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Reflexões Sobre Políticas de Drogas No Brasil
Reflexões Sobre Políticas de Drogas No Brasil
ARTIGO ARTICLE
Reflexões sobre Políticas de Drogas no Brasil
Abstract This article contains some reflections Resumo Este artigo trás algumas reflexões sobre
on drug policies in Brazil. In the first two chap- as políticas de drogas no Brasil, desde os momen-
ters, taking the needle exchange programs (SEPs) tos iniciais do enfrentamento do HIV/AIDS entre
as the starting point, the author discusses the tra- os usuários de drogas injetáveis. Nos dois primei-
jectory of the Harm Reduction Policy in Brazil ros capítulos, tendo como ponto de partida os pro-
and the role played in it by the Department of gramas de trocas de seringas (PTS), o autor abor-
STD, AIDS and Viral Hepatitis. The third chap- da o percurso da Política de Redução de Danos no
ter examines the actions developed by the Na- Brasil e o papel nela desempenhado pelo Departa-
tional Coordination of Mental Health, Alcohol mento de DST, AIDS e Hepatites Virais. O tercei-
and Other Drugs and the Office of Drug Policies - ro capítulo traz as ações desenvolvidas pela Coor-
SENAD, after the retraction of the Department of denação Nacional de Saúde Mental Álcool e ou-
STD and AIDS from drug policies, as well as the tras Drogas e pela Secretaria de Políticas sobre
introduction of PEAD and the “Crack Plan” in Drogas - SENAD, a partir da retração do Depar-
the country. In the fourth and fifth chapters the tamento de DST e AIDS nas políticas sobre dro-
provisions of the current Brazilian policy on drugs gas, bem como o surgimento do PEAD e do “Plano
and its limitations related mainly to the fragility Crack”, enquanto planos emergenciais para fazer
of the Family Health Strategy are discussed, and face ao aumento do consumo de crack no país. No
some of the actions foreseen in the PEAD and the quarto e quinto capítulos são discutidos os dispo-
“Crack Plan” are critically analyzed. In the sixth sitivos da atual política brasileira sobre drogas,
chapter the author examines the effects of repres- suas limitações vinculadas, sobretudo, à fragili-
sion in the name of combating trafficking in the dade da Estratégia Saúde da Família, e são anali-
Brazilian policy on drugs having as background sadas criticamente algumas das ações previstas no
of the marginalization and social exclusion of PEAD e no “Pano Crack”. No sexto capítulo o
users. Finally, some proposals are presented for autor trás os efeitos da repressão em nome do com-
the Alcohol and Drugs Policy in Brazil. bate ao tráfico na política brasileira sobre drogas,
1
Faculdade de Medicina da
Key words Public health, Drug policies, Harm tendo como pano de fundo a marginalização e a
Bahia, Universidade Federal reduction exclusão social dos usuários. Por fim, são apre-
da Bahia. Praça XV de sentadas algumas proposições para a Política de
novembro s/n, Largo do
Terreiro de Jesus. Álcool e Drogas no Brasil.
40025-010 Salvador BA. Palavras Chaves Saúde pública, Políticas de dro-
tarcisio@ufba.br gas, Redução de danos, Brasil
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Andrade TM
1. Drogas injetáveis e AIDS: novo rumo PTS e os trabalhadores deste campo progressi-
para as políticas de saúde relacionadas vamente foram se organizando em associações,
ao uso de drogas no Brasil a exemplo da ABORDA (Associação Brasileira de
Redutores de Danos), criada em 1997 e da RE-
A atenção clínica ao uso de drogas na esfera pú- DUC (Rede Brasileira de Redução de Danos), em
blica no Brasil, até o início dos anos 90 do século 1998, além de várias associações Estaduais de
passado, estava a cargo dos Centros de Referên- Redutores de Danos4. Progressivamente as ações
cia Nacional. Em número de seis, estes centros dos PRD foram ampliadas a outras populações
tinham a influência do pensamento de Claude que não apenas os UDI, tais como presidiários,
Olievenstein, diretor do Center Medical Marmo- meninos de rua, profissionais do sexo, usuários
tan, em Paris. de crack e usuários de anabolizantes, tudo com
No final dos anos oitenta, sob coordenação intenso protagonismo de técnicos do Governo
do Ministério da Saúde, particularmente da Co- Federal, que constituíam dentro do PN-DST/
ordenação Nacional de DST/AIDS (CN-DST/ AIDS, uma importante equipe de apoio e incenti-
AIDS), hoje Departamento de DST, AIDS e He- vo a estes programas.
