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Existencialismo Cristão

A Plenitude do Ser

por

Marcelo Hipólito
Para meus pais amados: Rubens e Marlene.
SUMÁRIO

Oração para antes dos estudos

Capítulo I – A busca pela verdade

Capítulo II – Existencialismo

Capítulo III – Desespero humano

Capítulo IV – A morte e o ser reduzido

Capítulo V – Ressureição

O Autor
ORAÇÃO PARA ANTES DOS ESTUDOS
Santo Tomás de Aquino

Infalível Criador,
que, dos tesouros da Vossa sabedoria,
tirastes as hierarquias dos anjos,
colocando-as com ordem admirável no céu;
Vós, que distribuístes o universo com encantadora harmonia;
Vós, que sois a verdadeira fonte da luz e o princípio supremo da sabedoria,
difundi sobre as trevas da minha mente o raio do esplendor,
removendo as duplas trevas nas quais nasci: o pecado e a ignorância.

Vós, que tornastes fecunda a língua das crianças,


tornai erudita a minha língua e espalhai sobre os meus lábios a vossa
bênção.

Concedei-me a agudeza de entender,


a capacidade de reter,
a sutileza de relevar,
a facilidade de aprender,
a graça abundante de falar e de escrever.

Ensinai-me a começar,
regei-me no continuar e no perseverar até o término.

Vós, que sois verdadeiro Deus e verdadeiro homem,


que viveis e reinais pelos séculos dos séculos.

Amém.
CAPÍTULO I
A busca pela verdade

Filosofia é uma técnica humana e, portanto, imprecisa, uma vez que o ser
humano é imperfeito, subjetivo, limitado em suas capacidades cognitivas, racionais,
temporais e sensoriais.
Já a verdade absoluta, por ser perfeita, circunscrita em si mesma, revela-se
divina, ausente de subjetividade. Deus é singular na sua objetividade absoluta, uma vez
que é o criador do mundo das coisas (tanto da sua totalidade como de cada um dos seus
componentes, até dos mais ínfimos), bem como dotado de atemporalidade e
simultaneidade, conforme Santo Tomás de Aquino.
Mesmo a arrogância do moderno método fenomenológico – que supõe
amenizar a reflexão abstrata da ortodoxia filosófica através da observação crua dos
fenômenos – é incapaz de evitar a chamada interpretação da realidade, em si sujeita às
limitações típicas da percepção e racionalização humanas.
Destarte, a filosofia resta abstrata e subjetiva por excelência, ao se tratar de
exercício intelectual humano, consequentemente restrito e impossibilitado de atingir a
verdade plena.
Assim, a verdade absoluta será sempre sobre-humana, reservada ao campo
do divino.
Já a verdade humana permanece fadada a ser uma construção inacabada,
condenada à subjetividade e às abstrações típicas do intelecto mundano, restrita a tatear
pelas fronteiras do conteúdo integral, simultâneo e verdadeiro, acessível somente pelas
capacidades infinitas de Deus.
Portanto, a verdade humana se manifesta mais como estética, enquanto a
verdade plena se revela como conteúdo; ou seja, verdade na acepção máxima do termo,
inatingível às limitações do homem.
Nessa perspectiva, a filosofia se alterou substancialmente durante o tempo,
em particular a partir do século XVIII. Da escolástica medieval às linhas de análise pós-
iluministas, muitas influenciadas pelo método fenomenológico, aferradas à observação
de um fenômeno particular ou reincidente, num determinado momento ou intervalo
temporal.
Assim, a filosofia moderna se assentou mais no exame estético da superfície
do real, em vez de lutar vigorosamente contra as restrições humanas, na perseguição
pelo conteúdo inatingível em sua integralidade, porém, passível de vislumbres parciais,
sob penosa reflexão e laboriosos estudos.
Novamente, a verdade divina é conteúdo por corresponder à integralidade
do real. Destarte, o estudo da realidade cabe mais ao campo da teologia do que ao da
filosofia.
Contudo, mesmo a teologia, como atividade intelectual humana, é limitada
pela nossa corporalidade.
Ainda assim, a teologia possui uma vantagem diferenciada, singular, por se
tratar também de exercício espiritual, portanto, de diálogo com o divino, dotado de uma
amplitude superior à da filosofia para a compreensão da verdade plena, do conteúdo
integral do físico e do transcendente, do ser e da alma.
Uma linha filosófica que se alia à teologia para investigar a condição
humana se sobressai, portanto, como alternativa responsável a uma busca meramente
estética da verdade.
Sob essa perspectiva, uma filosofia desprovida de Deus se automutila como
ferramenta de persecução da verdade, restando-lhe o encontro inevitável com o vazio
existencial e a fraude intelectual; destinada mais a confundir do que a revelar. Não é à
toa o existencialismo moderno restar como niilismo, celebração macabra do nada pelo
nada. Quando a humanidade se afasta de Deus, não se torna maior, nem melhor, em vez
disso decai a uma existência enfraquecida de propósito e carente de transcendência:
“É impossível não se perguntar quanto a desmistificação do cosmo não
representa a duradoura aspiração dos homens a se tornarem deuses. Eva tomou o fruto
proibido porque ele representava o poder do conhecimento, que livraria os homens da
dependência de Deus. Jó, por sua vez, sofreu para compreender um Deus que violava as
mais básicas noções humanas de equidade e justiça. De maneiras distintas, ambos os
personagens participaram do mais elementar embate do homem para descobrir e aceitar
seu lugar no drama da existência”.1

1
McAllister, Ted V. (2017). Revolta Contra a Modernidade: Leo Strauss, Eric Voegelin e a Busca de
Uma Ordem Pós-Liberal. São Paulo: É Realizações, p.23.
CAPÍTULO II
Existencialismo

O existencialismo cristão é a busca possível e resignada da verdade diante


das limitações da corporalidade, do pensamento e da mortalidade humanas. É
impossível considerar os resultados da investigação da condição humana sublimando
esses elementos inerentes à nossa existência. Nossa temporalidade nos define e nos
confere propósito, bem como restringe nossas capacidades de compreensão do mundo
das coisas, da eternidade e de nós mesmos.
Somos criaturas carnais, finitas e irrequietas. Mas também somos, como nos
ensina a teologia, espírito. Para refletir sobre o homem, deve-se considerar a trindade de
estados que modelam e determinam nossa consciência, memórias, identidade e
existência.
Afinal, somos constituídos como: espírito, carne-espírito e espírito
desencarnado.
São esses três estados distintos e sequenciais, comuns a todo ser humano,
que explicam a nossa jornada física temporal e a perenidade espiritual: a mortalidade da
carne e a imortalidade da alma.
A investigação desses elementos é essencial à compreensão da consciência,
identidade e existência, bem como dos diferentes seres (ou estados do ser) que fomos,
somos ou seremos.
O existencialista cristão se diferencia dos seus correspondentes modernos
por meio de critérios essenciais que distinguem ambas as linhas de pensamento e
abordagem, opondo-se ao desespero e ao niilismo dos pós-iluministas, iludidos com a
equívoco de que seu trabalho se revestiria de cientificidade e razão.
Nada mais ilusório.

