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Modelização geral das relações


humanas com os artefatos:
estudo semiótico e sistêmico das interações

Bernard Darras
Professor de Semiótica e Metodologia da Pesquisa
da Universidade de Paris 1 Pantheon–Sorbonne
E-mail: bernard.darras@univ-paris1.fr

Anatomia de um modelo: abordagem


em rede do sistema de produção e
recepção dos artefatos
Buscando respostas para estas questões
aparentemente simples, pesquisadores de dife-
Resumo: O que ocorre quando vivemos uma experiência com
um objeto, uma imagem ou um site de internet por exemplo?
rentes disciplinas propuseram inúmeros mo-
Quais os atores humanos e materiais, próximos e distantes, delos explicativos, cujos mais antigos são os
participando diretamente ou indiretamente para que essa expê- modelos de comunicação desenvolvidos por
riencia possa acontecer em um determinado momento? Como
podemos representar e generalizar o ocorrido? Claude Shannon e Warren Weaver em 1945.
Palavras-chave: artefato, co-determinação, comunicação, de-
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sign, metabolismo, modelização, semiótica, sistêmica.
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Modelización general de las relaciones humanas con los artefactos:


estudio semiótico y sistémico de las interacciones
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Resumen: ¿Qué sucede cuando vivimos una experiencia con
un objeto, una imagen o un sitio de internet, por ejemplo?
¿Qué actores humanos y materiales, cerca y lejos, participan
directa o indirectamente para que esta experiencia puede su- "$!*-)*$+%,-
ceder en un momento dado? ¿Cómo podemos representar y Figura 1: modelização de Shannon & Weaver.
generalizar lo que pasó?
Palabras clave: artefacto, co-determinacion, comunicación,
design, metabolismo, modelización, semiótica, sistémica. Não cabe aqui estudar a evolução destes
modelos. Para isto, indicamos as sínteses rea-
General modeling of human relations with the artifacts: systemic
and semiotic study of the interactions
lizadas por Alex Mucchielli (2008) e os estu-
Abstract: What happens when we experience some situation dos comparativos e críticos de Nathan Crilly
with an object, an image or a homepage on the internet for e sua equipe (2004, 2008, 2009, 2011).
example? What human or material issues, near or distants, par-
ticipate, directly or indirectly, making this experience happen De nossa parte, desde 2006, com a minha
in an specific moment? How can we represent or generalize colega Sarah Belkhamsa, temos estudado estas
what occurred?
Key words: artefact, co-determination, communication, de-
modelizações que concluímos incompletas ou
sign, metabolism, modelling, semiotics, systemic. apresentando pontos de vista bastante parciais.

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É neste sentido que buscamos elaborar os artefatos. Ele exerce igualmente um


um novo modelo descritivo que será aqui papel essencial enquanto meio, disposi-
apresentado. tivo, rede e intersistema.
Esse modelo foi publicado em 2009 e
desde então temos buscado aperfeicoá-lo e
utilizá-lo em diferentes estudos.
Na primeira parte desta deste artigo apre-
sentaremos os diversos componentes desta
modelização assim como nossas escolhas te-
óricas. Na segunda, buscaremos explicitar o
seu funcionamento.

Quais os atores representados nesta


modelização?
Figura 2.
Os cinco atores incluídos em nossa mo-
delização fazem parte de quase todos os mo-
delos de comunicação, os quais buscamos Como os atores são organizados na
modelização?
rever as definições e o raio de alcance. São
os seguintes: Sendo interacionista, portanto não cau-
s /S UTILIZADORES DOS ARTEFATOS QUE SáO OS sal e linear, nossa modelização não começa
atores da demanda e da recepção. Os mo- necessariamente com o processo de emissão
delos de comunicação elaborados após como é o caso nos paleomodelos.
Shannon e Weaver lhes atribuem fre- De fato, nós entendemos as relações entre
quentemente o papel de receptor ou des- os atores segundo o modelo de co-determi-
tinatário. nação das teorias neodarwinistas.
s /S ATORES ENVOLVIDOS NA CONCEP½áO E NA Isto nos conduz a representar essas rela-
produção dos artefatos denominados ções em forma de círculos e espirais de co-
emissores ou destinatores nos antigos -determinação, onde a oferta e a demanda de
modelos. artefatos são tão entremeadas quanto às fases
s /S PR˜PRIOS ARTEFATOS OU SEJA OS ATORES de concepção, utilização, transformação, etc.
não humanos tratando-se na maioria A figura do círculo retrata a continuidade
das vezes de substitutos: de inteligências destas interações e a espiral representa sua
transferidas, de protéses de ação, de com- evolução no tempo.
petências humanas materializadas, de
narrações etc.
s / RAIO DE ALCANCE QUE CONFERIMOS A ESTE
termo é muito maior que a noção de
mensagem dos antigos modelos.
s /S DIFUSORES DE ARTEFATOS QUE SáO OS ATORES
exercendo a função de canal ou transmis-
sor nos paleomodelos.
s / MEIO AMBIENTE EXERCE UM PAPEL EX-
tremamente importante em nosso mo-
delo. Trata-se do local onde se realizam
todos os metabolismos que se manifes-
tam nas relações entre os humanos e Figura 3: círculo e espiral.

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Nos aproximando ainda mais da realida- igualmente processual e metabólica evitan-


de, as espirais precisam ser desenhadas de do-se, deste modo, toda forma de cristaliza-
forma imbricada e divergente para melhor ção ou reificação.
representar a evolução histórica destes ciclos Da mesma forma, focalizar a atenção em
de co-determinação e suas mutações, dando um único designer ou usuário, como é de
origem às divergências e proliferações que praxe nos modelos de comunicação, reduz,
enriquecem a gama de artefatos. a nosso ver, a complexidade dos aspectos
Este fenômeno é bastante frequente no mobilizados no âmbito de uma experiência
e suas relações.
mundo dos objetos, das imagens e da cul-
Para representar as diversas relações en-
tura digital.
tre a experiência individual contextualizada,
situada e finalizada, bem como os aspectos
supra-individuais ativados durante uma ex-
pêriencia, optamos por apresentá-los através
da superposição de dois círculos concêntricos.

Figura 4: divergências e proliferações que enriquecem a gama


de artefatos.

Ator ou polo?

Nota-se que tenho me referido aos atores


no plural e não no singular. Figura 5: polo.

