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Fisiopatologia e Farmacologia

do Sistema Nervoso

Brasília-DF.
Elaboração

Carolina Biz Rodrigues Silva

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE I
CONCEITOS INICIAIS.............................................................................................................................. 9

CAPÍTULO 1
SISTEMA NERVOSO: CLASSIFICAÇÃO ANÁTOMO-FUNCIONAL.................................................... 9

CAPÍTULO 2
SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO E SISTEMA NERVOSO CENTRAL............................................... 17

CAPÍTULO 3
DIFERENCIAÇÃO FARMACOLÓGICA ...................................................................................... 23

UNIDADE II
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO.......................................................................... 28

CAPÍTULO 1
DROGAS COLINÉRGICAS/COLINOMIMÉTICAS......................................................................... 28

CAPÍTULO 2
DROGAS ANTICOLINÉRGICAS................................................................................................. 35

CAPÍTULO 3
DROGAS SIMPATOMIMÉTICAS/ADRENÉRGICAS........................................................................ 38

UNIDADE III
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL............................................................................... 45

CAPÍTULO 1
MECANISMO DE AÇÃO E VIAS NEURONAIS ENVOLVIDAS NAS AÇÕES FARMACOLÓGICAS....... 45

CAPÍTULO 2
FÁRMACOS USADOS NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL............................................................ 57

CAPÍTULO 9
FISIOPATOLOGIA E TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA DOS PRINCIPAIS TRANSTORNOS
NEUROLÓGICOS.................................................................................................................... 74

PARA (NÃO) FINALIZAR...................................................................................................................... 99

REFERÊNCIAS................................................................................................................................. 100
Apresentação
Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

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Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
O aumento da população mundial tem trazido importantes demandas à saúde, especialmente, com
relação à crescente população de idosos. Simultaneamente, verifica-se uma maior prevalência das
doenças crônicas não transmissíveis, sendo essa população de idosos suscetível à ocorrência de
várias morbidades associadas, como, por exemplo, câncer, diabetes, doenças cardiovasculares e
doenças neurológicas, muitas delas em estágio muito avançado de evolução.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), doenças neurológicas afetam até 1 bilhão de
pessoas no mundo todo, e a proporção está crescendo com o envelhecimento da população. Em
2007, segundo a OMS, 24,3 milhões de pessoas sofriam do mal de Alzheimer e de outros tipos
debilitantes de demência.

Diante disso, os profissionais que trabalham na área devem estar bem preparados para atender a
esses pacientes, uma vez que muitas dessas doenças não têm cura e a medicação é uma das formas
de melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Este caderno busca suprir, de várias maneiras, os
conhecimentos de farmacologia do sistema nervoso. Para isso, ele foi construído de forma a facilitar
a sua compreensão da doença, do fármaco e de sua utilização.

Objetivos
» Apresentar conceitos gerais das doenças que afetam o sistema nervoso e seus
fármacos.

» Compreender a importância do correto uso dos medicamentos.

» Favorecer o aprendizado de uso dos fármacos.

» Refletir sobre o uso dos fármacos nas doenças neurológicas.

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CONCEITOS INICIAIS UNIDADE I

CAPÍTULO 1
Sistema nervoso: classificação
anátomo-funcional

Sistema nervoso
O sistema nervoso origina-se da ectoderme, mais precisamente da placa neural. A placa neural,
perto da 3a semana de gestação, se fecha, formando o tubo neural que, na sua região anterior, sofre
uma dilatação que dará origem ao Sistema Nervoso Central. No fechamento das extremidades da
placa neural, forma-se a crista neural que dará origem a componentes que a neuroanatomia chama
de elementos periféricos e componentes celulares gliais.

O sistema nervoso é dividido em partes de forma didática, pois as várias partes estão intimamente
relacionadas do ponto de vista morfológico e funcional. O sistema nervoso pode ser dividido
levando-se em conta: critérios anatômicos, embriológicos e funcionais. Existe, ainda, uma divisão
quanto à segmentação.

A divisão do sistema nervoso por meio de critérios anatômicos, que é das mais conhecidas, vai
esquematizada na figura abaixo.

Figura 1. Esquema da divisão do sistema nervoso por meio de critérios anatômicos.

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UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS

O Sistema Nervoso Central (SNC) é aquele que está contido no interior do chamado “estojo axial”
(canal vertebral e crânio), ou seja, o encéfalo e a medula espinhal; o Sistema Nervoso Periférico (SNP)
é aquele que é encontrado fora desse estojo ósseo, que se relaciona com o esqueleto apendicular,
sendo composto pelos nervos (axônios) e gânglios (formações de corpos neuronais ganglionares
dispersas em regiões do corpo ou mesmo dispostas ao longo da coluna vertebral, como os gânglios
sensitivos). Essa distinção, embora muito esquemática, não é perfeitamente exata, pois os nervos
e as raízes nervosas, para fazer conexão com o Sistema Nervoso Central, penetram no crânio e no
canal vertebral.

O SNC recebe, analisa e integra informações. É o local onde ocorre a tomada de decisões e o envio
de ordens. O SNP carrega informações dos órgãos sensoriais para o Sistema Nervoso Central e
do Sistema Nervoso Central para os órgãos efetores (músculos e glândulas). O SNC divide-se
em encéfalo e medula. O encéfalo corresponde ao telencéfalo (hemisférios cerebrais), diencéfalo
(tálamo e hipotálamo), cerebelo e tronco cefálico (que se divide em: bulbo, situado caudalmente;
mesencéfalo, situado cranialmente; e ponte, situada entre ambos).

Na divisão do sistema nervoso, com base nos critérios embrionários (Figura 2), as partes do
Sistema Nervoso Central do adulto recebem o nome da vesícula primordial que lhes deu origem. Os
termos telencéfalo, diencéfalo e mesencéfalo são os mais empregados. Não existe uma designação
anatômica que corresponda exatamente ao termo embriológico mesencéfalo.

Figura 2. Esquema da divisão do sistema nervoso por meio de critérios embrionários.

Podemos, ainda, dividir o sistema nervoso em somático, que é a parte do sistema nervoso que atua
em todas as relações que são percebidas por nossa consciência; e em visceral, aquele que interage,
de forma inconsciente, no controle e na percepção do meio interno e vísceras.

Sistema Nervoso Somático

a. Eferente – neurônios e axônios motores

b. Aferente – neurônios e axônios sensitivos

Sistema Nervoso Visceral

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CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I

a. Aferente – sensações das vísceras, como dilatações, aumento da pressão ou


relaxamentos

b. Eferente – Sistema Nervoso Autônomo (simpático: aumenta os batimentos do


coração; e parassimpático: diminui os batimentos do coração)

Os neurônios sensitivos, cujos corpos estão nos gânglios sensitivos, conduzem à medula ou ao
tronco encefálico impulsos nervosos originados de receptores situados na superfície (por exemplo,
na pele) ou no interior (vísceras, músculos e tendões). Os prolongamentos centrais desses neurônios
se ligam, diretamente ou por meio de neurônios de associação, aos neurônios motores (somáticos
ou viscerais), os quais levam o impulso ao músculo ou às glândulas.

São aferentes os neurônios que trazem impulsos a uma determinada área do sistema nervoso, e
eferentes os que levam impulsos dessa área. Existe, ainda, no sistema nervoso, um terceiro tipo de
neurônio, denominado neurônio de associação, que faz a associação de um segmento com outro. O
aparecimento dos neurônios de associação colaborou com um aumento da complexidade do sistema
nervoso e permitiu a realização de comportamento cada vez mais elaborado.

No SNC, existem as chamadas substâncias cinzenta e branca. A substância cinzenta é formada pelos
corpos dos neurônios e a branca por seus prolongamentos. Com exceção do bulbo e da medula, a
substância cinzenta ocorre mais externamente e a substância branca mais internamente.

Tecido nervoso
O tecido nervoso compreende, basicamente, dois tipos celulares: os neurônios e as células gliais
ou neuroglia. O neurônio é a sua unidade fundamental, com a função básica de receber, processar
e enviar informações. A neuroglia compreende células que ocupam os espaços entre os neurônios,
com funções de sustentação, revestimento ou isolamento, modulação da atividade neuronal e
defesa. Os neurônios são células excitáveis que se comunicam entre si ou com outras células, usando,
basicamente, uma linguagem elétrica que consiste em alterações do potencial de membrana.

A membrana celular separa dois ambientes que apresentam composições iônicas


diferentes: o citoplasma, onde prevalecem íons com cargas negativas e potássio
(K+); e o meio extracelular, onde predomina o sódio (Na+). As cargas elétricas dentro
e fora da célula são responsáveis pelo estabelecimento de um potencial elétrico de
membrana. Na maioria dos neurônios, o potencial de membrana em repouso está
em torno de -60 a -70mV.

Mais informações: <http://www.ufrgs.br/mnemoforos/arquivos/potenciais2005.


pdf>.

A maioria dos neurônios tem três regiões: corpo celular, dendritos e axônio (Figura 3).

» Corpo Celular ou Pericário: contém o núcleo e o citoplasma com as organelas


citoplasmáticas. Sua função é sintetizar todas as proteínas neuronais e realizar a

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UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS

maioria dos processos de degradação e renovação de constituintes celulares. Do


corpo celular partem prolongamentos, os dendritos e axônios.

» Dendritos: geralmente curtos, possuem as mesmas características do citoplasma.


Traduzem os estímulos recebidos em alterações do potencial da membrana, que
envolvem entrada e saída de determinados íons. Os potenciais gerados nos dendritos
propagam-se em direção ao corpo e, neste, em direção ao cone de implantação do
axônio.

» Axônio: prolongamento longo e fino, que se origina no corpo celular ou de


um dendrito, a partir de uma região denominada cone de implantação. Possui
membrana plasmática e citoplasma. O axônio é capaz de gerar alteração de potencial
de membrana, denominada potencial de ação ou impulso nervoso, e conduzi-lo até
o axônio onde ocorre a comunicação com outros axônios ou células efetuadoras.

Figura 3. Neurônio e suas divisões.

Sinapses e neurotransmissores
As fibras nervosas propagam impulsos elétricos muito rapidamente, em todo o seu comprimento,
e transmitem à célula que lhe segue, por meio das sinapses. Podem existir sinapses entre dois
neurônios, entre célula sensorial e neurônio ou entre neurônio e órgão. Quando a célula efetora é
um músculo, o local da sinapse é chamado de placa motora. O impulso é captado pelos dendritos,
passa ao corpo celular e deste para o axônio, que o envia para a célula seguinte.

No repouso, o interior do neurônio está carregado mais negativamente que o exterior. Quando
um potencial de ação chega à membrana celular, o estímulo altera a permeabilidade aos íons
sódio e potássio, permitindo a entrada de íons sódio e a saída de íons potássio. Ocorre, assim, a
despolarização (diminuição da negatividade no interior da célula). Em alguns casos, os neurônios
estão tão próximo que a onda de despolarização passa espontaneamente do axônio de um neurônio
para o dendrito do neurônio seguinte, o que se denomina sinapse elétrica (Figura 4).

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CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I

Figura 4. Tipos de sinapses

A grande maioria das sinapses são sinapses químicas (Figura 4). O sinal elétrico chega à terminação
axônica e provoca a liberação de neurotransmissores, mensageiros químicos presentes no interior
de vesículas. Ao atingir o axônio, o potencial de ação faz com que as vesículas se fusionem com a
membrana e liberem os neurotransmissores que estavam contidos na vesícula no interior da fenda
sináptica (espaço entre o neurônio e a célula efetora). Ao serem liberados, os neurotransmissores
ligam-se a receptores específicos presentes na membrana da célula pós-sináptica. A ligação do
neurotransmissor com o seu receptor específico gera uma alteração no potencial de membrana da
célula, transmitindo o impulso nervoso e gerando uma resposta (contração muscular, por exemplo).
Concluímos, então, que a transmissão do impulso implica na transformação de um sinal elétrico em
um sinal químico que, posteriormente, é transformado em outro sinal elétrico (Figura 5).

Figura 5. Sinapse.

Entre os neurotransmissores conhecidos estão a acetileolina, certos aminoácidos, como a glicina,


o glutamato, o aspartate, o ácido gama-amino-butírico ou GABA e as monoaminas, dopamina,
noradrenalina, adrenalina e histamina. Sabe-se, hoje, que muitos peptídeos também podem
funcionar como neurotransmissores, como, por exemplo, a substância P, em neurônios sensitivos,
e os opioides. Esses últimos pertencem ao mesmo grupo químico da morfina e, entre eles, estão
as endorfinas e as encefalinas. Se o neurotransmissor causar despolarização na membrana pós-
sináptica, o neurotransmissor e a sinapse são chamados de excitatórios. Mas, se causarem
hiperpolarização, são chamados de inibitórios. Há vários tipos de neurotransmissores excitatórios
e inibitórios.

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UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS

Para ter mais detalhes sobre sinapses e neurotransmissores, acesse o link: <http://
www.unirio.br/farmacologia/aulas%20fisiologia/2.%20sistema%20nervoso/
INTRODU%C3%87%C3%83O/APOSTILA%20sinapse%20-%20UNESP.pdf>.

Os neurotransmissores agem sobre dois tipos de receptores pós-sinápticos.

» Receptores ionotrópicos: possuem sítios de recepção para os neurotransmisso-


-res localizados em um canal iônico com comporta. Quando o neurotransmissor se
liga ao sítio receptor, ocorre uma mudança de conformação espacial, resultando na
abertura (ou fechamento) de poro iônico.

» Receptores metabotrópicos: são moléculas que possuem sítios para os


neurotransmissores, mas que não são canais iônicos. A formação do complexo
neurotransmissor-receptor inicia reações bioquímicas que culminam com a
abertura indireta dos canais iônicos. Nesse caso, o receptor pós-sináptico ativa uma
proteína reguladora, chamada proteína G, que, por sua vez, aciona outra proteína,
chamada efetuadora, que, efetivamente, poderá mudar a conformação de um canal
iônico ou, então, ativar uma enzima chave que modifica o metabolismo do neurônio
pós-sináptico. Esses tipos de receptores ativam uma reação em cascata e usam um
segundo mensageiro (o primeiro é neurotransmissor).

Assim, nas sinapses em que o neurotransmissor age diretamente sobre receptores ionotrópicos,
a neurotransmissão é bastante rápida e, nas sinapses mediadas por receptores metabotrópicos à
comunicação, é mais demorada.

Para que as sinapses funcionem adequadamente, o neurotransmissor precisa ser rapidamente


removido da fenda sináptica. Do contrário, ocorre excitação ou inibição do elemento pós-sináptico
por tempo prolongado. A remoção do neurotransmissor pode ser feita por ação enzimática. É o
exemplo da acetileolina, que é hidrolisada pela enzima acetileolinesterase em acetato e colina. A
colina é imediatamente capturada pela terminação nervosa colinérgica, servindo como substrato
para síntese de nova acetilcolina. Possivelmente, proteases são responsáveis pela remoção dos
peptídeos que funcionam como neurotransmissores ou neuromoduladores (Figura 6).

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CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I

Figura 6. Desenho esquemático das etapas nas quais as drogas podem alterar a transmissão sináptica: (1)
potencial de ação na fibra pré-sináptica; (2) síntese de transmissor; (3) armazenamento; (4) metabolismo; (5)
liberação; (6) recaptação; (7) degradação; (8) receptor para o transmissor; (9) aumento ou diminuição induzido
pelo receptor na condutância iônica.

Existem, também, as sinapses químicas neuroefetuadoras ou junções neuroefetuadoras, que


envolvem os axônios dos nervos periféricos e uma célula efetuadora não neuronal. Estas são
classificadas da seguinte forma.

» Junção neuroefetuadora somática: se fazem com células musculares


estriadas esqueléticas (células pós-sinápticas), onde o elemento pré-sináptico é
uma terminação axônica de um neurônio motor somático, cujo corpo se localiza na
medula espinhal ou no tronco encefálico. São sinapses direcionadas, denominadas
placa motora.

» Junção neuroefetuadora visceral: é o contato de células musculares lisas,


cardíacas ou glandulares com terminações nervosas de neurônios do Sistema
Nervoso Autônomo Simpático e Parassimpático, cujos corpos se encontram
em gânglios. Não são direcionadas, ou seja, a transmissão pode ocorre nas duas
direções.

Neuróglia (Células Gliais)


Tanto no Sistema Nervoso Central quanto no Sistema Nervoso Periférico, os neurônios relacionam-
se com células coletivamente denominadas neuroglia, glia ou gliócitos. São as células mais frequentes
do tecido nervoso, podendo a proporção entre neurônios e células gliais variar de 1:10 a 1:50. No
Sistema Nervoso Central, a neuroglia apresenta quatro tipos celulares.

» Astrócitos: têm a forma de estrela, com inúmeros prolongamentos. Em grande


quantidade, apresentam-se sob duas formas: astrócitos protoplasmáticos,

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UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS

localizados na substância cinzenta e astrócitos fibrosos, localizados na substância


branca. Têm como funções sustentação e isolamento de neurônios, controle dos
níveis de potássio extraneuronal e armazenamento de glicogênio no SNC.

» Oligodendrócitos: em conjunto com os astrócitos, denominam-se macróglia. São


células menores que as primeiras, com poucos prolongamentos. Organizam-se em
dois tipos: oligodendrócito satélite (junto ao pericário e dendritos) e oligodendrócito
fascicular (junto às fibras nervosas), sendo os últimos responsáveis pela formação
da bainha de mielina em axônios no SNC.

» Microgliócitos: células pequenas com poucos prolongamentos, presentes tanto


na substância branca quanto na substância cinzenta, com principal função de
fagocitose.

» Células ependimárias: com disposição epitelial e, geralmente, ciliadas, revestem


as paredes dos ventrículos cerebrais, do aqueducto cerebral e do canal da medula
espinhal. Em conjunto com os microgliócitos, formam a micróglia.

No SNP, a neuroglia compreende dois tipos celulares: as células satélites, que envolvem os pericários
dos neurônios dos gânglios sensitivos e do Sistema Nervoso Autônomo, e as células de Schwann,
que circundam os axônios, formando a bainha de mielina e o neurilema, e que têm importante
função na regeneração das fibras nervosas.

Fibras nervosas
Uma fibra nervosa compreende um axônio e, quando presentes, seus envoltórios de origem glial.
O principal envoltório das fibras nervosas é a bainha de mielina, que funciona como isolante
elétrico. Quando envolvidos por bainha de mielina, os axônios são denominados fibras nervosas
mielínicas. Na ausência de mielina, denominam-se fibras nervosas amielínicas. Ambos os
tipos ocorrem tanto no Sistema Nervoso Periférico quanto no Sistema Nervoso Central, sendo a
bainha de mielina formada por células de Schwann, no periférico, e por oligodendrócitos, no central.

No Sistema Nervoso Periférico, logo após seus segmentos iniciais, cada axônio é circundado por
células de Schwann, que se colocam em intervalos ao longo de seu comprimento. Essas bainhas se
interrompem a intervalos mais ou menos regulares para cada tipo de fibra. Essas interrupções são
chamadas de nódulos de Ranvier. Por ser isolante, a bainha de mielina permite condução mais
rápida do impulso nervoso. Ao longo dos axônios mielínicos, os canais de sódio e potássio sensíveis
à voltagem encontram-se apenas ao nível dos nódulos de Ranvier. A condução do impulso nervoso
é, portanto, saltatória, ou seja, potenciais de ação só ocorrem nos nódulos de Ranvier. Isso é possível
dado o caráter isolante da bainha de mielina, que permite à corrente provocada por cada potencial
de ação percorrer todo o internódulo sem extinguir-se.

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CAPÍTULO 2
Sistema nervoso autônomo e sistema
nervoso central

Sistema nervoso autônomo


A manutenção do frágil equilíbrio existente no nosso organismo, homeostasia, é coordenada por
regiões do sistema nervoso especialmente dedicadas a isso, o Sistema Nervoso Autônomo (SNA).
Esse sistema ajuda a controlar a pressão arterial, a motilidade e a secreção gastrintestinal, a emissão
urinária, a sudorese, a temperatura corporal e outras atividades. O SNA, também conhecido como
Sistema Nervoso Visceral, Vegetativo ou Automático, tem a função de manter estável o organismo
frente às necessidades de adaptação aos meios internos e externos.

O SNA é composto por um conjunto de neurônios situados no tronco encefálico e na medula espinhal
e apresenta duas divisões anatômicas clássicas e uma, ainda, controvertida. A controvertida é a
divisão gastroentérica, constituída pelos plexos intramurais, uma intrincada rede de neurônios
situados nas paredes das vísceras que participam do controle das funções digestivas, sendo
considerada, por muitos autores, como Sistema Nervoso Autônomo Entérico. As clássicas são as
divisões: 1) simpática (Sistema Nervoso Simpático – SNS), que parte da região tóracolombar da
coluna vertebral; e a 2) parassimpática (Sistema Nervoso Parassimpático – SNP), que parte da
região crâniossacral.

Os termos simpático e parassimpático derivam da palavra grega que significa “harmonia”, são
anatômicos, e não necessariamente apresentam ações antagonistas. A atividade simpática tende
a predominar no estresse (resposta de luta ou fuga), apresentando um gasto energético altamente
catabólico. Já a atividade parassimpática predomina durante a saciedade e o repouso, sendo que o seu
gasto energético é altamente anabólico. Entretanto, ambos os sistemas funcionam continuamente,
quando o corpo não está em nenhum extremo (Figura 7).

17
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS

Figura 7. Órgãos inervados pelo Sistema Nervoso Simpático e Parassimpático e suas respectivas funções.

Diferenças anatômicas entre o Sistema Nervoso


Simpático e Parassimpático
Os dois neurônios da via autônoma são conhecidos, respectivamente, como pré-ganglionar e pós-
ganglionar. No Sistema Nervoso Simpático, os neurônios pré-ganglionares estão localizados nos
segmentos torácicos e lombares altos da medula espinhal. Com relação à localização dos neurônios
pós-ganglionares, no sistema simpático, eles estão localizados nos gânglios (o aglomerado de corpos
neuronais dentro do Sistema Nervoso Central é chamado de núcleo; fora dele, ele é chamado de
gânglio) paravertebrais ou no pré-vertebrais, que se encontram a alguma distância dos órgãos-alvo.
Em contrapartida, os neurônios pré-ganglionares do Sistema Nervoso Parassimpático são
encontrados no tronco encefálico e na medula espinhal sacral. No caso do sistema parassimpático,
os neurônios pós-ganglionares são encontrados nos gânglios parassimpáticos que estão próximos
ou mesmo localizados nas paredes dos órgãos-alvo.

Uma importante característica anatômica do sistema simpático é ter as fibras pré-ganglionares


bastante curtas em comparação com as fibras pós-ganglionares. O Sistema Nervoso Parassimpático
possui fibras pré-ganglionares muito longas que surgem do encéfalo ou dos segmentos sacrais. Essas
fibras vão até o órgão-alvo e, lá, encontram gânglios bastante próximos da parede do órgão onde
fazem sinapse com as fibras pós-ganglionares. As fibras pós-ganglionares inervam o órgão. Um
exemplo é o que ocorre no tubo gastrintestinal, entre as lâminas de músculo liso, onde é formado
um plexo denominado mioentérico. Esse plexo é composto por uma enorme rede de gânglios e
fibras, que são encontradas entre as camadas musculares.

18
CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I

Diferenças entre o sistema nervoso simpático e


parassimpático
O controle exercido pelo Sistema Nervoso Simpático e Parassimpático sobre muitos órgãos tem
um caráter oposto, porém esta não é uma generalização que possa ser considerada uma regra.
Dessa forma, é mais correto afirmar que essas duas divisões do sistema autônomo trabalham de
forma coordenada, ou seja, em algumas situações, eles agem de forma sinérgica e, em outras,
atuam reciprocamente, no que se refere ao controle da atividade visceral. Outro contraponto à ideia
generalizada de que esses sistemas agem de forma antagônica, é o fato de que nem todos os órgãos
recebem inervação dos dois sistemas (exemplos: as glândulas da pele e os vasos do corpo).

Uma das diferenças fisiológicas entre o simpático e o parassimpático é que este tem ações sempre
localizadas a um órgão ou setor do organismo, enquanto as ações do simpático, embora possam ser
também localizadas, tendem a ser difusas, atingindo vários órgãos. A base anatômica dessa diferença
está no fato de que os gânglios parassimpáticos, estando próximos das vísceras, fazem com que
o território de distribuição das fibras pós-ganglionares seja necessariamente restrito. Além disso,
no sistema parassimpático, uma fibra pré-ganglionar faz sinapse com um número relativamente
pequeno de fibras pós-ganglionares, já no sistema simpático, os gânglios estão longe das vísceras e
uma fibra pré-ganglionar faz sinapse com várias fibras pós-ganglionares.

Diferenças farmacológicas entre o sistema nervoso


simpático e parassimpático
As fibras pré-ganglionares do Sistema Nervoso Autônomo (simpáticas e parassimpáticas) liberam
o neurotransmissor acetilcolina e são chamadas de fibras colinérgicas. As fibras pós-ganglionares
parassimpáticas são também colinérgicas, mas as fibras pós-ganglionares simpáticas podem ser
tanto colinérgicas quanto adrenérgicas – liberam noradrenalina ou adrenalina (Figura 8).

Figura 8. Representação da liberação de neurotransmissores e seus principais efeitos nos órgãos inervados.

As diferenças farmacológicas dizem respeito à ação de drogas. Quando injetamos, em um animal,


certas drogas, como adrenalina e noradrenalina, obtemos efeitos (aumento da pressão arterial, do

19
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS

ritmo cardíaco etc.) que se assemelham aos obtidos por ação do Sistema Nervoso Simpático. Essas
drogas que imitam a ação do Sistema Nervoso Simpático são denominadas simpaticomiméticas.
Existem, também, drogas, como acetilcolina, que imitam as ações do parassimpático e são chamadas
parassimpaticomiméticas. A descoberta dos neurotransmissores veio explicar o modo de ação e
as diferenças existentes entre esses dois tipos de drogas.

As fibras nervosas que liberam a acetilcolina são chamadas colinérgicas e as que liberam
noradrenalina, adrenérgicas. A rigor, essas últimas deveriam ser chamadas noradrenérgicas, mas,
inicialmente, pensou-se que o principal neurotransmissor seria a adrenalina e o termo “adrenérgico”
tornou-se clássico. Hoje, sabemos que, nos mamíferos, é a noradrenalina e não a adrenalina o
principal neurotransmissor nas fibras adrenérgicas.

Sistema nervoso central

Figura 9. Representação do Sistema Nervoso Central.

O Sistema Nervoso Central é formado pelo encéfalo e pela medula espinal, protegidos,
respectivamente, pelo crânio e pela coluna vertebral (Figura 9). Essa proteção é reforçada pela
presença de lâminas de tecido conjuntivo, as meninges. Elas são de fora para dentro: dura-máter,
aracnoide-máter e pia-máter. A dura-máter é a mais espessa delas, sendo que, no crânio, está
associada ao periósteo da face interna dos ossos. A pia-máter é a mais fina e está intimamente
aplicada ao encéfalo e a medula espinal. Entre a dura e a pia-máter está a aracnoide-máter, da
qual partem fibras delicadas que vão à pia-máter, formando uma rede semelhante a uma teia de
aranha. A aracnoide-máter é separada da pia-máter pelo espaço subaracnoideo, onde circula o
líquido cerebrospinal (líquor), o qual funciona como absorvente de choques.

O encéfalo é dividido em cérebro, cerebelo, mesencéfalo, ponte e bulbo, sendo esses três últimos
conhecidos, em conjunto, como tronco encefálico. A maior parte do encéfalo corresponde ao
cérebro, constituído por duas massas, os hemisférios cerebrais, unidos por uma ponte de fibras
nervosas, o corpo caloso, e separados por uma lâmina, a foice do cérebro. Os hemisférios podem
ser divididos em lobos, correspondendo cada um aos ossos do crânio com que guardam relações,

20
CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I

existindo, portanto, os lobos frontal, occipital, temporal e parietal. Há, também, o lobo insular que
é mais profundo em relação aos outros.

O cérebro responde pelas funções nervosas mais elevadas, contendo centros para interpretação de
estímulos, bem como centros que iniciam movimentos musculares. Ele armazena informações e é
responsável, também, por processos psíquicos altamente elaborados, determinando a inteligência e
a personalidade. O cerebelo atua, basicamente, como coordenador dos movimentos da musculatura
esquelética e na manutenção do equilíbrio. O tronco encefálico, além de ser a origem de dez dos
doze nervos cranianos, é sede de várias funções ligadas ao controle das atividades involuntárias e
das emoções. A medula espinal é formada por trinta e um segmentos, cada um dos quais dá origem
a um par de nervos espinais. Ela atua como um caminho pelo qual passam impulsos que vão ou vem
do encéfalo para várias partes do corpo.

A observação atenta de um corte de qualquer área do SNC permite reconhecer áreas claras e escuras
que representam, respectivamente, o que se chama de substância branca e substância cinzenta.
A primeira está constituída, predominantemente, por fibras nervosas mielínicas e a segunda por
corpos de neurônios. No cérebro e no cerebelo, a estrutura geral é a mesma: uma massa de substância
branca, revestida, externamente, por uma fina camada de substância cinzenta e tendo, no centro,
massas de substância cinzenta, constituindo os núcleos (acúmulos de corpos neuronais dentro do
SNC). Na medula, a substância cinzenta forma um eixo central contínuo envolvido por substância
branca, enquanto, no tronco encefálico, a substância cinzenta central não é contínua, apresentando-
se fragmentada, formando núcleos.

O SNC começa na medula espinhal e se conecta a neurônios eferentes (que partem da medula
espinhal para os tecidos periféricos) e aos aferentes (que passam dos tecidos periféricos para a
medula espinhal) com o cérebro. Sua função principal é receber os sinais com informações,
processá-las e emitir as respostas determinadas, controlando, assim, as atividades do corpo. Os
neurotransmissores mais conhecidos que atuam no SNC são: acetilcolina, noradrenalina, histamina,
GABA (ácido gama-aminobutírico) e glutamato.

Organização celular do cérebro


Os sistemas neuronais no SNC podem ser divididos, em sua maioria, em duas grandes categorias:
sistemas hierárquicos e sistemas neuronais difusos ou inespecíficos. Os sistemas hierárquicos
incluem todas as vias diretamente envolvidas na percepção sensorial e no controle motor. Em geral,
as vias são claramente delineadas, constituindo-se de grandes fibras mielinizadas. A informação
é tipicamente fásica e, nos sistemas sensoriais, a informação é processada sequencialmente por
integrações sucessivas em cada núcleo transmissor em seu tiajeto até o córtex. No interior de
cada núcleo e no córtex, existem dois tipos de células: neurônios retransmissores ou de projeção e
neurônios de circuitos locais.

