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Cuidando o Campo

Luiz Marenco

Meus olhos se perdem longe, cuidando o campo e o gado


Por várzeas e coxilhões, entre horizontes dobrados
Nos meus olhos razos d´água todo este verde se estende
Imagens de encher os olhos que não se compra, nem vende!

O campo nos cobra o preço mas dá em dobro o que tem


Verdeja a grama forquilha quando termina o azevém
Tem sempre a sabedoria que a natureza não nega
Pastorejando os terneiros, que nascem pelas macegas

Eu cuido bem do meu jeito pois sei daquilo qie falo


O campo é quem nos garante bois, ovelhas e cavalos
É sua essência de terra que me faz tão bem assim...
Eu faço parte do campo e ele faz parte de mim

São pontos rubros, no verde, o gado pampa que pasta


Eu sou e vivo esta terra, e gostar disso me basta!
Hoje meus olhos são mansos, andam no campo sem pressa
Conhecem os seus segredos onde termina e começa

Por isso que há de ficar pra cada um que virá


O amor por estes campos que a gente sempre terá...
Pois tem um fato que creio e rezo sempre pra Deus:
-Quem tem o campo no sangue, passa esse sangue pra os seus!
Gana Missioneira
Cenair Maicá

Esta gana missioneira que carrego inteira dentro do meu peito


Me faz caudatário de um rio que volta para o velho leito
E o mate que cevo pra sorver solito quando o sol se vai
É a seiva bugra da terra vermelha do alto uruguai Bis

Eu sou missioneiro nasci para a liberdade


Mas aqui finquei meu rancho pra não sentir mais saudade
Sou herdeiro de sepé retemperado na guerra
E se precisa eu tranco o pé pra defender minha terra

Hay os que se perdem por perder raízes que não acham mais
Hay os que se encontram por voltar as fontes dos seus ancestrais
E as encruzilhadas parecem caminhos a se afastar
Quando na verdade são pontos de encontro pra quem quer voltar

Eu sou missioneiro sei de bailes e potreadas


Também sei de mutirões no cabo liso da enxada
Por saber tudo o que sei me sinto bem a vontade
Sempre pronto a defender guerra honra e liberdade
Alma Estradeira
Jari Terres

Teus olhos, querência me traz relembranças em forma de estrelas


E vêm por miragens colhendo saudades, regando minhas rondas
No rastro das horas, dilatam pupilas na vez de silhuetas
Perfumes de orvalho aquietam sogaços na alma gaviona

Caminhos tão largos que cruzo troteando sem me achicar


Quem canta pro mundo, a ilusão é triste, sabe como aporrear
Ruflando acordes de pêlos tordilhos em busca de paz
Que talvez eu encontre no bronze da pele do teu corpo rural

Se assim for, não procurem alma estradeira dos campos sem fim
A colear madrugadas, buscando guarida n'algum chamamé
Me procurem ao teu lado plantando num rancho ou tisnando fogões
Encantando algum rio louco dois guapos destinos florindo canções
Me procurem ao teu lado plantando num rancho ou tisnando fogões
Encantando algum rio louco dois guapos destinos florindo canções
Encantando algum rio louco dois guapos destinos florindo canções

Um dia eu volto a teus olhos negros sem esporas de andejo


Estas xucras xilenas que indagam lonjuras pelos firmamentos
Meu gateado lobuno que pastou bocejos de luas morenas
Tem garupas de aurora dos caminhos gastos e das cantilenas
O Inverno
Leopoldo Rassier

Segredou-me o vento sul que cabresteia o inverno


Cantando nas casuarinas rompendo folhas e cerne
Lãs que tenho, lenha pouca silêncios de quase um ano
Sabenças que armazenei insuficientes, bem sei
Para enfrentar o tirano

(Qual general de campanha vai mandar o minuano


Virá com mil artimanhas intimidar o meu rancho
E eu silente mateando fogo de chão caprichado
No meu pala enrodilhado vou me quedar esperando)

Nunca o temi, que o varal de charque era lotado


Cavalo bem amilhado vinho prá cem madrugadas
Erva mansa, quincha buena de Santa Fé, despontada
Violão para as insônias que por amargas e longas
Tinha a alma calejada

Já nem mais canto milongas temendo o embate fatal


Dá pena ver o varal sem a fartura das mantas
Não sei se ri, ou se canta o vento quando ultrapassa
Não estou chorando, senhores é o efeito da fumaça