O uso do plural destaca nosso diferencial


O primeiro círculo menor, ao centro, re-
com relação às concepções substancialistas,
presenta o indivíduo e o segundo a comuni-
analíticas e reducionistas que, adeptas ao
dade na qual ele atua.
conceito de existência em si, consideram o
Essa comunidade depende da experiência
ator como um indivíduo isolado e indepen-
em andamento. Na verdade, na maioria dos
dente de seu meio ambiente. casos os indivíduos pertencem a várias co-
Em contraste, prefirimos utilizar os con- munidades cujas influências podem se com-
ceitos “polo de concepção”, “sistema de ar- plementar ou entrar em conflito.
tefatos”, “metabolismo”, co-determinações Isso quer dizer que uma determinada
articuladas etc. experiência pode ativar, em níveis diversos,
Em nossa abordagem sistêmica e relacional, uma ou várias comunidades.
os atores e a comunidade de atores são conside- Este tipo de representacão por inclu-
rados como agentes de relações dinâmicas em são possibilita descrever as relações de um
um meio ambiente que eles contribuem para designer-produtor, um difusor ou um usu-
construir e que os constrói em retorno. ário com as suas comunidades, bem como as
Como essas relações também se trans- relações mantidas entre um artefato e o seu
formam com o tempo, nossa abordagem é sistema de objetos.

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Os agencies são poderes para agir com re-


lação ao outro e com relação a determinada
rede, dispositivo, mundo-próprio ou meio
ambiente. Certos agentes dominam, dirigem,
oprimem e outros suportam, resistem, com-
batem, negociam etc. (Darras, 2007).

Meio ambiente, mundo-próprio,


rede, dispositivo

Até aqui, temos empregado regularmente os


termos meio ambiente, sistema, mundo-pró-
Figura 6: polos. prio, dispositivo e rede sem defini-los nem cor-
relacioná-los. É o que vamos fazer rapidamente:
Os quatro polos, dos designers-produto- s / MEIO AMBIENTE £ A ENTIDADE MAIOR QUE
res, dos difusores, da comunidade de usuá-
engloba todas as outras. Logo, toda enti-
rios e dos artefatos constituem, portanto,
dade possui um meio ambiente.
universos associados e relacionados.
s %M UM MEIO AMBIENTE O MUNDO PR˜-
Unidos a diversos graus, eles constituem
prio é a configuração de relações e de
um metabolismo vivo (Peirce), uma experi-
ações significantes entre os portadores de
ência (James, Dewey), um mundo-próprio
significação e os utilizadores de significa-
e meio de vida (um Umwelt segundo Von
ção. O termo mundo-próprio utilizado
Uexküll), um sistema contido em um meio
aqui é a tradução ao português do termo
ambiente (Von Bertallanfy, Le Moigne, Mo-
alemão Umwelt pertencente ao biosemió-
rin etc.), uma rede de atores (Callon, Latou,
Low) e um dispositivo (Foucault, Agamben). tico J. Von Uexkull (1956-1965).
Assim, um mesmo meio ambiente é
composto por inúmeros mundos-próprios
Ator ou agente? (Umwelt) e um portador de significação fun-
Uma das mais importantes contribuições ciona como tal em níveis diversos dependen-
dos chamados, no mundo anglo-americano, do de como este é utilizado pelos diferentes
French theories e cultural studies trata-se da utilizadores da significação.
distinção estabelecida entre as noções de ator Numa sala qualquer, por exemplo, o
e agente e as noções de ação e agencies. mundo-próprio dos humanos não é o mes-
Enquanto que o termo ator permite de- mo que o das formigas e o das bactérias.
finir aquele que age privilegiando a ação, o Juntos, estes Umwelten constituem o meio
termo agente enfatiza as relações de poder ambiente, “a surpreendente sinfonia da na-
dos atores entre si e com os componentes tureza” segundo a expressão de Von Uexkull.
de seu mundo-próprio, de seu sistema, rede, s %M UM MUNDO PR˜PRIO E ÍS VEZES ENTRE IN¢-
dispositivo ou meio ambiente. meros mundos próprios, os agentes huma-
O termo ator é, de certo modo, uma con- nos e não humanos (os animais e também os
cepção neutralizada do agente e evitaremos artefatos) são organizados em forma de redes
empregá-lo doravante. de co-determinações e de interdependências.
Em um meio hierárquico em que os agen- A Teoria do Ator-Rede (Actor-Network The-
tes provocam ou sofrem relações assimétricas ory - ANT) desenvolvida por Michel Callon,
e desiguais, cada um atribui a si seus próprios Bruno Latour e John Law é uma vertente da
agencies ou estes lhe são designados por sua semiótica materialista.
comunidade ou outras comunidades. s !S RELA½µES RECORRENTES ENTRE OS AGENTES

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estão propensas a se estabilizar, se institu- difique, mesmo que somente um pouco, o


cionalizar e se sistematizar em dispositivos. mundo-próprio e o meio ambiente nos quais
Assim como nos descreve Michel Foucault ela atua.
(1977:299) “Busco designar por este nome, Que seja em um nível físico, mecânico, quí-
em primeiro lugar, um conjunto resolu- mico, fisiológico, e muito provavelmente, em
tamente heterogêneo, comportando dis- um nível psicológico e semiótico, toda ação
cursos, intituições, arranjos arquiteturais, provoca uma dissipação de energia e de infor-
decisões regulamentares, leis, medidas ad- mação e, consequentemente, uma reação.
ministrativas, enunciados científicos, pro- O conceito de interação permite ir além
posições filosóficas, morais, filantrópicas, do ponto de vista da ação egocêntrica, mas
em suma: o dito, assim como o não-dito, conserva ainda assim uma relação substan-
aqui estão os elementos do dispositivo. O cialista entre duas entidades.
próprio dispositivo é a relação que pode- Para ir além desse reducionismo subs-
mos estabelecer entre estes elementos. tancialista, dois caminhos são possíveis: o da
Em seu curto livro O que é um disposivo? transação e o da enação.
(Che cos’è un dispositivo?) Giorgio Agamben
comenta e extrapola a proposição de Foucault
(2006-2007). “Generalizando ainda mais a clas-
se já tão vasta dos dispositivos de Foucault, eu
chamo de dispositivo tudo que possui, de uma
maneira ou de outra, a capacidade de captu-
rar, orientar, determinar, interceptar, modelar,
controlar e assegurar os gestos, as condutas, as
opiniões e os discursos dos seres vivos”.
Não somente as prisões, os asilos, o
panoptikon, as escolas, a confissão, as usinas,
as disciplinas, as medidas jurídicas - cujas ar-
ticulações com o poder são evidentes - mas
também a caneta, a escrita, a literatura, a filo- Figura 7: transação.
sofia, a agricultura, o cigarro, a navegação, os
computadores, o telefone celular e, porque O conceito de transação foi proposto por
não, a própria linguagem pode ser o mais John Dewey e Arthur Bentley (1949) a fim
antigo dispositivo pelo qual (há) muitos mi- de ultrapassar o conceito pré-científico de
lhares de anos daqui um primata, provavel- self action como poder próprio de agir, mas
mente incapaz de se dar conta das consequ- também para ir além do conceito mecanis-
ências que estavam a sua espera, teve então a ta de interação como o equilíbrio de forças
inconsciência de se deixar capturar.1 (Newton).
Dewey e Bentley propõem o conceito de
transação que permite apreender os múl-
Acão, relação, interação, enação
tiplos aspectos e fases da ação sem recorrer
ou transação
às essências, às substâncias ou às entidades
Toda ação gera uma relação e, fatalmente, últimas e finais.
uma reação. É raro que uma ação não mo- Como nos diz Emirbayer (1999:282) “A
especificidade da abordagem transacional é
1
Todos esses atores fazem parte de uma rede servida por outros entender as relações entre os termos ou uni-
sistemas e outras redes que são feitas e desfeitas por projetos
de diferentes atores, mas também encontros não planejados e
dades como eminentemente dinâmicas por
imprevisíveis. natureza, como a manifestaçao de um pro-