patites Virais, começaram as primeiras reuniões De uma prática médico sanitária de preven-
motivadas pelo aumento da prevalência de HIV/ ção ao HIV/AIDS, reduzida muitas vezes a uma
AIDS entre usuários de drogas injetáveis (UDI). única ação, a da troca de seringas, ao longo de
Em 1989, deu-se a primeira tentativa brasileira sua execução a redução de danos evolui para a
de fazer funcionar um programa de trocas de concepção atual de uma política de saúde cujos
seringas (PTS) entre usuários de drogas injetá- princípios e práticas, sem condicionar à absti-
veis (UDI), em Santos – SP, cidade com papel de nência, tem como objetivos reduzir os danos e os
destaque na Reforma Psiquiátrica no Brasil. riscos relacionados ao uso de drogas, pautados
Abortado pela Promotoria local, embora o PTS no protagonismo da população alvo, no respei-
da cidade de Santos não tenha se efetivado, as to ao indivíduo e no direito deste às suas drogas
negociações entre os operadores da Saúde Públi- de consumo5.
ca e os do Direito resultaram na sua suspensão,
mas também no arquivamento do inquérito po-
licial contra os técnicos envolvidos, evitando, com 2. Avanços e recuos da política de Redução
isto, o precedente que poderia vir a impedir ou- de Danos e suas consequências
tros Programas desta natureza no Brasil1. Em para as políticas de drogas no Brasil.
1995, foi efetivado em Salvador, Bahia, o primei-
ro PTS do Brasil e na América Latina2. Observações recolhidas pelos PRD no Brasil du-
Em várias partes do mundo, a exemplo da rante o trabalho de campo informavam que os
Europa, dos Estados Unidos e da Austrália, e no UDI estavam se tornando mais seletivos, restrin-
Brasil não foi diferente, os olhares das políticas giam o uso injetável à cocaína de melhor quali-
públicas de saúde começavam a se voltar para as dade e muitos migraram para o uso de crack2,6.
pessoas que usavam drogas, pela ameaça de que Por outro lado, moradores das comunidades
a epidemia de HIV/AIDS fugisse ao controle a atendidas pelos PRD, os quais no início acusa-
partir desta população. Na primeira metade da vam os redutores de danos de incentivarem o
década de noventa do século passado, um acor- consumo de drogas, progressivamente passavam
do entre o Governo Brasileiro e o Banco Mun- a colaborar com estes Programas. Aos poucos,
dial, envolvendo recursos da UNODC – United no imaginário da população brasileira, inclusive
Nations Office on Drugs and Crime, possibili- dos próprios UDI, foi ganhando corpo a associa-
tou uma série de projetos de atenção ao uso de ção entre drogas injetáveis e HIV/AIDS.
