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Marks that construct and reconstruct the senses in the text: The anaphoric
reference
DOI:10.34117/bjdv6n11-123
Claudia Toldo
Doutora em Linguística Aplicada
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Pós-doutorado em Linguística - estudos do texto
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
claudiast@upf.br
Roberta Costella
Doutoranda em Letras pelo Programa de Pós-graduação em Letras
Universidade de Passo Fundo
Mestre em Letras
Universidade de Passo Fundo (UPF)
robertacost@upf.br
RESUMO
A organização referencial contribui para a coerência discursiva, portanto, é considerada aspecto
central da textualização. Porém, como acontece quando adentramos no campo dos procedimentos
anafóricos, essa organização que dá continuidade e permite a estabilidade textual não implica
necessariamente a retomada dos mesmos referentes, nem a sua manutenção completa. Desse modo,
o objetivo desta pesquisa sobre referenciação textual foi analisar os processos anafóricos, a partir dos
encadeamentos referenciais presentes no corpus, inseridos na crônica de Gregorio Duvivier,
intitulada A batalha entre Lula e Moro não é ética, mas estética, publicada em 15 de maio de 2017,
no Jornal Folha de São Paulo, a qual aborda opiniões a respeito de duas pessoas importantes no
cenário brasileiro atual. A pesquisa caracteriza-se como descritivo-qualitativa e a fundamentação
teórica insere-se nos pressupostos da linguística textual, com base em autores que pesquisam sobre a
referenciação e o processo anafórico: Marcuschi (1998, 2001), Apothéloz, Mondada e Dubois (2003),
Cavalcante (2003, 2005) e Koch (1998, 2006). Quanto aos procedimentos metodológicos,
primeiramente houve a identificação das referências anafóricas em consonância com os pontos nodais
do texto e, posteriormente, a avaliação e análise do sentido definido no corpus. A partir da análise
realizada, pôde-se perceber que as anáforas estabelecem acentuadamente uma estratégia de
referenciação. Os fenômenos identificados e compreendidos no corpus evidenciam não apenas
elementos linguísticos em sequência linear, mas, por meio das marcas, foi possível identificar a carga
de subjetividade inserida pelo autor e como o texto organiza-se através da análise dessas pistas.
ABSTRACT
The referential organization contributes to the discursive coherence, therefore, it is considered central
aspect of the textualization. However, as it happens when we enter the field of anaphoric procedures,
Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 11 , p.85806-85822, nov. 2020. ISSN 2525-8761
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Brazilian Journal of Development
this organization that gives continuity and allows textual stability does not necessarily imply the
resumption of the same referents, nor their complete maintenance. Thus, the objective of this research
on textual referencing was to analyze the anaphoric processes, starting from the referential chains
present in the corpus, inserted in the chronicle written by Gregorio Duvivier, entitled A batalha entre
Lula e Moro não é ética, mas estética, published in May 15, 2017 in the Folha de São Paulo
newspaper, which addresses opinions about two important people in the current Brazilian scenario.
The research is characterized as descriptive-qualitative and the theoretical foundation is inserted in
the presuppositions of textual linguistics, based on authors who research about the reference and the
anaphoric process: Marcuschi (1998, 2001), Apothéloz, Mondada and Dubois (2003), Cavalcante
(2003, 2005) and Koch (2006). As for the methodological procedures, first the anaphoric references
were identified in consonance with the nodal points of the text and, later, the evaluation and analysis
of the meaning defined in the corpus. From the analysis made, it was possible to notice that the
anaphora establishes a significant strategy of reference. The phenomena identified and understood in
the corpus evidenced not only linguistic elements in a linear sequence, but, through the marks, it was
possible to identify the load of subjectivity inserted by the author and how the text is organized
through the analysis of these clues.
1 INTRODUÇÃO
A textualização realiza-se num processo de multilinearização, no qual a construção dos
espaços referenciais acontece por domínios explícitos dos quais construímos domínios implícitos.
Assim, os sujeitos constroem, através de práticas discursivas e cognitivas social e culturalmente
situadas, versões públicas do mundo.
Quando usamos um termo ou criamos uma determinada situação discursiva referencial para
representar aquilo que designamos, os elementos são vistos como como objetos-de-discurso e não
como objetos-do-mundo. Os objetos de discurso elaboram-se no decorrer das atividades realizadas
pelos sujeitos, os quais selecionam maneiras de atuar sobre a produção e recepção de textos,
utilizando conhecimentos prévios que se transformam a partir dos contextos.
