio. Ocorre, assim, a
despolarização (diminuição da negatividade no interior da célula). Em alguns casos, os neurônios
estão tão próximo que a onda de despolarização passa espontaneamente do axônio de um neurônio
para o dendrito do neurônio seguinte, o que se denomina sinapse elétrica (Figura 4).
12
CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I
A grande maioria das sinapses são sinapses químicas (Figura 4). O sinal elétrico chega à terminação
axônica e provoca a liberação de neurotransmissores, mensageiros químicos presentes no interior
de vesículas. Ao atingir o axônio, o potencial de ação faz com que as vesículas se fusionem com a
membrana e liberem os neurotransmissores que estavam contidos na vesícula no interior da fenda
sináptica (espaço entre o neurônio e a célula efetora). Ao serem liberados, os neurotransmissores
ligam-se a receptores específicos presentes na membrana da célula pós-sináptica. A ligação do
neurotransmissor com o seu receptor específico gera uma alteração no potencial de membrana da
célula, transmitindo o impulso nervoso e gerando uma resposta (contração muscular, por exemplo).
Concluímos, então, que a transmissão do impulso implica na transformação de um sinal elétrico em
um sinal químico que, posteriormente, é transformado em outro sinal elétrico (Figura 5).
Figura 5. Sinapse.
13
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS
Para ter mais detalhes sobre sinapses e neurotransmissores, acesse o link: <http://
www.unirio.br/farmacologia/aulas%20fisiologia/2.%20sistema%20nervoso/
INTRODU%C3%87%C3%83O/APOSTILA%20sinapse%20-%20UNESP.pdf>.
Assim, nas sinapses em que o neurotransmissor age diretamente sobre receptores ionotrópicos,
a neurotransmissão é bastante rápida e, nas sinapses mediadas por receptores metabotrópicos à
comunicação, é mais demorada.
14
CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I
Figura 6. Desenho esquemático das etapas nas quais as drogas podem alterar a transmissão sináptica: (1)
potencial de ação na fibra pré-sináptica; (2) síntese de transmissor; (3) armazenamento; (4) metabolismo; (5)
liberação; (6) recaptação; (7) degradação; (8) receptor para o transmissor; (9) aumento ou diminuição induzido
pelo receptor na condutância iônica.
15
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS
No SNP, a neuroglia compreende dois tipos celulares: as células satélites, que envolvem os pericários
dos neurônios dos gânglios sensitivos e do Sistema Nervoso Autônomo, e as células de Schwann,
que circundam os axônios, formando a bainha de mielina e o neurilema, e que têm importante
função na regeneração das fibras nervosas.
Fibras nervosas
Uma fibra nervosa compreende um axônio e, quando presentes, seus envoltórios de origem glial.
O principal envoltório das fibras nervosas é a bainha de mielina, que funciona como isolante
elétrico. Quando envolvidos por bainha de mielina, os axônios são denominados fibras nervosas
mielínicas. Na ausência de mielina, denominam-se fibras nervosas amielínicas. Ambos os
tipos ocorrem tanto no Sistema Nervoso Periférico quanto no Sistema Nervoso Central, sendo a
bainha de mielina formada por células de Schwann, no periférico, e por oligodendrócitos, no central.
No Sistema Nervoso Periférico, logo após seus segmentos iniciais, cada axônio é circundado por
células de Schwann, que se colocam em intervalos ao longo de seu comprimento. Essas bainhas se
interrompem a intervalos mais ou menos regulares para cada tipo de fibra. Essas interrupções são
chamadas de nódulos de Ranvier. Por ser isolante, a bainha de mielina permite condução mais
rápida do impulso nervoso. Ao longo dos axônios mielínicos, os canais de sódio e potássio sensíveis
à voltagem encontram-se apenas ao nível dos nódulos de Ranvier. A condução do impulso nervoso
é, portanto, saltatória, ou seja, potenciais de ação só ocorrem nos nódulos de Ranvier. Isso é possível
dado o caráter isolante da bainha de mielina, que permite à corrente provocada por cada potencial
de ação percorrer todo o internódulo sem extinguir-se.
16
CAPÍTULO 2
Sistema nervoso autônomo e sistema
nervoso central
O SNA é composto por um conjunto de neurônios situados no tronco encefálico e na medula espinhal
e apresenta duas divisões anatômicas clássicas e uma, ainda, controvertida. A controvertida é a
divisão gastroentérica, constituída pelos plexos intramurais, uma intrincada rede de neurônios
situados nas paredes das vísceras que participam do controle das funções digestivas, sendo
considerada, por muitos autores, como Sistema Nervoso Autônomo Entérico. As clássicas são as
divisões: 1) simpática (Sistema Nervoso Simpático – SNS), que parte da região tóracolombar da
coluna vertebral; e a 2) parassimpática (Sistema Nervoso Parassimpático – SNP), que parte da
região crâniossacral.
Os termos simpático e parassimpático derivam da palavra grega que significa “harmonia”, são
anatômicos, e não necessariamente apresentam ações antagonistas. A atividade simpática tende
a predominar no estresse (resposta de luta ou fuga), apresentando um gasto energético altamente
catabólico. Já a atividade parassimpática predomina durante a saciedade e o repouso, sendo que o seu
gasto energético é altamente anabólico. Entretanto, ambos os sistemas funcionam continuamente,
quando o corpo não está em nenhum extremo (Figura 7).
17
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS
Figura 7. Órgãos inervados pelo Sistema Nervoso Simpático e Parassimpático e suas respectivas funções.
18
CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I
Uma das diferenças fisiológicas entre o simpático e o parassimpático é que este tem ações sempre
localizadas a um órgão ou setor do organismo, enquanto as ações do simpático, embora possam ser
também localizadas, tendem a ser difusas, atingindo vários órgãos. A base anatômica dessa diferença
está no fato de que os gânglios parassimpáticos, estando próximos das vísceras, fazem com que
o território de distribuição das fibras pós-ganglionares seja necessariamente restrito. Além disso,
no sistema parassimpático, uma fibra pré-ganglionar faz sinapse com um número relativamente
pequeno de fibras pós-ganglionares, já no sistema simpático, os gânglios estão longe das vísceras e
uma fibra pré-ganglionar faz sinapse com várias fibras pós-ganglionares.
Figura 8. Representação da liberação de neurotransmissores e seus principais efeitos nos órgãos inervados.
19
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS
ritmo cardíaco etc.) que se assemelham aos obtidos por ação do Sistema Nervoso Simpático. Essas
drogas que imitam a ação do Sistema Nervoso Simpático são denominadas simpaticomiméticas.
Existem, também, drogas, como acetilcolina, que imitam as ações do parassimpático e são chamadas
parassimpaticomiméticas. A descoberta dos neurotransmissores veio explicar o modo de ação e
as diferenças existentes entre esses dois tipos de drogas.
As fibras nervosas que liberam a acetilcolina são chamadas colinérgicas e as que liberam
noradrenalina, adrenérgicas. A rigor, essas últimas deveriam ser chamadas noradrenérgicas, mas,
inicialmente, pensou-se que o principal neurotransmissor seria a adrenalina e o termo “adrenérgico”
tornou-se clássico. Hoje, sabemos que, nos mamíferos, é a noradrenalina e não a adrenalina o
principal neurotransmissor nas fibras adrenérgicas.
O Sistema Nervoso Central é formado pelo encéfalo e pela medula espinal, protegidos,
respectivamente, pelo crânio e pela coluna vertebral (Figura 9). Essa proteção é reforçada pela
presença de lâminas de tecido conjuntivo, as meninges. Elas são de fora para dentro: dura-máter,
aracnoide-máter e pia-máter. A dura-máter é a mais espessa delas, sendo que, no crânio, está
associada ao periósteo da face interna dos ossos. A pia-máter é a mais fina e está intimamente
aplicada ao encéfalo e a medula espinal. Entre a dura e a pia-máter está a aracnoide-máter, da
qual partem fibras delicadas que vão à pia-máter, formando uma rede semelhante a uma teia de
aranha. A aracnoide-máter é separada da pia-máter pelo espaço subaracnoideo, onde circula o
líquido cerebrospinal (líquor), o qual funciona como absorvente de choques.
O encéfalo é dividido em cérebro, cerebelo, mesencéfalo, ponte e bulbo, sendo esses três últimos
conhecidos, em conjunto, como tronco encefálico. A maior parte do encéfalo corresponde ao
cérebro, constituído por duas massas, os hemisférios cerebrais, unidos por uma ponte de fibras
nervosas, o corpo caloso, e separados por uma lâmina, a foice do cérebro. Os hemisférios podem
ser divididos em lobos, correspondendo cada um aos ossos do crânio com que guardam relações,
20
CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I
existindo, portanto, os lobos frontal, occipital, temporal e parietal. Há, também, o lobo insular que
é mais profundo em relação aos outros.
O cérebro responde pelas funções nervosas mais elevadas, contendo centros para interpretação de
estímulos, bem como centros que iniciam movimentos musculares. Ele armazena informações e é
responsável, também, por processos psíquicos altamente elaborados, determinando a inteligência e
a personalidade. O cerebelo atua, basicamente, como coordenador dos movimentos da musculatura
esquelética e na manutenção do equilíbrio. O tronco encefálico, além de ser a origem de dez dos
doze nervos cranianos, é sede de várias funções ligadas ao controle das atividades involuntárias e
das emoções. A medula espinal é formada por trinta e um segmentos, cada um dos quais dá origem
a um par de nervos espinais. Ela atua como um caminho pelo qual passam impulsos que vão ou vem
do encéfalo para várias partes do corpo.
A observação atenta de um corte de qualquer área do SNC permite reconhecer áreas claras e escuras
que representam, respectivamente, o que se chama de substância branca e substância cinzenta.
A primeira está constituída, predominantemente, por fibras nervosas mielínicas e a segunda por
corpos de neurônios. No cérebro e no cerebelo, a estrutura geral é a mesma: uma massa de substância
branca, revestida, externamente, por uma fina camada de substância cinzenta e tendo, no centro,
massas de substância cinzenta, constituindo os núcleos (acúmulos de corpos neuronais dentro do
SNC). Na medula, a substância cinzenta forma um eixo central contínuo envolvido por substância
branca, enquanto, no tronco encefálico, a substância cinzenta central não é contínua, apresentando-
se fragmentada, formando núcleos.
O SNC começa na medula espinhal e se conecta a neurônios eferentes (que partem da medula
espinhal para os tecidos periféricos) e aos aferentes (que passam dos tecidos periféricos para a
medula espinhal) com o cérebro. Sua função principal é receber os sinais com informações,
processá-las e emitir as respostas determinadas, controlando, assim, as atividades do corpo. Os
neurotransmissores mais conhecidos que atuam no SNC são: acetilcolina, noradrenalina, histamina,
GABA (ácido gama-aminobutírico) e glutamato.
Os neurônios de projeção que formam as vias de interligação transmitem sinais por longas
distâncias. Seus corpos celulares são relativamente grandes, e seus axônios emitem ramos colaterais
que se arborizam extensamente nas proximidades do neurônio. Esses neurônios são excitatórios, e
suas influências sinápticas, que envolvem receptores ionotrópicos, são de duração muito curta. O
21
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS
transmissor excitatório liberado por essas células é, na maioria dos casos, o glutamato. Os neurônios
de circuitos locais são tipicamente menores do que os neurônios de projeção, e seus axônios se
arborizam nas proximidades imediatas do corpo celular. Esses neurônios são, em sua grande
maioria, inibitórios, liberando GABA ou glicina. Fazem sinapse, principalmente, no corpo celular
dos neurônios de projeção, mas também podem fazê-la nos dendritos de neurônios de projeção,
bem como entre si. Uma classe especial de neurônios de circuitos locais na medula espinhal forma
sinapses axoaxônicas nas terminações de axônios sensoriais. Os dois tipos comuns de vias para
esses neurônios incluem vias de retroalimentação recorrentes e vias de alimentação anterógrada
(feedforward). Em algumas vias sensoriais, como a retina e o bulbo olfativo, os neurônios de
circuitos locais podem carecer efetivamente de um axônio e liberar o neurotransmissor a partir de
sinapses dendríticas, de modo gradual, na ausência de potenciais de ação.
22
CAPÍTULO 3
Diferenciação farmacológica
Princípios de neurofarmacologia
Nosso organismo está exposto a várias substâncias tóxicas: venenos de origem animal ou vegetal
metais pesados (mercúrio, chumbo e cromo) e a um monte de drogas sintéticas (fármacos). Várias
substâncias são neurotóxicas e afetam, especificamente, a neurotransmissão. O conhecimento
básico de alguns princípios de Neurofarmacologia nos serão muito úteis. As substâncias exógenas
que se ligam especificamente a um determinado receptor, mimetizando fielmente os efeitos do
neurotransmissor natural, são conhecidas como agonistas. Quando o contrário acontece, isto é,
quando o efeito natural é bloqueado, chamamos essas drogas de antagonistas.
Um mesmo neurotransmissor pode ter muitos subtipos de receptores pós-sinápticos. Por exemplo,
a acetilcolina possui dois subtipos: os receptores nicotínicos e os muscarínicos. Os receptores
nicotínicos são ionotrópicos, são estimulados somente pela nicotina e estão presentes somente nas
placas motoras das fibras musculares esqueléticas; já os receptores muscarínicos são metabotrópicos,
são estimulados exclusivamente pela muscarina e estão restritos às fibras musculares lisas e cardíacas.
Além da ação das drogas agonistas, esses receptores possuem, também, antagonistas específicos: o
curare bloqueia apenas os receptores nicotínicos e a atropina bloqueia os receptores muscarínicos.
Essas propriedades não deixam dúvidas de que os receptores colinérgicos são farmacológica e
molecularmente diferentes. Isso pode tornar a compreensão da neurotransmissão um pouco mais
complicada, mas, por outro lado, quer dizer que se torna possível fabricar medicamentos bastante
específicos que agem no coração ou nas fibras musculares esqueléticas.
23
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS
Nesta apostila, vamos estudar os receptores ionotrópicos e os metabotrópicos, pois são os mais
relevantes para o estudo da farmacologia do sistema nervoso.
O modelo da classe é o receptor nicotínico da ACh presente nos gânglios autonômicos simpáticos e
parassimpáticos e nas junções neuromusculares. Trata-se de um canal de sódio formado por cinco
subunidades, sendo 2 a, 1 b, 1δ e 1g. O pentâmero possui dois sítios de ligação para ACh, nas interfaces
entre as subunidades αb e αg. A ligação simultânea de duas moléculas de ACh promove a ativação
do receptor e abertura do canal, com rápido influxo de Na+ para a célula, levando à despolarização
da membrana plasmática e geração de potencial de ação.