drogas injetáveis, incluindo trocas de seringas3. Os primeiros PTS do Brasil enfrentaram gran-
Iniciou-se, então, através da CN-DST/AIDS um de resistência de vários setores da sociedade, os
conjunto de ações de redução de danos voltado quais viam a troca de seringas como ilegal e uma
para o controle do HIV e de outras infecções de forma de incentivo ao consumo de drogas; sub-
transmissão parenteral entre UDI. Entre 1995 e jacente a este modo de pensar estava o preconcei-
2003 foram abertos mais de 200 Programas de to contra os usuários de drogas manifesto em
Redução de Danos (PRD), muitos deles incluin- argumentações do tipo “como prover seringas
do troca de seringas, e quase todos com recursos para UDI se faltam ao país tantas outras ações de
da CN-DST/AIDS. Em vários pontos do país leis saúde para a população em geral?” Contudo, se
municipais autorizaram o funcionamento dos utilizando das experiências de outros países, mui-
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gas a partir de 2002, a qual, embora ainda muito Além da baixa cobertura, algumas das carac-
aquém da necessidade, em dezembro de 2010 con- terísticas da ESF justificam as suas dificuldades
tava com 258 Centros desta natureza. de integrar ações de RD em suas práticas cotidi-
Com o progressivo aumento e visibilidade anas: 1. a ênfase na atenção básica à saúde no
do consumo de crack, cujos registros no Brasil Brasil é ainda recente e apresenta uma estrutura
datam do início dos anos noventa13, em 2009 foi organizacional em construção; 2. os profissio-
lançado pelo governo Federal o PEAD Plano nais de saúde desta Estratégia têm dificuldades
Emergencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento de lidar com questões relacionadas ao uso de dro-
e à Prevenção em Álcool e outras Drogas14, segui- gas, seja pelo desconhecimento dos fatores biop-
do, em 2010, pelo “O Plano Crack” - Plano de sicossociais relacionados ao seu consumo, repro-
integração das ações voltadas para a prevenção, duzindo preconceitos do senso comum acerca
tratamento e reinserção social de usuários de cra- dos seus usuários, seja pelo medo de exposição
ck e de outras drogas. profissional à violência do tráfico; e 3. os precon-
ceitos quanto à legitimidade das práticas de re-
dução de danos, ainda alimentam a resistência
4. Políticas de drogas e Atenção Básica às mesmas apesar delas fazerem parte do SUS.
em Saúde no Brasil As fragilidades das ações territoriais desen-
volvidas no âmbito da ESF são mais acentuadas
Diante da acentuada vulnerabilidade social e das nas comunidades socioeconomicamente menos
carências no campo da saúde, educação e segu- favorecidas e com menor acesso aos serviços de
rança pública das populações menos favorecidas, saúde e de suporte social, não por acaso as mes-
sobretudo daquelas vivendo nas periferias das ci- mas comunidades onde o uso e o tráfico de dro-
dades grandes e de médio porte, em particular das gas, e seus efeitos negativos, a exemplo da elevada
pessoas que fazem uso de drogas ilícitas, uma po- taxa de homicídios e outras formas de violência,
lítica de Estado que integrasse a atenção a todas são mais intensos. Sendo assim, as pessoas que
estas deficiências seria, sem dúvida, um elemento fazem uso de drogas de forma mais comprome-
importante na resolução do problema. Com este tedora e, em particular, as que fazem uso abusivo
propósito, foram concebidos o PEAD e o Plano de crack, oxi e outras formas de apresentação de
Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras cocaína para consumo fumado, principal popu-
Drogas - Plano Crack14-16. Entretanto, estes Pla- lação alvo do “Plano Crack”, na prática, têm mui-
nos foram instituídos num contexto de pânico ta dificuldade de ser incluídas nas ações governa-
social relacionado ao uso de crack e de grande mentais propostas nestes Planos. Neste contexto,
fragilidade estrutural, haja vista a carência de ações a falta de percepção pelos gestores da importân-
de comunitárias junto aos usuários de drogas. Os cia de integrar a atenção ao uso de drogas na ótica
Programas de Atenção Básica em Saúde, cujo prin- da RD à ESF, cujas equipes muitas vezes carecem
cipal motor é a Estratégia de Saúde da Família de vínculos estáveis, salários dignos e treinamen-
(ESF), apesar de sua expansão, ainda apresenta to adequado, tem se constituído na maior dificul-
cobertura inferior a 20% em algumas grandes ci- dade para que as ações de promoção à saúde,
dades Brasileiras, e a quase totalidade desta Estra- prevenção e assistência alcancem estas popula-
tégia não inclui a atenção ao uso de drogas no rol ções de usuários de drogas, as quais não têm os
de suas ações. A baixa cobertura da ESF é também serviços de saúde como referência.