Os neurônios de projeção que formam as vias de interligação transmitem sinais por longas
distâncias. Seus corpos celulares são relativamente grandes, e seus axônios emitem ramos colaterais
que se arborizam extensamente nas proximidades do neurônio. Esses neurônios são excitatórios, e
suas influências sinápticas, que envolvem receptores ionotrópicos, são de duração muito curta. O

21
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS

transmissor excitatório liberado por essas células é, na maioria dos casos, o glutamato. Os neurônios
de circuitos locais são tipicamente menores do que os neurônios de projeção, e seus axônios se
arborizam nas proximidades imediatas do corpo celular. Esses neurônios são, em sua grande
maioria, inibitórios, liberando GABA ou glicina. Fazem sinapse, principalmente, no corpo celular
dos neurônios de projeção, mas também podem fazê-la nos dendritos de neurônios de projeção,
bem como entre si. Uma classe especial de neurônios de circuitos locais na medula espinhal forma
sinapses axoaxônicas nas terminações de axônios sensoriais. Os dois tipos comuns de vias para
esses neurônios incluem vias de retroalimentação recorrentes e vias de alimentação anterógrada
(feedforward). Em algumas vias sensoriais, como a retina e o bulbo olfativo, os neurônios de
circuitos locais podem carecer efetivamente de um axônio e liberar o neurotransmissor a partir de
sinapses dendríticas, de modo gradual, na ausência de potenciais de ação.

A despeito da existência de uma grande variedade de conexões sinápticas nesses sistemas


hierárquicos, o fato de que um número limitado de transmissores é utilizado por esses neurônios
indica que qualquer manipulação farmacológica importante desse sistema irá exercer um efeito
profundo sobre a excitabilidade global do SNC. Por exemplo, o bloqueio seletivo dos receptores de
GABA por uma droga, como a picrotoxina, resulta em convulsões generalizadas.

Os sistemas neuronais que contêm uma das monoaminas – noradrenalina, dopamina ou


5-hidroxitriptamina (serotonina) – fornecem exemplos de Sistemas Neuronais Inespecíficos ou
Difusos. Outras vias que provêm da formação reticular e, possivelmente, algumas vias contendo
peptídios também pertencem a essa categoria.

Esses sistemas diferem dos sistemas hierárquicos em aspectos fundamentais, e os sistemas


noradrenérgicos servirão para ilustrar essas diferenças. Os corpos celulares noradrenérgicos são
encontrados, principalmente, num grupo celular compacto, denominado locus ceruleus, localizado
na substância cinzenta central da ponte. Os axônios desses neurônios são muito finos e não são
mielinizados. Por conta disso, eles conduzem muito lentamente, numa velocidade de cerca de 0,5m/s.
Os axônios ramificam-se repetidamente e divergem de modo que os ramos do mesmo neurônio
podem inervar várias partes funcionalmente distintas do SNC. Por fim, os neurotransmissores
utilizados por sistemas neuronais difusos, incluindo a noradrenalina, atuam, em sua maioria,
sobre os receptores metabotrópicos e, portanto, desencadeiam efeitos sinápticos de longa duração.
Com base em todas essas observações, fica claro que os sistemas monoamínicos não podem estar
transmitindo tipos topográficos específicos de informação – em vez disso, grandes áreas do SNC
devem ser afetadas simultaneamente e de maneira bastante uniforme. Por conseguinte, não é
surpreendente que esses sistemas tenham sido implicados em funções globais, como o sono e a
vigília, a atenção, o apetite e os estados emocionais.

22
CAPÍTULO 3
Diferenciação farmacológica

Princípios de neurofarmacologia
Nosso organismo está exposto a várias substâncias tóxicas: venenos de origem animal ou vegetal
metais pesados (mercúrio, chumbo e cromo) e a um monte de drogas sintéticas (fármacos). Várias
substâncias são neurotóxicas e afetam, especificamente, a neurotransmissão. O conhecimento
básico de alguns princípios de Neurofarmacologia nos serão muito úteis. As substâncias exógenas
que se ligam especificamente a um determinado receptor, mimetizando fielmente os efeitos do
neurotransmissor natural, são conhecidas como agonistas. Quando o contrário acontece, isto é,
quando o efeito natural é bloqueado, chamamos essas drogas de antagonistas.

Um mesmo neurotransmissor pode ter muitos subtipos de receptores pós-sinápticos. Por exemplo,
a acetilcolina possui dois subtipos: os receptores nicotínicos e os muscarínicos. Os receptores
nicotínicos são ionotrópicos, são estimulados somente pela nicotina e estão presentes somente nas
placas motoras das fibras musculares esqueléticas; já os receptores muscarínicos são metabotrópicos,
são estimulados exclusivamente pela muscarina e estão restritos às fibras musculares lisas e cardíacas.
Além da ação das drogas agonistas, esses receptores possuem, também, antagonistas específicos: o
curare bloqueia apenas os receptores nicotínicos e a atropina bloqueia os receptores muscarínicos.
Essas propriedades não deixam dúvidas de que os receptores colinérgicos são farmacológica e
molecularmente diferentes. Isso pode tornar a compreensão da neurotransmissão um pouco mais
complicada, mas, por outro lado, quer dizer que se torna possível fabricar medicamentos bastante
específicos que agem no coração ou nas fibras musculares esqueléticas.

Famílias estruturais e funcionais de receptores


De acordo com suas estruturas moleculares e mecanismos de transdução de sinais, os receptores
foram divididos em quatro tipos ou superfamílias.

» Tipo1 – Canais iônicos regulados por ligantes: são, também, denominados


receptores ionotrópicos. Ex.: receptores nicotínicos da acetilcolina (ACh) e
receptores para o GABA.

» Tipo 2 – Receptores acoplados à proteína G: são, também, chamados


de receptores metabotrópicos. Ex.: receptores muscarínicos da acetilcolina e
adrenoceptores.

» Tipo 3 – Receptores enzimáticos (ligados a quinases). Ex.: receptor para


insulina e receptores para citocinas.

» Tipo 4 – Receptores nucleares. Ex.: receptores para os hormônios esteroides e


da tireoide.

23
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS

Nesta apostila, vamos estudar os receptores ionotrópicos e os metabotrópicos, pois são os mais
relevantes para o estudo da farmacologia do sistema nervoso.

Receptores ionotrópicos são proteínas transmembranas constituídas de múltiplas subunidades que,


ao se associarem, formam um canal (ou poro), com permeabilidade seletiva a íons e cuja abertura
se dá em resposta à ligação do ligante. Uma vez aberto esse canal, a membrana sofre uma alteração
transitória da sua permeabilidade a determinado íon. Assim, esses receptores propagam seus sinais,
alterando o potencial ou a composição iônica da membrana celular. Tais receptores estão presentes
nas membranas pós-sinápticas de nervos ou células musculares e estão envolvidos na transmissão
sináptica rápida do sistema nervoso.

O modelo da classe é o receptor nicotínico da ACh presente nos gânglios autonômicos simpáticos e
parassimpáticos e nas junções neuromusculares. Trata-se de um canal de sódio formado por cinco
subunidades, sendo 2 a, 1 b, 1δ e 1g. O pentâmero possui dois sítios de ligação para ACh, nas interfaces
entre as subunidades αb e αg. A ligação simultânea de duas moléculas de ACh promove a ativação
do receptor e abertura do canal, com rápido influxo de Na+ para a célula, levando à despolarização
da membrana plasmática e geração de potencial de ação.

Já os receptores metabotrópicos acoplados à proteína G (GPCR) consistem de uma única cadeia


polipeptídica que se estende ao longo de toda a membrana plasmática, formando sete a-hélices
transmembrana. Possuem um domínio N-terminal, extracelular, que constitui o sítio de ligação
para o ligante, e outro domínio C-terminal, intracelular, que liga a proteína G. As proteínas G estão
presas à superfície interna da membrana plasmática e funcionam como transdutores de sinais,
propagando a informação do receptor ativado, pela ligação ao ligante, para as proteínas efetoras
(ex.: adenilil-ciclase). Elas são formadas por três subunidades: a, b e g, sendo a subunidade a (Ga)
o sítio de ligação para o GTP.

Existem variações moleculares dentro da subunidade a, o que gera mais de 20 subtipos de proteínas
G. Diferentes tipos de receptores podem ativar uma mesma proteína G e, de modo inverso, um
único receptor pode gerar múltiplos sinais, por meio da ativação de diferentes proteínas G. Isto
ocorre porque os subtipos de proteínas G são capazes de reconhecer seletivamente sítios de ligação
específicos nos receptores e efetores. As proteínas G de importância farmacológica são: Gs, Gi, GO e
Gq.

Alvos moleculares para as proteínas G:

» Sistema adenilil-ciclase/AMPc

›› Proteína efetora: adenilil-ciclase

›› Segundo mensageiro: AMPc

O AMPc é um nucleotídeo produzido no citosol celular, a partir do ATP, por ação da enzima adenilil-
ciclase. Dessa forma, a estimulação dessa enzima leva ao aumento da concentração intracelular de
AMPc, enquanto que a sua inibição leva à redução dos níveis intracelulares de AMPc. As proteínas
Gs e Gi estimulam e inibem, respectivamente, a enzima adenilil-ciclase. Uma vez produzido, o AMPc

24
CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I

ativa proteínas quinases, que fosforilam resíduos de aminoácidos em enzimas ou canais iônicos,
regulando, assim, suas funções.

Por exemplo: a ativação de adrenoceptores b (GPCR) no fígado e no músculo leva à ativação de


uma Gs, que, por sua vez, ativa a adenilil-cilase, levando ao aumento intracelular de AMPc. O
AMPc, então, ativa proteínas quinases, que vão fosforilar as proteínas glicogênio sintase, que se
torna inativa, e a glicogênio fosforilase, tornando-a ativada. O resultado é a diminuição da síntese
do glicogênio e o aumento da glicogenólise, numa ação coordenada para que a glicose se torne
disponível para fornecer energia para a contração muscular. Outro exemplo da ação das proteínas
quinases ativadas pelo AMPc é a fosforilação de canais de Ca2+ voltagem-dependentes quando da
interação da adrenalina com adrenoceptores β1 no coração. Os canais de Ca2+ fosforilados permitem
maior influxo de Ca2+ durante o potencial de ação, aumentando a força de contração do músculo
cardíaco.

»» Sistema Fosfolipase C/ fosfato de inositol:

›› Proteína efetora: fosfolipase C (PLC)

›› Segundos mensageiros: trifosfato de inositol (IP3) e diacilglicerol (DAG)

O principal efeito da estimulação desse sistema é a liberação de Ca2+ do retículo endoplasmático


(RE), organela que funciona como um importante estoque intracelular desse íon.

A PLC é uma enzima ancorada à membrana plasmática que, quando ativada pela proteína Gq,
hidrolisa o fosfolipídeo de membrana, fofatidilinositol-4,5-bifosfato (PIP2), produzindo IP3 e DAG.
O IP3 liga-se aos receptores de IP3 no retículo endoplasmático (IP3R), promovendo a liberação de
Ca2+ dessa organela, o que eleva, rapidamente, a concentração citosólica desse íon. Esse aumento
transitório da concentração de Ca2+ intracelular é fundamental para a ação de diversos mediadores
endógenos, incluindo contração, secreção e ativação de enzimas, bem como para a ação de muitos
fármacos.

O DAG também participa da resposta de ativação da PLC pela Gq, por meio da ativação da
proteínaquinase C (PKC), que, por sua vez, catalisa a fosforilação de várias proteínas envolvidas em
diversos eventos celulares.

»» Canais iônicos

A fração Ga-GTP ou o complexo βg podem controlar diretamente a função de um canal iônico, sem
que haja participação de segundos-mensageiros como o AMPc ou o IP3.

Por exemplo: a ação da ACh em receptores M2 no nodo sinoatrial leva à ativação de uma Gi,
cujo complexo βg ativa, diretamente, canais de K+, promovendo maior efluxo desse íon, gerando
hiperpolarização das fibras sinusais, com consequente redução da frequência cardíaca.

25
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS

Neurotransmissores
A acetilcolina é um neurotransmissor clássico e o primeiro a ser descoberto. Atua como mediador de
várias sinapses nervosas centrais e periféricas. Os neurônios colinérgicos possuem a enzima-chave,
a acetilcolina transferase, que transfere um grupo acetil do acetil-CoA à colina. O neurônio
também sintetiza a enzima acetilcolinesterase (AChE) que é secretada para a fenda sináptica
e degrada o neurotransmissor em colina e ácido acético. A colina é recaptada e reutilizada para
síntese de novos neurotransmissores.

O aminoácido tirosina é o precursor de três neurotransmissores que possuem o grupo catecol:


noradrenalina, adrenalina e dopamina, conhecidas como catecolaminas. Sofrem recaptação
na membrana pré-sináptica e são enzimaticamente degradadas pela MAO (monoaminooxidades)
no terminal pré-sináptico. Muitas drogas, como a anfetamina e a cocaína, interferem com a sua
receptação, prolongando a presença do NT na fenda.

A serotonina não é uma catecolamina, pois é uma amina sem o grupo catecol. É sintetizada a partir
do aminoácido essencial triptofano. Os neurônios serotonérgicos centrais parecem estar envolvidos
na regulação da temperatura, percepção sensorial, na indução do sono e na regulação dos níveis
de humor. Como as catecolaminas são recaptadas pela membrana pré-sináptica e degradadas pela
MAO, drogas que atuam bloqueando a sua receptação, como fluoxetina (Prozac), são utilizados
nos tratamentos antidepressivos.

Mais da metade dos neurônios do SNC utiliza o glutamato (Glu) e aspartato (Asp), principais
neurotransmissores excitatórios do SNC, sendo que o Glu responde por 75% da atividade
despolarizante. O Glu possui quatro tipos de receptores, sendo três deles ionotrópicos.

» AMPA: canal iônico para cátions (Na), produzindo despolarização rápida.

» Kainato: parecido com o AMPA.

» NMDA: canais para dois cátions (Na e Ca), produzindo despolarização lenta e
persistente.

Os receptores do tipo NMDA são bastante complexos. O Glu liga-se a receptores NMDA, mas
precisa de outro neurotransmissor, chamado glicina, para abrir o canal. Mesmo aberto, o interior
do canal está obstruído por íons Mg++, o que impede a entrada de Ca++. Como o canal AMPA é
mais rápido, a entrada de cátions por essa via despolariza a membrana, repelindo os íons Mg++ dos
canais NMDA. Finalmente, torna-se possível a entrada de Na+ e de Ca++. Em outras palavras, a ação
despolarizante do glutamato depende de uma despolarização prévia de dois neurotransmissores. O
Ca++ desempenha importante papel como 2o mensageiro.

O ácido γ-aminobutírico (GABA) é um aminoácido que não entra na síntese de proteínas e


só está presente nos neurônios gabaégicos. É o principal neurotransmissor inibitório do SNC. Os
receptores são de dois subtipos.

» GABAA: ionotópicos que abrem canais de Cl- e hiperpolarizam a membrana.

» GABAB: metabotópicos que estão acoplados à proteína G e aumentam a condutância


para os íons K+, hiperpolarizando a membrana.

26
CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I

As drogas conhecidas como tranquilizantes benzodiazepínicos (ansiolíticos) estimulam esses


receptores, aumentando o nível de inibição do SNC. São utilizadas nos tratamentos da ansiedade
e da convulsão. Já os barbitúricos têm o mesmo efeito, agindo em outro sítio de ligação; são tão
potentes que são utilizados como anestésicos gerais.

A glicina é um neurotransmissor inibitório que aumenta a condutância para o Cl- na membrana


pós-sináptica dos neurônios espinhais. A sua presença é essencial para que os receptores NMDA
funcionem. A bactéria Clostridium entra no organismo por lesões de pele, tais como cortes,
arranhaduras, mordidas de animais e provoca o tétano. A bactéria possui toxinas que agem
competitivamente sobre os receptores de glicina, removendo a sua ação inibidora sobre os
neurônios motores do tronco encefálico e da medula espinhal. São os sintomas: rigidez muscular
em todo o corpo, principalmente, no pescoço; dificuldade para abrir a boca (trismo) e engolir; e riso
sardônico produzido por espasmos dos músculos da face. A contratura muscular pode atingir os
músculos respiratórios. A estricnina é um veneno alcaloide de sementes de Strichnos nux vomica
que antagonizam os efeitos da Gli, causando convulsão e morte.

Animações com mecanismos de ação de várias drogas que agem no sistema nervoso
realizado pela Unifesp. <http://www.uniad.org.br/index.php?option=com_content
&view=article&id=577&Itemid=155>.

Outros mediadores da neurotransmissão


Em adição às aminas e aos aminoácidos, outras moléculas menores podem servir com mensageiros.
Entre eles está o ATP, molécula chave do metabolismo. Ele está concentrado em muitas sinapses
do SNC e do SNP e é liberado na fenda dependente de cálcio. Parece abrir canais catiônicos na
membrana pós-sináptica.

Os peptídeos neuroativos ou neuropeptídeos são sintetizados e liberados em baixa quantidade. Foram


identificados ao menos 25 que atuam modulando atividades nervosas. A ação neuromoduladora
consiste em influenciar uma neurotransmissão clássica, alterando pré-sinapticamente a quantidade
de neurotransmissor liberada, em resposta a um potencial de ação, ou pós-sinapticamente, alterando
a sua resposta a um neurotransmissor. Geralmente, os neuropeptídeos são coliberados juntamente
com os neurotransmissores clássicos, mas em vesículas separadas (vesículas secretoras).

O óxido nítrico (NO) e monóxido de carbono (CO) são moléculas gasosas pequenas e que são
sintetizadas em enzimas específicas presentes em alguns neurônios. A síntese desses gases ocorre,
geralmente, nas sinapses excitatórias especialmente mediadas pelo glutamato, por meio de
receptores do tipo NMDA. Como são voláteis, não são armazenados em vesículas e se difundem
facilmente. Essas moléculas agem pós e pré-sinapticamente; nesse ultimo caso, age facilitando a
neurotransmissão por retroalimentação positiva.

Faça, agora, um resumo dos principais neurotransmissores do sistema nervoso e


seus receptores.

27
FARMACOLOGIA DO
SISTEMA NERVOSO UNIDADE II
AUTÔNOMO

CAPÍTULO 1
Drogas colinérgicas/colinomiméticas

Acetilcolina e receptores colinérgicos


A síntese da acetilcolina, que é o neurotransmissor do Sistema Nervoso Parassimpático, acontece
nos terminais pré-sinápticos, quando a colina e a acetil-CoA se combinam, formando a acetilcolina,
reação catalisada pela colina acetiltransferase. A despolarização do neurônio colinérgico pré-
sináptico permite a abertura dos seus canais de Ca+. O aumento da concentração intracelular de
cálcio causa a exocitose da acetilcolina (ACh) na fenda sináptica (Figura 10).

A acetilcolina difunde-se pela fenda sináptica e combina-se com os receptores especializados,


levando a um aumento localizado da permeabilidade iônica (receptores nicotínicos) ou à ativação de
segundos mensageiros intracelulares (receptores muscarínicos). Por outro lado, a acetilcolinesterase
(AChE), presente na membrana pós-sináptica, é a responsável pela degradação da acetilcolina em
colina e acetato. Existem dois tipos principais de receptores colinérgicos: os receptores nicotínicos
e os receptores muscarínicos.

Figura 10. Desenho esquemático das etapas de síntese, liberação e degradação da acetilcolina.

28
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II

Os receptores nicotínicos estão diretamente acoplados aos canais iônicos e medeiam a transmissão
sináptica excitatória rápida na junção neuromuscular, nos gânglios autônomos e em vários
locais no SNC. O mecanismo de ação, tanto na placa motora quanto nos gânglios, é baseado no
fato de que esse receptor, para a cetilcolina, é, também, um canal iônico para Na+ e K+. Quando
o receptor nicotínico é ativado pela acetilcolina, o canal se abre e ambos, Na+ e K+, fluem por ele,
reduzindo os respectivos gradientes eletroquímicos (o Na+ entra na célula e o K+ saí dela). Isso
causa a despolarização da membrana celular e, consequentemente, ocorrem o disparo neuronal
(nos gânglios) e a contração do músculo esquelético (placa motora).

A baixa afinidade do receptor nicotínico para acetilcolina permite a rápida dissociação da ACh
do receptor e a volta da configuração do receptor ao estado de repouso. A ocupação prolongada
dos receptores nicotínicos por um agonista anula a resposta efetora, isto é, o disparo do neurônio
pós-ganglionar cessa (efeito ganglionar), e a célula do músculo esquelético relaxa (efeito da placa
terminal neuromuscular). Dessa maneira, verifica-se a indução de um estado de “bloqueio
despolarizante”, que é refratário à reversão por outros agonistas. Esse efeito pode ser explorado
para a produção de paralisia muscular. Quando os níveis de acetilcolina permanecem elevados, os
receptores nicotínicos colinérgicos podem sofrer rápida dessensibilização.

Os receptores muscarínicos são receptores acoplados à proteína G. Os subtipos M1, M3 e M5 estão


acoplados a proteínas G responsáveis pela estimulação da fosfolipase C, com consequente formação
de IP3 e DAG – aumento da concentração de Ca+ e ativação da proteína cinase C, que fosforiza
proteínas intracelulares, ativando-as. Por outro lado, os subtipos M2 e M4 estão acoplados a proteínas
G responsáveis pela inibição da adenilil cliclase e ativação dos canais de K+ (hiperpolarização da
célula). Com isso, os subtipos M2 e M4 pré-sinápticos inibem a entrada de Ca+ no neurônio pré-
sináptico, diminuindo a fusão das vesículas e a liberação de acetilcolina.

Os receptores M1 (neuronais) produzem excitação lenta dos glânglios; os receptores M2 (cardíacos)


produzem redução da frequência e da força de contração cardíacas; os receptores M3 (glandulares)
causam secreção, contração da musculatura lisa visceral e relaxamento vascular. Os receptores
muscarínicos são encontrados, principalmente, nos órgãos efetores (coração, pulmão, bexiga,
sistema gastrintestinal, olhos, glândulas lacrimais, glândulas sudoríparas) e nas células endoteliais
da vasculatura.

Embora os receptores muscarínicos, como classe, possam ser ativados seletivamente e apresentem
acentuada estereosseletividade entre agonistas e antagonistas, o uso terapêutico dos agentes
colinomiméticos é limitado pela escassez de drogas seletivas para subtipos específicos de receptores
muscarínicos. Essa falta de especificidade, combinada aos efeitos de amplo espectro da estimulação
muscarínica sobre diferentes sistemas orgânicos, torna o uso terapêutico das drogas colinomiméticas
um verdadeiro desafio, de modo que a cuidadosa análise das propriedades farmacocinéticas das
drogas desempenha papel importante na tomada de decisões terapêuticas.

Na junção neuromuscular, os neurônios motores inervam um grupo de fibras musculares. A área


das fibras musculares inervadas por um neurônio motor individual é conhecida com região de
placa terminal. Múltiplas terminações pré-sinápticas estendem-se a partir do axônio do neurônio
motor. Quando um neurônio motor é despolarizado, suas vesículas se fundem com a membrana

29
UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO

pré-sináptica, liberando acetilcolina na fenda sináptica. Os receptores de acetilcolina na junção


neuromuscular são exclusivamente nicotínicos, e a estimulação desses receptores resulta em
despolarização da membrana da célula muscular e em geração de um potencial de placa terminal.

O potencial de placa terminal gerado despolariza os túbulos T, causando a abertura dos canais
de Ca+ no retículo sarcoplasmático. Isso proporciona o aumento da concentração intracelular do
íon, que, por sua vez, liga-se à troponina C, causando sua mudança conformacional. A mudança
conformacional da troponina C faz a tropomiosina (que estava bloqueando a interação entre a
actina e miosina) mover-se, fazendo com que a ligação miosina-actina ocorra, e formando, assim, as
chamadas pontes cruzadas. A formação dessas pontes está associada à hidrólise de ATP e à geração
de força.

O relaxamento ocorre quando o Ca+ é reacumulado no retículo sarcoplasmático pela Ca+ATPase


de sua membrana. Assim, a concentração de Ca+ diminui, não sendo possível mais a sua ligação à
troponina C. Quando o cálcio é liberado da troponina C, a tropomiosina retorna à sua posição de
repouso, bloqueando o local de ligação para a miosina na actina.

Os neurônios pré-ganglionares parassimpáticos originam-se em núcleos do tronco encefálico


(nervos facial, glossofaríngeo, oculomotor e vago) e em segmentos sacrais da medula espinhal
(origem crânio-sacral). Por outro lado, os neurônios pré-ganglionares simpáticos possuem origem
toracolombar. De maneira simplificada, a neurotransmissão ganglionar se dá da seguinte forma.

1. Há a despolarização da membrana neuronal pré-sináptica ganglionar, com liberação


de acetilcolina por exocitose.

2. Posteriormente, ocorre a ativação dos receptores nicotínicos pós-sinápticos


ganglionares pela acetilcolina, com consequente abertura dos canais de Na+.

3. Com a abertura dos canais de Na+, ocorre a despolarização da membrana do


neurônio ganglionar pós-sináptico, dando origem ao potencial excitatório pós-
sináptico (PEPS).

4. Quando o PEPS atinge uma amplitude crítica, dá-se origem ao potencial de ação no
nervo pós-sináptico.

5. O potencial de ação é transmitido pelo neurônio até sua terminação (sinapse)


simpática ou parassimpática.

6. A ativação neuronal pós-ganglionar parassimpática ativa os receptores muscarínicos


nos órgãos-alvos, causando os efeitos que estão relacionados no Quadro 1.

7. A ativação neuronal pós-ganglionar simpática ativa os receptores adrenérgicos


(alfa e beta) e produz, entre outros efeitos, taquicardia, midríase, constipação,
diminuição do tônus e da motilidade gastrintestinal, retenção urinária, xerostomia
e acomodação para visão para longe.

30
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II

No Sistema Nervoso Somático, as fibras inervam diretamente seus alvos, os músculos esqueléticos,
causando contração muscular por meio da ativação dos receptores nicotínicos. A glândula suprarrenal
faz parte do Sistema Nervoso Simpático, apesar de ser ativada pelos receptores nicotínicos.

Faça uma tabela que contenha o local (exemplos: vasos, brônquios, bexiga etc.), o
efeito (exemplos: vasodilatação, constrição e aumento das secreções) e o receptor
(nicotínicos e/ou muscarínicos) da ação da Acetilcolina.

A transmissão ganglionar é muito complexa. Os agonistas ganglionares (nicotina; tetrametilamônio


– TMA; e dimetilfenilpiperazino – DMPP) podem produzir efeitos simpáticos ou parassimpáticos,
além de poder estimular ou inibir a transmissão ganglionar, dependendo da dose (bloqueio
despolarizante em altas doses). O bloqueio dos receptores nicotínicos ganglionares resulta
em resposta dos órgãos efetores opostas àquelas produzidas pelo tônus autônomo normal (se
predominante o simpático ou o parassimpático).

A estimulação neuronal pós-ganglionar parassimpática ativa os receptores muscarínicos nos órgãos-


alvos, causando os efeitos que estão relacionados no Quadro 1.

Quadro 1. Efeitos da estimulação neuronal pós-ganglionar parassimpática nos receptores muscarínicos.

Tecido ou sistema Efeitos


Pele Inibição da sudorese; rubor.
Visual Ciclopegia; midríase; aumento da PI.
Gastrintestinal Diminuição da salivação e secreções; redução do tônus e motilidade do TGI.
Urinário Retenção urinária; relaxamento do ureter.
Respiratório Dilatação brônquica e diminuição das secreções.
Cardiovascular Bradicardia em baixas doses; taquicardia em altas doses.
Sistema Nervoso Central Diminuição concentração, memória; sonolência; sedação.

Os parassimpatomiméticos podem ser diretos e indiretos. Os primeiros estimulam diretamente


os receptores muscarínicos e nicotínicos (agonistas colinérgicos). Os indiretos atuam por meio da
inibição de acetilcolinesterase (anticolinesterásicos), preservando a ação da acetilcolina endógena.

Agonistas colinérgicos
Ao se ligarem aos receptores muscarínicos, esses fármacos geram potencial pós-sináptico excitatório
nos órgãos inervados pelo parassimpático. Os agonistas colinérgicos raramente são administrados
por injeção IM ou IV, visto que são quase imediatamente degradados por colinesterases presentes
nos espaços intersticiais, bem como no interior dos vasos sanguíneos. Além disso, os agonistas
colinérgicos atuam rapidamente e podem provocar uma crise colinérgica (superdose do fármaco,
resultando em fraqueza muscular extrema e possível paralisia dos músculos utilizados na respiração).

A utilidade terapêutica da acetilcolina é limitada em virtude de sua falta de seletividade como


agonista para diferentes tipos de receptores colinérgicos e de sua rápida degradação por colinesterases.
Essa dificuldade foi superada, em parte, pelo desenvolvimento de três derivados de ésteres de colina:

31
UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO

metacolina, carbacol e betanecol. A metacolina possui seletividade pelos receptores muscarínicos,


é resistente à pseudo-colinesterase e pouco suscetível à ação da colinesterase. O carbacol é menos
seletivo para receptores muscarínicos, porém é resistente a colinesterases. Já o betanecol é um
agonista seletivo dos receptores muscarínicos e resistente à degradação pelas colinesterases.

Todas as drogas são muito hidrofílicas e não atravessam as membranas, uma vez que retêm o
grupamento amônio quaternário do componente colina da acetilcolina. A pilocarpina é um
alcaloide colinomimético de ocorrência natural. Trata-se de uma amina terciária que atravessa as
membranas com relativa facilidade. Por conseguinte, é rapidamente absorvida pela córnea do olho e
tem a capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica. Ela é um agonista puro dos receptores
muscarínicos e não é afetada pela colinesterase. A metacolina, o betanecol e a pilocarpina são
agonistas seletivos dos receptores muscarínicos, enquanto o carbacol e a acetilcolina podem ativar
os receptores muscarínicos e nicotínicos.

Solução de acetilcolina (solução a 1%) e carbacol (solução de 0,01% a 3%) tem uso intraocular,
em cirurgia, para produzir miose. Carbacol e pilocarpina (solução de 0,25% a 1%) são eficazes
no tratamento do glaucoma (miótico), visto que a contração do músculo ciliar traciona a rede
trabecular, aumentando a sua porosidade e permeabilidade ao efluxo do humor aquoso. A contração
do esfíncter da íris pela pilocarpina afasta a íris periférica da rede trabecular, abrindo, assim, a via
para o efluxo de saída do humor aquoso. O carbacol é menos seletivo para receptores muscarínicos,
porém é resistente a colinesterases.

Betanecol é empregado para estimular a motilidade gastrintestinal, em quadro de íleo paralítico, e a


micção, em casos de bexiga neurogênica ou retenção urinária não obstrutiva. Também serve, junto
com metacolina, como alternativa à pilorcapina para promover salivação em casos de xerostomia.
A metacolina é utilizada para identificar a presença de hiper-reatividade brônquica em pacientes
sem asma clinicamente aparente. Para essa indicação, o fármaco é administrado por inalação, e
os pacientes que podem desenvolver asma, geralmente, apresentam contração exagerada das vias
aéreas. Ao terminar o teste, pode-se administrar um broncodilatador (agonista beta-adrenérgico),
para anular o efeito broncoconstritor.

