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SÍNDROMES: A ‘SEGUNDA MUOTRI E NASA ENVIAM ESTUDO CONFIRMA:

CAMADA’ DO DIAGNÓSTICO MINICÉREBROS AO ESPAÇO AUTISMO É 97% GENÉTICO

ANO V - Nº 06 - SET/OUT/NOV 2019


00006

GRATUITA
DISTRIBUIÇÃO
ISSN 2596 - 0539

053005
9 772596
São Paulo
San Diego
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em exames genéticos
para Autismo
TISMOO é uma empresa de biotecnologia de
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qualidade de vida de pacientes e famílias afetadas
por transtornos neurológicos como TEA - Transtorno
do Espectro do Autismo - e outros transtornos
neurológicos de origem genética relacionados ao
TEA. Como primeiro laboratório do mundo
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para o Autismo, buscamos oferecer tecnologias
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EDITORIAL
EXPEDIENTE - Revista Autismo
Ano V — número 6
Setembro de 2019
ISSN: 2596-0539 O André, o personagem autista da Turma da Mônica, aparece nesta edição na mais
Distribuição gratuita inclusiva de todas histórias. Com seu “sincericídio”, ele deixa a Mônica muito
Periodicidade trimestral brava. E como criança tem que ser criança — independente de ter autismo ou
Tiragem deste número: 20 mil exemplares
não —, ela sai correndo atrás do André, furiosa, girando seu famoso coelhinho.
Revista Autismo é uma publicação de circulação
Claro que ela não vai bater no André, mas é importante o autismo aparecer
nacional fundada em 2010 com o objetivo de levar nas histórias de forma natural, como acontece no dia a dia com meu filho, por
informação de qualidade, isenta e imparcial. A exemplo. Não apenas nas importantes cartilhas educativas ou informativos sobre
respeito de autismo, é a primeira revista periódica
da América Latina, além de ser a primeira do
o transtorno. O autismo é só mais uma das características do André e do meu
mundo em língua portuguesa. filho. Eles não são o autismo!
Editor-chefe e jornalista responsável: Por falar em Turma da Mônica, a reportagem de capa mostra uma visita de
Francisco Paiva Junior autistas aos Estúdios Mauricio de Sousa, a qual pude acompanhar. Foi incrível!
MTb: 33.245 Pude ver, por dentro e nos bastidores, o quão inclusivo eles são, assim como as
editor@RevistaAutismo.com.br
histórias que publicam. Sabe aquele ambiente que não tem valores que aparecem
Direção de arte, ilustração e design:
só no marketing da empresa? Então, é lá. Aliás, preciso fazer um agradecimento
Alexandre Beraldo
especial ao Mauricio de Sousa e a toda sua equipe, por toparem fazer a capa desta
xberaldo@gmail.com
Revista Autismo — ficou linda!
Revisão:
Márcia F. Lombo Machado Este número traz ainda uma reportagem sobre a “segunda camada” do diagnóstico
Consultores científicos: de autismo, a respeito de síndromes que estão no espectro. Após diagnosticadas,
Alysson R. Muotri e Diogo V. Lovato
dão novo rumo ao tratamento e à vida dessas pessoas. Reunimos famílias de três
Colaboradores deste número: diferentes síndromes e a conversa foi bastante esclarecedora. Fazer um exame
Bernardo França, Bia Raposo, Caio Abujadi, genético pode, em muitos casos, trazer informação e benefícios imensuráveis.
Cristiana Paula de Brito, Diego Lomac, Eduardo Ainda mais após a grande pesquisa científica publicada em julho último (outro
Ribeiro, Fátima de Kwant, Fernanda Queiroz, conteúdo desta edição), com dois milhões de pessoas, em cinco diferentes países,
Haydée Jacques Freire, Joana Portolese, João
Guilherme Moura, Liubiana Arantes de Araújo, confirmando a causa genética do autismo de 97% a 99% dos casos. Uma parte
Marcelo Vitoriano, Marie Dorion, Mauricio de Sousa, deles, hereditário (81%), o restante, genético não herdado. E só 1% a 3% de causas
Nicolas Brito Sales, Tiago Abreu, Wagner Yamuto, não genéticas — ambientais.
Impressão:
Vamos parar de papo e “bora” ler esta revista inteirinha?
MaisType
Ilustração da capa:
Mauricio de Sousa Produções
Fundadores (2010):
Martim Fanucchi
Francisco Paiva Junior
Anúncios publicitários:
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Redação:
redacao@RevistaAutismo.com.br
Assinaturas: assine.RevistaAutismo.com.br
Site: RevistaAutismo.com.br Francisco Paiva Junior, editor-chefe NOTA DO EDITOR
Hospedagem do site patrocinada: da Revista Autismo, é jornalista, pós- Você pode reproduzir nossos textos e arti-
Hostnet — hostnet.com.br graduado em jornalismo e segmentação gos sem prévia autorização, livremente, desde
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Editado por: PAIVA JUNIOR
R. Bela Cintra, 336 - s.74-A, Consolação São Paulo
(SP), CEP 01415-000
CNPJ: 30.894.955/0001-09 Como citar artigos publicados nesta revista (padrão ABNT):
Os artigos assinados não representam AUTOR. Título do artigo ou da matéria, subtítulo. Revista Autismo, São Paulo, ano da revista,
necessariamente a opinião da Revista Autismo número da edição, páginas inicial-final, mês ano de publicação.
e seus editores. Exemplo: MUOTRI, A.. Minicérebros humanos, um novo modelo experimental para o estudo do
TEA. Revista Autismo, São Paulo, ano V, n. 4, p. 44-46, mar. 2019.
OBSERVAR… SÍNDROMES: AUTISMO NA
IMITAR… A ‘SEGUNDA CAMADA’ IDADE ADULTA
DO DIAGNÓSTICO
pág.17 pág.22 pág.30

INCLUSÃO PESQUISA DIZ MUOTRI ENVIA


ESCOLAR EM QUE AUTISMO É MINICÉREBROS
PORTUGAL 97% GENÉTICO PARA O ESPAÇO
pág.34 pág.40 pág.42

RIO TEM SEU


1º CONGRESSO AUTISMO,
INTERNACIONAL ADOLESCÊNCIA
DE AUTISMO E SEXUALIDADE
COLUNAS pág.44 pág.48

matraquinha pág.16
introvertendo pág.20
sociedade brasileira
de pediatria pág .29
tudo o que podemos ser pág.33
trabalho no espectro
autismo severo
pág.37
pág.43
AUTISTAS NO
liga dos autistas pág.47
UNIVERSO DA
TURMA DA
SESSÕES
MÔNICA
reportagem de capa pág.10
andré e a turma da mônica pág. 07
o que é autismo? pág.08
crítica cultiral pág.21
aconTEAcimentos pág.38
comunidade na causa pág.46
espectro artista pág.50

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C O L A B O R A D O R E S
MARCELO BERNARDO EDUARDO
VITORIANO FRANÇA RIBEIRO
psicólogo ilustrador economista

HAYDÉE NICOLAS LUBIANA


FREIRE BRITTO ARAÚJO
cirurgiã-dentista fotógrafo médica
neuropediatra

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DORION QUEIROZ
relações públicas estudante

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LOMAC ABREU ABUJADI
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DE SOUZA PORTOLESE
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Olha, magali! A lucila Tira uma foto
está com a câmera! nossa, lu?

claro!

em

si
incericíd
dio
sincericídio
Vem cá, Sorriam,
magali! meninas! pronto!

deixa a gente
Ver como ficou!

Ah, você pode tirar outra? Acho que o que você


fiquei muito baixinha nesta foto! Achou, andré? Ficou
Baixinha e
dentuça!
Tiro, sim!

Às vezes,
andrééééé!! acho que o andré
é Sincero demais!
hi, hi, hi!

fim
As informações a seguir não
dispensam a consulta a um médico
O QUE É AUTISMO especialista para o diagnóstico

O QUE É AUTISMO?
Saiba a definição do Transtorno do Espectro do Autismo
CONTEÚDO
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O autismo — nome técnico oficial: comportamental. O tratamento


Transtorno do Espectro do Autismo para autismo é personalizado e in- Sinais
(TEA) — é uma condição de saúde
caracterizada por déficit na interação
terdisciplinar, além da psicologia,
pacientes podem se beneficiar com de autismo:
social, comunicação e comportamento. fonoaudiologia, terapia ocupacional, Não manter contato visual por mais
Não há só um, mas muitos subtipos entre outros, conforme a necessidade de 2 segundos;
do transtorno. Tão abrangente que de cada autista. Na escola, um
se usa o termo “espectro”, pelos mediador pode trazer grandes Não atender quando chamado
pelo nome;
vários níveis de comprometimento benefícios no aprendizado e na
— há desde pessoas com condições interação social Isolar-se ou não se interessar por
associadas (comorbidades), como Alguns sintomas como irritabili- outras crianças;
deficiência intelectual e epilepsia, até dade, agitação, autoagressividade,
pessoas independentes, que levam hiperatividade, impulsividade, de- Alinhar objetos;
uma vida comum. Algumas nem satenção, insônia e outros podem
ser tratados com medicamentos,
Ser muito preso a rotinas a ponto
sabem que são autistas, pois jamais de entrar em crise;
tiveram diagnóstico. que devem ser prescritos por um
Não é conhecida completamente médico. Dentre os medicamentos Não usar brinquedos de forma
a causa do autismo ainda, por ser indicados a risperidona, que é da convencional;
um transtorno multifatorial. Porém, classe dos antipsicóticos atípicos, é
estudos recentes têm demonstrado o mais comum deles. Fazer movimentos repetitivos sem
No final de 2007, a ONU declarou
função aparente;
que fatores genéticos são os mais
importantes na determinação de todo 2 de abril como o Dia Mundial
Não falar ou não fazer gestos para
suas causas (estimados entre 97% de Conscientização do Autismo, mostrar algo;
e 99%, sendo 81% hereditário — e quando cartões-postais do mundo
ligados a mais de mil genes), além todo se iluminam de azul (cor es- Repetir frases ou palavras em mo-
de fatores ambientais de 1% a 3%. colhida por haver, em média, 4 ho- mentos inadequados, sem a devida
mens para cada mulher com TEA).
função (ecolalia);
Tratamento e sinais O símbolo do autismo é o quebra-
Não compartilhar interesse.
Alguns sinais de autismo já podem -cabeça, que denota sua diversidade
aparecer a partir de um ano e meio e complexidade. Girar objetos sem uma função apa-
de idade, e mesmo antes em casos rente;
mais graves. Há uma grande im- Consulta médica
Veja ao lado alguns sinais de autis-
Apresentar interesse restrito ou hiperfoco;
portância em iniciar o tratamen-
to o quanto antes — mesmo que mo. Apenas três deles numa criança
seja apenas uma suspeita clínica, de um ano e meio já justificam uma Não imitar;
ainda sem diagnóstico fechado —, consulta a um médico neuropediatra
pois quanto mais cedo começarem ou a um psiquiatra da infância e da ju- Não brincar de faz-de-conta.
as intervenções, maiores serão ventude. Testes como o M-CHAT (com
as possibilidades de melhorar a versão em português) estão disponíveis
qualidade de vida da pessoa. O na internet para serem aplicados
tratamento psicológico com maior por profissionais.
evidência de eficácia, segundo
a Associação Americana de Psi- Referências, links e mais informações
quiatria, é a terapia de intervenção estão na versão online.
08 R EVISTA AUTISMO
Imagem meramente ilustrativa
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FRANCISCO PAIVA JUNIOR

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“Um dos mais EXTRA ONLINE
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criativos roteiristas que já no índice desta edição
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“Depois que saiu daqui,


foi trabalhar com a Xuxa
tive é Asperger. Ele é e hoje vive em Natal”
extremamente criativo!”

AU T I STA S N O
U N IV ER S O
DA T U R M A
DA M Ô N I C A
Mauricio de Sousa convida “Com 3 anos, a Turma da
autistas para visitarem seus Mônica era a única coisa
estúdios. Personagem André que fazia ele se acalmar”
é capa de gibi em 3 idiomas

10 R EVISTA AUTISMO
abe aquela sensa-
ção de confirmar
a impressão posi-
tiva que você tem
de algo? Assim
acontece ao co-
nhecermos por
dentro os Estúdios Mauricio
de Sousa — ou Mauricio de
Sousa Produções (MSP), seu
nome oficial. Não é só nos
gibis da Turma da Mônica
que há diversidade e aquela
inclusão desejada por todos
num mundo ideal.
Fotos: Alexandre Beraldo e Francisco Paiva Jr.