EXISTENCIALISTA
CRISTÃO MODERNO
Realista Idealista / Utópico
Racional Irracional
Religioso / Transcendente Ateu / Materialista
Ama o mundo, o próximo e si mesmo Niilista
O existencialista moderno sente repulsa ou incômodo pelo mundo das
coisas, tendendo ao niilismo como mecanismo de enfrentamento dessa dor existencial.
Já o existencialista cristão ama a criação e resigna-se com inevitabilidade do
Pecado Original (fonte de angústias variadas em relação aos traumas da existência),
buscando a cura na salvação da sua alma imortal.
O existencialista moderno vale-se da dialética hegeliana e, por vezes, da
fenomenologia alemã como balizas do seu trabalho, sob um leque de referências
variadas, compreendendo um espectro de exotismos que se desdobra de Epicuro a Sade.
O existencialista cristão, por sua vez, volta-se com reverência intelectual a
grandes figuras racionais do passado, como: Aristóteles e Santo Tomás de Aquino.

Considerado, por muitos, como o primeiro existencialista moderno, Sören


Kierkegaard trabalhava com a tese da reduplicação do pensamento: a passagem do
pensamento à ação, da dialética das ideias à vida.
Karl Marx elevou esse conceito ao extremo quando propôs, como ninguém
ousara antes, a aplicação das suas teorias à ação política. Não é à toa que Kierkegaard e
Marx encontram-se entre os maiores críticos de Hegel.
Se o redobrar do pensamento era uma forma de transformar o mundo pela
materialização do pensamento à realidade, ou se servia para testar a validade de
determinadas abstrações pela experimentação empírica, o fracasso marxista, em todos
os níveis da sua aplicação prática e suas centenas de milhões de vítimas, resta como
testemunho eloquente do perigo concreto desse tipo de pretensão irresponsável.
A expectativa terrível de empregar como verdade suficiente uma abstração
não comprovada surpreende pela desconsideração intelectual quanto aos potenciais
danos causados à realidade alheia ou coletiva, com consequências por vezes
irreversíveis à vida ou ao cognitivo de pessoas de carne e osso.
Outra tese de Kierkegaard merecedora de atenção é a da subjetividade
individual como causa do isolamento do ser, já que seria impossível ao indivíduo
expressar sua subjetividade interior em palavras, uma barreia insuperável à
comunicação social, a qual ampliaria, num círculo vicioso, a angústia do encerramento
em si mesmo.
Essa tese é profundamente falha, pois a experiência do isolamento, ao ser
tomada pelo filósofo como uma característica comum a todos os seres humanos,
estabeleceria padrões mínimos de referência e empatia capazes de serem compartilhados
por cada um de nós, logo passíveis de erguer “canais” de comunicação, ainda que
parciais, entre indivíduos pretensamente isolados. Esse suposto isolamento, portanto,
jamais seria causa tão implacável capaz de despertar uma irreversível e profunda
angústia humana.
O Pecado Original resta, assim, como a verdadeira mazela humana, a
despeito de não impedir nossa afeição pelo mundo das coisas, da mesma forma como a
capacidade de amarmos a nós mesmos e ao nosso próximo. Para o existencialista
cristão, o mundo é bom, apesar das suas imperfeições.
Já ao existencialista moderno, o mundo permanece repulsivo e incômodo;
fonte perpétua de isolamento, viscosidade e desnorteamento.
Esse mal-estar permeia o existencialismo moderno como uma praga
gnóstica de aversão e revolta contra as deficiências mundanas, alimentada por uma
agonia permanente por revertê-las, corrigi-las, superá-las.
Em vez da resignação cristã diante do imperfeito, o pensador moderno
mergulha no vazio existencial e nos meios para provocar sua derrocada utópica ou na
busca por uma desculpa ideal para se render à submissão niilista.
É um vazio existencial forjado exatamente pelo afastamento original –
induzido ou involuntário – do homem moderno em relação a Deus.
Ao negar Deus como premissa essencial antecessora à existência, à
consciência, à formação da identidade, ao espírito imortal e à carne temporal, o pós-
iluminista vasculha, em desespero, por um substituto ou uma cura suficiente perante o
nada deixado pela remoção forçada, ideológica, do núcleo transcendente indispensável à
sanidade da mente e alma humanas.
A busca infrutífera por essa superação é fascinante de se observar,
transcorrendo de forma quase tragicômica, especialmente ao se concentrar no próprio
homem ou em suas obras (como o Estado) para o preenchimento do referido vácuo.
Essas tentativas – e todas as suas reflexões correspondentes – revelam-se
ineficazes perante a tarefa irrealizável de se substituir o divino, o único parâmetro
externo e interno possível à compreensão humilde e limitada da existência humana, que
acompanha e ampara nossos anseios e incertezas, desde os tempos ancestrais.
Ainda assim, verifica-se a relevância de se abordar, ainda que brevemente,
alguns pensadores centrais do existencialismo moderno, uma vez nem todas as suas
reflexões são descartáveis. Ao contrário, algumas são bem sofisticadas e merecem
menção, notadamente pelo seu caráter sombrio e destrutivo. Jean Paul Sartre, em
especial, vem à mente, afinal sua obra é aquela que mais atenta contra a natureza e a
esperança humanas.
Enquanto Santo Tomás de Aquino, em seus estudos sobre o divino e o
humano, arranha as portas do Paraíso; o niilismo de Sartre beira o demoníaco, como se
desejasse condenar nossa espécie aos próprios porões do Inferno.
Sartre serpenteia no nada, embriagado por seu narcisismo alienante e
avassalador, tomado por um egocentrismo radical, irrequieto pela ruína da realidade
nauseante, desprezada de forma visceral, doentia, juvenil.
Seu ódio pelo mundo concreto pulula dos seus escritos com uma força quase
palpável, tamanha sua repulsa pelo próximo, seu abandono da moralidade ocidental, sua
negação absoluta de Deus. Mergulhado em seu ateísmo e revolta, ausente da
transcendência indispensável ao ser humano, Sartre vende sua alma a um ódio
igualmente profundo contra a humanidade, sua cultura e sociedade: o marxismo.
No marxismo, Sartre, finalmente, encontra o sentido de propósito que sua
repulsa pela humanidade lhe negara até então.
Sartre pode, enfim, ajoelhar-se a um deus do seu agrado.
Assim, numa suprema ironia, o sumo sacerdote do existencialismo moderno
– arauto do imperativo da falta de compromisso ou submissão em relação ao mundo
como forma ideal de assegurar a liberdade total – rende-se, bovinamente, à fraude
intelectual materialista e escravizante do comunismo soviético da sua época.
Porém, se Sartre se impõe como a culminação do carácter nefasto e inumano
do existencialismo moderno, para a melhor compreensão dessa linha de pensamento, é
necessário abordar algumas das suas ideias sobre a problemática da angústia, do
desespero e do sofrimento humanos diante do vazio existencial, da crescente separação
entre o Ocidente e o transcendente.
CAPÍTULO III
Desespero humano