A hipotensão potencialmente perigosa produzida pela ativação dos receptores muscarínicos


representa uma importante limitação para administração sistêmica de agonistas muscarínicos. Com
administração de baixas doses de agonistas muscarínicos, essa hipotensão desencadeia a ativação
de uma estimulação reflexa simpática compensatória do coração.

Devido à sua ligação a receptores presentes no Sistema Nervoso Parassimpático, os agonistas


colinérgicos podem produzir efeitos adversos em qualquer órgão inervado pelos nervos
parassimpáticos, tais como: náuseas, vômitos, cólicas e diarreias, visão turva, bradicardia,
hipotensão arterial, dispneia, frequência urinária aumentada, aumento da salivação e sudorese.

32
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II

Principais fármacos colinérgicos e suas


aplicações clínicas
» Toxina botulínica: degrada a sinaptobrevina, impedindo a fusão da vesícula
sináptica com a membrana do neurônio pré-sináptico. É indicada para casos de
estrabismo, torcicolo, acalasia, rugas e blefaroespasmo.

» Anticolinesterásicos

›› Neostigmina, edrofônio, fisostigmina, piridostigmina e ambemônio. Indicados


para o tratamento da miastenia.

›› Fisostigmina: penetra no cérebro e na medula, por ser uma amina terciária.


Indicada para reverter envenenamento de agente anticolinérgico.

›› Tacrina, donepezina, rivastigmina e galantamina. Indicados pra o tratamento da


doença de Alzheimer.

» Agonistas muscarínicos

›› Metacolina: utilizada apenas para o diagnóstico da asma.

›› Carbacol: produz miose – facilita esvaziamento. Uso tópico para tratamento


glaucoma.

›› Betanecol: promove a motilidade do TGI e do trato urinário.

›› Pilocarpina: agente miótico e tratamento da xerostomia.

» Agonistas nicotínicos

›› Succinilcolina: utilizada para produzir paralisia em cirurgia devido ao efeito de


bloqueio despolarizante.

» Antagonistas muscarínicos

›› Atropina: utilizada para induzir midríase (exames oftalmológicos); reverter


bradicardia sinusal; inibir excesso salivação e de secreção de muco; impedir
reflexos vagais induzidos por traumatismo cirúrgicos em órgãos viscerais; e
anular envenenamento muscarínico. Possui pouca afinidade pelos receptores
nicotínicos.

›› Escopolamina (hioscina): prevenção e tratamento da cinetose; náusea associada


à quimioterapia.

33
UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO

›› Metescopolamina e glicopirrolato: diminuição das secreções orais; tratamento


de úlceras pépticas; redução do espasmo do TGI.

›› Brometo de ipatrópio: tratamento da DPOC. Tratamento e profilaxia da asma e


bronquite.

›› Oxibutinina, propentalina, terodilina, tolterodilina: tratamento da bexiga


hiperativa.

Obs.: os antimuscarínicos são contraindicados aos pacientes com glaucoma, hipertrofia


prostática e em individuais idosos.

» Antagonistas nicotínicos: são utilizados para causar bloqueio neuromuscular


não despolarizante (bloqueio competitivo com a acetilcolina) durante procedimento
cirúrgicos – produzem paralisia flácida semelhante à miastenia. Seus efeitos podem
ser revertidos pelos inibidores da acetilcolinesterase.

›› D-tubocurarina.

›› Pancurônio.

›› Vecurônio.

›› Mivacúrio.

›› Trimetafan: utilizado para produzir bloqueio ganglionar no tratamento da


hipertensão em pacientes com dissecação da aorta, pois atenua os reflexos
simpáticos.

34
CAPÍTULO 2
Drogas anticolinérgicas

Anticolinesterásicos
Os agentes anticolinesterásicos bloqueiam a ação da enzima acetilcolinesterase, impedindo a
degradação da acetilcolina. O acúmulo de acetilcolina na fenda sináptica resulta numa maior ativação
dos receptores nicotínicos e muscarínicos. Há duas formas principais de colinesterase (ChE):
acetilcolinesterase (AChE), que se liga à membrana, relativamente específica para a acetilcolina
e responsável pela rápida hidrólise da acetilcolina nas sinapses colinérgicas; butilcolinesterase
(BChE) ou pseudocolinesterase, que é relativamente não seletiva e está presente no plasma e em
vários tecidos. Ambas as enzimas pertencem à família das hidrolases séricas.

As drogas anticolinesterásicas são de três tipos principais: reversível ação curta (edrofônio);
reversível ação média (neostigmina, fisostigmina); irreversível (organofosforados, diflos,
ecotiopato). Diferem na natureza de sua interação química com o local ativo da ChE. Os agentes
anticolinesterásicos reversíveis bloqueiam a degradação da acetilcolina durante minutos ou horas,
ao passo que o efeito bloqueador dos agentes irreversíveis perdura por vários dias ou semanas. Isto
se dá devido ao tipo de ligação química que ocorre entre os medicamentos e a acetilcolinesterase.

Os agentes anticolinesterásicos irreversíveis exercem efeitos de longa duração e são utilizados,


basicamente, como inseticidas tóxicos e pesticidas (carbamatos e organofosforados) ou como gás
dos nervos na guerra química. Apenas um deles possui utilidade terapêutica: o ecotiopato. Esses
anticolinesterásicos podem provocar intoxicações acidentais. Também pode ocorrer superdosagem
no seu uso terapêutico.

Os efeitos das drogas anti-ChE decorrem, principalmente, do estímulo da transmissão colinérgica


em sinapses autônomas colinérgicas e na junção neuromuscular. Os anti-ChE que atravessam a
barreira hematoencefálica (ex.: fisostigmina e organofosforados) também possuem acentuados
efeitos no SNC.

Os agentes anticolinesterásicos possuem utilidade terapêutica no tratamento do glaucoma e de


outras condições oftalmológicas, bem como na facilitação da motilidade gastrintestinal e vesical.
Além disso, influenciam a atividade na junção neuromuscular do músculo esquelético, aumentando
a força muscular na miastenia gravis. Os agentes anticolinesterásicos que atravessam a barreira
hematoencefálica demonstraram ter eficácia limitada no tratamento da doença de Alzheimer.

Portanto, os locais de ação dos anti–ChE de importância terapêutica incluem o SNC (doença de
Alzheimer – tacrina, donepezil, rivastigmina e galantamina), o olho (glaucoma – ecotiopato), o
intestino (íleo paralítico e atonia da bexiga – neostigmina) e a junção neuromuscular da musculatura
esquelética (miastenia gravis – piridostigmina, neostigmina e ambemônio).

35
UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO

O edrofônio, um agente quaternário cuja atividade se limita às sinapses do Sistema Nervoso Periférico,
tem afinidade moderada pela acetilcolinesterase e possui eliminação renal rápida, o que explica
sua curta duração de ação. Já a tacrina e o donepezil têm maior afinidade pela acetilcolinesterase,
são mais hidrofóbicos (mais lipofílicos) e atravessam a barreira hematoencefálica, inibindo a
acetilcolinesterase no Sistema Nervoso Central.

Os efeitos muscarínicos de utilização clínica dos anticolinesterásicos são os mesmos dos agonistas
colinérgicos. A neostigmina pode ser empregada em quadros de íleo paralítico e atonia de bexiga.
A fisostigmina tópica (colírio) é usada em associação com agonistas colinérgicos no tratamento
do glaucoma.

Os anticolinesterásicos também são utilizados no tratamento das intoxicações por fármacos


antagonistas colinérgicos (como a atropina), antidepressivos tricíclicos, pelos alcaloides da beladona
e pelos narcóticos. Nesses casos, se houver manifestações centrais, deve-se usar fisostigmina que
ultrapassa a barreira hematoencefálica.

Já os efeitos nicotínicos dos anticolinesterásicos são empregados para reverter bloqueio


neuromuscular produzido por relaxantes musculares periféricos competitivos (não despolarizantes)
e no tratamento da miastenia gravis. As reações adversas associadas aos anticolinesterásicos são:
náusea, vômitos, diarreia, dispneia, respiração sibilante e convulsões.

É importante saber que, em concentrações terapêuticas, os inibidores da AChE não ativam os


receptores colinérgicos em locais que não recebem estimulação sináptica colinérgica, como os
receptores muscarínicos endoteliais, de modo que o seu uso não está associado ao mesmo risco de
produzir respostas vasodilatadora acentuada.

Bloqueadores colinérgicos
Os medicamentos bloqueadores colinérgicos (anticolinérgicos) interrompem os impulsos nervosos
parassimpáticos no Sistema Nervoso Central e, no Sistema Nervoso Autônomo, são antagonistas
competitivos da acetilcolina em receptores muscarínicos. Os principais anticolinérgicos são os
alcaloides da beladona: atropina, beladona, homatropina, sulfato de hiosciamina, bromidrato de
escopolamina, glicopirrolato, propantelina, benztropina, trexifenidil, etopropazina e oxibutinina.

Os medicamentos anticolinérgicos são administrados por injeção antes dos exames de endoscopia
ou sigmoidoscopia, para relaxar a musculatura lisa do trato GI. Eles ainda são administrados
antes de uma cirurgia, para reduzir as secreções orais e gástricas, reduzir as secreções no sistema
respiratório e impedir queda na frequência cardíaca causada por estimulação nervosa vagal durante
a anestesia.

Embora os agonistas muscarínicos tipicamente não apresentem seletividade para os receptores


muscarínicos, alguns antagonistas muscarínicos são seletivos na sua capacidade de bloquear
determinados subtipos de receptores muscarínicos. A atropina e outros antagonistas dos receptores
muscarínicos produzem efeitos mínimos sobre a circulação na ausência de agonistas muscarínicos
circulantes. Isso porque o endotélio vascular não é inervado pelo parassimpático, mas possui

36
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II

receptores muscarínicos. Não existindo agonistas circulantes, não haverá alteração no estado
de relaxamento endotelial. Por sua vez, os fármacos antagonistas por si só carecem de atividade
intrínseca.

A acetilcolina liberada das fibras nervosas parassimpáticas ativa os receptores muscarínicos (M2)
no nodo sinoatrial e atrioventricular. A ativação desses receptores inibe a adenilato ciclase, além
de aumentar a condutância do canal de K+. Como resultado, o nodo sinoatrial é despolarizado
com menos frequência e dispara menos potenciais de ação por unidade de tempo (diminuição da
frequência cardíaca). Quando se administra atropina, o medicamento compete com a acetilcolina
pela sua ligação aos receptores colinérgicos presentes nos nodos sinoatrial e atrioventricular.
Bloqueando a ação da acetilcolina, a atropina acelera a frequência cardíaca. Além disso, esse fármaco
é usado em quadro de infarto do miocárdio, acompanhado de hiperatividade vagal, com bradicardia
e hipotensão.

Os antagonistas dos receptores muscarínicos (triexifenidil, benzotropina e difenidramina)


são utilizados, também, no tratamento da doença de Parkinson e no tratamento dos sintomas
extrapiramidais causados por medicamentos. Isso pode ser explicado pelo fato de que os receptores
muscarínicos da acetilcolina exercem um efeito excitatório, oposto ao da dopamina, sobre os
neurônios estriatais, bem como um efeito inibitório pré-sináptico sobre as terminações nervosas
dopaminérgicas. Por conseguinte, a supressão desses efeitos compensa, em parte, a falta de
dopamina. Esses fármacos diminuem mais o tremor do que a rigidez ou a hipocinesia. Seus efeitos
colaterais são boca seca, constipação, retenção urinária e visão turva. Os efeitos indesejáveis são
sonolência e confusão.

Os fármacos antagonistas nicotínicos (D-tubocurarina, pancurônio, vecurônio e mivacúrio) são


utilizados para causar bloqueio neuromuscular não despolarizante (bloqueio competitivo com a
acetilcolina) durante procedimento cirúrgico – produzem paralisia flácida semelhante à miastenia.
Seus efeitos podem ser revertidos pelos inibidores da acetilcolinesterase. O trimetafano pode
ser utilizado para produzir bloqueio ganglionar no tratamento da hipertensão em pacientes com
dissecação da aorta, pois atenuam os reflexos simpáticos.

Esses fármacos possuem uma margem de segurança (ou janela terapêutica) estreita. As principais
reações adversas são boca seca, visão borrada, redução das secreções brônquicas, aumento da
frequência cardíaca e diminuição da sudorese.

Faça, agora, uma síntese das drogas colinérgicas e anticolinérgicas, levando em


consideração o seu mecanismo de ação e sua ação farmacológica.

37
CAPÍTULO 3
Drogas simpatomiméticas/adrenérgicas

Transmissão noradrenérgica
As catecolaminas são compostos que contêm um catecol (anel benzênico com dois grupos hidroxila
adjacentes) e uma cadeia lateral amina. Do ponto de vista farmacológico, as catecolaminas mais
importantes são as seguintes.

» Noradrenalina: um transmissor liberado pelas terminações nervosas simpáticas.

» Adrenalina: um hormônio secretado pela medula da suprarrenal.

» Dopamina: o precursor metabólico da noradrenalina e adrenalina e, também, um


transmissor/neuromodulador do Sistema Nervoso Central.

» Isoproterenol: um derivado sintético da noradrenalina, ausente no organismo.

Há dois tipos de receptores noradrenérgicos: α e β, definidos em termos de potência.

» α: noradrenalina > adrenalina > isoproterenol

» β: isoproterenol > adrenalina > noradrenalina

Todos os receptores noradrenérgicos são receptores acoplados à proteína G típicos. Cada uma
das classes de receptores (α1, α2, β1, β2, β3) está associada a um sistema específico de segundos-
mensageiros. Assim, os receptores α1 estão acoplados à fosfolipase C e produzem seus efeitos,
principalmente, pela liberação de Ca++ intracelular. Os receptores α2 estão negativamente acoplados
à adenilato-ciclase e reduzem a formação de AMPc, assim como inibem canais de Ca++. Todos os três
tipos de receptores β agem por estimulação da adenilato-ciclase.

Os principais efeitos da ativação de receptores são os seguintes.

» α1: vasoconstrição; aumento da resistência periférica; aumento da pressão arterial;


midríase; estímulo da contração do esfíncter superior da bexiga; secreção salivar;
glicogenólise hepática; relaxamento do músculo liso gastrintestinal.

» α2: inibição da liberação de neurotransmissores, incluindo a noradrenalina;


inibição da liberação da insulina; agregação plaquetária; contração do músculo liso
vascular.

» β1: aumento da frequência cardíaca (taquicardia); aumento da força cardíaca (da


contratilidade do miocárdio); aumento da lipólise.

38
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II

» β2: broncodilatação; vasodilatação; pequena diminuição da resistência periférica;


aumento da glicogenólise muscular e hepática; aumento da liberação de glucagon;
relaxamento da musculatura lisa uterina; tremor muscular.

» β3: termogênese e lipólise.

A distinção entre receptores β1 e β2-adrenérgicos é importante, pois os receptores β1 são


encontrados, principalmente, no coração, onde são responsáveis pelos efeitos cronotrópicos e
inotrópicos das catecolaminas. Por outro lado, os receptores β2 são responsáveis pelo relaxamento
do músculo liso em vários órgãos. Esses últimos efeitos são, com frequência, úteis terapeuticamente,
enquanto os primeiros são mais frequentemente prejudiciais. Em consequência, foram realizados
esforços consideráveis para produzir agonistas β2-seletivos, capazes de relaxar o músculo liso
sem afetar o coração, e antagonistas β1 seletivos, que pudessem exercer um efeito bloqueador útil
sobre o coração, sem, ao mesmo tempo, bloquear os receptores β2 no músculo liso brônquico. É
importante lembrar que a seletividade desses fármacos é mais relativa do que absoluta. Assim,
compostos usados como antagonistas β1 seletivos invariavelmente têm, também, alguma ação
sobre os receptores β2, de modo que podem causar efeitos adversos, tais como broncoconstrição.

Os neurônios noradrenérgicos na periferia consistem em neurônios pós-ganglionares simpáticos


cujos corpos celulares se encontram nos gânglios simpáticos. Eles, geralmente, têm axônios longos
que terminam em uma série de varicosidades inseridas ao longo da rede de ramos terminais. À
exceção da medula suprarrenal, as terminações simpáticas são responsáveis por todo o conteúdo de
noradrenalina dos tecidos periféricos. Órgãos tais como coração, baço, ductos deferentes e alguns
vasos sanguíneos são, particularmente, ricos em noradrenalina.

Metabolismo da adrenalina
O precursor metabólico da noradrenalina é a L-tirosina, um aminoácido aromático que está
presente nos fluídos corporais e é captado pelos neurônios adrenérgicos. A tirosina hidroxilase,
uma enzima citosólica que catalisa a conversão da tirosina em DOPA, é encontrada apenas em
células que contêm catecolaminas. Trata-se de uma enzima bastante seletiva, diferentemente das
outras enzimas envolvidas no metabolismo das catecolaminas. A primeira etapa da hidroxilação é
o principal ponto de controle para a síntese de noradrenalina. A tirosina hidroxilase é inibida pelo
produto final da via de biossíntese, a noradrenalina.

A próxima etapa da conversão de DOPA em dopamina é catalisada pela DOPA descarboxilase, uma
enzima citosólica que não está confinada exclusivamente em células que sintetizam catecolaminas.
Ela é uma enzima relativamente inespecífica. A atividade da dopa descarboxilase não é fator
limitante da velocidade da síntese de noradrenalina. A dopamina β-hidroxilase (DBH) é, também,
uma enzima relativamente inespecífica, mas está restrita às células que sintetizam catecolaminas.
Essa enzima está localizada em vesículas sinápticas.

A maior parte da adrenalina nas terminações nervosas ou células cromafins está contida em vesículas.
Em condições normais, apenas uma pequena quantidade encontra-se na forma livre no citoplasma.

39
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS

A despolarização da membrana da terminação nervosa abre canais de cálcio na membrana, e a


consequente entrada de Ca++ promove a fusão e o esvaziamento das vesículas sinápticas.

A liberação de noradrenalina é afetada por uma variedade de substâncias que agem em receptores
pré-sinápticos. A noradrenalina, atuando em receptores pré-sinápticos, pode regular sua própria
liberação. Acredita-se que isso ocorra fisiologicamente, de tal modo que a noradrenalina liberada
exerce um efeito inibitório local sobre as terminações das quais ela se origina – o chamado
mecanismo de retroalimentação autoinibitória.

A ação da noradrenalina liberada termina, principalmente, pela captura do transmissor nas


terminações nervosas noradrenérgicas. A adrenalina e a noradrenalina circulantes são degradadas
enzimaticamente, porém muito mais lentamente do que a acetilcolina, em que a acetilcolinesterase,
localizada na sinapse, inativa o neurotransmissor em milissegundos. As duas enzimas principais
que metabolizam as catecolaminas estão localizadas intracelularmente, por isso a captação pelas
células, necessariamente, precede a degradação metabólica.

As catecolaminas endógenas e exógenas são metabolizadas, principalmente, por duas enzimas:


a monoaminooxidase (MAO) e a catecol-O-metil transferase (COMT). A MAO ocorre no interior
das células, ligada à membrana externa das mitocôndrias. A COMT está ausente nos neurônios
noradrenérgicos, mas é encontrada na medula da suprarrenal e em muitas outras células e tecidos.

Fármacos adrenérgicos
A atividade geral desses fármacos é ditada por sua afinidade, eficácia e seletividade, com respeito
aos diferentes tipos de receptores adrenérgicos. De modo geral, os agonistas de receptores
β-adrenérgicos são úteis como broncodilatadores, enquanto que os antagonistas de receptores α
e β-adrenérgicos são usados, principalmente, em indicações cardiovasculares, em virtude de seus
efeitos cardiodepressivos e vasodilatadores.

Os agonistas adrenérgicos podem ser de: ação direta, ação indireta e ação mista.

» Agonistas de ação direta: são os que atuam diretamente nos receptores


adrenérgicos α ou β, produzindo efeitos semelhantes ou liberando a adrenalina
pela medula adrenal. Os fármacos de ação direta são: adrenalina; noradrenalina;
isoproterenol; fenilefrina; dopamina; dobutamina; fenilefrina; metoxamina;
clonidina; metaproterenol ou orciprenalina; terbutalina; salbutamol ou albuterol.

» Agonistas de ação indireta: são os que não afetam diretamente os receptores pós-
sinápticos, mas provocam a liberação de noradrenalina dos terminais adrenérgicos.
Os fármacos de ação indireta são: anfetamina e tiramina.

» Agonistas de ação mista: são os que ativam os receptores adrenérgicos na


membrana pós-sináptica e causam a liberação de noradrenalina dos terminais pré-
sinápticos (adrenérgicos). Os fármacos de ação mista são: efedrina e metaraminol.

40
CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I

Fármacos agonistas de ação direta


ADRENALINA (Epinefrina) (Adrenalina) (Bupiabbot) (Hydren) – Também conhecida como
epinefrina, estimula, predominantemente, o receptor adrenérgico beta-1, (embora também tenha
ação sobre o receptor alfa-1 e outros receptores). Aumenta a força de contração do miocárdio e
a frequência cardíaca. Como a adrenalina contrai as arteríolas da pele, das membranas mucosas
(sobre receptores alfa) e, ao mesmo tempo, provoca a dilatação dos vasos sanguíneos do fígado
e musculatura esquelética, ocorre aumento da pressão sistólica e pequena diminuição da pressão
diastólica (é um dos vasopressores mais potentes).

Provoca a elevação da glicemia, devido a estimular a glicogenólise e inibir a secreção da insulina.


Também provoca a lipólise, transformando triglicerídeos em ácidos graxos. É utilizada como
terapêutica inicial no tratamento da asma aguda (causa broncodilatação em potencial), e
do choque anafilático. Como possui alguns efeitos fisiológicos opostos aos produzidos pela
histamina, a adrenalina também é utilizada no tratamento das reações alérgicas causadas pela
liberação de histamina (um sinal importante da reação sistêmica anafilática no paciente é o prurido
generalizado).

Na anestesia local, pode ser utilizada (1:100.000 partes de adrenalina), aumentando a duração
da anestesia devido à vasoconstrição que provoca, reduzindo o fluxo sanguíneo local na região em
que for administrada (reduz a velocidade de absorção do anestésico). Em oftalmologia, é utilizada
no tratamento do glaucoma.

A via de administração pode ser venosa (em emergência), subcutânea, cânula endotraqueal, inalação
e ocular (glaucoma), entretanto, as catecolaminas não devem ser administradas por via oral, por
serem inativadas pelas enzimas intestinais.

Efeitos adversos: arritmia cardíaca, hemorragia (devido ao aumento da pressão arterial),


hiperglicemia, ansiedade, pânico, cefaleia e tremores (ações no SNC). Pode, também, provocar o
edema pulmonar. Em pacientes com hipertireoidismo, a dose deve ser reduzida, pois aumenta as
ações cardiovasculares. Podem ocorrer interações medicamentosas com a digoxina, aumentando as
arritmias, e com bloqueadores adrenérgicos, aumentando ou diminuindo a pressão arterial e/ou a
frequência cardíaca.

NORADRENALINA – Também denominada de levarterenol e de norepinefrina, na terapêutica a


noradrenalina é utilizada no tratamento do choque. Entretanto, seu uso vem sendo questionado
devido aos efeitos adversos, como disritmias ventriculares, intensa vasoconstrição e hipertensão
arterial. Sua ação ocorre, predominantemente, sobre o receptor adrenérgico alfa-1 e beta. Nunca é
utilizada no tratamento da asma. Provoca aumento da pressão arterial sistólica e diastólica devido
à vasoconstrição da maioria dos vasos sanguíneos, incluindo do rim.

ISOPROTERENOL (Isuprel) – Consiste em uma catecolamina sintética que estimula (agonista),


predominantemente, os receptores adrenérgicos beta-1 e beta-2. É utilizado no tratamento do
bloqueio atrioventricular ou da parada cardíaca, pois provoca a estimulação cardíaca (por
meio dos receptores beta-1). Embora produza rápida broncodilatação (por meio dos receptores beta-
2), que deve ser por via inalatória, pouco tem sido usado no tratamento da asma, devido aos efeitos

41
UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO

adversos semelhantes aos da adrenalina. A forma injetável é usada no tratamento do choque. O


isoproterenol tem ação considerada curta, porque é eficientemente biotransformada pelo COMT.

DOPAMINA (Dopamin) (Revivan) – Estimula, predominantemente, os receptores adrenérgicos


alfa (em doses altas) e beta-1 (em doses baixas). Consiste no precursor metabólico da adrenalina e
ocorre, normalmente, no SNC, nos gânglios de base e na medula adrenal. A dopamina é fármaco de
escolha para o tratamento do choque. Tem sido, também, utilizada no tratamento da insuficiência
cardíaca congestiva, aumentando a pressão sanguínea, devido à estimulação do coração (no
receptor beta-1) e aumentando a circulação sanguínea renal e do baço. No rim, aumenta a filtração
glomerular, provocando a diurese de sódio.

A única via de administração é intravenosa em infusão, inclusive, pode causar necrose tecidual
em consequência do extravasamento durante a infusão. Não deve ser diluída em solução alcalina
(bicarbonato de sódio), podendo ser diluída em soro fisiológico 0,9%, mas, preferencialmente,
em soro glicosado 5%. A alcalinização das soluções de adrenalina ou dopamina com bicarbonato
produz a formação de pigmentos escuros (semelhantes à melanina) provenientes de pequena fração
de catecolamina ativada, além da possibilidade de formar precipitado, que pode obstruir a via de
infusões e formar êmbolos. Como a dopamina é metabolizada pelo ácido homovanílico, seus efeitos
adversos são fugazes, como a hipertensão, náusea e arritmia.

Os sinais clássicos do choque cardiogênico são: hipotensão arterial, pulso rápido e fraco, hipóxia ou
anóxia cerebral, diminuição do débito urinário e pele fria e úmida.

DOBUTAMINA (Dobutrex) (Inotam) – Agonista de receptores B1 e catecolamina sintética.


Usada na insuficiência cardíaca congestiva, possui vantagem sobre outros fármacos
simpaticomiméticos, porque não aumenta significativamente o consumo de oxigênio, aumenta o
débito, tendo discreta alteração da frequência cardíaca. Por aumentar a condução atrioventricular,
deve ser utilizada com cuidado na fibrilação atrial. Pode ocorrer tolerância com o uso prolongado.
Possui outros efeitos adversos semelhantes aos da adrenalina, como o aumento da pressão arterial.
Ambos os fármacos, tanto a dopamina quanto a dobutamina, apresentam meia-vida curta, em
cerca de dois minutos, e com duração da ação com tempo inferior a 10 minutos. A dobutamina não
estimula a liberação endógena de noradrenalina (ao contrário da dopamina) e não tem efeito sobre
os receptores dopaminérgicos. A única via de administração é intravenosa em infusão. Não deve ser
diluída em solução alcalina (bicarbonato de sódio), podendo ser diluída em soro fisiológico 0,9% ou
soro glicosado 5% ou dextrose 5% ou água estéril.

FENILEFRINA – Mais usada em associações (Naldecon) (Coristina) (Resprin). Consiste em


um fármaco vasoconstritor sintético que a aumenta a pressão tanto sistólica quanto diastólica.
Agonista, principalmente, dos receptores alfa-1. É utilizado como descongestionante nasal,
para o tratamento da midríase, para aumento da pressão arterial e para interrupção de
episódios de taquicardia supraventricular. A via de administração é oral e intranasal. Em
doses elevadas, pode ocorrer cefaleia hipertensiva e irregularidades.

Faça uma pesquisa sobre outras drogas adrenérgicas de ação direta.

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FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II

Fármacos agonistas de ação indireta: anfetaminas


Alguns autores classificam, também, as anfetaminas como medicamentos do grupo dos estimulantes
do Sistema Nervoso Central, considerado como estimulantes psicomotores e com indicações
terapêuticas muito limitadas. Os principais derivados da anfetamina constituem a dietilpropiona
(ou anfepramona), mazindol, metanfetamina, fenmetrazina, femproporex.

Quadro 2. Principais derivados da anfetamina.

Ações das anfetaminas: inibidoras da MAO; estimulam a liberação de noradrenalina (e dopamina


em doses altas); estimulante central; vasoconstrição da rede vascular; contração do músculo radial
da íris; degeneração de neurônios cerebrais.

Usos terapêuticos: as anfetaminas têm sido recomendadas no tratamento de crianças com


síndrome de atenção deficiente, obesidade grave e narcolepsia (distúrbio com incontrolável desejo
de dormir, também denominado de hipersonia; o metilfenidato é recomendado no tratamento sob-
rigorosa indicação médica).

Vias de administração: são administradas e bem absorvidas por via oral.

Efeitos adversos: hipertensão arterial; taquicardia; insônia; arritmias cardíacas; dor anginosa;
distúrbios da percepção; midríase; dependência física e química; comportamento psicótico (também
denominado psicose anfetamínica, com quadro clínico agudo semelhante à esquizofrenia, podendo
ser tratado com clopromazina).

As anfetaminas são conhecidas por usuários como “bolinhas”, “rebite”, devendo ser lembrado que o
uso indiscriminado ou sem a rigorosa análise antes da prescrição pode levar até a reações psicóticas
graves. A anfetamina tem sido utilizada (principalmente no Brasil) de modo inapropriado para o
controle do peso.

A tiramina não constitui um fármaco, embora seja um agonista adrenérgico de ação indireta,
por estimular a liberação de noradrenalina. A tiramina, existente em alguns alimentos, como
em alguns queijos e algumas frutas cítricas, assim como em vinhos (Chianti), estimula, também,
a liberação de serotonina das plaquetas, provocando a cefaleia tiramínica. Se o paciente estiver
em uso de fármacos inibidores da MAO (que correspondem aos antidepressivos fenelzina,
isocarboxazida e tranilcipromina), pode ocorrer crise hipertensiva grave, pois penetra no terminal

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UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO

neuronal, deslocando a noradrenalina, e, assim, aumentando a ação desse neurotransmissor nos


adrenoceptores.

Quadro 3. Fármacos de ação mista.

Fármacos agonistas de ação mista


Quadro 3. Fármacos de ação mista.

44
FARMACOLOGIA DO
SISTEMA NERVOSO UNIDADE III
CENTRAL

CAPÍTULO 1
Mecanismo de ação e vias neuronais
envolvidas nas ações farmacológicas

Neurotransmissão gabaérgica
As drogas que atuam no Sistema Nervoso Central (SNC) estão entre as primeiras que foram
descobertas pelos seres humanos primitivos e ainda constituem o grupo de compostos farmacológicos
mais amplamente utilizados. Além de seu uso na terapia, as drogas que atuam no SNC são utilizadas,
sem prescrição, para aumentar o bem-estar do indivíduo. A cafeína, o álcool e a nicotina são drogas
socialmente aceitas em muitos países, e seu consumo é praticado em todo o mundo. Como algumas
das drogas nesse grupo causam dependência e produzem graves disfunções pessoais, sociais e
econômicas, as sociedades acharam necessário controlar seu uso e sua disponibilidade.

