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ARTIGO ARTICLE
Reflexões sobre Políticas de Drogas no Brasil

Reflections on Drug Policies in Brazil

Tarcísio Matos de Andrade 1

Abstract This article contains some reflections Resumo Este artigo trás algumas reflexões sobre
on drug policies in Brazil. In the first two chap- as políticas de drogas no Brasil, desde os momen-
ters, taking the needle exchange programs (SEPs) tos iniciais do enfrentamento do HIV/AIDS entre
as the starting point, the author discusses the tra- os usuários de drogas injetáveis. Nos dois primei-
jectory of the Harm Reduction Policy in Brazil ros capítulos, tendo como ponto de partida os pro-
and the role played in it by the Department of gramas de trocas de seringas (PTS), o autor abor-
STD, AIDS and Viral Hepatitis. The third chap- da o percurso da Política de Redução de Danos no
ter examines the actions developed by the Na- Brasil e o papel nela desempenhado pelo Departa-
tional Coordination of Mental Health, Alcohol mento de DST, AIDS e Hepatites Virais. O tercei-
and Other Drugs and the Office of Drug Policies - ro capítulo traz as ações desenvolvidas pela Coor-
SENAD, after the retraction of the Department of denação Nacional de Saúde Mental Álcool e ou-
STD and AIDS from drug policies, as well as the tras Drogas e pela Secretaria de Políticas sobre
introduction of PEAD and the “Crack Plan” in Drogas - SENAD, a partir da retração do Depar-
the country. In the fourth and fifth chapters the tamento de DST e AIDS nas políticas sobre dro-
provisions of the current Brazilian policy on drugs gas, bem como o surgimento do PEAD e do “Plano
and its limitations related mainly to the fragility Crack”, enquanto planos emergenciais para fazer
of the Family Health Strategy are discussed, and face ao aumento do consumo de crack no país. No
some of the actions foreseen in the PEAD and the quarto e quinto capítulos são discutidos os dispo-
“Crack Plan” are critically analyzed. In the sixth sitivos da atual política brasileira sobre drogas,
chapter the author examines the effects of repres- suas limitações vinculadas, sobretudo, à fragili-
sion in the name of combating trafficking in the dade da Estratégia Saúde da Família, e são anali-
Brazilian policy on drugs having as background sadas criticamente algumas das ações previstas no
of the marginalization and social exclusion of PEAD e no “Pano Crack”. No sexto capítulo o
users. Finally, some proposals are presented for autor trás os efeitos da repressão em nome do com-
the Alcohol and Drugs Policy in Brazil. bate ao tráfico na política brasileira sobre drogas,
1
Faculdade de Medicina da
Key words Public health, Drug policies, Harm tendo como pano de fundo a marginalização e a
Bahia, Universidade Federal reduction exclusão social dos usuários. Por fim, são apre-
da Bahia. Praça XV de sentadas algumas proposições para a Política de
novembro s/n, Largo do
Terreiro de Jesus. Álcool e Drogas no Brasil.
40025-010 Salvador BA. Palavras Chaves Saúde pública, Políticas de dro-
tarcisio@ufba.br gas, Redução de danos, Brasil
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1. Drogas injetáveis e AIDS: novo rumo PTS e os trabalhadores deste campo progressi-
para as políticas de saúde relacionadas vamente foram se organizando em associações,
ao uso de drogas no Brasil a exemplo da ABORDA (Associação Brasileira de
Redutores de Danos), criada em 1997 e da RE-
A atenção clínica ao uso de drogas na esfera pú- DUC (Rede Brasileira de Redução de Danos), em
blica no Brasil, até o início dos anos 90 do século 1998, além de várias associações Estaduais de
passado, estava a cargo dos Centros de Referên- Redutores de Danos4. Progressivamente as ações
cia Nacional. Em número de seis, estes centros dos PRD foram ampliadas a outras populações
tinham a influência do pensamento de Claude que não apenas os UDI, tais como presidiários,
Olievenstein, diretor do Center Medical Marmo- meninos de rua, profissionais do sexo, usuários
tan, em Paris. de crack e usuários de anabolizantes, tudo com
No final dos anos oitenta, sob coordenação intenso protagonismo de técnicos do Governo
do Ministério da Saúde, particularmente da Co- Federal, que constituíam dentro do PN-DST/
ordenação Nacional de DST/AIDS (CN-DST/ AIDS, uma importante equipe de apoio e incenti-
AIDS), hoje Departamento de DST, AIDS e He- vo a estes programas.
patites Virais, começaram as primeiras reuniões De uma prática médico sanitária de preven-
motivadas pelo aumento da prevalência de HIV/ ção ao HIV/AIDS, reduzida muitas vezes a uma
AIDS entre usuários de drogas injetáveis (UDI). única ação, a da troca de seringas, ao longo de
Em 1989, deu-se a primeira tentativa brasileira sua execução a redução de danos evolui para a
de fazer funcionar um programa de trocas de concepção atual de uma política de saúde cujos
seringas (PTS) entre usuários de drogas injetá- princípios e práticas, sem condicionar à absti-
veis (UDI), em Santos – SP, cidade com papel de nência, tem como objetivos reduzir os danos e os
destaque na Reforma Psiquiátrica no Brasil. riscos relacionados ao uso de drogas, pautados
Abortado pela Promotoria local, embora o PTS no protagonismo da população alvo, no respei-
da cidade de Santos não tenha se efetivado, as to ao indivíduo e no direito deste às suas drogas
negociações entre os operadores da Saúde Públi- de consumo5.