Existem variações moleculares dentro da subunidade a, o que gera mais de 20 subtipos de proteínas
G. Diferentes tipos de receptores podem ativar uma mesma proteína G e, de modo inverso, um
único receptor pode gerar múltiplos sinais, por meio da ativação de diferentes proteínas G. Isto
ocorre porque os subtipos de proteínas G são capazes de reconhecer seletivamente sítios de ligação
específicos nos receptores e efetores. As proteínas G de importância farmacológica são: Gs, Gi, GO e
Gq.
» Sistema adenilil-ciclase/AMPc
O AMPc é um nucleotídeo produzido no citosol celular, a partir do ATP, por ação da enzima adenilil-
ciclase. Dessa forma, a estimulação dessa enzima leva ao aumento da concentração intracelular de
AMPc, enquanto que a sua inibição leva à redução dos níveis intracelulares de AMPc. As proteínas
Gs e Gi estimulam e inibem, respectivamente, a enzima adenilil-ciclase. Uma vez produzido, o AMPc
24
CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I
ativa proteínas quinases, que fosforilam resíduos de aminoácidos em enzimas ou canais iônicos,
regulando, assim, suas funções.
A PLC é uma enzima ancorada à membrana plasmática que, quando ativada pela proteína Gq,
hidrolisa o fosfolipídeo de membrana, fofatidilinositol-4,5-bifosfato (PIP2), produzindo IP3 e DAG.
O IP3 liga-se aos receptores de IP3 no retículo endoplasmático (IP3R), promovendo a liberação de
Ca2+ dessa organela, o que eleva, rapidamente, a concentração citosólica desse íon. Esse aumento
transitório da concentração de Ca2+ intracelular é fundamental para a ação de diversos mediadores
endógenos, incluindo contração, secreção e ativação de enzimas, bem como para a ação de muitos
fármacos.
O DAG também participa da resposta de ativação da PLC pela Gq, por meio da ativação da
proteínaquinase C (PKC), que, por sua vez, catalisa a fosforilação de várias proteínas envolvidas em
diversos eventos celulares.
»» Canais iônicos
A fração Ga-GTP ou o complexo βg podem controlar diretamente a função de um canal iônico, sem
que haja participação de segundos-mensageiros como o AMPc ou o IP3.
Por exemplo: a ação da ACh em receptores M2 no nodo sinoatrial leva à ativação de uma Gi,
cujo complexo βg ativa, diretamente, canais de K+, promovendo maior efluxo desse íon, gerando
hiperpolarização das fibras sinusais, com consequente redução da frequência cardíaca.
25
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS
Neurotransmissores
A acetilcolina é um neurotransmissor clássico e o primeiro a ser descoberto. Atua como mediador de
várias sinapses nervosas centrais e periféricas. Os neurônios colinérgicos possuem a enzima-chave,
a acetilcolina transferase, que transfere um grupo acetil do acetil-CoA à colina. O neurônio
também sintetiza a enzima acetilcolinesterase (AChE) que é secretada para a fenda sináptica
e degrada o neurotransmissor em colina e ácido acético. A colina é recaptada e reutilizada para
síntese de novos neurotransmissores.
A serotonina não é uma catecolamina, pois é uma amina sem o grupo catecol. É sintetizada a partir
do aminoácido essencial triptofano. Os neurônios serotonérgicos centrais parecem estar envolvidos
na regulação da temperatura, percepção sensorial, na indução do sono e na regulação dos níveis
de humor. Como as catecolaminas são recaptadas pela membrana pré-sináptica e degradadas pela
MAO, drogas que atuam bloqueando a sua receptação, como fluoxetina (Prozac), são utilizados
nos tratamentos antidepressivos.
Mais da metade dos neurônios do SNC utiliza o glutamato (Glu) e aspartato (Asp), principais
neurotransmissores excitatórios do SNC, sendo que o Glu responde por 75% da atividade
despolarizante. O Glu possui quatro tipos de receptores, sendo três deles ionotrópicos.
» NMDA: canais para dois cátions (Na e Ca), produzindo despolarização lenta e
persistente.
Os receptores do tipo NMDA são bastante complexos. O Glu liga-se a receptores NMDA, mas
precisa de outro neurotransmissor, chamado glicina, para abrir o canal. Mesmo aberto, o interior
do canal está obstruído por íons Mg++, o que impede a entrada de Ca++. Como o canal AMPA é
mais rápido, a entrada de cátions por essa via despolariza a membrana, repelindo os íons Mg++ dos
canais NMDA. Finalmente, torna-se possível a entrada de Na+ e de Ca++. Em outras palavras, a ação
despolarizante do glutamato depende de uma despolarização prévia de dois neurotransmissores. O
Ca++ desempenha importante papel como 2o mensageiro.
26
CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I
Animações com mecanismos de ação de várias drogas que agem no sistema nervoso
realizado pela Unifesp. <http://www.uniad.org.br/index.php?option=com_content
&view=article&id=577&Itemid=155>.
O óxido nítrico (NO) e monóxido de carbono (CO) são moléculas gasosas pequenas e que são
sintetizadas em enzimas específicas presentes em alguns neurônios. A síntese desses gases ocorre,
geralmente, nas sinapses excitatórias especialmente mediadas pelo glutamato, por meio de
receptores do tipo NMDA. Como são voláteis, não são armazenados em vesículas e se difundem
facilmente. Essas moléculas agem pós e pré-sinapticamente; nesse ultimo caso, age facilitando a
neurotransmissão por retroalimentação positiva.
27
FARMACOLOGIA DO
SISTEMA NERVOSO UNIDADE II
AUTÔNOMO
CAPÍTULO 1
Drogas colinérgicas/colinomiméticas
Figura 10. Desenho esquemático das etapas de síntese, liberação e degradação da acetilcolina.
28
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II
Os receptores nicotínicos estão diretamente acoplados aos canais iônicos e medeiam a transmissão
sináptica excitatória rápida na junção neuromuscular, nos gânglios autônomos e em vários
locais no SNC. O mecanismo de ação, tanto na placa motora quanto nos gânglios, é baseado no
fato de que esse receptor, para a cetilcolina, é, também, um canal iônico para Na+ e K+. Quando
o receptor nicotínico é ativado pela acetilcolina, o canal se abre e ambos, Na+ e K+, fluem por ele,
reduzindo os respectivos gradientes eletroquímicos (o Na+ entra na célula e o K+ saí dela). Isso
causa a despolarização da membrana celular e, consequentemente, ocorrem o disparo neuronal
(nos gânglios) e a contração do músculo esquelético (placa motora).
A baixa afinidade do receptor nicotínico para acetilcolina permite a rápida dissociação da ACh
do receptor e a volta da configuração do receptor ao estado de repouso. A ocupação prolongada
dos receptores nicotínicos por um agonista anula a resposta efetora, isto é, o disparo do neurônio
pós-ganglionar cessa (efeito ganglionar), e a célula do músculo esquelético relaxa (efeito da placa
terminal neuromuscular). Dessa maneira, verifica-se a indução de um estado de “bloqueio
despolarizante”, que é refratário à reversão por outros agonistas. Esse efeito pode ser explorado
para a produção de paralisia muscular. Quando os níveis de acetilcolina permanecem elevados, os
receptores nicotínicos colinérgicos podem sofrer rápida dessensibilização.
Embora os receptores muscarínicos, como classe, possam ser ativados seletivamente e apresentem
acentuada estereosseletividade entre agonistas e antagonistas, o uso terapêutico dos agentes
colinomiméticos é limitado pela escassez de drogas seletivas para subtipos específicos de receptores
muscarínicos. Essa falta de especificidade, combinada aos efeitos de amplo espectro da estimulação
muscarínica sobre diferentes sistemas orgânicos, torna o uso terapêutico das drogas colinomiméticas
um verdadeiro desafio, de modo que a cuidadosa análise das propriedades farmacocinéticas das
drogas desempenha papel importante na tomada de decisões terapêuticas.
29
UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO
O potencial de placa terminal gerado despolariza os túbulos T, causando a abertura dos canais
de Ca+ no retículo sarcoplasmático. Isso proporciona o aumento da concentração intracelular do
íon, que, por sua vez, liga-se à troponina C, causando sua mudança conformacional. A mudança
conformacional da troponina C faz a tropomiosina (que estava bloqueando a interação entre a
actina e miosina) mover-se, fazendo com que a ligação miosina-actina ocorra, e formando, assim, as
chamadas pontes cruzadas. A formação dessas pontes está associada à hidrólise de ATP e à geração
de força.
4. Quando o PEPS atinge uma amplitude crítica, dá-se origem ao potencial de ação no
nervo pós-sináptico.
30
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II
No Sistema Nervoso Somático, as fibras inervam diretamente seus alvos, os músculos esqueléticos,
causando contração muscular por meio da ativação dos receptores nicotínicos. A glândula suprarrenal
faz parte do Sistema Nervoso Simpático, apesar de ser ativada pelos receptores nicotínicos.
Faça uma tabela que contenha o local (exemplos: vasos, brônquios, bexiga etc.), o
efeito (exemplos: vasodilatação, constrição e aumento das secreções) e o receptor
(nicotínicos e/ou muscarínicos) da ação da Acetilcolina.
Agonistas colinérgicos
Ao se ligarem aos receptores muscarínicos, esses fármacos geram potencial pós-sináptico excitatório
nos órgãos inervados pelo parassimpático. Os agonistas colinérgicos raramente são administrados
por injeção IM ou IV, visto que são quase imediatamente degradados por colinesterases presentes
nos espaços intersticiais, bem como no interior dos vasos sanguíneos. Além disso, os agonistas
colinérgicos atuam rapidamente e podem provocar uma crise colinérgica (superdose do fármaco,
resultando em fraqueza muscular extrema e possível paralisia dos músculos utilizados na respiração).
31
UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO
Todas as drogas são muito hidrofílicas e não atravessam as membranas, uma vez que retêm o
grupamento amônio quaternário do componente colina da acetilcolina. A pilocarpina é um
alcaloide colinomimético de ocorrência natural. Trata-se de uma amina terciária que atravessa as
membranas com relativa facilidade. Por conseguinte, é rapidamente absorvida pela córnea do olho e
tem a capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica. Ela é um agonista puro dos receptores
muscarínicos e não é afetada pela colinesterase. A metacolina, o betanecol e a pilocarpina são
agonistas seletivos dos receptores muscarínicos, enquanto o carbacol e a acetilcolina podem ativar
os receptores muscarínicos e nicotínicos.
Solução de acetilcolina (solução a 1%) e carbacol (solução de 0,01% a 3%) tem uso intraocular,
em cirurgia, para produzir miose. Carbacol e pilocarpina (solução de 0,25% a 1%) são eficazes
no tratamento do glaucoma (miótico), visto que a contração do músculo ciliar traciona a rede
trabecular, aumentando a sua porosidade e permeabilidade ao efluxo do humor aquoso. A contração
do esfíncter da íris pela pilocarpina afasta a íris periférica da rede trabecular, abrindo, assim, a via
para o efluxo de saída do humor aquoso. O carbacol é menos seletivo para receptores muscarínicos,
porém é resistente a colinesterases.
32
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II
» Anticolinesterásicos
» Agonistas muscarínicos
» Agonistas nicotínicos
» Antagonistas muscarínicos
33
UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO
›› D-tubocurarina.
›› Pancurônio.
›› Vecurônio.
›› Mivacúrio.
34
CAPÍTULO 2
Drogas anticolinérgicas
Anticolinesterásicos
Os agentes anticolinesterásicos bloqueiam a ação da enzima acetilcolinesterase, impedindo a
degradação da acetilcolina. O acúmulo de acetilcolina na fenda sináptica resulta numa maior ativação
dos receptores nicotínicos e muscarínicos. Há duas formas principais de colinesterase (ChE):
acetilcolinesterase (AChE), que se liga à membrana, relativamente específica para a acetilcolina
e responsável pela rápida hidrólise da acetilcolina nas sinapses colinérgicas; butilcolinesterase
(BChE) ou pseudocolinesterase, que é relativamente não seletiva e está presente no plasma e em
vários tecidos. Ambas as enzimas pertencem à família das hidrolases séricas.
As drogas anticolinesterásicas são de três tipos principais: reversível ação curta (edrofônio);
reversível ação média (neostigmina, fisostigmina); irreversível (organofosforados, diflos,
ecotiopato). Diferem na natureza de sua interação química com o local ativo da ChE. Os agentes
anticolinesterásicos reversíveis bloqueiam a degradação da acetilcolina durante minutos ou horas,
ao passo que o efeito bloqueador dos agentes irreversíveis perdura por vários dias ou semanas. Isto
se dá devido ao tipo de ligação química que ocorre entre os medicamentos e a acetilcolinesterase.
Portanto, os locais de ação dos anti–ChE de importância terapêutica incluem o SNC (doença de
Alzheimer – tacrina, donepezil, rivastigmina e galantamina), o olho (glaucoma – ecotiopato), o
intestino (íleo paralítico e atonia da bexiga – neostigmina) e a junção neuromuscular da musculatura
esquelética (miastenia gravis – piridostigmina, neostigmina e ambemônio).
35
UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO
O edrofônio, um agente quaternário cuja atividade se limita às sinapses do Sistema Nervoso Periférico,
tem afinidade moderada pela acetilcolinesterase e possui eliminação renal rápida, o que explica
sua curta duração de ação. Já a tacrina e o donepezil têm maior afinidade pela acetilcolinesterase,
são mais hidrofóbicos (mais lipofílicos) e atravessam a barreira hematoencefálica, inibindo a
acetilcolinesterase no Sistema Nervoso Central.
Os efeitos muscarínicos de utilização clínica dos anticolinesterásicos são os mesmos dos agonistas
colinérgicos. A neostigmina pode ser empregada em quadros de íleo paralítico e atonia de bexiga.
A fisostigmina tópica (colírio) é usada em associação com agonistas colinérgicos no tratamento
do glaucoma.
Bloqueadores colinérgicos
Os medicamentos bloqueadores colinérgicos (anticolinérgicos) interrompem os impulsos nervosos
parassimpáticos no Sistema Nervoso Central e, no Sistema Nervoso Autônomo, são antagonistas
competitivos da acetilcolina em receptores muscarínicos. Os principais anticolinérgicos são os
alcaloides da beladona: atropina, beladona, homatropina, sulfato de hiosciamina, bromidrato de
escopolamina, glicopirrolato, propantelina, benztropina, trexifenidil, etopropazina e oxibutinina.
Os medicamentos anticolinérgicos são administrados por injeção antes dos exames de endoscopia
ou sigmoidoscopia, para relaxar a musculatura lisa do trato GI. Eles ainda são administrados
antes de uma cirurgia, para reduzir as secreções orais e gástricas, reduzir as secreções no sistema
respiratório e impedir queda na frequência cardíaca causada por estimulação nervosa vagal durante
a anestesia.