Os neurotransmissores inibitórios e excitatórios regulam uma série diversificada de processos do


comportamento, incluindo sono, aprendizagem, memória e sensação da dor. Os neurotransmissores
inibitórios e excitatórios também estão implicados em diversos processos patológicos, como a
epilepsia e a neurotoxicidade. As interações entre os canais iônicos, os receptores que regulam esses
canais e os neurotransmissores de aminoácidos no Sistema Nervoso Central (SNC) constituem a
base molecular desses processos.

O SNC apresenta altas concentrações de determinados aminoácidos que se ligam a receptores


pós-sinápticos, atuando, assim, como neurotransmissores inibitórios ou excitatórios. Das
duas classes principais de aminoácidos neuroativos, o ácido γ- aminobutírico (GABA) é o
principal aminoácido inibitório, enquanto o glutamato é o principal aminoácido excitatório. Os
neurotransmissores de aminoácidos produzem respostas inibitórias ou excitatórias por meio de
uma alteração na condutância de um ou mais canais iônicos seletivos.

Os neurotransmissores inibitórios deflagram uma corrente de saída seletiva. Por exemplo, os


neurotransmissores inibitórios podem abrir os canais de K+ ou os canais de Cl-, para induzir o efluxo
de K+ ou o influxo de Cl-, respectivamente. Ambos os tipos de movimento de íons, a perda de cátions
intracelulares ou o ganho de ânions intracelulares, resultam em hiperpolarização e diminuição da

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UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

resistência da membrana. Por outro lado, um neurotransmissor excitatório pode abrir um canal
específico de cátions, como o canal de sódio, causando, dessa maneira, um influxo efetivo de íons
sódio que despolariza a membrana. Alternativamente, pode-se observar uma resposta excitatória
(despolarizante) quando um neurotransmissor induz o fechamento de canais de extravasamento
de potássio para reduzir o fluxo de saída de íons potássio. Observe que, em ambos os exemplos
apresentados, os neurotransmissores excitatórios de aminoácidos produzem uma corrente efetiva
de entrada. Os agentes farmacológicos que modulam a neurotransmissão GABAérgica, incluindo
os benzodiazepínicos e os barbitúricos, formam classes de fármacos de grande importância
clínica. Em contrapartida, os agentes farmacológicos cujo alvo consiste na neurotransmissão
glutamatérgica ainda continuam, em grande parte, experimentais.

O GABA atua como principal neurotransmissor inibitório no SNC dos mamíferos. As membranas
celulares da maioria dos neurônios e astrócitos do SNC de vertebrados expressam receptores de
GABA, que diminuem a excitabilidade neuronal por meio de vários tipos de mecanismos. Em virtude
de sua distribuição disseminada, os receptores de GABA influenciam muitos circuitos e muitas
funções neurais. Os fármacos que modulam os receptores de GABA afetam a reatividade e a atenção,
a formação da memória, a ansiedade, o sono e o tônus muscular. A modulação da sinalização GABA
também constitui um mecanismo importante para o tratamento da hiperatividade neuronal focal
ou disseminada na epilepsia.

A síntese de GABA é mediada pela descarboxilase do ácido glutâmico (GAD), que catalisa a
descarboxilação do glutamato nas terminações nervosas GABAérgicas. Por conseguinte, a quanti-
dade de GABA presente no tecido cerebral correlaciona-se com a quantidade de GAD funcional. A
GAD necessita de vitamina B6 como cofator. O GABA é acondicionado em vesículas pré-sinápticas
por um transportador (VGAT), que é o mesmo transportador expresso nas terminações nervosas
que liberam glicina, outro neurotransmissor inibitório. Em resposta a um potencial de ação, ocorre
liberação de GABA na fenda sináptica por fusão das vesículas contendo GABA com a membrana
pré-sináptica.

O término da ação do GABA na sinapse depende de sua remoção do espaço extracelular. Os


neurônios e a glia captam o GABA por meio de transportadores de GABA (GAT) específicos.
Foram identificados quatro GAT, os GAT-1 até GAT-4, exibindo, cada um deles, uma distribuição
característica no SNC. No interior das células, a enzima mitocondrial amplamente distribuída, a
GABA-transaminase (GABA-T), catalisa a conversão do GABA em semialdeído succínico (SSA),
que é oxidado subsequentemente ao ácido succínico pela SSA desidrogenase, entrando, a seguir, no
ciclo de Krebs, em que é transformado em α-cetoglutarato. A seguir, a GABA-T regenera o glutamato
a partir de α-cetoglutarato (Figura 11).

46
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

Figura 11. Síntese e metabolismo do glutamato e do GABA.

O GABA medeia seus efeitos neurofisiológicos por meio de sua ligação a receptores de GABA.
Existem dois tipos de receptores de GABA. Os receptores de GABA ionotrópicos (GABAA e
GABAC) consistem em proteínas de membrana de múltiplas subunidades que se ligam ao GABA
e que abrem um canal iônico de cloreto intrínseco. Os receptores de GABA metabotrópicos
(GABAB) são receptores heterodiméricos acoplados à proteína G que afetam as correntes iônicas
neuronais por meio de segundos mensageiros.

Os receptores de GABA mais abundantes no SNC consistem nos receptores ionotrópicos GABAA,
que são membros da superfamília de canais iônicos regulados por neurotransmissores rápidos,
incluindo os receptores nicotínicos periféricos e neuronais de acetilcolina (nAChR), os receptores
de serotonina tipo 3A/B (5HT3A/B) e os receptores de glicina. A exemplo de outros membros dessa
superfamília, os receptores GABAA são glicoproteínas transmembrana pentaméricas organizadas
para formar um poro iônico central circundado por cinco subunidades, tendo, cada uma delas,
quatro domínios que atravessam a membrana.

As cinco subunidades dos receptores GABAA circundam um poro iônico central seletivo para o
cloreto, que se abre na presença de GABA. O GABA e outros agonistas ligam-se a dois sítios que
estão localizados em porções extracelulares do complexo receptor–canal, na interface entre as
subunidades α e β. Os receptores GABAA também contêm vários sítios moduladores, onde ocorre
ligação de outros ligantes endógenos e/ou fármacos. Em muitos casos, a presença desses sítios e o
impacto da ligação do ligante dependem da composição de subunidades do receptor.

Certas moléculas endógenas modulam, de modo alostérico, a atividade dos receptores GABAA. O
metabolismo dessas moléculas no cérebro produz neuroesteroides, como a pregnenolona, a
desidroepiandrosterona (DHEA), a 5α-diidrodesoxicorticosterona (DHDOC), a 5α-tetraidrodesox
icorticosterona (THDOC) e a alopregnanolona. Em vez de atuar por meio de receptores nucleares,
como o fazem muitos hormônios esteroides, esses compostos alteram a função dos receptores
GABAA, por meio de sua ligação a sítios alostéricos na proteína do receptor, produzindo aumento na
ativação do receptor GABAA. Acredita-se que a DHDOC e a THDOC modulam a atividade cerebral
durante o estresse. As variações menstruais da alopregnanolona, um metabólito da progesterona,

47
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

contribuem para epilepsia perimenstrual (catamenial). A sulfatação da pregnenolona e da DHEA


resulta em neuroesteroides que inibem os receptores GABAA. Outra substância endógena que
intensifica a atividade dos receptores GABAA é a oleamida, uma amida de ácido graxo encontrada
no líquido cefalorraquidiano de animais com privação do sono. A injeção de oleamida em animais
normais induz o sono pela potencialização dos receptores GABAA.

Outro grupo de receptores ionotrópicos de GABA, GABAC, é formado por três subunidades que
não são encontradas nos receptores GABAA. Os receptores GABAC também são canais pentaméricos
de cloreto regulados por ligantes, cuja distribuição no SNC é restrita. Esses receptores estão,
principalmente, expressos na retina. Os receptores GABAC exibem propriedades farmacológicas
distintas, que diferem daquelas da maioria dos receptores GABAA. No momento atual, não existe
nenhum fármaco disponível dirigido para os receptores GABAC.

Os receptores GABAB são receptores acoplados à proteína G (Figura 12). Eles são expressos em
concentrações mais baixas que os receptores GABAA, principalmente, na medula espinal. Os
receptores GABAB atuam como heterodímeros de subunidades GABAB1 e GABAB2. O receptor
GABAB interage com proteínas G heterotriméricas contendo Gαi e Gαo, que inibem a adenilil ciclase,
ativam os canais iônicos de K+ e inibem os canais de Ca2+ regulados por voltagem. Nas sinapses
GABAérgicas, os receptores GABAB são expressos em nível tanto pré-sináptico quanto pós-sináptico.
Os autorreceptores pré-sinápticos modulam a liberação do neurotransmissor ao reduzir o influxo
de Ca2+, enquanto os receptores GABAB pós-sinápticos produzem potenciais inibitórios pós-
sinápticos lentos, por meio da ativação dos canais de K+ ativados por proteína G (GIRKS). As
taxas mais lentas de ativação e de desativação das correntes de GABAB, em comparação com aquelas
de GABAA, parecem ser devidas ao mecanismo de transdução de sinais de segundos mensageiros
relativamente lentos.

A ativação dos canais de K+ pela Gαi e Gαo inibe a descarga neuronal, visto que o K+ possui um
potencial de equilíbrio próximo a 70 mV. Por conseguinte, o aumento da condutância do K+, à
semelhança da condutância aumentada de Cl-, impulsiona a voltagem transmembrana neuronal
para potenciais de repouso, que reduzem a frequência de iniciação de potenciais de ação e, também,
desviam correntes excitatórias.

Figura 12. Sinalização do receptor GABAB.

48
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

Neurotransmissão glutamatérgica
Existem sinapses glutamatérgicas por todo o SNC. A ligação do glutamato a seus receptores desencadeia
eventos moleculares e celulares associados a numerosas vias fisiológicas e fisiopatológicas, incluindo
o desenvolvimento de uma sensação aumentada de dor (hiperalgesia), neurotoxicidade cerebral e
alterações sinápticas envolvidas em certos tipos de formação da memória. Embora as aplicações
clínicas da farmacologia do glutamato ainda sejam, hoje em dia, limitadas, a previsão é de que a
farmacologia do glutamato irá se tornar uma área cada vez mais importante da Neurofarmacologia.

A síntese do glutamato ocorre através de duas vias distintas. Em uma dessas vias, o α-cetoglutarato,
formado no ciclo de Krebs, é transaminado a glutamato nas terminações nervosas do SNC.
Alternativamente, a glutamina produzida e secretada pelas células da glia é transportada nas
terminações nervosas e convertida em glutamato pela glutaminase.

O glutamato é liberado das vesículas contendo o transmissor, por exocitose, por meio de um
processo dependente de cálcio. O glutamato é removido da fenda sináptica por transportadores
de recaptação do glutamato, que estão localizados nas terminações nervosas pré-sinápticas e
nas membranas plasmáticas das células gliais. Esses transportadores são dependentes de Na+ e
possuem alta afinidade pelo glutamato. Nas células gliais, a enzima glutamina sintetase converte
o glutamato em glutamina, que é reciclada em terminações nervosas adjacentes para nova conversão
em glutamato. A glutamina gerada nas células gliais também pode entrar no ciclo de Krebs e
sofre oxidação; o α-cetoglutarato resultante penetra nos neurônios para repor o α-cetoglutarato
consumido durante a síntese de glutamato.

Os receptores ionotrópicos de glutamato medeiam as respostas sinápticas excitatórias rápidas.


Esses receptores são canais seletivos de cátions constituídos por múltiplas subunidades que, ao
serem ativadas, permitem o fluxo de íons Na+, K+ e, em alguns casos, Ca2+ através das membranas
plasmáticas. Existem três subtipos principais de canais de íons regulados pelo glutamato,
classificados de acordo com a sua ativação pelos agonistas seletivos AMPA, cainato e NMDA.

Os receptores de AMPA (ácido alfa-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazol propiônico) são


encontrados em todo o SNC e localizam-se, particularmente, no hipocampo e no córtex cerebral.
Foram identificadas quatro subunidades dos receptores de AMPA (GluR1-GluR4). A ativação do
receptor de AMPA resulta, primariamente, no influxo de Na+ (bem como em certo efluxo de K+),
permitindo que esses receptores regulem a despolarização pós-sináptica excitatória rápida nas
sinapses glutamatérgicas. Embora a maioria dos receptores de AMPA no SNC tenha uma baixa
permeabilidade para o Ca2+, a ausência de certas subunidades (como GluR2) no complexo do
receptor aumenta a permeabilidade do canal ao Ca2+. A entrada de cálcio por meio dos receptores
de AMPA pode desempenhar um papel na lesão neuronal.

Os receptores de cainato são expressos em todo o SNC, sendo encontrados, particularmente,


no hipocampo e no cerebelo. Foram identificadas cinco subunidades do receptor de cainato. A
exemplo dos receptores de AMPA, os receptores de cainato permitem o influxo de Na+ e o efluxo
de K+ através de canais que possuem uma cinética rápida de ativação e desativação. A combinação
das subunidades no complexo do receptor de cainato também determina a permeabilidade do canal

49
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

ao Ca2+. Experimentos utilizando agentes seletivos para o receptor levaram ao estabelecimento


de funções específicas para os receptores de cainato. Assim, por exemplo, na medula espinal, os
receptores de cainato participam na transmissão da dor.

Os receptores NMDA (N-metil-D aspartato) são expressos, primariamente, no hipocampo, no


córtex cerebral e na medula espinal. Esses receptores consistem em complexos transmembrana
oligoméricos, compostos de múltiplas subunidades. A ativação do receptor NMDA, que exige a
ligação simultânea de glutamato e glicina, abre um canal que permite o efluxo de K+, bem como
o influxo de Na+ e Ca2+. Nos receptores NMDA que estão ocupados pelo glutamato e pela glicina,
os íons Mg2+ bloqueiam o poro do canal na membrana em repouso. É necessária a despolarização
da membrana concomitantemente com a ligação do agonista para remover esse bloqueio de Mg2+
dependente de voltagem. A despolarização da membrana pós-sináptica que remove o bloqueio do
receptor Mg2+ ligado ao NMDA pode ser produzida por séries de potenciais de ação pós-sinápticos
ou pela ativação de receptores AMPA/cainato em regiões adjacentes à membrana. Por conseguinte,
os receptores NMDA diferem dos outros receptores ionotrópicos de glutamato em dois aspectos
importantes: exigem a ligação de múltiplos ligantes para a ativação do canal e a sua regulação
depende de uma atividade pré-sináptica mais intensa do que a necessária para abrir os receptores
AMPA ou de cainato.

Os receptores metabotrópicos de glutamato (mGluR) consistem em um domínio


transmembrana que atravessa sete vezes a membrana, acoplado a diversos mecanismos efetores
através de proteínas G. Existem pelo menos oito subtipos de receptores metabotrópicos de glutamato;
cada um deles pertence a um de três grupos (grupos I, II e III), de acordo com a sua homologia de
sequência, mecanismo de transdução de sinais e farmacologia. Os receptores do grupo I provocam
excitação neuronal pela ativação da fosfolipase C (PLC) e liberação de IP3 intracelular mediada por
Ca2+ ou através da ativação da adenilil ciclase e geração de cAMP. Os receptores dos grupos II e III
inibem a adenilil ciclase e diminuem a produção de cAMP. Essas vias de segundos mensageiros
regulam os fluxos iônicos de outros canais. Assim, por exemplo, a ativação dos receptores
metabotrópicos de glutamato no hipocampo, no neocórtex e no cerebelo aumenta as taxas de
descarga neuronal ao inibir uma corrente de K+ hiperpolarizante. Os mGluR pré-sinápticos, como
os receptores dos grupos II e III no hipocampo, podem atuar como autorreceptores inibitórios, que
inibem os canais de Ca2+ pré-sinápticos, limitando, portanto, a liberação pré-sináptica de glutamato.

Neurotransmissão serotoninérgica
A serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5HT) e a norepinefrina (NE) desempenham papéis críticos
na modulação do humor, no ciclo de sono vigília, na motivação, na percepção da dor e na função
neuroendócrina. As projeções serotoninérgicas para a medula espinal estão envolvidas na percepção
da dor, na regulação visceral e no controle motor, enquanto as projeções para o prosencéfalo são
importantes na modulação do humor, na cognição e na função endócrina. O sistema noradrenérgico
modula a vigilância, as respostas ao estresse, a função neuroendócrina, o controle da dor e a atividade
do Sistema Nervoso Simpático.

50
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

A liberação de 5HT e de NE ocorre, primariamente, por meio de varicosidades. Ao contrário das


sinapses, que formam contatos firmes com neurônios-alvo específicos, as varicosidades liberam
grandes quantidades de neurotransmissor a partir de vesículas presentes no espaço extracelular,
estabelecendo gradientes de concentração de neurotransmissor nas áreas de projeção das
varicosidades. As células que contêm 5HT nos núcleos da rafe e as células que contêm NE no locus
ceruleus se projetam amplamente através do córtex cerebral, enquanto a dopamina apresenta um
padrão mais focado de projeções. Cada um desses sistemas possui autorreceptores pré-sinápticos
proeminentes que controlam as concentrações locais de transmissores. Essa autorregulação resulta
em descarga coordenada, produzindo ondas espontâneas e sincrônicas de atividade, que podem ser
medidas como frequências de descarga.

A concentração média estabelece o tônus basal de atividade nos neurônios-alvo que recebem
projeções de 5HT e NE. Além disso, estímulos específicos podem provocar rápidos surtos de
descarga, superpostos à atividade tônica basal, fornecendo informações adicionais. Por conseguinte,
os sistemas de projeção difusos podem fornecer dois tipos de informação: uma descarga neuronal
rápida e distinta, semelhante à neurotransmissão mais tradicional, e uma frequência de descarga
tônica mais lenta, que, presumivelmente, proporciona uma integração da informação no decorrer
de um maior período de tempo.

A serotonina é sintetizada a partir do aminoácido triptofano pela enzima triptofano hidroxilase


(TPH), que converte o triptofano em 5-hidroxitriptofano. A seguir, a L-aminoácido aromático
descarboxilase converte o 5-hidroxitriptofano em serotonina. Essas enzimas são encontradas no
citoplasma dos neurônios serotoninérgicos, tanto no corpo celular quanto nos processos celulares.
A serotonina é concentrada e armazenada no interior de vesículas localizadas nos axônios, corpos
celulares e dendritos. O ciclo metabólico da serotonina envolve a sua síntese, captação em vesículas
sinápticas, exocitose, recaptação no citoplasma e, a seguir, captação em vesículas ou degradação. É
importante assinalar que pode ocorrer regulação dos níveis de neurotransmissão da 5HT e NE em
qualquer uma dessas etapas (Figura 13).

Figura 13. Regulação pré-sináptica da neurotransmissão da serotonina.

51
UNIDADE II │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO

A 5HT é transportada em vesículas por intermédio do transportador de monoaminas vesicular


(VMAT, vesicular monoamine transporter). Esse é um transportador inespecífico de monoaminas,
que é importante no acondicionamento vesicular da dopamina (DA) e da epinefrina (EPI), bem como
da 5HT. A reserpina liga-se, irreversivelmente, ao VMAT e, portanto, inibe o acondicionamento da
DA, da NE, da EPI e da 5HT em vesículas. Os transportadores de recaptação seletiva da serotonina
reciclam a 5HT da fenda sináptica de volta ao neurônio pré-sináptico.

Os transportadores da recaptação seletiva de monoaminas são proteínas que atravessam doze


vezes a membrana e que acoplam o transporte do neurotransmissor ao gradiente de sódio
transmembrana. Ao contrário do VMAT, que é um transportador inespecífico de monoaminas,
os transportadores de recaptação de monoaminas exibem seletividade, alta afinidade e baixa
capacidade para cada monoamina específica. Os transportadores seletivos de monoaminas, que
incluem o transportador de serotonina (SERT), o transportador de norepinefrina
(NET) e o transportador de dopamina (DAT), também são capazes de transportar as outras
monoaminas, porém com menos eficiência.

Quando a 5HT retorna ao citoplasma neuronal, o neurotransmissor é transportado, em vesículas,


através do VMAT, ou sofre degradação pelo sistema de monoamina oxidase (MAO). As enzimas
mitocondriais MAO regulam os níveis de monoaminas nos tecidos neurais e que inativam as
monoaminas (como a tiramina) circulantes e dietéticas no fígado e no intestino. As duas isoformas,
a MAO-A e a MAO-B, diferem de acordo com a especificidade de substrato: a MAO-A oxida a 5HT,
a NE e a DA, enquanto a MAO-B oxida, preferencialmente, a DA. As monoamina oxidases inativam
as monoaminas por meio de desaminação oxidativa, utilizando uma flavina funcional como aceptor
de elétrons. A catecol-O-metiltransferase (COMT), no espaço extracelular, é outra enzima
importante de degradação das monoaminas, embora a COMT desempenhe um papel menos
significativo no SNC do que na periferia.

Foram caracterizados múltiplos subtipos de receptores de 5HT, e todos eles, à exceção de um, estão
acoplados à proteína G. Em geral, a classe de receptores 5HT1 inibe a adenilil ciclase, a classe 5HT2
aumenta a renovação do fosfatidilinositol, e as classes 5HT4, 5HT6 e 5HT7 estimulam a adenilil
ciclase. O único canal iônico regulado por ligante conhecido é o receptor 5HT3, embora vários
subtipos de receptores de 5HT ainda não estejam totalmente caracterizados. O receptor 5HT1A é
expresso tanto nos corpos celulares serotoninérgicos dos núcleos da rafe quanto em neurônios pós-
sinápticos no hipocampo, e a sua ativação resulta em diminuição dos níveis de cAMP. O receptor
5HT1D pré-sináptico medeia os mecanismos autoinibitórios da neurotransmissão da 5HT nos
terminais axônicos.

A sinalização dos receptores 5HT2A e 5HT2C é excitatória e baixa o limiar de descarga neuronal. Os
vários subtipos de receptores estão diferencialmente expressos no cérebro. Por exemplo, um subgrupo
de projeções de 5HT para o córtex estimula os receptores 5HT2 pós-sinápticos, enquanto outras
projeções para o sistema límbico estimulam os receptores 5HT1A pós-sinápticos. Entretanto, existe
uma considerável superposição na expressão dos subtipos de receptores, e a importância fisiológica
dessa superposição não está bem elucidada.

52
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO │ UNIDADE II

Neurotransmissão dopaminérgica
A dopamina (DA) pertence à família de catecolaminas de neurotransmissores. Além da dopamina,
essa família inclui a norepinefrina (NE) e a epinefrina (EPI). Como o próprio nome sugere, a
estrutura básica das catecolaminas consiste em um catecol (3,4-diidroxibenzeno) conectado a um
grupo amina por uma ponte etil. As vias catecolaminérgicas no cérebro possuem uma organização de
fonte única-divergente, uma vez que surgem de pequenos grupos de neurônios catecolaminas, que
dão origem a projeções amplamente divergentes. As catecolaminas do SNC modulam a função da
neurotransmissão de ponto a ponto e afetam processos complexos, como humor, atenção e emoção.

O aminoácido neutro tirosina é o precursor de todas as catecolaminas. A maior parte da tirosina


é obtida da dieta, e uma pequena proporção também pode ser sintetizada no fígado, a partir da
fenilalanina. A primeira etapa na síntese de DA consiste na conversão da tirosina em L-DOPA
(l-3,4-dihidróxifenilalanina ou levodopa) por oxidação da posição 3 no anel de benzeno. Essa
reação é catalisada pela enzima tirosina hidroxilase (TH), uma ferro-enzima (que contém ferro)
constituída de quatro subunidades idênticas, tendo, cada uma delas, cerca de 60 kDa. Além do
Fe2+, o TH também necessita do cofator tetraidrobiopterina, que é oxidada a diidrobiopterina
durante a reação. É importante assinalar que a oxidação da tirosina a l-DOPA é a etapa que limita a
velocidade na produção não apenas da DA, mas também de todos os neurotransmissores da família
das catecolaminas.

A próxima e última etapa na síntese de DA consiste na conversão da l-DOPA em DA pela enzima


aminoácido aromático descarboxilase (AADC). A AADC cliva o grupo carboxila do carbono α da cadeia
lateral de etilamina, liberando dióxido de carbono. A AADC requer o cofator fosfato de piridoxal.
Embora a AADC seja, algumas vezes, designada como DOPA descarboxilase, é indiscriminada na
sua capacidade de clivar grupos carboxila dos carbonos α de todos os aminoácidos aromáticos e
está envolvida na síntese de transmissores não catecois, como a serotonina. A AADC é abundante
no cérebro. É expressa por neurônios dopaminérgicos, mas também está presente em células não
dopaminérgicas e na glia. Além disso, a AADC é expressa em quase todos os tipos celulares do corpo.

Nos neurônios dopaminérgicos, o produto final da via de síntese das catecolaminas é a dopamina.
Nas células que secretam a catecolamina NE, a DA é convertida em NE pela enzima dopamina
β-hidroxilase. Em outras células, a NE pode ser convertida, subsequentemente, em epinefrina
pela feniletanolamina N-metiltransferase. Os neurônios dopaminérgicos carecem de ambas as
enzimas, porém é importante ter em mente toda a via de biossíntese das catecolaminas, visto que a
manipulação farmacológica da biossíntese de DA também pode alterar a produção de NE e de EPI.

A DA é sintetizada a partir da tirosina no citoplasma do neurônio e, a seguir, é transportada no interior


de vesículas secretoras para armazenamento e liberação. São necessárias duas bombas moleculares
separadas para o transporte da DA nas vesículas sinápticas. Uma ATPase de prótons concentra
prótons na vesícula, criando um gradiente eletroquímico caracterizado por pH intravesicular baixo
(isto é, concentração elevada de prótons) e um interior eletropositivo da vesícula. Esse gradiente
é explorado por um antiportador de prótons, o transportador de monoaminas vesicular
(VMAT), que permite o deslocamento de prótons ao longo do gradiente (para fora da vesícula)
enquanto efetua o transporte simultâneo de DA para dentro da vesícula, contra o seu gradiente de

53
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

concentração. Com a estimulação da célula nervosa, as vesículas de armazenamento de DA fundem-


se com a membrana plasmática de modo dependente de Ca2+, liberando DA na fenda sináptica. A
DA na fenda pode ligar-se tanto a receptores de DA pós-sinápticos quanto a autorreceptores de DA
pré-sinápticos (Figura 14).

Existem vários mecanismos para remover a DA sináptica e interromper o sinal produzido pelo
neurotransmissor. A maior parte da DA liberada na fenda sináptica é transportada de volta à célula
pré-sináptica por uma proteína de onze domínios transmembrana, o transportador de dopamina
(DAT). O DAT pertence à família de bombas de recaptação de catecolaminas. A recaptação da DA
envolve o transporte do neurotransmissor contra o seu gradiente de concentração e, por conseguinte,
requer uma fonte de energia. Por essa razão, o DAT acopla a recaptação de dopamina com o
cotransporte de Na+ ao longo de seu gradiente de concentração na célula. Com efeito, tanto o Na+
quanto o Cl- são cotransportados com a DA no interior da célula. Como o gradiente de Na+ é mantido
pela bomba de Na+/K+-ATPase, a recaptação de DA depende, indiretamente, da presença de uma
bomba de Na+/K+ funcional. A DA captada no interior da célula pré-sináptica pode ser reciclada em
vesículas para uso subsequente na neurotransmissão (pelo VMAT) ou pode ser degradada pela ação
das enzimas monoamina oxidase (MAO) ou catecol-O-metil transferase (COMT).

A MAO é uma enzima-chave cuja função consiste em interromper a ação das catecolaminas tanto
no cérebro quanto na periferia. Ela é encontrada em duas isoformas: a MAO-A, que é expressa no
cérebro, bem como na periferia, e a MAO-B, que se concentra no SNC. Ambas as isoformas da MAO
podem degradar a dopamina, bem como uma ampla variedade de compostos monoamínicos. Em
condições normais, a MAO-B é responsável pelo catabolismo da maior parte da dopamina do SNC.
As diferentes funções desempenhadas pelas isoformas da MAO são terapeuticamente importantes.
A inibição seletiva da MAO-B é utilizada para aumentar a função da dopamina no SNC e, em geral, é
bem tolerada. Por outro lado, a inibição da MAO-A retarda a degradação de todas as catecolaminas
centrais e periféricas. A inibição da MAO-A pode levar a uma toxicidade potencialmente fatal
quando combinada com agentes que liberam catecolaminas, como o simpaticomimético de ação
indireta tiramina, que é encontrada em certos vinhos e queijos.

A DA sináptica que não é captada na célula pré-sináptica pode difundir-se para fora da fenda
sináptica ou ser degradada pela ação da COMT. A COMT é expressa no cérebro, no fígado, no rim e
no coração; inativa as catecolaminas pela adição de um grupo metila ao grupo hidroxila na posição
3 do anel benzeno. No SNC, a COMT é expressa, primariamente, pelos neurônios. A ação sequencial
da COMT e da MAO degrada a DA ao metabólito estável, o ácido homovanílico (HVA), que é
excretado na urina.

54
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

Figura 14. Neurotransmissão dopaminérgica.

Os receptores de dopamina são membros da família de proteínas receptoras acopladas à proteína


G. Originalmente, as propriedades dos receptores de dopamina foram classificadas de acordo com
seu efeito sobre a formação de AMP cíclico (cAMP): a ativação dos receptores de classe D1 leva a
um aumento do cAMP, enquanto a ativação dos receptores da classe D2 inibe a produção de cAMP.
Estudos subsequentes levaram à clonagem das proteínas receptoras, revelando cinco receptores
distintos, codificados, cada um deles, por um gene separado. Todos os receptores de DA conhecidos
exibem a estrutura típica dos receptores acoplados à proteína G, com sete domínios transmembrana.
A classe D1 contém dois receptores de dopamina (D1 e D5), enquanto a classe D2 contém três
receptores (D2, D3 e D4). Existem duas formas alternativas da proteína D2, D2 S (isto é, curta) e
D2L (isto é, longa), que representam variantes de junção alternativas do mesmo gene; sua diferença
reside na terceira alça citoplasmática, que afeta a interação com a proteína G, mas não a ligação à
dopamina.

As cinco proteínas receptoras diferentes de dopamina possuem distribuições distintas no cérebro.


Ambos os receptores D1 e D2 são expressos em altos níveis no estriado (núcleo caudado e putâmen),
onde desempenham um papel no controle motor dos núcleos basais, bem como no nucleus
accumbens e no tubérculo olfatório. Os receptores D2 também são expressos em altos níveis nos
lactótrofos da adeno-hipófise, onde regulam a secreção de prolactina. Acredita-se que os receptores
D2 desempenhem um papel na esquizofrenia, visto que muitas medicações antipsicóticas exibem
alta afinidade por esses receptores, embora a localização dos receptores D2 envolvidos ainda não
tenha sido elucidada. Os receptores D3 e D4 estão relacionados aos receptores D2 em nível tanto
estrutural quanto funcional e, também, podem estar envolvidos na patogenia da esquizofrenia.