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cesso em andamento e não como um núcleo


estático entre substâncias inertes.”2
Assim como destaca Aurélie Cassag-
ne (2008:25): “o relacionismo revindica uma
abordagem capaz de apreender os fenôme-
nos da vida social como processos dinâmi-
cos imbricados uns aos outros, constituindo
deste modo configurações específicas, elas
mesmas dinâmicas.”
Francisco Varella (1993) resume a concep-
ção de enação quando nos diz que “a cognição
não é a representação, mas sim a ação encar-
nada e que o mundo que conhecemos não nos Figura 8: fluxos.
é dado, mas sim “enacionado” pela história de
nossa união estrutural com o meio”. Os tempos do metabolismo da
A enação é, então, uma concepção evolu- estabilidade dinâmica à mudança
tiva e vinculada ao nosso mundo-próprio e
ao nosso meio ambiente. O meio ambiente O conceito de metabolismo que temos
nos modela ao mesmo tempo em que nós o evocado regularmente pertence a Charles
modelamos. S. Peirce que, vale lembrar, foi também um
O interior e o exterior se constituem mu- químico.
tualmente por meio da ação e suas mediações. Cientificamente, o termo “metabolismo”
É o caso do impacto da nossa mão sobre o pertence ao campo da química, correspon-
mundo que co-determinamos para que sem- dendo ao conjunto de mudanças de tipo mo-
pre esteja ao alcance da mão para manipulá- lecular no interior de um corpo (químico). O
-lo melhor (Darras; Belkhamsa, 2008). conceito foi em seguida estendido ao campo
fisiológico para se referir às transformações
O que ocorre entre os polos? de um organismo.
Etimologicamente, Metóbolo (em inglês
Todos os polos de nossa modelização se metaboly) vem do grego metabolé que signica
articulam e trocam fluxos de matéria, ener- “descolamento” e do latim metabola, meta-
gia, informação e significação internamente bole que significa “mudança” e “troca”.
e externamente, em diversos níveis e em di- Segundo Peirce “(a teoria) do pragmati-
versos momentos. cismo entende o pensamento como um me-
Estas trocas não são ativas permanen- tabolismo vivo de símbolos inferenciais cuja
temente, certos acontecimentos acionando significação reside em uma resolução geral e
todo o ciclo e outros somente algumas partes. condicional para agir” (Peirce, 5.402).3
Mais adiante, nós estudaremos os fluxos
Como veremos mais tarde, defende-se
que circulam entre os polos.
aqui que a signifição (purport) se realiza de
Neste âmbito, os artefatos materiais (ob-
duas formas: ou como deliberação geral e
jetos, imagens impressas) não funcionam da
resolução geral para agir, ou, diretamente,
mesma maneira que os artefatos difundidos
por meio de uma ação habitual. A partir de
ou acessíveis.
1907, o próprio Peirce mudou seu ponto
de vista sobre a questão e passou a consi-
2
“What is specific about the transactional approach is that it
sees relations between terms or units as preeminently dynamic 3
“Pragmaticism makes thinking to consist in the living infe-
in nature, as unfolding, ongoing processes rather than as static rential metaboly of symbols whose purport lies in conditio-
ties among inert substances” (Emirbayer, 1999:282). nal general resolution to act” (Peirce ,5.402).

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derar que a ação se generaliza em hábitos #$%&!'*+'012$)!/'+'3"*.,-./'*+'012$)!/'/+5",*!'#676'8+$(%+

de ação atuantes, ou seja, na relação (tran- !"#$"%"&#&'


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Figura 10: relógio do metabolismo semiótico e


pragmático dos agentes.

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Segundo este mesmo princípio, é possível
representar o metabolismo da comunida-
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de da mesma maneira, porque ela também
Figura 9: terminologia de C. S. Peirce.
passa por fases similares de hábito (habitus
segundo Bourdieu), de dúvida, de reconstru-
Com relação ao seu mundo-próprio, a ção do hábito etc.
sua rede ou ao seu dispositivo, um agente Em nosso modelo, os “relógios” centrais
pode estar numa fase semiótica de rotina ou caracterizam o estado semiótico de tal ou tal
hábito (Habit na terminologia de C. S. Peir- agente, enquanto que os “relógios” periféricos
ce), isto é, em uma fase pragmática cuja sig- representam tal ou tal estado semiótico da co-
nificação se realiza como uma predisposição munidade interpretativa e, por extensão, tal ou
para agir ou como um signo de ação. tal estado da cultura material, visual ou digital.
O agente pode também estar numa fase #$%&!'*+'012$)!/'+'3"*.,-./'*+'012$)!/'/+5",*!'#676'8+$(%+
em que seus hábitos de ação falham, ou seja,
uma fase de perda de sentido que chamamos
“fase de dúvida” (doubt).
Em outro momento, ele pode estar numa
fase de pesquisa, de mudança de hábito
(habit change) ou de aprendizagem (habit
taking) etc.
O movimento entre o hábito e a mudança Figura 11: “relógios”encaixados e concêntricos, três casos.”
de habito não é uma simples oscilação, mas
sim uma sequência de cronológica de mu- Como os relógios são encaixados e con-
danças mais ou menos rápidas. cêntricos, suas rotações podem ser ajusta-
Ao representarmos estes estados de meta- das ou reajustadas em diferentes fases nos
bolismo da mente e da ação por meio de um permitindo, assim, representar as diferentes
círculo cronológico, obtemos uma espécie de configurações articuladas de consenso ou
relógio do metabolismo semiótico e prag- de disenso do “casal” agente e comunidade
mático dos agentes. de agente.