Karl Jaspers tratava o idealismo como a filosofia da felicidade em seu


caráter utópico e irracional, portanto, dotada de um forte componente emocional. Para
ele, a existência não é objeto, mas aquilo que se relaciona consigo mesma e, assim,
desperta a transcendência. Uma dinâmica que inviabiliza, por si mesma, a real
compreensão da transcendência, permitindo somente a análise da relação desta com o
indivíduo.
Jaspers abraça o preceito délfico da ação em si como definidora do sujeito
ativo do seu próprio destino. Nesse ponto, Jaspers esbarra no conceito cristão do livre
arbítrio, apesar de sua vagueza sobre a importância da consciência, culpa,
arrependimento e perdão.
Em vez de uma clara autorreflexão sobre o remorso, Jaspers desenvolve o
princípio da virtualidade do indivíduo, o instante da reflexão que, ao se realizar, separa
quem se era daquilo que se tornará. A transcendência deriva, potencialmente, dos
momentos marcados pela reflexão mais intensa, em particular nas situações-limite da
existência, como: morte, guerra, doença.
Já no cristianismo a transcendência brota não somente dos momentos
extremos, mas também, do cotidiano e da autodisciplina das virtudes (perdão, caridade,
compaixão, resignação, parcimônia), como nos ensina Cristo no Sermão da Montanha.
Com sua experiência na psiquiatria, Jaspers vislumbra no fracasso humano a
própria experiência do ser. Em outras palavras, no histórico do desespero, encontrar-se-
iam as chaves para a paz.
Nesse ponto essencial, o existencialista moderno se afasta das doenças da
alma para se concentrar nos traumas mundanos. Uma abordagem pós-iluminista que
culmina na proliferação das drogas comportamentais do século XXI: a era da depressão
e da terapia do comportamento, em forte contraste aos benefícios milenares da contrição
restauradora e saudável dos confessionários religiosos.
Martin Heidegger personificaria esse afastamento contínuo da reflexão
filosófica do componente religioso indispensável à existência humana. Um
existencialismo materialista que se surpreende com a obviedade de que uma maior
negação a Deus conduz a um tédio crescente em relação a um mundo das coisas
subitamente ausente de beleza e transcendência.
Amar a Deus é amar a sua criação.
O amor a Deus nos leva a enxergar de forma transcendente o mundo físico.
Sem a presença divina, o mundo se torna frio e cinzento.
Algum indivíduo se espanta diante dessa simples constatação? Surpreende o
tédio existencialista se mostrar um fenômeno agravado pela modernidade? Alguém nega
o aumento da depressão perante uma secularização crescente da sociedade ocidental?
Em Heidegger, uma busca por uma maior liberdade individual se assenta no
anseio pelo afastamento em relação às restrições impostas pelo mundo, o divino e o
transcendente da fé religiosa, tomando-as como limitações debilitantes à ampliação das
capacidades do ser.
Assim, Heidegger opta por uma investigação da existência baseada na
reflexão sobre a angústia e o desespero e seus efeitos sobre a consciência. Novamente,
quanto mais o existencialista moderno se afasta de Deus como o centro gravitacional de
qualquer estudo adequado, mais se inclina à análise míope do desespero humano.
Já para o existencialista cristão, separar-se de Deus é o próprio cerne
causador do desespero, cuja cura se acha no reencontro com divino, e não em alguma
proposição eminentemente humana.
O pós-iluminista, porém, limita Deus a mero sinônimo de eternidade. Um
Deus que não pensa, mas somente cria. Reduz-se, assim, Deus a um fenômeno da mente
humana, jamais a causa da transcendência, de quem o homem extrai seu propósito e
determina seu lugar no mundo das coisas, assentando sua fé na esperança da
atemporalidade da alma.
Nessa encruzilhada autoimposta pelo pensamento pós-iluminista, o
existencialismo moderno encontra seu ápice no niilismo satânico de Sartre.
Sartre é um solitário materialista e ateu, perdido num mundo que só
consegue lhe despertar uma profunda repulsa. É a visão de Heidegger intensificada por
uma mente perturbada, em que qualquer concessão individual significa corrupção auto
infligida e perda voluntária de liberdade.
De fato, Sartre não se contém no tédio de Heidegger, indo muito além, com
fúria e determinação.
Para o arauto da destruição, o mundo é viscoso e desprezível, nada nele se
presta diante do ser iluminado, esclarecido, evoluído, condenado a conviver com a
inevitável mediocridade exterior.
O homem sartreano é decaído por sua própria condição carnal, já que se
ressente da capacidade de transcendência espiritual, restando-lhe apenas o nada.
Um nada existencial, temporal, desprovido de propósito, exceto pelo
regozijo da própria liberdade hedonista, egocêntrica e narcísica. O nada da prisão na
própria carne.
Uma existência material de repulsa e tédio para com tudo e em relação a
todos, menos a si mesmo, sobressaindo apenas a liberdade niilista do ser mortal
absoluto, retraído em si próprio.
O universo moral remanescente é aquele que sobrevive no indivíduo
específico, singular, esclarecido contra a pequenez conformista e burguesa.
Sartre resta, portanto, como a encarnação do pecado original da liberdade
irrestrita, do Eu superior, que não se concebe menor nem mesmo perante Deus, ao qual
se nega a existência para não ter de enfrentar uma visão alternativa: contida, realista e
modesta de si mesmo e das limitações humanas, em relação à sua própria mortalidade,
fragilidade e incertezas.
Em sua conferência “O Existencialismo é um Humanismo”, de 1945, Sartre
aprofunda seu entendimento do existencialismo como uma obra eminentemente pós-
iluminista e, portanto, revolucionária: o encontro da liberdade irrestrita com a igualdade
materialista; do liberalismo irresponsável com a tirania do socialista. A celebração da
morte de Deus e de uma consciência humana fadada a uma existência fugaz, temporal,
vazia, egoística e superficial.
Para Sartre, o homem existe como aquilo que ele se propõe. Numa ousada
evolução do princípio délfico, presunção passa a equivaler à existência. O Eu é tudo
para si mesmo, ainda que o mundo exista a despeito do Eu.
Destarte, só restaria o nada como o espaço possível de relacionamento entre
o Eu e o mundo das coisas (repulsivo, justamente, por não ser o Eu).
Ao isolamento perante o real, soma-se uma devastadora solidão espiritual
provocada pelo ateísmo orgulhoso, militante. Uma combinação desumanizante cujo
desfecho inevitável é uma existência miserável para a qual jamais se encontra solução
possível.
Diante desse beco sem saída de desolação existencial, resta a um pobre
diabo como Sartre se voltar com furor quase religioso à teoria que melhor nega o mundo
presente em troca da promessa de um futuro utópico e idealizado, irrealista e delirante,
conjurado sob falsas esperanças de liberdade total: o marxismo.
Ao fazê-lo, contudo, Sartre adere a um componente do mundo das coisas, a
uma corrente ideológica criada não pelo existencialista, mas por forças externas ao ser
interior.
Assim, Sartre se rende, gostosamente, ao próprio mundo das coisas, ao qual
a menor concessão possível significava, até então, traição a si mesmo e à sua liberdade
individual: o elemento mais caro ao existencialista moderno.
Roger Scruton denuncia a incongruência lógica e moral de Sartre ao lembrar
que o comunismo de Marx nada mais é do que o Reino Kantiano dos Fins, uma alegada
liberdade transcendental enganosamente divisada como empiricamente real.
Sartre tenta e fracassa na justificativa de compatibilizar sua teoria da
liberdade irrestrita existencial com a tirania marxista através do conceito de
emancipação totalizante da aliança revolucionária derradeira, entre intelectuais e
proletários.
Luuk van Middelaar é ainda mais incisivo na sua crítica a essa vã e
lamentável tentativa de conjugar marxismo e existencialismo: “Quem permanece
existencialista, nunca pode se tornar marxista. Embora as duas filosofias
compartilhassem o mesmo vocabulário hegeliano – luta, historicidade de valores,
consciência insatisfeita e dedicação à liberdade –, o significado atribuído a esses termos
difere radicalmente. A principal diferença é que o marxista espera que a luta entre as
pessoas cesse após a revolução, e um existencialista, que a luta entre as “consciências”
individuais continue para sempre”.2
Sem sentido, as totalizações de Sartre se revelam apenas o refúgio último do
seu niilismo, causa final da destruição da sua própria filosofia. Por fim, nada digno de
nota permanece de pé em sua obra. As convicções de Sartre jazem reduzidas a pó, como
muito da estrutura “racional” do existencialismo moderno.
Dramaticamente, a morte do marxismo terminaria por decretar a morte
intelectual de Sartre e, por conseguinte, do maior expoente do existencialismo pós-
iluminista.
Quando a práxis marxista aplicou as abstrações propostas por seu
formulador original como verdade científica, deu-se conforme o receituário deixado
pelo próprio Marx. Portanto, seria desonesto apartar a teoria marxista dos infindáveis e
pavorosos crimes praticados em seu nome.
Abstrações filosóficas, saídas diretamente da pena de um intelectual, a
despeito de nenhuma evidência empírica capaz de sustentar suas conclusões
irresponsáveis, foram tratadas como ciência apenas porque ele próprio as definiu assim.
Essa é a mentira suprema do “materialismo científico”.
Filosofia é técnica, não ciência.

