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CURSO DE FORMAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

Realização: Conectas Direitos Humanos e Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos


Apoio: PNUD-Brasil, SEDH e UNESCO
Período: 23 de agosto a 22 de novembro de 2006

1º Encontro: 23/08/06

3. Dalmo Dallari: Direitos Humanos e Democracia – desafios do século


XXI.

Ponto de partida – séculos XVII e XVIII – nesse momento se operam


transformações políticas e jurídicas que lançaram as raízes do que estamos vivendo hoje.
Afirmação humanista – valor supremo da pessoa humana. A partir daí surgem as noções
de direitos humanos e democracia. Esse período é o final da Idade Média.
No quadro político, social e econômico há algumas marcas fundamentais:
1) A existência de governos absolutistas (de reis e senhores feudais, sendo que
estes últimos ainda perdurarão por muito tempo, exercendo, inclusive, poder legislativo e,
ao mesmo tempo, os poderes executivo e judiciário – eles faziam as leis para si próprios e
atuavam como seus próprios juízes). Todo poder tende a corromper e o poder absoluto
tende a corromper absolutamente (Lord Acton – historiador liberal inglês do século XIX).
Nesse período, já surgia a burguesia, cuja gênese ocorreu no século IX. Nessa
época, as pessoas se refugiaram nos feudos a fim de buscar proteção. Os feudos eram
auto-suficientes. A partir do século IX as pessoas estão cansadas dos julgos dos senhores
feudais e começam a sair dos feudos. Inicia-se a urbanização da vida social. As cidades de
multiplicam e aumentam. O burgo é a unidade básica de convivência dentro do espaço
urbano. Surge uma figura importante: o comerciante que satisfaz as necessidades das
pessoas que vivem nas cidades. O comerciante não era um nobre, não possuía terras, era
um “comum”. Mas, depois de um século, passa a ser mais rico que os nobres e até
mesmo que os reis. O comerciante passa a emprestar dinheiro aos nobres e reis. O nobre
pedia dinheiro emprestado, mas não queria pagar (não fazia sentido, para ele, um
“comum” ser credor de um nobre) e denunciava o comerciante como conspirador. Como o
nobre exercia os poderes executivo, legislativo e judiciário ao mesmo tempo, após
denunciar o comerciante o prendia, o julgava, o executava e ficava com seus bens. Esse
comerciante é o burguês.
2) Desequilíbrio entre direitos e deveres: os comuns não tinham nenhum
reconhecimento e seus direitos (patrimoniais, políticos etc), proporcionando grande
desigualdade social e de direitos. Os comuns não podiam exercer poder político.
No século XVII surgem obras que registram essa situação e são definidas como
humanistas. (No século XVIII os humanistas exercerão grande poder.) No século XVII a
Inglaterra vive uma Revolução Camponesa. A luta era basicamente contra a Igreja
Católica. Há luta entre o rei e nobres. Os burgueses se aproveitaram dessa situação (é a
Revolução Gloriosa: não houve derramamento de sangue). Surge, no Parlamento inglês, a
Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns. Entre 1688 1689 a Câmara dos Comuns
passa a ser superior à Câmara dos Lordes. Atualmente, a Câmara dos Comuns tem muito
mais importância que a Câmara dos Lordes.

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CURSO DE FORMAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS
Realização: Conectas Direitos Humanos e Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos
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Período: 23 de agosto a 22 de novembro de 2006

