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Bernard Darras
Professor de Semiótica e Metodologia da Pesquisa
da Universidade de Paris 1 Pantheon–Sorbonne
E-mail: bernard.darras@univ-paris1.fr
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Resumen: ¿Qué sucede cuando vivimos una experiencia con
un objeto, una imagen o un sitio de internet, por ejemplo?
¿Qué actores humanos y materiales, cerca y lejos, participan
directa o indirectamente para que esta experiencia puede su- "$!*-)*$+%,-
ceder en un momento dado? ¿Cómo podemos representar y Figura 1: modelização de Shannon & Weaver.
generalizar lo que pasó?
Palabras clave: artefacto, co-determinacion, comunicación,
design, metabolismo, modelización, semiótica, sistémica. Não cabe aqui estudar a evolução destes
modelos. Para isto, indicamos as sínteses rea-
General modeling of human relations with the artifacts: systemic
and semiotic study of the interactions
lizadas por Alex Mucchielli (2008) e os estu-
Abstract: What happens when we experience some situation dos comparativos e críticos de Nathan Crilly
with an object, an image or a homepage on the internet for e sua equipe (2004, 2008, 2009, 2011).
example? What human or material issues, near or distants, par-
ticipate, directly or indirectly, making this experience happen De nossa parte, desde 2006, com a minha
in an specific moment? How can we represent or generalize colega Sarah Belkhamsa, temos estudado estas
what occurred?
Key words: artefact, co-determination, communication, de-
modelizações que concluímos incompletas ou
sign, metabolism, modelling, semiotics, systemic. apresentando pontos de vista bastante parciais.
Ator ou polo?
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Segundo este mesmo princípio, é possível
representar o metabolismo da comunida-
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de da mesma maneira, porque ela também
Figura 9: terminologia de C. S. Peirce.
passa por fases similares de hábito (habitus
segundo Bourdieu), de dúvida, de reconstru-
Com relação ao seu mundo-próprio, a ção do hábito etc.
sua rede ou ao seu dispositivo, um agente Em nosso modelo, os “relógios” centrais
pode estar numa fase semiótica de rotina ou caracterizam o estado semiótico de tal ou tal
hábito (Habit na terminologia de C. S. Peir- agente, enquanto que os “relógios” periféricos
ce), isto é, em uma fase pragmática cuja sig- representam tal ou tal estado semiótico da co-
nificação se realiza como uma predisposição munidade interpretativa e, por extensão, tal ou
para agir ou como um signo de ação. tal estado da cultura material, visual ou digital.
O agente pode também estar numa fase #$%&!'*+'012$)!/'+'3"*.,-./'*+'012$)!/'/+5",*!'#676'8+$(%+
em que seus hábitos de ação falham, ou seja,
uma fase de perda de sentido que chamamos
“fase de dúvida” (doubt).
Em outro momento, ele pode estar numa
fase de pesquisa, de mudança de hábito
(habit change) ou de aprendizagem (habit
taking) etc.
O movimento entre o hábito e a mudança Figura 11: “relógios”encaixados e concêntricos, três casos.”
de habito não é uma simples oscilação, mas
sim uma sequência de cronológica de mu- Como os relógios são encaixados e con-
danças mais ou menos rápidas. cêntricos, suas rotações podem ser ajusta-
Ao representarmos estes estados de meta- das ou reajustadas em diferentes fases nos
bolismo da mente e da ação por meio de um permitindo, assim, representar as diferentes
círculo cronológico, obtemos uma espécie de configurações articuladas de consenso ou
relógio do metabolismo semiótico e prag- de disenso do “casal” agente e comunidade
mático dos agentes. de agente.
s %NlM ELE ESTÕ AINDA RELACIONADO COM O A publicidade, por exemplo, faz questão
seu utilizador, passando inicialmente por de lembrar regularmente a todos os utiliza-
um polo de difusão. dores que tal objeto perdeu seu valor iden-
titário, saiu de moda, que a concorrência é
Estudo dos polos mais atraente etc.