2
Middelaar, Luuk van (2015). Politicídio. São Paulo: É Realizações, p.89.
Esse logro primordial de Marx constitui-se na fraude intelectual que faz
todo marxista um imbecil assumido ou involuntário; trata-se de uma escola de
pensamento inteira desprovida de evidências ou comprovação, erigida sobre os pés de
barro da assunção de abstrações mentais tomadas como realidade empírica.
Ainda assim, a teoria marxista permanece uma cilada resiliente, uma
abstração destinada a fracassar no mundo real. Na verdade, sua aplicação concreta
contribui somente à sua própria desconstrução, atestando, recorrentemente, seus
equívocos morais e lógicos.
Quando a grande revolução inaugural do marxismo eclodiu numa Rússia
apenas parcialmente industrializada, e não nas economias avançadas do Ocidente, onde
Marx previra o levante do proletário como vanguarda revolucionária, começaram os
revisionismos para se espremer a realidade nos limites falhos de uma teoria que se
provava ineficiente para descrever fenômenos palpáveis e autênticos.
Afinal, na Rússia, não havia sido o proletariado o núcleo propulsor da
Revolução, mas sim, um aglomerado de intelectuais inescrupulosos, radicais de classe
média e sociopatas como o violento ladrão de bancos Josef Stalin. O proletariado fora
inicialmente marginal ao processo, provando sua inépcia como classe revolucionária
autônoma e o embuste conceitual da chamada consciência de classe.
O segundo fracasso marcante das abstrações teóricas da Marx, quando
trazidas ao mundo das coisas, seria na revolução comunista chinesa, na qual os maoístas
se viram forçados a eleger os camponeses, em vez dos proletários, como a classe
revolucionária.
De fato, em meio aos terríveis níveis de subdesenvolvimento, à economia de
base rural e à pobreza extrema da China, seria impossível lançar na conta de uma
industrialização praticamente inexistente a condição prévia à radicalização socialista.
Ainda assim, a mentira vermelha restava evidente, os camponeses famélicos
que se uniam aos comunistas faziam-no pelas miseráveis rações que estes lhes
provinham para subsistirem.
Novamente, a revolução era um feito de intelectuais e homens talhados à
violência. Uma vez mais, não havia povo na liderança da Revolução.
O maoísmo desgraçou de vez qualquer presunção de verdade científica do
marxismo ao virar de ponta-cabeça a estrutura lógica da luta de classes e da superação
do capitalismo.
Contudo, prestou-se como uma luva aos movimentos de esquerda do mundo
subdesenvolvido.
Subitamente, os extremistas de sociedades atrasadas podiam reivindicar para
suas realidades, complemente incondizentes com a teoria marxista, a condição de
vanguarda revolucionária, prontas a superar o capitalismo.
Marx teria se revirado nas chamas do Inferno diante das inconsistências
cada vez mais evidentes das suas abstrações filosóficas.
Do Brasil ao Camboja, da Síria ao Zimbábue, da Coréia do Norte ao Chifre
da África, a revolução eclodia como ameaça real ou vitoriosa em qualquer sociedade do
mundo, exceto naquelas identificadas pela lógica marxista como as realmente
apropriadas: as grandes nações ocidentais.
Nada de revolução socialista nos EUA, Inglaterra, França. Quando muito,
seus irmãos fascistas tomavam o poder e fuzilavam os comunistas na Itália e Alemanha.
Diante do fracasso lógico e cognitivo do marxismo como teoria científica ou
mesmo como destroço filosófico aproveitável, por que então ele resiste como receituário
a tantos radicais para a transformação sangrenta da sociedade?
Essa sobrevida desponta das suas diversas correntes revisionistas. Desde o
citado maoísmo ao gramscismo, passando pelos movimentos identitários, a Nova
Esquerda cada vez mais abandona a representação das classes trabalhadores e se volta
para a política de empoderamento das “minorias”.
Em pleno século XXI, o conservadorismo se espraia pelo Ocidente sobre as
ruínas do colapso da velha e superada estrutura de alianças do trabalhismo agonizante.
O marxismo – nos termos formulados por Karl Marx – está morto, o que
resta do seu cadáver putrefato caminha como um zumbi identitário se alimentando da
carne dos vivos (os impostos extraídos dos verdadeiros trabalhadores, aqueles que
geram riqueza, independente de serem proprietários ou não dos chamados “meios de
produção”).
CAPÍTULO IV
A morte e o ser reduzido

O existencialismo religioso tem na capacidade de transcendência do ser


humano a chave para a compreensão da existência.
Para o cristão, o ser não se limita ao saber. Ele também é composto por
instintos, emoções, temores, incertezas, ações, consciência, inconsciência, fé,
percepções, reflexões etc.
De fato, a existência humana é um estado sinérgico constituído por todos os
componentes do Eu: as manifestações da consciência e da inconsciência, do saber e do
não saber, das ações e inações, da razão e da paixão, dos pensamentos e dos instintos, da
ordem e do caos, presentes em cada um de nós.
Contudo, não se trata de uma dialética entre o Eu (interior) e o mundo físico
(exterior), pois é impossível apartar o Eu do mundo das coisas, já que aquele integra
este. Ainda assim, aquele não se resume a este. O Eu pleno se constitui da composição
do Eu carnal e do Eu espiritual de cada ser humano, formando uma existência única e
maior, durante sua conjunção temporal no mundo das coisas (mundo concreto ou
físico).
A morte física do Eu carnal encerra o Eu pleno, reduzido novamente ao Eu
espiritual, condição anterior ao nascimento físico e à vida mundana, terrena, mortal.
Novamente, não se trata de dialética, nem de oposição entre o Eu carnal e o
Eu espiritual, pois ambos coexistem durante nossa existência mortal como seres
humanos (Eu pleno), uma vez que o Eu carnal somente existe em conjunção com seu Eu
espiritual ao formar o Eu pleno palpável, mortal e temporal, presente no mundo físico.
Em outras palavras, o ser humano é carne e espírito. A carne não sobrevive sem o
espírito, na condição humana. O espírito sobrevive antes, durante e depois da carne,
uma vez que é atemporal, eterno e dotado de consciência própria.
O medo da morte, mesmo diante da fé na eternidade da alma, deriva dessa
verdade fundamental. O ser humano teme a morte, pois efetivamente parte de si deixa
de existir com a morte física; mais do que isso, a consciência do Eu pleno desaparece no
momento da morte física, restando somente a consciência reduzida do Eu espiritual.
Dessa forma, o ser humano, o qual até então existia conjuntamente na condição de
espírito e carne, cessa de existir, restando uma consciência atemporal, apartada,
reduzida, singularizada, não mais formada por carne e espírito, mas somente, espírito.
Ou seja, a morte física significa a morte da consciência humana.
Por isso, ao nascermos não temos memória da nossa existência espiritual
anterior e, depois da morte, permanecem somente as memórias legadas do Eu pleno ao
Eu espiritual posterior, desencarnado.