No século XVIII surge a resistência/rejeição ao absolutismo e começa a busca de


novas formas de exercer o poder político. Liberdade e igualdade surgem como direitos
naturais da pessoa humana (São Tomás de Aquino já afirmava isso no século XIII).
Ainda que Deus não existisse, o homem teria direitos naturais. Não é preciso
recorrer a Deus para reconhecê-los: é a razão inerente ao homem. (Hugo Grócio – jurista
holandês do século XVI). O liberalismo e o racionalismo definem novas formas de
convivência.
Para afirmar a liberdade e a igualdade também se afirmava o indivíduo: todos os
indivíduos nascem livres e iguais (individualismo).
Em relação ao poder, Aristóteles já falava em democracia (poder de um só –
monarquia; poder de alguns – aristocracia/oligarquia; poder de muitos – democracia).
Rousseau fala da necessidade da associação das pessoas e a respeito do governo
democrático.
Contrato social: o ser humano nasce livre, mas as leis o tornam um homem
acorrentado, porque as leis eram feitas por um homem só (monarquia). Quando as leis
são feitas por todos (democracia) o homem é livre.
Para Rousseau só haveria democracia com a efetiva participação do povo no
poder.
Para Aristóteles, o ideal é um governo de leis (a lei é igual para todos). Para ele, lei
é a relação necessária, é o conjunto das regras de convivência, que deriva da natureza
das coisas. Não é uma lei arbitrária.
Esses são os componentes da democracia: igualdade, liberdade e efetiva
participação no governo (elementos fundamentais, segundo John Locke (1632-1704),
filósofo inglês, que é considerado o representante principal do empirismo naquele país, e
ideólogo do liberalismo.)
O final do século XVIII é um momento chave na história da humanidade. Há dois
fatos políticos relevantes. Na América do Norte (1776), as colônias inglesas tornam-se
independentes, originando os estados. Em 1787 há uma reunião dos estados na Filadélfia
onde elaboram a primeira Constituição escrita (por isso que são os Estados Unidos da
América), onde estabelecem normas de convivência. Paradoxalmente, muitos dos
participantes dessa convenção eram senhores de escravos. Como negro não era
considerado “pessoa”, mas sim “propriedade”, não gozava dos direitos preconizados nessa
Constituição (patrimonialismo). Essa situação só será modificada na Guerra da Sesseção.
Em 1789 a França faz a Declaração dos Direitos do Homem e dos Cidadãos. Com a
Revolução Francesa, ocorre a extinção dos título de nobreza e as pessoas passa a ser
tratadas por “cidadãos”. A Assembléia Francesa faz uma proposta: criar a Declaração dos
Direitos da Mulher e das Cidadãs, mas é recusada.
Em 1791, a França publica sua primeira Constituição. Ela é muito importante
porque sintetiza os pensamentos predominantes. Ninguém poderá ser “obrigado” ou

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“proibido”, a não ser com base na lei. Mas “lei” não é a lei natural, mas sim aquela
fabricada pelo Parlamento.

São os delegados dos cidadãos ativos que fazem a lei. Esses delegados são eleitos
pelos cidadãos ativos (primeira condição: ser cidadão francês do sexo masculino,
proprietário e que pague uma contribuição anual – são os burgueses). O liberalismo
francês era o liberalismo burguês, regido segundo os interesses de quem mandava;
portanto, cheio de restrições.
Nos Estados Unidos, esses delegados se opunham ao absolutismo e queriam um
governo democrático (O federalista, obra de James Madison). Como fazer esse governo,
tendo uma população tão numerosa e vivendo tão distantes uns dos outros? Para
Madison, já que não era possível ter a democracia, sugere ter a república (poder por
representação).
Em 1804 é publicado o 1º Código Civil, elaborado sob o comando de Napoleão.
Esse Código é todo focado no individualismo e no patrimonialismo. Não se fala em direitos
coletivos.
A mulher só pode ocupar o cargo de juíza a partir de 1946.
Durante todo o século XIX, todos eram afirmados como sendo livres e iguais, mas
muitos não tinham condições de exercer e usufruir dessa liberdade e dessa igualdade.
Vivia-se uma injustiça legalizada (que perdura até os dias de hoje). A lei passa a ser
instrumento de injustiça.
As mudanças profundas virão após a 2ª Guerra, quando é publica a Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948): enquanto não houver justiça, não haverá paz. Os
“Direitos Humanos” corrigiram a distorção de gênero da declaração francesa, que falava
dos “Direitos do Homem.”
“Justiça é o novo nome da paz.” – Papa João Paulo II.
Em seu artigo I: todos os seres humanos nascem livres e iguais em direitos e
dignidade. Mas os homens não têm o poder de exercer sua liberdade: nem todos têm a
liberdade de escolher o que comer, onde morar.
Hoje existem dois pactos de direitos humanos, que surgiram entre 1940 e 1966:
- Direitos Civis e Políticos (DCP);
- Direitos Civis, Políticos, Econômicos, Sociais e Culturais (DCPESC).
Cada Estado tem liberdade em assinar aquele que quiser. Os EUA assinaram o
pacto de DCP. No Brasil, os pactos só têm valor de aprovados no Congresso. O Brasil
assinou o pacto DCPESC em 1966, mas somente em 1986 o pacto é encaminha ao
Congresso, que o aprova em 1992. Hoje, o pacto está incorporado na Constituição
(exemplos: artigos 5º, 6º, 14).

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