Portanto, tratar da referenciação não implica apenas um processo que visa à abreviação de
informações anteriormente citadas; a referenciação é, pois, uma estratégia discursiva, o que justifica
a escolha por estudar a referência anafórica, uma vez que acreditamos que um texto arquiteta-se por
meio de construções as quais se reconstroem de acordo com a realidade particular e com as escolhas
do sujeito delimitadas por questões culturais, sociais e cognitivas particulares. Dessa forma, um texto
não se consolida mediante um depósito de informações, porque, ao interagirem, os sujeitos, a partir
de entidades não estáveis, constroem significados, edificam referências.
Portanto, partindo do pressuposto de que a referenciação é uma atividade discursiva, na qual
está implicada uma visão não referencial da língua e da linguagem, ou seja, no discurso as palavras
não espelham o mundo tal como ele é, mas são instáveis e passíveis de construção de novos sentidos
As categorias utilizadas para descrever o mundo mudam, por sua vez, sincrônica e
diacronicamente: quer seja em discursos comuns ou em discursos científicos, elas são
múltiplas e inconstantes; são controversas antes de serem fixadas normativa ou
historicamente. [...] a instabilidade caracteriza o modo normal e rotineiro de entender,
descrever, compreender o mundo – e lançar, assim, a desconfiança sobre toda descrição
única, universal e atemporal do mundo (MONDADA; DUBOIS, 2003, p. 22, 29).
[...] é da inter-relação entre língua e práticas sociais que emergem os referentes, ou “objetos-
de-discurso”, por meio dos quais percebemos a realidade que, por sua vez, nos afeta. Os
referentes passam a ser, assim, não uma entidade congelada que herdamos e transferimos,
mas uma instância de referencialidade constitutivamente indeterminada e efêmera
(CAVALCANTE, 2005, p. 125).
[...] os que introduzem novos referentes no “universo do discurso [...] sem promoverem
nenhum tipo de continuidade referencial; e [...] os que realizam a continuidade referencial de
objetos presentes no universo discursivo, ou porque foram explicitamente evocados ou
porque são dali inferíveis (CAVALCANTE, 2003, p. 106).
A partir dessa divisão, Cavalcante (2003), apresenta-nos uma classificação geral de elementos
referenciais anafóricos e dêiticos em dois blocos (referidos da página 107 até a 116):
2.2.3 Anáfora encapsuladora com dêitico (meio direta, meio indireta; híbrido-DD):
2.2.3.1 por demonstrativo;
2.2.3.2 por SN (anáfora-rótulo com dêitico).
Acreditamos ser relevante mencionar que a continuidade referencial, divisão de interesse para
o nosso estudo, nem sempre ocorre com a manutenção do mesmo objeto-de-discurso, uma vez que
para haver continuidade, não é necessário que se dê sempre retomada total ou parcial de um mesmo
referente, pois “todo recurso referencial que remeta, no mínimo, a qualquer âncora do cotexto é, no
fundo, anafórico” (CAVALCANTE, 2003, p. 108).
Estabelecida a classificação, com base nos dispositivos teóricos enunciados, passaremos, na
próxima secção, à análise das anáforas presentes no corpus escolhido.
5 CORPUS ANALISADO
Apresentamos, na sequência, o texto a ser analisado.
Sabemos que uso efetivo do discurso envolve interlocução que, por sua vez, remete à
interação. Ao interagirem, os sujeitos, a partir de entidades não estáveis, constroem significados, que
no objeto em análise, já se arquitetam a partir do título, ponto chave para o entendimento das anáforas
abordadas no texto. Os substantivos próprios Lula e Moro são retomados através de duplas de
palavras que podem ser consideradas opostas semanticamente no contexto da crônica, uma vez que
se opõem em uma “batalha argumentativa”: candidato a presidente x um juiz que luta contra o crime;
Fogo Paulista x Ciroc de baunilha; cachaceiro pernambucano x men in black curitibano; chinelo de
dedo e regata x terno preto com camisa preta e gravata prata; barzinho x balada; Dioniso x Apolo;
Poesia x prosa; Carnaval x bossa nova; Lennon x McCartney; Pepê x Nenem. Essas anáforas, em
momento algum, representam uma operação de simples designação referencial em que se dá uma
retomada, mas realizam transformações nos objetos-de-discurso designados, pois apresentam juízos
de valor do cronista ou dos quais ele se apropria para especificar as personagens mencionadas1,
sintetizando e reiterando a batalha estética e não ética, evidenciada pela conjunção adversativa.
Para Koch e Marcuschi (1989, p. 183), as modificações que a atividade anafórica pode operar
são possíveis de ocorrer de três maneiras: recategorização lexical explícita; recategorização lexical
implícita e modificação da extensão do objeto. O que ocorre nessas anáforas aqui mencionadas, é a
recategorização lexical explícita, já que se produz uma predicação de atributos sobre o objeto. “Isto
quer dizer que não há, no caso de uma anáfora que atua pelo processo de recategorização, diferença
alguma entre retomar um elemento com o mesmo item lexical acrescido de predicações
modificadoras ou com um item recategorizador (nova expressão lexical)”.