Não existe morte espiritual, pois a alma é eterna.


Mas efetivamente seres humanos ao morrerem deixam de existir enquanto
tal, pois do seu estado pleno resta somente o Eu espiritual desencarnado, bem como do
Eu pleno só restam a alma e as memórias, herdadas pela consciência espiritual que
continua sua jornada na eternidade, desprovida de sua plenitude anterior em conjunção
com a carne.
Assim, nosso medo da morte é verdadeiro, pois, se a consciência espiritual
perdura, nossa consciência plena, mortal e humana está fadada a desaparecer com a
morte do corpo.
Somos feitos à imagem e semelhança de Deus porque somos compostos por
um Eu espiritual. Nesse sentido, somos dotados de imortalidade, identidade e
consciência similares, ainda que inferiores, às do nosso criador.
Já nossa existência, identidade e consciência humana se mostram plenas por
serem também carnais, logo finitas e mortais.
Consequentemente, todo humano é finito e mortal, destinado à não
existência da morte. Contudo, essa não é uma realidade niilista, pois o Eu espiritual
permanece com memórias do Eu pleno.
Cabe ressaltar que o Eu espiritual é menos do que nós somos hoje enquanto
seres vivos dotados de alma. Na verdade, o Eu espiritual é parte de nós, mas não é o
mesmo que nós. Ele é como a costela de Adão, que se separa do corpo com uma
consciência própria, particular, distinta da nossa.
Um ser humano é um ser pleno. Nossa alma é um ente espiritual singular,
com consciência espiritual, identidade espiritual e existência espiritual. Faz parte de nós
quando somos plenos, mas ao se separar de nós não carrega nossa consciência,
identidade ou existência, mas somente nossas experiências, o que fomos e deixamos de
ser.
Nossa consciência, identidade ou existência morre com o nosso corpo. Em
outras palavras, realmente deixamos de existir.
Novamente, o Eu pleno morre a morte física, porém, não o Eu espiritual,
uma vez que este é eterno, feito à imagem e semelhança de Deus.
O Eu pleno é reduzido na morte física, ao perder seu componente carnal (Eu
carnal).
O Eu espiritual, por sua vez, é acrescido, pois, antes de encarnar como Eu
pleno, existia somente como alma desprovida de experiências plenas. O Eu espiritual
será mais do que era antes de encarnar ao experimentar a morte física, pois levará
consigo o aprendizado, conhecimento e experiências vividas enquanto ser humano,
durante sua existência mortal e finita no mundo das coisas.
Por isso, a despeito da fé na vida depois da morte, o ser humano é apegado à
existência física. Seu instinto de autopreservação, sobrevivência e reprodução são
reflexos da sua consciência temporal, da sua ciência da morte, do fim da sua existência
(carnal e, por conseguinte, plena).
Essa verdade da condição humana é, portanto, atestada pelas nossas reações
racionais enquanto um Eu pleno, dotado de um Eu carnal e um Eu espiritual.
Ademais, a própria encarnação de Deus em forma humana (Jesus Cristo)
confirma as citadas evidências comportamentais, perceptivas e instintivas passíveis de
serem acessadas e experimentadas por cada um de nós.
Trata-se aqui do desejo de Deus de provar a miséria da condição humana,
com amor e resignação: a primeira vinda de Cristo ao mundo dos homens (mundo das
coisas).

ESPÍRITO DE DEUS + CARNE HUMANA = JESUS CRISTO

ALMA + CARNE HUMANA = SER HUMANO

SER ESPIRITUAL + SER CARNAL = SER PLENO

Obviamente, Deus não é alma, mas sim simultaneidade universal,


consciência infinita e identidade atemporal.
Santo Tomás de Aquino afirmava a imobilidade de Deus, a quem nada se
reduz ou acrescenta. Já a alma é criada por Deus. Todavia, Deus não é criado, pois
sempre existiu. Para Deus, não existe tempo. Deus é simultâneo e total.
Por ser simultâneo, total, atemporal e infinito, Deus sempre existiu em si
mesmo. Assim, como Deus esteve, está e estará em Cristo simultaneamente, uma vez
que desprovido da lógica do tempo linear (tempo da criação), típico do mundo das
coisas.
Santo Tomás de Aquino compreendia a simultaneidade de Deus devido ao
caráter único da existência divina, que não é antecedida ou precedida; nem por outro,
nem por si mesma. Assim, as experiências humanas vivenciadas pelo espírito de Deus
em Cristo sempre existiram, pois o tempo como compreendido pelos humanos nada
significa para o criador.
“Deus, porém, de modo algum está sujeito a movimento, como se mostrou.
Logo não há nele nenhuma sucessão, senão que seu ser é todo simultâneo”.3
O tempo linear da carne importa a Cristo e aos seres humanos, pois aos
mortais e ao mundo das coisas, como explicado, existe a redução do Eu pleno causada
pela morte física. Ao desencarnar, porém, a alma segue com as experiências vivenciadas
quando mesclada à carne mortal.
Cristo experimentou fenômeno semelhante, a despeito de não ser formado
por alma ordinária, mas sim, pela simultaneidade de Deus, ainda que dotado também de
existência própria.
Cristo morto se revela uma identidade em si mesmo, bem como existe
também em simultaneidade com Deus. Cristo é dotado de consciência e identidade
próprias, assim como se acha subordinado a Deus por ser seu filho com uma mortal.
Destarte, a humanidade de Maria, o Eu pleno de Maria, mãe de Cristo,
preenche o espaço relacional necessário entre Deus e Cristo.
Cristo permite a Deus provar a experiência como matéria, as alegrias e as
fragilidades da mortalidade e da condição humana. Contudo, devido ao preceito da
simultaneidade, Deus sempre foi, é e será Cristo, simultâneo, particularizado, e um só
com Deus.
De fato, Cristo nasce de Maria.
Logo, sua existência é posterior a Deus, bem como a de Maria.
Assim, Cristo não é imóvel e, portanto, simultâneo como Deus.
Dessa forma, Cristo também possui consciência, identidade e existência
próprias. Essas particularidades o definem e compõe como um ser pleno, inalteradas
depois de sua morte, como atesta o Novo Testamento, na ressureição e na presença
espiritual de Cristo, ao demonstrar uma consciência inalterada dos seus dias de vivente,
quando se apresenta perante os apóstolos. Essa é uma evidência da ressureição, uma
esperança também para a humanidade, a ser abordada de forma adequada no capítulo
seguinte.