36
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II
receptores muscarínicos. Não existindo agonistas circulantes, não haverá alteração no estado
de relaxamento endotelial. Por sua vez, os fármacos antagonistas por si só carecem de atividade
intrínseca.
A acetilcolina liberada das fibras nervosas parassimpáticas ativa os receptores muscarínicos (M2)
no nodo sinoatrial e atrioventricular. A ativação desses receptores inibe a adenilato ciclase, além
de aumentar a condutância do canal de K+. Como resultado, o nodo sinoatrial é despolarizado
com menos frequência e dispara menos potenciais de ação por unidade de tempo (diminuição da
frequência cardíaca). Quando se administra atropina, o medicamento compete com a acetilcolina
pela sua ligação aos receptores colinérgicos presentes nos nodos sinoatrial e atrioventricular.
Bloqueando a ação da acetilcolina, a atropina acelera a frequência cardíaca. Além disso, esse fármaco
é usado em quadro de infarto do miocárdio, acompanhado de hiperatividade vagal, com bradicardia
e hipotensão.
Esses fármacos possuem uma margem de segurança (ou janela terapêutica) estreita. As principais
reações adversas são boca seca, visão borrada, redução das secreções brônquicas, aumento da
frequência cardíaca e diminuição da sudorese.
37
CAPÍTULO 3
Drogas simpatomiméticas/adrenérgicas
Transmissão noradrenérgica
As catecolaminas são compostos que contêm um catecol (anel benzênico com dois grupos hidroxila
adjacentes) e uma cadeia lateral amina. Do ponto de vista farmacológico, as catecolaminas mais
importantes são as seguintes.
Todos os receptores noradrenérgicos são receptores acoplados à proteína G típicos. Cada uma
das classes de receptores (α1, α2, β1, β2, β3) está associada a um sistema específico de segundos-
mensageiros. Assim, os receptores α1 estão acoplados à fosfolipase C e produzem seus efeitos,
principalmente, pela liberação de Ca++ intracelular. Os receptores α2 estão negativamente acoplados
à adenilato-ciclase e reduzem a formação de AMPc, assim como inibem canais de Ca++. Todos os três
tipos de receptores β agem por estimulação da adenilato-ciclase.
38
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II
Metabolismo da adrenalina
O precursor metabólico da noradrenalina é a L-tirosina, um aminoácido aromático que está
presente nos fluídos corporais e é captado pelos neurônios adrenérgicos. A tirosina hidroxilase,
uma enzima citosólica que catalisa a conversão da tirosina em DOPA, é encontrada apenas em
células que contêm catecolaminas. Trata-se de uma enzima bastante seletiva, diferentemente das
outras enzimas envolvidas no metabolismo das catecolaminas. A primeira etapa da hidroxilação é
o principal ponto de controle para a síntese de noradrenalina. A tirosina hidroxilase é inibida pelo
produto final da via de biossíntese, a noradrenalina.
A próxima etapa da conversão de DOPA em dopamina é catalisada pela DOPA descarboxilase, uma
enzima citosólica que não está confinada exclusivamente em células que sintetizam catecolaminas.
Ela é uma enzima relativamente inespecífica. A atividade da dopa descarboxilase não é fator
limitante da velocidade da síntese de noradrenalina. A dopamina β-hidroxilase (DBH) é, também,
uma enzima relativamente inespecífica, mas está restrita às células que sintetizam catecolaminas.
Essa enzima está localizada em vesículas sinápticas.
A maior parte da adrenalina nas terminações nervosas ou células cromafins está contida em vesículas.
Em condições normais, apenas uma pequena quantidade encontra-se na forma livre no citoplasma.
39
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS
A liberação de noradrenalina é afetada por uma variedade de substâncias que agem em receptores
pré-sinápticos. A noradrenalina, atuando em receptores pré-sinápticos, pode regular sua própria
liberação. Acredita-se que isso ocorra fisiologicamente, de tal modo que a noradrenalina liberada
exerce um efeito inibitório local sobre as terminações das quais ela se origina – o chamado
mecanismo de retroalimentação autoinibitória.
Fármacos adrenérgicos
A atividade geral desses fármacos é ditada por sua afinidade, eficácia e seletividade, com respeito
aos diferentes tipos de receptores adrenérgicos. De modo geral, os agonistas de receptores
β-adrenérgicos são úteis como broncodilatadores, enquanto que os antagonistas de receptores α
e β-adrenérgicos são usados, principalmente, em indicações cardiovasculares, em virtude de seus
efeitos cardiodepressivos e vasodilatadores.
Os agonistas adrenérgicos podem ser de: ação direta, ação indireta e ação mista.
» Agonistas de ação indireta: são os que não afetam diretamente os receptores pós-
sinápticos, mas provocam a liberação de noradrenalina dos terminais adrenérgicos.
Os fármacos de ação indireta são: anfetamina e tiramina.
40
CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I
Na anestesia local, pode ser utilizada (1:100.000 partes de adrenalina), aumentando a duração
da anestesia devido à vasoconstrição que provoca, reduzindo o fluxo sanguíneo local na região em
que for administrada (reduz a velocidade de absorção do anestésico). Em oftalmologia, é utilizada
no tratamento do glaucoma.
A via de administração pode ser venosa (em emergência), subcutânea, cânula endotraqueal, inalação
e ocular (glaucoma), entretanto, as catecolaminas não devem ser administradas por via oral, por
serem inativadas pelas enzimas intestinais.
41
UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO
A única via de administração é intravenosa em infusão, inclusive, pode causar necrose tecidual
em consequência do extravasamento durante a infusão. Não deve ser diluída em solução alcalina
(bicarbonato de sódio), podendo ser diluída em soro fisiológico 0,9%, mas, preferencialmente,
em soro glicosado 5%. A alcalinização das soluções de adrenalina ou dopamina com bicarbonato
produz a formação de pigmentos escuros (semelhantes à melanina) provenientes de pequena fração
de catecolamina ativada, além da possibilidade de formar precipitado, que pode obstruir a via de
infusões e formar êmbolos. Como a dopamina é metabolizada pelo ácido homovanílico, seus efeitos
adversos são fugazes, como a hipertensão, náusea e arritmia.
Os sinais clássicos do choque cardiogênico são: hipotensão arterial, pulso rápido e fraco, hipóxia ou
anóxia cerebral, diminuição do débito urinário e pele fria e úmida.
42
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II
Efeitos adversos: hipertensão arterial; taquicardia; insônia; arritmias cardíacas; dor anginosa;
distúrbios da percepção; midríase; dependência física e química; comportamento psicótico (também
denominado psicose anfetamínica, com quadro clínico agudo semelhante à esquizofrenia, podendo
ser tratado com clopromazina).
As anfetaminas são conhecidas por usuários como “bolinhas”, “rebite”, devendo ser lembrado que o
uso indiscriminado ou sem a rigorosa análise antes da prescrição pode levar até a reações psicóticas
graves. A anfetamina tem sido utilizada (principalmente no Brasil) de modo inapropriado para o
controle do peso.
A tiramina não constitui um fármaco, embora seja um agonista adrenérgico de ação indireta,
por estimular a liberação de noradrenalina. A tiramina, existente em alguns alimentos, como
em alguns queijos e algumas frutas cítricas, assim como em vinhos (Chianti), estimula, também,
a liberação de serotonina das plaquetas, provocando a cefaleia tiramínica. Se o paciente estiver
em uso de fármacos inibidores da MAO (que correspondem aos antidepressivos fenelzina,
isocarboxazida e tranilcipromina), pode ocorrer crise hipertensiva grave, pois penetra no terminal
43
UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO
44
FARMACOLOGIA DO
SISTEMA NERVOSO UNIDADE III
CENTRAL
CAPÍTULO 1
Mecanismo de ação e vias neuronais
envolvidas nas ações farmacológicas
Neurotransmissão gabaérgica
As drogas que atuam no Sistema Nervoso Central (SNC) estão entre as primeiras que foram
descobertas pelos seres humanos primitivos e ainda constituem o grupo de compostos farmacológicos
mais amplamente utilizados. Além de seu uso na terapia, as drogas que atuam no SNC são utilizadas,
sem prescrição, para aumentar o bem-estar do indivíduo. A cafeína, o álcool e a nicotina são drogas
socialmente aceitas em muitos países, e seu consumo é praticado em todo o mundo. Como algumas
das drogas nesse grupo causam dependência e produzem graves disfunções pessoais, sociais e
econômicas, as sociedades acharam necessário controlar seu uso e sua disponibilidade.
45
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
resistência da membrana. Por outro lado, um neurotransmissor excitatório pode abrir um canal
específico de cátions, como o canal de sódio, causando, dessa maneira, um influxo efetivo de íons
sódio que despolariza a membrana. Alternativamente, pode-se observar uma resposta excitatória
(despolarizante) quando um neurotransmissor induz o fechamento de canais de extravasamento
de potássio para reduzir o fluxo de saída de íons potássio. Observe que, em ambos os exemplos
apresentados, os neurotransmissores excitatórios de aminoácidos produzem uma corrente efetiva
de entrada. Os agentes farmacológicos que modulam a neurotransmissão GABAérgica, incluindo
os benzodiazepínicos e os barbitúricos, formam classes de fármacos de grande importância
clínica. Em contrapartida, os agentes farmacológicos cujo alvo consiste na neurotransmissão
glutamatérgica ainda continuam, em grande parte, experimentais.
O GABA atua como principal neurotransmissor inibitório no SNC dos mamíferos. As membranas
celulares da maioria dos neurônios e astrócitos do SNC de vertebrados expressam receptores de
GABA, que diminuem a excitabilidade neuronal por meio de vários tipos de mecanismos. Em virtude
de sua distribuição disseminada, os receptores de GABA influenciam muitos circuitos e muitas
funções neurais. Os fármacos que modulam os receptores de GABA afetam a reatividade e a atenção,
a formação da memória, a ansiedade, o sono e o tônus muscular. A modulação da sinalização GABA
também constitui um mecanismo importante para o tratamento da hiperatividade neuronal focal
ou disseminada na epilepsia.
A síntese de GABA é mediada pela descarboxilase do ácido glutâmico (GAD), que catalisa a
descarboxilação do glutamato nas terminações nervosas GABAérgicas. Por conseguinte, a quanti-
dade de GABA presente no tecido cerebral correlaciona-se com a quantidade de GAD funcional. A
GAD necessita de vitamina B6 como cofator. O GABA é acondicionado em vesículas pré-sinápticas
por um transportador (VGAT), que é o mesmo transportador expresso nas terminações nervosas
que liberam glicina, outro neurotransmissor inibitório. Em resposta a um potencial de ação, ocorre
liberação de GABA na fenda sináptica por fusão das vesículas contendo GABA com a membrana
pré-sináptica.
46
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
O GABA medeia seus efeitos neurofisiológicos por meio de sua ligação a receptores de GABA.
Existem dois tipos de receptores de GABA. Os receptores de GABA ionotrópicos (GABAA e
GABAC) consistem em proteínas de membrana de múltiplas subunidades que se ligam ao GABA
e que abrem um canal iônico de cloreto intrínseco. Os receptores de GABA metabotrópicos
(GABAB) são receptores heterodiméricos acoplados à proteína G que afetam as correntes iônicas
neuronais por meio de segundos mensageiros.
Os receptores de GABA mais abundantes no SNC consistem nos receptores ionotrópicos GABAA,
que são membros da superfamília de canais iônicos regulados por neurotransmissores rápidos,
incluindo os receptores nicotínicos periféricos e neuronais de acetilcolina (nAChR), os receptores
de serotonina tipo 3A/B (5HT3A/B) e os receptores de glicina. A exemplo de outros membros dessa
superfamília, os receptores GABAA são glicoproteínas transmembrana pentaméricas organizadas
para formar um poro iônico central circundado por cinco subunidades, tendo, cada uma delas,
quatro domínios que atravessam a membrana.
As cinco subunidades dos receptores GABAA circundam um poro iônico central seletivo para o
cloreto, que se abre na presença de GABA. O GABA e outros agonistas ligam-se a dois sítios que
estão localizados em porções extracelulares do complexo receptor–canal, na interface entre as
subunidades α e β. Os receptores GABAA também contêm vários sítios moduladores, onde ocorre
ligação de outros ligantes endógenos e/ou fármacos. Em muitos casos, a presença desses sítios e o
impacto da ligação do ligante dependem da composição de subunidades do receptor.
Certas moléculas endógenas modulam, de modo alostérico, a atividade dos receptores GABAA. O
metabolismo dessas moléculas no cérebro produz neuroesteroides, como a pregnenolona, a
desidroepiandrosterona (DHEA), a 5α-diidrodesoxicorticosterona (DHDOC), a 5α-tetraidrodesox
icorticosterona (THDOC) e a alopregnanolona. Em vez de atuar por meio de receptores nucleares,
como o fazem muitos hormônios esteroides, esses compostos alteram a função dos receptores
GABAA, por meio de sua ligação a sítios alostéricos na proteína do receptor, produzindo aumento na
ativação do receptor GABAA. Acredita-se que a DHDOC e a THDOC modulam a atividade cerebral
durante o estresse. As variações menstruais da alopregnanolona, um metabólito da progesterona,
47
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Outro grupo de receptores ionotrópicos de GABA, GABAC, é formado por três subunidades que
não são encontradas nos receptores GABAA. Os receptores GABAC também são canais pentaméricos
de cloreto regulados por ligantes, cuja distribuição no SNC é restrita. Esses receptores estão,
principalmente, expressos na retina. Os receptores GABAC exibem propriedades farmacológicas
distintas, que diferem daquelas da maioria dos receptores GABAA. No momento atual, não existe
nenhum fármaco disponível dirigido para os receptores GABAC.
Os receptores GABAB são receptores acoplados à proteína G (Figura 12). Eles são expressos em
concentrações mais baixas que os receptores GABAA, principalmente, na medula espinal. Os
receptores GABAB atuam como heterodímeros de subunidades GABAB1 e GABAB2. O receptor
GABAB interage com proteínas G heterotriméricas contendo Gαi e Gαo, que inibem a adenilil ciclase,
ativam os canais iônicos de K+ e inibem os canais de Ca2+ regulados por voltagem. Nas sinapses
GABAérgicas, os receptores GABAB são expressos em nível tanto pré-sináptico quanto pós-sináptico.