ca e os do Direito resultaram na sua suspensão,
mas também no arquivamento do inquérito po-
licial contra os técnicos envolvidos, evitando, com 2. Avanços e recuos da política de Redução
isto, o precedente que poderia vir a impedir ou- de Danos e suas consequências
tros Programas desta natureza no Brasil1. Em para as políticas de drogas no Brasil.
1995, foi efetivado em Salvador, Bahia, o primei-
ro PTS do Brasil e na América Latina2. Observações recolhidas pelos PRD no Brasil du-
Em várias partes do mundo, a exemplo da rante o trabalho de campo informavam que os
Europa, dos Estados Unidos e da Austrália, e no UDI estavam se tornando mais seletivos, restrin-
Brasil não foi diferente, os olhares das políticas giam o uso injetável à cocaína de melhor quali-
públicas de saúde começavam a se voltar para as dade e muitos migraram para o uso de crack2,6.
pessoas que usavam drogas, pela ameaça de que Por outro lado, moradores das comunidades
a epidemia de HIV/AIDS fugisse ao controle a atendidas pelos PRD, os quais no início acusa-
partir desta população. Na primeira metade da vam os redutores de danos de incentivarem o
década de noventa do século passado, um acor- consumo de drogas, progressivamente passavam
do entre o Governo Brasileiro e o Banco Mun- a colaborar com estes Programas. Aos poucos,
dial, envolvendo recursos da UNODC – United no imaginário da população brasileira, inclusive
Nations Office on Drugs and Crime, possibili- dos próprios UDI, foi ganhando corpo a associa-
tou uma série de projetos de atenção ao uso de ção entre drogas injetáveis e HIV/AIDS.
drogas injetáveis, incluindo trocas de seringas3. Os primeiros PTS do Brasil enfrentaram gran-
Iniciou-se, então, através da CN-DST/AIDS um de resistência de vários setores da sociedade, os
conjunto de ações de redução de danos voltado quais viam a troca de seringas como ilegal e uma
para o controle do HIV e de outras infecções de forma de incentivo ao consumo de drogas; sub-
transmissão parenteral entre UDI. Entre 1995 e jacente a este modo de pensar estava o preconcei-
2003 foram abertos mais de 200 Programas de to contra os usuários de drogas manifesto em
Redução de Danos (PRD), muitos deles incluin- argumentações do tipo “como prover seringas
do troca de seringas, e quase todos com recursos para UDI se faltam ao país tantas outras ações de
da CN-DST/AIDS. Em vários pontos do país leis saúde para a população em geral?” Contudo, se
municipais autorizaram o funcionamento dos utilizando das experiências de outros países, mui-
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tas delas publicadas em revistas de elevado con- gilidade em seu funcionamento: 85,8% tinha equi-
ceito científico, trazendo evidências de que os PTS pe técnica constituída por autônomos ou volun-
salvavam vidas, não aumentavam o consumo de tários; apenas a metade tinha equipes com coor-
drogas e ofereciam grande vantagem na relação denador, supervisor e redutor de dano e a quase
custo-benefício para governos e populações7,8, aos totalidade ainda dependia exclusivamente de re-
poucos os PRD no Brasil foram se fortalecendo, cursos federais12.
passando a ser reconhecidos internacionalmente Nesse mesmo ano de 2003, quase todos os
como uma importante estratégia do bem sucedi- técnicos da CN-DST/AIDS que haviam partici-
do Programa Brasileiro de DST/AIDS, um mode- pado ativamente da expansão e da qualificação
lo para países em desenvolvimento. dos PRD no Brasil, não tiveram seus contratos
Resultados de estudos multicêntricos, a exem- de trabalho renovados. Ações como a RD em
plo dos Projetos Ajude Brasil9, que mapeou as presídios identificadas como modelos de boas
práticas de consumo entre os UDI, bem como os práticas em alguns estados brasileiros também
comportamentos de risco para infecções pelo deixaram de receber o suporte necessário à sua
HIV, HTLV I/II e Hepatites, e os cuidados adota- continuidade.
dos em relação aos mesmos, quando compara- Já em 1993, o médico Fábio Mesquita, um
dos a estudos anteriores, revelaram aumento do dos pioneiros, principal protagonista e detentor
uso de preservativos e redução do compartilha- das posições mais avançadas no campo da Re-
mento de seringas e da prevalência de HIV, o que dução de Danos, havia sido demitido do cargo
sem sombra de dúvida deve ser creditado ao con- de Coordenador da Prevenção e da própria Co-
junto das ações da CN-DST/AIDS, mas certa- ordenação Nacional de DST/AIDS. Em 1995, esta
mente também à eficácia das ações de RD10. mesma Coordenação Nacional, que havia repas-
Longe de ser linear, a Política de RD no Brasil sado recursos ao Governo da Bahia para o fun-
teve seus momentos de avanços e de recuos, evi- cionamento do primeiro PTS, tentou impedir o
denciando ambivalências enquanto política de seu início com o argumento que era extemporâ-
estado. Edificada a partir das iniciativas do Go- neo e que o país não estava preparado para isto.
