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DIREITO AGRÁRIO

Aula 5 e 6

RESENHA HISTÓRICA DA OCUPAÇÃO DA TERRA EM MOÇAMBIQUE

(continuação)

Período colonial “Os prazos da coroa”


Foi na segunda metade do século XVI que os portugueses estabeleceram no Vale do Zambeze
uma nova instituição – os prazos da coroa. Foi uma das formas que tomou
a colonização portuguesa de Moçambique.
Prazos: eram unidades políticas onde a classe dominante era formada por mercadores
portugueses estabelecidos como proprietários de Terras, terras essas que tinham sido doadas,
compradas e até mesmo conquistadas aos chefes locais. Ou por outra, eram territórios
concedidos por um período de três gerações aos mercadores portugueses e indianos. A
transferência era feita por via feminina. Esta tentativa de assegurar a soberania
na colónia recente, não foi muito exitosa porque, de facto, os "muzungos" e as "donas" já
tinham bastante poder, mesmo militar, com os seus exércitos de "xicundas", e muitas vezes se
opunham à administração colonial, que era obrigada a responder igualmente pela força das
armas. Por volta de 1600, Portugal começou a enviar para Moçambique colonos, muitos de
origem indiana, que queriam fixar-se no território. Esses colonos, muitas vezes casavam com
as filhas de chefes locais e estabeleciam linhagens que, entre o comércio e a agricultura,
podiam tornar-se poderosas.
Em meados do século XVII, o governo português decide que as terras ocupadas por
portugueses em Moçambique pertenciam à coroa e estes passavam a ter o dever de arrendá-
las a prazos. Os prazos da coroa foram inicialmente terras conquistadas por aventureiros,
soldados e mercadores de missanga, à testa de exércitos de cativos, como terras que chefes
locais lhes cederam em troca de saguates ou de ajuda militar contra chefes rivais. Pode-se
sustentar que os prazos nasceram com a penetração portuguesa no vale a partir de 1530.

Portugal ao criar os prazos pretendia criar bases para uma ocupação efectiva de Moçambique
garantindo a montagem da administração colonial. Na realidade, no que respeita aos
objectivos políticos, os Prazeiros passaram a gozar de uma independência quase total, não se
subordinando à Coroa Portuguesa; não promoveram a ocupação efectiva do território á favor
da Coroa; e no que se refere aos objectivos ideológicos não espalharam a civilização
portuguesa e a cristianização, pelo contrário africanizaram-se, não podendo cumprir com os
objectivos políticos e ideológicos para que foram criados.

Porém, os prazos que muitos historiadores pretendiam ver como a primeira forma de
colonização portuguesa em Moçambique e particularmente no vale do Zambeze, acabaram
sendo essencialmente bolsas de escoamento de mercadorias (ouro, marfim numa primeira
fase e de escravos numa segunda fase) que aproveitaram o rio Zambeze como via natural.

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Todavia, os prazos foram o resultado do cruzamento de dois sistemas sociais de produção:
um pré-existente na sociedade Chona, com dois níveis o dos camponeses das mushas vivendo
num regime de relativa autarcia e o da aristocracia dominante formada pelos mambos e
fumos e outro sistema que se sobrepôs ao primeiro composto pelos prazeiros (mercadores,
ex-soldados desertados, fugitivos que cumpriam penas de degredo), elite dominante e por
exércitos de cativos guerreiros, os chamados A-chicunda. Por outras palavras, os prazeiros
mantiveram o sistema social anterior.

Funcionamento Económico
O ouro e do marfim configurou a base da economia dos Prazos da coroa até finais do século
XVIII e dos escravos mais tarde. Os camponeses das Mushas tinham a seu cargo a produção
material de subsistências canalizadas parcialmente para a aristocracia prazeira através da
relação de produção expressa no mussoco, uma renda em géneros. Porém, milhares de cativos
alimentados pelos camponeses garantiam a segurança militar dos Prazos e o livre escoamento
dos produtos excedentários dos camponeses. A esses cativos eram conhecidos por A-
chicundas. Os A-chicundas garantiam a defesa dos Prazos, organizavam as operações de caça
aos escravos nos territórios vizinhos e cobravam impostos e estavam divididos em regimentos
chamados Butacas, (herança). Havia dentro dos Prazos um grupo de mercadores negros
especializados designados Mussambazes. Havia ainda uma espécie de inspectores que
residiam junto dos Mambos e Fumos que davam informação regular aos prazeiros,
conhecidos por Chuangas. Há que referir a um grupo de cativas organizadas em colectivos de
trabalho designados por Ensacas, cujas chefes destas ensacas conhecidas por Niacodas.

Ao surgirem os prazos, a coroa portuguesa pretendeu nacionalizá-los, outorgando-lhes um


estatuto legal e atribuindo aos prazeiros a obrigação de pagarem foros. Com isto pretende-se
afirmar que Portugal pretendeu dar aos prazos do vale do Zambeze, o estatuto de feudos
portugueses e a natureza da estrutura feudal que dominava a sua sociedade, actuando numa
espécie de senhor feudal na colónia.