Os autorreceptores pré-sinápticos modulam a liberação do neurotransmissor ao reduzir o influxo
de Ca2+, enquanto os receptores GABAB pós-sinápticos produzem potenciais inibitórios pós-
sinápticos lentos, por meio da ativação dos canais de K+ ativados por proteína G (GIRKS). As
taxas mais lentas de ativação e de desativação das correntes de GABAB, em comparação com aquelas
de GABAA, parecem ser devidas ao mecanismo de transdução de sinais de segundos mensageiros
relativamente lentos.
A ativação dos canais de K+ pela Gαi e Gαo inibe a descarga neuronal, visto que o K+ possui um
potencial de equilíbrio próximo a 70 mV. Por conseguinte, o aumento da condutância do K+, à
semelhança da condutância aumentada de Cl-, impulsiona a voltagem transmembrana neuronal
para potenciais de repouso, que reduzem a frequência de iniciação de potenciais de ação e, também,
desviam correntes excitatórias.
48
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
Neurotransmissão glutamatérgica
Existem sinapses glutamatérgicas por todo o SNC. A ligação do glutamato a seus receptores desencadeia
eventos moleculares e celulares associados a numerosas vias fisiológicas e fisiopatológicas, incluindo
o desenvolvimento de uma sensação aumentada de dor (hiperalgesia), neurotoxicidade cerebral e
alterações sinápticas envolvidas em certos tipos de formação da memória. Embora as aplicações
clínicas da farmacologia do glutamato ainda sejam, hoje em dia, limitadas, a previsão é de que a
farmacologia do glutamato irá se tornar uma área cada vez mais importante da Neurofarmacologia.
A síntese do glutamato ocorre através de duas vias distintas. Em uma dessas vias, o α-cetoglutarato,
formado no ciclo de Krebs, é transaminado a glutamato nas terminações nervosas do SNC.
Alternativamente, a glutamina produzida e secretada pelas células da glia é transportada nas
terminações nervosas e convertida em glutamato pela glutaminase.
O glutamato é liberado das vesículas contendo o transmissor, por exocitose, por meio de um
processo dependente de cálcio. O glutamato é removido da fenda sináptica por transportadores
de recaptação do glutamato, que estão localizados nas terminações nervosas pré-sinápticas e
nas membranas plasmáticas das células gliais. Esses transportadores são dependentes de Na+ e
possuem alta afinidade pelo glutamato. Nas células gliais, a enzima glutamina sintetase converte
o glutamato em glutamina, que é reciclada em terminações nervosas adjacentes para nova conversão
em glutamato. A glutamina gerada nas células gliais também pode entrar no ciclo de Krebs e
sofre oxidação; o α-cetoglutarato resultante penetra nos neurônios para repor o α-cetoglutarato
consumido durante a síntese de glutamato.
49
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Neurotransmissão serotoninérgica
A serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5HT) e a norepinefrina (NE) desempenham papéis críticos
na modulação do humor, no ciclo de sono vigília, na motivação, na percepção da dor e na função
neuroendócrina. As projeções serotoninérgicas para a medula espinal estão envolvidas na percepção
da dor, na regulação visceral e no controle motor, enquanto as projeções para o prosencéfalo são
importantes na modulação do humor, na cognição e na função endócrina. O sistema noradrenérgico
modula a vigilância, as respostas ao estresse, a função neuroendócrina, o controle da dor e a atividade
do Sistema Nervoso Simpático.
50
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
A concentração média estabelece o tônus basal de atividade nos neurônios-alvo que recebem
projeções de 5HT e NE. Além disso, estímulos específicos podem provocar rápidos surtos de
descarga, superpostos à atividade tônica basal, fornecendo informações adicionais. Por conseguinte,
os sistemas de projeção difusos podem fornecer dois tipos de informação: uma descarga neuronal
rápida e distinta, semelhante à neurotransmissão mais tradicional, e uma frequência de descarga
tônica mais lenta, que, presumivelmente, proporciona uma integração da informação no decorrer
de um maior período de tempo.
51
UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO
Foram caracterizados múltiplos subtipos de receptores de 5HT, e todos eles, à exceção de um, estão
acoplados à proteína G. Em geral, a classe de receptores 5HT1 inibe a adenilil ciclase, a classe 5HT2
aumenta a renovação do fosfatidilinositol, e as classes 5HT4, 5HT6 e 5HT7 estimulam a adenilil
ciclase. O único canal iônico regulado por ligante conhecido é o receptor 5HT3, embora vários
subtipos de receptores de 5HT ainda não estejam totalmente caracterizados. O receptor 5HT1A é
expresso tanto nos corpos celulares serotoninérgicos dos núcleos da rafe quanto em neurônios pós-
sinápticos no hipocampo, e a sua ativação resulta em diminuição dos níveis de cAMP. O receptor
5HT1D pré-sináptico medeia os mecanismos autoinibitórios da neurotransmissão da 5HT nos
terminais axônicos.
A sinalização dos receptores 5HT2A e 5HT2C é excitatória e baixa o limiar de descarga neuronal. Os
vários subtipos de receptores estão diferencialmente expressos no cérebro. Por exemplo, um subgrupo
de projeções de 5HT para o córtex estimula os receptores 5HT2 pós-sinápticos, enquanto outras
projeções para o sistema límbico estimulam os receptores 5HT1A pós-sinápticos. Entretanto, existe
uma considerável superposição na expressão dos subtipos de receptores, e a importância fisiológica
dessa superposição não está bem elucidada.
52
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II
Neurotransmissão dopaminérgica
A dopamina (DA) pertence à família de catecolaminas de neurotransmissores. Além da dopamina,
essa família inclui a norepinefrina (NE) e a epinefrina (EPI). Como o próprio nome sugere, a
estrutura básica das catecolaminas consiste em um catecol (3,4-diidroxibenzeno) conectado a um
grupo amina por uma ponte etil. As vias catecolaminérgicas no cérebro possuem uma organização de
fonte única-divergente, uma vez que surgem de pequenos grupos de neurônios catecolaminas, que
dão origem a projeções amplamente divergentes. As catecolaminas do SNC modulam a função da
neurotransmissão de ponto a ponto e afetam processos complexos, como humor, atenção e emoção.
Nos neurônios dopaminérgicos, o produto final da via de síntese das catecolaminas é a dopamina.
Nas células que secretam a catecolamina NE, a DA é convertida em NE pela enzima dopamina
β-hidroxilase. Em outras células, a NE pode ser convertida, subsequentemente, em epinefrina
pela feniletanolamina N-metiltransferase. Os neurônios dopaminérgicos carecem de ambas as
enzimas, porém é importante ter em mente toda a via de biossíntese das catecolaminas, visto que a
manipulação farmacológica da biossíntese de DA também pode alterar a produção de NE e de EPI.
53
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Existem vários mecanismos para remover a DA sináptica e interromper o sinal produzido pelo
neurotransmissor. A maior parte da DA liberada na fenda sináptica é transportada de volta à célula
pré-sináptica por uma proteína de onze domínios transmembrana, o transportador de dopamina
(DAT). O DAT pertence à família de bombas de recaptação de catecolaminas. A recaptação da DA
envolve o transporte do neurotransmissor contra o seu gradiente de concentração e, por conseguinte,
requer uma fonte de energia. Por essa razão, o DAT acopla a recaptação de dopamina com o
cotransporte de Na+ ao longo de seu gradiente de concentração na célula. Com efeito, tanto o Na+
quanto o Cl- são cotransportados com a DA no interior da célula. Como o gradiente de Na+ é mantido
pela bomba de Na+/K+-ATPase, a recaptação de DA depende, indiretamente, da presença de uma
bomba de Na+/K+ funcional. A DA captada no interior da célula pré-sináptica pode ser reciclada em
vesículas para uso subsequente na neurotransmissão (pelo VMAT) ou pode ser degradada pela ação
das enzimas monoamina oxidase (MAO) ou catecol-O-metil transferase (COMT).
A MAO é uma enzima-chave cuja função consiste em interromper a ação das catecolaminas tanto
no cérebro quanto na periferia. Ela é encontrada em duas isoformas: a MAO-A, que é expressa no
cérebro, bem como na periferia, e a MAO-B, que se concentra no SNC. Ambas as isoformas da MAO
podem degradar a dopamina, bem como uma ampla variedade de compostos monoamínicos. Em
condições normais, a MAO-B é responsável pelo catabolismo da maior parte da dopamina do SNC.
As diferentes funções desempenhadas pelas isoformas da MAO são terapeuticamente importantes.
A inibição seletiva da MAO-B é utilizada para aumentar a função da dopamina no SNC e, em geral, é
bem tolerada. Por outro lado, a inibição da MAO-A retarda a degradação de todas as catecolaminas
centrais e periféricas. A inibição da MAO-A pode levar a uma toxicidade potencialmente fatal
quando combinada com agentes que liberam catecolaminas, como o simpaticomimético de ação
indireta tiramina, que é encontrada em certos vinhos e queijos.
A DA sináptica que não é captada na célula pré-sináptica pode difundir-se para fora da fenda
sináptica ou ser degradada pela ação da COMT. A COMT é expressa no cérebro, no fígado, no rim e
no coração; inativa as catecolaminas pela adição de um grupo metila ao grupo hidroxila na posição
3 do anel benzeno. No SNC, a COMT é expressa, primariamente, pelos neurônios. A ação sequencial
da COMT e da MAO degrada a DA ao metabólito estável, o ácido homovanílico (HVA), que é
excretado na urina.
54
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
55
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Ocorre expressão de altos níveis dos receptores D3 no sistema límbico, incluindo o nucleus
accumbens e o tubérculo olfatório. Os receptores D4 foram localizados no córtex frontal, diencéfalo
e tronco encefálico. Os receptores D5 apresentam uma distribuição esparsa e são expressos em
baixos níveis, principalmente, no hipocampo, tubérculo olfatório e hipotálamo.
56
CAPÍTULO 2
Fármacos usados no Sistema Nervoso
Central
57
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
58
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
A bicuculina e a gabazina são antagonistas competitivos que se ligam aos sítios do GABA nos
receptores GABAA. A picrotoxina, derivada de uma planta venenosa, é um inibidor não competitivo
dos receptores GABAA. Todos esses antagonistas do GABAA produzem convulsões epilépticas e são
utilizados, exclusivamente, para pesquisa.
59
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Embora esses fármacos e seus metabólitos ativos estejam ligados às proteínas plasmáticas, eles não
competem com outros fármacos ligados às proteínas. Os benzodiazepínicos são metabolizados por
enzimas do citocromo P450 microssomais hepáticas, especificamente, pela CYP3A4, e, a seguir, são
excretados na urina, na forma de glicuronídios ou metabólitos oxidados.
A segurança relativa dos benzodiazepínicos provém de sua eficácia limitada na modulação dos
receptores GABAA. Os benzodiazepínicos, em altas doses, raramente provocam morte, a não ser que
sejam administrados com outras drogas ou fármacos, como etanol, depressores do SNC, analgésicos
opioides ou antidepressivos tricíclicos. O aumento da depressão do SNC observado com o uso
concomitante de etanol e benzodiazepínicos deve-se a efeitos sinérgicos sobre os receptores GABAA
e à inibição da CYP3A4 mediada pelo etanol. Esse efeito é observado quando o etanol é consumido
rapidamente, diminuindo a depuração dos benzodiazepínicos.
Os locais do SNC afetados pelos barbitúricos são disseminados e incluem a medula espinal, o
tronco encefálico (núcleo cuneiforme, substância negra e sistema de ativação reticular) e o cérebro
(córtex, tálamo e cerebelo). Os barbitúricos reduzem a excitabilidade neuronal, basicamente, ao
aumentar a inibição mediada pelo GABA por meio dos receptores GABAA. A transmissão GABAérgica
intensificada pelos barbitúricos no tronco encefálico suprime o sistema de ativação reticular,
causando sedação, amnésia e perda da consciência. O aumento da transmissão GABAérgica nos
neurônios motores da medula espinal relaxa os músculos e suprime os reflexos. Não foi demonstrada
nenhuma seletividade dos subtipos de receptores GABAA contendo combinações específicas de
subunidades para os barbitúricos. O número de sítios de ligação dos barbitúricos nos receptores
GABAA permanece incerto.
60
etomidato, podem refletir ações em uma única classe de sítios. Quando correlacionadas com a sua
relativa eficácia de potencialização do GABA, as overdoses de benzodiazepínicos de baixa eficácia
são profundamente sedativas, porém raramente perigosas, enquanto a overdose de barbitúricos
pode provocar hipnose profunda ou coma, depressão respiratória e morte, se não for instituída uma
terapia de suporte.
Os barbitúricos afetam não apenas os receptores GABAA, mas também aqueles envolvidos na
neurotransmissão excitatória. Os barbitúricos diminuem a ativação do receptor AMPA pelo
glutamato, reduzindo, assim, tanto a despolarização da membrana quanto a excitabilidade neuronal.
Em concentrações anestésicas, o pentobarbital também diminui a atividade dos canais de Na+
dependentes de voltagem, inibindo a descarga neuronal de alta frequência.
A exemplo dos benzodiazepínicos, os barbitúricos podem ser administrados por via oral ou por via
intravenosa. A administração oral pode estar associada a um metabolismo de primeira passagem
significativo e a uma redução da biodisponibilidade dos fármacos. O metoexital também pode
ser absorvido por via transmucosa. A capacidade de um barbitúrico de atravessar a barreira
hematoencefálica e de penetrar no SNC é determinada, em grande parte, pela sua lipossolubilidade.
Os barbitúricos sofrem extenso metabolismo hepático antes de sua excreção renal. As enzimas do
citocromo P450 que metabolizam os barbitúricos são a CYP3A4, a CYP3A5 e a CYP3A7.
A multiplicidade dos locais de ação dos barbitúricos, somada a sua baixa seletividade e alta
eficácia para potencializar a ativação dos receptores GABAA, contribui para o índice terapêutico
relativamente baixo desses fármacos. Ao contrário dos benzodiazepínicos, os barbitúricos, em altas
doses, podem causar depressão fatal do SNC. Os barbitúricos anestésicos, como o pentobarbital,
têm mais tendência a induzir depressão profunda do SNC do que os anticonvulsivantes como o
fenobarbital.
O etomidato, o propofol e a alfaxalona são fármacos utilizados para indução da anestesia geral.
A exemplo dos barbitúricos, esses anestésicos intravenosos atuam, primariamente, sobre os
receptores GABAA. O etomidato mostra-se particularmente útil durante a indução da anestesia em
pacientes hemodinamicamente instáveis. O propofol constitui o agente mais amplamente utilizado
para indução da anestesia nos Estados Unidos. É utilizado tanto para indução da anestesia em
injeção direta quanto para manutenção por meio de infusão intravenosa contínua. A alfaxalona é
um esteroide neuroativo, raramente utilizado na prática clínica.