verno Federal, em particular da CN-DST/AIDS,
das universidades e de organizações da socieda-
de civil, esta política contava com uma participa- 3. Novos atores, novas ações
ção bem menos expressiva dos estados e municí- em atenção ao uso de drogas no Brasil.
pios. A transferência de responsabilidade sobre a
disponibilização dos recursos para as ações de Em paralelo à retração da CN-DST/AIDS, a Co-
RD do Governo Federal para os estados e muni- ordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool e
cípios, ocorrida a partir do ano de 2003, embora outras Drogas/DAPES/SAS/MS e a Secretaria
em princípio correta, considerando que compete Nacional de Política Sobre Drogas - SENAD/Mi-
a estes últimos a execução das políticas de saúde, nistério da Justiça, embora com algumas diver-
foi tecnicamente inadequada, uma vez que, salvo gências sobre a sua condução, assumem papel
raras exceções, os estados e municípios não deti- relevante para as políticas de atenção ao uso de
nham a cultura nem o conhecimento necessário álcool e outras drogas. Entre as ações desenvol-
para a continuidade e a expansão destas ações. O vidas pela SENAD estão o realinhamento da Po-
resultado foi a desarticulação do já construído e lítica Nacional Antidrogas, a criação da Rede de
a acentuada redução do número de PRD no Bra- Pesquisa sobre Drogas, em parceria com o Insti-
sil. Um verdadeiro retrocesso do que vinha sen- tuto de Drogas e Toxidependência – IDT de Por-
do conseguido através de trabalho árduo e de tugal, e a criação do SUPERA – Sistema para De-
negociações políticas que possibilitaram o avan- tecção do Uso Abusivo e Dependência de Substân-
ço das ações de Redução de Danos para grande cias Psicoativas: Encaminhamento, intervenção
parte do território nacional. Breve, Reinserção Social e Acompanhamento, um
Em 2003, segundo dados da OMS11 o Brasil curso à distância envolvendo 5.000 profissionais
contabilizava 279 PRD. Com a transferência dos da saúde e da assistência social, no momento em
financiamentos do Ministério da Saúde para os sua quarta edição. Entre as ações desenvolvidas
estados e municípios, a partir de 2004 houve um pela Coordenação Nacional de Saúde Mental,
rápido declínio do número destes Programas. Álcool e Outras Drogas destaca-se a ampliação
Dos 136 PRD ainda existentes em 2005, os 45 que da rede CAPSad – Centro de Atenção Psicossocial
responderam ao questionário de um estudo rea- em álcool e outras Drogas como dispositivos de
lizado por Massard e cols. revelaram grande fra- cuidados para a população de usuários de dro-
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gas a partir de 2002, a qual, embora ainda muito Além da baixa cobertura, algumas das carac-
aquém da necessidade, em dezembro de 2010 con- terísticas da ESF justificam as suas dificuldades
tava com 258 Centros desta natureza. de integrar ações de RD em suas práticas cotidi-
Com o progressivo aumento e visibilidade anas: 1. a ênfase na atenção básica à saúde no
do consumo de crack, cujos registros no Brasil Brasil é ainda recente e apresenta uma estrutura
datam do início dos anos noventa13, em 2009 foi organizacional em construção; 2. os profissio-
lançado pelo governo Federal o PEAD Plano nais de saúde desta Estratégia têm dificuldades
Emergencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento de lidar com questões relacionadas ao uso de dro-
e à Prevenção em Álcool e outras Drogas14, segui- gas, seja pelo desconhecimento dos fatores biop-
do, em 2010, pelo “O Plano Crack” - Plano de sicossociais relacionados ao seu consumo, repro-
integração das ações voltadas para a prevenção, duzindo preconceitos do senso comum acerca
tratamento e reinserção social de usuários de cra- dos seus usuários, seja pelo medo de exposição