Empatia talvez seja a palavra


precisa para definir esse que
é o maior estúdio de histórias
em quadrinhos da América
Latina, um dos maiores do
mundo, responsável por mais
de 80% das vendas de gibis
só no Brasil.
Com mais de 400 persona-
Inversão de papéis: gens criados e tendo ultra-
Mauricio curte tanto
que até fotografa seus
ilustres visitantes,
passado a impressionante
num momento que marca de um bilhão de re-
o ídolo vira fã.
vistas vendidas, cada vez
mais vemos personagens
com deficiência incluídos nas
HQs — Humberto (surdo),
Luca (cadeirante), Tati (com
Dispositivo de “emergência” nos estúdios: misturando síndrome de Down), Dorinha
fantasia e realidade, todo o ambiente é cuidadosamente
decorado com temas do universo da Turma. (cega) e, logicamente, o André
(autista), entre outros — que
só refletem o que transborda
dentro da empresa: inclusão
e diversidade. Até mesmo
geográficas, pois há roteiristas
trabalhando remotamente em
todas as regiões do país, para
não deixar as histórias só com
“cara” de eixo Rio-São Paulo.
“Um dos mais criativos
roteiristas que já tive é as-
perger [ou autista de alto
funcionamento]. Depois que
saiu daqui, foi trabalhar com
a Xuxa e hoje vive em Natal
(RN). Ele é extremamente
criativo!”, relembra Mauricio,

R EVISTA AUTISMO 11
en ca nt ar am ao
As cri an ça s se rto ca da pa ss o
ve re m de pe
se faz er um a
do pr oc es so de ad rin ho s ou
Participantes da
his tór ia em qu em víd eo . primeira sessão da
um ep isó dio visita fi zeram questão
de posar para foto ao
lado dos personagens.

que tem um carinho especial pessoal, físico. Em junho últi- Fãs no espectro
pelos autistas. mo, o pai da Turma da Môni- “Ele é muito visual e desde
ca — uma das marcas mais os 5 anos se interessa pelos
admiradas no país, quase um personagens da Turma da
Autismo patrimônio nacional — convi- Mônica. Já fomos, inclusive,
E essa história começou lá dou um grupo de fãs autistas quatro vezes ao Parque da
atrás… Em 2001, o Instituto para uma visita a seus estúdios, Mônica, pois ele ama ver os
Mauricio de Sousa foi convi- um dia exclusivo para eles. E personagens”, explica Regi-
dado por uma representante foi só alegria! na Santos, da cidade de São
da Universidade de Harvard, Mauricio pessoalmente rece- Paulo, sobre o filho Yago, de
para desenvolver um projeto beu os fãs e ficou conversando 12 anos, diagnosticado com
com o objetivo de alertar a com as famílias o tempo todo, autismo aos 3.
população sobre os sintomas queria saber tudo sobre cada Com 8 anos de idade, vindo
do Transtorno do Espectro do criança, cada adolescente que de Caieiras (SP), Arthur era só
Autismo (TEA). Após meses estava lá. Rapidamente passou sorriso na foto ao lado da Mô-
de estudos nasceu André, um a ser o “tio Mauricio” — hoje nica. “Com 3 anos, a Turma da
personagem autista, para fazer com 83 anos —, que respondeu Mônica era a única coisa que
parte da Turma da Mônica. Em às mais diversas perguntas fazia ele se acalmar”, conta
2003, foi publicado um gibi ins- dos fãs autistas. Pérolas como Elaine de Assis, mãe do Arthur,
titucional só do André: “Um “Por que o Cebolinha nunca foi diagnosticado com autismo aos
amiguinho diferente” — em preso por roubar o Sansão da 2 anos 4 meses. O pai, Luciano
parceria com a AMA (Asso- Mônica?” ou “Por que o Cas- de Assis, lembra que Arthur
ciação de Amigos do Autista) cão não toma banho?”. E todas começou a falar aos 5 anos.
de São Paulo. foram, com toda paciência, Pedro, de 8 anos, e seus pais,
Em 2019, o André voltou a ter respondidas, uma a uma, pelo Luciene Peçanha Fonseca e
destaque com a parceria com criador da Turminha. Claudinei Fonseca, foram outra
esta Revista Autismo, publi- família a visitar os estúdios.
cando em toda edição uma HQ Apesar de terem perdido tudo
exclusiva. Neste ano também, devido a um incêndio em sua
pela primeira vez, a Turma da casa poucos dias antes, viaja-
Mônica fez uma tirinha para ram de Mogi-Guaçu (SP) para
o Dia Mundial de Conscienti- realizar o sonho de Pedro:
zação do Autismo (2 de abril), “Por que o conhecer Mauricio de Sousa.
publicada nas redes sociais da Cebolinha nunca foi “O Pedro está desenvolvendo
Turminha, para seus milhões a leitura agora, no terceiro
preso por roubar o
de fãs, além de ter atualizado e ano, com os gibis da Turma”,
relançado seis vídeos do André Sansão da Mônica?” explicou a Luciene, que criou
sobre os sinais de autismo. em sua cidade um espaço pú-
Mas nada substitui o contato blico dedicado aos autistas, o

12 R EVISTA AUTISMO
Ga br iel via jou
de Ri be irã o
Pr eto (S P) pa ra
o ag ua rd ad o
en co ntr o.

ulo
Ya go , de Sã o Panh o
so
(S P), re ali zo u ofot o ao
de po sa r pa ra nic a.

lad o do pa i da

“Cantinho das Crianças”.


Lívia, adolescente de 14 anos,
ficou sem palavras quando
Mauricio entrou na sala. “Ela
é apaixonada pela Turma da
Mônica e o ‘personagem’ que
ela mais gosta é o Mauricio de
Sousa”, revelou a mãe, Claudia
de Sá, em meio a risadas. “Ela
tem caixas de gibis, mas nin-
guém pode mexer, só ela põe
a mão”, descreveu a mãe, que
mora em Pirituba, na capital
paulista.
Outro adolescente que este-
ve no encontro (mas preferiu Mauricio de Sousa recebeu cada
criança pessoalmente e fez
não se identificar) tem uma questão de dar toda atenção e
história interessante: vestiu- responder às diversas perguntas,
uma a uma, como fez com o
-se a infância toda de Chico garoto Arthur, de Caieiras (SP).

Bento e só atendia se chamado


pelo nome do personagem.
Morador de São Bernardo do
Campo, na Grande São Paulo,
é fã número um do Chico e até
hoje, sempre que pode, visita o
estúdio. Mauricio já o recebeu
inúmeras vezes por lá, desde
o primeiro encontro em 2012.
Gabriel é mais um fã da Tur-
minha. Saiu de Ribeirão Preto
(SP), onde mora, para a visita.
Sua mãe, Samira Marquezin
Fonseca, conta que começou
a interagir mais com o filho
usando as onomatopeias dos
gibis da Turma da Mônica.
“Ele ficava horas nos gibis. Isso
desde os 2 anos de idade. Eu
dei todo tipo de livro e gibis

R EVISTA AUTISMO 13
“A participação cada vez maior
do André nas histórias da Turminha é
importante para mostrar para a
criançada, de um jeito lúdico, como
todos ganham ao conviver
com as diferenças”

os , e se us pa is,
Pe dr o, de 8 an din ei — ap es ar de
Lu cie ne e Cl au ido
tes ter em pe rd
po uc os dia s anum inc ên dio em su a
tud o de vid o a de Mo gi- Gu aç u
ca sa , via jar amza r o so nh o do filh o:
(S P) pa ra re ali ici o de So us a.
co nh ec er Ma ur

nt a:
Gi ovan i e Sa maar am
as cri an ça s fic m
ma rav ilh ad as co
te”
as “o br as de ar
do un ive rso da
Tu rm inh a.

Qu ad ro
fei to “c om
de lic ad ez a”
pe la Mô nic a,
nu m do s
arr em es so s
do Sa ns ão .

14 R EVISTA AUTISMO
para ele, mas ele que escolheu André nas bancas
esse interesse restrito nos gibis Para completar a “festa au-
da Turma”, narrou a mãe, con- tista” na Turma da Mônica,
tando ainda que Gabriel sabe quem apareceu na capa do
todas as datas e números que gibi de julho nas bancas? Sim,
envolvem a história dos perso- o André! E em três idiomas:
nagens de Mauricio de Sousa. português, espanhol e inglês!
O tour pelo estúdio foi um dos É possível ler algumas páginas
pontos altos da visita, quando da HQ com o personagem
todos puderam ver cada passo André no site da Revista Au-
do processo de criação de uma tismo (RevistaAutismo.com.
história em quadrinhos e de br). A história completa está
filmes de animação da Turma na revista Turma da Mônica “Temos muitos fãs dentro
da Mônica. Mas nada supera o número 51, nas bancas.
encontro com os personagens “A participação cada vez do Transtorno do Espectro do
“reais” para fotos — o ápice do maior do André nas histórias Autismo e queremos que eles
dia. Abraços, uns mais aper- da Turminha é importante para
tados, outros mais de longe, mostrar para a criançada, de se sintam representados”
tentativas de roubar o Sansão um jeito lúdico, como todos
das mãos da Mônica, perguntas ganham ao conviver com as
para os personagens e muitas, diferenças. Além disso, temos
mas muitas, fotos e selfies. muitos fãs dentro do Transtor-
no do Espectro do Autismo e An dr é foi , pe la
ve z, ca pa do gibpr im eir a
queremos que eles se sintam o Tu rm a da Mô i de ba nc a:
(ju l.2 019), em trênic a nº 51
s idi om as .
representados”, disse o dese-
nhista Mauricio de Sousa.
É empatia que fala, né?

Francisco Paiva Junior par-


ticipou da visita dos autistas à
Mauricio de Sousa Produções, em
3.jun.2019, a convite de Mauricio
de Sousa.

do s
u a bi bl io te ca m ai s
Q ua nd o ac ho ab rie l nã o sa iu e da ta s
es tú di os , G us iv
be tu do , in cl
de lá . El e sast ór ia da Tu rm in ha .
de to da a hi R EVISTA AUTISMO 15
C O L U N A

Matraquinha

por Wagner Yamuto SAIA JUSTA


Wagner é pai do Gabriel (que tem autismo) Criança que é criança sempre ar- que estavam murchos por falta de uso.
e da Thata, casado com a Grazy Yamuto, ruma um jeito de deixar os pais em Chegamos ao parque e fui até uma
fundador do Adoção Brasil, criador do
app Matraquinha, autor e um grande uma “saia justa”. tenda com uma oficina que faz reparos
sonhador. Mas antes de contar algumas si- gerais para ciclistas que, assim como
tuações, vale ressaltar que o Gabriel eu, andam de bicicleta de duas a três
consegue verbalizar pouquíssimas vezes por ano.
/matraquinhaoficial palavras, e com muita dificuldade. Após o pneu ser calibrado, pergun-
@matraquinhaoficial Em nossa primeira viagem de avião tei sobre o valor e o responsável pela
/matraquinha o Gabriel estava todo distraído com os revisão respondeu que era apenas
matraquinha.com.br vídeos naquelas telinhas que ficam no um cafezinho. Confesso que fico
encosto das poltronas, até que passa- bem confuso quando usam este item
mos por uma pequena turbulência. E para definir um valor monetário, de
não é que o menino começou a falar qualquer forma, voltemos ao parque.
“cai, cai, cai” repetidas vezes! Paguei o valor referente ao tal cafe-
Os mais céticos dos céticos come- zinho, apertei as mãos dele em mais
çaram a fazer o sinal da cruz, outros uma forma de agradecimento e em
fecharam os olhos e acredito que esta- seguida o Gabriel resolveu abraçá-lo
vam pedindo em suas preces para que como sua forma de agradecer.
aquele garotinho estivesse enganado. Antes de soltar a cinturinha do
Mas a certeza que ele tinha em seu senhor, Gabriel deu um beijinho na
mantra começou a nos deixar preo- barriguinha de chopp dele e soltou
cupados também. a seguinte palavra: neném.
Felizmente ele estava enganado Felizmente o senhor levou numa
Ilustração: Bia Raposo

em sua previsão, e o retorno foi bem boa, os amigos dele que estavam pró-
tranquilo. ximos gargalharam e nós seguimos
Em um típico domingo com um em nosso passeio de domingo, como
lindo céu de brigadeiro, resolvemos outra família qualquer.
ir ao parque andar de bicicleta. E você, já passou por alguma “saia
Limpei a bicicleta que estava toda justa”? Conte pra gente.
empoeirada, passei lubrificante na
corrente e só faltava encher os pneus
16 R EVISTA AUTISMO
MARIE DORION

é relações-públicas, palestrante, tradutora, e mãe de dois meninos


com autismo. Tem cursos nos EUA na área comportamental sensorial
e de desenvolvimento relacional; faz interpretação e coapresentação
do programa AT EASE Learning Model, coordena o grupo de apoio a
pais aMais SP e é autora do blog Uma Voz para o Autismo
UmaVozParaOAutismo.blogspot.com

Q
OBSERVAR, ,RAVRESBO
IMITAR… …RATIMI
cerebrais que estávamos fortalecendo
O caminho do aprender a eram as de seguir comandos, o que é
útil também, mas isso não trabalha
aprender com o uso do a necessidade central de aprender
ConnectorRx a aprender, o que acontece através
de observação e imitação, não de
quando Pedro foi diagnosticado ouvir um comando e executar a ação
com autismo, em 2005, o ponto proposta.
principal observado era que ele Em 2007, imersos em tratamentos
“não imitava”. Completamente leiga para autismo e com a possibilidade do
no assunto de desenvolvimento, meu segundo filho também estar no
eu não conseguia entender toda espectro — o que se confirmou meses
aquela ênfase na questão de ele depois —, fomos à clínica do PACE
não imitar. Place, nos EUA, sob recomendação
Iniciadas as várias linhas de trata- da terapeuta comportamental que
mento, o tema sobre não imitar sempre nos assessorava.
estava no centro das conversas. Pedro, No PACE Place, entre incontá-
naquela época, também não seguia veis aprendizados que direciona-
instruções simples, não se comuni- ram melhor o dia a dia da nossa
cava de forma efetiva, nem brincava. peculiar família com 2 crianças
Através da terapia comportamen- com autismo, fomos apresentados
tal aplicamos vários programas para ao ConnectorRX.
ensiná-lo a imitar: “Pedro, faz assim” O ConnectorRx é um dispositivo
— e praticávamos uma ação, ele a rea- relacional criado por Eric Hamblen
lizava, e assim ficávamos. As conexões para melhorar a coordenação social,
R EVISTA AUTISMO 17
Depositphotos
emocional e física entre as crianças e compartilhada. Quando ele estava com
seus cuidadores principais. 8 anos, iniciamos o uso do Connec-
Ele funciona pela conexãoāfísica torRx de forma mais intensa dentro
entre o adulto e a criança através de de casa, em atividades do cotidiano
um cinto com um sistema de corda. como servir o prato do jantar, usar o
Enquanto conectada, a criança microondas, colocar a mesa, colocar
percebe que é mais fácil notar as in- roupa suja na lavanderia. Pedro, como
sinuações sociais, raciocinar através muitas pessoas com autismo, usa
da experiência do adulto e integrar o movimento para autorregulação,
essa informação para manifestar uma mas não é muito bom nisso. Seu mo-
resposta apropriada ao ambiente e vimento sem propósito acabava por
aos sinais sociais (informações do não exercer essa função de regulação.
site ConnectorRX.com). Com o uso do conector nas atividades
De forma prática, o ConnectorRX dentro de casa, Pedro pôde obter a
é um par de cintos ligados por uma “experiência da correlação” através
corda. A ideia de utilizar cintos entre do meu movimento, estando ligado
o cuidador e a pessoa com autismo fisicamente a mim.
faz com que a conexão física aconteça A vida foi acontecendo e eu,
com base no quadril, o que retira a sozinha nos cuidados diários dos
impressão neurológica de o cérebro dois meninos (com Pedro numa fase
estar sendo dominado ou controlado. que escalava qualquer janela), passei
A conexão pelo quadril é mais efetiva a usar o ConnectorRx nas atividades
para proporcionar a percepção de em que ele não participava ativamente.
segurança e proteção, pois reproduz
a época (e situações) em que
Enquanto as crianças são seguradas no
colo, enquanto são apresenta-
conectada, das aos diversos estímulos do
a criança percebe ambiente.
Iniciamos o ConnectorRx em
que é mais fácil caminhadas com o objetivo
notar as principal de fazer com que o
Luís entendesse que não estava
insinuações no comando da família. Nessa
sociais época, Luís, com 2 anos e meio,
era quem decidia para onde
íamos, o que gera uma carga
de estresse e ansiedade na criança e
aumenta a busca constante por con-
trole. No início, essa conexão física
e emocional entre o adulto e o Luís
gerou nele um certo medo. Ele sentiu
a perda do controle absoluto, porém,
com o uso do conector, foi aprenden-
do a apreciar a proteção emocional
que uma criança deve sentir quando
na presença de um adulto familiar.
Assim, foi-se abrindo espaço em sua
mente para observar e estar atento
aos aspectos sociais das interações
entre pessoas.
Nessa época, Pedro, com 4 anos,
passou a perceber nossa presença de
tal forma que a experiência de estar-
mos caminhando juntos tornou-se
18 R EVISTA AUTISMO
Essa proximidade física foi incenti-
vando, pela ausência de outros estí-
mulos, que Pedro observasse o que
eu estava fazendo. Sem distrações
de entretenimento, Pedro passou
a olhar como eu limpava o fogão,
as janelas, o banheiro, guardava as
roupas, e como se desenrolavam as
outras ações que uma casa requer.
Dessa forma, Pedro foi ficando
curioso e aberto a participar des-
sas atividades comigo. Aprendeu
a preparar alimentos básicos, a
organizar coisas pela casa, e muito
mais importante do que qualquer
conhecimento específico, Pedro,
através da proximidade física co-
migo, pelo uso do ConnectorRX,
aprendeu a observar o outro, a
ter interesse no que o outro faz,
a ter a curiosidade para “tentar fazer
também”. Com isso, um universo
de possibilidades de aprendizado
aconteceu para nós.
como aeroportos, lojas e multidões, o uso
do conector foi fundamental para que
Pedro se sentisse seguro, uma vez que
ele podia sentir a presença do adulto e,
consequentemente, o acesso mais fácil a
seu cuidador.
Há alguns anos já não usamos o
ConnectorRX no dia a dia com o
Pedro pois ele se “coordena” conosco
e, além de perceber nossa presença,
também se mostra disposto e atento
emocionalmente. A partir de então,
ampliamos a função do conector na
vida com o Pedro em treinos de cor-
rida para ajudá-lo a entender o que
é ritmo, cuja ausência, causada por
sua apraxia, é um grande desafio
a superar.
Nas situações cotidianas colhemos
os bons frutos desse aprendizado.
Pedro desenvolveu a capacidade de
iniciar as atividades diárias em casa,
aprendeu a observar as pessoas para
saber como as coisas funcionam,
Q
Através do uso do ConnectorRx, Pedro
pôde descobrir o que existe por trás
do medo em relação ao desconhecido,
e sua vida ficou mais flexível, com
mais possibilidades de aventuras que
o preenchem pela satisfação de
estar vivo.