61
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Ocorre tolerância aguda ao etanol sem alteração no número de receptores GABAA, entretanto, a
exposição crônica ao etanol altera a expressão das subunidades dos receptores GABAA no córtex
e no cerebelo. As alterações na composição de subunidades dos receptores GABAA podem ser
responsáveis pelas mudanças da função do receptor associadas ao uso crônico de etanol. Outros
mecanismos sugeridos para o desenvolvimento de tolerância ao etanol incluem modificações pós-
tradução dos receptores GABAA ou alterações nos sistemas de segundos mensageiros, como, por
exemplo, alterações nos padrões de expressão de diferentes isoformas da proteinocinase C (PKC). A
suprarregulação da expressão dos receptores NMDA que ocorre com o consumo prolongado de etanol
pode responder pela hiperexcitabilidade associada à abstinência do etanol. Os benzodiazepínicos,
como o diazepam e o clordiazepóxido, reduzem os tremores, a agitação e outros efeitos da abstinência
aguda de álcool. O uso desses medicamentos em um paciente que está apresentando abstinência
por abuso crônico de álcool também pode evitar o desenvolvimento de convulsões por abstinência
(delirium tremens).
Fisiopatologia e farmacologia da
neurotransmissão glutamatérgica
Normalmente, o término da ativação dos receptores de glutamato ocorre pela recaptação do
transmissor por transportadores pré-sinápticos e gliais, difusão do transmissor para fora da fenda
sináptica ou dessensibilização do receptor. Entretanto, conforme descrito adiante, o aumento da
liberação ou a diminuição da recaptação do glutamato em estados patológicos podem resultar em
um ciclo de retroalimentação positiva envolvendo níveis intracelulares aumentados de Ca2+, lesão
62
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
celular e maior liberação de glutamato. Em seu conjunto, esses processos podem levar à ocorrência
de excitotoxicidade, definida como a ocorrência de morte neuronal causada por excitação celular
excessiva.
Figura 15. Interações entre as classes de receptores metabotrópicos, AMPA e NMDA de glutamato.
Doenças neurodegenerativas
A ativação excessiva dos receptores de glutamato pode contribuir para a fisiopatologia de certas
doenças neurodegenerativas, incluindo a esclerose lateral amiotrófica, a demência e a doença de
Parkinson. Na doença de Parkinson, a redução da transmissão dopaminérgica para o estriado
resulta em hiperativação das sinapses glutamatérgicas no SNC. Por conseguinte, a neurotransmissão
glutamatérgica contribui para os sinais clínicos da doença de Parkinson. A amantadina é
um bloqueador não competitivo dos canais dos receptores NMDA, cuja ação é semelhante à da
memantina. Embora a amantadina não seja um tratamento efetivo quando utilizada como único
medicamento, a associação da amantadina com levodopa diminui em 60% a gravidade da discinesia
63
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
observada na doença de Parkinson. Entretanto, não se sabe se esse efeito provém, exclusivamente,
do bloqueio dos receptores NMDA.
Embora o receptor de NMDA altamente permeável ao Ca2+ tenha sido considerado, a princípio,
como o principal fator contribuinte na morte celular neuronal causada pela sobrecarga de Ca2+,
os receptores AMPA também foram implicados no processo. Entretanto, os estudos clínicos
de antagonistas dos receptores NMDA e AMPA em pacientes com acidente vascular cerebral
não foram bem-sucedidos e, em alguns casos, levaram a efeitos semelhantes à esquizofrenia, ao
comprometimento da memória e a reações neurotóxicas. A futura pesquisa farmacológica deverá
ser orientada para o desenvolvimento de fármacos com menos efeitos adversos, como o antagonista
não competitivo dos receptores NMDA, a memantina, ou fármacos dirigidos para subunidades
específicas do complexo de receptores NMDA ou AMPA.
O glutamato liberado durante a lesão cerebral isquêmica ou traumática também pode ativar os
receptores metabotrópicos. Em modelos animais de acidente vascular cerebral, o antagonismo
farmacológico do subtipo de receptor mGluR1 facilita a recuperação e a sobrevida dos neurônios
do hipocampo e, também, impede a perda de memória e perda motora causadas pelo traumatismo.
Esses achados sugerem que a subunidade mGluR1 pode representar outro alvo para intervenção
farmacológica futura.
64
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
Hiperalgesia e epilepsia
A hiperalgesia refere-se a uma percepção elevada de dor por estímulos que, em condições normais,
causam pouca ou nenhuma dor. A hiperalgesia é observada na presença de lesão nervosa periférica,
inflamação, cirurgia e certas doenças, como o diabetes. Embora a hiperalgesia seja, na maioria
dos casos, revertida, uma vez controlada a fisiopatologia de base, ela pode persistir mesmo na
ausência de fonte orgânica identificada, resultando em dor crônica, que é fisicamente incapacitante
e psicologicamente debilitante.
Um mecanismo por meio do qual essa potencialização sináptica ocorre envolve os receptores
NMDA pós-sinápticos que, quando estimulados de modo crônico, parecem aumentar a força das
conexões excitatórias entre neurônios pré-sinápticos e pós-sinápticos nos circuitos de dor espinais.
Os antagonistas experimentais dos receptores NMDA podem impedir e reverter a sensibilização
central nesses pacientes. Entretanto, muitos desses antagonistas também inibem uma ampla gama
de vias sinápticas excitatórias rápidas no SNC. Por esse motivo, o desenvolvimento atual de fármacos
para os receptores NMDA enfoca a administração intraespinal ou extradural de antagonistas dos
receptores NMDA, para limitar os efeitos do fármaco sobre o corno dorsal da medula espinal. A alta
densidade de receptores de cainato nos neurônios sensitivos também pode modular a liberação de
transmissores, proporcionando outro alvo farmacológico futuro para o alívio da dor crônica.
As convulsões podem resultar de uma estimulação excessiva das vias glutamatérgicas, começando
com uma ativação excessiva dos receptores AMPA e progredindo para uma hiperativação dos
receptores NMDA. Em modelos animais, a inibição da ativação dos receptores AMPA impede o
início das convulsões, enquanto os antagonistas dos receptores NMDA diminuem a intensidade
e a duração dessas convulsões. A lamotrigina, um fármaco utilizado no tratamento das crises
parciais complexas refratárias, estabiliza o estado inativado do canal de Na+ regulado por voltagem
e, portanto, diminui a excitabilidade da membrana, o número de potenciais de ação em um surto,
a liberação de glutamato e a ativação dos receptores de glutamato. O felbamato é outro agente
antiepiléptico que possui uma variedade de ações, incluindo inibição dos receptores NMDA. Devido
à ocorrência associada de anemia aplásica e hepatotoxicidade, seu uso é restrito a pacientes com
convulsões refratárias.
65
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
66
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
Os IMAO bloqueiam a desaminação das monoaminas por meio de sua ligação à flavina funcional
da MAO, inibindo-a. Ao inibir a degradação das monoaminas, os IMAO aumentam a 5HT e a NE
disponíveis no citoplasma dos neurônios pré-sinápticos. O aumento dos níveis citoplasmáticos
dessas monoaminas leva não apenas a um aumento na captação e no armazenamento da 5HT e da
NE nas vesículas sinápticas, como também a algum extravasamento constitutivo das monoaminas
na fenda sináptica.
O efeito adverso mais tóxico do uso dos IMAO consiste na toxicidade sistêmica da tiramina.
Como a MAO gastrintestinal e a MAO hepática metabolizam a tiramina, o consumo de alimentos
que contêm a substância, como carnes processadas, queijos envelhecidos e vinho tinto, pode levar a
níveis circulantes excessivos. A tiramina é um simpaticomimético indireto, que tem a capacidade de
estimular a liberação de grandes quantidades de catecolaminas armazenadas por meio de reversão
dos transportadores da recaptação. Essa liberação descontrolada de catecolaminas pode induzir
uma crise hipertensiva, caracterizada por cefaleia, taquicardia, náusea, arritmias cardíacas
e acidente vascular cerebral. Os IMAO mais antigos não são mais considerados como terapia de
primeira linha para a depressão, devido ao potencial de toxicidade sistêmica da tiramina; podem
ser prescritos, apenas, para pacientes capazes de comprometer-se a seguir uma dieta desprovida de
tiramina.
Os IMAO, assim como outros fármacos antidepressivos, podem precipitar episódios maníacos
ou hipomaníacos em alguns pacientes bipolares. Todos os agentes antidepressivos, incluindo os
IMAO, são hidrofóbicos e atravessam a barreira hematoencefálica. São bem absorvidos por via
oral e metabolizados a metabólitos ativos pelo fígado. Subsequentemente, esses metabólitos são
inativados por acetilação. A excreção ocorre, primariamente, através de depuração renal. Os IMAO
mais antigos, de ligação irreversível, são depurados da circulação na forma de complexos com a
MAO e são inativados efetivamente apenas quando uma nova enzima é sintetizada. Devido aos
efeitos extensos do IMAO sobre as enzimas do citocromo P450 do fígado, esses fármacos podem
causar numerosas interações medicamentosas. Todos os membros da equipe médica de um paciente
devem prescrever outros fármacos com cautela quando o paciente estiver em uso de IMAO.
Inibidores da recaptação
O tônus serotoninérgico é mantido no estado de equilíbrio dinâmico por meio do equilíbrio entre
a liberação e a recaptação do transmissor. Assim, os inibidores do transportador da recaptação
de serotonina (SERT) aumentam tipicamente a quantidade de 5HT no espaço extracelular. Esses
fármacos aliviam os sintomas de uma variedade de transtornos psiquiátricos comuns, incluindo
depressão, ansiedade e transtorno obsessivo compulsivo. São utilizadas três classes de inibidores
da recaptação: os antidepressivos tricíclicos (ATC) não seletivos, os inibidores seletivos
da recaptação de serotonina (ISRS) e os inibidores da recaptação de serotonina–
norepinefrina (IRSN) mais recentes. Cada classe é discutida adiante, seguida de uma discussão
dos antidepressivos atípicos que não se enquadram claramente em nenhuma dessas três categorias.
Os ATC devem o seu nome à sua estrutura química comum, que consiste em três anéis que incluem
dois anéis aromáticos fixados a um anel de ciclo-heptano. O protótipo dos ATC é a imipramina,
67
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Os ATC inibem a recaptação da 5HT e NE da fenda sináptica por meio do bloqueio dos
transportadores de recaptação da 5HT e da NE, respectivamente. Esses agentes afetam a recaptação
da DA. O mecanismo molecular da inibição dos transportadores ainda não foi elucidado. Como
o maior tempo de permanência do neurotransmissor na fenda sináptica leva a uma ativação
aumentada dos receptores, os inibidores da recaptação produzem uma intensificação das respostas
pós-sinápticas. Apesar das afinidades amplamente variáveis pelos transportadores da recaptação
de 5HT e de NE, os ATC são acentuadamente semelhantes na sua eficácia clínica. Os ATC também
são úteis no tratamento das síndromes de dor e, com frequência, são utilizados para essa indicação
em doses mais baixas do que aquelas necessárias para produzir efeitos antidepressivos. Mostram-
se particularmente úteis no tratamento da enxaqueca, de outros distúrbios de dor somática e na
síndrome da fadiga crônica.
O perfil de efeitos adversos dos ATC resulta de sua capacidade de ligação a diversos canais de
receptores, além de seus alvos terapêuticos. Os efeitos adversos mais perigosos dos ATC envolvem o
sistema cardiovascular. Os ATC parecem afetar os canais de sódio de modo semelhante à quinidina.
Os efeitos colaterais dos ATC semelhantes aos da quinidina incluem atraso potencialmente letal da
condução, como bloqueio atrioventricular de primeiro grau e bloqueio de ramo. Por conseguinte, os
ATC devem ser sempre prescritos com cautela a pacientes com risco de tentativa de suicídio. Deve-
se efetuar um ECG para excluir qualquer possibilidade de doença do sistema de condução antes de
administrar ATC.
Os ATC também podem atuar como antagonistas nos receptores muscarínicos (colinérgicos),
histamínicos, adrenérgicos e dopamínicos. Os efeitos anticolinérgicos são mais proeminentes e
consistem em sintomas típicos de bloqueio dos receptores muscarínicos de acetilcolina: náusea,
vômitos, anorexia, boca seca, visão turva, confusão, constipação, taquicardia e retenção urinária.
Os efeitos anti-histaminérgicos incluem sedação, ganho de peso e confusão (no idoso). Os efeitos
antiadrenérgicos consistem em hipotensão ortostática, taquicardia reflexa, sonolência e tonteira.
A hipotensão ortostática constitui um risco particularmente significativo em pacientes idosos e,
nesses indivíduos, é necessário proceder a uma cuidadosa monitorização. Por fim, os ATC também
podem precipitar mania em pacientes com transtorno afetivo bipolar.
Em 1987, o tratamento da depressão foi revolucionado com a introdução dos inibidores seletivos
da recaptação de serotonina (ISRS). O primeiro ISRS introduzido foi a fluoxetina, que
continua sendo um dos ISRS mais largamente prescritos. Outros ISRS incluem o citalopram, a
fluvoxamina, a paroxetina, a sertralina e o escitalopram. Embora a eficiência dos ISRS seja
semelhante a dos ATC no tratamento da depressão, tornaram-se os agentes de primeira linha para o
tratamento da depressão, bem como para a ansiedade e o transtorno obsessivo compulsivo, devido
à sua maior seletividade e perfil reduzido de efeitos adversos. Os ISRS também são utilizados no
68
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
tratamento das síndromes do pânico, transtorno obsessivo compulsivo e transtorno de estresse pós-
traumático.
Os ISRS assemelham-se aos ATC quanto a seu mecanismo de ação, com a exceção de que os ISRS
são significativamente mais seletivos para os transportadores da 5HT. A inibição da recaptação
de serotonina aumenta os níveis sinápticos de serotonina, produzindo aumento de ativação do
receptor de 5HT e intensificação das respostas pós-sinápticas. Em baixas doses, acredita-se que
os ISRS se ligam, primariamente, aos transportadores de 5HT, ao passo que, em doses mais altas,
perdem essa seletividade e ligam-se, também, aos transportadores de NE. Apesar de suas estruturas
químicas amplamente variáveis, os ISRS possuem eficácia clínica semelhante a dos ATC e entre si.
Por conseguinte, a escolha de um fármaco, frequentemente, depende de certas questões, como custo
e tolerabilidade dos efeitos adversos. Além disso, devido à variabilidade das respostas singulares
dos pacientes a cada antidepressivo, pode ser necessário que um paciente utilize mais de um ISRS
para encontrar o fármaco mais efetivo.