ck e de outras drogas. profissional à violência do tráfico; e 3. os precon-
ceitos quanto à legitimidade das práticas de re-
dução de danos, ainda alimentam a resistência
4. Políticas de drogas e Atenção Básica às mesmas apesar delas fazerem parte do SUS.
em Saúde no Brasil As fragilidades das ações territoriais desen-
volvidas no âmbito da ESF são mais acentuadas
Diante da acentuada vulnerabilidade social e das nas comunidades socioeconomicamente menos
carências no campo da saúde, educação e segu- favorecidas e com menor acesso aos serviços de
rança pública das populações menos favorecidas, saúde e de suporte social, não por acaso as mes-
sobretudo daquelas vivendo nas periferias das ci- mas comunidades onde o uso e o tráfico de dro-
dades grandes e de médio porte, em particular das gas, e seus efeitos negativos, a exemplo da elevada
pessoas que fazem uso de drogas ilícitas, uma po- taxa de homicídios e outras formas de violência,
lítica de Estado que integrasse a atenção a todas são mais intensos. Sendo assim, as pessoas que
estas deficiências seria, sem dúvida, um elemento fazem uso de drogas de forma mais comprome-
importante na resolução do problema. Com este tedora e, em particular, as que fazem uso abusivo
propósito, foram concebidos o PEAD e o Plano de crack, oxi e outras formas de apresentação de
Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras cocaína para consumo fumado, principal popu-
Drogas - Plano Crack14-16. Entretanto, estes Pla- lação alvo do “Plano Crack”, na prática, têm mui-
nos foram instituídos num contexto de pânico ta dificuldade de ser incluídas nas ações governa-
social relacionado ao uso de crack e de grande mentais propostas nestes Planos. Neste contexto,
fragilidade estrutural, haja vista a carência de ações a falta de percepção pelos gestores da importân-
de comunitárias junto aos usuários de drogas. Os cia de integrar a atenção ao uso de drogas na ótica
Programas de Atenção Básica em Saúde, cujo prin- da RD à ESF, cujas equipes muitas vezes carecem
cipal motor é a Estratégia de Saúde da Família de vínculos estáveis, salários dignos e treinamen-
(ESF), apesar de sua expansão, ainda apresenta to adequado, tem se constituído na maior dificul-
cobertura inferior a 20% em algumas grandes ci- dade para que as ações de promoção à saúde,
dades Brasileiras, e a quase totalidade desta Estra- prevenção e assistência alcancem estas popula-
tégia não inclui a atenção ao uso de drogas no rol ções de usuários de drogas, as quais não têm os
de suas ações. A baixa cobertura da ESF é também serviços de saúde como referência.
um problema para os CAPSad, uma vez que com- Pelo exposto acima, a atuação dos CAPSad,
promete a essência da função para a qual estes que deveria ter por base ações territoriais, fica
Centros foram concebidos, ou seja, prestar aten- reduzida ao atendimento no próprio serviço, o
dimento clínico em regime de atenção diária, evi- qual mesmo situado em território de elevada
tando as internações e ser o coordenador e articu- prevalência de consumo e tráfico de drogas, é
lador das ações de saúde mental na atenção ao subutilizado uma vez que a população alvo não
uso de álcool e outras drogas em um determina- o tem como referência. Trata-se de pessoas mar-
do território17. Função esta que depende muito da cadas pela falta de vínculos institucionais, a qual
articulação com a ESF e da inclusão de ações de na maioria das vezes se origina já nos momentos
RD com base territorial. Fica evidente a lacuna iniciais de sua existência no convívio com as fa-
existente na ainda frágil ESF, e também o preço mílias parentais desestruturadas, ratificada na
elevado pago pelo Brasil por não ter assegurado a relação com escolas que também não estão pre-
sustentação e a expansão das ações de RD entre paradas para lhes acolher, ao que se soma o en-
usuários de drogas nos últimos oito anos. volvimento com práticas socialmente descrimi-
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nadas e/ou ilegais, condições estas que desfavo- dar com situações mais complexas, para além da
recem o encontro entre estes usuários e os servi- capacidade resolutiva dos CAPSad. Na contra-
ços de saúde. Por outro lado, os serviços de saú- mão deste dispositivo, a proposição de hospitais
de em geral, e mesmo alguns CAPSad, não levam e centros médicos especializados e de Comunida-
em consideração as pautas culturais e o modo de des Terapêuticas para usuários de drogas, preco-
vida destas pessoas. A chance de que um(a) pro- nizados pelos que se opõem à Reforma Psiquiá-
fissional do sexo ou usuário(a) de drogas, após trica, e em particular ao dispositivo CAPS, encon-
uma noite acordado(a), se dirija a um serviço de tra eco no imaginário popular, o qual sonha com
saúde nas primeiras horas da manhã, buscando soluções rápidas, e não incomum com o afasta-
senha para um atendimento que se fará quatro a mento do convívio social destes usuários algu-
cinco horas depois, é muito pequena. Fica para mas vezes portadores de comorbidades e envol-
estes serviços a visão cômoda, mas equivocada, vidos em situações constrangedoras, socialmente
de que esta pessoa não quer se cuidar, o que rati- marginalizadas e, mesmo, ilegais. O internamen-
fica a exclusão social e a precariedade da assis- to nestes serviços vai, portanto, na direção con-
tência à saúde em que ela vive. Some-se a isto a trária à da subjetivação das práticas desses usuá-
dificuldade de acesso a estes serviços, o que mui- rios de drogas, dificultando a possibilidade de um
tas vezes demanda custos com transporte, não novo percurso por vieses socialmente mais acei-
previstos entre os parcos recursos disponíveis. táveis e produtivos. Sendo assim, os leitos em
Um fato recente que exemplifica o que vem hospitais especializados só se justificam em casos
sendo descrito neste capítulo foi o frágil funcio- de situações que fogem ao controle dos CAPSad e
namento da maioria dos primeiros 14 Projetos dos outros serviços disponíveis na rede de cuida-
de Consultório de Rua do SUS (PCR), financia- dos. Num hospital geral com leitos para usuários
dos pelo MS no ano de 2010 e supervisionados de álcool e outras drogas - diferente dos hospitais
pela Aliança de Redução de Danos, Serviço de especializados e das comunidades terapêuticas -
Extensão Permanente da Faculdade de Medicina se preserva mais a identidade do cliente, uma vez
da Bahia/UFBA. Os PCR se constituem numa que a atenção ao uso de drogas se constitui ape-
estratégia com o objetivo de fornecer cuidados nas num dos vários serviços oferecidos. Uma van-
básicos de saúde para populações vulneráveis, tagem adicional é colocar a atenção ao abuso e à
com ênfase para crianças, adolescentes e jovens dependência de drogas no mesmo nível de outras
usuários de álcool, crack e outras drogas viven- práticas de saúde, o que contribui para a redução
do nas ruas. Durante a supervisão foram detec- do estigma que recai sobre os usuários de drogas
tadas as seguintes dificuldades: 1. falta do conhe- ilícitas, fortalecendo esta condição como objeto
cimento necessário à abordagem da população das práticas de saúde à semelhança das demais
alvo pelas equipes 2. dificuldades jurídicas e ad- condições.