Não estou chorando, senhores


É o efeito da fumaça
Alma de Espelho de Rio
Luiz Marenco

Tentando enxergar pra além do chapéu


Para quem se olha no espelho de um rio No branco das nuvens, um sonho
Na volta pras casa' num final de lida distante
Enxerga sua alma com olhos de espera Das almas perdidas que vagam no céu
Além de uma imagem, no rio, refletida
Apenas quem olha, assim, de olhos
A água não leva por mais que ela queira claros
Os sonhos tão simples que espelham-se Buscando a si mesmo no calmo da
ali aguada
Mas leva pra sempre o que fora moço Verá, com certeza, além de uma
Nas tantas enchentes que faz por aqui imagem
Sua alma de campo, no rio, espelhada
Quebrou-se o espelho na sede do Baio
Desfez-se a paisagem costeira do rio Quebrou-se o espelho na sede do Baio
Ficou refletida na água em remansos Desfez-se a paisagem costeira do rio
Saudades disformes do que, antes, se Ficou refletida na água em remansos
viu Saudades disformes do que, antes, se
viu
Descendo a corrente, uma flor de
aguapé Descendo a corrente, uma flor de
Prendeu-se na argola da rédea caída aguapé
Quem sabe, até seja uma alma serena Prendeu-se na argola da rédea caída
Querendo apegar-se de novo na vida Quem sabe, até seja uma alma serena
Querendo apegar-se de novo na vida

Para quem se olha no espelho de um rio


Os olhos da gente se perdem na aguada
Por Um Abraço
Jairo Lambari Fernandes

Deu saudade minha linda, deu saudade


Pra dizer bem a verdade foi assim
Era tarde e o meu rancho, por solito
Te encontrou nesta lembrança junto a mim
Repontou saudades doces feito um beijo
No destino mais amargo que ela tem
Quem me dera este mate em outra tarde
Tomar um e alcançar outro pra alguém

Só depois que desencilho o dia acalma


Das quietudes costumeiras da querência
Nos teus olhos cor de noite e domingueiros
Me transporto e conto os dias desta ausência
Mês passado minha linda tu bem sabes
O temporal encheu o passo da cruzada
E o gateado que não sabe o que é saudade
Por cismado não cruzou o vau da estrada

Eu aqui entre uns mates faço uns versos


Desses largos para enganar a solidão
Porque a alma tem razões desconhecidas
Que nos fazem ser por vezes coração
Quem sabe o tempo soberano das esperas
Fim do mês não abra o céu e eu cruze o passo
Pra matear num fim de tarde no teu rancho
Trocar a ausência assim, por um abraço

Resto de Fronteira
Gustavo Teixeira

Ponteou de sol tarde linda pras bandas do Camaquã


Depois da manga de chuva que se formou de manhã
Ficaram as nuvens esparsas e a revoada de garças
Pros lados da Tarumã, pros lados da Tarumã

Sobrou barro nas mangueiras depois de apartar terneiros


Pra um bico de um joão-de-barro erguer seu rancho de obreiro
Sobrou tempo pra um anseio depois de esporas e arreios
Pra um mate entre parceiros, pra um mate entre parceiros

Baios de lombo lavado retoçando a gadaria


No pasto verdeando o viço lá na invernada de cria
E a tarde a empessar querência como se bebesse a essência
Das barras do fim do dia das barras do fim do dia

Baios de lombo lavado retoçando a gadaria


No pasto verdeando o viço lá na invernada de cria
E a tarde a empessar querência como se bebesse a essência
Das barras do fim do dia das barras do fim do dia

O limite do meu mundo ganhou a sombra da figueira


Que debruçou-se copada até o moirão da porteira
Parece que se renasce como se o pago iniciasse
Neste resto de fronteira, neste resto de fronteira
E a noite falqueja estrelas com neguaças de um palheiro
Que fogem por entre a quincha pra bordar o céu inteiro
Levam junto a solidão e as memórias de um galpão
Co'a alma deste campeiro, co'a alma deste campeiro

E assim tranqueia meu dia nesta campanha estendida


Entre galpão e invernadas, entre mateadas e lidas
Com o "permisso" das palavras, cá neste rincão de Lavras
Se sente o gosto da vida, se sente o gosto da vida

E assim tranqueia meu dia nesta campanha estendida


Entre galpão e invernadas, entre mateadas e lidas
Com o "permisso" das palavras cá neste rincão de Lavras
Se sente o gosto da vida, se sente o gosto da vida
No Império das Estâncias
Os Monarcas

O dia empeça a chegar à pata larga


Chamando o taura para a ronda do destino
O fogo aclara o galpão na madrugada
Onde a peonada é um irmão no mesmo arrimo

Um mate gordo no ritual do campechano


Aquece o peito com a seiva da querência
Recria alma, flui o sangue da sua rama
Onde inflama a pura cria em essência

A mim me basta ser gaúcho nesta vida


Sovar os bastos nas baldas da baqualada
Com a moldura da querência em minha lida
Que mundo lindo Deus me deu para morada

A peonada e a tropilha em desatino


Peala a sina pra um reponte ou pastoreio
Neste tropel do imenso pampa riograndino
Encilho o destino pro retovo do rodeio