55
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Ocorre expressão de altos níveis dos receptores D3 no sistema límbico, incluindo o nucleus
accumbens e o tubérculo olfatório. Os receptores D4 foram localizados no córtex frontal, diencéfalo
e tronco encefálico. Os receptores D5 apresentam uma distribuição esparsa e são expressos em
baixos níveis, principalmente, no hipocampo, tubérculo olfatório e hipotálamo.

A regulação da formação de cAMP constitui a característica que define as classes de receptores


de dopamina, porém os receptores dopamínicos também podem afetar outros aspectos da função
celular, dependendo de sua localização e ligação a sistemas de segundos mensageiros. Os receptores
de dopamina são expressos, em sua maioria, sobre a superfície de neurônios pós-sinápticos, nas
sinapses dopaminérgicas. A densidade desses receptores é estreitamente controlada por meio da
inserção e remoção reguladas das proteínas do receptor de dopamina da membrana pós-sináptica.
Os receptores DA também são expressos em nível pré-sináptico, nas terminações dos neurônios
dopaminérgicos. Os receptores de dopamina pré-sinápticos, cuja maior parte pertence à classe D2,
atuam como autorreceptores.

Esses autorreceptores percebem o fluxo excessivo de dopamina a partir da sinapse e reduzem o


tônus dopaminérgico, diminuindo a síntese de DA no neurônio pré-sináptico e reduzindo a taxa
de descarga neuronal e a liberação de dopamina. Ocorre inibição da síntese de DA por meio da
infrarregulação da atividade TH dependente do cAMP. O efeito inibitório sobre a liberação de DA
e a descarga neuronal deve-se, em parte, a um mecanismo distinto que envolve a modulação dos
canais de K+ e de Ca2+. O aumento da abertura dos canais de K+ resulta em uma maior corrente que
hiperpolariza o neurônio, de modo que é necessária uma maior despolarização para atingir o limiar
de descarga. A diminuição da abertura dos canais de Ca2+ resulta em níveis diminuídos de Ca2+
intracelular. Como o Ca2+ é necessário para o deslocamento da vesícula sináptica e para sua fusão
com a membrana pré-sináptica, a diminuição dos níveis intracelulares de Ca2+ resulta em liberação
diminuída de dopamina.

56
CAPÍTULO 2
Fármacos usados no Sistema Nervoso
Central

Agentes farmacológicos que afetam a


neurotransmissão gabaérgica
Os agentes farmacológicos que atuam sobre a neurotransmissão GABAérgica afetam o metabolismo
do GABA ou a atividade de seu receptor. Os agentes farmacológicos que afetam a neurotransmissão
GABAérgica atuam, em sua maioria, sobre o receptor GABAA ionotrópico. Os receptores GABAA
são regulados por diversas classes de fármacos que interagem com os sítios de ligação do GABA
ou com sítios alostéricos. Os agentes terapêuticos que ativam os receptores GABAA são utilizados
para sedação, ansiólise, hipnose, neuroproteção após acidente vascular cerebral ou traumatismo
cranioencefálico e controle da epilepsia. Vários outros agentes são utilizados para fins puramente
experimentais.

Tabela 1. Lista parcial de agentes que modulam a transmissão GABAérgica.

57
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Inibidores do metabolismo do GABA


A tiagabina é um inibidor competitivo dos transportadores de GABA nos neurônios e na glia,
onde pode atuar seletivamente sobre o GAT-1. A principal indicação clínica da tiagabina consiste
no tratamento da epilepsia. Ao inibir a recaptação de GABA, a tiagabina aumenta as concentrações
de GABA tanto sinápticas quanto extrassinápticas. O resultado consiste em agonismo inespecífico
dos receptores ionotrópicos e metabotrópicos de GABA, sendo os principais efeitos observados nos
receptores GABAA. A tiagabina é uma medicação oral de rápida absorção, com biodisponibilidade
de 90%. Liga-se altamente às proteínas. O metabolismo é hepático, primariamente, por meio
da CYP3A4. A tiagabina não induz as enzimas do citocromo P450, porém o seu metabolismo é
influenciado pelo uso concomitante de indutores ou inibidores da CYP3A4. Os efeitos adversos da
tiagabina são aqueles produzidos por uma alta atividade do GABA, incluindo confusão, sedação,
amnésia e ataxia. A tiagabina potencializa a ação dos moduladores dos receptores GABAA, como o
etanol, os benzodiazepínicos e os barbitúricos.

O γ-vinil GABA (vigabatrin) é um inibidor suicida da GABA transaminase. A administração desse


fármaco bloqueia a conversão do GABA em semialdeído succínico, resultando em concentrações
intracelulares elevadas e aumento da liberação sináptica de GABA. A exemplo da tiagabina, o
aumento da função dos receptores GABA pelo γ-vinil GABA não é seletivo, visto que as concentrações
de GABA estão aumentadas sempre que ocorre liberação de GABA, incluindo na retina. O γ-vinil
GABA é utilizado no tratamento da epilepsia e está sendo investigado para o tratamento da adicção
de drogas, transtorno do pânico e transtorno obsessivo compulsivo. Os efeitos adversos do γ-vinil
GABA consistem em sonolência, confusão e cefaleia. Foi relatado que o fármaco provoca defeitos
bilaterais dos campos visuais associados à atrofia difusa irreversível da camada periférica de fibras
nervosas da retina. Esse efeito adverso parece resultar do acúmulo do fármaco nos nervos retinianos.

Agonistas e antagonistas dos receptores GABA A


Os agonistas, como o muscimol e o gaboxadol, ativam o receptor GABAA por meio de sua ligação
direta ao sítio de ligação do GABA. O muscimol, derivado de cogumelos alucinogênicos da espécie
Amanita muscaria, é um agonista integral em muitos subtipos de receptores GABAA. É utilizado,
primariamente, como instrumento de pesquisa. O muscimol purificado (bem como outros agonistas
dos receptores GABAA) não provoca alucinações, que são, provavelmente, causadas por outros
fatores presentes em Amanita muscaria.

O gaboxadol, em altas concentrações, é um agonista parcial nos receptores GABAA sinápticos;


em baixas concentrações, o gaboxadol ativa seletivamente os receptores extrassinápticos. O
gaboxadol foi, inicialmente, aprovado para o tratamento da epilepsia e da ansiedade, porém a sua
administração em doses terapêuticas foi associada à ataxia e sedação. As doses mais baixas de
gaboxadol que ativam os receptores extrassinápticos induzem sono de ondas lentas em animais
de laboratório. Existem estudos clínicos em seres humanos em andamento para o tratamento da
insônia. As vantagens potenciais, porém ainda não comprovadas, do gaboxadol em baixas doses
para o tratamento da insônia incluem menor potencial de desenvolvimento de tolerância e menos

58
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

interações com os benzodiazepínicos e o álcool, que atuam em diferentes subtipos de receptores


GABAA.

A bicuculina e a gabazina são antagonistas competitivos que se ligam aos sítios do GABA nos
receptores GABAA. A picrotoxina, derivada de uma planta venenosa, é um inibidor não competitivo
dos receptores GABAA. Todos esses antagonistas do GABAA produzem convulsões epilépticas e são
utilizados, exclusivamente, para pesquisa.

Moduladores dos receptores GABA A


Os benzodiazepínicos e os barbitúricos são moduladores dos receptores GABAA que atuam em sítios
de ligação alostéricos, aumentando a neurotransmissão GABAérgica. Os benzodiazepínicos
possuem efeitos sedativos, hipnóticos, miorrelaxantes, amnésicos e ansiolíticos. Em altas doses,
podem causar hipnose e estupor. Entretanto, quando administrados como única medicação, esses
fármacos raramente provocam depressão fatal do SNC. Os barbitúricos constituem um grande
grupo de fármacos introduzidos na metade do século vinte e que continuam sendo utilizados para
o controle da epilepsia, como agentes indutores de anestesia geral e para o controle da hipertensão
intracraniana.

Os benzodiazepínicos são fármacos de alta afinidade e altamente seletivos, que se ligam a um


único sítio dos receptores GABAA. Os benzodiazepínicos atuam como moduladores alostéricos
positivos, potencializando a regulação dos canais na presença de GABA. Os benzodiazepínicos
não ativam diretamente os receptores GABAA nativos na ausência de GABA, porém ativam
efetivamente certos receptores mutantes, indicando que atuam como agonistas alostéricos
fracos. Os benzodiazepínicos aumentam a frequência de abertura dos canais na presença de baixas
concentrações de GABA.

Em concentrações de GABA semelhantes àquelas observadas nas sinapses, a desativação do


receptor é prolongada, indicando aumento da ligação do GABA e/ou probabilidade aumentada de
abertura do canal. O consequente influxo aumentado de Cl- provoca hiperpolarização da membrana
e diminui a excitabilidade neuronal. Em estudos de dose resposta de GABA, foi constatado que os
benzodiazepínicos deslocam a curva de resposta para a esquerda, aumentando a potência aparente do
GABA em até três vezes. Trata-se de um efeito alostérico menor do que aquele produzido por outros
moduladores, como anestésicos gerais. Por conseguinte, a eficácia limitada dos benzodiazepínicos
está associada a uma redução do potencial de overdose fatal. Entretanto, a margem de segurança
diminui quando os benzodiazepínicos são administrados em associação com outros sedativos/
hipnóticos.

Busque na literatura e faça um resumo com as aplicações clínicas dos


benzodiazepínicos e barbitúricos.

Os benzodiazepínicos podem ser administrados por via oral, transmucosa, intravenosa e


intramuscular. A natureza lipofílica dos benzodiazepínicos explica a sua absorção rápida e completa.

59
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Embora esses fármacos e seus metabólitos ativos estejam ligados às proteínas plasmáticas, eles não
competem com outros fármacos ligados às proteínas. Os benzodiazepínicos são metabolizados por
enzimas do citocromo P450 microssomais hepáticas, especificamente, pela CYP3A4, e, a seguir, são
excretados na urina, na forma de glicuronídios ou metabólitos oxidados.

A segurança relativa dos benzodiazepínicos provém de sua eficácia limitada na modulação dos
receptores GABAA. Os benzodiazepínicos, em altas doses, raramente provocam morte, a não ser que
sejam administrados com outras drogas ou fármacos, como etanol, depressores do SNC, analgésicos
opioides ou antidepressivos tricíclicos. O aumento da depressão do SNC observado com o uso
concomitante de etanol e benzodiazepínicos deve-se a efeitos sinérgicos sobre os receptores GABAA
e à inibição da CYP3A4 mediada pelo etanol. Esse efeito é observado quando o etanol é consumido
rapidamente, diminuindo a depuração dos benzodiazepínicos.

A overdose de benzodiazepínicos pode ser revertida por um antagonista dos benzodiazepínicos,


como o flumazenil, que, embora tenha efeitos clínicos mínimos, antagoniza os efeitos dos
agonistas benzodiazepínicos, uma vez que compete pela ocupação dos sítios de alta afinidade dos
benzodiazepínicos nos receptores GABAA. Em pacientes com dependência de benzodiazepínicos, o
flumazenil pode causar uma síndrome de abstinência grave. Esse fármaco não bloqueia os efeitos
dos barbitúricos ou do etanol.

Os locais do SNC afetados pelos barbitúricos são disseminados e incluem a medula espinal, o
tronco encefálico (núcleo cuneiforme, substância negra e sistema de ativação reticular) e o cérebro
(córtex, tálamo e cerebelo). Os barbitúricos reduzem a excitabilidade neuronal, basicamente, ao
aumentar a inibição mediada pelo GABA por meio dos receptores GABAA. A transmissão GABAérgica
intensificada pelos barbitúricos no tronco encefálico suprime o sistema de ativação reticular,
causando sedação, amnésia e perda da consciência. O aumento da transmissão GABAérgica nos
neurônios motores da medula espinal relaxa os músculos e suprime os reflexos. Não foi demonstrada
nenhuma seletividade dos subtipos de receptores GABAA contendo combinações específicas de
subunidades para os barbitúricos. O número de sítios de ligação dos barbitúricos nos receptores
GABAA permanece incerto.

Os barbitúricos anestésicos tiopental, pentobarbital e metoexital atuam como agonistas nos


receptores GABAA e, também, aumentam as respostas dos receptores ao GABA. Os barbitúricos
anticonvulsivantes, como o fenobarbital, produzem agonismo muito menos direto sobre os
receptores GABAA nativos. A ativação direta dos receptores GABAA não é mediada pelos sítios
de ligação do GABA. Em concentrações clinicamente relevantes de barbitúricos, o grau de
hiperpolarização da membrana devido à ativação direta dos receptores GABAA é muito menor que
aquele decorrente do aumento de agonismo do GABA.

A principal ação dos barbitúricos consiste em intensificar a eficácia do GABA ao aumentar


o tempo de abertura dos canais de Cl-, permitindo, assim, um influxo muito maior de íons Cl–
para cada canal ativado. Isso leva a um maior grau de hiperpolarização e a uma diminuição da
excitabilidade da célula-alvo. A ação potencializadora dos barbitúricos para o GABA é maior que a
dos benzodiazepínicos. As ações dos barbitúricos de ativação direta e de potencialização do GABA
podem estar associadas a diferentes tipos de sítios de ligação, ou, como foi demonstrado no caso do

60
etomidato, podem refletir ações em uma única classe de sítios. Quando correlacionadas com a sua
relativa eficácia de potencialização do GABA, as overdoses de benzodiazepínicos de baixa eficácia
são profundamente sedativas, porém raramente perigosas, enquanto a overdose de barbitúricos
pode provocar hipnose profunda ou coma, depressão respiratória e morte, se não for instituída uma
terapia de suporte.

Os barbitúricos afetam não apenas os receptores GABAA, mas também aqueles envolvidos na
neurotransmissão excitatória. Os barbitúricos diminuem a ativação do receptor AMPA pelo
glutamato, reduzindo, assim, tanto a despolarização da membrana quanto a excitabilidade neuronal.
Em concentrações anestésicas, o pentobarbital também diminui a atividade dos canais de Na+
dependentes de voltagem, inibindo a descarga neuronal de alta frequência.

A exemplo dos benzodiazepínicos, os barbitúricos podem ser administrados por via oral ou por via
intravenosa. A administração oral pode estar associada a um metabolismo de primeira passagem
significativo e a uma redução da biodisponibilidade dos fármacos. O metoexital também pode
ser absorvido por via transmucosa. A capacidade de um barbitúrico de atravessar a barreira
hematoencefálica e de penetrar no SNC é determinada, em grande parte, pela sua lipossolubilidade.
Os barbitúricos sofrem extenso metabolismo hepático antes de sua excreção renal. As enzimas do
citocromo P450 que metabolizam os barbitúricos são a CYP3A4, a CYP3A5 e a CYP3A7.

A multiplicidade dos locais de ação dos barbitúricos, somada a sua baixa seletividade e alta
eficácia para potencializar a ativação dos receptores GABAA, contribui para o índice terapêutico
relativamente baixo desses fármacos. Ao contrário dos benzodiazepínicos, os barbitúricos, em altas
doses, podem causar depressão fatal do SNC. Os barbitúricos anestésicos, como o pentobarbital,
têm mais tendência a induzir depressão profunda do SNC do que os anticonvulsivantes como o
fenobarbital.

O etomidato, o propofol e a alfaxalona são fármacos utilizados para indução da anestesia geral.
A exemplo dos barbitúricos, esses anestésicos intravenosos atuam, primariamente, sobre os
receptores GABAA. O etomidato mostra-se particularmente útil durante a indução da anestesia em
pacientes hemodinamicamente instáveis. O propofol constitui o agente mais amplamente utilizado
para indução da anestesia nos Estados Unidos. É utilizado tanto para indução da anestesia em
injeção direta quanto para manutenção por meio de infusão intravenosa contínua. A alfaxalona é
um esteroide neuroativo, raramente utilizado na prática clínica.

Agonistas e antagonistas dos receptores GABAB


O baclofen é o único composto de uso clínico atual cuja ação é exercida sobre os receptores GABAB
que atuam como alvo. Foi, inicialmente, sintetizado como análogo GABA e submetido a triagem
quanto à sua ação antiespástica antes da descoberta dos receptores GABAB. Subsequentemente, foi
constatado ser o baclofen um agonista seletivo dos receptores GABAB. É utilizado, primariamente,
no tratamento da espasticidade associada a doenças dos neurônios motores (por exemplo, esclerose
múltipla) ou de lesão da medula espinal.

61
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

O baclofen, ao ativar os receptores metabotrópicos de GABA na medula espinal, estimula os


segundos mensageiros distais, que atuam sobre os canais de Ca2+ e K+. Apesar de o baclofen ser
prescrito, primariamente, para o tratamento da espasticidade, as observações clínicas sugerem que
ele, também, modula a dor e a cognição; além disso, o fármaco está sendo investigado como terapia
para adicção de drogas. Os efeitos adversos do baclofen consistem em sedação, sonolência e ataxia.
Esses efeitos são agravados quando o baclofen é tomado com outros sedativos. A redução da função
renal pode precipitar toxicidade, devido à elevação dos níveis do fármaco. A overdose de baclofen
pode produzir visão embaçada, hipotensão, depressão cardíaca e respiratória e coma.

Drogas que alteram a fisiologia do GABA – Etanol


O etanol atua como ansiolítico e sedativo, uma vez que produz depressão do SNC, porém com
toxicidade potencial significativa. O etanol parece exercer seus efeitos ao atuar sobre múltiplos
alvos, incluindo os receptores GABAA e de glutamato. Ele aumenta o influxo de GABAA mediado
pelos receptores Cl- e inibe os efeitos excitatórios do glutamato nos receptores NMDA. O etanol
interage de modo sinérgico com outros sedativos, hipnóticos, antidepressivos, ansiolíticos,
anticonvulsivantes e opioides. A tolerância e a dependência de etanol estão associadas a alterações
na função dos receptores GABAA. Em modelos animais, a administração crônica de etanol atenua
a potencialização mediada pelo etanol do influxo de Cl- induzido pelo GABA no córtex cerebral e
cerebelo.

Ocorre tolerância aguda ao etanol sem alteração no número de receptores GABAA, entretanto, a
exposição crônica ao etanol altera a expressão das subunidades dos receptores GABAA no córtex
e no cerebelo. As alterações na composição de subunidades dos receptores GABAA podem ser
responsáveis pelas mudanças da função do receptor associadas ao uso crônico de etanol. Outros
mecanismos sugeridos para o desenvolvimento de tolerância ao etanol incluem modificações pós-
tradução dos receptores GABAA ou alterações nos sistemas de segundos mensageiros, como, por
exemplo, alterações nos padrões de expressão de diferentes isoformas da proteinocinase C (PKC). A
suprarregulação da expressão dos receptores NMDA que ocorre com o consumo prolongado de etanol
pode responder pela hiperexcitabilidade associada à abstinência do etanol. Os benzodiazepínicos,
como o diazepam e o clordiazepóxido, reduzem os tremores, a agitação e outros efeitos da abstinência
aguda de álcool. O uso desses medicamentos em um paciente que está apresentando abstinência
por abuso crônico de álcool também pode evitar o desenvolvimento de convulsões por abstinência
(delirium tremens).

Fisiopatologia e farmacologia da
neurotransmissão glutamatérgica
Normalmente, o término da ativação dos receptores de glutamato ocorre pela recaptação do
transmissor por transportadores pré-sinápticos e gliais, difusão do transmissor para fora da fenda
sináptica ou dessensibilização do receptor. Entretanto, conforme descrito adiante, o aumento da
liberação ou a diminuição da recaptação do glutamato em estados patológicos podem resultar em
um ciclo de retroalimentação positiva envolvendo níveis intracelulares aumentados de Ca2+, lesão

62
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

celular e maior liberação de glutamato. Em seu conjunto, esses processos podem levar à ocorrência
de excitotoxicidade, definida como a ocorrência de morte neuronal causada por excitação celular
excessiva.

A excitotoxicidade tem sido implicada como mecanismo fisiopatológico em muitas doenças,


incluindo síndromes neurodegenerativas, acidente vascular cerebral e traumatismo, hiperalgesia e
epilepsia. Embora as aplicações clínicas da interrupção da excitotoxicidade permaneçam limitadas,
espera-se que o melhor conhecimento da excitotoxicidade induzida pelo glutamato possa levar ao
desenvolvimento de novas abordagens para o tratamento dessas doenças (Figura 15).

Figura 15. Interações entre as classes de receptores metabotrópicos, AMPA e NMDA de glutamato.

Doenças neurodegenerativas
A ativação excessiva dos receptores de glutamato pode contribuir para a fisiopatologia de certas
doenças neurodegenerativas, incluindo a esclerose lateral amiotrófica, a demência e a doença de
Parkinson. Na doença de Parkinson, a redução da transmissão dopaminérgica para o estriado
resulta em hiperativação das sinapses glutamatérgicas no SNC. Por conseguinte, a neurotransmissão
glutamatérgica contribui para os sinais clínicos da doença de Parkinson. A amantadina é
um bloqueador não competitivo dos canais dos receptores NMDA, cuja ação é semelhante à da
memantina. Embora a amantadina não seja um tratamento efetivo quando utilizada como único
medicamento, a associação da amantadina com levodopa diminui em 60% a gravidade da discinesia

63
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

observada na doença de Parkinson. Entretanto, não se sabe se esse efeito provém, exclusivamente,
do bloqueio dos receptores NMDA.

A excitotoxicidade em decorrência da liberação excessiva de glutamato também foi implicada na


progressão da demência da doença de Alzheimer. A memantina é um antagonista não competitivo
dos receptores NMDA, utilizado no tratamento da doença de Alzheimer. Nos estudos clínicos
conduzidos, a memantina parece diminuir a velocidade de deterioração clínica em pacientes com
doença de Alzheimer moderada a grave.

Acidente vascular cerebral e traumatismo


No acidente vascular cerebral isquêmico, a interrupção do fluxo sanguíneo para o cérebro é
responsável pelas anomalidades iniciais no suprimento de oxigênio e no metabolismo da glicose
que desencadeiam a excitotoxicidade. No acidente vascular cerebral hemorrágico, são encontradas
altas concentrações de glutamato no sangue que extravasa para o cérebro. Na lesão cranioencefálica
traumática, a ruptura direta das células cerebrais pode liberar reservas intracelulares altas de
glutamato e de K+ no espaço extracelular restrito. Quando os transmissores excitatórios, como
glutamato, tornam-se desequilibrados, a despolarização disseminada da membrana e a elevação
das concentrações intracelulares de Na+ e de Ca2+ propagam-se, e ocorre liberação de maiores
quantidades de glutamato dos neurônios adjacentes. A elevação dos níveis de glutamato ativa
os canais acoplados aos receptores NMDA e AMPA permeáveis ao Ca2+. Por fim, o consequente
acúmulo de Ca2+ intracelular ativa numerosas enzimas de degradação dependentes de Ca2+ (por
exemplo, DNAases, proteases, fosfatases e fosfolipases), levando à morte celular neuronal.

Embora o receptor de NMDA altamente permeável ao Ca2+ tenha sido considerado, a princípio,
como o principal fator contribuinte na morte celular neuronal causada pela sobrecarga de Ca2+,
os receptores AMPA também foram implicados no processo. Entretanto, os estudos clínicos
de antagonistas dos receptores NMDA e AMPA em pacientes com acidente vascular cerebral
não foram bem-sucedidos e, em alguns casos, levaram a efeitos semelhantes à esquizofrenia, ao
comprometimento da memória e a reações neurotóxicas. A futura pesquisa farmacológica deverá
ser orientada para o desenvolvimento de fármacos com menos efeitos adversos, como o antagonista
não competitivo dos receptores NMDA, a memantina, ou fármacos dirigidos para subunidades
específicas do complexo de receptores NMDA ou AMPA.

O glutamato liberado durante a lesão cerebral isquêmica ou traumática também pode ativar os
receptores metabotrópicos. Em modelos animais de acidente vascular cerebral, o antagonismo
farmacológico do subtipo de receptor mGluR1 facilita a recuperação e a sobrevida dos neurônios
do hipocampo e, também, impede a perda de memória e perda motora causadas pelo traumatismo.
Esses achados sugerem que a subunidade mGluR1 pode representar outro alvo para intervenção
farmacológica futura.

64
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

Hiperalgesia e epilepsia
A hiperalgesia refere-se a uma percepção elevada de dor por estímulos que, em condições normais,
causam pouca ou nenhuma dor. A hiperalgesia é observada na presença de lesão nervosa periférica,
inflamação, cirurgia e certas doenças, como o diabetes. Embora a hiperalgesia seja, na maioria
dos casos, revertida, uma vez controlada a fisiopatologia de base, ela pode persistir mesmo na
ausência de fonte orgânica identificada, resultando em dor crônica, que é fisicamente incapacitante
e psicologicamente debilitante.

Há evidências acumuladas de que várias formas de transmissão glutamatérgica contribuem para o


desenvolvimento e/ou a manutenção da hiperalgesia. Sabe-se que os receptores NMDA aumentam a
transmissão sináptica entre fibras aferentes nociceptivas e neurônios do corno dorsal. A hiperalgesia
experimental envolve, com frequência, um fenômeno denominado sensibilização central, em
que estímulos nociceptivos repetidos na periferia levam a respostas pós-sinápticas excitatórias
progressivamente crescentes em neurônios de dor pós-sinápticos, no corno dorsal superficial da
medula espinal.

Um mecanismo por meio do qual essa potencialização sináptica ocorre envolve os receptores
NMDA pós-sinápticos que, quando estimulados de modo crônico, parecem aumentar a força das
conexões excitatórias entre neurônios pré-sinápticos e pós-sinápticos nos circuitos de dor espinais.
Os antagonistas experimentais dos receptores NMDA podem impedir e reverter a sensibilização
central nesses pacientes. Entretanto, muitos desses antagonistas também inibem uma ampla gama
de vias sinápticas excitatórias rápidas no SNC. Por esse motivo, o desenvolvimento atual de fármacos
para os receptores NMDA enfoca a administração intraespinal ou extradural de antagonistas dos
receptores NMDA, para limitar os efeitos do fármaco sobre o corno dorsal da medula espinal. A alta
densidade de receptores de cainato nos neurônios sensitivos também pode modular a liberação de
transmissores, proporcionando outro alvo farmacológico futuro para o alívio da dor crônica.

As convulsões podem resultar de uma estimulação excessiva das vias glutamatérgicas, começando
com uma ativação excessiva dos receptores AMPA e progredindo para uma hiperativação dos
receptores NMDA. Em modelos animais, a inibição da ativação dos receptores AMPA impede o
início das convulsões, enquanto os antagonistas dos receptores NMDA diminuem a intensidade
e a duração dessas convulsões. A lamotrigina, um fármaco utilizado no tratamento das crises
parciais complexas refratárias, estabiliza o estado inativado do canal de Na+ regulado por voltagem
e, portanto, diminui a excitabilidade da membrana, o número de potenciais de ação em um surto,
a liberação de glutamato e a ativação dos receptores de glutamato. O felbamato é outro agente
antiepiléptico que possui uma variedade de ações, incluindo inibição dos receptores NMDA. Devido
à ocorrência associada de anemia aplásica e hepatotoxicidade, seu uso é restrito a pacientes com
convulsões refratárias.

65
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Classes e agentes farmacológicos


serotoninérgicos
A transmissão serotoninérgica é modulada por uma ampla gama de agentes cujos alvos de ação
consistem no armazenamento, na degradação e na captação de neurotransmissores e receptores
de neurotransmissores. Como a serotonina está envolvida em diversos processos fisiológicos, tanto
centrais quanto periféricos, os agentes que alteram o tônus serotoninérgico possuem ações diversas
sobre o cérebro (humor, sono, enxaqueca), o sistema gastrintestinal (GI) e a temperatura central e
hemodinâmica (síndrome de serotonina). Muitos desses efeitos biológicos são discutidos à medida
que os agentes farmacológicos forem introduzidos, embora a ênfase seja sobre os agentes que
regulam o humor.

Inibidores do armazenamento da serotonina


A anfetamina e drogas relacionadas interferem na capacidade das vesículas sinápticas de armazenar
monoaminas, como a serotonina. Por conseguinte, a anfetamina, a metanfetamina e o metilfenidato
deslocam a 5HT, a DA e a NE de suas vesículas de armazenamento. Para a depressão atípica e para
a depressão do idoso, os estimulantes como a anfetamina, o metilfenidato e a modafinila
mostraram-se úteis como agentes de segunda linha, em parte devido a seus efeitos combinados
sobre a serotonina, a norepinefrina e a dopamina. Entretanto, esses fármacos podem induzir
psicose em pacientes suscetíveis, razão pela qual é preciso ter cautela no transtorno bipolar. Além
disso, a fenfluramina e a dexfenfluramina são derivados halogenados da anfetamina que são
modestamente seletivos para a 5HT. Essa associação foi utilizada por pouco tempo, nos Estados
Unidos, para a perda de peso, porém a ocorrência de cardiotoxicidade grave levou a seu abandono.
Outro derivado da anfetamina, a metilenodioximetanfetamina (MDMA), é um inibidor
seletivo do armazenamento da serotonina e ligante do receptor de 5HT. Não foi aprovada para uso
na prática clínica, porém representa um problema clínico significativo, em virtude de seu uso ilícito
(como ecstasy).

Inibidores da degradação da serotonina


A principal via de degradação da serotonina é mediada pela MAO e, por conseguinte, os IMAO
possuem efeitos significativos sobre a neurotransmissão serotoninérgica. Os inibidores da
monoamina oxidase (IMAO) são classificados com base na sua especificidade para as isoenzimas
MAO-A e MAO-B e de acordo com a reversibilidade ou irreversibilidade de sua ligação. Os
IMAO mais antigos não são seletivos, e a maioria deles, como a iproniazida, a fenelzina e
a isocarboxazida, consiste em inibidores irreversíveis. Os IMAO mais recentes, como a
moclobemida, a befloxatona e a brofaromina, são seletivos para a MAO-A e ligam-se de
modo reversível, razão pela qual são denominados inibidores reversíveis da monoamina
oxidase A (IRMA). A selegilina, um inibidor da MAO-B, também inibe a MAO-A em doses mais
altas.

66
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

Os IMAO bloqueiam a desaminação das monoaminas por meio de sua ligação à flavina funcional
da MAO, inibindo-a. Ao inibir a degradação das monoaminas, os IMAO aumentam a 5HT e a NE
disponíveis no citoplasma dos neurônios pré-sinápticos. O aumento dos níveis citoplasmáticos
dessas monoaminas leva não apenas a um aumento na captação e no armazenamento da 5HT e da
NE nas vesículas sinápticas, como também a algum extravasamento constitutivo das monoaminas
na fenda sináptica.