3
Aquino, S. T. (2015). Compêndio de Teologia. Porto Alegre: Editora Concreta, p.81.
Todavia, de onde surge a convicção de que os seres humanos não
conservam a consciência do Eu pleno quando reduzidos de volta ao estado espiritual?
Se os seres humanos não são deuses, como Deus se acha em Cristo?
Cada ser humano tem um instante determinado que marca o início da sua
existência espiritual, da sua existência plena e da sua existência reduzida.
Esses marcos temporais distintos no tempo (linearidade temporal) e no
espaço (mundo das coisas) atestam a ausência da simultaneidade de Deus na alma
ordinária dos homens, a qual, por ser criação, não se demonstra imóvel como o criador.
Ademais, esses três diferentes momentos delimitam os três estados distintos
do Eu: o Eu original (espírito aguardando a encarnação), o Eu carnal-espiritual (estado
próprio do ser humano; mortal e temporal) e o Eu reduzido (estado espiritual posterior à
encarnação). Trata-se claramente de uma tríade de formas distintas do Eu, cada uma
dotada de consciência, experiência e identidade próprias.
A atemporalidade da alma se confunde com o tempo linear do mundo das
coisas somente em três ocasiões: no instante em que Deus a cria, no momento da
encarnação e na ocasião da desencarnação.
Logo, a alma humana não é simultânea já que criada, dessa forma posterior
a Deus, o único e verdadeiro ser simultâneo. Ademais, o Eu reduzido se mostra
atemporal e eterno a partir de um ponto de recomeço (a morte física), o qual precede o
infinito da consciência reduzida.
A criação (tudo que não é Deus) tem início e fim no mundo das coisas, bem
como começo e infinitude na existência espiritual. Sua eternidade é devida à
similaridade do espírito com Deus. À semelhança de Deus, porém, jamais igual a Deus.
A atemporalidade de Deus é simultaneidade. A atemporalidade da alma tem
início, mas não fim. O não fim advém da similaridade. A ausência de simultaneidade da
alma afasta-a de ser idêntica a Deus, pois é característica da criatura, e não, do criador.
“Ademais, se o ser de algo não é todo simultaneamente, é-lhe necessário
que algo lhe possa desaparecer ou que algo lhe possa advir. Desaparece-lhe, com efeito,
o que passa e advém-lhe o que se espera no futuro. Mas em Deus nada desaparece nem
se acresce, porque ele é imóvel. Logo, seu ser é todo simultaneamente”.4

Por não existir simultaneamente, todo ser humano é definido pela sua
condição mortal. Nascemos e morremos no mundo das coisas. Somos feitos de carne e
espírito.

