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25/03/2020 O estado de exceção provocado por uma emergência infundada, de Giorgio Agamben

O estado de exceção provocado por uma emergência


infundada, de Giorgio Agamben
Rond
Feb 26 · 3 min read

(Texto originalmente publicado pelo jornal Il Manifesto no dia 25 de fevereiro de 2020;


tradução em francês no Acta Zone. Resposta de Jean-Luc Nancy; Esclarecimentos de
Agamben sobre o texto.)

Coronavírus. O medo da epidemia traz pânico, e em nome da segurança


são aceitas medidas que limitam severamente a liberdade, justificando o
estado de exceção.
Em face da medida de emergência frenética, irracional e totalmente infundada de uma
suposta epidemia em virtude do coronavírus, é preciso começar pelas declarações do
Cnr [Centro nacional de pesquisa], de acordo com o qual “não há uma epidemia Sars-
CoV2 na Itália”.

Não só isso. Contudo, “a infecção, a partir de dados epidemiológicos disponíveis sobre


dezenas de centenas de casos, causa sintomas leves/moderados (um tipo de gripe) em
80–90% dos casos. Em 10–15% dos casos pode-se desenvolver uma pneumonia, mas a
evolução é positiva na maior parte dos casos. Estima-se que apenas 4% dos pacientes
devem ser hospitalizados em terapia intensiva”.

Se é esta a situação real, por que os meios de comunicação e as autoridades se esforçam


pra espalhar um clima de pânico criando um verdadeiro estado de exceção, com
grandes limitações de movimento e uma suspensão do funcionamento normal das
condições de vida e trabalho em regiões inteiras?

Dois fatores podem ajudar a explicar tal comportamento desproporcional.

Em primeiro lugar, há novamente uma tendência crescente a se utilizar o estado de


exceção como paradigma normal de governo. O decreto-lei imediatamente
aprovado pelo governo “por motivos de higiene e segurança pública” resulta em uma
verdadeira militarização “dos municípios e zonas onde há ao menos um caso
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25/03/2020 O estado de exceção provocado por uma emergência infundada, de Giorgio Agamben

confirmado cuja origem da transmissão é desconhecida ou em qualquer caso em que


não haja atribuição a outra pessoa de uma região já afetada pela infecção do vírus”.

Uma fórmula tão vaga e indeterminada permitirá o crescimento do estado de exceção


em todas as regiões, porque é praticamente impossível que outros casos não surjam em
outros lugares.

Considere as graves restrições à liberdade trazidas pelo decreto:

1. proibição de sair do município ou região afetados a toda pessoa presente no


município ou região;

2. proibição do acesso ao município ou região afetados;

3. suspensão de manifestações ou iniciativas de toda natureza, eventos e todo tipo de


reunião em lugar público ou privado, incluindo eventos culturais, recreativos,
esportivos ou religiosos, mesmo que ocorram em lugares fechados abertos ao
público;

4. suspensão de serviços educacionais infantis e de escolas de todos os níveis, além da


presença em atividades escolares e de ensino superior, exceto atividades de
educação a distância;

5. suspensão de serviços de abertura ao público de museus e outras instituições


culturais e lugares indicados no artigo 101 do código de patrimônio cultural e
paisagem, de acordo com o decreto legislativo de 22 de janeiro de 2004, n. 42, além
da efetivação das disposições regulamentares sobre o acesso livre e gratuito a essas
instituições e lugares;

6. suspensão de todas as viagens educativas, no país ou no fora;

7. suspensão de procedimentos coletivos e atividades de prédios públicos, sem


prejuízo para a prestação de serviços essenciais e de utilidade pública;

8. aplicação da medida de quarentena com vigilância ativa de indivíduos que tiveram


contato próximo com casos confirmados de doença infecciosa generalizada.

A desproporção em face do que, de acordo com o Cnr, é uma gripe normal, pouco
diferente daquelas que se repetem todos os anos, é óbvia.
Parece que, por ter se esgotado o terrorismo como causa de medidas emergenciais, a

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invenção de uma epidemia poderia oferecer o pretexto ideal para estendê-las para além
de todos os limites.

O outro fator, não menos inquietante, é o estado de medo que se espalhou nitidamente
nos últimos anos nas mentes dos indivíduos e que se traduz numa necessidade real de
estados de pânico coletivo, ao qual a epidemia oferece novamente um pretexto ideal.

Então, em um perverso círculo vicioso, a limitação da liberdade imposta pelos governos


é aceita em nome de um desejo de segurança foi incutido pelos mesmos governos que
agora intervêm para satisfazê-lo.

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Corona Vírus Agamben Estado De Exceção Saúde Pública

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