Em situações com transições, ou descobriu o prazer da co-regulação


em ambientes com muitos estímulos ao estar na companhia das pessoas.
R EVISTA AUTISMO 19
C O L U N A

ORGULHO E
FERRAMENTAS DE
COMPENSAÇÃO
Introvertendo Dezoito de junho está no calendário Ser autista, num mundo ideal, talvez
do autismo anualmente como uma deveria ser como ter um nariz. Você
data marcante. O Dia do Orgulho se orgulha de ter um nariz?
Autista é celebrado como forma de Ora, se o autismo é parte da iden-
ver a condição sob uma ótica positiva. tidade humana, como os que se po-
Mas, na nossa comunidade, não são sicionam a favor dizem, então qual a
todos os olhares que enxergam a data necessidade do orgulho? Penso que
com bons olhos. só existem discussões sobre orgulho
por Tiago Abreu As tensões com relação a esta data acerca de temas em que inegavelmente
me provocaram uma reflexão. Parti- há preconceito. Num mundo ideal,
cularmente, gosto de observar fenôme- por exemplo, não existiria orgulho
Tiago é jornalista, autista e criador nos, inicialmente, com o máximo de LGBT, porque a diferença na orien-
do podcast Introvertendo distanciamento que posso obter. Isto tação sexual não seria um fator de
é, verificando argumentos a favor e incômodo alheio.
/introvertendo contra e, a partir disso, construindo Mas não vivemos num mundo
@ introvertendo uma linha de raciocínio. ideal, e enxergo a ideia de orgulho
Introvertendo Quem foi contra geralmente se des- como uma ferramenta temporária
introvertendo.com.br dobrou em duas grandes vertentes. A de compensação. Enquanto existir
primeira destaca que características preconceito, enquanto autistas e seus
individuais de seres humanos são uma familiares forem menosprezados por
maneira de incentivar a formação de um conjunto de sinais, criaremos
“guetos”. A segunda, que autismo não um contraponto a partir da noção
é algo para se orgulhar. de orgulho até um momento em que
Dia do Orgulho Autista Quem foi a favor, por outro lado, não precisemos mais de um Dia do
também se desdobrou em algumas Orgulho Autista.
O Dia do Orgulho Autista linhas de raciocínio. A principal é de Creio que descentralizar o debate
foi criado originalmente que autismo, como condição, é uma sobre o fato de se ter ou não orgulho
em 2005 pela organização
Aspies for Freedom (AFF). característica e parte da identidade é necessário para identificar o porquê
A data é comemorada todo de uma pessoa, e por isso deve ser do preconceito e destrinchá-lo. Isso
18 de junho. Vários países já celebrado. envolve discutir o autismo e, em certa
sediaram eventos com foco medida, também colocar visões con-
no tema, como Reino Unido, Como um autista diagnosticado com
Israel, Austrália e Brasil. Síndrome de Asperger, costumo pensar trárias sobre o diagnóstico na mesa.
que ainda é estranho fazer juízo de Isso é um desafio irrecusável para
valor de uma característica pessoal. esta geração.

20 R EVISTA AUTISMO
CRÍTICA
CULTURAL
FILME
TUDO QUE QUERO
Tudo Que personalidade de Spock, de Star Trek,
Quero conta como uma moldura para apresentar a
a história de maneira de lidar com relações humanas,
Wendy, uma por pessoas do espectro autista. Algo
jovem autista que não é completamente novidade:
Ficha Técnica
que mora em Sheldon, de The Big Bang Theory,
Título original: uma casa de realiza um exemplo deste mesmo tipo
Please Stand By cuidados, onde de abordagem referencial. Porém, aqui,
Lançamento: 2017 nos
EUA — 2018 no Brasil foi colocada por tal elemento é apresentado de maneira
Duração: 1h33 sua irmã Audrey para mais séria e fundamental para o desen-
Elenco: Dakota Fanning, tentar fazer progresso por volvimento da personagem, em vez de
Alice Eve, Toni Collette para efeito cômico.
Direção: Ben Lewin terapia, podendo um dia
voltar a morar com a família. No entanto, boa parte da moldura
Wendy é apaixonada por Star da franquia de ficção científica Star
Trek, e escreve um roteiro para uma Trek, embora claramente apresenta-
competição de cinema. Quando o prazo da com carinho e amor pelo material
para envio pelo correio expira, ela resol- que está referenciando, parece ter sido
ve entregar o roteiro pessoalmente no inserida para criar um encontro com
CONTEÚDO
EXTRA ONLINE estúdio, pegando a estrada sozinha, e a um personagem mais perto do fim do
Use o QR-code que está
no índice desta edição história toma assim o formato clássico filme. Chega a ser um pouco forçado,
para ir ao site.
de um filme de viagem. mas provavelmente a intenção é poder
E como um filme de pé na estrada, o explorar a persona do ator que o in-
foco principal é nos diferentes persona- terpreta, Patton Oswalt, um ícone da
gens e situações que Wendy encontra cultura nerd norte-americana.
durante sua jornada, como ela lida com A representação do espectro autista
tudo. Porém, neste caso, com o elemen- é razoável, não mostra Wendy como
to de seu autismo influenciando cada incapaz e nem retrata seu autismo
cena. O filme procura explorar algumas como algum tipo de poder. É apenas
diferentes situações que ocorrem como parte de quem ela é, e isso molda sua
consequência da linha de raciocínio e vida e a vida daqueles à sua volta.
comportamento de Wendy, seja pela Tanto a abordagem, como o filme em
hipersensibilidade (que infelizmente geral são leves e inofensivos, mas
só é explorada em uma breve cena, possuem seu charme.
sendo ignorada pelo resto do filme),
seja pela sua inocência em interpretar
as situações em que se encontra. No
entanto, sendo uma dramédia com um
quê de filme independente, Tudo Que
Quero não chega a lugares realmente
preocupantes com tais situações, man-
tendo-se na maioria das vezes em um
território amigável e razoavelmente por Diego Lomac
inofensivo.
Diego é videomaker, fotógrafo e
A meta-narrativa consiste em o editor formado em Cinema, Rádio e
roteiro que Wendy escreveu narrar TV pela Universidade de São Paulo e
partes do filme usando a dinâmica da irmão de Rafael, autista de 22 anos.

R EVISTA AUTISMO 21
FRANCISCO PAIVA JUNIOR

CONTEÚDO
EXTRA ONLINE
Use o QR-code que está
no índice desta edição
para ir ao site.

A ‘SEGUNDA
CAMADA’ DO
DIAGNÓSTICO
Diagnóstico genético de
síndromes associadas ao
autismo dá um rumo a
famílias e ajuda a ciência
na busca por respostas