um problema para os CAPSad, uma vez que com- Pelo exposto acima, a atuação dos CAPSad,
promete a essência da função para a qual estes que deveria ter por base ações territoriais, fica
Centros foram concebidos, ou seja, prestar aten- reduzida ao atendimento no próprio serviço, o
dimento clínico em regime de atenção diária, evi- qual mesmo situado em território de elevada
tando as internações e ser o coordenador e articu- prevalência de consumo e tráfico de drogas, é
lador das ações de saúde mental na atenção ao subutilizado uma vez que a população alvo não
uso de álcool e outras drogas em um determina- o tem como referência. Trata-se de pessoas mar-
do território17. Função esta que depende muito da cadas pela falta de vínculos institucionais, a qual
articulação com a ESF e da inclusão de ações de na maioria das vezes se origina já nos momentos
RD com base territorial. Fica evidente a lacuna iniciais de sua existência no convívio com as fa-
existente na ainda frágil ESF, e também o preço mílias parentais desestruturadas, ratificada na
elevado pago pelo Brasil por não ter assegurado a relação com escolas que também não estão pre-
sustentação e a expansão das ações de RD entre paradas para lhes acolher, ao que se soma o en-
usuários de drogas nos últimos oito anos. volvimento com práticas socialmente descrimi-
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tomam aos seus encargos o tratamento desta CAPSad, à semelhança dos CAPS em geral, é a
população que uma das principais dificuldades ausência de territorialidade, levando-os a serem
diz respeito à elevada prevalência de comorbida- confundidos, ou mesmo a efetivamente funcio-
des com transtornos mentais, terreno por exce- narem, como pequenas unidades psiquiátricas.
lência da atuação do psiquiatra. Estas condições os tornam alvos das críticas fer-
Implantação de pontos de acolhimento (Ca- renhas advindas dos que se opõem à Reforma
sas de funcionamento diurno para acolhimento Psiquiátrica, os quais desprezando o fato do
de crianças e adolescentes e jovens usuários de CAPS ser um modelo em construção e depen-
drogas, especialmente crack, em condições de ex- dente do bom funcionamento de outros disposi-
trema vulnerabilidade das cidades com mais de tivos da rede básica, a exemplo da ESF, dos Nú-
500 mil habitantes). O valor de R$1.372.000,00 cleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) e de
destinados a 70 serviços desta natureza, confor- toda a rede de cuidados (CRAS, CREAS)16 o com-
me previsto no “Plano Crack” 13 implica em param às unidades psiquiátricas tradicionais.
R$19,600,00 para a implantação e o custeio de Some-se a isto a vulnerabilidade das políticas
cada uma dessas unidades. Habitualmente os públicas a nível municipal e suas repercussões
municípios não dispõem de imóveis públicos ade- diretas sobre o funcionamento dos CAPSad, as
quados ao funcionamento de projetos como es- quais incluem dificuldades na aplicação dos re-
tes, bem como de técnicos habilitados ao acolhi- cursos de incentivo e custeio para estes serviços,
mento desta população. Por outro lado, além da a existência de vínculos profissionais precários e
provisão de cuidados previstos neste dispositivo os baixos salários pagos aos seus técnicos, estes
como lanche, banho, lavagem de roupa e outros últimos com implicações direta no cumprimen-
cuidados pessoais, não incomum se faz necessá- to da carga horária prevista nos contratos de tra-
rio o encaminhamento dos acolhidos a outros balho. Estas circunstâncias dificultam a integra-
serviços da rede de cuidados. Acontece que eles ção das equipes, sobretudo em relação aos pro-
habitualmente não têm dinheiro nem cultura para fissionais mais escassos no mercado, a exemplo
priorizar esta necessidade e por isto se faz neces- dos psiquiatras, levando a que um mesmo pro-
sário a inclusão de um veículo com combustível e fissional trabalhe em vários municípios. Some-
motorista nestes serviços. Estas necessidades co- se a isto, outras limitações de natureza ideológica