Como os ISRS são mais seletivos do que os ATC em doses clinicamente efetivas, apresentam
um número bem menor de efeitos adversos. Os ISRS carecem de cardiotoxicidade significativa
e não apresentam ligação tão ávida aos receptores muscarínicos (colinérgicos), histamínicos,
adrenérgicos e dopamínicos. Em consequência, os ISRS são, em geral, mais bem tolerados do que
os ATC. A seletividade aumentada dos ISRS também significa que esses agentes possuem maior
índice terapêutico do que os ATC. Isso representa um importante aspecto no paciente deprimido,
que pode tentar cometer suicídio pela overdose intencional de sua medicação.
Todavia, os ISRS não são totalmente desprovidos de efeitos adversos. Todos os ISRS podem provocar
certo grau de disfunção sexual. Outro efeito adverso comum consiste em distúrbio gastrintestinal; a
sertralina está mais frequentemente associada com diarreia, enquanto a paroxetina está associada
com constipação. Um efeito adverso mais grave observado com o uso dos ISRS é a síndrome da
serotonina, caracterizada por elevação rara, porém perigosa, da 5HT, que pode ocorrer com a
administração simultânea de um ISRS e de um inibidor da monoamina oxidase (IMAO). As
manifestações clínicas da síndrome da serotonina consistem em hipertermia, rigidez muscular,
mioclonus e flutuações rápidas do estado mental e dos sinais vitais. Os ISRS também podem causar
vasoespasmo em uma pequena percentagem de pacientes. Por fim, a exemplo dos ATC e dos IMAO,
os ISRS podem causar uma mudança de depressão para mania ou hipomania em pacientes com
transtorno bipolar. O mecanismo da mudança da depressão para a mania ou hipomania, induzida
pelos ISRS, permanece desconhecido.
69
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Acredita-se que a enxaqueca seja precipitada por vasodilatação cerebral, com ativação subsequente
das fibras pequenas para a dor. Foi constatado que uma classe de agonistas seletivos da serotonina
(agonistas 5HT1) é particularmente efetiva no tratamento da enxaqueca, presumivelmente, devido
a seus potentes efeitos vasoconstritores. A sumatriptana é o protótipo do agonista do 5HT1DR
desse grupo, coletivamente conhecido como triptanas e que, também, inclui a rizatriptana, a
almotriptana, a frovatriptana, a eletriptana e a zolmitriptana.
Os antagonistas dos receptores da serotonina são fármacos cada vez mais importantes em terapia. A
exemplo de muitos ligantes de receptores, esses antagonistas exibem graus variáveis de seletividade
para subtipos de receptores e, com frequência, apresentam reação cruzada com receptores
adrenérgicos, histamínicos e muscarínicos. Essa propriedade é vantajosa em alguns casos (por
exemplo, antipsicóticos atípicos), mas também pode limitar sua utilidade clínica, devido a efeitos
adversos intoleráveis. A cetanserina é um antagonista do 5HT2A/2CR, com considerável atividade
α-adrenérgica. Reduz a pressão arterial em grau semelhante ao dos bloqueadores β e tem sido
utilizada, topicamente, para reduzir a pressão intraocular no glaucoma.
70
anos, porém a evolução da doença leva, finalmente, a uma crescente dificuldade no controle desses
sintomas. Além disso, algumas manifestações da doença de Parkinson não respondem bem às
medicações atuais, particularmente, o comprometimento cognitivo e a demência que caracterizam
os estágios avançados da doença e que resultam da extensão do processo mórbido do sistema
dopaminérgico para outras áreas do cérebro. A meta de grande parte da pesquisa atual consiste
em desenvolver tratamentos neuroprotetores e neurorrestauradores, capazes de retardar ou
eliminar a necessidade de tratamento sintomático e evitar as complicações tardias da doença.
Precursores da dopamina
A levodopa foi utilizada, pela primeira vez, no tratamento da doença de Parkinson, há mais de 30
anos, e continua sendo o tratamento mais efetivo para a doença. A própria DA não é apropriada,
visto que é incapaz de atravessar a barreira hematoencefálica. Entretanto, o precursor imediato
da DA, a l-DOPA (levodopa), é rapidamente transportado através da barreira hematoencefálica.
Uma vez no SNC, a l -DOPA é convertida em dopamina pela enzima AADC. Por conseguinte, a l
-DOPA deve competir com outros aminoácidos neutros pelo seu transporte por meio da BHE, e a
sua disponibilidade no SNC pode ser comprometida por refeições recentes de proteína.
A levodopa administrada por via oral é rapidamente convertida em dopamina, pela AADC, no trato
gastrintestinal. Esse processo metabólico diminui a quantidade de levodopa capaz de alcançar a
barreira hematoencefálica para o seu transporte no SNC e, também, aumenta os efeitos adversos
periféricos que resultam da geração de dopamina na circulação periférica (predominantemente
náusea, devido à ligação dessa dopamina aos receptores de dopamina na área postrema). Quando a
levodopa é administrada isoladamente, apenas 1% a 3% da dose administrada alcança o SNC em sua
forma inalterada. Para reforçar os níveis de levodopa disponíveis para o cérebro e reduzir os efeitos
adversos do metabolismo periférico da levodopa, ela é quase sempre administrada em combinação
com carbidopa, um inibidor da AADC (Figura 16). A carbidopa impede efetivamente a conversão
da levodopa em DA na periferia. O aspecto importante é que, como a carbidopa não é capaz de
atravessar a barreira hematoencefálica, ela não interfere na conversão da levodopa em DA no SNC.
A carbidopa aumenta a fração da levodopa administrada por via oral disponível no SNC de 1% a 3%
(na ausência de carbidopa) para 10% (com carbidopa), permitindo uma redução significativa na
dose de levodopa e uma diminuição na incidência de efeitos adversos periféricos.
71
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Figura 16. Efeitos da carbidopa, dos inibidores da COMT e dos inibidores da MAOB sobre o metabolismo periférico
e central da levodopa.
O efeito adverso mais profundo da levodopa consiste na sua tendência a causar discinesias, ou
movimentos rítmicos incontroláveis da cabeça e do tronco. Esses movimentos aparecem em pelo
menos metade de todos os pacientes dentro de 5 anos após o início do fármaco e, em geral, agravam-
se com a evolução da doença. À semelhança do fenômeno de “liga/desliga” ou de intermitência,
as discinesias estão habitualmente associadas à dose de levodopa, ocorrendo nos momentos de
concentração plasmática máxima de levodopa. Por conseguinte, as discinesias também podem ser
controladas, inicialmente, pelo uso de doses menores de levodopa a intervalos mais frequentes.
Infelizmente, à medida que a doença evolui, o tratamento contínuo leva a um agravamento das
discinesias e do fenômeno de intermitência, a ponto de que ambos estão quase sempre presentes.
A principal limitação ao uso dos agonistas dos receptores de dopamina consiste na sua tendência
a induzir efeitos adversos indesejáveis. Isso se aplica, particularmente, aos derivados do esporão
do centeio mais antigos, a bromocriptina e a pergolida. Ambos os fármacos podem causar náusea
72
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
significativa, edema periférico e hipotensão. Os agonistas da dopamina mais recentes, que não são
derivados do esporão do centeio, o pramipexol e o ropinirol, têm menos tendência a produzir esses
efeitos adversos; em consequência, esses fármacos são utilizados com muito mais frequência do que
os derivados do esporão do centeio. Todos os agonistas da dopamina também podem produzir uma
variedade de efeitos colaterais cognitivos, incluindo sedação excessiva, sonhos vívidos e alucinações.
Uma terceira estratégia que vem sendo utilizada no tratamento da doença de Parkinson envolve a
inibição da degradação da DA. Os inibidores, tanto da MAO-B (a isoforma da MAO que predomina
no estriado) quanto da COMT, têm sido utilizados como adjuvantes da levodopa na prática clínica.
A selegilina é um inibidor da MAO que, em doses baixas, é seletiva para a MAO-B. Não interfere
no metabolismo periférico das monoaminas pela MAO-A e evita os efeitos tóxicos da tiramina
de origem dietética e de outras aminas simpaticomiméticas associadas ao bloqueio não seletivo
da MAO. Uma desvantagem da selegilina é o fato de que esse fármaco forma um metabólito
potencialmente tóxico, a anfetamina, que pode causar insônia e confusão, particularmente, no
indivíduo idoso. A rasagilina, um inibidor mais recente da MAO-B que não forma metabólitos
tóxicos, foi, recentemente, aprovada nos Estados Unidos. Tanto a rasagilina quanto a selegilina
melhoram a função motora na doença de Parkinson quando utilizadas isoladamente, e ambas
podem aumentar a eficiência do tratamento com levodopa.
73
CAPÍTULO 9
Fisiopatologia e terapêutica
farmacológica dos principais
transtornos neurológicos
Depressão
O termo depressão é usado, comumente, para descrever uma relação humana normal diante de
uma perda importante. Outras vezes, representa, simplesmente, um sentimento de tristeza. Em
Psiquiatria, porém, a depressão consiste em um transtorno do humor e representa uma síndrome com
sintomas e sinais bem definidos, ou seja, é uma doença médica como outra qualquer. Os transtornos
do humor caracterizam-se por uma alteração fixa do humor que influencia profundamente o
pensamento e o comportamento. Na doença depressiva, observa-se um rebaixamento persistente
do humor. (SCIPPA; OLIVEIRA, 2006)
74
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
(2003), a depressão nos idosos está associada a um declínio funcional, maior risco de hospitalização
e maior mortalidade por outras condições médicas ou por suicídio.
Uma classificação de doenças pode ser definida como um sistema de categorias atribuídas a entidades
mórbidas segundo algum critério estabelecido. Existem vários eixos possíveis de classificação e
aquele que vier a ser selecionado dependerá do uso das estatísticas elaboradas. Uma classificação
estatística de doenças precisa incluir todas as entidades mórbidas dentro de um número manuseável
de categorias. (DATASUS, 1993)
O manual de classificação das doenças mentais (DSM) foi elaborado pelos psiquiatras da Associação
de Psiquiatria Norte-americana, independentemente da classificação elaborada pela Organização
Mundial de Saúde (OMS), o CID. Esse manual de diagnósticos passou a tomar importância a partir
da 3a edição, na qual foi adotada uma postura descritiva das doenças (fenomenológica) sem qualquer
conotação etiológica ou explicativa, restringindo-se ao trabalho de descrever os sintomas e agrupá-
los em síndromes. Essa opção permitiu grandes avanços na psiquiatria a partir de então. Primeiro,
passou-se a obter maior confiabilidade de diagnóstico, ou seja, psiquiatras provenientes de diversas
regiões, ao entrevistarem os mesmos pacientes, conseguiam chegar ao mesmo diagnóstico, tarefa
aparentemente banal, mas que não se conseguia fazer antes do DSM-III. Com essa taxonomia
psiquiátrica, as pesquisas tornaram-se mais precisas, a indicação das medicações mais acertadas,
o prognóstico mais previsível. O DSM-IV representa uma evolução do DSM-III. (AMERICAN
PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2000)
Segundo os critérios do CID-10, nos episódios depressivos típicos de cada um dos três graus de
depressão (leve, moderado ou grave), o paciente apresenta rebaixamento do humor, redução da
energia e diminuição da atividade. Existe alteração da capacidade de experimentar o prazer, perda
de interesse, diminuição da capacidade de concentração, associadas, geralmente, à fadiga, mesmo
após um esforço mínimo. Observam-se, também, problemas com o sono e diminuição do apetite.
Existe, quase sempre, uma queda da autoestima e da autoconfiança e, frequentemente, ideias de
75
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
culpabilidade e ou de indignidade, mesmo nas formas leves. O humor depressivo varia pouco de
dia para dia ou segundo as circunstâncias e pode se acompanhado de sintomas ditos “somáticos”,
por exemplo, perda de interesse ou prazer, despertar matinal precoce, agravamento matinal da
depressão, lentidão psicomotora importante, agitação, perda de apetite, perda de peso e perda
da libido. O número e a gravidade dos sintomas permitem determinar três graus de um episódio
depressivo: leve, moderado e grave.
Os estudos conduzidos revelaram que o principal mecanismo de ação da reserpina consistia em inibir
o armazenamento neuronal de neurotransmissores amínicos, como a serotonina e a noradrenalina.
A reserpina induzia depressão e provocava depleção das reservas desses neurotransmissores
amínicos; em consequência, foi deduzido que a depressão deveria estar associada a uma diminuição
da transmissão sináptica funcional dependente de aminas (POTTER; HOLLISTER, 2008). A
descoberta da possibilidade do tratamento da depressão com drogas que eram utilizadas para
outras finalidades (imipramina – derivada de drogas anti-histamínicas; e iproniazida – derivada
das drogas para o tratamento da tuberculose) forneceu a primeira ideia das modificações químicas
envolvidas na regulação dos sintomas depressivos (NESTLER et al., 2002). A sugestão de um papel
importante desses neurotransmissores também se baseou na observação de que todos os agentes
antidepressivos promovem um aumento na disponibilidade de noradrenalina e serotonina, por
inibir sua recaptação ou por inibir a sua degradação, conforme a Figura 17. (LAFER; FILHO, 1999).
76
Figura 17. Fendas sinápticas serotoninérgica e noradrenérgica após o tratamento com antidepressivos. Em azul,
observa-se a serotonina e, em rosa, a noradrenalina, ambas sendo liberadas pelo neurônio pré-sináptico. É
possível verificar um aumento na quantidade de neurotransmissores na fenda sináptica decorrente da inibição da
recaptação destes.
Fonte: <http://www.sosdepressao.com.br>.
Assim, inicialmente, sugeriu-se que a depressão seria decorrente de uma diminuição dessas
monoaminas. Essa ideia forneceu a base daquilo que passou a ser conhecido como hipótese amina
(ou hipótese aminérgica ou, ainda, hipótese monoaminérgica) da depressão. Essa hipótese forneceu
os principais modelos experimentais para a descoberta de novos fármacos antidepressivos. Em
consequência, todos os fármacos antidepressivos atualmente disponíveis, à exceção da bupropiona,
são classificados de acordo com suas ações primárias sobre o metabolismo, a recaptação ou
o antagonismo seletivo dos receptores de serotonina, noradrenalina ou ambas. (POTTER;
HOLLISTER, 2008)
77
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Entre os efeitos adversos apresentados por essa classe de medicamentos, Baldessarini (1996) afirma
que respostas autônomas adversas são frequentes, devido aos efeitos antimuscarínicos, como
boca seca, desconforto epigástrico, constipação, tontura, taquicardia, palpitações, visão borrada
78
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
Moreno, Moreno e Soares (1999), destacam que os efeitos adversos mais importantes desses
medicamentos são: hipotensão ortostática, tremores, excitação, secura da boca, visão obscurecida,
distúrbios do sono, disúria, ganho de peso e convulsões em doses excessivas. Scalco (2002) afirma
que podem, também, causar crises hipertensivas por interação com tiramina de alimentos e
medicamentos simpatomiméticos.