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A rede de agentes funciona da melhor A modelização dos polos: um ponto de


forma possível quando todos os relógios partida e um ponto de chegada?
situados no interior de um polo e entre os
Em uma rede de agentes ativos, é difícil
polos são alinhados de forma complementar.
decompor e pontuar uma relação para deter-
Por exemplo: um webdesigner produz
minar quem deu inicio à transação.
uma interface padrão de acordo com os há-
A metáfora de quem veio primeiro, o ovo
bitos da sua agência, os da cultura digital e,
consequentemente, os de todos os usuários e ou a galinha, é um bom exemplo do tipo de
sua comunidade que já desenvolveram roti- armadilha que pode ser evitada pela concep-
nas e hábitos adaptados aos produtos da co- ção de co-determinações evolutivas.
munidade de produção e de difusão. Isto impede cair na tentação de decidir
quem primeiro chamou a atenção ou quem
primeiro prestou atenção, quem oferece e
quem pede etc.
Pesquisas sobre Segundo o tipo de estudo desenvolvido a
condutas individuais partir desta modelização, é preciso ter sempre
apontam que ocorrências em mente a dinâmica contínua da transação.
das práticas partilhadas Todavia, o estudo pode se focalizar em tal
constituem parte de ou tal polo específico, em diferentes polos al-
nossas representações ternadamente, em suas zonas de relação ou
em comum até mesmo na totalidade do dispositivo.
Diferentemente dos relógios internos aos
polos que são cronológicos, o circuito das rela-
ções entre os polos não tem pontos de chegada
Neste caso, nenhum problema é causado, nem de partida, não tem acima nem abaixo.
pois as representações, os usos, os portadores Além disso, a relação entre os polos se dá
de significação e os utilizadores de significa- nos dois sentidos.
ção são compatíveis.
A rede dos agentes e dos polos estão ali- As interfaces dos polos – In e out
nhadas e funcionam perfeitamente.
O alinhamento é a posição ideal e home- Cada polo de nossa modelização possui
ostática almejada por todo sistema em busca entradas (in) e saídas (out) e cada fluxo de
de equilíbrio. matéria, de energia e de informação é amol-
Podemos, de igual modo, representar um dado ou amoldável.
estado da rede alinhado num estado de cria- Tomemos, por exemplo, o polo do arte-
tividade, num sistema a espera de soluções fato esquematizado aqui na forma de uma
inovadoras etc. interface contendo três conexões principais.
Além disso, basta que um dos agentes hu- s $E UM LADO O ARTEFATO £ hFABRICADOv INTE-
manos ou não humanos mude de posição grando e materializando os componentes
para que o sistema entre em dissonância. e as regras de articulação selecionados pelo
Nosso modelo é, então, apto a representar polo de concepção-produção. Aqui como
o novo estado dos agentes e, por extensão, o em qualquer outro lugar, as relações se ati-
estado e a dinâmica da rede de agentes. vam nos dois sentidos, em in e em out.
Essa modelização dinâmica do metabo- s 0OR OUTRO LADO ESTE ARTEFATO RELACIONA SE
lismo de uma rede ou de um sistema cons- também com o sistema de artefatos en-
titui, a nosso ver, uma das originalidades do quanto um representante ou um elemen-
nosso modelo. to da rede.

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s %NlM ELE ESTÕ AINDA RELACIONADO COM O A publicidade, por exemplo, faz questão
seu utilizador, passando inicialmente por de lembrar regularmente a todos os utiliza-
um polo de difusão. dores que tal objeto perdeu seu valor iden-
titário, saiu de moda, que a concorrência é
Estudo dos polos mais atraente etc.
s .O QUE DIZ RESPEITO AO conceito de comu-
s A comunidade de concepção e de produção nidade de usuários, ele não se refere uni-
de bens, produtos e serviços de distribui- camente às práticas de grupo. Ele inclui
ção trata-se do comandatário, dos enge- ainda todos os usuários singulares e situ-
nheiros de diferentes setores de estudo, ados que são ocorrências de acões apren-
dos responsáveis de marketing, da direção didas e assimiladas através de trocas di-
artística, do setor financeiro e, evidente- retas (imitação e instrução) ou indiretas
mente, dos designers cuja posição e papel com os outros membros da comunidade.
exercidos dependem do tipo de produção Essa comunidade produz e gera regras
e de produto. Todas estas pessoas contri- e normas de uso e de experiência mais ou
buem, diretamente ou indiretamente, nas menos incorporadas pelos indivíduos, mas
especificações do projeto como ainda nas também todas as interações improvisadas
diversas operações de conselhos, seleções, cuja causa ou objetivo são mais ou menos
testes, validação e fabricação desencadea- determinados. As pesquisas sobre as con-
das durante o processo. Finalmente, mes- dutas individuais apontam que são, de fato,
mo se revindicado ou não, toda concep- ocorrências das práticas partilhadas, sobre-
ção e produção é sempre o resultado de tudo na forma de crenças e hábitos que cons-
um co-design (design participativo) e de tituem uma parte de nossas representações
uma co-produção. em comum.
s A comunidade dos difusores é composta s O conceito de sistema de artefatos não se
por todos os sistemas de comunicação, limita à família dos objetos, imagens e
publicidade, estocagem, transporte, dis- interfaces. Ele é enriquecido pela ideia
tribuição, venda, serviço ao consumidor, de artefato como um dispositivo de in-
até mesmo o serviço de reciclagem etc. teligências distribuídas e mais ou menos
As relações e transações são intensas e re- fixas exercendo relações de transação e de
cíprocas entre essa comunidade, a comuni- enação entre artefato e agente e entre ar-
dade de concepção e produção e o sistema de tefato e artefato. (Zinna, 2005).
artefatos, de uma parte, e a comunidade de Neste ponto, nossa modelização deriva da
usuários, de outra parte. concepção sémiótica relacional de C. S. Peirce
A comunidade dos difusores exerce um pa- (1931-1935) e adere ao conceito de rede hetero-
pel indispensável para o metabolismo global. gênea em que os atores humanos e não huma-
A intervenção do polo de difusão é re- nos são considerados em suas redes de relações.
duzida em casos que a relação entre o pro- Como já mostrado, nosso modelo tem tam-
dutor e o “consumidor” é dita direta e a bém muitos pontos em comum com a Teoria
curto fluxo. Ator-Rede (Action-Network Theory, ANT).
Dependendo do contexto, o impacto da Nesta perspectiva, as relações dos artefatos
difusão persiste longo tempo após a apro- entre si constituem a ecologia dos artefatos.
priação do artefato. A difusão pode tornar-se Essas relações podem ser de dependência
permanente (os objetos de distribuição) ou direta (conjunto de objetos apresentados si-
ser simplesmente negligenciada. multaneamente: um serviço de jantar, uma
Porém, os difusores abandonam rara- mesa com suas cadeiras etc.) ou indireta
mente um objeto à sua própria sorte. (conjunto de artefatos religados à distância:

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a televisão e o controle remoto, um site e ou- Este equilibrio é o estado em que se en-
tros sites ou redes sociais referenciadas etc.). contra o pensamento funcionando em um
Os artefatos podem também estar interli- meio ambiente previsível.
gados a certa distância por diversos operadores O semicírculo da direita começa com a
paralelos de ponto e contraponto mecânicos (a dúvida causada pela perturbação de um há-
chave e a fechadura) químicos (um detector de bito de ação. Essa fase de dúvida é geralmen-
fumaça e uma chaleira) térmicos (o termostato te seguida por uma fase de crise, a mesma
e o radiador) ou por meio de ondas (dois tele- podendo dissipar-se pela entrada em uma
fones via uma rede) (Uexküll, 1956-1965). fase de pesquisa e procura de solução.
Uma vez a solução encontrada, experien-
Apresentação do ciclo metabólico de ciada e aprendida, um novo hábito se cons-
hábitos e de mudanças de hábito titui e o ciclo adaptativo de hábitos e de mu-
dança de hábitos pode então continuar.
Para configurar a relação sistêmica, semi- Vamos apresentar brevemente cada uma
ótica, contextualizada e situada da comuni- dessas fases notando que a passagem entre
dade de agentes, do sistema de objetos e do uma fase e outra é provocada por tensões.
meio ambiente, nós aderimos aos conceitos Como já assinalado na modelização
de hábito e mudança de hábito de C. S. Peirce. completa, estes ciclos ou “relógios” de base
Estes conceitos foram em seguida retra- estão ao mesmo tempo encaixados, a fim de
balhados e ordenados em um ciclo de trans- representar a articulação das fases do indi-
formações. viduo com as da sua comunidade cultural,
Este ciclo e suas diferentes fases são repre- e replicados, pois são as mesmas fases que
sentados no diagrama seguinte: se seguem tanto em caso de concepção-
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recepção e consumo.
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Crenças, hábitos, ação e significação


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Os conceitos de crença e de hábito que
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Charles S. Peirce. Em sua teoria: “uma cren-


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A crença é simplemente uma regra de ação,
Figura 12: ciclo do metabolismo de hábitos segundo a teoria de
uma predisposição para agir, uma fórmula des-
C.S. Peirce e Bernard Darras e Sarah Belkhamsa. tinada a nos servir de guia. Consequentemente,
os hábitos formados a partir daí são acionados
Tal como apresentado aqui, o lado esquerdo e concretizados em hábitos de ação. Para Peir-
do círculo é ocupado pelas fases de equilíbrio. ce, esta é própria função do pensamento: “A
Trata-se do campo das crenças em fase de estabi- função global do pensamento é de produzir
lidade, dos hábitos e hábitos de ação decorrentes
que, por sua vez, reforçam as crenças no caso de 4
“A belief consists mainly in being deliberately prepared to
uma ação conclusiva (flecha descendente). adopt the formula believed in as the guide to action.”

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hábitos de ação” (CP 5.400, v.13).5 A significa- Os agentes “bricolam” (improvisam) fa-
ção se realiza no hábito de ação. (CP 5.400) zendo uso das informações e conhecimentos
“O hábito, segundo Peirce, é estar pronto oferecidos pelo seu meio ambiente: as me-
a agir de certo modo em função das circuns- mórias externas ou desincorporadas e os há-
tâncias e quando somos impulsionados por bitos materializados em forma de artefatos.
um determinado motivo” (CP 5.480). “O caminho se faz ao caminhar” já dizia
Como especifica Bernard Morand: “o hábi- A. Machado.
to é uma tendência que fixa o comportamen- O programa pragmático é uma espécie de
to atual de acordo com os comportamentos impulso inicial, uma intenção, ao passo que a
repetidos em circunstâncias semelhantes no “bricolagem” executiva é oportunista e busca
passado” (Morand, 2004:98); toda forma de adaptar-se por meio da criatividade do agir.
generalização constitui um hábito: “a única s /S programas executivos são as bricola-
maneira de uma lei ser suficiente por ela mes- gens executivas que, repetidas inúme-
ma é determinar um hábito” (CP 1.536). Isso, ras vezes, ficam registradas na memória
pois, a única regra fundamental buscada pela procedural. Elas tornam-se automáticas
mente é a tendência à generalização (CP 621) e e inconscientes. A prática de dirigir um
esta lei, naturalmente, só pode existir por meio automóvel ou de um especialista em di-
de um hábito. Em outras palavras, “o poder gitação são exemplos de combinações de
do intelecto está simplesmente na facilidade automatismos e bricolagens executivas.
em seguir determinados hábitos e aplicá-los Quando a ação passa a ser conhecida
em casos semelhantes (...) Pois são típicos de “pelo corpo”, a mediação de uma repre-
tais associações de impressões (Connections of sentação torna-se desnecessária.
feelings) a partir das quais estes hábitos foram Ela chega mesmo a incomodar quando
formados (CP.6.20) (Dumais 2010:50). ressurge em meio de uma ação automatizada.
Dumais nota que “da nocão de hábito, ex- De certa maneira, é preciso aprender a agir
cluem-se as disposições naturais (CP. 5.476), sem pensar. Porém isso não quer dizer que o
Peirce não define o que são estas disposições agente não pensa mais. O pensamento é agora
naturais”. Esse é um ponto que Peirce vai re- psicomotor e não mais representacional.
tomar inúmeras vezes ao considerar que es- Em todos os casos, passar para a ação é sa-
tas disposições naturais podem se tratar de ber funcionar com base em um destes três mo-
incorporações dos hábitos. dos. Como veremos mais adiante, esse processo
Nossa modelização distingue três tipos de é muito próximo daquele colocado em prática
hábitos de ação: durante a aprendizagem de um novo hábito.
s /S programas pragmáticos são representa-
ções internas ou externas de um plano de A dúvida
ação. A tabuada memorizada ou um siste-
ma mnemotécnico (recursos e técnicas de A entrada em uma fase de dúvida é uma
memorização) são exemplos de progra- situação normal do ciclo metabólico de nossa
mas pragmáticos internos. Os programas mente que está ao mesmo tempo em busca do
pragmáticos externos são as instruções de hábito e do conforto da crença, mas que tam-
uso, as receitas, os mapas, os manuais de bém está propensa às ações que podem con-
montagem etc.. duzir à surpresa, a falhas e à invalidação do há-
s !S “bricolagens executivas” são necessárias bito e da crença. “Como a crença é uma regra
para que possamos agir concretamente. Tra- de ação que, para ser aplicada, implica mais
ta-se das ações improvisadas que ocorrem dúvida e reflexão, ela é a ocasião de um salto
durante nossa experiência direta e situada. e de um novo começo para o pensamento.”6
5
“The whole function of thought is to produce habits of action.” 6
“Since belief is a rule for action, the application of which invol-

