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Aos 9 anos, dão-lhe uma arma e dizem-lhe: «Mata.» Era o ano 1984 e o Uganda vivia
uma guerra civil. Aos 17, consegue fugir. Agora, corre o mundo a contar a sua história e
a alertar para o drama das 250 mil crianças-soldados que combatem actualmente.
Passou por Portugal.
A fuga da tragédia
Tal como as outras crianças-soldados, privada do amor de pai e de mãe, na sua pré-
adolescência China Keitetsi procura impressionar os seus superiores hierárquicos na
guerrilha, e, conta ela, «faz coisas terríveis».
Keitetsi passa por experiências duras e traumáticas que lhe deixam marcas para toda a
vida. Para sobreviver, tem de matar, ser guarda-costas, cozinheira, escrava sexual,
obedece em tudo aos chefes militares. Vítima de abusos sexuais, engravida aos 13 anos.
Quando a criança nasce, é-lhe tirada. Aos 17 anos, torna a engravidar. Então, foge do
Uganda, deixando o filho para trás. Hoje Keitetsi sente vergonha por ter fugido sem ele.
«Apanhei um autocarro e fui para a África do Sul. Não tinha a menor ideia do que me ia
acontecer, ou ao filho que deixei para trás ou à filha que levava na barriga», contou
Keitetsi no Porto.
«A separação dos meus filhos foi a coisa mais dolorosa que me aconteceu»,
acrescentou.
Começo da liberdade
Em três semanas, a jovem China Keitetsi, grávida, cruza o Quénia, a Tanzânia, o
Zimbabué e chega, por fim, à África do Sul.
Seis anos mais tarde, em 1999, consegue obter o estatuto de refugiada das Nações
Unidas e é acolhida pela Dinamarca.
Em 2005, reencontra os filhos com a ajuda do Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Refugiados (ACNUR). O rapaz, que deixara no Uganda com dois anos, já tem
14. A filha, que entregara no Soweto com um ano, completou 11.
«Não tive infância e perdi as deles», lamenta Keitetsi. Actualmente vive na Dinamarca
com os seus três filhos. São, finalmente, uma família.
Artífice da reconciliação
China Keitetsi começou uma nova vida na Europa.
«Os meus filhos dão-me a energia para viver e para querer viver.»
Mas ela ainda precisa de recuperar dos traumas do passado e de aprender a confiar em si
mesma.
«O mais duro é voltar a confiar nas pessoas e aprender a amar ou aceitar ser amada.
Perdoar tudo o que sofri é quase impossível. Mas se não perdoo torno-me amarga e não
posso fazer nada.» E, acrescenta: «Quando a justiça não cura as feridas, só resta a
reconciliação, que abusadores e abusados se encontrem, falem e se reconciliem.»