locam o orçamento anual de cada ponto de aten- como a nomeação para a chefia destes serviços
dimento num patamar acima de R$100.000,00. de pessoas sem perfil técnico adequado e as difi-
Implantação de 195 novos pontos de arte, culdades de natureza administrativo-operacio-
cultura e renda na rede de atenção aos usuári- nais, a exemplo da restrição dos horários do uso
os de álcool e outras drogas. O recurso finan- do veículo, de combustível, dos materiais neces-
ceiro definido no Plano Crack é de R$1.510.000,00. sários à realização das oficinas terapêuticas e
A média de investimento por ponto é, portanto, mesmo de alimentação. Outra dificuldade é a
de R$7.743,00, o que deixa evidente a pobreza de integração dos clientes dos CAPSad capacitados
horizontes. É necessário que se mude a mentali- em oficinas como culinária e jardinagem - ape-
dade de destinar aos pobres, coisas pobres. É re- nas para citar dois exemplos - na prestação de
duzida a possibilidade de se inserir no mercado serviços contratados pelos municípios, até mes-
através da produção de algo com muito pouco mo aqueles destinados à própria rede de CAPS,
valor agregado. O que se ver nos serviços de aten- habitualmente executados por empresas tercei-
ção ao uso de drogas são produções simplórias rizadas. Percebe-se aí, mais uma vez o fosso exis-
se utilizando de palitos de fósforos, reciclagem tente entre o que é concebido à nível federal e o
de papel e obras de artes pobres do ponto de que efetivamente acontece na ponta, ao nível dos
vista técnico e/ou estético. Dispositivos como es- estados, mas sobretudo dos municípios. Este pa-
tes, portanto, implicam no envolvimento de téc- rece ser um dos pontos crítico na execução de
nicos especializados, na transmissão de saberes políticas públicas para atenção aos usuários de
que subsidiem a produção, no controle de quali- drogas em nosso país.
dade do que se produz, na articulação com o As Escolas de Redutores de Danos do SUS
mercado, na criação de cooperativas ou de ou- se constituem numa estratégia de resgate do tra-
tros meios de sustentabilidade, de forma a facul- balho de campo realizado pelos redutores de
tar aos usuários a construção de um novo per- danos, face a face com as pessoas que usam dro-
curso e o reconhecimento social. gas. Os técnicos capacitados por esta estratégia
A criação de CAPSad III - 24 horas – Como podem exercer suas atividades diretamente jun-
afirmado anteriormente, o maior percalço dos to à população alvo através dos Projetos de Re-
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usam drogas, são pouco conhecidas pelos profis- nas finalidades a que se destinam. Isto não signi-
sionais de saúde. Por outro lado, a qualidade da fica que estes recursos estejam indo para outras
assistência à saúde para pessoas que usam dro- finalidades, o que eventualmente acontece, mas
gas depende, em muito, da classe social a que per- que o financiador, dentro dos princípios de res-
tencem. Dessa mesma forma, o prognóstico de peito à autonomia dos estados e municípios, pre-
uma pessoa que desenvolve infarto agudo do cisa ser informado das dificuldades vivenciadas
miocárdio depende do acesso em um curto espa- para o alcance dos objetivos estabelecidos, sobre-
ço de tempo a um serviço de saúde, o que dificil- tudo aquelas de natureza legais e administrativas
mente ocorre entre as pessoas mais pobres, pela e das falhas e/ou não utilização dos recursos. Es-
dificuldade de acesso a estes serviços. Segundo Ba- tas situações, à medida que dificultam e, mesmo,
ratta21 enquanto os jovens de classe média são inviabilizam o cumprimento das metas pactua-
medicalizados em clínicas particulares, os pobres das devem estar na pauta dos supervisores destas
são condenados ao cumprimento de medidas so- ações, sejam eles técnicos dos quadros do Gover-
cioeducativas. No Brasil a situação é mais grave: no Federal ou outros, que em seu nome, sejam
as principais vítimas da guerra ao tráfico são os contratados com esta finalidade.