De acordo com Scalco (2002), os antidepressivos atípicos formam um grupo heterogêneo, pois
possuem ações que não se enquadram nas teorias monoaminérgicas das doenças afetivas. Não
possuem mecanismo de ação comum e atuam, principalmente, como antagonistas não seletivos
dos receptores pré-sinápticos (RANG et al., 2003). Bahls, Carvalho e Boeving (2007) destacam que
alguns deles aumentam a transmissão noradrenérgica por meio do antagonismo de receptores a2
(pré-sinápticos) no Sistema Nervoso Central, ao mesmo tempo em que modulam a função central
da serotonina por interação com os receptores 5-HT2 e 5-HT3, como é o caso da mirtazapina.
As principais reações adversas dessas drogas são: náuseas, tontura, sonolência, tremor, agitação,
aumento da pressão arterial, taquicardia, boca seca, constipação, retenção urinária e sudorese
(MORENO; MORENO; SOARES, 1999). Scalco (2002) afirma, também, que algumas dessas drogas
costumam reduzir a sensibilidade dos receptores beta-adrenérgicos, inclusive após administração
aguda, o que pode sugerir um início de efeito clínico mais rápido.
79
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
De acordo com Melo (2007), uma nova classe de agentes terapêuticos está sendo introduzida:
os inibidores de dupla recaptura, também chamados de inibidores da recaptura de serotonina e
noradrenalina (IRSN). A designação “inibidores de dupla recaptura” pode causar confusão, porque
muitos agentes apresentam ações farmacológicas duplas, incluindo a inibição da recaptura de
5-HT e NA. O que torna única a venlafaxina, o protótipo desse grupo de IRSN, é que ela apresenta
as propriedades de inibição da recaptura de NA e 5-HT (e, em menor intensidade, DA) dos ADT
clássicos, porém sem as propriedades de bloqueio dos receptores α1, colinérgicos ou histaminérgicos.
Dependendo da dose, a venlafaxina apresenta diferentes graus de inibição da recaptura de 5-HT
(mais potente e presente em baixas doses), da recaptura de NA (potência moderada e presente em
altas doses) e da recaptura de DA (menos potente e presente em doses máximas).
Embora bem documentados como antidepressivos eficazes, ainda não se sabe, ao certo, se os IRSN
apresentam vantagens sobre os ISRS em termos de eficácia ou efeitos colaterais. Teoricamente, a
adição do bloqueio da recaptura de NA (e, em menor intensidade, DA) ao bloqueio da recaptura de
5-HT poderia aumentar sua eficácia, em comparação com os ISRS. Assim, ainda não está comprovado
se a administração do bloqueador de dupla recaptura é ou não equivalente à administração
simultânea de um ISRS e bupropiona. (CIGOGNINI; FURLANETTO, 2006)
Porém, um grande enigma na aplicação da “hipótese amina da depressão” era o fato de que, embora
as ações farmacológicas dos antidepressivos sejam imediatas, seus efeitos terapêuticos só são
observados após duas a seis semanas de tratamento. Assim, tem-se sugerido que modificações mais
complexas nos diversos subtipos de receptores noradrenérgicos e serotonérgicos estejam envolvidas
na fisiopatologia da depressão. (GUIMARÃES, 1998; MAES; MELTZER, 1994; LAFER; FILHO,
1999; POTTER; HOLLISTER, 2008)
Procurou-se explicar essa observação com base nas respostas compensatórias lentas ao bloqueio
inicial da recaptação de aminas ou da inibição da monoaminoxidase. Há evidências crescentes
da ocorrência de alterações na regulação pré-sináptica da liberação dos neurotransmissores: os
autorreceptores pré-sinápticos respondem a um aumento do transmissor sináptico por meio de
80
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
Ansiedade
Introdução
Todo mundo tem medo e ansiedade. O medo é uma resposta emocional, fisiológica e comportamental
a uma ameaça externa definida (por exemplo, um intruso ou um veículo descontrolado). A ansiedade
é um estado emocional desagradável que possui uma causa menos clara e, frequentemente, é
acompanhada por alterações fisiológicas e comportamentais similares àquelas causadas pelo medo.
Devido a essas semelhanças, as pessoas comumente utilizam os termos ansiedade e medo de modo
indistinto. A ansiedade é uma resposta ao estresse como, por exemplo, o rompimento de uma
relação importante ou a exposição a um desastre potencialmente letal.
A capacidade de tolerar a ansiedade varia muito e, por isso, muitas vezes é difícil de determinar o que
significa “ansiedade anormal”. No entanto, quando ela ocorre em momentos inadequados ou é tão
intensa e duradoura que chega a interferir nas atividades normais, ela será, então, adequadamente
81
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
considerada como um distúrbio. Os distúrbios da ansiedade podem ser tão angustiantes e interferir
de tal maneira na vida do indivíduo que podem levá-lo à depressão.
82
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
83
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Sabe-se que há um significativo componente genético na maneira com a qual os circuitos da ansiedade
se desenvolvem. Estudos com gêmeos humanos sugerem que de 30% a 40% da variabilidade em
transtornos de ansiedade generalizada pode se dever a fatores genéticos (HETTEMA et al., 2001;
SULLIVAN et al., 2000). Existem resultados de estudos genéticos que apontam para ligação entre
transtornos do pânico e genes do cromossomo 16 sem, todavia, excluir a participação de fatores
ambientais.
84
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
Para ser considerado um ansiolítico, uma droga deve aliviar os sentimentos de tensão e preocupação
e sinais de estresse que são típicos do indivíduo ansioso. Drogas que aliviam a ansiedade,
frequentemente, também produzem um estado calmo e relaxado, com tontura e turvação mental,
incoordenação, e tempo de reação prolongado. Em altas doses, essas drogas também induzem o
sono. Elas são, assim, chamadas algumas vezes hipnóticas. Em altas doses, os depressores do SNC
induzem ao coma e à morte, porém até mesmo em doses terapêuticas elas podem ser fatais, se
combinadas com outras drogas.
Barbitúricos
Os barbitúricos foram, essencialmente, substituídos pelos benzodiazepínicos no tratamento dos
transtornos de ansiedade. Assim como os benzodiazepínicos, os barbitúricos aumentam a afinidade
do receptor GABAA pelo GABA; porém, eles aumentam a duração da abertura dos canais de cloreto
ativados pelo GABA, ao invés do número de aberturas, como os BZD o fazem. Além de aumentar a
ação do GABA no receptor, os barbitúricos também abrem diretamente o canal de Cl- sem o GABA.
Essa ação adicional pode explicar o motivo pelo qual os barbitúricos podem ser letais enquanto os
BZD não são.
Efeitos colaterais: apesar de rapidamente induzirem o sono, ele não é normal. Eles alteram
a arquitetura do sono, reduzindo a quantidade de sono REM (movimento rápido dos olhos) e
causando um rebote no REM após a retirada. Em segundo lugar, os efeitos ansiolíticos dessas drogas
são acompanhados por efeitos colaterais cognitivos pronunciados, incluindo turvação mental,
perda de julgamento e diminuição dos reflexos. Altas doses também levam à intoxicação, ao andar
cambaleante, à fala arrastada e ao pensamento prejudicado. Coma e morte devido à depressão
respiratória ocorrem com 10 a 20 vezes a dose terapêutica normal. Essas drogas são extremamente
perigosas quando combinadas com o álcool. Em terceiro lugar, o uso repetido de barbitúricos
aumenta o número de enzimas microssomais hepáticas. Esse aumento acelera o metabolismo da
droga, produzindo diminuição nos níveis sanguíneos (tolerância metabólica) e redução da eficácia.
Uma vez que as mesmas enzimas hepáticas metabolizam muitas outras drogas, a tolerância cruzada
diminui, também, a eficácia de outras drogas. Em quarto lugar, os barbitúricos produzem uma
dependência física significante e potencial para o abuso.
85
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Benzodiazepínicos
O primeiro benzodiazepínico (BZD) a ser introduzido foi o clordiazepóxido. Ele representou o
primeiro ansiolítico verdadeiro sem produzir sedação excessiva. Ele apresenta baixa incidência de
tolerância, uma síndrome de retirada menos grave que os barbitúricos, e um índice terapêutico
bem seguro. Como já dito, os BZD têm sítios de ligação como parte do complexo receptor GABAA e
potencializam os efeitos inibitórios do GABA. Quando os BZD se ligam ao seu receptor no complexo
GABAA, eles potencializam os efeitos do GABA, aumentando o número de vezes que o canal
abre. Porém, na ausência de GABA, os benzodiazepínicos não têm efeito na abertura do canal de
Cl-. Aparentemente, a presença de BZD altera o estado físico dos receptores e, então, o GABA abre
os canais mais facilmente. Como é de se esperar, a adição do antagonista competitivo flumazenil
impede a potencialização da ação do GABA induzida por BZD, mas não afeta a hiperpolarização
induzida por GABA. Em contraste, a adição de antagonistas GABAérgicos impede o GABA de abrir
o canal, e a presença de um benzodiazepínico não tem efeito adicional.
Efeitos Colaterais: são muito diferentes daqueles observados com os BZD. Não causam nem
incoordenação motora, e não foram relatados efeitos de abstinência. Seus principais efeitos
colaterais consistem em náusea, vertigens, cefaleia e inquietação que, geralmente, parecem ser
menos incômodos do que os efeitos colaterais dos benzodiazepínicos.
86
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
Epilepsia
As crises epilépticas têm causado fascínio e infortúnio à humanidade desde a Antiguidade.
Acreditava-se que os indivíduos eram possuídos por espíritos maléficos ou havia poderes especiais.
Mesmo recentemente, o diagnóstico da doença traz consigo um estigma social que pode afetar todos
os aspectos da vida cotidiana, como dirigir, conseguir um emprego e oportunidades educacionais.
A epilepsia é um transtorno neurológico crônico e recorrente, que atinge cerca de 1% da população
mundial. O que caracteriza uma ocorrência de natureza epiléptica é a presença de crises súbitas e
espontâneas, associadas à descarga anormal, excessiva e transitória de células nervosas.
O local da descarga e sua extensão são fatores determinantes da sintomatologia clínica apresentada,
podendo variar desde uma perda de consciência de poucos segundos até crises de duração
prolongada. Não são conhecidas as causas da epilepsia, embora esta possa se desenvolver após
infarto cerebral, tumor, infecção, trauma ou doença degenerativa. Há diferentes tipos de crises
epilépticas, por isso, é importante atentar à classificação para escolha do tratamento. Os fármacos
disponíveis atualmente permitem um controle satisfatório das crises em torno de 70% a 75%.
A crise parcial simples pode ocorrer em qualquer parte do corpo, decorrente da descarga excessiva
originada no córtex contralateral. As complexas também são conhecidas como crises do lobo temporal
87
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
ou psicomotoras. Uma crise parcial pode evoluir para uma generalizada (crise secundariamente
generalizada). As crises generalizadas envolvem ambos os hemisférios cerebrais e não têm início
focal. As principais categorias são as crises de ausência, que causam pequeno mal e são comuns em
crianças, e as tônico-clônicas, que causam grande mal e provocam contração de toda a musculatura
(fase tônica) seguida por abalos musculares (fase clônica).
Quadro 4. Classificação simplificada das crises epilépticas segundo a Liga Internacional Contra a Epilepsia (1981).
1. Crises Parciais
a) Crises simples
b) Crises Complexas
c) Crises Parciais Evoluindo para Generallizadas
2. Crises Generalizadas
a) Ausência (Pequeno Mal)
b) Mioclônicas
c) Clônicas
d) Tônicas
e) Tônico-Clônicas (Grande Mal)
f) Atônicas
g) Formas combinadas
3. Crises não Classificadas
Por meio de registros intracelulares, foi demonstrado, em 1963, que o grupo de neurônios no qual
tem origem a descarga epiléptica exibe um comportamento elétrico incomum, denominado “desvio
despolarizante paroxístico” (PDS, paroxysmal depolarising shift), durante o qual o potencial de
membrana fica despolarizado alguns segundos antes de retornar ao normal.
88
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
Quadro 5. Principais drogas utilizadas no tratamento dos diferentes tipos de crises epilépticas, mecanismo de
ação e efeitos colaterais.
Esquizofrenia
Características
Psicose é um termo frequentemente confundido e erroneamente utilizado para designar doenças
mentais que envolvam assassinos psicóticos, ou psicóticos violentos, ou, ainda, um termo pejorativo
de louco. Psicose, na verdade, pode ser considerada como um conjunto de sintomas em que a
capacidade mental, as respostas afetivas, a capacidade de reconhecer a realidade, de se comunicar
e de se relacionar com outros está prejudicada. A esquizofrenia é a mais comum e a mais conhecida
das doenças psicóticas e, hoje, é tratada no meio da saúde como sinônimo de psicose. (STAHL,
2008)
O nome esquizofrenia é um dos termos psicológicos de uso mais inadequado. Essa palavra significa,
literalmente, “mente dividida”, mas não subentende uma divisão ou múltiplas personalidades. Na
verdade Eugen Bleuer (1911-1950), o homem que o criou, usou esse termo se referenciando a uma
ruptura com a realidade, causada por uma desorganização de várias funções da mente, de tal modo
que os pensamentos e os sentimentos não trabalhassem mais juntos normalmente.
Descrições encontradas em escritos indicam que esse distúrbio existe há milhares de anos (JESTE et
al., 1985). A esquizofrenia afeta cerca de 1% da população (homens e mulheres igualmente), sendo
89
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
frequente seu início entre a adolescência (± 13 anos) e a juventude (± 25 anos). Seus principais
sintomas, listados a seguir, são universais e, assim, foram criados critérios para diagnosticar
fidedignamente esse distúrbio:
90
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
Ao contrário dos sintomas positivos, os sintomas negativos são caracterizados pela ausência de
comportamentos normais. Ausência de respostas emocionais, pobreza de discurso, falta de iniciativa
e persistência, incapacidade de vivenciar prazer e isolamento social. Destaca-se que vários desses
sintomas não são exclusivos da esquizofrenia.
Além dos sintomas positivos e negativos, são verificadas alterações de ordem cognitiva, como
dificuldade para aprender, de memorização, déficit de atenção, além de alterações afetivas, como
afeto inapropriado e ideias de suicídio. O conjunto de sintomas leva a um impacto na vida e no
desempenho global do indivíduo.
Etiologia
A esquizofrenia, não é causada por um único fator. Os pesquisadores de diversas áreas fizeram uma
abordagem integrada, levando-se em consideração fatores anatômicos, neuroquímicos e funcionais.