s .O QUE DIZ RESPEITO AO conceito de comu-
s A comunidade de concepção e de produção nidade de usuários, ele não se refere uni-
de bens, produtos e serviços de distribui- camente às práticas de grupo. Ele inclui
ção trata-se do comandatário, dos enge- ainda todos os usuários singulares e situ-
nheiros de diferentes setores de estudo, ados que são ocorrências de acões apren-
dos responsáveis de marketing, da direção didas e assimiladas através de trocas di-
artística, do setor financeiro e, evidente- retas (imitação e instrução) ou indiretas
mente, dos designers cuja posição e papel com os outros membros da comunidade.
exercidos dependem do tipo de produção Essa comunidade produz e gera regras
e de produto. Todas estas pessoas contri- e normas de uso e de experiência mais ou
buem, diretamente ou indiretamente, nas menos incorporadas pelos indivíduos, mas
especificações do projeto como ainda nas também todas as interações improvisadas
diversas operações de conselhos, seleções, cuja causa ou objetivo são mais ou menos
testes, validação e fabricação desencadea- determinados. As pesquisas sobre as con-
das durante o processo. Finalmente, mes- dutas individuais apontam que são, de fato,
mo se revindicado ou não, toda concep- ocorrências das práticas partilhadas, sobre-
ção e produção é sempre o resultado de tudo na forma de crenças e hábitos que cons-
um co-design (design participativo) e de tituem uma parte de nossas representações
uma co-produção. em comum.
s A comunidade dos difusores é composta s O conceito de sistema de artefatos não se
por todos os sistemas de comunicação, limita à família dos objetos, imagens e
publicidade, estocagem, transporte, dis- interfaces. Ele é enriquecido pela ideia
tribuição, venda, serviço ao consumidor, de artefato como um dispositivo de in-
até mesmo o serviço de reciclagem etc. teligências distribuídas e mais ou menos
As relações e transações são intensas e re- fixas exercendo relações de transação e de
cíprocas entre essa comunidade, a comuni- enação entre artefato e agente e entre ar-
dade de concepção e produção e o sistema de tefato e artefato. (Zinna, 2005).
artefatos, de uma parte, e a comunidade de Neste ponto, nossa modelização deriva da
usuários, de outra parte. concepção sémiótica relacional de C. S. Peirce
A comunidade dos difusores exerce um pa- (1931-1935) e adere ao conceito de rede hetero-
pel indispensável para o metabolismo global. gênea em que os atores humanos e não huma-
A intervenção do polo de difusão é re- nos são considerados em suas redes de relações.
duzida em casos que a relação entre o pro- Como já mostrado, nosso modelo tem tam-
dutor e o “consumidor” é dita direta e a bém muitos pontos em comum com a Teoria
curto fluxo. Ator-Rede (Action-Network Theory, ANT).
Dependendo do contexto, o impacto da Nesta perspectiva, as relações dos artefatos
difusão persiste longo tempo após a apro- entre si constituem a ecologia dos artefatos.
priação do artefato. A difusão pode tornar-se Essas relações podem ser de dependência
permanente (os objetos de distribuição) ou direta (conjunto de objetos apresentados si-
ser simplesmente negligenciada. multaneamente: um serviço de jantar, uma
Porém, os difusores abandonam rara- mesa com suas cadeiras etc.) ou indireta
mente um objeto à sua própria sorte. (conjunto de artefatos religados à distância:
a televisão e o controle remoto, um site e ou- Este equilibrio é o estado em que se en-
tros sites ou redes sociais referenciadas etc.). contra o pensamento funcionando em um
Os artefatos podem também estar interli- meio ambiente previsível.
gados a certa distância por diversos operadores O semicírculo da direita começa com a
paralelos de ponto e contraponto mecânicos (a dúvida causada pela perturbação de um há-
chave e a fechadura) químicos (um detector de bito de ação. Essa fase de dúvida é geralmen-
fumaça e uma chaleira) térmicos (o termostato te seguida por uma fase de crise, a mesma
e o radiador) ou por meio de ondas (dois tele- podendo dissipar-se pela entrada em uma
fones via uma rede) (Uexküll, 1956-1965). fase de pesquisa e procura de solução.
Uma vez a solução encontrada, experien-
Apresentação do ciclo metabólico de ciada e aprendida, um novo hábito se cons-
hábitos e de mudanças de hábito titui e o ciclo adaptativo de hábitos e de mu-
dança de hábitos pode então continuar.
