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ESCOLA SALESIANA DE ARTES E OFÍCIOS

FILOSOFIA 12ºANO – 2020/21


*Galileu e a crítica aos aristotélicos
“A filosofia de Aristóteles foi continuada, depois da sua morte (…). Durante séculos seguintes o prestígio de Aristóteles foi
imenso (…). Com o nascer da ciência moderna, a sua autoridade decaiu muito.”
(Dagobert Runes)

É com Galileu Galilei (1564-1642) que a ciência moderna conhece o seu maior
desenvolvimento. Concluída a criação da luneta astronómica – telescópio – em 1610, utilizando-a,
Galileu conseguiu fazer descobertas valiosas: para além das estrelas fixas, haveria ainda infindáveis
mundos; a superfície da Lua era rugosa e irregular; o sol tinha manchas; Vénus tinha quatro
fases semelhantes às da Lua; ao fim ao cabo comprovou a veracidade do novo sistema do mundo
descrito por Copérnico, o heliocentrismo.

Assim os fenómenos cosmológicos anteriormente explicados a partir das diferenças de natureza


dos corpos (perfeitos e imperfeitos) tornam-se agora homogéneos, já que não há como reconhecer a
incorruptibilidade das substâncias celestes: desfez portando as diferenças qualitativas entre os
mundos terrestre e celeste; o cosmos converte-se em universo aberto e infinito, portanto põe-se de
lado o mundo fechado por causa da sua finitude.

O forte impacto dessas novidades desencadeou inúmeras polémicas até, pressionado pelas
autoridades eclesiásticas, Galileu viu-se silenciado pela Inquisição e pelo Tribunal do Santo Ofício –
primeiramente e em privado no ano de 1616 e mais tarde em público no ano de 1633 – levando-lhe
assim a perjurar da sua doutrina e foi proibida a difusão dos seus textos.

É importante realçar que nos seus textos ele dirige de forma directa uma crítica à ciência
aristotélica e as suas preocupações teológicas que condicionam a investigação da natureza à autoridade
da Igreja, apresenta as leis para a matematização do real e ainda propõe uma nova metodologia para
a investigação científica. Estes foram os passos decisivos que foram dados por Galileu rumo ao
desenvolvimento de uma nova ciência.

Sendo um forte adversário dos argumentos da autoridade cristã-medieval, Galileu começa por
demolir os principais fundamentos científicos da escolástica. Envolvendo desde cedo em polémicas
doutrinais com os intelectuais escolásticos de orientação aristotélica, contra eles utilizou uma crítica

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áspera e incisiva para desmontar os processos argumentativos que tradicionalmente eram por eles
utilizados. Censura o saber académico e tradicional da escolástica e o seu apego aos princípios da
autoridade religiosa. Na verdade, a escolástica tomista erigira um sistema dogmático de princípios
assentes ora em textos filosóficos de autores antigos (Aristóteles, sobretudo), ora em afirmações
teológicas que introduziam na discussão dos problemas científicos um critério extracientífico; tal
procedimento levou à formação de um conjunto de estratégias de argumentação que valorizavam mais
o formalismo lógico que observação e a experiência, fazendo do recurso aos textos teológico-
filosóficos, por vezes escritos com intenções e em contextos diferentes, um argumento incontestável.
Criticou vigorosamente esta atitude e procura demonstrar o quanto estes seguidores intransigentes de
Aristóteles (designados de aristotélicos ou paripatéticos) foram infiéis ao pensamento original de
Aristóteles.

Galileu foi influenciado por alguns mestres de Pádua, uma corrente de pensamento que surgiu a
partir de uma leitura mais autêntica dos textos de Aristóteles. Declarando a sua descristianização, ele
passou a valorizar sobretudo as questões da filosofia natural, baseadas nos escritos da física, história
natural e lógica, traduzidos dos antigos comentadores gregos e árabes. Esta corrente se desenvolveu na
Universidade de Pádua, onde Galileu foi professor. Dessa interpretação Galileu conseguiu a
valorização dum aristotelismo naturalista voltado à observação e que prestava mais atenção à
experiência como instrumentos de apoio incondicional no estudo da natureza. E com isso caiu por terra
o sistema de pensamento cristão-medieval fechado e dogmático que estava mais preocupado em
defender posições de acordo com os princípios de autoridade.

Também contra o “mundo de papel” concebido pela escolástica tomista, Galileu propõe o
regresso ao “mundo natural” e ao sentido original de observação que Aristóteles desenvolveu,
apresentando-se, pois, mais como um crítico dos aristotélicos do que um crítico de Aristóteles
propriamente dito.

* A matematização do real
“O grande livro da natureza está escrito em linguagem matemática”

(Galileu)

A utilização de instrumentos astronómicos por Galileu permitiu-lhe fazer uma distinção que será
fundamental na nova física: os corpos possuem duas qualidades: qualidades secundárias (cor, odor,
sabor, etc.) são sensações que resultam do nosso relacionamento com os corpos materiais através dos
nossos órgãos sensoriais (os sentidos); contudo se quisermos estudar a realidade de forma objectiva,
temos que reduzir as coisas às suas qualidades primárias (forma, figura, número e movimento),

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qualidades essas, todas quantificáveis (matematizáveis). Torna-se assim necessário elaborar uma
concepção inovadora do real.

Com este propósito Galileu concebe o real como algo que se encontra escrita em linguagem
matemática e os caracteres dessa linguagem são triângulos, círculos e outras figuras geométricas;
só a matemática nos permite compreender a sua estrutura. Pois para interrogá-lo o cientista tem de a
fazer em termos matemáticos, as respostas dadas e as leis terão, igualmente, de ser submetidos ao rigor
matemático.

* A Criação de uma nova metodologia científica


“Todo o discurso deve ser precedido da observação e da experiência”

(Heisenberg)

Finalmente rompida com os preceitos da autoridade eclesiástica, Galileu buscou as bases seguras
para a garantia da objectividade científica. Deste modo ele postula os pressupostos básicos à
investigação científica através do seu método experimental, metodologia essa, que põe em diálogo
constante a matemática e a experiência. Este método comporta três momentos:

I – Observação sensata – consiste numa observação atenta, cuidada e rigorosa em que o


cientista precede a uma análise, recolhendo todos os dados objectivos que constituem o fenómeno que
pretende estudar.

II – Composição – é a formulação de uma solução prévia – uma hipótese – que é nada mais que
uma explicação de carácter dedutiva e matemática dos factos estabelecendo uma relação entre os dados
recolhidos na fase anterior. Essa explicação é provisória, tem um carácter hipotético. Ainda não é
científica porque não foi comprovada.

III – Resolução experimental – consiste na comprovação da hipótese, em que se vai verificar a


sua veracidade através da sua submissão à experimentação ou seja, o cientista vai provocar o
acontecimento dos factos em condições especiais de modo a poder controlar todos os aspectos referidos
por ele na sua hipótese.

* Sebenta do professor Álvaro Zacarias

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