É uma patologia que possui um forte componente genético que faz com que o indivíduo esteja mais
suscetível a fatores ambientais que tornam essas pessoas mais vulneráveis. (MEYER; QUENZER,
2005)
91
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
disso, foi constatado que as células hipocampais de pacientes esquizofrênicos parecem ser mais
“desorganizadas” que as de pacientes saudáveis.
A maioria ainda apresenta disfunções no controle da atividade motora dos olhos, tendo dificuldade,
por exemplo, de seguir visualmente um objeto em movimento. Também foram detectadas alterações
de ordem eletroencefalográfica. Geralmente, pacientes saudáveis, quando são estimulados a realizar
uma determinada tarefa (sensorial ou motora), apresentam estímulos que são localizados em áreas
específicas do córtex. Em pacientes esquizofrênicos, são verificados estímulos elétricos que se
espalham pelo cérebro quando são submetidos às mesmas tarefas.
A esquizofrenia é uma patologia que tem um forte componente genético. Os estudos mostram que
se levando em conta que, aproximadamente, 1% da população pode apresentar a doença, se houver
um parentesco de 2o grau, as chances aumentariam para 2% a 6%. Com parentesco de 1o grau, 6% a
17%; gêmeos dizigóticos 17%; mãe e pai, 45%; e gêmeos monozigóticos cerca de 50%.
Pesquisadores acreditam que grande parte dos casos de esquizofrenia surja devido a erros no
desenvolvimento encefálico (podendo ser de causa genética ou não). Fatores ambientais podem
influenciar fortemente o correto desenvolvimento do cérebro. Além disso, fatores como o uso
de drogas durante a gestação, privação de oxigenação (durante a gravidez ou ao nascimento) e
exposição da mãe a infecções virais até o terceiro mês de gestação (gripe, por exemplo) podem ser
fatores que, no futuro, favoreçam o indivíduo a desenvolver a doença.
Achados farmacológicos indicaram que existe uma forte correlação entre o neurotransmissor
dopamina e a esquizofrenia. Constatou-se, por exemplo, que o uso crônico de anfetamina (um
bloqueador da recaptação dopaminérgica) poderia levar ao desenvolvimento de uma psicose
anfetamínica com sintomas muito semelhastes aos da esquizofrenia. Esquizofrênicos, quando
fazem uso de cocaína ou anfetamina, podem apresentar surtos em função do uso da droga. Assim,
surgiu a hipótese dopaminérgica da esquizofrenia.
Especificamente, as hipóteses são que os sintomas positivos estão diretamente correlacionados com
o mau funcionamento dos circuitos mesolímbicos, especialmente, aquele envolvido com o núcleo
accumbens (STAHL, 2008). O núcleo accumbens é uma estrutura que faz parte da circuitaria da
recompensa cerebral. Isso faz com que o esquizofrênico, geralmente, apresente problemas em
situações que envolvem recompensa e motivação. Outra região que está fortemente envolvida
com a esquizofrenia é o córtex pré-frontal. As pesquisas indicam que o mau funcionamento da
via meso-cortical ventromedial do córtex está fortemente envolvido com os sintomas negativos
da esquizofrenia. As vias dopaminérgicas mesolímbica e mesocortical podem ser visualizadas na
Figura 20.
92
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
Já os sintomas positivos são causados por uma hiperatividade da via mesolímbica, levando a
um aumento da liberação de dopamina, principalmente, do núcleo accumbens. Destaca-se que
somente um aumento moderado da liberação de dopamina não seria suficiente para desencadear os
sintomas. Geralmente, os sintomas positivos só aparecem quando o sujeito é exposto a uma situação
estressante, privação de sono, ou utiliza um psicoestimulante, potencializando (um ou mais desses
fatores) a hiperatividade mesolímbica, que, então, desencadeia os sintomas positivos.
Farmacologia
A terapia para o tratamento das psicoses é bastante antiga. Na maior parte das vezes, as pessoas
eram internadas em manicômios e eram consideradas malucas. Eram submetidas a tratamentos
como a eletroconvulsoterapia ou, então, posteriormente, a fármacos que se mostravam eficazes
inicialmente, mas, em longo prazo, não. Resultados significativos vieram, verdadeiramente, com
93
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS
Com o passar dos anos, percebeu-se que os então chamados antipsicóticos típicos apresentavam
alguns problemas: primeiro que esses fármacos só tinham efeito sobre os sintomas positivos da
esquizofrenia e, segundo, que, devido às suas características de bloquearem, preferencialmente, os
receptores D2 para dopamina, acabavam por produzir efeitos colaterais com o uso prolongado. Esse
efeito se dá devido à interação da droga com receptores presentes na via nigro-estriatal, produzindo
os chamados efeitos extrapiramidais, como síndrome parkinsoniana e a discinesia tardia. Essa
última seria provocada pelo uso prolongado de antagonista de receptores dopaminérgicos do tipo
D2, o que estimularia as células a produzirem mais receptores, promovendo uma supersensibilidade
dopaminérgica.
Com os medicamentos antipsicóticos mais recentes, resultados bastante promissores, com bem
poucos efeitos colaterais, têm sido obtidos. Isso se deve, principalmente, a uma maior atividade
serotoninérgica, que acaba modulando a própria liberação de dopamina, além de um bloqueio
dopaminérgico com menor ocupação de receptores, o que favorece o não aparecimento dos efeitos
colaterais.
O futuro, que já é presente, indica que o uso de compostos que regulam a liberação de dopamina
da fenda sináptica, como o aripiprazol, que é um agonista parcial de receptores dopaminérgicos e
atua estimulando o córtex pré-frontal, onde a atividade dopaminérgica é baixa (melhorando, assim,
os sintomas negativos), inibindo o sistema límbico, onde a via mesolímbica está superestimulada
(melhorando os sintomas positivos). Também estão em estudo fármacos que atuam no sistema
glutamatérgico, que poderiam modular a liberação de dopamina.
94
CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I
como moradores de rua que, facilmente, se tornam dependentes de drogas (as vias neuronais da
dependência e da esquizofrenia são as mesmas), e acabam por parar em casas psiquiátricas públicas,
verdadeiros manicômios, que recebem muito pouco para tratar dessas pessoas.
Parkinson
Na doença de Parkinson, ocorre uma perda seletiva de neurônios dopaminérgicos na parte
compacta da substância negra (Figura 21). A extensão da perda é profunda, com destruição de
pelo menos 70% dos neurônios, quando aparecem pela primeira vez os sintomas; com frequência,
observa-se uma perda de 95% dos neurônios na necropsia. A destruição desses neurônios resulta
nas características fundamentais da doença: bradicinesia, ou lentidão anormal dos movimentos;
rigidez, uma resistência ao movimento passivo dos membros; comprometimento do equilíbrio
postural, que predispõe a quedas; e tremor característico quando os membros estão em repouso.
Figura 21. Efeito da doença de Parkinson sobre as vias dopaminérgicas que regulam o movimento.
95
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Pesquisas recentes estabeleceram que certos fatores genéticos podem causar doença de Parkinson.
Os exemplos mais bem estudados são famílias com mutações na proteína α-sinucleína, levando a
uma forma autossômica dominante de doença de Parkinson. Embora a sua função não esteja bem
elucidada, essa proteína parece estar envolvida na formação de vesículas de neurotransmissores e na
liberação de dopamina no cérebro. Foram identificados pelo menos quatro outros genes como causa
de doença de Parkinson em uma ou mais famílias. Essas descobertas genéticas forneceram indícios
importantes na biologia da doença de Parkinson e permitiram o desenvolvimento de modelos de
drosófila e camundongos transgênicos, que servem de plataforma para o desenvolvimento de novos
tratamentos. Embora essas descobertas genéticas tenham proporcionado um maior conhecimento
da biologia da doença de Parkinson, é importante assinalar que todas as diferentes causas genéticas
identificadas até o momento respondem por menos de 5% dos casos, e que a maioria dos casos
continua sendo de etiologia desconhecida. A etiologia da doença de Parkinson, na maioria dos
pacientes, é, provavelmente, multifatorial, com contribuições de fatores tanto genéticos quanto
ambientais.
ALBIN, R.L.; YOUNG, A.B.; PENNEY, J.B. The functional anatomy of basal ganglia
disorders. Trends Neurosci, 1989;12:366–375. (Um artigo clássico que descreve o
conceito de vias “diretas e indiretas”.)
LANGSTON, J.W. The Parkinson’s complex: parkinsonism is just the tip of the
iceberg. Ann Neurol 2006;59:591–596. (Revisão que enfatiza muitos aspectos da
doença de Parkinson além das anormalidades motoras.)
Alzheimer
A doença de Alzheimer é a patologia neurodegenerativa mais frequente associada à idade, cujas
manifestações cognitivas e neuropsiquiátricas resultam em uma deficiência progressiva e uma
eventual incapacitação. Em geral, o primeiro aspecto clínico é a deficiência da memória recente,
enquanto as lembranças remotas são preservadas até certo estágio da doença. Além das dificuldades
de atenção e fluência verbal, outras funções cognitivas deterioram à medida que a patologia evolui,
entre elas a capacidade de fazer cálculos, as habilidades vísuoespaciais e a capacidade de usar objetos
comuns e ferramentas. O grau de vigília e a lucidez do paciente não são afetados até a doença estar
muito avançada. A fraqueza motora também não é observada, embora as contraturas musculares
sejam uma característica quase universal nos estágios avançados da patologia.
96
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III
Baseadas nesses marcadores neuropatológicos, duas hipóteses principais foram propostas, para
explicar a etiologia da doença. De acordo com a hipótese da cascata amiloidal, a neurodegeneração
na doença de Alzheimer inicia-se com a clivagem proteolítica da proteína precursora amiloide
(APP) e resulta na produção, agregação e deposição da substância β- amiloide (Aβ) e placas senis.
De acordo com a hipótese colinérgica, a disfunção do sistema colinérgico é suficiente para produzir
uma deficiência de memória em modelos animais, a qual é semelhante à doença de Alzheimer.
Cérebros de pacientes portadores da doença de Alzheimer mostraram degeneração dos neurônios
colinérgicos, ocorrendo, também, uma redução dos marcadores colinérgicos, sendo que a colina
acetiltransferase e a acetilcolinesterase tiveram sua atividade reduzida no córtex cerebral de
pacientes portadores da doença de Alzheimer.
97
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
A tacrina (Cognex®) foi o primeiro inibidor reversível da acetilcolinesterase a ser utilizado no tratamento
da doença de Alzheimer (inibidor de primeira geração). Entretanto, esse medicamento apresentou
duas formas principais de toxicidade. Primeiramente, a tacrina apresentou hepatoxicidade, levando
ao aumento das transaminases hepáticas, resultando em hepatite medicamentosa e provocando a
retirada da medicação em muitos pacientes. De fato, mais de 90% dos casos envolvendo a hepatite
medicamentosa na doença de Alzheimer ocorreram nas primeiras 12 semanas de tratamento com a
tacrina. Recentemente, estudos têm focado na síntese e nas avaliações de congêneres da tacrina, os
quais foram mais potentes e seletivos que o próprio medicamento original.
A huperzina A, um alcaloide extraído da planta Huperzia serrata, atuou como um inibidor potente,
específico e reversível da acetilcolinesterase, cuja administração demonstrou melhora significativa
na memória de pacientes idosos e de pacientes portadores da doença de Alzheimer, associada a
mínimos efeitos colinérgicos periféricos e ausência da hepatoxicidade induzida pela tacrina.
98
Para (não) Finalizar
Os mecanismos pelos quais diversas drogas atuam no SNC nem sempre foram claramente
elucidados. Como são pouco compreendidas as causas de muitas das condições para as quais essas
drogas são usadas (esquizofrenia, ansiedade etc.), não é surpreendente que, no passado, grande
parte da farmacologia do SNC tenha sido puramente descritiva. Entretanto, nas últimas décadas,
houve avanços notáveis na metodologia da farmacologia do SNC. Hoje em dia, é possível estudar a
ação de uma droga sobre células individuais e até mesmo sobre canais iônicos individuais dentro
das sinapses. As informações obtidas a partir desses estudos forneceram a base para vários avanços
importantes nos estudos do SNC.
Em primeiro lugar, ficou claro que quase todas as drogas com efeitos sobre o SNC atuam sobre
receptores específicos que modulam a transmissão sináptica. Um número muito pequeno de drogas,
como o álcool, pode exercer ações inespecíficas sobre as membranas (embora essas exceções não
sejam totalmente aceitas); porém, até mesmo essas ações não mediadas por receptores resultam
em alterações demonstráveis na transmissão sináptica. Em segundo lugar, as drogas estão entre
os recursos mais importantes para o estudo de todos os aspectos da fisiologia do SNC, desde o
mecanismo das convulsões até a fixação da memória remota.
Conforme descrito, é extremamente útil, nesses estudos, dispor de agonistas que imitam os
transmissores naturais (e que, em muitos casos, são mais seletivos do que as substâncias
endógenas), assim como de antagonistas. Em terceiro lugar, a elucidação das ações de drogas com
eficácia clínica conhecida levou a algumas das hipóteses mais produtivas acerca dos mecanismos
das doenças Por exemplo, as informações sobre a ação das drogas antipsicóticas nos receptores
dopamínicos proporcionam a base para a formulação de hipóteses importantes sobre a fisiopatologia
da esquizofrenia. Os estudos dos efeitos de uma variedade de agonistas e antagonistas sobre os
receptores de GABA estão levando à elaboração de novos conceitos relativos à fisiopatologia de
diversas doenças, incluindo a ansiedade e a epilepsia. Esta apostila apresentou uma introdução
à organização funcional do SNC e seus transmissores sinápticos como base para compreender as
ações das drogas descritas nos capítulos subsequentes. Aproveite a oportunidade para fazer quadros
resumos de cada um dos capítulos, para facilitar o desenvolvimento das atividades desta disciplina.
99
Referências
ANDREATINI, R.; BOERNGEN-LACERDA, R. & FILHO, D. Z. Tratamento farmacológico
do transtorno de ansiedade generalizada: perspectivas futuras. In: Revista Brasileira de
Psiquiatria, 2001;23(4):233-42.
CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia moderna. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2005.
GILMAN, A. G. As bases farmacológicas da terapêutica. 10. ed. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill,
2005.
GOODMAN, L.S. (Ed.); GILMAN, A. (Ed.); HARDMAN, J.G. (Ed.) As bases farmacológicas da
terapêutica. 10. ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill Interamericana, 2003.
KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSEL, T.M. Princípios da Neurociência. 4. ed. São Paulo:
Manole, 2003.
KATZUNG, B. G. Farmacologia: básica & clínica. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.
100