O efeito adverso mais tóxico do uso dos IMAO consiste na toxicidade sistêmica da tiramina.
Como a MAO gastrintestinal e a MAO hepática metabolizam a tiramina, o consumo de alimentos
que contêm a substância, como carnes processadas, queijos envelhecidos e vinho tinto, pode levar a
níveis circulantes excessivos. A tiramina é um simpaticomimético indireto, que tem a capacidade de
estimular a liberação de grandes quantidades de catecolaminas armazenadas por meio de reversão
dos transportadores da recaptação. Essa liberação descontrolada de catecolaminas pode induzir
uma crise hipertensiva, caracterizada por cefaleia, taquicardia, náusea, arritmias cardíacas
e acidente vascular cerebral. Os IMAO mais antigos não são mais considerados como terapia de
primeira linha para a depressão, devido ao potencial de toxicidade sistêmica da tiramina; podem
ser prescritos, apenas, para pacientes capazes de comprometer-se a seguir uma dieta desprovida de
tiramina.

Os IMAO, assim como outros fármacos antidepressivos, podem precipitar episódios maníacos
ou hipomaníacos em alguns pacientes bipolares. Todos os agentes antidepressivos, incluindo os
IMAO, são hidrofóbicos e atravessam a barreira hematoencefálica. São bem absorvidos por via
oral e metabolizados a metabólitos ativos pelo fígado. Subsequentemente, esses metabólitos são
inativados por acetilação. A excreção ocorre, primariamente, através de depuração renal. Os IMAO
mais antigos, de ligação irreversível, são depurados da circulação na forma de complexos com a
MAO e são inativados efetivamente apenas quando uma nova enzima é sintetizada. Devido aos
efeitos extensos do IMAO sobre as enzimas do citocromo P450 do fígado, esses fármacos podem
causar numerosas interações medicamentosas. Todos os membros da equipe médica de um paciente
devem prescrever outros fármacos com cautela quando o paciente estiver em uso de IMAO.

Inibidores da recaptação
O tônus serotoninérgico é mantido no estado de equilíbrio dinâmico por meio do equilíbrio entre
a liberação e a recaptação do transmissor. Assim, os inibidores do transportador da recaptação
de serotonina (SERT) aumentam tipicamente a quantidade de 5HT no espaço extracelular. Esses
fármacos aliviam os sintomas de uma variedade de transtornos psiquiátricos comuns, incluindo
depressão, ansiedade e transtorno obsessivo compulsivo. São utilizadas três classes de inibidores
da recaptação: os antidepressivos tricíclicos (ATC) não seletivos, os inibidores seletivos
da recaptação de serotonina (ISRS) e os inibidores da recaptação de serotonina–
norepinefrina (IRSN) mais recentes. Cada classe é discutida adiante, seguida de uma discussão
dos antidepressivos atípicos que não se enquadram claramente em nenhuma dessas três categorias.

Os ATC devem o seu nome à sua estrutura química comum, que consiste em três anéis que incluem
dois anéis aromáticos fixados a um anel de ciclo-heptano. O protótipo dos ATC é a imipramina,

67
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

e outros membros dessa classe incluem a amitriptilina, a desipramina, a nortriptilina e a


clomipramina (que é um agente de primeira linha para o transtorno obsessivo compulsivo). Os
ATC com aminas secundárias afetam, principalmente, o sistema da NE, enquanto aqueles com
aminas terciárias atuam, primariamente, no sistema da 5HT. Foram, também, desenvolvidos
antidepressivos tetracíclicos, que incluem a maprotilina, porém esses fármacos não são
amplamente utilizados.

Os ATC inibem a recaptação da 5HT e NE da fenda sináptica por meio do bloqueio dos
transportadores de recaptação da 5HT e da NE, respectivamente. Esses agentes afetam a recaptação
da DA. O mecanismo molecular da inibição dos transportadores ainda não foi elucidado. Como
o maior tempo de permanência do neurotransmissor na fenda sináptica leva a uma ativação
aumentada dos receptores, os inibidores da recaptação produzem uma intensificação das respostas
pós-sinápticas. Apesar das afinidades amplamente variáveis pelos transportadores da recaptação
de 5HT e de NE, os ATC são acentuadamente semelhantes na sua eficácia clínica. Os ATC também
são úteis no tratamento das síndromes de dor e, com frequência, são utilizados para essa indicação
em doses mais baixas do que aquelas necessárias para produzir efeitos antidepressivos. Mostram-
se particularmente úteis no tratamento da enxaqueca, de outros distúrbios de dor somática e na
síndrome da fadiga crônica.

O perfil de efeitos adversos dos ATC resulta de sua capacidade de ligação a diversos canais de
receptores, além de seus alvos terapêuticos. Os efeitos adversos mais perigosos dos ATC envolvem o
sistema cardiovascular. Os ATC parecem afetar os canais de sódio de modo semelhante à quinidina.
Os efeitos colaterais dos ATC semelhantes aos da quinidina incluem atraso potencialmente letal da
condução, como bloqueio atrioventricular de primeiro grau e bloqueio de ramo. Por conseguinte, os
ATC devem ser sempre prescritos com cautela a pacientes com risco de tentativa de suicídio. Deve-
se efetuar um ECG para excluir qualquer possibilidade de doença do sistema de condução antes de
administrar ATC.

Os ATC também podem atuar como antagonistas nos receptores muscarínicos (colinérgicos),
histamínicos, adrenérgicos e dopamínicos. Os efeitos anticolinérgicos são mais proeminentes e
consistem em sintomas típicos de bloqueio dos receptores muscarínicos de acetilcolina: náusea,
vômitos, anorexia, boca seca, visão turva, confusão, constipação, taquicardia e retenção urinária.
Os efeitos anti-histaminérgicos incluem sedação, ganho de peso e confusão (no idoso). Os efeitos
antiadrenérgicos consistem em hipotensão ortostática, taquicardia reflexa, sonolência e tonteira.
A hipotensão ortostática constitui um risco particularmente significativo em pacientes idosos e,
nesses indivíduos, é necessário proceder a uma cuidadosa monitorização. Por fim, os ATC também
podem precipitar mania em pacientes com transtorno afetivo bipolar.

Em 1987, o tratamento da depressão foi revolucionado com a introdução dos inibidores seletivos
da recaptação de serotonina (ISRS). O primeiro ISRS introduzido foi a fluoxetina, que
continua sendo um dos ISRS mais largamente prescritos. Outros ISRS incluem o citalopram, a
fluvoxamina, a paroxetina, a sertralina e o escitalopram. Embora a eficiência dos ISRS seja
semelhante a dos ATC no tratamento da depressão, tornaram-se os agentes de primeira linha para o
tratamento da depressão, bem como para a ansiedade e o transtorno obsessivo compulsivo, devido
à sua maior seletividade e perfil reduzido de efeitos adversos. Os ISRS também são utilizados no

68
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

tratamento das síndromes do pânico, transtorno obsessivo compulsivo e transtorno de estresse pós-
traumático.

Os ISRS assemelham-se aos ATC quanto a seu mecanismo de ação, com a exceção de que os ISRS
são significativamente mais seletivos para os transportadores da 5HT. A inibição da recaptação
de serotonina aumenta os níveis sinápticos de serotonina, produzindo aumento de ativação do
receptor de 5HT e intensificação das respostas pós-sinápticas. Em baixas doses, acredita-se que
os ISRS se ligam, primariamente, aos transportadores de 5HT, ao passo que, em doses mais altas,
perdem essa seletividade e ligam-se, também, aos transportadores de NE. Apesar de suas estruturas
químicas amplamente variáveis, os ISRS possuem eficácia clínica semelhante a dos ATC e entre si.
Por conseguinte, a escolha de um fármaco, frequentemente, depende de certas questões, como custo
e tolerabilidade dos efeitos adversos. Além disso, devido à variabilidade das respostas singulares
dos pacientes a cada antidepressivo, pode ser necessário que um paciente utilize mais de um ISRS
para encontrar o fármaco mais efetivo.

Como os ISRS são mais seletivos do que os ATC em doses clinicamente efetivas, apresentam
um número bem menor de efeitos adversos. Os ISRS carecem de cardiotoxicidade significativa
e não apresentam ligação tão ávida aos receptores muscarínicos (colinérgicos), histamínicos,
adrenérgicos e dopamínicos. Em consequência, os ISRS são, em geral, mais bem tolerados do que
os ATC. A seletividade aumentada dos ISRS também significa que esses agentes possuem maior
índice terapêutico do que os ATC. Isso representa um importante aspecto no paciente deprimido,
que pode tentar cometer suicídio pela overdose intencional de sua medicação.

Todavia, os ISRS não são totalmente desprovidos de efeitos adversos. Todos os ISRS podem provocar
certo grau de disfunção sexual. Outro efeito adverso comum consiste em distúrbio gastrintestinal; a
sertralina está mais frequentemente associada com diarreia, enquanto a paroxetina está associada
com constipação. Um efeito adverso mais grave observado com o uso dos ISRS é a síndrome da
serotonina, caracterizada por elevação rara, porém perigosa, da 5HT, que pode ocorrer com a
administração simultânea de um ISRS e de um inibidor da monoamina oxidase (IMAO). As
manifestações clínicas da síndrome da serotonina consistem em hipertermia, rigidez muscular,
mioclonus e flutuações rápidas do estado mental e dos sinais vitais. Os ISRS também podem causar
vasoespasmo em uma pequena percentagem de pacientes. Por fim, a exemplo dos ATC e dos IMAO,
os ISRS podem causar uma mudança de depressão para mania ou hipomania em pacientes com
transtorno bipolar. O mecanismo da mudança da depressão para a mania ou hipomania, induzida
pelos ISRS, permanece desconhecido.

Uma classe mais recente de fármacos, os inibidores da recaptação de serotonina norepinefrina,


que, atualmente, inclui a venlafaxina e a duloxetina, está se mostrando particularmente útil. A
venlafaxina bloqueia o transportador de recaptação de 5HT e o transportador de recaptação de NE
por meio de um mecanismo que depende de sua concentração; em baixas concentrações, o fármaco
comporta-se como um ISRS, ao passo que, em concentrações elevadas, aumenta, também, os níveis
de NE. A duloxetina também inibe, especificamente, a recaptação de NE e de 5HT. Seu uso foi
aprovado para o tratamento da dor neuropática e de outras síndromes de dor, além do tratamento
da depressão.

69
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Agonistas e antagonistas dos receptores de


serotonina
Os agonistas seletivos para subtipos do 5HTR tornaram-se um alvo terapêutico de interesse crescente
na última década. Esses agentes são utilizados, primariamente, no tratamento da ansiedade e da
enxaqueca. A buspirona é um ansiolítico não benzodiazepínico que não se liga aos receptores de
GABA, mas que atua como agonista seletivo do 5HT1AR. Não é sedativo e apresenta propriedades
ansiolíticas moderadas. Embora frequentemente não seja tão efetivo clinicamente quanto um
benzodiazepínico, trata-se de um fármaco interessante, visto que não produz adicção e carece de
potencial de abuso.

Acredita-se que a enxaqueca seja precipitada por vasodilatação cerebral, com ativação subsequente
das fibras pequenas para a dor. Foi constatado que uma classe de agonistas seletivos da serotonina
(agonistas 5HT1) é particularmente efetiva no tratamento da enxaqueca, presumivelmente, devido
a seus potentes efeitos vasoconstritores. A sumatriptana é o protótipo do agonista do 5HT1DR
desse grupo, coletivamente conhecido como triptanas e que, também, inclui a rizatriptana, a
almotriptana, a frovatriptana, a eletriptana e a zolmitriptana.

Os antagonistas dos receptores da serotonina são fármacos cada vez mais importantes em terapia. A
exemplo de muitos ligantes de receptores, esses antagonistas exibem graus variáveis de seletividade
para subtipos de receptores e, com frequência, apresentam reação cruzada com receptores
adrenérgicos, histamínicos e muscarínicos. Essa propriedade é vantajosa em alguns casos (por
exemplo, antipsicóticos atípicos), mas também pode limitar sua utilidade clínica, devido a efeitos
adversos intoleráveis. A cetanserina é um antagonista do 5HT2A/2CR, com considerável atividade
α-adrenérgica. Reduz a pressão arterial em grau semelhante ao dos bloqueadores β e tem sido
utilizada, topicamente, para reduzir a pressão intraocular no glaucoma.

A ondansetrona é um antagonista do 5HT3R. Esse fármaco possui interesse particular, visto


que, entre todos os receptores monoamínicos atualmente identificados, apenas o 5HT3R é receptor
ionotrópico que pertence à superfamília de receptores pentaméricos nicotínicos de acetilcolina. Os
5HT3R são expressos no Sistema Nervoso Entérico, nas terminações nervosas do vago e no SNC,
particularmente, na zona de gatilho quimorreceptora. A ondansetrona é um poderoso antiemético,
que é, especificamente, utilizada como adjuvante na quimioterapia do câncer ou em casos de náusea
refratária. Em virtude de seu mecanismo de ação, exerce pouco efeito sobre a náusea provocada pela
vertigem.

Classes e agentes farmacológicos


dopaminérgicos
A doença de Parkinson é uma afecção progressiva. A perda dos neurônios dopaminérgicos começa
uma década ou mais antes do aparecimento efetivo dos sintomas, e essa perda continua de modo
inexorável. Todos os tratamentos atualmente disponíveis são sintomáticos, o que significa dizer
que eles tratam os sintomas, mas não alteram o processo degenerativo subjacente. Esses tratamentos
sintomáticos são muito úteis e podem restaurar a função e a qualidade de vida durante muitos

70
anos, porém a evolução da doença leva, finalmente, a uma crescente dificuldade no controle desses
sintomas. Além disso, algumas manifestações da doença de Parkinson não respondem bem às
medicações atuais, particularmente, o comprometimento cognitivo e a demência que caracterizam
os estágios avançados da doença e que resultam da extensão do processo mórbido do sistema
dopaminérgico para outras áreas do cérebro. A meta de grande parte da pesquisa atual consiste
em desenvolver tratamentos neuroprotetores e neurorrestauradores, capazes de retardar ou
eliminar a necessidade de tratamento sintomático e evitar as complicações tardias da doença.

As intervenções farmacológicas atualmente utilizadas na doença de Parkinson visam, em sua


maioria, à restauração dos níveis de DA no cérebro. Em geral, as medicações empregadas no manejo
da doença de Parkinson podem ser divididas em precursores da DA, agonistas dos receptores de DA
e inibidores da degradação de DA. Os tratamentos não dopaminérgicos disponíveis, como agentes
anticolinérgicos que modificam a função dos interneurônios estriatais, desempenham um papel
menor, porém ainda útil.

Precursores da dopamina
A levodopa foi utilizada, pela primeira vez, no tratamento da doença de Parkinson, há mais de 30
anos, e continua sendo o tratamento mais efetivo para a doença. A própria DA não é apropriada,
visto que é incapaz de atravessar a barreira hematoencefálica. Entretanto, o precursor imediato
da DA, a l-DOPA (levodopa), é rapidamente transportado através da barreira hematoencefálica.
Uma vez no SNC, a l -DOPA é convertida em dopamina pela enzima AADC. Por conseguinte, a l
-DOPA deve competir com outros aminoácidos neutros pelo seu transporte por meio da BHE, e a
sua disponibilidade no SNC pode ser comprometida por refeições recentes de proteína.

A levodopa administrada por via oral é rapidamente convertida em dopamina, pela AADC, no trato
gastrintestinal. Esse processo metabólico diminui a quantidade de levodopa capaz de alcançar a
barreira hematoencefálica para o seu transporte no SNC e, também, aumenta os efeitos adversos
periféricos que resultam da geração de dopamina na circulação periférica (predominantemente
náusea, devido à ligação dessa dopamina aos receptores de dopamina na área postrema). Quando a
levodopa é administrada isoladamente, apenas 1% a 3% da dose administrada alcança o SNC em sua
forma inalterada. Para reforçar os níveis de levodopa disponíveis para o cérebro e reduzir os efeitos
adversos do metabolismo periférico da levodopa, ela é quase sempre administrada em combinação
com carbidopa, um inibidor da AADC (Figura 16). A carbidopa impede efetivamente a conversão
da levodopa em DA na periferia. O aspecto importante é que, como a carbidopa não é capaz de
atravessar a barreira hematoencefálica, ela não interfere na conversão da levodopa em DA no SNC.
A carbidopa aumenta a fração da levodopa administrada por via oral disponível no SNC de 1% a 3%
(na ausência de carbidopa) para 10% (com carbidopa), permitindo uma redução significativa na
dose de levodopa e uma diminuição na incidência de efeitos adversos periféricos.

71
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Figura 16. Efeitos da carbidopa, dos inibidores da COMT e dos inibidores da MAOB sobre o metabolismo periférico
e central da levodopa.

O efeito adverso mais profundo da levodopa consiste na sua tendência a causar discinesias, ou
movimentos rítmicos incontroláveis da cabeça e do tronco. Esses movimentos aparecem em pelo
menos metade de todos os pacientes dentro de 5 anos após o início do fármaco e, em geral, agravam-
se com a evolução da doença. À semelhança do fenômeno de “liga/desliga” ou de intermitência,
as discinesias estão habitualmente associadas à dose de levodopa, ocorrendo nos momentos de
concentração plasmática máxima de levodopa. Por conseguinte, as discinesias também podem ser
controladas, inicialmente, pelo uso de doses menores de levodopa a intervalos mais frequentes.
Infelizmente, à medida que a doença evolui, o tratamento contínuo leva a um agravamento das
discinesias e do fenômeno de intermitência, a ponto de que ambos estão quase sempre presentes.

Agonistas e inibidores do metabolismo da


dopamina
Outra estratégia para aumentar a neurotransmissão dopaminérgica é utilizar diretamente como
alvo o receptor de DA póssináptico por meio do uso de agonistas dos receptores de DA. Os derivados
do esporão do centeio, como a bromocriptina (agonista D2) e a pergolida (D1 e D2), e os
agonistas não esporão do centeio, como o pramipexole (D3>D2) e o ropinirol (D3>D2), foram
todos utilizados com sucesso como adjuvantes no tratamento com levodopa. Os agonistas dos
receptores DA, como classe, possuem várias vantagens. Como se trata de moléculas não peptídicas,
esses fármacos não competem com a levodopa ou outros aminoácidos neutros pelo seu transporte
através da barreira hematoencefálica. Além disso, como não necessitam de conversão enzimática
pela AADC, permanecem efetivos numa fase avançada da evolução da doença de Parkinson. Todos
os agonistas do receptor de dopamina de uso atual apresentam meias-vidas mais longas que a da
levodopa, permitindo o uso menos frequente de doses e propiciando uma resposta mais uniforme
às medicações.

A principal limitação ao uso dos agonistas dos receptores de dopamina consiste na sua tendência
a induzir efeitos adversos indesejáveis. Isso se aplica, particularmente, aos derivados do esporão
do centeio mais antigos, a bromocriptina e a pergolida. Ambos os fármacos podem causar náusea

72
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

significativa, edema periférico e hipotensão. Os agonistas da dopamina mais recentes, que não são
derivados do esporão do centeio, o pramipexol e o ropinirol, têm menos tendência a produzir esses
efeitos adversos; em consequência, esses fármacos são utilizados com muito mais frequência do que
os derivados do esporão do centeio. Todos os agonistas da dopamina também podem produzir uma
variedade de efeitos colaterais cognitivos, incluindo sedação excessiva, sonhos vívidos e alucinações.

Uma terceira estratégia que vem sendo utilizada no tratamento da doença de Parkinson envolve a
inibição da degradação da DA. Os inibidores, tanto da MAO-B (a isoforma da MAO que predomina
no estriado) quanto da COMT, têm sido utilizados como adjuvantes da levodopa na prática clínica.
A selegilina é um inibidor da MAO que, em doses baixas, é seletiva para a MAO-B. Não interfere
no metabolismo periférico das monoaminas pela MAO-A e evita os efeitos tóxicos da tiramina
de origem dietética e de outras aminas simpaticomiméticas associadas ao bloqueio não seletivo
da MAO. Uma desvantagem da selegilina é o fato de que esse fármaco forma um metabólito
potencialmente tóxico, a anfetamina, que pode causar insônia e confusão, particularmente, no
indivíduo idoso. A rasagilina, um inibidor mais recente da MAO-B que não forma metabólitos
tóxicos, foi, recentemente, aprovada nos Estados Unidos. Tanto a rasagilina quanto a selegilina
melhoram a função motora na doença de Parkinson quando utilizadas isoladamente, e ambas
podem aumentar a eficiência do tratamento com levodopa.

A tolcapona e a entacapona inibem a COMT e, portanto, inibem a degradação da DA. A


tolcapona é um agente altamente lipossolúvel que pode atravessar a BHE, enquanto a entacapona se
distribui apenas na periferia. Ambos os fármacos diminuem o metabolismo periférico da levodopa
e, portanto, a tornam mais disponível para o SNC. Como o seu mecanismo de ação difere daquele da
carbidopa (que bloqueia a AADC), os inibidores da COMT podem ser utilizados em combinação com
a carbidopa, para estender ainda mais a meia-vida da levodopa e facilitar a sua entrada no cérebro.
Nos estudos clínicos conduzidos, foi constatado que esses inibidores da COMT reduzem os períodos
desligados associados a níveis plasmáticos diminuídos de levodopa. Embora a tolcapona tenha uma
vantagem teórica sobre a entacapona, visto que ela pode atuar tanto no cérebro quanto na periferia
(Figura 16), houve diversos relatos de hepatotoxicidade fatal associada ao uso da tolcapona. Por
conseguinte, na prática, a entacapona constitui o inibidor da COMT mais amplamente utilizado.

73
CAPÍTULO 9
Fisiopatologia e terapêutica
farmacológica dos principais
transtornos neurológicos

Depressão
O termo depressão é usado, comumente, para descrever uma relação humana normal diante de
uma perda importante. Outras vezes, representa, simplesmente, um sentimento de tristeza. Em
Psiquiatria, porém, a depressão consiste em um transtorno do humor e representa uma síndrome com
sintomas e sinais bem definidos, ou seja, é uma doença médica como outra qualquer. Os transtornos
do humor caracterizam-se por uma alteração fixa do humor que influencia profundamente o
pensamento e o comportamento. Na doença depressiva, observa-se um rebaixamento persistente
do humor. (SCIPPA; OLIVEIRA, 2006)

A depressão clínica deve, portanto, ser diferenciada da mágoa, da tristeza, do desapontamento e da


disforia normais, ou do abatimento moral, geralmente, associado às doenças clínicas. A depressão é
subdiagnosticada e, em geral, a doença não é tratada adequadamente. A depressão maior caracteriza-
se por sentimentos de tristeza profunda e desespero, lentidão dos processos mentais e perda da
concentração, preocupação pessimista, falta de prazer, autodepreciação e agitação ou hostilidade
variável. Também pode haver anormalidades físicas que incluem insônia ou hipersonolência,
alterações nos hábitos alimentares com anorexia e emagrecimento ou alimentação compulsiva,
reduções do vigor e da libido e alterações dos ritmos cicardiano e ultradiano normais de atividade,
da temperatura corporal e de algumas funções endócrinas. (BALDESSARINI, 2006)

A depressão constitui um importante problema de saúde. Estima-se que, em qualquer momento


particular, 3% a 5% da população sofra de depressão (prevalência pontual) e que 10% das pessoas
possam apresentar depressão durante a sua vida (POTTER; HOLLISTER, 2008). O risco de
desenvolvimento de depressão tem sido estimado entre 10 e 20 % em mulheres (OMS, 2006). Dessa
forma, podemos destacar, entre os fatores de risco, o sexo feminino, com um aumento de prevalência
de duas vezes. Outros fatores importantes são as dificuldades socioeconômicas e o estado civil,
com maior prevalência em pessoas separadas, divorciadas ou viúvas (GUIMARÃES, 1998; LIMA,
1999; HIRSCHFELD; WEISSMAN, 2002; OMS, 2006). O estresse da vida contemporânea tem
sido considerado um importante fator que desencadearia, principalmente, o primeiro episódio de
depressão. Outros fatores que aumentam o risco do surgimento da depressão são a perda recente de
um parente, familiares próximos que tenham depressão, eventos estressantes crônicos negativos e
a vida urbana. (OMS, 2006)

É interessante ressaltar que a depressão é a mais comum doença psiquiátrica associada ao


envelhecimento (SALZMAN et al., 1998; CHARNEY et al., 2003). Conforme comentado por Charney

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FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

(2003), a depressão nos idosos está associada a um declínio funcional, maior risco de hospitalização
e maior mortalidade por outras condições médicas ou por suicídio.

A depressão é um transtorno heterogêneo que tem sido caracterizado e classificado de diversas


maneiras como no DSV-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, da American
Psychiatric Association, na quarta edição, modificada no ano 2000) e no CID-10 (Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, do Centro Brasileiro de
Classificação de Doenças, Décima Revisão), em que são possíveis vários diagnósticos de transtornos
afetivos. (POTTER; HOLLISTER, 2008)

Uma classificação de doenças pode ser definida como um sistema de categorias atribuídas a entidades
mórbidas segundo algum critério estabelecido. Existem vários eixos possíveis de classificação e
aquele que vier a ser selecionado dependerá do uso das estatísticas elaboradas. Uma classificação
estatística de doenças precisa incluir todas as entidades mórbidas dentro de um número manuseável
de categorias. (DATASUS, 1993)

A Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à


Saúde é a última de uma série que se iniciou, em 1893, como a Classificação de Bertillon ou Lista
Internacional de Causas de Morte. Ainda que o título tenha sido alterado, visando a tornar mais claro
o conteúdo e a finalidade, bem como refletir a extensão progressiva da abrangência da classificação
além de doenças e lesões, permanece mantida a familiar abreviatura «CID». Quando da atualização
da classificação, as afecções foram agrupadas de forma a torná-las mais adequada aos objetivos de
estudos epidemiológicos gerais e para a avaliação de assistência à saúde. O trabalho para a Décima
Revisão da CID iniciou-se em 1983, quando foi realizada uma Reunião Preparatória sobre a CID-10,
em Genebra. (DATASUS, 1993)

O manual de classificação das doenças mentais (DSM) foi elaborado pelos psiquiatras da Associação
de Psiquiatria Norte-americana, independentemente da classificação elaborada pela Organização
Mundial de Saúde (OMS), o CID. Esse manual de diagnósticos passou a tomar importância a partir
da 3a edição, na qual foi adotada uma postura descritiva das doenças (fenomenológica) sem qualquer
conotação etiológica ou explicativa, restringindo-se ao trabalho de descrever os sintomas e agrupá-
los em síndromes. Essa opção permitiu grandes avanços na psiquiatria a partir de então. Primeiro,
passou-se a obter maior confiabilidade de diagnóstico, ou seja, psiquiatras provenientes de diversas
regiões, ao entrevistarem os mesmos pacientes, conseguiam chegar ao mesmo diagnóstico, tarefa
aparentemente banal, mas que não se conseguia fazer antes do DSM-III. Com essa taxonomia
psiquiátrica, as pesquisas tornaram-se mais precisas, a indicação das medicações mais acertadas,
o prognóstico mais previsível. O DSM-IV representa uma evolução do DSM-III. (AMERICAN
PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2000)

Segundo os critérios do CID-10, nos episódios depressivos típicos de cada um dos três graus de
depressão (leve, moderado ou grave), o paciente apresenta rebaixamento do humor, redução da
energia e diminuição da atividade. Existe alteração da capacidade de experimentar o prazer, perda
de interesse, diminuição da capacidade de concentração, associadas, geralmente, à fadiga, mesmo
após um esforço mínimo. Observam-se, também, problemas com o sono e diminuição do apetite.
Existe, quase sempre, uma queda da autoestima e da autoconfiança e, frequentemente, ideias de

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UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

culpabilidade e ou de indignidade, mesmo nas formas leves. O humor depressivo varia pouco de
dia para dia ou segundo as circunstâncias e pode se acompanhado de sintomas ditos “somáticos”,
por exemplo, perda de interesse ou prazer, despertar matinal precoce, agravamento matinal da
depressão, lentidão psicomotora importante, agitação, perda de apetite, perda de peso e perda
da libido. O número e a gravidade dos sintomas permitem determinar três graus de um episódio
depressivo: leve, moderado e grave.

Hipóteses fisiopatológicas e tratamento


farmacológico da depressão
O tratamento farmacológico eficaz da depressão teve início na segunda metade da década de
1950, com o desenvolvimento dos antidepressivos tricíclicos (TCA – Triciclic Antidepressants
ou ADT – Antidepressivos Tricíclicos), embora seja também observado um papel continuado da
terapia eletroconvulsiva nas formas delirantes ou graves de depressão potencialmente fatal (Potter
e Hollister, 2008). Mesmo que diversas hipóteses tenham sido propostas, a fisiopatologia da
depressão ainda não está bem estabelecida. Entre essas hipóteses, destaca-se a participação dos
sistemas noradrenérgico e serotonérgico. Pouco depois da introdução da reserpina, no início da
década de 1950, tornou-se evidente que esse fármaco era capaz de induzir depressão.

Os estudos conduzidos revelaram que o principal mecanismo de ação da reserpina consistia em inibir
o armazenamento neuronal de neurotransmissores amínicos, como a serotonina e a noradrenalina.
A reserpina induzia depressão e provocava depleção das reservas desses neurotransmissores
amínicos; em consequência, foi deduzido que a depressão deveria estar associada a uma diminuição
da transmissão sináptica funcional dependente de aminas (POTTER; HOLLISTER, 2008). A
descoberta da possibilidade do tratamento da depressão com drogas que eram utilizadas para
outras finalidades (imipramina – derivada de drogas anti-histamínicas; e iproniazida – derivada
das drogas para o tratamento da tuberculose) forneceu a primeira ideia das modificações químicas
envolvidas na regulação dos sintomas depressivos (NESTLER et al., 2002). A sugestão de um papel
importante desses neurotransmissores também se baseou na observação de que todos os agentes
antidepressivos promovem um aumento na disponibilidade de noradrenalina e serotonina, por
inibir sua recaptação ou por inibir a sua degradação, conforme a Figura 17. (LAFER; FILHO, 1999).

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Figura 17. Fendas sinápticas serotoninérgica e noradrenérgica após o tratamento com antidepressivos. Em azul,
observa-se a serotonina e, em rosa, a noradrenalina, ambas sendo liberadas pelo neurônio pré-sináptico. É
possível verificar um aumento na quantidade de neurotransmissores na fenda sináptica decorrente da inibição da
recaptação destes.

Fonte: <http://www.sosdepressao.com.br>.

Assim, inicialmente, sugeriu-se que a depressão seria decorrente de uma diminuição dessas
monoaminas. Essa ideia forneceu a base daquilo que passou a ser conhecido como hipótese amina
(ou hipótese aminérgica ou, ainda, hipótese monoaminérgica) da depressão. Essa hipótese forneceu
os principais modelos experimentais para a descoberta de novos fármacos antidepressivos. Em
consequência, todos os fármacos antidepressivos atualmente disponíveis, à exceção da bupropiona,
são classificados de acordo com suas ações primárias sobre o metabolismo, a recaptação ou
o antagonismo seletivo dos receptores de serotonina, noradrenalina ou ambas. (POTTER;
HOLLISTER, 2008)

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UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Tabela 2. Antidepressivos disponíveis no Brasil.

Fonte: Souza, 1999.