usuários pobres, negros e vivendo nos bairros Proposição 2: Tão importante quanto o aper-
mais desfavorecidos das grandes cidades22. Isto feiçoamento das práticas de saúde para as pes-
nos leva a pensar que o termo “a droga da morte” soas que têm problemas com o uso de drogas,
atribuída ao crack, e mais recentemente ao oxi, sobretudo as socioeconomicamente mais desfa-
esteja a serviço desta discriminação a qual vai ao vorecidas, são os suportes sociais, com destaque
encontro da concepção de uma vida matável, o para os projetos de geração de renda. Estes últi-
homo sacer do Direito Romano, transposta para mos concebidos com reais perspectivas de sus-
a atualidade como o paradigma político do con- tentabilidade através da inserção dos seus pro-
temporâneo pelo filósofo Giorgio Agamben, des- dutos no mercado, planejados e executados le-
crita por Dias23. A adjetivação “droga da morte” vando-se em conta as pautas culturais, os valo-
parece estar a favor da redução do impacto do res e as possibilidades das populações atendidas.
assassinato do usuário, já que por si mesmo ele Caminho este originalmente já posto nos princí-
estaria buscando a morte. Se a vida destes jovens pios e nas práticas da RD. Concebida inicialmen-
usuários de drogas vale tão pouco, o que vale a te como uma medida médico-sanitária de pre-
vida das vítimas dos que dentre eles se envolvem venção do HIV/AIDS, através da troca de serin-
com práticas ilegais? Ou a vida do policial que gas entre UDI, já no seu início, a RD esbarrou na
executa essa política repressiva? A situação dos enorme distância entre as práticas de saúde como
policiais é agravada pelo fato fato de, comumen- concebidas nos intramuros das instituições e a
te, habitarem estas mesmas áreas onde atuam em realidade das ruas onde as pessoas em situação
nome do combate ao tráfico e em decorrência de grandes adversidades são, de certa forma, an-
disto, tem sido comum o assassinato destes pro- tropólogos de si mesmas. Neste contexto o papel
fissionais mesmo quando fora de serviço. Trata- do técnico em saúde é o de facilitador de uma
se, portanto, de uma guerra onde todos perdem: subjetivação até então relegada e da consequente
os traficantes, os usuários de drogas, os policiais, reconstrução de percurso em busca de papeis
os familiares, a sociedade como um todo. Se esta socialmente mais valorizados.
guerra interessa a alguém, com certeza esse al- Proposição 3: O aperfeiçoamento das políti-
guém não se encontra no “front”. Estas reflexões cas públicas em atenção ao uso de drogas, em
nos fazem pensar sobre o que estamos constru- sintonia com os princípios da RD e da Reforma
indo com a repressão ao tráfico de drogas nos Psiquiátrica, incluindo vivências em campo e dis-
moldes que tem sido feito. Um monstro social? cussões das situações vivenciadas com graduan-
dos da área de saúde, com ênfase para os futuros
médicos, não incomum, os mais distantes deste
7. Algumas proposições para a Política referencial e os mais arraigados ao aprendizado
de Álcool e Drogas no Brasil de práticas centradas em serviços de saúde e exer-
cidas de forma verticalizadas. Os Programas de
Proposição 1: Tão importante quanto o financia- Educação pelo Trabalho - PET-Saúde/Saúde
mento pelo Governo Federal de ações voltadas Mental/Crack 2011 Portaria Interministerial MS/
para a população usuária de drogas - para nos MEC nº 422/2010, já em curso em várias univer-
restringir ao universo do qual estamos tratando - sidades brasileiras se constituem numa forma de
é o acompanhamento da aplicação dos recursos viabilizar este propósito. Ainda dentro desta pro-
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Agradecimentos Referências
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drogas. Enfim, a todos aqueles que de alguma 2. Andrade TM, Lurie P, Medina MG, Anderson K,
forma, ao longo dos anos, possibilitaram as re- Dourado I. The opening of South America´s first
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4674
Andrade TM
Apresentado em 08/09/2011
Aprovado em 30/09/2011
Versão final apresentada em 05/10/2011