Não só estes senhores feudais não pagavam renda ao Estado português, como organizaram
um sistema de cobrar o "mussoco" (um imposto individual em espécie, devido por todos os
homens válidos, maiores de 16 anos) aos camponeses que cultivavam nas suas terras. Além
disso, mineravam ouro, marfim e escravos, que comerciavam em troca de panos e missangas
que recebiam da Índia e de Lisboa. Até 1850, Cuba foi o principal destino dos escravos
provenientes da Zambézia.
Em 1870, era apenas em Quelimane sem conseguir penetrar no Estado da Maganja da Costa,
onde Portugal exercia alguma autoridade, cobrando o "mussoco", instituído e cobrado pelos
prazeiros. Isto, apesar de, em 1854, o governo português ter "extinguido" os Prazos (pela
segunda vez, a primeira tinha sido em 1832). Outros decretos do mesmo ano extinguiam
a escravatura oficialmente, uma vez que os libertos eram levados à força para as
ilhas francesas do Oceano Índico Reunião (ou ilha Bourbon) e Maurícia (ou ilha de França),
com o estatuto de "contratados" e o imposto individual, substituindo-o pelo imposto de
palhota, uma espécie de contribuição predial.
Na margem direita do rio Zambeze e na margem esquerda da actual província de Tete, os
prazos começaram a ser atacados, em 1830, pelos nguni que fugiam durante o mfecane mas,
aparentemente, os prazos da Zambézia escaparam a essa sorte. Mas, apesar de "ressuscitados"
por António Enes, o grande ideólogo do colonialismo pós-escravatura, não resistiram ao

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capital pós-esclavagista das grandes companhias. Depois de serem engolidos por estas, viram
a administração colonial organizar-se finalmente, já na segunda metade do século XIX  e
utilizar a sua estrutura feudal, depois de transformados os "xicundas" em sipaios, para
submeterem os povos da região. Por volta de 1870, começaram a estabelecer-se em
Quelimane várias companhias europeias, já não interessadas em escravos, nem em marfim,
mas sim em oleaginosas, amendoim, gergelim e copra que eram muito procuradas
nas indústrias recém-criadas de óleo alimentar, sabões e outras. No princípio,
comercializando com os prazeiros, induziram-nos a forçarem os seus camponeses a cultivar
estes produtos. Exemplos dessas companhias são a Fabre & Filhos e a Régie Ainé, ambas
com sede em Marselha, a Oost Afrikaansch Handelshuis, holandesa, e a Companhia Africana
de Lisboa. A Oost chegou a abrir em Sena uma sucursal para incentivar nessa região a
produção de amendoim.
Mas a agricultura familiar não produzia as quantidades desejadas, era necessário
organizar plantações. É nessa altura que o governador da província ultramarina Augusto de
Castilho, cuja administração estava desejosa de ter uma base tributária para manter a
ocupação do território, emite em 1886 uma portaria provincial regulando a cobrança do
"mussoco" nos Prazos (que tinham sido "extintos" pela terceira vez seis anos antes), que
incluía a obrigatoriedade dos homens válidos pagarem aquele imposto, se não em produtos,
então em trabalho. É dessa forma que começam a organizar-se as grandes plantações de
coqueiros e, mais tarde, de sisal e cana sacarina.
Em 1890, o futuro Comissário Régio António Enes decreta, numa revisão do Código de
Trabalho Rural de 1875 que estabelecia apenas a obrigação "moral" dos colonos de
produzirem bens para comercialização, que o camponês já não tem a opção de pagar o
"mussoco" em géneros: "...O arrendatário dos Prazos fica obrigado a cobrar dos colonos em
trabalho rural, pelo menos metade da capitação de 800 réis, pagando esse trabalho aos
adultos na razão de 400 réis por semana e aos menores na de 200 réis".
Esse decreto impunha ainda aos prazeiros a ocupação efectiva das terras arrendadas e o
pagamento à autoridade colonial da respectiva renda. Mas os prazeiros não tinham
conseguido converter a sua actividade de simples fornecedores de escravos ou de pequenas
quantidades de produtos na de organização das plantações, não só por falta de preparação (ou
de vocação), mas também por falta de capital. O resultado foi terem sido obrigados a
subarrendar ou vender os seus prazos, terminando assim a fase feudal desta porção de
Moçambique.

A estrutura política e administrativa dos prazos obedecia a seguinte hierarquia: Senhor


Prazeiro, Mambos, Fumos e A-chicundas

Razões da decadência dos Prazos


– foi motivado por entre outras questões pela competição entre os prazeiros e a competição
entre estes e os povos vizinhos, a ausência de uma forca militar e administrativa portuguesa
eficiente, as secas e a fome, O desenvolvimento do tráfico de escravos que chegou a obrigar
alguns prazeiros a sacrificar os camponeses residentes no seu território e os A-chicundas que
faziam parte do seu exército;

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– As invasões Nguni resultantes do movimento Mfecane que iniciou em 1832 que duraram
mais de 20 anos, por volta de 1840 Sochangane tinha ocupado 28 dos 46 prazos e os
incorporou no grande império de Gaza,

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