Você está na página 1de 2

O organismo é denso, habitado por múltiplos impulsos, que ora divergem e logo

convergem, contaminando a mônade em que se constitui.

A banda é una, estrutura movente, instável e maquínica, dotada de um


metabolismo mutante, com distintas instâncias de transfiguração.

Células complexas, cujo núcleo ora pensa ora obedece. Quando pensa, cada célula se
autonomiza, isola e fala, voz difusa numa névoa harmónica, eterna diferença em seu eterno
retorno.

Cada músico/célula é potencia de insurreição ou de atrito. Pode-se constituir


em discurso individual, cuja percepção se dissolve na polifonia dos restantes
discursos. A resultante expressiva é aleatória, confusa e vital, sobressaindo
efémeras erupções de intensidade na multiplicidade extensiva dos gestos e
dos sons.

Já se obedece ele concentra a energia na direcionalidade substantiva da crença e da


repetição.

A dispersão sonora converge então num discurso tendencialmente


convergente ao observar qualquer regra tácitamente aceite. Essa
convergência tem, como efeito narrativo, um acúmulo de vontades e uma
efectividade produtiva. É o organismo que se determina enquanto
movimento.

Assim é lançada a tensão anímica, plena de restos e de fissuras que desfocam a percepção
do abismo e agenciam o movimento das fibras deste corpo.

Não se estabiliza nunca uma identidade, porque ela oscila entre a


desintegração do arbítrio individual e o esboço de uma consciência plural,
colectiva. O ânimo é esta dubiedade organica - sua emotividade parcelar ou
unificada- e também a clareza do movimento – opaco e disperso nas células
desgarradas, claro e opinativo nos movimentos convergentes.

O todo se agita conforme o meio, adere ao silêncio, adere ao perigo, adere ao riso, adere à
fúria. O movimento do meio, suas transformações no tempo, explicam o movimento do
monstro. O meio é dramatúrgico e segrega causalidades.

Tudo o que acontece tem origem numa causa e produz uma consequência. A
escuridão tende à luz, a mansidão à violência. Há uma virtualidade de
opostos no simples movimento do tempo – não o enlace de um com o outro
mas algo conjurado numa zona intermédia que se desloca no tempo e no
espaço.

O meio tem seu ritmo (seu jogo transiente de velocidades), densidade e textura; o meio
confina, constrange e desafia.

Perturbações do meio convocam as adaptações do organismo – as chuvas


ácidas, o tremer da terra, a solidão desértica, a vertigem urbana...
O organismo adapta-se ao meio e cada célula trabalha a seu favor; há um devir em que
prospera, há um cancro que se estirpa. Porque há morte, já que há vida.

Há quem esmoreça e morra em cena. O organismo absorve a célula morta,


função de metamorfose. Há pequenas catástrofes que agem sobre a
integridade do organismo, clarões de luz, pesados silêncios,
disfuncionalidades, patologias, bolores...

A duração do organismo é o seu tempo de sobrevivência ao risco. Nasce, dura e morre. O


organismo é multiforme, ora se dissipa em células autónomas, ora se recria reabsorvendo as
partes Nasce por partes, multiplicando o tecido celular até à maturidade; fenece por
desgaste, assistindo impotente e digno à sua própria decadência. Assim dura, respira, age e
reage, grita e cala. Um momento de glória, de absoluta lucidez e sabedoria, precede o
instante final do seu ocaso. Luz!

Você também pode gostar