maginemos ser possível reunir, numa mesma sala, algu-


mas famílias de pessoas com três diferentes síndromes
raras que estão no espectro do autismo. Imaginemos
ainda que as síndromes tenham nomes bem comple-
xos como Helsmoortel-Van Der Aa, Phelan-McDermid
e Syngap1. Parece um bem elaborado roteiro de ficção
científica, não é? Mas foi o que fizemos. Reunimos pais
para um bate papo a respeito do que poderíamos chamar
de uma “segunda camada” do diagnóstico de autismo.
Todos têm filhos com autismo, porém, mais que isso,
descobriram que seus filhos têm alguma síndrome que
está dentro do espectro. E eles se juntaram a outros pais
em associações ligadas a cada uma destas síndromes,
para trocar experiências, ideias, dicas e ajudar a ciência
a descobrir mais sobre o que seus filhos têm.
Keli Melo é mãe do Idryss, autista de 20 anos. Ele tem
a síndrome do Syngap1, definida por uma variante ge-
nética no gene de mesmo nome. Claudia Spadoni é mãe
da Isabela, autista de 14 anos, que tem a síndrome de
Phelan-McDermid (PMS, na sigla em inglês, como é mais
conhecida), causada por alterações no cromossomo 22,
envolvendo a região 22q13. Fernando Kraljevic é pai da
22 R EVISTA AUTISMO
Maria Eduarda, autista de 4 anos. Ela em que uma quantidade maior de genes são afetados.
tem a síndrome de Helsmoortel-Van Essas síndromes trazem muita esperança de que, num
Der Aa, ou simplesmente chamada futuro próximo, possamos identificar substâncias para
também de ADNP — nome do gene tratá-las, pois são geneticamente bem menos complexas”,
que tem a mutação causal. Marcos explicou. (Ouça a entrevista completa com Carlos Gadia na
Tomé e Fabiane Machado são pais versão online)
da Sofia, autista de 5 anos, também
com a síndrome de ADNP. No papo, Diagnóstico
também contamos com o cientista Keli obteve o diagnóstico quando fez um exame de
molecular Diogo Lovato, autoridade sequenciamento do exoma do filho, Idryss, em 2014.
na genética do autismo, para enrique- “Aquela palavra, ‘Syngap1’, no laudo mudou a vida do
cer a conversa. meu filho”, relembra ela. Diogo explica que pessoas com
Nas páginas seguintes, listamos essa síndrome normalmente têm um quadro clínico
algumas características de cada uma bem grave. Com o diagnóstico, Keli encontrou apoio
destas síndromes para que você possa na primeira e maior associação (fundada em 2014) de
saber e, talvez, levantar suspeita, caso Syngap1 voltada a apoiar pesquisa do mundo, a Bridge
alguém que você conheça se encai- the Gap, com sede nos EUA. A presidente e fundadora,
xe em um desses perfis. Além disso, Monica Weldon, disse à nossa reportagem que ter um
orientar os envolvidos a buscar um resultado de um exame genético “pode dar um caminho
médico especialista, possivelmente às famílias, encontrando pessoas da sua própria ‘tribo’.
um geneticista, para devidamente O maior benefício é ter acesso a um exame genético”,
investigar tal suspeita. argumentou a norte-americana, que é mãe de Beckett,
Em meio a relatos de sinais e sin- autista de 11 anos, com diagnóstico de Syngap1. “São
tomas de autismo e outros mais sin- mais de 350 casos documentados mundo afora. O nú-
gulares, uma frase foi uníssona: “Foi mero continua crescendo e os cientistas preveem que
um alívio, uma luz, descobrir o que de 200 a 300 casos podem ser identificados anualmente
exatamente meu filho ou minha filha com os exames genéticos ficando mais comuns. Somente
tem”. Todos relataram que viveram nos EUA temos mais de 60 casos. E somente 3, no Bra-
uma montanha-russa de sentimentos, sil”, explicou Monica Weldon — um desses casos é o de
entre uma grande tristeza, em saber Idryss, que também tem síndrome de Ehlers-Danlos,
de uma síndrome rara e que a ciência causadora de hipermobilidade.
pouco conhece, e uma alegria em ter
um rumo, um norte, para pesquisar
mais e juntar forças por maiores des-
cobertas da ciência.
O brasileiro Carlos Gadia, médico
neuropediatra do Dan Marino Center
Miami Children’s Hospital, na Flóri-
da (EUA), alerta para a identificação
precoce dessas síndromes e reforça
a importância do aconselhamento
genético e de um diagnóstico mais
aprofundado envolvendo o autismo.
“A grande importância das síndromes
relacionadas ao autismo, as raras e
as não tão raras, é que elas em geral,
ou quase sempre, são monogênicas,
ou seja, causadas por apenas um
gene anormal. Provavelmente será
muito mais fácil se criar algum tipo
de substância para regularizar o
funcionamento dos neurônios e do
sistema nervoso central como um
todo com essas síndromes (que têm “Foi um alívio, uma luz,
apenas um gene afetado) do que na
maior parte das crianças autistas (que
descobrir o que exatamente
têm anormalidades multigênicas), meu filho tem”
R EVISTA AUTISMO 23
cada autista tem suas diferenças, é
através da genética que consegui-
mos agrupar esses diferentes tipos
para conseguirmos entender o que
cada um desses grupos precisa e se
existe algo da biologia que seja único
nos grupos. Essa é a importância do
sequenciamento genético”, explica ele.
Ele ainda complementa: “No caso da
síndrome de Phelan-McDermid, por
exemplo, a maioria dos casos traz
laudia obteve o diagnóstico da filha Isabela há dez uma epilepsia como comorbidade
anos e, dentre os familiares presentes, esteve por mais lá na frente. E saber isso, prepara as
tempo na busca de informações precisas, no caso dela, famílias para uma eventual crise,
especificamente a respeito de PMS, que é uma síndrome para uma qualidade de vida melhor”,
multigênica. “Com comprometimentos de fala e motores, exemplifica.
ficamos investigando por dois anos. Quando ela tinha Nome de peso entre pesquisadores
“Ter o diagnóstico
quatro anos, fizemos o exame genético, que explicava de autismo no mundo, Alysson ainda só de autismo hoje
de onde vinham as características autísticas”, narrou ela, acrescenta: “Ter o diagnóstico só de
que é representante regional no Brasil da associação nor- autismo hoje em dia, para algumas
em dia, para
te-americana Phelan McDermid Syndrome Foundation. pessoas que são mais exploratórias, algumas pessoas
“Tivemos suspeitas no atraso de desenvolvimento da já não é mais suficiente. Você quer
Sofia e fomos encaminhados para um neurologista, que saber qual o tipo de autismo, qual é
que são mais
nos recomendou o sequenciamento do exoma”, relata a causa, quais as consequências, se exploratórias,
Marcos, que obteve o diagnóstico da filha em janeiro existe algum tratamento, se há algum
de 2016. “Como disse a Keli, aquele nomezinho mudou estudo em andamento. Para tudo isso,
já não é
tudo. A partir daí, encontramos um grupo no mundo o sequenciamento genético pode trazer mais suficiente”
todo”, enfatizou ele. “Para chegarmos ao exame, nós resposta. Então, você sai do que eu
mesmos nos pusemos à prova. Foi uma grande e difícil chamo de ‘marasmo do diagnóstico’
jornada. O que marcou muito era que aos seis meses a e entra em algo muito mais específico,
Sofia não chorava, além da dentição precoce: com apenas que permite agrupar-se a outros em
seis meses ela tinha todos os dentes. Algo estava errado busca de informação. Os cientistas
ali”, relembrou Fabiane, mãe da Sofia. já tinham a ideia de fazer isso, mas
No início, nada estava fora do normal com a filha de foram os pais que puxaram essas
Fernando. “Os marcos do desenvolvimento batiam no iniciativas e hoje vejo muito isso nas
limite. E ouvir parentes dizerem coisas do tipo ‘tal pessoa redes sociais”, conta o neurocientista
falou com quatro anos de idade’ atrasa essa suspeita. que é cofundador da Tismoo, startup
É importante dizer que, se você tem uma dúvida, vá de biotecnologia dedicada à medicina
investigar, vá atrás”, alertou ele. “A fala não vinha. A personalizada para o autismo — e
Maria Eduarda tinha um ano e meio para dois. Ela era que faz exames de sequenciamento
muito comportada, muito calma, não era muito ativa. E genético no Brasil.
o primeiro neurologista que consultamos nos perguntou Alysson cita ainda seu caso pessoal,
se era a nossa primeira filha. Ao respondermos ‘sim’ com uma chance real de benefício
ele disse: ‘vá ter o segundo [filho]’ — insinuando ser na prática: “Outra possibilidade é
inexperiência nossa”, contou. Como a fala não vinha, a participação em estudos. Vou dar
iniciaram terapia: “A fonoaudióloga que indicou que exemplo do meu próprio filho, o Ivan,
procurássemos um neurogeneticista, por características que, após o exame genético, apontou
faciais que ela notou na minha filha”, revelou Fernando. para [uma mutação no] SETD5, um
gene relacionado como “de risco”
Sequenciamento genético para o autismo e, na época, nem sa-
Para o neurocientista brasileiro Alysson Muotri, bíamos se era relacionado mesmo ou
professor da faculdade de medicina da Universidade não. Hoje em dia, já temos 30 famílias
da Califórnia em San Diego, (EUA), descobrir qual é conectadas e trocando informações, e
o fator genético de um autista especificamente ajuda a estamos entendendo como esse gene
estratificar essa população e fazer com que se formem atua em diferentes idades e diferentes
grupos de estudo científico. “Como é muito heterogêneo, backgrounds genéticos. Espalhados
24 R EVISTA AUTISMO
pelo mundo inteiro, nos reunimos do Alysson em San Diego, com mi-
numa página do Facebook para tro- nicérebros para testar 350 drogas e
car informação. Já recrutei algumas avaliar quais podem ser eficazes na
dessas famílias para participar de melhoria da qualidade de vida des-
uma pesquisa científica: elas doam sas pessoas, incluindo meu filho. É
células para gerar minicérebros, que uma oportunidade riquíssima. No
são usados para testar alguns medi- primeiro momento que surgisse uma
camentos, e já encontramos uma via coisa como essa eu gostaria que meu
metabólica muito interessante que é filho tivesse acesso. E agora, penso
passível de alteração farmacológica. que conseguimos esse caminho”,
Temos um medicamento em mãos comemora Lucelmo.
que vamos desenvolver para entrar O professor ainda relata o que o mo-
em ensaio clínico. tivou a buscar informação genética do
Ou seja, se você só tem o diagnós- filho: “Eu vi três grandes vantagens
tico de autismo jamais vai saber se a em fazer o exame genético. A primeira
pessoa tem mutação no SETD5, por foi eliminar dúvidas. Nem sempre
exemplo, você tem que realmente se tem uma resposta tão assertiva,
sequenciar o DNA para descobrir mas no meu caso foi bastante clara
isso e se beneficiar desses estudos, e a informação genética causadora do
até de um tratamento mais específico autismo. Às vezes tem outras condi-
futuramente. Todos entendem que ções que parecem autismo e não são,
o exame é caro, não muito acessível aí há soluções muito claras. Eu queria
ainda, mas traz um benefício a longo ter certeza de que estou fazendo tudo
prazo que pode ser muito útil, se tiver pelo meu filho, por isso, assim que
um tratamento que realmente saia tive condição financeira de fazer o
desses estudos será impressionan- exame, não tive dúvidas. A segunda
te. O exemplo mais clássico é o de foi poder entrar em estudos científi-
Phelan-McDermid, que já tem três cos, que era uma questão importante
estudos clínicos em andamento, então para mim. Hoje existe uma série de
as pessoas com esta mutação irão se iniciativas científicas no mundo, eu
beneficiar desses três novos medica- acompanho, sou pesquisador do tema
mentos para essa forma sindrômica e gostaria de participar. E o terceira
de autismo”, narrou o neurocientista. é que, quando você tem um afunila-
Outro caso prático, coincidentemente mento maior, uma informação mais
também envolvendo o gene SETD5, específica, é possível participar de
é o do professor Lucelmo Lacerda, outras comunidades de pais, mais
doutor em educação, pós-doutorando bem direcionadas, como é o caso do
em educação especial e palestrante a SETD5. Estamos conversando num
respeito de autismo. Ele fez o sequen- grupo de Facebook, e isso abre muitas
ciamento genético do seu filho autista, portas para pensar em políticas pú-
de 11 anos, na Tismoo, e descobriu blicas, em novas tecnologias de apoio,
essa mesma mutação, entre outras. pesquisas e novos conhecimentos”,
Sabendo que Alysson conduzia um detalhou ele.
estudo com o gene SETD5, entrou O estudo com o gene SETD5 no
em contato e já enviou as células do Muotri Lab caminha para o teste clí-
filho para participar da pesquisa no nico de um medicamento em breve,
laboratório dele, na Universidade da mas ainda sem data definida. Este foi
Califórnia em San Diego, o Muotri somente um exemplo, já que o autismo
Lab. “Esse é um exemplo bem pró- atualmente tem uma longa lista de
ximo da comunidade do autismo: o 1.089 genes de risco, pois na imensa
Lucelmo já sabe o subtipo de autismo maioria dos casos é multigênico, ou
do filho, já sabe a quem procurar e o seja, há vários genes envolvidos em
que fazer”, resumiu Alysson. uma mesma pessoa.
“Conseguimos entrar no estudo
Toda informação
médica ou genética
neste texto tem propósito
unicamente informativo,
não devendo ser usada
como aconselhamento,
diagnóstico ou
tratamento.
Um médico deve

SÍNDROME DE ADNP ser consultado.

(HELSMOORTEL-VAN DER AA)


A síndrome de Helsmoortel-Van Der Aa ou sín-
drome de ADNP é um distúrbio genético de neu-
rodesenvolvimento complexo causado por uma
alteração no gene ADNP.
Suas principais características são atraso no desen-
volvimento global, atraso intelectual e Transtorno
do Espectro do Autismo (responsável por 0,17%
dos casos de autismo).

Sinais e sintomas
• atrasos no desenvolvimento;
• atrasos intelectuais;
• atrasos motores e dificuldade de planeja-
mento motor;
• atraso ou ausência de fala;
• Transtorno do Espectro do Autismo ou
características autísticas;
• hipotonia/tônus muscular baixo ou fraco;
• dificuldades de alimentação;

Dentição
A erupção precoce dos dentes de leite é um BIOMAR-
CADOR ÚNICO da síndrome de ADNP. Os dentes
podem ser pequenos, irregulares e descoloridos.

Características Físicas
• testa proeminente;
• pálpebras caídas;
• lábio superior fino;
• orelhas mal formadas;
• olhos distantes ou cruzados;
• dedos malformados ou curvados.

Mais informações
/adnpbrasil
Os indivíduos afetados podem não adnpbrasil@gmail.com
apresentar todos os sintomas acima. Fonte: informações da ADNP Kids Research Foundation (EUA).

26 R EVISTA AUTISMO
Toda informação
médica ou genética
neste texto tem propósito
unicamente informativo,
não devendo ser usada
como aconselhamento,
diagnóstico ou
tratamento.
Um médico deve

SÍNDROME DE
ser consultado.

PHELAN-MCDERMID
A síndrome de Phelan-McDermid
(PMS, na sigla em inglês) é causada Frequência
Característica
por alterações (deleção, transloca- (% dos casos)
ção, mutação) no cromossomo 22,
envolvendo a região 22q13. É uma
Hipotonia 85%
síndrome multigênica, envolvendo Fala ausente ou
mais de 100 genes, entre eles, um severamente comprometi- 84%
dos mais importantes é o SHANK3. da (só balbucia)
A pessoa apresenta um transtorno
global do neurodesenvolvimento nas Transtorno do Espectro
áreas motora, cognitiva, social, de lin- do Autismo 73,5%
guagem e da fala.. De acordo com um
recente estudo do Centro de Pesquisa Infecções respiratórias
sobre o Genoma Humano da USP (A recorrentes 61%
Brazilian cohort of individuals with
Phelan-McDermid syndrome, publi-
cado na revista Journal of Neurode- Dificuldades na
mastigação
58%
velopmental Disorders), as principais
características associadas à síndrome
podem ser vistas na tabela ao lado, Refluxo gastroesofágico 57%
bem como sua frequência. Além
dessas características é importante Constipação ou diarreia 42%
notar também um grande atraso na
marcha, que só acontece, em média, Distúrbios do sono 39%
após os 2 anos. Cerca de 25% das
pessoas afetadas não chegam a andar. Anormalidades renais 30%

Mais informações Convulsões 26%


www.phelanmcdermidbrasil.com
Puberdade precoce ou
www.PMSF.org atrasada 14%
afspmbrasil@gmail.com
/phelanmcdermidbrasil
Linfedema (inchaço por
acúmulo de líquido)
13%

Anormalidades cardíacas 6%

Perdas auditivas 3%

Referência
Samogy-Costa et al. (2019) A Brazilian cohort of individuals
with Phelan-McDermid syndrome: genotypephenotype
correlation and identification of an atypical case Journal of
Neurodevelopmental Disorders, 11:13 https://doi.org/10.1186/
s11689-019-9273-1
Fonte: informações de Claudia Spadoni. R EVISTA AUTISMO 27
Toda informação
médica ou genética
neste texto tem propósito
unicamente informativo,
não devendo ser usada
como aconselhamento,
diagnóstico ou
tratamento.
Um médico deve
ser consultado.

SYNGAP1
A síndrome do Syngap1 é causada por uma mu-
tação no gene de mesmo nome. O gene Syngap1
produz a proteína SynGAP, importante para as
sinapses, onde acontece a comunicação entre as
células do cérebro, os neurônios. Normalmente
pessoas com esta síndrome tem graves compro-
metimentos.

Características
• epilepsia (em 84% dos casos) iniciando entre
os 6 meses de idade, aos 7 anos; metade deles
não responde a medicamentos para epilepsia;
• Transtorno do Espectro do Autismo (em mais
de 50% dos casos);
• atraso no desenvolvimento;
• deficiência intelectual (DI);
• hipotonia;
• começa a andar, em média, aos 2 anos e 2
meses (dos 14 aos 30 meses, podendo chegar
até os 5 anos);
• prejuízos no desenvolvimento da linguagem;
• um terço dos indivíduos permanecem não
verbais até os 5 anos; os verbais formam frases
de uma a cinco palavras somente;
• dispraxia (disfunção motora oral);
• pé plano (chato);
• anormalidade nos olhos, incluindo estrabis-
mo; problemas gastrointestinais, inclusive
constipação que requer intervenção com
medicamento.