Para configurar a relação sistêmica, semi- Vamos apresentar brevemente cada uma
ótica, contextualizada e situada da comuni- dessas fases notando que a passagem entre
dade de agentes, do sistema de objetos e do uma fase e outra é provocada por tensões.
meio ambiente, nós aderimos aos conceitos Como já assinalado na modelização
de hábito e mudança de hábito de C. S. Peirce. completa, estes ciclos ou “relógios” de base
Estes conceitos foram em seguida retra- estão ao mesmo tempo encaixados, a fim de
balhados e ordenados em um ciclo de trans- representar a articulação das fases do indi-
formações. viduo com as da sua comunidade cultural,
Este ciclo e suas diferentes fases são repre- e replicados, pois são as mesmas fases que
sentados no diagrama seguinte: se seguem tanto em caso de concepção-
#$%&!'*+'012$)!/'+'3"*.,-./'*+'012$)!/'/+5",*!'#676'8+$(%+ -produção como em caso de difusão ou de
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A crença é simplemente uma regra de ação,
Figura 12: ciclo do metabolismo de hábitos segundo a teoria de
uma predisposição para agir, uma fórmula des-
C.S. Peirce e Bernard Darras e Sarah Belkhamsa. tinada a nos servir de guia. Consequentemente,
os hábitos formados a partir daí são acionados
Tal como apresentado aqui, o lado esquerdo e concretizados em hábitos de ação. Para Peir-
do círculo é ocupado pelas fases de equilíbrio. ce, esta é própria função do pensamento: “A
Trata-se do campo das crenças em fase de estabi- função global do pensamento é de produzir
lidade, dos hábitos e hábitos de ação decorrentes
que, por sua vez, reforçam as crenças no caso de 4
“A belief consists mainly in being deliberately prepared to
uma ação conclusiva (flecha descendente). adopt the formula believed in as the guide to action.”
hábitos de ação” (CP 5.400, v.13).5 A significa- Os agentes “bricolam” (improvisam) fa-
ção se realiza no hábito de ação. (CP 5.400) zendo uso das informações e conhecimentos
“O hábito, segundo Peirce, é estar pronto oferecidos pelo seu meio ambiente: as me-
a agir de certo modo em função das circuns- mórias externas ou desincorporadas e os há-
tâncias e quando somos impulsionados por bitos materializados em forma de artefatos.
um determinado motivo” (CP 5.480). “O caminho se faz ao caminhar” já dizia
Como especifica Bernard Morand: “o hábi- A. Machado.
to é uma tendência que fixa o comportamen- O programa pragmático é uma espécie de
to atual de acordo com os comportamentos impulso inicial, uma intenção, ao passo que a
repetidos em circunstâncias semelhantes no “bricolagem” executiva é oportunista e busca
passado” (Morand, 2004:98); toda forma de adaptar-se por meio da criatividade do agir.
generalização constitui um hábito: “a única s /S programas executivos são as bricola-
maneira de uma lei ser suficiente por ela mes- gens executivas que, repetidas inúme-
ma é determinar um hábito” (CP 1.536). Isso, ras vezes, ficam registradas na memória
pois, a única regra fundamental buscada pela procedural. Elas tornam-se automáticas
mente é a tendência à generalização (CP 621) e e inconscientes. A prática de dirigir um
esta lei, naturalmente, só pode existir por meio automóvel ou de um especialista em di-
de um hábito. Em outras palavras, “o poder gitação são exemplos de combinações de
do intelecto está simplesmente na facilidade automatismos e bricolagens executivas.
em seguir determinados hábitos e aplicá-los Quando a ação passa a ser conhecida
em casos semelhantes (...) Pois são típicos de “pelo corpo”, a mediação de uma repre-
tais associações de impressões (Connections of sentação torna-se desnecessária.
feelings) a partir das quais estes hábitos foram Ela chega mesmo a incomodar quando
formados (CP.6.20) (Dumais 2010:50). ressurge em meio de uma ação automatizada.