ministrativas para a contratação de redutores de Entretanto, tem se verificado resistência dos
danos, comprometendo as atividades de campo, dirigentes dos hospitais gerais à destinação de lei-
3. falta de repasses dos recursos recebidos do MS tos para o atendimento de pessoas que fazem uso
ao projeto por alguns gestores municipais; 4. fal- abusivo ou são dependentes de SPA, uma vez que
ta do veículo necessário às ações de campo, fun- aqueles reproduzem o senso comum, em geral
damental para o deslocamento da equipe e para também compartilhado pelo corpo técnico des-
a condução dos usuários com necessidade de en- tes serviços, que não incomum, se declara incapaz
caminhamento a outros serviços de saúde e 5. de atender estes pacientes. Mas é possível, à luz da
falta de materiais para o trabalho de campo18. apreensão dos temores que justificam tal recusa e
através de um diálogo franco e cientificamente
fundamentado contando com a interlocução de
5. Análise crítica de algumas das ações técnicos que detêm experiência com pessoas que
previstas no PEAD e no Plano Crack. fazem uso abusivo e/ou são dependentes de dro-
gas, que, em contraposição às fantasias, à desin-
Criação de leitos em hospitais gerais e hospi- formação e a toda ideologia repressiva que per-
tais psiquiátricos para pessoas que fazem uso meia este campo, se possa construir práticas mais
abusivo ou são dependentes de álcool, crack ou humanizadas e igualitárias para esta população.
outras drogas, uma das ações previstas no “Pla- Um dos aspectos que traduz o quanto de ideolo-
no Crack”, para a qual foram alocados R$ gia permeia a assistência à saúde às pessoas que
208.632.000,00 (52,65% do total dos recursos), se usam drogas, é ouvir alguns psiquiatras se dize-
constitui numa estratégia importante para se li- rem despreparados para tal tarefa. Sabem os que
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tomam aos seus encargos o tratamento desta CAPSad, à semelhança dos CAPS em geral, é a
população que uma das principais dificuldades ausência de territorialidade, levando-os a serem
diz respeito à elevada prevalência de comorbida- confundidos, ou mesmo a efetivamente funcio-
des com transtornos mentais, terreno por exce- narem, como pequenas unidades psiquiátricas.
lência da atuação do psiquiatra. Estas condições os tornam alvos das críticas fer-
Implantação de pontos de acolhimento (Ca- renhas advindas dos que se opõem à Reforma
sas de funcionamento diurno para acolhimento Psiquiátrica, os quais desprezando o fato do
de crianças e adolescentes e jovens usuários de CAPS ser um modelo em construção e depen-
drogas, especialmente crack, em condições de ex- dente do bom funcionamento de outros disposi-
trema vulnerabilidade das cidades com mais de tivos da rede básica, a exemplo da ESF, dos Nú-
500 mil habitantes). O valor de R$1.372.000,00 cleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) e de
destinados a 70 serviços desta natureza, confor- toda a rede de cuidados (CRAS, CREAS)16 o com-
me previsto no “Plano Crack” 13 implica em param às unidades psiquiátricas tradicionais.