Mais informações
bridgesyngap.org.
kelimello@hotmail.com

Fonte: associação Bridge the Gap

28 R EVISTA AUTISMO
C O L U N A

INDICAÇÕES DO USO
DE MEDICAMENTOS
Sociedade EM PACIENTES
Brasileira de
Pediatria COM TEA
Recentes pesquisas têm demonstra- ou de diagnósticos associados, me-
do que no Transtorno do Espectro do lhorando as respostas ao programa
Autismo (TEA) há uma base genética de estimulação.
que é moldada pelo ambiente resultando Um exemplo de indicação formal
em uma variedade de manifestações de prescrição é aquela destinada para
clínicas e até o presente momento o tratamento de crises epilépticas. A
Liubiana Arantes não há disponível um tratamento prevalência de epilepsia é maior no
de Araújo medicamentoso para sua cura. autismo que na população em geral e
Não existem drogas que possam esses pacientes necessitam do uso de
Liubiana é neurologista pediátrica, pre- tratar os déficits na interação e na medicações para o controle das crises.
sidente do departamento científico de
desenvolvimento e comportamento da comunicação e os comportamentos Outra situação é quando o Transtorno
Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), atípicos e interesses restritos, ou de Déficit de Atenção e Hiperativi-
com título em terapia intensiva pediátrica seja, não há um remédio para que a dade acompanha o TEA. Nesse caso,
e Neonatal M.D., Ph.D., fellow at Harvard criança ou adulto com TEA aperfeiçoe
Medical School 2011-2012, teaching assis- o uso de medicações que atuem nos
tant of principles and practice in clinical a fala, a interação através do olhar circuitos cerebrais deficitários — a
research Harvard Medical School 2013, ou que cure as estereotipias. fim de aumentar a atenção e reduzir
professora adjunta da faculdade de me- Cada indivíduo que apresenta a hiperatividade — pode ser indicado.
dicina da Universidade Federal de Minas autismo tem indicação de um plano
Gerais (UFMG). Aqueles pacientes que apresentam
individualizado de tratamento que leve depressão também podem se benefi-
em consideração as áreas cerebrais que ciar do uso de antidepressivos como
estão mais prejudicadas, bem como coadjuvante ao tratamento psicológico
suas habilidades e os diagnósticos as- e adequação ambiental.
sociados. Em cada situação é preciso
discutir em equipe interdisciplinar e
com a família se há ou não a indica-
ção da prescrição de drogas, pois há
casos em que os pacientes podem se
beneficiar do uso de medicações para
tratamento de sintomas específicos,
29
JOANA PORTOLESE

é neuropsicóloga, coordenadora do ambulatório Protea (Programa


do Transtorno do Espectro Autista) do Instituto de Psiquiatria do
Hospital das Clínicas e Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP)
e pesquisadora associada ao Autismo&Realidade do, Instituto Pensi,
do Hospital Infantil Sabará.
autismoerealidade.org.br

AUTISMO NA
VIDA ADULTA
A transição para a idade
adulta aponta incerteza acesso de aprendizagem, avaliar
a alteração sensorial, motora, ge-
sobre o futuro, falta de nética, regulação das emoções e
serviços abrangentes ou temperamento.
integrados e necessidade Na fase adulta, são relatadas
dificuldades para:
da tutoria de adaptação
no ambiente de trabalho Demandas não acadêmicas da vida
universitária;

Administração do tempo;
o longo das úl-
timas duas dé- Organização, tarefas da vida
cadas, com o diária e demandas sociais, com
aumento do nú- embaraço na habilidade de ras-
mero de bebês e trear múltiplos alvos ao mesmo
crianças diagnos- tempo e na destreza para esportes
ticadas com TEA, em grupo.
há uma enorme
necessidade de intervenções eficazes O padrão dos resultados de
e adequadas para os indivíduos e avaliações em adultos e idosos
suas famílias. com TEA são falhas da atenção
Nesse sentido, convém lembrar sustentada, memória de trabalho,
que nenhuma pessoa com TEA fluência verbal, capacidade dimi-
apresenta os mesmos comporta- nuída da atenção visual seletiva e
mentos ou conjunto de sintomas. atenção dividida, com dificuldade
Diante da heterogeneidade clínica no entendimento de situações
e da evolução do TEA o primei- sociais complexas e interações
Ilustração: BERA

ro passo para uma intervenção é interpessoais.


um diagnóstico que direcione as O tratamento é individualizado,
orientações e ações e, para isso, o baseado em evidência.
trabalho em conjunto com a equi- Em bebês é indicado o treino
pe multiprofissional é essencial. parental, estimulação do sistema
Assim, indica-se avaliar a cog- sensório-motor, uso simbólico de
nição, com objetivo de investigar objetos, atos comunicativos inten-
o repertório intelectual e vias de cionais não verbais e brincadeiras
30 R EVISTA AUTISMO
recíprocas com parceiros sociais. na transição para a vida adulta.
Em crianças com idade pré-es- Os sintomas de ansiedade e de-
colar, é indicado estimular níveis pressão são comumente relatados
mais altos de autonomia, apren- por adultos diagnosticados com
dizado, pensamento simbólico e um transtorno do espectro do au-
comunicação. As intervenções e tismo (TEA), e sua presença pode
estimulações devem se concentrar exacerbar os principais sintomas
em ambientes naturais de apren- do autismo e diminuir a qualida-
dizagem. de de vida.
Com o adulto, o tratamento Cerca de 37% a 46% dos adultos
baseado em evidência é a Terapia que receberam um diagnóstico
Cognitiva Comportamental, com de TEA na idade adulta relata-
foco no treinamento de habilida- ram, em estudos, sintomas que
des sociais, orientação de pares, refletiam ansiedade ou depressão
assistência, aconselhamento aca- moderada ou grave. A gravidade
dêmico e profissional, destacan- do autismo e o número de adultos
do-se a importância da tutoria. que relataram sintomas de ansie-
Farmacoterapia deve ser oferecida dade graves estavam aumentados
quando existir um sintoma alvo no grupo adulto diagnosticado,
específico ou comorbidade. levando à redução da comunicação,
retraimento social e aumento da
Número maior de autistas agitação psicomotora, comporta-
mento estereotipado e obsessivo.
adultos independentes Os resultados mostraram que os
A detecção precoce e práticas diagnósticos atuais de ansiedade
eficazes baseadas em evidências e depressão foram elevados em
estão gradualmente melhoran- adultos diagnosticados com TEA.
do os resultados para as pessoas Os resultados de transição para
com TEA. Um número cada vez a vida adulta apontam incerteza
maior está indo para a faculdade, sobre o futuro, falta de serviços
tornando-se independente e se abrangentes, ou integrados, neces-
casando, mas com a necessidade sidade da tutoria na adaptação nos
de apoio parcial. ambientes de trabalho e estudo.
Os primeiros estudos aponta- Os apoios devem ser individua-
vam 10% com independência. Os lizados e focados nos aspectos de
estudos recentes apontam 20% mudança do ambiente social e físico
das pessoas com TEA com mais do jovem adulto. É relatado um
independência (universidade/ maior risco de estresse, impacto
emprego competitivo), conside- negativo na autoestima, exaustão
rando ainda que a prevalência dos e dificuldade de autorrelato.
que necessitavam de cuidados a Pesquisas se concentram no em-
tempo inteiro (serviços do dia de poderamento de indivíduos com
adulto) foi atenuada para 56%. autismo, desenvolvimento das
Muitas das melhorias nos resul- habilidades empáticas em adultos
tados de adultos são atribuídas para aumentar sua compreensão
à implementação de atividades sócio-cognitiva, utilizando dra-
sociais, educacionais e compor- matização, vídeo e discussão. Um
tamentais específicas. Melhorias número cada vez maior está indo
no resultado geral do adulto con- para a faculdade, tornando-se
tinuam a refletir um prognóstico independente e se casando, mas
altamente variável. Possíveis ainda com a necessidade de apoio
explicações incluem falhas na parcial.
adaptação de tratamentos efe- A detecção precoce e práticas
tivos para populações adultas e eficazes baseadas em evidências
escassez de intervenções focadas estão gradualmente melhorando
R EVISTA AUTISMO 31
os resultados para as pessoas escassas as instituições com foco de
com TEA. É importante conhecer atenção voltada para jovens e adul-
para potencializar as habilidades, tos e que concedam suporte para
baseado em seus interesses, para as famílias.
compensar as áreas de maior difi- Há grande variação nas abor-
culdade e aplicá-las na sua capa- dagens adotadas pelas equipes.
citação educacional e profissional, Não há métodos adequadamente
visando uma vida produtiva dentro padronizados. A forma de serviço
de suas peculiaridades com mais mais frequente, segundo o levan-
independência e qualidade de vida. tamento, envolve atendimento
multiprofissional (fonoaudiólo-
Lacunas nas políticas gos, terapeuta ocupacional e psi-
públicas coterapia). Em seguida, 16% das
instituições fazem intervenção
São necessárias políticas públi- com métodos baseados na teoria
cas e investimento no tratamento. comportamental – TEACCH, por
Um estudo apontou uma parcela exemplo - e 11,8% grupos com
significativa desta população, pacientes e famílias em psicoe-
segundo levantamento nacional, ducação. Observa-se que apenas
sendo assistida por associações 8,8% realizam a intervenção em
de pais (69%). O mesmo estudo, Applied Behavior Analysis (ABA),
identificou 650 instituições/servi- método baseado em evidência
ços em todas as regiões brasileiras, no tratamento em TEA. Os ser-
para uma demanda, aproximada, viços não utilizam métodos de
de dois milhões de indivíduos avaliação como formas objetivas
com TEA. O maior número de de planejar e avaliar a eficácia
organizações localiza-se na região das estratégias empregadas na
Sudeste, seguida pela região Sul; intervenção TEA, bem como de
sendo 431 instituições no Estado substituí-las pelas necessidades
de São Paulo, 35 no Estado do Rio de cada paciente. Tratamento
de Janeiro e 24 em Minas Gerais. baseado em consulta médica
Na região Sul, destaca-se o Esta- isoladamente, oficinas e Son-Rise
do do Rio Grande do Sul, onde também foram relatados.
foram identificados 39 locais de Com as associações de pais, o
assistência. conhecimento da população e
A verificação também demonstra dos pais, a capacitação dos pro-
que a maior parte dos atendimentos fissionais e familiares, o país está
(33,6%) é oferecida por Associações caminhando para a identificação
de Pais Amigos dos Excepcionais e intervenção, mas temos muitas
- APAE, com suporte para pessoas crianças, adolescentes e adultos
com autismo e outras deficiências, sem diagnóstico e tratamento;
seguida pelos serviços públicos e muito ainda falta em políticas pú-
gratuitos CAPSI (30,9%). Destaca- blicas, locais de atendimento com
-se também a cobertura de 28,3% abordagem de evidência científica,
realizada pelas Organizações Não acompanhamento da efetividade
Governamentais. As Associações das intervenções e oportunidades
de Amigos dos Autistas (AMA) na área de educação e trabalho.
são unidades pioneiras no atendi-
mento especializado aos autistas
do Brasil e, atualmente, recebem
7% desta população. Ainda que
seja oferecida assistência às diver-
sas faixas etárias, verifica-se um
claro predomínio do atendimento
à infância e adolescência, sendo
C O L U N A

SOCIAL E
SENSORIAL
Ilustração: Bernardo França

Sempre me perguntam se eu fico trabalhar como trabalho. Hoje, eu


ansioso fora de casa. Acho que en- não me incomodo tanto de sair como
tendo a curiosidade das pessoas, pois antes, que era extremamente difícil,
vejo que a maioria gosta de sair. Mas mas nada fatal. Eles faziam isso para
eu prefiro mil vezes minha casa a ter me preparar mais para o mundo, que
que falar com as pessoas, sentir as é um lugar que tem perigo por toda
pessoas tocando em mim, suportar a parte.
muito barulho, ter que enfrentar a Aos 20 anos, sou capaz de ir a
multidão dentro do transporte pú- lojas perto da minha casa sozinho.
Tudo o que blico etc. E não pensem que é só em Mas, se for para eu pegar transporte
podemos ser ônibus ou metrô, pois até no avião eu público, aí a “coisa muda de figura”.
fico desconfortável com o fato de as Eu sei que se eu me perder na rua,
pessoas ficarem esbarrando em mim devo pedir informações a um policial
e as crianças ficarem chorando. Coi- ou segurança e é bom evitar pedir
tadas, eu sei que elas estão sofrendo informações para pessoas estranhas.
com a “surdez” causada pela pressão Mas ainda não saio sozinho para ir a
do avião, mas eu também sofro com o lugares distantes. Acho que em breve
choro delas, porque vem de surpresa estarei pronto a me aventurar, mas sei
e elas não param de chorar com faci- que sentirei saudade da minha casa.
por Nícolas Brito Sales lidade. Mas eu tenho empatia e não E sobre minhas viagens, já me acos-
reclamo e nem entro em crise (mais). tumei com a rotina e até gosto, porque
Antigamente, meus pais me ajudavam conheço pessoas novas e tenho novas
Nicolas tem 20 anos, é fotógrafo, a trabalhar essas questões sensoriais experiências gastronômicas, mas não
palestrante e escritor. Desde 2011, e sociais me dizendo que seria legal ligo para os pontos turísticos. Meus
juntamente com sua mãe, Nicolas percorre sair. Eu sofria com a ideia de ter que pais me incentivam a conhecer, mas
vários lugares para dar palestras sobre
como é ser autista e estar inserido na sair de casa, mas aí eles me diziam não ligo para isso e sei que eles não
sociedade. Em janeiro de 2016, Nicolas que poderíamos fazer algo de que eu fazem por mal. Eles fazem isso para me
deu início, como freelancer, em seus gostasse, na volta, o que me dava um treinar cada vez mais para o mundo
trabalhos de fotógrafo, profissão que e eu até concordo com isso.
ele pretende seguir. Em 2014, foi coautor pouco mais de segurança. Acho que
do livro “TEA e inclusão escolar – um esse processo foi importante para que Meu sonho é casar e ter uma fa-
sonho mais que possível”. Em 2017, eu pudesse ser quem sou hoje. Eu viajo mília, então, se um dia meus filhos
Nicolas lançou seu próprio livro, “Tudo o Brasil e exterior para dar palestras. e minha mulher quiserem conhecer
o que eu posso ser”, no qual conta
suas experiências, o que pensa e como Sem o incentivo que me foi dado no lugares diferentes, estarei muito bem
vive em sociedade. passado, eu não teria condições de preparado, graças aos meus pais.

R EVISTA AUTISMO 33
EDUARDO RIBEIRO

é economista, tem 3 filhos neurotípicos,


foi diretor da APPDA Norte (Associação
Portuguesa para as Perturbações do
Desenvolvimento e Autismo) de 2000
a 2009, fundador e atual presidente
CONTEÚDO
da direção da AIA (Associação para EXTRA ONLINE
a Inclusão e Apoio ao Autista) desde Use o QR-code que está
2010, criador e gestor da página do no índice desta edição
para ir ao site.
Facebook “Autismo Portugal”.