4
Ibidem, pp. 81-82.
Contudo, se a carne decai, a alma perdura.
O ser humano vive como criatura plena até cessar de existir com a morte
física. Sua consciência e identidade desaparecem nesse momento de ruptura traumática,
quando a redução o obscurece e somente suas experiências enquanto ser vivente
prosseguem no seio da consciência espiritual reduzida da alma.
A consciência humana, portanto, não é a mesma da espiritual, nem antes,
nem depois da existência temporal e mortal no mundo das coisas.
A existência carnal é temporal. A existência espiritual é atemporal.
O Eu carne-espírito (ser humano) se caracteriza, portanto, por seu
componente empírico (carnal), como um ente temporal, tornado atemporal quando
reduzido pela morte física. Da mesma forma, a consciência atemporal da alma não-
encarnada é subitamente arremessada à condição temporal pelo nascimento físico no
mundo mortal (mundo das coisas).
O reconhecimento da alma é um fenômeno comum às civilizações humanas.
Seu adversário niilista se encontra no ateísmo, a negação de Deus.
Essa negação, a despeito de minoritária em relação à população geral,
impõe-se como racional a pessoas que, conscientemente ou não, percebem a finitude da
morte como destino também da consciência humana.
Ainda que o fato de recusar Deus não altere essa verdade, resta como
compreensiva a tendência à rebelião diante do nada que aguarda a consciência humana.
Um nada relativo, já que nossas experiências sobrevivem na alma, ainda que
numa consciência que não é a nossa, uma vez que reduzida somente a uma consciência
própria, espiritual, particularizada no momento da desencarnação.
Ainda que o ateísmo seja parte da experiência humana, a despeito de
representar um ceticismo restrito, por si só jamais erigiu nenhuma civilização ou legado
cultural relevante. De fato, mesmo os grupos humanos mais afastados sempre tiveram
em comum a fé em alguma forma de eternidade espiritual.
A fé é um ato livre inverificável, como bem compreendia o existencialista
moderno Gabriel Marcel. A fé verdadeira é livre para ser exercida ou não na intimidade
de cada ser humano.
Manifestações externas da fé podem se mostrar insinceras por vontade
própria do indivíduo ou imposição de terceiros, porém, a verdade interior que se abriga
no coração de cada um de nós permanece inteligível à percepção de Deus.
Marcel, corretamente, compreende na filosofia uma tentativa de interpretar a
fé através da reflexão intelectual, valendo-se até do método dialético, quando possível.
De forma acertada, Marcel reconhece as limitações da filosofia no estudo
da fé, como em tantos assuntos. Afinal, a fé é um tópico especialmente inatingível por
exceder o alcance material do mundo das coisas. Sua compreensão, inclusive teológica,
resta parcial, como tudo mais relacionado à condição humana.
Todavia, é possível um vislumbre sobre a veracidade da fé ao se considerar
o amor cristão, uma vez que este une o indivíduo ao mundo das coisas através do seu
amor por Deus, por si mesmo, pelo próximo e por toda a criação.
A experiência desse amor deriva da consciência, entendida como a noção de
si mesmo e da própria existência. Se a existência física é a presença no mundo físico
(mundo das coisas), a consciência humana deriva desse autoconhecimento. Enquanto, a
existência espiritual se impõe como mistério não relevado, apenas parcialmente tocado
pela limitação inerente às capacidades humanas.
O desespero do isolamento humano, da angústia e da solidão existencial,
preocupação relevante dos existencialistas modernos, permanece a negação dessa
verdade essencial, da presença indispensável de Deus em nossas vidas.
Ao rejeitarem Deus, por vezes confundido com o sentimento de repulsa em
relação à própria criação, os pós-iluministas se autossabotam, tornando impossível o
diagnóstico adequado do problema, sequer compreendendo que a cura para as doenças
da alma se encontra justamente naquilo que rejeitam de antemão: o reconhecimento da
existência da Deus e da sua essencialidade à condição humana.
Deus e o homem são inseparáveis. A criatura depende da aceitação do
criador como razão única da sua própria existência, definidora da sua consciência,
propósito e identidade.
O reconhecimento da nossa identidade como criatura permite-nos melhor
compreender nosso propósito como seres dotados de consciência. Existência com
propósito afasta o vazio maligno do niilista, supera o desespero, silencia a angústia e
debela a solidão.
Existência com propósito é existência com plenitude.
O Eu pleno necessita de propósito para vivenciar uma existência moral,
enquanto o amor cristão dignifica a existência conferindo proximidade com Deus.
Uma existência satisfatória, coerente e racional se prova viável somente
com uma existência baseada na proximidade com Deus. A sanidade humana é, portanto,
consequência desse reconhecimento e submissão moral e espiritual a Deus. Um
reconhecimento que reside na aceitação lógica da nossa existência como consequência
singular de um ato divino. Ou seja, a criatura existe somente pela vontade do criador.
Nessa verdade basilar, assentam-se as fundações últimas do existencialismo
cristão.
Destarte, o desespero existencial representa uma falha do indivíduo em
enxergar a verdade definidora da sua própria existência: somos criaturas físicas
integradas a uma realidade física; a despeito de possuirmos alma, jamais deixamos de
pertencer ao mundo das coisas.
A tendência de incômodo ou repulsa contra a realidade é uma doença da
alma causada pelo Pecado Original, presente em todos os seres humanos, para qual a
única cura possível se encontra na proximidade e submissão plena a Deus. Isolamento,
angústia e solidão são erros da percepção humana sobre a realidade, manifestadas pela
falta de propósito individual em relação ao mundo das coisas.
Tudo na criação possui um propósito intrínseco.
Propósito é aquilo que define nossa existência, conferindo clareza, foco e
sentido às nossas vidas e sobre nosso lugar na criação, nossa relação com Deus e nossa
função no mundo das coisas.
A incerteza da falta de propósito é uma debilidade que enfraquece o espírito
e lança-o nas trevas do niilismo, causando abatimento, depressão, raiva, angústia e, no
limite, o suicídio, o fim voluntário e terrível da própria existência física, devastando o
Eu espiritual pós-encarnado (reduzido).
Esse estado deplorável da alma representa um afastamento dramático em
relação a Deus, como um “apagão” da consciência individual, pois nenhuma criatura é
verdadeiramente desprovida de propósito, quando muito falha em percebê-lo,
provocando uma profunda sensação de rompimento e alienação para com as realidades
física e espiritual.
Mesmo um paciente em coma incurável num hospital oferece alguns
propósitos secundários, como: esperança aos seus familiares e amados de que um dia
possa se recuperar; justificativa à presença da equipe médica que o conserva vivo. Sua
ausência de consciência não lhe remove os potenciais propósitos inerentes à própria
existência humana; por mais precária que esta possa aparentar, uma certeza permanece:
o paciente, mesmo preso num estado de inconsciência perene, enquanto carne viva e
mortal, continua a fazer parte do mundo das coisas. Só a morte física encerra essa
condição fundamental da existência, pois, como bem conceitualizado por Friedrich
Schelling, o sujeito empírico se revela inteiramente temporal; de fato, sua existência no
tempo é mais do que o tempo.
O Eu pleno, por ser carne e espírito, faz com que sua existência hoje seja
diferente do que era ontem e distinta do que será amanhã. Contudo, o ser humano é
também, linearmente, o mesmo de ontem, hoje e amanhã, uma vez que apresenta uma
só identidade, um senso de continuidade e de unidade física e espiritual no decorrer do
tempo e espaço.
Essa identidade singular advém da consciência individual de cada um de
nós, associada ao conjunto das nossas memórias e experiências particulares e
intransferíveis.
O ponto de vista de cada Eu pleno resulta da consciência individual e da
narrativa linear única formada pelo conjunto das experiências de vida de cada ser
humano, formando um senso de identidade interior que particulariza o indivíduo em
relação ao restante da criação, que permanece externa ao íntimo de cada um de nós.
A identidade deriva significativamente das nossas memórias e experiências.
Se perco minhas memórias, a consciência permanece, o Eu pleno se conserva, contudo,
a identidade perde suas âncoras na realidade. Um homem bom pode se esquecer da
própria benevolência e cometer atos vis que o atormentariam se recuperadas as
memórias da sua “vida prévia”.
Esse dilema filosófico deriva de uma constatação empírica real possível, um
fato biológico capaz de ilustrar de forma consistente a diferença entre identidade e
consciência, ambas fundamentais à definição da experiência humana e, por conseguinte,
da própria existência, com reflexos no que o Eu reduzido carregará da existência plena à
existência atemporal desencarnada. Logo, reafirma-se a condição do Eu pleno (carnal e
espiritual) de somente pensar e existir como ser encarnado, dotado de carne decadente e
alma eterna.
O Eu original (a alma antes da encarnação temporal) somente consegue
pensar e existir como ser espiritual e imortal exclusivo, contudo, fadado a experimentar
a temporalidade (uma vez que destinado a encarnar em forma mortal e humana).
Já o Eu reduzido (a alma depois de encerrada a encarnação temporal) tem
seu Big Bang no momento da morte física do Eu pleno, restando a sua experiência
(memórias) como ser pleno (ser humano), agora reduzida para a eternidade cristã, sem
possibilidade de reencarnação como ditam as religiões orientais.
Logo, o Eu reduzido é atemporal e eterno, surgido a partir de um ponto
específico do tempo linear, quando o Eu humano (pleno) experimenta a morte física,
precedendo o infinito que aguarda a existência reduzida, a consciência reduzida, a
identidade reduzida, enfim o futuro como ser reduzido, destino comum a todos nós,
seres humanos.
O propósito do ser reduzido é, portanto, único: sua aproximação com Deus,
na eternidade. Ou, como bem deduziu Santo Tomás de Aquino, “(...) o fim último da
criatura intelectual é ver Deus por essência”.5
Mas, diante dessa perspectiva, seria o propósito último do Eu pleno apenas
fornecer experiências (memórias) à alma, antes de esta desencarnar?
Não é bem assim, como veremos a seguir.

5
Ibidem, pp. 223.
CAPÍTULO V
Ressureição

O modelo filosófico existencialista cristão, conforme apresentado até aqui,


conclui pela premissa da infinitude e atemporalidade do Eu reduzido, consequência
derradeira da morte física e estado permanente de alma desencarnada.
Contudo, uma teoria existencialista cristã deve se firmar na sua respectiva
cosmovisão para estabelecer e sustentar suas premissas. Essa reflexão, portanto, não
poderia rescindir da crença na ressurreição dos mortos.