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Na maioria dos casos, a dúvida não é uma pesquisa metódica e científica de soluções
etapa insatisfatória: “A dúvida não é um há- inéditas fundadas nos diferentes processos
bito, mas sim a privação de um hábito.”7 lógicos de abdução, indução e dedução. En-
Sua dissipação inaugura uma fase de pes- tre os dois extremos, a imaginação e a cria-
quisa que pode submergir em uma fase de tividade oferecem uma grande variedade de
crise ou se liberar em um salto criativo. dispositivos de resolução de problemas que
Em casos graves a tensão se transforma em vão do surgimento intuitivo de soluções até
estado de choque bloqueando o pensamento.8 as diferentes reciclagens de blocos de pen-
samento. Como dizia Albert Einstein “Os
problemas com os quais nos confrontamos
não podem ser resolvidos no mesmo nível e
Em um meio ambiente com a mesma forma de pensar que os criou”.9
propenso à estabilidade Uma solução poder levar um tempo bastante
e ao previsível, curto ou bastante longo para aparecer, po-
torna-se bastante dendo mostrar-se mais ou menos viável.
simples controlar
rapidamente as A aprendizagem de novos hábitos
(Habit taking)
micromudanças
Beaunieux (2009:52) revela que
a aprendizagem de um procedimento se dá
em três etapas distintas: uma etapa cogniti-
va, uma etapa associativa e uma etapa quali-
A crise ficada como autônoma. Na primeira etapa,
o sujeito está ainda descobrindo o que ele
Na falta de uma solucão viável, o sujeito precisa aprender: ele avança no escuro e co-
e sua comunidade entram em uma fase de mete inúmeros erros. Ele passa em seguida
crise dominada pelo transtorno, pela hesi- para a etapa associativa, uma fase transitória
durante a qual começa a exercer um contro-
tação, pelo desacerto, pelo sofrimento, pela le sob a tarefa a ser realizada, mas sem ainda
inibição da ação, pelos círculos viciosos ou automatizá-la completamente.
por toda outra forma de bloqueio. Esperan-
do que um novo salto criativo e adaptativo
Finalmente, durante a terceira etapa os ges-
aconteça, tenta-se dar um jeito reciclando o tos tornam-se automáticos e atingem um
velho em novo. nível máximo de eficácia.

A pesquisa Essa dinâmica corresponde a três zonas


cerebrais distintas (Hubert et al. 2007).
A pesquisa ou a procura de solução pode “Esta transmutação (em memória pro-
se dar de diferentes formas, desde a imitação cedural) explicaria porque os automatismos
(uso e cópia de soluções já existentes) até a são tão difíceis de verbalizar” (Beaunieux,
2009:53).
ves further doubt and further thought, at the same time that it Esta economia procedural permite que
is a stopping-place, it is also a new starting-place for thought.”
7
“Doubt […] is not a habit, but the privation of a habit.” o sujeito dedique grande parte da sua ativi-
8
Como podemos definir esses programas pragmático e execu- dade a outras coisas. Se na competição entre
tivo são consistentes com teorias avançadas de ação e cogni-
ção situada (Situated cognition), o conhecimento distribuído
os hábitos disponíveis um deles consegue se
e HMI pesquisa (Interação Homem-Máquina), como os que
eram desenvolvidos a partir dos trabalhos de Lucy Suchman 9
Referência exata desconhecida, este tema é geralmente atribu-
(1987 e 2007). ído a Albert Einstein.

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impor, se validar e em seguida ser adotado em benefício de uma valorização positiva da


pela comunidade interpretativa do sujeito, dúvida e da procura de soluções.
ele torna-se um hábito compartilhado (con- Estes são seus modos de lidar com o ci-
senso) e eventualmente um habitus. Ele é clo de hábito e de mudança de hábito, mas
então incorporado individualmente e social- sobretudo sua atitude construtiva diante da
mente até a próxima hesitação, indecisão e incerteza assim como sua habilidade para
dúvida que, por sua vez, provocará uma nova transformar positivamente as tensões e as
fase de pesquisa. dúvidas mediante à pesquisa e à solução ao
invés da crise e da rigidez.
Articulação entre o individual e o coletivo É assim que, criatividade atraindo cria-
tividade e criativos atraindo criativos, uma
Este estudo das fases e das tensões do ciclo “classe criativa” se constitui dispondo do
de hábitos e mudanças de hábito é aplicável poder essencial de definir os estilos de vida
tanto em concepção-produção quanto em do presente bem como os estilos de vida do
recepção, uso e consumação. A mesma lógi- futuro e coordenar uma grande parcela da
ca é válida tanto no nível singular do designer economia e da produção de bens e de serviço
quanto no de sua comunidade de produção. (Florida, 2002).
Ela é aplicável, ainda, no contexto de uma
experiência individual ou no êmbito cultural Ciclo de vida dos objetos
das comunidades interpretativas e atuantes
nas quais os usos se estabelecem. Todo estudo Os artefatos são igualemente submetidos
de uma experiência consiste, portanto, em um à mudança. Este assunto não será aprofun-
ajustamento destes círculos embutidos em dado aqui. Vale somente pontuar que, evi-
função das fases ativadas. De modo geral, são dentemente, a relação estabelecida com os
os hábitos que dominam a vida cotidiana dos objetos é distinta quando os mesmos são
humanos. Em um meio ambiente propenso à “conceitos”, protótipos ou produtos inova-
estabilidade e ao previsível, torna-se bastante dores destinados unicamente às experiências
simples controlar rapidamente as micromu- da classe criativa ou quando se trata de pro-
danças e eliminar as dúvidas para retomar os dutos de massa, genéricos já gastos ou pro-
bons e velhos hábitos. dutos sobreviventes da banalização, elevados
Neste ponto, nem todos os indivídu- ao rang de semióforos destinados aos cole-
os têm o mesmo comportamento sendo os cionadores.
mais criativos atraídos pelas tensões provo-
cadas pela dúvida e a instabilidade. Estudo dos fluxos de comunicação
Eles gostam de profissões e atividades de- entre os polos
safiadoras em que os hábitos podem ser com
frequência desestabilizados. Eles apreciam Fluxo de concepção-produção voltado
que suas certezas sejam colocadas em dúvida ao objeto
e adoram ter problemas para resolver e supe- Tal como representado em nosso modelo,
rar os desafios estimulando a imaginação, a a comunidade dos designers-produtores têm
criatividade e o espírito de invenção. como missão integrar significação e cultura nos
Em suma, eles adoram se deparar com materiais, nas formas, nas cores, nas aparências,
as mudanças que eles mesmos causaram e nos volumes, etc. Assumindo o papel de inter-
adotam, por conseguinte, novas soluções e mediários culturais: “Os designers têm como
novos produtos e serviços rapidamente. Eles missão incorporar a cultura nos artefatos que
abalam o modelo do pensamento estável do- concebem (…) Eles exercem um papel ativo
minado pelas crenças, os hábitos e a tradição para garantir o consumo e integrar nos produ-