INCLUSÃO ESCOLAR
EM PORTUGAL -
MEDIDAS E
CONSTRANGIMENTOS
Em 2019, centenas de
autistas sairão da rede
escolar sem que tenham
alguma alternativa

decreto-lei 54/2018 assinala no seu


preâmbulo que tem como eixo cen-
tral de orientação “a necessidade de
cada escola reconhecer a mais-valia
da diversidade dos seus alunos, en-
contrando formas de lidar com essa
diferença, adequando os processos de
ensino às características e condições
individuais de cada aluno, mobilizan-
do os meios de que dispõe para que
todos aprendam e participem na vida
da comunidade educativa.”
Fotos: Depositphotos

34 R EVISTA AUTISMO
aplicação de medidas de suporte à
Pretende assim dar mais autonomia “mais autonomia aprendizagem;
às escolas e aos seus profissionais, e,
deste modo, criar condições para que às escolas e aos seus - Prestar aconselhamento aos do-
centes na implementação de práticas
estes definam o processo de identifi- profissionais” pedagógicas inclusivas;
cação das barreiras à aprendizagem
com que o aluno se confronta, apos- - Elaborar o relatório técnico-pe-
tando na “diversidade de estratégias dificuldades acentuadas e persistentes dagógico, o programa educativo
para as ultrapassar”. O objetivo final ao nível da comunicação, interação, individual e o plano individual de
é assegurar que cada aluno tenha cognição ou aprendizagem, então transição previstos;
acesso a um currículo e a uma apren- podem ser tomadas medidas adicio- - Acompanhar o funcionamento
dizagem que o leve ao limite das suas nais. São elas: do centro de apoio à aprendizagem.
potencialidades. - A frequência do ano de escolari- 2. O “Centro de apoio à aprendi-
Para tal, consagra-se uma aborda- dade por disciplinas; zagem” (CAA), que será sediado nas
gem baseada em “modelos curricu- - As adaptações curriculares sig- escolas que já possuem as unidades
lares flexíveis, no acompanhamento e nificativas; de apoio especializado, tem como:
monitorização sistemáticas da eficácia - O plano individual de transição; a) Objetivos gerais:
do contínuo das intervenções imple- - O desenvolvimento de metodologias - Apoiar a inclusão das crianças e
mentadas, no diálogo dos docentes e estratégias de ensino estruturado, e; jovens no grupo/turma e nas rotinas e
com os pais ou encarregados de - O desenvolvimento de competên- atividades da escola, designadamente
educação e na opção por medidas de cias de autonomia pessoal e social. através da diversificação de estratégias
apoio à aprendizagem, organizadas Este novo diploma da “educação de acesso ao currículo;
em diferentes níveis de intervenção”. inclusiva”, vem criar duas estruturas - Promover e apoiar o acesso à
Assim, são estabelecidas medidas de no organograma das Escolas: formação, ao ensino superior e à in-
suporte à aprendizagem e à inclusão 1. A “Equipa multidisciplinar de tegração na vida pós-escolar;
em três níveis de intervenção: univer- apoio à educação inclusiva”, que tem - Promover e apoiar o acesso ao
sais, seletivas e adicionais. como competências: lazer, à participação social e à vida
As medidas universais – respostas - Sensibilizar a comunidade educa- autónoma.
educativas que a escola tem disponíveis tiva para a educação inclusiva; b) Objetivos específicos:
para TODOS os alunos com objetivo - Propor as medidas de suporte à - Promover a qualidade da partici-
de promover a participação e a me- aprendizagem a mobilizar; pação dos alunos nas atividades da
lhoria das aprendizagens – que são: - Acompanhar e monitorizar a turma a que pertencem e nos demais
- A diferenciação pedagógica;
- As acomodações curriculares;
- O enriquecimento curricular;
- A promoção do comportamento
pró-social, e;
- A intervenção com foco académi-
co ou comportamental em pequenos
grupos.
As medidas seletivas são “ativadas”
quando as medidas universais não
colmatam as necessidades de suporte
à aprendizagem do aluno. São elas:
- Os percursos curriculares dife-
renciados;
- As adaptações curriculares não
significativas;
- O apoio psicopedagógico;
- A antecipação e o reforço das
aprendizagens, e;
- O apoio tutorial.
Quando as medidas universais e
seletivas são insuficientes para col-
matar as necessidades de suporte à
aprendizagem do aluno, nomeadamente
R EVISTA AUTISMO 35
A autonomia
escolar não
era, e não é
contextos de aprendizagem; real, pois teria “medidas adicionais”.
- Apoiar os docentes do Existiram logo à par-
grupo ou turma a que os de ser acom- tida muitos constrangi-
alunos pertencem; panhada por mentos à implementação
- Apoiar a criação de re- deste diploma, e, para
cursos de aprendizagem e mais recursos os casos mais severos,
instrumentos de avaliação humanos e as respostas continuam
para as diversas componen- a não ser adequadas ou
tes do currículo; fi nanceiros não existem mesmo.
- Desenvolver metodolo- A autonomia escolar
gias de intervenção interdisciplinares consagrada no diploma não era,
que facilitem os processos de aprendi- e não é real, pois em muitos casos
zagem, de autonomia e de adaptação teria de ser acompanhada por mais
ao contexto escolar; recursos humanos e fi nanceiros. A
- Promover a criação de ambientes título de exemplo, estão estabelecidos
estruturados, ricos em comunicação rácios (indicadores sobre desempe-
e interação, fomentadores da apren- nho) de pessoal não docente afetos
dizagem; ao “ensino especial” assente numa
- Apoiar a organização do processo lógica matemática que não discri-
de transição para a vida pós-escolar. mina de forma positiva a existência
Tal como no anterior diploma, é de casos severos que necessitam de
prevista, para os alunos que tenham uma relação de trabalho unitária. Por
um Programa Educativo Individual, outro lado, fazem falta atividades fora
a complementação deste com um da escola de inclusão social.
Plano Individual de Transição, a ter Mas o maior problema será para os
início nos “três anos antes da idade casos mais severos com o término da
limite da escolaridade obrigatória” escola pós 18 anos.
(18 anos) e que promova a transição O Plano Individual de Transição,
para o pós-escola, sempre que possí- com raríssimas exceções, já não era
vel para o desenvolvimento de uma executado no anterior diploma, e o
atividade profissional. mais certo é continuar a não funcionar
neste diploma, o que vai implicar que
Conclusões neste ano de 2019 algumas centenas
Este diploma estabelece uma de jovens com autismo vão sair da
nova abordagem da problemática rede escolar sem que tenham alguma
das dificuldades de aprendizagem resposta alternativa.
das crianças e dos alunos, mais Por outro lado, a grande maioria
exigente para as escolas e para os das famílias acomodam-se à resposta
seus profissionais, docentes e não escolar e não trabalham dentro do
docentes, uma vez que será privile- tempo necessário para um futuro
giada a implementação das medidas, para os seus filhos.
nomeadamente as “adicionais”, em Assim, todo o trabalho e esforço
contexto de sala de aula. de uma inclusão escolar não vai ser
A maior crítica ao diploma é a consequente. Após o término esco-
não previsão de um dispositivo ou lar poderá resultar numa exclusão
plano de formação para o pessoal social, com a restrição dos jovens a
docente e não docente que acom- suas próprias casas.
panhará a aplicação, sobretudo das
C O L U N A

Trabalho no
Espectro VANTAGENS DA
NEURODIVERSIDADE
E DIREITOS HUMANOS
As pessoas com autismo representam para as pessoas com deficiência.
por Marcelo Vitoriano hoje cerca de 1,5 % da população mun- A lei de cotas é um marco legal que
dial, o que configura uma prevalência proporcionou a inclusão de mais de 400
de 1 para cada 59 pessoas (segundo mil profissionais com deficiência no
Marcelo é psicólogo, especialista em estatísticas dos Estados Unidos). Brasil, de forma a contribuir fortemente
terapia comportamental cognitiva Apesar de bons e qualificados exem- para os objetivos de desenvolvimento
em saúde mental, mestre em psicologia plos de sucesso na contratação, ainda sustentável da ONU, objetivo núme-
da saúde. Há 4 anos faz parte do grupo
de trabalho sobre Direitos Humanos nas poucas empresas têm aberto oportu- ro 8, trabalho decente e crescimento
Empresas da rede brasileira do Pacto nidades para pessoas com autismo. econômico, meta 8.5. Apesar da no-
Global da ONU e é diretor geral da Esta percepção sobre as dificuldades, vidade do tema Neurodiversidade, já
Specialisterne no Brasil, organização por parte do mercado, em incluir existem muitas histórias de sucesso
social de origem dinamarquesa presente de pessoas que, mesmo com diversas
profissionais com autismo, também
em 20 países, que atua na formação
e inclusão de pessoas com autismo no foi indicada pelo secretário-geral das habilidades e talentos, não conseguiam
mercado de trabalho. Nações Unidas em 2016, Ban Ki-moon, entrar no mercado de trabalho e hoje,
no Dia Mundial de Conscientização com os devidos apoios, demonstram
sobre o Autismo. Para ele, “a rejeição seu potencial, sentindo-se respeitadas,
das pessoas que apresentam essa con- felizes e, claro, contribuindo para os
dição neurológica é uma violação dos resultados das empresas.
direitos humanos e um desperdício de O tema da inclusão profissional das
potencial humano”. pessoas com autismo deve fazer parte
Atualmente, temos falado bastante da agenda corporativa de valorização
sobre diversidade e inclusão como da diversidade, seja pelo respeito às
diferencial para as pessoas e conse- singularidades humanas, seja pela
quentemente para os resultados das valorização da diversidade de talentos
empresas. Tal fato se deve principal- e potencialidades.
mente a uma saudável pressão das
multinacionais que possuem pro-
gramas globais de D.I. (Diversidade
e Inclusão), e fizeram com que suas
unidades no Brasil passassem a olhar
para o tema, impulsionadas também
pela obrigatoriedade legal das cotas

R EVISTA AUTISMO 37
ACONTEA CIMENTOS

Autismo será incluído no Censo 2020


rada), que determina a inclusão de e sim a PNAD (Pesquisa Nacional por
perguntas sobre autismo no Censo, Amostra de Domicílios), Mion diz que
já válida para o de 2020. optou pelo Censo por ser a escolha
Foi uma luta de muitos anos e com da maioria das associações, sendo
o empenho de muitas associações ele seu porta-voz naquele momento.
em prol do autismo. E que, com o Enquanto o Brasil ainda não tem
engajamento do apresentador de uma pesquisa especificamente para
TV Marcos Mion, pai de um garoto mapear a prevalência de autismo
autista, ganhou mais visibilidade no país — como a do Centers for
que nunca. Um vídeo divulgado pelo Disease Control and Prevention
apresentador mostra o presidente (CDC) do governo dos EUA, que
da República assinando a sanção ao em seu último relatório chegou ao
lado de sua mulher, Michelle Bol- número de 1 autista para cada 59
sonaro — que tem trabalhos junto nascimentos por lá —, o Censo trará os
a pessoas com deficiência — e de primeiros números oficiais brasileiros.
Mion. Embora tenha assinado com Os dados do próximo Censo deverão
cara de “poucos amigos”, o presidente mostrar o quanto estamos carentes
Enfim, parece que teremos uma deixou a decisão da sanção nas mãos de diagnósticos de autismo no país
pista para responder à pergunta da de Mion, segundo relato do apre- — e de políticas públicas voltadas a
capa de nossa edição número 4 (pu- sentador. Apesar de dizer ter sido diagnosticar o transtorno. Isso sem
blicada em março.2019) — “Quantos convencido pela presidente do IBGE entrar na seara do tratamento.
autistas há no Brasil?”. É que, no úl- (Instituto Brasileiro de Geografia e A hipótese atual é de que o Brasil te-
timo dia 18 de julho, foi sancionada Estatística), Susana Cordeiro Guerra, nha por volta de 2 milhões de pessoas
a lei nº 13.861/2019 (a qual, em nossa de que o Censo não seria o melhor com autismo, segundo estimativas da
reportagem, citamos que estava pa- meio de contar o número de autistas ONU (1% da população mundial).

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ACONTEA CIMENTOS

Autista é indicada ao Prêmio Nobel da Paz


para o grave problema), que acabou vez mais adeptos nas redes sociais e
se transformando num movimento nas ruas, o movimento, que iniciou em
internacional de greves de estudantes 2018, atualmente tem apoio de cerca
contra as causas do aquecimento de cem países, incluindo o Brasil.
global. A atitude rendeu a Greta a Caso vença o Prêmio Nobel da
indicação ao prêmio Nobel da Paz. Paz, Greta se tornará a premia-
Além de autismo (à época recebeu da mais jovem. O anúncio do
diagnóstico de síndrome de Asper- vencedor ocorrerá em outubro.
Greta Thunberg
ger), Greta foi diagnosticada também No último dia 21 de julho , ela recebeu
com TDAH (transtorno de déficit da o Prêmio da Liberdade da Normandia
Com apenas 16 anos de idade, a atenção com hiperatividade), TOC e foi incisiva no seu curto (mas direto)
sueca Greta Thunberg já é uma am- (transtorno obsessivo-compulsivo) discurso de agradecimento em Caen,
bientalista famosa. Diagnosticada e mutismo seletivo, o que, segundo na França: “A relação entre a urgência
com autismo, ela ganhou destaque ela mesma, a faz falar “somente em climática, as migrações maciças e a fome
mundial ao protestar em frente ao momentos que são extremamente não estão claras para todo o mundo.
prédio do parlamento sueco con- necessários” — e esta causa “é um Isso tem que mudar”, disse ela, que,
tra as alterações climáticas — um desses momentos”, disse ela no TEDx além de um troféu, recebeu 25 mil
movimento chamado de “Fridays Stockholm. euros para promover sua iniciativa.
for Future” (sextas-feiras pelo fu- A jovem Greta ouviu falar do aque-
turo), em tradução livre, pois ela Nobel cimento global aos 8 anos e, desde
deixava de ir à escola às sextas, em A indicação de Greta ao Nobel da então, começou a mudar suas atitudes,
Estocolmo, para protestar contra as Paz ocorreu em 14 de março deste como desligar luzes e reciclar papel, e
mudanças climáticas do planeta e ano (2019), um dia antes da greve a conscientizar a própria família. Da
chamar a atenção das autoridades mundial proposta por ela. Com cada ação local, passou à global.