Se Cristo ressuscitou ao final de três dias depois do seu martírio, o retorno


dos mortos à vida é um destino também vislumbrado pela humanidade, ainda que em
condições e propósito distintos.
A eternidade da alma, o nascimento e a morte humanas no mundo físico se
encontram presentes na realidade passada e presente, estudadas por gigantes intelectuais
e espirituais da teologia e da filosofia. Às reflexões legadas por esses ancestrais, soma-
se, modesta e envergonhadamente, o trabalho aqui desenvolvido, limitado e falho como
obra humana. Contudo, é desse conjunto teórico que se discernem o conteúdo e a forma
do Eu original, do Eu pleno e do Eu reduzido, nos termos dos capítulos anteriores.
A ressureição dos mortos permanece como uma esperança, uma promessa
do porvir. Contudo, como se constitui numa promessa divina, é também uma verdade
indisputável para o cristão.
Logo, como verdade, o trabalho do filósofo deve incorporá-la ao modelo
existencialista cristão proposto até agora, acolhendo-a como o autêntico destino da
existência humana. Seu propósito maior, perene, definitivo.
Para tanto, devemos nos debruçar sobre os pilares da esperança e da fé na
ressureição dos mortos e suas consequências lógicas para o conceito de Eu reduzido e,
em última análise, da própria condição humana.
Em seus mais de dois mil anos, a doutrina cristã antecipa o retorno de Cristo
nos últimos dias do mundo das coisas (Juízo Final), quando os mortos retornarão à vida
plena (carne e espírito, uma vez mais unidos numa só entidade: o ser humano). Sua
consequência óbvia é a vitória final sobre a morte física, nos termos proclamados em 1
Coríntios 15:26: “Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte”.
O anúncio do fim da morte, quando da Segunda Vinda, é tema recorrente
nos ensinamentos cristãos. Como em Mateus 22:30-32, desponta de forma clara desde o
Antigo Testamento:
“Porque na ressurreição nem se casam nem são dados em casamento; mas
serão como os anjos de Deus no céu. E, acerca da ressurreição dos mortos, não tendes
lido o que Deus vos declarou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o
Deus de Jacó? Ora, Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos”. (grifos nossos)
A esperança da ressureição torna o Eu reduzido um ser temporal, com data
certa para cessar sua existência como entidade separada. O Eu reduzido está destinado,
portanto, a voltar a se reunir à carne numa segunda vinda – a qual não restaria mais
exclusiva a Cristo, mas comum a todos os mortais -, ou seja, se a mortalidade é finita, a
plenitude humana, por sua vez, desvela-se eterna.
Dessa forma, Deus é o Deus dos vivos (seres humanos), e não dos mortos
(criaturas reduzidas). Sob essa perspectiva, despontam duas diferenças essenciais entre a
primeira encarnação das almas e a ressureição dos mortos:
a) Na primeira encarnação, os seres humanos vivenciam a fé e a
esperança na vida eterna. Na ressureição, os seres humanos
testemunharão a existência factual da vida eterna.
b) Na primeira encarnação, a carne humana se mostra decadente,
temporal e mortal. Com a ressureição, os seres humanos são
revestidos em carne permanente, estável, atemporal e eterna como a
alma. Em outras palavras, a carne se iguala à alma na infinitude da
existência atemporal.
O impacto dessas verdades altera o próprio sentido da existência humana,
pois se revela agora uma existência plena diferenciada, em que a eternidade da alma e
da carne determinam o fim do tempo e da morte.
Evidentemente, essa existência permite uma aproximação diferenciada em
relação a Deus, superando o Pecado Original e se constituindo na aliança derradeira
entre criador e criatura.
Em face de uma existência na eternidade, a partir da ressureição, com
consciência e identidade plenas, preservadas e perenes, todo sofrimento, desespero,
angústia e crueldade experimentados durante a primeira encarnação se provam ínfimos
diante da infinitude, tendendo a uma presença e efeito desprezíveis no tempo.
Essa é a resposta definitiva aos questionamentos e dúvidas a respeito de
uma suposta “indiferença” ou “injustiça” divina experimentada durante a primeira vida.
Perante a existência plena atemporal, todo mal contido nesse período fugaz perde o
sentido, restando somente as memórias que integram a identidade e a consciência do Eu
reduzido a ser ressuscitado para a vida eterna, na companhia de Deus.
Porém, somente a consciência do Eu reduzido e as memórias que este
carrega do Eu pleno original bastam para se comprovar a restauração plena da primeira
consciência no momento da ressureição? Ou, o Eu pleno anterior se perde e o Eu
ressuscitado se prova um Eu pleno inteiramente novo, distinto do anterior, exceto por
suas memórias originais?
Em outras palavras, a consciência do Eu pleno original é a mesma ou não do
segundo Eu pleno? O Eu pleno original morre de forma definitiva no momento da morte
física, ou ele é, verdadeira ou parcialmente, restaurado na ressureição dos mortos?
Nossa consciência atual, mortal e vivente desaparece para sempre com a morte física ou
ressurge, em alguma forma ou medida, com a ressureição?

Cristo ressuscitou depois de três dias do martírio na Cruz. Conforme os


relatos dos seus encontros com os apóstolos, estes observaram um Jesus que se
comportava e interagia com seus contemporâneos e o ambiente externo como quando
vivo, aparentemente demonstrando uma plena retenção de sua consciência plena.
Contudo, Cristo é Deus encarnado e, portanto, simultâneo como o criador. Destarte,
Cristo não se constitui um parâmetro ideal à avaliação da ressureição dos seres humanos
num sentido estrito.
Ainda assim, existe um segundo exemplo de ressureição, este de um homem
comum: Lázaro, revivido pelo próprio Cristo; a despeito de, ao final da sua segunda
vida, Lázaro perecer novamente, provavelmente de causas naturais.
Porém, durante essa existência plena revivida, Lázaro demonstrou, aos seus
contemporâneos, haver retido sua consciência mortal original. Assim, a ressureição de
Lázaro oferece um par de evidências interessantes:
a) Lázaro retornou à vida em carne decadente, e não imortal, e ainda
assim conservou sua identidade e consciência. Logo, não há por que
duvidar de que uma ressureição em carne permanente e estável não
exibiria essas mesmas características.
b) A ressureição de Lázaro demonstra a concreta capacidade de Deus
de restaurar um ser humano a uma existência plena depois da morte.
Se o Eu pleno ressuscitado contém uma consciência e identidade idênticas
às do Eu pleno anterior, conclui-se que sua presente existência se conserva íntegra em
relação à anterior.
Dessa forma, conclui-se que ambas constituem a mesma existência.
Se a existência ressuscitada é a mesma que a anterior (mortal) e ainda se
prova atemporal, então essa atemporalidade se impõe, comprovando que a existência
plena inicial tem apenas a aparência de mortalidade, já que, mesmo depois de reduzida
pela morte física, permanece atemporal da ressuscitação em diante, pela plenitude da
eternidade.
Reitera-se que as memórias atemporais do Eu pleno original permanecem na
alma do morto (Eu reduzido) até o momento da ressureição, quando o reduzido se torna
pleno novamente.
As memórias carregam a identidade, “transportando” a consciência de uma
existência atemporal de uma plenitude do ser (original) a outra (ressuscitada) através da
atemporalidade da alma, incorruptível e perene nas constatações sábias de Santo Tomás
de Aquino.
Destarte, conclui-se que a atemporalidade da alma e da carne permanente do
Eu pleno ressuscitado fazem do Eu reduzido um estado momentâneo do ser, tanto
quanto se demonstra temporária a carne decadente da primeira encarnação.
Logo, o ser humano desfruta de uma existência imortal, apenas
aparentemente temporal ao vivenciar o período da encarnação original, porém, na
verdade, eterna e livre de tormentos ao se tornar um Eu pleno formado de carne
permanente e alma imortal, herdando as memórias formadoras da integralidade da
consciência e identidade, advindas da vida anterior: mortal e breve.
Assim, Deus é o Deus dos vivos. E a existência humana se revela bela em
sua plenitude, uma vez que provida de esperança e agraciada com a imortalidade.
Os seres humanos são seres vivos, não somente durante sua encarnação
original, mas sim, por toda eternidade. A presença humana no mundo das coisas não
deve, portanto, condenar-nos à loucura do niilismo, mas sim, atestar a plenitude sagrada
da existência.
Agora e sempre.
Amém.
O AUTOR

Marcelo Hipólito é um escritor brasileiro,


nascido em São Paulo. Residente em Brasília, pai
de dois filhos, é autor dos livros de filosofia
política Conservadorismo é amor e Monarquia e
conservadorismo: excepcionalismo brasileiro,
bem como participa da Coleção Espírito
Conservador. Hipólito escreveu quatro
romances, diversos contos publicados em língua
inglesa, nos EUA, Reino Unido e Espanha, um
deles indicado a melhor conto nos EUA, em
2003. É articulista no jornal O Brasileiro. Realiza
palestras em eventos nacionais e locais. Integra o
Movimento Brasil Futuro, o Instituto
Conservador de Brasília, o Movimento Viva
Brasil e o Movimento Brasília Capital do
Império.

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