Dumais nota que “da nocão de hábito, ex- De certa maneira, é preciso aprender a agir
cluem-se as disposições naturais (CP. 5.476), sem pensar. Porém isso não quer dizer que o
Peirce não define o que são estas disposições agente não pensa mais. O pensamento é agora
naturais”. Esse é um ponto que Peirce vai re- psicomotor e não mais representacional.
tomar inúmeras vezes ao considerar que es- Em todos os casos, passar para a ação é sa-
tas disposições naturais podem se tratar de ber funcionar com base em um destes três mo-
incorporações dos hábitos. dos. Como veremos mais adiante, esse processo
Nossa modelização distingue três tipos de é muito próximo daquele colocado em prática
hábitos de ação: durante a aprendizagem de um novo hábito.
s /S programas pragmáticos são representa-
ções internas ou externas de um plano de A dúvida
ação. A tabuada memorizada ou um siste-
ma mnemotécnico (recursos e técnicas de A entrada em uma fase de dúvida é uma
memorização) são exemplos de progra- situação normal do ciclo metabólico de nossa
mas pragmáticos internos. Os programas mente que está ao mesmo tempo em busca do
pragmáticos externos são as instruções de hábito e do conforto da crença, mas que tam-
uso, as receitas, os mapas, os manuais de bém está propensa às ações que podem con-
montagem etc.. duzir à surpresa, a falhas e à invalidação do há-
s !S “bricolagens executivas” são necessárias bito e da crença. “Como a crença é uma regra
para que possamos agir concretamente. Tra- de ação que, para ser aplicada, implica mais
ta-se das ações improvisadas que ocorrem dúvida e reflexão, ela é a ocasião de um salto
durante nossa experiência direta e situada. e de um novo começo para o pensamento.”6
5
“The whole function of thought is to produce habits of action.” 6
“Since belief is a rule for action, the application of which invol-
Na maioria dos casos, a dúvida não é uma pesquisa metódica e científica de soluções
etapa insatisfatória: “A dúvida não é um há- inéditas fundadas nos diferentes processos
bito, mas sim a privação de um hábito.”7 lógicos de abdução, indução e dedução. En-
Sua dissipação inaugura uma fase de pes- tre os dois extremos, a imaginação e a cria-
quisa que pode submergir em uma fase de tividade oferecem uma grande variedade de
crise ou se liberar em um salto criativo. dispositivos de resolução de problemas que
Em casos graves a tensão se transforma em vão do surgimento intuitivo de soluções até
estado de choque bloqueando o pensamento.8 as diferentes reciclagens de blocos de pen-
samento. Como dizia Albert Einstein “Os
problemas com os quais nos confrontamos
não podem ser resolvidos no mesmo nível e
Em um meio ambiente com a mesma forma de pensar que os criou”.9
propenso à estabilidade Uma solução poder levar um tempo bastante
e ao previsível, curto ou bastante longo para aparecer, po-
torna-se bastante dendo mostrar-se mais ou menos viável.
simples controlar
rapidamente as A aprendizagem de novos hábitos
(Habit taking)
micromudanças
Beaunieux (2009:52) revela que
a aprendizagem de um procedimento se dá
em três etapas distintas: uma etapa cogniti-
va, uma etapa associativa e uma etapa quali-
A crise ficada como autônoma. Na primeira etapa,
o sujeito está ainda descobrindo o que ele
Na falta de uma solucão viável, o sujeito precisa aprender: ele avança no escuro e co-
e sua comunidade entram em uma fase de mete inúmeros erros. Ele passa em seguida
crise dominada pelo transtorno, pela hesi- para a etapa associativa, uma fase transitória
durante a qual começa a exercer um contro-
tação, pelo desacerto, pelo sofrimento, pela le sob a tarefa a ser realizada, mas sem ainda
inibição da ação, pelos círculos viciosos ou automatizá-la completamente.
por toda outra forma de bloqueio. Esperan-
do que um novo salto criativo e adaptativo
Finalmente, durante a terceira etapa os ges-
aconteça, tenta-se dar um jeito reciclando o tos tornam-se automáticos e atingem um
velho em novo. nível máximo de eficácia.
tos significações particulares e estilos de vida aos da recepção sem levar em consideração as
quais os consumidores se identificam. Em ou- etapas do ciclo tal como temos configurado.