R$19,600,00 para a implantação e o custeio de Some-se a isto a vulnerabilidade das políticas
cada uma dessas unidades. Habitualmente os públicas a nível municipal e suas repercussões
municípios não dispõem de imóveis públicos ade- diretas sobre o funcionamento dos CAPSad, as
quados ao funcionamento de projetos como es- quais incluem dificuldades na aplicação dos re-
tes, bem como de técnicos habilitados ao acolhi- cursos de incentivo e custeio para estes serviços,
mento desta população. Por outro lado, além da a existência de vínculos profissionais precários e
provisão de cuidados previstos neste dispositivo os baixos salários pagos aos seus técnicos, estes
como lanche, banho, lavagem de roupa e outros últimos com implicações direta no cumprimen-
cuidados pessoais, não incomum se faz necessá- to da carga horária prevista nos contratos de tra-
rio o encaminhamento dos acolhidos a outros balho. Estas circunstâncias dificultam a integra-
serviços da rede de cuidados. Acontece que eles ção das equipes, sobretudo em relação aos pro-
habitualmente não têm dinheiro nem cultura para fissionais mais escassos no mercado, a exemplo
priorizar esta necessidade e por isto se faz neces- dos psiquiatras, levando a que um mesmo pro-
sário a inclusão de um veículo com combustível e fissional trabalhe em vários municípios. Some-
motorista nestes serviços. Estas necessidades co- se a isto, outras limitações de natureza ideológica
locam o orçamento anual de cada ponto de aten- como a nomeação para a chefia destes serviços
dimento num patamar acima de R$100.000,00. de pessoas sem perfil técnico adequado e as difi-
Implantação de 195 novos pontos de arte, culdades de natureza administrativo-operacio-
cultura e renda na rede de atenção aos usuári- nais, a exemplo da restrição dos horários do uso
os de álcool e outras drogas. O recurso finan- do veículo, de combustível, dos materiais neces-
ceiro definido no Plano Crack é de R$1.510.000,00. sários à realização das oficinas terapêuticas e
A média de investimento por ponto é, portanto, mesmo de alimentação. Outra dificuldade é a
de R$7.743,00, o que deixa evidente a pobreza de integração dos clientes dos CAPSad capacitados
horizontes. É necessário que se mude a mentali- em oficinas como culinária e jardinagem - ape-
dade de destinar aos pobres, coisas pobres. É re- nas para citar dois exemplos - na prestação de
duzida a possibilidade de se inserir no mercado serviços contratados pelos municípios, até mes-
através da produção de algo com muito pouco mo aqueles destinados à própria rede de CAPS,
valor agregado. O que se ver nos serviços de aten- habitualmente executados por empresas tercei-
ção ao uso de drogas são produções simplórias rizadas. Percebe-se aí, mais uma vez o fosso exis-
se utilizando de palitos de fósforos, reciclagem tente entre o que é concebido à nível federal e o
de papel e obras de artes pobres do ponto de que efetivamente acontece na ponta, ao nível dos
vista técnico e/ou estético. Dispositivos como es- estados, mas sobretudo dos municípios. Este pa-
tes, portanto, implicam no envolvimento de téc- rece ser um dos pontos crítico na execução de
nicos especializados, na transmissão de saberes políticas públicas para atenção aos usuários de
que subsidiem a produção, no controle de quali- drogas em nosso país.
dade do que se produz, na articulação com o As Escolas de Redutores de Danos do SUS
mercado, na criação de cooperativas ou de ou- se constituem numa estratégia de resgate do tra-
tros meios de sustentabilidade, de forma a facul- balho de campo realizado pelos redutores de
tar aos usuários a construção de um novo per- danos, face a face com as pessoas que usam dro-
curso e o reconhecimento social. gas. Os técnicos capacitados por esta estratégia
A criação de CAPSad III - 24 horas – Como podem exercer suas atividades diretamente jun-
afirmado anteriormente, o maior percalço dos to à população alvo através dos Projetos de Re-
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dução de Danos, nos Consultórios de Rua do bém uma substância química sem propriedades
SUS, nas ações territoriais dos CAPSad, nas salas psicoativas. O óxido de cálcio tem propriedades
de espera destes Centros e de outros Serviços de irritativas para o trato respiratório, mas isto não
Saúde e, ainda, participando do matriciamento lhe confere poder psicoativo, como tem feito crer
da ESF. As Escolas de Redutores de Danos, bem a mídia. Mesmo os técnicos que militam na aten-
como o financiamento de Projetos de Redução ção ao uso de drogas, sem se aperceberem do
de Danos, representam uma contribuição efetiva paradoxo de suas afirmações, mencionam que o
na atenção ao uso de drogas, iniciando a recupe- oxi é uma droga mais potente e mais barata que o
ração do tempo perdido com a descontinuidade crack. Como, se o princípio ativo é o mesmo?
da maioria dos PRD do Brasil, a partir do ano de Certamente os que traficam gostariam de ter aces-
2003. O êxito desta estratégia, mesmo no melhor so a esta fórmula mágica: um produto com mais
dos cenários, ou seja, com o seu funcionamento princípio ativo e mais barato.