Essas recategorizações lexicais compreendidas entre os itens (01) e (26) que fazem menção
aos referentes contidos no título, com exceção dos itens (3), (4), (5), (6) e (9) são conceituadas por
Cavalcante (2003, p. 110) como anáforas referenciais recategorizadas por expressões definidas, cuja
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Acreditamos que essas retomadas feitas pelo autor apresentam carga semântica diferenciada nas últimas duas oposições:
Lennon x McCartney; Pepê x Nenem. As primeiras retomadas são marcadas linguisticamente, em função de estereótipos
das duas personagens, as quais não podem ser atribuídas em posição inversa, o que não ocorre com essa mencionadas:
qualquer uma das duas poderia assumir o lugar da outra.
Os rótulos esse bem e essa batalha, retomam, respectivamente, toda a ideia do bem maior que
engloba uma referência de algo importante a ser alcançado, e o confronto entre Lula e Moro, nomeado
semanticamente como algo negativo, em que os dois personagens almejam a vitória, sem se importar
com a ideia de ética, de benefício coletivo, uma vez que a “batalha estética” já foi efetivada e deve
ser mantida.
Sempre se alegou, na Lingüística, que as formas pronominais divergiam das formas lexicais
por seu baixo grau de significação, por sua função mais gramatical do que lexical, por seu
traço dêitico ou representacional etc. Como, então, sustentar que o nome antecedente nominal
e o anafórico pronominal são “co-significativos” se, por definição, é a peculiaridade de
significados que os distingue? Julgamos mais adequado, por isso, considerar os pronomes
pessoais anafóricos como não sendo nem recategorizadores, nem co-significativos.
(29) Linhas 19-21: Darth Vader, imperador do lado negro da força, pior inimigo do Mestre
Yoda, baixinho de orelhas pontudas que fala por metáforas e tem dificuldades com a norma
culta retoma Lula na 18
(30) Linhas 22-23: espécie de Batman, justiceiro que combate o crime na calada da noite
com métodos pouco ortodoxos retoma Moro na linha 22
(33) Linha 25: sujeito de voz gutural, cavernosa retoma juiz midiático na linha 24
(37) Linha 28: Anderson Silva dos juízes retoma Moro
(32) Linha 24: ambos os casos retoma toda ideia das linhas 19-23
Da mesma forma que nos itens (4) e (9), a retomada do item (32), na linha 24, ambos os casos,
retoma toda ideia da linha 19-23, a qual esclarece que independente da preferência manifestar-se pela
defesa de Lula ou Moro, as pessoas “imaginavam o juiz como um sujeito de voz gutural, cavernosa”
Anáfora correferencial co-significativa, conceituação aplicada nos itens (27) e (31), dá-se
pela reiteração de termos, pois Cavalcante (2003) considera que haja co-significação somente quando
houver emprego de repetições ou palavras sinônimas. A autora também esclarece que a classificação
denominada anáfora correferencial co-significativa corresponde às “formas remissivas lexicais do
tipo expressões sinônimas ou quase-sinônimas e às repetições com ou sem mudança de determinante”
(CAVALCANTE, 2003, p. 110).
As tentativas de analisar os referentes presentes na crônica de Gregorio Duvivier, A batalha
entre Lula e Moro não é ética, mas estética, vão ao encontro da afirmação de que as continuidades
referenciais fazem manter uma espécie de base de referencialidade, a qual se percebe por algum
gatilho no co(n)texto e
que todo recurso referencial que remeta, no mínimo, a qualquer âncora do cotexto é, no
fundo, anafórico. Não interessa se tal âncora é um antecedente correferencial, ou se é um
outro referente distinto, ou se não constitui nem mesmo um referente, mas sim um conteúdo
proposicional (CAVALCANTE, 2003, p. 108).
Assim, para haver continuidade, não é obrigatório, com efeito, que sempre exista, como nas
anáforas diretas, retomada total ou parcial de um mesmo referente, mas a ligação pode ser
estabelecida através de uma âncora e outro elemento cotextual introduzido pela primeira vez no texto.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise realizada, podemos dizer que a referenciação, além de estabelecer a coesão
textual, também conduz o sentido que o produtor quer dar ao texto. As anáforas são pistas textuais as
quais auxiliam a compreensão do texto por parte do leitor, uma vez que permitem o estabelecimento
de relações entre aspectos linguísticos e extralinguísticos. Com base em um estudo teórico-analítico,
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