tras palavras, eles são os fornecedores de bens e A afordance e as enações são predomi-
de serviços simbólicos” (du Gay et al. 1997:62).10 nantemente situadas no universo des há-
Toda esta inteligência materializada e or- bitos ao passo que as representações são
ganizada busca desencadear uma experiência requeridas, sobretudo na fase de mudança
sensível de “qualia” no consumidor/usuário de hábito, logo uma fase de pesquisa e de
e ativar em seguida a cadeia de afordances, aprendizagem.
enação, hábitos de ação, representações, pro- Temos buscado descrever, num enfoque
jecões identitárias etc. sistêmico e semiótico, este duplo fluxo recí-
proco de agencies que caracteriza a relação
Fluxo de difusão ou de oferta entre um artefato e um utilizador (tanto em
São inúmeras as relações desencadeadas fase de hábito de ação, mudança de hábito ou
entre, de uma parte, a comunidade de difu- aprendizagem).
são (ou de oferta no caso da internet) e os Após explorarmos diferentes abordagens,
produtores e, de outra parte, a comunidade optamos finalmente pelo modelo transacio-
de difusão e os utilizadores potenciais. nal e exosemiótico desenvolvido por Jacob
Todos esses fluxos de informações, comu- von Uexküll (Uexküll, 1940, 1956, 1965).
nicação, mediação e transações são produzi- Esse modelo corresponde perfeitamente
dos e controlados pelos agentes do packaging, a nossa concepção do mundo como um sis-
da publicidade, das mídias, do comércio, da tema composto de agentes humanos e não-
instalação e da venda utilizando abundante- -humanos porém humanizados.
mente imagens e interfaces digitais para ven- Em um mundo-próprio (Umwelt) consti-
der seus produtos. tuído pelo encontro de um artefato portador
São muitos os estudos realizados neste se- de significão e um utilizador desta, os com-
tor e por isso não entraremos em detalhe aqui. ponentes dos artefatos concebidos (designa-
dos) para o uso aparecem na forma de “pon-
Fluxo de recepção e de uso do artefato tos” oferecidos aos “contrapontos” do agente.
Quando a difusão atua como mediadora, (Uexküll gosta de utilizar metáforas mu-
a relação com o artefato se estabelece geral- sicais. Com efeito, segundo ele, a coordena-
mente de forma direta. ção de todos os agentes semióticos na natu-
As pesquisas sobre as relações ativadas reza ressoa como uma formidável sinfonia).
entre o utilizador e o artefato (objeto, ima- Em termos semióticos pragmáticos e sis-
gem e interfaces) criaram paradigmas diver- têmicos, diríamos que o mundo-próprio é
sos, por vezes opostos, dentro da chamada constituído por um agir específico (uma ex-
teoria de recepção. periência). O objeto, a interface web, a sina-
A nosso ver, eles descrevem os diferentes lética, entre outros, são “portadores de signi-
aspectos da relação dos artefatos/usuários ficação” que se atualizam durante a relação
assim como as diversas concepções das rela- de transação desencadeada com os “comple-
ções com os artefatos. mentos” ou contrapontos incorporados ou
Descata-se, sobretudo, que tais pesquisas elaborados em forma de hábitos pelo “utili-
atuam em função das fases do metabolismo zador da significação”.
A fórmula pode ser resumida como (hábito
10
“Designers have to embody culture in the things they design
(...) They play an active role in promoting consumption throu- de significar hábito de utilizar), pois, na maio-
gh attaching to product and services particular meanings and ria das vezes, o artefato portador de significa-
‘lyfestyles’ with which consumers will identify. Put simply they
can be defined as involved in the provision of symbolic goods
ção e o utilizador de significação vêm de uma
and services.” longa história de co-determinação e de enação.
Isso quer dizer que ela é ativada durante as Estes processos são, a nosso ver, um dos
fases de elaboração de um programa pragmá- lugares máximos de ativação do fluxo de
tico e nos momentos de “bricolagem” (impro- comunicação entre os humanos e o mundo
visação), mas também nos momentos de dú- não-humano porém humanizado dos obje-
vida, de crise, de pesquisa e de aprendizagem. tos.