pleno e efetivo, depende da contratação dos re- Por outro lado, as demais substâncias mencio-
dutores de danos, o que passa pelo reconheci- nadas como fazendo parte do preparo do oxi, a
mento desta categoria profissional. Embora pre- exemplo de querosene e gasolina, são velhas co-
visto a nível federal, por razões, administrativa e/ nhecidas nos ambientes de consumo de drogas e
ou ideológicas, os redutores de danos têm en- não apenas no Norte do Brasil. No Centro His-
contrado dificuldades para uma vinculação for- tórico de Salvador, por exemplo, desde o final dos
mal nos CAPSad, nos Consultórios de Rua e nos anos 90 do século passado, quando houve uma
próprios PRD. brusca mudança do uso de cocaína injetável para
o uso de crack2 os usuários de drogas já faziam
referência a um crack de cor mais escura, prepa-
6. Drogas, imaginário Social rado artesanalmente mediante o uso destas subs-
e Políticas Públicas tâncias e por isto conhecido como “Crack fundo
de quintal”. Ideologicamente, passa-se adiante a
Mesmo técnicos especializados, que em suas pro- confusão entre uma substância mais nociva ao
duções orais ou escritas enfatizam que as drogas organismo do ponto de vista físico, - o óxido de
mais consumidas e que acarretam maiores prejuí- cálcio (cal virgem) tem propriedades irritativas
zos à saúde são o álcool e o tabaco, vez por outra que o bicarbonato de sódio não tem - e o princí-
usam o termo “álcool e drogas” e/ou na prática pio psicoativo, a cocaína, cuja intensidade de efei-
não dão a devida importância ao uso destas duas to pela mesma via de consumo depende apenas
drogas. Isto também se faz presente na lacuna de sua concentração. Em sendo o oxi mais bara-
existente nos PRD no que diz respeito à atenção to, o esperado é que contenha menos cocaína, ao
aos consumidores de álcool e tabaco. Outro en- contrário do que se tem divulgado.
gano acontece nas políticas de saúde dirigidas às Diariamente nas grandes cidades, e mesmo
outras formas de apresentação e consumo de co- nas de médio porte, pessoas são assassinadas em
caína que não a cocaína em pó usada por aspira- nome do combate ao tráfico de drogas; mortes
ção nasal. O crack, e mais recentemente o oxi, estas que, habitualmente, não fazem marcas, ex-
embora tenham como princípio ativo a cocaína, ceto naqueles que perderam seus familiares e
são apresentados como novas drogas; ambas amigos. Não somente a mídia estabelece a asso-
mencionadas, cada uma ao seu tempo, como a ciação drogas e morte, mas é possível ouvir dos
droga da morte19. Trata-se de um mesmo princí- familiares do morto algo assim “mas ele não usava
pio ativo, cocaína, apenas com via de administra- drogas”, o que significa que se usasse poderia ter
ção/absorção diferente, sendo a via fumada a que sido assassinado. Como justificativa parte signi-
possibilita maior intensidade e rapidez de efeitos. ficativa destas mortes é atribuída à troca de tiros
No caso do oxi, a diferença para o crack é a subs- com a polícia, os conhecidos “autos de resistên-
tância utilizada para a obtenção da base livre (free- cia”. Algumas vezes a comunidade contesta esta
base) que possibilita a volatilização da cocaína me- afirmação e vez por outra policiais vão a julga-
diante aquecimento. A volatilização não é possí- mento, acusados de execução. Nas comunidades
vel com cocaína pura (hidrocloridrato de cocaí- de maior prevalência de tráfico e consumo de
na), pois sob aquecimento se degrada antes de se drogas muitas pessoas são assassinadas antes dos
volatilizar20. No caso do oxi, o bicarbonato de 25 anos de idade, seja por desavenças entre pares
sódio, amônia ou hidróxido de sódio usado para ou pela ação policial e de grupos de extermínio.
a obtenção do crack é substituído por óxido de Em linhas gerais, as condições de vida das pes-
cálcio que, à semelhança dos anteriores, é tam- soas socialmente excluídas, entre elas aquelas que
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Andrade TM

usam drogas, são pouco conhecidas pelos profis- nas finalidades a que se destinam. Isto não signi-
sionais de saúde. Por outro lado, a qualidade da fica que estes recursos estejam indo para outras
assistência à saúde para pessoas que usam dro- finalidades, o que eventualmente acontece, mas
gas depende, em muito, da classe social a que per- que o financiador, dentro dos princípios de res-
tencem. Dessa mesma forma, o prognóstico de peito à autonomia dos estados e municípios, pre-
uma pessoa que desenvolve infarto agudo do cisa ser informado das dificuldades vivenciadas
miocárdio depende do acesso em um curto espa- para o alcance dos objetivos estabelecidos, sobre-
ço de tempo a um serviço de saúde, o que dificil- tudo aquelas de natureza legais e administrativas
mente ocorre entre as pessoas mais pobres, pela e das falhas e/ou não utilização dos recursos. Es-
dificuldade de acesso a estes serviços. Segundo Ba- tas situações, à medida que dificultam e, mesmo,
ratta21 enquanto os jovens de classe média são inviabilizam o cumprimento das metas pactua-
medicalizados em clínicas particulares, os pobres das devem estar na pauta dos supervisores destas
são condenados ao cumprimento de medidas so- ações, sejam eles técnicos dos quadros do Gover-
cioeducativas. No Brasil a situação é mais grave: no Federal ou outros, que em seu nome, sejam
as principais vítimas da guerra ao tráfico são os contratados com esta finalidade.