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artistas também! Acreditamos na importância e necessidade da
disseminação de informações sobre o autismo e,
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“O Ru be eligência
rinhoso e com uma int
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surpreende a cada dia
extraordinária. Ele me o um asp erg er de altas
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DIZ QUE
no índice desta edição
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AUTISMO
É 97%
GENÉTICO;
81% HEREDITÁRIO
Trabalho com 2 milhões de pessoas em
5 países diferentes foi um dos mais abrangentes
Um estudo publicado pelo JAMA Psychiatry,
em julho (17) último, confirmou que 97% a
99% dos casos de autismo têm causa genética
— e 81% é hereditário. O trabalho científi-
co, com 2 milhões de indivíduos, de cinco
países diferentes, sugere ainda que apenas
entre 1% a 3% devem ter causas ambientais
— provavelmente pela exposição materna a
agentes com impacto intrauterino, como dro-
gas, infecções ou trauma durante a gestação.
“O estudo valida as estimativas prévias
feitas com gêmeos. Só iremos entender o
autismo e ajudar os autistas através dos
estudos genéticos”, diz o neurocientista
Alysson Muotri, diretor do programa de
células-tronco da Universidade da Cali-
fórnia em San Diego (EUA) e cofundador
da Tismoo — startup de biotecnologia que
desde sua fundação, há 3 anos, percebeu a
importância da genética para o autismo e
aposta na medicina personalizada.
As descobertas confirmam os resul-
tados de um grande estudo de 2017 com
irmãos gêmeos e não gêmeos na Suécia,
que sugeriu que cerca de 83% do risco de autismo
é herdado. Um outro estudo de 2010, também
na Suécia e também com gêmeos, relatou que
esses fatores contribuem para cerca de 80% do
risco de autismo.
40
Para a cientista Graciela Pignatari,
“apesar de vários questionamentos
acerca da importância dos exames
genéticos no autismo, o que estamos
cada dia observando mais é que a
genética é um fator muito relevante
e que a herdabilidade é prevalente,
embora os exames genéticos dos
pais ainda sejam pouco realizados”,
disse a cofundadora da Tismoo,
que ainda completou: “Além disso,
saber se a alteração foi herdada ou
não pode nos nortear em relação
ao prognóstico deste transtorno”.
“É o estudo com maior número de
participantes e que confirma a im-
portância da genética envolvida
no autismo, entretanto, este estudo
não evidenciou de forma clara quais
fatores ambientais poderiam ser
importantes para contribuir com
o fenótipo do autismo, bem como
não levou em consideração fatores
como infecções na gestação”, explica
Patrícia Beltrão Braga, professora do
departamento de microbiologia do
Instituto de Ciências Biomédicas da
Universidade de São Paulo.

Mais de 2 milhões
Foram avaliados registros nacionais
de saúde, de 1998 a 2007, de crianças
nascidas na Dinamarca, Finlândia,
Suécia e Austrália, além de nascidos
de 2000 a 2011, em Israel.
O estudo, ao todo, abrangeu 2.001.631
indivíduos, incluindo 22.156 com
diagnóstico de autismo. A maioria
das crianças da análise principal
vive na Dinamarca, na Finlândia
ou na Suécia. Os pesquisadores
incluíram as da Austrália e Israel
separadamente.
O estudo completo, que reforça
ainda mais a importância de exa-
mes genéticos para autistas, pode
ser acessado na nossa versão online.
(Veja QR-Code no índice desta edição)
CONTEÚDO

MUOTRI ENVIA
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MINICÉREBROS PARA O
ESPAÇO EM PESQUISA
DE AUTISMO
Inédita, a missão espacial envolve a Nasa e a SpaceX nos
experimentos com organoides do cientista brasileiro
No fim de julho (25. carga com organoides o desenvolvimento as células-tronco que
jul.2019), a SpaceX, cerebrais foi lançada do cérebro huma- podem aparecer quan-
em missão conjunta para a ISS”. no?”, questiona o do você tem um bebê
com a Nasa (agência neurocientista. lá”, disse ao Spectrum
espacial dos EUA), Objetivos O último e mais am- News, Ferid Nassor,
lançou mais um fo- O projeto tem, em bicioso objetivo é professor assistente
guete rumo à Estação resumo, três grandes entender os impactos de células-tronco e
Espacial Internacio- objetivos, segundo da microgravidade engenharia genética
nal (ISS Internatio- o próprio Alysson numa futura colo- no Institut Sup’Biotech
nal Space Station). explica. O primeiro nização do espaço de Paris (França).
Nesta oportunida- é desenvolver uma pelos seres huma- A missão é a primei-
de, porém, há algo plataforma autônoma nos. “Entendendo ra de dez outras que
muito valioso para a para manter esses um possível impacto estão planejadas para,
pesquisa científica a organoides de cére- negativo, podemos juntas, poderem aju-
respeito de autismo bro crescendo sem trabalhar isso aqui dar os cientistas a
e outras condições intervenção humana, em Terra e preparar responder questões
neurológicas: um o que ajudará muito o cérebro humano fundamentais sobre
experimento com no trabalhos de testes para nascer e viver o desenvolvimento do Ilustração: Bera
minicérebros huma- para descoberta de no espaço”, resume cérebro e, em última
nos do laboratório novos medicamentos Alysson Muotri. Os análise, descobrir se
do neurocientista para várias condi- detalhes do expe- as pessoas podem se
brasileiro Alysson ções, como o autismo. rimento também reproduzir com segu-
Muotri, professor da A segunda meta é podem ser vistos rança fora da Terra.
faculdade de medici- descobrir se os mi- no site da Nasa.
na da Universidade nicérebros resistem Tentar cultivar or-
da Califórnia em à microgravidade. ganoides no espaço
San Diego (UCSD). “No espaço, sabemos é, na verdade, um
Segundo Patrick que eles crescerão grande avanço. Os
O’Neill responsável de uma forma dife- organoides do cére-
pela comunicação da rente. Seria isso uma bro podem realmente
ISS, “esta foi a pri- vantagem ou uma fornecer informa-
meira vez que uma desvantagem para ções valiosas sobre

42 R EVISTA AUTISMO
C O L U N A
JANELA DE
OPORTUNIDADE
Não se discute que elas existem, são podemos usar jogos, brincadeiras, se
Autismo bem documentadas. A questão, aqui, possível engajando os outros irmãos
Severo é que quando temos o diagnóstico de (se houver). Mas, primeiramente, pre-
nossos filhos (quanto mais cedo melhor) cisamos saber o que buscamos e como
e entramos em contato com essa tal proceder, logo, estudar e aprender é
janela, ficamos (sobretudo as mães) fundamental!
ligeiramente frenéticas(os). Tantas Por outro lado, devemos ter em mente
terapias! Tão pouco tempo! Tão caras! que essas janelas de oportunidade, ainda
Mas, noblesse oblige, temos que que existam e tenham importância, não
por Haydée Freire Jacques fazer o nosso melhor, já que também querem, absolutamente, dizer que fora
é de conhecimento geral que “a culpa delas não há mais nada! Longe disso!
Haydée é casada e mãe de dois filhos, sempre é da mãe”, portanto não há al- Nada no Universo é estático. Por que
sendo o mais moço autista severo. Formou- ternativa senão sermos simplesmente os neurônios de nossos filhos seriam?
se em odontologia, exerceu a profissão perfeitas (e essa já é outra história). “Ah……passou a janela de oportuni-
até 2006, quando decidiu dedicar-se Então, saímos a campo, horas de salas dade! O que aprendeu, aprendeu, o que
integralmente ao filho.
de espera (por incrível que pareça pais não aprendeu…que pena!“ Bobagem!
e/ou cuidadores não podem assistir às Aprendizado ocorre ao longo de toda
terapias!), rios de dinheiro investidos, a vida, novas habilidades podem ser
terapias miraculosas, cansaço, muito desenvolvidas ao longo de qualquer
cansaço. Nosso e de nossos filhos! fase. Novas conexões neuronais podem
E então? É isso mesmo que deve ser ser formadas na idade adulta. A velo-
feito? Nem sempre, e sempre com muito cidade em que tal ocorre é diferente,
discernimento. Vamos por partes: em claro! Mas, vamos combinar, quem
princípio devemos pensar como um está apostando corrida? Queremos
grupo, logo não devemos sacrificar as proporcionar aos nossos filhos todos
finanças da família em nome de terapias os estímulos e aprendizados possíveis
a, b ou c. Bom senso é fundamental. para tornar a sua vida mais fácil e
Também devemos levar em conta prazerosa, dentro de suas potenciali-
que nossos filhos passam algumas dades, não é isso? Então, para começo
horas semanais com os terapeutas, de conversa, é bom saber que ninguém,
mas passam muito mais horas co- como pessoa, sabe até onde vai chegar.
nosco, portanto o principal estímulo Isso também é verdade para nossos fi-
deve vir do convívio familiar, que é lhos dentro do TEA. Proporcionamos
grátis. É importante que saibamos as ferramentas, damos os estímulos,
como estimular nossos pequenos, mas ajudamos na caminhada, para que
jamais poderemos nos transformar eles se desenvolvam de acordo com
em profissionais. Nossa relação deve suas potencialidades. O tempo que o
ser sempre mãe/filho, ou pai/filho, os processo irá demandar é uma incóg-
estímulos devem vir embrulhados em nita, até onde eles chegarão é outra. O
atividades diárias. Não é difícil, mas importante é não esmorecer, persistir
devemos saber o que queremos e o que sempre — com bom senso, por favor!
fazer, não é? Daí percebemos que os
pais/cuidadores são os que devem ser
ensinados, que devem estudar, buscar
e aprender. E insistir com as terapeu-
tas para assistir às terapias. Também R EVISTA AUTISMO 43
FRANCISCO PAIVA JUNIOR

CONTEÚDO
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RIO TEM SEU 1º


CONGRESSO
INTERNACIONAL
DE AUTISMO
Com organização de outros países, mas poderia muito
impecável e muita bem ter sido motivado pela excelência
no nível de organização e profissiona-
informação, evento de 3 lismo do evento, que se estendeu por
dias teve a participação três dias, 27, 28 e 29, no hotel Windsor
Oceânico, na Barra da Tijuca. Foi, sem
de quase 2 mil pessoas dúvida, o maior evento de autismo
deste ano, com um público de quase
m junho, a cidade do Rio de Janeiro 2 mil pessoas — 1.080 no congresso
sediou seu 1º Congresso Internacional e 850 no encontro, sem contar os vo-
sobre os Transtornos do Espectro do luntários trabalhando.
Autismo (TEA). Com A abertura foi um capítulo à parte.
o tema “atualização O tenor brasileiro Saulo Laucas, autista
clínica e científica”, cego e pianista, deu um show tanto
o congresso foi dire- no piano quanto na voz, mas foi na
cionado a médicos e parceria com o garoto norte-americano
demais profissionais de saúde e edu- Jacob Velasquez, autista pianista de
cação. Simultaneamente, no mesmo apenas 10 anos, que levou o público
local, aconteceu também outro evento às lágrimas. Jacob ao piano valorizou
para o público leigo: o 1º Encontro ainda mais a voz de Saulo e, juntos,
Internacional de Associações, Fami- transbordaram talento. Foram muitos
liares e Cuidadores de Autistas. Tudo os elogios, a começar pelo presiden-
realizado impecavelmente pela As- te da associação organizadora do
sociação Caminho Azul e seus mais congresso, o médico psiquiatra da
de 100 voluntários. infância e adolescência Caio Abujadi,
O termo “internacional” veio da que, com muita sensibilidade, fez o
participação de vários palestrantes pronunciamento de abertura.
44 R EVISTA AUTISMO
Destaques Entre os brasileiros,
Entre os brasileiros, dois grandes
destaques do congresso foram a bióloga
dois grandes destaques
pesquisadora Patrícia Beltrão Braga e do congresso foram a
o médico neuropediatra Carlos Gadia.
Patrícia, que é professora de Embrio-
bióloga pesquisadora
logia e Genética na Universidade de Patrícia Beltrão Braga e
São Paulo e responsável pelo “Projeto
a Fada do Dente”, no Laboratório de
o médico neuropediatra
Modelagem de Doenças do Instituto Carlos Gadia
de Ciências Biomédicas da USP, falou
sobre a modelagem de doenças, em funcional. “Estamos trabalhando para
específico o autismo, usando células- identificar as principais diferenças
-tronco obtidas da poupa dos dentes entre os bebês com e sem autismo.
de leite de crianças autistas. Ao longo do tempo, é provável que
Gadia, que é diretor-associado do esse método ajude, numa escala mais
Dan Marino Center – Miami Children’s ampla, a refinar o processo de diag-
Hospital, na Flórida (EUA), tirou mui- nóstico precoce”, disse Jennifer.
tas dúvidas do público a respeito de As cientistas estadunidenses expli-
autismo, tratamento e diagnóstico, na caram ainda que atrasos no desenvol-
sessão “Perguntando ao especialista” vimento podem ser tratados mesmo
do congresso. quando houver somente uma suspeita.
O destaque estrangeiro ficou para “Em geral, as crianças que apresentam
as pesquisadoras norte-americanas atrasos, mesmo sem diagnóstico de
Cheryl Klaiman e Jennifer Stapel-Wax, autismo, se beneficiam da intervenção
ambas da Faculdade de Medicina da precoce”, argumenta Cheryl.
Universidade de Emory, em Atlanta No encontro de associações, fami-
(EUA), que coordenam estudos para liares e cuidadores, um dos pontos
reduzir o tempo necessário altos foi a mesa de discussão com a
Jacob Velasquez ao no diagnóstico de autismo família Brito — do autista fotógrafo
com eye-tracking, o rastrea- Nicolas Brito Sales — e da mãe An-
piano valorizou ainda mento ocular. O eye-tracking dréa Werner, junto com a família do
mais a voz de Saulo voltado ao autismo vem norte-americano Jacob Velasquez.
sendo pesquisado em vários Várias respostas elucidativas trou-
Laucas e, juntos, lugares desde a publicação de xeram muita informação ao público.
transbordaram estudos em 2002, associado O advogado Luciano Aragão falando
com outras técnicas, como de aspectos legais da inclusão social,
talento a ressonância magnética depois o psicólogo Marcelo Vitoriano,
palestrando sobre o mercado de tra-
balho, também despertaram bastante
interesse nos participantes, assim como
todos os palestrantes internacionais.
Os vídeos de todas as palestras, na
íntegra, estarão disponíveis a partir
de outubro e no site da Associação
Caminho Azul (caminhoazul.com.
br). E o 2º congresso já tem data: 20,
21 e 22 de agosto de 2020. Vai perder?