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tos significações particulares e estilos de vida aos da recepção sem levar em consideração as
quais os consumidores se identificam. Em ou- etapas do ciclo tal como temos configurado.
tras palavras, eles são os fornecedores de bens e A afordance e as enações são predomi-
de serviços simbólicos” (du Gay et al. 1997:62).10 nantemente situadas no universo des há-
Toda esta inteligência materializada e or- bitos ao passo que as representações são
ganizada busca desencadear uma experiência requeridas, sobretudo na fase de mudança
sensível de “qualia” no consumidor/usuário de hábito, logo uma fase de pesquisa e de
e ativar em seguida a cadeia de afordances, aprendizagem.
enação, hábitos de ação, representações, pro- Temos buscado descrever, num enfoque
jecões identitárias etc. sistêmico e semiótico, este duplo fluxo recí-
proco de agencies que caracteriza a relação
Fluxo de difusão ou de oferta entre um artefato e um utilizador (tanto em
São inúmeras as relações desencadeadas fase de hábito de ação, mudança de hábito ou
entre, de uma parte, a comunidade de difu- aprendizagem).
são (ou de oferta no caso da internet) e os Após explorarmos diferentes abordagens,
produtores e, de outra parte, a comunidade optamos finalmente pelo modelo transacio-
de difusão e os utilizadores potenciais. nal e exosemiótico desenvolvido por Jacob
Todos esses fluxos de informações, comu- von Uexküll (Uexküll, 1940, 1956, 1965).
nicação, mediação e transações são produzi- Esse modelo corresponde perfeitamente
dos e controlados pelos agentes do packaging, a nossa concepção do mundo como um sis-
da publicidade, das mídias, do comércio, da tema composto de agentes humanos e não-
instalação e da venda utilizando abundante- -humanos porém humanizados.
mente imagens e interfaces digitais para ven- Em um mundo-próprio (Umwelt) consti-
der seus produtos. tuído pelo encontro de um artefato portador
São muitos os estudos realizados neste se- de significão e um utilizador desta, os com-
tor e por isso não entraremos em detalhe aqui. ponentes dos artefatos concebidos (designa-
dos) para o uso aparecem na forma de “pon-
Fluxo de recepção e de uso do artefato tos” oferecidos aos “contrapontos” do agente.
Quando a difusão atua como mediadora, (Uexküll gosta de utilizar metáforas mu-
a relação com o artefato se estabelece geral- sicais. Com efeito, segundo ele, a coordena-
mente de forma direta. ção de todos os agentes semióticos na natu-
As pesquisas sobre as relações ativadas reza ressoa como uma formidável sinfonia).
entre o utilizador e o artefato (objeto, ima- Em termos semióticos pragmáticos e sis-
gem e interfaces) criaram paradigmas diver- têmicos, diríamos que o mundo-próprio é
sos, por vezes opostos, dentro da chamada constituído por um agir específico (uma ex-
teoria de recepção. periência). O objeto, a interface web, a sina-
A nosso ver, eles descrevem os diferentes lética, entre outros, são “portadores de signi-
aspectos da relação dos artefatos/usuários ficação” que se atualizam durante a relação
assim como as diversas concepções das rela- de transação desencadeada com os “comple-
ções com os artefatos. mentos” ou contrapontos incorporados ou
Descata-se, sobretudo, que tais pesquisas elaborados em forma de hábitos pelo “utili-
atuam em função das fases do metabolismo zador da significação”.
A fórmula pode ser resumida como (hábito
10
“Designers have to embody culture in the things they design
(...) They play an active role in promoting consumption throu- de significar hábito de utilizar), pois, na maio-
gh attaching to product and services particular meanings and ria das vezes, o artefato portador de significa-
‘lyfestyles’ with which consumers will identify. Put simply they
can be defined as involved in the provision of symbolic goods
ção e o utilizador de significação vêm de uma
and services.” longa história de co-determinação e de enação.

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Segundo este enfoque em termos de com- Durante a relação, o objeto, a interfa-