Os antidepressivos tricíclicos, assim denominados em virtude do núcleo característico com três


anéis, vêm sendo utilizados clinicamente há quatro décadas. A imipramina e a amitriptilina são
os protótipos dessa classe de fármacos como inibidores mistos da captação de noradrenalina e
serotonina, embora também exerçam vários outros efeitos. Eles bloqueiam os recaptadores de aminas,
conhecidos como transportadores de noradrenalina e transportadores de serononina. O bloqueio
desses transportadores, presumivelmente, permite uma maior permanência do neurotransmissor no
espaço sináptico (POTTER e HOLLISTER, 2008). De acordo com Moreno, Moreno e Soares (1999),
os ADTs atuam pré-sinapticamente no bloqueio da recaptura de monoaminas, principalmente,
norepinefrina e serotonina. Também atuam, em menor proporção, no transporte de dopamina. A
atividade pós-sináptica varia de acordo com os receptores de neurotransmissores envolvidos, como:
receptores muscarínicos da acetilcolina, receptores da histamina e receptores da serotonina. Os
efeitos antimuscarínicos não contribuem para a atividade antidepressiva, mas são responsáveis por
vários efeitos colaterais incômodos, já que interagem, também, com os sistemas histaminérgico e
colinérgico. São exemplos desse grupo de antidepressivos: clomipramina, imipramina, amitriptilina,
nortriptilina, protriptilina, maprotilina, amoxapina, doxepina, desipramina e trimipramina.

Entre os efeitos adversos apresentados por essa classe de medicamentos, Baldessarini (1996) afirma
que respostas autônomas adversas são frequentes, devido aos efeitos antimuscarínicos, como
boca seca, desconforto epigástrico, constipação, tontura, taquicardia, palpitações, visão borrada

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FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

e retenção urinária. Os efeitos cardiovasculares são: hipotensão ortostática, taquicardia sinusal e


possível desenvolvimento de arritmias. Ainda apresentam efeitos centrais descritos como fraqueza
e fadiga, além de confusão ou delírio devido aos efeitos atropínicos dos ADTs.

A pesquisa de moléculas com maior seletividade para o transportador da serotonina levou à


introdução da fluoxetina (um antidepressivo efetivo e mais seletivo, com toxicidade autônoma
mínima). Desde então, foram introduzidos quatro inibidores seletivos da recaptação de serotonina,
bem como a forma enantiomérica ativa de um deles, o citalopram. Todos são estruturalmente
distintos das moléculas dos agentes tricíclicos e apresentam menos efeitos adversos que aqueles
(POTTER; HOLLISTER, 2008). Fluoxetina, paroxetina, fluvoxamina, sertralina, citalopram e
escitalopram são antidepressivos inibidores da recaptação de serotonina Os principais efeitos
colaterais decorrentes dessa classe de medicamentos são agitação e acatisia (um tipo de desassossego
motor), especialmente, com a fluoxetina. Vieira, Porcu e Rocha (2007) asseveram, ainda, que
todos os membros da classe dos ISRS causam disfunções sexuais, especialmente, anorgasmia nas
mulheres e ejaculação retardada nos homens, em número significativo de pacientes.

Os inibidores da monoaminoxidase podem ser classificados como hidrazidas (combinam-se


de modo irreversível com a MAO) e não hidrazidas (inibidor fraco da MAO com características
simpatomiméticas da anfetamina). Entre os inibidores clássicos (irreversíveis e não seletivos),
temos a fenelzina e a tranilcipromina. A seleginina é um inibidor seletivo de MAO-B em baixas
doses, enquanto a moclobemida inibe de forma reversível a MAO-A. Com a inibição da MAO, esses
fármacos bloqueiam uma importante via de degradação intraneuronial dos neurotransmissores
amínicos, permitindo o acúmulo de mais aminas nas reservas pré-sinápticas, como a liberação de
maiores quantidades. (POTTER; HOLLISTER, 2008)

Moreno, Moreno e Soares (1999), destacam que os efeitos adversos mais importantes desses
medicamentos são: hipotensão ortostática, tremores, excitação, secura da boca, visão obscurecida,
distúrbios do sono, disúria, ganho de peso e convulsões em doses excessivas. Scalco (2002) afirma
que podem, também, causar crises hipertensivas por interação com tiramina de alimentos e
medicamentos simpatomiméticos.

De acordo com Scalco (2002), os antidepressivos atípicos formam um grupo heterogêneo, pois
possuem ações que não se enquadram nas teorias monoaminérgicas das doenças afetivas. Não
possuem mecanismo de ação comum e atuam, principalmente, como antagonistas não seletivos
dos receptores pré-sinápticos (RANG et al., 2003). Bahls, Carvalho e Boeving (2007) destacam que
alguns deles aumentam a transmissão noradrenérgica por meio do antagonismo de receptores a2
(pré-sinápticos) no Sistema Nervoso Central, ao mesmo tempo em que modulam a função central
da serotonina por interação com os receptores 5-HT2 e 5-HT3, como é o caso da mirtazapina.

As principais reações adversas dessas drogas são: náuseas, tontura, sonolência, tremor, agitação,
aumento da pressão arterial, taquicardia, boca seca, constipação, retenção urinária e sudorese
(MORENO; MORENO; SOARES, 1999). Scalco (2002) afirma, também, que algumas dessas drogas
costumam reduzir a sensibilidade dos receptores beta-adrenérgicos, inclusive após administração
aguda, o que pode sugerir um início de efeito clínico mais rápido.

79
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Também se encontram nessa classificação os inibidores da recaptação da norepinefrina


(noradrenalina), como é o caso da riboxetina (LAFER e CONDE FILHO, 1999). Rang et al. (2003)
esclarecem que alguns atípicos, como é o caso da tianeptina, embora sejam serotoninérgicos, não
inibem a recaptação da serotonina no neurônio pré-sináptico, mas induzem sua recaptação pelos
neurônios da córtex, do hipocampo e do sistema límbico. Já a amineptina, outro atípico, é uma
molécula derivada dos tricíclicos, mas seu mecanismo de ação é, essencialmente, dopaminérgico,
enquanto que os outros antidepressivos tricíclicos são, essencialmente, noradrenérgicos e
serotoninérgicos. As melhoras sintomáticas poderão ser observadas a partir do 3o ao 5o dias e, sobre
o sono REM, a partir do 20o dia de tratamento em posologia suficiente. (MORENO; MORENO;
SOARES, 1999)

De acordo com Melo (2007), uma nova classe de agentes terapêuticos está sendo introduzida:
os inibidores de dupla recaptura, também chamados de inibidores da recaptura de serotonina e
noradrenalina (IRSN). A designação “inibidores de dupla recaptura” pode causar confusão, porque
muitos agentes apresentam ações farmacológicas duplas, incluindo a inibição da recaptura de
5-HT e NA. O que torna única a venlafaxina, o protótipo desse grupo de IRSN, é que ela apresenta
as propriedades de inibição da recaptura de NA e 5-HT (e, em menor intensidade, DA) dos ADT
clássicos, porém sem as propriedades de bloqueio dos receptores α1, colinérgicos ou histaminérgicos.
Dependendo da dose, a venlafaxina apresenta diferentes graus de inibição da recaptura de 5-HT
(mais potente e presente em baixas doses), da recaptura de NA (potência moderada e presente em
altas doses) e da recaptura de DA (menos potente e presente em doses máximas).

Embora bem documentados como antidepressivos eficazes, ainda não se sabe, ao certo, se os IRSN
apresentam vantagens sobre os ISRS em termos de eficácia ou efeitos colaterais. Teoricamente, a
adição do bloqueio da recaptura de NA (e, em menor intensidade, DA) ao bloqueio da recaptura de
5-HT poderia aumentar sua eficácia, em comparação com os ISRS. Assim, ainda não está comprovado
se a administração do bloqueador de dupla recaptura é ou não equivalente à administração
simultânea de um ISRS e bupropiona. (CIGOGNINI; FURLANETTO, 2006)

É importante esclarecer que os antidepressivos disponíveis têm, praticamente, a mesma eficácia no


tratamento da depressão. No entanto, Scazufca e Matsuda (2002) asseveram que as escolhas devem
ser feitas com base na idade do paciente, no histórico familiar, na tolerância ao medicamento, nos
efeitos colaterais e nas respostas anteriores a antidepressivos.

Porém, um grande enigma na aplicação da “hipótese amina da depressão” era o fato de que, embora
as ações farmacológicas dos antidepressivos sejam imediatas, seus efeitos terapêuticos só são
observados após duas a seis semanas de tratamento. Assim, tem-se sugerido que modificações mais
complexas nos diversos subtipos de receptores noradrenérgicos e serotonérgicos estejam envolvidas
na fisiopatologia da depressão. (GUIMARÃES, 1998; MAES; MELTZER, 1994; LAFER; FILHO,
1999; POTTER; HOLLISTER, 2008)

Procurou-se explicar essa observação com base nas respostas compensatórias lentas ao bloqueio
inicial da recaptação de aminas ou da inibição da monoaminoxidase. Há evidências crescentes
da ocorrência de alterações na regulação pré-sináptica da liberação dos neurotransmissores: os
autorreceptores pré-sinápticos respondem a um aumento do transmissor sináptico por meio de

80
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

infrarregulação na síntese e liberação do transmissor (POTTER; HOLLISTER, 2008). Pode-se


supor, também, que uma cascata de modificações tardias e adaptativas seja necessária para sua ação
terapêutica (MANJI et al., 2001). Dentro desse contexto, estudos relacionados à fisiopatologia e ao
tratamento da depressão têm focado o papel de mecanismos intracelulares de sinalização. Esses
mecanismos estão, indubitavelmente, envolvidos em eventos neuroplásticos que regulam processos
psicológicos complexos, assim como diversas funções vegetativas. Consequentemente, fatores que
modificam a neuroplasticidade têm se tornado importantes alvos de estudo na fisiopatologia da
depressão (MANJI et al., 2001). Nesse sentido, Santarelli et al. (2003) relatam a necessidade de
desenvolvimento de neurogênese hipocampal para as ações comportamentais de antidepressivos.
Assim, o prejuízo da memória que ocorre na depressão poderia estar correlacionado com a
diminuição da neurogênese hipocampal. Dado o número de funções fisiológicas e neurovegetativas
reguladas pelo hipocampo, o prejuízo da neurogênese poderia, também, contribuir para outras
facetas clínicas da síndrome depressiva. (MCCLUNG, 2004)

Ansiedade

Introdução
Todo mundo tem medo e ansiedade. O medo é uma resposta emocional, fisiológica e comportamental
a uma ameaça externa definida (por exemplo, um intruso ou um veículo descontrolado). A ansiedade
é um estado emocional desagradável que possui uma causa menos clara e, frequentemente, é
acompanhada por alterações fisiológicas e comportamentais similares àquelas causadas pelo medo.
Devido a essas semelhanças, as pessoas comumente utilizam os termos ansiedade e medo de modo
indistinto. A ansiedade é uma resposta ao estresse como, por exemplo, o rompimento de uma
relação importante ou a exposição a um desastre potencialmente letal.

A ansiedade pode manifestar-se subitamente, no pânico, por exemplo, ou gradualmente, ao longo


de minutos, horas ou dias. A duração da ansiedade pode ser muito variável, desde alguns segundos
até vários anos. Sua intensidade pode variar desde uma angústia praticamente imperceptível
até um pânico estabelecido. A ansiedade atua como um elemento dentro de uma ampla gama de
respostas de adaptação que são essenciais para a sobrevivência em um mundo perigoso. Certo
grau de ansiedade provê um componente adequado de precaução em situações potencialmente
perigosas. Na maior parte do tempo, o nível de ansiedade de um indivíduo apresenta alterações
adequadas e imperceptíveis ao longo de um amplo espectro de estados de consciência que vai desde
o sono ao estado de vigília, passando pela ansiedade e o medo, e assim sucessivamente. Entretanto,
em alguns casos, o sistema de resposta à ansiedade funciona incorretamente ou é superado pelos
acontecimentos. Nesse caso, pode ocorrer um distúrbio da ansiedade (Figura 18). Os seres humanos
reagem diferentemente às situações. Por exemplo, alguns acham que falar diante de uma plateia é
algo estimulante, enquanto outros se apavoram à simples ideia de fazê-lo.

A capacidade de tolerar a ansiedade varia muito e, por isso, muitas vezes é difícil de determinar o que
significa “ansiedade anormal”. No entanto, quando ela ocorre em momentos inadequados ou é tão
intensa e duradoura que chega a interferir nas atividades normais, ela será, então, adequadamente

81
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

considerada como um distúrbio. Os distúrbios da ansiedade podem ser tão angustiantes e interferir
de tal maneira na vida do indivíduo que podem levá-lo à depressão.

O diagnóstico de um distúrbio da ansiedade baseia-se, fundamentalmente, nos seus sintomas.


Contudo, sintomas idênticos aos de um distúrbio da ansiedade podem ser causados por uma
doença (por exemplo, hiperatividade da tireoide) ou pelo uso de um medicamento ou de uma droga
(como os corticosteroides ou a cocaína). Uma história familiar de distúrbio da ansiedade pode
ajudar o médico a estabelecer o diagnóstico, uma vez que tanto a predisposição a uma ansiedade
específica quanto a predisposição geral à ansiedade, frequentemente, têm um caráter hereditário. É
importante realizar um diagnóstico preciso, pois o tratamento varia de um distúrbio da ansiedade
a outro. Dependendo do distúrbio, a terapia comportamental, o tratamento medicamentoso ou a
psicoterapia, isoladamente ou combinados adequadamente, podem aliviar, significativamente, a
angústia e a disfunção da maioria dos pacientes.

Figura 18. Eficiência do desempenho conforme os níveis de ansiedade.

Classificação dos transtornos de ansiedade


Em relação à ansiedade patológica, critérios diagnósticos de classificações psiquiátricas têm
reconhecido uma série de transtornos que podem ser definidos como quadro de ansiedade.
Atualmente, a classificação mais utilizada é a do Diagnostic and Statistical manual of Mental
Disorders (DSM-IV-TR, 2000), como segue: agorafobia, ataque de pânico, transtorno de pânico
sem agorafobia, transtorno de pânico com agorafobia, agorafobia sem história de transtorno de
pânico, fobia específica, fobia social, transtorno obsessivo compulsivo, transtorno de estresse pós-
traumático, transtorno de estresse agudo, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de
ansiedade devido a uma condição médica geral, transtorno de ansiedade induzido por substância e
transtorno de ansiedade sem outra especificação.

»» O ataque de pânico é representado por um período distinto no qual há o


início súbito de intensa apreensão, temor ou terror, frequentemente associados
com sentimentos de catástrofe iminente. Durante esses ataques, estão presentes
sintomas tais como falta de ar, palpitações, dor ou desconforto torácico, sensação
de sufocamento e medo de “ficar louco” ou de perder o controle.

82
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

»» A agorafobia é a ansiedade ou esquiva a locais ou situações das quais poderia ser


difícil (ou embaraçoso) escapar ou nas quais o auxílio poderia não estar disponível,
no caso de ter um ataque de pânico ou sintomas tipo pânico.

»» O transtorno de pânico sem agorafobia é caracterizado por ataques de pânico


inesperados e recorrentes acerca dos quais o indivíduo se sente persistentemente
preocupado.

»» O transtorno de pânico com agorafobia caracteriza-se por ataques de pânico


recorrentes e inesperados e agorafobia.

»» A agorafobia sem história de transtorno de pânico caracteriza-se pela


presença de agorafobia e sintomas tipo pânico sem uma história de ataques de
pânico inesperados.

»» A fobia específica caracteriza-se por ansiedade clinicamente significativa


provocada pela exposição a um objeto ou situação específicos e temidos,
frequentemente, levando ao comportamento de esquiva.

»» A fobia social caracteriza-se por ansiedade clinicamente significativa provocada


pela exposição a certos tipos de situações sociais ou de desempenho, frequentemente,
levando ao comportamento de esquiva.

»» O transtorno obsessivo compulsivo caracteriza-se por obsessões (que causam


acentuada ansiedade ou sofrimento) e/ou compulsões (que servem para neutralizar
a ansiedade).

»» O transtorno de estresse pós-traumático caracteriza-se pela revivência de


um evento extremamente traumático, acompanhada por sintomas de excitação
aumentada e esquiva de estímulos associados com o trauma.

»» O transtorno de estresse agudo caracteriza-se por sintomas similares


àqueles do transtorno de estresse pós-traumático, ocorrendo logo após um evento
extremamente traumático.

»» O transtorno de ansiedade generalizada caracteriza-se por pelo menos 6


meses de ansiedade e preocupação excessivas e persistentes.

»» O transtorno de ansiedade devido a uma condição médica geral


caracteriza-se por sintomas proeminentes de ansiedade considerados como sendo a
consequência fisiológica direta de uma condição médica geral.

»» O transtorno de ansiedade induzido por substância caracteriza-se por


sintomas proeminentes de ansiedade, considerados como sendo a consequência
fisiológica direta de abuso de uma droga, um medicamento ou exposição a uma
toxina.

83
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Epidemiologia e etiologia dos transtornos de


ansiedade
Transtornos de ansiedade são altamente prevalentes e são associados com altos níveis de morbidade
e mortalidade, assim como alto custo. É estimado que os distúrbios de ansiedade possam afetar,
aproximadamente, 20% da população em algum ponto de sua vida com um custo anual estimado
de $ 44 bilhões de dólares somente nos EUA (GREENBERG et al., 1999). Nos países ocidentais, a
prevalência foi estimada em 1,6% para agorafobia, 2,4% para transtornos do pânico, 7,2% a 11,3%
para fobia específica, 3% a 13% para fobia social, 2,5% para transtorno obsessivo compulsivo, 8%
para transtorno de estresse pós-traumático, 14% a 33% para transtorno de estresse agudo e 5% para
transtorno de ansiedade generalizada. Praticamente todos os subtipos de transtorno de ansiedade
são substancialmente mais prevalentes em mulheres. (BEKKER; VAN MENS-VERHULST, 2007)

Sabe-se que há um significativo componente genético na maneira com a qual os circuitos da ansiedade
se desenvolvem. Estudos com gêmeos humanos sugerem que de 30% a 40% da variabilidade em
transtornos de ansiedade generalizada pode se dever a fatores genéticos (HETTEMA et al., 2001;
SULLIVAN et al., 2000). Existem resultados de estudos genéticos que apontam para ligação entre
transtornos do pânico e genes do cromossomo 16 sem, todavia, excluir a participação de fatores
ambientais.

Fisiologia e bases neuroquímicas dos transtornos de


ansiedade
A ansiedade excessiva foi tratada, primariamente, com drogas que têm propriedade calmante,
incluindo álcool, barbitúricos, opiáceos, betabloqueadores e benzodiazepínicos (BZD). Desses, os
benzodiazepínicos são os mais específicos e efetivos, sendo, dessa forma, amplamente utilizados
para tratar a ansiedade normal e patológica. Benzodiazepínicos aumentam a potência do principal
aminoácido inibitório no cérebro, o GABA (ácido g-aminobutírico), modulando o funcionamento
dos receptores GABAA. Com base na efetividade de drogas potencializadoras de GABA, foi proposto
que o excesso da neurotransmissão excitatória é um importante marcador fisiológico da ansiedade.

Não obstante, a localização anatômica precisa e a natureza dessa hiperexcitabilidade do cérebro


não são conhecidas. Estudos de imagens por ressonância magnética funcional (fMRI) em humanos
com transtornos de ansiedade revelaram aumento de atividade basal no córtex cingulado e no giro
parahipocampal, e aumento de atividade cerebral em resposta a estímulos eliciadores de ansiedade
na amígdala, no giro parahipocampal e no córtex frontal (GROSS; HEN, 2004).

Apesar das drogas sedativo-hipnóticas clássicas afetarem o funcionamento de muitos tipos de


neurônios no SNC, seu principal mecanismo de ação envolve a potencialização da transmissão
GABAérgica. Visto que o GABA é o principal neurotransmissor inibitório nos sistema nervoso,
ele tem receptores na maioria das células do SNC, para exercer efeitos inibitórios difundidos. O
complexo GABAA regula um canal de Cl- que aumenta a corrente de cloreto para dentro da célula,
para mover o potencial de membrana para longe do limiar de disparo. Dessa forma, agonistas
GABAérgicos produzem uma hiperpolarização local, ou potencial inibitório pós-sináptico, e inibem
o disparo celular.

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FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

Drogas para o tratamento da ansiedade


As drogas usadas para aliviar a ansiedade são chamadas de ansiolíticos. Muitas pertencem à classe
sedativo-hipnótica, a qual é parte de uma categoria maior, os depressores do SNC. Os depressores do
SNC incluem os barbitúricos, os benzodiazepínicos e o álcool. Todos eles reduzem a excitabilidade
neuronal, potencializando os efeitos inibitórios do aminoácido neurotransmissor GABA. De
conhecimento geral, a droga redutora da ansiedade mais antiga é o álcool. Ele ainda é popular
como um “remédio” sem prescrição para o estresse. Todavia, como é difícil de administrar em doses
precisas e tem um índice terapêutico muito pobre, ele não tem uso médico.

Para ser considerado um ansiolítico, uma droga deve aliviar os sentimentos de tensão e preocupação
e sinais de estresse que são típicos do indivíduo ansioso. Drogas que aliviam a ansiedade,
frequentemente, também produzem um estado calmo e relaxado, com tontura e turvação mental,
incoordenação, e tempo de reação prolongado. Em altas doses, essas drogas também induzem o
sono. Elas são, assim, chamadas algumas vezes hipnóticas. Em altas doses, os depressores do SNC
induzem ao coma e à morte, porém até mesmo em doses terapêuticas elas podem ser fatais, se
combinadas com outras drogas.

Barbitúricos
Os barbitúricos foram, essencialmente, substituídos pelos benzodiazepínicos no tratamento dos
transtornos de ansiedade. Assim como os benzodiazepínicos, os barbitúricos aumentam a afinidade
do receptor GABAA pelo GABA; porém, eles aumentam a duração da abertura dos canais de cloreto
ativados pelo GABA, ao invés do número de aberturas, como os BZD o fazem. Além de aumentar a
ação do GABA no receptor, os barbitúricos também abrem diretamente o canal de Cl- sem o GABA.
Essa ação adicional pode explicar o motivo pelo qual os barbitúricos podem ser letais enquanto os
BZD não são.

Efeitos colaterais: apesar de rapidamente induzirem o sono, ele não é normal. Eles alteram
a arquitetura do sono, reduzindo a quantidade de sono REM (movimento rápido dos olhos) e
causando um rebote no REM após a retirada. Em segundo lugar, os efeitos ansiolíticos dessas drogas
são acompanhados por efeitos colaterais cognitivos pronunciados, incluindo turvação mental,
perda de julgamento e diminuição dos reflexos. Altas doses também levam à intoxicação, ao andar
cambaleante, à fala arrastada e ao pensamento prejudicado. Coma e morte devido à depressão
respiratória ocorrem com 10 a 20 vezes a dose terapêutica normal. Essas drogas são extremamente
perigosas quando combinadas com o álcool. Em terceiro lugar, o uso repetido de barbitúricos
aumenta o número de enzimas microssomais hepáticas. Esse aumento acelera o metabolismo da
droga, produzindo diminuição nos níveis sanguíneos (tolerância metabólica) e redução da eficácia.
Uma vez que as mesmas enzimas hepáticas metabolizam muitas outras drogas, a tolerância cruzada
diminui, também, a eficácia de outras drogas. Em quarto lugar, os barbitúricos produzem uma
dependência física significante e potencial para o abuso.

85
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Benzodiazepínicos
O primeiro benzodiazepínico (BZD) a ser introduzido foi o clordiazepóxido. Ele representou o
primeiro ansiolítico verdadeiro sem produzir sedação excessiva. Ele apresenta baixa incidência de
tolerância, uma síndrome de retirada menos grave que os barbitúricos, e um índice terapêutico
bem seguro. Como já dito, os BZD têm sítios de ligação como parte do complexo receptor GABAA e
potencializam os efeitos inibitórios do GABA. Quando os BZD se ligam ao seu receptor no complexo
GABAA, eles potencializam os efeitos do GABA, aumentando o número de vezes que o canal
abre. Porém, na ausência de GABA, os benzodiazepínicos não têm efeito na abertura do canal de
Cl-. Aparentemente, a presença de BZD altera o estado físico dos receptores e, então, o GABA abre
os canais mais facilmente. Como é de se esperar, a adição do antagonista competitivo flumazenil
impede a potencialização da ação do GABA induzida por BZD, mas não afeta a hiperpolarização
induzida por GABA. Em contraste, a adição de antagonistas GABAérgicos impede o GABA de abrir
o canal, e a presença de um benzodiazepínico não tem efeito adicional.

Efeitos colaterais: os BZD, em superdosagem aguda, são, consideravelmente, menos perigosos do


que outros agentes/hipnóticos. Eles causam sono prolongado, sem depressão grave da respiração ou
da função cardiovascular. Entretanto, na presença de outros depressores do SNC, particularmente,
o álcool, os BZD podem causar depressão respiratória grave e até mesmo potencialmente fatal. A
disponibilidade de um antagonista eficaz, o flumazenil, significa que os efeitos de uma superdosagem
aguda podem ser neutralizados, o que não é possível com a maioria dos depressores do SNC. Os
principais efeitos colaterais dos benzodiazepínicos consistem em sonolência, confusão, amnésia e
comprometimento da coordenação, que afeta, consideravelmente, as habilidades manuais, como o
desempenho de um motorista. Ocorre tolerância com todos os BZD, bem como dependência, porém
menos pronunciada que a promovida pelos barbitúricos.

Agonistas dos receptores 5-HT1A


A importância da 5-HT (serotonina) reflete-se no uso clínico da buspirona, um potente agonista
nos receptores 5-HT1A utilizado no tratamento da ansiedade. A buspirona liga-se, também, aos
receptores de dopamina, porém é pouco provável que suas ações relacionadas com a 5-HT sejam
importantes em comparação com a supressão da ansiedade, visto que compostos ansiolíticos
correlatos (como a ipsapirona e gepirona) apresentam alta especificidade pelos receptores 5-HT1A.
Ainda não foi esclarecido como funcionam exatamente esses agentes ansiolíticos 5-HT. É possível
que atuem sobre receptores pré-sinápticos inibitórios, reduzindo, assim, a liberação de 5-HT
e de outros mediadores. Além disso, inibem a atividade de neurônios noradrenérgicos do lócus
coeruleus e, dessa maneira, interferem nas reações de reatividade. Entretanto, são necessários dias
ou semanas para que a buspirona produza seu efeito no homem, sugerindo um mecanismo de ação
indireto mais complexo.

Efeitos Colaterais: são muito diferentes daqueles observados com os BZD. Não causam nem
incoordenação motora, e não foram relatados efeitos de abstinência. Seus principais efeitos
colaterais consistem em náusea, vertigens, cefaleia e inquietação que, geralmente, parecem ser
menos incômodos do que os efeitos colaterais dos benzodiazepínicos.

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FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

Outros agentes ansiolíticos potenciais


Além dos agonistas 5-HT1A, as drogas que atuam sobre outros receptores 5-HT também podem
ser úteis como agentes ansiolíticos. Os antagonistas dos receptores 5-HT3, como o ondansetron,
apresentam atividade ansiolítica em modelos animais, porém não se mostram eficazes em estudos
clínicos controlados realizados em seres humanos. Tanto os inibidores da captação de 5-HT,
por exemplo, a fluoxetina, quanto os inibidores mistos da captação de 5-HT/noradrenalina, que
são muito utilizados, principalmente, como agentes antidepressivos, também são eficazes nos
transtornos de ansiedade, bem como nos episódios de pânico.

Foram testados antagonistas do neuropeptídio, a colecistocinina (CCK), como agentes ansiolíticos.


A CCK, que é expressa em muitas áreas do tronco cerebral e mesencéfalo que estão envolvidas na
reatividade, no humor e na emoção, tem sido considerada como possível mediador nos ataques de
pânico. A injeção intravenosa de um tetrapeptídio relacionado com a CCK (que pode atravessar
a barreira hematoencefálica) induz ataques de pânico em pacientes com essa condição. Foram
desenvolvidos antagonistas CCK não peptídicos, mas que não provaram ser eficazes em estudos
clínicos.

Epilepsia
As crises epilépticas têm causado fascínio e infortúnio à humanidade desde a Antiguidade.
Acreditava-se que os indivíduos eram possuídos por espíritos maléficos ou havia poderes especiais.
Mesmo recentemente, o diagnóstico da doença traz consigo um estigma social que pode afetar todos
os aspectos da vida cotidiana, como dirigir, conseguir um emprego e oportunidades educacionais.
A epilepsia é um transtorno neurológico crônico e recorrente, que atinge cerca de 1% da população
mundial. O que caracteriza uma ocorrência de natureza epiléptica é a presença de crises súbitas e
espontâneas, associadas à descarga anormal, excessiva e transitória de células nervosas.

O local da descarga e sua extensão são fatores determinantes da sintomatologia clínica apresentada,
podendo variar desde uma perda de consciência de poucos segundos até crises de duração
prolongada. Não são conhecidas as causas da epilepsia, embora esta possa se desenvolver após
infarto cerebral, tumor, infecção, trauma ou doença degenerativa. Há diferentes tipos de crises
epilépticas, por isso, é importante atentar à classificação para escolha do tratamento. Os fármacos
disponíveis atualmente permitem um controle satisfatório das crises em torno de 70% a 75%.

Classificação das crises epilépticas


O sistema de classificação mais utilizado é o proposto pela Liga Internacional Contra a Epilepsia
(1981). As crises podem ser classificadas como parciais (focais) ou generalizadas. As parciais ainda
podem ser divididas em simples ou complexas, de acordo com a manutenção da consciência ou sua
perda, respectivamente.

A crise parcial simples pode ocorrer em qualquer parte do corpo, decorrente da descarga excessiva
originada no córtex contralateral. As complexas também são conhecidas como crises do lobo temporal

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UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

ou psicomotoras. Uma crise parcial pode evoluir para uma generalizada (crise secundariamente
generalizada). As crises generalizadas envolvem ambos os hemisférios cerebrais e não têm início
focal. As principais categorias são as crises de ausência, que causam pequeno mal e são comuns em
crianças, e as tônico-clônicas, que causam grande mal e provocam contração de toda a musculatura
(fase tônica) seguida por abalos musculares (fase clônica).

Quadro 4. Classificação simplificada das crises epilépticas segundo a Liga Internacional Contra a Epilepsia (1981).

1. Crises Parciais
a) Crises simples
b) Crises Complexas
c) Crises Parciais Evoluindo para Generallizadas
2. Crises Generalizadas
a) Ausência (Pequeno Mal)
b) Mioclônicas
c) Clônicas
d) Tônicas
e) Tônico-Clônicas (Grande Mal)
f) Atônicas
g) Formas combinadas
3. Crises não Classificadas

Por meio de registros intracelulares, foi demonstrado, em 1963, que o grupo de neurônios no qual
tem origem a descarga epiléptica exibe um comportamento elétrico incomum, denominado “desvio
despolarizante paroxístico” (PDS, paroxysmal depolarising shift), durante o qual o potencial de
membrana fica despolarizado alguns segundos antes de retornar ao normal.