Francisco Paiva Junior viajou ao


Rio de Janeiro a convite da organização
do evento.

R EVISTA AUTISMO 45
COMUNIDADE NA CAUSA

ARPTA
Rondonópolis (MT)

Criada a partir da união de esforços voluntários especializados para ini-


de pais de crianças com Transtorno do ciarmos os atendimentos dos nossos
por Cristiana Paula Espectro do Autismo (TEA), a partir associados. Em breve devemos iniciar
de Brito de 14 de janeiro de 2017, a Associa- as terapias consideradas essenciais,
ção Rondonopolitana de Pessoas com como terapia ocupacional, psicoterapia
Cristiana Paula de Brito é mãe Transtorno Autista (ARPTA) tem infantil e adulto, e suporte psicológico
do Otávio Marques de Amorim, seus objetivos amparados na Lei Be- aos pais e familiares. Este último já
com autismo leve, e diretora
social da Associação ARPTA. renice Piana (nº 12.764/2012), para acontece há um ano, sendo realizado
resguardar e defender os direitos dos semanalmente.
/arptaroo autistas e seus familiares, assim como O trabalho da ARPTA vai ampliar-
@arptaroo a prestação de serviços gratuitos e a -se e contribuirá, cada vez mais, para
inclusão nas redes públicas de ensino o desenvolvimento, independência e
e na comunidade. qualidade de vida das pessoas com
A ARPTA depende unicamente de autismo e ainda deverá desonerar
seus associados, de parceiros e pro- o Serviço Público de Saúde, dimi-
fissionais. Nos últimos anos, vimos nuindo a demanda de forma que o
realizando trabalhos mais voltados ao serviço também possa ser prestado
social, conscientização, orientação, busca com melhor qualidade.
por direitos. Para isso organizamos Sonhamos e vamos conquistar,
caminhadas, palestras e atividades de porque JUNTOS SOMOS MAIS
inclusão. Dados colhidos através de FORTES.
projetos sociais importantes em nosso
município mostram que atualmente
há mais de 100 crianças com TEA
na rede municipal de educação de
Rondonópolis (MT).
A associação tem o sonho de futura-
mente implantar em nosso município
um centro integrado de atendimento
ao autista, para prestar serviços de
excelência no atendimento dessas
pessoas e seus familiares. Hoje temos
à nossa disposição o local e alguns

46 R EVISTA AUTISMO
C O L U N A

Liga dos
Autistas
O PODER DO
HIPERFOCO
Nós, autistas, geralmente tendemos Portanto, ver o hiperfoco como algo
a nos centrar num assunto ou obje- patológico, passível de cura, é dizer-nos
por Fernanda Queiroz to com tal dedicação que podemos que ninguém se importa com isso.
esquecer de todo o resto - é o chamado Nossos interesses significam muito
Fernanda é estudante de arquitetura hiperfoco. para nós - temos uma forte conexão
e atualmente mora em Portugal. É Mais do que um hobby, muitas vezes emocional com eles. O ideal seria
apaixonada por arte, astronomia, esses interesses nos são uma forma de buscar um equilíbrio, ensinando o
rock n roll e poesia — tendo ganhado recarga; uma zona de conforto orga- autista a decifrar se a outra pessoa
diversos prêmios e publicações literárias nizada e fluida onde podemos imergir está interessada ou não na conversa
na adolescência. Atualmente trabalha
e desfocar do caos sensorial que é o e alternando o conteúdo da conversa
na produção de seu primeiro livro e, na
universidade, pesquisa sobre ambientes mundo. Estudar astronomia, pintar para trabalhar a reciprocidade.
sensorialmente inclusivos para autistas. ou treinar no piano por horas a fio Quem dera meus pais tivessem
no meu caso, por exemplo, é o maior descoberto ainda na infância que eu
refúgio para as minhas sobrecargas. tenho ouvido absoluto , e tivessem
O problema é que algumas vezes tais então investido em aulas de piano
hiperfocos podem nos consumir por para mim! Talvez hoje eu estivesse
completo, o que leva muitas pessoas a trabalhando de forma profissional
se ligar nos aspectos negativos dessa com aquilo que mais amo e me de-
nossa característica: a dificuldade em dico: a música.
mudar de assunto e de perceber até que É por isso que encorajo pais e pro-
ponto isso é aceito, fazer/falar sobre fissionais a não só nunca desistir do
coisas cotidianas (o “small talk”) e hiperfoco, como também a fomentar
a tendência ao isolamento, tudo isso as áreas de habilidades das mais
a ponto de interferir ainda mais em variadas formas, como através de
nossa socialização. livros e brinquedos, falando sobre o
@liga.dos.autistas Mas há muitos aspectos positivos assunto eventualmente ou realizando
em se ter um hiperfoco: é uma forma atividades educativas direcionadas
de diversão, aumenta nossa autoesti- para a área.
ma (saber que somos bons em algo é E não se preocupem quanto à inten-
muito encorajador!) e, como já disse, sidade de nossos interesses: quando
um refúgio durante o stress. E, no estamos imersos neles, sem dúvida
caso de crianças e adolescentes, pode nos sentimos felizes, confortáveis
vir a ser a área de trabalho no futuro! e motivados a dar o nosso melhor!

R EVISTA AUTISMO 47
FATIMA DE KWANT, DA HOLANDA

nasceu no Rio de Janeiro, em 1961. Em 1985 mudou-se para a Holanda, onde


constituiu uma família de três filhos e reside até hoje. É jornalista, escritora de
textos referentes ao Transtorno do Espectro do autismo e “autism coach” de pais
de crianças autistas e de adultos com a síndrome de Asperger/autismo de alto
funcionamento. Formada na academia Logavak, em autismo e desenvolvimento,
autimates@gmail.com é criadora do Autimates – um projeto internacional de conscientização do
autismo – e coordenadora internacional da Reunida (Rede Unificada Nacional e
www.autimates.com Internacional em Defesa dos Autistas).
fb.com/Autimates
@fatimadekwant

a adolescência, tudo muda: o corpo


e a mente. O adolescente autista
passa pelas mesmas mudanças,
ainda que com algumas diferenças.
Alguns podem ter as mudanças
físicas sem estarem preparados
psicologicamente para elas. O
corpo muda e as sensações podem
ser amedrontadoras.
O autismo é um distúrbio do neu-
rodesenvolvimento, sendo assim,
a idade mental pode não acompa-
nhar a idade cronológica. Entender
isso é meio caminho andado. Não
espere do adolescente o que ele
não pode dar, ainda. Imagine o
adolescente ter catorze anos com
comportamentos bem infantis, de
cinco. Ao mesmo tempo, poder
falar como uma criança de sete
e ter a inteligência de um adulto.
Impressionante? Pois é: isso é au-
tismo. As partes social e emocional
podem ser mais atrasadas do que
em outros adolescentes, ou podem
até ser mais desenvolvidas.

AUTISMO, onversar
com o

ADOLESCÊNCIA
adolescente
sobre seu
autismo
Um adolescente

E SEXUALIDADE está em busca da identidade como


qualquer outro. Todo adolescente
quer ser “normal” como qualquer
outro. Apesar disso, é importante
conversar com o adolescente autista
Um profissional pode oferecer uma excelente sobre seu autismo e a influência do
autismo no seu comportamento.
ajuda na preparação para a vida adulta Vai ajudá-lo a compreender melhor
a si mesmo.
48 R EVISTA AUTISMO
rocessamento
Sensorial e
dolescência
Sexualidade
e Sexualidade Muitos autistas têm
No aspecto da se- hipersensibilidade ou
xualidade é im- hipossensibilidade sensorial. No que
portante lembrar se refere ao tema deste artigo, isso
as características Usando a forma de comunicação se traduz em dificuldades senso-
e transformações típicas do ser adequada, pais, professores e tera- riais na hora do sexo. Por exemplo,
humano, do nascimento à idade peutas podem esclarecer dúvidas susto, medo ou nojo de tocar ou ser
adulta (tendo como referência as que nem sempre são compartilha- tocado, ou de sentir/ver/cheirar
fases de desenvolvimento segun- das pelos autistas. secreções. Autistas são sensíveis
do Freud): As informações essenciais visam a ruídos, toque, olfato, paladar e
proporcionar a compreensão das ao que vêem. Entender o proces-
0-2 anos – fase oral/ seio materno sensações físicas que o despertar da samento sensorial de cada autista,
= fim da fome sexualidade traz; o que podem fazer individualmente, é imperativo para
para aliviá-las; como podem fazer; a sua educação sexual.
2-6 anos – curiosidade natural / quando podem fazer; com quem
mexer nos genitais causa prazer (relacionamento ou masturbação).
sem desejo sexual / autocontrole O nível de cognição do autista vai elacionamento
(fezes/urina) traz satisfação fazer uma grande diferença. Se o afetivo
autista não for verbal, vai existir a Autistas devem apren-
6-10 anos – fase da latência / co- necessidade de ser instruído com der que sexo nem sem-
nhecimento do mundo/esportes/ auxílios visuais, como materiais pre vem acompanhado
amizades/aprendizado adaptados de ensino, apropriados de amor ou afeto. Ou seja, compreen-
para esse tipo de educação sexual. der o que é um, o que é o outro, e o
10-16 – hormônios / desejo sexual Também de imensa importância é que significam os dois, juntos, para
16/18+ - maturidade sexual que o adolescente autista saiba que o caso de cada adolescente autista.
não deve tocar ninguém que não Devem ter algum tipo de suporte
Porém, no autismo as perguntas deseje ser tocado e vice-versa — no caso de um envolvimento mais
mais importantes são: não permitir que toquem em suas afetivo, de longa duração. Afinal, a
partes íntimas sem conhecimento, interação social é um dos grandes
Que idade mental/emocional/ preparação e devida autorização. desafios da pessoa com autismo.
sexual o adolescente tem agora? Nem sempre é um problema, a
propósito.
Qual o seu nível de comunicação? asturbação
A masturbação
Qual o seu nível de cognição? é a prática se- ais sem culpa
xual largamente Quando for necessário
O adolescente tem desafios de usada por adolescentes, por autistas buscar ajuda, pais não
ordem sensorial? também. No entanto, devido aos devem se sentir culpados.
eventuais déficits de comunicação, Querem o melhor para
É preciso analisar se o adolescente pode não estar claro para o autista seus filhos. Um terapeuta ou coach
tem a maturidade emocional equi- como se masturbar. Sabe-se que a pode oferecer uma excelente ajuda,
valente à sua maturidade física, de agressividade entre adolescentes bem direcionada, neste aspecto da
acordo com seu desenvolvimento pode ser uma das consequências da sexualidade do adolescente e de sua
biológico. não satisfação sexual, ou a chegada preparação para a vida adulta.
Em geral, muitas famílias têm ao orgasmo. Os cuidadores destes
dificuldades em abordar o tema adolescentes devem identificar o
com seus filhos. Nas famílias onde problema e ajudá-los a conduzirem
existe um (pré)adolescente autista a questão da forma mais ética e
também. Justamente por causa do humana possível. Atenção, tempo,
autismo, adolescentes podem ter mais antecipação, preparação e uso de
vontade de compreender o assunto linguagem/comunicação adequada
do que adolescentes não autistas. são palavras-chaves.
R EVISTA AUTISMO 49
ESPECTROARTISTA
A arte e o talento
dentro do espectro

BANDA TIMEOUT
Uma banda de rock em Brasília
Cinco dos sete “rock stars” da
(DF). Quer coisa mais clichê? banda: Thiago Carneiro, Ivan
Madeira, Matheus Winkler,
Mas não é o caso da Timeout, João Daniel Coutinho,
João Henrique Lopes.
nem de longe!
Formada por Ivan (vocal), João
Daniel (vocal), João Gabriel (vo-
cal), João Henrique (bateria), Ma-
theus (vocal e teclados), Marcelo
(baixo) e Thiago (guitarra), o que
esses jovens entre 13 e 22 anos

Fotos de Divulgação
têm em comum, além da paixão
pela música? Todos representam
a neurodiversidade, sendo seis
deles, autistas! Sim, seis músicos
estão no espectro do autismo.
“A banda me deu a oportunidade
de fazer o que eu amo. A música com autismo serem subesti- sobre diversidade, criada exclusi-
em si, não só a banda, me dá mo- madas, infantilizadas e excluí- vamente para as redes sociais. Em
tivo para viver. Outros autistas das, diferenciadas das pessoas sua página no Facebook, a Netflix
devem se sentir inspirados. Se nós consideradas ‘normais’. Nesse elogiou: “Apenas apaixonada por
podemos, eles também podem”, sentido, cremos que a banda é essa banda que usa o rock como
declarou João Henrique, baterista. uma verdadeira transgressão forma de expressão para lidar com
Para Ivan, vocalista da Timeout, a social”, argumenta o psicólogo o autismo. Conheça a Timeout,
vida mudou após a banda. “Ape- Paolo Rietveld, idealizador da no terceiro episódio da websérie
sar de ser cansativo, eu gosto de banda. Os Originais, exibida com exclu-
ensaiar todo sábado. E acho muito O nome sugere um “tempo sividade aqui nas minhas redes
legal ser um rock star na minha fora” de todos os termos e técni- sociais”.
escola”, relatou ele. cas da terapia tradicional. Aquele Então “corre ouvir” o som desses
A banda surgiu, em setembro momento em que os meninos se meninos no canal da Timeout no
de 2017, dentro do projeto “Nós” preocupam apenas em se divertir. Youtube!
— uma empresa com iniciati- Desde que começaram os ensaios
vas de transformação social e as apresentações, Paolo percebeu /TimeoutRockBand
através da inclusão e mudanças no comportamento dos
TimeOutRockBand
neurodiversidade, garotos e de seus pais.
coordenada A Timeout interpreta músicas TimeOutRockBandBrasilia
por Carolina autorais, como “I need a time Episódio da Netflix:
Passos, João out”, e clássicos do rock nacional www.youtube.com/watch?v=AUKUR
Guilherme e internacional, que passam por 1VIh6Q
Moura, Pao- Pink Floyd, Legião Urbana, Oasis,
lo Rietveld e Mamonas Assassinas, AC/DC e
Raisa Saijo. Capital Inicial.
“É comum A banda virou até mesmo um
pessoas episódio (o 3º) de uma websérie da
Netflix, chamada “Os Originais”
— série de minidocumentários
Matheus
Winkler:
50 R EVISTA AUTISMO curtindo
o som.

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