plementação, o artefato é composto por um ce, a imagem etc. podem solicitar e guiar as
conjunto de zonas de atração que se ofere- respostas já incorporadas pelo destinatário
cem aos contrapontos complementares dos quando este está em fase de hábito de ação
agentes potencias é, muito possivelmente, ao ou de aprendizagem e, também, podem in-
uso dos utilizadores predispostos para agir duzir tentativas de resposta quando ele está
(hábito) ou almejando isso. em fase de mudança de hábitos.
Esta relação é ideal quando o design é
particularmente ergonômico e “interpela-
dor”, provocador o cativante.
Uma das grandes vantagens desta aborda- Quando a difusão
gem pragmática da significação consiste em atua como
acabar com a separação estabelecida no cam- mediadora, a
po da semiótica entre função e significação.
relação com o
Na perceptiva adotada, toda função en-
volve a ativação de um portador de significa- artefato se estabelece
ção por um agente que estará realizando esta geralmente de
significação no momento mesmo da ação. forma direta
s 1UANDO A PERSPECTIVA £ VOLTADA PARA A RE-
cepção, os artefatos portadores de signi-
ficação são percebidos inicialmente pelo
utilizador enquanto qualia, salientando Fluxo entre os designers-produtores
que alguns destes qualia serão tratados e os usuários
em um nível sensório-motor elementar Essa parte da modelização caracteriza as
mediante às relações de afordance. É nes- relações desencadeadas no circuito de pro-
te nível que se constitue a “primeira im- dução e de consumação entre os designers-
pressão” cujo impacto favorável ou desfa- -produtores e os usuários.
vorável é durável. Nossas observações e pesquisas de campo
A relação aqui é em termos de atração, nos permitem distinguir duas operações de
emergência de interesse, pesquisa, etc. produção: uma fundamentada em “Teorias
As afordances mais afinadas pela expe- da mente” (Theory of mind) e mindreading e
riência e pelas práticas da cultura material outra tratando-se do feed-back.
funcionam em forma de círculos de enação,
fazendo intervenir os hábitos de ação e as re- A teoria de mente e o mindreading
presentações.
s 1UANDO A PERSPECTIVA £ VOLTADA PARA A OS Nossas inúmeras observações da forma
portadores de significação potenciais que como objetos, interfaces digitais e imagens
são os objetos, as imagens, etc., entende-se são utilizadas pelos sujeitos em circunstân-
que essas significações foram integradas cia diversas nos convencem que os usuários
pelos designers durante as operações de supõem a intenção de comunicação, signifi-
materialização diversas, de tal forma que o cação e de interpelação dos designers e pro-
artefato torna-se um ator “humanizado” e dutores sobre tal artefato ou interface.
cultivado que atrai e capta a atenção. Essa comunicação indireta com o desig-
Ele é, deste modo, portador de agencies per- ner não acontece sempre, mas sim cada vez
formativas, fatídicas (ele faz fazer), destinadas que se busca encontrar uma lógica para o
a interpelar o usuário a fazê-lo agir conforme funcionamento ou o disfuncionamento de
o programa de ação materializado no artefato. tal objeto.

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Isso quer dizer que ela é ativada durante as Estes processos são, a nosso ver, um dos
fases de elaboração de um programa pragmá- lugares máximos de ativação do fluxo de
tico e nos momentos de “bricolagem” (impro- comunicação entre os humanos e o mundo
visação), mas também nos momentos de dú- não-humano porém humanizado dos obje-
vida, de crise, de pesquisa e de aprendizagem. tos.
Essa comunicação interna não é mais ati- Nota-se que estes fluxos também existem
vada quando um hábito é solidamente cons- no campo da difusão: “o que ele quer me
tituído ou gerado por um dispositivo jà bem vender” etc.
estabelecido.
Os comentários registrados durante as nos- Feed-back
sas observações ilustram bem este ponto: “foi
bem pensado!”, “que coisa mais mal feita!”, Ao passo que as projeções da “Teoria da
“como será que eles imaginaram isso?”, etc. mente” se estabelecem sem haver uma conse-
Evidentemente, por sua vez, a comunida- quência direta na transformação do artefato,
de dos designers-produtores também imagi- os feed-backs são, por sua vez, destinados a
na permanentemente o comportamento de estabilizá-las e modificá-las.
seus futuros usuários (grupo do qual, não Nós entendemos como feed-back todo
podemos esquecer, ela também faz parte). tipo de teste de utilização, sondagens e pes-
Ela o faz por meio de testes e sondagens quisas de satisfação conduzidos em geral
diversas de comportamento, mas também, e, pelo setor de marketing, mas também todas
sobretudo, se auto-projetando e supondo as as operações de co-design conduzidas no
utilizações futuras. âmbito do design participativo.
Todos nós já efetuamos, de uma forma ou
de outra, esta ação de supor o pensamento Conclusão
do outro, ele estando ou não presente. Esse
é, de fato, um dos componentes da empatia O diagrama realizado é tanto uma mode-
própria da nossa espécie e nosso modo de lização teórica quando uma ferramenta para
vida gregário. o estudo dos artefatos de todo gênero.
Para tal, ativamos uma capacidade men- Ele deve ser pensado de uma forma dinâ-
tal chamada “Teoria da mente”. mica e evolutiva bem como completado por
Nós ativamos uma Teoria de mente ou diferentes zooms sobre as zonas complexas
uma sequência de mindreading cada vez que de cada fase e cada fluxo. É o que nós tivemos
atribuímos supostas intenções aos objetos feito até aqui.
ou imagens que fazemos uso. O estudo das diferentes etapas do ciclo de
Este processo de “personalização” é, na hábitos e mudanças de hábitos constitui um
verdade, um prolongamento das proprie- aspecto essencial desta modelização do me-
dades mentais dos humanos até os artefatos tabolismo das trocas significantes entre os
não-humanos. humanos e seus artefatos.
O artefato se submete muito bem a esse pa- Em nossa aborgagem, todo estudo de
pel, pois ele é, justamente, o lugar da inteligên- uma experiência com um artefato reclama o
cia transferida, distribuída e materializada. ajustamento dos quatro polos envolvidos nas
Em nossa modelização, o fluxo das “Te- diversas relações, mas também uma análise
orias da mente” e as operações de mindrea- aprofundada das diferentes transações que se
ding se dá nos dois sentidos. Tais operações estabelecem e o estudo dos fluxos que unem
são ao mesmo tempo imaginadas e testadas cada polo ativado.
em design-produção e projetadas e ativas em Este diagrama não somente permite con-
uma situação de uso. siderar a significação de uma experiência

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atualizada em um hábito de ação que se faz cas entre um artefato e seu sistema de artefa-
previsível pelo fato de ser repetido e compar- to já foram configuradas em nosso modelo.
tilhado por uma comunidade, mas possibili- A modelização proposta foi testada du-
ta também tratar da dinâmica de transfor- rante todo o seu processo de elaboração e
mação das semioses, das crises e das etapas tais testes continuam sendo realizados em
de aprendizagem. Esta lógica se aplica tanto nossos estudos bem como aplicados em di-
em concepção-produção, em difusão e em versas interfaces materiais e digitais.
recepção-uso, quanto no que se refere à ar- É assim que nosso modelo tem se aperfei-
ticulação destes três universos com todos os çoado e se ajustado pouco a pouco, sobretu-
fluxos (Darras & Belkhamsa, 2009c). do graças às contribuições de pesquisadores
Embora não tenhamos desenvolvido que já o utilizam em suas pesquisas.
aqui, uma grande parte das relações dinâmi- (artigo recebido ago.2013/ aprovado ago.2013)

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Bernard Darras – Modelização geral das relações humanas com os artefatos: estudo semiótico e sistêmico...
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