Drogas antiepilépticas e mecanismos de ação


Os mecanismos de ação dos antiepilépticos conhecidos até o momento são os seguintes.

»» Potencialização da ação do GABA.

»» Inibição de canais de sódio.

Agentes como o fenobarbital e os benzodiazepínicos (diazepam, clonazepam) estimulam receptores


do tipo GABAA, facilitando a abertura de canais de cloreto mediada pelo GABA. A vigabatrina inibe
a GABA transaminase (enzima que o inativa) e a tiagbina inibe a captação GABA.

Antiepilépticos como a fenitoína, a carbamazepina, o valproato e a lamotrigina bloqueiam a


excitabilidade da membrana por meio de uma ação sobre os canais de sódio voltagem-dependentes
(ação sobre o estado inativado do canal).

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FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

Quadro 5. Principais drogas utilizadas no tratamento dos diferentes tipos de crises epilépticas, mecanismo de
ação e efeitos colaterais.

Droga Nome Principais Indicações Mecanismo de ação Efeitos Colaterais


Comercial
Fenitoína Hidantal® Todos os tipos de crise, Inibição dos canais de sódio Vertigens, ataxia e
EXCETO de ausência.
reações de hiperssensibilidade
Carbamazepina Tegretol ®
Todos os tipos de crise, Inibição dos canais de sódio Sedação, ataxia, retenção hídrica,
EXCETO de ausência. e
reações de hiperssensibilidade
Valproato Depakene® A maioria dos tipos de Inibição da GABA Náusea, queda de cabelos e
crise, particularmente as de transaminase aumento de peso
ausência.
Fenobarbital Gardenal® Todos os tipos de crise, Potencialização da ação do
EXCETO de ausência. GABA
Sedação
Gabapentina Neurontin® Tônico-clônica Desconhecido Sedação e ataxia
Lamotrigina Lamictal ®
Crises de ausência Inibição dos canais de sódio Náusea, vertigens, ataxia e
reações de hiperssensibilidade
Topiramato Topamax® Semelhante a fenitoína Inibição dos canais de sódio Risco de teratogênese
e potencialização da ação
do GABA
Benzodiazepínicos: Diazepam Todos os tipos de crise Potencialização da ação do Sedação e síndrome de
Clonazepam GABA abstinência
Valium®
Rivotril®
Vigabatrina Sabril® Todos os tipos de crise Inibição da GABA Alterações comportamentais e
transaminase de humor

Esquizofrenia

Características
Psicose é um termo frequentemente confundido e erroneamente utilizado para designar doenças
mentais que envolvam assassinos psicóticos, ou psicóticos violentos, ou, ainda, um termo pejorativo
de louco. Psicose, na verdade, pode ser considerada como um conjunto de sintomas em que a
capacidade mental, as respostas afetivas, a capacidade de reconhecer a realidade, de se comunicar
e de se relacionar com outros está prejudicada. A esquizofrenia é a mais comum e a mais conhecida
das doenças psicóticas e, hoje, é tratada no meio da saúde como sinônimo de psicose. (STAHL,
2008)

O nome esquizofrenia é um dos termos psicológicos de uso mais inadequado. Essa palavra significa,
literalmente, “mente dividida”, mas não subentende uma divisão ou múltiplas personalidades. Na
verdade Eugen Bleuer (1911-1950), o homem que o criou, usou esse termo se referenciando a uma
ruptura com a realidade, causada por uma desorganização de várias funções da mente, de tal modo
que os pensamentos e os sentimentos não trabalhassem mais juntos normalmente.

Descrições encontradas em escritos indicam que esse distúrbio existe há milhares de anos (JESTE et
al., 1985). A esquizofrenia afeta cerca de 1% da população (homens e mulheres igualmente), sendo

89
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

frequente seu início entre a adolescência (± 13 anos) e a juventude (± 25 anos). Seus principais
sintomas, listados a seguir, são universais e, assim, foram criados critérios para diagnosticar
fidedignamente esse distúrbio:

1. delírios ou crenças que distorcem a realidade;

2. alucinações ou percepções distorcidas (como escutar vozes);

3. discurso desorganizado (frases incoerentes, rimas sem sentido);

4. comportamento desorganizado ou ações excessivamente agitadas;

5. imobilidade excessiva (catatonia); e

6. sintomas “negativos” como embotamento afetivo, perda de interesse e iniciativa,


anedonia e sentimentos de culpa ou desvalia. (Diagnostic and Statistical Manual
of Mental Disorders – DSM-IV)

Crow (1980), modificado recentemente por Andreasen (1990), classificaram a esquizofrenia


caracterizando dois tipos de sintomas: positivos e negativos. Os sintomas positivos incluem distúrbios
de pensamento que se mostram irracionais e desorganizados, sendo este, um dos sintomas mais
importantes. Os esquizofrênicos apresentam grande dificuldade de organizar suas ideias de maneira
lógica, não diferenciando conclusões plausíveis daquelas que são absurdas. Às vezes, pronunciam
palavras sem sentido, pulando de um tópico para outro quando surgem novas associações, ou mesmo
utilizando palavras que, simplesmente, rimam com outra que vinha descrevendo, sem ter qualquer
significado. Ainda dentro dos sintomas positivos, os delírios são crenças contrárias aos fatos. Os
esquizofrênicos podem apresentar delírios persecutórios (falsas crenças que estão tramando contra
ele), delírios de grandeza (falsas crenças que possuem poder e importância como possuir poderes
divinos ou conhecimento que ninguém mais tem) ou delírios de controle (em que o indivíduo é
controlado por outra pessoa ou por um minúsculo rádio receptor implantado em seu cérebro). O
terceiro sintoma positivo da esquizofrenia é a alucinação, caracterizada por percepções de estímulos
que não existem. Essas alucinações podem afetar qualquer dos sentidos (tato, dor, temperatura,
visão, audição e olfação), no entanto, as mais comuns são as auditivas, caracterizadas por vozes que
falam com ele. Em grande parte das vezes, essas vozes determinam ordens, podendo, ainda, zombar
de sua incompetência ou dizer frases sem sentido (Figura 19).

90
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

Figura 19. Sintomas positivos e negativos da esquizofrenia e as características afetadas nos


indivíduos que se encontram nesta fase da doença.

Ao contrário dos sintomas positivos, os sintomas negativos são caracterizados pela ausência de
comportamentos normais. Ausência de respostas emocionais, pobreza de discurso, falta de iniciativa
e persistência, incapacidade de vivenciar prazer e isolamento social. Destaca-se que vários desses
sintomas não são exclusivos da esquizofrenia.

Além dos sintomas positivos e negativos, são verificadas alterações de ordem cognitiva, como
dificuldade para aprender, de memorização, déficit de atenção, além de alterações afetivas, como
afeto inapropriado e ideias de suicídio. O conjunto de sintomas leva a um impacto na vida e no
desempenho global do indivíduo.

Etiologia
A esquizofrenia, não é causada por um único fator. Os pesquisadores de diversas áreas fizeram uma
abordagem integrada, levando-se em consideração fatores anatômicos, neuroquímicos e funcionais.
É uma patologia que possui um forte componente genético que faz com que o indivíduo esteja mais
suscetível a fatores ambientais que tornam essas pessoas mais vulneráveis. (MEYER; QUENZER,
2005)

Em esquizofrênicos, têm sido verificadas anormalidades estruturais, como atrofia de determinadas


regiões cerebrais e aumento do volume dos ventrículos. Algumas das áreas afetadas são os núcleos
da base, o lobo temporal e as várias regiões límbicas, como o hipocampo que parecem atrofiar. Além

91
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

disso, foi constatado que as células hipocampais de pacientes esquizofrênicos parecem ser mais
“desorganizadas” que as de pacientes saudáveis.

Anormalidades funcionais também foram constatadas. Medidas da função cerebral incluíram


metabolismo celular, fluxo sanguíneo, atividade elétrica e alterações químicas. Foi constatado que
pacientes esquizofrênicos, quando submetidos a tarefas cognitivas, apresentam um menor fluxo
de sangue e uma menor atividade metabólica nas áreas exigidas que pacientes saudáveis. Também
foram detectadas áreas com hipofuncionalidade, como o córtex frontal, o que poderia explicar os
sintomas negativos da doença.

A maioria ainda apresenta disfunções no controle da atividade motora dos olhos, tendo dificuldade,
por exemplo, de seguir visualmente um objeto em movimento. Também foram detectadas alterações
de ordem eletroencefalográfica. Geralmente, pacientes saudáveis, quando são estimulados a realizar
uma determinada tarefa (sensorial ou motora), apresentam estímulos que são localizados em áreas
específicas do córtex. Em pacientes esquizofrênicos, são verificados estímulos elétricos que se
espalham pelo cérebro quando são submetidos às mesmas tarefas.

A esquizofrenia é uma patologia que tem um forte componente genético. Os estudos mostram que
se levando em conta que, aproximadamente, 1% da população pode apresentar a doença, se houver
um parentesco de 2o grau, as chances aumentariam para 2% a 6%. Com parentesco de 1o grau, 6% a
17%; gêmeos dizigóticos 17%; mãe e pai, 45%; e gêmeos monozigóticos cerca de 50%.

Pesquisadores acreditam que grande parte dos casos de esquizofrenia surja devido a erros no
desenvolvimento encefálico (podendo ser de causa genética ou não). Fatores ambientais podem
influenciar fortemente o correto desenvolvimento do cérebro. Além disso, fatores como o uso
de drogas durante a gestação, privação de oxigenação (durante a gravidez ou ao nascimento) e
exposição da mãe a infecções virais até o terceiro mês de gestação (gripe, por exemplo) podem ser
fatores que, no futuro, favoreçam o indivíduo a desenvolver a doença.

Achados farmacológicos indicaram que existe uma forte correlação entre o neurotransmissor
dopamina e a esquizofrenia. Constatou-se, por exemplo, que o uso crônico de anfetamina (um
bloqueador da recaptação dopaminérgica) poderia levar ao desenvolvimento de uma psicose
anfetamínica com sintomas muito semelhastes aos da esquizofrenia. Esquizofrênicos, quando
fazem uso de cocaína ou anfetamina, podem apresentar surtos em função do uso da droga. Assim,
surgiu a hipótese dopaminérgica da esquizofrenia.

Especificamente, as hipóteses são que os sintomas positivos estão diretamente correlacionados com
o mau funcionamento dos circuitos mesolímbicos, especialmente, aquele envolvido com o núcleo
accumbens (STAHL, 2008). O núcleo accumbens é uma estrutura que faz parte da circuitaria da
recompensa cerebral. Isso faz com que o esquizofrênico, geralmente, apresente problemas em
situações que envolvem recompensa e motivação. Outra região que está fortemente envolvida
com a esquizofrenia é o córtex pré-frontal. As pesquisas indicam que o mau funcionamento da
via meso-cortical ventromedial do córtex está fortemente envolvido com os sintomas negativos
da esquizofrenia. As vias dopaminérgicas mesolímbica e mesocortical podem ser visualizadas na
Figura 20.

92
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

Figura 20. Principais vias dopaminérgicas do sistema nervoso.

Estudos mostram que a hipoatividade da via mesocortical, promovendo a redução da liberação


de dopamina no córtex pré-frontal, leva ao aparecimento dos sintomas negativos, sustentado pela
hipótese dopaminérgica da esquizofrenia.

Já os sintomas positivos são causados por uma hiperatividade da via mesolímbica, levando a
um aumento da liberação de dopamina, principalmente, do núcleo accumbens. Destaca-se que
somente um aumento moderado da liberação de dopamina não seria suficiente para desencadear os
sintomas. Geralmente, os sintomas positivos só aparecem quando o sujeito é exposto a uma situação
estressante, privação de sono, ou utiliza um psicoestimulante, potencializando (um ou mais desses
fatores) a hiperatividade mesolímbica, que, então, desencadeia os sintomas positivos.

Recentemente, o neurotransmissor glutamato tem se revelado como um transmissor chave na


patofisiologia da esquizofrenia. O glutamato é o principal neurotransmissor excitatório do SNC,
e sua ação é mediada por três principais receptores ionotrópicos (NMDA, AMPA e Kainato) e um
metabotrópico (mGluR). Segundo Stahl (2008), existem várias vias glutamatérgicas descendentes
que se projetam dos neurônios piramidais corticais para várias regiões do tronco encefálico, incluindo
os núcleos da rafe (modulando a liberação de serotonina), a VTA e substância negra (modulando
aliberação de dopamina) e, finalmente, o locus ceruleus (modulando a liberação de noradrenalina).
Essas vias glutamatérgicas têm um papel-chave na regulação desses neurotransmissores. Destaca-
se, especialmente, o papel do glutamato como freio para a liberação de dopamina na via mesolímbica.
Os estudos indicam que a principal causa seria uma hipofuncionalidade dos receptores NMDA,
o que promoveria uma menor ativação GABAérgica e, consequentemente, uma hiperatividade
mesolímbica, favorecendo o aparecimento dos sintomas positivos da esquizofrenia. Essa descoberta
abre a possibilidade para o desenvolvimento de novos medicamentos para o tratamento da patologia.

Farmacologia
A terapia para o tratamento das psicoses é bastante antiga. Na maior parte das vezes, as pessoas
eram internadas em manicômios e eram consideradas malucas. Eram submetidas a tratamentos
como a eletroconvulsoterapia ou, então, posteriormente, a fármacos que se mostravam eficazes
inicialmente, mas, em longo prazo, não. Resultados significativos vieram, verdadeiramente, com

93
UNIDADE I │CONCEITOS INICIAIS

a descoberta de que a clorpromazina poderia ser utilazada para o tratamento da esquizofrenia, em


1952. A partir de então, houve uma redução significativa e progressiva no número de internações
em hospitais psiquiátricos, pois as pessoas começaram a conseguir conviver em sociedade.
Posteriormente, outras drogas com atividade de bloqueio sobre o sistema dopaminérgico foram
produzidas, com destaque para o haloperidol.

Com o passar dos anos, percebeu-se que os então chamados antipsicóticos típicos apresentavam
alguns problemas: primeiro que esses fármacos só tinham efeito sobre os sintomas positivos da
esquizofrenia e, segundo, que, devido às suas características de bloquearem, preferencialmente, os
receptores D2 para dopamina, acabavam por produzir efeitos colaterais com o uso prolongado. Esse
efeito se dá devido à interação da droga com receptores presentes na via nigro-estriatal, produzindo
os chamados efeitos extrapiramidais, como síndrome parkinsoniana e a discinesia tardia. Essa
última seria provocada pelo uso prolongado de antagonista de receptores dopaminérgicos do tipo
D2, o que estimularia as células a produzirem mais receptores, promovendo uma supersensibilidade
dopaminérgica.

Vieram, então, os antipsicóticos de segunda geração, chamados de antipisicóticos atípicos. Esses


fármacos, inicialmente representados pela clozapina, apresentavam uma interação diferente com os
receptores de dopamina. A clozapina ocupa menos os receptores de dopamina, reduzindo os efeitos
colaterais. Outros antipsicóticos que vieram começaram a explorar mais o sistema serotoninérgico
como uma importante ferramenta para reduzir os efeitos colaterais induzidos pelos antipisicóticos
típicos. Além disso, os antipisicóticos atípicos também melhoraram os sintomas negativos da
esquizofrenia (que os típicos não melhoravam). Os estudos de binding mostraram que o tempo de
ocupação dos receptores seria determinante para o sucesso do tratamento. Os trabalhos indicam
que uma ocupação em torno de 68% produziria os efeitos terapêuticos dos antipisicóticos. Ocupação
acima de 72% promoveria um aumento na liberação de prolactina pela atuação do neuroléptico no
sistema túbero-infundibular. Já com ocupação acima de 78%, surgiriam os efeitos extrapiramidais
(semelhantes ao Parkinson).

Com os medicamentos antipsicóticos mais recentes, resultados bastante promissores, com bem
poucos efeitos colaterais, têm sido obtidos. Isso se deve, principalmente, a uma maior atividade
serotoninérgica, que acaba modulando a própria liberação de dopamina, além de um bloqueio
dopaminérgico com menor ocupação de receptores, o que favorece o não aparecimento dos efeitos
colaterais.

O futuro, que já é presente, indica que o uso de compostos que regulam a liberação de dopamina
da fenda sináptica, como o aripiprazol, que é um agonista parcial de receptores dopaminérgicos e
atua estimulando o córtex pré-frontal, onde a atividade dopaminérgica é baixa (melhorando, assim,
os sintomas negativos), inibindo o sistema límbico, onde a via mesolímbica está superestimulada
(melhorando os sintomas positivos). Também estão em estudo fármacos que atuam no sistema
glutamatérgico, que poderiam modular a liberação de dopamina.

Apesar dos estudos farmacológicos mostrarem um futuro promissor no tratamento da esquizofrenia,


a realidade social em que vivemos faz com que estejamos distantes da resolução do problema. Uma
boa parte de pessoas que tem o problema é abandonada nas ruas como “loucos”, os quais acabam

94
CONCEITOS INICIAIS │ UNIDADE I

como moradores de rua que, facilmente, se tornam dependentes de drogas (as vias neuronais da
dependência e da esquizofrenia são as mesmas), e acabam por parar em casas psiquiátricas públicas,
verdadeiros manicômios, que recebem muito pouco para tratar dessas pessoas.

Parkinson
Na doença de Parkinson, ocorre uma perda seletiva de neurônios dopaminérgicos na parte
compacta da substância negra (Figura 21). A extensão da perda é profunda, com destruição de
pelo menos 70% dos neurônios, quando aparecem pela primeira vez os sintomas; com frequência,
observa-se uma perda de 95% dos neurônios na necropsia. A destruição desses neurônios resulta
nas características fundamentais da doença: bradicinesia, ou lentidão anormal dos movimentos;
rigidez, uma resistência ao movimento passivo dos membros; comprometimento do equilíbrio
postural, que predispõe a quedas; e tremor característico quando os membros estão em repouso.

Figura 21. Efeito da doença de Parkinson sobre as vias dopaminérgicas que regulam o movimento.

Os mecanismos subjacentes à destruição dos neurônios DA na substância negra na doença de


Parkinson ainda não estão totalmente elucidados. Foram implicados tanto fatores ambientais
quanto influências genéticas. Em 1983, o desenvolvimento inesperado de doença de Parkinson em
usuários do opioide sintético meperidina levou ao reconhecimento do primeiro agente que provoca
diretamente doença de e à prova cabal de que fatores ambientais podem causar doença de Parkinson.
Esses indivíduos, que eram jovens e sadios nos demais aspectos, desenvolveram repentinamente
sintomas parkinsonianos graves que responderam à levodopa.

95
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Pesquisas recentes estabeleceram que certos fatores genéticos podem causar doença de Parkinson.
Os exemplos mais bem estudados são famílias com mutações na proteína α-sinucleína, levando a
uma forma autossômica dominante de doença de Parkinson. Embora a sua função não esteja bem
elucidada, essa proteína parece estar envolvida na formação de vesículas de neurotransmissores e na
liberação de dopamina no cérebro. Foram identificados pelo menos quatro outros genes como causa
de doença de Parkinson em uma ou mais famílias. Essas descobertas genéticas forneceram indícios
importantes na biologia da doença de Parkinson e permitiram o desenvolvimento de modelos de
drosófila e camundongos transgênicos, que servem de plataforma para o desenvolvimento de novos
tratamentos. Embora essas descobertas genéticas tenham proporcionado um maior conhecimento
da biologia da doença de Parkinson, é importante assinalar que todas as diferentes causas genéticas
identificadas até o momento respondem por menos de 5% dos casos, e que a maioria dos casos
continua sendo de etiologia desconhecida. A etiologia da doença de Parkinson, na maioria dos
pacientes, é, provavelmente, multifatorial, com contribuições de fatores tanto genéticos quanto
ambientais.

ALBIN, R.L.; YOUNG, A.B.; PENNEY, J.B. The functional anatomy of basal ganglia
disorders. Trends Neurosci, 1989;12:366–375. (Um artigo clássico que descreve o
conceito de vias “diretas e indiretas”.)

LANGSTON, J.W. The Parkinson’s complex: parkinsonism is just the tip of the
iceberg. Ann Neurol 2006;59:591–596. (Revisão que enfatiza muitos aspectos da
doença de Parkinson além das anormalidades motoras.)

Alzheimer
A doença de Alzheimer é a patologia neurodegenerativa mais frequente associada à idade, cujas
manifestações cognitivas e neuropsiquiátricas resultam em uma deficiência progressiva e uma
eventual incapacitação. Em geral, o primeiro aspecto clínico é a deficiência da memória recente,
enquanto as lembranças remotas são preservadas até certo estágio da doença. Além das dificuldades
de atenção e fluência verbal, outras funções cognitivas deterioram à medida que a patologia evolui,
entre elas a capacidade de fazer cálculos, as habilidades vísuoespaciais e a capacidade de usar objetos
comuns e ferramentas. O grau de vigília e a lucidez do paciente não são afetados até a doença estar
muito avançada. A fraqueza motora também não é observada, embora as contraturas musculares
sejam uma característica quase universal nos estágios avançados da patologia.

Esses sintomas são, frequentemente, acompanhados por distúrbios comportamentais, como


agressividade, alucinações, hiperatividade, irritabilidade e depressão. Transtornos do humor
afetam uma porcentagem considerável de indivíduos que desenvolvem doença de Alzheimer, em
algum ponto da evolução da síndrome demencial. Sintomas depressivos são observados em até 40%
a 50% dos pacientes, enquanto transtornos depressivos acometem em torno de 10% a 20% dos
casos. Outros sintomas, como a apatia, a lentificação (da marcha ou do discurso), a dificuldade
de concentração, a perda de peso, a insônia e a agitação podem ocorrer como parte da síndrome
demencial.

96
FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL │ UNIDADE III

Fisiopatologia da doença de Alzheimer


A doença de Alzheimer caracteriza-se, histopatologicamente, pela maciça perda sináptica e pela
morte neuronal observada nas regiões cerebrais responsáveis pelas funções cognitivas, incluindo
o córtex cerebral, o hipocampo, o córtex entorrinal e o estriado ventral. As características
histopatológicas presentes no parênquima cerebral de pacientes portadores da doença de Alzheimer
incluem depósitos fibrilares amiloidais localizados nas paredes dos vasos sanguíneos, associados a
uma variedade de diferentes tipos de placas senis, acúmulo de filamentos anormais da proteína tau
e consequente formação de novelos neurofibrilares (NFT), perda neuronal e sináptica, ativação da
glia e inflamação.

Baseadas nesses marcadores neuropatológicos, duas hipóteses principais foram propostas, para
explicar a etiologia da doença. De acordo com a hipótese da cascata amiloidal, a neurodegeneração
na doença de Alzheimer inicia-se com a clivagem proteolítica da proteína precursora amiloide
(APP) e resulta na produção, agregação e deposição da substância β- amiloide (Aβ) e placas senis.
De acordo com a hipótese colinérgica, a disfunção do sistema colinérgico é suficiente para produzir
uma deficiência de memória em modelos animais, a qual é semelhante à doença de Alzheimer.
Cérebros de pacientes portadores da doença de Alzheimer mostraram degeneração dos neurônios
colinérgicos, ocorrendo, também, uma redução dos marcadores colinérgicos, sendo que a colina
acetiltransferase e a acetilcolinesterase tiveram sua atividade reduzida no córtex cerebral de
pacientes portadores da doença de Alzheimer.

As outras características neuropatológicas da doença de Alzheimer, os NFT, consistem em filamentos


helicoidais procedentes da hiperfosforilação do citoesqueleto da proteína tau. A hipótese da tau e
dos NFT sugeriu que, na doença de Alzheimer, a função normal da proteína tau de estabilizar os
microtúbulos neuronais foi prejudicada e, mais ainda, esses microtúbulos de neurônios doentes
foram gradualmente substituídos por NFT.

Tratamento farmacológico da doença de


Alzheimer
Grandes esforços têm sido realizados para a compreensão e o tratamento da doença de Alzheimer;
entretanto, a terapia atual está longe de ser satisfatória. De fato, embora o tratamento realizado por
meio da administração de inibidores da enzima acetilcolinesterase (AChE) tenha consistentemente
demonstrado eficácia sintomática e redução na progressão da patologia, esses medicamentos
produziram algum tipo de melhora em, aproximadamente, 30% a 40% dos pacientes portadores da
doença de Alzheimer leve a moderada.

Os inibidores da acetilcolinesterase (tacrina, rivastigmina, donepezil e galantamina) alteram a função


colinérgica central, ao inibir as enzimas que degradam a acetilcolina (enzimas acetilcolinesterase e
butirilcolinesterase), aumentando, assim, a capacidade da acetilcolina de estimular os receptores
nicotínicos e muscarínicos cerebrais. Desde a introdução desses medicamentos na prática clínica,
os inibidores da AChE constituem o tratamento sintomático de escolha para a doença de Alzheimer.

97
UNIDADE III │FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

A rivastigmina (Exelon®), atualmente um dos medicamentos mais utilizados no tratamento


da doença de Alzheimer, foi capaz de inibir tanto a enzima acetilcolinesterase quanto a
butirilcolinesterase, apresentando, assim, maior eficácia quanto ao aumento dos níveis cerebrais
de acetilcolina. Entretanto, esse medicamento causou vários efeitos colinérgicos adversos quando a
dose foi elevada abruptamente. Mais ainda, esse medicamento apresentou efeitos gastrointestinais
adversos, associados ao aumento de peso.

Outro estudo envolvendo um inibidor seletivo da acetilcolinesterase, o donepezil (Aricept®),


demonstrou que o tratamento crônico por 1 ano com esse medicamento foi associado a uma redução
de 38% no declínio funcional dos pacientes portadores da doença de Alzheimer, quando comparados
ao grupo placebo.

A tacrina (Cognex®) foi o primeiro inibidor reversível da acetilcolinesterase a ser utilizado no tratamento
da doença de Alzheimer (inibidor de primeira geração). Entretanto, esse medicamento apresentou
duas formas principais de toxicidade. Primeiramente, a tacrina apresentou hepatoxicidade, levando
ao aumento das transaminases hepáticas, resultando em hepatite medicamentosa e provocando a
retirada da medicação em muitos pacientes. De fato, mais de 90% dos casos envolvendo a hepatite
medicamentosa na doença de Alzheimer ocorreram nas primeiras 12 semanas de tratamento com a
tacrina. Recentemente, estudos têm focado na síntese e nas avaliações de congêneres da tacrina, os
quais foram mais potentes e seletivos que o próprio medicamento original.

A galantamina (Reminyl®) também é um anticolinesterásico utilizado no tratamento da doença


de Alzheimer. Esse medicamento possui um duplo mecanismo de ação, o qual, além de inibir a
acetilcolinesterase, também foi capaz de modular alostericamente os receptores nicotínicos. O
papel dos receptores nicotínicos na cognição é bastante conhecido, entretanto, o significado clínico
da modulação nicotínica no tratamento da doença de Alzheimer não está completamente elucidado.
Os receptores nicotínicos pré-sinápticos controlam a liberação de neurotransmissores, os quais
são importantes para a memória e para o humor. Nesse sentido, foi verificado que o bloqueio dos
receptores nicotínicos prejudicou a cognição. Por outro lado, a ligação da galantamina com os
subtipos de receptores nicotínicos melhorou a função cognitiva e a memória.

A huperzina A, um alcaloide extraído da planta Huperzia serrata, atuou como um inibidor potente,
específico e reversível da acetilcolinesterase, cuja administração demonstrou melhora significativa
na memória de pacientes idosos e de pacientes portadores da doença de Alzheimer, associada a
mínimos efeitos colinérgicos periféricos e ausência da hepatoxicidade induzida pela tacrina.

A fim de atuar em mais de um fator relacionado ao desenvolvimento da doença de Alzheimer, a


combinação de compostos poderia ser útil para o tratamento dessa patologia. Nesse sentido,
antioxidantes lipofílicos, como o α-tocoferol, foram utilizados com algum sucesso em alguns
estudos clínicos envolvendo pacientes portadores da doença de Alzheimer. Outra terapia que tem
sido avaliada é a utilização do fator neurotrófico derivado do cérebro, o qual estimula o crescimento
do gânglio parassimpático no Sistema Nervoso Periférico, da substância negra, do hipocampo e dos
neurônios motores no Sistema Nervoso Central.

FREEDMAN R. Drug therapy: schizophrenia. N Engl J Med, 2003; 349:1738–1749.


(Discussão do uso clínico de muitos dos fármacos prescritos para o tratamento da
esquizofrenia, inclusive agentes atípicos.)

98
Para (não) Finalizar

Os mecanismos pelos quais diversas drogas atuam no SNC nem sempre foram claramente
elucidados. Como são pouco compreendidas as causas de muitas das condições para as quais essas
drogas são usadas (esquizofrenia, ansiedade etc.), não é surpreendente que, no passado, grande
parte da farmacologia do SNC tenha sido puramente descritiva. Entretanto, nas últimas décadas,
houve avanços notáveis na metodologia da farmacologia do SNC. Hoje em dia, é possível estudar a
ação de uma droga sobre células individuais e até mesmo sobre canais iônicos individuais dentro
das sinapses. As informações obtidas a partir desses estudos forneceram a base para vários avanços
importantes nos estudos do SNC.

Em primeiro lugar, ficou claro que quase todas as drogas com efeitos sobre o SNC atuam sobre
receptores específicos que modulam a transmissão sináptica. Um número muito pequeno de drogas,
como o álcool, pode exercer ações inespecíficas sobre as membranas (embora essas exceções não
sejam totalmente aceitas); porém, até mesmo essas ações não mediadas por receptores resultam
em alterações demonstráveis na transmissão sináptica. Em segundo lugar, as drogas estão entre
os recursos mais importantes para o estudo de todos os aspectos da fisiologia do SNC, desde o
mecanismo das convulsões até a fixação da memória remota.

Conforme descrito, é extremamente útil, nesses estudos, dispor de agonistas que imitam os
transmissores naturais (e que, em muitos casos, são mais seletivos do que as substâncias
endógenas), assim como de antagonistas. Em terceiro lugar, a elucidação das ações de drogas com
eficácia clínica conhecida levou a algumas das hipóteses mais produtivas acerca dos mecanismos
das doenças Por exemplo, as informações sobre a ação das drogas antipsicóticas nos receptores
dopamínicos proporcionam a base para a formulação de hipóteses importantes sobre a fisiopatologia
da esquizofrenia. Os estudos dos efeitos de uma variedade de agonistas e antagonistas sobre os
receptores de GABA estão levando à elaboração de novos conceitos relativos à fisiopatologia de
diversas doenças, incluindo a ansiedade e a epilepsia. Esta apostila apresentou uma introdução
à organização funcional do SNC e seus transmissores sinápticos como base para compreender as
ações das drogas descritas nos capítulos subsequentes. Aproveite a oportunidade para fazer quadros
resumos de cada um dos capítulos, para facilitar o desenvolvimento das atividades desta disciplina.

99
Referências
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do transtorno de ansiedade generalizada: perspectivas futuras. In: Revista Brasileira de
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