Essa comunicação interna não é mais ati- Nota-se que estes fluxos também existem
vada quando um hábito é solidamente cons- no campo da difusão: “o que ele quer me
tituído ou gerado por um dispositivo jà bem vender” etc.
estabelecido.
Os comentários registrados durante as nos- Feed-back
sas observações ilustram bem este ponto: “foi
bem pensado!”, “que coisa mais mal feita!”, Ao passo que as projeções da “Teoria da
“como será que eles imaginaram isso?”, etc. mente” se estabelecem sem haver uma conse-
Evidentemente, por sua vez, a comunida- quência direta na transformação do artefato,
de dos designers-produtores também imagi- os feed-backs são, por sua vez, destinados a
na permanentemente o comportamento de estabilizá-las e modificá-las.
seus futuros usuários (grupo do qual, não Nós entendemos como feed-back todo
podemos esquecer, ela também faz parte). tipo de teste de utilização, sondagens e pes-
Ela o faz por meio de testes e sondagens quisas de satisfação conduzidos em geral
diversas de comportamento, mas também, e, pelo setor de marketing, mas também todas
sobretudo, se auto-projetando e supondo as as operações de co-design conduzidas no
utilizações futuras. âmbito do design participativo.
Todos nós já efetuamos, de uma forma ou
de outra, esta ação de supor o pensamento Conclusão
do outro, ele estando ou não presente. Esse
é, de fato, um dos componentes da empatia O diagrama realizado é tanto uma mode-
própria da nossa espécie e nosso modo de lização teórica quando uma ferramenta para
vida gregário. o estudo dos artefatos de todo gênero.
Para tal, ativamos uma capacidade men- Ele deve ser pensado de uma forma dinâ-
tal chamada “Teoria da mente”. mica e evolutiva bem como completado por
Nós ativamos uma Teoria de mente ou diferentes zooms sobre as zonas complexas
uma sequência de mindreading cada vez que de cada fase e cada fluxo. É o que nós tivemos
atribuímos supostas intenções aos objetos feito até aqui.
ou imagens que fazemos uso. O estudo das diferentes etapas do ciclo de
Este processo de “personalização” é, na hábitos e mudanças de hábitos constitui um
verdade, um prolongamento das proprie- aspecto essencial desta modelização do me-
dades mentais dos humanos até os artefatos tabolismo das trocas significantes entre os
não-humanos. humanos e seus artefatos.
O artefato se submete muito bem a esse pa- Em nossa aborgagem, todo estudo de
pel, pois ele é, justamente, o lugar da inteligên- uma experiência com um artefato reclama o
cia transferida, distribuída e materializada. ajustamento dos quatro polos envolvidos nas
Em nossa modelização, o fluxo das “Te- diversas relações, mas também uma análise
orias da mente” e as operações de mindrea- aprofundada das diferentes transações que se
ding se dá nos dois sentidos. Tais operações estabelecem e o estudo dos fluxos que unem
são ao mesmo tempo imaginadas e testadas cada polo ativado.
em design-produção e projetadas e ativas em Este diagrama não somente permite con-
uma situação de uso. siderar a significação de uma experiência
atualizada em um hábito de ação que se faz cas entre um artefato e seu sistema de artefa-
previsível pelo fato de ser repetido e compar- to já foram configuradas em nosso modelo.
tilhado por uma comunidade, mas possibili- A modelização proposta foi testada du-
ta também tratar da dinâmica de transfor- rante todo o seu processo de elaboração e
mação das semioses, das crises e das etapas tais testes continuam sendo realizados em
de aprendizagem. Esta lógica se aplica tanto nossos estudos bem como aplicados em di-
em concepção-produção, em difusão e em versas interfaces materiais e digitais.
recepção-uso, quanto no que se refere à ar- É assim que nosso modelo tem se aperfei-
ticulação destes três universos com todos os çoado e se ajustado pouco a pouco, sobretu-
fluxos (Darras & Belkhamsa, 2009c). do graças às contribuições de pesquisadores
Embora não tenhamos desenvolvido que já o utilizam em suas pesquisas.
aqui, uma grande parte das relações dinâmi- (artigo recebido ago.2013/ aprovado ago.2013)
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