Um verde campo com o encanto das estrelas


Que campereia nossa história nas distâncias
Alma do mundo que enobrece em vivê-las
Pátria campeira no império das estâncias
Bolicho
Cenair Maicá

No balcão cheiro de risos de taboa velha riscada


Maço de palha e o fumo numa estopa remangada
Poeirada, muita cachaça e alguma rusga entaipada

O rádio que se desmancha num tangaço de Gardel


Peça de chita floreada, renda, alpargata e pastel
E um gato velho brasino que a cuscada dá quartel

Bolicho beira-de-estrada, na solidão da campanha


Onde o índio solitário afoga as mágoas na canha
Morada dos cruzadores, onde o andejo sem rumo
Busca na canha e no fumo matar saudades de amores

Lá fora a tava que sobe, cá dentro trago que desce


A goela da oito baixos canta até o que não conhece
Um truco bem orelhado desde segunda amanhece

Ninguém passa sem chegar no bolicho beira-estrada


E o bolicheiro alarife tem a cara preparada
Às vezes sua livreta cobra quem não comprou nada
M e u  c a n t o
Cenair Maicá

Em todo o canto onde meu canto chegar


Há de brotar esta semente que plantei
E, desse fruto, nascerá outra semente
- Pela América com o povo cantarei.

Onde há alegria este meu canto brindará,


Se houver tristeza meu canto acalentará,
Nos ranchos pobres, nas favelas e nos campos
Quem ouvir a minha voz levantará.

Pois todo canto só tem encanto


Se traz um manto cobrindo a dor:
Cura feridas, acorda a vida
Na luta renhida em busca do amor.

Pela justiça este meu canto aclamará,


Pelo humilde e o suor do seu trabalho...
E na consciência do patrão há de chegar
E a sociedade humanizar o operário.

Mas se algum dia meu cantar for sufocado,


Por mão da morte ou por capricho do destino,
Há de ficar meu canto xucro perpetuado
No assobio de alguma boca de menino.
Gauchinha bonita
Grupo Quero Quero

Tamanquinho na mão, os pézinhos no chão


Vestidinho de chita
Gauchinha vai tão bonita
Pela estrada a fora, solita
Ao passar ela deixa um sorriso tão bom
Gauchinha malvada
E depois não olha pra trás
Até se sumir na estrada

Ela deixa um cheirinho de cravo,


De rosa e de manjericão
E que fica guardado
No peito da gente pra recordação
Sinalzinho na areia...iá, iá
Pézinho dela que fez... iê, iê, iê
Deixa a gente a rezar
Pra poder encontrar-se com ela outra vez
Milonga de contrabando
Luiz Menezes

Velha milonga Argentina, Uruguaia e Brasileira


Contrabandeaste a fronteira, na alma dos pajadores
Sempre a falar dos amores, na tua rima baguala
Se diferente na fala, no cantar de cada um
Tens esta pátria comum, no pampa todos iguala

Recorrendo a pulperia, velha milonga campeira


Que nas carpas de carreira, sempre um pinho se destapa
Milonga de gente guapa, suspiras num bordoneio
A história de um tombo feio, de alguma maula judiada
Chamarisco derramada, quando ao cantar de um floreio

Milonga que noite adentro, vive a rondar os fogões


Falando em revoluções, em entreveiros de adaga
Milonga que não se apaga, do ritual do rancherio
Que todo índio bravio desdobra meio pachola

Quando ao cantar se consola, bombeando o catre vazio


Por isso velha milonga, já calejado dos anos
Vim cantar meus desenganos dos quais não guardo rancores
São penas dos meus amores, que fui guardando a lo largo
Cada um tem a seu cargo, um destino que lhe guia
E as penas são ironia, é o doce do mate amargo
Coplas do Viramundo
Porca Véia

Pra quem não sabe como andejo me apresento


Arrocinado no mundo destino e mala nos tentos
Deste meu jeito trago a querência marcada
Gadelhudo e basteriado marca velha que eu sustento

Conheço o vento pelo sopro donde vem


E a cara do calaveira quando não vale um vintém
Sempre foi gosto pras carreiras de domingo
Encilhar o melhor pingo com semblante de monarca

E se o bochincho descambar para algum rancho


Nem que seja de carancho me entrevero na fuzarca. 2x

Quando eu me apeio num bolicho de campanha


Pra lotar frasco de canha e me benzer na pulperia
Sigo alarife pra cabeceira da tarde
E a alma velha selada vendo a sorte que me espia

Ninguém me ganha no grito ninguém me aperta


Que na hora da lambança abro picada na certa
E assim por diante chapéu torto e satisfeito
Pouco sei dos meus direitos e que me importa o delegado

Surrando a vida e a cara destes ventenas


Não dou asas nazarenas pra bagual de lombo arcado. 2x

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