usuários pobres, negros e vivendo nos bairros Proposição 2: Tão importante quanto o aper-
mais desfavorecidos das grandes cidades22. Isto feiçoamento das práticas de saúde para as pes-
nos leva a pensar que o termo “a droga da morte” soas que têm problemas com o uso de drogas,
atribuída ao crack, e mais recentemente ao oxi, sobretudo as socioeconomicamente mais desfa-
esteja a serviço desta discriminação a qual vai ao vorecidas, são os suportes sociais, com destaque
encontro da concepção de uma vida matável, o para os projetos de geração de renda. Estes últi-
homo sacer do Direito Romano, transposta para mos concebidos com reais perspectivas de sus-
a atualidade como o paradigma político do con- tentabilidade através da inserção dos seus pro-
temporâneo pelo filósofo Giorgio Agamben, des- dutos no mercado, planejados e executados le-
crita por Dias23. A adjetivação “droga da morte” vando-se em conta as pautas culturais, os valo-
parece estar a favor da redução do impacto do res e as possibilidades das populações atendidas.
assassinato do usuário, já que por si mesmo ele Caminho este originalmente já posto nos princí-
estaria buscando a morte. Se a vida destes jovens pios e nas práticas da RD. Concebida inicialmen-
usuários de drogas vale tão pouco, o que vale a te como uma medida médico-sanitária de pre-
vida das vítimas dos que dentre eles se envolvem venção do HIV/AIDS, através da troca de serin-
com práticas ilegais? Ou a vida do policial que gas entre UDI, já no seu início, a RD esbarrou na
executa essa política repressiva? A situação dos enorme distância entre as práticas de saúde como
policiais é agravada pelo fato fato de, comumen- concebidas nos intramuros das instituições e a
te, habitarem estas mesmas áreas onde atuam em realidade das ruas onde as pessoas em situação
nome do combate ao tráfico e em decorrência de grandes adversidades são, de certa forma, an-
disto, tem sido comum o assassinato destes pro- tropólogos de si mesmas. Neste contexto o papel
fissionais mesmo quando fora de serviço. Trata- do técnico em saúde é o de facilitador de uma
se, portanto, de uma guerra onde todos perdem: subjetivação até então relegada e da consequente
os traficantes, os usuários de drogas, os policiais, reconstrução de percurso em busca de papeis
os familiares, a sociedade como um todo. Se esta socialmente mais valorizados.
guerra interessa a alguém, com certeza esse al- Proposição 3: O aperfeiçoamento das políti-
guém não se encontra no “front”. Estas reflexões cas públicas em atenção ao uso de drogas, em
nos fazem pensar sobre o que estamos constru- sintonia com os princípios da RD e da Reforma
indo com a repressão ao tráfico de drogas nos Psiquiátrica, incluindo vivências em campo e dis-
moldes que tem sido feito. Um monstro social? cussões das situações vivenciadas com graduan-
dos da área de saúde, com ênfase para os futuros
médicos, não incomum, os mais distantes deste
7. Algumas proposições para a Política referencial e os mais arraigados ao aprendizado
de Álcool e Drogas no Brasil de práticas centradas em serviços de saúde e exer-
cidas de forma verticalizadas. Os Programas de
Proposição 1: Tão importante quanto o financia- Educação pelo Trabalho - PET-Saúde/Saúde
mento pelo Governo Federal de ações voltadas Mental/Crack 2011 Portaria Interministerial MS/
para a população usuária de drogas - para nos MEC nº 422/2010, já em curso em várias univer-
restringir ao universo do qual estamos tratando - sidades brasileiras se constituem numa forma de
é o acompanhamento da aplicação dos recursos viabilizar este propósito. Ainda dentro desta pro-
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Ciência & Saúde Coletiva, 16(12):4665-4674, 2011


posição está a inclusão na grade curricular de
cursos afins de conteúdos relacionados à aten-
ção ao uso de drogas. Em pelo menos uma uni-
versidade brasileira, a UFBA, no Departamento
de Saúde da Família da Faculdade de Medicina da
Bahia, a Redução de Danos já é disciplina obriga-
tória para alunos do sétimo e oitavo semestre. Os
relatos de campo produzidos pelos alunos desta
disciplina, ao tempo que denunciam a distância
existente entre a academia e as ruas, apontam
esta prática como de grande importância para
suas vidas futuras como profissionais.

Agradecimentos Referências

A todos técnicos atuais e que já passaram pela 1. Ribeiro MM. Políticas Públicas e a Questão das Dro-
Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcan- gas: O impacto da política de redução de danos na
legislação brasileira de drogas [dissertação]. São Paulo
ti; a todos os colaboradores; às pessoas que usam (SP): Faculdade de Direito da USP; 2007.
drogas. Enfim, a todos aqueles que de alguma 2. Andrade TM, Lurie P, Medina MG, Anderson K,
forma, ao longo dos anos, possibilitaram as re- Dourado I. The opening of South America´s first
flexões presentes neste artigo. needle exchange Program and an epidemic of crack
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Apresentado em 08/09/2011
Aprovado em 30/09/2011
Versão final apresentada em 05/10/2011

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